revista conexão geraes - 3

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A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL Esta edição da Revista Conexão Geraes aborda alguns componentes da dimensão técnico-operativa da profissão, além de outros temas relevantes para a categoria profissional Ilustração da capa e verso do livro Contribuições para o exercício profissional de assistente social - coletânea de leis, que tem lançamento previsto para outubro de 2013.

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Terceira edição da revista semestral do CRESS-MG.

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1CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013

A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIALEsta edição da Revista Conexão Geraes aborda alguns componentes da dimensão técnico-operativa da profissão, além de

outros temas relevantes para a categoria profissional

Ilustração da capa e verso do livro Contribuições para o exercício profissional de assistente social - coletânea de leis, que tem lançamento previsto para outubro de 2013.

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2 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013

FOTO DE MARCOS PAULO DE JESUS HORÁCIO, VENCEDOR DA CATEGORIA EVENTOS E PAISAGENS E PRIMEIRO LUGAR GERAL DO CONCURSO “NOSSA HISTÓRIA E NOSSA MEMÓRIA: NÃO TIRE NADA ALÉM DE FOTOS”, REALIZADO EM MAIO DE 2013, PELO PROGRAMA PÓLOS DE CIDADANIA, DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG.

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3CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013

ApresentaçãoCara(o) Assistente Social,

Chegamos à terceira edição da revista Conexão Geraes. Neste número, destacamos o tema da dimensão técnico-operativa do Serviço Social. Fundamentalmente, o horizonte de preocupações emergentes no âmbito do Serviço Social exige novas respostas profissionais, o que movimenta significativas alterações nos campos do ensino, da pesquisa e da organização política dos assistentes sociais.

Hoje, somos mais de 18.000 assistentes sociais em Minas Gerais e vivemos em um estado com grandes dimensões e muitas expressões. Queremos, a cada instante, romper com as amarras do conservadorismo que insistem em tentar nos parar.

Vivemos um cenário de lutas e de construção de um projeto ético-político profissional, que afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a opção profissional vinculada à construção de uma nova lógica societária. Vivemos, sim, as contradições impostas pela sociedade capitalista contemporânea, com a mercantilização da vida, com a promiscuidade das relações institucionais que confundem público e privado, reduzindo a esfera pública em favor da manutenção de interesses privados e privatistas.

Reafirmar nossa condição de classe trabalhadora e enfrentar a luta de classe continuam mais atuais do que nunca. A história é construída cotidianamente por nós trabalhadores.

Realizamos em junho deste ano o 3º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, em que foram usadas diferentes expressões - música, vídeo e poesia. Mas no evento, principalmente, palestras e debates afirmaram os nossos posicionamentos na luta pela direção estratégica da profissão em Minas Gerais, e em articulação com o Conjunto CFESS-CRESS e outros sujeitos coletivos, com objetivo de dar ao projeto ético-político fôlego, vida longa e munição na batalha das ideias e das ruas, ao lado daqueles que persistem nas lutas sociais em defesa de uma sociedade sem exploração e sem opressão. Estes são tempos que nos requisitam profunda reflexão e um balanço da nossa construção histórica, tendo em vista realimentá-la.

Nosso esforço coletivo tem buscado garantir espaços de debates e formação continuada a exemplo dos minicursos desenvolvidos, em que os profissionais têm a oportunidade de discutir temas importantes para fortalecer reflexões e qualificar a nossa intervenção profissional.

Devemos sempre nos comprometer com a consolidação e a ampliação dos direitos, especialmente para a parcela da classe trabalhadora empobrecida, marginalizada do acesso aos bens e serviços e destituída dos direitos humanos mais fundamentais: o direito à vida, à educação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à alimentação, para os quais a nossa prática profissional deve convergir com vistas à sua materialização. A não garantia desses direitos revela a violência social inaceitável da sociedade brasileira, que se expressa nas demandas que chegam cotidianamente ao nosso exercício profissional. Em qualquer dos espaços sociocupacionais em que nos situamos, deparamo-nos com demandas por alimentação, moradia, habitação, saúde, por direitos, por justiça e por dignidade, os quais

FOTO DE MARCOS PAULO DE JESUS HORÁCIO, VENCEDOR DA CATEGORIA EVENTOS E PAISAGENS E PRIMEIRO LUGAR GERAL DO CONCURSO “NOSSA HISTÓRIA E NOSSA MEMÓRIA: NÃO TIRE NADA ALÉM DE FOTOS”, REALIZADO EM MAIO DE 2013, PELO PROGRAMA PÓLOS DE CIDADANIA, DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG.

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são cada vez mais negligenciados pela sociedade, sobretudo no momento em que vivemos.

Portanto, discutir a dimensão técnico-operativa do Serviço Social implica reconhecer a sua complexidade, o quanto ela é essencial para nós assistentes sociais, tendo em vista a diversidade de espaços sociocupacionais que transitamos; a própria natureza das ações nos diferentes âmbitos do exercício profissional, como por exemplo, a proposição e formulação de políticas sociais, o planejamento, gestão e articulação de serviços e programas sociais e o atendimento direto aos usuários em diferentes instituições e programas sociais.

O processo interventivo do Serviço Social não se constrói, a priori, sem uma reflexão crítica e propositiva em torno da dimensão técnico-operativa da profissão. Ao contrário, é fundamental que no trajeto, esta construção seja apreendida no processo histórico e socioinstitucional, para que a categoria assimile as condicionantes dadas no curso das relações sociais junto aos atores, segmentos e classes, dentro dos campos de atuação profissional, os quais revestem as ações socioprofissionais de inúmeras determinações que desafiam a materialização do projeto ético-político no campo operativo da profissão. Sabemos que nossa prática profissional está sujeita às limitações impostas pelas instituições nas quais trabalhamos e que, para superá-las, precisamos nos unir e nos organizar politicamente.

O nosso grande desafio, hoje, é avançar nessa direção, o que impõe a necessidade de construção de condições intelectuais através da formação profissional, da pesquisa e da produção de conhecimento. Trata-se, ainda, de aprofundarmos o compromisso por meio do fortalecimento da organização política e da

articulação das lutas no âmbito da profissão e junto às demais forças da sociedade, no intuito de contribuir para a construção de respostas adequadas às contraditórias demandas colocadas ao Serviço Social.

Temos muito para debater, trocar, articular e construir coletivamente. Certamente, esta revista contribuirá enormemente para aprofundar as reflexões sobre os desafios que se colocam ao Serviço Social, na perspectiva de reafirmação de nossos valores, princípios e projeto ético-político profissional.

Boa leitura!

CRESS 6ª REGIÃO

Serviço Social, linguagem e comunicação pública: desafios na contemporaneidadepágina 5

Sobre o financiamento das políticas sociais no Brasilpágina 11

Avaliação de políticas, programas e projetospágina 16

Instrumental técnico e o Serviço Social, é preciso continuar o debate!página 19

A dimensão técnico-operativa e os instrumentos e técnicas no Serviço Socialpágina 25

Cotidiano: produção social da existência humanapágina 31

Breve reflexão em torno da educação popular e do Serviço Socialpágina 34

Autonomia profissional X trabalho assalariado:exercício profissional do assistente socialpágina 37

Considerações sobre a fiscalização aos assistentes sociais que atuam na Nefrologia em Minas Geraispágina 43

O título correto do texto de Eunice Fávero publicado na segunda edição da Revista Conexão Geraes é “Serviço Social e proteção de direitos de crianças vítimas de violência sexual: considerações sobre a escuta profissional e o depoimento judicial”.

Índice

ERRATA

INSTITUCIONAL

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Há alguns anos o Conjunto CFESS-CRESS2 vem construindo uma identidade para o Serviço Social no debate das comunicações e, há cerca de duas décadas, tem construído meios para uma comunicação profícua com a categoria e a sociedade. A realização do 3º Seminário Nacional de Comunicação, com o tema “Serviço Social e Comunicação - Redes Sociais, Linguagem e Política”, em setembro de 2013, vem em momento oportuno e demonstra a ousadia e compromisso da categoria em decifrar a realidade, lutar pela democracia e pelos direitos humanos.

A comunicação do Conjunto CFESS-CRESS emergiu na década de 1990, em decorrência da necessidade de aprimorarmos nosso diálogo com a categoria e com a sociedade, de estabelecermos referenciais e instrumentos de comunicação comuns ao Conjunto, bem como estratégias articuladas de informação e divulgação. A realização de dois Seminários Nacionais de Comunicação (2006 e 2010), com aprovação de diretrizes para a área, possibilitou o desenvolvimento de um trabalho de comunicação articulado entre o CFESS e os CRESS, partindo de uma unidade na diversidade, uma vez que a

autonomia, as particularidades e a capacidade criativa das entidades estão asseguradas.

Atualmente o CFESS, bem como muitos CRESS, já possuem uma Assessoria de Comunicação, sendo que alguns instrumentos de comunicação, a exemplo dos sites, possibilitam um trabalho em rede, ampliando possibilidades de acesso e troca de informações. Sem dúvida, a presença dos profissionais de Comunicação no Conjunto alterou a capacidade interventiva, por assegurar uma maior e melhor visibilidade da categoria e do projeto ético-político. O estágio alcançado aponta para o acerto nas estratégias deliberadas e implementadas ao longo desses anos, o que permite, na atualidade, a entrada no frenesi das redes sociais, já que, ao postar, provoca-se ali uma intensidade de manifestações a qual é preciso estar presente diariamente.

O tema escolhido para ser debatido em encontros regionais, acumulando para o nacional, é um passo importante que está sendo dado na direção da utilização de um instrumento atual que são as redes sociais. Este momento registra o quanto se avançou em relação à política de Comunicação do Conjunto CFESS-CRESS,

Assistente social graduada em 1988 pela PUC-MG. Professora de Serviço Social na UnB. Mestre em Serviço Social e Políticas Sociais pela Uerj. Doutoranda em Comunicação na FAC/UnB

KÊNIA AUGUSTA FIGUEIREDO

Serviço Social, linguagem e comunicação pública: desafios na contemporaneidade 1

Índice

INSTITUCIONAL

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por ampliar possibilidades que vão para além da informação e divulgação de ideias e ações. As redes sociais colaboram para uma relação mais dialógica e dinâmica, promovendo uma maior aproximação e confiabilidade.

No entanto, a abordagem da questão das “redes sociais” deve considerar os nexos existentes, a fim de percebê-la numa totalidade, decifrando as forças políticas em presença no debate sobre comunicação pública, principalmente no que tange à regulação da internet no Brasil e no mundo. Não há duvidas, como aponta Bianco (2005), de que a revolução tecnológica tem alterado a experiência de mundo, assim como a Revolução Industrial modificou as relações técnicas de produção, modificando as relações sociais e de poder. A adesão às redes pode colaborar com o que Freire, na Pedagogia do Oprimido, apontou: ser a comunicação - embora esta possa se dar por meio de muitas linguagens, um encontro entre os homens mediados pela palavra, a fim de dar nome ao mundo. É pelo diálogo que os homens transformam o mundo e, ao transformá-lo, humanizam para a humanização de todos.

Na era das comunicações, o repasse de informações se dá de forma difusa. Antes bastava pagar um espaço no jornal impresso que a comunicação estava assegurada. Hoje os meios são variados, bem como o público. Hoje a categoria dos assistentes sociais está constituída por mais de 100 mil pessoas. Neste sentido, as redes devem estar inseridas na Política Nacional de Comunicação do Conjunto CFESS-CRESS, com todos os cuidados necessários à ética e à linguagem escrita. No entanto, existem questões relacionadas ao mundo das comunicações que os assistentes sociais não podem se omitir, a exemplo do debate sobre os marcos regulatórios da comunicação pública no Brasil e no mundo, já que vivemos em tempos de mundialização.

Como temos acompanhado o debate sobre neutralidade da rede? Sabemos o que é isso? Conhecemos sobre o comitê gestor da internet no Brasil, sobre quem são seus componentes? E ainda, como é construída a governança sobre este assunto? Como tem se dado o desenvolvimento de políticas e leis voltadas para viver em rede, na internet brasileira? Temos estado presente nos debates sobre o Marco Civil da Internet?

O início dos debates sobre redes sociais deve considerar as normativas da área e em especial o acompanhamento do debate sobre o Marco Civil da Internet, em pauta no Congresso Nacional. Sem a perspectiva de totalidade e sem a mobilização de nossa capacidade articuladora e interventiva, corre-se o risco de daqui a pouco o acesso aos diversos tipos de linguagem totalmente disponíveis a todos serem escalonadas de acordo com a capacidade financeira de cada indivíduo. Ou seja, quem tem mais recursos acessará todas as formas de linguagem, quem tem menos acessará menos e etc. Estará instituído um aprofundamento da desigualdade refletida no mundo virtual e aí o sentido de rede social será outro.

O Serviço Social tem um lugar no movimento pela democratização da comunicação, já que lutamos pela democratização da comunicação, pelo direito à informação, pela democracia plena. Então, se há disponibilidade política é preciso entender alguns conceitos, sendo um deles o da comunicação pública, tanto no que tange suas normativas quanto no seu aspecto filosófico.

CONCEITOS

O Artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição de 1988, assegura a todos o direito de receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral,

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sendo estas prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, exceto aquelas cujo sigilo seja necessário à segurança da sociedade e do Estado.

Trata-se do direito à informação, que é um direito social, de acordo com Ramos (2005), que requer transparência e fidedignidade nas informações veiculadas pelo Estado, por meio de seus organismos e de seus agentes. Daqui tem derivado várias ações e normativas, dentre elas a Lei da Transparência Pública, nº 12.527, de 18 de Novembro de 2011. A comunicação pública é um elemento central para o Estado democrático, pois ocupa na comunicação da sociedade um lugar privilegiado ligado aos papéis de regulação, de proteção ou de antecipação do serviço público.

O direito à informação é uma liberdade democrática e condição para uma autônoma e igualitária participação dos indivíduos. A comunicação pública trabalha na lógica da informação como meio de construção da cidadania e pressupõe uma interlocução ativa com o receptor. Trata-se, portanto, de um processo que se instaura por meio de agentes entre o Estado, o governo e a sociedade, e que se propõe a ser um espaço privilegiado de negociação entre os interesses das diversas instâncias de poder constitutivas da vida pública social.

Como se percebe, a luta pela comunicação pública tem uma relação muito estreita com o Serviço Social por estar permeada do mesmo espírito do Código de Ética e da Lei que regulamenta a profissão, bem como do projeto ético-político. Há ainda, na perspectiva da fundamentação teórico-metodológica, as contribuições de Iamamoto (1982), que apontam o conhecimento e a linguagem como instrumentos de trabalho do assistente social.

Neste sentido, é preciso indagar o que é linguagem? De acordo com Chalhub (1990), a linguagem participa de aspectos mais amplos que apenas o verbo. São várias as formas de comunicar:

Costa (2004) aborda que o fenômeno linguístico pode ser considerado como parte do complexo social, entendendo-o como o conjunto de relações sociais. Essas possibilidades de produzir a vida estão vinculadas, de acordo com Marx, com a consciência, sendo a linguagem a exteriorização do individuo consciente. Portanto, a linguagem e consciência possuem uma relação dialética, uma implicação mútua, não podendo ser pensadas uma sem a outra. A linguagem como a consciência é essencialmente social, pois nasce da necessidade de interação entre os homens. Desta forma, linguagem é também o trabalho linguístico geral realizado pela humanidade em sua experiência histórica de comunicação. Por comunicação se compreende “a ação de tornar comum”. Sua raiz é o adjetivo communis, comum, que significa “pertencente a todos ou a muitos”. E o verbo comunicare, comunicar, que significa “tornar comum, fazer saber”.

“Fazer saber” está presente no trabalho do assistente social. Constitui parte de nossas atribuições, conforme indica a Lei que regulamenta a profissão - Lei 8662, de 7 de junho de 1993: prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população (art. 4º, inciso III). Podemos dizer assim, que o uso da linguagem em nosso trabalho tem um valor de uso.

É no sentido de “fazer saber” que a deliberação

“O corpo fala, a fotografia flagra, a arquitetura recorta espaços, a pintura imprime, o teatro encena o verbal, o visual e o sonoro, a poesia que é uma forma especificamente inédita de linguagem, a música irradia sons, a escultura tateia, o cinema movimenta e etc”. (Chalhub, 1990, p.6)

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do 41º Encontro Nacional do Conjunto CFESS-CRESS, realizado em 2012, em Palmas (TO), acerca do uso da linguagem não discriminatória, no caso a linguagem não sexista, deve ser analisada. A questão da não discriminação tem uma relação muito direta com o Código de Ética da profissão, sendo importante o seu destaque. Afinal, sem movimento não há liberdade3. Mas, igualmente, é preciso analisar o período atual, porque “quem erra na análise, erra na ação”4. Se a linguagem tem várias funções, tem um valor de uso e os canais que levam as mensagens são singulares e na atualidade são muitos, o que é prioridade para a categoria em termos do que comunicar e como comunicar.

No campo dos assistentes sociais, há presente no mínimo quatro grandes sujeitos para os quais a comunicação precisa ser estruturada com qualidade para se assegurar densidade, sejam: a categoria em si; as instituições - com ênfase para o Estado, as quais a categoria está vinculada; a sociedade em geral, tendo os meios de comunicação como os possíveis canais para essa aproximação; e os usuários. Destaca-se que a ordem aqui utilizada não reflete relação hierárquica entre os segmentos representados.

