revista curinga

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1 outubro 2012 NOVOS CAMPOS DO JORNALISMO ESPORTIVO PÁG. 06 / O DEBATE ALÉM DO USO PÁG. 10 / A ESTÉTICA DA GAMBIARRA PÁG. 14 / INVISÍVEIS PARA QUEM? PÁG. 24 / CERTAS CANÇÕES PÁG. 28 / ARTES MARGINAIS PÁG. 31 BRASIL, QUAL É O SEU NEGÓCIO? Pág. 18 Revista Laboratório | Comunicação Social - Jornalismo | UFOP | Ano 1 | Outubro de 2012 nº 03

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nesta edição fui diagramador, diretor de arte e repórter.

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Page 1: Revista Curinga

1outubro 2012

Novos Campos do JorNalismo Esportivo pág. 06 / o dEbatE além do Uso pág. 10 / a EstétiCa da Gambiarra pág. 14 / iNvisívEis para QUEm? pág. 24 / CErtas CaNçõEs pág. 28 / artEs marGiNais pág. 31

Brasil, qual é o seu negócio? Pág. 18

Revista Laboratório | Comunicação Social - Jornalismo | UFOP | Ano 1 | Outubro de 2012

nº 03

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2 outubro 2012

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Em 22 de abril de 1500, desem-barcavam no Brasil treze caravelas portuguesas lideradas pelo Senhor Pedro Álvares Cabral. Por aqui, havia uma grande população de nativos,

motivo pelo qual muitos historiadores consideram incorreto o termo descobrimento após essa data. Os primeiros contatos entre conquistadores e nativos foram de estranheza e de aparente amizade. Depois desse momento, a vida dos “brasileiros” nunca mais foi a mesma.

As transformações que aconteceram no Brasil após 1500 não se limitam à definição do território e o crescimento econômico e populacional do continente sul-americano. A economia brasileira vive hoje o Sonho do Eldorado do século 21, no ano em que a presidenta Dilma Rousseff reforça investimentos externos e os empresários brasileiros se destacam no competitivo mercado econô-mico mundial, tema central desta edição da Curinga. Estaria o Brasil mergulhado em uma onda de otimismo passageira? As fotos de capa e contracapa desta edição mostram exatamente essa apa-rente realidade de inversão entre o novo e o velho mundo. O brasileiro vive totalmente imerso no capitalismo, a corrupção come solta, as políticas de investimento em educação não funcionam, as classes emergentes sobem o alfabeto e a qualidade de vida da população parece não ter alterado de anos pra cá. O país do futuro se prepara para decolar, como afirmou a recente capa da revista britânica The Economist. Apertem os cintos, ou optem por ir a cavalo mesmo. De repente, nem é preciso ir tão longe para encontrar a riqueza novamente.

“Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente”.

Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II - Revista produzida pelos alunos do

curso de Jornalismo da UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto.

Professor e Jornalista Responsável

Fabrício Marques - o4663/MG

Professora de Planejamento Visual

Priscila Borges

Coordenação de Pautas

Prof. Ruleandson do Carmo

Professor de Fotografia

Anderson Medeiros

Endereço

Rua do Catete 166, Centro,

CEP 35420-000, Mariana - MG

Tiragem: 1.500 exemplares

Outubro 2012

Impressão: MJR Editora Gráfica

Leandro Sena

Projeto Gráfico:

Allãn Passos

Lucas Lameira

Luiza Lourenço

Simião Castro

E I O I L D T R A

CaPa, SumárIo E ExPEdIEnTE - Edição/arte: Eduardo Almeida, Leandro Sena, Lincon Zarbietti, Marcelo Sena. Fotografia: Lincon

Zarbietti. modelos: Sarah Gonzaléz, Iago Rezende. TRoCando CaRTas Com - Texto: Allan Almeida, Alyson Soares, Érica Pimenta,

Josie Oliveira. Edição/arte: Eloiza Leal, Eugene Francklin, Maria Aparecida Pinto. TRansboRda - Texto: Elisabeth Camilo, Eloiza Leal,

Eugene Francklin, Maria Aparecida Pinto. Edição/arte: Ana Carolina Meirelles, Camila Dias, Natália Goulart. ouTRos CamPus - Texto:

André Mapa, Lucas Aellos, Marcelo Sena, Tábata Romero. Edição/arte: Alyson Soares, Bárbara Andrade, Gracy Laport. maTeRia de

CaPa - Texto: Beatriz de Melo, Bárbara Andrade, Gracy Laport, Lucas Lima, Suellen amorim. Edição/arte: Allan Almeida, André Mapa,

Erica Pimenta. ReTina - Texto e Foto: Camila Dias, Natália Goulart. Edição/arte: Deiva Beatriz, Izabella Magalhães, Suellen Amorim.

moChIlão: Texto: Ana Carolina Meirelles, Deiva Beatriz, Izabella Magalhães. Edição/arte: Beatriz de Mello, Lucas Aellos. RefRão,

PolTRona, PRólogo, CaRaCTeRes - Texto: Eduardo Guimarães, Leandro Sena, Lincon Zarbietti. Edição/arte: Elisabeth Camilo, Lucas

Lima, Tábata Romero.

X E I N EE P D E T

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4 outubro 2012

Curtas

retina

transbordapágina 10

página 24

página 31

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5outubro 2012

MoChilãooutro CaMpus

troCando Cartas CoMpágina 6

página 14

página 28

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6 outubro 2012

O Brasil está prestes a receber dois eventos de grande repercussão internacional: a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Investimentos em infraestrutura e em formação de atletas têm sido feitos pelo governo e entidades ligadas ao esporte, porém outro ponto passa despercebido em meio ao destaque dado aos eventos em si: a preparação da imprensa brasileira.

O Esporte é uma das editorias que mais despertam o interesse de alunos dos cursos de jornalismo atualmente no Brasil. Muitos desses futuros jornalistas esportivos buscam esse caminho aliados à paixão por determinada equipe ou esporte, adquirida ainda na infância. Mas o que espera nossos jovens profissionais nessa preparação para dois eventos tão badalados?

Os desafios a serem enfrentados pelos novos profissionais é retratado neste bate papo super descontraído com o jornalista e comentarista do SporTV e da Rádio CBN de São Paulo, Mário Marra. Paulista, mas com coração mineiro, Marra se descreve em seu blog como leitor, consumidor, ouvinte, telespectador, apaixonado, curioso, crítico e refém do futebol, além de torcedor de todas as seleções e times que mostrem algo além de “jogar bola”.

Novos campos do

JorNalismo Esportivo

TExTO Allan Almeida, Alyson Soares e

Érica Pimenta

EDIçãO GRáFICA Eugene Francklin

6 outubro 2012

Page 7: Revista Curinga

7outubro 2012

Curinga: Por que o Jornalismo esportivo ainda é tão querido e visado pelo público universitário e/ou recém-formado?

Mário Marra: Porque ele exerce o fascínio. Muitas vezes o aluno tem um time de coração ou o envolvimento com algum esporte e surge a oportunidade de trabalhar perto do time de coração, perto do esporte que gosta. E às vezes (a editoria) não exige uma especialização mais profunda, embora eu discorde um pouco, mas não exige. São poucos os cursos de pós-gradu-ação em jornalismo esportivo. Mas esse não é o principal fator, o principal fator é que o esporte trabalha muito próximo do ideal da criança e do adolescente que têm o time de coração e que têm o esporte como algo diferente, daí faz jornalismo e logo pensa em juntar a paixão com o trabalho.

C: Seguindo por essa linha, você acredita que a pessoa, ao entrar nessa área apenas pela paixão por determinado time ou espor-te, poderá ter comprometida sua imparciali-

dade ou análise em alguma cobertura?M: Pode atrapalhar e eu acho que atrapalha

sim. Mas também não podemos criar um bicho de sete cabeças. Porque tem paixão também nos ve-terinários, nos médicos, no advogado, no profes-sor, sem dramas. Eu acho que pode comprometer a paixão sobre um determinado time de futebol assim como a paixão sobre um determinado par-tido político. Mas falar que isso é problema, não chega a tanto. Antes da paixão existe a ética e tem muita gente que prefere não passar pelo crivo da ética, não usá-la. Eu acho possível você ser de um partido e não concordar com suas decisões, assim como é possível você ser atleticano e cruzei-rense e ter uma postura crítica sobre seu time.

C: Existem ainda profissionais que escon-dem sua paixão por determinado clube por medo de passarem pelo olhar de desconfian-ça, principalmente pelos torcedores rivais?

M: Claro que existe. Eu compreendo isso, por-que hoje em dia a gente vive em meio à violência.

