revista brasileira de farmÁcia · 2019-10-30 · artigo original / research perfil...
TRANSCRIPT
VOLUME 100 NÚMERO 2 MAIO—AGOSTO 2019
REVISTA BRASILEIRA DE FARMÁCIA
Brazilian Journal of Pharmacy
PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FARMACÊUTICOS
WWW.RBFARMA.COM.BR ISSN (online) 2176-0667
VOLUME 100 NÚMERO 2 MAIO—AGOSTO 2019
REVISTA BRASILEIRA DE FARMÁCIA
É uma publicação quadrimestral da Associação Brasileira de
Farmacêuticos (ABF); entidade que objetiva reunir os profissi-
onais farmacêuticos das mais variadas especializações em ci-
ências farmacêuticas; fomentando o intercâmbio cultural naci-
onal e internacional e promovendo Cursos de Especialização
variados para aprimoramento da prática farmacêutica.
WWW.RBFARMA.COM.BR ISSN (online) 2176-0667
Volume 100 NÚMERO 2 MAIO / AGOSTO / 2019
SUMÁRIO
TÍTULO PÁGINA
Perfil farmacoepidemiológico de pacientes atendidos por intoxicação na
emergência de um hospital catarinense Danusa de Castro Damásio, Angeles Meller Vitali, Monique Michels & Felipe Dal-Pizzol
3172
O exame toxicológico de larga janela de detecção em cabelo como política
pública de prevenção de acidentes no trânsito brasileiro Cíntia Gomes, Rayanne Emanuelle Gonçalves Girão & Pablo Alves Marinho
3186
Análise do uso de medicamentos durante a gestação e puerpério em duas
unidades básicas de saúde de Rondonópolis – MT Gefferson Wandeles Soares dos Santos, Angélica Fátima Bonatti, Thomaz Ademar
Nascimento Ribeiro, Vanessa Erika Pereira Silva Cardoso, Laura Valdiane Luz Melo &
Marcondes Alves Barbosa da Silva
3207
Interações medicamentosas potenciais e reais em pacientes submetidos à
hemodiálise no município de Aracaju-SE, Brasil Marina Ribeiro Figueredo, Tamires Correia Santana, Laranda de Carvalho Nascimento,
Marilia Trindade de Santana Souza, Lindaura da Silva Prado, Viviane Gibara
Guimarães & Adriana Gibara Guimarãeas
3220
Avaliação da qualidade microbiológica de bases cosméticas durante uso
pelo consumidor Cintia Dantas Fraga; Maria Fernanda da Silva Correia & Nathália Silveira Barsotti
3234
Ferramenta para acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes
críticos Camile Moreira Mascarenhas, Thais Piazza & Sabrina Calil-Elias
3250
Estudo antimicrobiano e toxicológico do extrato bruto seco etanólico do
caule e folhas da Cnidoscolus quercifolius Pohl (Favela) Alane Alexandra da Silva Oliveira, Irthylla Nayalle da Silva Muniz, Jamicelly Rayanna
Gomes da Silva Risonildo Pereira Cordeiro & Arquimedes Fernandes Monteiro de Melo
3267
O uso racional da fitoterapia: desmistificando o senso comum Daniel Alexandre Lima Cavalcante & Laura Trindade Fernandes 3282
Terapias utilizadas no tratamento das neoplasias malignas mais incidentes:
uma revisão na literatura Willams Alves da Silva, Tainá Maria Santos da Silva, Maria Isabel de Assis Lima,
Renatha Cláudia Barros Sobreira de Aguiar, Marcos Aurélio Santos da Costa,Yhasminie
Karine da Silva, Kristiana Cerqueira Mousinho, Ivone Antônia de Souza
3301
Análise de prescrições de medicamentos psicotrópicos dispensados em
farmácias municipais de Santa Maria/RS Rodayne Khouri Nascimento, Carolini Kunz de Oliveria, Bernardo dos Santos Zucco,
Ana Rosália Coradini Andreazza, Edi Franciele Ries, Salete de Barros Zago & Valéria
Maria Limberger Bayer
3315
Expediente
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
Perfil farmacoepidemiológico de pacientes atendidos por intoxicação na
emergência de um hospital catarinense
Danusa de Castro Damásio1, Angeles Meller Vitali1, Monique Michels2 & Felipe Dal-Pizzol1,2*.
1Hospital São José, Criciúma, Santa Catarina, Brasil 2Laboratorio de Fisiopatologia Experimental, Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde, Universidade do
Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, Brasil
Autor Correspondente:
Dr. Felipe Dal-Pizzol
UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense - PPGCS – Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde.
Av. Universitária, 1105 – Bairro Universitário - Criciúma – SC - CEP: 88806-000
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3173 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
RESUMO
Altos índices de uso indevido de drogas têm sido relatado, seja por descuido causando intoxicação,
seja intencional a fim de tirar a própria vida, este ultimo frequente em pessoas com algum transtorno
mental. Visto a grande admissão de pacientes acometidos por intoxicação medicamentosa, buscamos
traçar o perfil farmacoepidemiológico de pacientes com intoxicação medicamentosa em um hospital
do extremo sul catarinense através da identificação e mensuração dos fármacos relacionados a
intoxicação em pacientes e os fatores causais da intoxicação. Diferentes classes de fármacos e
substâncias toxicas foram identificadas, destacando os benzodiazepinicos seguido de ansioliticos. A
maior parte dos casos usou medicamentos de forma intencional. A intenção suicida foi predomintante
no sexo feminino e a faixa etária com maior número de casos atendidos foi entre 30-49 anos. Uma
minoria de pacientes teve evasão hospitalar e 37% dos pacientes foram encaminhados a especialistas.
Visto estes achados, torna-se imprescindível alertar a população a respeito do uso indiscriminado de
medicamentos. Campanhas alertando a população devem ser pensadas.
Palavras-chave: Intoxicação, Suicídio, Substâncias tóxicas, Benzodiazepínicos, emergência.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3174 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
ABSTRACT
High rates of misuse of drugs have been reported, either by carelessness causing intoxication, or
intentional in order to take one's own life, the latter frequent in people with some mental disorder.
Considering the great admission of patients suffering from drug intoxication, we sought to trace the
pharmacoepidemiological profile of patients with drug intoxication in a hospital in the southernmost
region of Santa Catarina through the identification and measurement of the drugs related to
intoxication in patients and the causal factors of intoxication. Different classes of drugs and toxic
substances were identified, highlighting benzodiazepines followed by anxiolytics. Most cases used
drugs intentionally. Suicidal intention was predominant in women and the age group with the highest
number of cases attended was between 30-49 years. A minority of patients had hospital escape and
37% of the patients were referred to specialists. Given these findings, it is imperative to alert the
population to the indiscriminate use of medications. Campaigns alerting the population should be
considered.
Palavras-chave: Intoxication, Suicide, Toxic substances, Benzodiazepines, emergency.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3175 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
INTRODUÇÃO
Desde 2014, no Brasil o Centro de valorização a vida (CVV) iniciou a campanha de
conscientização sobre a prevenção do suicídio chamada “setembro amarelo” com intuito de prevenir
os suicídios no Brasil. Isto porque os números obtidos em 2012 no relatório da Organização Mundial
de Sáude (OMS) estimaram para 2016 mais de oitocentos mil mortes por suicídio. Atualmente, o
Brasil é o oitavo país em número de suicídios e de acordo com dados do Sinitox (Sistema Nacional de
informações Tóxico-Farmacológicas) os medicamentos foram a principal causa de intoxicação entre
os agentes químicos desde 1994. A maioria das intoxicações voluntárias com intenção suicida são
caracterizadas pelo uso de misturas de substância químicas, entre elas os medicamentos, álcool e
venenos (Towsend et al., 2001). Entre os medicamentos, os antidepressivos, os benzodizapínicos,
outras substâncias como drogas psicotrópicas (Towsend et al., 2001), opioides, analgésico não
opioides, antipiréticos (Hawton et al., 2001) e antirreumáticos são responsáveis por intoxicações
diagnosticadas em unidades de emergências nos hospitais. Muitos dos medicamentos utilizados nas
tentativas de suicídios são para o tratamento de doenças associadas como dependência química,
epilepsia, distúrbios bipolares (Fajutrao et al., 2009) e depressão (Blaszczyk & Czuzwa, 2016). As
doenças relacionadas a tentativa de suicídio são consideradas problemas de saúde pública devido a
sua forte relação. A depressão, por exemplo, é a principal entidade nosológica associada a tentativas
de suicídio, à ideação suicida e a planos suicidas (Chachamovich et al., 2009). Essa comorbidade
frequentemente é acompanhada com o diagnóstico de alcoolismo e ocasionando um quadro grave
(King et al., 1993) e aumentando o risco do comportamento suicida (King et al., 1993, Asnis et al.,
1993; Pfeffer et al., 1988).
Os benzodiazepínicos são indicados principalmente no tratamento de a) desordens
psiquiátricas: desordens de ansiedade (choy et al., 2007), insônia (Ware & Thorson, 2016), psicoses,
distúrbio bipolar (Ketter & Wang, 2010), depressão, retirada de drogas e álcool, desordem de
personalidade, pacientes suicidas; b) desordens médicas: apreensão em pacientes psiquiátricos,
catatonia (Lee et al., 2000) discinesia e acatisia, apresentações somáticas, espasmos musculares; c)
uso sintomáticos: problemas de insônia, hiperatividade, entre outras situações (Ciraulo & Knapp,
2014).
O uso indevido de drogas pode ser definido como um uso contrário às instruções prescritas,
sem considerar qualquer dano resultante ou efeitos adversos e o abuso como o uso intencional do
medicamento para um propósito não-médico, como euforia ou alteração do estado de consciência
(Vowles et al., 2015).
O objetivo principal da pesquisa foi traçar o perfil farmacoepidemiológico dos pacientes
com intoxicação medicamentosa em um hospital do extremo sul Catarinense através da identificação
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3176 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
e mensuração dos fármacos relacionados a intoxicação em pacientes e os fatores causais da
intoxicação.
MÉTODOS
Foram analisados 309 prontuários de pacientes que foram admitidos no setor de urgência e
emergência de um hospital do extremo sul catarinense no período de janeiro/2010 a dezembro/2016.
Através de um software da Instituição foi gerado um relatório deste período de pacientes internados
com os seguintes CDI’s: a) T439 (intoxicação por droga psicotrópica não especificada); b) T424
(intoxicação por benzodiazepinas); c) T399 (intoxicação por analgésico não-opiaceo, antipirético e
anti-reumático) e d) T402 (intoxicação por outros opiaceos). As variáveis independentes analisadas
foram idade, sexo, agente tóxico, associação de agentes, fumante, alcoolismo, tempo de
hospitalização, encaminhamento a especialista, evasão hospitalar e ano de internação. O desfecho
principal foi a intenção suicida.
Este estudo seguiu os princípios éticos e passou por comité de ética do hospital sob número:
CAAE: 69004417.5.0000.5364 Todos os pacientes ou responsáveis assinaram Consentimento Livre
e Esclarecido sobre o uso dos dados para pesquisa.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados foram coletados e organizados em planilhas e analisados no software IBM
Statistical Package for the Social Sciencies (SPSS) versão 22.0. Foi feita análise descritiva das
variáveis estudadas, relatando a frequência e porcentagem das variáveis qualitativas e a média e o
desvio padrão das quantitativas. Todos os resultados foram expressos por meio de gráficos e/ou
tabelas. Análise univariada foi realizada para investigar a associação entre a variáveis independentes
e intenção suicida. As variáveis contínuas foram analisadas pelo teste t de student. Variáveis
categóricas foram analisadas por chi-square. A magnitude de associação entre intenção suicida e as
variáveis independentes foi medida por risco relativo odds ratio (OR) com um nível de significância
α = 0,05 e intervalo de confiança de 95% (CI) respectivo estimado por regressão incondicional
logística.
RESULTADOS
No periodo de janeiro de 2010 a dezembro de 2016 foram admitidos no hospital 309 casos
de intoxicação sendo o ano de 2013, o período com maior número de casos com 92 pacientes
internados. Diferentes classes de fármacos e substâncias tóxicas foram identificadas:
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3177 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
benzodiazepínicos (71,8%), ansiolíticos da classe inibidores seletivos da recaptação de serotonina
(ISRS), (9,4%), medicamentos diversos (9,1%), álcool e drogas ilícitas (6,1%) e inseticidas (2,6%).
Embora, em uma grande quantidade de pacientes (109) foi identificado associação de agentes na
tentativa de suicídio, a maioria (56,2%) utilizou somente um agente. Entre os mais utilizados nas
tentativas de suicídio encontrados foram os benzodiazepínicos (77,5%), seguidos dos ansiolíticos
ISRS (9,6%). Ambas as classes também foram predominantes nos casos de intoxicação sem intenção
suicida.
Dos 309 casos, 249 (80,5%) foram de forma intencional e 60 (19,5%) de forma acidental. A
intenção suicida foi mais predomintante no sexo feminino (76,3%). A faixa etária com maior número
de casos atendidos com intoxicação encontrada foi entre 30-49 anos, sendo que 48% destes foram de
forma intencional e 51% dos casos sem intenção suicida. Dois casos estão entre crianças de 0-9 anos
de idade de forma acidental.
O tempo de hospitalização mais predominante foi menor que dois dias e 54,5% dos pacientes
com internação superior a três dias foram por intoxicação com benzodiazepínicos. Uma minoria de
pacientes tiveram evasão hospitalar (16 pacientes 5,1%) e foram encaminhados a especialistas (114
pacientes 37%) como psiquiatras ou centros de tratamento especializados em desordens mentais
(Tabela 1).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3178 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
Tabela 1: Características dos pacientes internados por intoxicação entre janeiro de 2010 a dezembro de 2016.
Variável N= 309 (%) Intencional
N = 249 (80,5%)
Não intencional
N = 60 (19,5%) OR (CI95)
Sexo
Feminino
Masculino
232 (75,1)
77 (24,9)
190 (76,3)
59 (23,6)
42 (70)
18 (30)
0.7 (0.5-1.2)
Idade (anos)
0 – 9
10 – 19
20 – 29
30 – 49
50 – 59
≥ 60
2 (0,6)
25 (8,1)
74 (23,9)
150 (48,5)
50 (16,2)
8 (2,6)
0
18 (7,2)
63 (25,3)
120 (48,1)
43 (17,3)
5 (2,0)
2 (3,3)
7 (11,7)
11 (18,3)
30 (50)
7 (11,6)
3 (5,0)
1.2 (0.9-1.8)
1.2 (0.7-2.2)
0.8 (0.7-1.1)
1.2 (0.8-1.9)
0.3 (0.9-1.2)
Agente tóxico
BZD
ISRS
Paracetamol
Hipnóticos não BZD
Antipsicóticos
Outros medicamentos
Álcool/Drogas ilícitas
Inseticida/venenos
/prod tóxicos
Não identificado
222 (71,8)
29 (9,4)
11 (3,6)
6 (1,9)
3 (1,0)
8 (2,6)
19 (6,1)
8 (2,6)
3 (1,0)
193 (77.5)
24 (9.6)
11 (4.4)
3 (1.2)
2 (0.8)
2 (0.8)
7 (2.8)
7 (2.8)
0
29 (48.3)
5 (8.3)
0
3 (5.0)
1 (1.66)
6 (10.0 )
12 (20.0)
1 (1.6)
3 (5.0)
1. (0.9-1.2)
0.7 (0.3-1.8)
--------------
0.2 (0.0-0.5)
0.3 (0.0-3.2)
0.2 (0.0-0.9)
0.1 (0.0-2.8)
1.0 (0.1-8.2)
--------------
Associação de agentes
Sim
Não
130 (42,1)
179 (57,9)
109 (43.8)
140 (56.2)
21 (35)
39 (65)
0.7 (0.4-1.1)
Fumante
Sim
Não
7 (2,3)
302 (97,7)
5 (2.0)
244 (98)
2 (3.0)
58 (97)
0.8 (0.5-1.4)
Alcoolismo
Sim
Não
31 (10)
278 (90,0)
25 (10)
224 (90)
6 (10)
54 (90)
0.9 (0.4-2.1)
Tempo de Hospitalização
≤ 2 dias
≥ 3 dias
265 (85,4)
44 (9,1)
210 (84.3)
39 (15.6)
55 (91.6)
5 (8.3)
0.8 (0.7-1.0)
Encaminhamento a especialista
Sim
Não
114 (36,9)
195 (63,1)
107 (43)
142 (57)
7 (11.6)
53 (88.4)
1.2 (1.1-1.4)
Alta hospitalar
Sim
Não
16 (5,2)
193 (94,8)
14 (5.6)
235 (94)
2 (3.3)
58 (96.6)
0.6 (0.1-2.3)
Ano
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2 (0,6)
22 (7,1)
54 (17,5)
92 (29,8)
69 (22,3)
44 (14,2)
26 (8,4)
0
16 (6.4)
40 (16)
69 (27.7)
62 (24.8)
37 (14.8)
25 (10)
2 (3.3)
6 (10)
14 (23.3)
23 (38.3)
7 (11.6)
7 (11.6)
1 (1.6)
--------------
1.3 (0.8-1.9)
0.9 (0.6-1.5)
1.0 (0.7-1.3)
2.0 (1.0-3.9)
0.6 (0.4-0.9)
3.2 (0.5-20.6)
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3179 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
DISCUSSÃO
Dentre as formas de tentativa de suicídio, a intoxicação exógena se destaca como meio mais
utilizado. Dentre as principais substâncias usadas estão os agrotóxicos, com frequências de até 90%
nos países em desenvolvimento, enquanto que o uso de medicamentos chega a 60% e é mais frequente
em países desenvolvidos. No Brasil, a intoxicação exógena é responsável por aproximadamente 70%
dos casos notificados (Santos et al., 2012; Spiller et al., 2010; Santos et al., 2009; Lovisi et al., 2009;
Damas et al., 2009; Bossuyt & Van Casteren, 2007; Caballero et al., 2004; Gunnell & Eddleston,
2003; Krug et al., 2002). No ano de 2012, na região Oeste de Santa Catarina, foram registradas 47
intoxicações por medicamentos, com 82 princípios ativos associados, e destes, mais da metade foram
por psicotrópicos (CIT, 2012). Apenas 8 pacientes foram identificados nesta pesquisa com dador de
aproximadamente seis anos que apontassem a intoxicação exógena por agentes como inseticidas ou
agrotóxicos. Isto pode ser decorrente da dificuldade de identificação, podendo muitas vezes ser
confundido com um mal estar, reação alégica ou intoxicação alimentar ou pela baixa exposição da
população regional aos agrotóxicos, por exemplo.
A proporção de 80,5% dos pacientes com intenção suicida em aproximadamente cinco anos
identificada nesta pesquisa superam a do último levantamento nacional que foi durante o período de
1998 a 2009 e foram registradas 112.295 internações devido à tentativa de suicídio, sendo que 70,7%
destes indivíduos haviam ingerido substâncias tóxicas. A escolha pelo meio utilizado na
tentativa/suicídio abrange aspectos psicossociais, de gênero, aceitabilidade sociocultural, além da
disponibilidade no acesso (Cibis et al., 2012; Bergen et al., 2008; Cantor & Baume, 1998).
Medicamentos para uso de doenças psiquiátricas podem atuar deprimindo, excitando ou
perturbando o sistema nervoso central (Canesin et al., 2008; Carlini et al., 2001). Como essas drogas
têm em sua composição elementos hidrofóbicos, elas atravessam mais facilmente a barreira
hematoencefálica e, por isso, atuam no sistema nervoso central, onde seu uso indevido ou inadequado
pode desencadear reações indesejadas, inclusive intoxicação (Rangh et al., 2007). Atualmente, uma
grande parcela da população faz uso dessa classe de medicamentos, e isso faz com que os riscos
relacionados a elas aumentem (Forte et al., 2018; Andrade et al., 2004). Com a larga utilização de
benzodiazepinicos, ocorrem muitos casos de intoxicação aguda não intencional, por erro de dose,
descuido do paciente, ou troca de medicamentos, entre outros motivos (Publio & Teixeira, 2018).
Fato este que podem explicar o motivo de os benzodiazepínicos serem identificados neste
levantamento como maiores responsáveis pelas internações por intoxicação em pacientes intencionais
ao suicído e não intencionais, ou seja, os acidentais.
Estudos nacionais trazem informações sobre o hábito dos brasileiros em manterem estoques
domiciliares de medicamentos, o que favorece o acesso para suicídios e tentativas (Lovisi et al., 2009;
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3180 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
Fernandes 2000) e falam sobre a importância tanto dos medicamentos quanto dos pesticidas nesta
relação, ocorrendo, entretanto, em nosso meio, sobremortalidade feminina no suicídio por uso de
medicamentos (Lovisi et al., 2009; Bachner et al., 2006; Fernandes et al., 2000).
Dentre os medicamentos mais utilizados para tentativa/suicidio estão os benzodiazepinicos,
que são depressores do SNC, com efeitos de intoxicação aguda semelhantes ao do alcool. O risco de
depressão respiratoria por intoxicação benzodiazepinica e importante. Embora a ingestão excessiva
de benzodiazepinicos dificilmente induza ao coma profundo e ao obito quando feita isoladamente, o
paciente pode necessitar de ventilação assistida. Os benzodiazepinicos estão envolvidas cada vez
mais em superdosagens suicidas ou acidentais, principalmente em combinação com etanol ou outras
drogas. Benzodiazepínicos sozinhos raramente são fatais, mesmo em altas doses, mas associados a
outras drogas, apresentam graves efeitos (Prescott, 1983; Jacobsen et al., 1981; Proudfoot & Park,
1978; Greenblatt et al., 1977).
Inúmeros estudos já chamaram a atenção para a gravidade do uso indiscriminado tanto de
medicamentos quanto de pesticidas (Santos et al., 2009; 2012; Lovisi et al., 2009; Stefanello et al.,
2008; Werneck et al., 2006). Estima-se que ocorram de 1 a 5 milhoes de casos de intoxicação por
inseticidas todos os anos, resultando em centenas de mortes, principalmente entre trabalhadores
agricolas (Bonner et al., 2005). No Brasil, dados do Sistema Nacional de Informaçoes Toxico-
Farmacologicas (Ministério da Saúde, 2007) mostraram que foram registrados 9.914 casos de
intoxicação por inseticidas nos 31 dos 37 Centros de Informaçoes e Assistencia Toxicologica
espalhados pelo pais em 2006. Destes casos, 190 (1,9%) resultaram em mortes. Intoxicaçoes
acidentais foram envolvidas em 3.564 casos (35,9%), tentativas de suicidio em 3.517 (35,5%), e a
intoxicação ocupacional correspondeu a 2.096 casos (21,1%).
Gunnell e Eddleston (2003), trazem a discussão sobre a maior frequência de suicídio por uso
de pesticidas em países em desenvolvimento devido ao modelo de prática agrícola, a qual favoreceria
um maior número de pessoas manipulando os produtos, além de os armazenarem próximo às
residências, inclusive, dentro das mesmas. Isto facilitaria tanto a disponibilidade quanto
aceitabilidade no uso das substâncias nos suicídios. Isso explicaria a intoxicação por inseticidas
observada no presente estudo, ja que a região é típica da pratica agrícola. O maior numero de casos
de intoxicação por meio de tentativa de suicidio relaciona-se ao facil acesso a estes produtos e também
por ser uma região onde prevalece a economia agricola (Faria et al., 2007).
Varios estudos tem demonstrado que as intoxicaçoes por inseticidas tem sido um problema de
longa duração por toda Africa (Dong & Simon, 2001), Asia (Van der Hoek & Konvadsen, 2006),
Europa (Davanzo et al., 2004) e Americas (Pires et al., 2005). Os organofosforados e carbamatos
representam a principal classe de inseticidas envolvidos nos casos de intoxicação. Estes compostos
inativam as enzimas acetilcolinesterase plasmatica e eritrocitaria, causando elevação nos niveis de
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3181 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
acetilcolina, levando a uma sindrome colinergica aguda, com o surgimento de sinais e sintomas
muscarinicos, nicotinicos e no SNC, sendo estas manifestaçoes dependentes da dose e da via de
exposição envolvidas na ocorrencia (Fishel & André, 2002).
Por outro lado, o álcool e drogas ilícitas também se destacaram como substâncias utilizadas
nas tentativas de suicídio. A partir de alcoolemias entre 20mg% e 80mg% (aproximadamente duas a
quatro doses), ocorrem perda da coordenação muscular, alteraçoes do humor e do comportamento e
inicia-se o aumento na atividade motora. Em niveis de 80 a 200mg%, surgem alteraçoes neurologicas
progressivas, como ataxia e fala pastosa. As funçoes cognitivas tambem estão prejudicadas. Segundo
a American Psychiatry Association (Arlington, 2006), ate alcoolemias de 150mg%, sugere-se o
monitoramento dos sinais vitais do paciente em ambiente seguro e calmo, com atenção a manutenção
das vias aereas livres.
Drogas ilícitas também são usadas em caso de suicídio intencional. Alguns casos de extrema
agitação psicomotora, hipertermia, agressividade e hostilidade tem sido descritos apos uso de cocaina
(“excited delirium”). Tal quadro, provavelmente causado por um desbalanço dopaminergico, deve
gerar cuidados intensivos em ambiente hospitalar, ja que ha risco de morte (Mash et al., 2009). A
intoxicação por maconha pode levar o usuario a comportamentos agressivos, muitas vezes pelo
comprometimento da percepção da realidade associada a ansiedade e a ideação paranoide (Mash et
al., 2009; Bowers, 1972; Melges et al., 1970).
Visto estes achados, torna-se imprescindível alertar a população a respeito do uso
indiscriminado de medicamentos, uma vez que muitas pessoas têm medicamentos em excesso em
suas casas e acabam usando-os de forma indevida. Campanhas alertando a população devem ser
pensadas.
Conflitos de Interesse: Os autores declaram não ter nenhum conflito de interesse.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3182 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
Referências
Andrade MF, Andrade RCG, Santos V. Prescrição de psicotrópicos: avaliação das informações
contidas em receitas e notificações. Rev. Bras. Cênci. Farm. 40(4):471-79, 2004.
Arlington VA. Practice guideline for the treatment of patients with substance use disorders. In:
__________. American Psychiatric Association. 2. ed. Compendium: American Psychiatric
Publishing, 2006. cap. 1, p. 1-16.
Asnis GM, Friedman TA, Sanderson WC, Kaplan ML, van Praag HM, Harkavy-Friedman JM.
Suicidal behaviours in adult psychiatric outpatients. I: Description and prevalence. Am. J.
Psychiatr. 150(1): 108-12, 1993.
Bergen H, Hawton K, Waters K, Ness J, Cooper J, Steeg S, Kapur N. How do methods of non-
fatal self-harm relate to eventual suicide? J. Affect. Disord. 136(3):526-33, 2012.
Błaszczyk B & Czuczwa SJ. Epilepsy coexisting with depression. Pharmacol. Rep. 68(5):1084–
92, 2016.
Bochner R. Perfil das intoxicações em adolescentes no Brasil no período de 1999 a 2001. Cad.
Saúde Públ. 22(3):587-95, 2006.
Bonner MR, Lee WJ, Sandler DP, Hoppin JA, Dosemeci M, Alavanja MCR. Occupational
exposure to carbofuran and the incidence of cancer in the agri- cultural health study. Environ.
Health Perspect. 113(3):285-9, 2005.
Bossuyt N & Van Casteren V. Epidemiology of suicide and suicide attempts in Belgium: results
from the sentinel network of general practitioners. Int. J. Public Health. 52(3):153-7, 2007.
Bowers MB Jr. Acute psychosis induced by psychotomimetic drug abuse, I: clinical findings.
Arch. Gen. Psychiatr. 27(4): 437-40, 1972.
Caballero Vallés PJ, Dorado Pombo S, Díaz Brasero A, García Gil ME, Yubero Salgado L, Torres
Pacho N, Ibero Esparza C, Cantero Bengoechea J. Vigilancia epidemiológica de la intoxicación
aguda en el área sur de la Comunidad de Madrid: estudio VEIA 2004. An. Med. Interna (Madrid).
25(6): 262-8, 2008.
Canesin R, Machado JAC, Oliveira AC, Antonio NS, Rocha JR, Biazotto G, Pereira DM.
Psicotrópicos: revisão de literatura. Rev. Cient. Eletrôn. Med. Vet. 11(1): 1-6, 2008.
Cantor CH & Baume PJM. Access to methods of suicide: what impact? Aust. N.Z.J. Psychiatr.
32(1): 8-14, 1998.
Carlini EA, Nappo SA, Galduróz JCF, Noto AR. Drogas Psicotrópicas – o que são e como agem.
Inst. Med. Social Criminol. São Paulo. 3(1): 9-35, 2001.
CIATox/SC - Centro de informações toxicológicas. Medicamentos. Disponível em:
<http://www.cit.sc.gov.br/ index.php?p=home>. Acesso em: 10 jun. 2018.
Chachamovich E, Stefanello S, Botega N, Turecki G. Quais são os recentes achados clínicos sobre
a associação entre depressão e suicídio? Rev. Bras. Psiquiatr. 31(Supl I): S18-25, 2009.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3183 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
Choy Y, Fyer AJ, Lipsitz JD. Treatment of specific phobia in adults. Clin. Psychol. Rev. 27(1):
266–86, 2007.
Cibis A, Mergl R, Bramesfeld A, Althaus D, Niklewski G, Schmidtke A, Hegerl U. Preference of
lethal methods is not the only cause for higher suicide rates in males. J. Affect. Disord. 136 (1-2):
9-16, 2012.
Ciraulo D & Knapp C. The pharmacology of nonalcohol sedative hypnotics. In: Ries R, Fiellin
D, Miller S, Saitz R. The ASAM principles of addiction medicine. 5. ed. Philadelphia, PA:
Lippincott Williams & Wilkins, 2014. cap.1 p. 117–134.
Damas FB, Zannin M, Serrano AI. Tentativas de suicídio com agentes tóxicos: análise estatística
dos dados do CIT/SC (1994 a 2006). Rev. Bras. Toxicol. 22(1-2): 21-6, 2009.
Davanzo F, Settimi L, Faraoni L, Maiozzi P, Trava- glia A, Marcello I. Agricultural pesticide-
related poisonings in Italy: cases reported to the Poison Control Centre of Milan in 2000-2001.
Epidemiol. Prev. 28(6): 330-7, 2004.
Dong X & Simon MA. The epidemiology of organo- phosphate poisoning in urban Zimbabwe
from 1995 to 2000. Int. J. Occup. Environ. Health. 7(4): 333-8, 2001.
Fajutrao L, Locklear J, Priaulx J, Heyes A. A systematic review of the evidence of the burden of
bipolar disorder in Europe. Clin. Pract Epidemiol. Ment. Health. 5:3, 2009.
Faria N, Fassa AU, Facchini LA. Intoxicação por agrotóxicos no Brasil: os sistemas oficiais de
informação e desafios para realização de estudos epidemiológicos. Ci. Saúde Col. 12(1): 25-38,
2007.
Fernandes LC. Caracterização e análise da farmácia caseira ou estoque domiciliar de
medicamentos. 2000. Porto Alegre. 30 p. Dissertação (Mestrado em Farmácia), Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
Fishel F & Andre P. Pesticide poisoning symptoms and first aid [Internet]. Columbia: MU
Extension, University of Missouri; 2002 [cited 2009 Apr 26]. (Agricultural MU Guide; G1915).
Disponivel em: <http:// muextension .missouri.edu/explorepdf/agguides>. Acesso em: 10 jun.
2018.
Forte EB. Perfil de consumo dos medicamentos psicotrópicos na população de Caucaia.
Disponível em:
<http://www.esp.ce.gov.br/index.php?option=com_phocadownload&view=category&id=32:esp
.-assistncia-farma- cutica&Itemid=15>. Acesso em: 10 jun. 2018.
Greenblatt DJ, Allen MD, Noel BJ, Shader RI. Acute overdosage with benzodiazepine derivates.
Clin. Pharmacol. Ther. 21(1): 497-514, 1977.
Gunnell D & Eddleston M. Suicide by intentional ingestion of pesticides: a continuing tragedy in
developing countries. Int. J. Epidemiol. 32(6): 902-9, 2003.
Hawton K, Townsend E, Deeks J, Appleby L, Gunnell D, Bennewith O, Cooper J. Effects of
legislation restricting pack sizes of paracetamol and salicylate on self poisoning in the United
Kingdom: before and after study. Brit. Med. J. 322(1): 1203-7, 2001.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3184 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
Jacobsen JB, Nielsen H, Ringsted C, Andersen PK. Deliberate self-poisoning. 5-year case
material from an intensive care unit. Ugeskrift. Lager. 143(38): 2430, 1981.
Ketter TA & Wang PW. Overview of pharmacotherapy for bipolar disorders. In: Ketter TA.
Handbook of diagnosis and treatment of bipolar disorders. Arlington: American Psychiatric
Association, 2010. cap. 1, p. 83–106.
King CA, Hill EM, Naylor MW, Evans T, Shain B. Alcohol consumption in relation to other
predictors of suicidality among adolescent inpatient girls. J. Am. Acad. Child. Adolesc.
Psychiatry. 32(1): 82-8, 1993.
Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and Health.
Geneva: WHO, 2002.
Lee JW, Schwartz DL, Hallmayer J. Catatonia in a psychiatric intensive care facility: incidence
and response to benzodiazepines. Ann. Clin. Psychiatr. 12(2): 89–96, 2000.
Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha L, Valencia E. Epidemiological analysis of suicide in
Brazil from 1980 to 2006. Rev. Bras. Psiquiatr. 31(Suppl. I2): S86-93, 2009.
Mash DC, Duque L, Pablo J, Qin Y, Adi N, Hearn WL, Hyma BA, Karch SB, Druid H, Wetli
CV. Brain biomarkers for identifying excited delirium as a cause of sudden death. Forensic. Sci.
Int. 190(1-3): e13-e19, 2009.
Melges FT, Tinklenberg JR, Hollister LE, Gillespie HK. Temporal disintegration and
depersonalization during marihuana intoxication. Arch. Gen. Psychiatr. 23(3): 204-10, 1970.
Ministério da Saúde. Fundação Osvaldo Cruz. Sistema Nacional de Informações Tóxico-
Farmacológicas. Casos registrados de intoxicação humana por agente tóxico e circunstância,
Brasil, 2007. Disponível em:
<http://www.fiocruz.br/sinitox_novo/media/tab06_brasil_2007.pdf.> Acesso em: 10 jun. 2018.
Pfeffer CR, Lipkins R, Plutchik R, Mizruchi M. Normal children at risk for suicidal behavior: a
two-year follow-up study. J. Am. Acad. Child. Adolesc. Psychiatry. 27(1): 34-41, 1988.
Pires DX, Caldas ED, Recena MCP. Intoxicações provocadas por agrotóxicos de uso agrícola na
microrregião de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil, no período de 1992 a 2002. Cad. Saúde
Públ. 21(3): 804-14, 2005.
Prescott LF. Safety of the benzodiazepines. In: Costa E. The benzodiazepines from molecular
biology to clinical practice. New York: Raven Press, 1983. cap.1, p. 253-265.
Proudfoot AT & Park J. Changing pattern of drugs used for self-poisoning. Brit. Med. J. 1(1): 90-
3, 1978.
Publio FR & Teixeira SL. Levantamento dos medicamentos causadores de intoxicação exógena
em residentes do município de Contagem/MG-2007. Disponível em:
<http://www.cpgls.ucg.br/ArquivosUpload/1/File/CPGLS/IV%20MOSTRA/SADE/SAUDE/Le
vantamento%20dos%20Medicamentos%20Causadores%20de%20Intoxicao%20Exgena%20em
%20Residentes%20do%20Municpio%20de%20Contagem%20%20Mg.pdf>. Acesso em: 10 jun.
2018.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3185 Dámasio, D.C. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3172 – 3185, 2019
Rangh HP. Farmacologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
Santos SA, Legay, LF, Lovisi GM, Santos JFC, Lima LA. Tentativas e suicídios por intoxicação
exógena no Rio de Janeiro: análise dos dados dos sistemas oficiais de informação em saúde, 2006-
2008. Rev. Bras. Epidemiol.16(2): 376-87, 2013.
Santos SA, Lovisi G, Legay L, Abelh L. Prevalência de transtornos mentais nas tentativas de
suicídio em um hospital de emergência no Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Públ. 25(9): 2064-
74, 2009.
Spiller HA, Appana S, Brock GN. Epidemiological trends of suicide and attempted suicide by
poisoning in the US: 2000-2008. Leg. Med. 12(4): 177-83, 2010.
Stefanello S, Cais CFS, Mauro MLF, Freitas GVS, Botega NJ. Gender differences in suicide
attempts: preliminary results of the multisite intervention study on suicidal behavior (SUPRE-
MISS) from Campinas, Brazil. Rev. Bras. Psiquiatr. 30(2):139-43, 2008.
Townsend E, Hawton K, Harriss L, Bale E, Bond A. Substances used in deliberate self-poisoning
1985-1997: trends and associations with age, gender, repetition and suicide intent. Soc Psychiatr.
Epidemiol. 36(1): 228-34, 2001.
Van der Hoek W & Konradsen F. Analysis of 800 hospital admissions for acute poisoning in a
rural area of Siri Lanka. Clin. Toxicol. 44(1): 225-31, 2006.
Vowles KE, McEntee ML, Julnes PS, Frohe T, Ney JP, van der Goes DN. Rates of opioid misuse,
abuse and addiction in chronic pain: systematic review and data synthesis. Pain. 156(4): 569–76,
2015.
Ware B & Thorson R. Do benzodiazepines have a role in the management of pain? Pain Manag.
Tod. 3(1): 18–21, 2016.
Werneck GL, Hasselmann MH, Phebo LB, Vieira DE, Gomes VLO. Tentativas de suicídio em
um hospital geral no Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Públ. 22(10): 2201-6, 2006.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
O exame toxicológico de larga janela de detecção em cabelo como política
pública de prevenção de acidentes no trânsito brasileiro
Cíntia Gomes1, Rayanne Emanuelle Gonçalves Girão1 & Pablo Alves Marinho1,2*
1-Centro Universitário Una, Belo Horizonte (MG), Brasil
2- Instituto de Criminalística de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), Brasil
*Centro Universitário Una. Curso de Farmácia. Rua dos Guajajaras, nº175, Centro, Belo Horizonte-MG, CEP 30180-
100. E-mail: [email protected]
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3187 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
RESUMO
O uso de substâncias psicoativas por motoristas profissionais brasileiros é amplamente difundido no
Brasil, principalmente os que trabalham no transporte de carga. Para diminuir o sono e o cansaço nas
longas viagens, muitos motoristas têm usado, indiscriminadamente, medicamentos e drogas
estimulantes para aumentar o período de vigília e o rendimento no trabalho. Porém, a análise
toxicológica no cabelo de motoristas com a finalidade de diminuir acidentes de trânsito ainda é
controversa na comunidade científica por falta de evidências. Neste sentido, essa revisão tem como
objetivo discutir o cabelo como amostra biológica alternativa para detectar o uso de drogas de abuso
em motoristas, as vantagens e desvantagens dessa matriz, bem como a utilidade do exame de larga
janela de detecção como política pública de segurança no trânsito. Os estudos encontrados sobre
análise de drogas em cabelo demonstram que essa matriz tem sido bastante requisitada por ser uma
amostra estável, fácil de ser coletada, armazenada, e principalmente por apresentar uma ampla janela
de detecção. Não foram encontradas experiências em outros países que adotaram esta mesma política
para fins de prevenção de acidentes e mortes no trânsito. No Brasil, ainda não se comprovou a real
efetividade dessa política pública na diminuição dos acidentes no sistema viário brasileiro, carecendo
de um tempo maior de acompanhamento para que ajustes possam ser realizados na lei, bem como
reanalisar a real necessidade de se impor este tipo de análise aos condutores de veículos.
Palavras-chave: Cabelo, Drogas psicotrópicas, Veículos automotores, Acidentes de trânsito.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3188 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
ABSTRACT
The use of psychoactive substances by Brazilian professional drivers is widely diffused in Brazil,
especially those who works in cargo transportation. To reduce sleep and fatigue on long journeys,
many drivers have indiscriminately used stimulant drugs to increase wakefulness time and
performance. However, the toxicological analysis in the hair of drivers with the purpose of reducing
traffic accidents is still controversial in the scientific community for lack of evidence. In this sense,
this review aims to discuss hair as an alternative biological sample to detect the use of drugs of abuse
in drivers, the advantages and disadvantages of this matrix, as well as
the utility of the wide detection window analysis as a public traffic safety policy . Studies on hair
drug analysis have shown that this matrix has been widely required for being a stable sample, easy to
collect, store, and mainly provides a broad-spectrum detection window. No experiences were found
in other countries that adopted this same policy for the purpose of accident prevention and traffic
deaths. In Brazil, the real effectiveness of this public policy in reducing accidents in the Brazilian
road system has not been proven yet. There is a need for a longer follow-up period for adjustments to
be made in the law, as well as to re-evaluate the real need to impose this type of analysis on vehicles
drivers.
Keywords: Hair, Psychotropic drugs, Motor vehicles, Traffic accidents.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3189 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, o sistema de transporte de cargas é o principal meio utilizado para a movimentação
da economia no país, possuindo cerca de dois milhões de quilômetros de rodovias, além de uma frota
de veículos automotores em franca expansão, o que contribui para o elevado número de acidentes no
trânsito (Takitane et al., 2013).
O uso de substâncias psicoativas por motoristas profissionais brasileiros, principalmente os
que trabalham no transporte de carga, é uma realidade no país. Para diminuir o sono e o cansaço nas
longas viagens, muitos motoristas têm usado, indiscriminadamente, medicamentos estimulantes,
popularmente conhecidos como “rebites” para alcançar o destino final em um menor tempo possível,
porém colocando em risco sua integridade física e dos demais condutores do sistema viário (Leyton
et al. 2002).
Os acidentes de trânsito estão entre as principais causas de morte no Brasil, o que tem gerado
um impacto significativo no sistema de saúde e econômico do governo. De acordo com os dados do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), 43% dos acidentes nas rodovias
federais em 2010 envolveram veículos de carga (BRASIL, 2011). Em 2016, houve 96.400 acidentes
de trânsito registrados nas rodovias federais brasileiras que ocasionaram 6.390 mortes, o que
representa 15 mortes para cada 1.000 acidentes (BRASIL, 2017). Ponce e Leyton (2008) relatam que
o consumo de drogas, associado ou não ao álcool, pode estar relacionado com 40% a 70% das
fatalidades no trânsito. Os anfetamínicos, canabinoides, opiáceos e benzodiazepínicos estão entre
essas drogas, cujo uso abusivo tem grande importância epidemiológica como causa de
morbimortalidade no trânsito (Leyton et al., 2012). Dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) mostraram que os 170 mil acidentes que ocorreram em rodovias federais em 2014
custaram mais de 12 bilhões de reais para a sociedade (IPEA, 2015).
Em virtude do alto índice de acidentes e mortes no trânsito foi exigido no Brasil, a partir de
2016, o exame toxicológico de larga janela de detecção, em amostra queratínica, quando da
habilitação, renovação e mudança para as categorias C, D e E para motoristas profissionais, com o
intuito de coibir o uso de substâncias psicoativas por estes profissionais e diminuir o número de óbitos
e feridos no sistema viário brasileiro (Brasil, 2015).
É sabido que as análises toxicológicas tem um importante papel na prevenção e controle do
uso abusivo de drogas, sendo requisitada com a finalidade de identificar a exposição a drogas no
ambiente de trabalho, em programas antidopagem no esporte, no auxílio e acompanhamento do
tratamento de usuários em clínicas de reabilitação e em análises forenses (Oliveira, 2005).
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3190 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
A escolha da matriz biológica submetida à análise toxicológica depende de uma gama de
fatores que se relacionam com a composição, integridade, finalidade da análise, facilidade e
acessibilidade da coleta entre outras considerações analíticas (Bordin et al., 2015).
Em busca de uma amostra biológica que apresente a capacidade de fornecer ao toxicologista
um histórico das substâncias administradas pelo indivíduo, num período de meses a anos anteriores
ao período de coleta, o cabelo revelou ser uma amostra alternativa importante para análises
toxicológicas, sendo, em muitas situações, complementar às matrizes tradicionalmente empregadas
como o sangue e a urina (Gordo, 2013).
Portanto, considerando a importância do cabelo para avaliar o consumo de substâncias
psicoativas (SPA) e a carência de dados estatísticos oficiais divulgados no cenário nacional, torna-se
fundamental a realização de pesquisas que busquem subsidiar discussões relacionando as análises de
drogas em cabelo de motoristas e os impactos nos acidentes de trânsito.
Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo relatar a prevalência do consumo de drogas
de abuso por motoristas de veículos automotores no Brasil; discutir as vantagens e desvantagens do
cabelo na detecção de drogas de abuso em comparação com outras amostras biológicas e apresentar
os métodos analíticos convencionalmente utilizados para pesquisa de SPA neste tipo de matriz.
2 MÉTODOS
Foi realizado um estudo de revisão integrativa da literatura através das bases de dados:
Biblioteca Virtual em Saúde, periódicos CAPES, SciELO, PubMed, ScienceDirect, bem como
monografias, dissertações e teses disponíveis em sites de Universidades nacionais e internacionais,
além de capítulos de livros relacionados ao tema. Adotaram-se como descritores os termos cabelo,
drogas psicotrópicas, veículos automotores, acidentes de trânsito, em português e inglês. A busca dos
trabalhos foi realizada de fevereiro de 2016 a maio de 2018, buscando artigos publicados em
português e inglês.
Foi realizada primeiramente uma triagem pelos títulos dos trabalhos, sendo os de interesse
selecionados para leitura do resumo. Aqueles trabalhos que apresentaram resultados mais recentes,
bem como abordaram de forma mais direta o uso de cabelo no contexto das análises toxicológicas,
foram utilizados para uma leitura mais criteriosa e empregados no corpo do artigo.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3191 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Consumo de drogas de abuso por motoristas
Atualmente cresce de forma significativa o uso de drogas de abuso pela sociedade, sendo um
dos fenômenos mais frequentes da população mundial. O relatório divulgado pelo Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crimes no ano de 2017 estima que 255 milhões de pessoas entre 15 e
64 anos (5,3% da população) fizeram uso de substâncias ilícitas recentemente, sendo a cannabis a
droga mais comumente utilizada (3,8%), seguida dos derivados anfetamínicos (1,22%) (UNODC,
2017). Como consequência, o uso abusivo de drogas é um dos maiores problemas de saúde pública
atingindo todos os setores da sociedade, inclusive o segmento dos motoristas profissionais (Gomes,
2013). A pressão no cumprimento dos prazos de entrega de cargas faz com que os motoristas de
caminhão recorram ao uso de drogas psicotrópicas lícitas e ilícitas para evitar as necessárias paradas
para o descanso e o sono durante o trabalho (Sinagawa, 2015).
