revista contexto - 4ª edição

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Revista online sobre política, movimentos sociais e cultura, escrita por jovens.

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Page 1: Revista Contexto - 4ª edição

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4ª edição

Ano que vem tem mais

foto: Agência Brasil

novembro 2013

contexto

Page 2: Revista Contexto - 4ª edição

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Page 3: Revista Contexto - 4ª edição

Índice

#editorial

#ilustra

#Brasil

Braços cruzados, aulas paradas

Estatuto do nascituro: uma agressão às mulheres

A questão indígena no Brasil: mortes, ameaças e invasões de terra

#internacional

Espionagem, sociedade de controle e um teatro a ser interpretado

Entrevista: Betty Martins Filme: I wasn’t always dressed like this

#opinião

Democracia nas universidades

#prosa&poesia

#fotocontexto

p.4

p.5

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p.12

p.16

p.21

p.25

p.28

p.31

p.32

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Page 4: Revista Contexto - 4ª edição

O Brasil passa por uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais.

De maneira covarde, mídia e governo es-forçam-se para deslegitimar a ação de grupos que lutam – e sempre lutaram – pela real democracia. É necessário desta-car a importância das pessoas envolvidas em tais movimentos e enxergar a parciali-dade da cobertura das grandes mídias e a brutalidade das forças policiais.Nesta edição da Contexto, você con-fere matérias sobre os protestos de pro-fessores no Rio de Janeiro, o Estatuto do Nascituro, a greve na USP. Fotos de Gabriela Filippo mostram o que dizem os muros de Belo Horizonte. Há espaço também para a luta dos indígenas, a de-fesa de suas terras, bem como os casos de espionagem por parte dos Estados Unidos. Todos os textos são escritos e revisados por membros da equipe da Revista Contexto.Agradecemos novamente à Qatar Foundation International e aos envolvi-dos no projeto, direta ou indiretamente. A Contexto também é um projeto para trazer mais igualdade social e apoiar os movimentos sociais tão legítimos e tão reprimidos.

Seja bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahlan wa sahlan!

A luta necessária

Priscila BelliniEditora-Chefe

#editorial

Expediente

Editora-ChefePriscila Bellini

JornalistasAna AlmeidaAndressa VilelaIgor LeonardoMarcela ReisMurilo CarnelossoPriscila BelliniTiel Lieder

PoesiaAnônimo

IlustraçãoIndio San

DesignFernanda Tottero

FotografiaGabriela Filippo

TraduçãoPriscila Bellini

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#ilustra

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IndIo San é um artista gaúcho,

de Santa Maria, radicado em São

Paulo. Recomendação enviada

por Jaqueline Araújo.

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#Brasil

Braços cruzados, aulas paradas Por Murilo Carnelosso

Greve de professores durou mais de dois meses, sofreu com abusos policiais, e termina com uma promessa de que, ano que vem, a luta continua

Uma paralisação de 77 dias, protes-tos, muita repressão policial e uma luta que promete não acabar tão cedo. Esse é o saldo da greve dos professores das redes municipal e estadual de ensino no Rio de Janeiro, que chegou ao fim no dia 25 de outubro após duas assem-bleias de trabalhadores com muita dis-cussão e votações apertadas. Também houve críticas dos próprios grevistas à postura tomada pelo Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação (Sepe) durante as negociações com o gover-no do estado, que contaram até com a intermediação do ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.

Afinal, apesar de não haver o corte do ponto nos rendimentos dos professores sobre os dias parados desde que as au-las do período sejam repostas, o aumen-to dos salários será de 8% para a rede

estadual, o que já havia sido oferecido antes pelo governo, e de 15% para a rede municipal. O pedido da classe era de 18 e 19%, respectivamente. A Secretaria de Estado de Educação também prometeu, para 2014, a formação de um Grupo de Trabalho para discutir a viabilidade das propostas de destinar um terço da carga horário do professor para planejamento, de permitir que cada professor só pos-sa se matricular em uma escola, além de rever a matriz curricular. Outras promes-sas dizem respeito a uma revisão do Plano Estadual de Educação e um censo sobre a formação dos funcionários administra-tivos, mas foi rechaçada a proposta de redução da carga horária semanal para 30 horas, pois “haveria risco jurídico”, se-gundo a Procuradoria Geral do Estado.

O movimento que começou no dia 8 de agosto, portanto, terminou com

Agência Brasil

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várias promessas e poucos ganhos ime-diatos. No dia da assembleia que deci-diu pelo fim da greve na rede municipal, declarações de trabalhadores demons-travam certa dose de desapontamento: “O movimento estava enfraquecido. O acordo feito em Brasília foi ruim para a categoria”, disse a professora Eumarilda Rodrigues em matéria publicada no por-tal Terra, por exemplo.

Contudo, o acordo selado entre as forças estatais e o sindicato da categoria já não dava muitas esperanças aos gre-vistas, porque apesar de terem a possib-ilidade de levar sua causa até o Supremo Tribunal Federal, isso não garantiria que os pontos não pudessem ser cortados dos salários. E caso a greve não termi-nasse, teriam que aceitar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio, que conside-rou a paralisação ilegal, o que poderia acarretar em processos administrativos para os trabalhadores que faziam uso de

seu direito constitucional de greve.A maior vitória deste movimento foi

a demonstração de capacidade de mo-bilização da categoria dos professores da rede pública no Rio de Janeiro, e uma promessa que ecoava entre os tra-balhadores: “Ano que vem tem mais”. O governo do estado e a prefeitura do Rio de Janeiro perceberam que será necessário dialogar daqui para frente e receberam uma grande lição dos professores, que garantem não se deixarem mais esquecer dentro das pequenas salas de aula cheias de alunos e sem infraestrutura do estado do Rio.

PM nos protestosA greve dos professores também ficou

marcada pela forte repressão policial aos seus atos. Houve uma sucessão de casos nos quais a polícia usou da força para con-ter as manifestações que tomaram o Rio de Janeiro durante setembro e outubro.

ArquivoAP

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Na noite do dia 28 de setembro, um sábado, o Batalhão de Choque entrou na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro a pedido do presidente da casa, o ve-reador Jorge Felippe do PMDB, e reti-rou a força os mais de 200 professores que ocuparam o prédio durante dois dias. Os grevistas criticavam na épo-ca a aprovação do Plano de Cargos e Salários pelos ve readores do Rio e contra a composição da CPI dos ônibus, então resolveram ocupar a casa, juntando-se a manifestantes que já estavam nas es-cadarias da câmara há quase dois meses.

A polícia utilizou bombas de efeito moral, gás de pimenta, bombas de gás lacrimogênio e cassetetes para reprimir os manifestantes, dos quais dois foram presos. O SEPE, sindicato dos profes-sores da rede pública do Rio de Janeiro, afirmou em nota de repúdio à postura da polícia que também “foram usadas armas de choque, e um dos manifestantes, mes-mo desmaiado, foi levado pela polícia”.

Três dias depois, na terça-feira 1º de outubro, enquanto os vereadores aprovavam o Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações dos professores e ser-vidores de educação quase por unani-midade – houve três votos contra -, havia protestos pela cidade do Rio, inclusive na frente da própria Câmara dos Vereadores.

