revista contexto - 8ª edição

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Revista online sobre política, movimentos sociais e cultura, escrita por jovens.

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Page 1: Revista Contexto - 8ª edição

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8ª edição

Direito à cidade

agosto 2014

contexto

Page 2: Revista Contexto - 8ª edição

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Page 3: Revista Contexto - 8ª edição

Índice

#editorial

#ilustra

#Brasil

Vergonhoso, caro e excludente

FLM – Edifício Elisa

#internacional

Hafradá, a “separação” palestina

A revolução digna

Hamas: tudo sobre ou o pouco que sei

#opinião

Negligência e descaso: os absurdos das obras de mobilidade urbana em BH

#prosa&poesia

#fotocontexto

p.4

p.5

p.8

p.13

p.17

p.21

p.24

p.33

p.35

p.36

3

Page 4: Revista Contexto - 8ª edição

As eleições se aproximam e, no Brasil, é

mais do que necessário avaliar o que faz

e fará parte de nosso projeto político para

o país. Nessa avaliação, cabem aspectos do

Brasil a serem amplamente criticados e, é cla-

ro, a análise das propostas de melhorias.

Nesta edição da Revista Contexto, você en-

contra reflexões sobre a questão palestina e

mais detalhes sobre o Hamas, e encontra um

pouco do descontentamento de uma jovem

síria quanto ao silêncio da comunidade inter-

nacional frente a um conflito que se estende

há três anos. Você ainda confere matérias so-

bre mobilidade urbana e a questão da mora-

dia e o diagnóstico de muitos problemas que

devem pautar as eleições de outubro. Na se-

ção de poesia, Farah Chamma, palestina que

vive nos Emirados Árabes, dá uma amostra

de seu talento e da construção da própria

identidade. Nas ilustrações, destaque para o

trabalho de Carol Rossetti e sua abordagem

feminista.

Novamente, agradecemos o apoio da equi-

pe que desenvolveu, este mês, tantas maté-

rias jornalísticas e artigos. Neste último mês,

a Revista Contexto contou com debates so-

bre os direitos reprodutivos e o aborto com a

participação de Jarid Arraes, bem como uma

conversa sobre a Palestina e a mais recente

operação, com partipação de membros da

FFIPP-Brasil. Outros agradecimentos incluem

a Qatar Foundation International e seu apoio

ao projeto da revista desde o início.

Seja bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahlan wa sahlan!

Diagnósticos necessários

Priscila BelliniEditora-Chefe

#editorial

Expediente

Editora-Chefe

Priscila Bellini

Jornalistas

Abeedah DiabDafne BragaIsabelle RuminJames A.Matheus MoreiraRaphael Lagnado

Poesia

Farah Chamma

Ilustração

Carol Rossetti

Design

Fernanda Tottero

Fotografia

Larah Camargo

Tradução

Priscila BelliniJoão Victor Pereira

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Page 5: Revista Contexto - 8ª edição

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Carol rossetti

é uma ilustradora

mineira e feminista.

#ilustra

Page 6: Revista Contexto - 8ª edição

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Page 7: Revista Contexto - 8ª edição

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Page 8: Revista Contexto - 8ª edição

#Brasil

Vergonhoso, caro e excludente

A Mobilidade é a chave da sociabili-zação dos habitantes em uma cidade. Ela propicia o acesso a seus mais impor-tantes recursos como a educação, sus-tento, saúde e cultura. Assim, o direito à cidade é um dos direitos maiores das so-ciedades modernas, e isso vai além dos transportes. Permitir que pessoas sejam excluídas da mobilidade urbana é negá-las do seu direito à cidade.

Os problemas de transporte em São Paulo começam quando a maioria de sua população precisa enfrentar grandes distâncias para ter acesso aos postos de trabalho, serviços públicos, locais de edu cação ou de cultura. Transporte não é um fim em si, é um meio. Durante anos o poder público e a especulação imobiliária estimulou a produção de

movimentos pendulares na cidade, com a criação de conjuntos habitacio-nais para a população de baixa renda nas periferias. Enquanto isso permane-cer, continuaremos nossos horários de pico com ônibus, metrô e trens lota-dos, com a população tendo que gastar em média duas horas para se locomo ver de suas casas ao trabalho, à escola e de volta à residência. A ineficiência desse setor faz com que grande parte da popu-lação opte pelo transporte privado, que oferece maior conforto e segurança.

São Paulo privilegia a fluidez dos veículos particulares. Eles paralisam a ci-dade, são responsáveis por 70% da polui-ção do ar, atropelam e matam 2 pessoas por dia e geram um custo social enorme. Segundo o Denatran, São Paulo possui

O transporte de São Paulo levou às grandes manifestações de insatisfação popular em junho de 2013, mas o tema continua sendo tratado como um problema das grandes

cidades e não como um direito dos cidadãos

Por Isabelle Rumin

Anonymous Brasil

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Page 9: Revista Contexto - 8ª edição

mais de 5 milhões carros desde junho, que em sua maioria carregam apenas uma ou duas pessoas dentro deles. Um ônibus transporta 10 vezes mais pessoas. Falta democratização do uso do espaço viário, que é limitado. Houve muito in-vestimento na construção de pontes e avenidas e viadutos que, muitas vezes, não permitem sequer a passagem de pe-destres, de ciclistas ou mesmo de ônibus, e muito pouco em transporte público.

O investimento do governo estadual em trens e metrôs para as periferias tam-bém é pequeno. Nos projetos de linhas de trens até 2020, a Zona Oeste é privi-legiada. Os beneficiários da futura Linha 6 (Laranja), por exemplo, não serão os habitantes dos bairros mais vulneráveis socioeconomicamente, mas segmentos menos sujeitos à exclusão, já com uma boa infraestrutura de transporte coletivo. Já na Zona Leste, só há o feixe de linhas (Metrô e CPTM) que corre em paralelo à Radial. Todo o restante da Zona Leste não tem atendimento de transporte de massa e é atendido apenas por ônibus, sendo que essa região possui mais de 4 milhões de habitantes. É mais gente do que o Uruguai inteiro. O transporte co-letivo no Brasil é operado em regime de demanda reprimida. A futura Linha Prata (Linha 15), que ligará os distritos de Vila Prudente e Cidade Tiradentes, já vai nas-cer saturada, isso porque o monotrilho tem capacidade de transporte bastante inferior ao metrô.

A Linha 3 (Vermelha) atendia mais de 1 milhão de pessoas por dia em 2012, se-gundo o Sindicato dos metroviários. E é também a mais afetada pelas panes do sistema, que têm aumentado nos últimos anos. Estatísticas do Metrô divulgadas também pelos Metroviários mostram que 2009 teve uma pane grave, que leva mais

de 6 minutos para ser resolvida, a cada 6 dias, nesse ano, são uma a cada três. Na CPTM ocorre 1 falha grave a cada 10 dias.

Alguns motivos explicam o aumento das ocorrências, crescimento da rede, desgaste dos trens e aumento da deman-da que causa superlotação e aumento o risco de acidentes, como quedas na via. Esse tipo de acidente poderia ser preve-nido com portas de plataforma, como as que existem na estação Vila Matilde e que, até hoje, depois de 4 anos, não funcionam. Se as portas de plataforma tivessem instaladas em todo o sistema, tragédias como a de Maria da Conceição de Oliveira, que foi empurrada na es-tação Sé e foi atropelada por um trem te-riam sido evitadas.

Corrupção no Metrô coloca usuário em perigo

O Ministério Público pediu ao Metrô uma cópia da licitação, do contrato de reforma e um relatório de problemas técnicos sofridos pelos trens da frota K de 2012 até agora. Em fevereiro, o trem K07 abriu as portas em movimento, o que o fez ficar parado na Estação Sé em ple-no horário de pico. Passageiros nas com-posições que ficaram paradas durante até 30 minutos, sem ar condicionado, acionaram botões de emergência para sair dos vagões superlotados num dos dias mais quentes da cidade. As pessoas andaram nas vias, o que obrigou o Metrô a desenergizá-las. Seguranças agrediram usuários, houve revolta e depredação na plataforma, muitas pessoas passaram mal e foram socorridas pelos bombeiros.

No dia seguinte, o governador Geraldo Alckmin chamou os usuários do Metrô de “vândalos”. E disse que o tumulto foi causado não por pessoas que estão can-sadas da precariedade do transporte

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Page 10: Revista Contexto - 8ª edição

público que suga seu dinheiro com ta-rifas, mas por “alguns exaltados” que gri-tavam “palavras de ordem para que as pessoas pulassem na linha”.