Estudo realizado pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal em 2007 (n=122
caminhoneiros) demonstrou que 30% dos motoristas usavam algum tipo de substância psicoativa,
sendo que cerca de 50% deles apresentavam suspeita de uso de cocaína e 3% estavam sob efeito da
droga (Cubas, 2009).
Amostras de urina coletadas de motoristas brasileiros (n=993) entre os anos de 2008 a 2011
foram analisadas e demonstraram que 5,4% fizeram uso de anfetamínicos, 2,6% de cocaína e 1,0%
de cannabis. Os autores constataram que quanto mais longa a viagem, maior a frequência do uso de
anfetamínicos, tendo em vista que são drogas estimulantes do sistema nervoso central e que
aumentam o estado de alerta do motorista (Sinagawa et al, 2015).
Takitane et al. (2013) estimaram a prevalência do uso de anfetamínicos entre caminhoneiros
que circulavam pelas rodovias do estado de São Paulo (n=134). No questionário aplicado, 33%
relataram já ter feito uso de anfetamínicos, sendo que o medicamento mais citado foi o Desobesi®
(cloridrato de femproporex). Nas análises toxicológicas de urina, 10,4% das amostras apresentaram
resultados positivos para essa classe de fármacos.
Yonamine et al. (2013) coletaram e analisaram fluido oral de caminhoneiros no estado de São
Paulo (n=1.250). Os resultados das análises toxicológicas evidenciaram que 3,1% dos condutores
estavam sob efeito de alguma droga. O etanol foi o mais prevalente (1,44%), seguido dos
anfetamínicos (0,64%), da cocaína (0,56%) e da cannabis (0,4%).
Sinagawa (2015) realizou um estudo que teve por objetivo estimar a prevalência do uso de
drogas entre motoristas de caminhão que trafegavam em rodovias do Estado de São Paulo, através de
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3192 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
análise toxicológica em urina. Das 1.316 amostras analisadas, 7,8% apresentaram resultados positivos
para uma ou mais das drogas pesquisadas, sendo 3,4% positivas para anfetamínicos, 2,5% para
cocaína e 1,1% para maconha.
Em amostras de saliva coletadas de motoristas no Estado de São Paulo (n=762), a cocaína foi
a droga mais detectada (2,7%), seguida da anfetamina (2,1%) e da maconha (1%), sendo que 5
amostras testaram positivas para duas dessas substâncias. Também neste estudo, uma relação positiva
foi observada entre o consumo de anfetamina e a distância das viagens percorridas pelo motorista,
uma vez que esta droga aumenta o período de vigília do condutor (Bombana, 2017).
Apesar dos dados apresentados, geralmente oriundos de pesquisas acadêmicas, não há ainda
políticas públicas nacionais que monitorem sistematicamente o consumo de drogas nesta categoria
de profissionais, dificultando uma análise mais aprofundada sobre o real consumo de drogas nas
diferentes regiões brasileiras e que permitam uma comparação regional e temporal. Em contrapartida,
a ausência de políticas internacionais semelhantes e a escassez de evidências que o teste de larga
janela de detecção tenha impacto direto e significativo na redução de acidentes de trânsito é objeto
de questionamento pela comunidade científica (Leyton et al., 2017; Leyton et al., 2015; Balíková,
2005).
3.2 Legislações vigentes
A Lei nº 13.103, de 02 de março de 2015, tornou obrigatório o exame toxicológico de larga
janela de detecção para a habilitação, renovação ou mudança para as categorias C, D e E em
condutores profissionais (Brasil, 2015). Segundo a Resolução nº 691/2017 do Contran, o exame
toxicológico é destinado à verificação do consumo ativo, ou não, de substâncias psicoativas e deve
ser realizado de acordo com as diretrizes estabelecidas na resolução e apenas por laboratórios
credenciados pelo DENATRAN (Brasil, 2017).
Dessa forma, os laboratórios para realizarem estas análises necessitam ser acreditados para
exames toxicológicos de larga janela de detecção pelo Colégio Americano de Patologia (CAP) ou
pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) e operarem de acordo
com a Norma ISO/IEC 17025, com requisitos específicos que incluam integralmente aqueles
contemplados nas “Diretrizes sobre o exame de drogas em cabelos e pelos: coleta e análise” da
Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox). O credenciamento dos laboratórios tem validade de
quatro anos, podendo ser revogado, se não mantidos os requisitos exigidos na resolução do
CONTRAN (Brasil, 2017).
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3193 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
A coleta e análise do material biológico destinado ao exame toxicológico de larga janela de
detecção deverão ser realizadas de acordo com os requisitos especificados na resolução. A
interpretação do exame toxicológico é de responsabilidade do médico revisor do laboratório, que
emitirá relatório médico, concluindo pelo uso indevido ou não de SPA, considerando o
comprometimento da capacidade do condutor (Brasil, 2017).
A validade do exame é de 90 dias, a partir da data da coleta da amostra. Os exames
toxicológicos devem testar a presença de canabinoides (tetrahidrocanabinol ou THC e THC-COOH);
cocaína (cocaína, benoilecgonina, norcocaína e cocaetileno); opiáceos (codeína, morfina e heroína);
anfetaminas (anfetamina, metanfetamina, MDA, MDMA, anfepramona, femproporex e mazindol).
A constatação do consumo tem como consequência a suspensão do direito de dirigir pelo período de
três meses do candidato (Brasil, 2017).
3.3 Matrizes biológicas utilizadas em análises toxicológicas
A análise toxicológica para evidenciar o uso de drogas de abuso pode ser realizada em diversas
amostras biológicas, ditas convencionais, como sangue, urina, ar exalado; e não convencionais, como
suor, cabelo, pelos, saliva, unha, entre outras (Lima & Silva, 2007). Com o desenvolvimento de novas
metodologias para extração de drogas, a utilização de uma variedade de amostras biológicas tornou-
se ainda mais factível (Tsanaclis, Wicks & Chasin, 2011).
A urina é tradicionalmente a matriz biológica de escolha em análises toxicológicas e seu uso
é bem estabelecido. Como é a principal via de excreção de muitas drogas, essa matriz é eleita para
pesquisa dos metabólitos da substância utilizada. Apresenta grandes volumes disponíveis para análise
e futuras contraprovas, além de menor número de interferentes quando comparada a matrizes mais
complexas. Sob congelamento apresenta alta estabilidade, permitindo o armazenamento em períodos
relativamente longos. No entanto, é uma amostra de fácil adulteração e a maioria das drogas
encontram-se presentes na urina por um período de apenas alguns dias após o consumo, o que dificulta
a constatação do uso não recente (Peters et al., 2017).
O sangue é uma matriz convencional amplamente estudada nas análises toxicológicas
forenses, pois fornece de forma apropriada a correlação da concentração da droga no sangue com o
estado clínico do indivíduo, evidenciando, assim, o uso recente da substância. Contudo, é uma
amostra obtida através de método invasivo e que expõe o coletor a um maior risco de contaminação
biológica. Possui uma janela de detecção restrita com relação às drogas de abuso, já que podem ser
rapidamente biotransformadas, dependendo da meia vida da substância, e não mais encontradas no
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3194 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
sangue após algumas horas da exposição. Para este tipo de amostra, a análise quantitativa torna-se
importante, pois infere a magnitude dos efeitos apresentados pelo indivíduo (Bordin et al., 2015).
Na saliva ou fluido oral, as drogas são transferidas do sangue por ultrafiltração, difusão
passiva e/ou transporte ativo, podendo ser detectadas na forma inalterada. Porém, a incorporação das
drogas é restringida para moléculas de alta massa molecular, drogas ionizadas ou ligadas a proteínas
plasmáticas. As drogas no fluido oral são pesquisadas para exposições mais recentes, tendo janela de
detecção semelhante ao sangue. Drogas de caráter básico tendem a ser detectadas em concentrações
superiores em comparação com aquelas de caráter ácido, devido ao pH mais ácido da saliva em
relação ao sangue. Uma das principais aplicações dessa matriz é sua utilização no monitoramento de
condutores no trânsito e na verificação de uso de drogas em ambiente de trabalho. A facilidade de
coleta é um ponto favorável, porém o pequeno volume coletado pode restringir a análise de acordo
com a metodologia empregada (Peters et al., 2017; Bordin et al., 2015; Kidwell, Holland &
Athanaselis, 1998).
No suor, as drogas são incorporadas por difusão passiva e migração transdérmica. As
características físico-químicas das drogas influenciam na incorporação. A coleta do suor é simples,
não invasiva, não constrangedora, com menor risco de adulteração, apresenta poucos interferentes e
possui maior janela de detecção em relação ao sangue e saliva, porém o volume coletado de apenas
alguns microlitros pode dificultar a análise. Dentre as drogas de abuso já estudadas e detectadas no
suor incluem-se o etanol, os anfetamínicos, opióides, barbitúricos, cocaína, entre outras (Kidwell,
Holland & Athanaselis, 1998).
3.4 O cabelo como amostra biológica alternativa
O motivo do uso da matriz capilar no contexto toxicológico deve-se ao fato de que tanto a
urina como o sangue e a saliva produzem espectros transitórios de uso de drogas por um período
relativamente curto, refletindo o uso ocorrido horas ou dias antes da coleta. Em contraste, os fâneros
cutâneos (cabelos, pelos e unhas) fornecem informação de uso ou abstinência por um período
relativamente bem maior, da ordem de meses ou até anos (Peters et al., 2017).
Apesar da sua aparência uniforme o cabelo é, na realidade, uma matriz muito complexa, tanto
do ponto de vista constitucional, quanto para a sua análise toxicológica. Sabe-se que não é uma fibra
homogênea, mas sim um conjunto de células queratinizadas constituído por dois domínios, o externo
que é constituído pelas hastes capilares, que são estruturas cilíndricas, compostas por células bastante
compactadas, que nascem a partir do domínio interno, que é formado pelos folículos (Mateus, 2014).
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3195 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
As drogas são incorporadas no cabelo progressivamente, estando presentes em determinado
segmento, dependendo da taxa de crescimento dos fios. Diferentes taxas de crescimento do cabelo já
foram calculadas, variando de 0,6 a 1,4 cm/mês. Tais valores são dependentes da cor do cabelo, etnia
ou região anatômica em que o cabelo se encontra (Bordin et al., 2015). Análise de segmento de um
centímetro de comprimento fornece um perfil integrado do uso de drogas ao longo de um período de
um mês. Como o cabelo leva cerca de 6 dias para que cresça da raiz e apareça acima do couro
cabeludo, a droga só poderá ser detectada após este período, o qual é denominado de lag time
(Tsanaclis, Wicks & Chasin, 2011).
O exato mecanismo envolvido na incorporação de substâncias no cabelo ou os fatores que
influenciam na incorporação, ainda não foram completamente elucidados. Os mecanismos de
incorporação de drogas no cabelo baseiam-se na difusão ativa ou passiva da droga presente nos vasos
capilares para o folículo capilar; incorporação através do suor e secreções provenientes das glândulas
sudoríparas e sebáceas adjacentes à porção intradérmica do fio; e incorporação de substâncias
externas (presentes no ambiente), que acabam por se depositar e permanecer na fibra capilar (Oliveira,
2005).
Quando são analisadas amostras de cabelo, o mecanismo pelo qual a droga é incorporada nesta
matriz e a estabilidade das ligações químicas da droga com os sítios ligantes são importantes fatores
para a interpretação dos resultados obtidos. Em relação aos possíveis sítios de ligação das drogas, as
proteínas, lipídeos e melanina, são os três componentes da estrutura capilar que podem ser
considerados. Em alguns estudos foi evidenciado que os principais responsáveis pela interação das
drogas nos cabelos são a melanina e as proteínas (Borgo, 2016).
O entendimento da incorporação e conservação de drogas e metabólitos durante a formação
das fibras capilares levam em consideração o transporte biológico através das membranas celulares,
princípios de biotransformação das drogas e afinidade das substâncias pela melanina. A rápida
proliferação celular no cabelo é associada com a alta atividade metabólica no folículo capilar. Isso se
deve à presença de inúmeras enzimas capazes de promover reações de biotransformação das
substâncias presentes. A permanência das drogas na estrutura interna do cabelo pode ser explicada
pela interação entre a droga com proteínas e, em especial, a queratina (Lima & Silva, 2007).
O conteúdo proteico, especialmente de melanina, afeta a eficiência da ligação da droga ao
cabelo, já que servem como sítios de ligação para estas substâncias. Fatores, tais como lipofilicidade
e basicidade das SPA, também influenciam sua incorporação no cabelo. Sabe-se que drogas de caráter
básico, como a cocaína e os anfetamínicos, tendem a se incorporar no cabelo em maior quantidade
quando em comparação com drogas de caráter ácido ou neutro, como os canabinóides e
benzodiazepínicos (Bordin et al., 2015). A permanência dos fármacos no cabelo e nas unhas tem-se
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3196 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
demonstrado irreversível, permanecendo nestas matrizes de forma definitiva. A sua eliminação dá-se
apenas devido ao crescimento contínuo destas estruturas ou por tratamentos capilares mais agressivos
e exposição a fatores ambientais (Mateus, 2014).
A realização de descoloração e aplicação de tinturas sobre os cabelos afetam a estabilidade e
a permanência das drogas na matriz. Os produtos cosméticos apresentam em sua composição bases
fortes, que por sua vez, promovem danos à fibra capilar. Além disso, se associado aos processos
naturais como a exposição aos raios solares, clima e poluição, pode causar danos consideráveis à
cutícula capilar, fazendo com que a concentração inicial presente de drogas possa diminuir
significativamente (Bordin et al., 2015).
Alguns procedimentos como descoloração, clareamento ou luzes envolvem a destruição
irreversível de melanina por oxidação e pode ocorrer uma degradação parcial ou mesmo total da
proteína. A oxigenação intensa utilizada para descolorir o cabelo altera as propriedades físicas dos
fios. Os cosméticos utilizados atuam destruindo ou modificando estruturas que constituem os fios de
cabelo. Os ingredientes desses produtos podem também reagir com moléculas de drogas presentes no
cabelo e degradá-las, causando alterações nos locais onde provavelmente ocorra deposição da droga,
ou em seus sítios de ligação (Lima & Silva, 2007).
Sendo assim, tratamentos cosméticos como descoloração, tingimento e permanente devem ser
considerados ao interpretar o resultado analítico, uma vez que esses procedimentos podem reduzir a
concentração da droga a níveis inferiores ao do limite de detecção e, portanto, causar resultados falso-
negativos (SBTox, 2015).
Como as drogas se ligam na melanina presente na parte interna do cabelo, a cor natural dos
cabelos, que é consequência do teor desta proteína, tem influência na concentração da droga
incorporada na matriz capilar. Desta forma, cabelos mais escuros, por terem mais melanina, possuem
um teor maior da droga em relação a cabelos originalmente mais claros (Baciu et al., 2015).
Nos últimos anos, o cabelo vem sendo empregado como amostra biológica em análises
toxicológicas para diversas finalidades, devido a algumas características em comparação com outras
matrizes, como podem ser observadas na Tabela 1. O desenvolvimento de métodos analíticos de alta
sensibilidade e com baixos limites de detecção fez com que os estudos com essa matriz fossem
alavancados (Tsanaclis, Wicks & Chasin, 2011).
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3197 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
Tabela 1: Comparação entre diferentes matrizes biológicas utilizadas em análises toxicológicas.
Fonte: Adaptado de Kintz &Samyn,1999.
A coleta de amostras de cabelo é uma das fases mais críticas do exame toxicológico para a
garantia da confiabilidade do resultado analítico, sendo de extrema relevância a conferência da
identidade do doador da amostra para evitar fraudes. Este processo, que requer documentação
apropriada, é o primeiro elo para garantida da cadeia de custódia, a qual representa o registro de todos
os dados e etapas do exame, desde a coleta e armazenamento da amostra, passando pela fase analítica,
emissão dos resultados e findando no descarte do material analisado. Isto fornecerá todas as
informações necessárias para a rastreabilidade dos procedimentos realizados. Em outras palavras, a
cadeia de custódia é o registro de todas as etapas visando fornecer evidências defensáveis quanto à
integridade da amostra, garantia da confidencialidade e validade dos resultados (Tsanaclis, Wicks &
Chasin, 2011).
O formulário de cadeia e custódia estabelece uma relação, entre a pessoa e sua amostra
biológica e é usado para documentar a história cronológica da amostra, a fim de rastrear seu manuseio
a partir de todo o preparo, que vai desde a coleta até o transporte e emissão do resultado final (Lopes,
Gabriel & Bareta, 2006). Nesse sentido, deve-se registrar em formulário: nome do coletor, dados
sobre o doador, data e hora da coleta, declaração do doador sobre o uso atual de medicamentos,
características do cabelo e uso de cosméticos, local do corpo coletado e número único de registro da
amostra (SBTox, 2015).
A análise toxicológica em amostras queratínicas pode ser realizada com amostras não apenas
do couro cabeludo, mas também com pelos de qualquer parte do corpo. É comum a coleta de pelos
da axila, do peito e pubianos, entretanto, torna-se inexequível determinar o período de exposição à
droga utilizando apenas os pelos corporais (Tsanaclis, Wicks & Chasin, 2011).
Matriz Biológica Sangue Urina Saliva Cabelo
Coleta Invasiva Não invasiva Não invasiva Não invasiva
Analito
pesquisado Droga Metabólitos Droga
Droga e
metabólitos
Janela de detecção Curta (horas) Moderada (dias) Curta (horas) Longa (meses)
Problemas Interferentes Adulteração Volume Contaminação ambiental e
produtos químicos
Concentração ng/mL ng/mL ng/mL ng/mg
Estabilidade Moderada sob
refrigeração
Moderada sob
refrigeração
Moderada sob
refrigeração
Alta em temperatura
ambiente
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3198 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
3.5 Métodos de Análise em Cabelo
O cabelo é uma matriz biológica complexa, o que requer específico preparo da amostra,
visando reduzir a quantidade de compostos interferentes, que podem comprometer a seletividade e
sensibilidade do método. Com isso, o cabelo passa por várias etapas onde são empregadas
metodologias de lavagem ou descontaminação, seguida do processo de extração, e, por último, a
detecção, identificação e quantificação cromatográfica (Brasil, 2017; Alves, 2015).
A Society of Hair Testing recomenda para o processo de descontaminação do cabelo a
utilização de soluções aquosas e solventes orgânicos (Cooper, Kronstrand & Kintz, 2012). Os
reagentes utilizados no processo de descontaminação ficam a critério de cada laboratório, sendo os
principais usados: detergentes/xampus; surfactantes (ex: dodecil sulfato de sódio 0,1%); tampão
fosfato e solventes orgânicos (ex: acetona, metanol, etanol, éter etílico, diclorometano, pentano ou
hexano), empregando-se diferentes volumes e tempos de lavagem (Alves, 2015). O processo de
descontaminação deve consistir em uma lavagem inicial com um solvente orgânico, uma segunda
lavagem com água ou uma solução tampão e uma terceira lavagem com um solvente orgânico. Esse
procedimento deve ser realizado para a remoção da contaminação externa, mas não das substâncias
presentes no interior do cabelo (Lima & Silva, 2007).
As técnicas mais comumente utilizadas para extração de drogas presentes em amostras
biológicas são a extração líquido-líquido (LLE) e a extração em fase sólida (SPE) (Peters et al., 2017;
Eller, 2014). Porém, novas técnicas de preparo de amostras têm sido empregadas com sucesso para
essa finalidade, como a microextração em fase sólida (SPME), microextração em fase líquida (LPME)
e a extração sortiva em barra de agitação (SBSE). A escolha da técnica deve levar em consideração
as propriedades químicas da SPA e sua estabilidade nas diferentes soluções de extração, a fim de
evitar possívies degradação do analito de interesse, o que comprometeria a sensibilidade do método
(Pego et al., 2017; Domingues, 2015; Samanidou et al., 2011).
Posteriormente ao método de extração é realizada a detecção, identificação e quantificação da
droga e dos seus metabólitos. As técnicas analíticas mais utilizadas são a cromatografia em fase
gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC-MS) e a cromatografia em fase líquida acoplada à
espectrometria de massas em tandem (LC-MS/MS). Essas técnicas são comumente escolhidas por
apresentarem maior sensibilidade, compatibilizando com as concentrações dos compostos de
interesse encontrados no cabelo e por permitirem a confirmação da presença dos analitos de forma
irrefutável (Bordin et al., 2015). Baciu et al., (2015) apresentam uma ampla revisão da literatura,
detalhando os diversos métodos de preparo de amostra utilizados na matriz capilar, bem como as
técnicas analíticas empregadas para detecção de drogas nesta amostra.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3199 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
A implementação de sistemas de qualidade que assegurem a eficácia e precisão dos resultados
analíticos é um dos princípios fundamentais dos laboratórios responsáveis pelas análises de cabelo.
Para isso encontram-se disponíveis procedimentos internacionais padronizados que aferem a
qualidade dos resultados, fornecendo aos laboratórios importantes diretrizes, que incluem certos
requisitos que permitem aos laboratórios aprimorar a prática da análise, possibilitando, assim, a
validação da metodologia analítica empregue através da atribuição de competências técnicas com
consequente publicação de resultados analíticos válidos (Gordo, 2013).
Neste contexto da qualidade, os métodos analíticos empregados para análise de drogas em
cabelo, devem ser previamente validados, sendo avaliadas diversas figuras de mérito, a saber:
seletividade, linearidade, exatidão, repetitividade, reprodutibilidade, limite de detecção, limite de
quantificação e estabilidade. De acordo com as diretrizes da SBTox, o método deverá apresentar
coeficiente de determinação iguais ou maior que 0,98; a inexatidão, a imprecisão intraensaio e
interensaio aceitas devem ser menores que 20%; os limites de detecção deverão obrigatoriamente ser
menores que os valores de cut-off estipulados pelo CONTRAN. A estabilidade dos extratos oriundos
do preparo da amostra também deve ser verificada, a fim de garantir a não degradação do analito
durante o período de análise. As razões de íons dos analitos e seus respectivos padrões internos não
devem diferir mais de ± 20% das respectivas razões obtidas nos controles e a incerteza de medição
também deve calculada e documentada (SBTox, 2015).
Estudos têm demonstrado que o consumo de drogas por motoristas de veículos automotores é
considerado um importante fator contribuinte para a ocorrência de acidentes de trânsito por
provocarem diversas alterações nos condutores (Sinagawa, 2015; Leyton et al., 2012). Desta forma,
vários trabalhos na literatura têm sido publicados para determinar SPA em amostras de cabelo e,
assim, constatar uso de SPA por diferentes tipos de usuários (Tabela 2).
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3200 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
Tabela 2: Metodologias empregadas para análise de drogas em cabelo.
Droga
Preparo da
amostra
Técnica
analítica
LOD
(ng/mg)
LOQ
(ng/mg) Referência
Anfetamínicos
Benzodiazepínicos
LPME
SPE GC-MS 0,05
0,01
0,1
0,05 Pantaleão,
2012
Canabidiol
Canabinol
THC HS-SPME GC-MS
0,07
0,07
0,07
0,12
0,12
0,12
Oliveira, 2005
Opiáceos
Cocaína
THC SPE GC-MS
0,2
0,2
0,05
0,2
0,2
0,05
Tassoni et al.,
2014
Cocaína
Benzoilecgonina
Cocaetileno SPME GC-MS
0,1
0,5
0,1
0,1
0,5
0,1 Toledo, 2004
Anfetamina
Metanfetamina
MDMA
Morfina
Codeína
Cocaína
Benzoilecgonina
Diazepam
THC
LLE
GC-MS
e
LC-MS
0,019
0,010
0,008
0,017
0,052
0,005
0,013
0,017
0,010
0,063
0,034
0,027
0,055
0,171
0,015
0,043
0,070
0,030
Kronstrand
et al., 2010
Cocaína
Éster metil
anidroecgonina
Cocaetileno
Benzoilecgonina
LPME
GC-MS
0,1
0,4
0,03
0,05
0,5
0,5
0,05
0,05
Pego et al.,
2017
Fenobarbital
LPME GC-MS
0,1 0,25 Roveri,
Paranhos &
Yonamine,
2016
LOD: limite de detecção; LOQ: limite de quantificação; LPME: microextração em fase líquida; HS-SPME: microextração
em fase sólida por headspace; SPE: extração em fase sólida; SPME: microextração em fase sólida.
A identificação de metabólitos é um dos parâmetros que podem confirmar uso ativo de drogas
e excluir contaminações ambientais, pois a presença da droga e do seu respectivo metabólito
demonstra a absorção e sua biotransformação sistêmica. Dificuldade na interpretação surge quando
metabólitos não são detectados, como é o caso da maconha onde concentração do seu metabólito se
encontra em níveis muito menores do que a droga administrada, dificultando a constatação do uso
ativo. Em alguns casos, torna-se necessário a análise do resíduo da lavagem do cabelo para sanar
eventuais dúvidas sobre a contaminação externa do cabelo pela droga e evitar possíveis contestações
judiciais (Tsanaclis, Wicks & Chasin, 2011).
Para pesquisa de etanol são utilizados metabólitos secundários, formados pela via de
biotrasnformação não oxidativa, como o etil glicuronídeo (EtG) e/ou etil-ésteres de ácidos graxos
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3201 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
(FAEE), que são utilizados como marcadores biológicos do consumo de etanol. Para análise dos
FAEE, são pesquisados o etil-miristato, etil-palmitato, etil-oleato e etil-estearato (Mateus , 2014).
3.6 Cut-off
O termo cut-off ou valor de corte, indica concentrações determinadas no processo de validação
dos métodos analíticos ou sugeridos por sociedades científicas para comparação de resultados
analíticos e orientação das conclusões e interpretação final das análises. Sempre que os resultados das
análises se encontram abaixo dos valores estabelecidos como sendo os de cut-off, serão considerados
como “Não Detectados” ou “Negativos”, sendo que valores acima serão considerados “Detectados”
ou “Positivos” e, assim, podem ser quantificados (Domingues, 2015; Wennig, 2000).
Na análise de drogas no cabelo, o principal objetivo da adoção dos cut-offs é minimizar a
detecção de drogas usadas em períodos anteriores ao de interesse, detectar usuários frequentes e
também evitar falso-positivos em casos de exposição passiva à droga presente no ambiente. Os
valores de cut-off em análises toxicológicas são recomendados por organismos internacionais
tecnicamente reconhecidos como a Substance Abuse & Mental Health Services Administration
(SAMSHA), pela Society of Hair Testing (SOHT) (Cooper, Kronstrand & Kintz, 2012; Tsanaclis,
Wicks & Chasin, 2011). Na Tabela 3 são demonstrados valores de cut-off atualmente adotados no
Brasil para análise de drogas em cabelo em motoristas de veículos nas categorias C, D e E, os quais
se assemelham muito com os valores adotados pela SOHT.
Tabela 3: Cut-off recomendados para as drogas analisadas em cabelo e pelos na etapa de triagem e confirmação.
ANFETAMINAS Triagem (ng/mg) Confirmação (ng/mg) Anfetamina 0,2 0,2
Metanfetamina 0,2 0,2
MDMA 0,2 0,2
MDA 0,2 0,2
Anfepramona 0,2 0,2
Femproporex 0,2 0,2
Mazindol 0,5 0,5
MACONHA Triagem (ng/mg) Confirmação (ng/mg) THC 0,1 -
THC-COOH 0,001 0,0002
COCAÍNA Triagem (ng/mg) Confirmação (ng/mg) Cocaína 0,5 0,5
Benzoillecgonina 0,5 0,05
Cocaetileno 0,5 0,05
Norcocaína 0,5 0,05
OPIÁCEOS Triagem (ng/mg) Confirmação (ng/mg) Morfina 0,2 0,2
Codeína 0,2 0,2
Heroína 0,2 0,2
Fonte: CONTRAN, 2017.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3202 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
4 CONCLUSÃO
O abuso regular de drogas é geralmente incompatível com a capacidade de condução de
veículos automotores. Estudos realizados evidenciam que uma porcentagem significativa dos
acidentes de trânsito envolvem veículos de carga. Na tentativa de diminuir o índice de acidentes
causados pelo uso e abuso de drogas por motoristas, uma nova e pioneira política nacional foi adotada
no Brasil em 2015, onde os motoristas profissionais das categorias C, D e E passaram a ser submetidos
às análises toxicológicas em cabelo/pelo para conseguirem renovar ou obter suas carteiras de
habilitação.
As análises em cabelo têm mostrado ser de grande potencial na detecção e controle de
exposição do uso de drogas, mostrando-se ser uma matriz estável, fácil de coletar, transportar,
armazenar, além de possuir uma ampla janela de detecção, que pode variar, de meses a anos. Isso
permite uma visão integrada do uso e abuso crônico de drogas de um indivíduo por um período de
tempo relativamente mais prolongado, quando comparado às outras amostras biológicas, ditas
convencionais.
Porém, é importante salientar que o exame toxicológico em cabelo não comprova que o
motorista conduziu o veículo sob a influência da droga detectada em algum momento, o que tem
levantando críticas por parte de alguns setores e organizações da sociedade civil e científica.
Entre os questionamentos desta política está no fato do exame não comprovar que o motorista
conduziu o veículo sob a influência de droga, uma vez que a análise não pode precisar o momento
que o condutor teve contato com a SPA. Há também críticas em relação ao número insuficientes de
laboratórios certificados aptos para executar as análises frente à nova demanda nacional, o que é
explicado pelo rigor técnico exigido para credenciamento de um laboratório que realiza este tipo de
ensaio. Vale ressaltar o Código de Trânsito Brasileiro estipula como crime apenas a direção de veículo
sob efeito de etanol ou outra substância que determine dependência, o que não pode ser comprovado
pela análise do cabelo, tendo em vista a larga janela de detecção da amostra.
A Sociedade Brasileira de Toxicologia ressalta que não há evidências científicas de que a
obrigatoriedade da realização desses testes em cabelo tenha impactos significativos na redução de
acidentes, colocando, assim, em dúvida sua eficácia como política pública de prevenção ao uso de
drogas no trânsito. Não há relatos de outros países que adotaram esta mesma política para fins de
prevenção de acidentes e mortes no trânsito. O que se tem de experiência internacional neste sentido
é a análise toxicológica em cabelo de condutores que tiveram a carteira de habilitação suspensa por
dirigirem sob influência de drogas e almejam a obtenção novamente do documento, após
comprovação da abstinência prolongada do uso de SPA. Outra questão que deve ser ressaltada é o
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3203 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
elevado custo do exame que geralmente é pago pelos próprios motoristas autônomos em detrimento
dos baixos índices de resultados positivos relatados entre os anos de 2016 a 2017 que são de,
aproximadamente, 2% do total das análises realizadas (SBTox, 2018).
De ante dos poucos estudos nacionais publicados sobre o tema, cabe aguardarmos o
impacto dessa pioneira política nas estatísticas de acidentes e mortes no trânsito para, então, verificar
sua real efetividade e propor ajustes necessários, para que o tráfego nas rodovias brasileiras não ceife
tantas vidas como ocorre atualmente.
REFERÊNCIAS
Alves MNR. Análise de canabinóides e cocaínicos em amostras de cabelo e sua correlação com
sintomas psiquiátricos. 2015. Ribeirão Preto. 78 p. Tese (Doutorado em Ciências), Universidade de
São Paulo. Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto.
Baciu T, Borrull F, Aguilar C, Calull M. Recent trends in analytical methods and separation
techniques for drugs of abuse in hair. Anal. Chim. Acta. 856: 1-26, 2015.
Balíková M. Hair analysis for drugs of abuse. Plausibility of interpretation. Biomed. Pap. Med. Fac.
Univ. Palacky Olomouc Czech Repub. 149(2): 199-207, 2005.
Bombana HS, Gjerde H, Dos Santos MF, Jamt RE, Yonamine M, Rohlfs WJ, Muñoz DR, Leyton V.
Prevalence of drugs in oral fluid from truck drivers in Brazilian highways. Forensic Sci. Int. 273:
140-143, 2017.
Bordin DCM, Monedeiro FFSS, Campos EG, Alves MNR, Bueno LHP, Martinis BS. Técnicas de
preparo de amostras biológicas com interesse forense. Scientia Chromatographica. 7(2): 125-143,
2015.
Borgo AP. Análise post-mortem de cocaína em cabelo utilizando a técnica de LC-MS/MS. 2016.
Campinas. 98 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas), Universidade Estadual de Campinas.
Faculdade de Ciências Médicas. Campinas.
Brasil. Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Resolução nº 691 de 27 de setembro de 2017.
Diário Oficial da União, 28 de setembro de 2017.
Brasil. Ministério dos Transportes. Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
Estatísticas de acidentes. Brasília, 2011. Disponível em:
<https://189.9.128.64/download/rodovias/operacoes-rodoviarias/estatisticas-de-acidentes/anuario-
2010.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2017.
Brasil. Ministério dos Transportes. Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Anuário
Estatístico de Transportes 2010 - 2016. Brasília, 2017. Disponível em: < http://www.transportes.gov.br/images/2017/Sum%C3%A1rio_Executivo_AET_-_2010_-_2016.pdf
>. Acesso em: 27 nov. 2017.
Brasil. Lei nº 13.103, de 2 de março de 2015. Diário Oficial da União, 03 de março de 2015.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3204 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
Cooper GAA, Kronstrand R, Kintz P. Society of hair testing guidelines for drug testing in hair. Forensic Sci. Int. 218(1-3): 20-24, 2012.
Cubas F. Um estudo preliminar com motoristas de caminhão sobre o uso de álcool e outras drogas
nas rodovias federais brasileiras. 2009. Campo Grande. 130 p. Dissertação (Mestrado em
Psicologia), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Campo Grande.
Domingues MIS. Análise de cabelo – procedimentos e aplicações. 2015. Porto. 45 p. Dissertação
(Mestrado em Ciências Farmacêuticas), Faculdade de Ciências da Saúde. Universidade Fernando
Pessoa. Porto.
Eller SCWS. Estudo de incerteza de medição em análises toxicológicas de substâncias psicoativas
em urina. 2014. São Paulo. 152 p. Tese (Doutorado em Toxicologia e Análises Toxicológicas),
Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Universidade de São Paulo. São Paulo.
Gomes MS. Contributo da química forense na detecção de drogas de abuso. 2013. Lisboa. 91 p.
Dissertação (Mestrado em Química), Faculdade de Ciências. Universidade de Lisboa. Lisboa.
Gordo JMO. O cabelo como amostra biológica em toxicologia forense: colheita, análise e áreas de
aplicação. 2013. Fernando Pessoa. 74 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas),
Universidade Fernando Pessoa. Fernando Pessoa. Porto.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Polícia Rodoviária Federal (PRF). Acidentes de
trânsito nas rodovias federais brasileiras. Caracterização, tendências e custos para a sociedade.
Brasília, DF, 2015. 34p.
Kidwell DA, Holland JC, Athanaselis S. Testing for drugs of abuse in saliva and sweat. J. Chromatogr.
B Biomed. Sci. Appl. 713(1): 111-135, 1998.
Kintz P, Samyn N. Determination of “Ecstasy”components in alternative biological specimens. J.
Chromatog. B. 733: 137-143, 1999.
Kronstrand R, Nystrom I, Forsman M, Kall K. Hair analysis for drugs in driver’s license regranting.
A Swedish pilot study. Forensic Sci. Int. 196(1-3): 55-58, 2010.
Leyton V, Andreuccetti G, Souza Meira Júnior AE, Dos Santos MF, Bombana HS, Walls HC, Greve
JMD, De Carvalho HB, Montal JCM, Adura FE, Yonamine M. Hair testing: an ineffective DUI
strategy in Brazil. Addiction. 113(2): 374–376, 2017.
Leyton V, Andreuccetti G, Almeida RM, Muñoz DR, Walls HC, Greve JM, Costa MJH, Adura FE,
Yonamine M. Hair drug testing in the new Brazilian regulation to obtain professional driver's licence:
no parallel to any other law enforcement in the world. Addiction. 110(7): 1207-8, 2015.
Leyton V, Carvalho DG, Jesus MGS, Muñoz DR. Uso de anfetamínicos por motoristas profissionais
brasileiros: aspectos gerais. Saúde Ética Just. 5/7(1-2): 32-36, 2002.
Leyton V, Ponce JC, Montal JHC, Adura FE. Efeito do uso de drogas (cannabis, anfetaminas, cocaína,
opiáceos e alucinógenos) sobre o comportamento e a cognição de motoristas. Projeto Diretrizes. São
Paulo: Associação Médica Brasileira, 2012.
Lima EC & Silva CL. Cabelo como matriz analítica alternativa para a determinação de drogas de
abuso. NewsLab. 82: 156-169, 2007.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3205 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
Lopes M, Gabriel MM, Bareta GMS. Cadeia de custódia: uma abordagem preliminar. Visão Acad.
7(1): 1-5, 2006.
Mateus M. Análise exploratória das potencialidades forenses do cabelo, com aplicação de técnicas
de GC-MS. 2014. Coimbra. 92 p. Dissertação (Mestrado em Química Forense), Universidade de
Coimbra. Coimbra.
Oliveira CDR. Determinação de canabinóides em cabelo por microextração em fase sólida por
headspace e análise por espectrometria de massa associada à cromatografia gasosa. 2005. São
Paulo. 113 p. Dissertação (Mestrado em Toxicologia e Análises Toxicológicas), Universidade de São
Paulo. Faculdade de Ciências Farmacêuticas. São Paulo.
Pantaleão LN. Análise toxicológica de anfetamina e benzodiazepínicos em amostras de cabelo por
cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa. 2012. São Paulo. 150 p. Dissertação
(Mestrado em Toxicologia e Análises Toxicológicas), Faculdade de Ciências Farmacêuticas,
Universidade de São Paulo. São Paulo.
Pego AMF, Roveri FL, Kuninari RY, Leyton V, Miziarab ID, Yonamine M. Determination of cocaine
and its derivatives in hair samples by liquid phase microextraction (LPME) and gas chromatography–
mass spectrometry (GC–MS). Forensic Sci. Int. 274: 83-90, 2017.
Peters FT, Wissenbach DK, Busardo FP, Marchei E, Pichini S. Method development in forensic
toxicology. Curr. Pharm. Des. 23(36): 5455-5467, 2017.
Ponce JC & Leyton V. Drogas ilícitas e trânsito: problema pouco discutido no Brasil. Rev. Psiquiatr.
Clín. 35(1): 65-69, 2008.
Roveri FL, Paranhos BAPB, Yonamine M. Determination of phenobarbital in hair matrix by liquid
phase microextraction (LPME) and gas chromatography-mass spectrometry (GC-MS). Forensic Sci.
Int. 265: 75-80, 2016.
Samanidou V, Kovatsi L, Fragou D, Rentifis K. Novel strategies for sample preparation in forensic
toxicology. Bioanalysis. 3(17): 2019-46, 2011.
Sinagawa DM. Uso de substâncias psicoativas por motoristas profissionais no Estado de São Paulo.
2015. São Paulo. 86 p. Dissertação (Mestrado em Fisiopatologia Experimental), Faculdade de
Medicina. Universidade de São Paulo. São Paulo.
Sinagawa DM, Carvalho HB, Andreuccetti G, Prado NV, Oliveira KCBG, Yonamine M, Muñoz DR,
Gjerde H, Leyton V. Association between travel length and drug use among brazilian truck drivers.
Traffic Inj. Prev. 16(1): 5-9, 2015.
Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox). Diretrizes sobre o Exame de Substâncias Psicoativas
em Cabelos e Pelos. Coleta e Análise. 2015. 22 p. Disponível em: <http://docplayer.com.br/9894609-
Diretrizes-sobre-o-exame-de-drogas-em-cabelos-e-pelos-coleta-e-analise-v-3.html>. Acesso em: 10
jun. 2017.
Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox). Manifesto da SBTox sobre os exames toxicológicos de
larga janela de detecção para a aquisição ou renovação da habilitação de motoristas das categorias
C, D e E. Disponível em: <https://www.SBTox.org/single-post/Manifesto-exame-toxicologico>.
Acesso em: 25 maio 2018.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3206 Gomes, C.; Girão, R.E.G.; Marinho, P.A. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3186 – 3206, 2019
Takitane J, de Oliveira LG, Endo LG, de Oliveira KCBG, Muñoz DR, Yonamine M, Leyton V. Uso
de anfetaminas por motoristas de caminhão em rodovias do Estado de São Paulo: um risco à
ocorrência de acidentes de trânsito. Ci. Saúde Col.18(5): 1247-1254, 2013.
Tassoni G, Mirtella D, Zampi M, Ferrante L, Cippitelli M, Cognigni E, Froldi R, Cingolani M. Hair
analysis in order to evaluate drug abuse in driver’s license regranting procedures. Forensic Sci. Int.
244: 16-19, 2014.
Toledo FCP. Verificação do uso de cocaína por indivíduos vítimas de morte violenta na Região
Bragantina-SP. 2004. São Paulo. 108 p. Tese (Doutorado em Toxicologia e Análises Toxicológicas),
Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Universidade de São Paulo. São Paulo.
Tsanaclis LM, Wicks JFC, Chasin AAM. Análises de drogas em cabelos ou pelos. Revinter. 4(1):
06-46, 2011.
United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). World Drug Report 2017. United Nations:
New York, 2017.
Wennig R. Threshold values in toxicology - useful or not? Forensic Sci. Int. 113(1-3): 323-30, 2000.
Yonamine M, Sanches LR, Paranhos BAPB, Almeida RM, Andreuccetti G, Leyton V. Detecting
alcohol and illicit drugs in oral fluid samples collected from truck drivers in the state of São Paulo,
Brazil. Traffic Inj. Prev. 14(2): 127-131, 2013.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
Análise do uso de medicamentos durante a gestação e puerpério em duas
unidades básicas de saúde de Rondonópolis – MT
Gefferson Wandeles Soares dos Santos1, Angélica Fátima Bonatti1, Thomaz Ademar Nascimento
Ribeiro1, Vanessa Erika Pereira Silva Cardoso1, Laura Valdiane Luz Melo1,2 & Marcondes Alves
Barbosa da Silva1,2*.
1 Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis, Residência Multiprofissional em
Saúde da Família. Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil. 2 Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis, Instituto de Ciências Exatas e
Naturais, Curso de Medicina. Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil.
* Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis, Instituto de Ciências Exatas e Naturais,
Curso de Medicina. Avenida dos Estudantes, nº 5.055, Cidade Universitária, 78.736-900, Rondonópolis, Mato Grosso,
Brasil. E-mail institucional: [email protected] - Telefones: (66) 3410-4004 / (66) 99603-2007
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3208 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
RESUMO
Objetivo: Analisar o perfil do uso de medicamentos durante a gestação e puerpério em duas Unidades
Básicas de Saúde (UBS) de Rondonópolis – MT. Metodologia: A população de estudo foi composta
por gestantes e puérperas atendidas nas UBS selecionadas. As gestantes incluídas estavam no 3º
trimestre de gestação e em acompanhamento pré-natal. Quanto as puérperas, considerou-se o período
de até 42 dias pós-parto. O perfil do uso de medicamentos foi avaliado por meio de um questionário,
aplicado entre fevereiro e agosto de 2016. Resultados: Todas as gestantes utilizaram pelo menos um
medicamento na gestação, enquanto no puerpério, 93,75%. Os fármacos mais utilizados por gestantes
foram os preparados antianêmicos (36,44%), e no puerpério, os anti-inflamatórios (35,91%). Os
resultados também demonstraram que muitas das participantes receberam orientações do
farmacêutico sobre os medicamentos utilizados. Conclusão: Ficou evidente um perfil tendencioso ao
uso de fármacos pela população estudada. Destaca-se também a exposição de índices consideráveis
de automedicação. Contudo, cabe ressaltar a participação do farmacêutico no acompanhamento dessa
população, o que representa um elo satisfatório entre o paciente e o uso correto dos medicamentos.
Palavras-chave: Gravidez, Cuidado Pré-natal, Período Pós-Parto, Uso de medicamentos.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3209 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
ABSTRACT
Objective: To analyze the profile of use of drugs during pregnancy and puerperium in two Basic
Health Units (BHU) of Rondonópolis – MT. Methodology: The study population was composed of
pregnant and puerperal patients attending the selected BHU. The pregnant women included were in
the third trimester of gestation and in prenatal follow-up. As for the puerperae, the period of up to 42
days postpartum was considered. The profile of drug use was assessed through a questionnaire,
applied between February and August 2016. Results: All pregnant used at least one drug during
pregnancy, while in the puerperium, 93.75%. The drugs most used by pregnant women were
antianemic and associations (36.4%), and in the puerperium, non-steroidal anti-inflammatory
(35.8%). The results also showed that many of the participants received instructions from the
pharmacist about the medications used. Conclusion: A tendentious profile to the use of drugs by the
study population was evident. Also noteworthy is the exposure of considerable rates of self-
medication. However, it is worth noting the participation of the pharmacist in the monitoring of this
population, which represents a satisfactory link between the patient and the correct use of the
medicines.
Keywords: Pregnancy, Prenatal Care, Postpartum Period, Drug Utilization.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3210 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
INTRODUÇÃO
A utilização de medicamentos por gestantes e as consequências sobre o feto, passaram a ser
objetos de preocupação após fatos ocorridos entre final da década de 50 e início dos anos 60 do século
XX (Melo et al., 2009). Nesse período, cerca de 10 mil crianças recém-nascidas apresentaram
focomelia e outras alterações congênitas, devido ao uso de talidomida (Mellin & Katzenstein, 1962).
Países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, possuem características que potencializam a
ocorrência dos efeitos teratogênicos, entre as quais destacam-se a dificuldade de acesso aos serviços
de saúde, venda irrestrita de medicamentos em farmácias e drogarias, falta de um sistema de
farmacovigilância eficiente e a crença da população atual no poder dos medicamentos (Rocha et al.,
2013), uma situação preocupante, pois a maioria dos fármacos administrados à mulheres grávidas
atravessa a barreira placentária e expõe o embrião em desenvolvimento a seus efeitos farmacológicos
(Araújo et al., 2013; Silva & Freitas, 2013). Por outro lado, evitar completamente o uso de
medicamentos é irreal e até prejudicial para mulheres portadoras de doenças crônicas ou que sofram
intercorrências médicas durante a gestação (Amadei et al., 2011). Deve-se, portanto, observar se os
benefícios superam os possíveis riscos causados à mãe e ao feto quando há necessidade de prescrição
de drogas durante a gravidez (Cabral, 2008).