Márrio Marra na Semana de Comunicação Ufop 2010

FOTO: LINCON ZARBIETTI

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8 outubro 2012

A gente sai do estádio às vezes uma da ma-nhã, com rótulo de que você é atleticano, corin-tiano ou flamenguista e dá de cara com a torcida do Vasco, do Palmeiras ou do Cruzeiro. Você pre-cisa pensar nisso também, que do outro lado você não poderá encontrar bom senso. Você tem que esperar o que há de pior e infelizmente é o que acontece, não estou falando nenhuma novidade. Isso é uma opinião pessoal, eu prefiro acreditar na minha opinião embasada na análise sobre os fatos do que na embasada pela paixão. Eu prefiro acreditar mais na minha opinião e não no mito de eu não posso falar que sou “o tal” para não ficar com uma indisposição com a torcida adversária.

C: Quais os preconceitos que ainda existem no jornalismo esportivo com relação ao tra-balho do profissional?

M: Algumas editorias acham que o jornalista esportivo não sabe escrever, que ele só está ali por paixão, que não é uma coisa séria e é mais entretenimento. Vou ser sincero, tem muita gente que não sabe escrever mesmo, fez faculdade, mas não sabe muitas coisas da língua portuguesa. Mas isso não é um “privilégio” do jornalista esportivo. Acontece também em outras áreas. Isso existe mesmo no jornalismo, devido principalmente à falta de preparo de muitos colegas.

C: Ainda é forte o mito no Brasil de que Jornalismo esportivo (principalmente em TV aberta) se resume em futebol? Como os outros esportes têm sido trabalhados nas coberturas esportiva?

M: O grosso do jornalismo esportivo no Brasil é em cima do futebol, não tem como falar que não é verdade. Os outros esportes entram em segundo caderno ou nos espaços que sobram (nos veículos), muito disso em função do que gera mais dinheiro. A publicidade é maior nas trans-missões de futebol, nas páginas que dão maior destaque no futebol. Cabe a nós pensarmos algo diferente daqui até as Olimpíadas de 2016. Tem muita gente na faculdade atualmente que não entende uma luta Greco-Romana e precisa se pre-parar. Quem está se formando agora tem quatro anos para pegar alguma coisa sobre esses esportes (esportes olímpicos) e se inserir nas coberturas.

C: Até pouco tempo não víamos tanto desta-que ao MMA nas coberturas brasileiras, mas atualmente todas as emissoras de TV aberta falam algo a respeito do esporte, fruto de

resultados positivos de lutadores brasileiros na competição. Você acha que alguns espor-tes ganham destaque nos cadernos esporti-vos por estarem em evidência no momento?

M: Por tendência, sim, e aí o futebol supera isso, ele é atemporal. Todo ano você vai vê-lo ali. É uma moda que chegou em 1894 e pegou corpo nas coberturas brasileiras em 1910 com a Fan-fulla. Em 1908 já tínhamos times em Minas, o Atlético e o Vila Nova, criavam-se times por todo o Brasil e isso foi se espalhando como uma praga. Futebol não é modismo e, sim, algo consolidado, mas as outras transmissões esportivas, até por não serem consolidadas, elas vão muito aonde pa-rece ter fumaça. O MMA, por exemplo, parece ter fumaça, então vamos lá cobrir. O vôlei passou por seu grande momento, embora eu ache que ele já esteja consolidado. Ele pode estar mal no modis-mo, mas parece dar uma subida novamente.

C: E essa história de que o jornalista cons-trói e destrói carreiras, equipes etc. Como é tratada essa questão de “jornalismo esporti-vo e a construção de heróis e vilões”?

M:Infelizmente isso é verdade. Há uma falta de respeito e de resposabilidade de muitos de nós. Às vezes é mais fácil reproduzir do que investigar. Eu até brinco que seria melhor se nós contra-tássemos um papagaio do que um jornalista. Se for pra reproduzir o que os outros falam, basta um papagaio. É muito mais fácil transformar algum mito em verdade do que você pesquisar.

C: Atualmente está se tornando mais for-te a mistura de Jornalismo e entretenimen-to nos programas esportivos. Exemplos são o Globo Esporte com Thiago Leifert e o Band Esporte Clube. Esses exemplos têm sido co-piados, chegando a se tornar “padrões”. Até que ponto isso é viável?

M: Não dá para negar que é entretenimento. O que não deveria ser é somente isso. Eu prefiro acreditar que o entretenimento faz parte de uma estratégia de mercado e que o jornalismo espor-tivo prevalece. Mas como infelizmente muitos de

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nós estamos viciados com tudo isso, com preguiça de pensarmos algo diferente e com conteúdo, pe-gamos o caminho mais fácil que é o caminho do entretenimento. Eu acho bom em alguns momen-tos, acho engraçado, mas também acho desneces-sário em outros, como naquela brincadeira que fizeram com o Barcos do Palmeiras, comparando ele com o Zé Ramalho. Ah, por favor, vamos falar de coisas mais sérias que acrescentem.

C: Até que ponto o entretenimento é aceito na cobertura jornalística?

M: É aceito como alguma coisa que vem de cima, como estratégia de mercado para levantar a audiência do programa. A rádio em que eu tra-balho, por exemplo, não adota essa postura. Tem um programa, o “Quatro em Campo” que adota uma linguagem mais leve, mas não chega a ser entretenimento. Muitos programas de entrete-nimento são aceitos, mas existem jornalistas que não gostam, assim como eu. Aceito, vejo, mas na verdade tolero.

C: Na última Copa vimos a adoção das redes sociais na cobertura. Como essas novas mídias irão se inserir no evento de 2014 e também nas Olimpíadas de 2016?

M: Isso é um caminho sem volta. Hoje todos temos a oportunidade de pegar a informação com o jornalista de referência em tempo real, ele pode receber uma informação exclusiva numa pos-

tagem no Twitter, ao mesmo tempo em que lê um blog sobre outro assunto. O mundo está

menor, está mais curto. Eu acho que nas Olim-píadas nos vamos viver isso de uma forma mais intensa. As redes sociais vão estar cada vez mais fortes nas Olimpíadas. Eu só espero que o pessoal tenha mais maturidade nas postagens e também nos comentários feitos.

C: Como o jornalista multimídia deve se pre-parar para essas novas tendências na cober-tura esportiva?

M: O jovem jornalista precisa estar antenado, entendendo tudo o que está acontecendo, sem es-quecer o bom senso e a ética. Ele tem que buscar as novidades porque essas coisas acontecem e elas estreitam caminhos. Hoje você consegue conver-sar com o jogador no seu twitter pessoal e obter as informações de que precisa. Se o jornalista novato conseguir montar uma boa rede de contatos, ele sai à frente de muitos, porque ele apresenta fácil adaptação.

C: E os cursos de jornalismo, como se adé-quam a essas novas mídias?

M: Eu acho que muitas dessas novas tecnolo-gias as faculdades não sabem explicar muito do que os alunos já sabem de casa. Eles já praticam muitas dessas coisas enquanto as faculdades ainda estão lá quadradonas (sic). As faculdades estão tentando acompanhar essas novidades, apesar de essas coisas serem muito pessoais. Tem gente que vai aprender muito fora da faculdade, enquanto tem gente que vai usar apenas o que aprendeu lá.

Page 10: Revista Curinga

10 outubro 2012

Drogas: o debate vai além do uso...

De acordo com o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), 1,5 milhão de pessoas consome maconha diariamente no Brasil. Ainda assim, a descriminalização da droga no país é vis-ta com desconfiança pela sociedade. A estudante de arquitetura Marina (nome fictício), 25 anos, deu sua primeira tragada aos 16 anos. “Costu-mo usar maconha nos finais de semana e não me considero uma viciada por isso. Desenvolvo minhas atividades como qualquer outro cidadão, trabalho, estudo, pago minhas contas e cumpro os meus deveres”, afirma. Apesar disso, revela sofrer bastante preconceito.

Uma grande parcela da população considera o consumo como um ato ilícito e pratica discri-minação contra esse grupo. A Lei nº 11343, no entanto, não criminaliza o individuo por usar drogas. Segundo a advogada Kênia Mendes, no artigo 28 o tipo penal é definido pelos verbos “adquirir”, “guardar”, “trazer consigo”, “ter em depósito” e “transportar”; não existe nenhuma referência ao termo “usar” e “consumir”. Desse modo, parte da doutrina favorável à descriminali-zação da maconha defende a tese de que qualquer conduta relacionada ao consumo não deve ser punida.

A falta de precisão sobre a quantidade de substância que o indivíduo pode portar para ser tratado como usuário é um aspecto que, segundo Kênia, está associado à deficiência do artigo que caracteriza o usuário. Constata-se, dessa forma, que não há uma discrição na lei, ou seja, uma

classificação detalhada que especifique de forma objetiva a relação entre porte de drogas, uso e tráfico.