Mais uma vez, a Polícia Militar reprimiu os manifestantes com sprays de pimenta e bombas de gás. Além da ação truculenta que ocorreu de forma generalizada, houve casos nos quais policiais alegaram – de forma leviana - que um jovem carregava um morteiro na mochila, outro estava em cima do prédio da Câmara atirando obje-tos contra os manifestantes, e um terceiro resolveu postar uma foto no Facebook exibindo seu cassetete que brado zom-bando dos professores que ele agrediu,

com uma legenda de “foi mal fessor”.O vereador Renato Cinco, do Psol,

chegou a questionar o quão democráti-co era votar algo naquela hora, enquanto havia um conflito aberto do lado de fora. “Não é possível aprovar um plano de car-reira usando todo esse aparato militar lá fora”, disse o vereador. Brizola Neto, do PDT, por sua vez, chegou a dizer que teve que pular um muro para conseguir chegar à câmara. Mas o presidente da câmara classificou os professores como radicais e intolerantes e deu prossegui-mento à reunião “secreta”. Segundo à Polícia Militar, 16 manifestantes foram detidos durante este dia de protestos.

O abuso de força e de poder foi tanto, que o secretário estadual de Segurança do Rio, José Beltrame, teve que conver-sar com jornalistas alguns dias depois e assumir que os policiais se excederam. “Na minha opinião, em alguns casos, principalmente os que estão revelados publicamente, houve excessos”, disse o secretário, que criticou também a ação dos manifestantes, mas assumiu que a violência inicial partiu das forças do Estado: “mas também tenho que dizer que se houve intransigência e excesso dos policiais, isso veio de duas partes, da polícia e de alguns manifestantes. Houve, sim, preliminarmente, excesso dos poli-ciais, mas esse excesso veio também, por vezes, dos dois lados”.

O Dia do Professor e a Lei de Organização Criminosa

No dia 15 de outubro, não por acaso o Dia dos Professores, foi marcado um grande ato pelos professores do Rio de Janeiro em defesa da educação pública e dos direitos dos docentes. Dessa vez, muitos manifestantes foram detidos pela polícia, que desta vez estava ancorada

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na recente lei de organização crimino-sa, na qual o governo do Rio de Janeiro resolveu enquadrar os “vândalos” dos protestos.

A Lei 12.850/2013 foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 2 de agosto e entrou em vigor 45 dias depois. Ela considera que organização crimino-sa é a “associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracteriza-da pela divisão de tarefas, ainda que in-formalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional”. A pena vai de 3 a 8 anos de prisão, ainda “sem prejuízo das penas correspondentes às demais in-frações penais praticadas”.

Outros artigos desta lei também são no mínimo questionáveis, já que autoriza o acesso do Estado, sem autorização judicial prévia, a dados de empresas telefônicas,

provedores de internet, instituições fi-nanceiras, além de dar a possibilidade de policiais se infiltrarem para atividades de investigação. Ao não garantir que movi-mentos sociais e manifestações não pu-dessem ser enquadrados nessa lei, o governo federal facilitou a decisão como essa do governador do Rio de Janeiro que resolveu criminalizar manifestantes.

No fatídico dia 15, a Polícia Civil garan-tiu que 190 pessoas foram condu zidas para oito delegacias da capital do Rio. A PM afirmou que eram 182 e a OAB elevou este número para 208. O fato é que 64 pessoas foram presas e mais 20 menores apreendidos sob as égides desta nova lei em apenas uma noite, sob o pretexto de “vandalismo”. Destes 64 manifestantes, 60 foram presos, de forma inafiançável, sob a acusação de formação de quadri-lha. 35 destes tinham essa como a úni-ca acusação contra si. A criminalização contra movimentos sociais, dessa forma, está institucionalizada.

Brasil de fato

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Estatuto do nascituro: uma agressão às mulheres

O projeto de lei chamado de “bolsa estupro” está em trâmite e, se for aprovado, criminalizará o aborto em qualquer situação

Por Marcela Reis

No dia 28 de setembro, inúmeras mu-lheres, entre elas feministas, transexu-ais, mães e alguns homens, realizaram um ato contra o Estatuto do Nascituro na Avenida Paulista. A concentração foi no vão do MASP, onde se viam cartazes e corpos sendo pintados com mensagens impactantes e de defesa à legalização do aborto. “O corpo é meu e eu decido”, “se o papa fosse mulher, o aborto seria legal” e “eu aborto, tu abortas, somos todas clandestinas” foram algumas das frases expostas durante a marcha pela avenida, que foi guiada por um carro de som. Palavras de ordem eram brada-das a plenos pulmões em prol das vidas de inúmeras mulheres que morrem dia-riamente no Brasil por não poderem re-alizar o aborto de forma segura.

A Comissão de Finanças e Tributação do Congresso Nacional aprovou, no começo de junho, o projeto de lei mais conhecido como “bolsa estupro”. O Estatuto do Nascituro será votado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara e em seguida pelo Plenário. Se for aprovado, o Código Penal será alterado e o aborto, em toda situação, passará a ser crime.

De acordo com a proposta dos ex-deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), o nascitu-ro (feto) concebido a partir do estupro não poderá ser abortado, a mãe deverá dar à luz em quaisquer circunstâncias. Após o nascimento, a criança poderá ser

encaminhada à adoção, caso seja o dese-jo da mãe e, se ela não tiver condições fi-nanceiras para arcar com as despesas de um bebê, o Estado lhe dará uma pensão até que o estuprador seja identificado e responsabilizado pelo pagamento. Ou seja, verdadeiro criminoso, que violen-tou uma mulher, não é procurado para ser julgado e condenado, mas para cum-prir o direito de qualquer pai, o de arcar com as consequências de ter um filho.

Conforme o artigo 13, inciso 2, o feto tem “direito à pensão alimentícia equi-valente a um salário-mínimo até que complete 18 anos”. Para Nádia Lapa, blogueira e escritora da Carta Capital, “o que o projeto está oferecendo não é uma tentativa de ajudar a mãe estupra-da, é uma tentativa de fazê-la manter uma gravidez. Hoje em dia a vítima já pode pedir pensão ao estuprador, é pos-sível fazer essa investigação de paterni-dade. Então o que é novo é a proposta do Estado pagar uma pensão, no valor maior que o bolsa família, que é um pro-jeto para pessoas que já existem”.

A autorização do aborto de fetos anencéfalos é recente e o projeto vis-lumbra derrubá-la, além de proibir o procedimento nos casos de risco de vida da gestante. Proibições em relação às pesquisas com células-tronco, às mani-festações públicas sobre liberação do aborto e ao uso da pílula do dia seguinte também são pautadas pelo estatuto. “O projeto fere princípios fundamentais da

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constituição brasileira e dos direitos da mulher, que são institucionalizados e ga-rantidos pela legislação. Principalmente, os direitos à integridade e à autonomia dos corpos. Toda mulher tem direito à liberdade, à segurança pessoal, ao aces-so à saúde, à liberdade de pensamento e, inclusive, ao direito ao planejamento da família” defende Anna Feldmann, pro-fessora do Departamento de Jornalismo da PUC-SP.

