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A ABSTENÇÃO PORTUGUESA EM PERSPECTIVA COMPARATIVA CÍRCULOS UNINOMINAIS: CRÍTICAS E RESPOSTAS A REFORMA DO SISTEMA ELEITORAL PARA A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA: BREVE REFLEXÃO SOBRE O PJL 17/IX DO PARTIDO SOCIALISTA COMUNICAÇÃO, A TERCEIROS, DE DADOS PESSOAIS CONTIDOS NA BASE DE DADOS DO RECENSEAMENTO ELEITORAL revista de assuntos eleitorais ISSN : 0871 - 7451 NÚMERO 7 Ministério da Administração Interna Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral

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• A ABSTENÇÃO PORTUGUESAEM PERSPECTIVA COMPARATIVA

• CÍRCULOS UNINOMINAIS:CRÍTICAS E RESPOSTAS

• A REFORMA DO SISTEMA ELEITORAL PARA A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA: BREVE REFLEXÃO SOBRE O PJL 17/IX DO PARTIDO SOCIALISTA

• COMUNICAÇÃO, A TERCEIROS, DE DADOS PESSOAIS CONTIDOS NA BASE DE DADOS DO RECENSEAMENTO ELEITORAL

r e v i s t a d e a s s u n t o s e l e i t o r a i s

ISSN : 0871 - 7451

MER

O

7

Ministérioda Administração

Interna

Secretariado Técnicodos Assuntos para oProcesso Eleitoral

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ELEIÇÕESRevista de assuntos eleitorais (*)

Nº 7 - Março de 2003

PROPRIEDADE:Ministério da Administração Interna

Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral

DIRECÇÃO:Maria de Fátima Ribeiro Mendes

COORDENAÇÃO TÉCNICA:Jorge Miguéis

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO:STAPE - Avª D. Carlos I - 134 - 1249 -104 LISBOA

CAPA E ARRANJO GRÁFICO:Mário Pacheco e Joaquim Ferrada

EXECUÇÃO GRÁFICA:SOARTES - artes gráficas, lda.

ISSN: 871 - 7451

DEPÓSITO LEGAL:41 658/90

(*) Título anotado pelo Instituto da Comunicação Social

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• NOTA DE ABERTURA 5Nuno Magalhães

• A ABSTENÇÃO PORTUGUESAEM PERSPECTIVA COMPARATIVA 7

André Freire e Pedro Magalhães

• CÍRCULOS UNINOMINAIS:CRÍTICAS E RESPOSTAS 37

Filipe Nunes

• A REFORMA DO SISTEMA ELEITORALPARAAASSEMBLEIA DA REPÚBLICA: BREVE REFLEXÃO SOBRE O PJL 17/IX DO PARTIDO SOCIALISTA 47

André Freire

• COMUNICAÇÃO, A TERCEIROS, DE DADOS PESSOAIS CONTIDOS NA BASE DE DADOS DO RECENSEAMENTO ELEITORAL 65

Parecer n.º 22/2001 da C. N. P. D.

Índice

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O STAPE retoma, em boa hora, a publicação da sua revista detemas eleitorais, ocasião que, como responsável político pela sua tutela,saúdo vivamente.

É relevante o esforço que neste domínio vem sendo feito ao longodos anos, face às facilmente descortináveis dificuldades em obter colabo-rações que assegurem o patamar de qualidade desejável no âmbito deuma temática tão específica quanto importante como esta.

Contudo, essa qualidade é garantida neste número pelos valiososartigos que o integram, onde se apresentam opiniões diversas sobre umprojecto de lei de alteração do sistema eleitoral da Assembleia daRepública e onde se aborda, com raro rigor científico, o preocupante fenó-meno da abstenção eleitoral que atinge a nossa democracia de formatransversal, constituindo obrigação de um Estado Democrático moderno irde encontro aos cidadãos, identificando as suas causas e soluções.

É de sublinhar também, a oportuna publicação de um parecer daComissão Nacional da Protecção de Dados sobre a comunicação a ter-ceiros dos dados constantes da base de dados central do recenseamen-to eleitoral, que constitui uma fundamental luz orientadora da actuação doSTAPE na disponibilização de dados de uma estrutura sensível que legal-mente lhe compete gerir.

Deseja-se que futuros números desta publicação lhe asseguremuma periocidade mais regular mantendo em crescendo o nível de quali-dade científica já alcançado, razão primeira da sua existência.

(Nuno Magalhães)Secretário de Estado da Administração Interna

NOTA DE ABERTURA

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Introdução

Este estudo é uma pequenaparte de um trabalho sobre aabstenção eleitoral em Portugal,realizado para o MAI (Ministério daAdministração Interna) e para oMREAP (Ministério da Reforma doEstado e da AdministraçãoPública) no âmbito do projecto“Comportamento eleitoral e ati-tudes políticas dos portuguesesnuma perspectiva comparativa”,que decorre no ICS-UL. O referidoprojecto visa, nos próximos trêsanos, conduzir a mais exaustivainvestigação feita até hoje emPortugal acerca do comportamen-to eleitoral dos portugueses e dassuas atitudes em relação às insti-tuições e processos do sistemapolítico português. O projecto édirigido por António Barreto e temcoordenação executiva de AndréFreire, Pedro Magalhães e MarinaCosta Lobo. A investigação contaactualmente com o apoio daFundação Tinker, da Fundaçãopara a Ciência e a Tecnologia, daFundação Calouste Gulbenkian,da Fundação Luso Americana

para o Desenvolvimento, daComissão Nacional de Eleições,do Ministério da AdministraçãoInterna (MAI), do Ministério para aReforma do Estado e daAdministração Pública (MREAP),actualmente Ministério dasFinanças e da AdministraçãoPública, e, last but not least, doSecretariado Técnico dos Assun-tos para o Processo Eleitoral(STAPE/MAI). Desenvolvem-seainda negociações com vista àrecuparação de sondagens políti-cas e eleitorais das empresas queas tenham produzido no passadoe que as queiram disponibilizar aoprojecto para depois ficaremacessíveis aos membros do pro-jecto, em particular, e a toda acomunidade académica e empre-sarial, em geral. Neste particularcabe especial menção a disponi-bilidade já manifestada do Dr.Mário Bacalhau, antigo admi-nistrador da NORMA e actualadministrador da EUREQUIPA, defornecer ao projecto todas assondagens que produziu e queainda possui. Idêntica disponibili-dade foi também já manifestada

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A ABSTENÇÃO PORTUGUESAEM PERSPECTIVA COMPARATIVA- André Freire

(1)e Pedro Magalhães

(2)

(1) Assistente do Departamento de Sociologia do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalhoe da Empresa), investigador do CIES-ISCTE (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) einvestigador júnior associado do ICS-UL (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa).È actualmente um dos coordenadores executivos do projecto “Comportamento Eleitoral e AtitudesPolíticas dos Portugueses em Perspectiva Comparativa”, que decorre no ICS-UL.

(2) Assistente da Universidade Católica Portuguesa (UCP), investigador júnior associado doCS-UL e director do CESOP (Centro de Sondagens e Opinião Pública) da UCP. È actual-mente um dos coordenadores executivos do projecto “Comportamento Eleitoral e AtitudesPolíticas dos Portugueses em Perspectiva Comparativa”, que decorre no ICS-UL.

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pelo Eng. Vidal de Oliveira, daEUROTESTE, e cabe ser tambémsublinhada.

O trabalho sobre a abs-tenção supra referido foi já publi-cado: André Freire e PedroMagalhães, A Abstenção Eleitoralem Portugal, Lisboa, ICS-Imprensa de Ciências Sociais,2002. Apresentamos aqui umpequeno excerto deste estudo,visando dar uma panorâmica geralsobre a evolução da abstenção emPortugal, nas eleições legislativase presidenciais, numa perspectivacomparada.

O aumento da abstenção nosúltimos anos nas democraciasindustrializadas é hoje consensualentre os observadores, mas assuas causas e consequências per-manecem em grande medidadesconhecidas e objecto de inten-sa especulação teórica. Portugalnão foge a esta tendência genera-lizada, mas os elevados níveis deabstenção recentemente regista-dos nas últimas eleições legislati-vas e presidenciais transformaramo tema numa prioridade dareflexão política no nosso país, talcomo, aliás, tem vindo a sucedernoutras democracias ocidentais.

Neste artigo pretendemosatingir dois objectivos centrais.Primeiro, discutir a forma como sepode medir a abstenção eleitoralem Portugal e noutros países,apurando as insuficiências daabstenção oficial como indicadorde abstenção eleitoral e avançan-

do um indicador alternativo.Segundo, analisando a abstençãoeleitoral em Portugal de formacomparativa e evolutiva, pretende-se apurar de que forma o caso por-tuguês acompanha, nas eleiçõeslegislativas e presidenciais aevolução dos casos comparáveis.

Indicadores da abstençãoeleitoral: vantagens edesvantagens relativas paraanálises comparativas

Definição de conceitos:abstenção oficial, “real” e técnica

Em termos agregados, a par-ticipação eleitoral pode ser defini-da como o conjunto dos indivíduosque, dispondo de capacidadeeleitoral activa, exerceram o seudireito de voto na escolha dos re-presentantes políticos, na eleiçãoem causa. Segundo a Constituiçãoda República Portuguesa, o direitode sufrágio em eleições legislati-vas abrange todos os cidadãosportugueses maiores de dezoitoanos, “ressalvadas as incapaci-dades previstas na lei geral”(Magalhães, 1999: 245; sobreestas incapacidades, ver Montar-gil, 1995: 64). Na verdade podemtambém votar nas eleições legisla-tivas os cidadãos brasileiros quepossuam “(...) o estatuto especialde igualdade de direitos políticos”(Montargil, 1995: 64; (3) Magalhães,1999).

(3) Na verdade podem também votar nas eleições legislativas os cidadãos brasileiros que possuam“(...) o estatuto especial de igualdade de direitos políticos” (Montargil, 1995: 64; Magalhães, 1999).

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assinaláveis em França e nosEUA, bem como em outros países.

Por outro lado, se o númerode indivíduos inscritos no RE esti-ver sobredimensionado, por exem-plo em resultado de óbitos nãoabatidos e/ou de duplas inscriçõespor mudança de residência, a con-tabilidade oficial do número deindivíduos abstencionistas tenderáa sobre-representar o seu pesoefectivo. Desde meados dos anos80 que esta situação tem con-tornos especialmente preocu-pantes em Portugal (Vasconcelose Archer, 1991; Archer, 1996;Bacalhau, 1994: 147-152; parauma visão de algum modo críticadesta posição, ver Machado,1999), mas ocorre também emEspanha e em outros países(Justel, 1995: 50-52; Crewe, 1981).

Isto não significa que nãohaja, em Portugal e em Espanha,indivíduos que não se inscrevemno RE, apesar de terem capaci-dade eleitoral activa. Todavia, con-forme veremos, as comparaçõesdos dados dos recenseamentoseleitorais com as estatísticasdemográficas dos institutos deestatística de cada um destes doispaíses revelam que o fenómenode sobrecontabilização de absten-cionistas tem maior relevo nosdois países da Europa do Sul.

A “abstenção técnica” é adesignação geralmente utilizadapara a sobrecontabilização oficialdo contingente de abstencionistasresultante da “inflação” do númerode inscritos no RE.

Uma forma de obviar a esta“sobrecontabilização” é tomar co-

No caso das eleições presiden-ciais, antes da revisão de 1997 aConstituição da República Por-tuguesa (CRP) estipulava aeleição do PR por sufrágio univer-sal, directo e secreto, mas só paraos portugueses recenseados noterritório nacional (art. 130, CRP,76). Na sequência das alteraçõesintroduzidas com a revisão consti-tucional de 1997 (Magalhães,1999), o direito de voto nestaseleições foi alargado aos emi-grantes que se encontravam ins-critos no recenseamento eleitoralpara a Assembleia da República(AR) à data da publicação da leiorgânica nº 3/2000, de 24 deAgosto.

Contudo, para poderem exer-cer o direito de voto em cada elei-ção, é preciso que os indivíduoscom capacidade eleitoral activa setenham inscrito previamente noRecenseamento Eleitoral (RE).

Em cada eleição o númerooficial de indivíduos que se absti-veram é calculado a partir da dife-rença entre o número de inscritosno RE e o conjunto de cidadãosque exerceram o seu direito devoto. Desde logo, este cálculo daabstenção poderá estar sub-ava-liado se houver indivíduos que,dispondo de capacidade eleitoralactiva, não se inscreveram no RE.Conforme evidenciaremos naanálise comparativa da abstençãoeleitoral portuguesa, e tem sidoconstatado também por outrosinvestigadores (Subileau e Toinet,1985: 175-180; 1993: 83-102;Crewe, 1981; Powell, 1980), estefenómeno assume proporções

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mo universo não o conjunto de in-divíduos inscritos no RE, mas oconjunto de indivíduos residentesem Portugal com 18 e mais anos,segundo as estatísticas demográfi-cas do INE. Isto é, trata-se de con-tabilizar a abstenção subtraindo aonúmero de indivíduos residentesem Portugal e com 18 e mais anoso número de votantes em cadaeleição, e dividindo o resultado pe-lo número de residentes com 18 emais anos. Apesar de suposta-mente mais fiável, sobretudo paraanálises comparativas (Crewe, 19-81; Powell, 1986; IDEA, 1997: 50;Gray e Caul, 2000; Wattenberg,2000), esta metodologia tambémcomporta alguns riscos, nomeada-mente a inclusão de estrangeirossem capacidade eleitoral activa nouniverso dos residentes com 18 emais anos, para além de outrosindivíduos incapacitados de votar(doentes mentais e outros).

A abstenção oficial e “real” dosportugueses em eleições legis-lativas numa perspectiva com-parativa

Neste capítulo, utilizaremosos dois tipos de indicadores: aabstenção eleitoral calculada apartir do RE e a abstenção

eleitoral calculada a partir do uni-verso dos residentes em idade devotar (geralmente 18 e mais anos).Pretende-se, em primeiro lugar,avaliar qual a importância relativada subinscrição nos cadernoseleitorais e da “abstenção técnica”nas democracias da nossa áreageo-cultural. Em segundo lugar,pretende-se também aferir qual aposição de Portugal no rankinginternacional do abstencionismotendo em conta cada um dos indi-cadores. Mas procuraremos aindaanalisar o panorama evolutivo daabstenção eleitoral portuguesanas eleições legislativas, 1975-1999, confrontando os resultadosda abstenção oficial com os daabstenção “real”.

Uma avaliação precisa donível de abstenção eleitoral emPortugal implica uma análise com-parativa (Quadros 1.1 e 1.2), paraa qual tomámos algumas opções.Em primeiro lugar, só considerá-mos as democracias ocidentaislongamente consolidadas e asdemocracias recentes do sul daEuropa (Portugal, Espanha eGrécia). Em segundo lugar, sepa-rámos os países que têm e quenão têm voto obrigatório. (4) Em ter-ceiro lugar, as democracias semvoto obrigatório foram subdivididasem três grupos: europeias; não

(4) Sobre os países que têm (ou tiveram) voto obrigatório, o respectivo enquadramento legal e o tipode sanções para os abstencionistas, ver Apêndice B. Face a trabalhos anteriores que um de nósdesenvolveu nesta mesma linha (Freire, 2000b e 2001b) há uma alteração fundamental: a nãoinclusão da Holanda no conjunto de países que tem voto obrigatório. Efectivamente, conformefoi referido num desses estudos “mesmo os países que já não têm voto obrigatório, mas queo tiveram em passado recente (Holanda e Itália) denotam ainda alguns dos efeitos dessa obriga-toriedade” (Freire, 2001b: 14, nota 12). Sublinhe-se que aquela mesma estratégia foi adoptadapor Justel (1995: 74-76), o qual apenas considera o período 1977-1990 e inclui a Holanda noconjunto de países com voto obrigatório. Todavia, a Holanda adoptou o voto obrigatório entre

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...(4)... 1917 e 1967 (IDEA, 2002). Por isso, apesar dos (eventuais) efeitos da norma da obrigatoriedadedo voto para além da sua abolição (Justel, 1995: 75) e tendo em conta que a série temporal ana-lisada começa em 1970, decidimos desta vez excluir a Holanda do referido grupo de países. Asituação da Itália é também problemática. Primeiro, desde após a segunda guerra mundial (1948)e até 1993, este país teve apenas uma “quase obrigatoriedade do voto” (Apêndice B) sendo,todavia, geralmente incluído no conjunto de países com voto obrigatório (Crewe, 1981; Perea,1999: 140-142; Justel, 1995: 75-76;). Por outro lado, apesar de a quase obrigatoriedade do votoem Itália ter sido abandonada em 1993 (Apêndice B), a maior parte do período em análise foi

Quadro 1.1: Níveis médios de abstenção nas eleições legislativas em democracias consolidadas, 1970-1999 (Câmara Baixa ou única)

Países Abstenção Coeficiente Número Países Abstenção Coeficientemédia; variação; de média; variação;base: base: Eleições base: base:eleitores eleitores população populaçãoinscritos inscritos em idade em idade

de votar de votar

Grupo A Grupo A

Grécia 18,1 0,14 9 Luxemburgo 32,5 0,15Luxemburgo 11,3 0,30 5 Austrália 16,3 0,07Itália 11,1 0,30 8 Áustria 15,5 0,28Áustria 10,3 0,35 9 Grécia 14,9 0,15Bélgica 7,0 0,23 9 Bélgica 12,5 0,24Austrália 5,0 0,12 11 Itália 7,6 0,32

Média Total 10,5 0,24 Média Total 16,6 0,20

Grupo B Grupo B

França 27,7 0,19 7 França 36,3 0,13Irlanda 27,6 0,13 9 Reino Unido 26,5 0,09Espanha 25,6 0,17 7 Irlanda 24,0 0,20Reino Unido 25,3 0,10 8 Espanha 23,0 0,20Finlândia 25,3 0,19 8 Finlândia 21,1 0,22Portugal 23,0 0,40 10 Alemanha 20,6 0,27Noruega 18,7 0,15 6 Noruega 19,8 0,15Holanda 17,1 0,20 8 Portugal 19,0 0,37Alemanha 14,2 0,36 7 Holanda 17,9 0,27Dinamarca 13,5 0,14 11 Dinamarca 15,0 0,16Suécia 10,7 0,19 9 Suécia 14,2 0,16Islândia 10,6 0,12 8 Islândia 10,7 0,14

Média Total 19,9 0,20 Média Total 20,7 0,20

Grupo C Grupo CJapão 33,7 0,26 10 Canadá 34,4 0,12Canadá 27,3 0,12 8 Japão 32,5 0,27Israel 21,2 0,03 7 Israel 18,4 0,08Nova Zelândia 12,3 0,28 9 Nova Zelândia 16,9 0,19

Média Total 23,6 0,17 Média Total 25,6 0,17

Grupo D Grupo D

Suíça 51,2 0,08 7 Suíça 59,1 0,05EUA 32,8 0,28 14 EUA 54,1 0,13

Média Total 42,0 0,18 Média Total 56,6 0,09

Fontes: Dados elaborados a partir de International IDEA, 2002. As eleições consideradas estão compreendidas no período 1970-1999. Todavia, apenas no caso portu-guês a eleição de 1999 é considerada. Nos restantes casos as eleições consideradas vão até 1997.Grupo A: Democracias com voto obrigatório (actualmente ou em passado recente).Grupo B: Democracias Europeias sem voto obrigatório. Grupo C: Democracias não Europeias sem voto obrigatório.Grupo D: Democracias com níveis de abstenção extraordinariamente elevados.

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europeias; “democracias comníveis de abstenção extraordina-riamente elevados” (Suíça e EUA).

Antes de prosseguir com asanálises comparativas vale a penaexplicitar algumas das opçõesmetodológicas tomadas. Emprimeiro lugar, o período emanálise é 1970-1999. Esta abor-dagem tem por objectivo conside-rar um mesmo período temporalpara comparar a abstenção médiaportuguesa com a das restantesdemocracias em análise. Estaopção é tanto mais justificadaquanto sabemos que, em décadasmais recentes, se tem verificadouma tendência para o crescimentoda abstenção em grande partedas democracias ocidentais (Lanee Ersson, 1999: 141-142; Gray eCaul, 2000; Wattenberg, 2000;Bartolini, 2001: 95-98; ver tambéma próxima secção).

Em segundo lugar, paraalém de calcularmos a abstençãocom base no universo dosinscritos nos recenseamentoseleitorais de cada país, utilizámostambém como base de cálculo danão participação o universo dosresidentes em idade de votar (18 emais anos). Já tivemos oportu-nidade de definir as vantagens edesvantagens de cada tipo deindicador da abstenção eleitoral,

sobretudo para análises compara-tivas. Finalmente, utilizamos comomedida de dispersão face à médiao coeficiente de variação e não odesvio-padrão pois a primeiramedida é mais adequada paracomparar as dispersões em tornodas médias quando estas sãodiferentes (Blalock, 1960: 101).

Assim, tomando como uni-verso os inscritos nos recensea-mentos eleitorais, verifica-se quea taxa média de abstenção nas“democracias com voto obri-gatório” (10,5%) foi 1,89 vezesinferior à verificada nas “democra-cias europeias sem voto obri-gatório” (19,9%) (Quadro 1.1). Ouseja, esta foi quase o dobrodaquela. Nas “democracias nãoeuropeias sem voto obrigatório”(23,6%) a diferença foi ainda umpouco maior: um pouco mais dodobro. Mas as maiores taxas deabstenção média verificam-se nogrupo de países constituído pelaSuíça e EUA (42,0%). Clara-mente, a obrigatoriedade do votoexplica a posição na hierarquiainternacional das “democraciascom voto obrigatório”.

Não é objectivo deste traba-lho explicar o carácter excepcionaldas elevadas taxas de abstençãoeleitoral na Suíça e nos EUA. (5)

Todavia, refira-se que, segundo os

...(4) vivido segundo aquele regime. Por isso, mantemos este país no conjunto das democracias comvoto obrigatório. Todavia, nas análises por décadas, que desenvolveremos no capítulo seguinte,estes dois países serão incluídos em cada conjunto (com ou sem voto obrigatório) consoante operíodo em causa. Uma outra diferença perante o trabalho de Freire (2001b: 14-19) é a inclusãodo Luxemburgo no conjunto de países em análise. Acrescente-se ainda que, para o cálculo daabstenção eleitoral portuguesa (“oficial” e “real”) foram utilizados só os dados da IDEA (2002),enquanto que nos trabalhos anteriores supra-referidos se tinha recorrido aos dados do STAPE edo INE para estes cálculos. Daqui resultam algumas discrepâncias quanto aos dados portugue-ses relatados em Freire (2000b e 2001b) e no presente trabalho, que não apenas neste capítulo.

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estudiosos da matéria, factorescomo o baixo nível de competitivi-dade eleitoral nalguns estados(EUA), a fraca diferenciação ideo-lógica dos dois principais partidosnorte-americanos (EUA), as leis dorecenseamento eleitoral (EUA), oelevado número de consultaseleitorais e a consequente “fadigaeleitoral” (EUA e Suíça) e o reduzi-do ou nulo impacte das eleiçõeslegislativas na formação do poderexecutivo (EUA e Suíça) sãoalguns dos factores explicativos detão elevadas taxas de abstenção(Wolfinger e Rosenstone, 1980;Subileau e Toinet, 1985 e 1993;Franklin, 1996).

Quanto à dispersão em tornoda abstenção média, as diferen-ças entre os quatro grupos de paí-ses são mais reduzidas. Todavia,a posição cimeira é ocupada pelas“democracias com voto obriga-tório” (0,24). Para esta posição emmuito contribuem a situação aus-tríaca, italiana e luxemburguesa.No caso italiano, a “quase obriga-toriedade” do voto (mitigada) foilevantada em 1993 (ver ApêndiceB), facto que terá contribuído paraa maior oscilação da abstençãoem torno do valor médio. Por outrolado, a obrigatoriedade do voto naÁustria é apenas parcial e, dequalquer modo, mesmo esta terásido levantada no início da décadade 1990 (ver Apêndice B), ele-mento que terá contribuído parauma maior dispersão em torno do

respectivo valor médio. Já a situa-ção do Luxemburgo afigura-semenos compreensível à luz dosdados disponíveis.

Em termos de hierarquia dosgrupos de países, em matéria dadispersão à volta da taxa média deabstenção, seguem-se as “demo-cracias europeias sem voto obri-gatório” (0,20), as “democraciascom níveis de abstenção extraor-dinariamente elevados” (0,18) e as“democracias não europeias semvoto obrigatório” (0,17).

Abstraindo dos dois gruposde países “desviantes” em termosde taxas médias de abstenção(“democracias com voto obri-gatório” e “democracias com ní-veis de abstenção extraordinaria-mente elevados”), verifica-se quePortugal ocupa uma posição inter-média na hierarquização interna-cional em termos de nível de abs-tencionismo eleitoral, com umataxa média (23,0%) próxima daverificada quer no Grupo B(19,9%) quer, sobretudo, no GrupoC (23,6%). Todavia, a dispersãodas taxas de abstenção portugue-sas em torno do respectivo valormédio (0,40) é a mais elevada detodos os países apresentados noQuadro 1.1. Recorde-se que opaís evoluiu de uma taxa deabstenção oficial de 8,3%, em1975, para 39%, em 1999. Ouseja, entre as eleições para aAssembleia Constituinte e aseleições legislativas de 1999 verifi-

(5) A situação da Suíça é tanto mais curiosa quanto, segundo os dados constantes do sítio da IDEA(2001), a Confederação Helvética tem ainda um cantão onde o voto é obrigatório. Mais, até 1974todos os outros cantões tinham também voto obrigatório. Todavia, a sanção aplicada aos abs-tencionistas é muito leve (Apêndice B).

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cou-se um crescimento de cercade 370% na taxa de abstençãoeleitoral.

Até agora utilizámos comobase de cálculo das taxas deabstenção eleitoral nos diferentespaíses o universo dos inscritos nosrecenseamentos eleitorais respec-tivos. Vejamos agora como fica ahierarquização dos grupos depaíses utilizando como base parao cálculo da taxa de abstenção ouniverso da população residenteem idade de votar (geralmente 18e mais anos) (Quadro 1.1).

Considerando a taxa deabstenção média face ao universodos residentes em idade de votar,verificamos que a hierarquizaçãodos grupos de países não se alteramuito face ao exposto anterior-mente. O grupo de países commenores taxas médias de abs-tenção é o das “democracias comvoto obrigatório” (16,6%), seguin-do-se as “democracias europeiassem voto obrigatório” (20,7%), as“democracias não europeias semvoto obrigatório” (25,6%) e as“democracias com níveis deabstenção extraordinariamenteelevados” (56,6%). Todavia, ape-sar da hierarquia entre os gruposde países não se alterar, há umasignificativa aproximação entre ogrupo das “democracias com votoobrigatório” e o das “democraciaseuropeias sem voto obrigatório”,para a qual muito contribui a alter-ação da situação do Luxemburgo,que passa de uma taxa deabstenção de 11,3% (base: RE)para 32,5% (base: conjunto deindivíduos residentes e em idade

de votar). Para esta muito signi-ficativa alteração muito contribuiráo elevado peso dos estrangeirosna população residente doLuxemburgo. Voltaremos a esteponto.