O trem K07 é o mesmo que descarrilou em agosto do ano passado na Estação Palmeiras Barra Funda. Funcionários avaliaram que houve risco de tomba-mento dos vagões. Mas a companhia escondeu a causa do acidente. Como primeiro descarrilamento da história da companhia, os trabalhadores e usuári-os têm o direito de conhecer os riscos a que estão sujeitos diariamente nos trens, vias e estações do sistema, e as causas do acidente e seus responsáveis. A fro-ta K, com apenas 7 trens, somou 696 falhas num período de 30 dias. Sendo mais de 300 somente no K07. “A cada dia que passa aumenta o número de a cidentes e panes no Metrô. Em vez de comprar trens novos, a empresa prefe-riu reformá-los. Gastou-se muito com a reforma. Inclusive, se fossem comprados

trens novos, a despesa seria menor”, disse à Contexto Rogério Malaquias, Assessor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

Denúncias de desvios de dinheiro no Metrô começaram a ser reveladas no ano passado. Ele seria feito em duas formas. Através da combinação de preço entre as empresas “concorrentes” nas disputas das licitações do governo, superfaturan-do os contratos, e por meio da tercei-rização de serviços públicos. As fraudes teriam acontecido durante os governos de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, em São Paulo, nos anos 1990 e 2000. O MP solicitou a suspensão da reforma de 98 trens do metrô.

Prefeitura pressiona transporte individual mas ainda erra com seccionamento de linhas

A prefeitura deu um passo ao seguir pelo caminho que prioriza o transporte

Jornal GGN

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coletivo na cidade. Com a meta de au-mentar a velocidade média dos ônibus em horários de pico de 14 km/h para 25 km/h, a prefeitura pretende implantar 150 km de corredores de ônibus, 150 km de faixas exclusivas e mais 400 km de ci-clovias, que substituirão principalmente as vagas de estacionamento nas ruas e avenidas para os veículos particulares.

Logo após o aumento da tarifa ser barrado pelas manifestações, a prefei-tura realizou uma “racionalização” nas linhas de ônibus, com o seccionamen-to e a extinção de várias delas, no in-tuito de dei xar o sistema mais eficiente e mais lógico. Contudo, um estudo do grupo APÉ - Estudos em Mobilidade - mostra como o seccionamento de linhas tem causado transtornos, especialmente nas bordas da cidade. Os moradores do chamado “Fundão” da estrada do M’Boi Mirim, por exemplo, tinham antes linhas diretas, que partiam dos bairros até o centro ou até terminais importantes, mas agora os usuários são obrigados a tomar ônibus até o já saturado terminal Jardim Ângela, e então em direção ao centro ou à rede metroferroviária.

A intenção é construir um sistema tronco-alimentador. Esse tipo de siste-ma gera a obrigatoriedade da realização de baldeações. Para que ele seja efici-ente e traga benefícios à população é necessária toda uma infraestrutura de corredores, pontos de embarque, ter-minais e outros elementos. O ônus da baldeação imposta por um sistema tron-co-alimentador deve corresponder à vantagem de que a baldeação seja rá-pida, segura e confortável. Ao impor um custo maior de tempo e de desconfor-to aos passageiros, a baldeação desen-coraja as pessoas a utilizar o transporte público. A implantação desse sistema

visando exclusivamente maior veloci-dade e otimização dos ônibus, sob a óti-ca da operação e não do usuário, fragiliza e precariza ainda mais a região periférica. A crítica não é ao sistema tronco alimen-tador, ou ao corte de linhas em si, mas à lógica da racionalização para o opera-dor, sempre motivada por uma questão de diminuição de custos, e não para o usuário que é quem deve, ou deveria, ser o foco de todo planejamento e ope-ração de transporte público. A criação de um sistema que privilegia o usuário e não o operador é o motivo da luta de inúmeros movimentos sociais que bata-lham por um transporte melhor, que sir-va as pessoas e que não seja uma forma de exclusão.

Entre 2011 e 2012, empresas de ôni-bus de São Paulo aumentaram seu lu-cro líquido em até 2.056%. Segundo a SPTrans, a margem de lucro das empre-sas do setor é de cerca de R$ 400 mi-lhões por ano, um terço superior à média nacional. Os valores foram comparados com dados da NTU (Associação Nacional de Transporte Urbano), que reúne 538 companhias do país. Isso enquanto 7,5 milhões de pessoas em todo o país não têm acesso ou têm dificuldades para usar os serviços de transporte coletivo por falta de dinheiro. Dados colhidos pelo Ipea entre 2003 e 2009 em 11 regiões metropolitanas do país mostrou que o uso do transporte público compromete 13,5% da renda dos 10% mais pobres no Brasil. Faltam dados que mostrem a ex-clusão resultante da tarifa em São Paulo.

O transporte público deve ser enca-rado como um item de política social. Num primeiro momento, pode causar rejeição a ideia de que o governo subsi-die os transportes. Quando perguntados pela Contexto, uma absoluta maioria dos

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Page 12: Revista Contexto - 8ª edição

usuários (93%) gostaria que o transporte coletivo fosse gratuito. Se mudamos a pergunta e questionamos se são a favor da Tarifa Zero, a maior bandeira de mo-vimentos como o MPL, o número se re-duz para 79%. É um número grande, mas demonstra que a proposta ainda não foi compreendida pela população.

“O MPL entende que todos os proble-mas do transporte, e da mobilidade ur-bana como um todo, derivam do fato do transporte ser uma mercadoria. A su-perlotação, o corte de linhas, o privilégio ao transporte individual e a ausência de transporte público à noite, tudo vem da lógica que só quer mais lucro”. Em en-trevista à Contexto, a integrante do MPL Monique Clio respondeu o que é a Tarifa Zero e porque ele seria a forma mais justa para os usuários. “A Tarifa Zero é a gratui-dade do transporte coletivo para todos os usuários. Só assim o transporte vai ser efetivamente público, sem excluir quem não pode pra pagar a tarifa e promoven-do uma transformação do transporte mercadoria, mostrando pra população que o transporte é delas e que são elas que devem mandar nele”.

A tarifa atual de transporte já é sub-sidiada pelo poder público. O orçamento do governo se dá principalmente pelos impostos pagos pela população. Quando o poder público realiza obras que privi-legiam o transporte individual, a popu-lação mais pobre está pagando duas vezes. Quando os usuários do transporte coletivo pagam a tarifa, estão pagan-do pelo mesmo serviço, que é péssimo, duas vezes, direta e indiretamente. A ta-rifa zero não é transporte grátis, é uma mudança na forma de pagamento, apro-fundando um método de cobrança que já é utilizado, a cobrança indireta.

Estamos acostumados a pagar pelo transporte, mas ele é um serviço públi-co. Assim como a educação e a coleta de lixo. Um direito fundamental, que asse-gura o direito a outros direitos. Alguém pode imaginar que o contribuinte pa-gando por cada vez que se retira o lixo das ruas? Claro que não.

Como a Tarifa Zero seria sustentada pelo governo

A ideia é que Tarifa Zero seja banca-da por um fundo de transportes, que se-ria financiado por impostos cobrados progressivamente, pelo IPTU. Essa for-ma transforma o atual “paga quem usa”, para o “paga quem se beneficia”. Pois os grandes empreendimentos se benefici-am do transporte público que seus tra-balhadores utilizam muito mais do que os próprios trabalhadores. A Tarifa Zero ainda contribuiria para a redução do trânsito, da poluição, dos gastos com in-fraestrutura em vias e no setor de saúde e numa melhor convivência social. Além disso, ao fazer com que milhões de ci-dadãos tenham acesso aos serviços es-senciais, são criadas oportunidades reais de prosperidade que podem extrapo-lar inclusive programas sociais, gerando um crescimento econômico e desen-volvimento social que também beneficia a todos.

Hoje em dia essa conta está sendo paga pelo mais pobre. Isso é uma de-cisão política. Beneficia uns e prejudica outros. É possível mudar esse modelo. Esta cidade é feita de pessoas, são elas que a criam, a movimentam cultural e economicamente e fazem de São Paulo o que ela é. A mobilidade urbana precisa ser entendida como parte fundamental da cidade e finalmente voltada para elas.

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FLM – Edifício Elisa Por Matheus Moreira

O ano começou bastante agitado, com protestos que iam desde os gastos abusi-vos da copa do mundo até a luta por mo-radia, esta última já contabiliza 30 dias de protestos orquestrados somente pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.

A luta por moradia digna e acessível, não é de hoje e vem se intensificando. Somente na cidade de São Paulo, exis-tem diversos grupos que lutam por este direito, entre eles, a Frente de Luta por Moradia (FLM).

Em 2003 a Frente ocupou simultanea-mente três prédios de São Paulo, dando início as atividades que visam articular os movimentos de habitação da cidade em uma frente única de luta pelo direito à habitação. É nos mutirões de autogestão que o FLM vê o caminho para garantir a famílias com renda igual ou inferior a 3 salários mínimos, casa e serviços básicos como saneamento e eletricidade.

As primeiras experiências brasileiras com os mutirões de autogestão aconte-ceram na administração de Mário Covas entre 1983 e 1985. Durante seu manda-to, o governo oferecia terra e materiais de construção para que as famílias cons-truíssem suas próprias casas. A iniciativa teve continuidade na adminis tração de Jânio Quadros (1986-1989) e se conso-lidou com eleição de Luiza Erundina que, atualmente, é Deputada Federal pelo Estado de São Paulo. Nos anos em que esteve à frente da cidade (1986-1993), Erundina conseguiu fazer dos mutirões, política pública e, assim, até 2010, mais de 10.500 unidades de habitação foram criadas e construídas pelos mutirões de autogestão, segundo site oficial da FLM.