O Estatuto do Nascituro também fere o Estado Laico, pois considera que as células fecundadas já são uma pessoa, e essa teoria é análoga à ideia defendida pela igreja católica. Ao legalizar o aborto, o país não obriga a nação feminina a re-alizá-lo, apenas permite que as mulheres que desejam passar pelo procedimento tenham o direito a fazê-lo, portanto não é justificável que a igreja se incomode tanto com a legalização. O Conselho Federal de Medicina já se posicionou em relação à possibilidade de aborto seguro até a 12ª semana de gestação e um país laico deve se basear na ciência. Além disso, como aponta Feldmann, há divergência entre as religiões quanto ao período exato da passagem do embrião a um ser humano, não é uma unanim-idade. E, portanto, não é aceitável que uma única postura religiosa seja assu-mida para definir quando o aborto é ou não aplicável.

Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2010, 64% das mulhe-res que abortam são casadas, 81% são mães e 88% têm religião. Alguns países de maioria católica, como Portugal, ao legalizarem o aborto, também tor-naram possível a constatação de que o problema não é de ordem religiosa, mas de discriminação de gênero, devido à

vulnerabilidade das mulheres diante da criminalização do aborto, e de classe so-cial, pois mulheres com boa condição financeira têm meios para abortar de modo seguro, enquanto as de baixa ren-da não. O projeto não irá resolver ou melhorar esta situação, pelo contrário, fará com que mais mulheres optem por intervenções alternativas, menos segu-ras e mais letais. No Brasil, uma mulher morre a cada nove minutos devido a um aborto clandestino, e assumi-lo como crime irá penalizar ainda mais as mu-lheres de baixa renda, que continuarão arriscando suas vidas, porque o Estado não lhes garante segurança diante de sua escolha.

Aline Valek, escritora e blogueira, ar-gumenta que “o Estatuto do Nascituro, além de dar a um embrião (que não é um ser humano) mais direitos que uma mu-lher adulta, vai contribuir para a continui-dade da morte de mulheres em abortos ilegais, especialmente de negras e po-bres. Esse projeto é a própria expressão do patriarcado: é um instrumento que

Marcela Reis

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vai legitimar ainda mais o controle so-bre os corpos femininos”. A sociedade nos impõe valores desde que somos pequenas, ditando como uma mulher deve ser e o que deve fazer: precisamos nos casar com um homem, ter filhos e nunca exercer nossa sexualidade livre-mente. Se não desejamos a maternidade, o Estado nos priva de direitos e de se-gurança, agindo como dono de nossos corpos e de nossas escolhas. O aborto é uma prática comum entre mulheres de todas as classes e religiões, o PNA de 2010 provou isso.

Em outubro de 2012, o aborto foi le-galizado no Uruguai, o que fez o país não registrar um procedimento sequer reali-zado durante os primeiros nove meses de descriminalização. O presidente José Mujica afirmou que a despenalização iria salvar mais vidas ao diminuir a prática de abortos clandestinos. Estima-se que de 33 mil abortos por ano, o Uruguai passará a ter apenas quatro mil. Além da garantia do aborto seguro no país, mulhe res que vivenciam uma gravidez indesejada são orientadas por grupos de médicos, psicólogos e assistentes so-ciais que as informam sobre os riscos e alternativas ao aborto. Se, ainda assim, elas quiserem realizar o procedimento,

os centros privados e públicos de saúde atuam. “Para o Brasil implementar algo similar, o SUS deveria também assumir a mesma prática de atendimento trans-disciplinar, com a dedicação e apoio de todas as esferas que envolvem a vida da mulher. A possibilidade de realização do aborto em centros de referência conhe-cidos diminui a necessidade de métodos alternativos e muito mais nocivos”, afir-ma Feldmann.

Marcela Reis

O feminicídio e a lei Maria da PenhaA cada hora e meia uma mulher morreu

de forma violenta no Brasil entre os anos 2001 e 2011. Cerca de 40% dos assassi-natos femininos foram cometidos por um parceiro íntimo. Estes são dados for-necidos pelo IPEA (Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas), que apontam que a Lei Maria da Penha não reduziu o número de mulheres assassinadas no país. Para Valek, “a lei tem uma grande importância, apesar de não ter sido capaz de diminuir o índice de feminicídios no Brasil. Ela funciona como um amparo às mulheres em situação de vulnerabilidade, agora sabemos a quem recorrer e como denunciar. A lei é muito importante, mas não é o suficiente, pois ela sozinha não é capaz de modificar a realidade: vivemos numa cultura extremamente machista, todos os seus aspectos legitimam e in-centivam a violência contra nós”.

A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República tem a campanha “Mulher, Viver Sem Violência”, que prevê a construção de uma casa de acolhimento em cada capi-tal. Lapa aponta que a iniciativa é ótima, mas não resolve; São Paulo, com milhões de habitantes, terá 20 leitos para abrigar as mulheres em situações vulneráveis.

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Existem outras casas que acolhem as vítimas, muitas mantidas voluntaria-mente, mas as medidas protetivas pre-cisam realmente funcionar, há inúmeros casos de mulheres que foram assassina-das depois de registrarem diversas ocor-rências policiais, ou seja, não houve de fato segurança.

“Finalmente, existe uma lei contra a vio lência doméstica no Brasil. O pro-blema está em sua aplicação, que não ocorre como foi previsto. A mulher que sofre violência doméstica segue ainda sem medidas de proteção, permane-cendo vinculada ao seu agressor e, o pior, sendo culpada pelo ataque sofrido” afirma Feldmann.

Medidas de proteção são necessárias, mas é preciso intensificar a conscien-tização em relação à estrutura misógina da nossa sociedade. Mais do que políti-cas públicas, é necessário alterar toda a estrutura cultural do Brasil. As relações de poder que tornam o corpo femini-no uma propriedade masculina devem mudar, assim como o comportamento da mídia que “coisifica” e se apropria de uma imagem fetichista feminina e a co-bertura da imprensa que transforma as-sassinatos de mulheres em meros crimes passionais. Enquanto essas mudanças estruturais não se efetivarem, vamos continuar sendo massacradas e tratadas como as grandes culpadas.

Marcela Reis

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A questão indígena no Brasil: mortes, ameaças e invasões de terraPor Tiel Lieder

Direitos indígenas são desrespeitados e bancada ruralista ameaça tomar ainda mais terras que são dos índios por direito

Terra

O vídeo “Manifesto pelos direitos in-dígenas” feito por Wesley Rosa e divul-gado na página da Comissão Guarani Yvyrupa no Facebook, mostra indíge-nas que protestam na Avenida Paulista, símbolo da civilização construída à base da força da grana que ergue e destrói coisas belas, como bem disse Caetano Veloso. A caminhada pacífica foi mo-tivada como um grito de socorro con-tra os ataques que seu povo, bem como outros povos indígenas, vem sofrendo nos últimos tempos em todo o Brasil, em decorrência dos conflitos pela terra que acontecem há décadas, ou melhor, desde que a Terra Brasilis foi descoberta. Em 1500, quando as caravelas coman-dadas por Pedro Álvares Cabral apor-taram na “ilha de Vera Cruz”, na verdade no local onde hoje se localiza a cidade de Porto Seguro, Bahia, mais de 5 mi-lhões de índios, das mais variadas etnias,

viviam nestas terras. A partir daí, deu-se um genocídio lento, mas de grandes proporções e mínimas repercussões.