Há quase duas décadas, o desafio que vem acompanhando o Conjunto é o de dar visibilidade ao Serviço Social de forma que seja superada a visão messiânica e voluntarista que no geral se tem da profissão. A busca é “fazer saber” a sociedade o Serviço Social reconceituado, capaz de produzir conhecimentos críticos e intervir com qualidade nas manifestações da questão social, pois possui ferramentas teóricas e metodológicas consistentes e comprometidas com a transformação da ordem estabelecida. O desafio enfrentado ao longo desses anos tem sido o de inserir na agenda da sociedade, a categoria como especialistas qualificados para análise e intervenção social. O que se quer comunicar,

fazer saber, é que os assistentes sociais não são gestores da pobreza, mas uma profissão que se reformulou por ser, também, fruto dos “agentes que a ela se dedicam” (Iamamoto, 2012, p.39).

Comunicar isso em tempos de capital fetiche, de desmonte das profissões e precarização do trabalho é remar contra a maré, uma vez que existe todo um construto que culpabiliza a pobreza cotidianamente. Seja pela forma como a mídia estrutura sua mensagem ou pelas ações da sociedade organizada e pelos interesses contidos no Estado, a exemplo do retorno do debate para alteração na legislação sobre a redução da maioridade penal ou da contraofensiva burguesa neste momento representada pelos “Felicianos”, que disputam a permanência em espaços institucionais estratégicos ocupados nos últimos anos por representantes mais identificados com os movimentos sociais.

Além desse cenário político que aponta para limites e possibilidades da comunicação e, portanto, diz sobre linguagens, há também as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que podem ampliar as possibilidades de interação desde que sejam consideradas as características relacionadas ao perfil da linguagem de cada meio. São tempos de utilização de vários meios de comunicação, alguns acessíveis, outros não. O fato é que a deliberação sobre visibilidade da categoria já obteve avanços, mas não êxito, e ainda se mantém como carro-chefe das deliberações do setor, no Conjunto CFESS-CRESS. Neste sentido, é preciso indagar sobre o quanto é oportuno estabelecer como norma geral, a adoção de uma linguagem padrão para todo e qualquer tipo de meio de comunicação. A deliberação, da forma que foi aprovada, desconsidera a especificidade de cada instrumento de comunicação, a linguagem utilizada, bem como os interlocutores. É preciso mediar no sentido de construir uma linguagem que dê visibilidade ao

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compromisso dos assistentes sociais com uma sociedade de iguais, o que necessariamente não passa pela utilização indiscriminada da linguagem não sexista. É pouco provável que num release para a imprensa ou numa peça publicitária se consiga emitir a mensagem com sucesso, utilizando o artigo “o” barra, artigo “a”, ou vice e versa (o/a ou a/o).

Outro elemento contido na deliberação é sobre a “utilização da linguagem não sexista, incorporando a linguagem de gênero como uma ação pedagógica e critica à gramática machista, androcêntrica, heteronormativa e racista”. A ideia contida é muito pertinente e indica um diferencial estratégico no exercício profissional do assistente social: a função pedagógica. No entanto, duas questões precisam ser destacadas: i) as peças de comunicação de massa têm por objetivo destacar um assunto, chamar a atenção do público, divulgar produtos. Elas podem completar e servir de apoio a ações desencadeadas, no caso ações educativas, e não servir especificamente a este propósito, por ter em sua natureza outros propósitos. ii) sendo a linguagem uma ferramenta de trabalho e a tradição oral o recurso de comunicação mais utilizado pela categoria, como compatibilizar no uso da fala esta orientação? É certo que a deliberação está restrita à Comunicação do Conjunto CFESS-CRESS, mas todas as deliberações buscam uma interação com a categoria como um todo. Reflete nela e é refletido por ela.

Estas reflexões apontam para a necessidade de um aprofundamento a respeito da relação entre o Serviço Social e linguagem na era das comunicações. O tema do 3º Seminário Nacional, não poderia ser mais oportuno. Vem iluminar um aspecto da profissão muito pouco visitado pela categoria. Afinal, como o assistente social tem desenvolvido esta ferramenta de trabalho na era das comunicações? Quais reflexões o profissional tem acumulado sobre a linguagem e comunicação na relação com o empregador, a sociedade

e com os usuários dos serviços prestados? Como o profissional percebe a tradição oral como um dos principais recursos de linguagem no exercício profissional? Como o profissional tem incorporado as novas tecnologias de comunicação no trabalho? Elas colaboram para o desenvolvimento da ação pedagógica? Em sendo afirmativo, ela se dá de que forma? E por fim, quais são as linguagens mais requeridas pelo assistente social no cotidiano de seu trabalho e como ele as acessa e as produz?

Enfim, a deliberação do 41º Encontro Nacional demonstrou uma necessidade de a categoria abrir o diálogo com profissionais de outras áreas a fim de ampliar o conhecimento acerca de um elemento essencial ao trabalho do assistente social: a linguagem. Para o momento, com base nas aspirações que a categoria tem carregado ao longo de muitos anos, o de dar visibilidade ao seu papel reconceituado na divisão sociotécnica do trabalho e ainda, visto as particularidades dos instrumentos de comunicação, bem como a relação que o assistente social tem estabelecido com este instrumento de trabalho, importa a flexibilização da deliberação. Ou seja, a adoção da linguagem não sexista no lugar em que for considerado que não haverá prejuízos à mensagem. Desta forma, ela entra como uma recomendação para o Conjunto e deste para a categoria, e não no campo da deliberação que significa aplicação imediata da medida.

Este tempo de travessias constantes em densos nevoeiros, de “tempo que voa e escorre pelas mãos”, exige consistência teórico-metodológica e a capacidade de por meio do pensamento dialético ser capaz de deflagrar processos, com paciência histórica. As Assessorias de Comunicação foram instituídas no Conselho Federal e nos Regionais em decorrência da consciência de que, embora comunicar não seja privilégio de uma profissão, é certo que o uso dos instrumentos exige conhecimento técnico

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para os quais os assistentes sociais não possuem. Importa também o registro de uma deliberação já implementada recente, decorrente do acúmulo de experiência do Conjunto, de realizar ao inicio de cada gestão, cursos que orientam os conselheiros na relação com a mídia, a exemplo de como dar uma entrevista e etc. É corrente em toda a categoria a dificuldade de síntese do assistente social, visto o complexo universo de atuação. No entanto, também é corrente entre a categoria, a necessidade de encontrar meios de simplificar, ou melhor, de ajustar a linguagem a cada público com o qual o profissional se relaciona, seja o usuário, seu empregador, seus pares e a sociedade por meio da mídia.

A questão do Serviço Social e sua relação com a linguagem, bem como sua inserção no debate da comunicação pública precisa ocupar um espaço na formação profissional, como também junto aos profissionais, de forma mais direta, já que é fundamental à qualidade do serviço oferecido a extração do máximo de potencial que a linguagem, enquanto instrumento de trabalho, possa oferecer. Além disso, a presença da categoria na luta pela comunicação como bem público, em contraposição ao monopólio e à mercantilização, significa coerência com as normativas enquanto reflexo da visão de mundo da categoria. Afinal, como especialistas sabemos que a comunicação é um direito humano e a informação essencial para a autonomia e liberdade dos sujeitos.

REFERÊNCIAS

BIANCO, Nelia R. Noticiabilidade no rádio em tempos de internet. http://ebookbrowse.com/bianco-nelia-noticiabilidade-radio-tempos-internet-pdf-d281413421. Acesso em 18 jul. 2012.

BRANDÃO, Elizabeth. Comunicação Pública. Texto apresentado no XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Recife: Mimeo, 1998.

CHALHUB, Samira. Funções da Linguagem. 4. ed. São Paulo: Ática, 1990.

CONJUNTO CFESS-CRESS, Relatório Final do 41º Encontro Nacional do. No mundo de desigualdade toda violação de

direitos é violência. Palmas (TO). Período: 6 a 9 set. 2012. Realização CFESS e CRESS-TO.

COSTA, Nelson Barros. Contribuições do Marxismo para uma Teoria Critica da Linguagem. Documentação de estudos em linguística e teoria aplicada. São Paulo: Mimeo, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50 ed.rev.e.atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

IAMAMOTO, Marilda. “Projeto Profissional, Espaços Ocupacionais e trabalho do Assistente Social na Atualidade”. In: CFESS. Atribuições Privativas do/a Assistente Social em Questão. Brasília, CFESS, 2012.

IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil – Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 2008.

RAMOS, Murilo César. Comunicação, Direitos Sociais e Políticas Públicas. In: MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Unesp, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 2001.

BRASIL. Lei da Transparência Pública, nº 12.527, de 18 de Novembro de 2011.

BRASIL. Lei que regulamenta a profissão de assistente social – Lei 8662, de 7 de junho de 1993.

NOTAS

1 - Texto base do pronunciamento realizado na Roda de Conversa Serviço Social e Comunicação - Redes Sociais, Linguagem e Política, promovido pelo CRESS-MG, em 26/04/2013. Texto ajustado para fins de publicação.

2 - Nomenclatura dada à articulação do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS). Anualmente ocorre o Encontro Nacional do Conjunto CFESS-CRESS, no qual é definida uma agenda política comum a ser cumprida ao longo de um ano.

3 - Campanha de Gestão do Conjunto CFESS-CRESS 2011-2014, intitulada “No mundo de desigualdade, toda violação de direitos é violência”. Esta campanha, lançada em 10 dezembro de 2012, Dia Internacional dos Direitos Humanos, apresenta o slogan “Sem movimento não há liberdade”, divulgando à sociedade, de forma provocativa, por meio de dados e imagens, as múltiplas expressões da violência em nosso país.

4 - Frase recorrente utilizada pelo prof. José Paulo Neto em diversas palestras proferidas.

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Assistente social, mestre e doutora em Serviço Social pela UFRJ

ELAINE ROSSETTI BEHRING

Em 2003 fundamos, na Faculdade de Serviço Social da Uerj, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Orçamento Público e Seguridade Social (Gopss). Hoje somos professores, doutorandos, mestrandos, bolsistas de iniciação científica e, mais recentemente, pós-doutorandos (18 membros). Desde então viemos monitorando o orçamento público federal, com destaque para a Seguridade Social, mas também há pesquisas sobre o orçamento fiscal, outras políticas públicas e sobre os demais entes federativos (estados e municípios). Este acompanhamento vem permitindo chegar a algumas caracterizações da dinâmica político-econômica que envolve a alocação de recursos pelo Estado para as políticas sociais, com destaque para as políticas de Seguridade Social, seu núcleo

duro, ao lado da Educação. Neste breve espaço vamos apenas sintetizar alguns desses pontos de chegada, que para a pesquisa são sempre pontos de novas partidas.

O monitoramento do desempenho do Orçamento da Seguridade Social (OSS) no âmbito do Orçamento Geral da União (OGU) entre os anos de 1997 e 2011, e o acompanhamento da produção sobre o assunto no nível nacional, permitem caracterizar a manutenção de uma espécie de crescimento vegetativo do OSS. Ele cresce quanto aos valores correntes ano a ano, mas abaixo do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), da carga tributária - a receita, e da demanda, com o que vislumbramos certa estagnação como percentual do PIB - entre

Sobre o Financiamento das Políticas Sociais no Brasil

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11,7% em 2008, e 13% em 2012 - e também como peso percentual do OGU - entre 28,3% em 2008 e 31,3% em 2012 - em valores constantes. Esta característica permite afirmar que apesar das mudanças de governo e de mudanças internas na orientação do gasto da Seguridade Social, a exemplo do destaque aos programas de transferência de renda, não houve nesse período um boom de investimento no núcleo central da política social brasileira, que envolve Assistência Social, Previdência, Saúde e Trabalho.

Este crescimento pífio tem sido desigual entre as três políticas que compõem a Seguridade Social brasileira, sendo que o orçamento da Assistência Social sensivelmente é o que tem crescido com maior vigor. A Saúde tem sido a política mais atingida pela lógica de ajuste fiscal que ainda prevalece no Estado brasileiro, com seu orçamento estagnado ou em linha descendente, com o que esta política vem vivendo um verdadeiro processo de privatização induzida, a exemplo da implantação das Organizações Sociais (OS) e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). A Previdência Social sofre injunções da lógica do mercado de trabalho, onde houve crescimento da formalização do emprego, mas, de uma maneira geral, seu orçamento permanece pouco oscilante.

Se nos referirmos ao financiamento, cabe acompanhar a despesa ou execução e a receita. Sobre esta última, tem-se que as fontes do OSS têm sido largamente utilizadas para a política econômica de ajuste fiscal no país, cuja persistência vem enevoada pelos ares neodesenvolvimentistas, ainda que sejam mantidos os parâmetros de alocação do fundo público constituídos desde o Plano Real. Assim, as fontes de recursos que sustentam o núcleo duro da política social, que é a Seguridade Social, são utilizadas para formar o superávit primário e para o pagamento de encargos, juros e amortizações da dívida pública, além

da renúncia fiscal da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), por exemplo, que financia largamente ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A observação da questão tributária brasileira que repercute nas fontes de recursos, mostra que não houve nos últimos anos uma reorientação redistributiva desta política. Assim, o financiamento da Seguridade Social recai fortemente sobre os trabalhadores, considerando a composição da carga tributária brasileira. Por outro lado, deparamo-nos, nesse mesmo período, com tentativas explícitas de realizar uma contrarreforma tributária que aprofundaria ainda mais esse processo. É evidente que existe a necessidade inadiável de uma reforma tributária no Brasil, pois uma das principais características do sistema tributário brasileiro é a sua regressividade. Ele tem impacto sobre os trabalhadores, realizando uma punção dos salários e da mais-valia socialmente produzida e que se transforma em lucros, juros e renda da terra.

A partir de nossa fundamentação na crítica da economia política, observamos que nesse âmbito se realiza uma superexploração do trabalho, já que dele já foi extraída a mais-valia que compõe o excedente, quando a tributação incide sobre o trabalho necessário. Assim, a exploração da força de trabalho na produção é acompanhada de uma espécie de exploração tributária (Cf. também Salvador, 2010 e Behring, 2008, 2010 e 2012). Essa capacidade extrativa de trabalho excedente e necessário compõe o fundo público, cuja alocação será disputada no âmbito da correlação de forças entre as classes e seus segmentos na sociedade civil e no Estado. O fundo público no Brasil é composto por tributação indireta (impostos sobre o consumo) em 58,7%. Isso significa que apenas 25,2% % incidem sobre a renda e 3,4% sobre o patrimônio (Salvador, 2010). Aqui cabe lembrar

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que a falta de correção na tabela do Imposto de Renda (IR) determina o seu pagamento por trabalhadores com renda acima de 3,9 salários mínimos. Em 1995 o limite era de 10,4 salários mínimos, sendo que a partir de 1998 a tabela do IR colocou como tributação mínima, 15% quando a faixa mínima correspondia em 1985 a 5% (Salvador, 2007). A carga tributária brasileira cresceu desde o Plano Real, de 29% para 37% do PIB, o que mostra que o neoliberalismo não construiu no Brasil nenhum Estado mínimo e mais que isso, onerou pesadamente os salários. Os dados anteriores mostram a sua incidência principal sobre os trabalhadores.

Para Evilásio Salvador (2008), vem ocorrendo já há alguns anos uma contrarreforma tributária silenciosa que desonera o capital e a propriedade e onera a renda, sobretudo as baixas rendas. Seu estudo revela que a carga tributária incidiu mais sobre as rendas de 1 a 3 salários mínimos do que sobre as rendas de 30 salários mínimos. É evidente que a reforma tributária que o Brasil precisa é aquela que vai redistribuir renda - no país de maior concentração de renda do mundo; financiar políticas sociais consistentes, universais e redistributivas; e atacar a desigualdade da distribuição funcional da renda, e não apenas o Coeficiente de Gini - usado para medir a desigualdade, cuja queda sutil foi tão comemorada, e que indica não a desigualdade entre a renda do capital e do trabalho, mas sim aquela entre os assalariados, revelados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Na verdade, temos observado que são os benefícios previdenciários e assistenciais constitucionais, associados ao salário mínimo (aposentadoria rural, BPC, RMV), que vêm tendo impactos sobre o Gini, com diminuição das desigualdades entre os trabalhadores. Apesar desse processo não afetar a desigualdade funcional da renda, impor os princípios da equidade, da progressividade e da

capacidade contributiva, no caminho da justiça fiscal e social, e não o da neutralidade, aquele que percebe o Estado como um ente que não deve invadir as relações de mercado, conforme o princípio neoclássico liberal.

No entanto, a proposta que esteve em discussão no Congresso Nacional (PEC 233/2008) segue noutra direção, mostrando um nítido caráter contrarreformista. Por quê? Porque seu principal objetivo é a simplificação tributária e não o enfrentamento das questões que apontamos, e porque não reverte recursos para as políticas sociais. Pelo contrário, atinge as fontes das políticas de Seguridade Social, de Educação e do Trabalho, colocando aquela numa condição de insegurança de financiamento ainda maior que a que vêm revelando nossas pesquisas. Vimos mostrando o quanto recursos da Seguridade Social estão sendo desviados para o pagamento da dívida pública e a formação do superávit primário, pilares da política macroeconômica em curso, desde 1999. No entanto, mesmo sob ataques constantes que vêm produzindo uma obstaculização do conceito de Seguridade Social e a propagação ideológica do malfadado déficit da previdência, há hoje determinações constitucionais a serem cumpridas e fontes de financiamento efetivas para as políticas de Assistência Social, Saúde, Previdência Social, Educação e Trabalho - ainda que sejam atingidas em 20% pela DRU.