Embora o documento não apresente o texto com clareza, a advogada observa que o bom senso deve imperar sempre. “A descriminalização da maconha no Brasil não deve se embasar no prin-cípio da alteridade, no qual ninguém pode ser pu-nido por fazer mal a si mesmo. Os malefícios das

A flexibilização da política global sobre a cannabis é defendida por diversas esferas da sociedade. Nos últimos anos, somente no Brasil a marcha da maconha deslocou centenas de pessoas para protestarem a favor de sua legalização. Apesar desse dado, a regularização ainda é vista como um tabu. A classificação da substância como ilícita reduz significativamente qualquer tipo de discussão relacionada ao uso da droga. Nesse contexto, é questionado se o Estado tem o direito de intervir, outorgando o que deve ser lícito ou temos o direito de definir qual droga utilizamos em nosso corpo.

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11outubro 2012

drogas também se estendem à família do usuário e à sociedade como um todo”, afirma.

Um livro retratando as experiências de uso de drogas foi a forma como o funcionário público Wagner de Souza Tito, 44 anos, encontrou para registrar como a sua condição de usuário inter-feria em sua vida familiar e no espaço de traba-lho, por exemplo. Na obra, há o relato de quem iniciou o consumo aos 18 anos e utilizou todos os tipos de drogas, exceto as injetáveis. Depois de sofrer internações diversas e de ser diagnosticado um risco de morte, ele parou de utilizar as subs-tâncias ilícitas.

Fora a legislação, existem impasses éticos que inibem o consumo da cannabis. Somente no Es-tado de São Paulo, 3.700 adolescentes são inter-nados na Fundação Casa em razão do tráfico. Os dados se tornam ainda mais assustadores quando verificamos que o Brasil possui 125.744 presos por tráfico de entorpecentes, segundo a pesquisa realizada pelo Instituto Avante Brasil. Diante des-sa realidade, Marina optou pelo cultivo da planta em sua residência.

Nos últimos anos, ativistas de vários países invadiram os principais pontos das cidades para protestarem a favor da liberação da maconha e informar a população sobre os seus benefícios. Em maio de 2012, a Comissão de Juristas de Bra-sília propôs um projeto ao Congresso com o obje-tivo de descriminalizar as drogas para o uso pes-soal. A aprovação dessa proposta, vista pela ótica filosófica dos que defendem a descriminalização

das drogas, representaria, sem dúvida, um apro-fundamento das questões democráticas. Nesse sentido, Kênia Mendes faz uma comparação com as conquistas obtidas nesse campo e os direitos adquiridos pelo movimento contra a homofobia. “Razões semelhantes de origem religiosa e cultu-rais impediam a existência de homossexuais, por exemplo, que continuam sendo criminalizados em muitos lugares do mundo”, explica.

A advogada ainda ressalta que é majestoso o discurso de que todos são iguais e passíveis de di-reitos, sobretudo, a autodeterminação, porém não se pode afirmar com absoluta convicção que a descriminalização das drogas, incluindo a canna-

bis, seria uma ação positiva. O Brasil se encontra distante dos níveis de segurança e educacionais de países que mantêm uma legislação flexível ao consumo da maconha, como é o caso da Holan-da e Bélgica. Assim, não podemos concluir que a liberação das drogas reduziria o tráfico ou se tornaria um problema de saúde pública.

TExTO Elizabeth Camilo, Eloiza Leal, Eugene Francklin,

Maria Aparecida Pinto

EDIçãO GRáFICA Ana Carolina Meirelles, Camila Dias,

Natália Goulart

Page 12: Revista Curinga

12 outubro 2012

...e a realidade tambémesse é o remédioPerda de memória, tontu-

ra, formigamento em alguns membros, aliados a sensações de choques elétricos pelo corpo, indicaram os sintomas de es-clerose múltipla para o publici-tário Gilberto (nome fictício). A doença de origem crônica é autoimune e por motivos gené-ticos ou ambientais o sistema imunológico agride o sistema nervoso.

Para amenizar as dores exis-tentes no surto da doença, Gil-berto utiliza o imunossupressor Copaxone. Em sua bula consta a seguinte informação: “Este medicamento é indicado para reduzir a frequência de recidi-vas (surtos) nos pacientes com esclerose múltipla”, ou seja, não há tratamento eficaz para essa enfermidade. Devido à persis-tência dos sintomas e a ineficá-cia da medicação, o publicitário procurou ajuda médica para in-dicação de alguma medida que reduzisse a intensidade desses efeitos. Em uma conversa in-formal, o neurologista apontou como uma possível opção o uso da cannabis. Assim, desde 1998 é usuário de maconha para fins medicinais. Ele revela que, nos momentos dos surtos, costuma dar duas tragadas no “baseado” e as sensações diminuem consi-deravelmente.

Renato Filev, biomédico e doutorando em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) diz que “a maconha apresenta um grande potencial medicinal para uma série de doenças. Sobretudo na diminuição de espasmos e dores causadas pela esclerose múltipla, no alívio de dores com

origem no tecido neural, dimi-nuindo a náusea e os vômitos provocados pelas quimiotera-pias em decorrência de câncer e Aids.” Além disso, ressalta que a cannabis pode ser utilizada em transtornos psiquiátricos como depressão e no tratamento das síndromes Parkinson, Alzhei-mer e Huntington.

A recomendação médica da cannabis não é realizada em conformidade com os procedi-mentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): o órgão possibilita a importação de fármacos à base de canabi-noides quando há a solicitação da substância para o trata-mento de certas doenças. O biomédico, no entanto, afirma que não existe nenhum registro dessa espécie na instituição, isso por que os profissionais da saúde temem sofrer algum tipo de represália da comunidade médica e do Conselho Federal de Medicina.

“Você só bebeu ou usou alguma droga?”Essa pergunta, que pare-

ce ter saído de uma conversa despojada entre amigos comen-tando a festa do último fim de semana, converge em questões que não estão explícitas apenas no ato da fala. Ela mostra que estamos acostumados com as drogas lícitas e não as julgamos drogas, ignorando até seus ris-cos, e, muitas vezes, atribuímos suas conseqüências a outros fatores.

A partir dessa premissa, vamos falar sobre essas drogas, até porque, certamente você, caro leitor, já usou alguma hoje. Não? E o seu cafezinho logo de

Acima, o café, uma das drogas lícitas; abaixo, a capital da Holanda, Amsterdã, uma das cidades onde a maconha é legalizada

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13outubro 2012

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Em maio deste ano, as ruas de Brasília foram ocupadas por

manifestantes que defendem

a descrimi-nalização da

maconha

manhã? O café que nos acom-panha todos os dias também é uma droga, já que, para estimu-lar o cérebro, a bebida utiliza os mesmos mecanismos da cocaína e da heroína.

Porém, o estimulante diário é uma droga lícita, considerado como item essencial nas cestas básicas. O que difere as drogas lícitas das ilícitas são as leis e a aceitação da sociedade. Até o século XIX, o ópio, substância anestésica muito utilizada na medicina, tinha sua venda livre

e era considerado moeda de tro-ca entre impérios. Atualmente, o narcótico figura na lista das drogas proibidas por lei.

O consumo de álcool e de cigarros nos parece natural. Os meios culturais trabalha-ram para criar uma relação de intimidade entre nós e essas substâncias. Abrimos uma revista, ligamos a TV, escutamos música e mensagens de ode às bebidas e ao cigarro são vendi-das através do entretenimento que dita o que é moda.

Culturalmente, a sociedade foi adaptada a conviver com as drogas lícitas. As leis as regula-mentam, transformando-as em grandes mercadorias, vendidas por meio de cantores, belas mu-lheres e gente feliz, enriquecen-do o Estado e grupos privados donos de grandes marcas. E o Estado, ao fechar seus olhos para a facilitação do acesso da população a esses produtos, contribui para a consolidação do espaço que essas substâncias adquirem nas nossas vidas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define droga como “qualquer substância não pro-duzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produ-zindo alterações em seu funcionamento”. Entre-tanto, o termo “droga” é rico em polissemias e significações que variam no decorrer da história.

Na Grécia Antiga, usava-se o termo “phár-makon”, que possuía ambiguidade, uma vez que remetia tanto ao remédio quanto ao veneno. A etimologia do termo droga que prevalece é a de origem latina. Drogadicção é o termo que origina a palavra e pode ser definido como adicção às drogas. O substantivo adicção relaciona-se ao ver-

bo designar e pode referir-se ao apego de alguém por algo.

Já no holandês antigo, “droog” quer dizer seco ou folha seca. Isso porque, antigamente, os me-dicamentos eram manipulados à base de plantas. Os chás de folhas desidratadas que nunca saem de moda aproximam essa relação. A vertente céltica apresentava os termos droug e droch, que se referiam à má qualidade de algo.

A expressão “droga”, como é reconhecida hoje, começou a ser usada na Idade Média. Os franceses foram os primeiros a utilizar a constru-ção do termo. A palavra drogue referia-se a ingre-dientes, remédios ou tinturas, mas ganhou novo significado no século XX tornando-se sinônimo de tóxico.

