revista brasileira de estudos urbanos 9 brasil nos anos 90: opÇÕes estratÉgicas e dinÂmica...

116
ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS REVISTA BRASILEIRA DE publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional

Upload: dangcong

Post on 14-Feb-2019

243 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-graduação

e pesquisa em planejamento urbano e regional

Page 2: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicação semestral da Anpur (maio/novembro)

Número 2, novembro de 1999

ISSN 1517-4115

EDITORA RESPONSÁVEL

Norma Lacerda (UFPE)EDITORA ASSISTENTE

Lúcia Leitão (UFPE) COMISSÃO EDITORIAL

(e Conselho Editorial para este número) Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ), Marco Aurélio Filgueiras Gomes (UFBA),

Maria Adélia de Souza (Unicamp), Maria Cristina Leme (USP), Martim Smolka (UFRJ, Lincoln Institute), Naia de Oliveira (FEE/RS), Roberto Monte-Mór (UFMG)

ASSESSORIA NO EXAME DE TEXTOS

Adriano Dias (Fundaj) PROJETO GRÁFICO

João Baptista da Costa AguiarCOORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO

Ana BasagliaREVISÃO

Consultexto e Margarida MichelSharing English (Inglês)

Fernanda Spinelli (revisão final)FOTOLITOS

Join Bureau de EditoraçãoIMPRESSÃO

A definir (?)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, S P, Brasil)

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. A.1, n.2. 1999. – Recife : Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editora responsável Norma Lacerda : A Associação, 1999.v.

Semestral.ISSN 1517-4115O nº 1 foi publicado em maio de 1999.

1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Lacerda, Norma.

711.4 CDU (2. Ed.) UFPE711.4 CDD (21.Ed.) BC2000-019

Page 3: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

ARTIGOS

9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E

DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS GRANDES EMPRENDIMIENTOS EN EL COMER-CIO MINORISTA? – José Luis Coraggio e Ruben Cesar 39 EL DESARROLLO TERRITORIAL A PARTIR DE LA

CONSTRUCCIÓN DE CAPITAL SINERGETICO – SergioBoisier55 DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL: UMA

CONTRADIÇÃO DE TERMOS? – Heloísa Soares de Mou-ra Costa

73 IMPACTO DA APLICAÇÃO DE NOVOS INSTRUMEN-TOS EM CIDADES DO ESTADO DE SÃO PAULO – RaquelRolnik89 O URBANISMO NO RECIFE: ENTRE IDÉIAS E REPRE-SENTAÇÕES – Virgínia Pontual

RESENHAS

111 A sociedade em rede, de Manuel Castells – porRainer Randolph114 O urbanismo no Brasil: 1895-1965, coordena-ção de Maria Cristina da Silva Leme – por WilsonEdson Jorge

ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-graduação

e pesquisa em planejamento urbano e regional

S U M Á R I O

Page 4: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ANPUR

PRESIDENTE

Maria Flora Gonçalves (Nesur/Unicamp)SECRETÁRIA EXECUTIVA

Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins (FAU/USP)DIRETORES

Cássio Frederico Camargo Rolim (UFPR)Geraldo Magela Costa (UFMG)

Henri Acselrad (UFRJ)CONSELHO FISCAL

Décio Rigatti (UFRGS)Esterzilda Berenstein de Azevedo (UFBA)Frederico Rosa Borges de Holanda (UnB)

Esta publicação contou com o apoio da Finep – Financiadora de Estudos e Projetos

e do Lincoln Institute of Land Policy

Page 5: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9 5

E D I T O R I A L

É com alegria que trazemos a público o segundo número da Revista Bra-sileira de Estudos Urbanos e Regionais. Publicar sistematicamente uma revistaexige um esforço coletivo contínuo e disciplinado que em nada se parece como entusiasmo presente no momento em que se inicia um projeto editorial. As-sim, o segundo número traz consigo o alegre sabor do que se consolida, do quedeixa de ser promessa para constituir um fato, publicação que se fortalece paraocupar um lugar específico em relação ao público a que se destina.

Temos ainda, diante de nós, o desafio de torná-la cada vez mais sólida. AComissão Editorial, originalmente reunida como um Grupo de Trabalho de-signado pela Diretoria da Anpur para formular o projeto editorial da Revista,acumulou neste número, além das funções executivas que lhe competem,aquelas próprias de um Conselho Editorial. Está sendo ultimada a formaçãodo Conselho mais amplo e permanente, constituído mediante indicação insti-tucional de nomes, em resposta à consulta realizada pela Diretoria da Anpurcom todas as instituições que a integram. Aos poucos vamos construindo anossa Revista, à feição da comunidade que lhe deu origem.

Os artigos publicados neste número refletem, como o leitor poderá facil-mente constatar, a pluralidade e a abrangência do projeto editorial da RevistaBrasileira de Estudos Urbanos e Regionais, que abriga necessariamente questõestrabalhadas pelas diversas disciplinas que tratam da temática urbana e regional,cada uma delas dando o foco que lhe é próprio. Aqui estão presentes artigos deautores brasileiros e estrangeiros, ordenados por temas mais abrangentes paratemas mais localizados.

A análise de Tânia Bacelar de Araújo registra que a opção de inserção doPaís na economia globalizada tem-se dado de forma diferenciada, segundo asdiversas macrorregiões brasileiras, ampliando as desigualdades entre elas e en-tre os subespaços que as conformam. É exatamente nesse contexto que emer-gem identidades regionais capazes de promover a integração de espaços deixa-dos à margem do movimento mais geral e seletivo da inserção global dos focosdinâmicos. Tais movimentos surgem diante das escolhas estratégicas do gover-no federal, a quem caberia evitar a fragmentação do território nacional pormeio de uma política de desenvolvimento regional.

Impulsionados pela polêmica gerada por solicitação da empresa Carrefourpara se instalar em Porto Alegre, José Luis Coraggio e Ruben Cesar abordamos impactos negativos dos grandes empreendimentos comerciais sobre o co-mércio de médio e pequeno porte. Destacam que, ao captarem mercados lo-cais, reorganizam os sistemas de abastecimento e de produção de bens de con-sumo e impõem transformações importantes ao tecido urbano. Enfatizam,ainda, que uma ampla aliança local seria capaz de pôr limites aos projetos docapital comercial monopolista que esses empreendimentos refletem.

Sergio Boisier especula sobre a hipótese de haver uma incoerência lógicanos modelos de planejamento territorial, a qual aparece no momento em que

Page 6: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

6 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

se dimensionam as variáveis independentes e dependentes desse processo ou,dito de outro modo, na medida em que se trata com elementos quantitativoso fenômeno do desenvolvimento — qualitativo por definição. Apoiado noconceito de capital sinergético, o autor traz para a discussão uma dimensãoainda não devidamente explorada pelo planejamento urbano: a dimensão sub-jetiva, não-material, do ato de planejar.

O artigo de Heloisa Soares de Moura Costa analisa a idéia de desenvolvi-mento sustentável, apontando as imprecisões de um conceito que, embora am-plamente utilizado, traz consigo conflitos teóricos de difícil conciliação. Apósuma primeira parte eminentemente reflexiva, a autora examina algumas pro-postas recentes — nacionais e internacionais — de planejamento, que foramdesenvolvidas tendo como referência a sustentabilidade urbana.