As medidas propostas pela PEC 233/2008 são: “a) a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extinção de quatro tributos federais (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins; contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis - Cide; e a contribuição social do Salário-educação); b) a incorporação da

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Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); c) a redução gradativa da contribuição dos empregadores para previdência social, a ser realizada nos anos subsequentes da reforma, por meio do envio de um projeto de lei no prazo de até 90 dias da promulgação da PEC; d) a unificação da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), a ser realizada por meio de lei única nacional e não mais por 27 leis das unidades da federação; e) a criação de um Fundo de Equalização de Receitas (FER) para compensar eventuais perdas de receita do ICMS por parte dos estados; f) a instituição de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), permitindo a coordenação da aplicação dos recursos da política de desenvolvimento regional.”

Portanto, as três fontes mais importantes para a Seguridade Social sofreriam modificações, com a extinção da Cofins e da CSLL e a desoneração da contribuição patronal sobre a folha de pagamento, por meio de legislação específica, após as mudanças constitucionais. A PEC destina para essa área, 38,8% do produto da arrecadação dos impostos sobre renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operações com bens e prestações de serviços (IVA-F). Rompe-se, assim, definitivamente com o princípio constitucional da diversidade das bases de financiamento da Seguridade Social inscrita no Artigo 195 da Constituição de 1988, voltando a uma situação anterior na qual a seguridade disputava recursos com outros setores e entes federativos, caso a proposta avance.

Dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) referentes ao ano de 2007 mostravam que o corte de R$ 36 bi em receitas da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza

Financeira (CPMF) mais a subtração de quase R$ 39 bi, pelos efeitos da Desvinculação de Receitas da União (DRU), extrapolam facilmente os R$ 61 bi do superávit realmente existente do Orçamento da Seguridade Social naquele ano. Os cinco tributos a serem extintos pela PEC (Cide, Cofins, CSLL, PIS, Salário-educação/FNDE), alcançaram aproximadamente um montante de R$ 154 bi em 2008. Essas receitas são vinculadas exclusivamente a fundos sociais que financiam as políticas da Seguridade Social, Educação e Trabalho. No contexto da crise do capital, essas tendências regressivas tendem a se ampliar, principalmente por mecanismos como a renúncia fiscal, para estimular investimentos e sob o argumento de proteger o emprego. O primeiro PAC já fazia isso, desfinanciando a Seguridade Social, a exemplo da alíquota 0% de Cofins para o setor de TV digital, dentre outros expedientes. Esse tem sido o caminho: desoneração dos automóveis, do material de construção, da linha branca de eletrodomésticos, etc. E esses são apenas os impactos para a Seguridade, mas ainda há fortes impactos para a Educação e o Trabalho. Diante dessas constatações, o Gopss passou a participar do Movimento em Defesa dos Direitos Sociais Ameaçados na Reforma Tributária.

O discurso do déficit da previdência é persistente, reproduzido pelos governos e muito especialmente pela grande mídia, apesar da existência factual de um superávit da Seguridade Social, especialmente se a DRU não incidisse sobre suas fontes. Mas a ideia de déficit parte de um cálculo atuarial que desconsidera o conceito constitucional de Seguridade Social, bem como os impactos da DRU e do superávit primário - mecanismos perversos da política econômica em curso - sobre suas fontes de recursos, configurando-se como um forte mecanismo ideológico de deslegitimação da Seguridade Social brasileira e da Previdência

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Social, em especial. Essa estratégia tem um objetivo político econômico evidente, que é fortalecer os fundos de pensão e os bancos, agentes importantes no mundo da finança e que operam neste âmbito com recursos dos trabalhadores, por meio da previdência privada fechada e aberta.

Pelos elementos acima sinalizados, constatamos que ideia de Estado mínimo, largamente difundida pelo pensamento neoliberal é de natureza ideológica, considerando que o Estado não diminuiu em sua intervenção, especialmente na garantia das condições gerais de produção. Pelo contrário, cresceu sua capacidade extrativa, expressa pela carga tributária, ainda que tenha ocorrido uma diminuição patrimonial expressiva com as privatizações. Temos chegado à conclusão de que se alteraram principalmente suas funções, modificando-se o chamado Estado Social na perspectiva da assistencialização, com prevalência das ações focalizadas, numa perspectiva de gestão da pobreza e não de seu combate ou erradicação. Neste passo, ampliou-se a função coercitiva do Estado, com crescimento do encarceramento e equipagem das polícias, com ampla criminalização dos pobres, dos movimentos sociais e extermínio de jovens. É possível afirmar que a perspectiva redistributiva e reformista contida limitadamente na Constituição de 1988, inspirada no projeto social-democrata e beveridgeano e na teoria da cidadania em Marshall, foi posta de lado, seja em tempos de neoliberalismo explícito, seja sob a égide do projeto liberal periférico, que reivindica o novo-desenvolvimentismo, caracterização bastante polêmica.

O fundo público, que tem crescido e não diminuído, vem se configurando como um suporte estrutural do processo de acumulação do capital, operando no circuito do valor, por

meio de sua repartição (entre lucro e juro, por exemplo), da aceleração ou interferência na rotação do capital (realização do valor), e da gestão de contratendências à operação da queda tendencial da taxa de lucros, tendo em vista amortecer/controlar os ciclos de crise. Contudo, esse lugar do fundo público no circuito do valor é a expressão mais contundente da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção. Este é um desenvolvimento teórico que está em curso atualmente no Gopss, ou seja, analisar os processos de alocação do fundo público à luz da crítica da economia política e da correlação de forças na luta de classes que não tem favorecido um financiamento redistributivo e de cobertura ampliada da política social brasileira.

REFERÊNCIAS

BEHRING, Elaine Rossetti. Trabalho e Seguridade Social: o neoconservadorismo nas políticas sociais. IN: BEHRING, Elaine Rossetti e ALMEIDA, Maria Helena Tenório de. Trabalho e Seguridade Social – percursos e dilemas. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

BEHRING, Elaine Rossetti. Acumulação Capitalista, Fundo Público e política social. IN: BOSCHETTI, Ivanete, BEHRING, Elaine Rossetti, SANTOS, Silvana Mara de Morais dos e MIOTO, Regina Célia Tamaso (ORGs.). Política Social no Capitalismo: Tendências Contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008

BEHRING, Elaine Rossetti. Crise do Capital, Fundo Público e ValorIN: BOSCHETTI, Ivanete, BEHRING, Elaine Rossetti, SANTOS, Silvana Mara de Morais dos e MIOTO, Regina Célia Tamaso (ORGs.).Capitalismo em Crise, Política Social e Direitos. São Paulo: Cortez, 2010

_________________. Rotação do Capital e Crise: fundamentos para compreender o fundo público e a política social. In: SALVADOR, Evilásio, BOSCHETTI, Ivanete, BEHRING, Elaine e GRANEMAN, Sara (Orgs.) Financeirização, Fundo Público e Política Social. São Paulo: Cortez, 2012.

SALVADOR, Evilásio. Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.

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Assistente social, graduada em Direito, mestre em Serviço Social pela UFPE, doutora em Sociologia pela Université La Sorbonne-Nouvelle e pós-doutora em Psicologia da Educação pela UnB

ANA CRISTINA BRITO ARCOVERDE

A avaliação de políticas, programas e projetos tem se constituído, nas últimas décadas, em desafio incontornável e crescente para um número cada vez maior de gestores e pesquisadores envolvidos, direta ou indiretamente, com os rumos da política pública, tanto no Brasil, como no mundo todo.

No contexto brasileiro, o tema tem adquirido maior visibilidade na agenda pública, sobretudo a partir dos anos 1980, quando os movimentos sociais passaram a demandar um alargamento do horizonte das políticas públicas e, em particular, das políticas sociais, exigindo destas a universalização e a transparência na condução administrativa e financeira. Simultaneamente, desenvolve-se um movimento de pressão dos organismos financiadores, principalmente os internacionais, no sentido de dimensionar a política pública e inseri-la num contexto de maior racionalidade dos gastos públicos.

Assim, avaliar políticas, programas e projetos, sobretudo os públicos, ergue-se como condição essencial para obtenção de financiamentos, a partir de três lógicas de aferição: eficiência, efetividade e eficácia.

O processo de redemocratização do país validou a avaliação de políticas públicas como uma necessidade de colocar os gestores públicos frente a um crescente patamar de responsabilidade com a chamada “coisa pública”, contribuindo para consolidar o debate democrático, na medida em que auxilia as tomadas de decisões sobre os fundamentos, as diretrizes e os rumos da política. Ao mesmo tempo, a redemocratização favorece maior aproximação com esses pontos, através dos diversos sujeitos sociais envolvidos na sua execução, impulsionando a superação da opacidade própria aos períodos ditatoriais. Portanto, a avaliação passa a ser incorporada à gênese, ao desenvolvimento e aos resultados das políticas públicas no Brasil.

Política pública guarda coerência e pertinência com a relação construída entre Estado e

“Entende-se por eficiência ou rentabilidade econômica, a relação entre os custos despendidos e os resultados do programa; por efetividade, a relação existente entre resultados e objetivos; e por eficácia, o grau em que objetivos e metas foram alcançados na população beneficiária, num determinado período de tempo.” (SILVA, 2001, p.47).

Avaliação de Políticas, Programas e Projetos

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sociedade no Brasil, que nasce sob o signo do autoritarismo, sob regimes políticos centralizadores, concentradores e excludentes. Historicamente, a política pública tem apresentado perfil paternalista, clientelista e autoritário, assumindo traços privatistas presentes na cultura política brasileira, que construiu um Estado aprisionado aos interesses de determinadas classes sociais. Razão pela qual o clientelismo e a corrupção, sem falar nos insucessos dos resultados no campo das políticas públicas, têm sido apontados como problemas cruciais na condução da política pública brasileira, e que colocam em evidência a imbricação entre o público e o privado, a supremacia do poder de determinadas classes e grupos sociais sobre os interesses universais.

É nesse âmbito que afirmamos a importância dos processos avaliativos como ferramentas capazes de conferir qualidade e visibilidade às demandas atendidas na esfera das políticas públicas. “A avaliação implica no exercício de importante direito democrático: o controle sobre as ações de interesse público.” (Gomes, 2001, p.21).

A avaliação da política pública é concebida como ferramenta precípua para alargamento da esfera pública e da participação da sociedade civil, favorecendo ações substanciadas nos princípios da transparência e da democracia entendida como socialização da política. Avaliação é:

O substantivo ou a palavra “avaliação” possui ou é utilizado no sentido lato e significa “determinar a valia”, valor, preço, merecimento ou estima de algo, mas, a avaliação é feita sem a

percebermos cotidianamente. No sentido estrito, ela é complexa, orienta-se pelo método científico e possui múltiplas dimensões, sejam: valorativa, cognitiva, comportamental. Dependendo da área de conhecimento, a avaliação procura dar conta de problemas, realizar mensurações e buscar instrumentos capazes de aferir cada dimensão.

Avaliação inclui a dimensão técnica e metodológica, além da teórica e política. A avaliação de políticas públicas se trata de métodos e técnicas da pesquisa social, que darão sentido à busca de subsídios para afirmar da contribuição ou não das mesmas para a melhoria das condições de vida da população em geral, e para a intervenção do Estado na realização da “res” pública.

Avaliação é também entendida como uma ação que produz conhecimento, embora seja mais reconhecida a importância da avaliação como modo de julgar processos ou ações. (Barreira, 2000, p.17). É importante reforçar que suas duas dimensões, a técnico-metodológica e a política, não estão isoladas, mas estão articuladas, e que, em ambas, lança-se mão de métodos e técnicas da pesquisa social aplicada, que conferem sentido quando for possível subsidiar decisões e ações concretas. (Gomes in Silva, 2001, p. 48).

Cohen & Franco (1993) tipificam avaliação conforme o momento em que ela é realizada e seus objetivos, a saber: antes, durante e depois. Na avaliação ex-ante, são antecipados os aspectos a serem considerados no processo decisório para conferir racionalidade ao mesmo; ordenar a política, programas e projetos segundo a eficiência e até decidir se devem ou não ser implementados. Para tanto, requer-se a análise da relação entre custo e benefício e entre custo e efetividade. Na avaliação ex-post,

“estratégia de construção da esfera pública como mecanismo de articulação entre Estado e sociedade civil numa perspectiva de crescente democratização da vida brasileira, em uma nova ordem social que valoriza a universalização dos direitos de cidadania.” (GOMES, 2001, p.31).

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que é realizada durante ou após a execução do projeto ou ação, o objetivo é buscar subsídios para fundamentar decisões qualitativas de manter ou introduzir modificações. Trata-se de avaliação de processo ou concomitante e avaliação terminal ou do depois, que é a avaliação de impacto.

Browne & Wildavsky (1984), utilizando o critério do tempo de realização, classifica a avaliação como: retrospectiva, prospectiva, formativa, contínua e integrativa. Ainda, Cohen & Franco (1993) e Aguilar & Ander-Egg (1994), conforme quem realiza a avaliação, apontam para os tipos seguintes: externa, avaliação realizada por pessoas estranhas ao quadro da instituição, programa ou ação; interna ou auto-avaliação, realizada no interior da instituição por pessoas vinculadas ou não à formulação ou execução do programa. Ainda, falam de avaliação mista, que combina as modalidades interna e externa com a intenção de superar os limites de ambas e preservar as suas vantagens.

Quanto aos destinatários das avaliações, Silva (2001), baseada em Cohen & Franco, indica serem os dirigentes superiores, os administradores e os técnicos que executam o programa, o projeto ou realizam as ações, os destinatários das avaliações. Pouco se focaliza a população como participante e destinatário da avaliação. Saul (1998, p.97-98), tratando da avaliação no bojo da ação educacional, chama a atenção para os pressupostos teórico-metodológicos e políticos que vão de encontro à avaliação de cunho positivista, e aponta para a avaliação emancipatória que se expressa como uma dimensão de prática social que influencia e é influenciada pelos contornos que a cercam. Assim, ao lado de decisões técnicas, uma proposta de avaliação, em especial a de políticas públicas, envolve decisões teóricas e políticas.

REFERÊNCIAS

AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas sociais. Petrópolis: Vozes, 1994.

ARCOVERDE, Ana Cristina Brito. Avaliação dos Impactos socioeconômicos dos Empreendimentos solidários em Pernambuco. (Projeto de Pesquisa).

BARREIRA, Maria Cecília Roxo Nobre. Avaliação participativa de programas sociais. São Paulo: Veras Editora, 2000.

BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor de; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em políticas públicas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

BOBBIO, N. O conceito de Sociedade Civil. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio Grande do Sul: Edições Graal Ltda. (Biblioteca de Ciências; v.23).

BROWNE, A.; WILDAVSKY, A. (1984), “Implementation as exploration”, in: Pressman, J., Wildavsky, A. (Eds.), Implementation, 3 ed. California: University of California Press, pp.195-215.

COHEN, E. & FRANCO, R. COHEN. Avaliação de projetos sociais. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.______________ Avaliação de projetos sociais, 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

GOMES, Maria de Fátima Cabral Marques, Aspectos teóricos metodológicos da pesquisa avaliativa. In: SILVA, Maria Ozanira Silva e (ORG). Avaliação de Políticas e programas sociais teoria e prática. São Paulo: Vozes, 2001.

RICO, E. M. (Org.). Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez, Instituto de Estudos Especiais/PUC-SP, 1998.

ROCHE, C. Avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs: aprendendo a valorizar as mudanças. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SAUL, Elizabeth ET Melo, Ana Maria. Avaliação Participante: uma abordagem crítico - transformadora. In: Elizabeth Melo Rico (org.) - Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1998.

SILVA, Maria Ozanira Silva e (Org.). Avaliação de Políticas e programas sociais teoria e prática. São Paulo: Veras, 2001. (Núcleo de Pesquisa, 6)

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REFLEXÕES INICIAIS

É inegável o reconhecimento das profundas mudanças societárias em curso, mesmo que sob a égide de um modo de produção, o capitalista, que se tornou hegemônico e globalizado.

Em particular, o conjunto de mudanças científicas e tecnológicas que após a revolução industrial, consolidaram ao longo do século XX, um sistema onde impera o fluxo de informações, a velocidade de transformações, e a concentração das decisões.

Este sistema científico e tecnológico teve sua constituição com a reorganização do trabalho humano por meio da força da máquina, o que afetou intensamente o seu tempo e o espaço de trabalho, culminando com a presença da informática e a automação da sociedade.

Esta sociedade tecnológica gerou um conjunto de mudanças que afetam todas esferas da sociedade, isto é, a esfera econômica (base material), a esfera cultural (simbólica, o campo das ideias), e a esfera política (as inflexões no mundo do trabalho, na distribuição da riqueza e na socialização do poder).Inexoravelmente, própria do modo de produção capitalista, gesta-se um conjunto de contradições e crises por meio da reestruturação produtiva, da restauração econômica do capital e do ambiente de intervenção política entre Estado e sociedade,

expressões das relações de classe, que revelam as faces da desigualdade e da violência no cotidiano daquelas esferas.

Cabe destacar que não são mudanças exógenas ao homem, ao contrário, é fundamental reconhecer que são todas realizadas, produzidas e gestadas por este, em sua constituição histórica. Mesmo quando em vários momentos e circunstâncias, o produto de seu trabalho (humano) e de suas relações no intercâmbio com a natureza e a sociedade, pareça autonomizar-se e afastar-se dele, como produto exterior a ele. Esta condição humana contemporânea, a nosso ver, traz duas questões importantes a serem destacadas acerca da ciência e da ética.

No campo da ciência, vê-se com grande divulgação que os avanços científicos e tecnológicos contribuíram, ao longo do século XX e nesta primeira década do século XXI, para um conjunto de transformações cotidianas no âmbito das relações sociais e de produção impressionantes, aquilo que muitos autores têm denominado de transformações no mundo do trabalho. No entanto, é relevante lembrar que a ciência é parte das forças produtivas.