Atualmente, calcula-se que apenas 400 mil índios ocupam o território bra-sileiro, principalmente em reservas in-dígenas demarcadas e protegidas pelo governo. São cerca de 200 etnias indí-genas e 170 línguas. Porém, muitas delas não vivem mais como antes da chega-da dos portugueses. O contato com o homem branco fez com que muitas tribos perdessem sua identidade cul-tural. Além disso, as invasões de terras indígenas demarcadas, promovidas por ruralistas e outros invasores, em geral feitas sob a mira das armas de fogo, são um crime que pode ser legalizado pelo Congresso Nacional Brasileiro através da PEC 215.

Apresentada em 2000 pelo deputado Almir Sá (então PPB-RR), transfere para

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o Legislativo a competência para de-marcar territórios de ocupação tradicio-nal no Brasil, indígenas ou quilombolas. Desde a Constituição, essa prerrogativa cabe ao governo federal, em basica-mente três fases. A Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza estudos que ates tam a ancestralidade do território. O Ministério da Justiça assina um docu-mento chamado Portaria Declaratória. E, por último, cabe a homologação da terra pela Presidência. Considerando que a bancada ruralista no Congresso Nacional é, obviamente, muito mais poderosa do que a bancada indígena, há o risco de que os deputados e senadores legislem em causa própria, garantindo o direito à posse de terras para plantações que gerarão grande lucro para podero-sos latifundiários.

Tais medidas confinariam os povos indígenas, principalmente aqueles que habitam as regiões sul, sudeste e cen-tro-oeste, em pedaços de terra que não lhes permitem caçar, pescar, construir casas, e que colabora para degradar o seu modo de vida, bem como para cri-ar ainda mais monoculturas agrícolas, viciando as terras e degradando a na-tureza. Em face deste perigoso cenário, desde o final de setembro, e talvez en-corajado pela onda de protestos que acontecem no Brasil desde junho de 2013, o movimento indígena articula uma série de manifestações e ocupações para mostrar à sociedade civil como os seus direitos estão sendo atacados.

Foi divulgada uma carta divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, por conta da ocupação de duas áreas na cidade de São Paulo – uma pe-los Tenondé Porã, na zona sul, de uma área desocupada há 10 anos, e outra ao lado do Pico do Jaraguá.

“ Hoje nós indígenas guarani de todas as aldeias de São Paulo fechamos pacifi-

camente a rodovia dos Bandeirantes, que passa em cima da nossa aldeia no Pico do Jaraguá. Fizemos isso para vocês, bran-cos, saberem que nós existimos e que es-tamos lutando por nossas terras, porque precisamos delas para ter onde dormir e criar nossas crianças. Esse nome, ban-deirantes, para nós significa a morte dos nossos antepassados. Mas muitos de vocês brancos tem orgulho deles e dos seus massacres contra nosso povo. Em homenagem a eles vocês batizaram o palácio do governador de São Paulo, e levantaram estátuas por toda parte. Há muitos que querem repetir o que fizeram os Bandeirantes no passado, nos exter-minando e roubando nossas terras para enriquecer. Os políticos ruralistas, aliados do governo, querem aprovar a PEC 215, para parar todas as demarcações que ainda faltam, e ainda roubar terras que já estão demarcadas. Nossos guerreiros vão continuar resistindo, e faremos o que for necessário para ter uma parte das nossas terras de volta. Nós somos os primeiros habitantes desse território. Será que há muita terra pra pouco índio? Não é essa a nossa realidade. Vivemos no que so-brou da Mata Atlântica, nossas terras são minúsculas e somos muitos, enquanto alguns poucos políticos e empresários tem muita terra e ainda querem mais.”

Por hora, ainda não houve reações vio lentas a essas ocupações. Mas, infeliz-mente, essa não é a realidade verificada em todo o Brasil, em que os índios hoje vivem acossados por pistoleiros de alu-guel, que defendem os interesses dos latifundiários e, pode-se dizer, até de grandes corporações que compram pro-dutos desses latifundiários.

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Um caso que exemplifica os poderosos movimentos contra os quais os indígenas agem é a luta dos Terena pela retomada da fazenda São Pedro Parantudal, em Miranda, região do Pantanal do Mato Grosso do Sul. No dia 03 de outubro, os Terana ocuparam o local, que incide so-bre a Terra Indígena Cachoeirinha e que foi arrendada por criadores de gado. A intenção dos Terena foi a de pressionar para que proprietários de terras que in-cidem sobre Cachoeirinha aceitem o pagamento das indenizações, parte do processo de desintrusão, de modo que a comunidade possa finalmente ocupar seu território tradicional. A fazenda é de propriedade de Paulo Pedrossian, filho do ex-governador do Mato Grosso do Sul, Pedro Pedrossian. O pai também era pro-prietário da fazenda Petrópolis, com 1,2 mil hectares incidentes na Terra Indígena Cachoeirinha, mas passou para o nome da filha Maura Regina Pedrossian.

A fazenda Petrópolis já foi ocupada quatro vezes pelos indígenas. Na pri-meira tentativa, foram expulsos por de-cisão judicial. Na segunda vez, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Gilmar Mendes deu decisão favorável ao fazendeiro e os indígenas foram retirados de forma violenta da área pela Polícia Federal. Na terceira ten-tativa, um interdito proibitório os fez sair das terras da Petrópolis. Porém, o inter-dito também se estendeu a fazenda São Pedro Paratudal, mesmo que os Terena nunca tivessem tentado sequer uma re-tomada. No mesmo período, um ônibus escolar Terena foi atacado e incendiado, levando à morte uma jovem indígena e deixando diversas crianças queimadas. A investigação sobre o crime nunca foi concluída, mas os indígenas atribuem o ataque aos fazendeiros, numa tentativa

de intimidar o povo. Em 2012, outra tentativa de recuperar a Petrópolis: des-sa vez foram expulsos por jagunços e parentes do fazendeiro fortemente ar-mado com pistolas e metralhadoras. Os cerca de 8 mil indígenas que vivem em Cachoeirinha ocupam apenas 2,6 mil hectares da terra indígena, apesar da Portaria Declaratória determinar 36 mil hectares. O restante da área é tomada por 54 propriedades rurais.

Outro caso emblemático, apesar da falta de provas, é o de Inácio Lopes, líder político e religioso Guarani Mbya encon-trado morto em outubro, boiando na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, próximo a uma ilha onde habitam algu-mas famílias do povo Guarani Mbya, no município de Palmares do Sul. A referida ilha vem sendo oferecida à comunidade Guarani Mbya por fazendeiros do mu-nicípio de Capivari do Sul, como alterna-tiva à terra reivindicada pela comunidade indígena. A Funai iniciou os estudos de identificação e delimitação da Terra Capivari e desde então a comunidade passou a ser visitada por representantes dos fazendeiros que pressionam para que eles se mudem para a ilha. Inácio se destacou, ao longo dos últimos anos, por sua liderança junto à Comissão de Terra Guarani, posteriormente denomina-da de Conselho de Articulação do Povo Guarani-CAPG.

Um atentado contra um ônibus es-colar que retornava da Escola Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro, em Buerarema, sul da Bahia, a 450 quilômetros de Salvador, deixou, ironica-mente, dois jovens não indígenas feridos. Segundo índios, era o início de uma nova série de investidas contra os tupinam-bás, que aguardam há nove anos a con-clusão do processo de demarcação da

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Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Em face destes casos que se repetem, da má vontade da grande mídia para com a questão indígena, e da força da banca-da ruralista no Congresso Nacional, um grupo de antropólogos da USP, Unifesp, puc, Universidade de Pádova e FUNAI divulgou a seguinte carta em defesa aos direitos do Povo Guarani, com a qual en-cerramos esta matéria.