A (re)apropriação do termo “droga”

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14 outubro 2012

Enquanto a economia se firma na lógica de substituir o guarda-roupa quebrado ou aquela peça de roupa démodé por uma da nova estação, a vida universitária - regida quase sempre pela falta de dinheiro - instiga os estudantes a utilizar a criatividade em uma prática sustentável e barata: adaptar objetos velhos, quebrados ou em desuso para novas funções.

O cachorro comeu um tênis? O outro pé agora cultiva sementes de mostarda. Aquele tanquinho velho, se pintado, vira uma caixa térmica. Caixote de madeira vira estante, depósito de papéis ou até banquinho. Entre a necessidade e a inspiração, os estudantes mostram como é possível reaproveitar aquilo que ia pro lixo e transformar em algo prático e o eficiente.

TExTO andré luis mapa, lucas aellos,

marcelo sena e tábata romero

EDIçãO GRáFICA bárbara andrade

A estética da gambiarra

Vaso sanitário: depois de “inutilizado”, é aproveitado como vaso de plantas

14 outubro 2012

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15outubro 2012

e se ajeita porque não tem dinheiroAs histórias sobre improvisos nas repúblicas estudantis de

Ouro Preto e Mariana existem aos montes, mas quase todas têm a mesma razão de existir: o dinheiro escasso. Os moradores usam prateleiras gradeadas para armazenar alimentos e caixas d’água de 1.000 litros com gelo para manter a temperatura das bebidas em suas festas, os “rocks”, por exemplo.

Uma lixa, parafusos, pregos pequenos, quatro rodinhas compra-das no armarinho e o ingrediente principal: três caixotes de ma-deira. Isso tudo, combinado a um pouco de criatividade e força de vontade torna-se um eficiente criado-mudo, com divisões e repar-tição exclusiva para notebook. Esse foi o trabalho realizado pelos estudantes Murilo Amati e Gabriela Ribeiro da Costa.

Se o lance é economizar, vale gastar pouco e montar seu próprio suporte para o computador. Foi o que fez o estudante de história Lucas Rocha, Evo Morales, com alguns pedaços de canos e joelhos de PVC. “É muito simples. Vi um modelo na internet e resolvi fazer o meu. Comprei alguns pedaços de cano e seis joelhos. Com menos de dez reais, eu tenho meu suporte pro Macbook”.

Evo também falou de outros improvisos em sua república: “Aqui na Orfanato a gente aproveita tudo. Nossos baldes são galões de água vencidos. Também aproveitei uns pés soltos de tênis e plantei sementes de mostarda e manjericão. Nós fizemos ainda uma ducha a partir de um cone e uma garrafa pet. Nossos varais são cabos de rede de internet”.

Na república feminina Rosa Xiclete, os varais de roupa são feitos com fios de barbantes enrolados e há um quadro de recados confec-cionado com isopor e encapado com uma grande cartolina rosa com dezenas de fotos. As moradoras são unânimes sobre o motivo dos improvisos: “As coisas ficam mais baratas. Essa é uma alternativa para reduzir nossos custos”, afirma a estudante de Ciência e Tecno-logia de Alimentos Danielle Lima, de 21 anos.

Mariana Cavazza, de 21 anos, colega de quarto de Danielle e es-tudante de Educação Física na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), é bem humorada ao falar dos arranjos feitos na república em que vivem nove garotas. “Não sei como esse quadro (mural de recados de isopor) ainda está vivo! Fizemos ele na primeira casa em que moramos, quando criamos a república”, lembra.

Já na república masculina Saidera, um sofá é sustentado por três estacas de madeira pregadas ao fundo. Para o estudante de Engenharia Geológica Marcus Vinícius Silva, de 24 anos, quando alguma coisa estraga, é uma oportunidade para que os “bixos” – como são conhecidos os calouros da Ufop – aprendam a realizar pequenas tarefas domésticas. “O motivo principal (de improvisar) é financeiro. Mas é bom pra ensinar os bixos a trabalhar. Ao invés de chamar um pedreiro, a gente chama os bixos pra aprender um pouco!”, conta rindo.

Para os moradores da república Barraca Armada, quando o espaço para realizar festas ficou curto por causa da presença de um reservatório de água que ficava na parte de trás da casa, a solução foi simples. “Retiramos a caixa d’água e construímos um palco no lugar. O reservatório atrapalhava muito e o palco destaca mais a

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y LApORT

15outubro 2012

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banda que estiver tocando”, conta o estudante de Engenha-ria Mecânica Paolo Alves.

improvisa e faz arte!E o palco é parte da iden-

tidade artística da república Barraca Armada, que tem boa parte das paredes pintadas com temas com os quais os mora-dores se identificam, como o cantor Bob Marley. Na repúbli-ca, a arte chegou até ao banhei-ro. Quando realizavam festas, havia filas nos banheiros, o que criava uma situação desagradá-vel para os convidados.

Por isso, os moradores cria-ram uma instalação sanitária externa para os homens, fazen-do com que os dois banheiros internos da casa fossem utiliza-dos apenas por mulheres. Ok, a ideia é inteligente, mas... e onde entra a arte? A arte entra, como

no restante da casa, em pinturas nas paredes do banheiro. “Um dos caras da república projetou o desenho com o Datashow e a galera toda se jun-tou pra pintar”, afirma o estudante de Engenha-ria Geológica Magno Freire, de 20 anos.

Já na república masculina 171, também em Ouro Preto, a arte surgiu da necessidade de man-ter os dois enormes cães da raça Pitbull afastados das lixeiras que ficavam na cozinha externa da casa. Os moradores colheram bambus às margens de uma rodovia, compraram alguns metros de corda e construíram uma charmosa mureta arte-sanal de estacas trançadas pelas cordas. “Criamos isso porque os cachorros entravam na cozinha e mexiam no lixo, faziam a maior bagunça”, comenta o estudante de Engenharia Geológica Felipe Tomassini, também conhecido como “Boo-merang”.

“Foi ótimo porque acabamos ganhando um espaço mais reservado para quando fazemos festas. No 12 (Doze de Outubro, tradicional festa entre repúblicas da cidade), a cozinha vira cama-rote!”, completa o também morador da república 171 e estudante de Engenharia Civil, Alexandre Vilela, de 21 anos.

FOTO: MARCELO sENAO par de tênis velhos é hoje reaproveitado para plantar

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Na república Rosa Xiclete, também rola im-proviso nas festas. “Às vezes, forramos as paredes com jornal para não sujar e dá até um efeito legal com a luz negra”, conta a estudante Danielle Lima.

o engenheiro das adaptaçõesUm futuro Engenheiro de Controle e Automa-

ção e morador da república Saidera é um caso à parte quando o assunto é usar a criatividade para reutilizar materiais desgastados e transformá-los em novas peças. Donério Taison, de 22 anos, também conhecido como “Kodak”, construiu uma pequena mesa para apoiar seu notebook com peças de madeira de um velho armário. “Eu precisava de uma mesa para assistir filmes e fiz a minha”, argumenta com simplicidade.

Kodak diz que a ideia surgiu também pela falta de dinheiro para adquirir uma mesa nova. “Uma mesa como essa no mercado é cara e dura muito pouco. Essa aqui, custou apenas o valor dos parafusos”.

O estudante adaptou ainda um armário, uma sapateira e criou um curioso porta-chaves na barra de metal que perpassa a parede lateral de seu quarto. “Isso é muito simples. Retirei o imã de um HD de computador e o coloquei atrás da barra de metal. Daí, é só encostar a chave que ela gruda”, aponta.

Na república em que Kodak mora, os mora-dores optam por reaproveitar, ou pelo menos não descartar incorretamente, alguns materiais como

o óleo, que entregam em um posto de coleta de um super-mercado, e as garrafas pet, que são reutilizadas nos “rocks” ao serem utilizadas para servir batidas e bebidas doces, o que também é feito na república feminina Rosa Xiclete.

unidos nos móveis novos e nas gambiarras“Quando precisamos fazer

adaptações, a gente chama a galera de outras repúblicas pra ajudar. Se precisamos arrumar um banheiro, os meninos vêm e ajudam. Pra dividir um quarto, a gente compra a madeira e os meninos vêm e a colocam. Aqui, a gente tem essa cultura de um ajudar o outro”. As palavras de uma estudante revelam como funciona a rotina de adaptações nas repúblicas de Ouro Preto.

De acordo com a estudan-te de Ciência e Tecnologia de Alimentos Danielle Lima, é comum a realização de peque-nos mutirões para reformar e adaptar objetos nas repúblicas estudantis.

Além da parceria na hora de colocar a mão na massa, os estudantes compartilham boas práticas. “As ideias para algu-mas gambiarras nós trouxemos de outras repúblicas. Estamos de mudança e quando estiver-mos na casa nova, iremos criar uma horta em algumas garra-fas pet, para economizar nos alimentos e não desperdiçar as garrafas”, afirma Danielle.

