revista d-pat. conservação e degradação

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D-PAT JULHO 2016 EDIÇÃO 05 D-PAT.COM.BR R$ 20,00 ENTREVISTA COM THIAGO PERPÉTUO CONHECEDOR DO PATRIMÔNIO CONSERVAÇÃO X DEGRADAÇÃO OBRAS MODERNISTAS MERECEDORAS DE RECONHECIMENTO

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Revista realizada para a avaliação da disciplina de História no Brasil Contemporâneo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, UnB. Foi idealizada para descrever, esclarecer e informar os leitores sobre o a importância da conservação do patrimônio moderno, assim como, popularizar os reais objetivos e trabalhos realizados pelo IPHAN.

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Page 1: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

D-PAT

JULHO 2016 EDIÇÃO 05 D-PAT.COM.BRR$ 20,00

ENTREVISTA COM THIAGO PERPÉTUO

CONHECEDOR DO PATRIMÔNIO

CONSERVAÇÃO XDEGRADAÇÃO OBRAS MODERNISTAS MERECEDORAS DE RECONHECIMENTO

Page 2: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

DIRETORIA

Arthur Fortuna A. Maciel

Maria Clara Viana Licursi

Muniky Almeida Rocha

Valentina Moura R. da Cunha

PUBLICIDADE

Diretora ComercialLina Bo [email protected]

Gerente ComercialRicardo [email protected]

Executivos de ContasVictor [email protected]

Coordenadora ComercialLuiz [email protected]

Assistente ComercialRino [email protected]

Gerente de MarketingRoberto Burle [email protected]

MarketingOswaldo [email protected]

Diretor de Projetos EspeciaisLuiz [email protected]

IMPRESSÃO

Alphagraphics

EDITORIAL

Diretor EditorialEduardo [email protected]

Diretores de ArteWesley Safadã[email protected]é Mariano [email protected]

Editor de ArteBruno [email protected]

Editor- chefeFernando [email protected]

EditoraThaeme [email protected]

Editor de ArteGusttavo [email protected]

Chefe de RedaçãoCristiano Araú[email protected]

Editor de ComportamentoMateus [email protected]

Editora de ImagemSandy [email protected]

Produtora ExecutivaFranklin [email protected]

Produtor GráficosMichel Teló[email protected]

RevisãoJorge [email protected]

Assistente de ProduçãoMina klabin

EstagiáriosOscar NiemeyerLúcio Costa

ColaboradoresMel MouraFiona MouraAmy RochaMarilia LicursiMaria Beatriz MacielMônica MouraMárcia Almeida

Page 3: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

CENÁRIO

O PANORAMA DO PATRIMÔNIO MODERNO BRASILEIRO

OBRAS

CASA MODERNISTA

IGREJA DA PAMPULHA

GINÁSIO DO CLUBE ATLÉTICO PAULISTANO

CENTRO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DE BALBINA

ENTREVISTA COM THIAGO PERPÉTUO

SUMÁRIO

03. D-PAT

04

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Page 4: Revista D-PAT. Conservação e Degradação
Page 5: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

05. D-PAT

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O PANORAMA DO PATRIMÔNIO MODERNO BRASILEIROPor Maria Clara Viana Licursi

Page 7: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

O conceito de patrimônio moderno foi criado com a preocu-pação de ligar certas materialidades às identidades que exaltam os inter-esses do Estado. A partir do século XVIII, a preservação de patrimônio construído é considerada e discutida sob o ponto de vista de uma ação cultural e tem como finalidade a conservação de valores representati-vos de um momento histórico e artístico de determinadas épocas. Objetivando, portanto, a transmissão destes valores às gerações futuras.Dentro do panorama do patrimônio temos diversos conceitos envolvidos, muitas vezes, tidos em segundo plano, como a conservação, a restau-ração, a reconstrução em conjunto com a adaptação ou reutilização e revitalização. A conservação engloba todas as ações e mecanismos que objeti-vam a prevenção, a proteção e o retardamento da degradação do bem e da perda dos valores que o definem como patrimônio. Muitas vezes as pessoas relacionam a conservação com a restauração, na restauração deve-se respeitar os materiais originais e a vxautenticidade da pátina, diferen-ciando as complementações das partes originais. Já a reconstrução está asso-ciada às intervenções que consistem em reconstruir, total ou parcialmente, uma obra de valor patrimonial que não existe mais. Adaptação de uso e revitalização, estas terminologias se referem a um conjunto de intervenções destinadas à restituição ou adequação de um edifício, adaptando-o a um uso novo, reaproveitando-o, protegendo-o, revigorando-o e viabilizando sua utilização para um novo uso ou

ocupação, uma vez respeitadas as características fundamentais da construção. Segundo Pesavento (2002), a preservação do patrimônio histórico e cultural, de forma geral, é com-preender conceitos de acordo com os usos dos espaços e sua importância como lugares de memória. Esses lugares de memória passam a ter importância significativa por fazerem parte da memória coletiva de um determinado grupo, a memória de um passado comum e de uma identidade social que faz com que esse grupo se sinta parte daquele lugar que traz a história de todos. A discussão sobre a preservação como patrimônio cultural tem início em um difícil trabalho: a identificação dos edifícios que possuam características a serem preservadas e transmitidas para o futuro, que implica estudos de difer-entes aspectos, dentre eles os estéti-cos, históricos, educacionais, memo-riais e simbólicos, e que devem ser de caráter multidisciplinar. Quando falamos de patrimô-nio, surge, muitas vezes, a ideia conjunta de tombamento, que é o dispositivo legal que garante a proteção dos bens culturais pelo Estado, esses bens podem ser tanto materiais, como edifícios, conjuntos urbanos, moveis e imóveis, quanto imateriais festas e festejos, modo de fazer, que são legados que podem ser transmitidos pela oralidade, tradições comunitárias etc. O bem tombado atingi basicamente dois tipos de propriedades: a propriedade da coisa, determinada por seu valor econômi-co, e a propriedade dos valores culturais nela identificados, que através do tombamento torna-se propriedade da sociedade submetida à tutela do Estado. Quando um bem é tombado, seus atributos simbólicos se