Nós, estudiosos do povo gua-rani e outros pesquisadores,

especialistas e professores, reunidos em São Paulo/SP entre os dias 16 e 18 de outubro, durante o Simpósio CEstA nas Redes Guarani, realizado pelo Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo, vimos a público nos manifestar a respeito do grave contexto de ataque aos direi tos indígenas que está hoje em curso, e em cujo epicentro encontra-se o im-passe relacionado ao não reconhe-cimento dos direitos territoriais do povo Guarani.

Com suas aldeias distribuídas em um vasto território, que abrange as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e também algumas localidades na região norte do Brasil, os Guarani cons tituem hoje o maior povo indí-gena no país, com cerca de sessenta e cinco mil pessoas. Entretanto, por ocuparem regiões com antigo históri-co de colonização, e de grande inte-resse para exploração econômica, têm hoje apenas uma fração insignificante e fragmentada de seu território reco-nhecida pelo poder público. A falta de terras é causa fundamental do quadro

de marginalização a que foram sub-metidos em todas essas regiões, onde sofrem com a violência, o preconceito e a falta de efetivação de direitos fun-damentais de cidadania.

A história mostra como a mão-de-obra de milhares de Guarani foi utilizada para a construção do país, deixando contribuições que hoje con-sideramos como elementos fundan-tes da cultura brasileira. Hoje, como ao longo dos últimos cinco séculos, grupos oligárquicos se esforçam em negar aos Guarani os seus direitos territoriais, com intuito de perpetuar as injustiças acumuladas ao longo de todo o processo de colonização do Brasil, evitando a construção de uma sociedade justa e solidária, que res-peite seus Povos Indígenas.

Enquanto os ruralistas desen-volvem uma campanha para con-vencer a população brasileira de que são ameaçados pelas demarcações de Terras Indígenas, o país segue com um dos mais altos índices de concen-tração fundiária do mundo, cenário que se reverte no acúmulo de poder nas mãos de oligarquias agrárias e nas grandes desigualdades que assolam a sociedade nacional.

Como pesquisadores que atuamos junto a algumas das mais respeitadas universidades brasileiras, temos a per-cepção clara de que os ataques aos di-reitos indígenas ora em curso são uma ameaça para toda a sociedade, pois respondem aos interesses de um gru-po minoritário que busca apropriar-se privadamente das riquezas nacio nais para seu próprio enriquecimento, e

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tornam nosso país palco dos mais graves desrespeitos aos direitos à vida, à dignidade, à diferença, enver-gonhando-nos a todos.

O drama humanitário pelo qual atra vessam as comunidades nas quais realizamos nossas pesquisas não é tolerável em um Estado Democrático de Direito, e não cessará enquanto o poder público se recusar a enfrentá-lo

com a seriedade e respeito que requer, preterindo a sua solução em proveito de interesses eleitorais. Nesse sentido, chamamos a todos os brasileiros para que nos empenhemos junto ao povo guarani e aos demais povos indíge-nas na defesa de seus direitos, para a cons trução de uma sociedade iguali-tária, multicultural e pluriétnica.

Futura Press

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Espionagem, sociedade de controle e um teatro a ser interpretado

Por Andressa VilelaDenúncias sobre a espionagem estadunidense geram reações diversas

Não era nenhuma novidade para o mundo que os Estados Unidos pratica-vam a espionagem. O país possui um aparato para isso desde os anos 40, que primeiro funcionava interna e depois pas-sou a funcionar externamente, sobretu-do no período pós-guerra. Entretanto, as denúncias feitas pelo ex-funcionário da CIA, Edward Snowden, de que o país espiona, através da NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos), diversos países, chefes de Estado e em-presas, não poderia mostrar-se mais atual, uma vez que é em momentos de crise que o imperialismo procura posi-cionar-se como mais agressivo.

A primeira denúncia foi veiculada no dia 02 de setembro e mostrava que a presidenta Dilma Rousseff e o presiden-te mexicano Enrique Peña Neto foram investigados. O estudo é chamado por Washington como “Filtragem inteligen-te de dados – estudo de caso México e Brasil”. O objetivo, diz o documento, era “melhorar a compreensão dos métodos de comunicação e dos interlocutores da presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e seus principais assessores”. Segundo a apresentação, o programa possibilita en-contrar, sempre que quiser, uma “agulha no palheiro”. Dias depois, foi revelado que a NSA espionou também a Petrobrás, além de países da União Europeia que são aliados estadunidenses. Conforme da-dos revelados por Snowden, os serviços de inteligência norte-americanos inter-ceptaram na França mais de 70 milhões de

comunicações entre dezembro e janeiro de 2013, grampearam o telefone celular da chanceler alemã Angela Merkel, além de outros tipos de violações sofridas por outros países do bloco.

Interesses geopolíticos versus socie-dade de controle

Segundo Francisco Alambert, dou-tor em História Social, a hegemonia econômica dos EUA, que existe des-de os anos 80, com o colapso da União Soviética, tornou muito mais fortes as práticas no ramo do controle dos Estados e dos negócios, sobretudo por causa das guerras constantes que os EUA iniciaram para controlar o petróleo e a política do Oriente Médio. “Por isso espionar tantos ‘aliados’. No caso do Brasil, a questão é apenas os negócios envolvendo as em-presas que irão explorar o pré-sal”, afir-ma o professor.

O assunto, entretanto, vai muito além de meros interesses econômicos. Na so-ciedade de controle em que se vive hoje, a busca por informações que possam ser usadas estrategicamente é vista como regra e ocorre em dife rentes situações. Segundo o professor de Processos Políticos Contemporâneos, Rafael Araújo, todos os computadores são mapeados e todas as informações saem de uma máquina a partir da troca de protocolos. “Um terço de toda a informação que cir-cula na web é controlada por apenas 30 empresas. É verdade que as empresas es-tão concentradas nos EUA, mas não são

#internacional

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órgãos governamentais. São empresas que funcionam a partir dos humores do capital e podem servir aos interesses de quem puder pagar”, afirma o sociólogo.

Já Julian Assange, fundador do site Wikileakes, responsável por expor docu-mentos secretos dos EUA, afirmou em videoconferência realizada no Centro Cultural São Paulo, em 18 de setembro, que a espionagem significa um colapso do Estado de direitos no Ocidente, sobretu-do de direitos humanos. “Estamos sendo invadidos por uma jurisdição estrangeira”, afirmou, ao reiterar que Barack Obama persegue, sob a Lei da Espionagem, duas vezes mais pessoas do que todos os presidentes anteriores juntos. O escritor do livro “Cypherpunks – Liberdade e o Futuro da Internet”, sobre vigilância em massa, censura e liberdade na internet, declarou ainda que “a estrutura da comu-nicação do Brasil foi roubada”.