O texto de Raquel Rolnik, baseado numa pesquisa sobre o impacto deinstrumentos urbanísticos em 220 cidades paulistas, elabora o conceito de ex-clusão territorial. Com base nele, propõe a hipótese de que esse modo deexclusão está na base de diversos outros ao tornar as pessoas especialmentevulneráveis, dificultando-lhes o processo de conquista de direitos e de exercí-cio da cidadania.

Virgínia Pontual discute o lugar do saber urbanístico com base nas pro-postas de intervenção para as cidades na primeira metade deste século. Paratanto, faz uma análise comparativa dos diversos planos elaborados para o Re-cife, especificamente aqueles produzidos entre os anos 30 e 50. Mostra, tam-bém, a influência das idéias do Padre Lebret difundidas pelo Movimento Eco-nomia e Humanismo, do qual participou o urbanista pernambucano AntônioBaltar. Chama a atenção para a atualidade e a pertinência dos preceitos anun-ciados por aquele movimento quando se considera que foram elaborados nosjá distantes anos 50.

Este número contém, ainda, as resenhas de Rainer Randolph sobre Socie-dade em rede, de Manuel Castells, e de Wilson Edson Jorge sobre O Urbanis-mo no Brasil — 1895-1965, pesquisa de muitos autores abrangendo oito cida-des brasileiras, coordenada por Maria Cristina Leme.

Registramos, finalmente, nossos agradecimentos à Finep e ao LincolnInstitute of Land Policy, instituições que têm sido parceiras constantes daAnpur. As suas políticas de incentivo à divulgação científica possibilitaram apublicação dos primeiros dois números da Revista Brasileira de Estudos Urba-nos e Regionais.

NORMA LACERDA

Editora Responsável

LÚCIA LEITÃO

Editora Adjunta

E D I T O R I A L

Page 7: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

ARTIGOS

Page 8: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

BRASIL NOS ANOS NOVENTA:OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

R E S U M O O texto reproduz, no essencial, as idéias apresentadas em mesa-redonda do8º Encontro Nacional da ANPUR, realizado em Porto Alegre, em 1999. Após um breve examedas principais características e tendências do ambiente mundial e brasileiro neste final de sécu-lo, em especial a partir dos anos 70, examina-se os impactos dessas tendências na dinâmica re-gional no Brasil, nos anos recentes. A seguir, identificam-se as escolhas estratégicas feitas pelas for-ças sociais e econômicas que dominam o cenário político do País, as políticas principais que asimplementam, nos anos 90, e busca-se especular sobre os prováveis impactos na dinâmica regio-nal brasileira. Argumentos são, então, apresentados sobre duas hipóteses principais: a do estan-camento da tendência à desconcentração, que dominou dos anos 70 até meados dos 80, e a ten-dência à fragmentação do País. Ao final, identificam-se algumas contratendências e destaca-se aimportância de o Governo Federal definir e implementar uma política nacional de desenvolvi-mento regional.

P A L A V R A S - C H A V E Desenvolvimento regional; globalização e dinâmica regional;Nordeste brasileiro.

TENDÊNCIAS GERAIS DO AMBIENTE MUNDIAL E BRASILEIRO

AMBIENTE MUNDIAL

Nos anos mais recentes, ocorrem, no mundo, mudanças de grande profundida-de. As décadas finais do século XX vão ser marcadas por, pelo menos, três grandesmovimentos, que afetam profundamente a dinâmica e a forma de funcionamento da economia mundial, e por outros movimentos relevantes, que operam na esferapolítico-institucional.

O primeiro é o da globalização, movimento resultante da intensificação do secularprocesso de internacionalização dos mercados, dos principais fluxos econômicos e daatuação dos principais agentes econômicos. Estes agentes — os conglomerados transna-cionais — consolidam suas estratégias de atuação e têm presença cada vez mais difundi-da no espaço econômico terrestre. Internacionaliza-se, também e crescentemente, o capi-talismo, impondo-se como o modo de produção hegemônico em cada vez maisnumerosas formações econômico-sociais.

Quando se fala em globalização, está-se querendo ressaltar a maturidade de uma ten-dência antiga, que vai superpondo à internacionalização do capital e dos fluxos mercan-tis a internacionalização produtiva e, especialmente, a financeira. O certo é que neste fi-nal de século XX, como bem define François Chesnais, vive-se uma “etapa avançada eespecífica do movimento de internacionalização” (1997).

9R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 9: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

O segundo é o movimento de crise do regime de acumulação anterior, com a crescen-te dificuldade encontrada pelos agentes econômicos para gerarem riqueza e se reproduzi-rem, de forma ampliada, na esfera produtiva da economia mundial. Ao mesmo tempo,verifica-se a consolidação de uma importante reestruturação produtiva, no meio da qualse processa uma nova revolução tecnológica — a revolução da microeletrônica.

Quando se fala em reestruturação produtiva, está-se querendo referir ao conjuntode importantes transformações, também em curso, que definem um novo “padrãoprodutivo”. São mudanças das quais emergem novos setores dinâmicos na economiamundial (informática, telecomunicações, robótica, produção de novos materiais, entreoutros); mudanças no como se produz e que resultam, sobretudo, da revolução científi-co-tecnológica produzida pela crescente hegemonia do paradigma microeletrônico, quequebra a cadeia fordista e cria as condições para a produção flexível; mudanças nas for-mas de organizar e gerir a produção, organizar os meios que a geram e os homens quea realizam; mudanças nas formas de organizar os mercados, com a tendência à forma-ção de grandes blocos econômicos, entre outras.

O terceiro é o processo, cada vez mais intenso, de financeirização da riqueza, ouseja, da crescente possibilidade exercitada pelos agentes econômicos — sobretudo osmaiores —, de ampliar seu patrimônio, de valorizar seu capital na esfera financeirada economia.

Quando se fala em financeirização da riqueza, está-se querendo ressaltar a fantás-tica possibilidade atual de criar riqueza, ampliar patrimônio, acumular capitais na esfe-ra financeira, operando no mercado cambial, nas bolsas de valores, no mercado de tí-tulos públicos, no mercado de derivativos, entre outros. É um movimento que marca afase de hegemonia da acumulação rentista em que a economia mundial mergulha, so-bretudo após os anos 70. É um movimento importante para se entender muito do quese passa no Brasil contemporâneo.

Uma das causas mais relevantes da exacerbação do rentismo e da hegemonia da fi-nanceirização da riqueza em escala mundial foi a decisão política dos EUA de romperem,em 1979, com as recomendações do FMI. O senhor Volker, então presidente do Fede-ral Reserve (FED), retirou-se ostensivamente de uma reunião do Fundo e comunicou aomundo que seu país não permitiria que o dólar continuasse a ser desvalorizado. Em se-guida, subiu violentamente a prime rate para assegurar que o dólar manteria sua condi-ção de padrão internacional. Buscava restaurar a hegemonia da moeda americana, mes-mo que o preço dessa decisão fosse alto. E foi, como destaca Maria da ConceiçãoTavares (1997).

Essa “diplomacia do dólar”, como a chama a economista citada, sustentada poruma taxa de juros astronômica (a prime rate pula de cerca de 8% para mais de 21% empouco tempo), impôs, de início, uma recessão importante aos EUA e ao mundo. Essa de-cisão fez, também, muitos países “quebrarem” (os que se haviam endividado na fase an-terior), como a Polônia, o México, a Argentina, o Brasil, entre outros. Não é à toa queno início dos anos 80 mergulhamos na “crise da dívida”, cujas conseqüências aindaamargamos. Crise que se firma com o “choque dos juros”, como se verá adiante.