Há três conclusões impor-tantes a tirar desta segunda com-paração. Primeiro, em qualquerdos quatro grupos de países ataxa média de abstenção aumen-tou quando considerámos comouniverso o conjunto de residentescom idade de votar em vez do con-junto dos inscritos no recensea-mento eleitoral. Isto significa que,em média, internacionalmente ofenómeno da não inscrição noscadernos eleitorais de indivíduosque tem capacidade eleitoral acti-va terá maior peso do que a sobre-contabilização do número deinscritos no recenseamento elei-toral verificada em Portugal e nal-guns outros países. Ou seja, o uni-verso a partir do qual é subtraído onúmero de votantes (RE ou resi-dentes em idade de votar), paracalcular o número de absten-cionistas, é geralmente maior nocaso do residentes em idade devotar e, por isso, a diferença entreo universo e os votantes (abs-tenção) é maior. Dito de outromodo, o RE tem registados menosindivíduos do que aqueles quepara que apontam as estatísticasdemográficas dos institutos deestatísticas nacionais. Conformeveremos, esta situação é a maisfrequente, mas não é a única.

Em segundo lugar, osmaiores aumentos nas taxas mé-dias de abstenção verificaram-se

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no grupo das “democracias comníveis de abstenção extraordina-riamente elevados”, de 42,0%para 56,6%, e nas “democraciascom voto obrigatório”, de 10,5%para 16,6%. No primeiro caso temespecial importância a situaçãodos EUA com um aumento demais de vinte pontos percentuaisna taxa média de abstenção con-soante se considera como base ouniverso dos inscritos no RE(32,8%) e o universo dos residen-tes em idade de votar (54,1%). Nosegundo caso tem grande relevo aalteração da taxa de abstenção noLuxemburgo, como já foi referido.

Em terceiro lugar, a posiçãoportuguesa pouco se altera, embo-ra melhore um pouco. No seio do

grupo de países designado de“democracias europeias sem votoobrigatório” (doze países), Portu-gal passa da sexta para a oitavaposição numa ordenação descen-dente das taxas de abstenção. Ouseja, considerando como universoo conjunto dos residentes emidade de votar em vez dosinscritos no RE, o país regista umamenor taxa média de abstençãomas a respectiva posição relativanão se altera muito. Por outro lado,a dispersão em torno da taxamédia de abstenção diminuiu umpouco, passando de 0,40 para0,37, mas o país continua a ter adispersão média mais elevada detodos os países apresentados noQuadro 1.1. Este dado revela pois

Quadro 1.2: Diferenças entre o nível médio de abstenção oficial (censo eleitoral) e o nível médio de abstenção face aos indivíduos com 18 e mais anos, 1970-1999Países Diferença entre a Países Diferença entre a

abstenção média abstenção médiasegundo os segundo oseleitores inscritos eleitores inscritosface à abstenção face à abstençãomédia segundo a média segundo apopulação em idade população em idadede votar de votar

Grupo 1: menor abstenção segundo Grupo 2: maior abstenção segundo censo eleitoral (N = 16) censo eleitoral (N = 8)

EUA -21,3 Finlândia 4,2Luxemburgo -21,2 Portugal 4,0Austrália -11,3 Irlanda 3,6França -8,6 Itália 3,5Suíça -7,9 Grécia 3,2Canadá -7,1 Israel 2,8Alemanha: RFA -6,4 Espanha 2,6Bélgica -5,5 Japão 1,2Áustria -5,2Nova Zelândia -4,6Suécia -3,5Dinamarca -1,5Reino Unido -1,2Noruega -1,1Holanda -0,8Islândia -0,1

Fontes: Dados elaborados a partir do Quadro 1.1.

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que parte da forte variabilidadenas taxas de abstenção portugue-sas se deve aos problemas do RE,mas é apenas uma parte.

Para ter uma percepção maisexacta dos desvios nas taxasmédias de abstenção segundo setome como universo o conjunto dosinscritos no RE e o conjunto dosresidentes em idade de votar, cal-culámos a diferença entre taxamédia de abstenção segundo oprimeiro universo e a taxa média deabstenção segundo o universo dosresidentes em idade de votar, paracada um dos países. Os resultadossão apresentados no Quadro 1.2.

Note-se que os países emque as diferenças são negativassão aqueles em que a taxa médiade abstenção é maior quando setoma como universo o conjunto dosresidentes em idade de votar. Ouseja, estão neste caso os paísesnos quais o problema da nãoinscrição no RE de indivíduos comcapacidade eleitoral activa temmaior relevo do que a “inflação” deinscritos no RE. Pelo contrário, ospaíses com diferenças positivassão aqueles nos quais a taxa mé-dia de abstenção é maior quandose toma como universo o conjuntodos inscritos no recenseamentoeleitoral. Ou seja, neste grupo veri-fica-se uma sobrecontabilizaçãodos inscritos no RE face ao univer-so dos residentes em idade devotar.

Da análise do Quadro 1.2decorrem três conclusões impor-tantes. Primeiro, conforme já tí-nhamos referido, internacional-mente o fenómeno da subins-

crição no recenseamento eleitoralé mais relevante do que as dis-torções nas listas de eleitoresresultantes de uma sobrecontabi-lização dos inscritos: do conjuntode 24 países analisados, 16(66,7%) têm maiores problemascom o fenómeno da subinscriçãono RE e apenas 8 (33,3%) têmmaiores problemas com o fenó-meno da sobrecontabilização deinscritos no RE.

Em segundo lugar, no grupode países nos quais as distorçõessão mais resultantes do fenómenoda subinscrição no RE, os desviosem termos de taxas médias deabstenção são substancialmentemaiores do que no outro grupo depaíses. Os maiores desvios entreas taxas de abstenção calculadassegundo cada um dos dois univer-sos referidos registam-se nosEUA, no Luxemburgo, na Aus-trália, em França, na Suíça, noCanadá e na Alemanha, porordem decrescente. Vários estu-diosos tem já considerado que ofenómeno da subinscrição é par-ticularmente relevante nos EUA eem França (Subileau e Toinet,1985 e 1993), mas o grupo depaíses que registam os maioresdesvios alerta-nos para um proble-ma metodológico importante.Conforme dissemos atrás, a uti-lização do universo dos residentesem idade de votar como base paracálculo da taxa de abstenção serátanto mais problemática quantomaior for o volume de imigrantessem direito de voto aí incluídos.Qualquer dos países onde se re-gistam os maiores desvios são

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países com elevados contingentesde imigrantes, daí que tenha deusar-se alguma prudência nasconclusões a extrair destes resul-tados.

Em terceiro lugar, a situaçãoportuguesa aparenta ser poucoproblemática em termos compara-tivos. Por um lado, o país integra ogrupo em que a taxa média deabstenção é maior quandotomamos como universo o conjun-to dos inscritos no RE, sendo esteo grupo de países onde se regis-tam os menores desvios entre astaxas médias de abstenção calcu-ladas segundo os dois métodos.Por outro lado, embora Portugalocupe a segunda posição nestegrupo de países, ordenados porordem decrescente dos desvios, averdade é que as diferenças faceaos outros países são muitoreduzidas, sobretudo perante aIrlanda, Itália e a Grécia, os quaisestão na terceira, quarta e quintaposição, respectivamente.

A abstenção oficial e “real” dosportugueses em eleições legis-lativas numa perspectiva longi-tudinal

Todavia, esta posição apa-rentemente confortável não devetranquilizar-nos: em Portugal, asdiferenças entre as taxas médiasde abstenção calculadas segundocada um dos métodos são baixas,comparativamente falando, masserá que a taxa média deabstenção é um bom indicador

num país como Portugal? Recor-de-se que, do conjunto de 24 paí-ses em análise, Portugal é o paíscom a maior dispersão em tornoda taxa média de abstenção, qual-quer que seja o método utilizadopara o cálculo da mesma.

Por outro lado, conformepode constatar-se no Quadro 1.3,as diferenças entre o recensea-mento eleitoral e o universo dosresidentes em idade de votarforam de sinal contrário consoantese considerem as eleições de1975 e 1976 ou todas aseleições subsequentes. Mais,apenas a partir de 1985/1987 osdesvios entre o conjunto dosinscritos no RE e o conjunto deresidentes em idade de votaradquiriram dimensões preocu-pantes, fenómeno significativa-mente reduzido após a limpezados cadernos em 1998, emboraainda aquém do desejável. Volta-remos a este ponto.

Em Espanha, o problema éidêntico ao português, mas commenor dimensão: para 1986,Justel aponta um desvio naordem dos 3% (cerca de 1 milhãode inscritos em excesso); para aseleições anteriores a 1986, odesvio terá variado entre 2% e6%; com o censo de 1987, oexcesso terá sido reduzido paracerca de 400 mil inscritos, tendosido expurgados cerca de 680 mileleitores “fantasma” (Justel, 1995:50-53).

Por todos estes motivos, ataxa média de abstenção emPortugal não é um bom indicadordo nível de abstencionismo

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eleitoral do país, sobretudo setivermos em conta os anos maisrecentes e os respectivos con-trastes face aos anos da transiçãopara a democracia.

No Gráfico 1.1 apresentamosa taxa de abstenção para cadauma das eleições legislativas rea-lizadas entre 1975 e 1999 usandocomo base de cálculo o universodos inscritos no RE (“abstençãooficial”) e o universo dos resi-dentes com 18 e mais anos(“abstenção real”). Os dados queestão na base deste gráficopodem ser encontrados no QuadroA.1, Apêndice A.

Em termos evolutivos, osGráficos 1.1 e 1.2 dão-nos infor-mações preciosas quanto àabstenção eleitoral dos portugue-

ses. (6) Primeiro, em 1975 (e tam-bém em 1983) a abstenção calcu-lada segundo o total de residentescom 18 e mais anos era maior doque a abstenção oficial, excessoque terá a ver com o rápido cresci-mento da população residente por-tuguesa em resultado do processode descolonização e da vinda dos“retornados” das ex-colónias(Vasconcelos e Archer, 1991).Aliás, no Gráfico 1.2 podemos ve-rificar isto mesmo: em 1975 e 1983o diferencial entre a abstenção ofi-cial e a abstenção “real” era nega-tivo.

Em segundo lugar, no perío-do que medeia entre 1985 e 1987os desvios entre a abstenção ofi-cial e a abstenção real eram míni-mos (1985) ou estão dentro de

Quadro 1.3: Comparação dos efectivos no Recenseamento Eleitoral com o número de indivíduos residentes em Portugal com 18 e mais anos, 1975-1999

População em RE Dif. RGP/RE % Dif. no Total idade de RGPvotar (18+ anos)

(a) (b) (a-b) ((a-b)/(a))*100

1975 6315420 6177698 137722 2,21976 6476220 6477619 -1399 -0,021979 6702760 6757152 -54392 -0,81980 6731320 6925243 -193923 -2,81983 7271280 7159349 111931 1,51985 7207920 7621504 -413584 -5,71987 7195680 7741149 -545469 -7,61991 7301580 8322481 -1020901 -13,91995 7463960 8906608 -1442648 -19,31999 7805152 8857173 -1052021 -13,5

Fontes: Dados elaborados a partir de IDEA, 1997: 77 (1975 a 1987), e IDEA, 2002 (1991 a 1999). Nota: as discrepâncias face aos dados apresentados em Freire (2001b) resultam da diversidade defontes utilizada. Ou seja, naquele outro estudo utilizavam-se dados do STAPE, de Vasconcelos e Archer(1991) e de Archer (1996). Por uma questão de estandardização e também para actualizar os dados re-ferentes a 1999, neste e no próximo capítulo do presente estudo utilizámos apenas como fonte a IDEA.

(6) No Apêndice A apresentamos o Quadro A.1, onde se encontram os valores absolutos e relativosutilizados para construir os Gráficos 1 e 2. Por outro lado, aí se encontram também as fontes de

onde foram extraídos os dados.

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limites relativamente aceitáveis(1987): apenas em 1987 excediamos 5%, mas apenas em meioponto percentual.

Em terceiro lugar, os maioresdesvios entre a abstenção oficial e

a abstenção “real” ocorreram em1991 (10,8) e 1995 (12,8), tendosido substancialmente reduzidosapós a limpeza dos cadernos em1998 (1999: 8,3) (sobre estamatéria, ver Freire e Baum, 2001).

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Ainda assim, a diferença entre osdois valores da abstenção (oficiale “real”) é bastante superior a 5%e mais alta do que aquela que emqualquer eleição realizada noperíodo 1975-1987. Ou seja, ape-sar de o esforço que foi feito nalimpeza dos cadernos ter visivel-mente produzido efeitos a situaçãoestá ainda aquém do desejável,pois é ainda pior do que aquelaque se verificava em 1985 e 1987.

Todavia, é preciso tambémsublinhar que os dados maisrecentes das legislativas se refe-rem a 1999 e que o processo de“limpeza” dos cadernos eleitoraistem prosseguido para além destadata, sendo aliás uma prática quese pretende permanente. Efec-tivamente, se consideramos asmais recentes eleições presiden-ciais (2001) verificamos que a taxade abstenção oficial foi de 49,1%(Freire, 2001c: 200), enquanto ataxa de abstenção “real” terá sidode 45,4% (ver capítulo seguinte):3,7 pontos percentuais de dife-rença. (7) Ou seja, o esforço daadministração eleitoral para expur-gar os inscritos que estão indevi-damente no RE parece começaragora a dar os seus melhores fru-tos, pois o diferencial entre aabstenção oficial e “real” está jáabaixo dos valores de 1985.

Portanto, há duas conclu-sões principais a tirar de todasestas análises. Primeiro, paraanalisar comparativamente astaxas de abstenção portuguesa

será mais adequado utilizar comobase de cálculo o conjunto dosresidentes em idade de votar enão os inscritos no RE, mesmoapesar das melhorias introduzidasno RE após 1998 e de a referidabase de cálculo da abstenção tam-bém não ser isenta de problemasmetodológicos.

Segundo, seja qual for abase que utilizarmos para o cálcu-lo das taxas de abstenção, umaavaliação precisa da posição por-tuguesa no contexto internacionalcarece sempre de uma análiseevolutiva, quer porque a dispersãoem torno de média é muito ele-vada em Portugal, quer porquetambém na generalidade dasdemocracias ocidentais se temverificado um certa tendência parao aumento da abstenção, sobretu-do na década de 1990 (Lane eErsson, 1999: 141-142; Gray eCaul, 2000; Wattenberg, 2000;Bartolini, 2001). Por isso, nasecção seguinte analisamos aevolução da abstenção dos por-tugueses em eleições legislativase presidenciais, década de 1970 adécada de 1990, usando comobase de cálculo o conjunto dosresidentes em idade de votar. Omesmo tipo de análise será repeti-do para as eleições Europeias,embora neste caso dificuldade deacesso aos dados sobre a popu-lação residente com 18 e maisanos nos tenha levado a utilizar aabstenção oficial como indicadorda não participação.

(7) A taxa de abstenção “real” nas presidenciais foi calculada a partir de dados provisórios dosCensos 2001, referentes aos residentes com 18 e mais anos.

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A evolução da abstençãonas eleições legislativas epresidenciais, nas democra -cias industrializadas

Um passo indispensável paraa compreensão do fenómeno daabstenção em Portugal consisteem colocar o caso português emcontexto, ou seja, apreciar os va-lores da abstenção, quer de umponto de vista comparativo, querde um ponto vista histórico. Atéque ponto se podem considerarelevados os valores da abstençãoem Portugal, quando comparadoscom os verificados noutros regimesdemocráticos? Qual a evolução daabstenção nas eleições legislati-vas, presidenciais e europeias emPortugal, e como se comparamestas evoluções com as que severificaram na generalidade dasdemocracias industrializadas?

A abstenção em Portugal,bem como na generalidade dasdemocracias industrializadas (La-ne e Ersson, 1999: 141-142; Graye Caul, 2000; Wattenberg, 2000;Bartolini, 2001: 95-98), tem co-nhecido um significativo cresci-mento. Todavia, a existência deuma tendência geral para o declí-nio da participação eleitoral nãoera, pelo menos até ao início dosanos 1990, consensual. Anali-sando a evolução da participação

eleitoral na Europa ocidental entre1945 e finais dos anos 1980 (1985-1989), Topf (1995: 39-43) concluíaque: “a evidência sugere que, con-sequentemente, não há nos anosrecentes uma tendência geral parao declínio da participação eleitoralna Europa como um todo. Isto éigualmente verdade se considerar-mos a Europa em categoriasregionais ou em termos de medi-das de modernidade. Por exemplo,entre os países mais desenvolvi-dos, há uma ligeira tendência dedescida na Alemanha e na Suécia,enquanto que a Grã-Bretanhaexibe uma ligeira tendência desubida (Topf, 1995: 41-43, itálicono original).”

Efectivamente, considerandosó as democracias sem voto obri-gatório (ver Quadro 2.2 à frente),podemos verificar que entre a mé-dia da abstenção na década de1950 e a mesma média na décadade 1970 há vários países com va-riações negativas da abstenção(Alemanha; Finlândia; Irlanda;Suécia; Dinamarca; Noruega) eoutros que evidenciam variaçõespositivas tão pequenas que seriamais adequado falar em estabi-lidade nas taxas de abstenção.(8)

Ou seja, entre as duas décadasnão podia efectivamente falar-sede uma tendência generalizadapara o aumento da abstenção; e,de acordo com os dados e a

(8) Ao contrário de Topf (1995), tomámos como ponto de partida não todas as eleições realizadasapós o fim da segunda guerra mundial, durante a segunda metade da década de 1940, mas simtodas aquelas que se realizaram na década de 1950. Tal procedimento visou evitar a interferênciade eventos extraordinários (fim da guerra, nalguns casos as primeiras eleições livres após uminterregno autoritário mais ou menos longo, etc.) no nível de participação eleitoral dessas eleições.Neste sentido, ver também Gray e Caul, 2000; Wattenberg, 2000.

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metodologia utilizada por Topf,entre 1945 e 1989 também não(Topf, 1995: 39-43).

No mesmo sentido, compa-rando a evolução entre a média daabstenção na década de 1950 e adécada de 1990 (Quadro 2.2, àfrente) a tendência para aumentoda abstenção também não é ge-neralizada entre as democraciasocidentais sem voto obrigatório: aSuécia e a Dinamarca exibem va-riações negativas; as variações naIrlanda, Noruega e EUA sãoreduzidas.

Todavia, comparando as mé-dias da abstenção entre a décadade 1970 e a década de 1990 po-demos verificar que, com excep-ção da Espanha, todas as demo-cracias ocidentais sem voto obri-gatório, nesta última data, regista-ram um declínio da participaçãoeleitoral. Ou seja, face aos 1970,os anos 1990 ficaram marcadospor uma aumento da abstenção nageneralidade das democracias oci-dentais e, daí, existir hoje um con-senso sobre uma tendência gene-ralizada de declínio da partici-pação eleitoral, pelo menos até aofinal dos anos 1990 (Lane eErsson, 1999: 141-142; Gray eCaul, 2000; Wattenberg, 2000;Bartolini, 2001: 95-98).

Por tudo isto, torna-se neces-sário fazer as análises comparati-vas anteriormente referidas em di-ferentes períodos temporais. Éexactamente isso que faremosneste capítulo, comparado a evo-lução da abstenção portuguesanas três décadas de democracia(1970, 1980 e 1990) com a evo-

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lução verificada entre os mesmosperíodos nas democracias da nos-sa área geo-cultural. No caso daseleições legislativas (Câmara Bai-xa ou única) e presidenciais utili-zaremos sempre a abstenção“real”. No caso das eleições euro-peias, a dificuldade de obter, emtempo útil, os dados necessáriossobre a população residente emidade de votar levou-nos a utilizara abstenção “oficial”.

Eleições legislativas

O dado mais assinalávelacerca da abstenção nas demo-cracias industrializadas é a suaenorme variação de país parapaís. No quadro dos países daOCDE e da Europa de Leste, edesde as primeiras eleições demo-cráticas do pós-guerra até aosdias de hoje, os valores médios daabstenção “real” oscilam entre os52,3% (Estados Unidos) e os 7,5%(Itália), uma diferença de nadamenos que 44,3 pontos percen-tuais (Quadro 2.1).

Entre aqueles dois pontosextremos (EUA e Itália), os valoresencontram-se muito dispersos:catorze países tiveram uma abs-tenção média inferior a 20%, noveentre 20 e 30%, e dez mais de30%, entre os quais os se incluemos casos dos Estados Unidos e daSuíça, cuja abstenção média des-de o pós-guerra chega mesmo aser superior a metade da popu-lação com idade de voto.

Apesar das regras que pre-vêem a obrigatoriedade do voto

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nalguns países variarem substan-cialmente no que respeita ao tipode sanções associadas ao seunão cumprimento e aplicação realdessas sanções (ver Apêndice B),este é um factor geralmente re-conhecido como determinante dosníveis de participação eleitoral(Crewe, 1981; Powell, 1980 e1986; Jackman, 1987). O quadro2.1 confirma também essa noção:a “média da abstenção média” dospaíses com voto obrigatório é de13,1%, contra 27,9% dos

restantes. Mas mesmo essa dis-tinção básica não chega paraesbater a enorme diversidade desituações, visível na substancialvariação verificada no interior dogrupo de países sem voto obri-gatório, onde as médias de abs-tenção oscilam entre os 10,7% eos 52,3%.

Em face deste panoramageral, Portugal tem de ser consi-derado um país de abstençãomédia-baixa. A taxa média da abs-tenção “real” nas eleições legis-

Países com voto obrigatório Média

EUA (1946-98) 52,3Suíça (1947-99) 51,6Polónia (1989-97) 47,7Estónia (1990-99) 46,5Lituânia (1992-96) 39,9Letónia (1990-98) 39,7França (1945-97) 32,7Canadá (1945-97) 31,6Hungria (1990-98) 31,6Japão (1946-96) 30,7Irlanda (1948-97) 25,1Reino Unido (1945-97) 25,1Espanha (1977-95) 23,0Rep. Checa (1996-98) 22,9Roménia (1992-96) 22,8Eslováquia (1994-98) 22,6Bulgária (1991-97) 22,5Finlândia (1945-99) 21,9Noruega (1945-97) 20,4Alemanha (1949-98) 19,8Eslovénia (1992-96) 19,5Portugal (1975-99) 19,0Suécia (1948-98) 16,9Dinamarca (1945-98) 16,4Nova Zelândia (1945-99) 14,0Islândia (1946-99) 10,7

Média 27,9

Países com voto obrigatório Média

Holanda (1946-98)* 16,1Austrália (1946-98) 15,8Grécia (1974-96) 14,9Áustria (1949-99)** 14,6Bélgica (1949-99) 12,6Luxemburgo (1948-99)*** 10,3Itália (1945-96)**** 7,5

Média 13,1

Quadro 2.1. A abstenção real nas eleições legislativas do pós-guerra (democracias da OCDE e Europa de Leste)

Fontes: dados recolhidos em IDEA, 1997 e 2002.* A Holanda abandonou o voto obrigatório em 1967 (ver Apêndice B).** A Áustria abandonou o voto obrigatório nas eleições legislativas em 1990 (ver Apêndice B).*** Os valores da abstenção usados no caso do Luxemburgo dizem respeito à abstenção oficial, e não àabstenção em percentagem da população residente com idade de voto. Neste caso, a distorção causa-da pela grande percentagem de imigrantes sem direito de voto residentes no país é de tal modo elevadaque supera largamente a distorção causada pela abstenção técnica.**** A Itália abandonou o voto “quase obrigatório” em 1993 (ver Apêndice B).

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lativas portuguesas entre 1975 e1999 foi de 19,0%, o que nos colo-ca claramente na metade inferiorda lista entre os países sem votoobrigatório. Mesmo se excluirmostodas as novas democracias daEuropa de Leste, onde na maioriados casos se verificou umaabstenção muito elevada naseleições legislativas realizadasnos anos 90, Portugal seria ape-nas o 12º país com maior absten-ção entre os 17 países da OCDEsem voto obrigatório. Mais, mesmose retirássemos os casos desvian-tes dos EUA e Suíça, Portugalocuparia o 10º lugar num conjuntode 15 países.

Todavia, a comparação en-tre os valores médios ocorridosnas eleições do pós-guerra é algo

enganadora, ao ocultar a evolu-ção ocorrida em cada país ouconjuntos de países. Aliás, porisso mesmo, a ideia de quePortugal é um país de baixaabstenção em eleições legis-lativas é algo mitigada quandopassamos da análise da abs-tenção média verificada naseleições do pós-guerra para umaanálise evolutiva da participaçãoeleitoral. O gráfico 2.1 comparaas médias por década dos valoresda abstenção “real” em quatrogrupos de países da OCDE (ospaíses sem voto obrigatório daEuropa Ocidental; sem voto obri-gatório fora da Europa; com votoobrigatório; os dois casos particu-lares dos EUA e Suíça) com ocaso português.

Fontes: ver quadro 2.1

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O fenómeno mais assinalá-vel no gráfico 2.1 é a tendênciageral para o crescimento da abs-tenção a partir da década de 80,tendência essa que se acentuousubstancialmente na década de90. A constatação não é nova, etem sido feita em diversos estudos(Gray e Caul, 2000; Wattenberg,2000; Franklin, Lyons e Marsh,2001). Contudo, em Portugal oaumento da abstenção é bastantemais acentuado do que nas mé-dias dos grupos de países identifi-cados no gráfico 2.1. Apesar de

partir na década de 70 com umaparticipação eleitoral bastante ele-vada próxima da média dos paí-ses com voto obrigatório , Portu-gal exibiu desde aí um crescimen-to muito acentuado dos valores daabstenção, ultrapassando mesmoa média da Europa Ocidental.

O quadro 2.2 concretiza estaideia comparando as taxas médiasde abstenção nas décadas de 50,70 e 90 e as taxas de variaçãoentre essas décadas. Só a Alema-nha apresenta um crescimento daabstenção tão acentuado da déca-

Quadro 2.2 Evolução da abstenção em eleições legislativas nas democracias da OCDE(em % da população com idade de voto)

Países Média Média Média Taxa de Taxa de Taxa de década década década variação variação variação

50 70 90 50-70 50-90 70-90

voto Bélgica 12,0 12,0 16,2 0 +35 +35obrigatório Luxemburgo 8,1 10,5 12,6 +30 +56 +20

Austrália 17,5 15,3 17,6 -12 +1 +15Grécia - 17,5 15,3 - - -13

Áustria* 10,7 12,2 - +14 - -Itália** 7,3 5,7 - -21 - -Holanda*** 12,1 - - - - -

Voto não Alemanha 15,9 13,8 26,4 -14 +66 +91obrigatório Portugal - 12,9 24,6 - - +91

Áustria - - 23,1 - +116 +89Holanda - 15,3 27,4 +27 +127 +79Finlândia 23,7 17,6 30,6 -26 +29 +74Itália - - 9,8 - +35 +72Irlanda 26,6 18,5 29,8 -31 +12 +61Suécia 23,3 12,9 18,6 -45 -20 +44Japão 26,4 28,1 38,6 +7 +46 +37Dinamarca 21,7 13,5 18,3 -38 -16 +36Canadá 30,4 32,0 40,0 +5 +31 +25Nova Zelândia 9,4 16,9 21,1 +79 +123 +25França 28,7 33,0 39,4 +15 +37 +19Noruega 21,8 20,4 24,3 -6 +12 +19Islândia 9,2 10,7 12,4 +16 +35 +16Suíça 39,4 57,9 63,2 +47 +60 +9Reino Unido 21,0 25,8 27,6 +23 +31 +7EUA 51,0 53,9 57,2 +6 +12 +6Espanha - 24,2 21,0 - - -13

Fontes: ver quadro 2.1.Nota: os países estão ordenados por ordem decrescente do valor da taxa de variação da abstenção entre as décadas de 1970 e 1990. * Abandonou o voto obrigatório em 1990 (ver Apêndice B).** Abandonou o voto “quase obrigatório” em 1993 (ver Apêndice B).*** Abandonou o voto obrigatório em 1967 (ver Apêndice B).