É inegável que a prática representa uma clara violação à soberania de qualquer país, além de reafirmar a existência de um imperialismo antidemocrático na fi-gura dos Estados Unidos. A fim de dei-xar isso claro e exigir explicações, Dilma

cancelou a visita de Estado que faria, pou-co tempo depois, à Washington. França e Alemanha, num primeiro momento, anunciaram que tomariam medidas em conjunto para acabar com a espiona-gem estadunidense. A postura, entretan-to, mudou de forma e resumiu-se a uma proposta de acordo de boa conduta e de cooperação entre os serviços de in-teligência norte-americanos, franceses e alemães, ao que outros países da União Europeia podem se juntar.

Os três chefes de Estado tiveram suas decisões fortemente criticadas pela mídia, pois é fato que muito mais poderia ter sido feito. Acredita-se que faltaram medi-das categóricas, que de fato abalassem as vantagens econômicas e políticas que os EUA obtêm relacionando-se com esses países. Entretanto, todas as instâncias de poder, inclusive a imprensa hegemôni-ca, sabem como funcionam tais relações geopolíticas: é perigoso mexer nas estru-turas, o que nas palavras do presi dente francês François Hollande significa “criar mais problemas” e não resolvê-los. Na opinião de Alambert, “Qualquer medida é apenas um jogo de cena entre vários

Stan Honda AFP

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jogos de cena. Na situação de poder atu-al, os EUA pode fazer praticamente tudo o que quiser. Só não pode desagradar completamente os interesses da Rússia porque a questão nuclear ainda existe, como mostrou a mudança radical de posição dos EUA na decisão de invadir a Síria desde que os russos endureceram o jogo. Esse é o único limite, porque a Guerra Fria não ‘acabou’”.

Uma posição mais enérgica de Dilma foi demonstrada em seu discurso de abertura da 68º Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), que aconteceu em Nova York, dia 24 de setembro. A presidenta aproveitou o es-paço para rechaçar a espionagem: “Sem o direito à privacidade não há verdadeira liberdade de expressão e opinião e, por-tanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania não há base para o relacionamento entre as nações”, afir-mou a chefe de Estado, que também declarou que as tecnologias de infor-mação e comunicação não podem ser o novo campo de batalha entre os países. Dilma ainda reiterou a necessidade da aprovação do Marco Civil da Internet, que garantiria privacidade aos usuários, neutralidade da rede, uma governança democrática e multilateral e uma socie-dade mais inclusiva.

A questão da invasão privacidade, en-tretanto, merece um olhar um pouco mais atento. A população mundial mostra-se assustada com a possibilidade de terem suas privacidades violadas, mas não per-cebe que contribui voluntariamente para esse processo. Isso acontece, por exem-plo, toda vez em que um cidadão aceita os termos de uso de um aplicativo que baixa no celular sem ao menos lê-los. Vive-se uma era na qual existe tecnolo-gia o suficiente para acumular dados a

partir de qualquer máquina, de qualquer cidadão. “A informação que mais interes-sa na sociedade de controle é aquela que permite mapear os comportamentos, porque isso é estratégico para o capital, no que diz respeito à produção e ao con-sumo. Ou seja, mais do que saber quais são as políticas econômicas de um país, interessa quais são os interesses dos ci-dadãos desse país e essas informações, embora possam ser (e sejam) rastrea-das por robôs, nós as fornecemos como usuários das redes sociais e buscadores”, afirma Rafael.

FuturoJulian Assange, através da videocon-

ferência, afirmou acreditar que uma nova civilização global está sendo formada porque um novo grupo pode comuni-car-se de maneira ampla e harmônica. Entretanto, quando um terço do tra-balho da NSA é ocupado com vigilância e 98% de toda a comunicação da América Latina passa pelas mãos dos EUA, isso representa um quadro terrível. O jornalis-ta acredita que uma vez que a contem-poraneidade está marcada por um novo corpo político internacional, é necessária também uma nova política internacional que dê conta dos problemas da globa-lização da tecnologia.

O professor Rafael, por sua vez, pon-tua que se o país norte-americano de hoje for comparado com o que ele foi durante o imperialismo do século XIX, pode-se dizer que há um declínio emi-nente. “Com a sociedade de controle, os EUA permanecem no centro do jogo, não como aquele que controla o mundo, mas como aquele que mais ganha eco-nomicamente com a nova realidade. Mas essa vantagem está relacionada mais a concentração desigual de capital que

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há nos EUA se comparada com outros países do que por seu poderio bélico ou político”, conclui.

O certo é que muita coisa não irá mu-dar no limite das relações entre os países espionados e os Estados Unidos. O teatro do escândalo e da surpresa continuará porque faz parte da geopolítica mundial. Enquanto isso, a população busca meios para se proteger contra o abuso sofrido, exigindo medidas mais enérgicas de seus governantes, que apenas contornam a situação de forma superficial.

Existe, entretanto, uma questão chave, que só será respondida com o tempo:

por que as empresas norte-americanas se abstiveram de participar do leilão do campo de Libra, deixando o território livre para seus rivais chineses, quando a potência norte-americana é extrema-mente dependente de petróleo externo? Sobre o caso, a NSA afirmou: “Nós não usamos nossa capacidade de espiona-gem internacional para roubar segredos comerciais de companhias estrangeiras para dar vantagens competitivas à em-presas americanas”, o que contradiz di-retamente alguns dos relatórios vazados por Snowden. A Petrobras, por sua vez, não se pronunciou sobre o assunto.

Reuters

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Entrevista: Betty MartinsFilme: I wasn’t always dressed like this Por Priscila Bellini

- Como começou o projeto do docu-mentário?

O documentário começou com uma questão que eu tinha ao ver muitas mu-lheres usando o véu aqui em Londres, e por associar sempre o véu com atitudes opressoras e patriarcais. Comecei então a pesquisar e comecei a entender o outro lado da história.

- Quais temas te atraem mais, para fu-turos documentários?

Memória cultural, histórias pessoais, mi-cro-narrativas, mulheres, feminismo, política, desconstrução de discursos. Isso tudo me interessa, intriga muito! Já

estou no desenvolvimento do meu pró-ximo documentário, que será com uma mulher fantástica, ex-militante da época da ditadura, de um universo único, uma mulher incrível!

- Por que escolheu tratar do uso do véu?

Por ser um “objeto” tão ridicularizado, e por ter tido seu significado tão manipula-do ideologicamente. Me incomoda que o discurso mediado sobre essas mulheres seja tão grande que fazem com que as pessoas acreditem que possuem conhe-cimento sobre elas, e dentro desse jogo de discurso as pessoas ficam paralisa-das, não conseguem refletir sobre suas próprias suposições. Me incomoda que são as mulheres muçulmanas e seu véu que são as vítimas de um sentimento preconceituoso anti-muçulmano. Que são atacadas nas ruas, e ainda hoje são usadas como instrumento político. To-dos parecem conhecê-las, todos têm opiniões fortes sobre elas, e apesar das imagens fortes e mensagem que passam sobre elas pela grande mídia, não são elas quem está falando.

- Qual era seu objetivo ao fazer o filme?

Desconstruir o discurso mediado que existe sobre elas. O filme todo trabalha dentro de uma metodologia fílmica es-pecífica, que busca responder aos me-canismos de representação das grandes mídias quando se tratam as mulheres muçulmanas e o véu.

- Como seus próprios pontos de vista e ideias mudaram ao longo da produção do documentário?