No país de Mr. Volker, um monumental déficit fiscal (que, em 1985, já atingia agigantesca cifra de US$ 1,6 trilhão, ou seja, 80% da circulação monetária total no mer-cado interbancário mundial da época) fez da dívida pública dos EUA um poderoso ins-trumento de captação do capital financeiro dos principais rentistas mundiais. O preçodessa estratégia, vitoriosa para os EUA — que vão virar o século com forte dinamismo de

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 910

Page 10: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

sua base produtiva, com taxas de desemprego muito baixas, para os atuais patamares in-ternacionais, e com uma hegemonia política evidente —, tem sido a submissão dos de-mais países à “diplomacia do dólar”. Houve resistências, é claro, cada um tentando à suamaneira e com as armas de que dispunha. Mas o que se verifica é uma gradual e crescen-te submissão de outras economias ao rentismo. Essa é a tendência mais visível, neste fi-nal de século.

Sua manifestação mais aparente está na “crescente defasagem, por prazos longos, en-tre os valores dos papéis representativos da riqueza — moedas conversíveis internacional-mente e ativos financeiros em geral — e os valores dos bens e serviços e bases técnico-pro-dutivas em que se funda a reprodução da vida e da sociedade”, como define José CarlosBraga (1997). Esse autor ressalta que “a financeirização estabelece contornos paradoxais eperversos à dinâmica sistêmica. Os constrangimentos ao produtivismo, neste padrão degeração de riqueza, problematizam o desenvolvimento das bases produtivas”. Limitam,assim, o crescimento na esfera produtiva. Geram “disparidades crescentes de renda, de ri-queza, de sociabilidade (compreendidas como acesso ao emprego, à expansão vital e cul-tural, à convivência democrática e civilizada)”.

Embora concomitantes e dominantes, os três movimentos, antes referidos, põem emdestaque elementos diferenciados do ambiente econômico contemporâneo.

Por sua vez, na dimensão político-institucional, outros movimentos merecem refe-rência. De um lado, o avanço de uma onda liberal, batizada de neoliberal para adequar-seàs contingências da contemporaneidade; de outro, a inusitada hegemonia dos EstadosUnidos no ambiente que emerge do Pós-Guerra Fria, especialmente após a Queda doMuro de Berlim, no final dos anos 80.

O certo é que, com esses movimentos, o ambiente mundial se vê marcado por fatose tendências que se apresentam cada vez mais hegemônicos e que estendem crescentemen-te sua influência. Dentre esses “fatos hegemônicos”, destacam-se:• a crescente competição imposta pelos “atores globais”, que aproximam os espaços eco-

nômicos uns dos outros, difundem seu padrão de competitividade na economia mun-dial e ameaçam atores e atividades menos competitivos em locais mais distantes e cadavez mais numerosos;

• a facilidade com que tendem a circular tanto as mercadorias tradicionais como as no-vas (como a informação) no espaço econômico mundial. Isso acelera o dinamismo docomércio, especialmente porque a revolução das comunicações redefine as acessibilida-des (o espaço das redes informatizadas promove conexões, em tempo real, que sobre-passam os “atritos” do espaço tradicional) e porque os custos dos transportes declinama olhos vistos, facilitando a globalização dos mercados;

• a crescente presença da “produção flexível”, viabilizada pelas tecnologias modernas —pela qual a produtividade cresce enormemente, enquanto se redefine o perfil da deman-da pelo trabalho humano, requerendo-se menos mão-de-obra (o que amplia o desem-prego), trabalhadores mais qualificados e mais aptos ao trabalho em grupo — e ao de-sempenho da polivalência, trabalhadores que têm de inserir-se na produção por meiode relações instáveis e precárias;

• a redefinição das relações entre os produtores e seus fornecedores e entre os produtorese seus clientes;

• a crescente difusão dos padrões dos agentes econômicos e dos países mais fortes, levan-do a uma cada vez mais nítida “homogeneização” de padrões de produção, de gestão,de competição e até de consumo, nos espaços econômicos mais diversos;

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

11R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 11: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

• a pressão pela implementação de políticas de corte liberalizante, em especial as de de-sestatização e de desregulamentação (pela qual se reduzem os “entraves” à globalização,com a crescente flexibilização de regras e normas das economias nacionais).

Por sua vez, a crise financeira de Estados Nacionais e a conseqüente dificuldade demanterem ou ampliarem as políticas públicas, em especial as de proteção social, tem mar-cado fortemente o ambiente econômico mundial contemporâneo.

O AMBIENTE BRASILEIRO

Enquanto os anos 70 marcam a entrada no atual “ciclo de baixa” da dinâmica eco-nômica mundial, no Brasil, a crise é mais recente. O governo Geisel, nos anos 70, comum ousado programa de investimentos públicos, financiado, em grande parte, com o en-dividamento externo, conseguiu manter a economia do País crescendo a uma taxa mé-dia anual excepcional (cerca de 7%). Megaprojetos, como a hidrelétrica de Itaipu, oGrande Carajás, entre muitos outros, estimularam a produção no setor privado e pro-moveram uma “fuga para a frente” em meio à crise mundial. Assim, o Brasil chega ao fi-nal da década de 70 como a oitava maior e mais diversificada base industrial do mundo.Para completar o longo ciclo expansivo que vivia desde os anos 50, o Estado desenvol-vimentista brasileiro foi levado a atuar até a exaustão, no período pós-primeiro choquedo petróleo.

A crise brasileira instala-se nos anos 80, quando o “choque dos juros” atinge de fren-te o Estado brasileiro, patrocinador principal do “crescimento em meio à crise”, pro-movido nos anos 70. A dívida externa havia mais do que quadruplicado, passando dosUS$ 12 bi para US$ 54 bi, no período Geisel, e seu principal tomador — o setor públi-co — é que vai receber o impacto principal do “choque dos juros”. Os encargos dessa dí-vida explodem e instala-se a crise financeira do setor público brasileiro. Crise, aliás, quesó tendeu a se agravar, na década seguinte.

Um de seus principais efeitos é que a sociedade brasileira, acostumada a convivercom um Estado desenvolvimentista e superavitário, patrocinador do avanço das forçasprodutivas, da construção do Brasil Potência, como o definiram os governos militares, pas-sa a conviver com um Estado deficitário, em crise financeira agônica, refém de seus cre-dores poderosos (internos e externos).

Enquanto resistia a entrar na crise, a aprofundar sua inserção na globalização queavançava mundo afora, a render-se à financeirização, o Brasil viveu uma fase importantena sua dinâmica regional. Estudos diversos, como o de Leonardo Guimarães Neto, cons-tatam que, nos anos 70, os megaprojetos públicos, implantados em várias regiões do País,fortaleciam uma tendência importante: interromper a forte concentração de investimen-tos, e, portanto, do dinamismo econômico, na região Sudeste (Guimarães Neto, 1995);tendência à concentração que se vinha consolidando desde o início do século XX, quandoa industrialização se acelera a partir daquela região, exacerbando diferenciações e desigual-dades inter-regionais. À medida que o Sudeste passava a comandar a acumulação de ca-pitais em escala nacional, ia-se soldando o mercado interno brasileiro, com o aumento daconcentração de riqueza e renda naquela região. Com 11% do território brasileiro, o Su-deste respondia, em 1970, por 81% da atividade industrial do País, e São Paulo, sozinho,gerava 58% da produção da indústria existente.