Isto é melhor compreendido se pensarmos que os avanços da ciência integraram-se com o desenvolvimento da tecnologia industrial e

Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

HÉLDER BOSKA DE MORAES SARMENTO

Instrumental técnico e o Serviço Social, é preciso continuar o debate!

A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL

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militar, e, recentemente para a esfera do mercado (financeiro e de serviços) e sua globalização. Aquilo que se colocava como “uma nova Atlântida” para lembrar Bacon (séc. XVI) ou como a fonte do progresso e de uma “nova humanidade” em Comte (séc. XIX) foi sendo reconhecido criticamente pelo cientificismo, e denunciado como uma concepção de domínio da natureza e da economia de forma destrutiva e exploradora. Muito mais do que isto, implicou uma forma de racionalidade que foi se enraizando no desenvolvimento econômico e sociocultural, base de legitimidade das sociedades modernas e contemporâneas.

Esta racionalidade tecnocientífica (instrumental), desdobrou-se em um pensamento autoritário, que implica a especialização e o controle para além da esfera produtiva da fábrica, mas acima de tudo para a esfera pública, inclusive estatal, reduzindo o campo da participação democrática.

Na contemporaneidade, avançou ainda mais, penetrando na esfera da vida privada, ao ponto de recriar necessidades e manipular desejos, transmutando todos em consumidores de massa e, qualquer crítica a esta condição, é considerada irracional e sem qualquer valor.

O principal fator de embate do pensamento positivista, a neutralidade, torna-se inoperante, pois o desenvolvimento científico e tecnológico forja novas relações no campo da produção e da reprodução social, isto é, definiu uma nova moralidade no campo das organizações e instituições, da cultura e do poder. Com esta condição, as implicações morais, gestaram novas sociabilidades (questão ética).

O homem contemporâneo transformou-se. Aquele homem que construiu sua própria condição de fazer escolhas como sujeito moral, torna-se a cada dia, objeto, ou seja, perde sua condição de sujeito, compromete sua condição ética e política de fazer escolhas, decidir e agir/responder sobre sua própria vida, agora definida pelo mercado (esse grande

regulador de nossas relações), capaz de produzir felicidade, na proporção direta em que consome a si mesmo.

O destaque desta breve incursão, não é o de retomar certo cientificismo que reforça o deslocamento da ciência da esfera sócio-histórica, e é preciso cuidado para não incorrer neste, nos dias atuais. A intenção aqui, vai na direção de afirmar que o homem contemporâneo parece perder sua posição central na vida societária. O desenvolvimento científico e tecnológico tem sido tão intenso e alcançou dimensões antes impensáveis, que o homem perde sua condição de sujeito, sua humanidade.

É esta confluência que nos deixa tão preocupados com as questões entre ciência e ética na sociedade contemporânea, dado que as esferas material (econômica), cultural (simbólica) e política (poder), imbricam-se mutuamente, se transformam e tornam-se mais complexas, porém, mantendo o trabalho alienado, o trabalhador em mercadoria, e o homem limitado ao consumo, e não potencializado em sua condição de ser sujeito das situações.

Recorrendo a Marx, na introdução de “Para a crítica da economia política”, ainda em sua primeira parte, ele nos dá pistas para pensar estas relações quando ao falar sobre a produção, consumo, distribuição, troca/circulação afirma “cada um não é apenas imediatamente o outro, nem apenas intermediário do outro: cada um, ao realizar-se, cria o outro”. (Marx, 1985, p. 111)

No mesmo texto, continua,

Esta perspectiva de análise nos faz compreender que estas questões estão muito mais articuladas

“a produção não produz, pois unicamente o objeto de consumo, mas também o modo de consumo, ou seja, não só objetiva, como subjetivamente. Logo, a produção cria o consumidor. (...) a produção não se limita a fornecer um objeto material à necessidade, fornece ainda uma necessidade ao objeto material. (...) a produção não cria somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”. (Marx, 1985, p. 110)

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e imbricadas, portanto, a reiteração da concepção de totalidade apontada de que “o resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, o intercâmbio, o consumo, são idênticos, mas que todos eles são elementos de uma totalidade, diferenças dentro de uma unidade” (Marx, 1985, p. 115) exposta na afirmação de que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso” (Marx, 1985, p. 116).

E O SERVIÇO SOCIAL?

Diante de tão profundas mudanças e contradições pergunta-se: o ser humano é o mesmo? Mudou apenas a sintaxe? Não. O que foi indicado aqui não é apenas uma forma de disposição, relação e combinação das palavras na frase e das frases no discurso.

Estamos diante de uma diversidade de situações e ambiguidades de grande proporção, uma realidade contraditória e em movimento, na qual não parece ser possível controlar todas as suas variáveis. Tanto pela condição na qual se encontra o sujeito (objeto) como na proporção em que predomina o objeto (sujeito).

Se o homem mudou e com ele suas formas de sociabilidade, suas relações sociais e de produção, não mudaram também os meios ou instrumentos com que ele transforma o seu mundo?

O que está sendo indicado é que novas configurações se fazem nos espaços de trabalho, nas formas de compreender este e nas intencionalidades que são impostas. Porém, cabe observar que esta indicação acerca do trabalho e das formas de pensar sobre ele seguem as condições sociais e históricas em que os indivíduos vivem, isto é, a forma como executamos e a maneira como pensamos.

Nas atuais condições societárias, o trabalho não tem se tornado apenas um processo de alienação, também se expressa como sofrimento,

desprazer e impossibilidade de realização humana. Isto é, sempre quando há comprometimento da possibilidade de emancipação, condição ou eliminação desta forma de compreensão crítica há descaracterização do trabalho e da condição humana.

As transformações em curso provocaram mudanças na realidade e, portanto, não teriam também modificado a forma e o conteúdo técnico, ético e político da intervenção humana?

Acredito que este movimento tem provocado profundo impacto nas práticas sociais que intervêm no processo de produção material e espiritual da força de trabalho. E consequentemente, tem chegado com a mesma intensidade nas práticas profissionais, por meio da divisão social e técnica do trabalho.

Isto pode ser melhor compreendido se refletirmos um pouco sobre as alterações no mercado de trabalho e nas condições de trabalho, por meio de uma refuncionalização de procedimentos e rearranjo do perfil profissional e suas atribuições, situações que impõem o surgimento de novas problemáticas e mobilizam novas competências.

Estas mudanças em curso têm gerado novas necessidades que são incorporadas pelas exigências dos sujeitos demandantes (e seus interesses de classe), expressadas em requisições socioinstitucionais e técnico-operativas, materializadas por meio do mercado de trabalho.

Esta questão, portanto, tem rebatimento direto no Serviço Social. É evidente que uma profissão e os seus profissionais não desfrutam em qualquer condição de plena autonomia, ela é sempre relativa. É importante reafirmar que o Serviço Social faz parte do trabalho coletivo, ou seja, produz efeito nas condições materiais e sociais daqueles que trabalham – reprodução da força de trabalho. Porém, o assistente social para seu exercício profissional, não dispõe de todos os meios necessários para efetivação do seu trabalho, sejam financeiros, técnicos e humanos, pois

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depende de recursos, programas e projetos. As instituições organizam o trabalho do assistente social, assim como, o profissional também organiza/operacionaliza as políticas institucionais e seus serviços, em suas distintas dimensões e em diferentes perspectivas (vale aqui reafirmar a posição de defesa dos direitos sociais, da liberdade e da democracia assumidos pela profissão).

Da mesma forma e consequentemente, o conhecimento, por si só, não determina os procedimentos particulares para a condução da intervenção profissional, e vice-versa. Ainda, a intervenção profissional remete efetivamente a um conhecimento que a profissão historicamente desenvolveu e assimilou na divisão social do trabalho, e que hoje, fazemos sua crítica.

Portanto, podemos afirmar que é impensável uma discussão metodológica sem uma reflexão teórica que lhe forneça suporte, portanto, teórico-metodológica. E esta fundamentação teórico-metodológica, diz respeito ao modo de ler, de interpretar e de se relacionar com o indivíduo social, com a sociedade presente que, é uma relação entre o sujeito cognoscente (que está buscando compreender e desvendar esta sociedade) e o objeto investigado (que ao ser compreendido é passível de ações que podem transformá-lo).

Um dos pontos de destaque apresentado pelas reflexões marxianas (Coutinho, 1990) é que, na sociedade, há uma articulação entre o momento da causalidade e o momento da teleologia, ou seja, entre o fato de que as ações humanas são determinadas por condições exteriores aos indivíduos singulares e o fato de que, ao mesmo tempo, a sociedade é constituída por projetos que os homens tentam implementar na vida social.

Nesta reflexão, parece-nos que os fenômenos sociais são formados simultaneamente por momentos de estrutura e de ação, ou por determinismo e liberdade. Por mais factual que seja a sociedade, a ação humana individual ou coletiva é sempre teleológica, para a qual a construção dos meios é fundamental, e o trabalho é constituinte

deste processo, elemento indissociável desta construção.

Portanto, os processos de trabalho realizados pelo assistente social, não estão desconectados destas condições e contradições, destas determinações, e das questões da ciência e da ética, mas de que maneira tem se colocado para os próprios profissionais?

Um primeiro ponto que é preciso indicar acerca destas questões refere-se ao fato que o estudo, pesquisa e sistematização acerca dos instrumentos e técnicas em Serviço Social não são meramente uma afirmação tecnicista de profissionais que abdicam de referenciais teóricos críticos e buscam meios de aplicação teórica. Muito menos há espaço para a neutralidade nesta discussão e definição de instrumentos e técnicas no exercício profissional. Da mesma maneira, não cabe a pobre crítica ao estereótipo de profissionais que buscam apenas aplicar técnicas em seu trabalho, como se elas fossem destituídas de sentido e interesses, sejam quais forem.

Creio que colocar-se nos processos de trabalho é, também, pensar e construir meios de sua efetividade, isto é, posicionar-se e constituir instrumentos que permitam a realização das intenções projetadas. E para esta construção, o exercício da crítica e da criatividade é imprescindível, o contrário, seria reforçar a negação de sujeito profissional. A crítica se realiza apenas com o esforço de uma razão que reconstrói o campo das mediações e vínculos entre o possível e o realizado. A criatividade é poder trazer à existência aquilo que não foi realizado (ALVES, 2013). No entanto, é um movimento que implica a razão, mas não apenas o intelecto. É fundamental que esta seja compreendida e articulada ao campo dos sentidos, do corpo, e da construção da linguagem em sua concepção ampliada.

Um segundo aspecto, é o fato de que novas formas de gestão do trabalho têm se efetivado em nosso cotidiano do exercício profissional no espaço público e privado. Novas formas de

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gestão, que trazem concepções de mundo, estratégias e objetivos muito bem definidos, compondo aos assistentes sociais, um espaço de atuação diferenciado, se não em sua essência (pois não indicam em sua intencionalidade novas sociabilidades), manifestam-se nas diferenciadas modalidades de racionalidade e de conhecimentos procedimentais acerca das políticas, programas e projetos em andamento.

Nesta direção podem ser indicadas algumas expressões de nossos espaços sócio-ocupacionais. No espaço do judiciário, hoje, no que se refere aos conflitos de paternidade, têm um componente que demarca o terreno biológico desta questão, que é o exame genético (mesmo que o conflito não se reduza a esta realidade). Nas áreas da assistência social ou da saúde, sem dúvida, nossas ações implicam e são acompanhadas pelos registros técnicos que fazemos nos sistemas de informação próprios destas políticas e seus respectivos programas informatizados. O processo de descentralização das políticas forçam os profissionais a uma atuação ampliada no campo da organização e implementação de políticas nos municípios e de seus mecanismos de participação e controle social. Estes exemplos indicam novas requisições aos profissionais, e por que não, novas racionalidades e consequentemente inovações instrumentais (mesmo que a racionalidade instrumental ainda seja predominante).

No entanto, não nos restringimos a este aspecto do espaço sócio-ocupacional, é preciso considerar as novas configurações “instrumentais” (racionalidade e procedimentos) que são trazidas por estas políticas e programas tais como o “acolhimento”, a “escuta qualificada” e a “busca ativa”. Por serem proposições aliadas as políticas governamentais e a política social, por meio de “normas operacionais básicas” são menos autoritárias e democráticas? Isto nos leva ao terceiro aspecto, os instrumentos são pensados e criados no marco de referências teóricas, são criados por meio de um conjunto de intenções éticas e políticas, portanto, não eram e nem são neutros e, por serem novos, não indicam necessariamente superação. Mesmo assim, quais análises têm sido feitas destas novas proposições

instrumentais e qual a qualificação técnica e política realizada para subsidiar nossa formação e exercício profissional? Não creio que secundarizando esta discussão seja possível avanço em nossa atuação profissional1.

Há que se fazer de forma competente um conjunto de procedimentos que sejam articulados entre si, isto é, técnicos (no sentido de saber fazer e conduzir tecnologia e conhecimentos); políticos (tomar posição e fazer escolhas na articulação de sujeitos e movimentos sociais); teóricos (capacidade de análise, compreensão e projeção); ético (não basta querer, é preciso saber o que se quer conhecer os fundamentos dos princípios e valores que norteiam nossas ações, tais como igualdade, justiça e liberdade).

O seguinte aspecto, quarto, pode ser demonstrado em algumas dimensões objetivas que compõem os processos de trabalho dos assistentes sociais, são dimensões que se complementam e realizam no cotidiano do exercício profissional:

- a dimensão concreta, que se refere à tecnologia com a qual se pode contar para realizar o trabalho, e às condições materiais e/ou ambientais em que se realiza;- a dimensão gerencial, que se refere ao modo pelo qual o trabalho é gerido, segundo o exercício das funções de planejar, organizar, dirigir e controlar.- a dimensão socioeconômica que abrange a articulação entre o modo de realizar o trabalho e as estruturas sociais, econômicas e políticas da sociedade.- a dimensão ideológica que consiste no discurso elaborado e articulado sobre o trabalho, no nível individual e coletivo, justificando o entrelaçamento das demais dimensões, especialmente, as relações de poder.- a dimensão simbólica, quando abrange os aspectos subjetivos da relação de cada indivíduo com o trabalho e suas relações com os demais sujeitos.

E, por último, temos realizado poucos estudos acerca do sujeito profissional, em sua particularidade e singularidade. Não há dúvidas

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no quanto avançamos acerca das reflexões sobre as condições objetivas do assistente social enquanto trabalhador. Agora, se o trabalho e suas condições são hoje tão alienantes e alienadoras, como o assistente social tem se percebido e colocado enquanto sujeito ético e político? Como ser um sujeito de direitos em uma sociedade que nos materializa enquanto objetos? Quais são as condições em que temos criado, recriado e operado nossos instrumentos de trabalho?

É fundamental que o assistente social seja reconhecido como sujeito que pensa, sente, e age, que também sofre e vive, são razões e emoções que compõem um quesito fundamental para o exercício profissional e o domínio do instrumental técnico em Serviço Social. Mais uma vez, recorremos a Marx, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos quando nos diz

E, ainda em Marx, mas outro texto, ele nos indica que a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho ou capacidade de trabalho o

É possível pensar e definir instrumentos e técnicas para o exercício profissional, desconectadas dos sujeitos profissionais que os operam, experimentam e vivenciam?

São aspectos para pensar, refletir com toda acuidade e atenção teórica, ética e política. Se dantes nos colocávamos em uma arena restrita de crítica ao tecnicismo, hoje, os avanços científicos e tecnológicos penetraram as tramas de nosso cotidiano profissional. O que sem dúvida, nos impõe condições em uma sociedade altamente tecnificada, mesmo assim, é fundamental a qualificação do debate científico e tecnológico, inclusive dos meios de trabalho, como pauta de uma área de conhecimento que ainda precisa consolidar-se.

Estes são apontamentos que nos inquietam e desafiam a continuar o debate sobre o instrumental técnico em Serviço Social.

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Variações sobre o prazer: Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette. São Paulo:Planeta do Brasil, 2011.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci e as Ciências Sociais. In Revista Serviço Social e Sociedade. Ano XI, nº 34. São Paulo: Cortez, 1990.

MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. In Marx, coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1985. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 1, Parte III, Cap. 5.10ª ed. São Paulo:, Difel, 1985.

SARMENTO, Hélder Boska de Moraes. Instrumentos e Técnicas em Serviço Social: elementos para uma rediscussão. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1994.

SARMENTO, Hélder Boska de Moraes. Instrumental Técnico e o Serviço Social. In SANTOS, CM.; BACKX, S.; GUERRA, Y. (orgs) A dimensão técnico-operativa no Serviço Social: desafios contemporâneos. Juiz de Fora/MG: Editora UFJF, 2012.

SANTOS, Claudia Mônica; BACKX, Sheila; GUERRA, Yolanda (orgs). A dimensão técnico-operativa no Serviço Social: desafios contemporâneos. Juiz de Fora/MG: Editora UFJF, 2012.

NOTA

1 - Este tema foi estudado e sistematizado com uma discussão específica sobre os instrumentos e técnicas em Serviço Social (Sarmento, 1994).

“é somente graças à riqueza objetivamente desenvolvida da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva é em parte cultivada, e é em parte criada, (...). Pois não só os cinco sentidos, como também os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor, etc), em uma palavra, o sentido humano, a humanidade dos sentidos, continuem-se unicamente mediante o modo de existência de seu objeto, mediante a natureza humanizada. A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história universal até nossos dias.” (Marx, 1985, p. 12)

“conjunto das faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie” (Marx, 1985a, p.187).

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As reflexões trazidas aqui são parte do que estamos estudando e já escrevemos sobre a questão da dimensão técnico-operativa e dos instrumentos e técnicas no Serviço Social (SANTOS, 2002, 2008, 2010 E 2012; SANTOS E NORONHA, 2010; SANTOS, BACKX E GUERRA, 2012). Neste sentido nosso objetivo não foi o de trazer elementos novos ao debate, mas sim, socializar esse estudo com a categoria profissional, desta forma, ampliar essa discussão e dar continuidade ao mesmo.