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da de 70 para a década de 90(taxa de variação: +91%). Esseaumento é tanto mais invulgarporque diverge das tendência dosdois outros países cuja transiçãodemocrática foi contemporânea danossa (Espanha e Grécia), únicosdois casos de diminuição daabstenção. Por outro lado, a situa-ção da Alemanha deve-se comforte probabilidade à incorporaçãoda parte oriental do país na Fe-deração no início da década de1990. Mais, os dois países que seseguem a Portugal, em matéria detaxas mais elevadas de cresci-mento da abstenção eleitoral, sãoa Áustria (+89%) e a Holanda(+79%), sendo que nestes casos aexplicação de tão elevado cresci-mento da abstenção tem a vercom o abandono do voto obri-gatório: Áustria, em 1990; Holan-da, em 1967 (ver Apêndice B).Neste contexto, o elevado cresci-mento da abstenção eleitoral emPortugal afigura-se como aindamais singular porque não há qual-quer situação particular do tipodaquelas que foram anteriormentereferidas e que possa explicar talevolução.

Eleições presidenciais

A análise comparada daabstenção nas eleições presiden-ciais em Portugal exige que se to-mem algumas precauções iniciais.Na medida em que a abstençãovaria de acordo com a saliênciadas eleições, ou seja, a sua com-petitividade e a possibilidade de

que resultem em mudanças nacondução das políticas públicas(Franklin e Mino, 1998), faz poucosentido, por exemplo, comparartaxas de abstenção em sistemasde governo onde as eleições presi-denciais são decisivas para a de-finição da composição do executi-vo (presidenciais) com as verifica-das em sistemas de governo onde,apesar do Presidente ser eleito porsufrágio universal, o executivo é li-derado por um Primeiro-Ministro epoliticamente responsável peranteo parlamento (semipresidenciais)(Freire, 2001c: 192-199 e 203-205). Por outras palavras, situarcorrectamente o caso portuguêsnum contexto internacional obrigaa que se comparem níveis de abs-tenção entre sistemas de governosemipresidenciais, e não entre to-dos os sistemas de governo ondeo chefe de estado é eleito porsufrágio universal.

O quadro 2.3 dá algumasprimeiras pistas acerca da posiçãoportuguesa no âmbito dessa com-paração. O reduzido número decasos, assim como a história muitorecente dos sistemas de governosemipresidenciais da Europa deLeste, obriga a grandes precau-ções na análise dos dados. Con-tudo, pelo menos três conclusõesimediatas são possíveis.

Em primeiro lugar, e tal comosucede nas eleições legislativas, oimpacto do voto obrigatório é evi-dente. Único sistema de governosemipresidencial onde o voto naseleições presidenciais é obriga-tório, a Áustria tem também o maisbaixo nível médio de abstenção

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“real” de todos os sistemas semi-presidenciais na OCDE ou daEuropa de Leste. (9)

Em segundo lugar, os níveismédios de abstenção não parecemestar relacionados com variaçõesentre os diferentes sistemas de go-verno semipresidenciais no querespeita aos poderes constitucional-mente atribuídos aos presidentesou à sua intervenção na vida políti-ca. Por exemplo, entre os paísessem voto obrigatório, os dois geral-mente designados como de “semi-presidencialismo aparente” (sobreesta matéria, ver Freire, 2001c: 192-199, e bibliografia aí citada) Irlandae Islândia ocupam os dois extre-mos opostos da distribuição, com amais elevada e a mais baixa taxasmédias de abstenção.

Finalmente, Portugal revela-se, a nível das eleições do PR emsistemas de governo semipresi-

denciais, como um país de abs-tenção baixa em comparação comos restantes. Deste conjunto depaíses, apenas a Áustria e a Is-lândia apresentam taxas de abs-tenção média inferiores.

Vimos já, a propósito daseleições legislativas, como os va-lores médios da abstenção podemocultar não só a evolução no con-junto dos países considerados,mas também os casos individuaisonde se verificam variações maisimportantes. Contudo, ao contráriodo que sucede com as eleiçõeslegislativas, as eleições nos sis-temas de governo semipresidenci-ais não denunciam uma tendênciaclara para o aumento generalizadoda abstenção.

Por exemplo, quer a Áustriaquer Portugal (especialmente seconsiderarmos as eleições de2001) exibiram nos últimos anos

(9) Nas eleições presidenciais austríacas o voto obrigatório abrange todo o país, enquanto quenas eleições legislativas esta obrigatoriedade apenas abrangia algumas regiões. Todavia, naseleições legislativas a obrigatoriedade do voto foi abolida em 1990 (ver Apêndice B). Naseleições presidenciais o aumento da abstenção “real” entre a década de 1970 e a década de1990 (+159%) aponta para que o voto obrigatório tenha também sido abolido.

Países sem voto Médiaobrigatório

Irlanda (1945-97) 39,1Polónia (1990-95) 37,0Lituânia (1993-97) 29,3Bulgária (1992-96) 29,1França (1965-95) 26,7Eslovénia (1990-97) 25,5Finlândia (1950-94) 23,9Roménia (1996) 21,9Portugal (1976-96) 21,5Islândia (1952-96) 15,4

Média 24,8

Fontes: ver quadro 2.1

Países com voto obrigatório Média

Áustria (1951-98) 14,4

Quadro 2.3. A abstenção “real” nas eleições presidenciais do pós-guerra(sistemas de governo semipresidenciais da OCDE e Europa de Leste)

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aumentos muito expressivos daabstenção em relação à década de70. Contudo, há também aumentosmuito modestos (França) e mesmoreduções importantes da absten-ção “real” na Finlândia e na Irlanda,como se verifica, no quadro 2.4.

Por outro lado, mesmo nointerior de cada país, a evolução daparticipação eleitoral está longe deser linear. O caso português é por-ventura o exemplo mais extremodas oscilações a que os níveis deabstenção “real” estão sujeitos nal-guns sistemas de governo semi-presidenciais. Como se verifica noquadro 2.4, a mera inclusão daseleições de 2001 para o cômputoda abstenção em Portugal leva aque a média do período maisrecente aumente mais de 6 pontospercentuais, colocando-nos com aterceira abstenção mais elevadaentre todos os semipresidencialis-

mos (depois da Irlanda e da Poló-nia). A análise eleição a eleição daabstenção em Portugal no Gráfico2.3 (à frente) revela que estasenormes oscilações remontam àspróprias origens do nosso sistemade governo.

No caso da Áustria, tal cresci-mento exponencial (+159, entre adécada de 1970 e a de 1990) de-verá atribuir-se à abolição do votoobrigatório no início dos anos 1990(ver Apêndice B). Portanto, se ex-cluirmos este caso, por este motivo,Portugal singulariza-se como o paíscom maior crescimento da absten-ção “real”, sobretudo se incluirmostambém as eleições presidenciaisde 2001.

No caso da Finlândia, queapresenta um elevado decréscimoda abstenção “real” da década de1950 ou 1970 para a década de1990, tal dever-se-á à alteração do

Quadro 2.4 Evolução da abstenção em eleições presidenciais nos regimes semipresi-denciais da OCDE e Europa de Leste (em % da população com idade de voto)

Países Média década Média década Média década Taxa de Taxa de 50 70 90 variação-50 variação-70

70 90

Áustria 10,6 9,9 25,6 -7 +159

Irlanda 41,6 52,3 34,6 +26 -34França - 27,6 28,3 - +2,5Portugal - 24,6 26,5 - +8

(32,8*) (+33)Finlândia 30,5 30,7 18,6 +1 -39Islândia 19,3 - 13,0 - -

Média 30,5 33,8 26,2

Polónia - - 37,0 - -Lituânia - - 29,3 - -Bulgária - - 29,1 - -Eslovénia - - 25,5 - -Roménia - - 21,9 - -

Média - - 28,6

Fontes: ver quadro 2.1*Incluindo as eleições de 2001. A abstenção “real” nas eleições presidenciais de 2001 (45,4%) foi cal-culada apenas para o Continente e as Regiões Autónomas, e foi utilizada a estimativa provisória da população residente com mais de 18 anos em 2000 aferida para os resultados preliminares do Censo 2001.

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regime de eleição do PR, queocorreu durante os anos 1990 eque veio dar um carácter muitomais decisivo ao voto dos eleitoresna escolha do seu chefe deEstado. Até 1987 o PR da Finlân-dia era eleito por um colégio elei-toral, este sim directamente esco-lhido pelo voto popular. A legisla-ção aprovada em 1987, e aplicadanas presidenciais de 1988 e 1991,previa um processo intermédio.Com o seu voto os eleitores esco-lhiam simultaneamente o PR e umcolégio eleitoral encarregue da es-colha deste. Todavia, o colégioeleitoral só designaria o PR casoeste não tivesse obtido 50%+1 dosvotos populares; caso contrárioera directamente eleito pelo povo.A legislação aprovada em 1991, eaplicada pela primeira vez naseleições de 1994, prevê um siste-ma maioritário a duas voltas idên-tico ao português (ver ThePresident of the Republic ofFinland – the Office of thePresident of the Republic ofFinland, http://www.tpk.fi/net-comm/). Portanto, só a partir dadécada de 1980 o voto popularpassou a ser determinante naeleição do PR finlandês e daí oforte de decréscimo da abstençãoeleitoral.

De um ponto de vista compa-rativo, a abstenção nas eleiçõespresidenciais de 2001 apenas en-contra paralelo em alguns actoseleitorais neste século: na Irlanda(1973), na segunda volta daseleições presidenciais polacas de1990, e nas eleições presidenciaisbúlgaras de 1996 (ver também

Freire, 2001c: 199-203). Resta verse o elevado nível de abstençãodas presidenciais de 2001 se man-terá ou não em futuras eleições doPR (Freire, 2001c: 202-203 e 210).Ou seja, como um de nós referiunoutro local, “tendo em conta abaixa afluência às urnas que já setinha verificado nas legislativas de1999, estaremos porventura pe-rante uma certa espiral de apatia ealheamento dos eleitores face aosistema político, sobretudo marca-da em eleições caracterizadas porbaixa competitividade. Todavia,esta é uma hipótese que só podeser melhor investigada em subse-quentes actos eleitorais” (Freire,2001c: 210).

Conclusões

O problema da chamada“abstenção técnica”, isto é, resul-tante de um excesso do númerode inscritos no RecenseamentoEleitoral (RE), continua a infla-cionar os valores da abstençãoeleitoral em Portugal. Este fenó-meno atingiu valores extrema-mente elevados durante o final dadécada de 1980 e durante a déca-da de 1990. Ou seja, apesar da“limpeza” dos cadernos eleitoraisiniciada em 1998, em 1999 os va-lores da abstenção técnica eramainda bastante superiores a 5%.Todavia, este esforço parece tercontinuado e, nas presidenciais de2001, as nossas estimativas apon-tam para que a abstenção técnicatenha já estado próxima dos 5%.

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Portanto, nesta matéria trata-seagora de prosseguir e consolidar areferida “limpeza” do RE.

Mas o problema da absten-ção técnica não atinge apenasPortugal. Por outro lado, em mui-tos países da OCDE o fenómenomais relevante nesta matéria é oelevado número de cidadãos quenão se inscrevem nos cadernoseleitorais e, por isso, nestes casosa abstenção medida através dacontabilidade oficial (“abstençãooficial”) subestima os valores efec-tivos dos indivíduos que nãovotam.

Tendo em conta o problemada abstenção técnica, que emPortugal atinge valores muito dife-renciados consoante o período dahistória democrática do país, mastambém os problemas ligados aonúmero de subinscritos nos cader-nos eleitorais, especialmente pre-sente noutros países, sempre queos dados disponíveis o permitiramoptámos por avaliar comparativa-mente a evolução da abstençãoportuguesa através do recursoaquilo que chamámos, por falta demelhor designação, a “abstençãoreal”. Ou seja, calculada não a par-tir do número de inscritos no RE,mas sim a partir de população re-sidente em idade de votar.

Nas eleições legislativas(Câmara Baixa ou única), e toman-do como período temporal o arcoque inclui o conjunto de eleiçõesdemocráticas em cada país, cons-tatámos que, em termos médios, aabstenção eleitoral (“real”) por-tuguesa é baixa. Ou seja, Portugalocupa o vigésimo segundo lugar

num conjunto de vinte seis países(sem voto obrigatório) ordenadosde forma decrescente do respecti-vo abstencionismo eleitoral. Toda-via, se algo singulariza o caso por-tuguês é a extrema variabilidadedas respectivas taxas de absten-ção. Por outro lado, no conjunto depaíses supra-referido incluímospaíses tais como os EUA, a Suíçae democracias pós comunistas daEuropa Oriental.

Assim, procedemos a umaanálise da evolução da abstençãoPortuguesa, por décadas, e com-parando-a com as médias de con-juntos de países: democraciascom voto obrigatório; democraciaseuropeias sem voto obrigatório;democracias não europeias semvoto obrigatório; EUA e Suíça.Nesta matéria, as conclusões sãomuito claras. A abstenção “real”dos portugueses era, nos anos1970, idêntica à das democraciascom voto obrigatório. Nos anos1990 a abstenção portuguesa é jásuperior à média da dos paíseseuropeus sem voto obrigatório,mas está bastante abaixo dasmédias das democracias nãoeuropeias sem voto obrigatório edo conjunto EUA/Suíça. Mais,apesar de, nos anos 1990, amédia da abstenção portuguesaser superior à média do conjuntode democracias europeias semvoto obrigatório, há vários paísesdeste conjunto que tem valoresmais elevado do que Portugal:Alemanha, Holanda, Finlândia,Irlanda, França e Reino Unido.

Consequentemente, na histó-ria recente da democracia por-

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tuguesa (anos 1990) a abstençãoeleitoral portuguesa é comparativa-mente elevada, mas não tantoquanto poderia pensar-se tendoem conta as preocupações expres-sas nos mass media e entre aselites políticas. Com esta afirmaçãonão queremos significar que estefenómeno não deva preocupar-nos, muito seriamente, mas ape-nas enquadrar a situação daabstenção eleitoral do país emcontexto internacional.

Aliás, na nossa perspectivaos motivos de preocupação com aevolução da abstenção eleitoralportuguesa são bem fundadospois, no conjunto das democracias

da OCDE que usamos como termode comparação, o país apresenta,ex aequo com a Alemanha, amaior taxa de crescimento daabstenção eleitoral.(10) Nos tercei-ros e quarto lugares encontramosa Áustria e a Holanda. Mais,enquanto tais países tem razõesexógenas para tal padrão decrescimento da abstenção eleitoral– Alemanha: inclusão da parte ori-ental; Holanda e Áustria: aban-dono do voto obrigatório -, no casoPortuguês não existem factoresexógenos desse tipo.

Também em matéria de elei-ções presidenciais a média daabstenção eleitoral (“real”) por-

(10) Note-se, contudo, que, entre os anos 1970 e 1990, o crescimento da abstenção eleitoral é umfenómeno praticamente generalizado, sendo as diferenças sobretudo de grau.

Apêndice A: Dados brutos da abstenção oficial e “real” nas eleições legislativasPortuguesas, 1975-1999

Quadro A.1: Abstenção oficial e “real” nas eleições legislativas portuguesasParticipação e 1975 1976 1979 1980 1983 1985 1987 1991 1995 1999Abstenção

Percentagem 91,7 83,3 87,5 85,4 78,6 75,4 72,6 68,2 66,3 61participação oficial

Percentagem abstenção 8,3 16,7 12,5 14,6 21,4 24,6 27,4 31,8 33,7 39oficial Total (inscritos) 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Percentagem 89,7 83,3 88,3 87,9 77,4 79,7 78,1 77,7 79,1 69,3participação “real”

Percentagem abstenção 10,3 16,7 11,7 12,1 22,6 20,3 21,9 22,3 20,9 30,7“real” Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100(Populaçãocom 18 + anos)

Votantes (milhões) 5,666 5,393 5,915 5,917 5,629 5,744 5,623 5,674 5,904 5,406

Inscritos (milhões) 6,177 6,477 6,757 6,925 7,159 7,621 7,741 8,322 8,906 8,857

Residentes 6,315 6,476 6,702 6,731 7,271 7,207 7,195 7,301 7,463 7,805com 18 + anos(milhões)

Fontes: IDEA, 1997 (1975-1987) e 2002 (1991-1999).

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Apêndice B: Democracias consolidadas com voto obrigatório

Quadro B.1: V oto obrigatório em democracias consolidadasAplicação das Ano de Ano de

Países Sanções sanções Introdução Particularidades Abolição

Austrália 1) 2) Estrita 1924 - -Só aplicável

Áustria na região do(Tyrol) 11 1) 2) Limitada - Tyrol 1990 12

Só aplicável Áustria na região de(Vorarlberg) 2) 3) Limitada - Vorarlberg 1990

1919 – Homens1949 –

Bélgica 1) 2) 3) 4) 5) Estrita Mulheres - -Só para indivíduoscom Idades entre 21 e70 e residindo num raio de 200 milhas face ao seu

Grécia 1) 5) Limitada - círculo eleitoral -1957 1993(lei TU Voto “quase- (lei 277/

Itália 5) Limitada 361/1957) -obrigatório” 1993)Holanda - - 1917 - 1967

Voluntário paraindivíduos com

Luxemburgo 1) 2) Estrito - mais de 70 anosabolido nos

Vigora em apenas restantes 1 cantão (17% do cantões

Suíça eleitorado). em (Schaffhausen) 2) Estrito 1904 1974Fontes: dados elaborados a partir de Rose, 1974; Crewe, 1981; Justel, 1995: 71-78; LeDuc, Niemie Norris, 1996; Perea, 1999: 140-144; IDEA, 2001; comunicação pessoal com Stefano Bartolini, 2001;União Inter-Parlamentar, 2002. Umas das fontes fundamentais para a construção deste quadro é osítio da IDEA (2001) onde consta uma tabela idêntica a esta; mas as restantes fontes permitiram-nostambém recolher informações complementares/esclarecimentos fundamentais, que em alguns casos(Áustria e Itália) contrariam a informação constante no sítio da IDEA, o qual parece estar desactualizado.

(11) Em 1981, Crewe referia que na Áustria apenas três regiões tinham voto obrigatório, as quaisrepresentavam menos de 10% do eleitorado (1981: 240, nota 16). Assim também Perea (1999:141) refere que na verdade o voto obrigatório é aplicado em três Lander e não dois. Ou seja, paraalém das duas regiões mencionadas inclui também Steienmark. No entanto, ao contrário deCrewe esta autora refere que os três Lander representam cerca de 26% do eleitorado. Por outrolado, LeDuc, Niemi e Norris (1996: 16) referem que nas eleições presidenciais austríacas o votoé obrigatório para o conjunto do país; e ainda que o voto é obrigatório em algumas províncias paraoutras eleições. Todavia, no sítio da União Inter-Parlamentar (2002: Áustria/Sistema Eleitoral)é referido que o voto neste país não é obrigatório e que houve uma alteração da lei eleitoralem 28/02/1990. Deduzimos pois que o levantamento da obrigatoriedade do voto nas eleições par-lamentares Austríacas tenha sido levantado no início da década de 1990, até por causa dosignificativo crescimento da abstenção das décadas anteriores (1960, 1970 e 1980) para aquela.No caso das eleições presidenciais, não nos foi possível obter dados que nos permitissem confir-mar a eventual abolição do voto obrigatório. Todavia, o crescimento da abstenção neste tipode eleições Austríacas, entre a década de 1970 e a década de 1990 (+159%), leva-nos a pensarque a obrigatoriedade do voto tenha também sido abolida para o caso das eleições presidenciais.

12) Segundo o sítio da União Inter-Parlamentar (2002: Áustria/Sistema Eleitoral).

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tuguesa é baixa: o país ocupa onono lugar num conjunto de dezdemocracias ordenadas de formadecrescente do respectivo absten-cionismo eleitoral. Mas, mais umavez, aquilo que singulariza Por-tugal é a elevada taxa de cresci-mento do abstencionismo eleitoral.Apenas considerando a década de1990, Portugal tem já uma médiasuperior à das democracias oci-dentais com regimes semi-presi-denciais (Áustria, Irlanda, França,Islândia, Finlândia e Islândia) e, seconsiderarmos as presidenciais de2001, o país apresenta a segundamaior taxa de abstenção e decrescimento do fenómeno no sub-conjunto destas democracias quenão tem (nem tiveram) voto obri-gatório.

Tipos de sanções:

1) Explicação. O abstencionista temque fornecer uma razão legítima parao seu comportamento, em ordem apoder evitar a (eventual) sanção.2) Multa. As multas têm uma notávelvariabilidade em termos da suaimportância: por exemplo, na Suíçasão de 3 Francos Suíços, enquantoque na Áustria podem atingir valoresentre 300 e 3000 ATS.3) Prisão. Não há casos conhecidos.Todavia, em países onde existe umamulta (Austrália, etc.) o abstencionistapoderá ser preso se não a pagar, masnão porque se absteve. 4) Perda de direitos civis; perda dedireito de voto. Na Bélgica, quem nãovotar em 4 eleições durante um perío-do de 15 anos perde o seu direito devoto. Nalguns países os eleitores abs-tencionistas têm que fazer prova de

que votaram na última eleição parapoderem usufruir de determinadosserviços públicos, benefícios sociais,etc.5) Outras. Os abstencionistaspoderão ter dificuldades em conseguirum emprego no sector público(Bélgica) ou obter uma carta de con-dução e um passaporte (Grécia). Emcertos países, como a Itália e oMéxico, não há sanções formais massim arbitrárias ou sociais (“sançõesinócuas”). Por exemplo, em Itáliapodia ser difícil aos abstencionistasconseguirem um infantário para as cri-anças, mas tal não estava de todo for-malizado. Por outro lado, ainda emItália, se o eleitor se abstinha sem umajustificação este seu comportamentofica registado por cinco anos (artigo 4da lei TU 361/1957). Ou seja, em do-cumento especifico para o efeito ficavaregistado “Non ha votato” (Não votou).Todavia, a lei Italiana de 277/1993passou a considerar o voto como “umdireito de todos os cidadãos, cujo livreexercício deve ser garantido e estimu-lado pela República”, embora o artigo4 da Constituição de 1948 (não alter-ado) ainda defina o voto como um“dever cívico”. Por outro lado, com a lei277/1993 desapareceu a inclusão damenção “não votou”, no documentosupra-referido, para o caso dos abs-tencionistas (comunicação pessoalcom Stefano Bartolini, 2001).

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O progressivo aumento daabstenção trouxe para a ordem dodia a reforma do sistema político,tendo surgido na imprensa váriascríticas à possível introdução decírculos uninominais de candidatu-ra no sistema eleitoral português.Recentemente, foi mesmo criada,no âmbito da Assembleia daRepública, uma comissão eventualpara debater, mais uma vez, areforma do sistema político.Contribuindo para esse debate,vou procurar responder a algumascríticas aos círculos uninominais,de uma forma, sempre que possí-vel, empíricamente fundamentadae assumidamente comprometidacom o modelo de reforma eleitoralque tem sido preconizado peloPartido Socialista nos últimosanos. De entre as críticas e ideiasfeitas que julgo lhes estarem asso-ciadas, há umas mais recorrentese outras mais localizadas. Espero,por isso, que os leitores da revista“Eleições” compreendam que medetenha mais nas primeiras.

1) “A revisão da Lei Eleitoral daAssembleia da República é umtiro ao lado. A actual lei permitiuestabilidade política em várioscenários eleitorais e ainda nãoforam exploradas todos as suasvirtualidades.»

Assentando os sistemas eleitoraisno equilíbrio entre governabilidade,proporcionalidade e represen-tação, só se justifica equacionar asua revisão quando algum destesvectores revela sinais de crise. EmPortugal não há um problema degovernabilidade, uma vez que,desde 87, com a excepção do XIVGoverno Constitucional, temostido estabilidade política. Apesarda dimensão de alguns círculos,também não existem, globalmente,significativos desvios à pro-porcionalidade. Assiste-se, noentanto, a um aumento progressi-vo da abstenção, a níveis baixosde identificação dos portuguesescom a sociedade política e adados sobre a imagem daAssembleia que indiciam um pro-blema mais profundo ao nível darepresentatividade da instituiçãoparlamentar. De facto, hoje, cerca de metadedos eleitores portugueses não seidentifica com nenhum partido, o

CÍRCULOS UNINOMINAIS:CRÍTICAS E RESPOSTAS (1)

-Filipe Nunes (1)

(1) Este artigo é uma versão actualizada e mais desenvolvida do artigo de opinião “Ideias Feitas sobreCírculos Uninominais” publicado no jornal “Público” de 10 de Outubro de 2000.

(2) É sociólogo e foi assessor do Gabinete do Ministro da Reforma do Estado e da AdministraçãoPública (1999-2002).

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que, comparando com outros paí-ses europeus, é um númeroextremamente elevado (Cabral,2000). Por outro lado, olhando paraos dados relativos à evolução daparticipação eleitoral, vemos que aabstenção não tem parado deaumentar. Em 1975, situava-se nos8,3%; em 1985 nos 27,8%; em 1991(no auge da abstenção técnica) nos32,2%; e em 1999 e 2002, já depoisda primeira “limpeza” dos cadernoseleitorais, encontra-se perto dos 40por cento (38,9% e 37,7%, respecti-vamente). Pelo contrário, naseleições autárquicas, que foramdesde o início menorizadas peloeleitorado (35,4% dos eleitores nãovotaram nas autárquicas de 1976) -mas onde se garante um sistemaeleitoral personalizado e (muitasvezes) competitivo - entre 1985 e1997 os números da abstençãotêm-se mantido estáveis: entre36,1% (1985) e 39,9% (1997 e2001), tendo mesmo descido entre1989 e 1993 (de 39,1% para36,6%). Também os níveis de confiança naAssembleia da República e nosPartidos Políticos junto da opiniãopública, reflectidos em vários estu-dos de opinião(3), estão, de acordocom as conjunturas políticas, abaixoou acima dos níveis de confiança noGoverno, mas invarialmente abaixodos níveis de confiança naPresidência da República e nasAutarquias Locais. Curiosamente, ométodo de eleição destas duas últi-mas instituições políticas envolve

uma personalização semelhante àque se pretende introduzir naAssembleia da República com oscírculos uninominais. Esta redução dos níveis de identi-ficação com o sistema políticopoderia não ser tão grave se fossecompensada, como acontece emoutras democracias, por níveis ele-vados de participação cívica. Masnão é esse o caso em Portugal:«O associativismo e o activismosociais conhecem em Portugalníveis manifestamente inferioresao dos demais países europeus»(Cruz, 1994: 354). Com efeito, ataxa de pertença a organizaçõescívicas é reduzida, sendo osnúmeros ainda inferiores quandofalamos de taxa de actividade. Àfrente (taxas de pertença) estão asorganizações que, em princípio,pouco têm a ver com formas departicipação política: as organiza-ções desportivas e recreativas eas religiosas (14% e 11% depertença). Os sindicatos e os par-tidos vêm atrás: apenas 5% depertença, com tendência, nos doiscasos, para o envelhecimento dosseus membros. Quanto a organi-zações ligadas aos chamados“novos movimentos sociais”, ataxa de pertença não passa de 1%nos grupos ecologistas, de pro-tecção dos animais, pacifistas oufeministas (Vargas e Nunes, 2001). São indicadores globalmente pre-ocupantes que justificam umaacção, simultaneamente, estrutu-ral (ao nível das políticas) e institu-

(3) Veja-se, por exemplo, o recente estudo do Ministério da Reforma do Estado e da AdministraçãoPública (2002) - “Imagem dos Serviços Públicos em Portugal - 2001”.