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O caixote de feira virou uma mesa

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FOTOs: ALLAN ALMEIdA

Apesar da constatação de um aumento quase imperceptível no Produto Interno Bruto do Brasil no segundo trimestre – apenas 0,4% em relação ao primeiro trimestre – a presidenta Dilma Rousseff acredita que o país se prepara para “uma política policíclica de investimento”, se referindo aos investimentos que virão de outros países. A presidenta acredita que o Brasil está melhor preparado do que a maioria das outras nações para o período de recessão mundial que se aproxima.

Um dos acordos financeiros do país, este ano, foi firmado no dia 4 de junho com o Rei da Espanha, Juan Carlos I. Brasil e Espanha pretendem unir esforços de investimento em regiões como a Ásia e o Oriente Médio. Deverão ser explorados o setor têxtil e de energia, com expectativa de resultados a médio prazo – leia-se: de um a cinco anos. O presidente do banco Santander, Emílio Botín, compareceu junto à comitiva do Rei espanhol. Ele afirmou que “quem não está no Brasil não está na América Latina”, e se disse encantado com o poder inovador dos empresários brasileiros.

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o outro lado da moeda brilha tanto assim?O Brasil aproveita a forte onda de otimismo

que a realização da Copa de 2014 traz e embarca numa espécie de Sonho do Eldorado do século 21. Com promessas da presidenta de que dias melhores virão – apesar de desmentida pelo já citado tímido aumento do PIB -, o brasileiro passa a crer que a vida só melhora, já que agora somos quase todos “classe média”. Mas uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) alerta para a escolha, pelo Governo Federal, de novos critérios um tanto discutíveis para definir as classes eco-nômicas brasileiras.

É fácil ser otimista quando o governo exige um mínimo de renda per capita de R$291, para retirar qualquer cidadão da linha da pobreza. A classe média brasileira é oficialmente constituí-da por famílias que recebem desde esse mínimo acima citado até R$ 1.019, “por cabeça”, para a sua sobrevivência. Isso corresponde a 54% da população nacional. Mas, para a FGV, o ideal seria enquadrar como classe média apenas a fatia da população que recebe entre R$ 434, e R$ 1.869, por pessoa.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) salienta que o cálculo que estabelece o valor ideal para um salá-rio mínimo que atenda as necessidades básicas de uma família, segundo a Constituição, aponta para um valor atual de R$ 2.329, bem abaixo do valor real (módicos R$ 622,). O cálculo classifica como prioridades familiares: alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, porém ainda classifica como “supérfluos” gastos com planos de saúde, cursos superiores e telefonia fixa.

Também devemos pensar que, em um país com extensão continental como o Brasil, é difícil a tarefa de estabelecer parâmetros de qualidade de vida, altamente flutuantes de região a região. Vive-se melhor com menos no interior do Ceará

do que na capital paulista, por exemplo. Essa realidade se deve ao fato do custo da qualidade de vida ser flutuante, e geralmente ser menor em cidades menores.

O imaginário social também reflete uma classe média que está em constante ascensão na socie-dade, o que não é verdade. Nota-se uma melhora de vida na última década, mas que já se estabiliza nos últimos anos.

Outra pesquisa aponta um aparente equívo-co quanto à situação financeira do brasileiro ter sido vista como “tranquila” nos últimos tempos. O (temido) Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) divulgou no dia 26 de setembro que mais de 40% da população do Brasil está ou já esteve com o “nome sujo”, isto é, impossibilitado de fazer no-vas compras a prazo, devido às dívidas antigas.

O SPC também alerta para o uso indiscrimi-nado de cartões, que oferecem cada vez mais limite de crédito, inclusive para as classes C e D. Os cartões têm 28% dos clientes inadimplentes, quando falamos da dívida superior a 90 dias. Ain-da segundo a pesquisa, não há a preocupação, por grande parte da população, em conhecer as taxas a que está submetida, como os juros de crédito, em média 9% ao mês e os de cheque especial, em média 6% ao mês.

o que diz quem entende?O doutor em Economia pela UFMG, Leonar-

do de Deus, confirma esta visão, alertando que não é o momento de incentivar a classe média ao consumo, mas sim levar o país a investimentos externos: “Embora seja importante incentivar o consumo, com efeitos na produção e nas expecta-tivas de empresários, esse procedimento tem fôle-go curto, já mostrado no recente caso da venda de automóveis. As pessoas não irão querer comprar carros, TV’s e iPhones sempre. Além disso, têm de ter condições de pagar suas casas, e os juros con-tinuam altos para financiamento de imóveis. O kit classe média custa muito caro, não mencionei aqui saúde, educação, gasolina etc. O estímulo correto é aos investimentos produtivos, à indús-tria. Hoje, o Brasil investe muito abaixo – 17,4% no segundo trimestre de 2012, porcentagem do PIB - do necessário em sua capacidade produtiva o indicado seria 25% do PIB.”

Esse panorama nos leva, mais uma vez, a re-fletir sobre a divisão desigual da riqueza brasilei-ra. Apesar dos investimentos internacionais cons-tantes, a população não vê a cor desse dinheiro e continua, como sempre, se endividando.

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economia solidária como alternativaDentro da sociedade de consumo atual, pau-

tada no capitalismo, qual a viabilidade de um sistema onde fosse possível trocar a sua força de trabalho por outros serviços, ou pela força de tra-balho de outras pessoas? A economia solidária é consolidada nesse contexto, onde o ser humano é mais valorizado do que o capital. Baseada no coo-perativismo, contrapõe preceitos capitalistas. Se-gundo Leonardo de Deus, professor de Economia da Universidade Federal de Ouro Preto, “Trata-se de buscar meios de ativar essa força, muitas vezes latente ou mesmo em estado inercial.”. Ele afir-ma ainda que a ideia é bastante antiga, de tirar do Estado o controle sobre as trocas entre produ-tores através da moeda que emite.

Esse sistema é utilizado dentro do Circui-to Fora do Eixo, que é uma rede colaborativa e descentralizada, formada pelos coletivos culturais espalhados pelo Brasil. Hoje, existem coletivos culturais em 25 das 27 unidades federativas do país. Esses coletivos são agrupamentos de pessoas que produzem cultura, ou serviços ligados a ela e realizam trocas culturais, visando a promoção e divulgação do trabalho dos “associados”, assim como a criação de oportunidades de vender a força de trabalho em questão, a cultura. Surgiram como alternativa de divulgação e promoção da produção cultural autoral. Leonardo afirma que a ideia é justamente dinamizar as “trocas” desse trabalho feito em cooperação. Em Ouro Preto e Mariana, o Coletivo Muzinga, criado por produ-tores musicais, músicos e jornalistas da região, atua como promotor de festivais e ações culturais nas duas cidades, além de incentivar a integração com coletivos de outros lugares do país.

Segundo o site do Fora do Eixo, a criação de uma moeda aconteceu devido à necessidade de resolver dificuldades financeiras da manutenção do Coletivo Cubo, de Cuiabá, Mato Grosso. A uti-lização do próprio trabalho – no caso, a produção cultural – como moeda de troca foi a forma que o Coletivo encontrou para promover, divulgar e vender o que produziam. Assim surgiu a Cubo Card, primeira moeda alternativa do Circuito Fora do Eixo, baseada no conceito de Economia Solidária. Os associados ganham a moeda traba-lhando para o Coletivo, que promove seminários para discussão de vários temas relacionados ao assunto, como cultura digital livre, funcionamen-to dos coletivos e a própria economia solidária e seus impactos na sociedade.

O Coletivo Goma, de Uberlândia, Minas Ge-

rais, criou a sua moeda Goma Card (Gc$), basea-da no bem sucedido modelo Cubo Card. Segundo o site do próprio coletivo, a moeda incentiva as trocas entre segmentos do Coletivo Goma e outros coletivos. O preço em Goma Card é um pouco mais baixo do que seria em reais, para facilitar o acesso aos produtos e serviços que a aceitam como pagamento. As trocas se baseiam em uma tabela, em que estão listados todos os produtos e serviços oferecidos, com o preço em real e em goma card.

Não apenas os coletivos utilizam uma moeda alternativa para facilitar as relações comerciais. A Cidade de Deus, favela na zona Oeste do Rio de Janeiro, por exemplo, tem a sua própria moeda, o CDD, desde setembro de 2011. A moeda foi imple-mentada pelo Banco Comunitário da Cidade de Deus, com o intuito de incentivar o crescimento do comércio local. Além disso, moradores obtêm descontos utilizando a CDD. O Governo Federal considera a possibilidade de criação de moedas alternativas em mais três favelas do Rio.

Dentro da atual sociedade de consumo, seria uma possibilidade de “desalienar” a relação que se criou com o dinheiro. Mas qual seria a abran-gência disso? E quais consequências poderia tra-zer para a economia do país, caso a adesão fosse maior? Leonardo de Deus afirma que o alcance da proposta ainda não foi determinado. A Economia Solidária é uma alternativa, mas não pode ser apontada como solução.