Um fármaco pode ser considerado teratogênico quando produz de forma direta ou indireta,
uma alteração na morfologia ou fisiologia normais do feto ou da criança após o nascimento (Sadler,
2016; Bezerra, 2014). Essas alterações, principalmente má formação congênita, possuem maior
chance de ocorrer quando o uso do medicamento é realizado no primeiro trimestre da gestação (Silva,
2013). Nas outras ocasiões os problemas mais repetidos são relativos ao desenvolvimento e
crescimento fetais (Baldon et al., 2006).
No caso do puerpério, surge a necessidade de atualizações constantes sobre o uso de
medicamentos durante a amamentação, visando racionalizar seu uso e proteger o aleitamento materno
(Chaves & Lamounier, 2004). Mesmo que o conhecimento a respeito de drogas na lactação tenha
sido muito ampliado, ainda não se conhecem os efeitos colaterais para as crianças amamentadas de
muitas drogas utilizadas pela nutriz (Brasil, 2010a).
Dentro da Estratégia Saúde da Família (ESF), o uso de medicamentos pelas gestantes emerge
como uma questão importante, uma vez que a assistência prestada por médicos, odontólogos e
enfermeiras se encontra pautada em protocolos, os quais oferecem direcionamento das ações
profissionais, apresentando, quando necessário, indicações terapêuticas, que incluem medicamentos
padronizados na assistência pré-natal (Maeda & Secoli, 2008).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3211 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
Neste sentido, se faz extremamente importante a presença do farmacêutico durante o pré-natal
e puerpério, para que este profissional possa contribuir no que tange às ações pautadas na atenção
farmacêutica. Tais ações se baseiam em orientações quanto ao uso de medicamentos, as quais podem
ser realizadas por intermédio da consulta farmacêutica. Este serviço exclusivo deste profissional deve
ser ampliado por ser imprescindível para o pleno desenvolvimento da saúde materno infantil, uma
vez que o uso de medicamento faz parte dos protocolos de pré-natal.
Portanto, estudos científicos em áreas da saúde são cada vez mais necessários, principalmente,
quando relacionadas ao uso de medicamentos durante a gestação e puerpério, que são situações de
grande importância clínica. Considerando esse fato, o presente estudo buscou analisar o perfil do uso
de medicamentos durante a gestação e puerpério em duas Unidades Básicas de Saúde (UBS), situadas
no município de Rondonópolis – MT.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico de corte transversal que teve como cenário duas UBS
de Rondonópolis, município situado na região sul do estado de Mato Grosso, distante cerca de 214
km da capital do estado, Cuiabá. As UBS selecionadas eram assistidas pela equipe executora da
presente pesquisa, composta por profissionais ligados ao programa de Residência Multiprofissional
em Saúde da Família da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de
Rondonópolis.
Foram incluídas no estudo, gestantes que estavam no 3º trimestre de gestação e que realizavam
acompanhamento pré-natal nas UBS selecionadas, e puérperas até o 42º dia pós-parto. Foram critérios
de exclusão: participantes que mudaram de endereço e passaram a ser assistidas por UBS não
integrante do estudo; gestantes em 3º trimestre que não realizavam pré-natal; e mulheres que não
aceitaram participar da pesquisa.
As informações foram obtidas mediante questionário semiestruturado, aplicado sob a forma
de entrevista entre os meses de fevereiro a agosto de 2016. Antes desse período, o questionário foi
submetido a um teste-piloto, ocasião em que foi aplicado em gestantes e puérperas que não
compunham a população a ser estudada, com a finalidade de detectar falhas e realizar as alterações
necessárias, além de aprimorar a abordagem por parte dos entrevistadores.
Em sua maioria, as entrevistas foram realizadas no domicílio das participantes, em local
privativo e com horário pré-agendado pela equipe de saúde das UBS, com a finalidade de que a coleta
de dados sofresse o mínimo de interferências. Algumas participantes optaram por realizar a entrevista
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3212 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
nas UBS, por meio de horário pré-agendado que fosse mais adequado para cada caso. Antes da
entrevista, as mulheres leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O questionário utilizado possibilitou o estudo de uma série de variáveis importantes ao
conhecimento do perfil de utilização de medicamentos das entrevistadas, tais como: medicamentos
utilizados durante a gravidez e puerpério e causas relacionadas ao uso; características da orientação
farmacêutica à essa população; ocorrência de reações adversas e automedicação. A classificação dos
medicamentos seguiu o Sistema ATC (Anatomical Therapeutic Chemical Classification System),
cujos critérios são disponibilizados pelo Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology, da
Organização Mundial de Saúde.
Vale ressaltar que, no caso das gestantes, os medicamentos considerados foram aqueles
consumidos desde o 1º dia da gestação, e no caso das puérperas, aqueles consumidos até 42 dias pós-
parto, sendo as entrevistas realizadas no fim desse período.
Foram respeitados todos os princípios éticos conforme descrito na Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde. Portanto, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa
com seres humanos do Hospital Universitário Júlio Muller da Universidade Federal de Mato Grosso,
sob número de processo 1.243.359 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE):
48717315.8.0000.5541, em 24 de setembro de 2015.
As informações foram inseridas em um banco de dados, armazenadas e processadas em
planilha do pacote Microsoft Office Excel, versão 2016. A análise dos dados foi realizada por meio
da estatística descritiva.
RESULTADOS
Durante a coleta de dados, 13 mulheres foram entrevistadas em dois momentos, ou seja, no
período gestacional e no período puerperal, outras 3 responderam ao questionário somente no
puerpério e 15 somente durante a gestação. Com isso, o número total de participantes foi de 31.
Verificou-se que todas as gestantes utilizaram algum medicamento. No puerpério esse dado é bastante
semelhante, pois 93,75% também informaram o uso de medicamentos. Os medicamentos utilizados
pelas gestantes e puérperas estão relacionados nas Tabela 1 e 2.
Quanto ao uso de vitaminas, antianêmicos e associações verificou-se que 96,42% das
gestantes fizeram uso dos mesmos. Enquanto no puerpério, percebeu-se que 75% fizeram uso desses
medicamentos. Cabe destacar ainda, que nenhuma das puérperas relatou o uso de contraceptivo
hormonal.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3213 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
Tabela 1 – Medicamentos utilizados pelas entrevistadas no período gravídico e puerperal. Classificação ATC nível 1.
Rondonópolis, 2016.
Tabela 2 – Medicamentos utilizados pelas entrevistadas segundo subgrupo terapêutico. Classificação ATC nível 2.
Rondonópolis, 2016.
Os principais fatores relatados que levaram as gestantes a utilizar medicamentos foram:
cefaleia e dores musculares (37,70%); infecções (24,59%); êmese/enjoo (9,83%); transtornos
mentais/nervosismo (8,19%); gastralgias (6,55%); diabetes gestacional (1,63%); ameaça de
abortamento (1,63%); hipotireoidismo (1,63%) e alergia (1,63%).
No caso das puérperas, os principais motivos que levaram ao uso de medicamentos foram:
dores musculares (41,66%); parto cesariano (25,0%); episiotomia (16,66%); flatulência (8,33%);
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3214 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
transtorno mental (4,16%); desidratação da derme (4,16%). Muitas das gestantes se automedicaram,
sendo que 24,0% relataram a utilização de medicamentos sem orientação médica. Resultado
semelhante foi verificado para as puérperas (15,38%).
A Figura 1 demonstra a participação do farmacêutico na orientação sobre uso de
medicamentos pela população estudada. Dentre as mulheres que receberam orientações do
farmacêutico, 89,47% das gestantes e 100% das puérperas mencionaram que seguiram as orientações
prestadas.
Figura 1 - Percentual de gestantes e puérperas que receberam ou não orientações do farmacêutico sobre os medicamentos
utilizados.
No que diz respeito as reações adversas relatadas pelas gestantes, foi possível observar que
8% sentiram algum tipo de reação logo após o uso de medicamentos, sendo que as principais foram:
vertigem; náuseas e ardência ao urinar. No período puerperal, percebeu-se que nenhuma entrevistada
relatou a ocorrência de efeitos adversos após o uso de medicamentos.
Por meio dos dados obtidos, foi possível verificar que apenas 18,75% das puérperas foram
orientadas quanto aos riscos do uso de medicamentos durante a lactação. É interessante ressaltar que
50% delas, alegaram se sentir seguras quanto ao uso de medicamentos durante a lactação.
DISCUSSÃO
O fato de todas as gestantes entrevistadas terem utilizado medicamentos durante a gestação,
é um desfecho que merece destaque. Possivelmente, o acompanhamento pré-natal tenha influenciado
esse comportamento, uma vez que indiscutivelmente melhora a assistência às gestantes, o que inclui
o acesso aos medicamentos. Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Melo et al. (2009)
realizado em Bandeirantes-PR, onde percentual de uso de medicamentos na gestação foi de 83,4%.
Já o uso de medicamentos em Araraquara-SP, foi de 78,37% (Silva, 2013). O uso de medicamentos
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3215 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
pelas puérperas também foi elevado nas UBS estudadas em Rondonópolis, sendo que os dados
obtidos foram bem maiores do que em estudo anterior realizado em Quixadá-CE, onde 63% das
puérperas declararam ter feito uso (Queiroz et al., 2015).
Quanto à automedicação, pode-se considerar elevado o percentual encontrado nas UBS
pesquisadas, principalmente quando compara-se com estudos como o de Fortes (2015), realizado na
ilha de São Vicente, Cabo Verde, onde 9,09% das gestantes utilizaram medicamentos sem prescrição
médica. Por outro lado, taxas mais elevadas foram obtidas no estudo de Brum et al. (2011), realizado
no município de Santa Rosa – RS, onde o valor obtido para o quesito automedicação no período
gestacional foi de 16,4% e no estudo de Fabiano & Catarina (2014) realizado no município de
Guarulhos – SP, que encontrou 13,5%.
O aumento da utilização de medicamentos ao longo dos anos, juntamente com o maior acesso
à informação sobre os diversos tipos de fármacos existentes e suas respectivas indicações, podem ter
contribuído com o hábito da automedicação por parte das gestantes (Fabiano & Catarina, 2014;
Cabral, 2008). Portanto, os números apurados em Rondonópolis representam um panorama que
carece de atenção, principalmente por parte dos profissionais de saúde, os quais devem pautar por
ações que visem reduzir a automedicação e, consequentemente, os riscos dessa prática para a saúde
das mães e de seus filhos.
Os dados obtidos pelo presente estudo evidenciaram, no caso das gestantes, uma maior
utilização de antianêmicos, seguido por vitaminas e antiinflamatórios não esteroidais (AINES). O uso
de antianêmicos é procedimento de rotina durante a gestação, no intuito de combater as altas taxas de
anemia, principalmente nos países em desenvolvimento (Mengue et al., 2001).
Tais dados são compatíveis com o estudo de Melo et al. (2009), onde o sulfato ferroso, um
antianêmico, foi utilizado por 45% e os AINES por 43,4% das entrevistadas. No levantamento
realizado no município de Recife – PE, a classe dos AINES alcançou 20,5% da taxa de uso, enquanto
as vitaminas 2,6% (Araújo et al., 2013).
Quanto as puérperas, evidenciou-se nas UBS pesquisadas, maior utilização de AINES,
seguido por antianêmicos e antibacterianos. Queiroz et al. (2015), obtiveram dados semelhantes em
puérperas lactantes após alta hospitalar, onde a categoria dos AINES foi a mais utilizada (28%),
seguido pelos polivitamínicos (26%). Mota et al. (2013), embora tenham entrevistado mulheres nos
primeiros 6 meses de lactação, também verificaram perfil semelhante para a utilização de
medicamentos, com 58% para AINES, 11% para antianêmicos e 9% para antibióticos.
Esse perfil de utilização de medicamentos no pós-parto, tanto em Rondonópolis quanto em
outras cidades brasileiras, sugere maior preocupação de se evitar processos dolorosos, infecciosos e
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3216 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
anêmicos, além de gerar um alerta quanto à orientação a ser dada a essas mulheres, principalmente
no que diz respeito aos efeitos causados aos lactentes.
Quanto as reações adversas, vertigens e náuseas foram as mais frequentemente relatadas pelas
gestantes entrevistadas. Segundo publicação do Ministério da Saúde sobre atenção ao pré-natal de
baixo risco (Brasil, 2012), náuseas, vômitos e tonturas são queixas mais comuns na gestação, as quais
desaparecem sem o uso de medicamentos, que devem ser evitados ao máximo. Portanto, não se pode
descartar a possibilidade de que os efeitos relatados sejam decorrentes da própria gravidez, e não
necessariamente reações ocasionadas pelo uso de fármacos.
A maioria das gestantes e puérperas que participaram da presente pesquisa disseram ter
recebido orientações do farmacêutico sobre os medicamentos utilizados. Esse resultado reveste-se de
importância, uma vez que revela a participação ativa desse profissional no cuidado desse grupo de
pessoas que necessita de mais atenção. É preciso considerar também que muitos acompanhamentos
são feitos sem participação de um profissional farmacêutico nas Unidades de Saúde. Para obter
melhores resultados durante esses acompanhamentos é fundamental que as pacientes sigam a
orientação farmacêutica quando esta é recebida, fator que foi avaliado nessas UBS de Rondonópolis,
onde o percentual de mulheres que seguiram as orientações foi alto.
Por outro lado, foi possível identificar que poucas mulheres em período puerperal foram
orientadas quanto aos riscos do uso de medicamentos durante a amamentação. Esse fator torna-se
preocupante, uma vez que é bastante evidenciado o fato de que inúmeros fármacos podem chegar ao
recém-nascido por meio do leite materno. Exemplo disso é a contracepção hormonal, que durante a
lactação tem seu uso limitado devido aos efeitos maléficos na qualidade e quantidade do leite
materno, transferência de hormônios para o recém-nascido e possíveis alterações no crescimento
infanto-puberal (Vieira, Brito & Yazlle, 2008).
Os resultados encontrados nas UBS pesquisadas, referente ao quesito orientação por parte dos
profissionais de saúde, ainda são baixos se avaliarmos a grande importância conquistada pelo
acompanhamento pré-natal e puerperal no âmbito da saúde pública brasileira. Cabral (2008),
detectaram 62,2% de gestantes que afirmaram já terem sido informadas por profissionais da saúde a
respeito do risco de fármacos utilizados no período gestacional.
Portanto, é possível inferir que é essencial a realização de orientações pelo farmacêutico
durante o período gestacional e puerperal, pois com o alto índice de fármacos utilizados, podem se
tornar frequentes as dúvidas que surgem sobre esses medicamentos, mostrando assim a importância
do farmacêutico no acompanhamento desse público nas UBS do país.
Aconselha-se, então, que medidas de intervenção sejam tomadas promovendo uma utilização
racional de medicamentos de tal forma a estimular processos de educação permanente junto aos
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3217 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
prescritores sobre a classificação de risco dos medicamentos para gestantes e puérperas, visando a
participação do farmacêutico nesse ato como orientador na capacitação dos demais profissionais de
saúde envolvidos com o pré-natal. Além da criação de grupos operativos para a melhoria da
assistência à gestante e puérpera nas UBS, onde ocorram práticas interativas entre profissionais,
usuárias e familiares, afim de melhorar o conhecimento de todos e diminuir os riscos neste período
obtendo assim, uma melhoria da qualidade das prescrições e consequentemente da atenção ao
processo gravídico-puerperal.
É preciso informar, que a presente pesquisa incluiu gestantes e puérperas atendidas em duas
UBS, o que não nos permite generalizar os resultados obtidos para a população de Rondonópolis.
Além disso, cabe a possibilidade de viés de aferição, uma vez que a utilização de entrevista como
instrumento de coleta de dados está sujeita à memória, à confusão ou mesmo à compreensão das
entrevistadas.
CONCLUSÃO
O presente estudo revelou um perfil caracterizado pelo uso consistente de fármacos por parte
de gestantes e puérperas, particularmente de preparados antianêmicos pelas gestantes e de anti-
inflamatórios pelas puérperas. Além disso, o dados revelaram índices notáveis de automedicação,
principalmente quando considera-se as características peculiares da população em estudo. Por outro
lado, há que se destacar os números que evidenciam a participação do farmacêutico no
acompanhamento dessa população, particularmente quanto ao fornecimento de orientações voltadas
a correta utilização dos medicamentos.
É preciso ressaltar, que a utilização de fármacos na gestação e no puerpério, embora seja
necessária em algumas situações, necessita de acompanhamento contínuo e estreito por parte dos
profissionais envolvidos, especialmente do farmacêutico, pois este detém conhecimentos essenciais
a esse pleito, que podem ser utilizados nas unidades de saúde da família, em ações pautadas nas
premissas da atenção farmacêutica, claro que, prezando pela interação com equipes interdisciplinares.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3218 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
REFERÊNCIAS
Amadei SU, Carmo ED, Pereira AC, Silveira VAS, Rocha RF. Prescrição medicamentosa no
tratamento odontológico de grávidas e lactantes. Rev. Gaúcha Odontol. 59(Supl. 0): 31-37, 2011.
Araújo DD, Leal MM, Santos EJV, Leal LB. Consumption of medicines in high-risk pregnancy:
evaluation of determinants related to the use of prescription drugs and self-medication. Braz. J.
Pharm. Sci. 49(3): 491-99, 2013.
Baldon JP, Correr CJ, Melchiors AC, Rossignoli P, Fernández-Llimós F, Pontarolo R. Conhecimento
e atitudes de farmacêuticos comunitários na dispensação de medicamentos para gestantes. Pharm.
Pract. 4(1): 38-43, 2006.
Bezerra AF. Conhecimento das gestantes de um centro de saúde do Distrito Federal sobre a
Teratogênese. 2014. Brasília. 24 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Enfermagem),
Centro Universitário de Brasília. Brasília.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria da Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e
Estratégicas. Amamentação e uso de medicamentos e outras substâncias. 2. ed. Brasília, DF, 2010a.
92p.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012. 320p.
Brum LFS, Pereira P, Felicetti LL, Silveira RD. Utilização de medicamentos por gestantes usuárias
do Sistema Único de Saúde no município de Santa Rosa (RS, Brasil). Ci. Saúde Col. 16(5): 2435-42,
2011.
Cabral RX. Utilização de medicamentos durante a gravidez na cidade de Natal, Rio Grande do Norte,
Brasil. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. 30(1): 12-18, 2008.
Chaves RG & Lamounier JA. Uso de medicamentos durante a lactação. J. Pediatr. 80(5): 189-98,
2004.
Fabiano OF & Catarina SR. Automedicação na gestação & educação em saúde: revisão de literatura.
Reenvap. 1(5): 21-32, 2014.
Fortes CSA. Automedicação na gravidez. 2015. Mindelo. 83p. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Enfermagem), Universidade do Mindelo. Mindelo (Cabo Verde).
Maeda ST & Secoli SR. Utilização e custo de medicamentos em gestantes de baixo-risco. Rev.
Latinoam. Enferm. 16(2): 1-7, 2008.
Mellin GW & Katzenstein M. The saga of thalidomide: neuropathy to embryopathy, with case reports
of congenital anomalies. N. Engl. J. Med. 267(24): 1238-44, 1962.
Melo SCCSD, Pelloso SM, Carvalho MDDB, Oliveira NLBD. Uso de medicamentos por gestantes
usuárias do Sistema Único de Saúde. Acta Paulista Enferm. 22(1): 66-70, 2009.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3219 Santos, G. W. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3207 – 3219, 2019
Mengue SS, Schenke EP, Duncan BB, Schmidt MI. Uso de medicamentos por gestantes em seis
cidades brasileiras. Rev. Saúde Públ. 35(5): 415-20, 2001.
Mota LS, Chaves EMC, Barbosa RCM, Amaral JF, Farias LM, Almeida PC. Uso de medicamentos
durante a lactação por usuárias de uma unidade básica de saúde. Rev. Rene. 14(1): 139-47, 2013.
Queiroz RFC, Santos SLF, Pessoa CV, Borges RN, Barros KBT. Aleitamento materno e uso de
medicamentos por puérperas em um município do estado do Ceará. Geum. 6(3): 7, 2015.
Rocha RS, Bezerra SC, Lima JWO, Silva F. Consumo de medicamentos, álcool e fumo na gestação
e avaliação dos riscos teratogênicos. Rev. Gaúcha Enferm. 34(2): 37-45, 2013.
Sadler TW. Langman embriologia médica. 13. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2016. 586p.
Silva AXL & Freitas RM. Identificação de problemas relacionados a medicamentos na gravidez e
puerpério: um relato de caso. Rev. Multip. Saude HSM. 1(2): 63-71, 2013.
Silva NF. Atenção farmacêutica em gestante. 2013. Araraquara. 93p. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Farmácia), Universidade Estadual Paulista. Araraquara.
Vieira CS, Brito MB, Yazlle MEHD. Contracepção no puerpério. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. 30(9):
470-79, 2008.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
Interações medicamentosas potenciais e reais em pacientes submetidos à
hemodiálise no município de Aracaju-SE, Brasil
Potential and real drug interactions in patients submitted to hemodialysis in the
city of Aracaju-SE, Brazil
Marina Ribeiro Figueredo1, Tamires Correia Santana1, Laranda de Carvalho Nascimento1, Marilia
Trindade de Santana Souza1, Lindaura da Silva Prado2, Viviane Gibara Guimarães3 & Adriana
Gibara Guimarãeas2*
1 Departamento de Farmácia, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil. 2 Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas à Saúde, Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, Sergipe,
Brasil. 3 Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju,
Sergipe, Brasil.
* Autor correspondente: [email protected]; [email protected]. Av. Governador Marcelo Déda nº13,
Centro - Lagarto/SE, CEP 49.400-000; Phone: +55-79-21056645.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3221 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
RESUMO
A doença renal crônica (DRC) é uma enfermidade considerada como um grande problema de saúde
pública. Devido à sua complexidade e elevado número de comorbidades associada, é muito comum
o uso da polifármacia. O objetivo desse trabalho foi avaliar a frequência e gravidade das interações
medicamentosas nos pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise. Trata-se de um estudo
epidemiológico transversal, no qual foram avaliadas prescrições de medicamentos de 150 pacientes
portadores DRC submetidos à hemodiálise, em uma clínica particular de Aracaju – SE. As potenciais
interações medicamentosas foram identificadas utilizando-se o banco de dados Micromedex® e as
reais interações medicamentosas foram investigadas nos prontuários dos pacientes. Projeto foi
aprovado pelo CEP/UFS sobre CAAE 64047717.5.0000.5546. Houve predominância do sexo
masculino, adultos e idosos, com 1-5 anos de tratamento hemodialítico e apresentavam como doenças
de base hipertensão e diabetes. Das 338 potenciais IMs identificadas, 38 foram consideradas reais. A
maioria destas IMs apresentavam risco importante e moderado, sobre o controle da pressão arterial,
glicemia e aumento do risco de nefrotoxicidade. O ácido acetil salicílico, insulina, diuréticos e anti-
hipertensivos foram os medicamentos que apresentaram maior número de IMs. Foi possível verificar
que a farmacoterapia de pacientes portadores de DRC apresenta elevado risco de IMs maiores e
moderadas, sendo necessária intervenções por profissional farmacêutico, a fim de garantir uma
assistência integral e mais segura.
Palavras chaves: Polifarmácia, Insuficiência Renal Crônica; Interações Medicamentosas.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3222 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
ABSTRACT
Chronic kidney disease (CKD) is a disease considered as a major public health problem. Due to its
complexity and high number of associated comorbidities, the use of polypharmacy is very common.
The aim of this study was to evaluate the frequency and severity of drug interactions (DI) in chronic
renal patients undergoing hemodialysis. This is a cross-sectional epidemiological study in which drug
prescriptions of 150 patients with CRD undergoing hemodialysis were evaluated in a private clinic
in Aracaju-SE, Brazil. Potential drug interactions were identified using the Micromedex® database
and real drug interactions was investigate by analysis of the patient's chart. Project was approved by
CEP/UFS on CAAE 64047717.5.0000.5546. There was predominance of males, adults and elderly,
with 1-5 years of hemodialysis treatment and presenting as basic diseases hypertension and diabetes.
Of the 338 potential IMs identified, 38 were considered real. Most of these MIs presented a significant
and moderate risk of blood pressure control, glycemia and increased risk of nephrotoxicity.
Acetylsalicylic acid, insulin, diuretics and antihypertensives were the drugs that presented the highest
number of IMs. It was possible to verify that the pharmacotherapy of patients with CKD presents
elevated risk of major and moderate DIs, requiring interventions by a pharmacist, in order to ensure
full and safer care.
Key words: Polypharmacy; Chronic Renal Insufficiency; hemodialysis; Drug Interactions.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3223 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Introdução
A Doença Renal Crônica (DRC) corresponde ao comprometimento lento, progressivo e
irreversível da função renal por mais de três meses (Olumuviwa et al., 2017). Nas últimas décadas, a
DRC vem atingindo proporções globais, com prevalência estimada entre 11 e 13% relatado em uma
recente metanálise (Hill et al., 2016), sendo considerada um problema de saúde pública (Kdigo,
2012). No Brasil, segundo o Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica (Sesso et al., 2016) o número
estimado de pacientes em terapia renal substitutiva em 1 de julho de 2016 foi de 122.825, sendo 1.013
pacientes apenas no Estado de Sergipe. A taxa de prevalência de tratamento dialítico em 2016 foi de
596 pacientes por milhão da população, sendo que neste mesmo ano, aproximadamente 39.714
pacientes iniciaram o tratamento. Deste total, 92,1% eram submetidos à hemodiálise e 7,9% a diálise
peritoneal.
Fatores como o aumento da obesidade, diabetes e hipertensão tem demonstrado ser as
principais doenças de base responsáveis pela gênese da disfunção renal (Chang, Zafar & Grams,
2018), além do envelhecimento populacional e da transição epidemiológica observada nos países em
desenvolvimento (McCracken & Phillips, 2016). Por esta razão, muitas são as morbidades associadas
à DRC. Estas condições, associadas à necessidade de terapia renal substitutiva, torna necessário o uso
de múltiplos medicamentos, caracterizando a polifarmácia. Segundo Flores & Mengue (2005), a
polifarmácia corresponde ao uso de cinco ou mais medicamentos, prescritos ou não. De fato, esta é
uma realidade observada na prática clínica associada ao manejo de doenças crônicas (Marquito et al.,
2014).
A associação concomitante de múltiplos medicamentos pode gerar interações
medicamentosas (IMs), que são consideradas como eventos adversos evitáveis, passíveis de
prevenção e de intervenção, cujos efeitos podem ser benéficos e até certo ponto esperados. Porém,
em outros casos, podem gerar resultados indesejáveis, que vão desde a ineficácia do tratamento até
eventos adversos graves (Marquito et al., 2014). Uma vez que a interação medicamentosa pode
modificar o efeito terapêutico de um medicamento quando um outro é administrado, considera-se este
evento um problema relacionado ao medicamento, uma vez que pode aumentar o risco de agravos à
saúde, prejudicar o tratamento e causar a diminuição da qualidade de vida do paciente (Secoli, 2001).
Neste sentido, o conhecimento das propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas dos
diferentes medicamentos aponta para um potencial risco de IMs. Portanto, a identificação e
classificação pelo farmacêutico torna-se uma ferramenta importante para o cuidado de pacientes com
doenças crônicas, uma vez que possibilita aperfeiçoar a sua abordagem clínica. Além disso, esta
prática aponta para a importância do profissional farmacêutico na assistência à saúde de pacientes
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3224 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
portadores de insuficiência renal crônica, ainda pouco difundida em países em desenvolvimento
(Pereira, 2007).
Diante do exposto, considerando a complexidade do tratamento dos pacientes portadores de
insuficiência renal crônica, além da sua limitação fisiológica em excretar os metabolitos dos
medicamentos utilizados, este estudo teve como objetivo avaliar as potenciais e reais IMs em
pacientes portadores de DRC submetidos à hemodiálise, a fim de demonstrar o risco aos quais estes
pacientes estão expostos.
Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico observacional de corte transversal. A pesquisa incluiu
pacientes portadores de DRC em tratamento hemodialítico de uma clínica de terapia renal substitutiva
localizada na cidade de Aracaju–SE, Brasil, entre junho de 2017 a fevereiro de 2018. Esse estudo
segue a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos (CAAE: 64047717.5.0000.5546). Para a análise dos dados, os
pacientes foram selecionados por conveniência, independentes de etnia, gênero, situação
socioeconômica e grau de instrução. Os critérios de inclusão utilizados foram: pacientes adultos em
tratamento hemodialítico na unidade e no período em que este estudo foi realizado. Todos os
pacientes que se dispuseram a participar da pesquisa assinaram um termo de livre e esclarecido.
As potenciais interações medicamentosas de 150 pacientes foram identificadas utilizando-se
o Micromedex®, banco de dados online que fornece informações em relação a possíveis IMs baseada
em evidências clínicas atualizadas e classifica as mesmas segundo o grau de risco e mecanismo da
interação. Quanto ao risco, as IMs podem ser classificadas como importante, quando há risco de vida
e exige de intervenção imediata, moderada, quando exige alteração no sistema terapêutico e
secundária, que não requer intervenções, mas podem necessitar de monitoramento (Cedraz & Santos,
2012).
Quando as IMs apresentavam problemas relativos à biodisponibilidade foram classificadas
como farmacocinéticas e quando dois fármacos que interagiam apresentavam afinidade pelo mesmo
receptor, as IMs foram classificadas como farmacodinâmicas. Além disso, foram identificadas as
manifestações clínicas relacionadas às IMs. A partir destes dados, foi realizada busca ativa em
prontuários dos sintomas associados às IMs, a fim de verificar a manifestação real das mesmas.
O perfil sócio demográfico dos pacientes foi construído com base nas informações coletadas
dos prontuários, como sexo, idade, portadores ou não de planos de saúde, ocupação, além de conter
o tempo de tratamento e doença de base.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3225 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Os dados coletados foram tabulados utilizando o programa Microsoft Office Excel® 2013
para Windows. Para a análise dos dados foi empregado o recurso da estatística descritiva, onde se
incluem as distribuições das frequências e percentual.
Resultados
Foram analisadas as prescrições de 150 pacientes portadores da DRC, em tratamento dialítico.
Desta amostra, 64,0% dos pacientes eram do sexo masculino, adultos (57,0%) e idosos (42,0%),
casados (64,0%) e com baixo grau de instrução (51,0%, compreendendo 7 % de pacientes analfabetos
e 44% de pacientes com apenas o ensino fundamental cursado). Quanto ao estado de saúde, a maioria
dos participantes apresentam hipertensão e diabetes como doença de base, sendo estas também
importantes comorbidades destes pacientes. Grande parte dos participantes possuem de 1-5 anos de
tratamento 54,0% e 53,0% têm seu tratamento financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (Tabela
1).
Tabela 1: Distribuição do perfil sociodemográfico dos pacientes submetidos ao tratamento dialítico.
Variáveis Número de pacientes Percentual (%) Sexo
Masculino 96 64,0
Feminino 54 36,0
Faixa Etária
20-39 anos 26 17,0
40-59 anos 60 40,0
>60 anos 63 42,0
Não informado 1 1,0
Tempo de Tratamento
< 1 ano 32 21,0
1-5 anos 82 54,0
> 5 anos 36 25,0
Escolaridade
Analfabeto 10 7,0
Ensino Fundamental 67 44,0
Ensino Médio 48 32,0
Ensino Superior 25 17,0
Situação conjugal
Casado 96 64,0
Divorciado 11 7,0
Solteiro 33 22,0
Viúvo 9 6,0
Outros 1 1,0
Doença de base
Hipertensão 23 15,0
Diabetes 16 11,0
Rins policísticos 6 4,0
Infecção urinária 2 1,0
Trauma pós-cirúrgico 1 0,7
Bexiga neurogênica 1 0,7
Não informado 106 71,0
Plano de Saúde
Convênio 70 47,0
SUS 80 53,0
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3226 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Comorbidades
Diabetes 61 41,0
Hipertensão 86 57,0
Doença cardiovascular 15 10,0
Inicialmente, foram contabilizadas 338 potencias IMs na farmacoterapia de 123 pacientes,
constituindo 82% da amostra. Das potenciais IMs identificadas, 7,0% foram classificadas como
menores, 59,0% moderadas e 34,0% importantes. Quanto aos mecanismos das interações, verificou-
se que em 46,0% dos casos os medicamentos interagiam em alguma etapa relacionada à
farmacocinética e em 54,0% observaram-se interações na farmacodinâmica (Tabela 2).
Dos pacientes com possíveis IMs, 23 (18,7%) apresentaram manifestações clínicas indicativas
das interações medicamentosas, sendo, por esta razão, consideradas como reais. No total, foram
identificadas 38 IMs reais, representando 11,2% das potenciais IMs previamente mencionadas. Foi
possível verificar que grande parte das manifestações reais IMs apresentou risco moderado (58,0%)
ou maior (39,0%) (Tabela 2), indicando a necessidade de alteração no sistema terapêutico do paciente
ou de intervenção imediata devido ao risco de vida, respectivamente. Quanto aos mecanismos das
interações, houve a predominância das IMs associadas à farmacocinética (55,0%) (Tabela 2).
Tabela 2: Potenciais e Reais interações medicamentosas.
As potenciais IMs mais frequentes estão demonstradas na Tabela 3. Pode-se observar que as
duas potenciais IMs de maior risco e mais frequentes nos pacientes poderiam acontecer pela
associação do ácido acetilsalicílico (AAS) e diurético, com potencial de causar nefrotoxicidade. A
potencial IM classificada como moderada que apresentou maior frequência poderia ocorrer entre
AAS e a insulina, desencadeando hipoglicemia nos pacientes. De forma geral, o AAS, a insulina e os
anti-hipertensivos foram os medicamentos que apresentaram maior chance de interagir com outros
medicamentos presentes na farmacoterapia destes pacientes (Tabela 3).
Classificação IMs Potenciais IMs Reais
Quanto à gravidade Nº % Nº %
Secundária 24 7,0 1 3,0
Moderada 198 59,0 22 58,0
Importante 116 34,0 15 39,0
Quanto ao mecanismo Nº % Nº %
Farmacocinética 157 46,0 21 55,0
Farmacodinâmica 181 54,0 17 45,0
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3227 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Tabela 3: Potenciais interações medicamentosas mais frequentes apresentadas pelos pacientes em
tratamento dialítico.
MEDICAMENTOS EFEITO RISCO N (%)
AAS e Furosemida Redução da eficácia diurética e
eventual nefrotoxicidade Importante 16 (4,69%)
AAS e Insulina Hipoglicemia Moderada 15 (4,39%)
AAS e Hidroclorotiazida Redução da eficácia diurética e
eventual nefrotoxicidade Importante 7 (2,05%)
AAS e Metoprolol Aumento da pressão arterial Moderada 7 (2,05%)
Carvedilol e Insulina
Hipoglicemia ou hiperglicemia
causando diminuição dos sintomas de
hipoglicemia
Moderada 7 (2,05%)
Levotiroxina e Sevelamer Diminuição da absorção de levotiroxina Moderada 7 (2,05%)
Losartana e Insulina Risco aumentado de hipoglicemia Moderada 7 (2,05%)
Omeprazol e Complexo B Diminuição da absorção da
cianocobalamina Secundária 7 (2,05%)
As IMs reais mais frequentes estão representadas na Tabela 4. Semelhante às potenciais IMs,
as reais IMs mais frequentes também estavam associadas ao uso do AAS e medicamentos diuréticos.
Grande parte das reais IMs tinham como efeito a redução do controle da pressão arterial e da glicemia
além da nefrotoxicidade.
Tabela 4: Reais interações medicamentosas.
MEDICAMENTO EFEITO RISCO N (%)
AAS e Furosemida Redução da eficácia do diurético e
possível nefrotoxidade Importante 5 (15,78%)
AAS e Hidroclorotiazida Redução da eficácia diurética e eventual
nefrotoxicidade Importante 4 (10,52%)
AAS e Carvedilol Diminuição do efeito anti-hipertensivo Moderada 3 (7,89%)
Dipirona e Hidroclorotiazida Redução da eficácia diurética e possível
nefrotoxicidade Importante 2 (5,26%)
AAS e Insulina Aumenta os riscos de hipoglicemia Moderada 2 (5,26%)
Carvedilol e Rifampicina Diminuição da resposta terapêutica ao
carvedilol Moderada 2 (5,26%)
AAS e Metoprolol Aumento da pressão arterial Moderada 2 (5,26%)
Ramipril e Valsartana
Aumento do risco de eventos adversos
(hipotensão, síncope, hipercalemia,
alterações da função renal, insuficiência
renal aguda)
Importante 1 (2,63%)
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3228 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Captopril e
Olmesartana/Anlodipino
Aumentado de eventos adversos
(hipotensão, síncope, hipercalemia,
alterações na função renal, insuficiência
renal aguda)
Importante 1 (2,63%)
Dipirona e Furosemida Redução da eficácia diurética e possível
nefrotoxicidade Importante 1 (2,63%)
Amitriptilina e Clonidina Diminuição da eficácia anti-hipertensiva Importante 1 (2,63%)
Clortalidona e Enalapril Redução da pressão arterial Moderada 1 (2,63%)
Atenolol e AAS Diminuição da eficácia do anti-
hipertensivo Moderada 1 (2,63%)
AAS e Enalapril Diminuição da eficácia do enalapril Moderada 1 (2,63%)
Nifedipino e Rifampicina Diminuição da exposição ao nifedipino Importante 1 (2,63%)
AAS e Bisoprolol Aumento da pressão arterial Moderada 1 (2,63%)
Insulina e Bisoprolol Hipoglicemia ou hiperglicemia;
Diminuição dos sintomas de hipoglicemia Moderada 1 (2,63%)
Enalapril e Rifampicina Diminuição da eficácia do enalapril Moderada 1 (2,63%)
Carvedilol e Metildopoa
Resposta exagerada hipertensiva,
taquicardia ou arritmias durante o estresse
fisiológico ou exposição a catecolaminas
exógenas
Moderada 1 (2,63%)
Ramipril e AAS Diminuição da eficácia do ramipril Moderada 1 (2,63%)
Amitriptilina e Propranolol Aumento da exposição ao propranolol;
Aumento do risco de hipotensão postural Moderada 1 (2,63%)
Clonidina e Propranolol
Aumentado de bradicardia sinusal;
Resposta exagerada à retirada da clonidina
(hipertensão aguda)
Moderada 1 (2,63%)
Oxicarbamazepina e Sinvastatina Exposição reduzida à sinvastatina Moderada 1 (2,63%)
AAS e Nevibolol Aumento da pressão arterial Moderada 1 (2,63%)
Metildopa e Amitriptilina Elevação da pressão arterial Moderada 1 (2,63%)
Discussão
Nesse estudo foram avaliadas prescrições de 150 pacientes com insuficiência renal crônica,
submetidos a tratamento hemodialítico. As características sociodemográficas dos participantes
assemelham-se ao perfil dos pacientes em hemodiálise em todo território brasileiro, com predomínio
de homens, adultos e idosos, com baixa escolaridade e portadores de hipertensão e diabetes (Sesso et
al., 2016). Esses resultados também corroboram com o estudo de Al-Ramahi et al. (2016), no qual
observou-se perfil de pacientes semelhantes na Palestina.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3229 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Devido à gravidade da doença e das diversas comorbidades associadas, é necessário um
tratamento prolongado com múltiplos fármacos, o que oferece um risco de ocorrência das IMs (Secoli,
2001). A partir de diversas evidências da prática clínica, potenciais IMs são estimadas pelo uso
concomitantes de diferentes fármacos. A fim de proporcionar melhor manejo da farmacoterapia, estas
potenciais IMs são classificadas quanto à gravidade da manifestação clínica e quanto ao seu
mecanismo de ação. Desta forma, a identificação e minimização dos efeitos desta IMs conferem uma
assistência mais segura e efetiva aos pacientes (Al-Ramahi et al., 2016).
Em suma, das 338 potenciais IMs distribuídas entre os 150 pacientes, apenas 38 foram
confirmadas em 23 pacientes, estudos realizados por Marquito et al. (2014), foram encontradas 1.364
IMs em 558 prescrições analisadas sendo 16,8% de gravidade maior e 0,4% contraindicadas, IMs
potenciais foram detectadas em 418 pacientes, correspondendo a 74,9% das prescrições. mostrando
a similaridade dos resultados quando analisados proporcionalmente. As IMs reais identificadas
apresentam riscos elevado e moderado aos pacientes, sendo necessária a realização de intervenções
na farmacoterapia realizada por um farmacêutico. De fato, diversos estudos têm demonstrado que
pacientes em polifarmácia e portadores de doenças crônicas estão mais expostos a apresentarem
eventos adversos originados da interação entre diferentes fármacos utilizados (Rodrigues et al., 2015).
Como também a presença do farmacêutico é essencial para evitar potenciais IMs principalmente em
pacientes com insuficiência renal (Malone et al., 2004).
Vale ressaltar que, na DRC o principal sistema de depuração de fármacos encontra-se
ineficiente, o que leva a um acúmulo dos produtos metabólicos destes medicamentos e com isso, risco
elevado de eventos adversos e IMs (Patel et al., 2011). Por esta razão, os pacientes no estágio mais
avançado de DRC realizam terapia renal substitutiva, principalmente a hemodiálise. Esta terapia
corresponde a um circuito extracorpóreo capaz de remover toxinas, água e sais minerais que são
gerados pelo metabolismo corporal (Miners et al., 2017). No entanto, nem sempre os fármacos e seus
metabólitos são dialisáveis, o que representa um risco para estes pacientes.
Além disso, algumas IMs, como AAS x Furosemida e AAS x Hidroclotiazida, apresentam
nefrotoxidade como consequência. Este fato pode agravar ainda mais o estado de saúde dos pacientes
e levando à potencialização da DRC, além de fornecer um risco adicional à pacientes transplantados
(Riella, 2010). É perceptível também que grande parte das interações reais possui mecanismo
farmacocinético, ou seja, estão relacionados à absorção, biodisponibilidade, metabolismo e/ou
excreção. Sendo o metabolismo a etapa mais longa a ser percorrida pelo fármaco, é justificável que a
maioria das interações ocorra nela, sendo agravado nesse tipo de doença devido as suas dificuldades
principalmente de excreção potencializando assim algumas interações (Riella, 2010).
O rim é um órgão importante na manutenção da homeostase da glicose. Juntamente com o
fígado, têm a função de manter a normoglicemia, sendo o rim que contribui com cerca de 15% a 20%
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3230 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
da produção total de glicose e o fígado é o responsável pelo restante. A DRC geralmente cursa com
resistência à insulina, pois há uma diminuição na afinidade do hormônio pelos receptores celulares
na presença de acidose metabólica e pela redução da captação de glicose pelas células musculares
esqueléticas. Por outro lado, com a evolução da insuficiência renal, ocorre redução da degradação da
insulina (Wagner, Tata & Fink, 2015). A insulina exógena, necessária para o tratamento da diabetes
que emerge como comorbidade ou doença de base, não sofre metabolismo de primeira passagem,
tornado o rim o protagonista na eliminação da insulina, e considerando que os pacientes portadores
de DRC possuem falhas renais graves, a depuração da insulina não é eficiente (Betônio et al., 2016;
Neves et al., 2009) tornando-a um medicamento potencialmente perigoso que pode conduzir à morte
por hipoglicemia. Considerando a insuficiência renal dos pacientes, associada à redução da glicemia
durante o tratamento hemodialítico, há o aumento do risco de hipoglicemia e intercorrências durante
o tratamento (Betônio et al., 2016). Deste modo, o uso da insulina deve ser rigorosamente controlado,
e as interações deste com outros medicamentos, deve ser sempre que possível evitada.
Outro aspecto relevante ao se analisar as reais IMs é o efeito das mesmas sobre o controle da
pressão arterial. A hipertensão arterial, além de ser uma das doenças de base mais frequentes para o
desenvolvimento da DRC, é uma comorbidade bastante observada nesta população. Além disso, o
próprio tratamento hemodialítico pode conduzir a alterações hemodinâmicas sintomáticas (Alsahli &
Gerich, 2018). Deste modo, o manejo da pressão arterial e a minimização de IMs que contribuam
com a alteração dos níveis pressóricos é de extrema importância, em virtude das consequências,
muitas vezes letais, da hipotensão, devido principalmente a osmolaridade e/ou taxa de recarga
plasmática (Kinet et al., 1982) e da hipertensão, como rebaixamento dos níveis de consciência e
acidente vascular encefálico, respectivamente.
Deste modo, estes achados tornam-se relevantes não apenas por estimar o risco aos quais estes
pacientes estão expostos, mas por alertarem a necessidade do cuidado pelo profissional farmacêutico,
o qual corresponde a um membro essencial na equipe multidisciplinar das clínicas de diálise,
responsável por diversas atribuições como regulamentado pela Resolução nº 500 de 19 de janeiro de
2009 do Conselho Federal de Farmácia (Brasil, 2009). Porém, a presença do profissional
farmacêutico ainda não é exigida como membro da equipe multiprofissional pela Agência Nacional
de Vigilância Sanitária, segundo a RDC Nº 154 (Brasil, 2004) e RDC Nº 11 (Brasil, 2014). Neste
sentido, para a mudança do atual cenário faz-se necessário o empenho dos órgãos fiscalizadores da
profissão farmacêutica e das atividades exercidas nestas instituições, a fim de fornecer evidências que
subsidiem a incorporação obrigatória dos mesmos como membros da equipe multiprofissional de
cuidados ao paciente hemodialítico.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3231 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Conclusão
Através deste estudo foi possível verificar que os pacientes em polifarmácia que realizam
hemodiálise estão expostos a diferentes interações medicamentosas reais, bem como potenciais.
Deste modo, para a minimização dos riscos de agravos à saúde, faz-se necessário um cuidado
especializado por profissional farmacêutico, a fim de garantir uma assistência integral dos pacientes
portadores de insuficiência renal crônica submetidos à hemodiálise. Vale ressaltar que, para uma
análise mais aprimorada destas IMs, mais estudos devem ser realizados, considerando a adesão à
farmacoterapia, horários do uso dos medicamentos, taxa de filtração glomerular e diurese residual, o
que possibilitará a identificação precisa da veracidade destas IMs.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Nefroclínica, aos pacientes e os seus familiares pela disponibilidade
em participar do estudo.