Uma das ocupações da FLM é a Unidade Edifício Elisa, na Teodoro Sampaio (zona oeste), em frente ao me-tro Faria lima. A ocupação do Edifico Elisa

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(um dos primeiros prédios da região), tem como líder desde 2010 a belenense Maria Arlete de Almeida. O edifício tem quinze 15 salas e 34 apartamentos divididos em sete andares.

Atualmente, vivem no Elisa 125 pesso-as. Arlete se diz bastante contente em ver o prédio sempre cheio: “É uma comuni-dade né? Aqui na minha casa moram 15 pessoas”. A ocupação é administrada pela Associação de Movimento Moradia Digna (AMMD), criada pela própria Arlete; esta é uma das várias associações que integram a Frente de Luta por Moradia (FLM).

Quando ocupado em 2010, o edi fício Elisa já estava abandonado há oito anos. Após algum tempo afastada de movi-mentos de luta por moradia, Arlete vol-tou á ativa ao assumir de vez a lide rança da ocupação do edifício Elisa. Entretanto, uma construtora “apareceu e disse que era dona do prédio”. A líder desconfiou e buscou nos cartórios re gistros que com-provassem a veracidade dos documen-tos apresentados pela construtora.

Sobre o assunto, a líder é contunden-te: “Que a assinatura dessa construtora é falsa, isso eu tenho certeza absoluta! E toda vez que vem um jornal aqui só não sai essa palavra que eu falo: falsa”.

Arlete diz saber quando começou o problema com a construtora; Segundo ela, foi quando seu parceiro de lide-rança, denominado por ela apenas como “Adão”, decidiu cobrar aluguel pelo espa-ço do prédio. A belenense, que não con-cordava com a ideia, deixou o prédio e se mudou para São Roque (se afastando dos movimentos de luta por moradia). Adão a procurou posteriormente em busca de ajuda para retirar as famílias do pré-dio, pois, de acordo com ela, ele havia

vendido o edifício para uma construtora (a mesma que alega ter comprado o pré-dio do primeiro proprietário, já falecido).

A ocupação edifício Elisa tem uma or-dem de despejo marcada para outu bro deste ano e a AMMD, junto com a FLM, tentará superar esta que é a quarta or-dem de despejo e, assim, conseguir nova liminar para o mantenimento da ocupa-ção até que todas as famílias des ta uni-dade sejam registradas pela prefeitura e contempladas por programas habitacio-nais governamentais.

Não obstante, a líder ainda diz que esteve com o prefeito Haddad em audi-ência no dia 21 de julho deste ano para discutir a melhor forma de garantir as fa-mílias os seus direitos. Disse, ainda, não temer a nova ordem de despejo e que le-vará a justiça os documentos que afirma ter e que comprovariam a falsificação da assinatura no documento apresentado pela construtora.

Especulação imobiliária – Outorga onerosa do direito de construir e infraestruturação urbana.

A luta de movimentos habitacionais, entre eles o MTST, contra a especulação imobiliária se dá, pois, o capital privado investido em prédios em altura não con-tribui para a melhora infraestrutural da região na qual o empreendimento esta sendo feito; Entretanto, estes empreen-dimentos são beneficiados pelas obras publicas de infraestrutura urbanística que visam melhorar as condições de aces-sibilidade e incrementar a qualidade de vida na região. Este beneficio é notado na supervalorização dos imóveis e, por-tanto, no lucro das construtoras; porém,

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este lucro se pauta em ações governa-mentais, nas quais as construtoras não investiram seu capital.

O governo vem buscando soluções para diminuir o ônus do investimento em infraestrutura, visto que a especulação e a supervalorização de algumas regiões geram o aumento do aluguel e custo de vide e, portanto, a migração das famílias de menor renda para as grandes perife-rias, culminando na subutilização dos investimentos públicos; entre essas me-didas está a outorga onerosa do direito de construir, que visa recuperar parte do dinheiro gasto na revitalização e estrutu-ração da região no qual se encontram os empreendimentos.

A outorga onerosa do direito de cons-truir constitui, basicamente, na con-trapartida financeira da construtora para o governo (municipal) e, assim, a concessão governamental para que o

empreendimento utilize uma área maior que a estipulada pelo coeficiente de aproveitamento básico, que é de 1 para 1. O que significa, na pratica, que o proprie-tário pode construir em uma área maior do que a de seu lote, contanto que pague a outorga ao município.

O problema da especulação imobiliária é que mesmo o dinheiro da outorga one-rosa não pode ser utilizado pelo governo para obras de infraestrutura, manten-do assim a supervalorização das regiões onde agiram projetos de verticalização e infraestruturação e, em contrapartida, desvalorizando as regiões periféricas de maior densidade demográfica (o que di-ficulta a verticalização).

Segundo o art.31 do Estatuto da Cidade, que cita os incisos I a IX do art. 26 da mesma lei, os recursos obtidos com a outorga onerosa deverão ser aplicados nos seguintes casos:

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Page 16: Revista Contexto - 8ª edição

I – regularização fundiária;

II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;

III – constituição de reserva fundiária;

IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;

V – implantação de equipamentos urba-nos e comunitários;

VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;

O novo PDE e as ZEISO novo Plano Diretor Estratégico

(PDE), sancionado pelo prefeito da cida-de de São Paulo Fernando Haddad em 31 e julho deste ano, faz São Paulo, segundo o próprio prefeito, entrar finalmente no século XXI.

O novo plano diretor traz em entre suas diretrizes um projeto que visa regu-lar o uso e ocupação de áreas próximas às regiões de centralidades por meio de políticas que priorizem o transporte co-letivo ao individual, me lhorando a mobi-lidade urbana.

Além disso, o novo PDE representa um avanço na luta por moradia digna com a implantação de zonas especiais de in-teresse social (zeis) e do programa de locação social (que auxilia famílias no pa-gamento do aluguel) nas regiões centrais formadas pela priorização do transporte coletivo; desta forma, as famílias de me-nor renda estarão próximas ao transpor-te e, portanto, dos centros comerciais.

As zonas especiais de interesse social são áreas do território municipal demar-cadas por lei e destinadas a diversas fina-lidades, entre elas as reformas urbanas, regularização fundiária e os projetos de habitação de interesse social (HIS), este que destina-se a famílias com renda igual ou inferior a seis salários mínimos.

Essas zonas especiais abrangem, se-gundo o decreto Nº 44.667, de 26 de abril de 2004: favelas, cortiços, habi-tações coletivas em situação precária, habitações irregulares ocupadas por mo-radores de baixa renda, construções em estado precário de conservação, lotes não edificados, loteamentos irregulares ocupados por moradores de baixa renda e solo urbano subutilizado.

Afora estes dois itens, o PDE mudou também a politica de cobrança da outor-ga onerosa, de forma que o prédio que quiser ter mais garagens terá acrescen-tado o valor referente a esse aumento no pagamento da outorga, ou seja, para fa-zer mais garagens as cons trutoras terão de pagar.

O plano diretor previa também que moradias de interesse social fossem construídas próximo ou no próprio ter-reno de novos empreendimentos; en-tretanto, segundo a urbanista Raquel Rolnik, em entrevista para o El País, isso foi bastante enfraquecido durante as ne-gociações e esse enfraquecimento per-mite que por meio da outorga one rosa, as construtoras possam “pagar para não ter pobre no seu terreno”.

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Page 17: Revista Contexto - 8ª edição

Hafradá, a “separação” palestina

Dentre todas as polêmicas que com-põem o debate em torno do conflito Israel-Palestina, acentuadas nas últimas semanas devido ao recrudescimen-to do conflito entre Israel e o governo do Hamas na Operação Limite Protetor, provavelmente uma das questões mais espinhosas se refere à acusação de que Israel exerceria um regime de “apartheid” em relação à população palestina nos Territórios Ocupados, e talvez até mes-mo dentro de Israel – emulando o apar-theid (do africâner, “separação”) original, imposto pela elite branca da África do Sul à população negra, mestiça e indiana.

Partidários desta visão apontam para a

situação na Cisjordânia, de gritante dis-crepância entre a situação econômica das vilas palestinas nas áreas B e C (sob controle total ou parcial israelense) se comparadas aos assentamentos isra-elenses, protegidos pelo exército e sub-sidiados pelas políticas governamentais e empresas privadas de Israel; os check-points no coração do território, que di-ficultam significativamente a liberdade de movimento; chegando ao extremo de existir estradas separadas para colonos israelenses e para a população palesti-na. Já críticos do uso do termo apartheid chamam atenção para as diferenças entre Israel e a África do Sul: cidadãos

Por Raphael Lagnado

#internacional

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Page 18: Revista Contexto - 8ª edição

palestino-israelenses (i.e. somente nos territórios de 1948), por exemplo, pos-suem igualdade nominal e direitos ci-vis, existem palestinos servindo na IDF e membros do Knesset, o parlamento israelense, etc. Também há quem argu-mente que descrever a política de Israel como apartheid diminui e desrespeita a memória coletiva das vítimas do regime segregacionista.