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Aos impropérios da razão álgebra e da economia moderna, em que por vezes se é posto o consumo ora como regulador de uma racionalidade econômica e social, ora como dominador atroz da vontade humana, talvez pudessem se portar em defesa de ambos os diagnósticos os conformados personagens de Admirável Mun-do Novo. Na sociedade utópica de Aldous Huxley, vive-se sob a tirania da eficiência e da estabilidade, o que é salvaguardado pelo condicionamento humano em uma cadeia de hierarquia, produção e consumo. O indivíduo anula-se e torna-se peça de uma lógica produtiva que busca preservar a integridade social. Suas ações são previstas e vigiadas.

Talvez não fuja à razão utilizar a literatura para se pensar a ordem econômica. A organização da sociedade é feita a partir do modo de produção adotado pelo homem. O ser humano organiza-se pelo trabalho. Eis o que conecta instinto e consciência. No processo de domínio e modificação da natureza, são criados instrumentos e modos de organização, configurando a vida em sociedade. Essa interdependência humana reflete necessidades, valores e ideias. É possível simplificar tal pensamento se nos lembrarmos que para cada campo de trabalho há ferramentas e instrumentos que lhe são próprios, o que, em verdade, não significa a ausência de interpo-lações, seja no meio dos produtos através dos quais se é realizado um trabalho, seja no que cabe ao conceito de sua realização e de sua projeção. Seria possível pensar a individualidade das relações sociais sem considerar que elas partem de respostas diante de es-truturas de sobrevivência e convivência?

De acordo com Cláudio Eduardo Félix, “a base econômica arti-cula as formas políticas, jurídicas e o conjunto das ideias majori-tárias e dominantes que existem em cada sociedade”. Basta voltar brevemente os olhos para a História para percebermos que a huma-

CILdO MEIRELLEs / pROjETO COCA-COLA

Consumo, logo existo

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FOTOs: LuCAs LIMA

nidade caminhou, até dos dias atuais, de maneira a garantir o poderio econômico, sem o qual não seria possível dominar outras instâncias sociais. O professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) acrescenta ainda que, “nas relações sociais, as possibilidades de mudanças coletivas tendem a se realizar no momento em que o grau de desenvolvimento das forças produtivas gera condições objetivas e subjetivas para a transfor-mação de uma determinada forma de produzir a existência”.

A segurança econômica na qual se apoia o país, por estatística ou erro, é sentida, especial-mente, na esfera do consumo. A “euforia mone-tária” deu potencialidades ao ego do brasileiro. É possível apropriar-se e ser dono de uma ordem crescente de bens. Da economia moderna, surge o mito do consumo, visto como mera anulação da individualidade e da razão. No entanto, nossas relações são mediadas pela compra e venda não somente de mercadorias, mas de consciências. Nelson García Canclini propõe que haja “uma compreensão do consumo e da cidadania de forma conjunta e inseparável, tomadas como processos culturais, encarando-os como práticas sociais que dão sentido de pertencimento”. Ao passo que não se pode atribuir à ordem econô-mica as catastróficas e alienantes consequências da obra literária de Huxley, trazendo-as para a realidade, é possível, em contrapartida, adequar o sentido da obra às organizações sociais existentes, em que o ser humano organiza-se em grupos de afinidades e capacidades.

Em um mundo que se liquefaz em anúncios do eu e da posse, talvez possa parecer piedoso de-mais considerar que o consumo e a economia vão além das superficialidades daquilo que se vê. Mas o que se deve questionar não é o consumo em si, mas o que entendemos e julgamos por valor. Injúria ou ironia?

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TExTO E FOTOS Camila Dias E Natália Goulart

EDIçãO GRáFICA Deiva Beatriz Miguel

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Te levam daqui. Te mandam pra lá. A Curinga convida você a uma viagem sinestésica. Os sons que viram imagens. Musas que seduzem em paisagens. Músicas que invadem. Letras eternizadas nos passaportes e na memória.

barcelona és poderosaMemórias Lusitanas, Junho

de 2011Márcio Paixão, estudante de

antropologia na Universidade Federal Fluminense, decidiu ir à Espanha. As passagens da companhia irlandesa low coast Ryanair de OPorto com destino a Madrid estavam imperdíveis. Por 12 euros ele comprou um sonho antigo. Seria sua primei-ra vez no Museu Reina Sofia e também o primeiro tête-à-tête

com Guernica, o mítico painel de Pablo Picasso. Foi rápido o tempo em Madrileñas. Da está-cion Arrocha pegou o autobus com destino a Barcelona. Na viagem, a presença sinestésica de uma música que o levava de leve e ansiosamente para a capital catalã, cenário de Vick

Cristina Barcelona, filme de Woo-dy Allen. A canção que guiou o estudante fluminense pelo Parque Guell, Barceloneta e Ramblas é a suave Barcelona, de Giulia y Los Tellarini. A vocalis-ta Giulia é italiana e conquistou os ouvidos de Allen quando conseguiu que o álbum Eusébio

chegasse às mãos do diretor. Naquela calidez mediterrâ-

nea, Márcio Paixão misturou um espanhol-catalão–portu-guês, aproveitou cada palavra da letra de Barcelona e subiu até o topo do parque Guell: “Barcelona já me admirava, porque eu estava de braços mais abertos do que o Cristo redentor” No retorno ao Porto, colocou os fones de ouvido e selecionou outra pasta: agora é Couer de Pirate e o ensaio de uma nova chegada, desta vez em Paris.

santorini bluesIlha de Santa Irini, junho de

2010Marcelo Costa escreve bo-

bagens sobre viagens, roman-ces e cultura pop. Ele é editor do Scream & Yell, um dos sites de música e cultura pop mais bacanas e respeitados do Brasil. E que bom! Marcelo escreveu uma bobagem sem tamanho para a Curinga:

“Em junho de 2010 estive na Ilha de Santa Irini, po-pularmente conhecida como Santorini, ilha grega que a história conta ser a Atlântida citada por Platão. A ilha sumiu após uma grande erupção 3650

anos atrás. O povo que vivia em Atlântida foi dizimado com a erupção e o topo do vulcão afundou com boa parte da ilha. Séculos depois, o que sobrou (a caldeira e o anel) foi habitado novamente e ganhou o nome de Thira, ou Santorini. Naquela paisagem especial, num dos dias, após caminhar muito por ruelas e becos, ver casinhas de tetos brancos pra todos os lados e fazer uma refeição em frente a um mar todo azul, lembrei de uma canção de Herbert Vianna; uma música menor, mas que já tinha me conquistado quando eu tinha ouvido o disco na épo-ca, bem mais de 10 anos antes, e que deixou aquelas imagens gravadas na minha mente: “Os barcos são a alegria deste lugar / Toda tarde tem festa / Quan-do chegam do mar // Os velhos numa mesa / São como uma visão / Bebendo a tarde inteira / Cantando uma canção // Quem não tem amor no mundo / Não vem neste lugar / Quem não vê azul profundo

Não tem mais pra onde olhar //”. A música surgiu do nada na minha memória e trouxe com ela um punhado de

Certas cançõesTExTO Ana Carolina Meirelles

EDIçãO GRáFICA beatriz de melo e lucas aellos

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TExTO Ana Carolina Meirelles

EDIçãO GRáFICA beatriz de melo e lucas aellos

lágrimas. Eu estava naquele momento numa das cidades mais lindas do mundo, uma cidade que eu já havia visitado ouvindo uma canção anos e anos atrás.”

beirutTriste luz da manhã, Berlim 2011Para ouvir sem piscar, a orquestra cigana de

Zach Condon transportou a estudante de mo-bilidade acadêmica de Arquitetura da Universi-dade do Porto, Ana Luiza Secco Peres, para as luzes foscas de Berlim. Por cuidado do acaso, a música In the Mausoleum, da banda norte-ame-ricana Beirut, sussurrava frases soltas, de tons cinzas pelas manhãs nos ouvidos da Ana Luiza, que ficava imaginando como se sentiria dali a poucos dias na capital alemã.“ In Berlim is só ugly in the morning light// But with them/ I could never feel só right//”. Era dezembro, inverno chuvoso e a cidade com cinquenta tons de cinza. Ana Luiza diz que realmente acredi-tou que ela e Beirut compartilhavam da mesma sensação visual: feia luz da manhã. E acrescenta: “apesar disso, não me sentia tão bem como a letra da canção, acho que o Brasil, o calor e o sol me chamavam. Eu só poderia me sentir tão bem naquela manhã se uma brisa muito quente passasse por mim ou se o sol ardesse na minha pele e nos meus olhos, uma saudade do que eu realmente sou: tropical”.

CaxambuDepois de cinco dias pendurado no vapor, julho de 2012Marcelo Modesto, 22 anos, quase jornalista

graduado pela Universidade de São Paulo (USP), titubeia entre o Indie Pop e a panfletagem na campanha do Haddad. Ele acha que precisa acabar com o Serra, porque senão ele volta com força. Fala alguns palavrões e a gente retoma a entrevista:

- Marcelo, tem alguma música que foi capaz de transformar a maneira de sentir, ver e viven-ciar lugares por onde você passou? Ou até te lembra lugares onde nunca esteve?