Este artigo guarda quatro constatações que vêm fundamentando nossas indagações, a saber:

1ª - que a intervenção profissional do assistente social é constitutiva de diferentes dimensões, dentre elas, as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa;2ª - que essas dimensões constituem uma relação de unidade na diversidade;3ª - que a dimensão técnico-operativa do Serviço Social expressa as demais dimensões;4ª - que os instrumentos e técnicas são um dos elementos constitutivos da dimensão técnico-operativa.

Tendo como parâmetro essas constatações, desenvolvemos esse tema a partir das questões: O que são dimensões de uma intervenção? De quais dimensões estamos falando? Qual

o tratamento que damos às dimensões? Em seguida, nos detemos na dimensão técnico-operativa para situarmos os instrumentos e técnicas como um dos elementos que constituem essa dimensão e materializam as demais dimensões.

Conforme SANTOS (2002), o termo “dimensão” remete às propriedades de alguma coisa, no sentido de seus pressupostos, de suas direções, de seus princípios fundamentais. Em nosso caso, nos referimos aos princípios que contribuem para a concretização da profissão de Serviço Social e que formam a sua base. Melhor dizendo, são todos os elementos que constituem e são constitutivos da profissão, intrínsecos à passagem da finalidade ideal – que está no âmbito do pensamento, da projeção – à finalidade real – âmbito da efetividade da ação. São as várias EXTENSÕES que determinam a profissão e suas particularidades.

Destacamos três dimensões da intervenção profissional as quais são confluentes aos autores no debate do campo profissional: a teórico-metodológica; a ético-política e a técnico-operativa. Essas dimensões encontram-se presentes nas diferentes expressões do exercício profissional: formativa, investigativa, organizativa e interventiva1. Elas formam entre si uma relação de unidade na diversidade. O que significa essa afirmativa?

Doutora em Serviço Social pela ESS/UFRJ. Professora Associada I da FSS/UFJF, membro do grupo de pesquisa “Serviço Social, Movimentos Sociais e Políticas Públicas”. Vice-coordenadora do PPGSS/UFJF

CLÁUDIA MÔNICA DOS SANTOS

A dimensão técnico-operativa e os instrumentos e técnicas no Serviço Social

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UNIDADE significa uma relação visceral entre diferentes, ou seja, essas dimensões são interligadas, interdependentes, se complementam, apesar de manterem suas especificidades. Por exemplo: a dimensão teórica de uma intervenção trata das diferentes teorias que contribuem com o conhecimento da realidade. Realidade com a qual o assistente social vai trabalhar e que se expressa no cotidiano2 profissional. A dimensão política trata dos diferentes compromissos que a profissão pode ter; das intencionalidades das ações; implica tomada de posições, no entanto esse compromisso e essas intencionalidades possuem uma sustentação teórica – mesmo que não se tenha consciência disso. Ética é uma reflexão crítica sobre os valores presentes na ação humana e se uma ação requer tomar partido, há uma relação intrínseca entre ética e política.

Ressaltamos que UNIDADE não pode ser confundida com IDENTIDADE, por isso, “unidade na diversidade”, apesar de se constituírem em uma relação intrínseca, cada qual possui uma especificidade, uma natureza, um âmbito. Ou seja, conforme já explicitado acima, a dimensão teórico-metodológica fornece ao profissional um ângulo de leitura dos processos sociais, de compreensão do significado social da ação, uma explicação da dinâmica da vida social na sociedade capitalista. Possibilita a análise do real. A dimensão ético-política envolve o projetar a ação em função dos valores e finalidades do profissional, da instituição e da população. É responsável pela avaliação das consequências de nossas ações – ou a não avaliação dessas consequências. São as diferentes posições e partidos que os profissionais assumem. Já a dimensão técnico-operativa, é a execução da ação que se planejou, tendo por base os valores, as finalidades e a análise do real.

Sinteticamente, podemos afirmar que a relação entre as dimensões se coloca no exercício profissional da seguinte forma: teoria como

instrumento de análise do real, onde ocorre a intervenção profissional (dimensão teórico-metodológica) para criar estratégias e táticas de intervenção (dimensão técnico-operativa), comprometidas com um determinado projeto profissional (dimensão ético-política).

O exercício profissional configura-se pela articulação das dimensões, e se realiza sob condições subjetivas e objetivas historicamente determinadas, as quais estabelecem a necessidade da profissão em responder as demandas da sociedade através de requisições socioprofissionais e políticas, delimitadas pelas correlações de forças sociais que expressam os diversos projetos profissionais.

É com essa compreensão que oferecemos destaque, aqui, à dimensão técnico-operativa, enquanto dimensão que em sua especificidade é a mais aproximada da prática profissional, propriamente dita, e, que por ser assim, necessariamente, expressa e contém as demais dimensões. Ou seja, as ações expressam as concepções teórico-metodológica e ético-política do profissional, mesmo que ele não tenha clareza de suas concepções e de seus valores.

Nesta direção, a dimensão técnico-operativa envolve um conjunto de estratégias, táticas e técnicas instrumentalizadoras da ação, que efetivam o trabalho profissional, e que expressam uma determinada teoria, um método, uma posição política e ética.

A dimensão técnico-operativa contém: existência de objetivos; busca pela efetivação desses objetivos; existência de condições objetivas e subjetivas para a efetivação da finalidade. Requer conhecer os sujeitos da intervenção; as relações de poder, tanto horizontais quanto verticais; o perfil do usuário - a natureza das demandas; o modo de vida dos usuários; as estratégias de sobrevivência; a análise e aprimoramento das condições subjetivas;

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conhecimento das atribuições profissionais e, conforme Trindade (2012) envolve ações, procedimentos e instrumental técnico-operativo. Segundo LIMA; MIOTO E DAL PRÀ (2007), essa dimensão é entendida como o espaço de trânsito entre o projeto profissional e a formulação de respostas às demandas que se impõem no cotidiano dos assistentes sociais.

Para Guerra (2012), a dimensão técnico-operativa se constitui no modo de aparecer da profissão, pela qual ela é conhecida e reconhecida. Responde às questões: Para que fazer? Para quem fazer? Quando e onde fazer? O que fazer? Como fazer?

Desta forma, essa dimensão técnico-operativa não pode ser considerada de maneira autônoma, uma vez que carrega em si as demais dimensões. Igualmente, não pode ser considerada neutra: possui caráter ético-político sustentado em fundamentos teóricos.

Guerra (2012) considera que, a dimensão técnico-operativa, como a razão de ser da profissão, remete às competências instrumentais pelas quais a profissão é reconhecida e legitimada. E é aqui que inserimos os instrumentos e técnicas da intervenção profissional.

Os instrumentos e técnicas são tratados como um dos elementos constitutivos dessa dimensão, apesar de – como vimos acima – não serem os únicos. Os instrumentos e técnicas pertencem ao âmbito da operacionalização da ação. Eles são partes constitutivas do instrumental técnico-operativo.

Os instrumentos e técnicas são tratados – por diferentes autores3 – como parte do instrumental técnico-operativo ou instrumental técnico ou acervo técnico-instrumental. Esses autores são congruentes ao afirmarem que esse instrumental ou acervo é constituído por um conjunto articulado de instrumentos e técnicas. Nesta direção, apontam o caráter histórico dos

instrumentos e chamam a atenção para o fato da escolha do instrumento da ação ser, necessariamente, direcionada a uma finalidade.

Segundo Trindade (2001:66), falar do instrumental técnico-operativo é considerar “a articulação entre instrumentos e técnicas, pois expressam a conexão entre um elemento ontológico do processo de trabalho (os instrumentos de trabalho) e o seu desdobramento – qualitativamente diferenciado – ocorrido ao longo do desenvolvimento das forças produtivas (as técnicas)”.

Por formar um conjunto dialeticamente articulado com as técnicas, os instrumentos são constantemente aprimorados por elas, diante da exigência de adequação das transformações da realidade, visando o atendimento das mais diversificadas necessidades sociais, que são historicamente determinadas. Por isso, o instrumental técnico-operativo possui um caráter histórico sendo influenciado pelas relações sociais postas na sociedade.

Os instrumentos são considerados como produto da ação humana, se constituindo como meios de alcançar uma finalidade. Nesta direção, o conteúdo da ação que ser quer efetivar com o uso de determinado instrumento está, diretamente, relacionado com a finalidade pretendida. Por sua vez a finalidade está no âmbito teórico. Nas palavras de Trindade (2000:396), “o conteúdo do instrumental técnico-operativo depende da análise da realidade, a qual fundamenta a intencionalidade/direção social empreendida à ação, pelos sujeitos profissionais”. Daí a relação de unidade entre as dimensões da intervenção.

É na articulação da dimensão técnico-operativa com as demais dimensões da intervenção profissional que é possível materializar em ações, as concepções teórico-metodológica e ético-política que orientam o profissional. Neste sentido, a escolha dos instrumentos e técnicas está intimamente relacionada aos objetivos e às

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finalidades da profissão. Desta forma, destacamos o cuidado necessário aos profissionais para não caírem na supervalorização dos instrumentos com um fim em si mesmo.

Como os instrumentos são considerados meios de se alcançar uma finalidade, ao escolher um determinado instrumento de ação o profissional deve ter clareza da finalidade que pretende alcançar: se está coerente com as finalidades da profissão e se o instrumento escolhido permitirá a efetividade de tais finalidades – sabendo que essa efetividade é aproximativa. Por isso, o profissional deve estar em sintonia com o movimento da realidade, considerando as particularidades dos diferentes espaços em que intervém e, também, estar orientado pelos fundamentos e princípios éticos que norteiam a profissão.

A profissão, de acordo com o projeto ético-político hegemônico, assume o compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos, com a ampliação da cidadania, com a qualidade dos serviços prestados, com a luta em favor da equidade e da justiça social. Compromissos estes que devem ser perseguidos nas atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais. Para isso, os profissionais devem privilegiar a utilização de instrumentos de caráter democrático, coletivo, menos burocrático, sempre alinhados com a realidade em que intervém.

O conhecimento da realidade é imprescindível neste processo de escolha do instrumental. A apreensão da dinâmica da realidade contribui para que haja coerência entre os instrumentos utilizados e as determinações assumidas pela questão social nos diferentes espaços sócio-ocupacionais, permitindo que o assistente social consiga alcançar os resultados esperados na ação.Outro elemento a ser destacado na escolha do instrumental se refere à necessidade do profissional considerar as habilidades exigidas no manejo de cada instrumento, ressaltando que entre o momento da concepção à concretude

inclui-se, também, a avaliação. Através dela é possível analisar se os instrumentos escolhidos estão adequados às finalidades propostas e se os profissionais estão conseguindo operacionalizar as habilidades exigidas por eles.

Por fim, destaca-se um elemento fundamental no processo de escolha dos instrumentos que se refere à autonomia profissional. Aqui é importante levar em consideração como desempenhar as atividades determinadas pelas organizações, haja vista que o profissional deve ter autonomia não só para emitir sua opinião técnica sobre a situação, mas também de escolher os instrumentos que contribuirão para a obtenção desta opinião técnica.

O Serviço Social atua na satisfação das demandas sociais postas. A forma com que os profissionais respondem a essas demandas reflete o seu projeto profissional4. Assim, não há uma homogeneidade na profissão, mas sim uma hegemonia de um determinado projeto de profissão – atualmente, o que convencionamos chamar de projeto ético-político da profissão. Desta forma, os diferentes projetos estão em constante disputa. Cada projeto determina uma interpretação da realidade e por isso determina tratamentos diferenciados aos instrumentos e técnicas acionados pelos profissionais.

Essa afirmativa não significa, de forma alguma, dizer que existam instrumentos e técnicas próprios a cada direção teórica, ao contrário, não há uma relação direta entre instrumentos e teorias, e sim entre teoria e método. Entretanto, podemos afirmar que as direções teóricas orientam a finalidade na escolha dos instrumentos, bem como, oferece o seu conteúdo, conforme veremos mais adiante.

Esses projetos expressam, também, nossa cultura profissional (EIRAS; MOLJO E SANTOS, 2012). Essa cultura contém os conhecimentos e saberes (técnicos, teóricos e interventivos)

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da profissão. Com isso, as competências teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa são fundamentais para que os profissionais possam refletir sobre a sua intervenção e recusar uma intervenção profissional baseada na reprodução automática de ações meramente conservadoras de nossa herança cultural. Isso só é possível quando a categoria articula em suas ações todas as dimensões da prática profissional, reconhecendo a dimensão técnico-operativa não, somente, em uma lógica instrumental. Extrapolar essa lógica contribui para elaboração de respostas mais qualificadas e adequadas às necessidades da população.

Na utilização do instrumental técnico-operativo, destacamos algumas competências importantes no manuseio de instrumentos e técnicas condizentes com a ação que se pretende desenvolver. A primeira é a competência teórico-metodológica, através da qual os profissionais conseguem fundamentar sua leitura da realidade. Destacamos que quanto maior o conhecimento teórico, mais amplo será a cadeia de mediações e maiores as possibilidades encontradas para a intervenção. Através do referencial teórico-metodológico define-se a intencionalidade e a direção social empreendida na ação, possibilitando a escolha de instrumentos e técnicas capazes de materializar essa intencionalidade. Igualmente, é o conhecimento teórico da realidade que oferece o conteúdo a ser tratado nos instrumentos de intervenção. Por exemplo, se não tenho conhecimento teórico sobre as demandas implícitas e explícitas postas pela população que tipo de informação e reflexão será trocada com a população, tanto em uma entrevista, quanto em uma reunião ou visita domiciliar? Ou seja, o conhecimento teórico e os demais conhecimentos sobre a realidade (cultural, religioso, político, dentre outros) me oferecem o conteúdo a ser trabalhado. De outra forma, os instrumentos

serão utilizados, apenas, para respostas de cunho administrativo, pontual, material, instrumental.

Por isso, outra competência apontada é a ético-política. Essa competência é a responsável pela escolha de instrumentos que vão ao encontro das finalidades e dos compromissos do profissional. Os profissionais que coadunam com o projeto ético-político da profissão devem considerar os princípios e as normas para o exercício profissional contidas no Código de Ética do Assistente Social de 1996, como também, as disposições sobre o exercício da profissão contidos na Lei 8662/93 que dispõe sobre as competências e atribuições privativas do assistente social.

Além das competências teórico-metodológica e ético-política encontram-se, também, a competência técnica, relacionada à habilidade do profissional na utilização dos seus instrumentos de trabalho, que condiciona a qualidade técnica da ação profissional. Contudo, os profissionais precisam adquirir todas essas competências e articulá-las para materializar as intencionalidades da profissão na prática profissional. Entretanto, ressaltamos que o manuseio dos instrumentos exige habilidades técnico-operativas que vão para além do domínio dos procedimentos corretos como, por exemplo, realizar uma entrevista, reunião etc. A aplicação dos instrumentos articula, também, dimensões econômico-sociais e ético-políticas, relativas aos sujeitos profissionais, individualmente e aos sujeitos de classe.

Finalizando, podemos dizer que os instrumentos e técnicas são: elementos que compõem os meios de trabalho; elementos que, dentre outros, compõem a dimensão técnico-operativa do Serviço Social – que, por sua vez, mantém uma relação de unidade com as demais dimensões, apesar de sua especificidade; não estão soltos no tempo e no espaço e não possuem um fim em si mesmo, uma vez que, não estão descolados da finalidade que o profissional imprime à sua ação.

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Com base nessa concepção, o agir profissional deve ser antecedido pelo pensar sobre os valores que impregnam as ações do Serviço Social, sobre as respostas que a profissão vem dando às demandas postas e sobre as direções que orientam tais demandas. Ou seja, é necessário o conhecimento da profissão, de suas condições, possibilidades e determinações. São essas reflexões que orientam alternativas de ações e a escolha pelos instrumentos e técnicas da intervenção.

REFERÊNCIAS

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LIMA; MIOTO; DAL PRÁ. “A Documentação no Cotidiano da Intervenção dos Assistentes Sociais: algumas considerações acerca do diário de campo”. In: Revista Textos & Contextos. Porto Alegre v.6 n.1 p. 93 a 104, 2007.

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TRINDADE, Rosa Lúcia P. “Desvendando as Determinações Sócio-históricas do Instrumental técnico-operativo do Serviço Social na Articulação entre Demandas Sociais e Projetos Profissionais”. In: Revista Temporalis, ano2, n.4, jul/dez, 2001.

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NOTAS

1 - Conforme SANTOS; BACKX; SOUZA IN: SANTOS, BACKX E GUERRA, 2012.

2 - O Cotidiano, segundo Guerra (2007) é o lugar onde a reprodução social se realiza por meio da reprodução dos indivíduos. Possui como características: Heterogeneidade/Diferencialidade: o sujeito dirige sua atenção para demanda muito diferente entre si no intuito de responder a elas. Ocupam integralmente a atenção dos sujeitos; espontaneidade: em razão desta característica, os sujeitos se apropriam de maneira espontânea (e naturalizada) dos costumes, dos modos e comportamentos da sociedade, donde sua capacidade de reproduzir as motivações particulares e as humano-genéricas; Imediaticidade: as ações desencadeadas na vida cotidiana tendem a responder às demandas imediatas da reprodução dos sujeitos; Superficialidade extensiva: as demandas do cotidiano são extensivas, amplas, difusas, encaminham de maneira superficial, dado que a prioridade da vida cotidiana está em responder aos fenômenos na sua extensividade, e não na sua intensidade.