tornam públicos e podem extrapolar e subverter as intenções do projetista. Segundo Thiago Perpétuo, historiador do IPHAN, “bens matérias são tombados e bens imateriais são registrados”. De 10 em 10 anos o IPHAN faz uma vistoria (um reestudo) dos bens imateriais para com-preender se aquela pratica se perdeu ou não. Se a comunidade entender que a prat-ica perdeu o sentido, ela acaba e deixa de ser considerada pela IPHAN. “Existe a perspectiva que quando você trata de uma pratica cultural ela é essencialmente mutável, ela se modifica no tempo, porque se você tenta congelar uma pratica cultural é a mesma coisa de dizer que você está matando-a. A necessidade de preservação da arquitetura moderna é inquestionável, entretanto, devido ao pouco distanciamen-to histórico e diretos autorais sobre as obras, o tombamento não é a melhor forma de preservar o acervo da arquitetura mod-erna, contudo um outro aspecto é mais relevante, que é o do valor que os bens passam a representar para a sociedade, que excede os limites do juízo do próprio autor da obra. Uma das questões relacionadas às intervenções em obras modernas é o modo de como a pátina é tratada. A pátina trata, basicamente, de uma alteração feita pelo tempo na matéria da obra, que diminui a aparência de nova, entretanto a pátina não se caracteriza como um dano, em alguns casos, possui função de proteção para o material, trata-se também de um tipo de adição que não representa necessaria-mente o produto de um fazer, já que as alterações ou sobreposições realizadas sobre a matéria pelo tempo nem sempre fazem parte das intenções do autor. A Carta do Restauro (1972), a princípio, proíbe a alteração e/ou eliminação das pátinas para toda e qualquer obra de arte, porém, em anexo ela ressalta, no que diz respeito às obras modernas, o que é um

realce na temporalidade para os materiais tradicionais, pode ser a indicação de baixo desempenho material. Umas das mais importantes organi-zações mundiais ligadas às causas de preservação é o DOCOMOMO (Interna-cional Working Party for DOcumentation and COnservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of the MOdern MOve-ment), criada em 1990. É uma organização não-governamental, com representações em mais de 40 países. Os objetivos do DOCOMOMO são: a documentação, divulgação e a preservação das criações do movimento moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações do século XX; “estimular o interesse sobre o legado da arquitetura moderna” e “se responsabilizar por este recente patrimônio arquitetônico”; de modo geral: criar um registro da arquitetura do movimento moderno em Portugal e Espanha; realizar congressos; edição de publicações; produção de exposições, participação em iniciativas públicas para a conservação do patrimônio

arquitetônico moderno; participação em programas europeus para o estudo da arquitetura, promoção de campanhas de proteção de edifícios; criação de bases de dados de arquitetura moderna acessíveis na internet e aplicação das novas tecnologias ao campo patrimonial. O processo de globalização vivenciado no mundo moderno tem incentivado o culto ao consumo cultural e a uma economia voltada ao desen-volvimento financeiro do turismo. Esse processo acabou repercutindo negativa-mente na preservação do patrimônio moderno, tornando-o vulnerável aos interesses político e econômico do poder público e do mercado imobiliário. O avançar dos discursos sobre a cultura, o patrimônio e a preservação urbana não tem evitado que importantes referencias da história de nossas cidades, tenham sido, ou corram o risco de ser, destruídas pelo avanço indelével do mer-cado imobiliário, sit’uação que põe em risco principalmente, o patrimônio mod-erno. É mais do que adequado desen-volver um olhar crítico não apenas a respeito do modo como certos patrimô-nios são incorporados no estabelecimen-to de determinadas identidades locais e regionais, como essencialmente analisar os efeitos da ausência de uma política pública atuante, preocupada com a preservação e conservação desses patrimônios que estão diluídos no tempo e no espaço. A resistência em reconhecer as construções modernas ou relativamente novas como patrimônio passível de proteção, ocorrendo devido a sua relati-va proximidade temporal com o presente e pela dificuldade em compreender o patrimônio como aquilo que representa uma referência cultural para a sociedade, independentemente do fato de ser mais antigo ou menos antigo. Embora o

distanciamento temporal tenha relevân-cia para o reconhecimento do patrimô-nio moderno, no caso brasileiro esse distanciamento não constituiu muitas barreiras, ao menos na esfera do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), durante suas primeiras décadas de existência, para o reconhecimento e proteção dos primeiros monumentos.

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

Page 8: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

O conceito de patrimônio moderno foi criado com a preocu-pação de ligar certas materialidades às identidades que exaltam os inter-esses do Estado. A partir do século XVIII, a preservação de patrimônio construído é considerada e discutida sob o ponto de vista de uma ação cultural e tem como finalidade a conservação de valores representati-vos de um momento histórico e artístico de determinadas épocas. Objetivando, portanto, a transmissão destes valores às gerações futuras.Dentro do panorama do patrimônio temos diversos conceitos envolvidos, muitas vezes, tidos em segundo plano, como a conservação, a restau-ração, a reconstrução em conjunto com a adaptação ou reutilização e revitalização. A conservação engloba todas as ações e mecanismos que objeti-vam a prevenção, a proteção e o retardamento da degradação do bem e da perda dos valores que o definem como patrimônio. Muitas vezes as pessoas relacionam a conservação com a restauração, na restauração deve-se respeitar os materiais originais e a vxautenticidade da pátina, diferen-ciando as complementações das partes originais. Já a reconstrução está asso-ciada às intervenções que consistem em reconstruir, total ou parcialmente, uma obra de valor patrimonial que não existe mais. Adaptação de uso e revitalização, estas terminologias se referem a um conjunto de intervenções destinadas à restituição ou adequação de um edifício, adaptando-o a um uso novo, reaproveitando-o, protegendo-o, revigorando-o e viabilizando sua utilização para um novo uso ou