- Sá, Rodrix e Guarabyra. Pendurado no Vapor. \Caminho de Campanha a Caxambu.

- Poderia me falar mais sobre isso?- Porque me lembra Minas, uai.Desse jeito. Então eu disse que iria colocar na

Revista assim. Pausa longa. Então, Modesto, que a essa altu-

ra já havia trocado sua ima-gem de perfil do facebook por um H vermelho, completa: “é música pra se escutar voltando pra casa”.

Lembrei das curvas de Ita-monte, do verde e da Serra da Mantiqueira. Pausa nova.

orange skyDevaneios sofistas, Ouro

Preto 2012Abrem–se as portas da per-

cepção. Ana Sophia Figueiredo navega em seu barco laranja pelas águas da lagoa de Furnas. A viagem começa quando, ao sair da acupuntura, ali do lado da Igreja do Rosário, ela se lem-bra da música Orange Sky, do

escocês Alexi Murdoch. Então Sophia viaja: “essa música tem uma batida leve, nostálgica, fala da família, do caminho percorrido, da saudade e do céu laranja. Quando fica dessa cor chegou a hora perfeita para se andar de barco. Mas a minha vontade não é de nadar, é de flutuar mesmo. E a igreja do Rosário parece um navio.”

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Eu, elas e toda a história

por Izabella Magalhães

Acordei com aquela vontade de sábado de sol ainda morno pelo frescor matinal. Clima armado para vagar em estradas retas, cruzar paisagens e desejos, viajar. E então eu fui ‘pras’ bandas de lá, fui viajar, pra ver o sol morrendo no mar. Play.

Cheguei na Atlântica deserta do Rio de Janeiro. Na altura de Ipanema, a Helô se bronzeava, sorriu pra mim e fumamos um cigarro juntas, mirando o mar gela-do, compartilhando a nossa origem, a dela mundialmente ofertada, a minha, ain-da caipira da Ipanema do interior de Minas, quase norte. Falávamos banalidades tropicais quando a Kátia chegou. Kátia Flávia, também loiraça belzebu. Estacio-nou seu cavalo branco, pediu um trago e tentou explicar como era bom sentir o pelo do equino na pele nua, toda nua. Rimos por horas, bebemos muito. Eu, elas e a turma que chegou no Fusca vermelho. Tereza e Bárbara passaram no bar da sinuca lá no morro, e trouxeram Dona Zica, que tinha terminado o rango mais cedo, regou as rosas e veio. Foi uma manhã elaborada diretamente pelos deuses. Trocamos impressões sobre as mudanças na Baía de Guanabara, e sobre a cami-sa verde e amarela que vestiram no Cristo, coisas atravessadas. Me despedi, pre-cisava abastecer o tanque, e se demorasse muito pegaria um trânsito infernal.

Estava a 180 por hora, no retrovisor agora só as curvas e a imagem de-las, todas elas, até as que ainda não viraram palavra cantada. A namora-da de um amigo meu pedia carona na BR. Parei. Mas nosso lance foi bem rápi-do, ela só teve tempo de contar daqueles loucos hormônios que viviam nos corpos maravilhosos da década de 60. Desceu na altura de Maresias. Báái!!

Foi de repente, encostei para um drink. Era um café velho, com cara de bar da esqui-na. Sentei afastada, atenta àquele cenário de angústias. Beatriz nem disse palavra ao sentar em frente a mim. Só falou minutos depois. Estava triste por perder aquele papel importante na próxima peça da praça Roosevelt, “foi por um triz”, ela soltou. Maquiagem borrada de choro antigo, e todo o mal estar dessas almas que não andam com pés no chão, mas ela era blasé, fingia com beleza. Foi a minha vez de não dizer nada. Dei um beijo longo naqueles cabelos enrolados e segui. Eu precisava seguir.

Pousei na Bahia abençoada como quem pousa na vida pela primeira vez, tudo mais bonito, só curiosidade. Lembrei do endereço de Marina e corri. Estava acontecendo uma pequena festa para minha alegria e deleite. Marina tinha parado de se pintar, ‘tava linda como sempre, embora tivesse perdido um pouco da morenice. A Irene esta-va lá com aquele sorriso solto, contando os causos da última festa da Purificação em Santo Amaro. “A Bahia toda estremece a cada fevereiro, saravá!” Eu toda ouvidos, só matutava. Vera gatona servia mais cerveja a todas. “Flora, tu quer? Drão, tem aí? Doralice nega, pegue mais!” E eu junto. A campainha tocou. “Devem ser elas!”, disse Vera. Chegaram as viajantes: aquela morena tropicana, ex-namorada do Alceu (que infinitude de mulher!), e junto dela Risoflora (levava uma flor na mão e dizia ter largado de vez a maloca). Um pouco atrás, entrou cheia de sacolas de pano a rai-nha Maria da Graça Gal, a mais fina e gostosa raiz de toda a Bahia. Foi só então que eu entendi a troco de quê minhas queridas estavam reunidas. Era a festa da origem, era um brinde à Mousikê, a “arte das musas”. Elas encenariam o nascimento da música através das nove filhas de Mnemosina e Zeus. Cada uma representan-do o nascimento da canção, a vida e a memória eternizadas em nota e movimento.

Foi lindo, divino-maravilhoso. Elas dançaram e o sol se pôs, vi pelo vidro da janela o exato momento em que o mar o engoliu. E eu? Eu passaria toda a existência na presença daquelas alegrias. Seria capaz de não voltar mais, a partir dali tudo estaria adiado, até o tempo. Foi o que fiz dentro de mim. Um pacto silencioso entre nós. Eu e elas, elas e todo o som da história.

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31outubro 2012

TecnoBrega & Chique

Para você, o que é brega? É o antiquado, o over, o ultrapassado, o careta? Em 1978, o cantor Fernan-do Mendes gravou a música “Você não me ensinou a te esquecer”, um grande sucesso da época. Anos depois, o que era sucesso se converteu em um clássico, escondido entre as prateleiras das lojas de vinis que, naquele momento, consideravam a letra, o ritmo e a voz um tanto quanto à margem do que era ouvido nas rádios. Vinte e cinco anos depois de sua composição, Caetano Veloso regravou a mes-ma canção para a trilha sonora do filme “Lisbela

e o Prisioneiro”, tornando-se um dos maiores sucessos de sua carreira, que o consagrou

no Grammy Latino na categoria “Melhor canção brasileira”. Já

a dupla Claudi-nho e Buche-

cha cantou “Sou eu

assim sem você”, mas foi na voz da cantora Adria-na Calcanhoto que hoje ela é um clássico cult. Se Madonna faz caras e bocas sensuais e abre as penas no palco, vira referência no mundo todo. Mas se a

brasileira Kelly Key realiza o mesmo feito em uma boate carioca, é vaiada, tachada como “brega” e recordista de comentários maldosos no site Youtube. “Você é doida demais”, de Lindomar Castilho, só caiu mesmo na boca do povo anos depois, graças ao seriado “Os Normais”, de 2001. Agora diga, onde está a lógica do que você considera brega? O tecnobrega, gênero musical popular surgido no norte do Brasil, ganhou os olhos da grande mídia nacional este ano, e configura-se como a fusão da tradicional - e indefinível, portanto - música brega com uma batida eletrônica, junto a uma temática tecno-lógica como pano de fundo. A novela “Cheias de Charme” levou à televisão esse ritmo, do mesmo modo como “Rai-nha da Sucata” disseminou a lambada no Brasil do recém-eleito Fernando Collor de Melo. Bondade ou não, a mídia brasilei-ra ajuda a dissipar fenômenos locais, emer-

gentes, incorporando novos ingredientes ao seu principal produto de exportação midiá-

tica: a telenovela. Gaby Amarantos, cantora paraense e intérprete da música “Ex My Love”,

foi eleita pela revista Época como uma das 100 personalidades mais influentes e, no último

mês, a artista do ano por uma premiação da MTV Brasil. Para o editor de cultura do portal R7 e colunista da Record News, Miguel Arcanjo Prado, a divulgação de novos ritmos ou “febres” musicais nas novelas reflete o olhar atento ao mercado que os executivos de TV possuem. “A direção das emis-soras tem acesso a pesquisas que dizem o que o telespectador está ouvindo. O que rege a trilha de uma novela são as regras capitalistas de mercado e lucro”, avalia. De fato, estilos musicais à margem do disputado mercado fonográfico precisam de grandes nomes e grandes momentos para acontecerem. Gaby é a exceção nesse caso, pois aparentemente entendeu rápido o jogo da indústria cultural.