Referências
Al-Ramahi R, Raddad AR, Rashed AO, Bsharat A, Abu-Ghazaleh D, Yasin E, Shehab O. Evaluation
of potential drug-drug interactions among Palestinian hemodialysis patients. BMC Nephrol. 17: 96,
2016.
Alsahli M & Gerich JE. Hypoglycemia in patients with diabetes and renal disease. J. Clin. Med. 4(5):
948-964, 2015.
Betônico CC, Titan SM, Correa-Giannella ML, Nery M, Queiroz M. Management of diabetes
mellitus in individuals with chronic kidney disease: therapeutic perspectives and glycemic control.
Clinics 1(8): 47-53, 2016.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) n. 11, de 13 de março de 2014.
Brasil. Conselho Federal de Farmácia. Resolução nº 500, de 19 de janeiro de 2009.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) n. 154, de 15 de junho de 2004.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3232 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Cedraz KN & Santos Junior MC. Identification and characterization of drug interactions in
prescriptions of the intensive care unit of a public hospital in the city of Feira de Santana, BA. Rev.
Soc. Bra. Clín. Méd. 12(2): 124-130, 2012.
Chang A, Zafar W, Grams ME, Kidney function in obesity-challenges in indexing and estimation.
Adv. Chronic Kidney Dis. 25(1): 31-40, 2018.
Flores LM & Mengue SS. Drug use by the elderly in southern Brazil. Rev. Saude Publica 39(6): 1-6,
2005.
Hill NR, Fatoba ST, Oke JL, Hirst JA, O’Calloghan CA, Lasserson DS, Richard Hobbs FD. Global
prevalence of chronic kidney disease – a systematic review and meta-analysis. Plos One 11(7): 1-18,
2016.
Kidney disease improving global outcomes (Kdigo). Clinical practice guideline for the diagnosis,
evaluation, prevention, and treatment of chronic kidney disease-mineral and bone disorder (CKD-
MBD). Kidney Int. Suppl. 3(1): 1-130, 2012.
Kinet JP, Soyeur D, Balland N, Saint-Remy M, Collignon P, Godon PJ. Hemodynamic study of
hypotension during hemodialysis. Kidney Int. Suppl. 21(6): 868-876, 1982.
Malone DC, Abarca J, Hansten PD, Grizzle AJ, Armstrong EP, Van Bergen RC, Duncan-Edgar BS,
Solomon SL, Lipton RB. Identification of serious drug-drug interactions: results of the partnership to
prevent drug-drug interactions. J. Am. Pharm. Assoc. 44(2): 142-151, 2004.
Marquito AB, Fernandes NMS, Colugnati FAB, Paula RB. Identifying potential drug interactions in
chronic kidney disease patients. J. Bras. Nefrol. 36(1): 26-34, 2014.
McCracken K & Phillips DR. Demographic and epidemiological transition. In: the international
encyclopedia of geography: people, the earth, environment and technology. Nova Jersey: Wiley
Online Library, 2016. cap. 1, p. 1-8.
Miners JO, Yang X, Knights KM, Zhang L. The role of the kidney in drug elimination: transport,
metabolism, and the impact of kidney disease on drug clearance. Clin. Pharmacol. Ther. 102(3): 436-
449, 2017.
Neves MDF, Sá JR, Morais LA, Atala S. Hyperglycemia treatment in patients with diabetes mellitus
and chronic kidney disease. J. Bras. Nephrol. 31(1): 21-27, 2009.
Olumuyiwa JF, Akinwumi AA, Ademola OA, Oluwole BA, Ibiene EO. Prevalence and pattern of
potential drug-drug interactions among chronic kidney disease patients in south-western Nigeria.
Niger Postgrad. Med. J. 24(2): 88-92, 2017.
Patel VK, Acharya LD, Rajakannan T, Surulivelraja M, Guddattu V, Padmakumar R. Potential drug
interactions in patients admitted to cardiology wards of a south Indian teaching hospital. Australas
Med. J. 4(1): 9-14, 2011.
Pereira DG. The importance of metabolism in drug design. Quím. Nov. 30(1): 171-177, 2007.
Riella MC. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2010. 1264 p.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3233 Figueiredo, M. R. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3233 – 3246, 2019
Rodrigues AT, Stahlschmidt R, Granja S, Falcão ALE, Moriel P, Mazzola PG. Clinical relevancy and
risks of potential drug–drug interactions in intensive therapy. Saudi. Pharm. J. 23(4): 366-370, 2015.
Secoli SR. Drugs interactions: fundamental aspects for clinical practice nursing. Rev. Esc. Enferm.
35(1): 28-34, 2001.
Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Inquérito brasileiro de diálise crônica. J.
Bras. Nefrol. 38(1): 54-61, 2016.
Wagner LA, Tata AL, Fink JC. Patient safety issues in CKD: core curriculum 2015. Am. J. Kidney
Dis. 66(1): 159-169, 2015.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
Avaliação da qualidade microbiológica de bases cosméticas durante uso pelo
consumidor
Cintia Dantas Fraga1; Maria Fernanda da Silva Correia 1 & Nathália Silveira Barsotti 2*
1 Alunas do curso de Farmácia da Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo 2 Docente da Escola de Ciências da Saúde da Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo
*CORRESPONDÊNCIA:
Nathalia Silveira Barsotti. Escola de Ciências da Saúde da Universidade Anhembi Morumbi , R. Dr. Almeida Lima, 1134
- Parque da Mooca, São Paulo - SP, 03164-000, São Paulo, Brasil - Phone: +55 11 4007-1192; e-mail:
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3235 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
RESUMO
Produtos cosméticos podem ser fonte de crescimento de microrganismos, alguns inclusive
patogênicos. Os consumidores podem utilizar ou armazenar cosméticos de forma inadequada,
comprometendo a qualidade do produto e gerando risco à saúde. Analisar amostras de bases faciais
cosméticas, dentro do prazo de validade e em uso pelos consumidores com o intuito de verificar a
qualidade microbiológica das mesmas. Foi realizada o isolamento, identificação e contagem de
microrganismos viáveis totais, coliformes totais e patógenos específicos, através de testes
microbiológicos de cultura. A qualidade microbiológica das amostras desse estudo foi atestada nas
análises realizadas e demonstra estar de acordo com as normas regulatórias da RDC n° 481/99.
Verificou-se que todas as bases cosméticas testadas apresentavam em suas formulações matérias
primas diversas com a finalidade de conservação, devendo-se a isso a garantia da qualidade, mesmo
quando o produto é submetido a uso inadequado. A maioria das bases cosméticas testadas não
representam risco para o consumidor durante o uso. No entanto, testes como esse devem ser realizados
com frequência não apenas em produtos cosméticos intactos, mas também durante a utilização do
produto, para garantir que a conservação da qualidade seja mantida durante a validade estipulada pelo
fabricante.
Descritores: Cosmético; Controle de Qualidade; Estabilidade de Produtos Cosméticos;
Microbiologia de Cosméticos
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3236 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
ABSTRACT
Cosmetic products can be a source of microorganisms growth, some even pathogenic. Consumers
may use or store cosmetics improperly, compromising product quality and posing a health risk. To
analyze samples of cosmetic facial foundations, within the validity period and in use by consumers
with the purpose of verifying the microbiological quality of the same. Isolation, identification and
counting of total viable microorganisms, total coliforms and specific pathogens were carried out
through microbiological culture tests. The microbiological quality of the samples from this study was
attested in the analyzes carried out and demonstrated to be in accordance with the regulatory norms
of brazilian RDC No. 481/99. We verified that all the tested cosmetic foundations presented in their
diverse active formulations for the purpose of conservation, being due to this the guarantee of the
quality, even when the product is submitted to inadequate use. Most of the cosmetic foundations bases
tested pose no risk to the consumer during use. However, such tests should be performed frequently
not only on intact cosmetic products but also during the use of the product to ensure that quality
retention is maintained for the duration stipulated by the manufacturer.
Keywords: Cosmetic; Quality Control; Cosmetic Stability; Cosmetic Microbiolo
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3237 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
1. INTRODUÇÃO
A indústria cosmética é um segmento da indústria química, cujas atividades são vinculadas à
manipulação de formulações destinadas à elaboração de produtos de aplicação no corpo humano para
limpeza, embelezamento, ou para modificar a aparência sem afetar sua estrutura ou funções. Portanto,
a noção de cosmético vincula-se com produtos com a finalidade, essencialmente, de melhoria da
aparência do consumidor.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal Perfumaria e Cosméticos
(ABIHPEC) em 2015 o mercado da beleza tem demonstrado ser promissor no Brasil, elevando o país
ao terceiro maior consumidor de produtos e serviços de beleza no mundo, ficando atrás apenas dos
Estados Unidos e Japão (Ros, 2016).
No Brasil o controle da fabricação e da importação de todos os produtos cosméticos é feito pelo
Ministério da Saúde por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) que busca
promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e
consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos
processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos,
aeroportos, fronteiras e recintos alfandegários (Anvisa, 2017).
A ANVISA define os produtos cosméticos como:
“preparações constituídas por substâncias naturais ou sintéticas, de uso
externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas,
lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade
oral, com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, perfumá-los, alterar
sua aparência e ou corrigir odores corporais e ou protegê-los ou mantê-los em
bom estado” (Brasil, Resolução - RDC Nº 07/ 2015).
Os produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes que são destinados à comercialização devem
ser devidamente fabricados e regularizados por indústrias habilitadas e inspecionadas pela autoridade
sanitária competente. Atualmente a norma em vigor que dispõe sobre boas Práticas de Fabricação de
Cosméticos, Produtos de Higiene Pessoal e Perfume é a RDC nº 48/2013, juntamente harmonizada
aos Estados-parte do Mercosul. Nesta Resolução são estabelecidos os procedimentos e as práticas
que o fabricante deve aplicar para assegurar que as instalações, métodos e processos usados na
fabricação de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes sejam adequados de modo a
garantir qualidade desses produtos, e o fabricante é responsável pela qualidade do produto (Brasil,
Resolução - RDC nº 48/2013).
Com a preocupação da boa aparência que contribui para elevação da autoestima, o uso de produtos
cosméticos é amplamente instituído na nossa sociedade. No entanto, por falta de informação ou
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3238 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
descuido, os consumidores se esquecem de averiguar a validade dos produtos, ou a forma adequada
de armazenamento, e isso representa um grande risco à saúde, pois as fórmulas com o tempo perdem
o efeito de conservação microbiológica devido a oxidação dos ativos que acarreta a proliferação de
bactérias e fungos, o que pode ocasionar em contaminações e doenças, como as dermatites e infecções
cutâneas (Gomes et al., 2015).
A limpeza e sanitização são fundamentais nos processos produtivos de qualquer produto farmacêutico
e cosmético. Os procedimentos de fabricação definem a qualidade do produto final em relação à
quantidade de microrganismos, já que se tratam de produtos não estéreis (Yamamoto et al., 2004).
Os cosméticos são produtos não estéreis que podem sofrer contaminação em diversas etapas, desde a
fabricação até sua utilização, portanto, do ponto de vista microbiológico, os produtos cosméticos para
maquiagem, servem como fontes de nutrientes para vários tipos de microrganismos, devido sua
composição complexa (Benvenutti et al., 2016).
Os setores de Controle de Qualidade das indústrias possuem a função de averiguar se os parâmetros
descritos nas normas de Boas Práticas de Fabricação (BPF) estão sendo corretamente executados, e
também realizar análises qualitativas e quantitativas de carga microbiana do produto (Andrade et al.,
2005).
O Controle de Qualidade deve ser realizado desde o momento do recebimento da matéria prima, e a
Garantia da Qualidade abrange o controle de instalações, armazenamento, manipulação,
armazenamento, transporte e dispensação desses produtos (Alves et al., 2009).
A ANVISA exige a garantia de qualidade desses produtos, sendo a Garantia da Qualidade responsável
pela implantação de normas de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e Controle de Qualidade, a fim de
manter a integridade do produto, visando a saúde do consumidor final. A ANVISA também é
responsável pela autorização e comercialização destes produtos, atuando como órgão fiscalizador que
estabelece normas para os estabelecimentos fabricantes, verificando todo seu processo de produção,
técnicas e métodos empregados, com finalidade de garantir a qualidade do produto que chega ao
consumidor (Yamamoto et al., 2004).
As bases faciais correspondem ao primeiro produto aplicado na face depois do hidratante e
representam o cosmético colorido facial com o maior impacto na integridade da pele. Basicamente,
as bases faciais são hidratantes pigmentados que duram cerca de 8 horas ou mais antes de removidos
(Bolognia et al., 2015).
Os principais ingredientes contidos nas bases e suas funções na formulação são pigmentos,
responsáveis pela cor do produto na pele; talco, que auxilia o deslizamento do produto;
trietanolamina, para controle do pH e manutenção da estabilidade da emulsão; cera carnauba, um óleo
que proporciona espalhabilidade do produto e aumenta a consistência; lecitina, que melhora a
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3239 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
aparência da pele seca, reduzindo a descamação e melhorando a maleabilidade; e tocoferol, agente
condicionante para a pele (Farmacopéia Brasileira, 2010).
É importante ressaltar que na composição de dermocosméticos pode haver componentes
potencialmente perigosos para a saúde que levam a irritações e alergias cutâneas ou até mesmo
doenças mais graves (Bolognia et al., 2015).
Os produtos cosméticos tanto faciais quanto de uso corporal são compostos por reagentes ou matérias
primas de compostos orgânicos, por isso, tem a capacidade de crescimento e reprodução de
microrganismos.
A contaminação microbiológica pode ocasionar ao comprometimento da eficácia do produto, devido
à instabilidade da formulação, alterações das características organolépticas, inativação dos princípios
ativos e excipientes da formulação, resultando muitas vezes na perda da credibilidade na marca, além
de prejuízos para o consumidor quando apresenta riscos mais graves à saúde, principalmente em casos
de microrganismos patogênicos. Em alguns casos, a administração de produtos contaminados pode
agravar quadros clínicos de pacientes já debilitados por alguma doença pré-estabelecida, por isso, a
análise microbiológica é uma dentre as várias exigências critérios de segurança a serem considerados
em produtos cosmético (Gomes et al., 2015).
A resolução RDC nº 481/99, da Anvisa, estabelece os parâmetros de controle microbiológico para os
produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, sendo as bases cosméticas faciais enquadradas
como Tipo II. De acordo com esta resolução, os microrganismos que devem ser analisados e os
padrões estabelecidos são listados em uma tabela que indica a área de aplicação e a faixa etária do
consumidor e os parâmetros de limites de aceitabilidade de contagem de microrganismos (Brasil,
Resolução - RDC nº 481/1999).
As Boas Práticas de Fabricação, o controle da qualidade microbiológica e o conhecimento das
principais fontes de contaminações durante o processo de produção são imprescindíveis para garantir
a qualidade e segurança do produto. Isso pode ser feito através da implantação de rotinas de limpeza
e processos de desinfecção e esterilização, envolvendo os pontos críticos no fluxo de produção e os
profissionais que participam do processo (Oliveira et al., 2016).
O processo de envase e rotulagem de fármacos, medicamentos e cosméticos é uma preocupação
constante para as farmácias e indústrias destes produtos. O controle de qualidade microbiológica de
material de acondicionamento possui extrema importância, pois está relacionada diretamente com a
saúde pública, já que uma embalagem contaminada transfere a contaminação para o produto
armazenado. Já, a contaminação durante o processo de fabricação é muito menor, podendo haver
exceções caso não cumpra alguma etapa, colocando a qualidade em risco, pois o fabricante deve
seguir as normas de BPF e a Análise Microbiológica em cosmético e a Resolução RDC N° 481/99
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3240 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
onde são definidos os parâmetros para o controle microbiológicos de produtos de higiene pessoal e
cosméticos (Fiorentino et al., 2008; Brasil, Resolução - RDC nº 481/1999).
Considerando o destaque que os produtos cosméticos, em especial as bases cosméticas possuem no
mercado, aliado à importância da necessidade de garantir a segurança desses produtos, este trabalho
tem como objetivo avaliar a qualidade de bases cosméticas líquidas, com no mínimo três meses de
utilização para constatar possíveis contaminações durante seu uso e forma de armazenamento.
Objetivou-se com esse estudo avaliar possíveis contaminações durante o uso pessoal de bases faciais,
analisando o controle de crescimento microbiológico e sua respectiva estabilidade. Na literatura
brasileira, não foi encontrado nenhum outro trabalho que avalia os parâmetros microbiológicos de
bases cosméticas sob utilização do consumidor.
2. MATERIAL E MÉTODOS
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP) da Universidade Anhembi Morumbi de nº 2.560.685, aprovado em 23/03/2018. As 7 unidades
de bases cosméticas foram obtidas a partir de doação dos usuários. Os voluntários responderam um
questionário estruturado com objetivo de esclarecer a forma de utilização do produto, armazenagem,
frequência de uso, tempo de uso e marca do produto, além da assinatura de um Termo de Livre
Esclarecimento comprovando a doação do produto para as análises nesse estudo. Foram convidados
voluntários que pudessem ceder bases líquidas dentro do prazo de validade e com pelo menos 3 meses
de uso. Todos participantes foram esclarecidos quanto à finalidade do projeto. As análises
microbiológicas foram realizadas no Laboratório de Pesquisas da Universidade Anhembi Morumbi.
2.1 Métodos
2.1.1 Preparo da amostra - diluições seriadas para contagem de viáveis totais e coliformes totais
Sob condições assépticas, 10g do material foi coletado diretamente das embalagens, com auxílio de
espátula metálica, e transferido para Becker estéril contendo 90mL de solução fisiológica acrescida
de 0,4% de polissorbato 80, para processamento e inativação do sistema conservante, Em alguns
casos, não foi possível obter o peso sugerido, nessas situações a diluição com o sistema de diluição
foi de 1:10. Em seguida, 1mL da amostra foi transferida para um frasco (balão) contendo 9 ml de
Caldo Letheen (diluição 1:10) e após homogeneização, foi realizada diluição seriada até 1:10(6). Esse
mesmo procedimento foi repetido para a inoculação e diluição seriada no Caldo Lauril.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3241 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
2.1.2. Semeadura em “pour plate” para contagem de heterotróficos viáveis totais
Cada diluição preparada em caldo Letheen na etapa anterior foi semeada em técnica de “pour plate”
em Ágar TSA (Ágar Soja-Triptona). Em condições assépticas, 1ml de cada diluição foi transferida
ao centro de uma placa de Petri de vidro esterilizada e vazia. Em seguida, foi acrescentado
aproximadamente 20mL de Ágar TSA liquefeito. A placa foi homogeneizada e deixada em repouso
para solidificação do ágar e incubadas em estufa bacteriológica a 36º C por 24-48h.
2.1.3 Semeadura em superfície para pesquisa e contagem coliformes totais
Cada diluição preparada em caldo Lauril na primeira etapa foi semeada em superfície de Ágar
MacConkey. Foram acrescentados sobre a superfície de cada ágar 10uL da respectiva diluição e
espalhadas sobre toda a superfície do meio, semeando completamente a placa, com auxílio de alça
bacteriológica. As placas foram incubadas em estufa bacteriológica a 36º C por 24-48h.
2.1.4 Identificação de coliformes termotolerantes (E. coli)
As colônias de bactérias crescidas em Ágar MacConkey foram observadas em relação aos seus
caracteres morfológicos e reações ocorridas no meio de cultura. As colônias que obtiveram
crescimento com características específicas foram repicadas em meio seletivo Rugai&Araújo. Os
tubos repicados foram incubados em estufa bacteriológica a 36ºC por 24-48h e posteriormente as
alterações do meio foram analisadas para identificação do microrganismo isolado. Também foram
realizados esfregaços corados pela técnica de Gram e prova bioquímica de oxidase.
2.1.5 Semeadura em superfície para pesquisa e contagem de patógenos específicos
Foram realizados testes específicos para isolamento e identificação de Staphylococcus aureus,
Pseudomonas aeruginosas e bolores e leveduras em geral. Cada diluição preparada em caldo Lauril
na primeira etapa foi semeada em superfície de ágar seletivo para cada um dos patógenos pesquisados
(Ágar Manitol-Sal – S. aureus; Ágar Cetrimide – P. aeruginosas; Ágar Sabouraud – bolores e
leveduras). Foram acrescentados sobre a superfície de cada ágar 10uL da respectiva diluição e
espalhadas sobre toda a superfície do meio, semeando completamente a placa, com auxílio de alça
bacteriológica. As placas foram incubadas em estufa bacteriológica a 36º C por 24-48h.
2.1.6 Identificação de patógenos específicos
As colônias de microrganismos crescidas em ágares seletivos foram observadas em relação aos seus
caracteres morfológicos e reações ocorridas no meio de cultura. Também foram realizados esfregaços
corados pela técnica de Gram na análise de bactérias e microscopia direta para o caso de crescimento
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3242 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
de leveduras e bolores. Provas bioquímicas de catalase, oxidase e coagulase foram realizadas para a
caracterização final dos isolados microbianos.
3. RESULTADOS
Foram testadas bases cosméticas faciais em uso, dentro do prazo de validade, de marcas
comercializadas por indústrias renomadas e de grande consumação.
De acordo com as respostas ao formulário preenchido pelos doadores das bases faciais, pode-se
constatar que a maioria dos usuários armazenam o produto dentro da bolsa de uso pessoal, inserido
em uma nécessaire próprio para produtos de higiene pessoal (Figura 1). Além disso, a forma de
aplicação do produto varia entre os usuários. A aplicação direta na pele com espalhamento com os
dedos ou a aplicação por meio de uso de esponja de maquiagem ou pincéis são costumes equivalentes
entre as participantes do estudo.
Foi constatado que 50% das participantes mantinham e faziam uso do produto há mais de um ano
após a abertura do lacre e, a frequência de utilização era alta, acima de 10 vezes após a abertura do
produto, correspondendo a 83,3% das voluntárias.
Foi questionado se antes da aplicação do produto era comum a higienização das mãos e 66,7% das
participantes afirmaram que sim. Sobre a higienização dos fômites utilizados para aplicação da
maquiagem foi constatada que a maioria das participantes (66,7%) tem o hábito de higienizá-los,
especialmente após o descuido de armazenamento.
Figura 1: Hábitos de uso e armazenamento das bases faciais pelos consumidores
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3243 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
Avaliou-se também o hábito de compartilhamento das bases cosméticas e dois terços das participantes
dizem fazer uso exclusivo do produto cosmético.
As análises microbiológicas dos produtos avaliados demonstraram baixa contaminação. Apenas as
amostras 4, 5 e 7 apresentaram crescimento de heterotróficos totais na técnica de semeadura de
profundidade (método de pourplate) com crescimento de colônias abaixo do ágar TSA, sendo
provável a presença de microrganismos anaeróbios estritos. Não sendo observado crescimento em
nenhum outro meio (Tabela 1).
Tabela 1: Resultados dos testes microbiológicos em bases cosméticas faciais.
Amostras
Heterotróficos
totais (método
de poorplate)
Coliformes
Totais
Patógenos Específicos
P.
aeruginosa S. aureus Bolores
1 Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente
2 Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente
3 Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente
4 3,2x102 UFC/mL Ausente Ausente Ausente Ausente
5 4,0x104 UFC/mL Ausente Ausente Ausente Ausente
6 Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente
7 3,3x102 UFC/mL Ausente Ausente Ausente Ausente
UFC/ mL: unidade de formação de colônias por mililitro.
4. DISCUSSÃO
Este estudo buscou avaliar o controle microbiológico de bases cosméticas em utilização para
averiguar se o sistema conservante e as condições de armazenamento e uso poderiam influenciar na
contaminação e proliferação microbiana no produto cosmético.
As análises de controle de qualidade microbiológico foram realizadas pelos métodos preconizados na
5ª edição da Farmacopéia Brasileira (Farmacopéia Brasileira, 2010). Para evitar resultados falso-
negativos, as amostras foram preparadas com uma solução para inativação do sistema conservante
usualmente presentes nessas formulações cosméticas. A neutralização do efeito inibitório foi
realizada utilizando-se 0,4% de polissorbato 80 (Tween 80) na diluição maior das amostras
(Vasconcelos et al., 2015).
A preocupação com a qualidade microbiológica de produtos cosméticos é amplamente relatada nas
literaturas. A segurança microbiológica tem como principal objetivo a proteção do consumidor contra
microrganismos potencialmente patogênicos, juntamente com a preservação do produto resultante da
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3244 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
deterioração biológica e físico-química. Contudo, estudos específicos de determinadas classes de
produtos farmacêuticos são restritos, sendo em sua maioria sobre a qualidade microbiológica de
produtos recém-fabricados. Poucos estudos na literatura demonstram análises de qualidade em
produtos sob utilização pelo consumidor (Benvenutti et al., 2016; Campana et al., 2006; Gomes et
al., 2015; Fellini et al.,2014; Oliveira et al. 2016 e Rito et al., 2012Halla et al., 2018; Santos et al.,
2016; Zeiton et al., 2015; Rito et al., 2012; Campana et al., 2006).
Um trabalho realizado em Bangladesh cita que a contaminação microbiológica de medicamentos tem
sido amplamente relatada, porém, os relatos sobre qualidade de produtos cosméticos são pouco
disponíveis, pois o país não possui tradição na fabricação de produtos cosméticos e a maioria dos
produtos são importados. Em testes microbiológicos e bioquímicos realizados por esses
pesquisadores para alguns tipos de cosméticos como sabonete, xampus, loções, cremes, foram
relatados extrema contaminação com bactérias e bolores em praticamente todas as amostras avaliadas
(Noor et al., 2015).
Campana et al. 2006 foram mais a fundo nessa questão e avaliaram a qualidade microbiológica de
produtos cosméticos durante a utilização pelos consumidores. Foram testados 91 produtos cosméticos
e assim como o esse estudo, encontraram uma baixa contaminação microbiana. Os autores relataram
que a contaminação de produtos cosméticos é relativamente incomum, mas alguns produtos podem
ser incapazes de suprimir o crescimento de vários microrganismos e, portanto, representam um risco
potencial à saúde (Campana et al., 2006).
A qualidade microbiológica das amostras desse estudo foi atestada nas análises realizadas e
demonstra estar de acordo com as normas regulatórias descritas na Resolução n° 481 de 23 de
setembro de 1999, a qual dispões os parâmetros de controle microbiológico para produtos de higiene
pessoal, cosméticos e perfumes, estando todos os achados dentro dos parâmetros especificados pela
legislação (Brasil, Resolução - RDC nº 481/1999).
É interessante notar que as amostras as quais houveram crescimento, foram de consumidoras que
tinham por hábito aplicar o cosmético diretamente na pele com espalhamento pelos dedos. Esse fato
pode corroborar, portanto, com a contaminação por bactérias anaeróbias presentes na microbiota da
pele. Além do mais, um dos produtos que apresentou crescimento em profundidade no ágar TSA
(amostra 7) foi reportado ser de uso coletivo, em um salão de beleza.
O nível de contaminação microbiológica num produto não estéril, como o de formulações cosméticas,
é permitido como descrito na legislação vigente. (Brasil, Resolução - RDC nº 481/1999). É
imprescindível que estes valores estabelecidos sejam mantidos nos produtos durante a sua utilização,
apesar da inevitável contaminação pelos usuários. A forma definida pela indústria cosmética é a
adição de agentes conservantes adequado nos produtos, o que garante o controle do crescimento
microbiano mesmo antes de serem comercializados. É observado que em duas ocasiões distintas
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3245 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
pode dar-se a contaminação: durante o processo de fabricação, estocagem e transporte até o produto
encontrar-se com o usuário, e durante o manuseio pelo usuário ser utilizado de formas indevidas
(Oliveira, 2008; Campana et al., 2006; Brasil, Resolução - RDC nº 481/1999).
Apesar dos resultados encontrados, podemos identificar que todas as amostras se mantêm no
parâmetro de tolerabilidade, já que as formulações cosméticas são consideradas produtos não-estéreis.
Com isso, podemos concluir que as participantes que cederam as bases cosméticas analisadas no
presente estudo, em geral, apresentam boa conduta de utilização e armazenamento para garantia da
conservação dos cosméticos. (Mota, et al., 2016).
Outro fator importante de se ressaltar é que o sistema conservante presente nas formulações estão
cumprindo com seu papel e garantindo a qualidade do produto dentro da validade proposta pelo
fabricante. Num estudo conduzido por Benvenutti, et al. 2016, foi avaliada a qualidade
microbiológica de quinze amostras de cosméticos faciais de uso coletivo, das quais três delas
apresentaram contaminação por Staphylococcus coagulase positiva, sugestivo para Staphylococcus
aureus. Os autores sugerem que nestes produtos o sistema de conservantes utilizado não cumpriu sua
finalidade de proteger o produto da contaminação microbiana durante o uso (Benvenutti et al., 2016).
A garantia da qualidade de produtos cosméticos deve seguir as regras da aplicação das Boas Práticas
de Fabricação (BPF), o controle da água e matéria-prima utilizada e a verificação do efeito inibidor
de crescimento microbiano. Entre os conservantes descritos nos principais compêndios
farmacêuticos, existem parabenos, isotiazolinonas, fenólicos, hidantínas ácidos orgânicos,
liberadores de formaldeído, triclosan e clorexidina .Em um levantamento realizado por Steinberg et
al. 2006, sobre os principais conservantes utilizados nos produtos cosméticos no mercado norte-
americano, os ésteres do ácido para-hidroxibenzóico são, por larga margem os mais usados dentre
todos os conservantes. (Farmacopeia Brasileira, 2010; Oliveira et al., 2008; Steinberg et al., 2006;
Yamamoto, et al., 2004).
O mecanismo de ação de cada um desses agentes químicos pode variar dependendo de sua estrutura
química e reatividade do grupo funcional. No entanto, os conservantes podem atuar em vários alvos
celulares e por isso, podem apresentar efeitos tóxicos para o consumidor (Hala et al., 2018).
Durante anos o formaldeído foi considerado um excelente conservante, mas atualmente não é
permitido em alguns países. O formaldeído, também conhecido como formalina, é comercializado
como solução aquosa a 37%, foi utilizado durante muito tempo como conservante em formulações
cosméticas. A União Européia (UE) e o Brasil permitem a utilização de até 0,2% como formaldeído
livre e até 5% em produtos para unhas. De acordo com a legislação aplicada à UE, o formaldeído é
classificado como um produto que causa problemas à reprodução humana e no Japão o uso de
formaldeído não é permitido. Outros conservantes desenvolvidos há aproximadamente 20 anos, já
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3246 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
apresentam dados históricos de alergenicidade que estão restringindo seu uso, como nos casos de
Iodopropil Butilcarbamato e Metildibromoglutaronitrila. (Oliveira et al., 2008).
Fellini et al., 2014 com intuito de avaliar a contaminação microbiológica de bases cosméticas do tipo
Lanette demonstrou que a presença de parabenos como conservantes microbiológicos apresenta ação
eficaz num período de vinte dias, mesmo com a utilização inadequada dos produtos. Entretanto, para
um período de tempo maior é aconselhável o uso de uma diversidade maior de conservantes Fellini
et al., 2014 e Rosa et al., 2015 fizeram uma análise microbiológica de xampus e cremes
condicionadores para uso infantil e não encontraram crescimento microbiano. As justificativas do
trabalho sugeriram que os produtos analisados foram elaborados sob um rígido controle de qualidade,
tanto na seleção da matéria-prima, quanto no controle do processo, mas que também alertaram para
o fato de que, talvez, a quantidade de conservantes na formulação estariam além do permitido.
Estudos vêm sendo desenvolvidos para avaliação dos ingredientes contidos nas formulações, já que
estes podem se tratar de substâncias com atividade de interferente endócrino, que, consequentemente
podem apresentar riscos à saúde humana, segundo evidências existentes em Hoppe & Pais, 2017. A
ação estrogênica dos parabenos é citada em diversos estudos onde é apontada a utilização de
parabenos como uma possível causa para aparecimento de tumores em tecidos retirados de regiões
mamárias com câncer, os parabenos podem adentrar ao tecido mamário e se ligar aos receptores do
hormônio estrogênio, fazendo com que haja o crescimento da linhagem celular cancerígena do tecido
mamário como resposta fisiológica dessa interação (Hoppe & Pais, 2017).
Verificamos que todas as bases cosméticas testadas em nesse estudo apresentavam em suas
formulações ativos diversos com a finalidade de conservação, devendo-se a isso a garantia da
qualidade, mesmo quando o produto é submetido a uso inadequado. Além disso, todos os produtos
testados eram de origem industrial o que sugere uma rigorosidade maior na aplicação das Boas
Práticas de Fabricação (BPF) e uma maior fiscalização e cumprimento das legislações, pois, por
serem produtos produzidos em larga escala, a responsabilidade da empresa de fabricar e garantir a
qualidade do produto dentro do prazo de validade estipulado é grande.
No geral os resultados encontrados nesse estudo indicam um bom controle de qualidade
microbiológico dos fabricantes e utilização de bom sistema conservante, proporcionando maior
segurança ao consumidor.
5. CONCLUSÃO
O controle de qualidade microbiológico possui extrema importância para avaliar contaminações e
estabelecer normas que reduzam a contaminação, a fim de obter produtos de excelência, qualidade e
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3247 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
estabilidade. Além disso, o acondicionamento e cuidado do consumidor, também pode ajudar a
minimizar a contaminação.
Com base nos dados desse trabalho, foi possível concluir que a maioria das bases cosméticas testadas
não representam risco para o consumidor durante o uso. No entanto, testes como esse devem ser
realizados com frequência não apenas em produtos cosméticos intactos, mas também durante a
utilização do produto, para garantir que a conservação da qualidade seja mantida durante a validade
estipulada pelo fabricante.
6. AGRADECIMENTOS
Agradecemos à professora Nathália Silveira Barsotti, pela orientação, por todo o auxílio,
disponibilidade, dedicação e paciência em nos ajudar neste trabalho.
Agradecemos também às equipes dos Laboratório da Universidade Anhembi Morumbi (UAM) pelo
auxílio durante a realização da etapa experimental desse trabalho e a Escola de Ciências da Saúde da
UAM pelo patrocínio.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alves AP, Moura A, Neutgem VER, Silva JM, Cunha NS, Oka SK, Machado SRP. Avaliação das
boas práticas de manipulação nas farmácias com manipulação de Cuiabá e Várzea Grande. Rev. Bras.
Farm. 90(1): 75-80, 2009.
Andrade FRO, Arantes MCB, Souza AA, Paula JR & Bara MTF. Análise microbiológica de matérias-
primas e formulações farmacêuticas. REF. 2(2): 9-12, 2005.
Benvenutti AS, Veiga A, Rossa LS, Murakami FS. Avaliação da qualidade microbiológica de
maquiagens de uso coletivo. UNIPAR. 20(3): 159 -163, 2016.
Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP. Dermatologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. 2481 p.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) nº 07, de 10 de fevereiro de 2015.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) nº 48, de 25 de outubro de 2013.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) nº 481, de 23 de setembro de 1999.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3248 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
Campana R, Scesa C, Patrone V, Vittoria E, Baffone W. Microbiological study of cosmetic products
during their use by consumers: health risk and efficacy of preservative systems. Lett. Appl. Microbiol.
43(3): 301 -306, 2006.
Farmacopéia brasileira. 5. ed. Brasília: Anvisa: Fundação Oswaldo Cruz, 2010. v.1, p.546
Felinni, BP, Galvao RD, Garvil MP. Avaliação microbiana de bases cosméticas do tipo lanette.
Unitri. 4(1): 1-11, 2014.
Fiorentino FAM, Ricarte PC, Corrêa MA, Giannini MJSM, Isaac VLB, Salgado Hérida RN. Análise
microbiológica de embalagens para o acondicionamento de medicamentos e cosméticos.
Latamjpharm. 27(5): 757-761, 2008.
Gomes AIB, Batista FG, Borba TS, Fernandes CKC, Gonçalves Junior AF, Souza Oliveira AS, Pinto
MV, Brandão RS. Análise microbiológica de bases cosméticas faciais. Rev. Fac. Montes Belos 8(1):
1-9, 2015.
Halla N, Fernandes IP, Heleno AS, Costa P, Boucherit-Otmani Z, Boucherit K, Rodrigues AE,
Ferreira ICFR, Barreiro MF. Cosmetics preservation: a review on present strategies. Molecules.
23(7): 1-41, 2018.
Hoppe AC & Pais MCN. Avaliação da toxicidade de parabenos em cosméticos. Rev. REVINTER.
10(3): 49-70, 2017.
Mota VAM, Junior Oshiro JA, Chiari-Andreo BG. O controle da contaminação microbiológica de
produtos magistrais. Rev. Bras. Multidisciplinar. 20(1): 33-49, 2016.
Moussavou UPA & Dutra VC. Dossiê técnico: controle de qualidade de produtos cosméticos. Rio de
Janeiro: REDETEC, 2012. 40p.
Noor R, Zerin, ND, Kamal K, Nitu LN. Safe usage of cosmetics in Bangladesh: a quality perspective
based on microbiological attributes. J. Biol. Res. 22(10): 2-6, 2015.
Oliveira CP. Preservantes no segmento de cosméticos: tendências e oportunidades de negócios. 2008.
Rio de Janeiro. 157 p. Monografia (Pós-graduação em tecnologia de processos químicos e
bioquímicos), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
Oliveira LS, Rossato LG, Bertol CD. Análise da contaminação microbiológica de diferentes
dentifrícios. Rev. Odont. UNESP. 45 (2): 85 -89, 2016.
Oliveira RP, Soto CAT, Martin AA. Análise microbiológica e caracterização de potenciais patógenos
associados a determinados cosméticos. Rev. UNIVAP. 22(40), 1-6 2016.
Rito PN, Presgrave RF, Alves EM, Huf G, Villas Bôas MHS. Avaliação dos aspectos do controle da
qualidade de produtos cosméticos comercializados no Brasil analisados pelo Instituto Nacional de
Controle de Qualidade em Saúde. Rev. Inst. Adolfo Lutz.71(3): 557-65, 2012.
Ros AR. O crescimento da indústria de cosméticos no Brasil no século XXI. 2016. Curitiba. 56 p.
Monografia (Graduação em Economia), Universidade Federal do Paraná. Curitiba.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3249 Fraga, C. D.; Correia, M. F. S.; Barsotti, N. S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3247 – 3262, 2019
Rosa AM, Chang RM, Spositto FLE, Silva CG, Miyagusku L, Sversut RA, Amaral MS, Kassab NM.
Análise microbiológica de xampus e cremes condicionadores para uso infantil. Rev. Ci, Farm. Básica.
Apl. 36(1): 43-49, 2015.
Salomon LS. Contaminação Microbiológica De Produtos Farmacêuticos. 2009. Minas Gerais. 48 p.
Monografia (Especialização em Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas), Universidade
Federal de Minas Gerais. Minas Gerais.
Yamamoto CH, Pinto TJA, Meurer VM, Carvalho AM, Rezende P. Controle de qualidade
microbiológico de produtos farmacêuticos, cosméticos e fitoterápicos produzidos na zona da mata.
Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, 2., Minas Gerais, Brasil, 2004. p.1-7.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
Ferramenta para acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes críticos
Camile Moreira Mascarenhas1, Thais Piazza2 & Sabrina Calil-Elias3*.
1 – Farmacêutica Especialista em Farmácia Hospitalar pela Universidade Federal Fluminense.
2 – Pós-Graduação em Saúde Pública, Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal de Minas Gerais.
3 - Departamento de Farmácia e Administração Farmacêutica, Faculdade de Farmácia – Universidade Federal
Fluminense, Niterói – RJ.
Endereço para Correspondência: Profª Drª Sabrina Calil-Elias. Faculdade de Farmácia. Rua Mário Viana, 523, Santa
Rosa, Niterói, RJ. CEP 24.241-000. Telefones: (21) 2629-9562 e 2629-9564. Fax: (21) 2629-9563. E-mail:
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3251 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
RESUMO
O acompanhamento farmacoterapêutico é definido como intervenção que visa prevenir, detectar e
resolver Problemas Relacionados a Medicamentos e Resultados Negativos associados a
Medicamentos. O objetivo do presente trabalho é propor uma ferramenta de acompanhamento
farmacoterapêutico para pacientes críticos que sistematize processos e padronize critérios para
atuação clínica do farmacêutico em unidade de terapia intensiva. Para elaboração do formulário
foram utilizados conhecimentos acerca das atividades clínicas farmacêuticas descritas em literatura
nacional e internacional, conhecimentos adquiridos da prática clínica profissional e a mnemônica
FAST HUG – MAIDENS. Os componentes selecionados foram englobados em cinco grupos:
histórico clínico, exames laboratoriais, parâmetros clínicos, terapia medicamentosa e adequação
terapêutica. A ferramenta se apropriou do conceito de checklist, propiciando o preenchimento
rápido e a padronização de critérios de avaliação farmacêutica. A ferramenta desenvolvida é útil na
sistematização da conduta a ser seguida, no aprendizado e treinamento dos profissionais sobre o
cuidado a pacientes críticos e na implantação de serviços clínicos farmacêuticos.
Palavras-chave: Unidade de Terapia Intensiva, Segurança do Paciente, Serviço de Farmácia
Hospitalar.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3252 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
ABSTRACT
Pharmacotherapeutic follow-up is defined as an intervention aimed at preventing, detecting and
resolving Drug Related Problems and Negative Results associated with Medications. The objective
of the present work is to propose a pharmacotherapeutic monitoring tool for critical patients that
systematize processes and standardize criteria for the clinical performance of the pharmacist in an
intensive care unit. Knowledge about the pharmaceutical clinical activities described in national and
international literature, knowledge acquired from professional clinical practice and the FAST HUG
- MAIDENS mnemonic were used to elaborate the tool. The selected components were grouped
into five groups: clinical history, laboratory tests, clinical parameters, drug therapy and therapeutic
appropriateness. The tool has appropriated the concept of a checklist, providing rapid fulfillment
and standardization of pharmaceutical evaluation criteria. The tool developed is useful in
systematizing the conduct to be followed, in the learning and training of professionals on the care of
critical patients and in the implementation of clinical pharmacy services.
Keywords: Intensive Care Unit, Patient Safety, Pharmacy Service, Hospital.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3253 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
Introdução:
Uma das perspectivas de desenvolvimento para os serviços de farmácia hospitalar no Brasil é a
consolidação da farmácia clínica. Apesar das barreiras à sua concretização, ela tem sido cada vez
mais apreciada pelas equipes multidisciplinares dos hospitais que a desenvolvem, por permitir uma
realidade de valor inquestionável, a saber: minimização dos erros de medicação, aumento da
segurança na prescrição de medicamentos, diminuição dos custos da terapia medicamentosa, maior
qualidade no cuidado ao paciente e possibilidade de, em virtude destas ações, haver diminuição do
tempo de internação do paciente e de menores riscos em sua assistência (Fideles et al., 2015).
A padronização dos processos de trabalho é essencial para a qualidade do serviço prestado por
qualquer profissional, principalmente da área da saúde. A utilização de protocolos e checklists são
mecanismos que podem aumentar a eficiência, a segurança e a eficácia do cuidado, permitindo
investigação clínica mais rigorosa e facilitando o processo de educação continuada (Robbins, 2011;
Vincent, 2005).
O American College of Clinical Pharmacy (ACCP) considera como atribuição do farmacêutico
clínico a avaliação do estado clínico do paciente para determinar se os medicamentos são adequados
às necessidades e se estão de acordo com o planejamento terapêutico do paciente. Para tal, são
necessários a avaliação e o gerenciamento de informações médicas e a interpretação de dados
laboratoriais, dentre outras atividades (ACCP, 2014). Por sua vez, no âmbito brasileiro, de acordo
com a Resolução Nº 585 de 2013 do Conselho Federal de Farmácia, o farmacêutico também possui
tais atribuições (Brasil, 2013).
A avaliação da farmacoterapia deve ser realizada de forma holística, não apenas com foco
em doenças, medicamentos ou interações medicamentosas específicas. No acompanhamento
farmacoterapêutico o farmacêutico se responsabiliza pelas necessidades do paciente e atua na
detecção de Problemas Relacionados a Medicamentos (PRM) e para a prevenção e resolução dos
Resultados Negativos associados a Medicamentos (RNM) (Granada, 2007). Esta atividade auxilia
na obtenção de melhores resultados na terapia bem como prevenção/detecção de eventos adversos a
medicamentos, se fazendo necessária principalmente para pacientes críticos, que são altamente
complexos e polimedicados.
O uso de instrumentos para conduzir o acompanhamento da terapia medicamentosa, além
de tornarem a tarefa de aprender a gerenciar a terapia medicamentosa mais fácil para estudantes de
farmácia e farmacêuticos iniciantes na prática clínica, também podem facilitar e melhorar a
eficiência da identificação de PRM (Lee et al., 2009). Um destes exemplos é a mnemônica FAST
HUG, mundialmente difundida entre profissionais intensivistas (Papadimos et al., 2008) (Mabasa et
al., 2011). Ela visa enfatizar alguns aspectos fundamentais no cuidado geral de todos os pacientes
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3254 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
críticos, e deve ser aplicada ao menos uma vez por dia durante as visitas médicas e, idealmente,
cada vez que o paciente é visto por qualquer membro da equipe de atendimento. Mabasa e
colaboradores realizaram uma adaptação, o FAST HUG MAIDENS, como padronização por meio
de abordagem estruturada para identificação de problemas relacionados a medicamentos, sendo
específica para o cuidado farmacêutico (Mabasa et al., 2011).
O objetivo do presente trabalho é propor uma ferramenta de acompanhamento
farmacoterapêutico para pacientes críticos que sistematize processos e padronize componentes para
atuação clínica do farmacêutico em unidade de terapia intensiva (UTI).
Metodologia:
A ferramenta tratada nesse artigo é o Formulário de Acompanhamento do Paciente Crítico
(FAPC) cuja elaboração visou a padronização de componentes para a avaliação farmacêutica e foi
baseada em conhecimentos acerca das atividades clínicas farmacêuticas descritas em literatura
nacional e internacional, das características dos pacientes internados em UTI e dos componentes
abordados pela equipe multiprofissional intensivista. A elaboração e o aperfeiçoamento do
formulário ocorreram no contexto da prática profissional, pela inserção do farmacêutico em uma
UTI de um hospital de cardiologia. Além disso, foi utilizado como embasamento teórico a
mnemônica FAST HUG (Vincent, 2005) e sua adaptação o FAST HUG – MAIDENS (Mabasa et
al., 2011).