ocupação, uma vez respeitadas as características fundamentais da construção. Segundo Pesavento (2002), a preservação do patrimônio histórico e cultural, de forma geral, é com-preender conceitos de acordo com os usos dos espaços e sua importância como lugares de memória. Esses lugares de memória passam a ter importância significativa por fazerem parte da memória coletiva de um determinado grupo, a memória de um passado comum e de uma identidade social que faz com que esse grupo se sinta parte daquele lugar que traz a história de todos. A discussão sobre a preservação como patrimônio cultural tem início em um difícil trabalho: a identificação dos edifícios que possuam características a serem preservadas e transmitidas para o futuro, que implica estudos de difer-entes aspectos, dentre eles os estéti-cos, históricos, educacionais, memo-riais e simbólicos, e que devem ser de caráter multidisciplinar. Quando falamos de patrimô-nio, surge, muitas vezes, a ideia conjunta de tombamento, que é o dispositivo legal que garante a proteção dos bens culturais pelo Estado, esses bens podem ser tanto materiais, como edifícios, conjuntos urbanos, moveis e imóveis, quanto imateriais festas e festejos, modo de fazer, que são legados que podem ser transmitidos pela oralidade, tradições comunitárias etc. O bem tombado atingi basicamente dois tipos de propriedades: a propriedade da coisa, determinada por seu valor econômi-co, e a propriedade dos valores culturais nela identificados, que através do tombamento torna-se propriedade da sociedade submetida à tutela do Estado. Quando um bem é tombado, seus atributos simbólicos se

tornam públicos e podem extrapolar e subverter as intenções do projetista. Segundo Thiago Perpétuo, historiador do IPHAN, “bens matérias são tombados e bens imateriais são registrados”. De 10 em 10 anos o IPHAN faz uma vistoria (um reestudo) dos bens imateriais para com-preender se aquela pratica se perdeu ou não. Se a comunidade entender que a prat-ica perdeu o sentido, ela acaba e deixa de ser considerada pela IPHAN. “Existe a perspectiva que quando você trata de uma pratica cultural ela é essencialmente mutável, ela se modifica no tempo, porque se você tenta congelar uma pratica cultural é a mesma coisa de dizer que você está matando-a. A necessidade de preservação da arquitetura moderna é inquestionável, entretanto, devido ao pouco distanciamen-to histórico e diretos autorais sobre as obras, o tombamento não é a melhor forma de preservar o acervo da arquitetura mod-erna, contudo um outro aspecto é mais relevante, que é o do valor que os bens passam a representar para a sociedade, que excede os limites do juízo do próprio autor da obra. Uma das questões relacionadas às intervenções em obras modernas é o modo de como a pátina é tratada. A pátina trata, basicamente, de uma alteração feita pelo tempo na matéria da obra, que diminui a aparência de nova, entretanto a pátina não se caracteriza como um dano, em alguns casos, possui função de proteção para o material, trata-se também de um tipo de adição que não representa necessaria-mente o produto de um fazer, já que as alterações ou sobreposições realizadas sobre a matéria pelo tempo nem sempre fazem parte das intenções do autor. A Carta do Restauro (1972), a princípio, proíbe a alteração e/ou eliminação das pátinas para toda e qualquer obra de arte, porém, em anexo ela ressalta, no que diz respeito às obras modernas, o que é um

realce na temporalidade para os materiais tradicionais, pode ser a indicação de baixo desempenho material. Umas das mais importantes organi-zações mundiais ligadas às causas de preservação é o DOCOMOMO (Interna-cional Working Party for DOcumentation and COnservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of the MOdern MOve-ment), criada em 1990. É uma organização não-governamental, com representações em mais de 40 países. Os objetivos do DOCOMOMO são: a documentação, divulgação e a preservação das criações do movimento moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações do século XX; “estimular o interesse sobre o legado da arquitetura moderna” e “se responsabilizar por este recente patrimônio arquitetônico”; de modo geral: criar um registro da arquitetura do movimento moderno em Portugal e Espanha; realizar congressos; edição de publicações; produção de exposições, participação em iniciativas públicas para a conservação do patrimônio

arquitetônico moderno; participação em programas europeus para o estudo da arquitetura, promoção de campanhas de proteção de edifícios; criação de bases de dados de arquitetura moderna acessíveis na internet e aplicação das novas tecnologias ao campo patrimonial. O processo de globalização vivenciado no mundo moderno tem incentivado o culto ao consumo cultural e a uma economia voltada ao desen-volvimento financeiro do turismo. Esse processo acabou repercutindo negativa-mente na preservação do patrimônio moderno, tornando-o vulnerável aos interesses político e econômico do poder público e do mercado imobiliário. O avançar dos discursos sobre a cultura, o patrimônio e a preservação urbana não tem evitado que importantes referencias da história de nossas cidades, tenham sido, ou corram o risco de ser, destruídas pelo avanço indelével do mer-cado imobiliário, sit’uação que põe em risco principalmente, o patrimônio mod-erno. É mais do que adequado desen-volver um olhar crítico não apenas a respeito do modo como certos patrimô-nios são incorporados no estabelecimen-to de determinadas identidades locais e regionais, como essencialmente analisar os efeitos da ausência de uma política pública atuante, preocupada com a preservação e conservação desses patrimônios que estão diluídos no tempo e no espaço. A resistência em reconhecer as construções modernas ou relativamente novas como patrimônio passível de proteção, ocorrendo devido a sua relati-va proximidade temporal com o presente e pela dificuldade em compreender o patrimônio como aquilo que representa uma referência cultural para a sociedade, independentemente do fato de ser mais antigo ou menos antigo. Embora o

distanciamento temporal tenha relevân-cia para o reconhecimento do patrimô-nio moderno, no caso brasileiro esse distanciamento não constituiu muitas barreiras, ao menos na esfera do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), durante suas primeiras décadas de existência, para o reconhecimento e proteção dos primeiros monumentos. “Bens materiais são

tombados e bens imateriais são

registrados”. Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

08. D-PAT

Page 9: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

O conceito de patrimônio moderno foi criado com a preocu-pação de ligar certas materialidades às identidades que exaltam os inter-esses do Estado. A partir do século XVIII, a preservação de patrimônio construído é considerada e discutida sob o ponto de vista de uma ação cultural e tem como finalidade a conservação de valores representati-vos de um momento histórico e artístico de determinadas épocas. Objetivando, portanto, a transmissão destes valores às gerações futuras.Dentro do panorama do patrimônio temos diversos conceitos envolvidos, muitas vezes, tidos em segundo plano, como a conservação, a restau-ração, a reconstrução em conjunto com a adaptação ou reutilização e revitalização. A conservação engloba todas as ações e mecanismos que objeti-vam a prevenção, a proteção e o retardamento da degradação do bem e da perda dos valores que o definem como patrimônio. Muitas vezes as pessoas relacionam a conservação com a restauração, na restauração deve-se respeitar os materiais originais e a vxautenticidade da pátina, diferen-ciando as complementações das partes originais. Já a reconstrução está asso-ciada às intervenções que consistem em reconstruir, total ou parcialmente, uma obra de valor patrimonial que não existe mais. Adaptação de uso e revitalização, estas terminologias se referem a um conjunto de intervenções destinadas à restituição ou adequação de um edifício, adaptando-o a um uso novo, reaproveitando-o, protegendo-o, revigorando-o e viabilizando sua utilização para um novo uso ou