3 - Martinelli (1994 p.137) afirma que os instrumentos e técnicas são elementos organicamente articulados numa unidade dialética e constituem os “instrumentais técnico-operativos”, sendo que “o instrumental não é nem o instrumento nem a técnica tomados isoladamente”.

Trindade, também, utiliza a denominação Instrumental técnico-operativo para se referir ao conjunto de instrumentos e técnicas: “para a efetivação da prática do serviço social, os profissionais acionam um conjunto articulado de instrumentos e técnicas.” (2000 e 2001).

4 - Cabe ressaltar que não existe apenas um único projeto profissional, mas sim projetos profissionais.

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O cotidiano do assistente social é certamente um campo de constante conflito para as diversas visões de mundo, práticas e valores dos profissionais que nele atuam. Em que pese a luta histórica em torno da formulação de um projeto ético-político, fato é que, mesmo contemporaneamente, desde os primeiros anos de sua atuação, o profissional se depara com as mais diversas polêmicas em torno de sua prática: o que fazer diante do usuário que procura o serviço rotineiramente em busca de determinado benefício? Como avaliar suas necessidades? A partir de quais parâmetros? Até que ponto as políticas públicas podem oferecer caminhos para a tão sonhada emancipação dos indivíduos? Tais questões do cotidiano profissional estão intimamente relacionadas ao cotidiano vivido pela própria população atendida. As contradições que emergem do primeiro refletem as contradições do segundo. O cotidiano em sentido amplo, uma das diversas dimensões da vida social, está repleto dessas contradições que, ao tornarem-se objeto de reflexão teórica, podem enriquecer os caminhos assumidos pelo profissional em seu dia a dia de trabalho.

Não por outro motivo, o cotidiano foi abordado em ensaios publicados por Maria do Carmo Brant Carvalho e José Paulo Netto, em 1987, sob o título “Cotidiano: conhecimento e crítica”. Neles, os autores, ambos assistentes sociais, identificam os estudos de Henri Lefebvre, Agnes Heller e Karel Kosik como os mais representativos da tradição

marxista, nas últimas décadas, aptos “a configurar [...] os componentes essenciais de uma teoria da vida cotidiana” (CARVALHO; NETTO, 2007, p. 65). Kosik (1976) trata da vida cotidiana em sua obra “Dialética do concreto”. Heller (2002 e 2008), por sua vez, escreve sobre o cotidiano em “O cotidiano e a história” e em “Sociología de la vida cotidiana” desenvolvendo elementos formulados originalmente por Lukács. Lefebvre destina quatro títulos2 ao tema e se ocupa dele durante, no mínimo, trinta e cinco anos de sua vida intelectual.

Não obstante as distinções entre os autores, alguns elementos os unem na exposição do significado da vida cotidiana, entre eles a compreensão de que ela seria o lócus de reprodução de valores e tradições e por isso de permanência e manutenção de situações alienadas e alienantes. Isto é, a vida cotidiana estaria fortemente relacionada ao fenômeno da alienação. Não só porque o trabalho alienado é parte da cotidianidade, mas também pela tendência à cristalização dos costumes e crenças que, muitas vezes, não condizem com o desenvolvimento da ciência, da arte e do trabalho criador, os quais abririam a possibilidade de superação da alienação. Por outro lado, estes autores também consideram, ainda que de forma distinta, o cotidiano como importante momento de resistência à alienação, pois é na vida do dia a dia que se depreendem também novas formas de produção da vida social.

Cotidiano: produção socialda existência humana1

Autores: Cléssio Cunha Mendes, assistente social, e Mônica Hallak, assistente social, mestre em Filosofia pela UFMG e doutora em Serviço Social pela UFRJ

Colaboração: Consuelo Quiroga - mestra em Educação pela UFMG e doutora em Serviço Social pela UFRJ

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Lefebvre salienta que é na vida cotidiana que a existência humana se realiza e, por isso, o cotidiano tende a tornar-se categoria central e fio condutor da passagem das categorias mais amplas às mais específicas da vida social. Heller afirma que a vida cotidiana é o espelho da história e muitas vezes as mudanças “se expressam nela antes que se cumpra a revolução social em nível macroscópico” (HELLER, 2002, p. 39). Para Kosik, a...

Desse modo, os autores oferecem subsídios aos profissionais de Serviço Social para entender esses “aspectos determinados” e a necessidade de mediações que a sua compreensão acarreta, gerando um reconhecimento de sua prática a partir de novas formas de pensar a vida cotidiana da população atendida. Uma questão que se coloca, então, é até que ponto os assistentes sociais contribuem para superar a tendência à cristalização de crenças e valores mencionada acima.

Para os autores em tela, incluindo os assistentes sociais, os estudos de Marx constituem referência para a análise do cotidiano, porque o filósofo alemão tratou da vida humana como produto do próprio homem e, assim, como afirma Lefebvre (1972, p. 45), a “[...] ‘produção’ volta a aparecer no sentido pleno do termo: produção pelo ser humano de sua própria vida”, o que inclui os valores, crenças e costumes. Lefebvre considera toda vida em sociedade como criação humana; o que significa “produção de si mesmo, do ‘ser humano’, no curso do desenvolvimento histórico. O que implica a produção de relações sociais. Enfim, tomado em sua amplitude o termo

[...] cotidianidade desvenda a verdade da realidade [...], do mesmo modo, porém, também a esconde: a realidade não está contida na cotidianidade imediatamente, e na sua totalidade; está contida por certos aspectos determinados e mediatamente. A análise da vida de cada dia constitui - em certa medida, apenas - a via de acesso à compreensão e à descrição da realidade. (KOSIK, 1976, p. 72, grifos do autor).

[produção] abarca reprodução.” (LEFEBVRE, 1972, p. 43, grifos do autor).

É neste ponto que o Serviço Social mostra-se uma profissão privilegiada para a compreensão da realidade cotidiana. São conhecidas as reflexões, entre os assistentes sociais, em relação a uma possível defasagem teórica em relação a suas irmãs das ciências sociais e humanas. No entanto, a profissão tem rica oportunidade de se aproximar da realidade, principalmente à de um extenso segmento da população ausente da maioria dos espaços públicos de interação social. Destaca-se entre as ferramentas da profissão, a constante ida a campo como componente fundamental da apreensão desta vida do dia a dia, suas implicações, suas armadilhas e suas potencialidades para a promoção dos indivíduos.

O cotidiano é atravessado por uma rede complexa de relações que escapam às compreensões estigmatizadas e idealizadas da vida social. Se é o espaço de disseminar e ocultar as formas de poder e dominação, como denuncia Foucault (2012), é onde também as relações de submissão e suas consequências imediatas podem ser vistas de forma mais clara e direta: a relação de subserviência, o sentimento de humilhação diante da posição de desvantagem econômica e social, são apenas alguns aspectos a serem desvendados no rico espaço de troca que os profissionais de Serviço Social ocupam. Ao acompanhar e (re) conhecer a reprodução cotidiana da população, o assistente social pode identificar as resistências construídas no dia a dia, as novas necessidades surgidas com as mudanças na reprodução da vida concreta e, acima de tudo e todos os dias, transformar a forma de se relacionar com os usuários dos serviços sociais e de encarar suas necessidades

É talvez ainda um componente do messianismo profissional a idealização de que os usuários procuram os serviços sociais em busca de emancipação ou de superação de estados

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alienados. No dia a dia, no entanto, o profissional depara-se com usuários trazendo demandas específicas e objetivas e, imediatamente, é com elas que precisa lidar. Mas, receber e atender necessidades imediatas representa apenas o primeiro momento do contato entre assistentes sociais e seu público, e só a partir delas podem ser construídas novas necessidades, mais elaboradas. Tal processo é ao mesmo tempo uma oportunidade e um desafio para o profissional e, sendo assim, é bem razoável conceber que esta propalada promoção não seja suscitada nos sujeitos atendidos na velocidade que se gostaria ou na que os gestores da política exigem. Esta situação tende a levar os profissionais a sentirem-se meros atendentes de necessidades materiais pontuais: o fantasma do assistencialismo que tanto ainda assombra o assistente social – como também o assombram os estigmas de bonzinho e caridoso. Uma conhecida passagem de Marx em a Ideologia Alemã pode ser inspiradora para exorcizar estes fantasmas:

É possível entender, portanto, que atender necessidades pontuais e objetivas, em que pese todo o preconceito social contra este serviço, não torna o profissional de Serviço Social um ator dispensável, nem desqualifica a sua prática. Conduzido por esta perspectiva, o assistente social pode encarar o componente assistencial,

[...] para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos [...] O segundo ponto é que, satisfeita a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades - e esta produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico”. (MARX, 1986, p.40)

tão presente no cotidiano da profissão, não como um fardo a ser carregado, mas sim como um gatilho que pode disparar, nos sujeitos, a produção de novas e mais amplas necessidades, mais próximas do que pode ser considerado necessidades de um homem em processo de emancipação.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, M. C. B; NETTO, J. P. Cotidiano: conhecimento e crítica. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

COSTA, M. H. M. Das categorias de O capital à vida cotidiana. Rio de Janeiro: Escola de Serviço Social - UFRJ. Tese de doutorado (Serviço Social), 2010.

FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. 30. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2012.

HELLER, A. Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Ediciones Península, 2002.

__________. O cotidiano e a história. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

KOSIK, K. Dialética do concreto. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

LEFEBVRE, H. Critique de la vie quotidienne I - Introduction. 2. ed. Paris: L’Arche Éditeur, 1958.

__________. Critique de la vie quotidienne II – Fundaments d’une sociologie de la quotidienneté. Paris: L’Arche Éditeur, 1961.

__________. La vida cotidiana en el mundo moderno. Madrid: Alianza editorial, 1972;

__________. Critique de la vie quotidienne. III – De la modernité au modernisme (Pour une métaphilosophie du quotidien) Paris: L’Arche Éditeur, 1981.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã: (I-Feuerbach). 5. ed. São Paulo: Hucitec, 1986.

NOTAS

1 - Este artigo teve por referência a tese defendida por Mônica Hallak Martins da Costa no programa de Pós Graduação em Serviço Social da UFRJ Das categorias de “O capital” à vida cotidiana, disponível no em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp151410.pdf

2 - Além dos três volumes de Critique de la vie quotidienne, Lefebvre publicou La vida cotidiana en el mundo moderno.

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Pensar a educação popular supõe, minimamente, uma base teórica e uma contextualização histórica. A contextualização necessária implicaria em retroceder às origens da educação popular no Brasil, no período que antecede o golpe militar de 1964. Tarefa impossível no limite espacial deste texto, que se deterá, portanto, numa reflexão que buscará traçar possíveis vínculos entre a educação popular e o Serviço Social. Fazer esse movimento merece considerar alguns registros que, mesmo não explicitados, são pilares na estruturação deste texto: o da história política e cultural vivida no nosso país, o das ações concretas tidas como educação popular e, finalmente, os fundamentos da ação dos educadores.

Educação popular, na leitura que vou privilegiar, está associada a um determinado tipo de ação que se reveste de caráter político (na contracorrente de uma outra concepção, também educativa e política, de adaptação dos trabalhadores ao desenvolvimento capitalista) e, sobretudo, na busca da constituição de uma outra forma de organizar a vida social.

Sob o capital, para além do que é produzido na ordem da materialidade, vai se reproduzindo nas outras dimensões da vida social, uma ideia-força, fundada nessa particular relação social, que invade corações e mentes, internalizando o sentido da impossibilidade de serem realizadas mudanças substantivas na vida social. Ideia-força que não se espraia linearmente...

Sem adentrar na necessária recuperação histórica, essencial ao entendimento da educação popular, sinalizamos muito rapidamente o período de 1959 a 1964, que antecede o Golpe Militar, e que

segundo Aida Bezerra (1974), revela-se como importante pano de fundo da ação educativa no sentido da denuncia das relações de exploração, a convocar a luta anti-imperialista, mobilizadora de um movimento de organização política das camadas populares.

Portanto, poderíamos dizer que naquele período se passava de um viés de neutralização dos conflitos - tônica da conjuntura precedente, para a consideração das contradições sociais, a tornar também visível a presença diferenciada de outra expressão de consciência social.

Já na década de 1980, período de redemocratização, ver-se-á um conjunto de práticas educativas junto a movimentos sociais, no qual a ênfase do ponto de vista da educação popular se centraria na dimensão participativa, e seus conteúdos apresentavam dimensões reivindicativas frente ao Estado. Há uma certa retomada da crítica ao capitalismo operada através de espaços organizativos de trabalhadores, oriundos de lutas sindicais, formação da igreja e de ex-participantes de tendências políticas existentes nos anos 1960/70, que vão redundar na criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), do PT (Partido dos Trabalhadores) e, posteriormente, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra).

Nos anos 1990, esse processo vai ser qualitativamente modificado e o cenário que se constitui vai revelar presença preponderante de defensividade da luta dos trabalhadores, na qual, como destaca Mauro Iasi (2004), a educação popular vai se metamorfoseando em programas de “inclusão social”, “desenvolvimento de cidadania”, “educação para o trabalho”.

Assistente social, mestre em Instituto de Estudos Avançados Em Educação pela Fundação Getúlio Vargas, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp

MARIA LÍDIA SOUZA DA SILVEIRA

Breve reflexão em torno da educação popular e do Serviço Social

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A partir de 2000, com a eleição do Partido dos Trabalhadores e o acesso às instâncias de governo, os componentes de educação popular, numa perspectiva crítica à ordem, vão se rarefazendo em muitos espaços populares e organizativos das classes trabalhadoras. O que não significa o desaparecimento de experiências com viés crítico à ordem.

Atualizando um pouco mais essas considerações e tomando como referência as análises já produzidas contemporaneamente, a partir da leitura do chamado “campo democrático popular”, vale destacar um elemento teórico-organizativo que se faz presente: a constituição de um novo formato para o projeto societário. Assim, de conformação das classes subalternas numa perspectiva de classe voltada para a constituição de outra ordem; socialista, negadora de um Estado vinculado ao desenvolvimento do capital e da produção de mercadorias.

Essa nova ordem transmudaria para um outro campo, no qual a perspectiva do popular substituiria a da classe e de seus antagonismos, e se buscaria o denominado “acúmulo de forças” e a ocupação dos espaços institucionais. As lutas passam a ser direcionadas para reformas dentro da ordem burguesa, no interior da qual é secundarizada a contradição entre capital e trabalho. O que significa retraimento na ordem das mudanças necessárias produzidas a partir da ação coletiva e consciente das classes subalternas, direcionadas à criação de uma sociabilidade diferente.

Vale ler a crítica a esse processo, em trabalho realizado por Lucia Neves, intitulado “Direita para o social e esquerda para o capital” (2010). Junto a seu coletivo de pesquisa, ela trabalha a existência de um novo senso comum que vai sendo produzido nesse período, no interior de uma pedagogia intitulada pedagogia da hegemonia. (NEVES, 2010)

Mais uma vez, a tônica é a criação do diálogo entre capital e trabalho, que se complementa na necessária atuação de intelectuais e organizações voltados para forjar uma outra concepção de mundo, um novo senso comum. Os assistentes

sociais são um dos profissionais que têm sido chamados a atuar como organizadores dessa permanência dos trabalhadores, no escopo da subalternidade. A redundar em processos de apassivização e deciframento da vida social a partir das lentes das classes dominantes, organizadoras da ordem burguesa, de tal maneira que se tende a internalizar as suas referências de vida.

Porém, na história que move a todos os sujeitos humanos, está posta continuamente a possibilidade de superação da ordem vigente. Possibilidade que repõe e supõe o entendimento dos processos de dominação e sua negação, num movimento que busca conformar uma outra concepção de mundo.

É nesse sentido que o trabalho educativo pode trafegar, que a educação popular pode ser afirmada numa outra perspectiva. A implicar em apropriação, por parte das classes subalternas, de elementos teóricos fundamentais para que ultrapassem a aparência fenomênica da realidade, capturando os elementos e nexos que produzem a sociedade capitalista no interior de contextos históricos particulares.

Para que essa perspectiva seja operada, necessárias são referências teóricas que nos permitam escolher determinado percurso, negando outros. O percurso que faço supõe o campo marxista, desde Marx e Engels a Gramsci, entre outros.

Gramsci afirma que todos os homens são filósofos, todos elaboram uma visão de mundo, ainda que repleta do senso comum construído, a partir do ordenamento hegemônico. O senso comum, visão fragmentada e obscurecida da vida social, fundada no ideário e concepção de mundo hegemônica socialmente, é um ponto de partida essencial para qualquer mudança no processo de consciência. Esse processo envolve entendimento, vontade e ações concretas, assentadas numa base material real, que supõem o universo da cultura. Cultura não apartada da base econômica e da organização política. Um tipo singular de cultura que, ainda que se apresente no seu viés de subalternidade, contém um campo de constituição de novas possibilidades humanas e sociais que podem

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contribuir na constituição de outra hegemonia. Penso que aí está uma íntima conexão com a Educação Popular, que pode ser:

1- um investimento que constrói um lugar voltado para o processo de conhecimento da realidade social.2- um espaço que vai possibilitar o transitar do senso comum ao bom senso. Ou seja, um lugar de apropriação individual e coletiva, de compreensão da base de estruturação da vida social sob o capitalismo; e da conformação possível de alternativas de organização da vida social, sob outras bases.3- um espaço das classes trabalhadoras com capacidade de conformar um novo “nós”, negador do individualismo, da ausência de campos coletivos, da aceitação e internalização da ordem burguesa.

EDUCAÇÃO POPULAR E ESCOLHAS POSSÍVEIS

Finalizando, eu diria que há um desafio instigante que está posto: o da tradução efetiva da referência do nosso projeto ético-político - que se propõe a contribuir na direção de uma sociabilidade distinta da capitalista - através das referências teóricas reais que adotamos, da análise concreta que conseguimos fazer e da intervenção possível que efetivamos.