Vários elementos, porém, entre os quais as políticas regionais compensatórias do go-verno federal — ampliadas desde o governo de Juscelino Kubitscheck — e a política de

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 912

Page 12: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

investimento das grandes estatais (Telebrás, Eletrobrás, Petrobrás, Vale do Rio Doce, en-tre outras) impulsionavam uma “modesta desconcentração regional” ao estimularem aampliação de bases produtivas fora do foco dinâmico do Sudeste.

Esse movimento que se iniciara via ocupação da fronteira agropecuária, primeiro nosentido do Sul e depois na direção do Centro-Oeste, Norte e parte oeste do Nordeste, apartir dos anos 70 se estende à indústria. À medida que o mercado nacional se integrava,a indústria buscava novas localizações, desenvolvendo-se em várias das regiões menos de-senvolvidas do País, especialmente nas suas áreas metropolitanas. Em 1990, o Sudestecaiu para 69% seu peso na indústria do Brasil e São Paulo recuou sua importância relati-va para 49%, enquanto o Nordeste passava de 5,7% para 8,4% seu peso na produção in-dustrial brasileira, entre 1970 e 1990.

O fato é que, embora a produção do País ainda apresentasse um padrão de localiza-ção fortemente concentrado, em 1990 a concentração era menor que nos anos 70. Entre1970 e 1990, o Sudeste cai de 65% para 60% seu peso no PIB brasileiro, enquanto o Sulpermanece estável, respondendo por cerca de 17% da produção nacional. Mas o Nordes-te, Norte e Centro-Oeste ganham importância relativa (essas três regiões, juntas, passamde 18% para 23% sua participação no PIB do Brasil).

Ao mesmo tempo que constatam a tendência a desconcentrar a dinâmica econômi-ca no espaço territorial do País nas últimas décadas, vários estudos enfatizam a crescentediferenciação interna ocorrida nas diversas macrorregiões brasileiras.

A entrada na crise, no início dos anos 80, portanto, não havia interrompido, de ime-diato, esse movimento desconcentrador, tanto porque atinge, de saída, os segmentos in-dustriais mais fortemente concentrados no Sudeste (indústrias de bens de capital e deconsumo durável), como porque, nas demais regiões, ainda maturavam os megainvesti-mentos iniciados nos anos 70. Mas a crise estende-se ao longo das décadas de 1980 e1990, e mudanças relevantes vão sendo realizadas. Com mais clareza, essas mudanças sefazem nos anos 90, como se verá a seguir.

ESCOLHAS ESTRATÉGICAS DOS ANOS 90

Nos anos 80, a crise vai ser enfrentada por uma política de ajuste influenciada pelaida do País ao FMI, no início dessa década, após a moratória decretada pelo México. De-sacelera-se a demanda interna, promovem-se as exportações e seguem-se superávits cres-centes na balança comercial — de onde provêm os dólares necessários para remunerar oscredores externos. Internamente, o déficit público passa a ser financiado com uma cres-cente emissão de títulos da dívida mobiliária, cujo montante cresce rapidamente. Cresce,também, a taxa de inflação — que passa dos 100% anuais, no início dos anos 80, para1.783% anuais, medida pelo IGP-DI da FGV, no final dessa década, apesar de sucessivosprogramas de estabilização (Cruzado 1 e 2, Plano Verão, Plano Bresser).

Os anos 90 marcam, desde o início, novas escolhas estratégicas importantes. As aber-turas financeira e comercial, patrocinadas pelo Governo Collor e aprofundadas no Gover-no Fernando Henrique, abrem a economia do País à competição com agentes de fora e àcrescente internacionalização. A desnacionalização do sistema bancário e da base produ-tiva representa uma das marcas principais da fase recente da vida do País. Do ponto devista comercial, a principal política foi a de redução das alíquotas do imposto de impor-tação. Policarpo Lima, ao analisar tal política, constata que ela não foi neutra, regional-

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

13R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 13: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

mente no Nordeste tem impacto mais negativo que no Sudeste, onde alguns segmentosconseguem níveis de proteção médios mais elevados, como é o caso do setor automotivo,muito concentrado naquela região (Lima, 1997).

A adoção do modelo de estabilização, consubstanciado no Plano Real, marca, commais evidência, a opção pela crescente importância da financeirização da riqueza, tambémno Brasil. O País tentou resistir, mas nossas elites — herdeiras do colonialismo e do ga-nho rentista — foram patrocinando a política da rendição, que se faz mais evidente a par-tir, sobretudo, dos anos 90.

Com o Plano Real, o Brasil faz um novo “ajuste”. Ao mesmo tempo que controla ocrescimento antes exacerbado dos preços internos, conquista o apoio popular (efeito es-perado como resultado da queda brusca da inflação). Elegendo-se presidente, FernandoHenrique implementa políticas que tornam a economia brasileira necessitada e depen-dente do financiamento externo. A política cambial (câmbio fixo, que leva à sobrevalo-rização do Real) estimula as importações e gera déficits crescentes nas transações corren-tes do País. De um déficit insignificante (US$ 1 bi) em 1994, o Brasil passa a apresentarUS$ 35 bi de déficit em 1998, o que representava 4,5% do PIB. Mais de US$ 100 bi dedéficit externo foram acumulados, portanto, em poucos anos. Apesar da desvalorizaçãodo Real, realizada em janeiro de 1999, a rigidez do déficit externo permanece. Seu pata-mar não deve cair nos próximos anos (situando-se em cerca de US$ 24 bi/ano).

Para financiar esse déficit, o País precisa recorrer aos aplicadores. Atrai Investimen-tos Diretos (IDE) que se destinam, mais que a criar novas unidades produtivas, a adquirirtanto empresas privadas existentes como ativos públicos (leiloados mediante ousado Pro-grama de Privatizações), impulsionando importante onda desnacionalizadora da base pro-dutiva brasileira. Precisa atrair, ainda, o capital de curto prazo, dando tratamento fiscaldigno dos “paraísos”, pagando juros exorbitantes que levam o Brasil ao pódio mundial emtermos de juros reais. Juros que permanecem elevados, mesmo depois de o País recorrerao FMI, em outubro de 1998, e de submeter-se, mais uma vez, ao seu receituário. Jurosque fazem explodir a dívida mobiliária (que pula dos R$ 60 bi, em 1994, para mais deR$ 500 bi, atualmente), absorvendo a maior parte das receitas que o governo capta na so-ciedade brasileira.

Submisso ao rentismo mundial, o Brasil assiste à sua economia ser garroteada, apre-sentando desde 1994 taxas cada vez mais modestas de crescimento até chegar à recessãode 1999. Paralelamente, cresce com rapidez a taxa de desemprego, com o País apresentan-do cerca de 10 milhões de desempregados urbanos ao lado de outros 12 milhões em pre-cárias condições de emprego.

Enquanto bilhões são gastos, anualmente, para remunerar regiamente os aplicado-res, credores do governo, faltam recursos para as demais políticas, inclusive para as polí-ticas regionais.