ocupação, uma vez respeitadas as características fundamentais da construção. Segundo Pesavento (2002), a preservação do patrimônio histórico e cultural, de forma geral, é com-preender conceitos de acordo com os usos dos espaços e sua importância como lugares de memória. Esses lugares de memória passam a ter importância significativa por fazerem parte da memória coletiva de um determinado grupo, a memória de um passado comum e de uma identidade social que faz com que esse grupo se sinta parte daquele lugar que traz a história de todos. A discussão sobre a preservação como patrimônio cultural tem início em um difícil trabalho: a identificação dos edifícios que possuam características a serem preservadas e transmitidas para o futuro, que implica estudos de difer-entes aspectos, dentre eles os estéti-cos, históricos, educacionais, memo-riais e simbólicos, e que devem ser de caráter multidisciplinar. Quando falamos de patrimô-nio, surge, muitas vezes, a ideia conjunta de tombamento, que é o dispositivo legal que garante a proteção dos bens culturais pelo Estado, esses bens podem ser tanto materiais, como edifícios, conjuntos urbanos, moveis e imóveis, quanto imateriais festas e festejos, modo de fazer, que são legados que podem ser transmitidos pela oralidade, tradições comunitárias etc. O bem tombado atingi basicamente dois tipos de propriedades: a propriedade da coisa, determinada por seu valor econômi-co, e a propriedade dos valores culturais nela identificados, que através do tombamento torna-se propriedade da sociedade submetida à tutela do Estado. Quando um bem é tombado, seus atributos simbólicos se

tornam públicos e podem extrapolar e subverter as intenções do projetista. Segundo Thiago Perpétuo, historiador do IPHAN, “bens matérias são tombados e bens imateriais são registrados”. De 10 em 10 anos o IPHAN faz uma vistoria (um reestudo) dos bens imateriais para com-preender se aquela pratica se perdeu ou não. Se a comunidade entender que a prat-ica perdeu o sentido, ela acaba e deixa de ser considerada pela IPHAN. “Existe a perspectiva que quando você trata de uma pratica cultural ela é essencialmente mutável, ela se modifica no tempo, porque se você tenta congelar uma pratica cultural é a mesma coisa de dizer que você está matando-a. A necessidade de preservação da arquitetura moderna é inquestionável, entretanto, devido ao pouco distanciamen-to histórico e diretos autorais sobre as obras, o tombamento não é a melhor forma de preservar o acervo da arquitetura mod-erna, contudo um outro aspecto é mais relevante, que é o do valor que os bens passam a representar para a sociedade, que excede os limites do juízo do próprio autor da obra. Uma das questões relacionadas às intervenções em obras modernas é o modo de como a pátina é tratada. A pátina trata, basicamente, de uma alteração feita pelo tempo na matéria da obra, que diminui a aparência de nova, entretanto a pátina não se caracteriza como um dano, em alguns casos, possui função de proteção para o material, trata-se também de um tipo de adição que não representa necessaria-mente o produto de um fazer, já que as alterações ou sobreposições realizadas sobre a matéria pelo tempo nem sempre fazem parte das intenções do autor. A Carta do Restauro (1972), a princípio, proíbe a alteração e/ou eliminação das pátinas para toda e qualquer obra de arte, porém, em anexo ela ressalta, no que diz respeito às obras modernas, o que é um

“Estimular o interesse sobre

o legado da arquitetura moderna”.

realce na temporalidade para os materiais tradicionais, pode ser a indicação de baixo desempenho material. Umas das mais importantes organi-zações mundiais ligadas às causas de preservação é o DOCOMOMO (Interna-cional Working Party for DOcumentation and COnservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of the MOdern MOve-ment), criada em 1990. É uma organização não-governamental, com representações em mais de 40 países. Os objetivos do DOCOMOMO são: a documentação, divulgação e a preservação das criações do movimento moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações do século XX; “estimular o interesse sobre o legado da arquitetura moderna” e “se responsabilizar por este recente patrimônio arquitetônico”; de modo geral: criar um registro da arquitetura do movimento moderno em Portugal e Espanha; realizar congressos; edição de publicações; produção de exposições, participação em iniciativas públicas para a conservação do patrimônio

arquitetônico moderno; participação em programas europeus para o estudo da arquitetura, promoção de campanhas de proteção de edifícios; criação de bases de dados de arquitetura moderna acessíveis na internet e aplicação das novas tecnologias ao campo patrimonial. O processo de globalização vivenciado no mundo moderno tem incentivado o culto ao consumo cultural e a uma economia voltada ao desen-volvimento financeiro do turismo. Esse processo acabou repercutindo negativa-mente na preservação do patrimônio moderno, tornando-o vulnerável aos interesses político e econômico do poder público e do mercado imobiliário. O avançar dos discursos sobre a cultura, o patrimônio e a preservação urbana não tem evitado que importantes referencias da história de nossas cidades, tenham sido, ou corram o risco de ser, destruídas pelo avanço indelével do mer-cado imobiliário, sit’uação que põe em risco principalmente, o patrimônio mod-erno. É mais do que adequado desen-volver um olhar crítico não apenas a respeito do modo como certos patrimô-nios são incorporados no estabelecimen-to de determinadas identidades locais e regionais, como essencialmente analisar os efeitos da ausência de uma política pública atuante, preocupada com a preservação e conservação desses patrimônios que estão diluídos no tempo e no espaço. A resistência em reconhecer as construções modernas ou relativamente novas como patrimônio passível de proteção, ocorrendo devido a sua relati-va proximidade temporal com o presente e pela dificuldade em compreender o patrimônio como aquilo que representa uma referência cultural para a sociedade, independentemente do fato de ser mais antigo ou menos antigo. Embora o

distanciamento temporal tenha relevân-cia para o reconhecimento do patrimô-nio moderno, no caso brasileiro esse distanciamento não constituiu muitas barreiras, ao menos na esfera do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), durante suas primeiras décadas de existência, para o reconhecimento e proteção dos primeiros monumentos.