O FAPC foi estruturado com a divisão de um campo para as informações gerais e campos
para o acompanhamento diário do paciente, tendo sido utilizados colchetes, siglas (ou abreviaturas),
parênteses, lacunas (ou espaços) e símbolos para padronizar e facilitar o preenchimento do mesmo.
Os colchetes foram utilizados para sinalização das opções que se aplicam a determinado paciente.
Siglas e abreviaturas foram empregadas para reduzir a extensão do formulário, e o parêntese foi
utilizado antes de itens cuja a verificação é obrigatória, desempenhando a função de checklist. A
lacuna ou o espaço em branco associado a cada componente tem objetivo de registrar a informação
sobre o mesmo, caso se aplique ao paciente que está sendo avaliado. Os símbolos foram utilizados
no campo destinado ao registro da conduta terapêutica definida pela equipe e significam que o
medicamento foi incluído (+), suspenso (-), aumentado (↑) – dose ou posologia, reduzido (↓) – dose
ou posologia e alterado ou substituído (→) – forma farmacêutica ou opção terapêutica.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3255 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
Resultados:
O FAPC foi elaborado contendo 31 componentes divididos em 5 grupos: histórico clínico,
exames laboratoriais, parâmetros clínicos, terapia medicamentosa e adequação terapêutica. Ao final
do formulário consta um espaço para a data, o horário e a assinatura do farmacêutico responsável
pelo registro dos dados. O critério de inclusão de cada componente no formulário foi a sua
relevância para a assistência holística ao paciente crítico e para prevenção de PRM e RNM.
O primeiro componente do FAPC o “Histórico Clínico”, que apresenta os dados pessoais e
clínicos que auxiliam no conhecimento das necessidades terapêuticas e na adequação da terapia
medicamentosa. Neles estão inseridas as informações da “Identificação do paciente”; “Peso, idade e
alergias”; “Diagnóstico prévio” expresso pelo CID-10, para expressar o diagnóstico prévio foram
utilizados CID-10, disfunções e comorbidades (seleção baseada no perfil dos pacientes atendidos); e
“Medicamentos de uso prévio” que oferece subsídio à conciliação medicamentosa (Tabela 1).
Tabela 1. Cabeçalho do formulário: campos para registro da identificação do paciente, diagnóstico prévio e
medicamentos de uso prévio pelo farmacêutico. IR- insuficiência renal aguda ou crônica; IH - insuficiência hepática; IC
- insuficiência cardíaca; DM - diabetes mellitus; HA - hipertensão arterial; HAP - hipertensão arterial pulmonar; Dislip
– dislipidemia; HipoT – hipotireoidismo; HiperT – hipertireoidismo; DPOC – doença pulmonar obstrutiva crônica e
CID – classificação internacional de doenças.
Identificação do paciente Diagnóstico prévio Medicamentos
uso prévio Nome: Disfunções:
[ ] IR_ [ ] IH [ ] IC
Comorbidades: [ ] DM [ ] H A [ ] HAP [ ] Dislip [ ] Obesidade [ ] HipoT [ ] HiperT [ ] Gota [ ] DPOC
Idade: Prontuário: Peso: CID: Info:
Atendimento: Leito:
Alergia: Admissão:
A avaliação diária dos resultados laboratoriais, segundo componente do formulário, auxilia
não só na individualização da terapia, mas também na adequação farmacocinética dos
medicamentos à condição clínica do paciente. Foram inseridos campos para exames hematológicos,
inflamatórios, avaliação da função renal e hepática. Os eletrólitos considerados mais importantes
para acompanhamento diário foram selecionados além do equilíbrio ácido-base. Ainda sobre o
escopo dos exames laboratoriais é de suma importância o acompanhamento pelo farmacêutico da
cultura microbiológica e do resultado do antibiograma, quando houver. Estas informações irão
auxiliar o farmacêutico a avaliar a decisão terapêutica quanto ao esquema antimicrobiano escolhido
para o paciente. O campo é destinado ao registro do microrganismo responsável pela infecção e o
tipo de amostra coletada, por exemplo, sangue (hemocultura), urina (urinocultura), secreção
traqueal, swab retal, etc. (Tabela 2).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3256 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
Tabela 2. Campo para avaliação diária de exames laboratoriais pelo farmacêutico: hematologia, marcadores
inflamatórios, marcadores de função hepática e renal, eletrólitos, albumina e microbiologia. Ht – hematócrito; Hb –
hemoglobina; Plq – plaquetas; RNI – razão normalizada internacional; PCR – proteína C reativa; Leu – leucócitos; ALT
- alanina aminotransferase; AST - aspartato aminotransferase; U – uréia; Cr – creatinina; ClCr – clearance de creatinina;
Na+ - sódio; K+ - potássio; Ca2+ - cálcio; Mg2+ - magnésio; P – fosfato; e Alb – albumina; MO: microrganismo
Exames Laboratoriais
Ht: Hb:
Plq: RNI:
PCR: Leu:
ALT: AST:
U: Cr:
ClCr:
Na+: K+:
Ca2+: Mg2+:
(PO4)3-: Alb:
( ) Microbiologia
Amostra:
MO:
Os parâmetros clínicos viabilizam adequação da terapia medicamentosa aos balanços
hídrico e nutricional e aspectos sintomatológicos do paciente. A lacuna tem o propósito de sinalizar
tal informação com os símbolos sugeridos. A avaliação nutricional está relacionada a verificação
diária da dieta ou aporte calórico do paciente. A dieta pode ser oral (O), enteral (E), parenteral
(NPT) ou zero (ø). Neste último caso, são necessários tanto avaliação da necessidade de soro
glicosado quanto acompanhamento da glicemia. A presença de sonda ou não, e seu tipo
(nasoentérica (SNE), nasogástrica (SNG), gastrostomia (GTT) ou jejunostomia (JTT)), auxilia na
avaliação da compatibilidade do medicamento à via de administração escolhida. A informação de
acesso venoso permite avaliar a compatibilidade do medicamento, dose, posologia e diluição com o
acesso escolhido com intuito de evitar eventos adversos, como por exemplo flebite. O acesso
venoso pode ser periférico - jugular externa (JE), antecubital veia basílica, veia cefálica; central -
jugular interna direita (JID) ou esquerda (JIE), subclávia direita (SD) ou esquerda (SE), femoral
direita (FD) ou esquerda (FE); ou central de inserção periférica (PICC). Uma forma de se restringir
o volume de líquido é pela redução do volume de diluição dos medicamentos, sendo relevante a
avaliação do balanço hídrico. Este pode ser positivo (+) - quando a ingestão é maior que a
eliminação - ou negativo (-) – quando do contrário. O acompanhamento diário do clearance de
creatinina e a informação sobre diálise são essenciais para a avaliação da eliminação dos
medicamentos e, consequentemente, a necessidade de ajuste da dose pela função renal. Outro ponto
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3257 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
relevante é a informação da data da última evacuação que permite avaliar a necessidade terapêutica
de medicamentos laxativos ou antidiarreicos, bem como dos que interferem no trânsito intestinal ou
até mesmo dos que tenham a via fecal como principal via de eliminação. Dentro dos parâmetros
clínicos os sinais e sintomas como dor, hipertensão, e hiperglicemia podem ser referentes a
problemas relacionados a medicamentos ou a erros de medicação e auxiliam na avaliação e decisão
terapêutica (Tabela 3).
Tabela 3. Campo para avaliação diária de parâmetros clínicos pelo farmacêutico: dieta, sonda, acesso venoso, balanço
hídrico, diálise, data da última evacuação e manifestações clínicas. A sigla TE foi utilizada para tromboembolismo e a
abreviação prof para profilaxia de tromboembolismo.
Parâmetros Clínicos
( ) Dieta _______________
( ) Sonda: ______________
( ) Acesso venoso: ______________________
( ) Balanço: [ ] + [ ] -______________________
( ) Diálise [ ] Sim [ ] Não ______________________
( ) Última evacuação_____
( ) Manifestações clínicas:
O paciente crítico demanda complexa terapia medicamentosa para garantia do cuidado
integral e seguro, carecendo de avaliação diária da necessidade terapêutica e a duração do
tratamento dos medicamentos. A antibióticoterapia deve ser acompanhada conforme avaliação da
evolução clínica, das doses de ataque, de manutenção, de ajustes de dose, dos esquemas e durações
do tratamento, inserindo o farmacêutico na escolha da terapia junto a equipe multiprofissional
(Tabela 4).
Há uma tendência dos pacientes críticos desenvolverem úlcera gástrica por estresse que, por
sua vez, requer tratamento farmacológico. A polimedicação inerente ao estado clínico do paciente
crítico e o decúbito dorsal podem interferir na motilidade gastrintestinal, sendo necessário o
acompanhamento do uso de medicamentos tais como laxativos ou antidiarreicos (Tabela 4).
Outra questão importante é a monitorização do uso de medicamentos anticoagulantes,
considerados de alta vigilância, que permite evitar omissões na prescrição ou falhas de dose ou de
ajuste pela função renal. O colchete utilizado é destinado ao registro da dose de anticoagulante, que
pode ser profilática ou plena (Tabela 4).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3258 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
Aspectos envolvidos no controle glicêmico, tal como a prescrição de protocolos de glicemia
capilar, devem ser acompanhados para garantir o aporte glicêmico adequado. Outro ponto
importante é a adequação da analgesia e, para isso, se faz necessário o conhecimento dos
analgésicos em uso (Tabela 4).
O paciente crítico costuma ter alterações da microbiota oral bem como ressecamento dos
olhos o que pode estar associado à sedação, ventilação mecânica dentre outros fatores. Logo se faz
necessária a atenção para a sedação do paciente, para o equilíbrio microbiológico da cavidade oral e
atentar para medidas de prevenção da lesão da córnea, como o uso de lubrificante ocular para evitar
ressecamento (Tabela 4).
A adequação da terapia ao histórico clínico, exames laboratoriais e à situação clínica dos
pacientes é essencial para a individualização do tratamento e para evitar possíveis eventos adversos.
O acompanhamento da infusão de medicamentos se faz necessário para o cálculo e administração
da dose exata a ser administrada, bem como para controle da velocidade de infusão (Tabela 4).
Tabela 4. Campo para avaliação diária da terapia medicamentosa (essencial e profilática) de cuidado intensivo pelo
farmacêutico: antimicrobianos, profilaxia de úlcera de estresse, protocolo de glicemia, procinéticos, analgesia, sedação,
função intestinal, sedação, profilaxia de tromboembolismo venoso, reposição eletrolítica, higiene oral, proteção ocular e
infusões.
Terapia Medicamentosa
( ) Antimicrobianos (Dx/y):
( ) Úlcera_____________ ( ) Procinético _____________________( ) Função Intestinal _____________________( ) TE [ ]Prof [ ]Pleno ( ) Higiene Oral________
( ) Glicemia___________ ( ) Analgesia _____________________ ( ) Sedação _____________________ ( ) Reposição__________ ( ) Proteção ocular_____
( ) Infusões:
Também se faz necessária a avaliação das possíveis incompatibilidades dos medicamentos,
que envolve a avaliação de registros dos medicamentos que foram adicionados, excluídos ou
alterados da prescrição. Tanto para infusão intravenosa quanto para a administração de
medicamentos via sonda deve-se avaliar a incompatibilidade físico-química entre estes quando
administrados no mesmo horário e pela mesma via. Caso haja incompatibilidade físico-química
com medicamentos na sonda enteral deve ser realizada intervenção para substituição da via de
administração, modificação do aprazamento ou sugestão de alternativa terapêutica (Tabela 5).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3259 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
O farmacêutico deve auxiliar realizando a verificação, em bases de dados confiáveis, das
possíveis interações graves ou severas na prescrição de admissão e sempre que um novo
medicamento for adicionado. Os possíveis impactos de interações leves ou moderadas devem ser
avaliados individualmente de acordo com cada caso clínico (Tabela 5).
Tabela 5. Campo para avaliação diária da adequação da terapia medicamentosa prescrita à clínica do paciente pelo
farmacêutico: conduta terapêutica, interações medicamentosas, incompatibilidade por sonda, incompatibilidade físico-
química. Medicamento incluído (+), suspenso (-), aumentado (↑) – dose ou posologia, reduzido (↓) – dose ou posologia
e alterado ou substituído (→) – forma farmacêutica ou opção terapêutica.
Adequação terapêutica
( ) Conduta Terapêutica: Prescrito (+)/ Alterado (↓↑→)/ Suspenso (-)
( ) Interações medicamentosas [ ] Sim [ ] Não
( ) Incompatibilidade por sonda [ ] Sim [ ] Não
( ) Incompatibilidade físico-química [ ] Sim [ ] Não
Discussão:
A ferramenta proposta favorece o direcionamento do farmacêutico para avaliação da
necessidade, segurança e efetividade dos medicamentos em uso e, consequentemente, para a
detecção de PRM, RNM e de possíveis falhas. Os componentes selecionados para compor o FAPC
objetivaram auxiliar na conduta terapêutica da equipe de saúde; no acompanhamento da discussão
do caso clínico; e principalmente, contribuir para a correta prescrição e utilização dos
medicamentos. Além disso, o formato de checklist viabiliza o preenchimento rápido, objetivo e
padronizado, bem como evita erros provenientes de esquecimentos da equipe multiprofissional e
falhas na comunicação (Vincent, 2005; Scanlon & Karsh, 2010).
Estudos demonstram a importância e o papel da participação de farmacêuticos nas reuniões
multiprofissionais, para fornecimento de recomendações específicas sobre o tratamento
medicamentoso, que podem implicar diretamente em necessidades de: ajustes de doses ou
substituição; recomendações sobre antibióticos, toxicologia e informações sobre farmacologia;
instruções especiais para administrações; informação; entre outros (Fideles et al., 2015; Case &
Paparella, 2007; Romero et al., 2013).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3260 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
Na admissão do paciente, a avaliação do histórico clínico juntamente com a comparação
entre a lista de medicamentos de uso prévio e a prescrição de admissão na unidade de internação é
de fundamental para redução de discrepâncias não justificadas e para fornecimento de informações
à equipe médica no momento da decisão terapêutica (Talasaz, 2012).
É possível a utilização de fatores da história clínica do paciente combinado a valores
laboratoriais como preditivo para eventos adversos - valores laboratoriais com limiares que
excedem o valor recomendado (Kane-Gill et al., 2016). As alterações eletrolíticas têm como causas
possíveis as alterações na função renal, a idade avançada, a doença de base e iatrogenia e podem
prolongar a permanência no hospital. Por isso, os aportes tanto de fluidos como de eletrólitos devem
ser verificados diariamente, assim como, os respectivos resultados dos exames laboratoriais (Solà-
Bonada et al., 2012).
Em UTI, a presença de pacientes que desenvolvem insuficiência renal é comum, podendo
resultar em necessidade de hemodiálise (Ponce et al., 2011). Neste caso, há necessidade do ajuste
da dose de alguns medicamentos, que se baseia na estimativa da depuração de creatinina (ClCr),
que reflete a taxa de filtração glomerular. Por exemplo, há medicamentos que sofrem perda no
processo de diálise, devendo ser avaliada a necessidade de se fazer o ajuste da dose.
A prescrição de antimicrobianos para pacientes críticos é uma das estratégias terapêuticas
mais utilizadas (Vega et al., 2015), e cujo uso inadequado pode favorecer o surgimento de eventos
relacionados à resistência microbiana, além de reações adversas, aumento do período de internação
e de gastos (Nóbrega, Batista & Ribeiro, 2012). A literatura sugere a atividade de acompanhamento
da farmacoterapia de doenças infecciosas para pacientes em estado crítico, com a possível
contribuição direta do profissional farmacêutico por meio da interpretação dos resultados da
microbiologia, revisão dos registros do paciente e recomendação de agentes antimicrobianos
(Preslaski et al., 2013).
A desnutrição é comum em UTI, onde o estresse juntamente com ingestão insuficiente de
suplementos nutricionais desencadeiam vários mecanismos que aumentam o catabolismo
prolongado. Receber alimentação inadequada pode resultar em desfechos clínicos ruins, incluindo
taxa de infecção aumentada, período prolongado de UTI e hospitalização, além de desmame tardio
da ventilação mecânica. Os suportes nutricionais adequados são essenciais e necessários para
fornecer aos pacientes componentes que atendam suas necessidades metabólicas (Wang et al.,
2017). A administração de medicamentos por cateter nasoentérico (CNE) ou cateter nasogástrico
(CNG) deve ser avaliada de acordo com a farmacologia e a formulação de cada medicamento, pois
pode gerar falha terapêutica, perda da sonda enteral, risco biológico para os profissionais de saúde e
possíveis danos para o paciente (Lima & Negrini, 2009). Embora a administração de medicamentos
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3261 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
por sonda seja complexa e problemática, é possível minimizar o risco de oclusão do tubo,
diminuição dos efeitos do fármaco e da sua toxicidade usando a técnica apropriada.
A atuação do farmacêutico junto à equipe multiprofissional no intuito de detectar e
prevenir possíveis problemas relacionados à nutrição e aos medicamentos agrega valor à prática
clínica (Ekincioglu & Demirkan, 2014). Pacientes críticos tendem a sofrer mudanças no equilíbrio
da microflora oral que propiciam a prevalência de bactérias Gram-positivas, associadas à
pneumonia nosocomial. O fluxo salivar pode sofrer mudanças causadas por medicamentos,
desequilibrando o ambiente oral, aumentando a formação do biofilme (ambiente para o crescimento
de bactérias Gram-negativas). Dessa forma, a higiene bucal é necessária para pacientes em UTI,
pois ajuda a manter a saúde oral de pacientes hospitalizados (Miranda, 2016).
Distúrbios gastrintestinais são frequentes em pacientes críticos, resultado de fatores como
medicamentos, hiperglicemia, disfunção renal, ventilação mecânica ou a doença de base. O uso de
agentes procinéticos para pacientes em dieta enteral melhora a intolerância alimentar e reduz o
volume gástrico residual. (Lewis et al., 2016) A relevância da úlcera por estresse pode ser destacada
nas diretrizes da American Society of Health-System Pharmacists que recomendam a profilaxia da
úlcera de estresse em UTI cirúrgica, respiratória e pediátrica, com avaliação da necessidade de uso e
indicação para cada paciente, de acordo com sua estratificação de risco. A atuação do farmacêutico
clínico pode ser associada à redução do uso de inibidores de bomba de prótons e antagonistas do
receptor de histamina (H2), além do controle do número de dias de profilaxia inapropriada e redução
de custos desnecessários para os sistemas de saúde (Khalili et al., 2010).
Outra alteração gastrintestinal comum a esse perfil de pacientes é a constipação intestinal,
que pode ocorrer por diferentes fatores como, por exemplo, limitação ao leito, uso de sedativos,
opioides, bloqueadores neuromusculares, medicamentos vasopressores, mediadores inflamatórios,
choque, desidratação e distúrbios eletrolíticos, entre outros (Azevedo et al., 2009). A ocorrência de
diarreia também é comumente observada, em detrimento do uso de medicamentos, nutrição
artificial, infecções, isquemia ou fístula intestinal, septicemia, hipoalbuminemia, dentre outras
(Borges et al., 2008).
O tromboembolismo venoso (TEV) em pacientes hospitalizados pode ser evitado usando
medidas farmacológicas e/ou mecânicas que são considerados custo-efetivas. Haga e colaboradores
(Haga et al., 2014) demonstraram que a atuação do farmacêutico na equipe multidisciplinar ou
através de busca ativa auxiliou na idendificação da necessecidade de realização de profilaxia de
TEV em pacientes hospitalizados.
A hiperglicemia é preditor de efeitos adversos em pacientes com diabetes mellitus e tem
sido associada à mortalidade hospitalar, contudo o controle glicêmico intensivo não é
significativamente benéfico em certas situações clínicas podendo resultar em risco de hipoglicemia
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3262 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
grave. Uma estratégia para minimizar a ocorrência de hipoglicemia pode ser a padronização e a
melhoria dos protocolos de monitoramento (Ong et al., 2015).
Dor, estresse e ruptura do ciclo de sono-vigília são sintomas típicos observados em
pacientes internados na UTI, que podem levar ao delírio e prejudicar o desfecho clínico. As
medidas farmacológicas adotadas devem ser acompanhadas das não farmacológicas voltadas para
prevenção e tratamento. A indicação e a condução de sedação e analgesia requerem atenção
especial a fim de não haver consequências negativas, como sedação exagerada. O paciente deve
permanecer tão alerta e orientado quanto for possível, para que possa participar do processo de
terapia e convalescença (Baron et al., 2015).
Distúrbios da superfície ocular ocorrem em até 60 % dos pacientes críticos devido à
deficiência de mecanismos de defesa como resultado de disfunção orgânica, distúrbios metabólicos,
ventilação mecânica e inconsciência. Medicamentos como sedativos e bloqueadores
neuromusculares podem afetar o fechamento completo das pálpebras, enquanto atropina, anti-
histamínicos e antidepressivos tricíclicos demonstram diminuir a produção de fluidos lacrimais. O
cuidado comumente utilizado em pacientes de UTI inclui a lubrificação ocular com lágrima
artificial e pomadas e o uso de antibióticos tópicos quando necessário (Saritas et al., 2013).
Os pacientes críticos geralmente são polimedicados, sendo a via majoritária a intravenosa,
elevando o risco de ocorrer incompatibilidades físico-químicas (Marsilio, Da Silva & Bueno, 2016).
Os acessos centrais são recomendados para infusão de medicamentos com pH inferior a 5 ou
superior a 9 para evitar flebite (Caparas & Hu, 2014), que é uma das complicações locais mais
frequentes e graves. O equilíbrio hídrico depende da ingestão e eliminação de água, de sua
distribuição no organismo e da regulação das funções renais e pulmonares. O balanço hídrico é um
indicador de retenção hídrica ou desidratação, sendo de grande importância para a tomada de
decisões terapêuticas e assistenciais (Oliveira, Guedes & Lima, 2010).
As interações medicamentosas podem comprometer a segurança do paciente devido a
possível toxicidade ou diminuição de benefício terapêutico e, com isso, aumentam a morbi-
mortalidade especialmente em pacientes frágeis. Em hospitais, podem gerar complicações, que por
sua vez podem aumentar tanto a duração do tratamento como do tempo de hospitalização do
paciente. Na UTI, elas constituem fonte de eventos adversos a medicamentos devido à natureza
complexa dos processos de cuidado, fragilidade e condição dos pacientes e a alta dependência
medicamentosa (Askari et al., 2012). Farmacêuticos, juntamente com médicos e enfermeiros,
podem desempenhar papel fundamental na redução de riscos de eventos relacionados a interações
medicamentosas por meio do seu gerenciamento e da sua caracterização clínica (Hasan et al.,
2012).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3263 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
A prescrição é uma das principais ferramentas de trabalho da equipe, sendo utilizada pela
maior parte dos profissionais envolvidos no cuidado. A redação deve ser clara e compreensível a
todos e é responsável por transferir a mensagem da decisão terapêutica até o paciente (Rathish et
al., 2016).
Conclusão:
O FAPC proposto pelo presente trabalho conjecturou a compilação dos componentes
essenciais à análise farmacêutica por meio da apropriação do conceito de checklist, ou seja, propicia
o preenchimento rápido e a padronização de critérios de avaliação. Dessa forma, a ferramenta pode
ser útil na sistematização da conduta a ser seguida pelo farmacêutico, pois tende a evitar possíveis
erros por desatenção, limitações de conhecimento ou de treinamento. Adicionalmente, é capaz de
auxiliar os profissionais menos experientes no aprendizado do cuidado ao doente crítico e,
inclusive, auxiliar na implantação de serviços clínicos farmacêuticos, visto que poderia nortear
ações principalmente em países em desenvolvimento que carecem de experiência e de padronização
de processos na área. Além disso, é possível que a ferramenta viabilize a detecção de erros de
prescrição e a prevenção de falhas da equipe de saúde. Apesar do foco do instrumento ser o paciente
sob cuidados intensivos, acredita-se que o mesmo possa ser adaptado para o acompanhamento de
pacientes em outros níveis de complexidade. Logo, se faz necessário estudos posteriores de
avaliação e validação desta ferramenta para que as suposições abordadas possam ser devidamente
comprovadas.
Referências:
American College of Clinical Pharmacy Guideline. Standards of practice for clinical
pharmacists. Pharmacother. 34(8): 794-797, 2014.
Askari M, Eslami S, Louws M, Dongelmans D, Wierenga P, Kuiper R, Abu-Hanna A. Relevance of
drug-drug interaction in the ICU - Perceptions of intensivists and pharmacists. Stud. Health Techno.
Inform. 180: 716-720, 2012.
Azevedo RPD, Freitas FGR, Ferreira EM, Machado FR. Intestinal constipation in intensive care
units. Rev. Bras. Ter. Intens. 21(3): 324–331, 2009.
Baron R, Binder A, Biniek R, Braune S, Buerkle H, Dall P, Demirakca S, Eckardt R, Eggers
V, Eichler I, Fietze I, Freys S, Fründ A, Garten L, Gohrbandt B, Harth I, Hartl W, Heppner
HJ, Horter J, Huth R, Janssens U, Jungk C, Kaeuper KM, Kessler P, Kleinschmidt S, Kochanek
M, Kumpf M, Meiser A, Mueller A, Orth M, Putensen C, Roth B, Schaefer M, Schaefers
R, Schellongowski P, Schindler M, Schmitt R, Scholz J, Schroeder S, Schwarzmann G, Spies
C, Stingele R, Tonner P, Trieschmann U, Tryba M, Wappler F, Waydhas C, Weiss B, Weisshaar
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3264 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
G. Evidence and consensus based guideline for the management of delirium, analgesia, and sedation
in intensive care medicine. Revision 2015 (DAS-guideline 2015) short version. Ger. Med. Sci. 13:
1–42, 2015.
Borges SL, Pinheiro BV, Pace FHL, Chebli JMF. Diarreia nosocomial em unidade de terapia
intensiva: incidência e fatores de risco. Arq. Gastroenterol. 45(2): 117-123, 2008.
Brasil. Conselho Federal de Farmácia. Resolução No 585, de 29 de agosto de 2013. Regulamenta as
atribuições clínicas do farmacêutico e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 set. 2013. Seção 1, p. 186.
Caparas JV & HU JP. Safe administration of vancomycin through a novel midline catheter: a
randomized, prospective clinical trial. J. Vasc. Access. 15(4): 251–256, 2014.
Case LL & Paparella S. Safety benefits of a clinical pharmacist in the emergency
department. Emerg. Nurse. 33(6): 564-566, 2007.
Comitê de Consenso. Tercer consenso de granada sobre problemas relacionados con medicamentos
(PRM) y resultados negativos asociados a la medicación (RNM). Ars. Pharm. 48(1): 5-17, 2007.
Ekincioğlu AB & Demirkan K. Clinical nutrition and drug interactions. Ulus. Cer. Derg. 29(4):
177-186, 2014.
Fideles GMA, Alcântara-Neto JM, Peixoto Júnior AA, Souza-Neto PJ, Tonete TL, Silva JEG, Neri
EDR. Pharmacist recommendations in an intensive care unit: Three-year clinical activities. Rev.
Bras. Ter. Intens. 27(2): 149–154, 2015.
Haga CS, Mancio CM, Pioner MDC, Alves FADL, Lira AR, Silva JSD, Ferracini FT, Borges Filho
WM, Guerra JCC, Laselva CR. Implementation of vertical clinical pharmacist service on venous
thromboembolism prophylaxis in hospitalized medical patients. Einstein (São Paulo). 12(1): 27–30,
2014.
Hasan SS, Lim KN, Anwar M, Sathvik BS, Ahmadi K, Yuan AW, Kamarunnesa MA. Impact of
pharmacists’ intervention on identification and management of drug-drug interactions in an
intensive care setting. Singap. Med. J. 53(8): 526-531, 2012.
Kane-Gill SL, Achanta A, Kellum JA, Handler SM. Clinical decision support for drug related
events: Moving towards better prevention. World J. Crit. Care Med. 5(4): 204, 2016.
Khalili H, Dashti-Khavidaki S, Talasaz AHH, Tabeefar H, Hendoiee N. Descriptive analysis of a
clinical pharmacy intervention to improve the appropriate use of stress ulcer prophylaxis in a
hospital infectious disease ward. J. Manag. Care Pharm. 16(2): 114-121, 2010.
Lee SS, Schwemm AK, Reist J, Cantrell M, Andreski M, Doucette WR, Chrischilles EA, Farris
KB. Pharmacists’ and pharmacy students’ ability to identify drug-related problems using TIMER
(Tool to Improve Medications in the Elderly via Review). Am. J. Pharma. Educ. 73(3): 1–10, 2009.
Lewis K, Alqahtani Z, Mcintyre L, Almenawer S, Alshamsi F, Rhodes A, Evans L, Angus
DC, Alhazzani W. The efficacy and safety of prokinetic agents in critically ill patients receiving
enteral nutrition: a systematic review and meta-analysis of randomized trials. Crit. Care. 20(1): 259,
2016.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3265 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
Lima GD & Negrini NMMN. Assistência farmacêutica na administração de medicamentos via
sonda: escolha da forma farmacêutica adequada. Einstein (São Paulo). 7(1): 9-17, 2009.
Mabasa VH, Malyuk DL, Weatherby EM, Chan A. A standardized, structured approach to
identifying drug-related problems in the intensive care unit: FASTHUG-MAIDENS. Can J. Hosp.
Pharm. 64(5): 366-369, 2011.
Marsilio NR, Silva DD, Bueno D. Drug incompatibilities in the adult intensive care unit of a
university hospital. Rev. Bras. Ter. Intens. 28(2): 147-153, 2016.
Miranda AF. Oral Health and Care at Intensive Care Units. J. Nurs. Care. 5(6): 1-6, 2016.
Nóbrega RC, Batista LM, Ribeiro NKR. Perfil de utilização de anti-infecciosos e interações
medicamentosas potenciais em unidade de terapia intensiva. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv.
Saúde. 3(3): 28-32, 2012.
Oliveira SKP, Guedes MV, Lima FE. Balanço hídrico na prática clínica de enfermagem em
Unidade Coronariana. Rev. Rene (online). 11(2): 112–120, 2010.
Ong KY, Kwan YH, Tay HC, Tan DSY, Chang JY. Prevalence of dysglycaemic events among
inpatients with diabetes mellitus: a singaporean perspective. Singap. Med. J. 56(7): 393-400, 2015.
Papadimos TJ, Hensley SJ, Duggan JM, Khuder SA, Borst MJ, Fath JJ, Oakes LR, Buchman
D. Implementation of the “FASTHUG” concept decreases the incidence of ventilator-associated
pneumonia in a surgical intensive care unit. Patient Saf. Surg. 2(1): 3, 2008.
Ponce D, Zorzenon CDPF, Santos NYD, Teixeira UA, Balbi AL. Injúria renal aguda em unidade de
terapia intensiva: estudo prospectivo sobre a incidência, fatores de risco e mortalidade. Rev. Bras.
Ter. Intens. 23(3): 321-326, 2011.
Preslaski CR, Lat I, MacLaren R, Poston J. Pharmacist contributions as members of the
multidisciplinary ICU team. Chest. 144(5): 1687-1695, 2013.
Rathish D, Bahini S, Sivakumar T, Thiranagama T, Abarajithan T, Wijerathne B, Jayasumana C
Siribaddana S. Drug utilization, prescription errors and potential drug-drug interactions: an
experience in rural Sri Lanka. BMC Pharmacol. Toxicol. 17(1): 27, 2016.
Robbins J. Hospital Checklists. Crit. Care Nurs. Q. 34(2): 142-149, 2011.
Romero CM, Salazar N, Rojas L, Escobar L, Griñén H, Berasaín MA, Tobar E, Jirón M. Effects of
the implementation of a preventive interventions program on the reduction of medication errors in
critically ill adult patients. J. Crit. Care. 28(4): 451-460, 2013.
Saritas TB, Bozkurt B, Simsek B, Cakmak Z, Ozdemir M, Yosunkaya A. Ocular surface disorders
in intensive care unit patients. Sci. World J. 2013: 5, 2013.
Scanlon MC & Karsh BT. Value of human factors to medication and patient safety in the intensive
care unit. Crit. Care Med. 38(6 0): S90-6, 2010.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3266 Mascarenhas, C. M.; Piazza, T.; Calil-Elias, S. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3263 – 3279, 2019
Solà-Bonada N, Carcelero-San Martín E, Miana-Mena MT, López-Suné E, Diego-Del Río E,
Ribas-Sala J. Intervención farmacéutica en pacientes quirúrgicos con alteraciones electrolíticas.
Farm. Hosp. 36(2): 84–91, 2012.
Talasaz AH. The potential role of clinical pharmacy services in patients with cardiovascular
diseases. J. Tehran Heart Cent. 7(2): 41-46, 2012.
Vega EM, Fontana D, Iturrieta M, Segovia L,Rodríguez G, Agüero S. Consumo de antimicrobianos
en la Unidad de Terapia Intensiva del Hospital Dr. Guillermo Rawson-San Juan, Argentina. Rev.
Chil. Iinfectol. 32(3): 259-65, 2015.
Vincent JL. Give your patient a fast hug (at least) once a day. Crit. Care Med. 33(6): 1225-1229,
2005.
Wang CY, Huang CT, Chen CH, Chen MF, Ching SL, Huang YC. Optimal energy delivery, rather
than the implementation of a feeding protocol, may benefit clinical outcomes in critically ill
patients. Nutrients. 9(5): 527, 2017.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
Estudo antimicrobiano e toxicológico do extrato bruto seco etanólico do caule e
folhas da Cnidoscolus quercifolius Pohl (Favela)
Alane Alexandra da Silva Oliveira*¹, Irthylla Nayalle da Silva Muniz¹, Jamicelly Rayanna Gomes
da Silva¹ Risonildo Pereira Cordeiro¹ & Arquimedes Fernandes Monteiro de Melo¹
¹Centro Universitário Tabosa de Almeida, Laboratório de Produção de Medicamentos e Correlatos, CEP 55016-901,
Av. Portugal 584, Caruaru, Pernambuco, Brasil. Tel. +55-81-21032000.
*Autor para correspondência: [email protected]
Rua Paranaíba, 31 A, Maurício de Nassau.
Caruaru-PE CEP: 55014-220
(81) 99155-1850
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3268 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
RESUMO
O trabalho avaliou a atividade antimicrobiana e toxicológica dos Extratos Brutos Secos (EBS) dos
caules e folhas da Cnidoscolus quercifolius. Para determinação da atividade antimicrobiana utilizou-
se a Concentração Inibitória Mínima (CIM), Concentração Inibitória Mínima de Aderência (CIMA)
e Potencial Inibitório (PI) de acordo com metodologia descrita no livro de Diagnóstico laboratorial
de Koneman (2008). Para a atividade toxicológica foram utilizadas a técnica de Dacie e Lewis (1975)
na Fragilidade Osmótica Eritrocitária (FOE) e metodologia de Meyer et al., (1982) para a Artemia
salina (CL50). Os resultados de PI para o caule foram de 12mm nas diluições de 25mg/mL para
Escherichia coli, 19mm em 25mg/mL para Candida albicans, 13mm para Pseudomonas aeruginosa
em 50mg/mL, além de outros. Na FOE, o caule ocasionou hemólise de 14,31% e as folhas de 17,04%
na concentração de 1000µg/mL. Em relação a CL50, o caule apresentou valores 7.302 e as folhas
1.462. Conclui-se que a espécie possui uma melhor atividade antimicrobiana no caule, sendo este e
as folhas praticamente atóxicos nos ensaios realizados.
Palavras-chave: Fitoterapia, Microbiologia, Toxicologia, Plantas Medicinais, Cnidoscolus
quercifolius
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3269 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
ABSTRACT
This study evaluated the antimicrobial and toxicological activity of the Dry Crude Extracts (DCE) of
the stems and leaves of Cnidoscolus quercifolius. In determination of antimicrobial activity, were
executed the Minimum Inhibitory Concentration (MIC), Minimum Inhibitory Concentration of
Adherence (MICA) and Inhibitory Potential (IP) tests following the methodology described in
Koneman's Laboratorial Diagnostic book (2008). In toxicological activity were used the techniques
of Dacie and Lewis (1975) in Erythrocyte Osmotic Fragility (EOF) tests and the methodology of
Meyer et al., (1982) for Artemia salina (LC50) assay. The IP results of the stem exhibited 12mm in
dilutions of 25mg / mL against Escherichia coli, 19mm in 25mg / mL against Candida albicans, 13mm
against Pseudomonas aeruginosa in 50mg / mL, and other more. In the EOF test, the stem showed
hemolysis of 14.31% and the leaves exhibited 17.04% in the concentration of 1000μg / mL.
Concerning LC50, the stem presented values of 7.302 and leaves 1.462. In conclusion, this species
has a superior antimicrobial activity in the stem, and both extracts being practically non-toxic in the
tests performed.
Keywords: Phytotherapy, Microbiology, Toxicology, Medicinal Plants, Cnidoscolus quercifolius
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3270 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
INTRODUÇÃO:
O uso da fitoterapia busca a prevenção, cura ou diminuição dos sintomas das doenças, com
vantagem no custo em relação aos insumos elaborados sinteticamente. O desenvolvimento dos
fitoterápicos é realizado em várias etapas, sendo este um processo inter e multidisciplinar, além de
interinstitucional. Este ramo representa uma oportunidade de desenvolvimento para o setor
farmacêutico no Brasil, não só pela rica biodiversidade, mas pelo conhecimento tradicional e
científico que possuímos no país (Hasenclever et al., 2017; Eno, Luna & Lima, 2016).
O emprego de plantas medicinais em um tratamento é uma maneira eficaz de atendimento
primário a saúde. Mais de 25% dos produtos farmacêuticos consumidos são obtidos de plantas
medicinais, as substâncias extraídas destas plantas são utilizadas de maneira direta ou indireta,
progressivamente, nas indústrias farmacêutica, cosmética e alimentar, podendo ser utilizadas na
formulação de óleos essenciais, medicamentos, produtos naturais, entre outros. (Rebocho, 2015;
Bruning, Mosegui & Vianna, 2012).
Empresas possuem boas expectativas para o desenvolvimento na área fitoterápica a partir da
biodiversidade brasileira, dentre os biomas, citamos o da Caatinga que possui uma grande fonte de
compostos com ampla atividade biológica, sua utilização, principalmente no tratamento de infecções,
contribui para a descoberta de novos agentes terapêuticos que possam ser utilizados no tratamento de
doenças causadas por microrganismos multirresistentes. Entretanto, muitas são as espécies vegetais
que ainda carecem de estudos para um aprofundamento da descoberta de suas atividades e seus
componentes, como no caso da favela (Hasenclever et al., 2017; Eller et al., 2015).
A Cnidoscolus quercifolius, conhecida vulgarmente como Favela, é apontada como uma
planta xerófita que possui propriedades para pastoreio devido à palatividade apresentada por suas
folhas quando secas, sementes e brotos. Toda a planta contém látex abundante de cor branca,
conhecido na região como “Bálsamo dos vaqueiros”, usado contra dermatoses, verrugas, dores de
dente. Há relatos da utilização desta espécie na medicina popular como cicatrizante, analgésico,
antiinflamatório, antibiótico e diurético (Morais et al., 2016; Medeiros, 2013; Pereira, 2005).
A Favela, ou faveleira, é encontrada na região Nordeste, onde um estudo realizado no
semiárido paraibano revelou seu emprego fitoterápico como sendo a principal forma de uso popular,
utilizando-se a casca e entrecasca do caule. O cataplasma da entrecasca foi citado como sendo
utilizado na cicatrização de feridas e o látex como coagulante. Partes aéreas e raízes também foram
apontadas como possuindo fins terapêuticos. No entanto, estudos que comprovem suas propriedades
e que testem sua citotoxicidade são escassos (Almeida, 2014).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3271 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
De acordo com tais propriedades relatadas e com a escassez de estudos, objetivou-se
caracterizar a atividade toxicológica e antimicrobiana da C. quercifolius a partir da elaboração do
extrato bruto seco alcoólico de suas folhas e caules.
MATERIAL E MÉTODO:
Amostra vegetal:
Os caules e folhas da C. quercifolius, planta da família Euphorbiaceae, conhecida como favela
ou faveleira na região Nordeste do Brasil, foram coletados na cidade de em Patos – Pb, latitude: 07º
01’ 28’’ S Longitude: 37º 16’ 48’’ W, no dia 17 de março de 2017 e identificados no herbário Dárdano
de Andrade Lima (IPA) pela Dr. Rita de Cássia Araújo Pereira, possuindo o número 91480 de
exsicata.
Obtenção do extrato:
A C. quercifolius foi pesada fresca, lavada com água corrente de torneira e seca com papel
toalha por um período de 24h a sombra. Após este procedimento, foi posta à estufa botânica durante
6 dias a 40ºC para secagem. As folhas e os caules foram triturados em moinho industrial e
encaminhados à maceração com solução alcoólica 95% v/v durante 7 dias.
A solução extraída da maceração foi filtrada e o solvente retirado em evaporador rotativo à
temperatura de 60ºC com rotação de 40 rpm. A solução resultante foi colocada em uma estufa de ar
circulante a 50ºC e armazenada em um dessecador a vácuo, obtendo-se assim, os Extratos Brutos
Secos (EBS) das folhas e caules da C. quercifolius.
Fragilidade Osmótica Eritrocitária (FOE):
O teste toxicológico de Fragilidade Osmótica Eritrocitária (FOE) seguiu a metodologia
validada no livro de Hematologia Prática de Dacie e Lewis, 1975, utilizando 50mg do EBS das folhas
e caules da C. quercifolius diluídos em soro fisiológico a 0,9% com o volume de 5mL, retirando-se
alíquotas de 500, 375, 250, 125, 50 e 25 µL. Estas, foram transferidas para tubos com 5mL de soro
fisiológico contendo 25 µL de sangue de carneiro, obtendo-se concentrações de 1000, 500, 250 100
e 50 µg/mL.
Consecutivamente, as amostras foram submetidas à centrifugação de 3300rpm durante 15min
a 22ºC onde a absorbância do sobrenadante foi caracterizada em espectrofotômetro (marca Bioplus,
modelo BIO-2000 IL) com comprimento de onda ajustado para 545 nm. A obtenção do percentual da
fragilidade osmótica se baseou no valor da absorbância da hemoglobina do sobrenadante multiplicado
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3272 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
pelo percentual total e dividido pelo valor de absorbância médio da hemólise completa dos eritrócitos,
como padronizado pela metodologia supracitada.
Artemia salina Leach:
A determinação da Concentração letal média (CL50)seguiu a metodologia desenvolvida por
Meyer et al., 1982, onde os ovos liofilizados de Artemia salina Leach foram incubados em solução
marinha em um recipiente de plástico, mantido em iluminação artificial (lâmpada de 40W) e
temperatura de 22ºC, por um período de 48h. Obtendo-se, assim, o estágio de metanáuplio, modelo
padrão para testes de toxicidade.
Foram utilizados 50mg do EBS de C. quercifolius com 8 gotas de Tween 80% (pertencente a
marca Dinâmica). As soluções foram homogeneizadas com 5mL de água salina a pH 8 e retiraram-
se alíquotas de 500, 375, 250, 50 e 25µL transferidas para tubos com 5mL de solução salina e 12
metanáuplios, obtendo-se concentrações de 1000, 750, 500, 250, 100 e 50 µg/mL/tubo em triplicata
e submetidas a iluminação artificial por 24h. Após isto, foi realizada a contagem de larvas, onde os
dados foram inseridos no programa Microcal Origin 4.1. Os dados foram transformados por logit e o
valor final foi derivado de regressão linear, o programa nos forneceu os valores de inclinação
representado por ‘’b’’ e interseção em y (a) e então a CL50 foi calculada a partir da seguinte equação:
Y = A + B * X.
Microorganismos:
As bactérias utilizadas foram Escherichia coli ATCC: 25922, Staphylococcus aureus ATCC:
25923, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa, Bacillus cereus, Salmonella poona,
Streptococcus agalactiae, Staphylococcus epidermidis, Lactobacillus acidophilus (cepas selvagens
pertencentes ao laboratório de microbiologia da ASCES-UNITA) e o fungo Candida albicans ATCC:
10231
Atividade microbiana:
A Concentração Inibitória Mínima (CIM), dos extratos de C. quercifolius foi determinada pela
técnica de poços validada no livro de Diagnóstico microbiológico de Koneman (2008), esta consiste
na difusão radial da substância, em um meio de cultura sólido e inoculado com o microrganismo,
onde surgirá o halo de inibição, região na qual não ocorre crescimento do microrganismo. Tal técnica
foi escolhida devido a presença de partículas em suspensão na amostra testada e esta apresentar uma
menor probabilidade de ocorrer interferência com a difusão da substância antimicrobiana no ágar que
no disco de papel de filtro (Silveira, et al., 2009).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3273 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
A difusão em poços é a melhor para avaliar a difusão de substâncias em extratos etanólicos
de espécies vegetais, como demonstrado no estudo de Silveira et al (2009) onde ao comparar os
resultados com a técnica ágar difusão no disco, a de poços mostrou-se mais sensível na análise de
extratos vegetais etanólicos, mas ambas úteis, além de serem mais simples e necessitarem de pouco
recurso para a serem executadas. O CIM tem seu resultado ligado a um crescimento bacteriano
visível, se não há formação de halo ao redor do poço caracteriza falta de ação frenteao microrganismo
(não sensível), se tiver a formação do halo é caracterizado como um microrganismo sensível ao
extrato. (Tortora, 2012)
Em nosso estudo os microrganismos foram inoculados em solução salina e realizado um
semeio do tipo esgotamento nas placas com Ágar Mueller-Hinton (pertencente a marca KASVI, para
bactérias) e Ágar Sabouraud (pertencente a marca KASVI, para fungos). Em cada placa foram
inseridos 4 poços de 6mm de diâmetro e adicionados 50μL de EBS a partir de diluições possuindo
50mg/mL, 25mg/mL,12,5mg/mL e 6,25mg/mL, obtidas a partir de diluições com relação a amostra
inicial (500mg de EBS em 5mL de soro fisiológico) onde o teste foi realizado em duplicata. As placas
foram incubadas a 37ºC por 24h (estufa microprocessada de cultura bacteriológica Q316M) e os halos
de inibição foram mensurados em mm com um paquímetro (série 125), sendo caracterizada como
CIM a menor concentração de material necessária para inibir o crescimento microbiano e também
considerado um teste qualitativo, para analisar estatisticamente o Potencial Inibitório (PI) dos
microorganismos.