Apesar da negativa das autoridades is-raelenses, e de seus aliados no exterior, de que Israel praticaria uma forma de segregação entre sua população judai-ca-israelense e árabe-palestina, gran-de parte das políticas de Israel para a Cisjordânia e Jerusalém Oriental pode

ser enquadrada dentro do escopo de um termo da língua hebraica – surgido, supreendentemente, do interior do es-tablishment político e acadêmico isra-elense e promovido pelos formuladores de suas políticas de segurança –; a pa-lavra hafradá, cuja tradução literal se-ria, assim como apartheid, “separação”, “divisão” ou “segregação”. Ativistas pela causa palestina, como o americano-isra-elense Jeff Halper, do Israeli Committee Against House Demolition (ICAHD), argu-mentam que hafradá, guardadas suas se-melhanças significantes com apartheid, constituiria uma descrição mais aguçada da “visão e política de Israel para com os palestinos nos Territórios Ocupados”.

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Page 19: Revista Contexto - 8ª edição

O termo hafradá começou a assumir seu caráter político-paradigmático e adentrar o uso corrente tanto dos meios oficiais quanto da população civil isra-elense a partir da década de 1990, com os trabalhos do professor da Universidade de Haifa Daniel “Dan” Schueftan, e com certas “políticas de segurança” adota-das pelo então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, como a barreira que separa Israel da Faixa de Gaza. A palavra também apa-receu em campanhas políticas, sempre carregada de uma conotação positiva, como na eleição de Ehud Barak para pri-meiro-ministro, em 1999, realizada sob o slogan “Nós aqui. Eles lá”. Na época, não estava explícito onde exatamente seriam “aqui” e “lá”. E em 2001 Ariel Sharon se elegeu prometendo prover “paz e segu-rança” fazendo uma “hafradá do compri-mento e largura da terra”.

No ano de 2002, a hafradá passou a ser associada à ideia, promovida por Sharon, de “desengajamento unilateral” (orig.: “Hafradá Chad Tzdadit”), da qual fazia parte a construção, iniciada nes-te mesmo ano, da barreira de separação (orig: “Geder HaHafradá”), que se esten-de em parte na Linha Verde que separa Israel dos Territórios Ocupados, em parte Cisjordânia adentro, mantendo do “lado de cá” grande blocos de assentamentos, como Gush Etzion e Ariel, e isolando ci-dades palestinas como Qalqilyah e Belém do “lado de lá”, e continua sendo cons-truída até o momento. O nome original da iniciativa, “Plano de Separação”, foi trocado por “Plano de Desengajamento”, pois, como admitiu o próprio Sharon em sua biografia, “‘Separação’ soava mal, especialmente em inglês, pois evocava apartheid”.

O plano de desengajamento de Sharon foi adotado oficialmente por Israel em

2005, e constituiu uma estratégia prag-mática para o avanço e a normalização da ocupação na Cisjordânia. Foi e con-tinua sendo executado unilateralmen-te, i.e. imposto sem o consentimento da Autoridade Palestina ou de sua po-pulação. Parte do plano incluiu, natural-mente, cessões; todos os assentamentos israelenses na desvalorizada Faixa de Gaza foram forçosamente demolidos, e seus nove mil colonos foram evacua-dos ou deixaram o território voluntaria-mente. Eleições foram convocadas para a Autoridade Palestina em 2006, resul-tando numa vitória apertada do islamista Hamas sobre o laico e moderado Fatah, vitória essa que não foi reconhecida por Israel, EUA, a União Europeia e a maioria do mundo ocidental, que se pôs a san-cionar economicamente a Autoridade Palestina. Tensões entre ambas as facções acabaram explodindo com a Batalha da Faixa de Gaza em Julho de 2007, na qual o Hamas acabou por derrotar o Fatah em uma guerra civil de baixa escala, e esta-beleceu controle total sobre o pequeno território. O Fatah, por sua vez, conti-nuou a controlar a Área A da Cisjordânia. O resultado no longo prazo você confe-re em qualquer jornal ou site de notícias dos últimos dias.

O doutor Schueftan, em uma en-trevista ao The Jerusalem Report em 2005, após a adoção oficial do “Plano de Desengajamento”, afirmou que este constituía apenas o primeiro passo em um “processo histórico mais amplo”, e que a “característica subjacente” do de-sengajamento não é que ele trará paz, mas sim que impedirá o “terror perpétuo”.

Qual é a importância do conceito de hafradá no contexto da Operação Limite Protetor? Pra começar, eu coloco mi-nhas fichas que Israel não vai reocupar

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militarmente a Faixa de Gaza, tendo ou não capacidade para isso. Além da divi-são Hamas-Fatah ser benéfica pra exe-cução do “Plano de Desengajamento”, o Hamas ainda garante alguma estabili-dade ao território, contendo outros gru-pos mais radicais, como a Jihad Islâmica. Um retorno à situação pré-2005 seria extremamente custoso para Israel, exa-tamente o contrário do que pretende o “desengajamento”, i.e., manter uma ocu-pação estável e barata.

Como parte do processo amplo e de longo prazo da hafradá, está previsto o estabelecimento de um Estado Palestino independente nas áreas mais densa-mente populosas (Ramallah, Belém, Jericó, Jenin, Nablus, parte de Hebron, etc.) – cabendo aqui perguntar, qual se-ria o grau real de independência de uma instância administrativa operando em

território descontínuo (somente na área A da Cisjordânia), com uma autonomia imposta por Israel, ao invés de nego-ciada, e economicamente dependente? Novamente, a semelhança com os ban-tustões sul-africanos é preocupante.

O professor de Biologia Eitan Harel, da Universidade Hebraica de Jerusalém, dis-se ao Le Monde Diplomatique em 1996: “O sonho da Grande Israel foi substituído pela realidade de uma Israel menor. O que importa para as pessoas é viver melhor aqui, e se você lhes perguntar pelo que elas desejam e esperam, a resposta da maioria é: hafradá, separação”. Ao mes-mo tempo em que a hafradá é a desis-tência de uma Grande Israel, representa, no entanto, também a consolidação da presença israelense na Cisjordânia – e, especula-se, o fim do paradigma da so-lução de “Dois Estados Para Dois Povos”.

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A revolução dignaPor Abeedah Diab

O ano de 2011 testemunhou a revolta contra o governo fascista e ditatorial na Síria. Esta luta sem medo para a liberdade provou ao mundo que, a qualquer custo, os sírios lutariam para obter a dignidade que mereciam como seres humanos.

Mas esse custo tem sido desnecessa-riamente alto. E a falta de ação da co-munidade internacional é o principal responsável.

Os malefícios de apatia global para o sofrimento do povo sírio resultaram em graves consequências para a humanida-de, que vão desde o deslocamento de 10 milhões de civis, até a morte de mais de 200.000 pessoas. As supostas razões atribuídas pela sociedade como um todo

para justificar o silêncio não são apenas superficiais, mas também desrespeito-sas para aqueles que tomaram as ruas na esperança de alcançar as liberdades fundamentais que lhes foram prome-tidas pelo mundo (ou pelo menos, pela Organização das Nações Unidas).

Em resposta a maus-tratos e tortura dos jovens estudantes que pintaram gra-fites anti-governo nas paredes de sua es-cola em Dara’a (uma cidade situada nos subúrbios de Damasco) inspirados na Primavera Árabe, protestos pacíficos flo-resceram em toda Síria, para exigir refor-mas imediatas. As reformas para garantir que não seria retirado do povo o direito à liberdade de expressão. As reformas para

demotix.com

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garantir que as pessoas não seriam opri-midas, mas sim respeitadas. As reformas para garantir que as pessoas teriam voz na Síria.

Em vez de aderir aos fundamentos da democracia e dos direitos humanos uni-versais (que o partido Ba’ath suposta-mente defendia desde o começo), Bashar Al-Assad começou uma repressão brutal sobre as rebeliões não-violentas. Estes atos desesperados para permanecer no poder rapidamente se transformaram em massacres, estupros, e outros tipos de torturas inimagináveis.

Foi quando o povo sírio decidiu que eles ficariam paralisados pelo medo ins-taurado pelo regime de Assad.

Assim, a digna revolução contra a opressão e a tirania começou.

Após 8 meses de protestos pacíficos e da retaliação do governo com balas de sniper, o primeiro grupo armado de opo-sição surgiu. O Exército Sírio Livre (FSA) composto de soldados que desertaram do Exército Árabe da Síria (SAA) e mora-dores que decidiram que as execuções arbitrárias e ataques impiedosos tinham de ser desafiados e chegar a um fim.