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

09. D-PAT

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CASA MODERNISTA

“Estimular o interesse sobre

o legado da arquitetura moderna”.

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Diferentemente das casas que estavam sendo construída no período de 1927 e 1928, Warchavchik inovou ao trazer uma fachada plana sem ornamentação. Para a obtenção do alvará, foi necessário modifi-car o projeto original, acrescentando corn-injas, enquadramento de janelas e portas e balcões. Após ser construído, Warchavchik alegou não ter recursos financeiros para o “acabamento” da edificação. A Casa Modernista contradizia o discurso pregado pelo arquiteto em um manifesto 1925. Durante a construção, a questão de seguir a ética ou a estética foi relevante do início ao fim, sendo a estética priorizada. Warchavchik optou por uma construção de tijolo revestido de cimento

branco, a sobreposição de volumes simples na fachada principal, utilizou do elemento platibanda para esconder as telhas coloniais e de elementos sem função, como as janelas de canto, que prejudicava o sistema estru-tural da casa. Em 1935, a casa foi reformada para atender as necessidades da família que ali residia. A principal mudança foi na alteração de seu volume e a mudança da entrada para a lateral da casa, sendo marcada pela marquise elevada. Além disso, também foi acrescida de outros elementos, como o cobogó. Também é possível observar uma maior integração do interior com o exterior através de esquadrias de vidro também introduzidas durante a reforma.

A Casa Modernista da Rua Santa Cruz é a pioneira do modernismo no Brasil. Todavia, 1983 ela seria demolida para a construção de um conjunto de edifícios, sendo que ainda estava em ótimo estado de conservação. No mesmo ano o diretor da época do CONDEPHAAT abriu um processo de tombamento impedindo qualquer tipo de modificação no edifício. A população sensibilizada, apoiou também na preservação de toda área verde que rondeia a casa. No mesmo ano os estudos de tombamento foram concluídos, resguardando toda área do imóvel, garantindo que seu valor histórico, artístico e ambiental fosse estabelecido. Finalmente, em 1984 o conjunto foi tombado pelo CONDEPHAAT. Apesar de todo o processo ter sido elab-orado durante dez anos, não houve nenhuma designação de quem era a responsabilidade a conservação do edifício e do jardim. Entre 1989 e 1994, o edifício foi concedido a Associação Parque Modernista, passando a ser os responsáveis pela conservação, cuja não foi desempenhada. Durante esse período a Casa foi degradada, perdendo um dos seus componentes originais. Somente em 2000 foi iniciado o proje-to e a reforma, concluídos em 2007.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

Por Muniky Almeida Rocha10. D-PAT

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CASA MODERNISTA

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Diferentemente das casas que estavam sendo construída no período de 1927 e 1928, Warchavchik inovou ao trazer uma fachada plana sem ornamentação. Para a obtenção do alvará, foi necessário modifi-car o projeto original, acrescentando corn-injas, enquadramento de janelas e portas e balcões. Após ser construído, Warchavchik alegou não ter recursos financeiros para o “acabamento” da edificação. A Casa Modernista contradizia o discurso pregado pelo arquiteto em um manifesto 1925. Durante a construção, a questão de seguir a ética ou a estética foi relevante do início ao fim, sendo a estética priorizada. Warchavchik optou por uma construção de tijolo revestido de cimento

branco, a sobreposição de volumes simples na fachada principal, utilizou do elemento platibanda para esconder as telhas coloniais e de elementos sem função, como as janelas de canto, que prejudicava o sistema estru-tural da casa. Em 1935, a casa foi reformada para atender as necessidades da família que ali residia. A principal mudança foi na alteração de seu volume e a mudança da entrada para a lateral da casa, sendo marcada pela marquise elevada. Além disso, também foi acrescida de outros elementos, como o cobogó. Também é possível observar uma maior integração do interior com o exterior através de esquadrias de vidro também introduzidas durante a reforma.

A Casa Modernista da Rua Santa Cruz é a pioneira do modernismo no Brasil. Todavia, 1983 ela seria demolida para a construção de um conjunto de edifícios, sendo que ainda estava em ótimo estado de conservação. No mesmo ano o diretor da época do CONDEPHAAT abriu um processo de tombamento impedindo qualquer tipo de modificação no edifício. A população sensibilizada, apoiou também na preservação de toda área verde que rondeia a casa. No mesmo ano os estudos de tombamento foram concluídos, resguardando toda área do imóvel, garantindo que seu valor histórico, artístico e ambiental fosse estabelecido. Finalmente, em 1984 o conjunto foi tombado pelo CONDEPHAAT. Apesar de todo o processo ter sido elab-orado durante dez anos, não houve nenhuma designação de quem era a responsabilidade a conservação do edifício e do jardim. Entre 1989 e 1994, o edifício foi concedido a Associação Parque Modernista, passando a ser os responsáveis pela conservação, cuja não foi desempenhada. Durante esse período a Casa foi degradada, perdendo um dos seus componentes originais. Somente em 2000 foi iniciado o proje-to e a reforma, concluídos em 2007.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

Por Arthur Fortuna A. Maciel

Page 12: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

IGREJINHA DA PAMPULHA

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

“Era um protesto que eu levava como arquiteto, de cobrir a igreja

da Pampulha de curvas, das curvas mais variadas, essa intenção de contestar a arquitetura retilínea

que então predominava".Oscar Niemeyer.

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

Por Arthur Fortuna A. Maciel

12. D-PAT

Page 13: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

13. D-PAT

Page 14: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

GINÁSIO DO CLUBE ATLÉTICO PAULISTANO

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

A obra pioneira do vencedor do Pritzker Paulo Mendes da Rocha foi construída em 1957 na capital Paulista com colaboração de João de Gennaro depois de vencerem o concurso. Primeiro exemplar não residencial do brutalismo paulista, o Ginásio do Clube Atlético Paulistano ganhou reconhecimento e visib-ilidade pela sua engenhosidade estrutural, possibilitada pelo sistema misto utilizado de concreto armado e tirantes de aço, e pela sua beleza plástica.Por ser inserida em um patamar mais elevado, a construção semienterrada carac-teriza-se pela interligação entre os espaços da rua, os jardins e as demais instalações do clube, criando uma continuidade do nível do piso urbano e uma continuidade visual. Esse fluxo contínuo entre interior e exterior é evidenciado pelo espaço circular vazado formado entre a praça e a cobertu-ra. O edifício consiste em um grande bloco

de base quadrangular com a imensa cober-tura circular suspensa, contabilizando uma área total de 4.500m2 de construção. Na sua parte interna há uma quadra poliesportiva e uma arquibancada para duas mil pessoas. Foi inspirado pela leveza e a eficá-cia da roda de bicicleta e nota-se uma influência de Niemeyer nos pilares de concreto aparente em V. O jogo de luz e sombra é a razão de toda a composição do conjunto, promovendo um espaço inter-mediário de transição tanto para quem está dentro quanto para quem está fora do ginásio.Em 2004 foi tombado pelo CONPRESP, mas infelizmente, independente do recon-hecimento, foi severamente alterado e descaracterizado em 2011 ganhando uma vedação ao longo de todo espaço vazio que marcava a tão emblemática fluidez da obra.