O Potencial Inibitório (PI) foi realizado pela técnica de difusão em poços em duplicata
preenchidos com 50μL com concentrações de 50mg/mL, 25mg/mL, 12,5mg/mL e 6,25mg/mL em
relação à amostra inicial (500mg diluídos em 5mL de soro fisiológico) do EBS de C. quercifolius no
meio Ágar Mueller-Hinton com o microrganismo inoculado em solução salina e semeado por
esgotamento. Utilizou-se amoxicilina como antibiótico para controle positivo, que deu resultados em
média de halos de 16 mm (genérico pertencente ao laboratório multilab) e não foi-se utilizado controle
negativo, após este procedimento, os microrganismos foram encaminhados à estufa a 37ºC por 24h e
os halos de inibição foram mensurados em mm.
A Concentração Inibitória Mínima de Aderência (CIMA) da C. quercifolius foi determinada
na presença de 5% de sacarose (P.A., Marca Synth) com inoculação de 1 µLde microrganismos em
solução salina para um tubo estéril com 4,5mL de caldo Mueler-Hinton (pertencente a marca KASVI)
e 0,5mL de EBS em concentrações de 50mg/mL, 25mg/mL, 12,5mg/mL e 6,25mg/mL a partir de
diluições da da amostra inicial (500mg de EBS diluídos em 5mL de soro fisiológico), sendo o teste
realizado em duplicata. Os tubos foram inclinados em 30º na estufa a 37ºC por 24h e a análise ocorreu
com adição de fucsina (pertencente a marca Newprov), conforme técnica presente no livro de
Diagnóstico Microbiológico de Koneman, 2008.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3274 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
RESULTADOS:
O teste toxicológico da FOE foi realizado de acordo com a metodologia Dacie e Lewis (1975)
utilizando, alíquotas de 500, 375, 250, 125, 50 e 25 µL e na sequência obtendo-se concentrações de
1000, 500, 250 100 e 50 µg/mL, os resultados de absorbâncias e percentual de hemólise foram
esquematizados nas tabelas abaixo:
Tabela 1: Resultados da Fragilidade Osmótica das folhas da Cnidoscolus quercifolius
Concentração Ab1 Ab2 AbM PH%
1000 µg/mL 0,226 0,223 0,225 17,04
750 µg/mL 0,187 0,186 0,186 14,09
500 µg/mL 0,126 0,128 0,127 9,62
250 µg/mL 0,066 0,054 0,060 4,54
100 µg/mL 0,042 0,045 0,043 3,33
50 µg/mL 0,025 0,019 0,022 1,66
Ab1: Absorbância 1; Ab2: Absorbância 2; AbM: Absorbância Média;
PH%: Percentual de Hemólise
Tabela 2: Resultados da Fragilidade Osmótica do caule da Cnidoscolus quercifolius
Concentração Ab1 Ab2 AbM PH%
1000 µg/mL 0,220 0,158 0,189 14,31
750 µg/mL 0,147 0,129 0,138 10,45
500 µg/mL 0,120 0,088 0,104 7,87
250 µg/mL 0,071 0,049 0,060 4,54
100 µg/mL 0,048 0,064 0,056 4,24
50 µg/mL 0,057 0,047 0,052 3,93
Ab1: Absorbância 1; Ab2: Absorbância 2; AbM: Absorbância Média;
PH%: Percentual de Hemólise
Para a determinação da CL50 seguiu-se a metodologia de Meyer et al., 1982, utilizando os ovos
de Artemia salina Leach. Foram usadas alíquotas de 500, 375, 250, 50 e 25µL e resultando nas
concentrações de 1000, 750, 500, 250, 100 e 50 µg/mL/tubo em triplicata. Após a contagem de larvas
os dados foram inseridos no programa Microcal Origin 4.1.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3275 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
A concentração letal média com Artemia salina das folhas de Cnidoscolus quercifolius
apresentou CL50= 1.462,728 conforme cálculo e gráfico a seguir:
Y = A + B * X
onde:
A= 98,40619
B= -0,03309
50= 98,40619 + (-0,03309). X
50-98,40619= - 0,03309x
-48,40196 = -0,03309X
48,40196= 0,03309X
X= 48,40196/0,03309
X= 1.462,728 μg/mL
Imagem 1: Gráfico do Percentual de vivos em função da concentração μg/mL das folhas de
Cnidoscolus quercifolius.
Linha transversal vermelha expressando o desvio padrão.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3276 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
A concentração letal média com Artemia salina do caule de Cnidoscolus quercifolius
apresentou CL50= 7.302,32086 conforme cálculo e gráfico a seguir:
Y = A + B * X
onde:
A= 100,75113
B= -0,00695
50= 100,75113 + (-0,00695). X
50-100,75113= - 0,00695
-50,75113 = -0,00695. X
50,75113= 0,00695X
X= 50,75113/0,00695
X= 7.302,32086 μg/mL
Imagem 2: Gráfico do Percentual de vivos em função da concentração μg/mL do caule de
Cnidoscolus quercifolius.
Linha transversal vermelha expressando o desvio padrão.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3277 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
Tabela 3: Resultados do Potencial Inibitório das folhas e caule da Cnidoscolus quercifolius
mensurados em milímetros
Microrganismos
Concentrações do EBS
50mg/mL 25mg/mL 12,5mg/mL 6,25mg/mL
F C F C F C F C
Escherichia coli 0 12 0 12 0 0 0 0
Candida albicans 0 12 0 19 0 0 0 0
Staphylococcus aureus 0 15 0 0 0 0 0 0
Klebsiella pneumoniae 0 12 0 12 0 0 0 0
Pseudomonas aeruginosa 0 13 0 0 0 0 0 0
F: Folha; C: Caule; EBS: Extrato Bruto Seco
Ainda em relação ao PI, o caule apresentou ação contra S. epidermidis nas concentrações de
50mg/mL (13mm) e 25mg/mL (12mm), apresentou ação contra L. acidophilus nas concentrações de
50mg/mL (15mm) e 25mg/mL (14mm) podendo ser visto resultados próximos ao do controle
positivo. Sobre as folhas, estas foram testadas contra S. poona, S. agalactiae e B. cereus e não
apresentaram ações antimicrobianas nas concentrações testadas.
As folhas da C. quercifolius não apresentaram em nenhuma concentração resultados positivos
quanto a Concentração Inibitória Mínima. O caule da mesma obteve um resultado significativo nas
concentrações de 25mg/mL em comparação com as concentrações de 50mg/mL apresentando ação
para E. coli, C. albicans, K. pneumoniae, S. epidermidis e L. acidophilus.
Quanto aos resultados da Concentração Inibitória Mínima de Aderência das folhas e caule da
C. quercifolius houve a formação de biofilme em todas as concentrações e microorganismos testados.
Os B. cereus, S. poona, S. agalactiae não foram testados no extrato bruto da casca da planta e S.
epidermidis e L. acidophilus não foram testados no extrato das folhas visto que os testes
antimicrobianos foram realizados em dias diferentes e ocorreu a contaminação das bactérias
supracitadas, tornando inviável sua realização.
DISCUSSÃO:
Besra e Kumar (2018) afirmam que é necessário o desenvolvimento de pesquisas mais
detalhadas objetivando a descoberta de novas substâncias antimicrobianas que podem ser utilizadas
no tratamento de infecções causadas por microrganismos resistentes aos antimicrobianos
convencionais. Nesta pesquisa utilizaram-se extratos vegetais devido ao crescente número de
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3278 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
microrganismos resistentes incentivar a busca de novos compostos com atividade antimicrobiana
reconhecida. A atividade de plantas de uso medicinal passa por uma intensa investigação científica,
e é dita como importantes fontes para novos produtos biologicamente ativos (Eller et al., 2015; Silva,
et al., 2009).
Em relação à toxicidade com a Fragilidade Osmótica Eritrocitária, foi possível correlacionar
um percentual levemente tóxico para a espécie vegetal, tendo os valores de 17,04% de hemólise para
o caule e folhas com 14,10% na concentração máxima de 1000 µg/mL onde a literatura aponta que
valores de hemólise a partir de 40% são considerados tóxicos (Alves, 2015). Os eritrócitos são
capazes de sofrer alterações em função do pH do meio, podendo ocorrer modificações em seu
equilíbrio ácido-base. Tais modificações podem causar aumento da morte celular (Carvalho et al.,
2017).
O teste com Artemia salina, é capaz de avaliar preliminarmente se as amostras analisadas
apresentam propriedades biológicas de interesse em função da sua toxicidade associada, podendo ser
submetidas a bioensaios mais específicos posteriormente (Homem, 2015). Sobre a Artemia salina,
encontrou-se que a C. quercifolius é mais atóxica que a maioria das espécies pertencentes à família
Euphorbiaceae, como, por exemplo, as espécies do gênero Phyllanthus, Phyllanthus niruri com CL50
de 770,84, Phyllanthus amarus com CL50 de 1075, 89 e Phyllanthus tenellus com CL50 de 1003,72
(Nascimento, 2008). A C. quercifolius estudada nesta pesquisa apresentou valores de 7302,320 para
a CL50 do caule e folhas com CL50 de 1462,728, apresentando-se praticamente atóxica em ambas as
partes vegetais.
Autores relatam que a atividade antimicrobiana atualmente caracteriza-se como um dos
efeitos mais pesquisados pelos grupos de pesquisa visto que o avanço da resistência microbiana aos
fármacos disponíveis no mercado tem se acentuado constantemente (Gupta, Birdi, 2017). Em
relação ao teste microbiológico, o PI verificou que as folhas de C. quercifolius não possuíram ação
antimicrobiana perante as cepas e concentrações testadas, caracterizando-a como pouco interessante
para uso como antimicrobiano. Contudo, o caule apresentou ação para todos os microrganismos
estudados na concentração de 50mg/mL, além de também demonstrar efetividade na concentração de
25mg/mL para E. coli, C. albicans e K. pneumoniae
Sobre a CIM, o caule apresentou efetividade em 25mg/mL nas cepas de L. acidophilus, E.
coli, C. albicans, S. epidermidis e K. pneumoniae analisadas. Tendo resultado semelhante ao da
Jurubeba (Solanum paniculatum) com halos na concentração de 25% (Lôbo, 2010). As folhas de C.
quercifolius não indicaram Concentração Inibitória Mínima nas concentrações para os
microrganismos testados. Apesar de não ocorrer atividade antimicrobiana com as folhas de favela
neste estudo, pesquisadores como Paredes et al. (2016) relataram que a espécie possui potencial
antioxidante e antimicrobiano. Tais propriedades têm sido constantemente associadas a elevada
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3279 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
concentração de compostos fenólicos na planta, principalmente os definidos como flavonoides
(Torres et al., 2018).
Em relação à CIMA, os testes realizados com caule e folhas não relataram atividade nos
microrganismos e concentrações testadas, sendo esta uma importante correlação do baixo potencial
da espécie em apresentar ação sobre biofilmes bacterianos, não sendo encontradas referências a
respeito desta ação. Apesar da C. quercifolius ser uma espécie de uso tradicional em comunidades do
Nordeste Brasileiro com algumas atividades farmacológicas comprovadas cientificamente, ainda
existem poucos estudos envolvendo a planta (Torres et al., 2018).
CONCLUSÃO:
Após a realização dos testes expostos, conclui-se que a C. quercifolius apresenta uma melhor
efetividade antimicrobiana em seu caule o qual apresentou uma boa ação, do que suas folhas, sendo
ambas as partes vegetais praticamente atóxicas e de interesse científico, com esses resultados pode-
se então dar continuidades em estudos que reforcem e incrementem o conhecimento sobre esta planta
da Caatinga com foco no caule desta planta para a produção de fitoterápicos, ramo este que vem
crescendo no país.
AGRADECIMENTO:
Nossos sinceros agradecimentos a todos os integrantes do Grupo de Pesquisa em Fitoterapia
do Centro Universitário Tabosa de Almeida- Asces/Unita (GPFITO) que nos ajudaram na execução
da pesquisa e das técnicas, aos profissionais técnicos e professores que fizeram possível a realização
do trabalho e aos nossos colegas e familiares que nos ajudaram e apoiaram em todo percurso.
REFERÊNCIAS:
Almeida SGA. Estudo do potencial antimicrobiano e antiproliferativo do extrato da planta
Cnidoscolus quercifolius Pohl (Favela). 2014. Campina Grande. 29 p. Monografia (Graduação em
Odontologia) Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande.
Alves R. Investigação dos efeitos antibacteriano e citotóxico de cumarinas. 2015. João Pessoa. 40 p.
Monografia (Graduação em Farmácia), Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa.
Besra M, Kumar V. In vitro investigation of antimicrobial activities of ethnomedicinal plants against
dental caries pathogens. 3 Biotech. 8(5): 257-263, 2018.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3280 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
Bruning MCR, Mosegui GBG, Vianna CMDMA. Utilização da fitoterapia e de plantas medicinais
em unidades básicas de saúde nos municípios de Cascavel e Foz do Iguaçu-Paraná: a visão dos
profissionais de saúde. Ci. Saúde Col. 17(1): 2675-2685, 2012.
Carvalho LAL, Cruz NDRN, Bueno PJ, Santana AE. AVALIAÇÃO ERITROCITÁRIA ATRAVÉS
DA BIOTECNOLOGIA DE CITOMETRIA DE FLUXO. Invest. 16(8): 1-6, 2017.
Dacie JV & Lewis SM. Practical Hematology. 5. ed. Churchill Livingstone, Edimburgo: Elsevier,
1975. p.39-41
Eller SCWS, Feitosa VA, Arruda TA, Antunes RMP, Catão RMR. Avaliação antimicrobiana de
extratos vegetais e possível interação farmacológica in vitro. Rev. Ci. Farm. Básica. Apl. 36(1): 131-
136, 2015
Eno ÉG, Luna RR, Lima RA. Horta na escola: incentivo ao cultivo e a interação com o meio ambiente.
REGET. 20(1): 248-253, 2016.
Gupta PD, Birdi TJ. Development of botanicals to combat antibiotic resistance. Journ. Ayurveda and
Int. Med. 8(4): 266-275, 2017.
Hasenclever L, Paranhos J, Costa CR., Cunha G, Vieira, D. A indústria de fitoterápicos brasileira:
desafios e oportunidades. Ci. Saúde Col., 22(8): 2559-2569, 2017.
Homem ICM. Estudos fitoquímicos, ensaios de toxidade, atividade larvicida, antimicrobiana e
antioxidante das folhas e caules de Mollinedia clavigera Tull. (Monimiaceae). 2015. Curitiba. 109p.
Dissertação. (Mestrado em Ciências Farmacêuticas), Universidade Federal do Paraná. Curitiba.
Koneman EW & Allen S. Koneman. Diagnostico microbiologico/microbiological diagnosis: texto y
atlas. 6. ed. Buenos Aires: Ed. Médica Panamericana, 2008. 1696p.
Lôbo KMS, Athayde ACR, Silva AMA, Rodrigues FFG, Lôbo IS, Bezerra DAC, Costa
JGM. Avaliação da atividade antibacteriana e prospecção fitoquímica de Solanum paniculatum Lam.
e Operculina hamiltonii (G. Don) DF Austin & Staples, do semi-árido paraibano. Rev. Bras. de Pl.
Med. 2(2): 227-235, 2010.
Medeiros JA. Introdução da favela (cnidoscolus phyllacanthus) em meio à caatinga no Núcleo de
Desertificação Seridó, na seca de 2012. OKARA: Geografia em debate. 7(2): 241-254, 2013.
Meyer BN, Ferrigni NR, Putnam JE, Jacobsen LB, Nichols DE, McLaughlin JL. Brine shrimp: a
convenient general bioassay for active plant constituents. Pl. Med. 45(5): 31-34, 1982.
Morais NRL, Oliveira Neto FB, Melo AR, Bertini LM, Silva FFM, Alves LA. Prospecção fitoquímica
e avaliação do potencial antioxidante de Cnidoscolus phyllacanthus (müll. Arg.) Pax & k. hoffm.
Oriundo de apodi–RN. Rev. Bras. Pl. Med. 18(1): 180-185, 2016.
Nascimento JE. Estudo comparativo de três espécies de Phyllanthus (Phyllanthaceae) conhecidas
por quebra-pedra (Phyllanthus niruri L., Phyllanthus amarus Schum & Thonn. e Phyllanthus tenellus
Roxb.). 2008. Recife. 105p. Tese (Doutorado em Ciências Farmacêuticas), Universidade Federal de
Pernambuco. Recife.
Paredes PFM, Vasconcelos FR, Paim RTT, Marques MMM, de Morais SM, Lira SM, Guedes MIF.
Screening of bioactivities and toxicity of Cnidoscolus quercifolius Pohl. Evid. Comp. and Alt. Med.
2016(1): 1-10, 2016.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3281 Oliveira, A. A. S. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3280 – 3294, 2019
Pereira DD. Plantas, prosa e poesia do Semi-Árido. Campina Grande, PB: EDUFCG, UFCG, 2005.
p. 217.
Rebocho AMCZD. Produção de plantas medicinais para a indústria farmacêutica. 2015. Almada.
96p. Dissertação. (Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas), Instituto Universitário Egas
Moniz. Almada.
Silva MF. Uma análise do bioma caatinga no município de Gado Bravo - PB através do Índice
Vegetação por Diferença Normalizada. 2016. 52p. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em
Ciência e Tecnologia Ambiental), Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande.
Silveira LMS, Olea RSG, Mesquita JS, Cruz ADLN, Mendes JC. Metodologias de atividade
antimicrobiana aplicadas a extratos de plantas: comparação entre duas técnicas de ágar difusão. Rev.
Bras. Farm. 90 (2):124-128, 2009.
Torres DDS, Pereira EC, Sampaio PA, de Souza NA, Ferraz CA, Oliveira APD, Rolim LA.
INFLUENCE OF EXTRACTION PROCESS ON FLAVONOID CONTENT FROM Cnidoscolus
quercifolius POHL (EUPHORBIACEAE) AND ANTIOXIDANT ACTIVITY. Quim. Nova. 41(7):
743-747, 2018.
Tortora GJ, Funke BR, Case CL. Microbiologia.10. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2012.
Vanden Berghe DA, Vlietinck AJ. Screening methods for antibacterial and antiviral agents from
higher plants. Met. in Plant Biochem. 1(1): 47-69, 1991.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
O uso racional da fitoterapia: desmistificando o senso comum
The rational use of phytotherapy: demystifying common sense
Daniel Alexandre Lima Cavalcante¹ & Laura Trindade Fernandes²
1- Universidade Internacional (UNINTER) – Curitiba-PR
2- Unidade de Ensino Superior Vale do Iguaçu (UNIGUAÇU) – União da Vitória-PR
*Autor correspondente: Daniel Alexandre Lima Cavalcante – Centro Universitário Internacional (UNINTER). Rua Ozires
Neves, nº 119, CEP 89400-000 – Porto União (SC). Email [email protected]. Tel.: (42) 99820-5964.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3283 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
RESUMO
Algumas plantas são capazes de gerar uma vasta variedade de metabólitos químicos, que possuem
propriedades biológicas de importância terapêutica para uma gama significativa da população.
Lamentavelmente a cultura popular e os conhecimentos obtidos acerca dos efeitos medicinais dos
fitoterápicos disseminaram uma falsa concepção de que tais substâncias podem ser utilizadas a
revelia. Observa-se um aumento significativo no número ocorrências envolvendo fitoterápicos nos
últimos anos. No Brasil, segundo o SINITOX, foram registrados 11.227 casos de intoxicação por
plantas no período de 2008 a 2016, inclusive com 19 óbitos, representado 1,23% de todos os casos
de intoxicação humana nesse interstício. A referida pesquisa realizou uma análise bibliográfica,
albergando trabalhos realizados entre os anos de 2008 a 2018, atinentes ao uso racional de
fitoterápicos e possíveis reações adversas. No presente estudo foram analisadas 30 pesquisas, dentre
as quais 20% abordam em seu escopo a utilização racional dos fitoterápicos, e 40% discorrem sobre
possíveis interações ou reações adversas, demais artigos aludem dados epidemiológicos e/ou
históricos. A base desse estudo foi demonstrar os aspectos farmacoterapêuticos dos fitoterápicos,
assim como consequências do uso imprudente, visando o estabelecimento de uma utilização racional,
em busca da saúde e o bem-estar coletivo.
Palavras-chave: Fitoterápicos, Reações Adversas, Uso Racional.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3284 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
ABSTRACT
Some plants are capable of generating a wide variety of chemical metabolites, which have biological properties of
therapeutic importance for a significant range of the population. Unfortunately, popular culture and knowledge about the
medicinal effects of herbal medicines have spread a false conception that such substances can be used in default. There
is a significant increase in the number of occurrences involving herbal medicines in recent years. In Brazil, according to
SINITOX, there were 11,227 cases of poisoning by plants in the period from 2008 to 2016, including 19 deaths,
representing 1.23% of all cases of human intoxication in this interstice. This research carried out a bibliographic analysis,
hosting works carried out between the years 2008 and 2018, regarding the rational use of phytotherapics and possible
adverse reactions. In the present study, 30 researches were analyzed, among which 20% approached in their scope the
rational use of phytotherapics and 40% discuss possible interactions or adverse reactions, other articles refer to
epidemiological and / or historical data. The basis of this study was to demonstrate the pharmacotherapeutic aspects of
herbal medicines, as well as consequences of reckless use, aiming at the establishment of a rational use, in search of health
and collective well-being.
Keywords: Phytotherapics, Adverse Reactions, Rational Use.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3285 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
1. INTRODUÇÃO
A história da humanidade está intrinsecamente correlacionada com o meio ambiente,
especialmente os vegetais, utilizados com fins alimentícios, terapêuticos, confecção de moradias e
até mesmo utensílios e vestuários. Desde tempos imemoriais, o ser humano utiliza-se de plantas com
propriedades medicinais visando recursos terapêuticos a fim de auxiliar em sua sobrevivência. Dados
históricos a cerca da aplicação de plantas como remédios, datam da era paleolítica. Manuscritos mais
sistematizados foram encontrados no Egito, na China e na Índia por pesquisadores ocidentais, que
concluíram se tratar de achados arqueológicos produzidos centenas de anos antes da sociedade cristã.
(Rocha et al,. 2015; Almeida, 2011; Aboelsoud, 2010)
Diversas civilizações ao longo da história produziram seu próprio cabedal de conhecimentos
médicos com variados repertórios terapêuticos que possuíam plantas como matéria prima essencial.
Foram formulados alguns sistemas médicos constituídos por ideias de saúde e doença, anatomia e
fisiologia humana, possíveis influências do mundo espiritual sobre a saúde humana, entre outros. Da
cultura hindu, remonta o achado mais antigo que se tem conhecimento, advém de 3000 a. C., quando
hinos Vedas eram cantados em enaltecimento as plantas. Na china, a cerca de 2500 a. C., Shen Nong,
também conhecido como imperador amarelo, estruturou as bases da famigerada medicina chinesa,
onde se tem registro de mais de 360 drogas a base de plantas medicinais, dentre elas a efedra (Ephedra
sínica) e o chá (Thea sinesis). (Aziz, Aeron & Kahil, 2016; Rocha et al,. 2015; Almeida, 2011).)
Na civilização grega as práticas medicinais também manipulavam plantas, por métodos
conhecidos como mágico-terapéuticos, como os descritos na obra literária de Homero. O termo
usualmente utilizado por Homero para descrever medicamentos era Pharmakon, que, quando advinha
do reino vegetal era descrito como Pharmaka. Há indícios ainda que as práticas medicinas helênicas
possam ter sido influenciadas pela cultura egípcia, tendo em vista, achados de algumas receitas com
características semelhantes, utilizadas em ambas as civilizações (Petrovska, 2012; Almeida, 2011).
O século XVIII marca o surgimento da química medicinal, trazendo diversas alterações na
forma como a medicina era praticada. Na Inglaterra Edmund Stone, reverendo da Igreja Anglicana,
descobriu a eficácia da casca do salgueiro a qual possuía propriedades antipiréticas, que após isolada
e analisada, deu origem a salicina. Esse mesmo composto isolado na espécie Spiraea ulmaria L., foi
transformada no ácido salicílico, anunciado como poderoso analgésico. Entretanto tal substância
gerava graves efeitos colaterais no trato gastrointestinal, como vômitos, diarreias, irritações e úlceras.
Posteriormente, essa substância foi acetilada, obtendo-se o ácido acetilsalicílico, denominada
comercialmente como aspirina. Nesse mesmo período diversos outros isolamentos foram realizados
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3286 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
com variadas plantas, como a morfina do ópio e a digoxicina da Digitalis SP., dessa forma, permitindo
a ciência um leque de possibilidades em relação aos fitoterápicos (El-Radhi, Carroll & Klein, 2009).
Na medicina científica, as plantas passaram a ser consideradas como matéria prima para a
preparação de novos produtos. A ideia de isolar princípios ativos, potencializando determinados
tratamentos se mostrou muito profícua, em determinados casos, contribuindo como ótima opção
terapêutica (Pan et al., 2013).
A grande maioria da população mundial em algum momento utilizou-se de fitoterápicos
para a resolução de problemas de saúde de pequena complexidade. É também fato que
aproximadamente 25% de todas as prescrições médicas possuem em suas formulações substâncias
derivadas de plantas ou de análogos sintéticos derivados de vegetais, de acordo para a Organização
Mundial de Saúde (OMS), 80% da população, principalmente as dos países em desenvolvimento
utilizam medicamentos derivados de plantas para seus cuidados de saúde (Gurib-Fakin, 2006).
Diversos são os povos que se utilizam da ciência fitoterápica em prol da saúde coletiva. Na Africa o
uso de plantas medicinais durante a gravidez é comum, gerando efeitos profundos na mãe e no feto
em desenvolvimento (Ahmed et al., 2018). Na cultura tradicional dos povos balcânicos, as plantas
têm importância medicinal, econômica e antropológica/cultural, o que se reflete no conhecimento
sólido de sua diversidade e uso em grande escala (Jaric et al., 2018).
O uso de fitoterápicos e produtos naturais na área da saúde já é algo intrínseco da sociedade
brasileira. Tal comportamento pode ser explicado pela vasta biodiversidade existente no nosso
território e pela formação histórica e cultural do país. O legado indígena arraigado à formação do
povo brasileiro somado às práticas trazidas pelas populações africanas na época da colonização teve
um papel fundamental na terapêutica de doenças a partir de substâncias oferecidas pela natureza
(Nascimento, Sales & Cayana, 2016).
Compostos naturais e seus derivados têm sido usados como uma valiosa fonte de agentes
medicinais. Até o momento, um número impressionante de medicamentos tem sido derivado dessas
fontes, tais substâncias se tornam cada vez mais comuns. Nesse contexto, um fato que chama a
atenção é que boa parte da população presume que a fitoterapia é segura, inofensiva e sem efeitos
colaterais devido às suas origens. Pesquisas recentes mostraram que aproximadamente 70-80% da
população mundial depende de fitoterapia para seus cuidados primários de saúde. No entanto, apenas
um pequeno número de espécies de plantas foram investigadas por cientistas e aprovadas para fins
comerciais, em contrapartida mais de 35.000 espécies de plantas são utilizadas para fins medicinais
em todo o mundo. Portanto, uma melhor compreensão da fitoterapia através de análises científicas
fornecerá novos paradigmas para o desenvolvimento de novos medicamentos, assim como um
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3287 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
conhecimento mais aprofundado acerca das terapias medicamentosas já existentes (Yoo, Nam & Lee,
2018).
Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o uso indiscriminado de
fitoterápicos e de plantas medicinais pela população em geral, dessa forma buscando analisar
possíveis efeitos colaterais que ocorrem durante ou após o uso incorreto de um fitoterápico e seus
derivados, assim como as possíveis interações medicamentosas.
2. MÉTODO
A presente pesquisa trata-se de uma revisão de literatura, acerca do uso racional de
fitoterápicos e as possíveis complicações decorrentes do uso incorreto dessas substâncias. O
levantamento bibliográfico foi realizado por via eletrônica e física durante o período de julho de 2018
a março de 2019.
Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: estudos científicos disponíveis
eletronicamente nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), PubMed e
Medline, além de demais artigos que abordassem a temática de forma científica e sistemática. Os
critérios de inclusão abrangiam artigos, publicados nos últimos 10 anos, que discorressem
detalhadamente sobre o tema ou que possuíssem alguma informação estatística e/ou histórica
relevante relacionada ao mesmo. Foram utilizadas as palavras-chave: Fitoterápicos. Reações
adversas. Uso Racional
Como critérios de exclusão foram considerados: materiais do tipo revisão da literatura,
anteriores ao período de 2008, ou que, não tinham texto completo disponível e que não se adequavam
à temática. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foi realizada a leitura do título e
resumo das pesquisas e selecionadas aquelas que atendiam ao objetivo da coleta.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Os fitoterápicos e a sociedade atual
O advento da indústria farmacêutica e da produção de sintéticos fizeram com que o
conhecimento relativo à prática fitoterápica perdesse valor para a medicina moderna. Recentemente,
tem se notado que a fitoterapia, tornou a atrair interesses, tanto de agentes públicos, que tem adotado
políticas de promoção dessa prática, como da indústria farmacêutica, a qual vem buscando obter
novos produtos de ação efetiva e com menos efeitos colaterais (Maia et al., 2016).
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3288 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
Como uma das vertentes para atingir tal intento, a comunidade científica tem nos últimos anos
intensificado os estudos relativos à utilização racional dos fitoterápicos. Se analisarmos o banco de
dados do Medline, verificamos que na década 1989 a 1998 foram realizados 20 estudos concernentes
ao tema supracitado. Já no período de 2009 a 2018 o número subiu para 91 pesquisas caracterizando
um aumento de 355% nos estudos realizados, se compararmos os dois interstícios de 10 anos. O
presente trabalho analisou dentre outra fontes, 30 artigos científicos, dos quais 20% reforçam em seu
conteúdo a importância do uso adequado dos fitoterápicos e afins.
Atualmente 2.160 Unidades Básicas de Saúde já oferecem fitoterápicos a população. Dados
do Ministério da Saúde indicam que 1.457 equipes de saúde já fazem uso da fitoterapia e oitenta
municípios já possuem Farmácias Vivas. Conforme dados do SISAB (Sistema de Informação em
Saúde para a Atenção Básica), em 2017 registrou-se 66.445 atendimentos nos quais foram
utilizados fitoterápicos em 1.145 municípios (Brasil, 2018). Cabe ressaltar ainda que o uso
terapêutico das plantas tem recebido grande atenção por parte da comunidade acadêmica e dos
serviços de saúde, nos últimos anos (Souza et al.,2013).
Embora os compostos naturais tenham proporcionado uma infinidade de substâncias no
desenvolvimento de medicamentos, o processo de identificação de seus efeitos farmacológicos ainda
é uma tarefa desafiadora (Yoo, Nam & Lee, 2018). Os medicamentos fitoterápicos são obtidos através
da matéria-prima de plantas medicinais, tendo como característica sua eficácia na amenização de
sintomas ou na contribuição para a cura de certas patologias (Teixeira & Santos, 2011). O uso de
fitoterápicos encontra grande potencial no Brasil, tendo em vista sua grande diversidade vegetal e o
baixo custo associado à terapêutica, assim configurando uma forma eficaz de atendimento,
complementando o tratamento medicamentoso comumente utilizado pela população de baixa renda
(Bruning, Mosegui & Vianna, 2012). Dados do Ministério da Saúde mostram que no ano de 2012
foram utilizados em Unidades Básicas de Saúde no Brasil 696.139 fitoterápicos e afins para o
tratamento de variadas enfermidades, no ano de 2018, com dados que vão até novembro do referido
ano, esse número havia aumentado para 2.328.919 unidades distribuídas, representando um aumento
de aproximadamente 335% (Brasil, 2018).
A disseminação crescente do uso de plantas medicinais está diretamente relacionada ao
poder econômico de parcela significativa da população brasileira, uma grande parcela dessas pessoas
convive com a precariedade no que diz respeito ao acesso aos medicamentos e tratamentos médicos
necessários, característica essa predominante em usuários da atenção básica. Tais características
culminam na busca crescente por terapias alternativas, objetivando a melhoria na qualidade de vida,
nesse sentido cada vez mais cresce a utilização dos fitoterápicos, com finalidades curativas,
profiláticas ou paliativas (Sampaio et al., 2013).
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3289 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
A utilização dessas plantas medicinais é considerada uma prática comum pela sociedade em
geral. Tal categoria de medicamento é utilizada predominantemente por pessoas adultas e idosas, as
quais utilizam concomitantemente outros medicamentos como tratamento principal para outras
patologias, e acreditam que a fitoterapia vêm a ser uma alternativa terapêutica livre de efeitos adversos
ou incapaz de causar interações medicamentosas (Alexandre, Bagatini & Simões, 2008). Porém essa
categoria de medicamento, diferente do que grande parte da população acredita, não está livre dos
efeitos tóxicos ou de possíveis reações adversas, podendo interagir com outros medicamentos,
alimentos ou mesmo características do próprio usuário (Balbino & Dias, 2010).
Médicos e pacientes por diversas vezes não conseguem literatura adequada para avaliar
corretamente as vantagens e os possíveis riscos desta prática terapêutica, apesar do grande aumento
dessa prática, o qual vem sendo estimulada principalmente por práticas médicas não convencionais,
como Medicina chinesa, Medicina holística, terapêutica médica indiana, macrobiótica, entre outras.
As pessoas costumam utilizar os produtos vegetais, seja como complemento alimentar, suplementos
energéticos e vitamínicos, e até mesmo como medicamentos, baseando-se em informações
apresentadas pela mídia, muitas vezes sem compreender a ação ocasionada por aquela substância
(França et al., 2008).
Os fitoterápicos e seus derivados são mercadorias de venda livre no Brasil. Assim sendo, estão
intrinsecamente ligados ao advento da automedicação. Dessa forma, eleva-se a importância a cerca
da correta conduta em torno da apropriada utilização dos fitoterápicos.
Para se fazer um correto uso das propriedades terapêuticas das plantas, faz-se necessário
conhece-las detalhadamente. Devido as suas características físicas muitas delas são demasiadamente
semelhantes, podendo ocasionar equívocos na identificação. Como exemplo, temos o capim citronela
(Cymbopogon winterianus), o qual pode ser facilmente confundido por um leigo com a erva cidreira
(Melissa officinalis). Outro fator determinante para um uso adequado, é a não aquisição de produtos
em estabelecimentos não regulamentados pela ANVISA, tendo em vista que esses estabelecimentos
irregulares não possuem profissionais qualificados, muito menos um controle adequado a cerca dos
métodos utilizados em sua produção. Por fim, cabe ressaltar a importância do correto preparo de cada
tipo de fitoterápicos, respeitando suas especificidades, haja vista que uma preparação incorreta pode
ocasionar alterações nas características farmacocinéticas e/ou farmacodinâmicas desses produtos, ou
até mesmo alterar a sua margem terapéutica, podendo ocasionar sérios problemas de toxicidade.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3290 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
3.2 Controle sanitário e a segurança dos fitoterápicos
A utilização de plantas com a finalidade terapêutica caracteriza a fitoterapia que,
etimologicamente, vem das palavras gregas phyton (plantas) & therapeia (tratamento), ou seja,
tratamento por meio das plantas (Nascimento, Sales & Cayana, 2016). Segundo a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA), são considerados medicamentos fitoterápicos “os obtidos com
emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais cuja segurança e eficácia sejam baseadas em
evidências clínicas e que sejam caracterizados pela constância de sua qualidade, e são considerados
“produtos tradicionais fitoterápicos os obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas
vegetais cuja segurança e efetividade sejam baseadas em dados de uso seguro e efetivo publicados na
literatura técnico-científica e que sejam concebidos para serem utilizados sem a vigilância de um
médico para fins de diagnóstico, de prescrição ou de monitorização (Brasil, 2014).
Ainda segundo a mesma agência, são considerados produtos tradicionais fitoterápicos os
obtidos com uso exclusivo de matérias-primas ativas oriundas de vegetais, cuja segurança e
efetividade sejam baseadas em testes de eficácia comprovada, e que tenham sido publicados na
literatura técnico-científica. Na RDC n° 26/2014, temos que os produtos considerados fitoterápicos
não podem se referir a condições patológicas consideradas graves, não devem apresentar risco
elevado de toxicidade, nem serem empregados por via oftálmica e injetável. Não participa da
categoria dos medicamentos fitoterápicos, aqueles os quais possuam em sua composição “substâncias
ativas isoladas ou altamente purificadas, sejam elas sintéticas, semissintéticas ou naturais e nem as
associações dessas com outros extratos, sejam eles vegetais ou de outras fontes, como a animal”
(Brasil, 2014).
A segurança e eficácia dos fitoterápicos sofrem influência de diversos fatores tais como
matéria-prima, controle do processamento, forma farmacêutica, bula, embalagem e propaganda. O
aumento da demanda dessas substâncias, juntamente com à falta de fiscalização nos processos
produtivos resultam, muitas vezes, em medicamentos sem condições adequadas de uso e de qualidade
duvidosa, características essas fundamentais para a recuperação ou preservação da saúde dos
consumidores os quais fazem uso dessas substâncias (Balbino & Dias, 2010).
A toxicidade ocasionada por medicamentos de origem vegetal pode parecer insignificante,
quando comparada a tratamentos convencionais, entretanto a ação farmacológica dessas substâncias
é um problema de saúde pública, quando utilizadas de forma incorreta. O conhecimento da sua ação
no organismo é de suma importância para a desmistificação de que tais produtos não apresentam
riscos a saúde de seus usuários. Plantas medicinais podem desencadear reações adversas variadas,
devido as suas próprias características, a interações com outros medicamentos ou alimentos, ou ainda
relacionados a características específicas de cada paciente. Diagnósticos incorretos, identificação
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3291 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
errônea de espécies vegetais e uso exagerado de fitoterápicos, podem ser significativamente
prejudiciais a saúde, levando a superdose, inefetividade terapêutica e reações adversas. Além disso,
o uso desses produtos pode ainda comprometer substancialmente a eficácia de tratamentos
convencionais, levando a redução ou potencialização seu efeito (Balbino & Dias, 2010).
3.3 Uso incorreto de fitoterápicos e seus efeitos colatarais
Todos os medicamentos, inclusive os alopáticos, estão sugeitos a possíveis efeitos adversos.
Ainda que a cultura popular seja resitente nesse sentido, pesquisas recentes corroboram acerca da
utilização comedida dessa categoria de medicamentos, analisando o banco de dados do medline
verificamos que nos anos de 1999 a 2008 foram realizadas 40 pesquisas acerca dos possíveis efeitos
adversos ocasionados pelos medicamentos alopáticos. Já entre os anos de 2009 a 2018, verifica-se a
produção de 49 estudos, demonstrando um aumento de 22.5%. Dos 30 artigos científicos analisados
no escopo da presente pesquisa, verifica-se que 40% reforçam em seu conteudo a cautela a qual deve
ser dispensada aos possíveis efeitos nocivos inerentes aos fitoterápicos.
Os vegetais produzem uma gama imensa de substâncias as quais possuem capacidade de
apresentar um conjunto variado de atividades biológicas, representando ainda hoje um valioso recurso
terapêutico para parcela significativa da população, os quais por diversas vezes não possuem acesso
a medicamentos alopáticos (Campos et al., 2016). Permanece na população em geral uma falsa
concepção de que o uso de plantas no tratamento de certas patologias é algo totalmente seguro, natural
e eficaz, sendo essas, por diversas vezes, utilizadas para o tratamento de doenças crônicas em
associação com medicamentos convencionais (Tovar & Petzel, 2009). Apesar de diversos
fitoterápicos possuírem propriedades benéficas a saúde humana, a sua utilização na alimentação e em
situações clínicas deve ser restrita a plantas já estudadas as quais possuem seus efeitos tóxicos e
possíveis interações bem estabelecidas (Colombo et al., 2010), dessa forma evitando ou diminuindo
ao máximo possíveis intoxicações e efeitos colaterais com o uso de espécies vegetais.
Muitos indivíduos utilizam fitoterápicos, pois creem que por se tratar de produtos produzidos
por compostos naturais não fazem mal algum a saúde. Este é um conceito errôneo, tendo em vista
que existem diversas plantas medicinais dotadas de elevado grau de toxicidade, devido
principalmente à existência em sua composição de certos constituintes farmacologicamente ativos,
como exemplo dessas substâncias temos os alcaloides, que se consumido em doses não terapêuticas
podem ser letais (Oliveira & Lucena, 2015). As pesquisas realizadas objetivando o uso seguro de
fitoterápicos no Brasil são insuficientes, assim como o controle da comercialização por parte dos
órgãos oficiais, em locais de comércio informal. Outro fato preocupante são as adulterações não
autorizadas envolvendo substâncias farmacêuticas potentes, nas quais são adicionadas de forma
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3292 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
ilegal. Como exemplo dessas substâncias temos corticoides, antidepressivos e anorexígenos. (Balbino
& Dias, 2010).
A crença popular na “inocência” das plantas medicinais e seus derivados não são facilmente
questionados, mesmo havendo diversas evidências científicas de ocorrência de intoxicações e efeitos
colaterais relacionados com o uso de plantas medicinais, tais ocorrências podem ser potencializadas
de acordo com variações fisiológicas, como na gravidez. Infelizmente tais informações dificilmente
chegam ao alcance dos usuários, fazendo com que essa ideia erronia continue a se perpetuar (Nasri
& Shirzad, 2013; Alexandre, Bagatini & Simões, 2008; Silveira et al., 2008).
Algumas espécies vegetais consideradas tóxicas podem produzir metabólitos secundários que
quando inalados, ingeridos ou através do contato podendo ocasionar alterações patológicas, a maioria
das situações de intoxicação ocorre devido a exposições crônicas, que com o decorrer do tempo geram
malefícios ao indivíduo. Como exemplo podemos citar, o consumo de algumas espécies de Crotalaria,
alimento tradicional muito comum na Nigéria, e capaz de ocasionar sérios problemas hepáticos. O
fumo também é responsável por prejudicar trabalhadores expostos durante as atividades industriais
ou agrícolas na qual ele encontra-se envolvido. Ocasionado uma patologia conhecida como doença
do tabaco verde ou GTS (Green Tobacco Sickness), a sua fisiopatologia ocorre devido a intoxicação
gerada pela absorção cutânea da nicotina. Temos ainda como exemplo a mandioca. Ela é usualmente
utilizada na gastronomia de diversos países, sendo a mandioca brava (Manihot esculenta Crantz) uma
das espécies mais consumidas. Todavia, sabe-se que, o consumo exacerbado da mandioca brava está
correlacionado com problemas neurológicos crônicos em algumas regiões africanas. Principalmente
em indivíduos que possuem deficiências nutricionais de aminoácidos sulfurados. (Campos et al.,
2016; Gurib-Fakin, 2006).
Segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) o número
de intoxicações causadas por plantas no Brasil em 2016 foi de 958 casos, inclusive com um caso de
óbito, dessa forma correspondendo a 1,20% dos casos de intoxicação humanas (Brasil, 2017). As
plantas ocupam o 13° lugar, em número de casos de intoxicação. Apesar de raro os óbitos humanos
causados por plantas e o número total de ocorrências catalogadas ser baixo, os dados estatísticos
devem ser estudados com cautela, tendo em vista que um grande número de casos se quer são
registrados (Campos et al., 2016) ou quando ocorre o registro, são notificados como exposição a
agente tóxico desconhecido (Monseny et al., 2015).
A identificação e o diagnóstico do fitoterápico o qual ocasionou os efeitos colaterais ou
intoxicação podem ser dificultados por diversos fatores, entre eles, a omissão do usuário sobre o uso
de determinada planta, a falta de informações concretas sobre a toxicidade de determinado
fitoterápico, inexistência de profissional qualificado para identificação da espécie vegetal em locais
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3293 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
de pronto atendimento (Monseny et al., 2015; Peacok et al., 2009). Dados epidemiológicos e exames
laboratoriais constituem uma ferramenta importante na identificação de casos e de suas respectivas
espécies vegetais. Após constatada a intoxicação, o tratamento geralmente é de suporte, a depender
principalmente da espécie envolvida, forma de contato e tempo de exposição (Poppenga, 2010).
A intoxicação humana por vegetais varia consideravelmente de acordo com a idade.
Indivíduos de até 4 anos de idade são consideravelmente mais vulneráveis às intoxicações por plantas,
elas acontecem por contato ou ingestão, os acidentes ocorrem principalmente nas escolas, praças,
parques e domicílios (Campos et al., 2016). Essa faixa etária é responsável pela maior parte dos
acidentes, foram registrados 279 casos de intoxicação nessa população no ano de 2016, representando
praticamente metade dos casos (Brasil, 2017). O comportamento infantil na busca de novas
percepções e o baixo discernimento dos riscos viabilizam a alta incidência de intoxicação (Tavares et
al., 2013)
É notável que em jovens e adultos (20-59 anos), as intoxicações ocasionadas por plantas e
derivados ocorrem em uma frequência bem menor. No ano de 2016 foram registrados 139 casos nessa
faixa etária, representado 23,5% do total de casos (Brasil, 2017). Essas intoxicações ocorrem em sua
grande maioria devido a exposição acidental, uso medicinal, utilização em alimentos, uso recreacional
de espécies específicas com propriedades alucinógenas e outras finalidades diversas (Beyer et al.,
2009; Simões et al., 2004)
Entre a população idosa observa-se uma baixa incidência de intoxicações por plantas.
Entretanto, deve-se considerar que não é incomum os idosos utilizarem uma quantidade elevada de
medicamentos de uso prolongado, favorecendo assim a ocorrência de interações medicamentosas,
que muitas vezes sequer são diagnosticas (Marliére et al., 2008).