Hoje, o conflito se transformou em uma variedade de grupos de oposição, presença militar estrangeira e milícias armadas com a intenção de sequestrar e distorcer os fundamentos da revolução síria. Hezbollah, grupo extremista com base no Líbano, tem sido notório em lu-tar ao lado do AEA para atacar civis ino-centes. Países como Rússia, China e Irã estão atualmente apoiando o governo sí-rio com armas para destruir e aterrorizar a Síria - uma das suas realizações notá-veis sendo o massacre de armas químicas (que ocorreu em agosto passado), que tirou a vida de cerca de 1500 pessoas. Grupos extremistas como ISIS/L (Estado

Islâmico do Iraque e Sham/ Levant) afir-mam estar lutando contra Assad, en-quanto eles simultaneamente ocupam Aleppo e cometem atos terríveis não só em nome da revolução, mas também da religião. Grupos de oposição em toda a Síria estão crescendo rapidamente em número e estão encontrando dificulda-des para se unir, devido à falta de assis-tência internacional nesse assunto.

Enquanto isso, estima-se que 200 mil pessoas foram mortas apenas por causa de franco-atiradores e bombas de artilha-ria (e similares): isto não leva em conta os não-documentados que perderam suas vidas devido a detenção, estupro, fome, execução, falta de suprimentos médicos - é uma lista interminável. E 10 milhões (o que, para colocar as coisas em perspecti-va, é quase a metade da população antes da crise) sírios foram empurrados para o exílio, quer dentro da Síria ou de países vizinhos - metade delas sendo crianças. Isto significa que, durante quatro anos, as crianças têm sido despojadas do di-reito à educação. Isto significa que, du-rante quatro anos, as crianças têm sido afastadas do direito de crescer com uma família. Isto significa que, durante quatro anos, as crianças têm sido privadas de ter um lugar para chamar de lar.

A epidemia de refugiados também tem um custo aos países de acolhimento. Historicamente e atualmente falando, as nações vizinhas da Síria estão freqüente-mente em algum tipo de tumulto civil, e a carga de acolhimento de requerentes de asilo inflama ainda mais os problemas socioeconômicos. Além disso, as instala-ções atuais que estão sendo oferecidas aos refugiados são meramente habitá-veis, mas inadequadas apoiar e atender às necessidades das mulheres que foram estupradas, homens que são incapazes

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de sustentar as suas famílias, e as crian-ças que sofrem de PTSD (transtorno do estresse pós-traumático).

Onde está o mundo no meio de tudo isso?

A pergunta acima é persistente na mente do menino na Yarmouk sitiada, que acaba de perder seu pai por causa da falta de suprimentos médicos.

A resposta é simples. O mundo está aqui, mas resoluções estão sendo ve-tadas. Assad ainda está no poder. A ge-opolítica é mais valorizada do que a humanidade, a única coisa que nos liga como as pessoas que vivem neste vasto planeta.

As Nações Unidas provou ser nada mais do que uma plataforma de pro-messas vazias e falsas desculpas por pessoas que deveriam nos mostrar a im-portância da fraternidade e da igualdade. Condenações das ações de Assad e seu regime são uma raridade, e sua “resis-tência contra o imperialismo ocidental” ‘é aplaudido por aqueles que nós pen-samos que eram defensores de direitos humanos inalienáveis. Com resoluções no Conselho de Segurança, que con-tinuamente não passam, por causa de interesses da Rússia e da China, mais im-portantes do que os sírios privados das liberdades fundamentais que lhes foram prometidas pelo mundo. Dessa forma, estamos certamente condenados a um lugar de divisão e desigualdade.

Kosovo. Ruanda. Guatemala. Apatia global teve seus danos no passa-do, mas de alguma forma ainda estamos todos dispostos a fechar os olhos para as questões que são capazes de aniquilar toda uma geração de crianças. É óbvio que o povo sírio foi traído pela comunidade internacional por ter sido despojado de seu direito de viver. No entanto, sabendo que a verdade sempre prevalecerá e lembrar dos meninos que pintavam slogans revolucionários é a for-ça motriz da resistência síria. Viva o povo, e viva a revolução digna.

United4Syria

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Desde sua fundação, em 1987, o Hamas proclamou-se um “Movimento de Libertação Nacional”, cuja base ide-ológica é o Islã. O movimento, que tem posições profundamente conservadoras em relação a temas como o livre mer-cado e a liberdade sexual, rapidamente ganhou popularidade sobre organiza-ções palestinas seculares e de esquerda. Entretanto, o Hamas e Hezbollah, am-bas organizações islâmicas, são as úni-cas organizações de massa no Oriente Médio que continuam a resistir a Israel e aos EUA. É importante entender como o Hamas passou a ocupar esta posição pri-vilegiada para entender a forma como suas políticas afetarão a região e os es-forços pela libertação da Palestina.

Neste contexto, ressalta-se que a

Hamas: tudo sobre ou o pouco que sei Por James A.

história do Hamas é inseparável do mo-vimento islâmico mais popular e di-fundido do mundo árabe: a Irmandade Muçulmana, fundada pelo profes-sor egípcio Hassan al-Banna, em 1928. Naquela época, o Egito era nominal-mente independente, mas estava efeti-vamente sob controle britânico; tropas britânicas tinham suprimido uma re-volta popular anti-colonial em 1919 e sedimentado seu poder na região. Nacionalistas liberais do partido Wafd, composto mormente por grandes pro-prietários de terras e alguns industriais, procuravam barganhar com os britâ-nicos por mais autonomia, mas desen-corajavam quaisquer mobilizações de massa que pudessem desafiar suas po-sições econômicas. Já os membros da

Worldbulletin

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Irmandade Muçulmana, quando afron-tads por esta nova onda de dominação imperial britânica e de desigualdade so-cial, clamaram por um retorno ao que consideravam ser os princípios básicos das primeiras comunidades islâmicas. O Hamas é uma continuação desta tradi-ção e destes anseios.

A idéia de uma comunidade islâmica moralmente revigorada e capaz de re-pelir os poderes coloniais era muito in-teressante para determinados grupos sociais. A Irmandade Muçulmana, ini-cialmente financiada por doações de grandes fazendeiros e industriais com o intuito de difundir a idéia de ‘renova-ção islâmica’ entre os retirantes recém-chegados às cidades, fundou centros de caridade e hospitais (instituições particu-larmente úteis para as classes desapos-sadas). O Hamas, em Gaza, que nasceu da Irmandade Muçulmana do Egito, tem seguido o mesmo padrão. Grande parte do financiamento do Hamas vem de em-presários palestinos e de grandes capita-listas dos países do Golfo.

A influência inicial da Irmandade egípcia advêm da situação territorial da Palestina entre 1948 e 1967, quando a Cisjordânia foi anexada pela Jordânia e Gaza ficou sob a administração do Egito. Voluntários da Irmandade Muçulmana lutaram contra o estabelecimento e a expansão de Israel em 1948, mas não adentraram a luta armada e rapidamente aceitaram o novo status quo do Território Palestino. Sheikh Ahmed Yassin, líder es-piritual da Palestina que se tornou um ativista da Irmandade Muçulmana depois de dedicar a sua juventude aos estudos islâmicos no Cairo, pregou e realizou trabalhos de caridade na Cisjordânia e na

Faixa de Gaza durante a década de 1960. Tais territórios, entretanto, foram apre-endidos pelas forças israelenses após a Guerra dos Seis Dias (1967).

A ocupação israelense de Gaza após a Guerra dos Seis Dias (1967) não alterou a meta de Yassin de promover uma revita-lização islâmica. Organizações seculares como o Fatah e, posteriormente, a decla-radamente marxista “Frente Democrática pela Libertação da Palestina” e a “Frente Popular pela Libertação da Palestina”, assumiram a resistência à ocupação Israelense; a Irmandade Muçulmana não. Em 1973, Yassin estabeleceu o al-Mujamma al-Islami (Centro Islâmico) para coordenar as atividades políticas da Irmandade Muçulmana em Gaza; os Irmãos e o Centro Islâmico ganharam prestígio oferecendo os serviços de as-sistência social, saneamento básico e saúde que os ocupantes israelenses não estavam dispostos a fornecer.

Sheikh Yassin cuidadosamente cons-truiu uma base de poder entorno do Centro Islâmico de Gaza, em mesquitas e em universidades (que tinham come-çado a aceitar o ingresso de estudan-tes rurais e mais conservadores). A Majd, uma milícia do Centro Islâmico, foi cria-da para lutar contra a esquerda e intimi-dar as pessoas à observância religiosa. Dessa forma, uma estrutura armada de baixa complexidade já estava em vigor antes da primeira Intifada (levante pa-lestino contra o controle israelense da Cisjordânia, Gaza, e Jerusalém Oriental). No entanto, foi somente em 1987, com a eclosão dessa primeira revolta popular na Palestina, que o Hamas foi oficialmen-te formado (como braço político local da Irmandade Muçulmana em Gaza). O

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Hamas recusou-se a juntar-se à OLP du-rante a primeira Intifada, mas atuou es-sencialmente da mesma forma. A nova organização concebia-se principalmen-te como um movimento de libertação nacional, mas propunha o islã como a solução para a crise de identidade do nacionalismo palestino. Um ano depois, em 1988, o Hamas publicou sua Cartilha oficial, distanciando-se do ethospacifista da Irmandade Muçulmana.