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

Por Valentina Moura R. da Cunha

14. D-PAT

Page 15: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

“Eu era o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, literalmente a ‘ópera prima’ de

Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro, agora eu não sei mais o que sou...”.

Paulo Takimoto

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

15. D-PAT

Page 16: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

“Eu era o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, literalmente a ‘ópera prima’ de

Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro, agora eu não sei mais o que sou...”.

Paulo Takimoto

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

O Centro de Proteção Ambiental de Balbina foi construído para realizar estudos sobre o impacto ambiental causado pela construção da Hidrelétrica de Balbina no município de Presidente Figueiredo. Contu-do, essa função nunca foi desenvolvida. Atualmente, possui um museu fechado em elevado estado de degradação. A arquitetura do Centro foi concebida pelo arquiteto Severiano Mário Porto, que se preocupou em utilizar materiais e técnicas disponíveis na região. Um dos repertórios para a construção desse Centro são as próprias construções da Amazônia, pois elas se adaptam melhor ao clima da região. Além de compreender a arquitetura local, Severino possui um domínio sobre a técnica construtiva de madeira. Desse modo, se apropriou dessas duas qualidades para a construção do conjunto. A volumetria do edifício é demarcada pela cobertura de desen-

ho orgânico e monumental. Os ambientes do conjunto são distribuídos sob o telhado e foram delimitadas por paredes de alvenaria, que não alcançam o teto. A explicação para esse formato provém das habitações indíge-nas, uma vez que o ar quente sobe e é expe-lido pelas frestas no topo das coberturas, renovando o ar interior. As frestas são lanternins, que foram idealizadas para a passagem de vento e luz. Além dessas características, o telha-do também possui uma estrutura bem elab-orada. Composto por fundações de concre-to, pilares de madeira com seções circulares e por um aglomerado de treliças, também de madeira, com as mais variadas soluções de apoio e distribuição de cargas. O telhado é apoiado sobre as treliças, que são lascas de madeira, nomeadas de cavaco. Severiano se preocupou inserir harmonicamente o complexo na paisagem e

no seu contexto social, econômico, cultural e ambiental. Trabalhou a madei-ra de forma singular no aspecto formal e estrutural, aprimorando a arquitetura regional. O Centro de Proteção Ambien-tal de Balbina é de grande importância para reafirmar os verdadeiros conceitos acerca da sustentabilidade em um momento onde é aplicada de forma ilusória. Lamentavelmente, o complexo está abandonado e em ruínas. O desinter-

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

esse das instituições em preservar obras que são referências mundiais é um desleixo para com a memória da arquitetu-ra. Uma vez que não preservadas, elas poderão ser demolidas e degradadas pela ação do tempo, como é o caso da obra premiada do Severiano Porto. A obra é de um valor inestimável para arquitetura brasileira, por conta de suas inovações estruturais e arquitetônicas no período em que foi construído.

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CENTRO DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL DE BALBINA

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

O Centro de Proteção Ambiental de Balbina foi construído para realizar estudos sobre o impacto ambiental causado pela construção da Hidrelétrica de Balbina no município de Presidente Figueiredo. Contu-do, essa função nunca foi desenvolvida. Atualmente, possui um museu fechado em elevado estado de degradação. A arquitetura do Centro foi concebida pelo arquiteto Severiano Mário Porto, que se preocupou em utilizar materiais e técnicas disponíveis na região. Um dos repertórios para a construção desse Centro são as próprias construções da Amazônia, pois elas se adaptam melhor ao clima da região. Além de compreender a arquitetura local, Severino possui um domínio sobre a técnica construtiva de madeira. Desse modo, se apropriou dessas duas qualidades para a construção do conjunto. A volumetria do edifício é demarcada pela cobertura de desen-

ho orgânico e monumental. Os ambientes do conjunto são distribuídos sob o telhado e foram delimitadas por paredes de alvenaria, que não alcançam o teto. A explicação para esse formato provém das habitações indíge-nas, uma vez que o ar quente sobe e é expe-lido pelas frestas no topo das coberturas, renovando o ar interior. As frestas são lanternins, que foram idealizadas para a passagem de vento e luz. Além dessas características, o telha-do também possui uma estrutura bem elab-orada. Composto por fundações de concre-to, pilares de madeira com seções circulares e por um aglomerado de treliças, também de madeira, com as mais variadas soluções de apoio e distribuição de cargas. O telhado é apoiado sobre as treliças, que são lascas de madeira, nomeadas de cavaco. Severiano se preocupou inserir harmonicamente o complexo na paisagem e

no seu contexto social, econômico, cultural e ambiental. Trabalhou a madei-ra de forma singular no aspecto formal e estrutural, aprimorando a arquitetura regional. O Centro de Proteção Ambien-tal de Balbina é de grande importância para reafirmar os verdadeiros conceitos acerca da sustentabilidade em um momento onde é aplicada de forma ilusória. Lamentavelmente, o complexo está abandonado e em ruínas. O desinter-

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

Por Muniky Almeida Rocha

esse das instituições em preservar obras que são referências mundiais é um desleixo para com a memória da arquitetu-ra. Uma vez que não preservadas, elas poderão ser demolidas e degradadas pela ação do tempo, como é o caso da obra premiada do Severiano Porto. A obra é de um valor inestimável para arquitetura brasileira, por conta de suas inovações estruturais e arquitetônicas no período em que foi construído.