Por diversas vezes a relação entre a utilização de espécies vegetais e seus efeitos tóxicos é de
difícil observação, fato esse que poder dificultar o diagnóstico, como exemplo clássico podemos citar
o caso teratogênicos e abortivos (Silveira et al., 2008). Normalmente os efeitos adversos tendem a
surgir após o uso prolongado, e de modo assintomático, dessa forma dificultando a percepção do
usuário sobre o seu real quadro clínico, o que pode ocasionar um aumento no tempo de exposição
agravando ainda mais a situação. Em relação a tais situações pode-se citar o uso crônico de plantas
medicinais sem orientação médica em casos de constipação, hemorroidas, obesidade e dor nas
articulações, o que pode ocasionar maiores riscos, devido ao maior tempo de exposição (Campos et
al., 2016).
A ineficiência na busca por métodos de controle epidemiológico e a escassez de pesquisas na
área, faz o uso racional e correto de fitoterápicos e afins, se tornar um grande desafio para as
instituições de saúde e sociedade em geral. É fundamental que sejam realizados e estimulados cada
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3294 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
vez mais trabalhos nessa área, com objetivo de orientar a população sobre os possíveis riscos oriundos
da utilização de plantas desconhecidas. Além disso, trabalhos de difusão de informações sobre
plantas tóxicas, são de fundamental importância, dessa forma visando ampliar o conhecimento sobre
biodiversidade brasileira em suas variantes químicas, tóxicas e farmacológicas (Campos et al., 2016).
3.4 Interações medicamentosas envolvendo fitoterápicos
O significado da expressão interação medicamentosa possui uma correlação direta entre a
capacidade de um determinado medicamento interferir sobre a ação de outro. Já se sabe que existem
interações medicamentosas as quais podem ser benéficas para o indivíduo, ou seja, conseguem através
de sua ação farmacológica ajudar no tratamento de uma variada gama de doenças, porém a verdadeira
problemática advém das interações medicamentosas maléficas, as quais realizam ações
farmacológicas indesejáveis, ocasionando a redução do efeito ou mesmo produzindo um resultado
contrário ao esperado. Esse tipo de interação é de difícil detecção, dessa forma podendo ser
responsável pela falha terapêutica ou até mesmo progressão da patologia. Diversas são as variáveis
as quais podem interferir nesse processo, fatores genéticos e fisiológicos, idade, condição geral da
saúde, alimentação, tabagismo, ingesta de álcool e fatores ambientas, são algumas das variáveis que
podem influenciar diretamente no surgimento de interações medicamentosas.
Segundo a ANVISA interação medicamentosa é um evento clínico e farmacológico no qual
a ação medicamentosa de determinado medicamento é alterada pela presença de outro, de alimentos,
de bebidas ou de algum agente químico. Sendo dessa forma a principal causa de problemas
relacionados a medicamentos (Brasil, 2010).
Ainda de acordo com a mesma agência, alguns medicamentos alopáticos não devem ser
utilizados concomitantemente com determinados produtos fitoterápicos, tendo em vista que podem
ocasionar danos ao organismo. Como exemplo de possíveis interações podemos citar determinados
chás em que possuem a capacidade de diminuir os movimentos estomacais, dessa forma interferindo
no processo de absorção do remédio, certos medicamentos a base de Hipérico/Erva-de-São-João
(Hypericum perforatum L.) que utilizados juntamente com anticoncepcionais pode diminuir sua ação
farmacológica, ocasionando uma gravidez indesejada, a utilização uso de Ginkgo (Ginkgo biloba L.)
em concomitância a varfarina ou ácido acetil salicílico (aspirina) podendo aumentar a ação
anticoagulante destes medicamentos, favorecendo a ocorrência de hemorragias (Brasil, 2015).
Infelizmente, existe uma grande quantidade de fitoterápicos e derivados os quais vem sendo
utilizados pela população de forma incorreta, os quais muitos destes não possuem seus perfis
toxicológico e farmacodinâmico bem estudados, dessa forma tornando imprevisíveis várias de suas
ações. Os fitoterápicos são por diversas vezes constituídos por uma gama variada de substâncias
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3295 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
químicas, as quais podem ocasionar reações diversas. Essas ações podem gerar efeitos aditivos,
antagônicos e/ ou sinérgicos que ocorrem devido à interação de diversos constituintes químicos
ativos, nos mais variados sítios de ação, podendo afetar diversos órgãos e tecidos (Alexandre,
Bagatini & Simões, 2008).
Certas substâncias químicas presentes em determinadas plantas medicinais e derivados podem
ocasionar alterações nas concentrações plasmáticas de alguns medicamentos, ocasionando certas
mudanças na sua eficácia farmacológica e/ou segurança. Essas interações podem ser classificadas em
farmacocinéticas e farmacodinâmicas. Na primeira situação, as fases relativas à absorção,
distribuição, metabolismo e excreção do medicamento podem sofrer variações, gerando um aumento
ou redução dos efeitos previstos. Isso ocorre devido as alterações nas atividades de ligação a
receptores específicos, ocasionada muita das vezes pela administração de medicamentos alopáticos e
fitoterápicos concomitantemente. Já na segunda situação pode ocorrer uma alteração nas propriedades
físico-químicas do fármaco, as quais levariam ao efeito biológico desejado (Alexandre, Bagatini &
Simões, 2008).
É de fundamental importância conhecer as possíveis interações entre os medicamentos e
outros produtos, diversas são as possibilidades, tais interações podem ocorrer com outros
medicamentos. Sendo possível até mesmo a interação com alguns tipos de alimentos, fato esse
desconhecido por grande parcela da população, causando diversos danos aos seus usuários. O
conhecimento e o uso correto cabem aos farmacêuticos, médicos e demais profissionais qualificados
a realizar prescrições nesse sentido, para por fim, proporcionar aos pacientes um tratamento bem
sucedido (Venturini et al., 2014).
Consoante orientação da ANVISA, durante a utilização de fitoterápicos, fazem-se importantes
alguns cuidados para a obtenção de um bom resultado. Dentre eles, utilizar sempre plantas
identificadas corretamente; nunca coletar plantas próximo a lixo ou fossas e a locais que possam ter
recebido algum tipo de agrotóxicos. As plantas que serão utilizadas devem ser secas à sombra, não
devem ser armazenadas por longos períodos, pois nesses casos podem perder os seus efeitos, deve-
se evitar a mistura entre as espécies, já que a combinação entre elas pode resultar em efeitos
imprevisíveis (Brasil, 2010).
O advento das interações medicamentosas envolvendo fitoterápicos é demasiadamente
complexo, e a sua prevenção é de responsabilidade de uma gama variada de profissionais os quais se
envolvem diretamente na área da farmacologia, A maior contribuição do serviço farmacêutico para a
prevenção desses acontecimentos, seria a realização de ação buscando uma melhora na
farmacoterapia, ajudando o paciente sobre a correta adesão ao tratamento e informando
detalhadamente sobre os riscos da utilização imprudente de fitoterápicos e seus derivados. Para que
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3296 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
desta forma sejam atingidos os resultados terapêuticos desejados, ajudando na prevenção de novos
problemas na saúde para o paciente, preservando a sua saúde e reduzindo custos do tratamento.
Dessa forma conclui-se que os fitoterápicos e derivados podem ocasionar interações variadas
com outras substâncias, além de não serem isentas de toxicidade quando utilizadas de forma
demasiada em relação à margem terapêutica, verifica-se ainda que a segurança terapêutica é de
extrema importância, sendo sempre necessária a realização de diversos estudos toxicológicos,
farmacocinéticos e clínicos para evitar as reações adversas e interações indesejáveis envolvendo as
substâncias de determinado fitoterápico, garantindo assim a eficácia e segurança para o sucesso do
tratamento.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O consumo de fitoterápicos tem aumentado de forma exponencial nos últimos anos, seja pelo
crescimento populacional, custos comparados a outros medicamentos ou facilidade na extração dos
princípios ativos. Dados estatísticos mostram que o número de casos envolvendo reações adversas
reportadas é possivelmente motivado pelo aumento nas buscas por terapias alopáticas, constatadas
nas últimas décadas, o que também justifica o crescente número de publicações científicas na área
supracitada, como exemplo, tendo como base o Medline, observa-se que no ano de 1966 não foram
publicados trabalhos que abordassem reações adversas envolvendo fitoterápicos, posteriormente nos
anos de 1966 a 1976 foram publicados somente 3 trabalhos científicos, subsequentemente observa-
se a cada década um aumento exponencial de pesquisas publicadas de 3, 9 e 68, respectivamente nos
anos de 1976, 1986 e 1996. (Rahman & Singhal, 2002). No período de 2008 a 2018 verifica-se um
aumento abrupto de publicações, chegando ao número de 991 trabalhos científicos atinentes ao tema
em questão.
Os Fitoterápicos podem influenciar diretamente no metabolismo de diversas medicações
alopáticas, ocasionando danos para o organismo através de mecanismos de natureza antagônica ou
sinérgica, assim sendo, é de suma importância à conscientização dos profissionais envolvidos nos
processos de prescrição e administração farmacêutica, desta forma a eliminar definitivamente o ditado
popular que preconiza a ideia errônea de que “produto natural não faz mal”.
Diante disso, torna-se necessário a realização de futuros estudos sobre o tema, onde deverão
ser abordados principalmente o risco da utilização imprudente de plantas medicinais e a importância
da farmacovigilância aplicada à fitoterapia, buscando assim minimizar a ocorrência de efeitos
adversos os quais possam prejudicar o tratamento. Com a realização de tais ações, espera-se que a
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3297 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
utilização de fitoterápicos como recurso terapêutico possa enfim ser realizada de uma forma racional
e segura.
É importante que todos os profissionais da área da saúde envolvidos diretamente com a
atividade de prescrição farmacêutica estejam atentos para questionar e alertar os pacientes sobre o
uso de plantas medicinais e fitoterápicas, além de buscar incentivá-los a notificar essas reações, dessa
forma facilitando a realização de mais pesquisas sobre o assunto, sendo necessários estudos
toxicológicos, farmacocinéticos e clínicos para evitar as reações adversas, dessa forma garantindo a
eficácia e segurança, para que o tratamento tenha sucesso. Essas ações permitirão que futuramente
sejam acrescentadas novas informações nas bulas dos medicamentos, publicações sobre novas
interações envolvendo fitoterápicos, inspeções mais especificas nas empresas fabricantes, baseando-
se na junção de informações relativas a segurança da terapêutica.
Por fim, buscou-se através do referido trabalho demonstrar os aspectos farmacoterapêuticos
dos fitoterápicos e derivados, com um enfoque nas consequências do uso imprudente desse tipo de
medicamento, visando assim o estabelecimento de seu uso racional, dessa forma buscando alcançar
a saúde e o bem-estar coletivos. Fica a divagação a cerca dos novos rumos inerentes as pesquisas
sobre fitoterápicos, intentos apontam para uma revalorização a cerca do extrato bruto da planta, e seus
afins, baseando-se no conhecimento tradicional de origem. Assim sendo levanta-se a hipótese do
surgimento de novos rumos científicos em relação à pesquisa clínica e ao desenvolvimento de novos
medicamentos advindo de plantas medicinais, onde o “princípio ativo” dá lugar ao paradigma de
“sinergismo”, no qual surge a possibilidade de inclusão e realização de novas pesquisas congruentes
aos novos conhecimentos, considerados outrora pseudocientíficos.
5. REFERÊNCIAS
Abdel-Aziz SMA, Aeron A, Kahil TA. Microbes in Food and Health. 1ed. Switzerland: Springer,
2016. 374p.
Aboelsoud NH. Herbal medicine in ancient Egypt. J. Med. Plants Res. 4(2): 82-86, 2010.
Ahmed SM, Nordeng H, Sundby J, Aragaw YA, de Boer HJ. The use of medicinal plants by pregnant
women in Africa: A systematic review. J. Ethnopharmacol. 224(1): 297-313, 2018.
Alexandre RF, Bagatini F, Simões CMO. Interações entre fármacos e medicamentos fitoterápicos à
base de ginkgo ou ginseng. Rev. Bras. Farmacogn.18(1): 117-126, 2008.
Alexandre RF, Bagatine F, Simões CMO. Potenciais interações entre fármacos e produtos à base de
valeriana ou alho. Rev. Bras. Farmacogn. 18(3): 455-463, 2008.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3298 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
Almeida MZ. Plantas medicinais: abordagem histórico-contemporânea. 3ed. Salvador: EDUFBA,
2011, pp. 34-66
Balbino EE & Dias MF. Farmacovigilância: um passo em direção ao uso racional de plantas
medicinais e fitoterápicos. Rev. Bras. Farmacogn. 20(6): 992-1000, 2010.
Beyer J, Drummer OH, Maurer HH. Analysis of toxic alkaloids in body samples. J. Forensic Sci.
185(1): 1-9, 2009.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consolidado de normas da
COFID. 2015. Disponível em:<//portal.anvisa.gov.br/registros-e-autorizacoes/medicamentos/
produtos/medicamentos-fitoterapicos/legislacao-fitoterapicos>. Acesso em: 25 jul. 2018.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) n° 10, de 09 de março de 2010.
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) n° 26, de 13 de maio de 2014.
Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Sistema Nacional de Informações Tóxico-
Farmacológicas. Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. 2017. Disponível em:
<http://www.fiocruz.br/ sinitox>. Acesso em: 01 ago. 18.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos. Programa
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. 2018. Disponível em <http://
portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/programa-nacional-de-plantas-medicinais-e-fitoterapicos-
ppnpmf/plantas-medicinais-e-fitoterapicos-no-sus>. Acesso em: 22 fev 19.
Bruning MCR, Mosegui GBG, Vianna CML. A utilização da fitoterapia e de plantas medicinais em
unidades básicas de saúde nos municípios de Cascavel e Foz do Iguaçu – Paraná: a visão dos
profissionais de saúde. Ci. Saúde Col. 17(10): 2675-2685, 2012.
Campos SC, Silva, CG, Campana PRV, Almeida VL. Toxidade de espécies vegetais. Rev. Bras. Pl.
Med. 18(1): 373-381, 2016.
Colombo ML, Assisi F, Puppa TD, Moro P, Sesana FM, Bissoli M, Borghini R, Perego S, Galasso
G, Banfi E, Davanzo F. Most commonly plant exposures and intoxications from outdoor toxic plants.
J. Pharm. Sci. Res. 2(7): 417-25, 2010.
El-Radhi AS, Carroll J, Klein N. Clinical Manual of Fever in Children. 1ed. Switzerland:
Springer, 2009. 318p.
França ISX, Souza JA, Baptista RS, Britto VRS. Medicina popular: benefícios e malefícios das
plantas. Rev. Bras. Enferm. 61(2): 201-208, 2008.
Gurib-Fakin A. Medicinal plants: Traditions of yesterday and drugs of tomorrow. Mol Aspects Med.
27(1): 1-93, 2006.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3299 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
Jarić S, Kostić O, Mataruga Z, Pavlović D, Pavlović M, Mitrović M, Pavlović P. Traditional wound-
healing plants used in the Balkan region (Southeast Europe). J. Ethnopharmacol. 211(1): 311-328,
2018
Maia ACP, Paiva PCB, Ferreira EC, Pereira RFPL, Belarmino NALA, Nunes GM, Alves CAB,
Lucena RFP. Fitoterapia sob a ótica dos profissionais de saúde no Brasil nos últimos 10 anos. Gaia
Sci. 10(4): 658-670, 2016.
Marliére LDP, Ribeiro AQ, Brandão MGL, Klein CH, Acurcio FA. Utilização de fitoterápicos por
idosos: resultados de um inquérito domiciliar em Belo Horizonte (MG), Brasil. Rev.
Bras. Farmacogn. 18(supl.): 754-760, 2008.
Monseny AM, Sánchez LM, Soler AM, Maza VTS, Cubells LC. Poisonous plants: an ongoing
problem. An. Pediatr. 82(5): 289-372, 2015.
Nascimento AEX, Sales LMS & Cayana EG. Riscos Associados ao Uso de Fitoterápicos. Congresso
Brasileiro de Ciências da Saúde, [s.n.], Campina Grande, Brasil, 2016. p 101-108.
Nasri H & Shirzad H. Toxicity and safety of medicinal plants. J. Hernmed. Pharmacol. 2(2): 21-22,
2013.
Oliveira DMS & Lucena EMP. O uso de plantas medicinais por moradores de Quixadá–Ceará. . Rev.
Bras. Pl. Med. 17(3): 407-411, 2015.
Pan S, Zhou S, Gao S, Yu Z, Zhang S, Tang M, Sun J, Ma D, Han Y, Fong W, Ko K. New Perspectives
on How to Discover Drugs from Herbal Medicines: CAM’s Outstanding Contribution to Modern
Therapeutics. Evid Based Complement Alternat Med. 2013(1): 1-25, 2013.
Peacok BM, Crespo MFS, Rivas CAB, Jackson LP. Intoxicaciones por plantas tóxicas atendidas desde
un servicio de información toxicológica. Rev. Cubana Pl. Med. 14(2): 1-8, 2009.
Petrovska BB. Historical review of medicinal plants’ usage. Pharmacogn Rev. 6(11): 1–5, 2012.
Poppenga RH. Molecular, Clinical and environmental toxicology. Switzerland: Birkhäuser, 2010. v.
2, cap. 5, 619 p.
Rahman SZ, Singhal KC. Problems in pharmocovigilance of medicinal products of herbal origin and
means to minimize them. Uppsalla Reports. 17(1): 1-4, 2002.
Rocha FAG, Araújo MFF, Costa NDL, Silva RP, O uso terapêutico da flora na história Munidial.
Holos. 31(1): 49-61, 2015.
Sampaio LA, Oliveira DR, Kerntopf MR, Brito Jr FE, Menezes IRA. Percepção dos enfermeiros da
estratégia saúde da família sobre o uso da fitoterapia. REME. Rev. Min. Enferm. 17(1): 76-84, 2013.
Silveira PF, Bandeira MAM, Arrais PSD. Farmacovigilância e reações adversas às plantas medicinais
e fitoterápicos: uma realidade. Rev. Bras. Farmacogn.18(4): 618-626, 2008.
ARTIGO DE REVISÃO /REVIEW
3300 Cavalcante, D. A. L.; Fernandes, L. T. Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3295 – 3313, 2019
Simões CMO, Schenkel EP, Gosmann G, Mello JCP, Mentz LA, Petrovick PR. Farmacognosia: da
planta ao medicamento. 5.ed. Florianopolis: UFSC, 2004. 1102p.
Souza CMP, Brandão DO, Silva MSP, Palmeira AC, Simões MOS, Medeiros ACD. Utilização de
plantas medicinais com atividade antimicrobiana por usuários do serviço público de saúde em
Campina Grande-PB. Rev. Bras. Pl. Med. 15(2): 188-193, 2013.
Tavares EO, Buriola AA, Santos JAT, Ballani TSL, Oliveira MLF. Fatores associados à intoxicação
infantil. Esc. Anna Nery. 17 (1): 31-37, 2013.
Teixeira JBP & Santos JV. Fitoterápicos e interações medicamentosas. Programa de Plantas
Medicinais e Terapias não Convencionais. 2011. Juiz de Fora. 5 p. Trabalho Acadêmico (Extensão
Universitária), Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora.
Tovar RT & Petzel RM. Herbal toxicity. Dis. Mon. 55(10): 592-641, 2009.
Venturini CD, Engroff P, Ely LS, Tiana Tasca T, Carli GA. Interações entre antiparasitários e
alimentos. Rev. Ci. Farm. Básica Apl. 3(1): 17-23, 2014.
Yoo S, Nam H, Lee D. Phenotype-oriented analysis for discovering pharmacological effects of
natural compounds. Scientific Report. 8(1): 11667, 2018.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
Terapias utilizadas no tratamento das neoplasias malignas mais incidentes: uma
revisão na literatura
1Willams Alves da Silva ,2Tainá Maria Santos da Silva, 3Maria Isabel de Assis Lima, 4Renatha
Cláudia Barros Sobreira de Aguiar, 5Marcos Aurélio Santos da Costa, 6Yhasminie Karine da Silva, 7Kristiana Cerqueira Mousinho, 8Ivone Antônia de Souza
Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. 1-6,8
Centro Universirário CESMAC 7
E-mail: [email protected], Endereço: Av. Prof. Moraes Rego, s/n, Cidade Universitária – Recife- PE, CEP:
50.760-420. Telefone: (81) 99957-6266
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3302 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
RESUMO
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o câncer é a segunda maior causa de morte por
doença e um importante problema de saúde pública em países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Este estudo teve como objetivo realizar uma revisão na literatura das terapias utilizadas no tratamento
das neoplasias malignas mais frequentes nos últimos dez anos. Este trabalho foi elaborado a partir de
uma revisão da literatura, foram selecionados artigos entre os anos de 2007 a 2017 totalizando 47
artigos, 27 foram excluídos e apenas 20 artigos preencheram os critérios propostos. Como o câncer
é uma doença multifatorial, o diagnóstico e tratamento dependem de cada tipo de célula e dos
receptores, sendo específico para cada indivíduo. A quimioterapia, a radioterapia e a cirurgia ainda
são os tratamentos mais utilizados para os diversos tipos de câncer, porém com efeitos colaterais
agressivos. Contudo, novos fármacos fitoterápicos, terapias neoadjuvante e coadjuvante, estão sendo
bastante estudados no meio científico, apresentando resultados positivos e promissores.
Palavras-Chave: Tratamento, Câncer, Fármacos.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3303 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
ABSTRACT
According to the World Health Organization (WHO), cancer is the second largest cause of death from
disease and a major public health problem in developed and developing countries. This study aimed
to review the literature on the therapies used to treat the most frequent malignant neoplasms in the
last ten years. This work was elaborated from a review of the literature, articles were selected from
2007 until 2017 totaling 47 articles, 27 were excluded and only 20 articles filled the proposed criteria.
Because cancer is a multifactorial disease, the diagnosis and treatment depends on each type of cell
and the receptors, being specific to each individual. The chemotherapy, radiotherapy and surgery are
still the most commonly used treatments for various types of cancer, but with aggressive side effects.
However, new phytotherapeutic drugs, neoadjuvant and coadjuvant therapies, are being studied
extensively in the scientific world, presenting positive and promising results.
Keywords: Treatment, Cancer, Drugs.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3304 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
Introdução
O câncer é um processo mórbido, no qual uma célula anormal é transformada por mutação
genética do DNA celular. Essa célula anormal cria um clone e começa a se proliferar
desordenadamente. Com isso adquirem características invasivas, e as alterações têm lugar nos tecidos
circunvizinhos. As células se infiltram e ganham acesso aos vasos linfáticos e sanguíneos, na qual
serão transportadas para outras localidades do corpo (Smeltzeret al., 2008).
Desde que as células neoplásicas não se tornem invasivas, o tumor é considerado benigno,
nessa fase, é possível retirar completamente pela destruição ou remover cirurgicamente toda a massa
tecidual. Um tumor só pode ser considerado maligno, se as células forem capazes de invadir os tecidos
adjacentes, essa invasividade é uma característica dessas células que permite a célula maligna se
desprender do tecido, penetrar a corrente sanguínea ou os vasos linfáticos e formar tumores
secundários em outros locais do corpo (Albertset al., 2017).
Os tipos de câncer diferem entre si pelos tipos de células do corpo os quais se originam, pela
velocidade de multiplicação das células e a capacidade de invadirem tecidos e órgãos vizinhos ou
distantes. De acordo com a célula que o originou pode ser classificado em (Albertset al., 2010):
Sarcoma: tumores derivados do tecido conectivo e de células musculares.
Carcinoma: lesões derivadas de células epiteliais, incluindo tecido de revestimento.
Linfoma: originam-se de linfócitos, sendo encontradas em glândulas linfáticas e no sangue.
Mieloma: originam-se das células plasmáticas da medula óssea as quais produzem anticorpos.
Leucemia: tumores decorrentes de células da medula óssea que produzem da série branca
hematopoiética.
Melanoma: originado dos melanócitos que são células da pele responsáveis pela produção do
pigmento.
Glioma: Desenvolvem-se a partir de células do tecido cerebral ou da medula espinhal.
A origem de um câncer pode ser traçada por um sinal simples, o tumor primário que está em
um órgão específico, acredita-se que esse tumor primário seja derivado da divisão celular de uma
única célula que sofreu alguma alteração hereditária, posteriormente essas mudanças se acumulam
em alguns descendentes das células, que se dividem e crescem rapidamente permitindo que tais
células sobrevivam à morte das vizinhas (Albertset al., 2010).
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3305 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
O câncer é uma doença multifatorial, incluindo suas causas, existindo, assim, vários fatores
que podem influenciar no desenvolvimento desta alteração: estilo de vida, exposição excessiva à
radiação, fatores hormonais, fatores hereditários, mutações genéticas e fatores psicológicos, como o
estresse (Faragoet al., 2010). Como afirmaram (Lasselin,Alvarez-Salas&Grigoleit,2016), o estresse
tem um papel importante na etiologia de diversas condições patológicas, de forma que os fatores
psicológicos afetam o sistema imune, como ocorre na fase de quase-exaustão do paciente, onde os
níveis de cortisol e outros hormônios aumentam consideralvemente, deprimindo o sistema
imunológico e dando início ao processo de adoecimento (LIPP, 2000) .
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), numa estimativa realizada no ano de
2016, os tipos de câncer mais incidentes no mundo foram pulmão (1,8 milhão), mama (1,7 milhão),
intestino (1,4 milhão) e próstata (1,1 milhão). Nos homens, os mais frequentes foram pulmão (16,7%),
próstata (15,0%), intestino (10,0%), estômago (8,5%) e fígado (7,5%). Em mulheres, as maiores
frequências encontradas foram mama (25,2%), intestino (9,2%), pulmão (8,7%), colo do útero (7,9%)
e estômago (4,8%). (Brasil, 2016).
Ainda segundo os dados do INCA, no Brasil, sem considerar os tumores de pele não
melanoma, o câncer de mama é o primeiro mais frequente nas mulheres e são esperados 57.960 casos
novos de câncer de mama em 2016, com um risco estimado de 56,20 casos a cada 100 mil mulheres.
Enquanto o câncer de próstata é o mais incidente entre os homens em todas as Regiões do país,
estimam-se 61.200 casos novos de câncer de próstata para 2016 e esses valores correspondem a um
risco estimado de 61,82 casos novos a cada 100 mil homens (Brasil, 2016).
A ocorrência do câncer de pulmão no Brasil em 2016, sem considerar os tumores de pele não
melanoma, dependendo da região do país, em homens é o segundo e terceiro mais frequente; em
mulheres ocupa a terceira e a quarta posição, e para o ano de 2016, estimam-se 17.330 de casos novos
entre homens e 10.890 entre mulheres. Já o câncer de cólon e reto em homens e mulheres dependendo
da região está entre a segunda e a terceira. Estimam-se, para 2016, no Brasil, 16.660 casos novos de
câncer de cólon e reto em homens e de 17.620 em mulheres (Brasil, 2016).
As terapias para o câncer de mana são classificadas em terapia local e terapia sistêmica. A
terapia local visa tratar o tumor no local, sem afetar o resto do organismo, exemplo desse tipo de
terapia é a cirurgia, que por sua vez, é a modalidade de tratamento mais antiga, e a radioterapia, a
qual utiliza a radiação ionizante. Já na terapia sistêmica, medicamentos são administrados por via oral
ou diretamente na corrente sanguínea, para atingir as células cancerosas em qualquer parte do corpo,
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3306 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
exemplos desse tipo de terapia são: a quimioterapia, a terapia hormonal e a terapia-alvo (Meneses-
Echávez, 2015).
As principais ferramentas para diagnósticos utilizados para o câncer de próstata abrangem o
toque digital da glândula, dosagem do antígeno prostático específico (PSA), ultrassonografia pélvica
ou prostática transretal (Barcelar Júnior et al., 2015). O tratamento para câncer de próstata pode ser
feito com remédios, radioterapia ou cirurgia, sendo indicado de acordo com a gravidade do câncer
(Bacelar Junior et al., 2015).
O tratamento para câncer de pulmão pode ser feito com cirurgia, quimioterapia, radioterapia
ou terapêutica fotodinâmica, dependendo do tipo de câncer, tamanho, localização do tumor, e do
estado geral de saúde do paciente (Terra, 2016).
O progresso de métodos eficazes de detecção e tratamento do câncer é responsável por
aumentar cerca de cinco anos a sobrevida de indivíduos diagnosticados com câncer, e ainda por uma
crescente população de sobreviventes em longo prazo (Miller, 2016). O aumento da incidência de
casos de câncer no mundo por ano é de 0,3%, enquanto índices de cura aumentam cerca de 0,6% ao
mesmo tempo (Miller, 2016). Portanto, considerando a importância do tratamento para os indivíduos
diagnosticados com esta doença, o presente trabalho teve por objetivo realizar uma revisão na
literatura das terapias utilizadas no tratamento das neoplasias malignas mais frequentes nos últimos
dez anos.
Metodologia
Este trabalho foi elaborado a partir de uma revisão da literatura nos bancos de dados Pubmed,
Scielo Science direct. As palavras chaves utilizadas foram “treatment or teraphy câncer (lung,
stomach, prostate and breast)”. Foram selecionados apenas os artigos entre os anos de 2007 a 2017
totalizando 47 artigos, dos quais 27 foram excluídos após a verificação do conteúdo apresentado por
não ser o objetivo deste estudo. Por fim, foram selecionados 20 artigos que preenchiam os critérios
inicialmente propostos.
Resultados e Discussão
Câncer de pulmão
Existem várias opções diferentes para o tratamento de câncer de pulmão, que são
influenciadas por diversos fatores como: tipo, extensão e progressão da doença. Os tratamentos
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3307 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
podem ser ordenados em cirurgia, radioterapia e terapia anticancerígena sistêmica (SACT),
combinações das quais também são possíveis. A cirurgia e a radioterapia tendem a serem usadas na
doença local e no estágio inicial, o SACT é corriqueiramente usado como tratamento em câncer de
pulmão de células maiores do estágio IIIb-IV avançado (NSCLC), com envolvimento nodal extensivo
e metástases, para " controle de doenças melhores sobrevivências e qualidade de vida"(Collinset al.,
2007).
A radioterapia juntamente com a cirurgia e quimioterapia faz parte da base do tratamento
do câncer. A cirurgia e radioterapia trata a enfermidade localizada, já a quimioterapia trata da
enfermidade sistemicamente (Barbieri& Novaes, 2008).
Em estudo realizado por (Barbieri & Novaes, 2008), em que os autores realizaram a análise
dos prontuários de 240 pacientes portadores de carcinoma brônquico, acompanhados no Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, de janeiro de 2000 a janeiro de 2006, sendo 64% do
sexo masculino. Em relação ao tratamento, 52 pacientes (39,7%) foram submetidos à quimioterapia
exclusiva, 32 (24,4%) realizaram quimioterapia associada à radioterapia e 47 (35,9%) foram
submetidos à cirurgia, associada ou não à quimioterapia e/ou radioterapia neoadjuvante/adjuvante.
Somente 27 pacientes (20,6%) foram submetidos à cirurgia exclusiva.
Grandes números de pacientes oncológicos que procuram os serviços de saúde já apresentam
tumores em estado metastático, o que piora o prognóstico e leva esses pacientes a diferentes
modalidades terapêuticas na tentativa de suprimir a progressão de células cancerígenas. Estudos
apontaram que cerca de 60% dos pacientes portadores de neoplasias têm seus tratamentos
direcionados radioterapia (Parente& Parente, 2010).
De acordo com (Vennepureddy, Atallah&Terjanian, 2015), o Topotecan (TPT) que é um
agentequimioterapêutico, um dos inibidores da topoisomerase-I, derivado solúvel em água da
camptotecina, demonstrou ter uma alta atividade antitumoral em tumores como câncer de pulmão
cervical, ovariano, endometrial e de células pequenas (SCLCs). Sua eficácia e perfil de toxicidade
foram amplamente analisados em estudos de fase II publicados a partir de 1997, envolvendo
principalmente pacientes refratárias à quimioterapia de primeira-linha baseada em platina
(Creemerset al., 1996).
Panchal (2017), em estudo retrospectivo de série de casos envolvendo a gravação dos
medicamentos tomados por pacientes diagnosticados com câncer de pulmão submetidos à terapia
anticancerígena sistêmica induzida em consultas no Chelsea e no Westminster Hospital, Reino Unido.
Foram identificadas e caracterizadas as interações potenciais em termos de severidade usando o
Formulário Nacional Britânico e outras fontes. Observaram-se todos os registros de consultas dos
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3308 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
pacientes para o reconhecimento de possíveis interações medicamnetosas. E foi constatado que existe
um alto potencial de interações medicamentosas envolvendo os agentes anticancerígenos e
medicamentos de suporte, como à dexametasona. A terapia anticancerígena sistêmica, sugere que é
possível implementar métodos de prescrição segura que previnam efeitos adversos de fármacos
usadas no tratamento do câncer.
O Brasil tem a maior biodiversidade vegetal do mundo e apesar disso, os estudos com plantas
medicinais e seus fins terapêuticos ainda são escassos. Arctigenin (ARC) é uma lignina abundante
em plantas de Asteraceae, que apresentam atividades anti-inflamatórias e anticancerígenas. Em
estudo investigou-se a ação do ARC na progressão do câncer e a metástase, com foco em EMT usando
células invasivas de câncer de pulmão. Como resultados obtiveram atividade anti-metastática de ARC
no modelo de câncer de pulmão (Xu, Lou & Lee, 2017).
Torna-se importante reconhecer o uso de plantas medicinais por pacientes oncológicos,
porque o fácil acesso para adquirir e o baixo custo são motivos que contribuem para o uso dessa
prática, além da busca por diminuir os efeitos colaterais nos pacientes submetidos ao tratamento
convencional. Todavia, muitas das plantas utilizadas pelos pacientes em tratamento oncológicos não
possuem estudos suficientes que comprovem sua eficácia e/ou possíveis efeitos adversos, tóxicos ou
interação com os medicamentos convencionais em uso.
Câncer de mama
O câncer de mama é o tipo de câncer que mais acomete as mulheres em todo o mundo, tanto
em países em desenvolvimento (maior causa de morte por câncer) quanto em países desenvolvidos
(segunda causa de morte por câncer), correspondendo a 25% de todos os tipos de cânceres
diagnosticados nas mulheres. Como o câncer é uma doença multifatorial, o diagnóstico e tratamento
dependem de cada tipo de célula e dos receptores.
Em estudo desenvolvido por Trufelli et al., (2008), analisou-se os prontuários de pacientes
do sexo feminino, com média de idade de 56,34 ± 12,198 anos, diagnosticadas com câncer de mama
e que estivessem realizando o tratamento oncológico no Hospital Estadual Mário Covas. Das 68
pacientes incluídas para a análise final, 83,1% realizaram a mamografia como exame inicial e 42,4%
se encontravam no estágio II da doença. Em relação ao diagnóstico imunohistoquímico, 53,3% das
mulheres manifestaram tumores com positividade para receptores de estrógeno e progesterona; 24,6%
apresentavam positividade para cerb-B2. Do total das pacientes que passaram por intervenção
cirúrgica (56 pacientes), 53,6% realizaram mastectomia. Apenas 20 pacientes (29,9%) realizaram
tratamento neoadjuvante. Quarenta e nove mulheres (72%) realizaram tratamento adjuvante, entre
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3309 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
elas, 28,6% foram tratadas apenas com quimioterapia e 22,4% receberam quimioterapia, radioterapia
e hormonioterapia.
As células cancerosas que são retiradas durante a biópsia ou cirurgia são analisadas para
observar a presença de receptores de estrogênio ou progesterona. Quando esses hormônios se ligam
a esses receptores, "alimentam” o crescimento dessas células cancerosas, os receptores são
denominados receptores hormonais positivos ou receptores hormonais negativos com base na
presença (ou não) destes receptores. É muito importante conhecer o tipo do receptor hormonal para
estabelecer as opções de tratamento.
Dependendo do tamanho do tumor, do receptor hormonal, do estado HER2 (receptor do
hormônio estrogênio) e do desejo de preservação mamária os pacientes diagnosticados com câncer
de mama podem sofrer quimioterapia adjuvante ou neoadjuvante. Os pacientes com receptores de
estrogênio e /ou progesterona trazem benefícios ao tratamento com moduladores seletivos de
receptores de estrogênio, como os inibidores de aromatase (tamoxifeno), com base no estado da
menopausa e risco de recorrência. O câncer de mama triplo negativo é o único subtipo que não possui
alvos específicos, e seu tratamento inclui principalmente quimioterapia (Apuri, 2017).
Ainda há muita resistência a terapias direcionadas ao tratamento do câncer e pode limitar a
eficácia. Os autores (Baldassarre, Truesdell& Craig, 2017) estudaramterapias direcionadas que
envolvem o trastuzumab de anticorpos e a trastuzumab-emtansina (T-DM1) e constataram que
melhoraram significativamente os resultados de pacientes com câncer de mama HER2-positivos
(HER2 +).O trastuzumab é um anticorpo monoclonal (um tipo de proteína) que reconhece e liga-se à
proteína HER2, estando presente em grande quantidade na superfície de algumas células
cancerígenas. Quando se liga à HER2, o trastuzumab ativa células do sistema imune, que atuam
tentando matar as células cancerígenas, e também impedindo que a HER2 estimule o crescimento das
células cancerígenas. Nesse estudo foi observado o envolvimento da proteína endocítica, endofilina
A2 (Endo II) em modelos de câncer de mama HER2 + e suas respostas a tratamentos com trastuzumab
e T-DM1. O estudo forneceu novas evidências da função Endo II na motilidade celular HER2 + e
tráfico de HER2 que se relaciona com tratamentos efetivos com trastuzumab ou T-DM1. Assim, a
expressão diferencial de Endo II pode se relacionar com sensibilidade ou resistência a terapias
baseadas em trastuzumab para câncer de HER2 +.
Hoje, o tamoxifeno é uma das biofármacos hormonais de câncer de mama mais vendidas
no mundo.Embora tenha sido projetado para atuar como antiestrogênio, o composto estimulou, ao
invés de suprimir a ovulação em mulheres (Quirke, 2017).
Estudos realizados por (Karnamet al.,2017), também demonstraram que a Berberina é capaz de
proteger o tecido mamário contra danos oxidativos.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3310 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
Câncer de intestino
A ressecção cirúrgica radical do reto por via abdominal ainda é o melhor tratamento com
intenção curativa para o câncer retal, mesmo com o desenvolvimento de abordagens cirúrgicas menos
invasivas. As operações para tratamento dos tumores dos terços médio e inferior seguem os princípios
da excisão total do mesorreto (ETM), onde essa técnica reduziu as recidivas locais que eram de 15%
a 40% para 6% a 10% (Buzatti & Petroianu, 2017). Já os tumores do terço superior do reto podem
ser tratados com a excisão parcial do mesorreto (EPM), mantendo os bons resultados oncológicos da
ETM (Kim, Kim& Cho, 2015). Essas operações são conhecidas como ressecção anterior do reto
(RAR).
A cirurgia de preservação do esfíncter anal é a mais realizada em pacientes com câncer de
reto. Contudo, até 90% desses pacientes apresentará uma alteração nos hábitos intestinais, variando
de uma frequência aumentada de fezes ao grau de incontinência fecal ou disfunção de evacuação após
ressecção e reconstrução do reto. Destes pacientes, 25-50% terão uma alteração grave na qualidade
de vida (Lopez et al., 2017). Este amplo espectro de sintomas foi denominado "síndrome da ressecção
anterior baixa" (LARS).
(Zimmer et al., 2017), concluíram em seus estudos que a atividade física deve diminuir a
mortalidade do câncer colorretal (CRC) e é sugerida para reduzir os efeitos colaterais da doença e seu
tratamento. Em estudos realizados por Cáceres et al., (2014), foi relatado que a quimioterapia sem
cirurgia é uma boa opção na maioria dos pacientes com câncer colorretal metastático não ressecável.
Câncer de próstata
Segundo dados do CAPSURE (Cancer of the Prostate Strategic Urologic Research Endeavor)
os principais tratamentos utilizados para o combate ao câncer de próstata são: prostatovesiculectomia
radical (51,6%), braquiterapia (21,7%), radioterapia externa (6,8%), observação (7,9%) e outros
(12%) (Rhoden&Averbeck, 2010).
Em um estudo realizado por Stone & Stock (2002), fizeram a comparação de 901 pacientes
(com idades entre 55 e 74 anos) submetidos à prostatovesiculectomia radical, e 286 submetidos à
radioterapia externa, onde pode ser observado que durante 5 anos, os homens apresentaram elevados
índices de incontinência urinária (14 versus 4%, risco relativo de 4,4) e disfunção erétil (79 versus
63%, risco relativo de 2,5) quando foram submetidos a prostatovesiculectomia radical. Contudo,
pacientes que foram tratados com radioterapia externa mostraram maiores taxas de alteração de hábito
intestinal, dor e sangramento retal e hemorroidário (Stone & Stock, 2002)
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3311 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
A braquiterapia surge, atualmente, como uma técnica refinada para implante homogêneo via
perineal de sementes radioativas de Iodo 125 (140-160Gy) ou de palladium 103 (115 a 130 Gy),
guiado por ultrassonografia transretal e planejamento computadorizado. Tem sido empregada
principalmente em estágios iniciais e doença de baixo volume. Os argumentos fundamentais para a
sua indicação são a abordagem menos invasiva (comparada com cirurgia), menor tempo de
tratamento e convalescença quando comparada à radioterapia externa. Contudo, entre as
contraindicações para a braquiterapia, podemos citar a história de ressecção endoscópica prévia da
próstata, expectativa de vida inferior a 10 anos, próstatas de volumes superiores a 60 gramas,
estenoses ano-retais, discrasias sanguíneas, uropatia obstrutiva significativa e arco púbico e
deformidades ósseas (Tofani& Vaz, 2007).
A quimioterapia baseada em Docetaxel tornou-se o tratamento padrão para o câncer de
próstata resistente à castração - CPRC (Tannock et al., 2004). O benefício de sobrevivência resultante
do uso de Docetaxel foi estatisticamente significativo no prazo de 3 semanas, mas não semanal,
portanto, a dose recomendada de docetaxel foi de 75 mg / m2, uma vez a cada 3 semanas em
combinação com prednisona. A quimioterapia com Docetaxel a uma dose de 75 mg / m2 a cada 3
semanas juntamente com a prednisona é bem tolerada nesta coorte de pacientes relativamente
anteriores com Câncer de próstata Resistente a castração, e a administração semanal pode ser uma
alternativa razoável em pacientes frágeis não só para prolongar a sobrevivência, mas também para
aliviar os sintomas da doença (Naside&Levent, 2014).
Considerações finais
Definir qual a terapia adequada para os tipos de câncer ainda é um desafio, pelo fato do
câncer ser uma doença multifatorial que se apresenta com particularidades em cada paciente. O
diagnóstico precoce, o modo de vida e a idade do paciente determina a escolha do tratamento mais
eficaz, e influencia na resposta desse tratamento.
A quimioterapia, a radioterapia e a cirurgia ainda são os tratamentos mais utilizados para os
diversos tipos de câncer, porém com efeitos colaterais agressivos. Contudo, novos fármacos
fitoterápicos, terapias neoadjuvante e coadjuvante, estão sendo bastante estudados no meio científico,
apresentando resultados positivos e promissores.
Em síntese, existem perspectivas para a cura do câncer, considerando os avanços científicos e
tecnológicos, porém se faz necessário intensificar os estudos sobre novas terapias e formas de facilitar
o diagnóstico.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3312 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
Referências
Alberts B, Johnson A, Lewis J, Raff M, Roberts K, Walter P. Biologia molecular da célula. 6.ed.
Porto Alegre: Artmed, 2017. 1464 p.
Apuri S. Neoadjuvant and adjuvant therapies for breast cancer. South. Med. J. 110(10): 638–642,
2017.
Bacelar Junior A, Freitas G, Silva GG, Vaz J, Souza ML, Oliveira TM. Câncer de próstata: métodos
de diagnóstico, prevenção e tratamento. Braz. J. Surg. Clin. Res. 10(3): 40–46, 2015.
Baldassarre T, Truesdell P, Craig AW. Endophilin A2 promotes HER2 internalization and sensitivity
to trastuzumab-based therapy in HER2-positive breast cancers. Breast Cancer Res.19(1): 110, 2017.
Barbieri P & Novaes PERS. Princípios da radioterapia. In: Lopes A, Iyeyasu H & Castro RMRPS
(Orgs.). Oncologia para a graduação. São Paulo: Tecmedd, 2008. cap.7, p. 187-203.
Buzatti KCLR & Petroianu A. Aspectos fisiopatológicos da síndrome pós-ressecção anterior do reto
para o tratamento de câncer retal. Rev. Col. Bras. Cir. 44(4): 397-402, 2017.
Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Incidência
de câncer no Brasil 2016. Rio de Janeiro: INCA, 2016.
Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa
2014: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2014. p. 121.
Brunner LS & Smeltzer SC. Oncologia: tratamento de enfermagem no cuidado do paciente com
câncer. In: Tratado de enfermagem médico-cirúrgica.12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2014. v. 1, cap. 16, p. 619.
Cáceres M, Pascual M, Alonso S, Montagut C, Gallén M, Courtier R, Gil MJ, Grande L, Andreu M,
Pera M. Treatment of colorectal cancer with unresectable metastasis with chemotherapy without
primary tumor resection: analysis of tumor-related complications. Cir. Esp. 92(1): 30–37, 2014.
Creemers GJ, Bolis G, Gore M, Scarfone G, Lacave AJ, Guastalla JP. Topotecan, an active drug in
the second-line treatment of epithelial ovarian cancer: results of a large European phase II study. J.
Clin. Oncol. 14(12): 3053–3055, 1996.
Collins LG, Haines C, Perkel R, Enck RE. Lung cancer: diagnosis and management. Am. Fam.
Physician. 75(1): 56–63,2007.
Farago PM, Ferreira DB, Reis RPJP, Gomes IP, Reis PED. My life breast cancer: report of emotional,
stress. Rev. Enferm. UFPE On Line. 4(3): 1432–1440, 2010.
Heald RJ, Husband EM, Ryall RD. The mesorectum in rectal cancer surgery--the clue to pelvic
recurrence? Br. J. Surg. 69(10): 613–616, 1982.
Heald RJ & Ryall RD. Recurrence and survival after total mesorectal excision for rectal cancer.
Lancet. 327(8496): 1479–1482, 1986.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3313 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
Hunter DJ, Colditz GA, Hankinson SE, Malspeis S, Spiegelman D, Chen W, Stamppfer MJ, Willett
WC. Oral contraceptive use and breast cancer: a prospective study of young women. Cancer
Epidemiol. Biomarkers Prev.19(10): 2496–2502, 2010.