Betty Martins

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Muitos, eu ainda me debato às vezes com o niqab. O importante aqui não é gostar ou desgostar de algo, você não pode so-mente achar que tem autoridade, ou po-der de conhecimento sobre elas pelo fato do uso do véu. Aí que está o problema. Acho a discussão sobre o uso do véu vál-ida, pois sua prática ainda é muito propí-cia a abusos. Mas é preciso então saber desvincular esse debate de suas veias colonialistas, machistas, orientalistas e is-lamofóbicas. Seguindo essa linha, logica-mente, então podemos somente conce-der esse debate a mulheres muçulmanas.

- Você acha que mudou desde que começou a produção do filme?

Com certeza eu mudei minha posição e entendimento sobre esse tema. Para um documentarista, saber se desconstruir é primeiramente mais importante do que desconstruir seu tema.

- Como você avalia a abordagem da mídia quanto à situação da mulher muçulmana?

Perigosa, manipuladora e orientalista. Exis tem veículos que claramente tra-balham por trás de um interesse político, colonial e nacionalista, e com o objetivo de satisfazer tais interesses criam narrati-vas irreais, sensacionalistas, aqui na Euro-pa. A gente percebe como as pessoas que são mediadas nessas narrativas possuem sempre uma opinião muito forte sobre o assunto, dos que são contra aos apolo-gistas. Esquecem que existe uma mulher, que pensa, reflete e toma decisões.

- O que te inspirou a fazer o docu-mentário?

Com certeza o problema dessas narrati-vas mediadas, e pelo fato da mulher e seu corpo novamente submetido a certas

ideologias que são externas a elas. Por nunca ter tido oportunidade de escu-tar essas mulheres. Eu sempre digo que o documentário não tem como objeti-vo dar a oportunidade a elas de falarem, mas sim, de nós escutarmos.

- Como você selecionou as mulheres que apareceriam no documentário?

Eu as conheci e foi bem assim. Não teve nenhum momento de seleção. Eu que-ria trabalhar com mulheres reais, do dia a dia. A mulher que usa o niqab que foi a maior surpresa. Estava atrás da terceira mulher para participar do documentário e estava achando difícil encontrá-la. Li-guei uma vez para uma organização e a mulher que atendeu instantaneamente se prontificou, “sou muito apaixona-da por esse assunto” ela me disse. Logo então nos encontramos na mesquita de Regent’s Park. Eu vi uma mulher com o niqab se aproximando e senti que era ela, e era mesmo. Claro, isso tudo cha-coalhou todos os meus sentidos, todos os meus preconceitos. Claro que apesar de não ter tido esse objetivo, não pode-ria recusar trabalhar com ela, ainda mais ela que queria tanto participar. Como docu mentarista, não temos compromis-so muito menos devemos ter obsessão com a verdade, mas poder representar realidades, aí que encontramos o conhe-cimento das coisas.

- O que te fascinou mais nas situações abordadas e nos relatos das mulheres?

A relação privada do corpo, da esfera feminina. Inclusive foi algo que quis manter no nível da representacao. Eu as apresento ao público, da mesma manei-ra que elas se apresentariam pessoal-mente, não ha intrusão nenhuma. Acho isso importante.

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- Como você avalia o papel da mulher na sociedade, em países predominante-mente muçulmanos? E nas revoltas da Primavera Árabe?

A mulher está na frente das revoluções, tanto na política, na sociedade, quanto na religião. O que as pessoas não percebem (por serem contaminadas por narrati-vas ideologicamente construídas) é que essas mulheres não reproduzem rituais, elas produzem, recriam, resignificam. Há uma movimentação extremamente feminista dentro disso tudo! Mas as pes-soas ainda estão bloqueadas por causa do preconceito com o véu! Elas acham que as barreiras são produzidas pelo véu, mas na verdade são barreiras que as pes-soas mesmas produzem. Mas, dentro das estruturas ideológicas e autoritárias do colonialismo, aprendemos a vê-las como a “outra” e isso nos paralisa completa-mente, não nos desafiamos em repensar e refletir sobre nossas suposições.

- Você já exibiu o filme em algum lugar? Qual foi a reação do público ao docu-mentário?

Já. A reação sempre é muito positiva. Mas tive resposta bem particulares. Uma mulher britânica que se incomodou mui-to com a mulher que usa niqab no filme. Basicamente, eu proponho um trabalho visual diferente com a mulher do niqab, pelo fato de ela mesma desafiar nossas perspectivas em relação ao corpo e ao conhecimento individual dela. A britânica se incomodou muito com isso. Ela queria ter visto a mulher de niqab da maneira como é normalmente representada, ela acredita não conseguir conhecê-la sem

vê-la. Achei interessante a colocação dela que estava claramente bem per-turbada e desconfortável, claramente o filme a tocou num lado bem particular. Outra mulher me perguntou o porquê de eu filmar a mulher de niqab dentro do trem, já que essa “composição” visual gera polêmica. Claro, ela estava operan-do dentro de um discurso, o niqab rela-cionado a terrorismo, e assim relembrou os ataques em Londres. Então, essas questões são interessantes e válidas. Depois que discutimos sobre isso, me parece que ela repensou sua pergunta e até se sentiu envergonhada.

- Planos para vir ao Brasil conversar so-bre o documentário?

Sim, estou indo ao Brasil dia 30 de outu-bro ficar por um tempo indeterminado, em que farei apresentações do docu-mentário e trabalharei no meu próximo. Caso qualquer instituição esteja interes-sada em apresentar o filme com dis-cussões, estou disposta. Podem entrar em contato comigo pelo [email protected]

Joerg Brunsendorf

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A recente mobilização dos estudantes da USP foi marcada principalmente pela ocupação do prédio da reitoria e dis-posição dos estudantes em lutar por seus direitos, e pela indisposição da cúpula diretora da USP - o reitor João Grandino Rodas quem o diga. A intenção era ne-gociar as pautas propostas pelo conjun-to do Movimento Estudantil, e a greve não pode ser entendida por completo sem que se tenha em mente o que os le-vantes de Junho representaram para a sociedade brasileira - em especial para os movimentos sociais.

A luta dos estudantes pela democra-tização de sua universidade vai além de representar uma bandeira restrita à USP, pois visa garantir que todos os res-ponsáveis por dar vida à universidade (professores, funcionários e estudantes) sejam também os responsáveis por dita-rem os rumos da instituição. É necessário refletir os verdadeiros anseios da comu-nidade uspiana – e não apenas as vonta-des de um punhado de burocratas eleitos indiretamente e impostos por via direta. É também uma batalha contra um proje-to elitista de universidade, que visa não à emancipação da maior parcela da popu-lação, uma maioria claramente privada das condições mínimas para se ter aces-so a uma educação pública de qualidade, mas sim à manutenção do conhecimen-to na mão daqueles que já detém o po-der econômico, político e social.

O espaço físico da Universidade de São Paulo, também utilizado pelos ci-dadãos como área de lazer e cultura du-rante os fins de semana torna-se cada

vez mais restrito, de maneira que a so-ciedade cada vez menos faça parte da universidade. Nem mesmo os ônibus universitários, que ligam pontos da USP ao metrô Butantã, permaneceram gratui-tos. O atual reitor da universidade, João Grandino Rodas, criou vínculos com a SPTRANS e instaurou um bilhete único próprio para as duas linhas de circulares, o BUSP, que garante passagens gratuitas apenas para alunos e docentes, excluin-do a maioria de funcionários internos da universidade e toda a comunidade que circula pelo campus, devendo-se pagar pelo transporte. Além disso, a quanti-dade de ônibus que circulam por essas linhas é insuficiente, tornando-as duas das mais cheias da cidade de São Paulo.