A Cartilha do novo movimento reivin-dicava toda a terra natal dos Palestinos para os Palestinos, incluindo a parte que se tornou Israel em 1948, e considerava o judaísmo um monoteísmo de respeito, a ser protegido por um governo islâmi-co, mas também replicava libelos anti-semitas encontradas nos notoriamente falaciosos Protocolos dos Sábios de Sião. Embora essas falácias já tenham sido abandonadas pelos líderes do Hamas há tempo, estas passagens repugnantes e contraproducentes não devem ser in-terpretadas como fruto de um anti-se-mitismo inerente à cultura árabe e/ou islâmica, mas sim como um sintoma da perigosa confusão política que os pa-lestinos sofrem por só encontram isra-elenses e judeus como agentes de um opressivo projeto colonial. Esta confu-são só pode ser efetivamente desafiada a partir de um ponto de vista que apóia a resistência a essa opressão enquan-to não admite a redução da questão ao anti-semitismo. Fazer o contrário é fazer com que a oposição ao anti-semitismo advenha somente do sionismo, restrin-gindo os parâmetros do debate a este falso dualismo.

De qualquer forma, o apelo principal do Hamas não estava em sua Cartilha,

independentemente do conteúdo desta. Os palestinos foram atraídos ao Hamas pela rejeição do Hamas à proposta da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) de acordar com Israel uma so-lução de dois Estados. A Declaração de Tânger da OLP, de 1988, e a renúncia da Jordânia ao território da Cisjordânia efetivamente ofereceram a Israel o re-conhecimento do seu território, algo particularmente desagradável para a po-pulação de Gaza, cuja maioria era (e ain-da é) composta de refugiados que teriam o retorno às suas casas negado sob um acordo de dois Estados nos moldes pro-postos por Israel. O recém-criado Hamas denunciou a participação da OLP nas ne-gociações (infrutíferas) de Madrid, mas o Hamas continuava financeiramente e politicamente mais fraco do que o Fatah e a OLP. A balança tenderia a favor do Hamas à medida em que a OLP passava a ser identificada com a lenta rendição e usurpação dos remanescentes direitos palestinos, cuja destruição se consolida-va no dito “processo de paz” que se se-guiu à primeira Intifada.

O referido processo de paz (também conhecido como o processo de Oslo, por causa do papel desempenhado pelos mediadores noruegueses) foi composto por uma série de acordos entre a OLP e Israel. O primeiro deles foi a Declaração de Princípios, assinada no gramado da Casa Branca em 1993. O principal prin-cípio declarado era que os palestinos ‘reconheciam’ Israel em 78% das terras originalmente Palestinas. A OLP acre-ditava que isso faria com que Israel gradualmente se retirasse dos 22% res-tantes, ocupados em 1967: a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Israel havia concebido

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uma retirada gradual dos Territórios Ocupados, mas uma em que ela manteria o controle sobre suas colônias e estradas. Embora Arafat e a OLP tenham reconhe-cido o direito de Israel existir, Israel ape-nas reconheceu a competência da OLP para negociar. Os acordos adiaram as questões das fronteiras, dos refugiados, de Jerusalém e dos assentamentos até as ditas ‘negociações finais’ (que, obvia-mente, nunca ocorreram). Esta manobra permitiu que Israel não só mantivesse seu controle sobre os Territórios Ocupados, mas ampliasse a ocupação por meio da construção de mais checkpoints, bar-reiras e assentamentos. O número de colonos israelenses na Cisjordânia e na Faixa de Gaza aumentou 50% no perío-do inicial das negociações de Oslo (de 1993 a 2000). Estabeleceu-se, também, a Autoridade Palestina (AP), com um Poder Legislativo eleito democraticamente e um Presidente, mas cuja jurisdição se es-tendia somente às áreas palestinas mais populosas; o resto do território perma-neceria sob controle israelense direto ou sob controle conjunto.

O Hamas se opôs aos acordos de Oslo desde o início, insistindo na reivindicação palestina de todo o território original-mente Palestino e no direito de regres-so dos refugiados às suas antigas vilas, cidades e casas. Eles também denun-ciaram os líderes da OLP que formaram a Autoridade Palestina e rapidamente enriqueceram à maneira de outros go-vernantes árabes dos demais países da região. O Hamas se recusou a participar das eleições da Autoridade Palestina, não porque eles rejeitavam procedimentos democráticos, mas porque eles se recu-savam a legitimar Oslo. Foi uma decisão

astuta. Como o processo de Oslo vaci-lou, a Autoridade Palestina tornou-se cada vez mais irrelevante. O Hamas não rejeitava (e não rejeita) uma solução de dois Estados; todas as suas grandes fi-guras expressaram vontade de celebrar um cessar-fogo de ao menos uma déca-da com Israel, desde que Israel retirasse suas tropas e colonos para a fronteira de 1967. O Hamas não estava preparado, no entanto, para renunciar à resistência mi-litar até que um acordo desse tipo fosse celebrado. Assim, o Hamas lançou uma série de ataques suicidas contra alvos is-raelenses ao longo das negociações de Oslo, a primeira delas sendo realizada em vingança ao massacre de Hebron (1994), quando um colono israelense da reserva do exército invadiu uma Mesquita (onde estariam os túmulos de Abraão e Sarah) e matou 40 fiéis islâmicos durante a reza.

A posição do Hamas foi validada pelo colapso do processo de Oslo e pela erupção da segunda Intifada (em 2000) devido a erros táticos por parte de Israel – como a tentativa fracassada de as-sassinar Khaled Mesh’al, um importante líder do Hamas na Jordânia, ou o en-vio de centenas de membros do Hamas para o exílio no Sul do Líbano, reduto do Hezbollah. A principal razão pela se-gunda Intifada, no entanto, foi política. A segunda Intifada refletiu a raiva dos pa-lestinos com um processo de paz que só tinha piorado as suas vidas. Nesse contexto, as pessoas identificavam o Hamas com a resistência a este pro-cesso. A segunda Intifada aproximou o Hamas e o Fatah, mas os contínuos ata-ques israelenses à infra-estrutura políti-ca e física da Palestina, especialmente a ofensiva israelense aos centros urbanos

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na primavera de 2004, enfraqueceram o Fatah, que haviam se instalado nes-sas estruturas. No topo da estrutura po-lítica da Palestina estava Yasser Arafat, que manteve (ou recuperou) o seu pres-tígio como líder da resistência palesti-na. A morte de Arafat em novembro de 2004, entretanto, privou o Fatah de seu maior símbolo remanescente para cla-mar uma certa hegemonia sobre a luta palestina; Mahmoud Abbas seria o seu substituto. Enquanto Abbas comprome-teu-se às iniciativas de George W. Bush para continuar o processo de Oslo, por meio do chamado “road map”, o Hamas conseguiu a única retirada de colonos e assentamentos israelenses em terras Palestinas até a presente data; quando as tropas e os colonos israelenses deixaram Gaza em 2005. Entretanto, o território permaneceu sitiado por forças aéreas, terrestres e marítimas de Israel.

A retirada de Gaza tinha o intuito de li-vrar o Estado de Israel de uma população árabe grande e rebelde a fim de liberar recursos e forças para melhor manter as

colônias israelenses na Cisjordânia. Esta retirada, portanto, fazia parte integral de um novo conceito de defesa israelense: de segregação unilateral e construção de uma barreira sólida para garantir essa se-gregação. Esta doutrina procura tornar a presença física dos palestinos uma reali-dade a-política. O Muro de Hasbará, que corta comunidades palestinas fisicamen-te umas das outras, é uma manifestação literalmente concreta desta estratégia. No entanto, as atitudes de Israel de-monstram que os assentamentos não teriam sido retirados se os benefícios de ocupar Gaza superassem os custos da ocupação. Infelizmente, foi necessário o Hamas elevar os custos da ocupação para os israelenses se retirarem.

Durante quase 30 anos os palesti-nos tinham sido convencidos de que fa-zer concessões a Israel era o caminho para recuperar ao menos uma parte de suas terras; a contínua apropriação de terras por Israel provou que não have-ria acordos com Israel. A intransigência Israelense no tocante à terra, por sua

Revista Fórum

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vez, legitimou as políticas do Hamas, como a do Hezbollah no sul do Líbano, ao mostrar que a única maneira de aca-bar com a ocupação militar Israelense era por meio da luta armada. Para o mundo, Ariel Sharon apresentou a reti-rada de Gaza como uma contribuição para a paz baseada em uma solução de dois Estados. Entretanto, no ano seguin-te, 12.000 colonos se estabeleceram na Cisjordânia (enquanto somente 8.000 colonos foram retirados de Gaza), redu-zindo ainda mais a possibilidade de se criar um Estado Palestino independente e contínuo.

A apropriação de terra e a constru-ção da paz são conceitos incompatíveis. Israel tinha uma escolha, e ela escolheu a terra. Enquanto a retirada de Gaza e a apropriação de terras na Cisjordânia se sedimentava, Gaza foi convertida da em uma prisão a céu aberto. Da retirada dos colonos em diante, a força aérea isra-elense passou a ter liberdade irrestrita para lançar bombas sobre os habitantes desta prisão.