A prioridade à integração competitiva revela uma outra opção estratégica que vai setornando cada vez mais evidente no que resta de política de médio prazo. Com ela, o quese busca é priorizar o aprofundamento da internacionalização da economia do País. O ei-xo principal é a internacionalização financeira e é ela que ganha destaque, como já se viu.A desregulamentação financeira e o patrocínio da desnacionalização do sistema bancárioforam nitidamente promovidos no governo Collor e aprofundados no período de Fernan-do Henrique Cardoso. Na esfera produtiva muda, também, a prioridade. Ao invés de con-solidar a integração do mercado interno, processo que se vinha acelerando nas décadas an-teriores, passa-se a priorizar a inserção no mercado mundial das empresas, segmentos e

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 914

Page 14: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

espaços econômicos mais competitivos. O choque de competitividade aplicado ao tecidoprodutivo nacional, com as diversas políticas adotadas nos anos 90 — em especial com apolítica de abertura comercial e a política cambial dos primeiros anos do Plano Real —,força muitas empresas a se reestruturarem, e as que não o conseguem tendem a desapare-cer, fundindo-se a outras ou fechando. O número médio de fusões e aquisições quase do-bra, passando de 212, nos últimos anos da década de 80 (1987-1989), para 413 nos anosfinais da década de 90 (1995-1998), segundo levantamento da Price Water House Coo-pers (1999). A crescente desnacionalização do parque produtivo do País vai, ao mesmotempo, tornando-se cada vez mais evidente, nos últimos anos.

Do ponto de vista da dinâmica regional, tal opção estratégica tende a valorizar os es-paços econômicos portadores de empresas e segmentos mais competitivos, com condi-ções, portanto, de ampliar com mais rapidez sua internacionalização ou de resistir commais força ao “choque de competição” praticado nos anos 90, no Brasil. E esse processosecundariza as regiões menos competitivas, as mais negativamente impactadas pela com-petição exacerbada ou as que se encontram em reestruturação.

Finalmente, as reformas do Estado marcam outra opção estratégica importante, ado-tada nos anos 90. Elas têm impactos regionais ainda pouco analisados. No novo contex-to vivido pelo País, realizam-se profundas modificações nas formas de atuação do Estadobrasileiro e no seu relacionamento com os agentes econômicos privados. Nesse particular,o Estado, em suas diferentes esferas, transita para um contexto em que se verificam: suamenor presença no patrocínio do avanço das forças produtivas, a adoção de novas formasde articulação e parceria, uma menor importância das formas diretas de ação, uma ten-dência à descentralização e uma atuação voltada para a regulação de novas áreas. O sur-gimento de novos modelos de gestão de políticas públicas, menos centralizado e mais de-mocrático, poderá, no futuro imediato, exigir uma mudança radical nas formas deatuação governamental, no que se refere às políticas de desenvolvimento regional.

Embora nem todos os aspectos possam ser aqui considerados em todas as suas dimen-sões, eles constituem, não resta dúvida, marcos importantes que devem ser consideradosno aprofundamento das discussões a respeito do desenvolvimento regional brasileiro.

UMA NOVA DINÂMICA REGIONAL

Nesse novo contexto, novas forças atuam, impactando a dinâmica regional do País.Tende a mudar a tendência à modesta desconcentração que predominara no período an-terior. Por outro lado, o baixo dinamismo da economia nacional é comandado por “ilhasdinâmicas” localizadas nas diversas macrorregiões do País, enquanto outras áreas sofremimpactos mais adversos, por não serem tão competitivas ou por estarem submetidas a in-tensos processos de reestruturação. Isso tende a ampliar as diferenciações e a heterogenei-dade intra-regionais. A tendência à fragmentação apresenta-se como uma das mais prová-veis, nos anos 90, como destacou Pacheco (1998).

Aos fatos e tendências econômicas mais relevantes associam-se tendências espaciaisnovas, umas concentradoras, outras não. Entre as que atuam no sentido de induzir à des-concentração espacial, destacam-se: a abertura comercial que tende a favorecer “focos ex-portadores” e mudanças tecnológicas que reduzem custos de investimento. Aumenta,também, a importância da proximidade do cliente final para diversas atividades e merecedestaque a ação ativa de governos locais oferecendo incentivos e atuando no sentido da

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

15R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 15: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

desconcentração. Wilson Cano, em estudo recente sobre o tema, destaca ainda como re-levantes, no caso brasileiro, além do fato de São Paulo ser o epicentro da crise, os inves-timentos no setor petrolífero (extração no Nordeste e Rio de Janeiro e refino no Paraná),a continuidade da desconcentração agrícola (nos cerrados e em algumas “manchas irriga-das” do Nordeste), a ação de governos estaduais e municipais por meio da guerra fiscal ea política de incentivo ao turismo que beneficia o Nordeste (Cano, 1997).

Enquanto isso, outras forças atuam no sentido da concentração de investimentos nasáreas já mais dinâmicas e competitivas do País. Ressaltem-se, em especial, os novos requi-sitos locacionais da acumulação flexível, como a melhor oferta de recursos humanos qua-lificados, maior proximidade dos centros de produção de conhecimento e tecnologia,maior e mais eficiente infra-estrutura econômica, proximidade dos mercados consumido-res de mais alta renda. No estudo citado, Wilson Cano (1997) destaca, pela sua força re-concentradora, o desmantelamento do Estado nacional e, em especial, dos vários órgãosde promoção do desenvolvimento regional, o impacto da política de abertura na ZonaFranca de Manaus, a sensível diminuição de preço de várias commodities, contendo o va-lor das exportações de várias regiões (e favorecendo relativamente as bases exportadorasde bens manufaturados), e a liderança de São Paulo na captação e expansão de segmen-tos de ponta, como a informática, microeletrônica, telecomunicações, serviços financei-ros, entre outros.

Alguns estudos também chamam a atenção para os condicionantes da reestrutura-ção produtiva e, em especial, para a forma como se vem dando a inserção internacional doBrasil, principalmente no que diz respeito às estratégias das grandes empresas ante o ce-nário da globalização da economia mundial. E constatam que, ao contrário do que se po-deria esperar, a globalização reforça as estratégias de especialização regional. A nova orga-nização dos espaços nacionais tende a resultar, de um lado, da dinâmica da produçãoregionalizada das grandes empresas (atores globais) e, de outro, da resposta dos EstadosNacionais para enfrentar os impactos regionais seletivos da globalização. No Brasil dos anosrecentes, essa resposta governamental é mais marcada pela passividade do que por políti-cas ativas, e isso causa impactos na nova dinâmica regional.

O DEBATE SOBRE A DESCONCENTRAÇÃO-CONCENTRAÇÃO

No Brasil dos anos 90, tende-se a romper o padrão dominante nas décadas anterio-res, em que a prioridade era dada à montagem de uma base econômica que operava es-sencialmente no espaço nacional — embora fortemente penetrada por agentes econômi-cos transnacionais — e que ia lentamente desconcentrando atividades para espaçosperiféricos do País. O Estado Nacional desempenhava um papel ativo nesse processo, tan-to por suas políticas explicitamente regionais, como por suas políticas ditas de corte seto-rial-nacional, como pela ação de suas estatais, como se viu anteriormente.

Nos anos recentes, as decisões dominantes tendem a ser as do setor privado, dada acrise do Estado e as novas orientações governamentais, ao lado da evidente indefinição eatomização que têm marcado a política de desenvolvimento regional no Brasil. Emboraas tendências ainda sejam muito recentes, estudos têm convergido e sinalizam, no míni-mo, para a interrupção do movimento de desconcentração do desenvolvimento na dire-ção das regiões menos desenvolvidas, enquanto há um reforço ao dinamismo dos espaçoseconômicos mais competitivos — como recomenda a opção pela prioridade à integraçãocompetitiva no mercado em globalização acelerada.