Essa tradução pode e tende ainda a estar presente na apreensão meramente formal do projeto ético-político e, portanto, imersa no senso comum próprio da nossa sociedade, o que leva muitos de nós a citar autores e conceitos, conteúdos transformadores do social, porém, desencarnados do real. Assim, podemos até estar exercendo uma ação educativa e popular junto às classes subalternas - no sentido de forças auxiliares e importantes na aceitação da hegemonia existente -, ajudando a cimentar o bloco histórico hoje existente, na tarefa de educar a classe trabalhadora para a cidadania capitalista no seu acesso a direitos residuais.

Ou podemos buscar o desenvolvimento de práticas educativas e políticas que exercitem ou

tenham no horizonte um real protagonismo dos sujeitos, o que supõe como centralidade e sentido a construção de uma contraofensiva ideológica e política à ordem do capital. É uma outra apropriação da educação popular que afirma ser possível potencializar nos sujeitos-trabalhadores e nos setores populares com os quais lidamos, a seu modo e com limitações, a produção de suas provisórias sínteses que, de alguma forma, articulam a sua singular experiência de vida aos sentidos explicativos sobre ela e o entorno social.

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Aida. Percorrendo os caminhos da Educação popular, um olhar in: Seminário de Educação Popular (organização Maria Lídia Silveira e Eblin Farage), digitalizado, CFCH/UFRJ, 2005._______________ Educação Popular - CEI- Suplemento nº 22, Rio de Janeiro: Tempo e Presença Editora Limitada, out 1978.

DIAS, Edmundo. Gramsci em Turim.- A construção do conceito de Hegemonia.São Paulo :Xamã, 2000.

GRAMSCI. Concepção Dialética da História, tradução Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1981.__________ Obras Escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978.__________ Escritos Políticos, Volumes I e II. Lisboa: Seara Nova, 1977

CEPIS- Centro de Educação popular do Instituto Sedes Sapinetiae, Educação popular e sua dimensão política, Texto de Apoio 7, out.1985.

Dias, Edmundo. Gramsci em Turim. São Paulo: Xamã, 2000.

FÁVERO, O. Uma pedagogia da participação popular.- -Análise da prática educativa do MEB (1961-1966 ). São Paulo: Autores Associados, 2006.

IASI, Mauro. Sobre a Educação popular. In Seminário de Educação Popular e Lutas Sociais, CFCH/UFRJ. Organização Maria Lidia Silveira, CD, 2004.

NEVES, Lucia. Direita para o Social e esquerda para o Social. Intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.

SILVEIRA, Maria Lidia. Educação Popular: novas traduções para um outro tempo histórico in Seminário de Educação Popular e Lutas Sociais. CFCH/Pós-graduação ESS/UFRJ. Rio de Janeiro, 2004, digitalizado.

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O interesse em discutir este tema partiu da minha experiência profissional como agente fiscal1 do CRESS-MG, Seccional de Juiz de Fora, cargo que ocupo desde 1995. O trabalho de fiscalização, ao longo destes anos, instigou-me a refletir se, no exercício profissional dos assistentes sociais, estes têm conseguido assegurar as suas prerrogativas profissionais previstas no Código de Ética Profissional, sobretudo a sua autonomia técnico-profissional frente à sua condição de trabalhador assalariado.

É importante salientar que a “autonomia técnico-profissional” não se restringe ao direito do profissional de exercer com liberdade a sua atividade profissional, apenas em sua dimensão técnico-operativa, mas o termo “técnica” se refere ao conhecimento especializado do assistente social, à sua expertise, que envolve as três dimensões do exercício profissional: a teórico-metodológica, a ético-política e a técnico-operativa, e neste sentido, particulariza a sua intervenção na divisão social e técnica do trabalho.

Dissertar sobre autonomia profissional, especialmente do assistente social, num tempo em que a autonomia individual, popular e da maior parte das nações vem sendo solapada pelos países imperiais e em que muitas profissões foram extintas e outras criadas, é no mínimo desafiador. A partir de meados da década de 1970, mediante mais uma crise estrutural do capital, ocorrem profundas transformações societárias que têm como ponto de partida a reestruturação produtiva e os processos de reforma do Estado

capitalista, contidos nos planos de ajuste em curso, principalmente na década de 1990.

A desresponsabilização do Estado no trato da questão social de forma universal e não contratualista, a precarização/focalização/descentralização de suas atividades, bem como a filantropização e mercantilização das políticas sociais geram um aprofundamento e ampliação das desigualdades sociais. A questão social é tratada de forma passageira e emergencial eliminando a política social como direito do cidadão e estimulando o clientelismo. Dessa forma, estimula a desigualdade social, pois não atua nos fundamentos da questão e não dá respostas estáveis e abrangentes.

No que diz respeito à política de educação no país, frente à reforma do Estado, pode-se afirmar que a lógica tem sido a de mercantilização. Segundo Chauí in: Iamamoto (2007: 433), a Universidade passa a ser concebida como uma “Universidade Operacional” ou “Universidade de Resultados e Serviços”. Tal concepção de Universidade é contrária àquela que, pela sua função pública, se compromete com valores universais e não se vincula a determinadas classes ou frações de classes. Defende-se, portanto, uma Universidade “gratuita, pública e de qualidade, direcionada aos interesses da coletividade e enraizada na realidade regional e nacional” (IAMAMOTO, 2007: 433). Dentro desta perspectiva, a Universidade deve ser democrática, plural e autônoma, tendo como indissociáveis o ensino, a pesquisa e a extensão.

Mestre em Serviço Social pela UFJF e agente fiscal na Seccional Juiz de Fora do CRESS-MG

NANCI LAGIOTO

Autonomia profissional X trabalho assalariado:exercício profissional do assistente social

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No âmbito das profissões, a autonomia está relacionada à condição de profissional liberal cuja definição, de acordo com a Confederação Nacional de Profissionais Liberais (CNPL)2, é:

O significado do termo “profissional liberal” gera equívocos, pois muitos o confundem com profissionais autônomos, isto é, aqueles que não têm vínculo empregatício e trabalham por conta própria. No entanto: os profissionais liberais podem ser autônomos, empregados ou empresários. O exercício de suas atribuições corresponde à aplicação prática do conhecimento técnico em favor de alguém e pode ser dado com ou sem vínculo empregatício, mas sempre regulamentado por órgãos fiscalizadores (CACHOEIRATEM, 2010: 1).

A conceituação e contextualização da autonomia técnico-profissional foram encontradas na “sociologia das profissões” que segundo Almeida (2010), está se constituindo como uma disciplina específica no campo da sociologia, tendo como objeto de estudos “os processos sociais através dos quais emergem e se afirmam os diferentes grupos profissionais” (Almeida, 2010: 116). Almeida chama a atenção para a pluralidade lexical quanto ao objeto de estudo e sobre a existência de diferentes concepções teórico-metodológicas advindas das correntes funcionalista, interacionista, “neo-weberiana” e marxista.

Nas vertentes apresentadas neste estudo, as divergências centram-se na questão do “solapamento” da autonomia nas sociedades modernas, ou seja, a desprofissionalização. Contudo, mesmo entre os diferentes autores

Freidson (1996), Larson (1977), Kober (2003) parece haver certa concordância quanto à expertise dos profissionais, que os coloca em uma posição diferenciada, sobretudo em relação aos trabalhadores manuais.3

Os autores da área jurídica vêm complementar a conceituação sobre as profissões liberais, através do direito do trabalho. Inicialmente Maranhão (1991) faz uma distinção entre trabalho subordinado e autônomo. Reconhece que os profissionais liberais passaram pelo fenômeno da proletarização e que hoje prestam serviços subordinados ao empregador, mas que, ainda assim, gozam de liberdade técnica. Vianna (1991) faz referência ao que preconizava as Constituições Federais anteriores à de 1988, sobre o exercício das profissões e, salienta que a atual Constituição de 1988 mantém, assim como as anteriores, o livre exercício das profissões desde que estas satisfaçam aos interesses da coletividade.

Simões (2009) faz uma análise jurídica da autonomia do assistente social com base no Código de Ética Profissional e na Lei 8662/93 que regulamenta a profissão. Ressalta que na hipótese de haver contradição normativa entre os direitos e deveres do profissional, de acordo com o regime jurídico a que está subordinado e a legislação profissional, sempre prevalece esta última.

Frente à argumentação dos autores acima, no campo da sociologia e do direito, do ponto de vista legal, a questão da autonomia técnica está posta como uma prerrogativa legal dos profissionais de nível superior ou médio que dispõem de qualificação técnica/conhecimento especializado, perícia. No entanto, os processos de assalariamento e proletarização experimentados pelos profissionais liberais, parecem estar afetando a autonomia técnica ou o poder das profissões, considerando dois aspectos que reputo como relevantes para serem discutidos no âmbito do Serviço Social: o credencialismo generalizado, que sujeita as profissões de menor

“aquele legalmente habilitado a prestação de serviços de natureza técnico-científica de cunho profissional com a liberdade de execução que lhe é assegurada pelos princípios normativos de sua profissão, independentemente de vínculo de prestação de serviços.” (Artigo 1º - parágrafo único - p. 4).

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“status” acadêmico à racionalização do trabalho nas organizações e os rebatimentos da ideologia neoliberal, que preconiza o trabalho em equipe e que aponta a tendência de diluição das fronteiras entre as profissões.

No que diz respeito ao Serviço Social, os autores da vertente crítica, abordados neste estudo, fazem menção à condição de liberal do assistente social, mas com a ressalva de que seu exercício profissional não se concretiza como liberal em função da sua condição de trabalhador assalariado.

Conforme a portaria nº 35 de 19 de abril de 1949, o assistente social é um profissional liberal, e, como foi mencionado por Iamamoto (2007) e Yasbek (2000), embora tradicionalmente não exerça a profissão como autônomo - dado que o Serviço Social emerge socialmente e se mantém como uma profissão assalariada - dispõe de algumas características das profissões liberais, tais como: singularidade que pode estabelecer na relação com os seus usuários; presença de um código de ética orientador de suas ações; caráter não rotineiro de seu trabalho; possibilidade de apresentar propostas de intervenção a partir de seus conhecimentos técnicos e regulamentação da profissão.

Mota (1987) parte do entendimento de que as profissões surgem frente às necessidades sociais, mas que o seu desenvolvimento está condicionado pela sua utilidade, ou seja, pelo produto da ação profissional, assim como pela forma como este é produzido - através do conhecimento, dos métodos e das técnicas utilizadas no exercício da profissão. Neste sentido, a autora acredita que a historicidade de uma profissão incorpora relativa autonomia frente aquilo que a determina socialmente, considerando tanto as condições objetivas como a possibilidade de ação dos agentes profissionais. Para a autora, é a autonomia técnica que confere relativa autonomia à profissão, mas chama a atenção para o fato de

que a mera autonomia técnica, ou em outros termos, a vontade individual de seus agentes, não seria suficiente para redimensionar o exercício profissional, sinalizando, portanto, a necessidade de estratégias políticas e o rompimento com a neutralidade.

Netto (2011) embora não aborde diretamente o tema da autonomia profissional, faz referência à subalternidade técnica do assistente social. Considera que esta se radica na própria gênese da profissão, que foi determinada socialmente, sendo demandada pelo Estado para ocupar uma posição subordinada na divisão social e técnica do trabalho, como “executor terminal” das políticas sociais. A subalternidade, neste sentido, está relacionada ao fato de o assistente social atuar na execução das políticas sociais e não no âmbito da formulação de tais políticas. O autor considera ainda, como elemento reforçador da subalternidade técnica, o fato de a categoria profissional apresentar-se majoritariamente como feminina.

Podemos afirmar que o Conjunto CFESS-CRESS, acompanhando o processo de renovação do Serviço Social brasileiro, avançou significativamente nas últimas décadas, não só através da ampliação da sua concepção de fiscalização, que se expressa através da Política Nacional de Fiscalização4, mas também criando instrumentos normativos no sentido de respaldar suas ações e expressar os princípios e valores adotados pela categoria.

Ao aprovar Resoluções que regulamentam matérias específicas já contidas no Código de Ética Profissional e Lei de Regulamentação da Profissão do Assistente Social, o Conjunto buscou assegurar as competências e atribuições privativas do assistente social e a conseqüente autonomia técnico-profissional. A título de exemplo, foram aprovadas resoluções referentes a matérias tais como desagravo público (1994), condições de trabalho (2006), estágio supervisionado (2008),

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emissão de pareceres e laudos conjuntos (2008), práticas terapêuticas (2010) e outras, sendo que em todas perpassa a prerrogativa da autonomia técnico-profissional, garantindo aos assistentes sociais respaldo jurídico para exercerem as suas competências e atribuições privativas previstas na Lei nº 8662 de 7 de junho de 1993, na direção do Projeto Ético-político do Serviço Social.

Contudo, ao mesmo tempo em que tais resoluções constituem avanços significativos para a categoria profissional, sinalizam a crescente necessidade de reafirmação da sua autonomia técnico-profissional. A mercantilização da política de Educação, que se expressa na proliferação das Escolas de Serviço Social privadas - com expressiva modalidade de ensino à distância, e a consequente precarização da formação profissional, justificam, em parte, tal necessidade. Além disso, as transformações ocorridas no mundo do trabalho têm repercussões no mercado de trabalho e no exercício profissional do assistente social, contribuindo para um quadro de precarização que também incide na autonomia profissional.

Com a finalidade de discutir as possibilidades e limites da autonomia profissional frente à precarização do trabalho e da formação profissional, analisei as demandas ao Setor de Orientação e Fiscalização (Sofi) da Seccional Juiz de Fora do CRESS-MG, no período de 2007 a 2010, e dos processos de fiscalização abertos pela Seccional nesse mesmo período. Para complementar as análises e ter uma aproximação com a concepção de autonomia profissional dos assistentes sociais, realizei um grupo focal com profissionais que trabalham na área da Assistência Social em Juiz de Fora.

Constatamos que a partir de 2007 houve aumento expressivo das demandas ao Sofi por dois fatores: a proliferação das escolas de Serviço Social e a interiorização da profissão em virtude da implantação do Suas.

As demandas ao Sofi no período acima se classificam, por assunto, da seguinte forma: Orientações sobre instrumentos normativos (15,7%); Inserção no mercado de trabalho (25,4%); Condições de trabalho (7,2%); Exercício ilegal da profissão (8,8%); Formação profissional/estágio (14%)5; Nucleação de Assistentes Sociais (2,1%); Interferência direta na autonomia técnica do assistente social (3,8%); entre outras.

A Assistência Social é a área em que há maior interferência na autonomia técnico-profissional do assistente social (80%) mais precisamente nos Centros de Referência da Assistência Social e nas Secretarias Municipais de Assistência Social, nos municípios de pequeno e médio porte, vindo em seguida a área sociojurídica (8,5%).

A interferência na autonomia técnica aparece com o percentual de apenas 3,8%, dentre as demandas ao Sofi da Seccional Juiz de Fora. Este percentual reduzido de demandas ao CRESS-MG, no que se refere à autonomia é também compatível com os resultados do grupo focal, que sinalizaram que os assistentes sociais têm uma compreensão restrita da autonomia profissional, na medida em que não reconhecem a sua condição de trabalhador assalariado. O grupo considera que a autonomia está condicionada à instituição ou à política na qual exercem a profissão, e não à propriedade privada dos meios de produção e que na Assistência Social o profissional pode ter uma maior autonomia. Iamamoto (2007) identificou esta relação do assistente social com a política em que está atuando como “relação mimética”, sendo que esta obscurece a visibilidade das particularidades da ação profissional no âmbito das políticas.

Os assistentes sociais não relacionam as suas condições de trabalho e outras violações às suas prerrogativas profissionais à autonomia profissional. Neste sentido criei alguns indicadores para identificar nas demandas ao Sofi, questões

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relacionadas à autonomia. São elas: desrespeito ao sigilo profissional (36,8%); desrespeito ao parecer social (26,3%); estágio (15,8%); atribuições incompatíveis (10,5%); emissão de manifestações técnicas em conjunto (5,3%); e imposições do conselho tutelar (5,3%).

O teor dos Processos Administrativos confirma as violações às prerrogativas dos profissionais na medida em que 82,3% destes tratam das Condições de Trabalho, sendo expressivo o número de irregularidades nos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e Centros de Atenção Psicossocial (Caps) sinalizando ainda a forma em que vem se processando o trabalho em equipe.

O percurso teórico que realizei para inicialmente conceituar e contextualizar a autonomia técnica foi fundamental para o entendimento das diferentes concepções existentes no âmbito da sociologia das profissões, sobre o solapamento da autonomia, frente ao processo de proletarização dos profissionais liberais, o que não ocorreu com o Serviço Social, posto que ele já nasceu como uma profissão assalariada. Essa discussão me deu uma maior clareza para aprofundar o entendimento sobre a concepção do Serviço Social como trabalho6 e, neste sentido compreender em sua totalidade, o verdadeiro “peso” dos impactos das transformações no mundo do trabalho sobre o Serviço Social.

No entanto, conforme sinalizam os diversos autores da vertente crítica do Serviço Social, o profissional dispõe de uma autonomia relativa, que abre possibilidades para que o profissional possa imprimir no seu trabalho os valores do projeto ético-político ao qual está vinculado. No meu entendimento, é exatamente a autonomia técnica que caracteriza a autonomia como relativa, pois se ela não existisse, poderia se afirmar que a autonomia do profissional é nula, posto que ele não dispõe das condições e meios necessários para realizar a sua atividade profissional, dada a sua condição de trabalhador assalariado. A condição de trabalhador assalariado do assistente social, portanto, tensiona a sua autonomia, mas não inviabiliza o direito

de exercer sua atividade profissional através da sua expertise ou conhecimento especializado. Contudo, o que pode inviabilizar esta autonomia ou torná-la bastante reduzida é a precarização da formação profissional e do trabalho do assistente social.