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cional (ao nível da política).Institucionalmente, essa acçãodeve passar por uma reformaeleitoral gradualista que explore osactuais limites constitucionais. E,ao contrário do que pretendeDieter Nohlen, podemos observarque, nos últimos anos, são váriosos países que têm mudado adimensão dos círculos e mesmo otipo de sistema eleitoral. Só em1994, por razões várias (4), tivemosreformas em Itália, no Japão e naNova Zelândia - todas elas no sen-tido de introduzir sistemas mistos.Assim, depois das reformas elei-torais dos anos 80 e 90, os sis-temas mistos já não são apenassinónimo, de sistema alemão.Para além dos casos atrás referi-dos, com assinaláveis adaptaçõese diferenças, este modelo foisendo adoptado por vários países,entre os quais, Hungria, Rússia,México, Coreia do Sul, Taiwan, eVene-zuela. Patrick Dunleavy, ou-tro especialista em assuntos elei-torais, chega mesmo a sugerir queos sistemas de representação pro-porcional personalizada em vigorna Alemanha e na Nova Zelândiasão o modelo preferível, pois com-binam o controlo sobre os parla-mentares típico dos sistemasmaioritários com a proporcionali-dade das listas partidárias regio-nais e nacionais (Farrell, 1997). Háaté quem lhes chame «o melhorde dois mundos» (Shugart eWattenberg, 2001).

2) “Os círculos uninominais sãouma questão “transversal” aospartidos. “

Os círculos uninominais não sãouma questão “transversal” aos par-tidos ou de “consciência” paracada um dos deputados; são umaproposta política sufragada pelosmilhões de eleitores que votaramnos programas eleitorais (1999) doPartido Socialista e do PartidoSocial Democrata e que se iden-tificam com o Programa doCDS/Partido Popular. No Pro-grama eleitoral de 1999, o PartidoSocialista propõe «Reformar o sis-tema eleitoral, com vista à aproxi-mação entre eleitos e eleitores,através da introdução de circuns-crições uninominais de candidatu-ra, sem diminuição da propor-cionalidade do sistema». E ao con-trário do que por vezes se querfazer crer, estas posições já sãodefendi-das na área do PS desdeos anos 80 (pelo ex secretário-geral e primeiroministro, AntónioGuterres, e por Mário Soares nomanifesto eleitoral para as pre-sidenciais de 1986 (Cruz, 1998). No Programa eleitoral do PSD de99, preconiza-se uma «Alteraçãoda Lei Eleitoral para a Assembleiada República, de forma a aproxi-mar os eleitores dos eleitos,através nomeadamente da con-sagração de círculos uninomi-nais.» No programa do Partido Popular,diz-se que «É importante a con-

(4) Analisadas por David Farrell (1997).

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sagração de um novo sistemaeleitoral, de modo a individualizarcada vez mais a responsabilidadepolítica, reforçar o controlo de-mocrático dos eleitores sobre oseleitos e impedir a tendência dademocracia de partidos para setornar numa democracia de direc-tórios». Foi, aliás, sempre nestesentido que se orientaram as inter-venções públicas do actual Minis-tro de Estado e da Defesa e líderdo CDS/PP, Paulo Portas (Portas,1996). Mesmo o programa eleitoral daCDU, também em 1999, apesar doque dizem os seus deputados, nãoé totalmente contraditório com umsistema de representação propor-cional personalizada, assente emcírculos uninominais de candidatu-ra: «manutenção do sentido ealcance do princípio da represen-tação proporcional, não admitindoquaisquer alterações ao sistemaeleitoral que diminuam ou alteremo alcance desse princípio.»Apenas o Bloco de Esquerda seafasta claramente deste consensoprogramático, defendendo um sis-tema eleitoral que aceite o direitode candidaturas independentes,um círculo nacional de 50 deputa-dos e uma reformulação do mapaeleitoral na base de círculos de 3 a15 deputados (onde o Bloco, previ-sivelmente, não elegeria nenhumdeputado).

3) “a complexidade do sistemaproposto, por um lado, e a lógi -ca dos círculos uninominais,por outro, contribuem paraaumentar a abstenção, como noReino Unido e na Alemanha.”

Uma boa forma de se perceber alógica política deste sistema éolhar para o boletim de voto quetem sido proposto pelo PS desde98. Nesse boletim de voto temos,à esquerda, a coluna das listaspartidárias candidatas a um dadocírculo parcial, e, à direita, a colu-na dos candidatos a um determi-nado círculo uninominal. Podemos,assim, no mesmo boletim, votar nopartido e no candidato da nossapreferência, embora seja apenas ovoto partidário a determinar o apu-ramento global do número dedeputados a eleger por cada par-tido. Os candidatos vencedoresnos círculos uninominais conside-ram-se, de facto, automaticamenteeleitos, e as eventuais distorções àproporcionalidade que daí decor-ram serão compensadas no círcu-lo nacional: se um partido elegeu,proporcionalmente, um deputadouninominal a mais, é-lhe retiradoum mandato no círculo nacional. Ocírculo nacional, para além de per-mitir a eleição dos quadros dospartidos, funciona assim tambémcomo círculo de compensações deeventuais desvios à proporciona-lidade. Nas últimas eleições, semcírculo nacional, muitos votos doscírculos distritais mais pequenosforam literalmente perdidos. Con-tudo, ficando, como tem defendidoo PS, as candidaturas uninominais

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associadas a um círculo parcial(de base distrital) e a outro círculonacional, será possível contrariaresta lógica do voto útil (típica dossistemas de voto singular) que, emteoria, pode contribuir para adesmobilização de alguns sec-tores do eleitorado. Passemos agora para os efeitosdos círculos uninominais na parti-cipação eleitoral. No Reino Unido,como no Canadá, na Índia ou noChile, vigora ainda um sistemamaioritário simples, com círculosuninominais de apuramento(5) quenão podem, por definição, sercomparados aos círculos uninomi-nais de candidatura propostospelo PS. Neste tipo de sistemaeleitoral, não se prevê uma segun-da volta (como em França) paraque um candidato atinja a maioriaabsoluta, nem a hipótese de votopreferencial (como na Irlanda e naAustrália) que permitiria ao eleitorordenar as suas preferências. É certo que o sistema maioritáriotem as suas vantagens: grandesimplicidade para o eleitor, estabi-lidade política (facilita maioriasabsolutas, e evita emergência departidos extremistas), represen-tação dos interesses locais emaior assiduidade e número deiniciativas por parte dos deputados(Farrell, 1997). Mas também temuma grande desvantagem. Mais

do que nos Estados Unidos, ondefunciona um sistema de bipar-tidarismo perfeito, este sistemagera no Reino Unido fortes des-vios à proporcionalidade, que nasúltimas décadas têm penalizadobastante os liberais democratas.Não surpreende, por isso, que odebate em torno da reforma elei-toral, iniciado por Thomas Hare eStuart Mill no século passado emdefesa da proporcionalidade, te-nha continuado.Faz por isso pouco sentido com-parar o sistema proposto pelo PScom o caso do Reino Unido oucom a imprevisibilidade do com-portamento dos deputados emEstados federados com a dimen-são dos Estados Unidos ou doBrasil. A comparação pode ser feita como caso alemão, onde o papel doscírculos uninominais é, tal como oque se propõe para Portugal,determinar quem são as pessoasque ocupam os mandatos a quecada partido tem direito. NaAlemanha, os candidatos do par-tido que ganham respectivo círculouninominal são eleitos, ocupandoum dos mandatos a que o partidotem direito. Depois de atribuídosmandatos a todos os candidatosvencedores, se o partido ainda dis-puser de lugares por preencher,são estes atribuídos aos membros

(5) Para além das reformas eleitorais de Tony Blair que introduziram o sistema proporcional a pro-pósito da devolução de poderes na Escócia e no País de Gales, para o Parlamento Europeu adop-tou-se a mesma regra e para as eleições autárquicas as propostas recentes vão no mesmo sen-tido. No que toca ao parlamento britânico, apenas existe a proposta do relatório Jenkins, en-comendado pelo governo trabalhista em 1997, que aponta para um sistema misto. O sistema pro-posto pelo Jenkins Report era basicamente o seguinte: o eleitor teria dois votos, um para ocandidato uninominal, outro para votar em deputados “complementares” (top-up MP’s); onúmero destes corresponderia a 15 a 20% do total de deputados (Andrade, 2001).

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das listas dos Lander (Andrade,2000).Assim, comparando o que é com-parável, isto é, observando osíndices de participação eleitoralem sistemas idênticos ao que sepropõe (onde círculos uninominaistêm de articular-se com as listaspartidárias plurinominais) vemosque na Alemanha as taxas deabstenção têm-se mantido a níveisbaixos (17,8% em 1998 e 20,9%em 2002) e que na Nova Zelândiao novo sistema de representaçãoproporcional personalizada levoumesmo a um aumento da partici-pação eleitoral. São os baixosíndices de proporcionalidade(associados a círculos de pequenadimensão) e não a existência decírculos uninominais de candidatu-ra que podem conduzir ao aumen-to da abstenção. Na Alemanha,por exemplo, apesar dos círculosuninominais, os índices de propor-cionalidade e de participaçãoeleitoral são mais elevados do que(hoje) em Portugal com um sis-tema proporcional de listas pluri-nominais fechadas. Observando os dados da parti-cipação eleitoral na EuropaOcidental(6) , podemos verificar queos números não variam muito deeleição para eleição (apesar deum aumento relativo nos anos 80)ou em função dos círculos de can-didatura, mas em função da região(mais no sul da Europa) ou da cria-ção de mecanismos de incentivo àparticipação eleitoral (fim do voto

obrigatório - Holanda; ou intro-dução do “voto por correio” -Suécia). Os países com mais ele-vados índices de abstenção têmsistemas eleitorais diferentes:Reino Unido (maioritário simples),Irlanda (sistema proporcional porvoto único transferível) e Suíça(sistema misto, tendencialmenteproporcional).

4) «O acordo com Campelofoi assassino para a reformaeleitoral»

O processo de aprovação doOrçamento de Estado de 2001 fezcom que alguns comentadorespreocupados com a reformaeleitoral e alguns agentes políticosdesde sempre críticos dos círculosuninominais voltassem a associaros círculos uninominais ao“caciquismo”. Tratou-se, de facto,de um processo pouco positivopara a institucionalização do diálo-go político em Portugal, resultante,de conhecidos factores conjunturaise estruturais. Conjunturalmente, foio produto de um empate (115/115)na composição da Assembleia daRepública. Estruturalmente resul-tou, por um lado, da possibilidadede acumulação entre mandatosautárquicos e parlamentares (quea lei já não permite) e, por outro,de um bloqueio político no sistemapartidário português que afectaparticularmente o PS, uma vez

(6) Jan-Erik Lane e Svante Ersson (1994) debruçam-se sobre as variáveis que efectivamentecondicionam a participação eleitoral na Europa.

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que, nos XIII e XIV Governos, nãodispôs de um partido charneira oude um partido à sua esquerda comquem pudesse (ou quisesse) esta-belecer um acordo parlamentar(ou de governo) estável. Recor-de-se que a regra nos sistemasproporcionais, como o português,quando não há maiorias absolutas(e quase nunca há) são as coli-gações governamentais (comoacontece actualmente) ou os acor-dos de incidência parlamentar(como aconteceu no passado). É compreensível a reacção de cer-tos agentes políticos, nomeada-mente de alguns deputados, pe-rante a emergência de um novosistema eleitoral que poderá con-duzir a novos métodos de organi-zação partidária e de recrutamentodos candidatos à Assembleia daRepública. Contudo, a introduçãode círculos uninominais virá aoencontro dos seus interesses, evi-tando que a eleição se resumaapenas a uma competição entrecandidatos a primeiro ministro, oque tem alimentado a defesa daredução do número de parla-mentares por parte dos partidos decentro-direita e direita(7).A reforma do sistema político deve,assim, ser vista como um pacote,que começou, na anterior legislatu-ra, com a lei de financiamento dospartidos e com o voto dos emi-grantes, que continuou com as can-didaturas de cidadãos eleitores àsautarquias locais, e que passará,nesta legislatura, pela reforma do

sistema eleitoral da Assembleia daRepública e que terminará, dese-javelmente, com uma nova lei dosPartidos Políticos. O que não se pode aceitar é que24 anos passados sobre o final datransição democrática, e consoli-dada a democracia, isto é, nummomento em que preocupaçãodos agentes políticos deve estarcentrada no problema da quali-dade do sistema político, secoloque a democracia portuguesano plano das culturas políticasparoquiais, sem condições políti-cas e sociais para institucionalizaras reivindicações localistas dosdeputados uninominais. E, afinalde contas, o chamado “orçamentolimiano” ocorreu no quadro de umsistema eleitoral…sem círculosuninominais. Por outro lado, se, actualmente, sóhá círculos distritais, e o interessenacional não parece estar emcausa, com a aplicação da novaproposta, fica assegurada não sóa representação distrital (círculosparciais) e local (círculos uninomi-nais), como também a represen-tação do estritamente nacional(círculo nacional).Com efeito, nas democraciaseuropeias onde vigoram sistemaeleitorais com círculos uninomi-nais, bem como uma maiordescentralização administrativa,tem sido cumprida a disciplina devoto em questões como o orça-mento de Estado, programa degoverno ou moções de censura e

(7) Quando na verdade o número de deputados em Portugal é, no contexto das democracias euro-peias, relativamente baixo.

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confiança. Mesmo naqueles sis-temas em que se prevê a possibili-dade de candidaturas indepen-dentes aos parlamentos nacionais(o que nem é o caso de Portugal)nunca se colocou o problema dagovernabilidade (até porque pou-cos conseguem ser eleitos). Istonão significa que os círculos uni-nominais não melhorem a repre-sentatividade do parlamento e nãoaumentem a liberdade do deputa-do - que é justamente o que sepretende. O que isto significa éque as reivindicações locais sãoinstitucionalizadas e reconhecidasno interior de cada grupo parla-mentar que, racionalmente, vai darresposta a essas expectativas doeleitorado, arriscando-se a perderinfluência política numa eleiçãoseguinte se assim não o fizer. Mas as reformas eleitorais não po-dem ser dissociadas das reformasadministrativas. Uma das formasmais eficazes de compatibilizargovernabilidade e reivindicaçõesdo agentes políticos locais consis-te na desconcentração e descen-tralização da Administração Públi-ca, por forma a que a canalizaçãodessas propostas de âmbito localnão funcione (apenas) directa-mente sobre o parlamento nacio-nal - por exemplo, no debate orça-mental -, mas antes através deuma estrutura intermédia/regional(desejavelmente eleita, directa ouindirectamente) de poder.

5) “A criação de círculos unino -minais é uma habilidade deengenharia eleitoral para eter-nizar um ou dois partidos noGoverno.”

Quando se fala de círculos uninomi-nais coloca-se sempre o problemado seu desenho. Ficou célebre ahistória de um Governador ameri-cano de Massachusetts que, em1811, criou umas circunscriçõescom um desenho anormal, bem àmedida dos seus interesseseleitorais. É o chamado“Gerrymandering”. Desde então,em toda a parte, tem-se procuradoque o desenho dos círculos uni-nominais resulte de critérios objec-tivos. Tem sido também essa a pre-ocupação do PS: garantir que cadacírculo uninominal tenha umnúmero de eleitores que se contémem limites de baixa variação; e, poroutro lado, assegurar que a cadacírculo corresponda a uma áreacontínua, de preferência com a áreado município, com o agrupamentode freguesias, em concelhos maispopulosos, como Lisboa e Porto, oucom o agrupamento das áreas inte-grais de municípios contíguos. O antigo Ministério da Reforma doEstado e da Administração Públicachegou mesmo a encomendar aoInstituto de Estatística e Gestão daInformação da Universidade Novade Lisboa um estudo científico quedemonstrava, através de simu-lação, que com o novo sistema pro-posto e o mesmo número de votosa representação parlamentar doPCP e do Bloco de Esquerda nãosofria alterações (MREAP, 2000).

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6) “Os partidos que detêm omaior número de câmaras e asmais influentes saem beneficia -dos.”

Isso só acontecia se os círculosuninominais correspondessemtodos à área territorial dos conce-lhos. Ora a verdade é que, deacordo com o mapa apresentadoem 1998, há - e até em maiornúmero - outras situações, como oagrupamento de concelhos e oagrupamento de freguesias nodesenho dos círculos. Nos casosem que isso acontece, nem sequerestamos a falar das chamadas“câma-ras mais influentes”, umavez que o território dessas, pelasua dimensão populacional, estarásubdividido em mais que um círcu-lo uninominal. Por outro lado, o cír-culo nacional e o círculo par-cial/distrital permitem compensaros outros partidos com expressãodistrital do efeito de candidaturasde presidentes de câmara(8) noscírculos uninominais.

(8) Estes, uma vez eleitos para a Assembleia da República, são obrigados a optar entre o mandatoautárquico e o parlamentar.

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Introdução

Respondendo ao amávelconvite que me foi feito pelo Exmo.Senhor Subdirector Geral doSTAPE, Dr. Jorge Miguéis, queaproveito para agradecer, irei ana-lisar neste artigo a mais recenteproposta do Partido Socialistapara a reforma do sistema eleitoralda Assembleia da República: AR(Projecto Lei (2) N.º 17/IX, in Diárioda República, II Série-A-Número 5:74-108). O objectivo central doartigo é o de enquadrar o sistemaproposto nas tipologias dos sis-temas eleitorais, bem como discu-tir as suas prováveis vantagens einconvenientes, tendo em conta arealidade social e política por-tuguesa, deduzindo desta dis-cussão algumas linhas de reformaalternativas e/ou complementares.Devo advertir, porém, que cen-trarei a minha reflexão exclusiva-mente sobre os aspectos do pro-jecto lei respeitantes ao sistemaeleitoral em sentido restrito, isto é,

“(...) ao conjunto de normas queregulam a transformação de votosem mandatos nos processos deeleição de representantes paracargos políticos (Lopes e Freire,2002: 91).” (3) Ou seja, debruçar-me-ei exclusivamente sobre aorganização e o tipo de círculoseleitorais, a fórmula de conversãode votos em mandatos, o tipo desufrágio (nominal versus em lista)e os procedimentos de votação (4),enquanto que o PJL 17/IX abrangevárias outras matérias.

A exposição será organizadado seguinte modo. Primeiro,começo com uma pequena rese-nha teórica sobre as classificaçõesdos sistemas eleitorais, dandoespecial relevo aos chamados“sistemas mistos”. Em segundolugar, farei uma breve descriçãodo sistema eleitoral proposto peloPS. (5) Na terceira e última parte doartigo procurarei enquadrar o sis-tema eleitoral proposto pelo PSnas tipologias apresentadas naprimeira parte, farei um balanço

A REFORMA DO SISTEMA ELEITORAL PARA AASSEMBLEIA DA REPÚBLICA: BREVE REFLEXÃOSOBRE O PJL 17/IX DO PARTIDO SOCIALISTA- André Freire (1)

(1) Assistente do Departamento de Sociologia do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalhoe da Empresa), investigador do CIES-ISCTE (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia)e investigador júnior associado do ICS-UL (Instituto de Ciências Sociais da Universidade deLisboa). É actualmente um dos coordenadores executivos do projecto “Comportamento Eleitorale Atitudes Políticas dos Portugueses em Perspectiva Comparativa”, que decorre no ICS-UL.

(2) PJL.

(3) Para uma maior especificação do sentido de “sistema eleitoral em sentido restrito”, ver Lopes eFreire, 2002: 91-92.

(4) Sobre todas estas matérias, ver Lopes e Freire, 2002: Parte II.

(5) Em Maio de 2002 iniciou-se o processo conducente à formação na Assembleia República de umaComissão Eventual para a Reforma do Sistema Político (Público, 1/5/2002: 10, e 9/5/2002: 14).No contexto da formação desta comissão parlamentar o PS apresentou o PJL 17/IX em discussão

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crítico do mesmo e apresentareialguns caminhos alternativos paraa reforma do regime eleitoral,tendo em conta nomeadamente aspropostas que eu próprio tenho jáapresentado, seja individualmente(Freire, 2001), seja em grupo(Lopes e Freire, 2002: II Parte;Freire, Araújo, Leston-Bandeira,Lobo e Magalhães, 2002).

Tipologias dos sistemaseleitorais mistos

Há várias tipologias dos sis-temas eleitorais (6), sendo que umadelas assenta numa classificaçãotripartida daqueles, de acordo comos seus efeitos na proporcionali-dade global do processo de con-versão de votos em lugares. Isto é,de acordo com a maior ou menorcorrespondência entre as percen-tagens de votos e de mandatosdos diferentes competidores polí-ticos, geralmente partidos. Quantomaior a correspondência entre aspercentagens de votos e man-datos maior a proporcionalidade.A referida classificação tripartidados sistemas eleitorais, adoptadapor Lijphart (1984 e 1999) eReynolds e Reilly (1997) (7), entreoutros, incluí: “sistemas maio-ritários”, “sistemas proporcionais”e “sistemas semi-proporcionais”.

Para um análise detalhada decada um destes três tipos e dossistemas concretos neles incluí-dos, ver Lopes e Freire, 2002:Cap. 5.

Na categoria “sistemasmaioritários” incluem-se os regi-mes de maioria relativa, os siste-mas de duas voltas (com maioriarelativa ou absoluta), o “voto blo-queado” e o “voto alternativo”(Lopes e Freire, 2002: 105-114).Em qualquer destes sistemas sãoutilizadas fórmulas maioritárias, ouseja, o candidato/partido queobtém maior número de votos édeclarado vencedor, sendo ape-nas nalguns casos exigida umamaioria absoluta. Estes regimeseleitorais são aqueles onde se ve-rifica geralmente uma menor pro-porcionalidade na conversão devotos em mandatos, de que resul-ta um maior volume de votos per-didos. Estes regimes utilizam ge-ralmente círculos uninominais,embora não necessariamente:veja-se por exemplo o caso do“voto bloqueado” (Lopes e Freire,2002: 108-109).

Os sistemas eleitorais pro-porcionais começaram a ser adop-tados no final do século XIX eprincípio do século XX, coincidindogeralmente a sua difusão com oalargamento do mercado eleitoral(sufrágio universal masculino). A

neste artigo. Os outros partidos ainda não tinham apresentado qualquer proposta de reforma dosistema eleitoral quando escrevemos este artigo. Por isso, a análise incidirá primordialmente so-bre a proposta do PS. Contudo, para uma melhor compreensão e contextualização da mesmaprocurarei por vezes compará-la com anteriores propostas do PS e de outros partidos, nomeada-mente do PSD.

(6) Em matéria de tipologias dos sistemas eleitorais “tradicionais”, ver Lijphart, 1984 e 1999; Reynoldse Reilly, 1997; Nohlen, 1994; Vallès e Bosch, 1997; Farrell, 1997; Martin, 2000.

(7) Para mais detalhes ver Lopes e Freire, 2002: Cap. 5.

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sua adopção resultou quer dapressão das novas forças políticasque pretendiam aceder mais facil-mente à representação parlamen-tar, sobretudo os recém chegadospartidos socialistas, quer comoresultado das pressões de algu-mas forças políticas (minoritárias)tradicionais que temiam ser esma-gadas pelos efeitos dos sistemasmaioritários conjugados com oaumento dos competidores (Lopese Freire, 2002: 114-115).

As fórmulas proporcionais(métodos da média mais alta e dosmaiores restos; voto único transfe-rível) apresentam uma significativavariabilidade, mas o princípio bási-co é o mesmo: representar fiel-mente as diferentes tendênciassociais e políticas do eleitorado,pelo menos as mais significativas.Todavia, a congruência destas fór-mulas com o princípio da repre-sentação proporcional (Nohlen,1994) depende em larga medidada forma como estão desenhadospelo menos dois dos outros com-ponentes essenciais dos sistemaseleitorais: a dimensão das circuns-crições e a existência (ou ine-xistência) de cláusulas barreiras.Ou seja, em princípio os regimesproporcionais são aqueles queapresentam uma maior corres-pondência em termos de percenta-gens de votos e mandatos, masnem sempre é assim: sistemasproporcionais com uma reduzidadimensão média dos círculos (8)

e/ou com elevadas cláusulas bar-

reira podem produzir distorções naconversão de votos em mandatosidênticas às que se verificam nossistemas maioritários (Rose, 1984;Nohlen, 1994; Lopes e Freire,2002: 151-158).

O tipo de listas (fechadas,semi-fechadas ou abertas) asso-ciadas a cada um dos sistemas RPempíricos também terá impactessignificativos no tipo de represen-tação política: mais centrada noscandidatos ou nos partidos. Aliás,a dimensão dos círculos poderáser também um factor significativonesta matéria (Lopes e Freire,2002: Caps. 6 e 7).

Finalmente, os sistemassemi-proporcionais são aquelesque, em termos do nível de propor-cionalidade resultante do processode transformação de votos emmandatos, se situam a meio cami-nho entre os sistemas maioritários(maioria relativa ou absoluta) e ossistemas proporcionais (Reynoldse Reilly, 1997: 51). Há basicamen-te três tipos de sistemas eleitoraissemi-proporcionais: o voto úniconão transferível, o voto limitado,que é apenas uma variante doprimeiro, os sistemas paralelos eos sistemas de membros mistoscom compensação parcial. (9) Osregimes semi-proporcionais tradi-cionais (voto único não transferívele voto limitado) tiveram o seuapogeu no final do século XIX eprincípios do século XX como umaespécie de regimes de transiçãopara os sistemas proporcionais.

(8) Que neste tipo de sistemas eleitorais têm que ser necessariamente plurinominais.

(9) Para um descrição destes sistemas, ver Lopes e Freire, 2002: 126-129.