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 916

Page 16: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Alguns autores chegam a falar em tendência à reconcentração, como é o caso de Clé-lio Campolina Diniz, da UFMG. No caso da indústria, estudos recentes permitem falar detendência à concentração do dinamismo em determinados espaços do território brasileiro.Clélio Campolina (1996), em estudo recente, localizou os atuais centros urbanos dinâmi-cos, em termos de crescimento industrial. Constatou que a grande maioria deles se encon-tra num polígono que começa em Belo Horizonte, vai a Uberlândia (MG), desce na direçãode Maringá (PR) até Porto-Alegre (RS) e retorna a Belo Horizonte via Florianópolis (SC), Cu-ritiba (PR) e São José dos Campos (SP). Das 68 aglomerações urbanas com intenso dinamis-mo industrial recente, 79% estão situadas nas regiões Sul-Sudeste, 15% no Nordeste e ape-nas 6% no Norte e Centro-Oeste. Na sua maioria, são capitais ou cidades de porte médio,muitas delas bases dinâmicas recentes, como Sete Lagoas, Divinópolis, Pouso Alegre e Ubá,em Minas Gerais; Araçatuba, Pirassununga, Jaú e Tatuí, em São Paulo; ou Pato Branco ePonta Grossa, no Paraná; entre outras. As “deseconomias” de aglomeração tiram as maio-res regiões metropolitanas, Rio de Janeiro e São Paulo, desse foco dinâmico industrial, masesta última cidade concentra cada vez mais o comando financeiro da economia nacional.

É certo que as conseqüências espaciais de políticas importantes, como as de abertu-ra comercial e de integração competitiva, aliadas a aspectos importantes da política de es-tabilização (como câmbio valorizado, juros elevados e prazos curtos de financiamento),têm impactado negativamente vários segmentos da indústria instalada no Brasil e afeta-ram especialmente São Paulo.

Estudo de Policarpo Lima afirma que a redução brusca das alíquotas do Imposto So-bre Importações, praticada como instrumento da política de abertura comercial, não foiregionalmente neutra. A redefinição dessa estrutura tarifária foi feita com a redução maisforte das alíquotas do Imposto de Importação sobre produtos intermediários e bens de ca-pital, enquanto foi menor a de redução da proteção dos bens de consumo duráveis. En-quanto a alíquota média cai de 51%, em 1987, para 14,2%, em 1994, os bens duráveistinham nesse último ano proteção média de 25,7% contra uma proteção que variava en-tre 7,6% e 13,1% para os chamados bens intermediários. Por sua vez, os bens não-durá-veis de consumo ficaram com alíquotas médias variando de 8,6% (agrícolas) para 15,8%(manufaturados). Ora, a estrutura produtiva do Nordeste teve como especialização recen-te a produção de bens intermediários e de bens de consumo não-duráveis, enquanto noSudeste se concentra a produção dos bens de consumo duráveis e dos bens de capital. Co-mo bem ressalta Lima, a lógica da abertura comercial terminou sendo regionalmente per-versa, posto que os segmentos dominantes no Nordeste ficaram menos protegidos e, por-tanto, mais submetidos aos impactos de uma maior competição. Mesmo assim, os maiscompetitivos vêm demonstrando capacidade de resistir à intensa competição com os im-portados, como é o caso dos produtos químicos (Bahia), do alumínio (Maranhão), de cer-tos segmentos têxteis (especialmente do pólo de Fortaleza), e da produção de bebidas, es-ta por conta do peso dos custos de transporte (Lima, 1998). Tanto é assim que o Nordestecontinua a perder posição relativa nas exportações brasileiras (era 17%, em 1975, passapara 11%, no início dos anos 80, e cai para 7,3%, em 1998).

É certo, por outro lado, que algumas empresas de gêneros industriais mais intensi-vos em mão-de-obra (calçados e confecções, por exemplo) têm buscado relocalizar-se nointerior do Nordeste, para competir com concorrentes externos (principalmente com ospaíses asiáticos), atraídos pela superoferta de mão-de-obra, baixos salários, bem como pe-la possibilidade de flexibilizar as relações de trabalho (adotando subcontratação, porexemplo), ao se mudarem.

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

17R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 17: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Mas esses fatos não alteram significativamente as tendências e as preferências locaisidentificadas pelos estudos de Campolina Diniz (1996). As tendências e preferências delocalização continuam beneficiando as regiões mais ricas e industrializadas (o Sudeste e oSul). Por sua vez, o professor Paulo Haddad (1996) tem chamado a atenção para o reforçodado pelo Mercosul a essa tendência de arrastar o crescimento industrial para o espa-ço que fica abaixo de Belo-Horizonte.

No que se refere às tendências do investimento industrial no País, as informações dis-poníveis permitem apenas esboçar algumas possibilidades referentes à futura distribuiçãoespacial da atividade econômica no espaço brasileiro. Em relatório elaborado para o Ipea(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Leonardo Guimarães Neto (1996) examinoualgumas informações, notadamente do levantamento do Ministério da Indústria, Comér-cio e Turismo, sobre as intenções de investimentos da iniciativa privada, além de indica-dores da ação de alguns bancos oficiais, relativos ao financiamento dos investimentos.

Em termos macrorregionais, os dados levantados por Guimarães Neto (1996) reve-lam que dos 73,4 bilhões de dólares de investimentos previstos para se efetivarem até oano 2000 cerca de 64,3% deverão concentrar-se no Sudeste (sendo 28,2% em São Pau-lo), 17,6% no Nordeste e 9,4% no Sul. No caso nordestino, mais de metade dos investi-mentos previstos vão para um único Estado, a Bahia. E isso antes da definição da Fordsobre a instalação de uma montadora de veículos nesse Estado.

Na análise da distribuição regional dos investimentos segundo os segmentos produtivosmais importantes, o estudo de Guimarães Neto destaca que os investimentos do grupo me-tal-mecânica, automobilística e química — segmentos básicos da chamada indústria pe-sada — tendem para o Sudeste. As indústrias de minerais não-metálicos, têxtil, de calça-dos, produtos alimentares e bebidas e papel e celulose têm um padrão de localização maisdesconcentrado e tendem a buscar as demais regiões. A indústria eletro-eletrônica e de ma-terial de comunicações, por razões muito específicas, buscam a Zona Franca de Manaus.

A tendência parece ser, portanto, do avanço, no futuro imediato, da consolidaçãodos segmentos básicos e estratégicos no Sudeste. Por outro lado, percebe-se o fortaleci-mento de especializações em outros Estados que, embora fora da região industrial tradi-cional, conseguiram, pelos mais diferentes fatores (recursos naturais, fortes incentivos re-gionais, condições de infra-estrutura), atrair segmentos específicos que definem subáreasdinâmicas e modernas, muitas vezes em contextos nos quais prevalecem, ainda, subáreastradicionais e estagnadas (Guimarães Neto, 1996).

Esse estudo ressalta, por outro lado, que a divisão do território brasileiro em macror-regiões cada vez esconde mais, em vez de revelar, a realidade do País. No que se refere aogrande investimento industrial, fica nítida uma grande seletividade espacial, notadamen-te quando o investimento se orienta para as demais regiões que não o Sudeste. No Nor-deste, tal escolha seletiva está tendendo a privilegiar a Bahia.

Portanto, não se pode assegurar que está em curso uma nova vaga concentracionis-ta. A maioria dos estudiosos tende a concordar que os anos 90 interromperam a tendên-cia à modesta desconcentração que se vinha desenvolvendo no País.

A TENDÊNCIA À FRAGMENTAÇÃO

Mais relevante que o debate anterior é a discussão sobre os novos rumos da dinâmi-ca regional, vistos da perspectiva do processo de integração–desintegração dos diversos es-paços econômicos do País.