O sucesso do Hamas em forçar a re-tirada israelense de Gaza em 2005 abriu o caminho para a grande vitória elei-toral do Hamas nas eleições para o Poder Legislativo Palestino em 2006. O Hamas, cuja plataforma eleitoral basea-va-se em uma plataforma de “Mudança e Reforma”, ganhou 60% do voto po-pular na Palestina. Apesar de “Mudança e Reforma” ser um slogan vazio, qual-quer candidato do Fatah que proferisse tal slogan seria ridicularizado, tão con-solidada era a visão dos palestinos sobre os fracassos do Fatah. O Fatah, liderado por Mahmoud Abbas, não só foi inca-paz de garantir melhoras na condição

de vida dos Palestinos frente à ocupação Israelense, mas também era acusado de corrupção, má gestão e colaboração; a campanha do Fatah nas eleições legisla-tivas foi fortemente apoiada por Israel e pelos EUA, mas o esforço foi inútil.

Após a vitória do Hamas, o gabine-te israelense se recusou a reconhecer os novos membros do Poder Legislativo Palestino e declarou que nunca iria ne-gociar com “qualquer administração pa-lestina que fosse parcialmente composta por uma organização terrorista armada que defende a destruição do Estado de Israel”. O Fatah retirou equipamentos e recursos dos ministérios, se recusando a cooperar com os ministros do Hamas. O Presidente da Palestina, o Sr. Abbas, estava abertamente em conflito (arma-do) com membros do Poder Legislativo Palestino e do Gabinete Presidencial. Milícias do Fatah receberam treinamen-to e recursos da Jordânia e dos EUA para encabeçarem um golpe de estado, mas o plano para se livrar do Hamas no verão de 2007 saiu pela culatra. Os combaten-tes do Hamas foram capazes de expul-sar os combatentes do Fatah de Gaza; o oposto ocorreu na Cisjordânia.

O bloqueio de importações e expor-tações a Gaza foi implementado depois do golpe fracassado do Fatah em 2007. Este bloqueio é um ato contínuo de pu-nição coletiva, pontuado por atos de vio-lência brutal destinados a aterrorizarem a população. Como resultado, de acor-do com a ONU, a economia formal em Gaza entrou em colapso: mais de 70% da população vive com menos de um dólar por dia, mais de 75% depende de ajuda externa para conseguir alimentos e mais de 60% não têm acesso diário à água.

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Apesar de tudo e mesmo com a tenta-tiva de golpe de estado e o bloqueio, o Hamas provou-se impossível de desa-lojar; parecia que Israel teria que lidar com o Hamas. A perspectiva de ter que reconhecer o Hamas como um parceiro de negociações (e, portanto, de dialogar sobre o levantamento do bloqueio) esta-va por trás do ataque israelense a Gaza no final de 2008 (Operação Chumbo Fundido).

Uma trégua de seis meses foi acor-dada entre o Hamas e Israel em junho de 2008. O Hamas condicionou a re-novação dessa trégua à suspensão do bloqueio. Yuval Diskin, então chefe da Shin Bet (força de inteligência inter-na israelense) disse, em uma reunião de gabinete antes do início da Operação Chumbo Fundido, que o Hamas estava “interessado em continuar a trégua, mas queria melhorar seus termos [...] queria que Israel levantasse o bloqueio, paras-se os ataques, e estendesse a trégua para incluir [a Cisjordânia].” (Tradução Livre)

A despeito da ferocidade da Operação Chumbo Fundido, o Hamas não foi des-truído, mas a guerra devastou a já ar-ruinada infra-estrutura do território. De acordo com o grupo israelense de direi-tos humanos B’tselem, metade dos 1.387 palestinos mortos eram civis. Israel, é claro, garantiu uma supremacia militar ainda mais esmagadora sobre Gaza e sobre os palestinos, mas foi incapaz de usar essa supremacia militar para alcan-çar o seu objetivo político – derrubar o Hamas – mesmo enfrentando um povo desnutrido e cujo território era (e é) in-teiramente controlado pelas forças ter-restres, marítimas e aéreas de Israel. A incapacidade de Israel de usar seu poder

de fogo e supremacia aérea para efetuar a mudança política que desejava enfra-quece a “doutrina Dahiya”, que tem sido a base das recentes operações israelen-ses. Esta doutrina, nomeada em home-nagem ao subúrbio de Beirute (Dahiya) que foi sua primeira cobaia (em 2006), considera o uso de “força despropor-cional” imprescindível em qualquer local que Israel considere como uma ameaça à sua segurança. No entanto, o uso da força bruta produziu (e produz) retor-nos escassos a Israel; durante as últimas guerras em Gaza, Israel não foi capaz de usar sua superioridade militar para atin-gir seus objetivos. Podemos estar peran-te uma situação similar hoje.

Usando uma metáfora Netanyahuesca, a ‘linha vermelha’ do Hamas para pa-rar os seus ataques é o levantamento do bloqueio. Isso é possível, mas apenas através de uma campanha sustentada pela pressão popular, especialmente pe-los aliados ocidentais de Israel. Por outro lado, uma solução a longo prazo parece improvável porque a idéia de segurança do Estado de Israel tem como premissa a manutenção de um “Estado judaico”, que exclui os palestinos. Enquanto os palestinos existirem, esta ‘segurança’ ja-mais será conquistada.

Por outro lado, o Hamas não é uma organização socialista ou da classe tra-balhadora e, certamente, não prega uma visão de emancipação universal. Como a OLP, o Hamas evita desafiar os outros re-gimes árabes. Eles estão comprometidos com a luta contra a ocupação e o estabe-lecimento de um Estado palestino, mas querem garantir que esta luta não se es-tenda ao exercício de um poder popular que possa ir além dessas metas. Dentro

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dos limites da Palestina, eles conseguem desafiar o poderio militar de Israel, mas não derrotá-lo. O impacto de quase duas gerações de ocupação, bloqueio e exclu-são da economia colonial faz com que a perspectiva de uma transição interna, a la África do Sul, seja improvável.

Os porta-vozes israelenses afirmam que Israel não tem outra escolha que não manter o bloqueio a Gaza porque o Hamas é uma organização terrorista fun-damentalista islâmica que não reconhe-ce o direito de Israel de existir. Porém, uma vez que ‘o direito de existir’ de Israel implica na negação do direito dos pales-tinos de retornarem à sua terra natal em condição de igualdade com os judeus israelenses, pode-se perguntar por que o Hamas, ou qualquer pessoa compro-metida com a idéia de igualdade racial, é obrigado a reconhecê-la. Além disso, esta constatação sobre o Hamas é fal-sa: durante as quase três décadas de sua existência, o Hamas clamou por um ces-sar-fogo de dez anos (uma hudna), o que implicaria no reconhecimento de fato do Estado de Israel em suas fronteiras pré-1967, desde que Israel se retirasse a essas fronteiras e removesse seus as-sentamentos ilegais na em Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Khaled Meshaal, lider do Hamas desde 2004, falou clara-mente sobre o tema em 2009, quase 5 anos atrás:

“Khaled Meshaal, de 53 anos, disse em uma entrevista de 90 minutos, na sede do Hamas na Síria, que o seu partido político e a ala militar do seu partido se comprometeriam a um cessar-fogo ime-diato e recíproco com Israel. [...] Ele tam-bém disse que sua organização aceitaria e respeitaria um Estado palestino com

base nas fronteiras de 1967 como parte de um acordo de paz mais amplo com Israel; contanto que os negociadores is-raelenses aceitassem o direito de retorno dos milhões de refugiados palestinos e o estabelecimento de uma capital para o Estado palestino em Jerusalém Oriental. [...] O Sr. Meshaal disse que o Hamas não seria um obstáculo para a paz. ‘Nós, jun-tamente com outras facções palestina,s em consenso, acordamos em aceitar um Estado palestino nas fronteiras de 1967’, disse Meshaal. ‘Este é o programa na-cional. Este é o nosso programa. Esta é uma posição que defendemos e respei-tamos.’” (Tradução Livre)

O Hamas, entretanto, não é um par-tido inocente neste conflito. Tendo sido negado os frutos da sua vitória eleito-ral e confrontado por adversários sem escrúpulos, o Hamas recorreu à arma dos oprimidos, dos desesperados: o ter-ror. Além disso, apesar de toda a mor-te e destruição que Israel infligiu sobre o Hamas, o Hamas mantive a sua re-sistência e continuou disparando seus foguetes. Simplesmente não há solu-ção militar para o conflito entre os dois grupos. O problema com o conceito de segurança de Israel é que ele nega até mesmo a segurança mais elementar para

Khaled Meshaal

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a comunidade Palestina. A única maneira de Israel alcançar alguma segurança não é através da força bruta, mas através do diálogo com o Hamas, que tem declara-do repetidamente a sua vontade de ne-gociar um cessar-fogo de longo prazo (de 10, 20 ou até mesmo 30 anos) com o Estado israelense com base nas fron-teiras pré-1967. Israel rejeitou essa oferta e continua rejeitando-a pela mesma ra-zão que rejeitou o plano de paz da Liga Árabe de 2002: tais ofertas envolvem concessões.