As análises das demandas ao Sofi Juiz de Fora e dos processos de fiscalização, bem como do grupo focal mostram, que as novas formas de gestão do trabalho e o discurso desprofissionalizante, com a forte tendência em diluir as fronteiras entre as profissões, nos dizeres de Iamamoto (2002), podem gerar uma “crise de identidade quanto à profissão” (p.40).

Aliado a isso, a precarização da formação profissional ameaça a possibilidade de uma maior autonomia técnica em suas três dimensões: a teórico-metodológica, a ético-política e a técnico-operativa, na medida em que a expertise do profissional ou o seu conhecimento especializado tende a ter uma menor qualidade e a diluir-se com o conhecimento de outros profissionais.

Com base nas demandas ao Setor de Orientação e Fiscalização no período de 2007 a 2010, nos Processos Administrativos abertos neste mesmo período, e análises do grupo focal, posso inferir que há sinais de uma “desqualificação” da profissão do assistente social, por parte de empregadores, de outros profissionais e de leigos quanto à expertise ou saber especializado destes profissionais, sendo que as particularidades de sua intervenção profissional nem sempre são reconhecidas. Os efeitos da reestruturação produtiva, com as novas formas de gestão do trabalho têm contribuído para intensificar esta “desqualificação”.

Os assistentes sociais, assim como os demais trabalhadores assalariados, têm ingressado no mercado de trabalho de forma precarizada, com baixos salários e nenhuma estabilidade, o que

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os leva a buscar dois ou mais empregos, além de não raras vezes terem as suas prerrogativas profissionais violadas. Contudo, é inegável que simultaneamente a esse processo de precarização do trabalho e da formação, observa-se um novo perfil que a profissão e seus profissionais passaram a assumir nas últimas três décadas, em decorrência do processo de renovação do Serviço Social brasileiro, havendo uma maior busca por qualificação profissional e um aumento da produção teórica no Serviço Social, entre outras características.

Para o enfrentamento desse contexto adverso à implementação do projeto ético-político do Serviço Social, penso que o único caminho possível é a organização da categoria profissional, através dos seus órgãos representativos, dando continuidade à implementação do “Plano de Lutas em Defesa do Trabalho e da Formação e contra a Precarização de Ensino Superior”, assim como às ações da Política Nacional de Fiscalização. Nos dizeres de Netto (2007), o enfrentamento dessa realidade “supõe mais vontade política organizada e menos ilusões otimistas”.

REFERÊNCIAS

SIMÕES, N. l. H. Autonomia Profissional X Trabalho Assalariado: Exercício Profissional do Assistente Social. Juiz de Fora: Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/ Universidade Federal de Juiz de Fora - Dissertação de Mestrado, 2012.

NOTAS

1 - Os agentes fiscais são assistentes sociais contratados pelos CRESS-MG, tendo atribuições políticas, técnicas e operacionais com vistas à consolidação do Projeto Ético-político do Serviço Social.

2 - A CNPL é uma instituição sindical, representante dos profissionais liberais, criada em 1953 e reconhecida oficialmente pelo Governo Federal em 1954.

3 - Nas correntes funcionalistas representadas por Freidson (1996), acredita-se que o poder das profissões está assegurado pelo “monopólio do conhecimento”, pelas credenciais e pela autonomia, e que dessa forma, a administração perde o seu poder de controle. Para Larson (1977), a origem das

profissões está relacionada ao capitalismo, entendendo-as como “Grupos de Interesses”. Larson argumenta que os profissionais são funcionários proletarizados e que há uma desvalorização do poder das profissões. Kober (2003) também acredita que há um enfraquecimento do poder das profissões, estando este relacionado com a perda da identidade das profissões que é favorecida pelo modelo das competências e, ao contrário de Freidson, defende que a administração tem um controle crescente sobre as carreiras e o trabalho; o que acarreta em uma perda da autonomia profissional. Diniz (1998) questiona a tese da proletarização, buscando responder se os profissionais que passaram pelo processo de assalariamento conseguem assegurar o controle sobre o seu processo de trabalho e o conhecimento altamente especializado. Ele critica a tese de “degradação do trabalho” de Braverman (1977), e faz mediações importantes para se repensar a proletarização. Uma primeira observação de Diniz (1998) se refere ao fato de que o processo de proletarização não se aplica às profissões que já nasceram assalariadas, assim como o Serviço Social, e questiona se para aqueles profissionais que realmente passaram pelo assalariamento o mais importante seria preservarem a sua autonomia técnica com a finalidade de assegurar a identidade profissional ou obter o controle sobre os fins de seu trabalho.

4 - Neste documento estão expressas as normas gerais para a prevenção, orientação e fiscalização do exercício profissional, a concepção de fiscalização assumida pelo Conjunto CFESS-CRESS e ainda uma definição da sua função precípua: “fiscalizar o exercício da profissão do assistente social, em seu âmbito de jurisdição, assegurando a defesa do espaço profissional e a melhoria da qualidade de atendimento aos usuários do Serviço Social” (PNF – 2007).

5 Embora esta demanda não se configure como a mais presente no período abrangido pela pesquisa (2007/2010), é importante salientar que em 2009 ela foi predominante dentre os atendimentos realizados pelo Sofi. Em 2010 passou a ocupar o segundo lugar devido à aprovação da Lei 12.317 que estabeleceu a carga horária de 30 horas semanais para o assistente social. A partir de meados de 2010 a maioria dos atendimentos foi referente a orientações sobre a legislação acima, haja vista o empenho dos assistentes sociais para a obtenção deste direito e a já mencionada resistência por parte dos empregadores em cumprirem a legislação.

6 - A concepção do Serviço Social dada por Iamamoto (1982), como “especialização do trabalho coletivo, dentro da divisão social e técnica do trabalho, partícipe do processo de produção e reprodução das relações sociais”, tem sido desde então, uma referência para a categoria, para conceituar a profissão. Assim, a abordagem do Serviço Social como trabalho adquire relevância no processo de revisão curricular, nos debates acadêmicos liderados pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) no sentido de assegurar na formação profissional, o entendimento da profissão nesta perspectiva. Tais discussões culminaram na elaboração, em 1996, das Diretrizes Gerais para o curso de graduação em Serviço Social, conforme exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Além disso, este debate foi aprofundado com intuito de entender o exercício profissional no âmbito dos processos e relações de trabalho, tema este desenvolvido por Iamamoto, em 2002.

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Este artigo apresenta análises e considerações da Comissão de Orientação e Fiscalização do CRESS-MG (Cofi) a partir do Relatório Final da Fiscalização preventiva educativa realizada junto aos assistentes sociais que atuam nos Serviço de Nefrologia de Minas Gerais. Essa ação se fez em cumprimento a deliberação do 39º Encontro Nacional CFESS-CRESS, n° 14, que versa sobre “Intensificar a fiscalização nos Serviços e Unidades de Saúde com o objetivo de identificar a presença e atuação dos assistentes sociais nas equipes de saúde, nos seguintes setores: ONCOLOGIA – Portaria 3535 GM 02/09/1998, NEFROLOGIA – Resolução RDC nº 154 15/06/2004, SAÚDE MENTAL – Lei 10.216 de 06/04/2001, NASF – Portaria GM nº 154 de 24/01/2008, enviando os resultados para o CFESS para a compilação dos dados e encaminhamento de ações políticas na garantia dos direitos humanos”. Destacamos que desta deliberação, a Cofi concluiu a fiscalização na área de Oncologia (ver Revista Conexões Geraes nº 2) e encontra-se na fase final da fiscalização da área de Saúde Mental.

Quanto à Nefrologia, a Resolução RDC nº 154, da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estabeleceu o Regulamento Técnico para funcionamento do Serviço de Diálise, disciplinando as exigências mínimas, definindo as atribuições gerais dos serviços, entre elas, a melhoria geral do estado de saúde do usuário com vistas a sua reinserção social. No item 6, que trata dos Recursos Humanos do Serviço de Diálise, verifica-se a determinação da obrigatoriedade de equipe técnica mínima a saber:

Considerações sobre a Fiscalização aos assistentes sociais que atuam na Nefrologia em Minas Gerais

“6.2 – Cada serviço de diálise deve ter a ele vinculado, no mínimo:

a) 2 (dois) médicos nefrologistas (...);b) 2 (dois) enfermeiros (...);c) 01 (um) assistente social;d) 01(um) psicólogo;e) 01 (um) nutricionista;f) Auxiliares ou técnicos de enfermagem de acordo com o número de pacientes;g) Auxiliar ou técnico de enfermagem exclusivo para reuso;h) 01 (um) funcionário exclusivo para serviço de limpeza.”

A deliberação do Conjunto CFESS-CRESS, a partir desta normativa, justifica-se no sentido de conhecer a atuação profissional nessa área. Assim, cumprindo o Plano de Ação da Fiscalização, o CRESS-MG realizou no período de março de 2010 a novembro de 2012, a fiscalização às 76 instituições da Rede de Nefrologia no Estado de Minas Gerais, conforme relação enviada pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais.

DADOS GERAIS DA FISCALIZAÇÃO NA REDE DE NEFROLOGIA DE MINAS GERAIS

Tendo em vista que o CRESS-MG tem como base de atuação 853 municípios do estado, os quais estão distribuídos por área de abrangência da Sede (BH) e das três Seccionais, segue abaixo quadro geral da fiscalização realizada pelas Comissões de Orientação e Fiscalização do órgão.

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DISTRIBUIÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE NEFROLOGIA POR ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO CRESS-MG

Como podemos observar no quadro acima, foram fiscalizados 76 profissionais. Isto não significa que cada instituição possui um assistente social. Verificamos que, em cinco instituições, os profissionais estão cedidos de forma indireta, ou mesmo, de forma precária, atuando simultaneamente na Nefrologia/Ambulatório e/ou outros setores da Saúde. Ressaltamos que, tais situações estão sob o monitoramento da Cofi e análise da Assessoria Jurídica, no sentido de garantir que os instrumentos regulatórios do Serviço Social e, demais legislações da área de Nefrologia se cumpram.

O relatório desta fiscalização foi estruturado da seguinte forma: Apresentação, Saúde e a Nefrologia, Serviço Social na Nefrologia, Análise e Reflexões dos dados da Fiscalização, Orientações Gerais e Considerações Finais. Neste artigo, destacaremos dados referentes às condições éticas e técnicas, condições de trabalho e instrumentos metodológicos de forma a ilustrarmos os desafios postos aos assistentes sociais.

Quanto às condições técnicas e éticas ofertadas aos profissionais, verificamos que 19% afirmaram não possuírem espaço compatível para garantia do sigilo profissional. Como apresentado no quadro geral da fiscalização, as instituições com situações de infração à Resolução CFESS 493/06, foram devidamente notificadas para adequação à referida normativa. Ressaltamos que os profissionais reconhecem a importância da Resolução CFESS nº. 493/06 na garantia das condições éticas e técnicas, principalmente, no que se refere ao sigilo profissional na perspectiva de preservar e defender o direito dos usuários.

Condições éticas etécnicas de trabalho?

Não - 19,23%

Sim - 80,77%

Dados Seccional

Juiz de Fora Seccional Uberlândia

Seccional Montes Claros

Sede BH Totais

1 - Número de instituições fiscalizadas

10 13

06 47

76 2 - Números de Profissionais Fiscalizados

16

09

06

45

76

3 - Números de instituições com Infrações à Resolução CFESS 493/06

07

01

-

07

15

4 - Números de instituições que se adequaram a Resolução CFESS 493/06

04

-

-

04

08

5 - Número de Instituição em monitoramento quanto à adequação a Resolução CFESS 493/06

03

01

-

03

07

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No que se refere à carga horária, verificamos que 12% trabalham 44 horas e 24%, 40 horas semanais. Considerando a instituição da Lei Federal nº 12.317 de agosto de 2010, que foi incorporada à Lei Federal nº 8.662/93, em seu artigo 5º, verifica-se um contingente de 36% de profissionais com seus direitos constitucionais e trabalhistas infringidos. Estes profissionais foram orientados a solicitar a adequação à referida lei, junto a seus empregadores, bem como, articular com o sindicato de sua área de atuação para acompanhar as discussões que este órgão está fazendo sobre a questão.

Destacamos que o CRESS-MG, por ocasião da instituição da lei já mencionada, enviou ofício às instituições informando e orientando quanto à necessidade de se adequarem. Paralelamente foi instituído o “Observatório das 30 horas” (www.cress-mg.org.br), onde são registradas e publicizadas todas as ações realizadas pelo CRESS-MG na defesa e implementação desta lei a todos os assistentes sociais.

44 horas12%

40 horas24%

30 horas33%

Até 25 horas31%

Carga horária nefrologia:

Reconhecimento do ServiçoSocial na Instituição?

Não - 11,27%

Sim - 78,87%

Não respondeu - 9,86%

Um percentual de 79% dos profissionais afirmaram que existe, por parte da instituição, reconhecimento do Serviço Social como profissão. Contraditoriamente, este reconhecimento não se traduz na garantia de direitos trabalhistas como analisado anteriormente. Tal fato reitera a máxima de como o capital se apropria do trabalho, explorando sua mais-valia traduzida efetivamente na precarização do mundo do trabalho.

Verificamos que 89% dos profissionais possuem plano de atuação do Serviço Social, reiterando o compromisso profissional com os usuários, visto que é imprescindível no exercício profissional, a reflexão e a construção de um planejamento de ações voltadas à garantia e ampliação de direitos aos usuários dos serviços de nefrologia. Conforme Mioto (2009):

Possui plano de atuaçãodo Serviço Social?

Não - 10,81%

Sim - 89,19%

“o planejamento é outro elemento do qual a ação profissional não pode prescindir, pois é ele que permite projetar a própria ação, a partir do conhecimento da realidade, da proposição de objetivos, da escolha de formas de abordagem e de instrumentos operativos. Salienta-se que essa projeção e as definições que dela decorrerem devem estar coerentes com a matriz teórico-metodológica eleita como a norteadora do exercício profissional”

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Foram 77% os profissionais que afirmaram utilizar diversos instrumentos técnicos para avaliação de sua práxis profissional. Este dado confirma o compromisso com o projeto ético-político e com a prestação de serviços de qualidade, pois refletir o fazer profissional, numa perspectiva crítica, oxigena as possibilidades de uma intervenção que extrapole o mero cumprimento de normas institucionais e/ou legais, ampliando o horizonte da ação profissional.

As questões destacadas neste texto indicam alguns desafios importantes na agenda profissional, que requer incorporação permanente nas reflexões das questões concretas vivenciadas pelo assistente social no exercício profissional e seus rebatimentos na garantia dos direitos dos usuários. Ressaltamos que as considerações indicadas neste artigo representam apenas o “ponta pé” inicial de um debate que necessita se ampliar.

Assim, convidamos a todos a acessarem, na íntegra, o Relatório da Fiscalização do Serviço Social na Rede de Nefrologia de Minas Gerais, disponível no site do CRESS-MG, www.cress-mg.org.br, na seção “Cofi”, para refletirem sobre os temas apontados pelos profissionais quanto ao exercício da profissão nesta área e seus desdobramentos para a garantia de direitos dos portadores de doença renal.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei nº. 8662, de 07 de Junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 1993.

BRASIL, Lei nº. 12317, de 26 de Agosto de 2010. Acrescenta dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. Brasília: Diário Oficial da União, 2010.

BRASIL, Portaria GM/MS nº. 1.168, de 15 de julho de 2004. Institui a Política Nacional de Atenção ao Portador de Doença Renal, a ser implantada em todas as unidades federativas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Brasília: Diário Oficial da União, 2004.

BRASIL, Resolução-RDC nº 154, de 15 de junho de 2004. Estabelece o Regulamento Técnico para funcionamento dos Serviços de Diálise. Brasília, 2004.

CNS, Resolução nº 218, de 06 de março de 1997. Reconhece profissões de nível superior como profissionais de saúde. Brasília: Diário Oficial da União, 1997.

CFESS, Resolução CFESS nº 383/99, de 29 de março de 1999. Caracteriza o Assistente Social como profissional da Saúde. Brasília, 1999. CFESS, Resolução nº 493, de 21 de Agosto de 2006. Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social. Brasília, 2006.

LIMA, Telma Cristiane Sasso; MIOTO, Regina Célia Tamaso. A dimensão técnico-operativa do Serviço Social em foco: sistematização de um processo investigativo. Porto Alegre: Revista Textos & Contextos, v. 8, nº 1, jan/jun, 2009. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/fo/ojs/index.php/fass/article/viewFile/5673/4126. Acesso em 13 mar. 2013.

FOTO DE BIANCA ISABEL DE SÁ, VENCEDORA DA CATEGORIA LIVRE DO CONCURSO “NOSSA HISTÓRIA E NOSSA MEMÓRIA: NÃO TIRE NADA ALÉM DE FOTOS”, REALIZADO EM MAIO DE 2013, PELO PROGRAMA PÓLOS DE CIDADANIA, DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG.

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FOTO DE BIANCA ISABEL DE SÁ, VENCEDORA DA CATEGORIA LIVRE DO CONCURSO “NOSSA HISTÓRIA E NOSSA MEMÓRIA: NÃO TIRE NADA ALÉM DE FOTOS”, REALIZADO EM MAIO DE 2013, PELO PROGRAMA PÓLOS DE CIDADANIA, DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG.

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A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL

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