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Do ponto de vista da conver-são de votos em mandatos, a re-presentação proporcional perso-nalizada (RPP), pelo menos talcomo se pratica na Alemanha(desde 1949), na Nova Zelândia(desde 1996), na Bolívia e naVenezuela, é um sistema propor-cional e não um sistema misto. (10)

Por exemplo, no caso alemão,apesar de metade dos deputadosserem eleitos em círculos uninomi-nais, sendo o vencedor determina-do através da fórmula da maioriarelativa, o sistema não é maio-

ritário porque a distribuição final donúmero de lugares por cada umdos partidos resulta fundamental-mente da aplicação de um métodoproporcional ao conjunto do país(Quadro 1: sistemas MMP).Obviamente que uma alteraçãosubstancial das diferentes compo-nentes destes sistemas eleitorais(ratio dos deputados nas circuns-crições uninominais e plurinomi-nais; nível em que são agregadosos votos para a distribuição pro-porcional de mandatos; cláusulasbarreira) poderá modificar signi-

Quadro 1: tipologia dos sistemas de membros mistos, segundo o tipo de articulaçãoentre a componente nominal/uninominal (maioritária) e de lista/plurinominal (RP)

Ligação na distribuição de Ligação na distribuição de lugares ? Votos ?

Não Sim

Não (sistemas paralelos) MMM MMM com compensação Parcial

Arménia HungriaFederação Russa ItáliaGeórgia JapãoLituâniaMacedóniaMéxicoTailândiaUcrânia

Sim (compensação: RPP) MMP

AlemanhaBolíviaNova ZelândiaVenezuela

____________________________________________________________________________________Fonte: Shugart e Wattenberg, 2000: 15, in Lopes e Freire, 2002: 131. Nota: MMM = “membros mistosmaioritário”;

MMP = “membros mistos proporcional”.

(10) Sobre o sistema eleitoral alemão, ver Kaase, 1984; Nohlen, 1994: 200-224; Farrell, 1997:86-109; Miranda, 1998: 15-42; Klingemann e Wessels, 2000; Scarrow, 2000; Lopes e Freire,2002: 123-126.

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ficativamente o seu perfil e afastá--los (mais ou menos) do princípioda representação proporcional, talcomo acontece com todos ossistemas proporcionais.

De todo o modo, a RP per-sonalizada é sempre um sistemamisto do ponto de vista dos seusmembros: uma parte dos deputa-dos é eleita nominalmente em cir-cunscrições uninominais; a outraparte é eleita em listas por distritosplurinominais (Shugart e Watten-berg, 2000).

No caso dos sistemas para-lelos trata-se efectivamente de sis-temas mistos, quer do ponto devista da transformação de votosem mandatos, quer do ponto devista dos seus membros (Quadro1: regimes MMM). Ou seja, umaparte dos deputados é eleita emcircunscrições uninominais segun-do um método maioritário de con-versão dos votos em mandatos; aoutra parte é eleita através da RPem listas partidárias apresenta-das em círculos plurinominais.Portanto, trata-se de sistemas comcírculos que, geralmente, sesobrepõem no espaço e em ter-mos de eleitores.(11) Contudo, aocontrário da representação propor-cional personalizada, não há umaligação entre a atribuição demandatos nos círculos plurinomi-nais e a atribuição de mandatosnos distritos uninominais (Quadro

1). Por isso, estes sistemaspoderão ter um pendor mais pro-porcional ou mais maioritário con-soante a ratio do número dedeputados eleitos em cada um dosdois tipos de círculos. Obvia-mente, a proporcionalidade globaldos sistemas paralelos dependenão apenas daquela ratio, mastambém da dimensão dos distritosem que se efectua a distribuiçãoproporcional de mandatos e daexistência (ou inexistência) decláusulas barreira, bem como darespectiva fasquia.

Segundo Shugart e Watten-berg (2000: 1), o século XIX estevesobretudo associado aos sistemasmaioritários. No século XX, asreformas dos sistemas eleitoraisnas democracias ocidentaisestiveram sobretudo ligadas àadopção da RP como forma corri-gir as distorções na conversão devotos em mandatos provocadaspelos sistemas maioritários. Asreformas eleitorais do século XXIparecem tender para ficar mar-cadas pela adopção de sistemasde membros mistos, ou seja, decompromisso entre os dois tiposde sistemas anteriores. Democra-cias longamente consolidadas eassociadas aos modelos propor-cional (Itália), semi-proporcional(Japão) e maioritário (Nova Zelân-dia) mudaram recentemente paraeste tipo de sistemas. Por outro

(11) Mas nem sempre é assim: nas eleições para o Senado (câmara alta), em França, os métodosmaioritários com círculos uninominais são aplicados a uma parte do território e dos eleitores; o mé-todo da RP em círculos plurinominais é aplicado a outra parte do território e dos eleitores (Massicottee Blais, 1999: 347-349). Estes autores designam este tipo de sistema como “misto de coexistên-cia”, reservando a designação “misto com sobreposição” para o caso dos sistemas em que os cír-culos se sobrepõem no espaço e em termos eleitores (Massicotte e Blais, 1999: 349-352).

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lado, muitas das novas democra-cias na Europa de leste e naAmérica Latina tem adoptado estetipo de sistemas (Quadro 1).

Também em Portugal os pro-jectos de reforma do sistemaeleitoral que vem sendo apresen-tados desde 1997 apontam nestesentido (AA.VV., 1998a e 1998b;Ministério dos Assuntos Parlamen-tares, 1998; Freire, 1999; Cruz,2000; PJL 17/IX, em análise).Aliás, o facto de os sistemas mis-tos serem cada vez em maiornúmero exige a construção detipologias específicas para oscompreender (Massicotte e Blais,1999: 341-346).

Na tipologia de Shugart eWattenberg, os sistemas de mem-bros mistos são consideradoscomo uma subcategoria dos sis-temas com círculos de múltiplosníveis, os quais podem ser todosplurinominais – tais como existemna Suécia, na Dinamarca, naBélgica, etc.(12) A especificidadedos regimes de membros mistosreside no facto de numa das com-ponentes do sistema os represen-tantes serem eleitos nominalmen-te (sufrágio nominal/unipessoal),geralmente em círculos uninomi-

nais, e na outra em círculos plu-rinominais (sufrágio de lista)(Shugart e Wattenberg, 2000:10).(13) Nesta tipologia os diferentessistemas são classificados deacordo com a articulação entre asduas componentes do sistema(com ou sem compensação emtermos de lugares; com ou semcompensação em termos de vo-tos), mas também de acordo comos seus resultados (Quadro 1), istoé, com um pendor maioritário(MMM) ou proporcional (MMP). (14)

Já me referi à forma comofuncionam os sistemas paralelos(MMM) e a RPP (MMP). Um últimotipo diz respeito aos sistemas demembros mistos nos quais não háqualquer ligação em termos daatribuição de mandatos entre osdois tipos de círculos, mas há umaarticulação entre os votos daprimeira contagem (distritos unino-minais) e os votos que são con-tabilizados para a segunda con-tagem (círculos plurinominais).Estes sistemas são designados desistemas de “membros mistosmaioritários com compensaçãoparcial” (MMM) (Shugart e Watten-berg, 2000: 15). (15) / (16) Ou seja,nestes casos não há uma compen-

(12) Sobre os sistemas com círculos de múltiplos níveis, ver Lijphart, 1994: 71-81, e Lopes e Freire,2002: 151-158.

(13) Nos sistemas de membros mistos os deputados eleitos nominalmente são-no geralmente emcírculos uninominais. Mas a componente em que há um voto nominal (em candidatos) tambémpode processar-se em círculos plurinominais (Corea do Sul, 1987; Venezuela, 1998), até mesmo,teoricamente, segundo um sistema RP (VUT) (Shugart e Wattenberg, 2000: 11, nota 3).

(14) Sobre uma tipologia alternativa para os sistemas mistos, de Massicotte e Blais (1999), ver Lopese Freire, 2002: 129-133.

(15) Na verdade, o último tipo englobaria os sistemas com compensação em termos de lugares e devotos. Todavia, não há casos nesta célula.

(16) Para uma apresentação sumária do sistema eleitoral italiano (1994/....), ver Lopes e Freire, 2002:132 e 183-186.

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sação total entre os resultadosproporcionais face aos resultadosna componente uninominal e, porisso, há sempre um certo desviomaioritário no sistema. Donde osmesmos se incluírem na categoriaMMM.

O projecto de reformado sistema eleitoraldo PS: PJL 17/IX

Nas eleições legislativas, osistema eleitoral vigente emPortugal é o da representação pro-porcional (RP) segunda a fórmulada média mais alta d’Hondt. A con-tabilização dos votos para arespectiva conversão em man-datos parlamentares é feita emcada um dos 22 círculos eleitoraisplurinominais (18 coincidentescom os distritos; 2 com as RegiõesAutónomas (RA’s); 2 para a emi-gração). A distribuição do númerode mandatos por círculo eleitoral éproporcional ao número de elei-tores inscritos, salvo nos dois cír-culos da emigração onde o nú-mero de mandatos é fixo: 2. Porisso, aliás, Portugal não apresentaproblemas de representação desi-gual (malapportionment), ao con-trário de outros países (Samuels eSnyder, 2000). (17) Na distribuiçãode mandatos por círculo é usadauma das fórmulas da média maisalta, a d’Hondt.

Vários traços do sistema elei-toral vigente influenciaram a im-

plantação territorial dos partidos ereforçaram o seu papel na funçãode representação política. Primei-ro, o regime eleitoral condicionou aorganização dos partidos e daí aforma de recrutamento parlamen-tar. No território nacional, os par-tidos estão geralmente organiza-dos em unidades regionais coinci-dentes com os círculos eleitorais eas listas de candidatos a depu-tados, com maior ou menor inter-venção das direcções nacionaisconsoante os partidos, são elabo-radas pelo menos em articulaçãocom esses órgãos regionais (Frei-re, 2001a).

Em segundo lugar, o regimede escrutínio condiciona a relaçãodos candidatos (e dos deputados)com os partidos e com os elei-tores. Em Portugal, o eleitor votaem partidos e não em candidatos(listas fechadas) e, por isso, a elei-ção dos deputados depende maisdos lugares nas listas partidáriasque os partidos lhes atribuem doque dos votos dos eleitores,descontando obviamente as varia-ções nos sucessos eleitorais dospartidos entre os diferentes sufrá-gios.

Em terceiro lugar, Portugaltem dois círculos de dimensõesmuito grandes (Lisboa e Porto,com 48 e 38 deputados, respecti-vamente), os quais se incluemaliás num conjunto de cinco círcu-los de média/grande dimensão (11e mais lugares), num total de 22.Aqueles cinco círculos eleitorais

(17) Todavia, em matéria da eleição das Assembleias Legislativas Regionais, nas ilhas há problemassérios de representação desigual (Morais, Araújo e Freire, 2002).

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elegem 59,1% dos 230 membrosdo Parlamento.(18) Portanto, excep-to nos círculos pequenos, é difícilaos eleitores conhecerem os seusrepresentantes na AR e, portanto,de os responsabilizarem.

É sobejamente conhecido dasistemática eleitoral que, emmatéria de proporcionalidade, umdos elementos fundamentais,geralmente o mais importante, dosregimes de escrutínio é a dimen-são dos círculos eleitorais: quantomaior esta, maior a equidade naconversão de votos em mandatos,ceteris paribus (ver por exemploLijphart, 1994). O sistema eleitoralportuguês conheceu apenas umamudança significativa desde a suaimplantação em 1975. Trata-se daredução do número de deputadosde 250 para 230, na sequência darevisão constitucional de 1989 ecom efeitos a partir das eleiçõesde 1991, a qual teve um ligeiroimpacto na dimensão média doscírculos: passou de 11,4 para 10,5(Freire, 2003). Portanto, tendo emconta as classificações dos espe-cialistas para os tipos de círculossegundo a sua dimensão (ver porexemplo Rae, 1971), podemosconsiderar que a dimensão médiados círculos em Portugal se situanum patamar intermédio. Por tudoisto, demonstrei e concluí noutroslocais (Freire, 2003; Lopes eFreire, 2002: 157; Morais, Araújo eFreire, 2002) que o baixo nívelmédio (1975-1999) de propor-cionalidade do sistema eleitoral

português, em termos compara-tivos (Lopes e Freire, 2002: 153 e157), resulta em larga medida dadiminuição da competitividade dosistema partidário, desde 1987,com a concentração do voto popu-lar nos dois maiores partidos.

Finalmente, não há emPortugal nenhuma exigência emtermos de um número/percen-tagem mínima de votos para ospartidos puderem participar na dis-tribuição de mandatos (cláusulabarreira). Aliás, tal expediente éexpressamente proibido pelaConstituição.

Antes de passar à descriçãoda sistema proposto na PJL 17/IX,vejamos a exposição de motivospara a reforma, nomeadamente ainventariação dos problemas e dassoluções preconizadas para osresolver:

(...) Assentando os siste-mas eleitorais no equilíbrio entregovernabilidade, proporcionali-dade e representação, só se jus-tifica equacionar a sua revisãoquando algum destes vectoresrevela sinais de crise. Em Por-tugal não há um problema de go-vernabilidade desde 1987. Apesarda dimensão de alguns círculos,também não existem, global-mente, significativos desvios àproporcionalidade. Assiste-se,no entanto, a baixos níveis deconfiança nas instituições demo-cráticas, a uma progressiva re-dução da identificação dos por-tugueses com o sistema parti-dário e a uma crescente pro-gressão da abstenção que re-

(18) Estes dados referem-se às eleições legislativas de 2002 (Freire, 2003).

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velam um problema mais pro-fundo ao nível da representati-vidade da instituição parlamentar.

Estes indicadores preocu-pantes podem ser corrigidos atempo, se assegurarmos, nomea-damente, mais competitividadeeleitoral, bem como uma maiorpersonalização e responsabili-zação na apresentação de can-didaturas e no cumprimento dosmandatos parlamentares. Nãoestamos, pois, perante a neces-sidade de mudar radicalmenteo sistema político e constitucio-nal, fenómeno que só ocorre emsituações de crise profunda e deconflito aberto entre os funda-dores do regime democrático(PJL 17/IX: 74).

Em matéria da reforma dosistema eleitoral, a proposta que aseguir se esmiuça entronca clara-mente em propostas anteriores doPS, bem como no debate desen-volvido no seio da comunidadeacadémica e com o então governodo PS (1995-2002), desde 1997(AA.VV., 1998a e 1998b; Ministériodos Assuntos Parlamentares,1998), como é aliás sublinhado naexposição de motivos (PJL 17/IX:74-77). Conforme tive ocasião desublinhar noutra ocasião (Freire,1999), poucas reformas terão sidotão discutidas como esta e há quelouvar claramente o enorme estí-mulo do PS ao debate académicoe político à volta da reforma do sis-tema eleitoral, seja através doapoio à organização de colóquios,seja através do apoio à publicaçãode livros.

O sistema agora propostopelo PS mantém o número de

deputados em 230, sendo quedestes 226 são eleitos pelos círcu-los do território nacional e 4 sãoeleitos nos dois círculos de fora doterritório nacional (Europa e Forada Europa) (PJL 17/IX, arts. 12 e13).

Em matéria de círculoseleitorais são criados três tipos.Um círculo eleitoral nacional, ondeserão eleitos 35 deputados, eainda outros 22 círculos eleitoraisplurinominais de base distrital ououtra (18 coincidentes com os dis-tritos; 2 coincidentes com asRegiões Autónomas/RA’s; 2 círcu-los fora do território nacional),chamados círculos eleitorais parci-ais (PJL 17/IX, arts. 12 e 13).Finalmente, são criados os círcu-los uninominais de candidatura, ouseja, que servem para determinarquais os candidatos de cada par-tido que serão eleitos, mas não onúmero de mandatos que caberá acada partido (PJL 17/IX, arts. 14,18, 19 e 20). Apenas no Con-tinente são criados círculos unino-minais, em número igual a meta-de mais um dos lugares atribuídosao círculo parcial respectivo, arre-dondado por defeito se necessá-rio.

No território nacional (226deputados), 35 mandatos são atri-buídos ao círculo nacional, e osrestantes 191 são distribuídos porcada círculo parcial segundo ométodo dos maiores restos com aquota de Hare (PJL 17/IX, art. 13;sobre o método dos maiores coma quota de Hare, ver Lopes eFreire, 2002: 116-119). Ou seja,para determinar a quota de Hare

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divide-se o número total deeleitores recenseados no Conti-nente e Ilhas pelo número de man-datos a distribuir: 191. Esta quotaé depois usada como divisor donúmero de eleitores recenseadosem cada círculo eleitoral parcial. Onúmero inteiro que resultar destaúltima divisão (quotas inteiras)serve para determinar, numaprimeira fase, o número de man-datos que cabe a cada círculoeleitoral parcial. Mas a este núme-ro poderão acrescer ainda os res-tos. Ou seja, se da primeira atri-buição de mandatos, de acordocom as quotas inteiras, ficaremainda alguns deputados para atri-buir aos círculos parciais, estesserão atribuídos numa segundafase por ordem decrescente aoscírculos parciais que exibiremmaiores restos de quota. Há toda-via uma ressalva (art. 13, nr. 4): seda atribuição anterior resultaralgum círculo parcial do Con-tinente com menos de 3 deputa-dos, “proceder-se-á ao (seu) agru-pamento com um círculo ou círcu-los limítrofes.”

São apresentados várioscritérios para a delimitação dos cír-culos uninominais (PJL 17/IX, art.14). Primeiro, respeitar a divisãoadministrativa sempre que possí-vel (freguesias e municípios) e setal não for possível agrupar áreasde freguesias e/ou municípios con-tíguos. Segundo, o critério da con-tiguidade só poderá ser desres-peitado se ele já existir na divisão

administrativa original. Terceiro, onúmero médio de eleitores re-censeados em cada círculo unino-minal não deve ser superior ouinferior em 20% face à média donúmero de eleitores no círculo par-cial em causa pelo número de cír-culos uninominais nessa circuns-crição distrital, salvo algumas ex-cepções (PJL 17/IX, art. 14, nr. 5).

Os partidos políticos apre-sentam listas fechadas e blo-queadas aos círculos parciais e aocírculo nacional (sufrágio de lista),apresentando ainda candidatosindividualmente, embora com adesignação de um suplente, aoscírculos uninominais (sufrágionominal) (PJL 17/IX, art. 16). (19) Ospartidos concorrentes têm deapresentar listas pelo menos aocírculo nacional e a metade maisum do total dos círculos parciais. Aapresentação de candidaturas noscírculos uninominais é facultativa.É permitida a dupla candidatura,isto é, os candidatos podem figurarsimultaneamente na lista ao círcu-lo nacional e a um círculo parcial;ou numa lista de um círculo parciale numa candidatura de um dos cír-culos uninominais em que aquelese divide.

Os eleitores do Continentetêm dois votos, um num candidatoconcorrente no círculo eleitoraluninominal da sua área derecenseamento eleitoral (sufrágionominal); outro na lista de um par-tido concorrente no círculo parcialda sua área de recenseamento

(19) Sobre as diferentes modalidades do sufrágio (nominal versus lista) e dos procedimentos devotação, ver Lopes e Freire, 2002: Cap. 7).

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eleitoral (sufrágio de lista) (PJL17/IX, art. 15). Os eleitores dasIlhas e os dos círculos de fora doterritório nacional, onde não há cír-culos uninominais, têm apenas umvoto na lista concorrente no círcu-lo plurinominal. Todavia, no casodos eleitores dos Açores eMadeira, tal como no caso doseleitores do Continente, esse votona lista do círculo parcial é tam-bém contabilizada para o mesmopartido no círculo nacional. Noscírculos de emigração o voto doseleitores é apenas usado para ocírculo parcial plurinominal.

A conversão de votos emmandatos pelos partidos proces-sa-se exclusivamente nos círculosplurinominais (nacional e parciais)(PJL 17/IX, art. 17). A conversãode votos em mandatos nos círcu-los parciais e no círculo nacionalfaz-se de acordo com a represen-tação proporcional, segundo ométodo d’Hondt. (20) Para a conver-são de votos em lugares, noprimeiro caso, é tido em conside-ração o total de votos de cada par-tido no círculo parcial em causa;no círculo nacional considera-se asoma do total de votos de cadapartido em cada um dos círculoseleitorais parciais do território na-cional em que concorreu. Por-tanto, a conversão de votos emmandatos é feita de acordo com orespeito pelo sistema de represen-tação proporcional, sendo que osresultados nos círculos uninomi-nais servem apenas para determi-

nar quais os candidatos de cadapartido que são efectivamenteelei-tos (PJL 17/IX, art. 18).

Ou seja, de acordo com oPJL 17/IX, art. 18, para cada par-tido político, os mandatos queobtiver nos círculos uninominais (21)

são-lhe necessariamente atribuí-dos, mas posteriormente essesmandatos serão abatidos no con-junto de mandatos a que o partidoteria direito, seja nos círculos par-ciais, seja no círculo nacional. Osprimeiros candidatos a serem con-siderados eleitos em cada banca-da parlamentar são sempre osvencedores nos círculos uninomi-nais; se sobrarem ainda lugares acada partido, depois de entradosos vencedores nos círculos uni-nominais, entrarão então os can-didatos concorrentes nas listaspela ordem em que aí aparecem.Portanto, tal como nos sistemasMMP (Quadro 1), no regimeeleitoral agora proposto pelo PShá um mecanismo de compen-sação entre círculos que garante aproporcionalidade do sistema.Determina-se para cada partido,segundo a fórmula d’Hondt, quan-tos mandatos lhe devem caber emcada círculo parcial e no círculonacional. Depois, para cada círcu-lo parcial, aos mandatos que ca-bem a cada partido pela atribuiçãoproporcional são deduzidos oslugares obtidos nos círculos unino-minais desse círculo. Se os man-datos obtidos nos círculos unino-minais desse círculo parcial forem

(20) Sobre o método d’Hondt, ver Lopes e Freire, 2002: 114-119, especialmente 115-116.

(21) Todos aqueles em que o candidato que apresenta for o mais votado (maioria relativa).

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em número superior aos daatribuição proporcional, os manda-tos em excesso são deduzidos aosmandatos a que o partido tiverdireito no círculo nacional. Final-mente, se algum partido não tiverdireito a nenhum mandato naatribuição proporcional (parcial ounacional), mas vencer num círculouninominal (ou mais), este man-dato ser-lhe-á atribuído (22) masserá deduzido ao círculo nacional.Ou seja, se existir apenas ummandato nesta situação, o círculonacional terá apenas 34 lugarespara a atribuição proporcional.

Balanço sobre a proposta dereforma do sistema eleitoraldo PS

Em primeiro lugar, pare-ce-me ser de louvar o método pro-posto pelo PS para a distribuiçãode mandatos por círculos elei-torais, com a substituição da fór-mula d’Hondt pela fórmula dosmaiores restos com a quota deHare. Apesar de não existir emPortugal um problema de repre-sentação desigual (malapportion-ment), há um certo benefício dosmaiores círculos eleitorais emdetrimento dos mais pequenos,em resultado do uso do métodod’Hondt – esta fórmula favorece os

maiores partidos/círculos (Lijphart,1986). Usando-se a fórmula maisproporcional de todas, o métododos maiores restos com a quota deHare (Lijphart, 1986), a atribuiçãode mandatos por círculo tenderá aser mais justa, em claro benefíciodas pequenas circunscrições.Com o eventual aumento dadimensão dos círculos eleitoraismais pequenos, daqui poderáainda resultar uma maior propor-cionalidade na conversão de votosem mandatos.

Em segundo lugar, pare-ce-me ser de saudar também amanutenção do número de de-putados (230), muito embora notí-cias surgidas na imprensa dêemconta de alguma abertura do PSpara fazer concessões nestamatéria.(23) Conforme tem sidodemonstrado, o número médio dehabitantes que cada deputado re-presenta em Portugal é comparati-vamente baixo, não se justificandoportanto uma redução do númerode deputados (ver por exemploFreire, Araújo, Leston-Bandeira,Lobo e Magalhães, 2002). Poroutro lado, grandes reduções nonúmero de deputados poderãoimplicar significativas distorções àproporcionalidade global do sis-tema eleitoral. (24)

Em terceiro lugar, conformejá sublinhei atrás, apesar de teruma componente com círculos

(22) Apenas se esse partido tiver direito a pelo menos 1 mandato numa distribuição proporcional demandatos num círculo nacional único de 226 deputados (PJL 17/IX, art. 18, nr. 4).

(23) Ver Público, 9/9/2002, “Comissão de reforma do sistema político recomeça sem acordo à vista”.

(24) Digo poderão porque tudo depende do figurino final do sistema. Por exemplo, se o regime elei-toral passasse a ter um círculo nacional único, uma redução significativa do número de deputa-dos poderia não resultar numa compressão da proporcionalidade.

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uninominais o regime eleitoral pro-posto pelo PS permite preservar aproporcionalidade global do sis-tema eleitoral vigente, ou pelomenos não a alterar significativa-mente. Efectivamente, segundo aproposta em análise há uma totalcompensação de mandatos entrea componente uninominal e a com-ponente proporcional, enquadran-do-se o regime na categoria MMP:Membros Mistos Proporcional(Quadro 1).

Todavia, a dimensão do cír-culo nacional pode considerar-sereduzida, pois considero que de-veria ter pelo menos 50 deputadospara cumprir uma das funções quehoje cumpre o maior círculo elei-toral (25) (Lisboa: 49 deputados), asaber: a permeabilidade do siste-ma à entrada de novas forças po-líticas, ainda que bastante mino-ritárias. Um dos benefícios dos sis-temas mais proporcionais, e estessão-no tanto mais quanto maior adimensão dos círculos, é o de per-mitirem a entrada de forças políti-cas minoritárias no parlamento e,por isso, serem mais aptos pararesponder à mudança social epolítica, permitindo que (novas)forças sociais e políticas comreduzido apoio eleitoral (Bloco de

Esquerda, PSN, etc.) possam terexpressão parlamentar. Ora comum círculo nacional de 35 depu-tados a expressão parlamentar detais forças fica mais dificultada e,por isso, o sistema fica menos per-meável para responder à mudançasocial e política, sobretudo porqueo círculo de Lisboa ficaria tambémcom cerca de 40 deputados, ouseja, cerca de menos 9 do que temhoje. (26)/ (27) Obviamente, a contra-partida disto é uma redução dafragmentação do sistema par-tidário, que se fosse exageradapoderia pôr em causa a gover-nabilidade. Contudo, não meparece que o sistema actual comum grande círculo em Lisboapossa ser acusado de contribuirpara a fragmentação do sistemapartidário e de dificultar a governa-bilidade, como aliás o projecto leireconhece.

Por outro lado, com a criaçãode um novo círculo, nacional, adimensão média dos círculos pluri-nominais –os que contam para aconversão de votos em mandatos-sofre uma pequena redução, aindaque muito reduzida, que poderáresultar numa ligeira compressãoda proporcionalidade. Com 230deputados a dividir por 23 círculos

(25) E em certa medida também o segundo maior, o do Porto.

(26) Subtraindo aos 226 deputados do território nacional os 35 mandatos do círculo nacional ficamoscom 191. O total de inscritos no RE em 2002 é 8716949. Portanto a quota de Hare será8716949 / 191 = 45638,5. O número de inscritos em Lisboa é de 1801824. Assim, apenas emtermos de quotas inteiras Lisboa teria direito a 39,5 mandatos (1801824 / 45638,5). Mesmo con-siderando que com a ulterior distribuição dos restos este número subiria um pouco, podemos con-cluir que Lisboa ficaria com um número de mandatos significativamente inferior ao que tem hoje.