TExTO Leandro Sena

EDIçãO GRáFICA Elisabeth Maria de Souza Camilo

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32 outubro 2012

99 não é 100Em tempos de Nina e Carmi-

nha, de avenidas turbulentas e de um despejo de lixo televisivo tão asqueroso quanto os segredos que ali se escondem, outro lixão disputa espaço na linha temporal. Um lixão real, com histórias de vida reais. Um lixão que, ape-sar do amontoado de sujeira, entulho e detritos, revela-se um lugar de pessoas claras, límpidas e brilhantes.

Esse é o lixão de Jardim Gramacho, o maior da Amé-rica Latina, que apresenta aos espectadores do documentário “Lixo Extraordinário”, dirigido por João Jardim, Karen Harley e Lucy Walker, as histórias de vida de al-guns catadores que ali trabalham. Histórias radicalmente mudadas pelas ideias do artista plástico brasileiro Vik Muniz, que trazem uma maior qualidade de trabalho para a Associação dos Catado-res do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho e dignificam os personagens. Estes, por sua vez, desenvolvem uma trama forte e sólida durante todo o documen-

TExTO Lincon Zarbietti

EDIçãO GRáFICA Tábata Romero

32 outubro 2012

tário, fazendo o espectador sen-tir nojo, revolta (com o mundo e consigo mesmo), felicidade, entre outros sentimentos que, no fim, se confundem com lágrimas de emoção que marcam o rosto.

O lixão de Jardim Gramacho recebia, até o início de 2012, 70% dos resíduos de toda a capital do Rio de Janeiro e das cidades da região metropolitana. Vik, com sua arte contemporânea, teve como objetivo criar obras que se utilizam não só dos materiais retirados do lixão, como tam-bém (e principalmente) tenham o foco central nas pessoas que lá trabalham. E é assim que ele tira da margem tudo aquilo que a sociedade caracteriza como lixo, sejam os produtos que ela con-some, sejam as pessoas que em Gramacho trabalham, consumi-das e degradadas pelo sistema. O artista plástico dá vida ao clichê “do lixo ao luxo”, quando faz do lixo e das pessoas julgadas como tal um objeto de arte, exposto em galerias, leiloado na Europa, e tendo o segundo maior número de visitações a uma exposição no país (perdendo apenas para Picasso).

Mas o que chama mais aten-ção no documentário não são as obras, mas sim seus autores-personagens. Muniz não imagi-

nava o quão envolvido com a comunidade do local se sentiria. Esse envolvimento é capaz de mostrar a visão do mundo dos catadores de Gramacho. É capaz de mostrar quão letrados podem ser, tecendo filosofias de Nietzs-che ou ensinamentos de “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu.

À medida que os catadores passam a fazer parte do processo de criação de Muniz, fica eviden-te que não há como sair inalte-rado do encontro com outros modos de vida e com a arte. É o choque pós-moderno do estrato marginalizado com o artista. É a real exemplificação do “mito da caverna” contemporâneo.

“Lixo Extraordinário” honra seu nome e seus personagens. Honra uma arte comprada por um preço alto, mas sem que sapatos Louboutin ou ternos Ar-mani passem perto de Gramacho. Enquadra os artistas-personagens de forma a mostrar quão belo pode se tornar um ambiente tão degradado. Ele é a soma de várias histórias que, juntas, totalizam um incrível e belo universo de criação e emoção. É a glamouri-zação do lixo. O embelezamento da margem, do marginalizado. É uma soma que não se desfaz. Uma soma que é completa, cem por cento, não noventa e nove.

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33outubro 2012

Ouvidos? Muito mais que isso! Hoje, as paredes, muros e até mesmo os postes têm boca, linguagem própria. Era tudo o que a semiótica moderna queria: se expressar sem usar palavras. Mas espera aí, quan-do morávamos nas cavernas já nos expressávamos sem palavras. Porém, a necessidade de difundir uma língua, universalizar o conhecimento (ou os dogmas) e autoafirmar tal invenção tornaram obscuro, e mui-tas vezes proibido, o universo da crítica imagética, da mensagem sem dizeres, da figura que possui voz.

Experimentamos, hoje, uma volta ao passado, que mais indica um avanço intelectual do que um retrocesso. Não é mais necessário utilizar-se das palavras ou de uma língua para se expressar, sobretudo para criticar. A única condição é utilizar o cérebro para transmitir a mensagem de uma forma mais criativa, mais interessante ou mais bonita, plasticamente falando.

Isso é “arte urbana”, uma ação que engloba processos criativos como a pichação, o grafite, os estêncils, os cartazes lambe-lambe, as intervenções e etc, e que funciona como um marketing de guer-rilha público, defendendo um ponto de vista, uma camada social, um sentimento ou apenas expressan-

o banksy nosso de cada dia

do uma forma de ver o mundo. Tudo isso compõe as ações da arte urbana, idealizada pelo inglês John Ruskin, um dos mestres do movimento pós-urbanista, por meados do século XVIII. Léo Tolstói, famoso escritor russo, descreveu Ruskin como um “um desses homens raros que pensam com seu coração”. Sem saber, Tolstói descrevia a arte urbana.

Frente à dificuldade de se enquadrarem tais ações, muitas feitas à revelia das autoridades e dos proprietários, no que se refere aos conceitos de arte pública, assiste-se, hoje, a um res-surgimento da designação de arte urbana, que passou a incluir todo o tipo de expressões criativas no espaço coletivo. É a arte que se faz no contexto urbano, aquele à margem das instituições públicas e de suas convenções.

TExTO Lincon Zarbietti

EDIçãO GRáFICA Elisabeth maria de souza camilo

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Volta pro orkut46.302 curtiram · 7.183 falando sobre isso

Quantas vezes você já se flagrou pensando sobre a ação de pessoas que talvez nem tenham ideia do que este-jam fazendo na internet, postando e comentando o que não se deve? Esta situação causa um mal estar online ou uma marginalização dos usuários.

Em outubro, o Facebook anunciou a marca de 1 bilhão de usuários ativos, e o Brasil está entre os cinco países com mais usuários, junto a Estados Unidos, Indonésia, Méxi-co e Índia. Alguns números mostram a grande explosão das redes sociais: 1,13 trilhão de curtidas, 140 bilhões de conexões entre contatos e 219 bilhões de fotos publicadas, dentro das quais a do seu tio bêbado beijando o cachorro de estimação na boca.

Uma coisa é certa, o sentimento de vergonha alheia permeia todas as atividades na rede. Quando se fala em uma possível Orkutização do Facebook, você julga valores tanto do iniciante na rede quanto dos veteranos nela e que se acham no direito de estipular regras para o bom compor-tamento online, uma guerra que pode explodir a qualquer clique.

Tem gente que já excluiu a própria mãe no Facebook. Foi o caso de André Nascimento, 32, que se irritou com os comentários dela no perfil dele.

Publicar

Essa marginalização não é exclusiva de sua família, todos passam por isso, até quem cria conteúdo para a inter-net. Denise Dambros (@Deeercy) é integrante da trupe do Casseta e Planeta, responsável pela produção de conteúdo na Fan Page e no Blog do Casseta. Ela explica que, para eles, a internet é vista com outros olhos, já que a principal produção é na TV, onde possuem 30 milhões de expecta-dores, de advogados a analfabetos. “Quando eu crio alguma postagem, eu levo em consideração o público do programa. Se pararmos pra pensar, uma porcentagem muito pequena de pessoas sabe o que é “meme”, ou conhece o “internetês”.

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Há 8 horas via webVolta pro orkut

Outra pessoa que sempre produz conteúdo é Leandro Santos, ou para alguns, @MussumAlive. Dono de um perfil na internet com mais de 110 mil seguidores, é responsável pelo blog Bebida Liberada, que já foi alvo de críticas negativas de pessoas que talvez nem conhecessem bem o projeto. “No começo houve más interpretações, principalmente por acha-rem que eu estimulava o consumo irresponsável de bebida alcoólica, imagem essa que já consegui desfazer depois de muito trabalho”.

Quando o assunto é a criação de um Manual Para Novos Usuários, uma divisão se faz entre Dercy e Mussum. Leandro e Denise têm opiniões diferentes. Ela aposta em um código de ética para a internet, e ele defende que um Manual dei-xaria a internet engessada. O blogueiro afirma ainda que, por diversas vezes, são essas falhas que deixam a internet mais legal. Bom senso e desodorante não fazem mal a ninguém!

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TExTO Eduardo Almeida

EDIçãO GRáFICA Tábata Romero

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emana de omunição

A Narrativa eConstrução do Herói

Março/2013

Realização: Apoio:

O Centro Acadêmico do curso de Jornalismo traz até você a IV Semana de Comunicação da UFOP. Com o tema “Narrativa e Construção do Herói”. Os estudantes terão a oportunidade de participar de palestras, minicursos e oficinas em todas as áreas da Comunicação.

Page 36: Revista Curinga

36 outubro 2012

www.revistacuringa.ufop.br