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Page 18: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

ENTREVISTA COM THIAGO PERPÉTUO

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

HISTORIADOR DA SUPERINTENDÊNCIA DO IPHAN NO DISTRITO FEDERAL HÁ 6 ANOS, DESENVOLVE ATIVIDADES COM RELAÇÃO À ÁREA DE INVESTIGAÇÃO DE ARQUITETU-RA E URBANISMO.

FORMADO EM HISTÓRIA PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA.

MESTRE EM PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL PELO MESTRADO DO IPHAN.

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

Estas foram as palavras proferidas pelo arquiteto das curvas no intuito de descre-ver uma de suas maiores obras já construídas, a Igreja da Pampulha, 1943, patrimônio tom-bado pelo IPHAN e então candidato a patrimônio mundial pela UNESCO, estando plausível de se concretizar ainda este ano. O arquiteto foi convidado pessoalmente pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto completo. O projeto da Igreja da Pampulha é marcado pelo uso exacerbado de curvas, protagonistas das obras de Oscar Niemeyer em geral, destacando-se perante o conjunto. Neste projeto, quatro abóbadas autoportantes roubam a cena, contrastando com o entorno composto por prédios retilíneos, como o Cassino, o Iate Clube e a Casa Kubitschek. A Igreja recebeu certas críticas por parte da comunidade religiosa pelo fato de fugir do modelo tradicional de templos religiosos, todavia a população acolheu a obra com grande apresso. Por mais que tal projeto mod-ernista fuja dos padrões, o programa foi segui-do. A igreja recebe seus visitantes por uma nave central que, por sua vez, vai afunilan-do-se conforme se adentra ao templo, aproxi-mando-se do altar, onde o pé direito vence maiores alturas, o que remete às técnicas utilizadas pelas igrejas barrocas ao preparar o

fiel para ingressar em um ambiente amplo através do uso da perspectiva. Um forro de madeira foi posicionado no teto da nave e das abóbadas. Na região do coro, a iluminação natural penetra o ambiente por meio das frestas existentes entre cada uma das abóbadas, fazendo mais uma referência ao barroco que utilizava a luz divina para emocionar o visitante. Pinturas de Portinari podem ser deslumbradas pelo público atrás do altar e também na fachada posterior. Fez-se uso de brises soleil para realizar a proteção solar do púlpito. Externamente, estão presentes o cam-panário, marcando verticalidade nesta obra com caráter essencialmente horizontal, e a marquise de entrada para recepção dos visitantes, ambos de forma independente. O paisagismo do conjunto, executado por Burle Marx, dialoga harmonica-mente com as curvas de Oscar, constituindo um delicado projeto marcado por elementos indepen-dentes que, por sua vez, conversam positiva-mente.

Recentemente, um infortúnio ocorreu na obra. A fachada posterior da Igreja, cartão postal deste projeto e marcada pela presença dos famo-sos paineis de Cândido Portinari, foi pichada em Março deste ano. Uma equipe de restauradores empenhou-se durante três dias para recuperar os paineis. Segundo um deles, “fisicamente, é possível recuperar completamente a obra de Portinari fixada na igreja projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o ato de vandalismo pode ser considerado uma agressão imaterial”. Ainda sobre este assunto, é válido ressaltar a importân-cia de um tombamento para uma obra arquitetônica e que, ainda sim, não o impede de ser desrespeitado pelos usuários, como o ocorrido na Igreja da Pampulha. Todavia, excetuando este caso, a obra é muito respeitada num panorama geral, de forma a preservar o seu caráter arquitetônico e o seu valor agregado.

Por Valentina Moura R. da Cunha

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Page 19: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

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Page 20: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

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Page 21: Revista D-PAT. Conservação e Degradação

Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

“Eu era o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, literalmente a ‘ópera prima’ de

Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro, agora eu não sei mais o que sou...”.

Paulo Takimoto

REFERÊNCIASMOURA, Ana Amélia de Paula. O Tombamento e o Patrimônio Arquitetônico Moderno. Estudos. v. 41, especial, p. 79 -92. Goiânia. dez. 2014.

ROCHA, Mércia Parente. Patrimônio Arquitetônico Moderno: do Debate às Intervenções. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade federal da Paraíba – PPGAU UFPB. João Pessoa, 2011.

ROSIN, Jeane Aparecida Rombi de Godoy. Vulnerabilidade da Preservação do Patrimônio Urbano: Estudo de caso – Tupã. Revista Científica ANAP Brasil. v.5, n. 6. dez. 2012.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Perspectiva. São Paulo. 2008.

Herança Cultural:http://www.herancacultural.com.br/blog/2013/11/ginasio-paulistano-paulo-mendes-rocha-joao-gennaro/

Vitruvius: http://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.129/4044

DOCOMOMO:http://www.docomomo.org.br/ivdocomomosul/pdfs/08%20Ana%20Elisa%20Souto.pdf

Arquivo Arq:http://www.arquivo.arq.br/#!ginasio-do-clube-atletico-paulistano/c2ek

Instituto de Arquitetura e Urbanusmo da USP:http://www.iau.usp.br/pesquisa/grupos/nelac/wp-content/up-loads/2015/01/REPRESENTAR2013_pacheco_vizioli.pdf

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Valentina Moura: Qual o processo de determinação do tombamento de uma obra?

Thiago Perpétuo: Eu diria que nós esta-mos, nesse momento, vivendo uma situação bastante interessante em que a teoria refer-ente à essa questão do reconhecimento dos bens culturais está mais a frente do que as práticas do Estado. Durante muito tempo a legislação dizia que o patrimônio cultural brasileiro era aquilo que o Estado reconhe-cia. Era necessário que o Estado operasse de alguma maneira esse reconhecimento de determinada coisa, objeto, quadro, escultu-ra, casa ou um conjunto de coisas. Atualmente nós temos um cenário comple-tamente diferente e que a gente pode buscar indícios na legislação atual. A nossa atual constituição recepciona o tombamento enquanto um instrumento de proteção aos bens culturais, mas consta ali uma mudança de visão muito importante, mais antro-pológica. Hoje em dia a própria legislação entende que o patrimônio existe em si, é bem cultural porque a população assim o

faz e não mas o Estado que decide. Os bens culturais são aquelas coisas que são referências para as comunidades indepen-dente do Estado reconhecer ou não. A questão é que quando o Estado reconhece aquela coisa enquanto patrimônio, ele passa a ter uma ingerência a respeito da sua proteção e do seu fomento.A partir da década de 80 você tem uma alastramento enorme de possibilidades de como você vai encarar essa questão do patrimônio. Inaugura-se um novo cenário em que você tem a perspectiva de patrimô-nio material e do patrimônio imaterial. Não é mais fixa a ideia de existem patrimônios históricos e artísticos, existem bens culturais. Estes podem ser tanto edifícios, conjuntos urbanos, móveis e imóveis quanto podem ser celebrações, festejos, modos de fazer.