(27) Note-se que a proposta de um círculo nacional com pelo menos 50 deputados se circunscreveao figurino de sistema eleitoral proposto pelo PS. Ou seja, um regime em que a par do círculonacional se mantém dois outros grandes círculos em Lisboa e Porto, embora significativamentemenores do que são hoje em dia. Pelo contrário, a adoptar-se um sistema como o que preco-nizo –ver à frente, especialmente nota 30- então o círculo nacional deveria ter uma dimensãosignificativamente maior do que 50 mandatos.

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temos uma dimensão média doscírculos de 10, uma redução de0,5 face à dimensão média actual:10,5 (Freire, 2003). Esta questãotambém poderia ser minimizadacom um círculo nacional demaiores dimensões.

Em quarto lugar, a questãoda criação dos círculos uninomi-nais, tendo em conta os desen-volvimentos na política portuguesadesde 2000 até hoje (28) e algunsdados empíricos comparativos quetêm vindo a lume (Freire, Araújo,Leston-Bandeira, Lobo e Maga-lhães, 2002; ver também Curtice eShivley, 2000), é talvez a questãoque suscita mais dúvidas, não pelopelos seus impactos na propor-cionalidade do sistema, mas poroutros potenciais efeitos perversosque poderia gerar. Obviamente, acriação dos círculos uninominaispoderia também trazer vantagens.Aliás, é amplamente conhecido dasistemática eleitoral que não hásistemas perfeitos. Por isso, quan-do se pretende encetar uma refor-ma eleitoral do que se trata é dedefinir as patologias a corrigir nosistema vigente e os objectivos aatingir com a mudança de regime,inventariando as soluções possí-veis para os alcançar e optandoapós uma ponderação dos benefí-cios e riscos de cada alternativa.

O incremento na qualidadeda representação resultante dovoto em candidatos que represen-tam determinados círculos eleito-

rais (uninominais) pode ter asso-ciadas algumas desvantagens: olocalismo na política; uma quebradas lealdades partidárias queresulte na ingovernabilidade; umaresponsabilização mais clara doseleitos em cada círculo pode resul-tar também numa menor possibili-dade de responsabilização dospartidos no seu conjunto (Freire eMatos, 1998; Lopes e Freire, 2002:107; Freire, Araújo, Leston-Ban-deira, Lobo, Magalhães, 2002).Cada membro do parlamentoentrado por via da componenteuninominal representa um peque-na circunscrição eleitoral e, porisso, é mais facilmente responsa-bilizável pelos eleitores e estarámenos dependente da direcçãopartidária. Mas há também o riscode os interesses locais se sobre-porem aos interesses nacionais nadiscussão política. Por outro lado,isto pode redundar numa certaquebra do controle da direcção dopartido sobre os deputados e, porisso, numa quebra do apoio aogoverno por parte da maioria par-lamentar e numa menos clararesponsabilização dos partidos noseu conjunto.

Pretende-se com a criaçãodos círculos uninominais promo-ver uma maior aproximação entreos eleitores e a classe política,mas neste tipo de círculo haveráapenas um candidato vencedor.Será que os segmentos do elei-torado que nesse círculo votaram

(28) Nomeadamente o caso dos “orçamentos limianos” e as subsequentes resistências na classe polí-tica aos círculos unionominais que suscitou, a nível intra e inter partidário. Ver Freire, 2001; Freire,Araújo, Leston-Bandeira, Lobo e Magalhães, 2002.

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nos candidatos perdedores se irãoidentificar mais/sentir melhor re-presentados por saberem que têmum eleito que representa o seu cír-culo, mas que este não pertenceao partido com o qual se identifi-cam/no qual votaram? Ou seriapreferível círculos pequenos, ondeportanto fosse também mais fácilaos eleitores conhecerem os seusrepresentantes e responsabilizá-los directamente, mas onde pode-ria estar representada a plurali-dade das opiniões do círculo e nãoapenas aquela que tem maioriarelativa? Inclino-me claramentemais para esta segunda opção.

Mais, dados recentes de umainvestigação comparativa reve-laram que, na Europa, a persona-lização do voto –listas abertas ousemi-fechadas; círculos uninomi-nais em vários regimes- está asso-ciada a uma menor confiança nasinstituições, mesmo depois decontrolada a proporcionalidade dosistema (Freire, Araújo, Leston-Bandeira, Lobo, Magalhães, 2002;ver também Curtice e Shivley,2000). Embora estes dados de-vam ser interpretados com cau-tela, porque não está totalmenteclaro qual é efectivamente o me-canismo causal que actua na re-ferida correlação, este dado apon-ta para a necessidade de uma

prudência adicional na reforma dosistema eleitoral.

Finalmente, com a criação decírculos uninominais há o forte ris-co de ser necessário que os can-didatos façam campanhas eleito-rais localizadas e isso resultar numaumento dos respectivos custos.

Por tudo isto, defendi, querindividualmente (Freire, 2001),quer em grupo (Lopes e Freire,2002: II Parte; Freire, Araújo,Leston-Bandeira, Lobo, Magalhães,2002)(29), uma solução potencial-mente mais consensual entre aclasse política portuguesa, pelomenos na presente conjuntura. Ouseja, uma solução a meio caminhoentre o regime actual e um sistemaMMP, isto é, uma solução queprocura reformar o sistema mini-mizando os riscos potenciais damudança. O regime proposto pas-saria por uma redução significativados círculos plurinominais de basedistrital e pela criação de um círcu-lo nacional de compensação comum número de deputados signi-ficativamente superior a 50 de-putados, isto é, com cerca de 60 a70 mandatos.(30) O voto proces-sar-se-ia sempre em listasfechadas. Finalmente, porque ospequenos círculos facilitam o en-raizamento local dos candidatosmas não o garantem, defendi tam-

(29) Devo sublinhar que o aprofundamento da minha reflexão acerca das vantagens e inconvenientesdos sistemas eleitorais com círculos uninominais, bem como a maturação da proposta de cria-ção de um sistema de círculos com duplo nível mas todos plurinominais, são em larga medidadevedoras dos debates no seio do grupo de trabalho que elaborou o livro Freire, Araújo, Leston-Bandeira, Lobo, Magalhães, 2002. A todos os colegas e amigos do grupo - António de Araújo,Cristina Leston-Bandeira, Marina Costa Lobo e Pedro Coutinho Magalhães – agradeço os tãoestimulantes debates académicos, e a amizade.

(30) O modelo que tenho preconizado implica uma redução significativa de todos os círculos eleito-rais de base distrital actuais, Lisboa e Porto incluídos, bem entendido. Isto significa que as actu

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bém uma maior descentralizaçãoe democratização no recrutamentoparlamentar (Freire, 2001; ver tam-bém Freire, Araújo, Leston-Ban-deira, Lobo, Magalhães, 2002). Ouseja, que seja dado poder efectivoaos órgãos distritais dos partidosna selecção dos candidatos e queas organizações partidárias sejamobrigadas a proporcionar aos mili-tantes de base uma participaçãoefectiva naquela mesma se-lecção.(31)

Tal não significa anular opoder das direcções nacionais noprocesso de recrutamento, poisestas poderiam ficar com o poderde apresentar listas ao círculonacional, enquanto que os órgãosdistritais o fariam nos círculos dis-tritais. Mais, as direcções nacio-nais dos partidos poderiam con-servar um direito de veto mesmonos círculos distritais, e até desig-nar aí o cabeça de lista. Em qual-quer caso, as listas propostaspelos órgãos nacionais e distritaisdos partidos deveriam ser sempresufragadas pelos militantes de ba-

se dos respectivos partidos, porexemplo através de voto preferen-cial em listas abertas. Esta demo-cratização interna dos partidospolíticos contribuiria também paratornar os partidos mais atractivosaos cidadãos e, por isso, poderiacontribuir para uma maior apro-ximação entre os eleitores e apolítica.

Segundo notícias recente-mente veiculadas, após a apresen-tação da proposta alternativa aquidefendida na Comissão Eventualpara a Reforma do SistemaPolítico (Público, 17/9/2002), olíder parlamentar do PS, Dr.António Costa, recusou a ideia deuma reforma do sistema eleitoralque não inclua círculos uninomi-nais.(32) Segundo o Público(18/9/2002: 6), os argumentosaduzidos pelo Dr. António Costacontra a proposta que aqui reitereiem matéria de reforma do sistemaeleitoral foram os seguintes: 1) areforma do sistema eleitoral temque acompanhar a revisão daConstituição de 1997; 2) a partição

ais grandes circunscrições de Lisboa e Porto deveriam ser segmentadas em pequenos círculos:com um número de deputados nunca superior a 10. Daí a necessidade de se criar um círculonacional que compense minimamente a compressão da proporcionalidade resultante da parti-ção dos actuais dois maiores círculos, bem como a eventual partição de outros igualmente gran-des tais como Braga e Setúbal, por exemplo.

(31) Tanto quanto é do meu conhecimento, em Portugal a defesa da democratização interna dos par-tidos políticos, nomeadamente em matéria dos poderes dos militantes na selecção de candidatosa deputados, foi inicialmente defendida por Jorge Miranda (Miranda in Cruz, 1998a: 281-284;Miranda, 1999: 564). Posteriormente, eu próprio tenho defendido esta ideia (Freire, 2001; Freire,Araújo, Leston-Bandeira, Lobo, Magalhães, 2002), embora mais por motivos ligados ao recru-tamento parlamentar e à necessidade de criar condições mais favoráveis para maiores ligaçõeslocais dos deputados e uma maior independência destes em relação às direcções dos partidos.Mais recentemente esta ideia foi também defendida pelo ex Presidente da AR, Barbosa de Melo,no âmbito das audições efectuadas pela Comissão Parlamentar para a Reforma do SistemaPolítico (Público, 2/7/2002: 10); pelo Clube da Margem Esquerda, pertencente ao PS, no âmbitoda reforma estatutária em curso neste partido (Público, 23/7/2002: 9); e ainda pela JSD, naproposta de reforma estatutária que apresentou no último Congresso do PSD (12-14 de Julho de2002) (Expresso/1ºCaderno: 8).

(32) Público, 18/9/2002: 6.

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dos círculos eleitorais é “inaceitá-vel” porque não resolve o proble-ma da aproximação entre eleitorese eleitos. Bom, pela minha partereitero que nem esta proposta,nem a do PS resolvem o referidoproblema, apenas criam condiçõesmais favoráveis para a sua resolu-ção. Todavia, vale a pena citar aeste respeito um grande especia-lista mundial dos sistemaseleitorais, Arend Lijphart (1994:70): “a razão fundamental para oscírculos de dois níveis consiste nacombinação da vantagem de umcontacto razoavelmente próximoentre eleitor e representante, nascircunscrições mais pequenas,com a maior proporcionalidade erepresentação das minorias, nascircunscrições maiores.”

Em sentido contrário, outrasnotícias têm revelado que da partedos partidos que integram a actualcoligação governativa a vontadereformadora não aponta parasoluções com círculos uninomi-nais, mas sim para alternativasmenos “radicais” como aquela queaqui defendi.(33)

Já em outras ocasiões o PSse mostrou intransigente (Freire,1999), com mais razão aliás doque agora, na minha humilde pers-pectiva, para mais tarde demons-trar vontade de negociar – veja-sea evolução na questão da reduçãodo número de deputados. Seráque desta vez o PS será capaz denegociar antes de a reforma abor-tar? Espero bem que sim, pois

creio que os portugueses nãocompreenderão que se ande sem-pre a defender a reforma do sis-tema eleitoral e depois não sejapossível chegar aos consensosmínimos para avançar. E perantesucessivas tentativas frustradasde reforma os nossos concidadãospoderão perguntar-se se não seestá apenas a evitar discutir os“verdadeiros” problemas do país…

(33) Ver Público, 9/9/2002, “Comissão de reforma do sistema político recomeça sem acordo à vista”.

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I. Introdução

Em 1999, invocando o art.23.º n.º 1 alínea a) da Lei daProtecção de Dados (Lei n.º 67/98,de 26 de Outubro), o Serviço (* *)

Técnico de Apoio ao ProcessoEleitoral (STAPE) solicitou àComissão Nacional de Protecçãode Dados (CNPD) a emissão deparecer acerca da comunicação aterceiros de dados pessoais conti-dos na Base de Dados doRecenseamento Eleitoral (BDRE).

O STAPE é o organismo quena dependência do Ministério daAdministração Interna desempe-nha funções de organização, coor-denação e apoio geral das ope-rações de recenseamento eleitoral(art. 30.º da Lei de recenseamentoeleitoral), sendo, nos termos doart. 11.º da mesma Lei, compe-tente para a organização, manu-tenção e gestão da BDRE. O art.19.º define como responsável pelaBDRE – nos termos e para osefeitos da Lei da Protecção deDados Pessoais (designadamenteart. 3.º alínea d) da Lei n.º 67/98,de 26 de Outubro) – o director-geral do STAPE.

Em virtude das suas atri-buições vêm sendo dirigidos aoSTAPE vários pedidos de comuni-

cação de dados constantes daBase de Dados do Recensea-mento Eleitoral, quer por enti-dades públicas, quer por particu-lares e por pessoas colectivas pri-vadas, o que motivou a solicitaçãoa esta CNPD do pedido de pareceraqui em análise.Este pedido de parecer, originaria-mente distribuído ao anteriorPresidente desta Comissão, só emmeados do corrente ano foi dis-tribuído à presente relatora, junta-mente com diversos outrosprocessos cuja solução está nadirecta dependência daqueleprocesso, e que lhe foram sendoapensados ao longo do tempodecorrido. Na pendência do pedi-do de parecer, o STAPE passou areencaminhar os pedidos decomunicação de dados constantesda BDRE directa ou indirecta-mente para a CNPD. Assim, edada a extensão do presenteprocesso bem como a profusão dedocumentos envolvidos, a suaorganização demorou aos serviçoscerca de um mês, tendo a sua dis-cussão final sido sucessivamenteadiada para permitir uma maiorreflexão conjunta.Feito o levantamento das situa-ções envolvidas, opta-se, nestascircunstâncias, pela emissão de

COMUNICAÇÃO, ATERCEIROS, DE DADOS PESSOAIS CONTI-DOS NABASE DE DADOS DO RECENSEAMENTO ELEITORAL(*)

-Parecer n.º 22/2001 da Comissão Nacional de Protecção de Dados

(*) O STAPE agradece a autorização que a CNPD concedeu para a publicação deste parececer narevista “eleições”.

(* *) Deve ler-se: Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral

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uma decisão de âmbito geral quepossa, de uma forma maisabrangente, contemplar a maioriadas questões colocadas.

II. As questões

1. A base de dados do recenseamento eleitoral (BDRE)

O art. 113.º da Constituiçãoda República Portuguesa (CRP)estabelece os princípios gerais dedireito eleitoral, referindo-se o seun.º 2 ao recenseamento eleitoral [1].O direito de sufrágio pressupõe,como condição do seu exercício, odireito/obrigação de recenseamen-to, desempenhando este a funçãode registo e de certificação, eservindo ao controlo de qualidadedos actos eleitorais e dos referen-dos, só podendo exercer o direitode voto os cidadãos recenseados [2].

A Lei do recenseamentoeleitoral – Lei n.º 13/99, de 22 deMarço – concretizou o regimejurídico do recenseamento elei-toral tendo por base um ficheiroinformatizado (base de dados dorecenseamento eleitoral – BDRE)constituído ao abrigo da Lei n.º130-A/97, de 31 de Dezembro.Estabelece o art. 10.º da Lei dorecenseamento eleitoral que «abase de dados do recenseamentoeleitoral ... tem por finalidade orga-nizar e manter permanente e actu-al a informação relativa aoscidadãos eleitores inscritos no

recenseamento eleitoral». Deacordo com a Lei 130-A/97, de 31de Dezembro, «a base de dadosvisa permitir a regularização dassituações de inscrição indevida oumúltipla e manter permanente eactual a informação relativa ao uni-verso eleitoral». A BDRE contémdados pessoais dos cidadãos ins-critos no recenseamento eleitoralconstantes do art. 12.º e do art.37.º. Estes são recolhidos median-te impresso (verbete de inscrição)no momento da inscrição norecenseamento, podendo, nos ter-mos da mesma lei, sofrer actua-lizações.

2. Os dados pessoais

São os seguintes os dadostratados: número de inscrição,designação da comissão recen-seadora e/ou posto de recensea-mento onde está inscrito, nomecompleto, filiação, data de nasci-mento, naturalidade, sexo, fregue-sia e concelho ou país de residên-cia conforme o bilhete de identi-dade, endereço postal conforme odo verbete de inscrição, freguesiaou distrito consular, número do bi-lhete de identidade, número e datade emissão do passaporte, nacio-nalidade, data de inscrição norecenseamento eleitoral, e ainda,conforme os casos, menção deque se trata de eleitor inscrito pro-visoriamente, título de residênciaválido comprovativo do tempo mí-nimo de residência, menção de«eleitor do Presidente da Repú-blica», menção da opção feita

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pelos eleitores da União Europeianão nacionais do Estado Portu-guês conforme o disposto no art.37.º n.º 5, informação relativa àcapacidade eleitoral activa nos ter-mos do art. 50.º (informações rela-tivas à perda, reaquisição ou con-firmação da manutenção dacapacidade eleitoral activa v.g.casos de privação de direitospolíticos por decisão judicial, con-firmações da actualidade da ins-crição de eleitores com mais de105 anos, casos de internamentoem estabelecimento psiquiátricode cidadãos notoriamente reco-nhecidos como dementes), infor-mação relativa à opção feita peloscidadãos portugueses recensea-dos em países da União Europeia,nos termos do art. 44.º n.º 1.

Estas informações, relativasa cada um dos respectivos titu-lares, constituem, nos termos daLei n.º 67/98, de 26 de Outubro,dados pessoais, entendidos como«qualquer informação, de qualquernatureza e independentemente dorespectivo suporte, incluindo some imagem, relativa a pessoa singu-lar identificada ou identificável(«titular dos dados»); é considera-da identificável a pessoa que pos-sa ser identificada directa ou indi-rectamente, designadamente porreferência a um número de identifi-cação ou a um ou mais elementosespecíficos da sua identidade fí-sica, fisiológica, psíquica, econó-mica, cultural ou social» (art. 3.ºalínea a).

Os dados pessoais que asdiferentes entidades públicas ou

privadas pretendem que lhessejam comunicados são, regrageral, a certificação da inscriçãono recenseamento eleitoral, mastambém a morada («endereçopostal» mencionado na alínea i),sendo certo que por vezes sãosolicitadas outras informações, deforma associada, como, v.g., adata de nascimento.

A morada parece pressupora «recolha e registo de informaçãoacerca do lugar, rua, número doprédio e andar do correlativoendereço» [3]. Na Deliberação n.º41/96, a CNPD pronunciou-se nosentido de que o mero conheci-mento da morada, mesmo que emsede de protecção de dados pes-soais e mesmo abrangendo a rua,número e andar, «mais não traduzque um mero facto objectivo,necessariamente e, por regra, nãoviolador da intimidade da vida pri-vada» [4].

A actual Lei de Protecção deDados já não distingue, ao con-trário do que acontecia com a Lein.º 10/91, de 29 de Abril, entredados pessoais (quaisquer infor-mações relativas a pessoa singu-lar identificada ou identificável,considerando-se identificável apessoa cuja identificação nãoenvolva custos ou prazos despro-porcionados) e dados públicos(dados pessoais constantes dedocumento público oficial, excep-tuando os elementos confiden-ciais, tais como a profissão e amorada, ou as incapacidadesaverbadas no assento de nasci-mento) [5].

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3. A questão

A questão está em saber sedeve ser permitida a comunicaçãoa terceiros dos dados constantesda BDRE, vindo estes, conse-quentemente, a ser utilizados parafins não determinantes da recolha,admitindo-se um desvio da finali-dade [6].

Importa, por isso, diferenciaras entidades que se têm vindo adirigir ao STAPE solicitando queeste lhes comunique dados daBDRE e, quando necessário, fixaros condicionalismos que devemverificar-se para que possa ocorrertal comunicação a terceiros.

De forma esquemática resu-mem-se aqui os pedidos de infor-mação relativos a dados da BDREdirigidos ao STAPE (ou, nos últi-mos tempos, directamente àCNPD):

• Particulares – Procurandoparadei ro de fami l iar ouamigo (morada)

• Particulares – pretendendoorganizar reunião convívio(morada)

• Advogados – para acção ju-dicial (morada ou certificadode inscrição em determinadafreguesia, actual, ou em de-terminado período)

• Companhias de Seguros –para envio de pensão fixadapelo tribunal por acidente detrabalho que o lesado deixoude receber (morada)

• Empresas – para que indiví-duo salde dívida (morada)

• Associação de proprietáriosimobiliários – para verifica-ção de legitimidade de trans-missão de contrato de arren-damento, pretendem conhe-cer a morada de inquilinos

• Instituições de utilidade pú-blica – actualização de fichei-ros de associados (morada)

• Tribunais (morada)

• GNR e PSP (morada)

• Juntas de Freguesias – pararealização de inquérito à po-pulação (morada, por vezesidade)

• Câmaras Municipais – paradar andamento a procedi -mentos administrativos e aprocessos de contra-orde-nações (morada)

• Conservatórias – para com-pletar assentos de óbito(morada)

• Hospitais – para reembolsod e d e s p e s a s d e s a ú d e(morada)

• Fundo de Garantia Automó-vel – para reembolso de des-pesas (sub-rogação nos di-reitos do lesado) (DL 522/85,31 de Dezembro) (morada)

• Direcção-Geral de Finanças– para instaurar processo deinspecção tributária (morada)

• Centro Nacional de Pensões– para obter morada de ascen-dente que tem pessoa a cargo,para atribuição de pensão

• Ministério da Defesa Nacio-nal – para dar cumprimento aoRegulamento de Serviço Mili-tar quanto a faltosos e com-pelidos (DL 463/88, de 15 deDezembro) (morada)

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• Direcção Regional de Agricul-tura do Algarve – para actua-lização de moradas de produ-tores agrícolas/ de proprietá-rios de floresta (para estudode problemas estruturais da exploração das florestas)

III. O Direito aplicável

1. A Constituição e a Lei

Foi já mencionado que aoexercício do direito de sufrágioprevisto no art. 113.º CRP é indis-pensável a existência de umrecenseamento eleitoral, tambémconstitucionalmente previsto. A Lein.º 13/99, de 22 de Março, regulaactualmente o recenseamentoeleitoral e a respectiva BDRE, quecontém dados pessoais doscidadãos eleitores.

Por sua vez, o art. 35.º daConstituição da República Portu-guesa (CRP), relativo à «utilizaçãoda informática», estabelece no seun.º 4 que «É proibido o acesso adados pessoais de terceiros, salvoem casos excepcionais previstosna lei» [7]. O n.º 1 do mesmo artigoconcede ao cidadão o direito deconhecer a finalidade a que osdados se destinam.

A Lei que actualmente regulao tratamento de dados pessoais éa Lei da Protecção de Dados (Lein.º 67/98, de 26 de Outubro). Assuas disposições, juntamente comas estabelecidas pela Lei dorecenseamento eleitoral, definem

o acesso aos dados pessoais pelorespectivo titular e a sua comuni-cação a terceiro. O sentido de«terceiro» foi clarificado pela Lein.º 67/98, no seguimento da trans-posição da Directiva 46/95/CE:«terceiro» é a pessoa singular oucolectiva, a autoridade pública, oserviço ou qualquer outro organis-mo que, não sendo o titular dosdados, o responsável pelo trata-mento, o subcontratante ou outrapessoa sob autoridade directa doresponsável pelo tratamento ou dosubcontratante, esteja habilitado atratar os dados [8].

Assim, seguindo os princí-pios gerais do tratamento dedados pessoais, a Lei do recen-seamento eleitoral atribuiu ao res-pectivo titular o direito de infor-mação e de acesso aos própriosdados – no art. 14.º e 15.º - haven-do, simultaneamente, definidoalgumas condições de comunica-ção de dados a terceiros.

Estabelece o art. 16.º quepodem ser comunicados dadosconstantes da BDRE a forças eserviços de segurança ou aserviços e organismos da Adminis-tração Pública e da AdministraçãoLocal, quando devidamente identi-ficados e para prossecução dasatribuições dos serviços requisi-tantes, no caso de verificaçãocumulativa dos seguintes requisi-tos: exista obrigação ou autoriza-ção legal, ou autorização daCNPD; os dados sejam indispen-sáveis ao destinatário para cumpri-mento das suas atribuições, desdeque a finalidade do tratamento do

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destinatário não seja incompatívelcom a finalidade que determinou arecolha [9] .

Relativamente à comuni-cação de dados a entidadesadministrativas, o próprio art. 16.ºda Lei do recenseamento eleitoralprevê a possibilidade de existênciade obrigações ou autorizaçõeslegais que podem determinar, sepreenchidos os restantes requisi-tos, a possibilidade de comuni-cação de dados a terceiros. Note--se, todavia, que também aqui afalta de obrigação ou autorizaçãolegal pode ser suprida por auto-rização da CNPD (art. 16.º n.º 1alínea a).

Em todos os casos men-cionados no art. 16.º da Lei daProtecção de Dados é da exclusi-va competência do STAPE acomunicação dos dados nele men-cionados.

Assim, a comunicação dedados pessoais relativos aorecenseamento a terceiros édesde logo regulada pelas dis-posições da Lei de Protecção deDados Pessoais e da Lei dorecenseamento eleitoral, quedeterminam:

- que cabe ao STAPE comuni-car os dados, e não à CNPD(art. 16.º n.º 2 da Lei do re-censeamento eleitoral);

- que existe a efectiva possibi-lidade dessas comunicaçõesacontecerem a favor de enti-dades administrativas públi-

cas (forças e serviços de se-gurança ou serviços e orga-nismos da Administração Pú-blica e da Administração Lo-cal), desde que devidamenteidentificados e para prosse-cução das respectivas atri-buições (corpo do art. 16.º n.º1), com base em obrigaçãoou autorização legal, ou combase em autorização da CNPD,e desde que os dados sejamindispensáveis ao destinatá-rio para cumprimento dasatr ibuições dos serviçosrequisitantes (art. 16.º n.º 1alínea a);

- que a utilização de dadospara finalidades não determi-nantes da recolha, incluindoa sua comunicação a favorde entidades privadas/pes-soas singulares, ou entida-des não administrativas,pode acontecer desde queexista uma autorização daCNPD (art. 23.º n.º 1 alínead) e art. 28.º n.º 1 alínea d)da Le i da Protecção deDados Pessoais) ou auto-r ização legal. Esta auto-rização da CNPD será sem-pre excepcional, e decididacaso a caso pela Comissão.

É o que mais adiante se analisará.

Note-se desde já que oregime de utilização de dados parafinalidade diversa definido pelaactual Lei da Protecção de DadosPessoais é distinto do que haviasido estabelecido no âmbito da Lein.º 10/91, de 29 de Abril, a qual

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considerava como indispensável aexistência de uma autorizaçãolegal (art. 15.º: «Os dados pes-soais só podem ser utilizados paraa finalidade determinante da suarecolha, salvo autorização conce-dida por lei») [10] .