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 918

Page 18: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

O exame realizado por Leonardo Guimarães (1996) para o Ipea, já referido, permi-tiu destacar o caráter espacialmente seletivo dos investimentos industriais, que privilegiamalguns espaços específicos nas regiões, tornando-as ainda mais heterogêneas.

Por sua vez, Carlos Américo Pacheco (1998), em estudo recente, salienta que “numcontexto de estagnação da economia nacional e crise do Estado, acabaram-se criando al-ternativas pontuais de dinamismo em algumas poucas regiões”. Destaca, ainda, que esses“focos dinâmicos” nem são capazes de espraiar dinamismo nem de comandar um novo ci-clo expansivo. Isso porque os determinantes da acumulação no Brasil, a esta altura, já es-tão muito associados aos segmentos produtores de bens de capital e de consumo duráveise ao comportamento favorável do gasto público, o que não tem ocorrido nos anos 90.

Do ponto de vista regional, esse “dinamismo localizado em alguns focos terminapor reforçar a tendência de maior heterogeneidade intra-regional”, como destaca, tam-bém, Pacheco. Esse autor critica o “discurso da moda” que vaticina um Estado Nacionalsubmisso à lógica privada e que se contenta em alavancar estratégias exitosas das grandesempresas, ao mesmo tempo que delega às esferas subnacionais um papel progressiva-mente mais importante na atração de investimentos. Isso, destaca Pacheco, termina por“reforçar disputas entre regiões e entre unidades da Federação, enquanto políticas fede-rais, formuladas ad hoc, sancionam uma trajetória de conflito entre os diversos interes-ses regionais” (1998). Se o Estado Nacional, em lugar de coordenar ações convergentes,deixa que a disputa se instale, a hipótese da tendência à fragmentação da nação passa a sercada vez mais provável.

Do ponto de vista das tendências do mercado, se os espaços mais atraentes tendema estar situados no Sul/Sudeste, do ponto de vista dos reduzidos investimentos patroci-nados pelo governo federal (reduzidos porque a principal despesa do governo federal sãoos gastos com as dívidas interna e externa), era de se esperar ação efetiva no sentido deevitar a ampliação das disparidades, já gritantes no Brasil, e assegurar a compatibilidadeentre inserção na globalização e integração dos diversos espaços do País. Mas os dados pa-recem sinalizar para a tendência a fortalecer (ao invés de contrabalançar) a concentraçãode novas atividades e novos investimentos em certos “focos competitivos”. Senão, obser-ve-se o seguinte.

O Programa Brasil em Ação, no qual o governo federal define, para o período 1996-1999, seus projetos prioritários de investimentos, desagrega tais projetos em dois grandesblocos: os projetos de infra-estrutura e os da área social.

Para o que interessa neste trabalho, tomem-se os projetos de infra-estrutura, e, de-les, aqueles que têm capacidade de definir articulações econômicas inter-regionais ou in-ternacionais e, portanto, são capazes de influir na dinâmica regional do Brasil, em temposde globalização. Os demais são projetos importantes, mas de impacto localizado, restri-tos a uma ou outra região do País (a exemplo da conclusão de Xingó, com impacto ape-nas no Nordeste). Por sua vez, de grande importância para a futura modelagem territo-rial do Brasil, ficou de fora dessa análise o Programa de Desenvolvimento dasTelecomunicações (Paste), por não ter sido apresentado com o detalhe da localização re-gional de seus investimentos.

Ora, a análise dos projetos prioritários de infra-estrutura econômica, estratégicos pa-ra a futura organização territorial do Brasil, revela algumas tendências importantes:• têm uma opção prioritária clara pela integração dos espaços dinâmicos do Brasil ao

mercado externo, em especial ao Mercosul e ao restante da América do Sul, consisten-te com a opção brasileira de promover a integração competitiva. Essa orientação estraté-

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

19R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 19: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

gica secundariza a integração nacional, quando a inserção do Brasil na globalização nãoprecisa dar-se às custas da fragmentação do País, mas pode e deve ser conduzida com-patibilizando essa inserção com a continuidade do processo de integração das regiões,que o Brasil vinha consolidando nas últimas décadas, mas esse é outro debate;

• prioriza dotar de acessibilidade os focos dinâmicos do Brasil (agrícolas, agroindustriais, agro-pecuários ou industriais), deixando em segundo plano as áreas menos dinâmicas ou ostradicionais investimentos autônomos, nos quais o Estado patrocina investimentos que po-tencializam dinamismo econômico futuro. Na opção atual, o Estado segue o setor pri-vado, enquanto, com os investimentos “autônomos”, antecipa-se a ele. Na opção do Bra-sil em Ação, o governo prioriza ampliar a competitividade de espaços já mais competitivos;

• concentra os investimentos no Sul/Sudeste, na fronteira noroeste, e em pontos dinâmi-cos do Nordeste e Norte, seguindo os espaços que vêm concentrando maior dinamis-mo nos anos recentes.

Conclusões semelhantes foram obtidas por professores do Departamento de Econo-mia da Universidade Federal de Uberlândia, ao examinarem a proposta dos Eixos de Inte-gração do programa Brasil em Ação aplicada ao caso mineiro (Brandão et al., 1998). Osanalistas consideram que: • “o plano descarta uma visão mais articulada do planejamento regional e recusa-se a ado-

tar políticas para áreas não eleitas no processo de globalização”. Ao contrário, como suapreocupação principal é criar estímulos que potencializem a integração competitiva,“sanciona e reforça fluxos econômicos já existentes”, ou seja, reforça as regiões commaior potencial de ampliar a internacionalização;

• “revela sua desatenção para com as históricas funções de Minas Gerais no mercado in-terno brasileiro e reforça as porções territoriais mais desenvolvidas” do Estado;

• procura apenas “viabilizar o escoamento da produção de específicas regiões singulares ecriar atratividade para algumas modalidades de investimento privado”. Não é à toa quea Ferrovia Unaí-Pirapora e a duplicação da Rodovia Fernão Dias sejam as duas obrasprincipais do Brasil em Ação;

• A região central do Estado é a que “está no núcleo privilegiado da estratégia do Brasilem Ação”. Altera-se, assim, a conformação histórica da divisão territorial do trabalho emMinas Gerais e traça-se como cenário mais provável o que transforma Minas Gerais nogrande ponto de passagem, via Belo Horizonte, de produtos diversos.

Pelas conclusões acima dos professores mineiros, os investimentos propostos nosEixos aprofundam, ao invés de buscarem reduzir, a heterogeneidade estrutural do Estado.Fragmentam, ao invés de integrarem.

No programa de investimentos para o segundo período do governo Fernando Hen-rique Cardoso (PPA 2000–2003), as mesmas tendências permanecem. No Avança Brasil,a agenda de investimentos econômicos mais importante continua sendo a da infra-estrutura. Isso porque, no mundo globalizado, a acessibilidade é fundamental. Lá se des-tacam R$ 70,2 bi de investimentos para o Sudeste, R$ 38,7 bi para o Sul e R$ 30,4 bipara o Nordeste. É a antipolítica regional.1

Por sua vez, a ausência de políticas regionais explícitas do governo federal abriu es-paço, como se viu, à deflagração de uma guerra fiscal entre Estados e municípios que bus-cam contribuir para consolidar alguns “focos de dinamismo” em suas áreas de atuação.Se o setor privado, o governo federal e os governos locais concentram seus esforços nasáreas mais dinâmicas, vão-se deixando grandes áreas do País à margem: são os ditos es-paços não-competitivos.