Na presente guerra, Israel acusou o Hamas de seqüestrar e assassinar três colonos perto de Hebron sem produ-zir uma prova sequer. Quatro semanas e 1000 vidas depois (de ambos os lados), Israel ainda não produziu qualquer pro-va demonstrando o envolvimento do Hamas naqueles trágicos assassinatos. Durante os dez dias subseqüentes aos assassinatos, Israel realizou a Operação “Brother’s Keeper” na Cisjordânia, pren-dendo cerca de 800 palestinos sem mandatos judicias, acusações formais ou prospectos de julgamento, matan-do nove civis e invadindo cerca de 1.300 edifícios (residenciais, comerciais e pú-blicos). Foram essas provocações isra-elenses que precipitaram os disparos de foguetes do Hamas.

Israel é a décima-primeira potência militar do mundo – a mais forte, de lon-ge, no Oriente Médio – e uma potência nuclear que não ratificou os acordos de não-proliferação nuclear da ONU. Com o uso de drones, F-16s e um arsenal de tecnologia e armamento moderno, Israel tem plena capacidade de evitar as mor-tes em massa de civis. Mas Israel já matou

ao menos 800 palestinos; demoliu 3.175 casas (ao menos uma dúzia com famí-lias dentro); destruiu cinco hospitais e seis clínicas; parcialmente danificou ses-senta e quatro mesquitas e duas igrejas; parcialmente destruiu oito ministérios; e deixou 4.620 feridos nos últimos vinte e tantos dias. E o ataque continua.

A ONU estima que mais de 74% dos mortos são civis. Isso era de se espe-rar em uma população de 1,8 milhões onde o número de membros do Hamas é de aproximadamente 15.000. Os gran-des meios de comunicação israelenses, no entanto, insistem em dizer que estes palestinos queriam morrer, encenaram suas próprias mortes, ou foram víti-mas trágicas do Hamas; o poder militar Israelense está culpando as vítimas por suas próprias mortes, acusando-as de desvalorizar a vida humana e atribuindo esse desrespeito a uma dita “falência cul-tural”. Os dados, entretanto, indicam fla-grantes violações de Direitos Humanos e infrações às normas basilares do Direito Humanitário Internacional por parte de Israel (lembremos que Israel tem status de Potência Ocupante, como definido pela IV Convenção de Genebra, e tem o dever legal de proteger a população civil ocupada).

Israel não conseguirá bombardear os palestinos à submissão e, certamente, não conseguirá bombardeá-los à paz. Quem sabe algum dia entenderão que é necessário dialogar com os palestinos, fazer concessões e terminar a ocupa-ção militar que perdura há quase 50 anos para que exista algum prospecto de paz. Ou isso, ou terão que matar todos eles.

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Negligência e descaso: os absurdos das obras de mobilidade urbana em BH

Por Dafne Braga

A queda do viaduto Batalha dos Guararapes no dia 3 de junho que, ma-tou duas pessoas e deixou 22 feridos, trouxe choque e indignação a todos os brasi leiros. Um pouco eclipsada pela fratura do Neymar, mas ainda assim. Infelizmente, essa tragédia não foi ne-nhuma surpresa tão grande para quem mora em BH. Desde o inicio das obras de mobilidade urbana, apareceram várias ir-regularidades e absurdos, e a queda do viaduto era uma tragédia anunciada.

O projeto BRT foi proposto como uma alternativa para o transporte público de Belo Horizonte, que contava com duas opções de médio porte: o trem urba-no e o sistema de ônibus. O problema já começa aí, pois o BRT é também um sistema de médio porte e a principal rei-vindicação dos belorizontinos era a im-plantação de um metrô que atendesse a cidade inteira, ao invés da única linha do trem urbano. Como complemento ao sistema BRT, nomeado aqui de MOVE, foram propostas também obras de mo-bilidade urbana, que incluíram a cons-trução de viadutos na Antônio Carlos e Pedro I com objetivo de, segundo o site da Prefeitura de Belo Horizonte, atender a todos os movimentos do fluxo de cir-culação e distribuir esse fluxo.

Essas obras deveriam ficar prontas an-tes da Copa e não ficaram. Algumas de-las, como o viaduto dos Guararapes e o viaduto João Samaha, às vésperas da copa tiveram sua construção acelera-da a olhos vistos. Durante a construção,

vimos descortinar diante de nossos o -lhos absurdos, que ganharam menos repercussão nacional, mas que eram co-mentadas aqui.

Em maio de 2013, uma das platafor-mas do MOVE construídas na Avenida Cristiano Machado, foi demolida por erro de cálculo, a plataforma não seguia a altura padrão necessária para o de-sembarque dos passageiros. Uma cratera abriu-se na Pedro I, na região do viadu-to em abril desse ano por mais uma ne-gligência, e já em 2012, diversos bairros haviam ficados sem água pois a obra da-nificou uma adutora da Copasa.

Em todos os erros e absurdos, nos marcou também o descaso da prefei-tura em prestar contas dos seus er-ros. No caso da plataforma da Cristiano Machado, a desculpa esfarrapada do pre-feito foi que a plataforma era apenas um protótipo e a sua demolição estava nos planos da obra. E que isso não aumen-taria de forma alguma os custos da obra. Dez dias depois, outro trecho da obra foi demolido em função de má qualidade no resultado, 105 metros quadrados de concreto, e mais uma vez a prefeitura se pronunciou falando que isso não arreca-daria custos extras. Entretanto, as obras de mobilidade urbanas ultrapassaram em muito o orçamento inicial e custaram até agora R$ 210 milhões a mais do que o previsto.

Ao ser questionado sobre a tragédia do viaduto, Márcio Lacerda deu mais uma mostra do descaso com o cidadão.

#opinião

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Disse que em 5 anos de gestão nunca havia acontecido um acidente grave, e que “acidentes como esse acontecem”. Acidente ou negligência? Desde 2012 as obras do viaduto Batalha dos Guararapes estão sob investigação do Ministério Público de Defesa do Patrimônio de Belo Horizonte e do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por erros na execução do projeto, atraso nas obras e superfaturamento. E mesmo assim, libe-rou-se o trecho para o tráfego. Como se não bastasse isso, a perícia apurou que o bloco de sustentação do viaduto foi construído com apenas um décimo da ferragem necessária e que esse erro já

veio no projeto apresentado pela prefei-tura, que determinava um número infe-rior de materiais do que o usual para o porte da obra.

Não foi nenhuma surpresa para nós belorizontinos, mais uma vez, pois além dos erros nas obras e um planejamento urbanístico caótico, já estamos também familiarizados com a falta de humanida-de do prefeito, que em diversas situações já mentiu e deu declarações insensíveis. Já estamos acostumados com descaso da prefeitura, com as des culpas esfarra-padas e com obras feitas para financiar campanha, e não para servir ao cidadão.

Lucas Prates

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#prosa&poesia

Eu não sou uma patriota corajosa,

valorosa, nobre, orgulhosa,

aventurosa, altruísta

Eu sou uma alma no exílio

Expresso meu pensamentos em todos

os idiomas

Tirando o meu

“Olá, eu sou Palestina

“Hi... I am Palestinian”

“Salut je suis palestinienne”

Cortei minha língua materna pela

metade

A poetisa palestina Rafeef Ziadeh

tinha razão quando disse

“Me deixa falar a minha língua

materna

Antes que eles a colonizem”

A isso eu devo adicionar

Permita-me ser a “árabe” que sou

Dê-me o direito de estudar, viajar, orar

Permita-me andar pelas ruas

estrangeiras

Sem ter que sentir essa vergonha

Sem ter que hesitar

ou pensar duas vezes em minhas

roupas,

em minha face e em meu nome

Ou no visto maldito que sofri para ter

Porque no final, a culpa não é minha:

Bin Laden, 9/11, em todos seus

esquemas

Eu sou uma alma no exílio

Não estou no Palácio da Fama

Tenho que optar por ser alguém que

não sou

Só para me adaptar ao seu quadro

Apesar da agonia que passei

Apesar dos problemas que superei

Apesar dos diplomas, dos mestrados,

dos prêmios que tenho

Eu ainda não sou palestina

Não importa quantos adesivos “Eu

Amo Palestina” colei em meu carro

Não importa o quanto chorei por Gaza

e argumentei sobre os assentamentos

israelenses

Não importa o quanto amaldiçoei os

sionistas, culpei a mídia ,e xinguei os

líderes árabes

Ainda assim Não sou Palestina

Mesmo se memorizei os nomes de

todas as cidades Palestinas

Mesmo se declamei a poesia do

Mahmood Darwich

E desenhei Handala em minhas

paredes

E mesmo aqui onde estou em frente a

vocês , hoje

Não sou Palestina

E nunca serei

É isso é exatamente o que

faz ser a palestina

Em mim.

Eu não sou Palestina

Farah Chamma é uma poeta palestina que reside nos Emirados Árabes.

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Bahialarah Camargo é fotógrafa e estuda Multimídia no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

#fotocontexto

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contexto