2. As decisões da CNPD

A CNPD já se pronunciouanteriormente acerca dos trata-mentos de dados pessoais que orecenseamento eleitoral envolve.

Na Deliberação n.º 41/96 [11] aCNPD considerou dados públicosos dados pessoais relativos aorecenseamento eleitoral, com ex-cepção da morada, já que cons-tam de documentos oficiais.

Deliberou-se então que des-tinando-se os pedidos apresenta-dos a fins eleitorais, todos oscidadãos têm acesso à informa-ção, muito em especial e, "emigualdade de circunstâncias", os"candidatos e os partidos políti-cos".

Destinando-se a informaçãoa quaisquer outros fins, devem serprestadas todas e quaisquer infor-mações, quando solicitadas querpelas ENTIDADES JUDICIAIS,pelas POLÍCIAS - enquanto"órgãos de polícia criminal" - querpor ADVOGADOS e SOLICITA-DORES no exercício das suasfunções, bem como a todos aque-les que demonstrem um interessepessoal directo e legítimo, legal-mente reconhecido. Nos restantescasos, qualquer comunicação de-

verá depender de autorizaçãoescrita do respectivo titular dainformação.

Na Deliberação n.º 11/97 [12] aCNPD autorizou uma junta defreguesia a fornecer ‘’uma lista detodos os indivíduos residentes nafreguesia, com idades compreen-didas entre os 50 e 65 anos, bemcomo as respectivas moradas, aoCentro de Estudos de Nutrição’’,para que este procedesse a umestudo.

Deliberou-se então autorizaro fornecimento dos dados, con-siderando-se legítimo e justificadoa comunicação da informação pre-tendida, pese embora a finalidadediversa para que a informação foirecolhida, desde logo, pelos inte-resses em causa, depois e funda-mentalmente, porque se mostramasseguradas as garantias ade-quadas, quer de não discrimi-nação, quer de tomada de quais-quer decisões desfavoráveis aosrespectivos titulares, bem pelocontrário.

E ainda porque: a informaçãoa prestar é a mínima indispensá-vel e necessária para o estudo emcausa, sendo certo que se trata deinformação pública ou, se se qui-ser, tendencialmente pública ; estásempre dependente, quer doesclarecimento previamente presta-do, quer do subsequente consenti-mento ou da não oposição dorespectivo titular, que semprepoderá não participar no referidoestudo ; este, é levado a cabo porpessoa idónea e competente,assegurando o dever de sigilo a

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que está profissionalmente obriga-do ; só até à fase da recolha dainformação estão em causa ver-dadeiros dados pessoais, seguin-do-se o seu tratamento e publi-cação de forma anonimizada.Entendeu-se, contudo, que nacarta a dirigir ao universo das pes-soas listadas, o Centro de Estudosde Nutrição, deverá informá-lasque recolheu a sua identificação emorada na Junta de Freguesia eque só levarão por diante o estudoreferido com a sua autorização.

Na Autorização n.º 20/99solicitadores pediram a uma Juntade Freguesia que confirmasse ainscrição no recenseamento elei-toral, naquela freguesia, de deter-minados cidadãos, para fins judi-ciais, requerendo ainda infor-mação acerca da data de nasci-mento e naturalidade dos mes-mos. A CNPD decidiu autorizar acomunicação dos dados emcausa.

Na Deliberação n.º 8/01 aCNPD pronunciou-se acerca dalegitimidade do fornecimento peloSTAPE ao Tribunal de Silves deinformação relativa à morada decidadãos que deveriam ser notifi-cados para intervirem como jura-dos em julgamento. A selecção dejurados processa-se, nos termosda lei, a partir dos cadernos derecenseamento elei toral cor-respondentes às freguesias in-tegradas no âmbito da circuns-crição judicial respectiva. A Co-missão entendeu não ter quais-quer dúvidas de que a notificação

dos jurados sorteados dos cader-nos de recenseamento eleitoral sópode ser levada a cabo conhecen-do-se a morada dos mesmos,tendo considerado justificada aobrigação do STAPE de comu-nicar tais dados ao Tribunal deSilves.

3. Análise do Direito e solução proposta

a) Ideia geral

Como foi já esquematizado,foram até ao momento várias asentidades públicas (de carizadministrativo ou sem ele) ou pri-vadas que se dirigiram directa ouindirectamente à CNPD solicitandoa comunicação de dados daBDRE.

Desde particulares que pro-curam o paradeiro de familiares ouque desejam organizar uma reu-nião convívio; advogados, que apropósito de acção judicial preten-dem conhecer a morada ou obtercertificado de inscrição em deter-minada freguesia, seja o dadoactual, ou a sua certificação emdeterminado período; compa-nhias de seguros, para envio depensão fixada pelo tribunal por aci-dente de trabalho que o lesadodeixou de receber; empresas, queprocuram conhecer a morada deindivíduo para que este salde dí-vida; associações, como a Asso-ciação de proprietário imobiliáriosque pretende realizar a verificaçãode morada de inquilinos para veri-ficação de legitimidade de trans-

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missão de contrato de arrenda-mento; instituições de utilidade pú-blica como a Voz do Operário quedeseja proceder à actualização deficheiros de associados; tribunais;forças de segurança para proce-derem a inquéritos ordenados peloMP; juntas de freguesia, desejan-do, v.g., realizar um inquérito à po-pulação de determinada faixa etá-ria; ou câmaras municipais, parafinalidades administrativas; con-servatórias do registo civil, a fim decompletarem assentos de óbito;hospitais, pretendendo obter oreembolso de despesas de saúde;o Fundo de Garantia Automóvel,para conseguir o reembolso dedespesas (sub-rogação nos direi-tos do lesado) (DL n.º 522/85, 31de Dezembro); a Direcção-Geralde Finanças com a finalidade deinstaurar processo de inspecçãotributária; o Centro Nacional dePensões para conhecimento demorada de ascendente que tempessoa a cargo para atribuição depensão; o Ministério da DefesaNacional com o objectivo de darcumprimento ao Regulamento deServiço Militar quanto a faltosos ecompelidos (DL n.º 463/88, de 15de Dezembro); a Direcção Regio-nal de Agricultura do Algarve,procurando realizar a actualizaçãode moradas de produtores agríco-las/ de proprietários de floresta,com o intuito de proceder ao estu-do de problemas estruturais daexploração das florestas.

Não poderá argumentar-seque todos os dados pessoais aque pretendem aceder as diferen-tes entidades sejam informações

livremente consultáveis, por cons-tarem dos cadernos eleitorais,sujeitos a exposição pública (art.56.º e 57.º), ou que deles podemser extraídas certidões, nos ter-mos do art. 68.º da Lei do recen-seamento eleitoral.

Na realidade, a informaçãoconstante dos cadernos eleitoraisé muito mais restrita, excluindo,desde logo, o endereço, a data denascimento, ou naturalidade, em-bora possibilitando, todavia, o co-nhecimento da freguesia ou distri-to consular e país de recensea-mento, bem como o nome enúmero de inscrição do titular [13] .

Por outro lado, as certidõesatestam o recenseamento eleito-ral, e não quaisquer outros dadosconstantes do recenseamento.

Assim, poderá ser dado co-nhecimento da inscrição de umindivíduo no recenseamento elei-toral (o que, em certos casos,atesta a residência, embora nãodetermine a morada), mas não detodos os dados dele constantes.Por maioria de razão, tambémadvogados e solicitadores poderãoobter atestados de inscrição norecenseamento eleitoral de certocidadão em determinada fregue-sia, seja o dado actual, ou a suacertificação em determinado pe-ríodo [14] .

b) As disposições normati-vas e os princípios gerais

Cumpre então analisar asdisposições da protecção dedados.

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A Constituição da RepúblicaPortuguesa, no n.º 1 do art. 35.º, aConvenção 108 do Conselho daEuropa [15] , a Directiva 46/95/CE [16]

e a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro[17] , definiram um princípio geral ater em conta na solução para estasquestões: o princípio da finalidade[18] . O mesmo «princípio da especi-ficação das finalidades e da limi-tação da sua utilização» constavajá da Recomendação da O.C.D.E.de 23 de Setembro de 1980.

No caso são, como se verifi-ca, claramente diferentes da finali-dade da recolha as finalidades quese pretende prosseguir com acomunicação dos dados cons-tantes da BDRE, existindo ter-ceiros que para diferentes finali-dade pretendem conhecer dadospessoais constantes da BDRE.

No seu comentário ao art. 35.ºCRP, ainda na redacção de 89, Go-mes Canotilho e Vital Moreira escre-viam já, a propósito dos princípiosexigíveis para que se proceda a in-formatização, que deveria respeitar-se «a limitação da utilização, isto é,os dados, uma vez recolhidos e pro-cessados, devem ser exclusiva-mente utilizados para a prossecu-ção dos fins previamente especifi-cados» [19] .

A utilização de dados pes-soais para fins diferentes dos quemotivaram a recolha conduzdesde logo, no entendimento deMurillo de la Cueva, à ilegitimidadedo seu tratamento: a definição deuma finalidade serve, pela negati-va, para proibir o uso dos dadospara finalidades diferentes [20] .

Ainda entre nós, AgostinhoEiras escrevia que «a recolha dedados pessoais deve ser feita deharmonia com o fim, determinadopreviamente, o qual será conheci-do antes do seu início» [21] .

Todavia, são admitidasexcepções a este princípio geral. ALei n.º 67/98, de 26 de Outubro,permite à CNPD a autorizaçãoexcepcional do desvio da finali-dade [22] , podendo também a leiestabelecer esta excepção [23] .

c) A Lei do recenseamentoeleitoral

Analisemos igualmente a Leido recenseamento eleitoral noscasos de comunicação de dados aterceiros que esta contempla.

Quando forças e serviços desegurança, organismos da Admi-nistração Pública e da Adminis-tração Local requeiram a comuni-cação de informações constantesda BDRE deve o STAPE exigir-lhes:

Que se encontrem devida-mente identificados;

Que demonstrem que asinformações se destinam apermitir a prossecução dassuas atribuições;

Que os dados a que preten-dem aceder sejam indis-pensáveis ao destinatáriopara cumprimento das suasatribuições, desde que a fi-nalidade do tratamento dodestinatário não seja incom-

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patível com a f inal idadeque determinou a recolha.

Que demonstrem existir umaautorização ou obrigaçãolegal de comunicação;

Caso esta autorização ouobrigação legal seja inexistente(ou não demonstrada), só umaautorização desta CNPD poderá,nos termos da lei, suprir a suafalta.

Esta autorização a concederpela CNPD avaliará o preenchi-mento das condições acimadescritas.

No art. 16.º da Lei dorecenseamento eleitoral não serefere a possibilidade de comuni-cação de dados a entidades/pes-soas privadas (singulares oucolectivas), ou a outras entidadesde natureza não administrativa.Contudo, a comunicação de dados(«por transmissão, por difusão oupor qualquer outra forma de colo-cação à disposição») constitui, nostermos do art. 3.º da Lei daProtecção de Dados Pessoais, umtratamento de dados, sujeito, porisso, às disposições gerais de pro-tecção de dados que regulam odesvio de finalidade.

d) As condições da auto-rização da CNPD

Segundo a Lei da Protecçãode Dados, a utilização de dadospara fins não determinantes darecolha está sujeita, nos termos do

seu art. 28.º n.º 1 alínea d), aautorização da CNPD, exceptonos casos em que exista umaautorização legal. Compete a estaComissão, nos termos do art. 23.ºn.º alínea d) «Autorizar excep -cionalmente a utilização de dadospessoais para finalidades nãodeterminantes da recolha, comrespeito dos princípios definidosno art. 5.º». Assim, inexistindoqualquer autorização legal para oscasos de comunicação de dados aentidades privadas relativa adados constantes da BDRE, aautorização da CNPD é nestescasos indispensável.

A CNPD tem, por isso, com-petência para autorizar o trata-mento dos dados com desvio dafinalidade para que foram recolhi-dos (nos casos previstos no art.16.º da Lei do recenseamentoeleitoral ou não). Todavia, como jáse fez notar, esta autorização,quando ao abrigo do art. 23.ºalínea d) da Lei da Protecção deDados, deve funcionar em termosexcepcionais.

Esta autorização da CNPD,seja para utilização de dadospelas forças e serviços de segu-rança ou por serviços e organis-mos da Administração Pública eda Administração Local (como é ocaso referido no art. 16.º da Lei dorecenseamento eleitoral), ou emquaisquer outras condições, sem-pre terá de partir da mesma matrizcomum: a finalidade do tratamentodo destinatário não poderá serincompatível com a finalidadeque determinou a recolha (um dos

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corolários do princípio da finali-dade dos dados), e as entidadespúblicas ou privadas sempre terãode estar devidamente identifi -cadas.

Parece dever exigir-se tam-bém às pessoas colectivas pri-vadas o cumprimento do requisito(adaptado) do art. 16.º da Lei dorecenseamento eleitoral que esta-belece que só se pode aceder aosdados para prossecução dasatribuições do requerente: se talparece razoável no caso de enti-dade colectiva de cariz público, denatureza administrativa ou não, talexigência parece fazer igualmentesentido em caso de entidadescolectivas privadas que, pornatureza também têm finalidadesa prosseguir [24] .

Acresce que a finalidade dacomunicação dos dados de ter-ceiro (que sempre terá de serrespeitada, não podendo estasinformações ser posteriormentetratadas para fins diversos) sem-pre terá de ser conhecida.

Manter-se-á como impres-cindível, a ideia de que os dadosdevem ser indispensáveis aodestinatário para cumprimento dafinalidade que com eles se propõeatingir. Note-se que tipo e quali-dade dos dados em causa nospedidos de comunicação de dadosconstantes da BDRE - no essen-cial, a morada – assumem, pelasua natureza, um menor perigopara a privacidade.

Essa finalidade terá elaprópria de ser legítima, nos ter-mos do art. 5.º n.º 1 alínea b) daLei da Protecção de Dados. Esta

lei exige, ao admitir que a CNPDpossa autorizar um desvio de fina-lidade, que terão de ser respeita-dos os requisitos do seu art. 5.º.Este artigo refere-se à qualidadedos dados e estabelece princípiosgerais a que deverá obedecer otratamento.

Um princípio importante a terem conta neste tipo de tratamentode dados parece ser o princípioda justificação social [25] .

Isto porque o tratamento dedados aqui em causa foi constituí-do para satisfazer uma importantenecessidade pública de «registo ecertificação do recenseamento ede controlo da regularidade dosactos eleitorais e dos referendos».Este facto parece aconselhar quea sua utilização para finalidadesdiversas da recolha deva apenasser possível quando estejam tam-bém em causa finalidades de inte-resse público relevante, o que vai,aliás, no sentido da excepcionali-dade prevista para as autoriza-ções de desvio da finalidade quenos termos da lei podem ser con-cedidas pela CNPD, ao abrigo doart. 23.º alínea d) da Lei daProtecção de Dados [26] .

Todos estes requisitos justifi-cam-se também porque a BDREapresenta outra característica sin-gular que é importante destacar:

O tratamento de dados dorecenseamento eleitoral é umtratamento de que obrigatoria-mente constarão todos os ci-dadãos que gozem de capacida-

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de eleitoral activa. Ninguém podevotar, mesmo que seja detentorde capacidade eleitoral activa,sem constar da BDRE, nãopodendo sequer afirmar-se queexista verdadeira liberdade deinserção dos respectivos dadospessoais no tratamento. Assimsendo, e em virtude da obrigato-riedade, permanência, unicidadee mesmo oficiosidade do re-censeamento eleitoral [27] , esteconstitui um conjunto exaustivode dados, relativamente aos quaisse procura permanente actualiza-ção, e que muitos vêem comouma espécie de ficheiro de refe-rência, como uma espécie de«fonte fresca de informações» deque todos se poderiam servir [28] .

Consequentemente, parecedever entender-se que a comuni-cação a terceiros de dados daBDRE, com o consequente desvioda finalidade para que foramreco-lhidos, deve ser encaradacom especial acuidade.

e) Súmula das condições

Assim, para que a CNPD autorizea comunicação de dados do re-censeamento eleitoral sempre teráem conta:

As entidades públicas ou pri-vadas sempre terão de estar devi-damente identificadas.

A finalidade do tratamento dodestinatário, que sempre terá deser conhecida, e legítima, nãopoderá ser incompatível com afinalidade que determinou a reco-

lha (um dos corolários do princípioda finalidade dos dados).

Os dados a comunicar de-vem ser indispensáveis ao desti-natário para cumprimento da finali-dade que com eles se propõe atin-gir.

Essa finalidade deve ser legí-tima e considerada uma finalidadede interesse público relevante(princípio da justificação social).

A autorização é, quando con-cedida nos termos do art. 23.º daLei da Protecção de Dados, aexcepção, não a regra;

f) Os casos concretos

Quando terceiros pretendamque lhes seja comunicada infor-mação relativa aos dados pesso-ais constantes da Base de Dadosdo Recenseamento Eleitoral paraquaisquer outros fins, devem dis-tinguir-se várias situações:

Devem ser prestadas todas equaisquer informações, quandosolicitadas por entidades judiciaise pelas polícias, enquanto órgãosde polícia criminal.

Relativamente aos tribunais,tal resultará do disposto no art.519.º-A CPC que dispensa a con-fidencialidade relativamente aojuiz da causa: «a simples confi-dencialidade de dados que seencontrem na disponibilidade deserviços administrativos, em su-porte manual ou informático eque se refiram à identificação, à

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residência...não obsta a que ojuiz da causa, oficiosamente ou arequerimento de alguma daspartes, possa, em despacho fun-damentado, determinar a pres-tação de informações ao tribunal,quando as considere essenciaisao regular andamento do proces-so ou à justa composição do lití-gio». O mesmo se diga, emmatéria de processo penal, dodisposto no art. 135.º e 136.º.

Relativamente à comuni-cação de dados às polícias, estainformação apenas deverá ser fa-cultada quando estas actuem nasvestes de órgão de polícia criminale para o exercício dessas funções,actuando sob direcção e nadependência funcional das autori-dades judiciárias (art. 56.º CPP), enão para a realização de merastarefas de polícia administrativa [29] .As Leis de Organização e deFuncionamento das polícias comfunções de polícia criminalimpõem, por outro lado, um devergeral de cooperação, existindo,designadamente em relação aosserviços públicos, um dever decolaboração quando esta lhes forsolicitada legitimamente para oexercício das suas funções.Pesado o interesse da confiden-cialidade de um dado como amorada e o exercício de funçõesde polícia judiciária, na dependên-cia das autoridades judiciais,entende-se dever a informação serprestada pelo STAPE às polícias.Sempre deverá demonstrar-se aabsoluta necessidade do seuconhecimento.

Outro caso a considerar é oda comunicação dos dados aosadvogados.

A CNPD, por maioria, decidiunão conceder aos advogados apossibilidade de lhes ser comuni-cado o dado morada constante daBDRE. Entendeu-se que, quandofosse caso disso, deveria ser o juizdo processo a solicitá-lo aoSTAPE, possibilidade que, comoatrás foi referido, a Lei confere.

A comunicação do dadomorada também não poderá seradmitida naqueles casos em que,numa qualquer situação de conflitonão contencioso, e sem que sejadirectamente para fins judiciais,um terceiro pretenda aceder aodado «morada» constante da BD-RE para obter o cumprimento deuma obrigação por parte do titularda morada (v.g. pagamento dedespesas de hospital ou de dívidaa uma empresa), ou no caso emque uma associação de proprietá-rios imobiliários pretenda proce-der à verificação de morada de in-quilinos para verificação de legiti-midade de transmissão de contra-to de arrendamento, ainda que ofaço no interesse do seu associa-do.

Só o exercício do direito deacesso à justiça e aos tribunais [30] ,nos termos mencionados nos pa-rágrafos anteriores, poderá justi-ficar o fornecimento da informaçãorequerida, quando não possa serobtida de outra forma. Sempre quepossível competirá aos órgãosjudiciais solicitar tal informação.

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Já no caso de solicitações decomunicação do dado «morada»por parte do Fundo de GarantiaAutomóvel para reembolso dedespesas (sub-rogação nos direi-tos do lesado), o art. 21.º n.º 1 doDecreto-Lei n.º 522/85, 31 de De-zembro, estabelece que competeao Fundo de Garantia Automóvelsatisfazer as indeminizações de-correntes de acidentes originadospor veículos sujeitos a seguro obri-gatório, em determinadas condi-ções, ficando sub-rogado nosdireitos do lesado, após a satis-fação da indeminização ao lesado.O dado solicitado é indispensávelao Fundo de Garantia Automóvelpara cumprimento das suas com-petências próprias, considerandoa CNPD justificada e necessária acomunicação da informação relati-va à morada de um cidadão quedesobedecendo às normas queregem o seguro obrigatório nãotransferiu a responsabilidade poracidente de viação para uma com-panhia de seguros.

Por outro lado, a comuni-cação pode ser enquadrada noâmbito do art. 6.º alínea e) da Leida Protecção de Dados, justifican-do-se porque enquadrada na«prossecução de interesses legíti-mos do responsável pelo trata-mento ou de terceiro a quem osdados são comunicados, desdeque não devam prevalecer os inte-resses ou os direitos, liberdades egarantias dos titulares dos dados».

Quando a Direcção-Geral deFinanças pretender instaurar pro-cessos de inspecção tributária, e

atendendo à abertura do dispostono art. 63.º da LGT, poderá oSTAPE comunicar o dado moradaà Administração tributária. Dispon-do esta de poderes alargados quepodem ser utilizados para apurar asituação tributária dos contri-buintes, permitindo-lhe mesmosolicitar a colaboração de quais-quer entidades públicas neces-sária ao apuramento da sua situa-ção tributária ou de terceiros comquem mantenham relações eco-nómicas, por maioria de razãodeverá poder ter conhecer umainformação não sensível como amorada (o dever de colaboraçãoestá também previsto, v.g., no art.123.º CIRS).

No caso dos pedidos dasconservatórias que pretendemaceder ao dado «morada» paracompletar o assento de óbito, deveser tido em conta o disposto nopróprio diploma do recenseamentoeleitoral que admite a inter-conexão da BDRE com a base dedados da identificação civil (BDIC):considerando que o art. 16.º n.º 1alínea c) da mesma lei estipulaque um dos princípios a ter emconta é o da indispensabilidadedos dados para que o destinatáriocumpra as suas funções, e desdeque estas não sejam incom-patíveis com a finalidade de reco-lha, esta é uma das situações emque deve admitir-se a comuni-cação de dados. A reforma doCódigo de Registo Civil (Decreto-Lei n.º 228/2001) também sereferiu à importância da actualiza-ção das bases de dados do

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recenseamento eleitoral e da iden-tificação civil, permitindo expressa-mente o acesso do STAPE aosregistos, para efeito de actualiza-ção da base de dados dorecenseamento eleitoral.

A comunicação do dadomorada a pessoas singulares paraidentificação do paradeiro de umfamiliar ou amigo, ou para convo-cação de um reunião de amigos oucolegas, não parece preencher ascondições de indispensabilidadeda comunicação dos dados paraprossecução dessa finalidade, porum lado, devendo ser entendidocomo uma finalidade não com-patível com a recolha de dados,por outro. A prossecução de finali-dades privadas (apesar de porvezes com contornos humanos dealguma sensibilidade) não justificaque se viole o «rigth to be letalone» de cada um.

Também deve ser entendidacomo finalidade incompatível coma finalidade determinante da reco-lha dos dados constantes daBDRE a procura da actualizaçãode ficheiros de moradas por partede diversas pessoas colectivas pri-vadas, ou mesmo de pessoascolectivas públicas, como v.g. asassociações públicas, para meragestão de contactos com associa-dos ou clientes, para cobrança dequotizações, envio de corres-pondência vária, etc. [31] . Como semencionou, o recurso à BDRE teráde ser apreciado igualmente doponto de vista da justificaçãosocial e da indispensabilidade da

comunicação para prossecução definalidade de relevante interessepúblico. Nos casos exemplificadosnão se verificam as condições deindispensabilidade ou sequer dejustificação social para tal comuni-cação. Não parece que possanestes casos prevalecer o inte-resse do terceiro a quem se pre-tende que sejam comunicados osdados, mas antes o direito do titu-lar à reserva em relação à suamorada.

Estes mesmos princípios efinalidade parecem poder já justi-ficar a comunicação da morada deum cidadão por parte de umserviço que no exercício das suasfunções necessite de contactarcom o cidadão para realização deum interesse (directa ou reflexa-mente) público relevante, inte-resse esse que se reflecte deforma positiva na esfera do parti-cular, e desde que essa infor-mação seja utilizada exclusiva-mente para esse fim, respeitando--se os princípios gerais de pro-tecção de dados que impossibili-tam, v.g., a sua comunicação auma (chamemos-lhe quarta) outraentidade. Parece ser o caso dopedido de comunicação por partedo Centro Nacional de Pensões,quando pretenda obter morada doascendente que tem pessoa acargo, para lhe atribuir pensão;

Nestes casos, a indispen-sabilidade do recurso à BDREdeve ser conjugada com o com-portamento do titular dos dadosque pode, ainda que indirecta-mente, ser revelador do seu inte-

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resse em determinada prestação:quando uma companhia deseguros pretende conhecer amorada de um cidadão para enviode pensão fixada pelo tribunal poracidente de trabalho que o lesadodeixou de receber, sempre sepoderá argumentar que a falta decomunicação de alteração deendereço para recebimento dapensão parte do próprio (des)inte-ressado. O mesmo se diga de umcidadão que deu início a um pro-cedimento administrativo e que,tendo mudado de residência nãose interessou em fazer chegar aoconhecimento da Administraçãoessa alteração.

Quanto a pedidos de comuni-cação do dado morada pelaAdministração Pública – distintosdos casos já enunciados - para darandamento a um procedimentocontraordenacional, entende aCNPD que sendo o dado solicitadoindispensável para cumprimentodas suas competências adminis-trativas próprias, poder-se-á con-siderar justificada e necessária acomunicação da informação rela-tiva à morada de um cidadão queviolou a lei e ao qual a Adminis-tração pretende dar, nomeada-mente, o direito de defesa, nos ter-mos do art. 50.º do Decreto-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro.

Acresce, como foi já referido,que a comunicação pode justificar--se porque enquadrada na «pros-secução de interesses legítimosdo responsável pelo tratamento oude terceiro a quem os dados sãocomunicados, desde que não de-

vam prevalecer os interesses ouos direitos, liberdades e garantiasdos titulares dos dados (art. 6.ºalínea e) da Lei da Protecção deDados).

No caso de consulta porparte de juntas de freguesia pararealização de inquéritos – v.g. àpopulação idosa – já a justificaçãosocial parece poder fundamentar apossibilidade da comunicação dosdados morada e idade dos cida-dãos recenseados. O mesmo sepoderia dizer quando a DirecçãoRegional de Agricultura do Algarvepretende ter conhecer o dadomorada para actualização destedado relativamente a produtoresagrícolas e de proprietários de flo-resta, para estudo de problemasestruturais da exploração das flo-restas. A indispensabilidade dacomunicação pode resultar daimpossibilidade prática (que pode-rá surgir associada a custos muitoelevados ou a limites temporais)da realização do inquérito quandonão se limite, por utilização, v.g. dodados idade, o universo a auscul-tar, ou quando o contacto sejaindispensável para determinar amorada dos inquiridos já identifica-dos.