VM: Qual a sua opinião em relação ao tombamento de Brasília?

TP: Existe um questionamento muito grande e atual da pertinência de você proteger grandes centros urbanos. O tom-bamento opera de modo a resguardar o objeto em sua materialidade. Mas como resguardar a materialidade de um bem que é em si extremamente complexo, um organismo vivo e obviamente mutável ao longo do tempo? É impossível, é inviável. Ainda mais Brasília, que é a maior poligonal urbana tombada do mundo e tem uma quantidade enorme de morfologias distintas, vai se modificar naturalmente sim. E por mas que você tente manter algumas características ditas essenciais, ela vai sofrer um processo de transformação. Por isso os órgãos que são responsáveis pelo trato da proteção desses bens estão nesse momento se questionando até que ponto proteger uma coisa é preservá-la em sua integralidade.

VM: Você é a favor da restauração?

TP: Eu acredito que além de uma grande necessidade, é possível e viável proteger e manter objetos e fazer restaurações de modo a manter uma certa integridade do objeto. Os edifícios por exemplo, são objetos que estão em plena utilização e a ideia é que eles mantenham-se em plena utilização. Ninguém quer manter um objeto em estado de arruinamento simplesmente porque ele se constitui quanto um documento histórico. No caso de edifícios modernos, já existe essa perspectiva de um contexto de produção industrial, em que a esquadria que você coloca por exemplo, pode ser produzida de novo em escala industrial de modo que se por acaso o defeito dela for incorrigível, você simplesmente pode trocar sem que com isso, na minha opin-ião, você vá atentar contra a autentici-dade desse objeto. A questão da restauração tem que ser

compreendia em função do objeto. Não se pode simplesmente aplicar a mesma lógica pra todos os objetos de todas as temporali-dades. Uma peça entalhada em madeira de uma tradição secular, que somente foi feita alguns exemplares por uma família de artesãos não se encaixa no mesmo raciocí-nio. Se esse objeto tombado comporta essas alterações de retirar uma esquadria e colocar outra idêntica, faz parte da lógica da construtiva da reprodutibilidade técnica. A linguagem moderna de construção e de desenho dos espaços, tem uma abertura muito grande pra se propor alterações de modo a manter o edifício com um grau de autenticidade bastante apropriado para a questão da proteção do patrimônio. Há uma grande liberdade de eventualmente propor modulações diferentes pra ampliar ou reduzir espaços. Acho que tem um espaço de manobra que permite mínimas alterações sem que isso vá interferir na integralidade do objeto.

VM: Qual é o desafio da preservação de obras já tombadas?

TP: Eu acho que um dos desafios é fazer um estudo bastante honesto daquilo que pode e deve ou não ser alterado nas edifi-cações. Agora, o maior desafio de todos está no nível da questão da educação patri-monial, porque o principal guardião dos bens patrimoniais é a comunidade que o utiliza.Quando a pessoa está suficientemente sensibilizada e tem o discernimento de que se aquele objeto for reconhecido é por que de fato existe uma importância seja históri-ca, seja artística, seja ambiental, etc., ela vai ter o interesse de preservar aquela questão muito antes do Estado. O IPHAN deveria se colocar como parceiro no senti-do muito mais de fomentar a manutenção de determinados bens do que propriamente ser um órgão reativo e fiscalizador que vai

multar o cidadão e embargar a obra por estar atentando contra o patrimônio.

VM: O que você acha sobre os arquite-tos que não querem que suas obras sejam tombadas?

TP: Me causa bastante surpresa, mesmo por que dentre todos os campos do conhe-cimento que estão mais diretamente relacionados com o patrimônio cultural, a que mais tradicionalmente trabalha, em nível acadêmico, com essa questão é justamente o campo da arquitetura e do urbanismo. Vale lembrar inclusive que a própria formação do campo do conheci-mento da arquitetura e do urbanismo no contexto brasileiro sobretudo, está intima-mente ligado com os profissionais que trabalhavam no IPHAN naquele momen-to. Tanto é que um dos grande propa-gadores da linguagem modernista em nível acadêmico foi justamente Lúcio Costa, que na década de 20 e 30, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, com-preendia naquele momento que as expressões arquitetônicas modernas deve-riam ser compreendidas como expressões artísticas em si. O próprio Oscar Niemeyer se expôs contrariamente com relação às ações de preservação pelas questões mais variadas possíveis. Acredito que se você cria uma obra e recebe um reconhecimento como algo tão distinto que faz parte de um acervo que é o próprio patrimônio cultural do país e você se levanta contra isso, é uma falta de sensibilidade e de com-preensão. A partir desse reconhecimento, essas obras ganham um caráter simbólico que deixa de ser do autor e passa a ser de domínio de toda a comunidade que circunda aquele objeto.

VM: Na sua opinião, no futuro essa preocupação em relação ao tomba-mento vai ser de maior relevância ou de menor?

TP: Essa pergunta é muito relevante se a gente for observar em um panorama mais amplo de como a questão do patrimônio cultural está sendo tratada no mundo. A nossa sociedade atual está num processo exponencial de proteção de bens culturais para salvá-los do esquecimento. É um fenômeno mundi-al. Mas vai chegar um momento em que absolutamente tudo vai ser objeto de preservação. Alguns teóricos estão chamando essa questão de inflação patrimonial e isso está muito relaciona-do em tentar compreender como que as sociedades lidam com as suas temporal-idades. Patrimônio cultural hoje já é uma preocupação que não é mais do IPHAN e da secretaria de cultural. É um assunto que é tratado pela sociedade, mas será que a sociedade de fato entende o que é o patrimônio? Qual o sentido tombar absolutamente tudo? Por que se tudo é patrimônio histórico, nada é patrimônio histórico.

“Eu era o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, literalmente a ‘ópera prima’ de

Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro, agora eu não sei mais o que sou...”.

Paulo Takimoto