Karnam KC, Ellutla M, Bodduluru LN, Kasala ER, Uppulapu SK, Kalyankumarraju M, Lahkar M.
Preventive effect of berberine against DMBA-induced breast cancer in female Sprague Dawley rats.
Biomed. Pharmacother. 92: 207–214, 2017.
Kim NK, Kim YW, Cho MS. Total mesorectal excision for rectal cancer with emphasis on pelvic
autonomic nerve preservation: expert technical tips for robotic surgery. Surg. Oncol.24(3): 172–180,
2015.
Lasselin J, Alvarez-Salas, E, Grigoleit JS. Well-being and immune response: a multi-system
perspective. Curr. Opin. Pharmaco.29: 34–41, 2016.
Lipp MEN. Manual do inventário de sintomas de stress para adultos de LIPP (ISSL). São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2000.
Liu Y, Yu H, Zhang C, Cheng Y, Hu L, Meng X, Zhao Y. Protective effects of berberine on radiation-
induced lung injury via intercellular adhesion molecular-1 and transforming growth factor-beta-1 in
patients with lung cancer. Eur. J. Cancer. 44(16): 2425–2432, 2008.
Lopez SN, Carrillo K, Sanguineti AM, Azolas RM, Díaz MB. Bocic G, Llanos JLB, Abedrapo M.
Adaptación transcultural del cuestionario acerca de la función intestinal (LARS Score) para
suaplicaciónen pacientes operados de cáncer de rectomedio y bajo. Rev. Chil. Cir. 69(1): 44–48, 2017.
Maneesha M, Ying W, Ravinder D. Healthcare resource use in advanced prostate cancer patients
treated with docetaxel. J. Med. Econ.15(5): 836–843, 2012.
Mangir N & Türkerí L. Quimioterapia basada em docetaxel en el tratamiento de pacientes com cáncer
de prostata resistente a la castración. Actas Urol. Esp. 38(8): 515–522, 2014.
Meneses-Echávez JF, González-Jiménez E, Correa-Bautista JE, Valle JS, Ramírez-Vélez R.
Effectiveness of physical exercise on fatigue in cancer patients during active treatment: a systematic
review and meta-analysis. Cad. Saude Publ. 31(4): 667–681, 2015.
Miller KD, Siegel RL, Lin CC, Mariotto AB, Kramer JL, Rowland JH, Stein KD, Alteri R, Jemal A.
Cancer treatment and survivorship statistics, 2016. CA Cancer J. Clin.66(4): 271–289, 2016.
Oliveira MAR. Palliative outcomes scale e a avaliação da qualidade de vida de pacientes sob
cuidados paliativos oncológicos.2014. Niterói. 51 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Enfermagem), Universidade Federal Fluminense. Niterói.
Panchal R. Systemic anticancer therapy (SACT) for lung cancer and its potential for interactions with
other medicines. Ecancermedicalscience J. 11: 764, 2017.
Parente JML & Parente MPPD. Contexto epidemiológico atual da infecção por Helicobacter pylori.
GED Gastroenterol. Endosc. Dig. 3(1): 86–89, 2010.
Quirke VM. Tamoxifen from failed contraceptive pill to best-selling breast cancer medicine: a case-
study in pharmaceutical innovation. Front. Pharmacol. 8: 620, 2017.
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW
3314 Silva, W. A. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3314 – 3327, 2019
Rhoden EL & Averbeck MA. Câncer de próstata localizado. Rev. AMRIGS. 54(1): 92–99, 2010.
Stone NN & Stock RG. Complications following permanent prostate brachytherapy. Eur. Urol. 41(4):
427–433, 2002.
Tannock IF, De Witr R, Berry WR, Horti J, Pluzanska A, Chi Kn, Oudard S, Théodore C, James ND,
Turesson I, Rosenthal MA, Eisenberger MA. Docetaxel plus prednisone or mitoxantrone plus
prednisone for advanced prostate cancer. N. Engl. J. Med. 351: 1502–1512, 2004.
Terra RM, Tsukazan MTR, Fortunato G, Camargo SM, Lauricella L, Oliveira HA, Pinto Filho DR.
P1. 20: lung resection analysis from Brazilian Society of Thoracic Surgery Database: Track: Early
Stage NSCLC (Stage I-III). J. Thorac. Oncol. 11(10S): S193–S194.
Tofani AC & Vaz CE. Câncer de próstata, sentimento de impotência e fracassos ante os cartões IV e
VI do Rorschach. Interam. J. Psychol. 41(2): 197–204, 2007.
Trufelli DC, Miranda VC, Santos MBB, Fraile NMP, Pecoroni PG, Gonzaga SFR, Kaliks RRR, Del
Giglio A. Análise do atraso no diagnóstico e tratamento do câncer de mama em um hospital público.
Rev. Assoc. Med. Bras. 54(1): 72–76, 2008.
Vennepureddy A, Atallah JP, Terjanian T. Role of Topotecan in non-small cell lung cancer: a review
of literature. World J. Oncol.6(5): 429–436, 2015.
Xu Y, Lou Z, Lee S. Arctigenin represses TGF-β-induced epithelial mesenchymal transition in human
lung cancer cells. Biochem. Biophys. Res. Commum.493(2): 934–939, 2017.
Yoshida K & Miki Y. Role of BRCA1 and BRCA2 as regulators of DNA repair, transcription, and
cell cycle in response to DNA damage. Cancer Sci. 95(11): 866–871, 2004.
Zimmer P, Trebing S, Timmers-Trebing U, Schenk A, Paust R, Bloch W, Rudolph R, Streckmann F,
Baumann FT. Eight-week, multimodal exercise counteracts a progress of chemotherapy-induced
peripheral neuropathy and improves balance and strength in metastasized colorectal cancer patients:
a randomized controlled trial. Support. Care Cancer. 26(2): 615–624, 2017.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
Análise de prescrições de medicamentos psicotrópicos dispensados em farmácias
municipais de Santa Maria/RS
Rodayne Khouri Nascimento1*, Carolini Kunz de Oliveria2, Bernardo dos Santos Zucco1,
Ana Rosália Coradini Andreazza2, Edi Franciele Ries3,
Salete de Barros Zago4 & Valéria Maria Limberger Bayer3
1Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria/RS 2Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria/RS
3Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Saúde Coletiva – Santa Maria/RS 4Prefeitura Municipal de Santa Maria, Farmácia Municipal – Santa Maria/RS
*Autora correspondente: Rodayne Khouri Nascimento – Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria;
Av. Roraima, 10000, Bairro Camobi, Santa Maria, Rio Grande do Sul, CEP: 97105-900, Tel: (55) 3220-9370. E-mail:
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3316 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi caracterizar medicamentos psicotrópicos dispensados somente por
farmácias municipais do Sistema Único de Saúde (SUS) e o perfil de seus usuários. Este estudo
seccional foca a dispensação de psicotrópicos em farmácias municipais de Santa Maria, Rio Grande
do Sul, no período de janeiro a outubro de 2016. Foram analisadas prescrições de medicamentos
retidas nas duas farmácias do SUS, responsáveis por dispensar psicotrópicos na rede municipal de
Santa Maria. O estudo incluiu 591 prescrições e um total de 706 medicamentos foram identificados.
Destacaram-se o número de prescrições de antidepressivos (46,74%), antiepiléticos (33,71%) e
antipsicóticos (9,91%). O sexo feminino totalizou 74,62% das prescrições. Considerando a idade,
identificou-se prevalência de pacientes de 46 a 60 anos (33,67%), seguida dos idosos (31,64%). Há
indício de polifarmácia psicotrópica em 13,73% das prescrições. O psicotrópico presente mais vezes
nessas associações foi a fluoxetina, incluída em 54,32% das ocorrências de polimedicação
psicotrópica. A falta de recursos com destino específico para saúde mental e pouca variedade de
psicotrópicos ofertados pela Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME) são
considerados fatores causadores de polifarmácia, prescrição off-label e de terapêuticas unicamente
calcadas em medicamentos. Este estudo contribui com perspectivas acerca da avaliação sobre a
prescrição desses fármacos.
PALAVRAS-CHAVE: Transtornos Mentais, Antidepressivos, Sistema Único de Saúde, Saúde
Pública.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3317 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
ABSTRACT
This research aimed to portray the psychotropic drugs only dispensed by municipal pharmacies of the
Unified Health System (SUS) at Santa Maria and the features of its users. This sectional study focused
on the dispensing of psychotropic drugs in municipal pharmacies in Santa Maria, Rio Grande do Sul,
from January to October 2016. Prescriptions of the dispensed drugs were analyzed from the two SUS
pharmacies responsible for dispensing psychotropic medication in the municipal network of Santa
Maria. The study included 591 prescriptions and a total of 706 medications were identified. The
number of prescriptions of antidepressants (46.74%), antiepileptics (33.71%) and antipsychotics
(9.91%) were prominent. Female sex computed 74.62% of the prescriptions. Regarding age, it was
identified the prevalence of patients from 46 to 60 years (33.67%), followed by the elderly (31.64%).
There is evidence of psychotropic polypharmacy in 13.73% of prescriptions. The psychotropic
present more frequently in these prescriptions was fluoxetine, included in 54.32% of the occurrences
of psychotropic polymedication. The lack of resources with a specific destination for mental health
and a few variety of psychotropic drugs offered by the Municipal Essential Drugs List (REMUME)
are considered to be factors that cause polypharmacy, off-label prescriptions and therapies solely
based on medications. The results contribute to the evaluation of the correct use of these drugs.
KEYWORDS: Mental Disorders, Antidepressive Agents, Unified Health System, Public Health.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3318 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
INTRODUÇÃO
Os transtornos psiquiátricos são prevalentes em todos países, acometem todas classes sociais,
tanto homens quanto mulheres e abrangem todos estágios da vida. O desconhecimento público sobre
a natureza e o tratamento desses transtornos corroboram com a instalação de estigmas e
discriminações na cultura contemporânea. Tais fatores contribuem para a exclusão social, familiar e
profissional de muitos indivíduos, que passam a se negligenciar e terem sua saúde mental
negligenciada por muitos profissionais de saúde. Indivíduos com transtornos psiquiátricos tendem a
receber menos condutas baseadas em evidências e rotineiramente cursam com falta de apoio
profissional continuado, o que leva ao aumento de taxas de mortalidade e a um elevado custo social
e econômico (Funk et al., 2008).
Estima-se que os transtornos neuropsiquiátricos constituem 13% da carga global de problemas
de saúde no mundo (WHO, 2014a). No Brasil, em grandes áreas metropolitanas, a prevalência de,
pelo menos, um transtorno mental durante a vida é de 44,8% (Gonçalves et al., 2014). O uso de
medicamentos psicotrópicos tem sido a principal estratégia para o tratamento desses transtornos e
contribuem de forma relevante para o total de despesas de saúde por pessoa gasta pelo governo.
Os psicotrópicos são substâncias químicas que aliviam os sintomas ocasionados por transtorno
mental, distúrbio do humor, emoção e do comportamento. Estão incluídos nessa definição
medicamentos com ações antidepressivas, antiepilépticas, antipsicóticas e ansiolíticas (Andrade,
Andrade & Santos, 2004).
A prevalência do consumo de psicofármacos no Brasil é elevada (Campanha et al., 2015). A
ampliação do acesso a eles é um avanço no que tange à necessária terapêutica medicamentosa na
saúde mental. No entanto, há riscos inerentes, como reações adversas e erros de medicação, gerando
mais gastos públicos com saúde (Wong et al., 2017).
Nesse sentido, estudos sobre a dispensação de psicofármacos são ferramentas úteis e
necessárias na elaboração de estratégias que favoreçam o uso racional de fármacos, além de
permitirem discussões sobre a indicação da medicalização na saúde mental e suas repercussões em
gastos públicos. Essas informações possibilitam avaliar o acesso e a longitudinalidade do cuidado
em saúde mental em nível populacional, bem como contribuem para a averiguação da capacitação
médica geral no diagnóstico e manejo de transtornos psiquiátricos.
A inexistência de estudos abrangendo investigações a respeito do uso de psicotrópicos na
população do município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, cria uma lacuna no entendimento de
como esses medicamentos estão sendo prescritos e dispensados. Desse modo, possíveis
características desse processo passíveis de intervenção, provavelmente, não estão sendo visualizadas.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3319 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
Assim, deixa-se de fornecer subsídios resolutivos que poderiam contribuir com a melhora do cuidado
integral da saúde mental dos usuários.
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo caracterizar os medicamentos
psicotrópicos dispensados nas farmácias municipais de Santa Maria e as características demográficas
de seus usuários.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo retrospectivo, exploratório-descritivo, de base populacional, focando a
prescrição de psicotrópicos, realizado em Santa Maria, Rio Grande do Sul, no período de janeiro a
outubro de 2016.
Foram analisadas as prescrições de medicamentos dispensados, retidas nas duas farmácias do
Sistema Único de Saúde (SUS), responsáveis por dispensar psicoterápicos no período da realização
do estudo, que compõem o complexo de quatro farmácias municipais de Santa Maria. Nas prescrições
analisadas, foram coletados dados demográficos dos pacientes e relacionados aos medicamentos
prescritos.
Uma amostra representativa foi calculada considerando uma média de 820 pessoas atendidas
por dia, em 22 dias úteis do mês, obtendo-se 18.040 usuários atendidos mensalmente nas duas
farmácias municipais que dispensam psicotrópicos. A amostra foi calculada com o auxílio do
Software EpiInfo® considerando uma prevalência de 25,8% de uso de psicotrópicos em atenção
primária em saúde (Borges et al., 2015), erro aceitável de 5% e margem de 10% para possíveis perdas,
totalizando de 599 prescrições. Foram coletados dados referentes ao período de janeiro a outubro de
2016.
As informações sobre o medicamento prescrito e o sexo do paciente foram obtidas dos
receituários. Já a idade do paciente foi obtida através do sistema Consulfarma®. Os medicamentos
das prescrições são os que constam na Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME)
de Santa Maria, vigente em 2017, elaborada por equipe multiprofissional a partir da Relação Nacional
de Medicamentos Essenciais (RENAME) (Brasil, 2017). Não foram incluídos medicamentos
dispensados em farmácias comerciais da cidade.
O tratamento dos dados foi realizado conforme segue:
a) Demográficos: sexo e idade, conforme a classificação da Organização Mundial da Saúde
(OMS): idade adulta jovem (dos 15 aos 30 anos), idade madura (dos 31 aos 45 anos), idade de
mudança (dos 46 aos 60 anos) e idade idosa (acima de 60 anos). Descartaram-se as prescrições de
usuários com menos de 15 anos.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3320 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
b) Subgrupo terapêutico: os medicamentos foram classificados de acordo com o Anatomical
Therapeutic Chemical (ATC), adotado pela OMS (WHO, 2017).
Por meio do Software Excel®, construiu-se o banco de dados, cujos resultados foram
expressos em frequência absoluta e relativa.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa
Maria (parecer nº 2.124.362) e da Secretaria Municipal de Saúde de Santa Maria.
RESULTADOS
Foram analisadas 591 prescrições de psicotrópicos, identificando-se 706 medicamentos
dispensados. Os medicamentos mais frequentes da amostra foram fluoxetina (30,17%), clonazepam
(25,78%), amitriptilina (13,60%), diazepam (6,37%) e carbamazepina (3,82%), conforme Tabela 1.
Observou-se que o subgrupo predominante entre as prescrições é dos antidepressivos, perfazendo
46,74% das receitas, sendo os mais frequentes a fluoxetina (64,54%) e a amitriptilina (29,09%). O
segundo subgrupo mais prescrito foi o dos antiepiléticos, compondo 33,71% das receitas, sendo o
clonazepam o mais prescrito (76,47%), seguido da carbamazepina (11,34%). O terceiro subgrupo de
maior prevalência foi a dos antipsicóticos (9,91%), sendo o haloperidol (35,71%) o mais prescrito.
Tabela 1. Distribuição absoluta e percentil dos subgrupos terapêuticos e químicos de psicofármacos
dispensados pelas farmácias municipais de Santa Maria, no período de janeiro a outubro de 2016,
segundo classe terapêutica. N=706.
Subgrupos terapêuticos, químico e substância química
N %
ANTIDEPRESSIVOS 330 46,74
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina
Fluoxetina 213 30,17
Inibidores não seletivos da recaptação de serotonina
Amitriptilina 96 13,60
Nortriptilina 4 0,57
Imipramina 17 2,41
ANTIEPILÉTICOS 238 33,71
Derivado dos Benzodiazepínicos
Clonazepam 182 25,78
Barbitúricos e derivados
Fenobarbital 12 1,70
Derivados da Hidantoína
Fenitoína 10 1,42
Derivados da Carboxamida
Carbamazepina 27 3,82
Derivados dos Ácidos graxos
Ácido Valpróico 7 0,99
ANSIOLÍTICOS 45 6,37
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3321 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
Derivados de benzodiazepínicos
Diazepam 45 6,37
ANTIPSICÓTICOS 70 9,91
Lítio
Lítio
23
3,26
Fenotiazinas com cadeia lateral alifática
Clorpromazina 13 1,84
Levomepromazina 9 1,27
Derivados de butirofenona
Haloperidol 25 3,54
AGENTES ANTICOLINÉRGICOS 23 3,26
Aminas terciárias
Biperideno 23 3,26
A Tabela 2 apresenta a distribuição dos psicotrópicos dispensados nas farmácias municipais
de Santa Maria, com o sexo feminino totalizando em 74,62%, ou seja, a maior prevalência das
prescrições. Por outro lado, a faixa etária mais prescrita é a da idade de mudança, de 46 a 60 anos
(33,67%), seguida dos idosos (31,64%) e dos maduros (25,21%).
Tabela 2. Distribuição absoluta e percentual dos usuários de psicofármacos dispensados nas
farmácias municias de Santa Maria no período de janeiro a outubro de 2016, segundo características
demográficas.
Característica N %
Sexo
Feminino
Masculino
441
150
74,62
25,38
Faixa etária
Idade A – Adulto jovem (15 a 30 anos)
56
9,47
Idade B – Maduro (31 a 45 anos)
Idade C – Mudança (46 a 60 anos)
Idade D – Idoso (acima de 60 anos)
149
199
187
25,21
33,67
31,64
Em relação ao sexo, a fluoxetina (80,75%), a amitriptilina (81,25%), o clonazepam (76,92%)
e o diazepam (66,67%) tiveram predominância de prescrições para o sexo feminino, enquanto a
carbamazepina apresentou maior prevalência no sexo masculino (53,57%).
A Tabela 3 demonstra as classes de psicotrópicos com relação ao sexo e à faixa etária, sendo
possível destacar a alta prescrição de antidepressivos em grupos específicos, representando 51,54%
e 52,21% dos medicamentos dispensados, respectivamente, para o sexo feminino e para pessoas
acima de 60 anos.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3322 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
Tabela 3. Frequência absoluta e relativa dos subgrupos de psicofármacos dispensados nas farmácias
municipais de Santa Maria no período de janeiro a outubro de 2016, em relação ao sexo e faixa etária,
segundo a classificação ATC (Anatomical Therapeutic Chemical). N=706.
Variáveis ATD ANE ANS ANP ANC
Sexo N % N % N % N % N %
Feminino 267 51,54 163 31,47 30 5,79 44 8,49 14 2,70
Masculino 63 33,51 75 39,89 15 9,98 26 13,83 9 4,79
Faixa Etária (anos)
15 – 30 31 44,97 23 22,85 2 3,03 6 9,09 4 6,06
31 – 45 76 40,64 62 33,16 12 6,42 29 15,51 8 4,28
46 – 60 105 46,26 85 37,44 15 6,61 18 7,93 4 1,76
Acima de 60 118 52,21 68 30,09 16 7,08 17 7,52 7 3,10
ATD: Antidepressivos; ANE: Antiepiléticos; ANS: Ansiolíticos; ANP: Antipsicóticos; ANC: Agentes anticolinérgicos.
Observou-se que na faixa etária acima dos 60 anos, foram mais prescritos amitriptilina
(38,54%), diazepam (35,55%) e fluoxetina (33,33%). Já entre os indivíduos na faixa etária entre 46 e
60 anos foi mais prevalente o clonazepam (39,52%), enquanto para os pacientes entre 31 e 45 anos,
teve maior frequência a carbamazepina (37,04%).
Há indício de polifarmácia psicotrópica, definida como o uso de dois ou mais medicamentos
psicotrópicos (Costa et al., 2017) em 13,73% das prescrições. A média de dispensação foi de 1,19
medicamentos psicotrópicos por paciente, havendo uma prescrição com o número máximo de seis
medicamentos.
Pouco mais de um quinto das prescrições de polifarmácia psicotrópica foi de associação de
dois ou mais antidepressivos. O psicotrópico presente mais vezes nessas associações foi a fluoxetina,
incluída em 54,32% das ocorrências de polimedicação psicotrópica. A combinação mais prevalente
de antidepressivos foi a de fluoxetina e amitriptilina, encontrada em 19,06% das prescrições, seguida
da combinação entre o antidepressivo fluoxetina e o antiepiléptico clonazepam (11,90%).
A Figura 1 compara as associações de acordo com o subgrupo terapêutico, no qual cada
círculo representa um subgrupo de psicotrópicos das prescrições com medicamentos associados. O
tamanho dos círculos corresponde ao número de associações daquele subgrupo. As associações estão
ligadas por uma linha, cuja espessura corresponde ao número de vezes que os dois subgrupos foram
encontrados na mesma prescrição, que está representado pelo valor ao lado da linha.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3323 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
Figura 1. Teia de comparação de associações de psicotrópicos dispensados nas farmácias municipais
de Santa Maria, no período de janeiro a outubro de 2016, segundo subgrupos terapêutico.
DISCUSSÃO
A frequência majoritária de prescrições de medicamentos psicotrópicos dispensados para
usuários do sexo feminino observada nesta pesquisa corrobora dados de estudos prévios (Costa et al.,
2017; Prado, Francisco & Barros, 2017). Esse resultado é influenciado pelo maior número de
mulheres na população brasileira (IBGE, 2016) e por elas serem mais conscientes em relação ao
autocuidado, utilizarem com maior frequência os serviços de saúde e apresentarem maior adesão aos
tratamentos farmacológicos (Ignácio & Nardi, 2007). Adicionalmente, mudanças sociais do papel da
mulher em sociedade como a tentativa de conciliar as atividades profissionais com o cuidado da
família e do lar, podem ampliar os problemas de saúde mental na população feminina (Senicato, Lima
& Barros, 2016). É possível que o menor uso de psicotrópicos verificado entre os homens deva-se ao
seu menor envolvimento em medidas de cuidado da saúde mental, muitas vezes, preferindo serviços
mais rápidos, como farmácias, percebidas como uma forma rápida e objetiva de solucionar um
sintoma ou dúvidas (Figueiredo, 2005; Couto et al., 2010).
Quanto aos medicamentos prescritos, a relevante prescrição dos antidepressivos e dos
antiepilépticos é consistente com os relatos na literatura (Campanha et al., 2015; Quintana et al.,
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3324 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
2015), embora não seja possível comparar valores em função do diferente perfil de amostras nos
trabalhos pesquisados.
Ao analisar a faixa etária, verificou-se predomínio de prescrições dos pacientes nos grupos de
maior idade, de 46 a 60 anos e acima de 60 anos. O aumento da prescrição de psicotrópicos em tais
faixas etárias é uma tendência encontrada na última década em todo mundo (Téllez-Lapeira et al.,
2016; Menecier & Menecier-Ossia, 2017; Prado, Francisco & Barros, 2017) e sugere que o
aparecimento característico de comorbidades clínicas nos idosos lhes causa eventos estressantes que,
ao comprometerem a saúde mental, criam a necessidade da prescrição de psicotrópicos. No entanto,
é possível que parte dessas prescrições à população idosa não seja racional. No presente estudo, os
ansiolíticos foram o terceiro grupo de medicamentos mais prescritos para os grupos de maior idade.
Como a prevalência de transtornos de ansiedade nos idosos é relativamente baixa (Flint, 1994; Flint,
2005;), os achados desta pesquisa sugerem que a prescrição desses medicamentos possa ser excessiva
e inapropriada.
O impacto do deletério uso a longo prazo do diazepam, único ansiolítico prescrito na amostra
analisada, é consolidado na literatura por causar dependência, abuso e declínio cognitivo,
principalmente em população acima de 60 anos (Uzun et al., 2010). Inclusive, recentes estudos
(Téllez-Lapeira et al., 2016; Cho et al., 2017; Menecier & Menecier-Ossia, 2017) apontam que,
mesmo em curto prazo, o uso desse ansiolítico na população de maior idade pode afetar várias áreas
da cognição, interferindo, principalmente, na formação e na consolidação de memória, podendo
induzir à completa amnésia anterógrada.
Os resultados deste estudo devem ser interpretados à luz de algumas limitações. A prevalência
das prescrições de psicotrópicos foi avaliada desassociada do diagnóstico dos pacientes. Portanto,
não é possível tecer uma inferência acurada acerca dos tratamentos de transtornos mentais em Santa
Maria, uma vez que tais medicamentos são possíveis de serem prescritos para uma variedade de
condições e sintomas não restritos à saúde mental. Consequentemente, não é possível determinar se
os pacientes receberam medicamento apropriado a sua necessidade clínica.
No Brasil, em 2009, o Ministério da Saúde desenvolveu diretrizes operacionais priorizando a
saúde mental da população brasileira com o “Pacto pela Vida” (Brasil, 2009). Entretanto, uma extensa
parcela dos indivíduos com transtorno mental permanece sem tratamento farmacológico. As taxas
nas principais metrópoles brasileiras variam de 80% no Rio de Janeiro (Quintana et al., 2013) a 85%
em São Paulo (Blay et al., 2014). Dessa forma, é provável que muitas das prescrições analisadas nesse
estudo não tenham sido destinadas, de fato, para o tratamento da saúde mental e sejam práticas off-
label, uso diferente do aprovado em bula ou ao uso de produto não registrado no órgão regulatório de
vigilância sanitária (Brasil, 2012).
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3325 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
A amitriptilina, terceiro psicotrópico mais prevalente em nosso estudo, é indicada
exclusivamente para o tratamento de depressão maior e enurese noturna (Stahl, 2013). Entretanto, na
prática médica, é prescrita quase exclusivamente para o tratamento de dor neuropática, fibromialgia,
insônia e enxaqueca (Frost et al., 2011). Essa indicação é uma das principais causas da alta
prevalência de prescrições de antidepressivos off-label no Canadá (Wong et al., 2017), nos Estados
Unidos (Radley, Finkelstein & Stafford, 2006) e na Holanda (Noordam et al., 2015).
Outro medicamento possivelmente fruto de prescrições off-label seria a fluoxetina, o
psicotrópico mais prescrito na amostra estudada. Atualmente, esse medicamento é o antidepressivo
mais prescrito no Brasil e no mundo, sendo muitas vezes prescrito off-label como um auxiliar na
promoção de perda de peso por ter ação anorexígena, uma finalidade inadequada, sem uma boa
relação risco-benefício estabelecida pela literatura (Andrade, Andrade & Santos, 2004). Dessa forma,
é possível que os motivos da incidência do uso dos psicotrópicos se insiram, muitas vezes, em uma
ideia de solução instantânea, prática e, por isso, ideal para vários pacientes que não queiram uma
alternativa terapêutica apoiada em psicoterapias ou adoção de medidas higienodietéticas.
Esta concepção encontra eco na tendência da sociedade pós-moderna de estar sob a ordem do
imediato, quando não se tolera o tempo necessário aos processos terapêuticos não medicamentosos.
Experimenta-se como da ordem do insuportável a dor e a frustração inerentes à vida humana,
veiculando-se o remédio como solução disponível para todos, ao mínimo esforço (Pelegrini, 2003).
Esta percepção tem reflexo sobre o prescritor da rede pública, intensificada ao fato de, muitas vezes,
não estar ao alcance de uma equipe multiprofissional que o ampare no emprego de terapêuticas para
além dos psicotrópicos. De acordo com a OMS (WHO, 2014b), a cada 100 mil indivíduos da
população brasileira, há cerca de 30 profissionais que trabalham em saúde mental. Desses, apenas
3,42 são psiquiatras; 4,15 são médicos de outras especialidades; 3,22 são psicólogos; 1,72 são
assistentes sociais; 1,16 são terapeutas ocupacionais e 13,99 representam os demais profissionais da
saúde.
Países, classificados pela OMS, de mesma categoria de renda que o Brasil apresentam uma
proporção de 39 profissionais que trabalham na saúde para cada 100 mil indivíduos da população.
Tal discrepância pode ser explicada pela baixa alocação de recursos financeiros que o governo
brasileiro destina para a saúde mental. Por pessoa, o Brasil destina, anualmente, um orçamento total
de U$ 1.083 dólares para a saúde. Contudo, apenas U$ 43,16 dólares (WHO, 2014b), cerca de 3,9%
desse total são destinados para a saúde mental. A OMS informa que o investimento em saúde mental
deve ser, aproximadamente, 5% do orçamento da saúde de um país. Portanto, fica evidente o quanto
a saúde mental brasileira está sendo subfinanciada. Um possível impacto desse estrangulamento
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3326 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
orçamentário seria a escassez de programas e serviços específicos multiprofissionais para a saúde
mental, resultando na prescrição off-label de psicotrópicos.
Estima-se que apenas uma em cada seis prescrições off-label de antidepressivos encontre
respaldo em evidência científica consagrada. Calcula-se que medicamentos off-label prescritos sem
apoio na literatura científica têm 54% maior chance de causar efeitos colaterais de que medicamentos
prescritos on-label (Eguale et al., 2016).
Além de uma possível prática off-label e de seus riscos, nosso estudo evidenciou que a
polifarmácia psicotrópica é uma prática comum, estando de acordo com amostras nacionais (Costa et
al., 2017). O manejo de transtornos resistentes, a ocorrência de comorbidades clínicas e psiquiátricas
são indicações bem fundamentadas da associação de diferentes psicotrópicos. Todavia, é possível que
o longo período necessário para a efetividade dos psicotrópicos, aliado do desejo de aliviar sofrimento
rapidamente, são fatores relevantes que compelem médicos a “polimedicarem” e prescindirem do
tempo preconizado reservado para o tratamento monoterápico. Contudo, ressalta-se que os
medicamentos psicotrópicos dispensados pela farmácia municipal do município estudado só
contemplam os prescritos de acordo com a REMUME, que não disponibiliza antipsicóticos atípicos
(clozapina, risperidona, olanzapina, quetiapina) e outros antiepiléticos (gabapentina, lamotrigina,
topiramato).
Assim, o emprego da polifarmácia também pode estar associado à reduzida disponibilidade
de psicotrópicos via sistema público de saúde. Portanto, para uma racional abordagem
medicamentosa dos transtornos mentais e redução da polifarmácia e de suas consequências
iatrogênicas deletérias é imperioso que políticas públicas avaliem de forma mais criteriosa e correta
a utilização dos mesmos.
CONCLUSÃO
A análise das prescrições de medicamentos psicotrópicos dispensados na farmácia municipal
de Santa Maria, evidenciou que os antidepressivos são os medicamentos mais prescritos, seguidos
dos antiepilépticos e dos antipsicóticos. Também foi possível verificar que, considerando perfil de
usuários por sexo e idade, há maior prevalência de mulheres e pessoas acima dos 46 anos. Questionou-
se se essa medicação está, de fato, sendo prescrita de forma adequada e racional e com o objetivo de
promover a saúde mental. A partir da presente investigação, possibilitou-se a tessitura de reflexões
acerca do uso racional de medicamentos e a efetividade do tratamento empregado na população
necessitada. Fica evidente a relevância da monitorização das prescrições psicotrópicas. Sua posterior
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3327 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
análise possibilita racionalizar recursos de todas as ordens e aprimorar a qualidade do manejo da
saúde mental no sistema de saúde público.
AGRADECIMENTOS
Autores gostariam de agradecer à Prefeitura Municipal de Santa Maria e ao Fundo de
Incentivo à Pesquisa pelo apoio.
REFERÊNCIAS
Andrade MF, Andrade RCG, Santos V. Prescrição de psicotrópicos: avaliação das informações
contidas em receitas e notificações. Rev. Bras. Cienc. Farm. 40(4): 471-479, 2004.
Blay SL, Fillenbaum GG, Pitta JC, Peluso ET. Factors associated with antidepressant, anxiolytic, and
other psychotropic medication use to treat psychiatric symptoms in the city of Sao Paulo, Brazil. Int.
Clin. Psychopharmacol. 29(3): 157-165, 2014.
Borges TL, Miasso AI, Vedana KGG, Telles Filho PCP, Hegadoren KM. Prevalência do uso de
psicotrópicos e fatores associados na atenção primária à saúde. Acta Paul. Enferm. 28(4): 344-349,
2015.
Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, Secretaria
de Ciência, Tecnologia e Insumos estratégicos. Uso off label: erro ou necessidade? Rev. Saúde Públ.
46(2): 398-399, 2012.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria Ministerial nº 2669, de 03 de
Novembro de 2009.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento
de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais:
RENAME 2017. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
Campanha AM, Siu ER, Milhoranca IA, Viana MC, Wang YP, Andrade LH. Use of psychotropic
medications in Sao Paulo Metropolitan Area, Brazil: pattern of healthcare provision to general
population. Pharmacoepidemiol. Drug. Saf. 24(11): 1207-1214, 2015.
Cho H, Choi J, Kim YS, Son SJ, Lee KS, Hwang HJ, Kang HY. Prevalence and predictors of
potentially inappropriate prescribing of central nervous system and psychotropic drugs among elderly
patients: A national population study in Korea. Arch. Gerontol. Geriatr. 74(6): 1-8, 2018.
Costa JO, Ceccato MGB, Melo APS, Acurcio FA, Guimaraes MDC. Gender differences and
psychotropic polypharmacy in psychiatric patients in Brazil: a cross-sectional analysis of the
PESSOAS Project. Cad. Saúde Pública. 33(4): 1-12, 2017.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3328 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
Couto MT, Pinheiro TF, Valença O, Machin R, Silva GSN, Gomes R, Schraiber LB, Figueiredo WS.
O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in)visibilidade a partir da perspectiva de gênero.
Interface - Comunic. Saúde Educ. 14(33): 257-270, 2010.
Eguale T, Buckeridge DL, Verma A, Winslade NE, Benedetti A, Hanley JA, Tamblyn R. Association
of Off-label Drug Use and Adverse Drug Events in an Adult Population. JAMA Intern. Med. 176(1):
55-63, 2016.
Figueiredo W. Assistência à saúde dos homens: um desafio para os serviços de atenção primária.
Ciênc. Saúde Coletiva. 10(1): 105-109, 2005.
Flint AJ. Epidemiology and comorbidity of anxiety disorders in the elderly. Am. J. Psychiatry. 151(5):
640-649, 1994.
Flint AJ. Generalised anxiety disorder in elderly patients: epidemiology, diagnosis and treatment
options. Drugs Aging. 22(2): 101-114, 2005.
Frost J, Okun S, Vaughan T, Heywood J, Wicks P. Patient-reported outcomes as a source of evidence
in off-label prescribing: analysis of data from PatientsLikeMe. J. Med. Internet. Res. 13(1): e6, 2011.
Funk M, Saraceno B, Drew N, Faydi E. Integrating mental health into primary healthcare. Ment
Health Fam Med. 5(1): 5-8, 2008.
Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask, L, Dowrick C, Tófoli LF, Campos M, Portugal FB, Ballester
D, Fortes S. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related
social and demographic factors. Cad. Saúde Pública. 30(3): 623-632, 2014.
Ignácio VTG & Nardi HC. A medicalização como estratégia biopolítica: um estudo sobre o consumo
de psicofármacos no contexto de um pequeno município do Rio Grande do Sul. Psicol. Soc. 19(3):
88-95, 2007.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais. Rio de Janeiro.
Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf>. Acesso em: 23 set.
2017.
Menecier P & Menecier-Ossia L. Medicines and elderly patients: abuse, dependency or attraction?
Soins. Gerontol. 22(123): 16-20, 2017.
Noordam R, Aarts N, Verhamme KM, Sturkenboom MC, Stricker BH, Visser LE. Prescription and
indication trends of antidepressant drugs in the Netherlands between 1996 and 2012: a dynamic
population-based study. Eur. J. Clin. Pharmacol. 71(3): 369-375, 2015.
Pelegrini MRF. O abuso de medicamentos psicotrópicos na contemporaneidade. Psicol. Ciênc. Prof.
23(1): 38-41, 2003.
Prado MAMB, Francisco PMSB, Barros MBA. Uso de medicamentos psicotrópicos em adultos e
idosos residentes em Campinas, São Paulo: um estudo transversal de base populacional. Epidemiol.
Serv. Saúde. 26(4): 2615-2626, 2017.
ARTIGO ORIGINAL / RESEARCH
3329 Nascimento, R. K. et al Rev. Bras. Farm. 100 (2): 3328 – 3342, 2019
Quintana MI, Andreoli SB, Peluffo MP, Ribeiro WS, Feijo MM, Bressan RA, Coutinho ESF, Mari
JJ. Epidemiology of psychotropic drug use in Rio de Janeiro, Brazil: gaps in mental illness treatments.
PLoS One. 8(5): e62270, 2013.
Quintana MI, Andreoli SB, Peluffo MP, Ribeiro WS, Feijo MM, Bressan RA, Coutinho ESF, Mari
JJ. Psychotropic Drug Use in Sao Paulo, Brazil--An Epidemiological Survey. PLoS One. 10(8):
e0135059, 2015.
Radley DC, Finkelstein SN, Stafford RS. Off-label prescribing among office-based physicians. Arch.
Intern. Med. 166(9): 1021-1026, 2006.
Senicato C, Lima MG, Barros MBA. Ser trabalhadora remunerada ou dona de casa associa-se à
qualidade de vida relacionada à saúde? Cad. Saúde Pública. 32(8): 127-138, 2016.
Stahl SM. Stahl’s Essential psychopharmacology: neuroscientific basis and practical applications.
Cambridge, MA: Cambridge University Press, 2013. 4016 p.
Téllez-Lapeira J, López-Torres HJ, García-Agua SN, Gálvez-Alcaraz L, Escobar-Rabadán F, García-
Ruiz A. Prevalence of psychotropic medication use and associated factors in the elderly. Eur. J.
Psychiat. 30(3): 183-194, 2016.
Uzun S, Kozumplik O, Jakovljevic M, Sedic B. Side effects of treatment with benzodiazepines.
Psychiatr. Danub. 22(1): 90-93, 2010.
World Heath Organization (WHO). Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology,
Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2017. Disponível em:
<https://www.whocc.no/atc_ddd_index/>. Acesso em: 15 ago. 2017.
World Heath Organization (WHO). Mental health atlas 2014, 2014a. Disponível em:
<http://www.who.int>. Acesso em: 27 ago. 2017.
World Heath Organization (WHO). Mental health atlas country profile 2014, Brazil, 2014b.
Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/evidence/atlas/profiles-2014/bra.pdf>. Acesso
em: 27 ago. 2017.
Wong J, Motulsky A, Abrahamowicz M, Eguale T, Buckeridge DL, Tamblyn R. Off-label indications
for antidepressants in primary care: descriptive study of prescriptions from an indication based
electronic prescribing system. BMJ. 356: j603, 2017.
REVISTA BRASILEIRA DE FARMÁCIA – ISSN 2176 – 0667 (on line)
BRAZILIAN JOURNAL OF PHARMACY
Volume 100 Número 2 Maio / Agosto - 2019
EXPEDIENTE
Editores Emeritos Nuno Alvares Pereira (in memoriam) Levy Gomes Ferreira Salvador Alves Pereira (in memoriam)
Editora-chefe Dr. Luciene de Oliveira Morais
Conselho Editorial Benedito Carlos Cordeiro (Universidade Federal Fluminense) Carla Valeria Vieira G. Feraz (Universidade Federal Fluminense) Cleverton Kleiton F. de Lima (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Debora Omena Futuro (Universidade Federal Fluminense) Elizabeth Valverde (Universidade Federal Fluminense) Gabriela Bittencourt G. Mosegui (Universidade Federal Fluminense) Luiz Augusto S. de Oliveira (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Maria Eline Matheus (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Maria Rita de Macedo (Escola Nacional de Saúde Publica) Sabrina Calil Elias (Universidade Federal Fluminense) Selma Rodrigues de Castilho (Universidade Federal Fluminense) Vera Lucia Luiza (Escola Nacional de Saúde Publica)
Volume 100 Número 2 Maio / Agosto - 2019
REVISORES
Dra. Ana Carolina Kogawa - UNESP Dr. André de Oliveira Baldoni – UFSJ Dr. André Rinaldi Fukushima - USJT Dra. Adriana Rolim Campos Barros - UFC Dr. Alexandre dos Santos Pyrrho - UFRJ Dra. Anagela Erna Rossato - UNESC Dra. Ana Paula Barreto Gomes - UFRN Dr. André Rolim Baby - USP Dra. Angelita Cristine de Melo - Universidade Federal de São João Del-Rei Dr. Bruno Lemos Cons- UNIGRANRIO Carla Mariah de Oliveira Fujimaki - UFRJ Dra. Carla Valéria Vieira Guilarducci Ferraz - UFF Dr. Carlos Augusto de Freitas Peregrino - UFF Dra. Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro - FIOCRUZ Dr. Cleverton Kleiton Freitas de Lima – UFRJ Dra. Cristina Maria Franzini - UNIARARAS Dra. Cristiani Lopes Capistrano Gonçalves de Oliveira - UFC Dr. Daniel Weingart Barreto – UFRJ Dr. Danilo Ribeiro de Oliveira - UFRJ Dr. Davyson de Lima Moreira - FIOCRUZ Dra. Denise Bueno – UFRS Dra. Dulcinéia Furtado Teixeira - FIOCRUZ Dr. Edilson Martins Rodrigues Neto - Unicatólica Dra. Elaine Silva Miranda - UFF
REVISTA BRASILEIRA DE FARMÁCIA – ISSN 2176 – 0667 (on line)
BRAZILIAN JOURNAL OF PHARMACY
Dra. Elisabete Pereira dos Santos - UFRJ Dr. Endler Marcel Borges de Souza - FURB Dra. Etiéli Wendler - Centro Universitário Campos de Andrade Dra. Fernanda Magalhães Ferrão - UFRJ Dr. Gilberto Dias Alves – UFPE Dr, Glaucio Braga Ferreira - UFF Dra. Grazielli Cristina Batista de Oliveira - PMLS- Prefeirura Municipal de Lagoa Santa Dra. Helaine Carneiro Capucho - Presidente da Associação Argentina de Farmácia Hospitalar Dra. Helena Keiko Toma – UFRJ Dr. Helvécio Vinícius Antunes Rocha - Fiocruz Dr. Herbert Leonel de Matos Guedes - UFRJ Dra. Hye Chung Kang – UFF Dr. Igor Rafael dos Santos Magalhães - UFAM Dra. Irene Clemes Külkamp Guerreiro – UFRS Dra. Isabella Fernandes Delgado - FIOCRUZ Dra. Izabela Fulone - Univ. de Sorocaba Dra. Juliana Maria de Mello Andrade Fasolo - UFRGS Dra. Karina Perrelli Randau – UFPE Dra. Liz Girardi Muller - UNOCHAPECÓ Dra. Lúcia de Araújo Costa Beisl Noblat - UFBA Dra. Luciane Cruz Lopes – UNISO Dra. Marcela Maria Baracat - UEL Dr. Marcelo Cossenza Pettezzoni de Almeida - INPI Dr. Márcio Ferrari - UFRN Dra. Maria Aparecida Nicoletti – USP Dra. Maria Inês Bruno Tavares - UFRJ Dra. Maria Isabel Sampaio dos Santos – UFRJ Dra. Mariana Linhares Pereira - UFSJ Dra. Marilis Dallarmi Miguel - UFPR Dra. Marina Scopel - UFRS Dra. Marta Maria de França Fonteles – UFC Dra. Maritse Gerth Silveira – ANVISA Dra. Mirian Parente Monteiro - UFC Dra. Mônica Camelo Pessoa de Azevedo Albuquerque – UFPE Dra. Mônica Freiman de Souza Ramos - UFRJ Dra. Naomi Kato Simas - UFRJ Dra. Nina Claudia Barboza da Silva - UFRJ Dra. Neuza Taeko Okasaki Fukumori – IPEN Dr. Octavio Augusto França Presgrave - FIOCRUZ Dr. Orenzio Soler - UFPA Dra. Patricia de Carvalho Mastroianni - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Dra. Patricia Fernandes da Silva Nobre - FIOCRUZ Dr. Ralph Santos-Oliveira - Assoc. Bras. de Radiofarmácia Dra. Rejane Magalhães de Mendonça Pimentel - UFRPE Dra. Renata Aline de Andrade - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Dra. Renata Carolina Piffer – Universidade Sudoeste Paulista Dr. Ricardo Radighieri Rascado - UNIFAL Dr. Ricardo Stefani - UFMT Dr. Rodrigo Saar da Costa - INCA Dra. Rúbia Casagrande - UEL Dra. Selma Rodrigues de Castilho - UFF Dra. Tatiana Chama Borges Luz - Instituto René Rachou (IRR/Fiocruz/MG)
REVISTA BRASILEIRA DE FARMÁCIA – ISSN 2176 – 0667 (on line)
BRAZILIAN JOURNAL OF PHARMACY
Volume 100 Número 2 Maio / Agoato - 2019
Associação Brasileira de Farmacêuticos
Rua dos Andradas, 96I102 andar - Centro Rio de Janeiro - RJ - Brasil - 20.051-000
Telefax (0xx21)2263-0791 - (0xx21)2233-3672 www.abf.org.br - [email protected]
Presidente Dra Adriana Rodrigues da Costa
Vice-Presidente Dr Abílio Manuel da Siqueira 1ª secretário Dra Izabel Tereza Dias da Costa
2ª secretario Dr. Sebastian Rinaldo Neto
Tesoureira Dra Thais Faenzza Fulgêncio Miron
Museu Dr Alex Sandro Rodrigues Baiense
Cursos Dra Talita Barbosa Gomes
Biblioteca Dr. Rogerio Ribeiro Dias Revista Dra.Luciene de Oliveira Morais Eventos e Marketing Dr..Luiz Filgueira de Melo Neto 1º Conselheiro Fiscal Dra. Aline Coppola Napp 2º Conselheiro Fiscal Dr. José Liporage Teixeira
3º Conselheiro Fiscal Dra. Silmeri Gomes Bolognani