Atendendo a que estaremosperante informação tendencial-mente pública, no caso da mora-da; e desde que estas consultasestejam sempre dependentes doesclarecimento previamente pres-tado e do subsequente consenti-mento ou da não oposição dorespectivo titular, que semprepoderá não participar no referido

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estudo ou inquérito; considerandoque estes estudos devem ser reali-zados por pessoa idónea e com-petente, que assegure o cumpri-mento do dever de sigilo a queestá profissionalmente obrigado; euma vez que só até à fase darecolha da informação estão emcausa verdadeiros dados pes-soais, seguindo-se o seu trata-mento (e eventual publicação deforma anonimizada); e desde quese informe o respectivo titular deque se recolheu a sua identifi-cação e morada na Junta deFreguesia, entendeu-se possibili-tar a utilização do dado moradapara estas finalidades.

O pedido de comunicação dodado morada constante da BDREpor parte do Ministério da DefesaNacional para dar cumprimento aoRegulamento de Serviço Militarquanto a faltosos e compelidosnão pode, sem mais, considerar-se indispensável ao cumprimentodas suas funções, nem, muitasvezes, adequada. A entidade privi-legiada no contacto para realiza-ção do disposto no Regulamentodo Serviço Militar têm sido as con-servatórias do registo civil e não oSTAPE através da BDRE. Todavia,caso se demonstre a sua eventualineficácia, poderá então justifi-car-se o recurso à BDRE. Uma vezmais, o interesse do Ministério daDefesa Nacional parece deverprevalecer relativamente ao inte-resse de faltosos e compelidos,que o são por desrespeito das nor-mas do Regulamento do ServiçoMilitar, na reserva da sua morada.

Neste caso, não se afigura que oeventual direito do titular se possasobrepor aos interesses legítimosprosseguidos pelo MDN (art. 6.º e)da Lei da Protecção de Dados).

Quando a comunicação dedados for realizada para constitui-ção de um novo tratamento dedados, e não para mero uso isola-do de um nome e morada, ficaesse novo tratamento sujeito àsnormas da protecção de dadosdevendo ser notificado à CNPD,nos termos da Lei n.º 67/98, de 26de Outubro [32] .

IV. Conclusões

Cabe ao STAPE proceder àcomunicação de dados constantesda BDRE, nos termos do art. 16.ºn.º 2 da Lei n.º 13/99, de 22 deMarço.

O dado morada constante dorecenseamento eleitoral pode sercomunicado a terceiros nos temose condições atrás descritos.

Algumas das comunicaçõesencontram justificação legal paraterem lugar; outras dependerão deautorização da CNPD. Para que aCNPD autorize a comunicaçãodos dados do recenseamentoeleitoral sempre terá em conta:

Que a autorização é, nos ter-mos da lei, a excepção, não aregra;

As entidades públicas ou pri-vadas sempre terão de estar devi-damente identificadas.

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A finalidade do tratamento dodestinatário, que sempre terá deser conhecida, e legítima, nãopoderá ser incompatível com afinalidade que determinou a reco-lha (um dos corolários do princípioda finalidade dos dados).

Os dados a comunicar de-vem ser indispensáveis ao desti-natário para cumprimento da fina-lidade que com eles se propõeatingir.

Essa finalidade deve ser legí-tima e considerada uma finalidadede interesse público relevante(princípio da justificação social).

Poderá ser dado conheci-mento da inscrição de um indiví-duo no recenseamento eleitoral,sendo possível, nos termos da lei,obter certificado de inscrição norecenseamento eleitoral de certocidadão em determinada fregue-sia, seja o dado actual, ou a suacertificação em determinado pe-ríodo, o que, em certos casos,atesta a residência, embora nãodetermine a morada, mas não detodos os dado constantes dorecenseamento eleitoral [33] .

Quando a comunicação dedados for realizada para constitui-ção de um novo tratamento de da-dos, e não para mero uso isoladode um nome e morada, fica essenovo tratamento sujeito às normasda protecção de dados devendoser notificado à CNPD, nos termosda Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.

A questão sobre a qual sedebruçou este parecer foi objecto

de longa discussão. Das dificul-dades colocadas pela interpre-tação da actual legislação, e daausência de uma clara compatibi-lização da Lei do recenseamentoeleitoral com a Lei de Protecçãode Dados resultou a necessidadede propor a sua revisão, motivopelo qual se opta pelo envio desteparecer ao legislador.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2001

Catarina Sarmento e Castro (relatora)

José Alexandre PinheiroLuís Durão BarrosoCristina BaptistaMário Varges GomesAmadeu Francisco Ribeiro GuerraLuís Lingnau da Silveira

(Presidente)

Declaração de voto

Votei vencida, enquanto rela-tora do processo, o ponto relativoà comunicação do dado «morada»constante do recenseamento elei-toral a advogados, que, por isso,reescrevi em conformidade com aopinião maioritária.

Na minha perspectiva, oacesso por parte dos advogadosao dado morada constante daBDRE resultaria, desde logo, doart. 63.º n.º 1 do Estatuto daOrdem dos Advogados, aprovadopelo Decreto-Lei n.º 84/84 de 16de Março, que estabelece que «noexercício da sua profissão, o advo-

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gado pode solicitar em qualquertribunal ou repartição pública oexame de processos, livros oudocumentos que não tenham ca-rácter reservado ou secreto, bemcomo requerer verbalmente ou porescrito a passagem de certidões,sem necessidade de exibir procu-ração». No caso da comunicaçãodo dado morada a advogados (esolicitadores), que considerámosnão secreto ou reservado, semprese deveria exigir que o conheci-mento deste dado fosse determi-nado pela sua indispensabilidadepara garantir o acesso e efectiva-ção da justiça, devendo estes in-dicar, sempre que possível, no re-querimento o número do processoem causa [34], bem como, no aces-so à BDRE, procuração forense deuma das partes no processo.

Destinando-se a informaçãoem causa, em última análise, a finsjudiciais, sejam eles de naturezacivil, criminal ou qualquer outra [35] ,o princípio constitucional funda-mental que assegura o acesso aodireito e à tutela jurisdicional efec-tiva, objecto do art. 20º CRP, doart. 10.º da Declaração Universaldos Direitos do Homem e do art.6.º da Convenção Europeia doDireitos do Homem, impõe tam-bém a concessão dos meios ne-cessários para a sua concretiza-ção, justificando a comunicação.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2001

Catarina Sarmento e Castro (Relatora)

Declaração de voto

A questão fundamental ob-jecto do presente Parecer si-tua-se no domínio da comuni -cação da informação constanteda BDRE, objecto de previsão noArtº 16º da Lei 13/99, de 22/03.E, como ao mesmo subjaz, são,fundamentalmente, duas as ques-tões que nele se registam :

1- A primeira, quanto à inter-pretação do próprio preceito

2- Outra, a de saber se o pre-ceito em causa será deaplicação restrita e exclu-siva nesta matéria

1- Quanto à primeiramente referi-da, como bem consta do Parecer,parece-nos claro que as entidadesa quem podem ser comunicadosos dados constantes da BDRE sãoas “forças e serviços de segu-rança” e os “serviços e organismosda Administração Pública e daadministração local”.

Para tal, exige, previamente, opreceito em causa :

- A identificação daquelasidentidades

e- Que a informação a comu-

nicar o seja “para prosse-cução das atribuições dosserviços requisitantes”

bem como a verificação cumulati-va dos seguintes “requisitos” :

- Que “exista obrigação ouautorização legal” para acomunicação - as quais, anão existirem uma ou ou-tra, poderão ser substituí-

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das por uma “autorizaçãoda CNPD”

- Que “os dados sejam in-dispensáveis ao destina-tário para cumprimentodas suas atribuições”

e- Que “a finalidade do trata-

mento do destinatário nãoseja incompatível com afinalidade que determinoua recolha”

Relativamente à exigência daidentificação das forças e serviçosde segurança, bem como dosserviços e organismos das adminis-trações pública e local, temos deconvir, será algo estranho, já quese não perceberá muito bem comoé que qualquer deles pode solicitarao STAPE que lhe sejam comuni-cados determinados dados semque simultaneamente se mostresuficientemente identificado ... A quem responderia o STAPE ?!...Depois,Será que as “forças e serviços desegurança” não constituem “ser-viços e organismos da Adminis-tração Pública e/ou da adminis-tração local” ? Porquê e para quêentão a diferenciação ?E será que se pretendeu tambémincluir naqueles os serviços desegurança privados já existentes -vd Dec.Lei 231/98, de 22/07 ?

Quanto à verificação cumulativados requisitos exigidos para acomunicação :Não será que a obrigação ou au-torização legais exigidas pelo nº 1al. a), não resultarão, por regra e,em geral, do cumprimento das atri-

buições legalmente previstasdaquelas ent idades refer idas - al. b) ?E que compatibilidade será possí-vel descortinar relativamente à uti-lização da informação comunicadaa qualquer daquelas entidades,perante a prevista finalidade daBDRE constante do Artº 10º nº 1 ?Ou será que a exigência deste re-quisito é apenas válida no caso dainformação comunicada se des-tinar a um qualquer “tratamento”pelo “destinatário” da informação - al. b) ?Será de exigir a verificação desteúltimo requisito quando qualquerdos destinatários da informaçãoapenas a pretenda utilizar fora dequalquer tratamento de dados ?

Todas estas questões justificariam,quanto a nós, que a CNPD con-cluísse também e, desde logo,pela necessidade urgente de umaalteração legislativa do preceito,atento o volume de pedidos decomunicação da informação, aliás,bem patente no Parecer emitido.

2- A outra questão prende-se coma de saber se o preceito em causaserá a única, restrita e exclusiva,possibilidade de comunicação dainformação nesta matéria.

Como também resulta do presenteParecer, a resposta é, necessaria-mente, negativa.Para além das entidades referidase dos necessários requisitos alémprevistos, necessariamente tam-bém que sempre a CNPD, como

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“autoridade nacional que temcomo atribuição controlar e fis-calizar o cumprimento das obri-gações legais e regulamentaresem matéria de protecção de dadospessoais” - cfr Artº 22º nº 1 da Lei67/98 - será competente para, nostermos do disposto nos Artºs 23ºnº 1 al. c) e 28º nº 1 al. d) seguin-tes, “autorizar excepcionalmente autilização de dados pessoais - dequaisquer dados pessoais - parafinalidades não determinantes darecolha, com respeito pelos princí-pios definidos no artigo 5º”.É, aliás, o próprio Artº 35º nº 2 daCRP que, expressamente, a habili-ta a fazê-lo, concreta e especifica-mente também, em matéria de“...transmissão e utilização...” dedados.E, adiantaríamos, se outros mo-tivos não houvesse, as interroga-ções antes deixadas descritas,desde logo o imporiam.Seria, por outro lado, impensávelaté, entender como exclusivo erestritivo o preceito em questãoquando, como também se refereno Parecer, várias outras dis-posições legais permitem o aces-so a qualquer tratamento de dadospor outras entidades que não asacima referidas - “forças e serviçosde segurança” e “serviços e organ-ismos da Administração Pública eda administração local”.É o caso dos Tribunais, como bemse refere no Parecer.Tal como o entendemos no passa-do (1) , em circunstâncias legisla-tivas algo “adversas”, por maioriade razão o entendemos hoje tam-bém, face à actual Lei 67/98, rela-

tivamente a advogados e a solici-tadores, por também directamentedecorrente da lei - Artº 63º doEstatuto da Ordem dos Advo-gados, aprovado pelo Dec.Lei84/84, de 16/03 e 61º nº 3 do Esta-tuto dos Solicitadores, aprovadopelo Dec.Lei 483/76, de 19/06 -sobretudo e em especial quandoem causa possa estar o exercíciodo direito fundamental do “acessoao direito e tutela jurisdicionalefectiva” objecto do Artº 20º daCRP.Assim sendo, também em relaçãoa estes, e sem prejuízo de a CNPDse poder pronunciar, caso a caso,quanto a vários outros, nos termosdo citado Artº 23º nº 1 al. c), ten-deria a aceitar a comunicação dainformação da BDRE aos mes-mos.

Mário Varges Gomes

(1) Cfr Deliberação Nº 41/96, da CNPDPI, inRelatório 1996, pág. 244.

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Notas:

[1] «O recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições porsufrágio directo e universal, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 do art. 15.º e no n.º 2 do art.121.º». (os mencionados números do art. 15.º referem-se à capacidade eleitoral activa e passivade cidadãos estrangeiros, ou europeus; o art. 121.º ao voto dos cidadãos portugueses residentesno estrangeiro nas eleições presidenciais).

[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República PortuguesaAnotada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1994, p. 518 ss..

[3] Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 23/95, publicado no Vol. VII, p. 423 ss..[4] Publicada no Relatório da CNPD de 1996, p. 244.[5] Art. 2.º alínea a) e b) da Lei n.º 10/91, de 29 de Abril. [6] Estudando a questão na perspectiva da Lei anterior e analisando a perspectiva do Parecer do

Conselho Consultivo da PGR n.º 23/95, publicado no Vol. VII, p. 423 ss., pode consultar-se: GAR-CIA MARQUES/LOURENÇO MARTINS, Direito da Informática, Almedina, Coimbra, p. 240 ss..

[7] Note-se que, como assinalou o Tribunal Constitucional, não resulta desta disposição constitucionalqualquer obrigatoriedade de criação de excepções legais. Aliás, não foi esta parte da disposiçãoque determinou o entendimento de inconstitucionalidade por omissão do TC relativa ao art. 35.ºCRP. No Acórdão n.º 182/89, de 1 de Fevereiro de 1989, o Tribunal Constitucional entendeu «darpor verificado o não cumprimento da Constituição por omissão da medida legislativa prevista non.º 4 do seu art. 35.º, necessária para tornar exequível a garantia constante do n.º 2 do mesmoartigo», i.e., «proibindo o n.º 2 do art. 35.º da Constituição, o acesso de terceiros a ficheiros comdados excepcionais previstos na lei e, remetendo o n.º 4 para a lei a definição do conceito dedados pessoais, é evidente a necessidade de mediação legislativa ou ‘’interpositio legislatoris’’,expressa no n.º 4, para definir o conceito de dados pessoais, a fim de tornar plenamente exequívela garantia constante do n.º 2».

[8] O Conselho Consultivo da PGR também se pronunciou sobre a noção de terceiro, antes mesmoda nova Lei. Estabelecia-se que «a noção de terceiros, para os fins da previsão constante do pre-ceito (art. 35.º CRP), deve abranger todos as pessoas que não sejam o(s) titular(es) dos dadospessoais em apreço, apenas não abrangendo o pessoal informático que constitui o ‘’staff’’ do su-porte organizacional dos ficheiros, enquanto (e na medida em que) tenha funções de aces-so, indispensável à organização e exploração desses ficheiros, bancos ou bases de dados».Parecer n.º 23/95, publicado no Vol. VII dos Pareceres da PGR, p. 423 ss., e Parecer n.º 95/87,publicado no DR II, n.º 289, de 17 de Dezembro de 1990.

[9] Na resposta portuguesa a um questionário do Grupo do art. 29.º foram elencados alguns casosrelativos à compatibilidade/incompatibilidade:a) O lançamento conjunto de um livro (colecção de moedas) entre um Banco e uma empresa queedita e vende livros pode entender-se, como não incompatível com um ficheiro de marketing.O Banco que pretende associar o seu nome a uma edição que entende de interesse para osclientes, pode incluir essa informação na sua actividade promocional;b) Uma empresa que presta serviços aos seus clientes pode utilizar o ficheiro de facturação(cobrança das passagens em auto-estrada) para divulgar as condições de privatização. Emboranão estando em estrita adequação e pertinência à finalidade que determinou a recolha dos dados,não é incompatível com esta.c) Será de autorizar a cedência de dados para efeitos de marketing entre um Banco e Companhiade Seguros se o titular, informado dessa possibilidade pelo responsável do tratamento, der o seuconsentimento à cedência da informação.d) A informação inserida na base de dados de acreditações de entrada em recinto (Expo 98) – quetem como finalidade específica a gestão de acreditações – não pode ser facultada a Deputadoda Assembleia da República.e) A utilização conjunta de informação nominativa por Associação de Consumidores e PortugalTelecom sobre facturação detalhada integral, para fins de verificação do impacto de preços aoconsumidor, vai para além da finalidade autorizada para o registo de tais dados, que estãona esfera da vida privada das pessoas a que respeitam.f) Tendo o ficheiro da Ordem dos Advogados como finalidade a gestão dos serviços da Ordeme gestão da "informação actualizada da situação profissional dos Advogados", considera-secompatível com a finalidade a utilização dos nomes e moradas com vista à divulgação de infor-mações de interesse para a formação inicial ou permanente dos advogados - designadamentea realização de palestras, cursos e conferências. Os titulares dos dados podem opor-se à cedên-cia de etiquetas a Universidades ou ao Centro de Estudos Judiciários (escola de formação demagistrados).Não é compatível com a finalidade a utilização dos dados por organizações ou entidades, parafins de marketing estranhos às finalidades indicadas e às funções estatutárias da Ordem.

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g) A finalidade do ficheiro da Ordem dos Médicos é o relacionamento entre a Ordem e os seusassociados, bem como a passagem de documentação aos associados, certificação de especiali-dades, a correspondência relacionada com todas as iniciativas a seu cargo.É compatível com a finalidade do ficheiro:

- A cedência de etiquetas para realização de Congressos (na medida em que se enquadrano âmbito das suas atribuições e contribui para o desenvolvimento da qualificação profis-sional), ainda que a OM não seja a entidade promotora;

- A cedência de etiquetas para acções de actualização, aperfeiçoamento ou simples contac-to no âmbito do exercício dos cuidados de saúde por parte dos Hospitais, Universidades,Clínicas ou Centros de Saúde ou Administração Regional de Saúde;

- A utilização da informação pela Ordem para contacto com os associados no sentido de pu-blicitar vantagens para a classe resultantes de acordos ou protocolos com as empresas noâmbito de alguns sectores (seguros vantajosos, cartões de crédito, equipamento informático).

- A cedência de informação a laboratórios ou empresas que comercializam medicamentosnão é incompatível com as razões determinantes da recolha, na medida em que está emcausa a informação e formação de médicos em relação a novos medicamentos. * Os titulares dos dados, uma vez informados da intenção de cedência a terceiros, podemopor-se à comunicação dos seus dados a estas empresas ou entidades.

É incompatível com a finalidade o fornecimento de etiquetas autocolantes a quaisquer outrasorganizações ou entidades, para fins de marketing estranhos às finalidades e funções estatu-tárias da Ordem.

h) É incompatível com a finalidade da recolha, a cedência de nomes e moradas de titulares de«Cartão Jovem» a empresas que se dedicam à realização de cursos de formação profissional oua empresas que vendem equipamento de barbear (jovens do sexo masculino).i) É incompatível com a finalidade da recolha a utilização de dados do registo automóvel (pro-priedade automóvel) para realização de acções de marketing ou prospecção comercial relaciona-da com a aquisição de novo veículo.

[10] Sobre a questão no âmbito da lei anterior poderá consultar-se, v.g., a Deliberação da CNPD n.º 1/96,publicada no Relatório da CNPD de 1996.

[11] Publicada no Relatório da CNPD de 1996, p. 224 ss..[12] Publicada no Relatório da CNPD de 1997, p. 136 ss..[13] Por outro lado, saliente-se que mesmo o tratamento de dados pessoais recolhido junto de fonte

pública terá de respeitar as disposições de protecção de dados.[14] O art. 63.º n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL n.º 84/84, de 16 de

Março, estabelece que “no exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tri-bunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carác-ter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões,sem necessidade de exibir procuração”. A informação em causa (morada) não tem carácter reser-vado nem secreto (no mesmo sentido Deliberação n.º 41/96 da CNPD).

[15] A imposição da adequação e da pertinência do tratamento de dados à finalidade que o determinoue ideia de que os dados pessoais apenas podem ser tratados com respeito pela finalidade deter-minante da recolha consta do art. 5.º alínea b) e c) da Convenção. Resolução da Assembleia daRepública n.º 23/93, de 12 de Maio e Decreto do Presidente da República n.º 21/93, de 21 deJunho (publicado no DR-I A, n.º 159, de 9 de Julho. Também a Recomendação (91) 10 do Conse-lho da Europa sobre a comunicação a terceiros de dados de carácter pessoal detidos pelas Admi-nistrações Públicas estabelece como limite fundamental dessa comunicação não vir a ser utiliza-da para fins incompatíveis com aqueles para os quais eles foram inicialmente recolhidos.

[16] Art. 6.º n.º 1 alínea b): os dados serão «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legí-timas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades».

[17] Art. 5.º n.º 1 alínea b): os dados devem ser «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas elegítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades».

[18] O princípio da finalidade é um dos princípios constitucional e legalmente estabelecidos para asse-gurar o respeito pelo direito à autodeterminação informativa (Recht auf informationelle Selbst-bestimmung) a que pela primeira vez se referiu a sentença do Tribunal Constitucional FederalAlemão de 15 de Dezembro de 1983, entendido como parte do direito de personalidade que tam-bém abarca genericamente a possibilidade de cada indivíduo decidir por si mesmo o que pretenderevelar acerca da sua vida privada.

[19] CANOTILHO, José Joaquim Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Ano-tada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1994, p. 216. Entre nós também, v.g., MONIZ, Helena, «Notassobre a protecção de dados pessoais perante a informática», Revista Portuguesa de Ciência Cri-minal, Ano 7, Abril-Junho de 1997, p. 231 (264) ss.. Também entre nós: GONÇALVES, MariaEduarda, Direito da Informação, Almedina, Coimbra, 1994, p. 124.

[20] MURILLO de la CUEVA, Pablo Lucas, Informática y protección de datos personales, Centro deEstudios Constitucionales, Madrid, 1993, p. 63.

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[21] EIRAS, Agostinho, Segredo de Justiça e controlo de dados pessoais informatizados, CoimbraEditora, 1992, p. 80.

[22] Art. 23.º n.º 1 alínea c): Compete à CNPD: «Autorizar excepcionalmente a utilização de dados pessoaispara finalidades não determinantes da recolha, com respeito pelos princípios definidos no artigo 5.º».

[23] Em Espanha, a Lei 5/92 de regulacion del tratamiento automatizadode los datos de caracter per-sonal admite a cessão de dados entre organismos da Administração Pública, sem necessidade deconsentimento do respectivo titular, por força da Lei, quando os dados são recolhidos de fontepública.

[24] Atendendo, desde logo, ao princípio da especialidade.[25] Entre nós fez-lhe referência, embora num sentido de utilização diferente, v.g., CANOTILHO, José

Joaquim Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição,Coimbra, 1993, p. 216: «a criação e utilização de ficheiros... deve ter um objectivo geral e usosespecíficos socialmente aceites». Também o menciona Helena Moniz,: MONIZ, Helena, «Notassobre a protecção de dados pessoais perante a informática», Revista Portuguesa de CiênciaCriminal, Ano 7, Abril-Junho de 1997, p. 231 (264) ss..

[26] Na Bélgica, algumas decisões da Commission Pour la Protection de la Vie Privée mostram que oacesso aos dados constantes do Registre national des personnes physiques é limitado e que temsido negado a pessoas privadas (Decisão 5/2000; Decisão 29/99).

[27] Acerca dos princípios gerais do recenseamento eleitoral poderá consultar-se: CANOTILHO, JoséJoaquim Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição,Coimbra Editora, 1994, p. 518 ss.. Os mesmos princípios estão vertidos nas disposições da Lein.º 13/99, de 22 de Março.

[28] Sobre o «détournement de finalité» pode consultar-se em França a decisão da CNIL (CommissionNationale de l’Informatique et des Libertés) de 29 de Novembro de 1988: CNIL, Les Libertés etL’Informatique – vingt délibérations commentées, La documentation Française, Paris, 1998, p. 55 ss..

[29] Segundo o art. 55.º do CPP «compete aos órgãos de polícia criminal coadjuvar as autoridadesjudiciárias com vista à realização das finalidades do processo».

[30] Garantido, designadamente, pelo art. 20.º CRP, pelo art. 10.º da Declaração Universal dos Direitosdo Homem e pelo art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

[31] Em Espanha, a Agencia de Protección de Datos começou por considerar que os dados do recen-seamento eleitoral não podiam ser utilizados para efeitos de marketing. Mais tarde, o legislador en-tendeu que estes dados poderiam ser utilizados para realização de campanhas de publicidade, des-de que fosse facultado ao titular o direito a opor-se a esse uso. Todavia, quando aprovou a Lei deBases do Regime Local e estabeleceu as finalidades do recenseamento eleitoral não incluiu essafinalidade entre as finalidades dos ditos dados. A nova Lei de Protecção de Dados (Ley Orgánica15/1999) parece vir conceder a possibilidade da criação de um «censo promocional» construído combase nos dados do recenseamento eleitoral (nome e morada), embora sujeito a garantias especiais.

[32] Um outro caso foi considerado, sem que, todavia, da discussão tivesse resultado uma conclusãosatisfatória, havendo sido expostas duas posições diferentes. Atendendo aos princípios geraisatrás mencionados, a CNPD discutiu se a comunicação do nome e morada constantes do recen-seamento eleitoral, destinando-se a fins eleitorais, deveria ser conferido a todos os cidadãos, emespecial e, em igualdade de circunstâncias, aos candidatos e os partidos políticos. Este enten-dimento resultava anteriormente de forma directa da Lei n.º 10/91, e nesse sentido se decidiratambém na Deliberação n.º 41/96 desta CNPD. Na Lei do recenseamento eleitoral de 1999 esta-beleceu-se a este propósito que os partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores gozam do di-reito de obter cópia informatizada ou fotocópia dos cadernos de recenseamento, dos quais nãoconsta actualmente a morada. Todavia, preenchidas as condições de tratamento de dados já men-cionadas, e dada a natureza do dado em questão, a comunicação do dado «morada» pareceriaser o caso de comunicação de dados pessoais que caberia ainda em finalidades conexas e nãoincompatíveis com a finalidade da recolha. Como se referiu na Deliberação n.º 41/96 «Constituin-do o recenseamento eleitoral um claro pressuposto do direito de sufrágio, como se disse, só po-dendo votar quem estiver recenseado, parece evidente que a finalidade do tratamento informáticoserá aqui o processo eleitoral no seu todo». Em termos de direito comparado veja-se que, v.g. emEspanha, as finalidades admitidas para utilização dos dados do recenseamento eleitoral são ape-nas as derivadas dos processos eleitorais (comprovação da inscrição, exercício de direito de voto,realização de propaganda por parte de partidos políticos que concorrem à eleições). Apesar disso,a CNPD entende que deveria ser o legislador a clarificar a questão, tomando posição sobre o pro-blema.

[33] O Decreto-Lei n.º 149/87 já referia, no art. 1.º n.º 1, que os atestados das juntas de freguesia pode-riam ser substituídos pelo cartão de eleitor.

[34] Não será possível, v.g., quando se pretende conhecer a morada para dar início ao processo.[35] E sendo certo que apenas para estes o que atrás se disse valeria.

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