Todo esse cenário excludente pode ser explicado pela estrutura de poder vi-gente na USP, que reduz e limita a partici-pação de estudantes e funcionários nos processos de decisão, desde os assuntos particulares aos cursos até aqueles que impactam em toda a vida universitária.

Democracia nas universidades Por Ana Almeida e Igor Leonardo

Folha Press

#opinião

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A escolha para reitor em três turnos Em um primeiro momento, cerca de

2% da comunidade universitária escolhe 8 nomes para concorrerem ao cargo. Essa porcentagem pouco representati-va é composta pelos Conselhos Gerais e Congregações - 88% professores, 8% alunos (de graduação e pós-graduação) e 4% funcionários.

Já no segundo turno, a participação diminui para apenas 0,5% da comu-nidade universitária, ou seja, apenas os Conselhos Centrais e o Conselho Universitário votam. Essa nova seleção faz com que sejam, dos votantes, 87% professores, 12% estudantes e apenas 1% funcionários.

Como resultado, obtemos a “Lista Tríplice”, que contém os três candi-datos mais votados no segundo tur-no. Esses nomes são encaminhados ao Governador do Estado de São Paulo, úni-co responsável por decidir qual deles será o novo reitor da universidade. Em resu-mo: eleição indireta, imposição direta.

Por ser escolhida a dedo pelo Governador do Estado de São Paulo, a nomeação do Reitor da USP sempre vai corresponder a um projeto político, o que não necessariamente - como muitos gostam de insistir - corresponderá à von-tade da maioria da população. Embora eleito democraticamente, é bastante co-mum o governador e o governo imple-mentarem políticas que não dialogam com as expectativas dos eleitores. A re-pressão desenfreada por parte da polícia militar a mando de Geraldo Alckmin é um exemplo claro disso: a maioria da popu-lação, quando envolvida no debate da legitimidade ou não das manifestações de Junho, rechaçou veementemente a ação truculenta e os excessos da PM.

Vimos em junho um exercício de de-mocracia em que a voz do povo ema-nava das ruas. Embora muitos fossem manifestantes de primeira viagem e até apresentassem certa confusão entre o que reivindicavam e o que combati am, ainda assim se mostravam dispostos a ar-riscar uma nova forma de fazer política, em que as decisões não fossem toma das exclusivamente por uma cúpula interes-sada em seus negócios, mas sim através do debate feito com um amplo setor da sociedade. Muitas mentiras caíram em Junho graças ao debate que se pode fazer. E o debate foi o que permitiu reve-lar as reais intenções das mani festações e a serviço de quem estava o governo municipal, o governo estadual e, não nos esqueçamos, governo federal: dos lucros das empresas de transporte.

Mesmo ficando em segundo coloca-do nas eleições, ainda assim o atual rei-tor foi escolhido pelo ex-governador José Serra, o que demonstra a com-pleta falta de democracia no processo. Similar é a escolha de diretores de cada unidade (responsáveis por cuidar direta-mente de cada curso), sendo que entre três nomes finais o reitor escolhe quem será o próximo diretor. Era de se esperar que a falta de representatividade gerasse insatisfação. Muitas das reivindicações de estudantes e funcionários são deixa-das de lado, além de suas opiniões terem força mínima nas congregações hoje tão valorizadas nos processos de decisão da universidade. Nessa conjuntura de mobi-lizações, chegamos à atual e já histórica luta dos estudantes da USP por diretas para reitor.

Durante o mês de julho, no calor das conquistas dos movimentos sociais, o reitor João Grandino Rodas criou uma página na Internet dizendo-se disposto

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a falar sobre o tema de democracia. A partir de então, criaram-se debates para apresentação e discussão de propostas, em sua imensa maioria sem qualquer participação por parte da reitoria. No dia 1 de outubro, ocorreu a reunião do Conselho Universitário que decidiria as mudanças no sistema de eleições da uni-versidade - um espaço a portas tranca-das e com baixa representação de alunos e funcionários. Exigindo uma reunião aber ta, para que todos os interessados pudessem participar da discussão, os dois setores reuniram-se em frente ao prédio da reitoria durante a realização do Conselho Universitário.

Como decidido em Assembléia Geral dos Estudantes, os representantes dos estudantes presentes na reunião le-varam a reivindicação para votação, sen-do que a maioria dos membros votou por não abrir a reunião do Conselho Universitário. Quando tentaram sair para comunicar a decisão aos manifestantes, os estudantes que por direito poderiam participar da reunião foram impedidos de sair e também de voltar, sendo tem-porariamente retidos em uma antessala. Diante desse quadro, foi decidida a ocu-pação da reitoria.

Estudantes e funcionários tomaram juntos a posse do prédio, no qual per-manecem até hoje (até o momento em que essa reportagem foi escrita). Uma Assembleia Extraordinária realizada na mesma noite decidiu pela realização de assembleias de cursos no menor tempo possível, em que o resultado foi a incor-poração de mais de 30 cursos à greve, inclusive vários de pouca tradição no movimento estudantil, como as gradua-ções de Química, Educação Física e Farmácia. E o movimento, crescente, tor-nou-se ainda mais forte com a negação

do poder judiciário ao pedido de rein-tegração de posse da reitoria, deixando claro que se trata inquestionavelmente de reivindicações políticas legítimas, com amparo legal na constituição, con-denando a reitoria por indisposição para negociação e conferindo ao Movimento Estudantil 60 dias para desocupação pacífica do prédio.

No momento, manifestações e de-bates por toda a USP clamam por aber-tura de diálogo. Na última reunião de negociação, realizada no dia 29 de outu-bro, a reitoria mostrou-se ainda intransi-gente quanto ao debate sobre eleições diretas para reitor. Até que essa e outras reivindicações do movimento sejam atendidas, a reitoria seguirá ocupada e a greve na USP seguirá presente em to-dos os espaços, debatendo com a co-munidade acadêmica e a sociedade a importância em se democratizar a universidade.

Juntos, seguiremos na luta para der-rotar a política excludente, repressiva e catalisadora de desigualdades. Viva a luta dos estudantes, docentes e funcionários da USP!

Facebook USP

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#prosa&poesia

“Do metrô parado, vejo os bancos da estação cuidadosamente enfileirados. Todos ocupados. Trabalhadores sonolentos, extenuados. A cabeça de todos ligeiramente caída para um dos lados - e sempre o mesmo lado. Dormem a sono solto, cansados, esperando o trem que chega com vagões lotados - encolhidos, retraídos, dominados. É assim que o sistema deseja vê-los: domados. Fazê-los dormir, rendê-los: escravos. Deixá-los ali, vítimas da mais-valia, dos maus tratos. São a massa crítica do sistema - cuidadosa e silenciosamente desarmados. E os burgueses desalmados? Sonhem, proletários. Nada mais, nada menos: proletários dominados, atacados. Enquanto isso, as cabeças caídas tendem à direita. Ah, proletários...”

anônImo

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Muros de Belo HorizonteGabrIela FIlIppo é estudante de Publicidade e Propaganda

na UFMG e trabalha na Cria Jr.

#fotocontexto

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