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 920

1 Mesmo na agenda do de-senvolvimento social, o Su-deste leva R$ 35,2 bi e oNordeste, R$ 33 bi.

Page 20: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

É importante acrescentar que, como se destacou anteriormente, foi bastante limita-da a dimensão da desconcentração ocorrida nas décadas anteriores. Ela não alterou subs-tancialmente a antiga divisão regional de trabalho, que concentrou a parte mais relevan-te da base produtiva nacional e, sobretudo, dos segmentos industriais estratégicos noSudeste. Ademais, como também aqui foi mostrado, os estudos recentes sugerem o esgo-tamento do processo de desconcentração, relativamente curto, sem dúvida, quando com-parado ao longo período de concentração, que data do início da industrialização brasilei-ra até o auge da fase expansiva do “milagre econômico”, no final da primeira metade dosanos 70.

Por sua vez, as tendências prováveis dos investimentos sugerem que, após a fase dedesconcentração modesta, poderá ocorrer, num futuro imediato, um processo de con-centração espacial do dinamismo econômico em algumas sub-regiões (focos dinâmicos).Isso significará que, mais uma vez, o País está na iminência de repetir uma trajetória deconcentração espacial ou de acirramento de desigualdades regionais, agora num contex-to extremamente mais difícil, de (i) inserção maior do País e das regiões na economiamundial, na qual se submeterão a uma acirrada competição; (ii) num Estado ainda ex-tremamente débil para definir e implementar diretrizes que possam se contrapor aos cus-tos sociais de uma maior desigualdade regional; e (iii) numa Federação em crise, comotêm ressaltado vários estudos recentes da Fundap (Affonso e Silva,1995).

A conclusão preocupante que emerge das observações e análises até aqui apresen-tadas é que, muito provavelmente, a inserção do Brasil na economia mundial globali-zada tende a ser amplamente diferenciada, segundo os diversos subespaços econômicosdeste amplo e heterogêneo País. Tal diferenciação tende a alimentar a ampliação de his-tóricas e profundas desigualdades inter-regionais, entre e no interior das grandes ma-crorregiões brasileiras.

Não se repetirão, certamente, as formas pelas quais se materializaram essas desigual-dades ao longo do século XX, mas provavelmente se observará o aumento da heterogenei-dade intra-regional, como supõe Pacheco (1998), posto que o próprio estilo de cresci-mento da economia mundial é profundamente assimétrico, e aos atores globaisinteressam apenas os espaços competitivos brasileiros, espaços identificados a partir de seusinteresses privados e não dos interesses do Brasil. Os países, para esses agentes, são meras pla-taformas de operação. O quadro futuro tende a ser mais complexo que no passado recen-te, posto que em antigas áreas dinâmicas podem surgir bolsões de pobreza, áreas antespouco exploradas podem ser “descobertas e dinamizadas”, e áreas dominantemente po-bres podem abrigar “focos dinâmicos” restritos.

Essa diferenciação irá requerer, mais que nunca, uma ação pública ativa (sobretudoofertando elementos de competitividade sistêmica, como educação e infra-estrutura deacessibilidade), para evitar a fragmentação do País ou a consolidação de uma realidade, naqual ilhas de dinamismo convivam com numerosas sub-regiões marcadas pela estagnação,pobreza, retrocesso e até isolamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mas há novos fatos e movimentos em curso. Entre eles, a emergência de atores lo-cais ativos (governos estaduais, governos municipais, entidades empresariais locais) é umfato importante no contexto dos anos recentes. Embora sua presença crescente em cena

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

21R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 21: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

não dispense uma ação firme do governo federal no campo do desenvolvimento regio-nal, como ocorre até em blocos econômicos (como se vê no caso da União Européia, exe-cutora de políticas ativas de corte regional, implementadas por meio de mecanismoapropriado, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional – Feder), essa nova tendên-cia deve ser valorizada, pois implica a atuação de novos e importantes atores.

Em muitas áreas do País, atores locais têm-se articulado para pensar e propor es-tratégias de desenvolvimento local e regional. Planos estratégicos municipais e regionaistêm-se tornado cada vez mais freqüentes, embora isso não dispense a ação coordenado-ra do Estado Nacional, como ocorre na Alemanha ou na Itália dos dias atuais.

Por outro lado, na contramão dessas iniciativas locais contrárias ao movimento deintegração seletiva e fragmentadora, há um processo igualmente fragmentador decorren-te de desmembramento de municípios — “onda” de autonomia que criou milhares denovos municípios no Brasil dos anos recentes. No entanto, tem sido cada vez mais fre-qüente o recurso a estratégias de consorciação para a atuação em espaços territoriais einstitucionais mais amplos. Diversos Estados já dispõem de leis regulando tais consór-cios e os estimulam. Parte-se, assim, do nível estritamente local para propor e atuar emníveis regionais mais amplos. Problemas são, assim, mais bem enfrentados, e potenciali-dades, aproveitadas com mais vantagem.

Trata-se, portanto, da reconstrução de espaços mais amplos de atuação de políticaspúblicas (nem todas executadas por entes governamentais), da redescoberta de identida-des regionais e da necessidade de promover a integração de subespaços (regiões) deixadosà margem pelo movimento mais geral e seletivo da inserção global dos focos dinâmicos.Integração importante num país heterogêneo e continental como o Brasil.

Também é possível identificar, nos anos recentes, a emergência de novas concepções dedesenvolvimento, entre as quais se destaca a do “desenvolvimento sustentável”. Preocupa-do com a abordagem da realidade em suas múltiplas dimensões, destacando-se a “solida-riedade intergeração” (sustentabilidade ambiental), esse conceito, ao se aplicar no Brasil,tem destacado também a preocupação com a dimensão social e com a integração físico-territorial (para o que investimentos em infra-estrutura econômica ganham relevo, umavez que são capazes de redefinir territorialidades, num país ainda em processo de ocupa-ção de seu vasto território).

Assim, se, de um lado, parece claro que as tendências recentes apontam para o apro-fundamento das diferenciações regionais herdadas do passado e para a fragmentação doBrasil — destacando os “focos de competitividade e de dinamismo” do “resto” do País pa-ra articulá-los à economia global —, de outro lado, há contratendências importantes, vin-das de baixo para cima.

A inserção seletiva terá como contraface da mesma moeda o abandono das “áreas deexclusão” (ditas não-competitivas). Estaria sendo traçado, assim, o roteiro da desintegra-ção brasileira. A emergência de focos de um novo tipo de regionalismo, intitulado de “pro-vincianismo mundializado” por Carlos Vainer, sinaliza nessa direção. São locais de gran-de dinamismo recente e bem dotados dos novos fatores de competitividade, que montamsua articulação para fora do País e tendem a romper laços de solidariedade com “o resto”,passando a praticar políticas explícitas de segregação contra emigrantes vindos de áreasnão-competitivas. Buscam, assim, evitar “manchar” a “ilha” de primeiro mundo que jul-gam constituir (Vainer, 1995).

Mas outros agentes estão se contrapondo a isso e articulam movimentos de base ter-ritorial que clamam por articulação em nível nacional e incluem-na em suas práticas. É o

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 922

Page 22: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

caso de movimentos como o dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o dos desalojados pe-los projetos de barragens, entre outros, como também destaca Carlos Vainer. Faltaria aogoverno federal atuar para evitar a fragmentação do País. Para isso, cabe-lhe conceber eimplementar uma nova política de desenvolvimento regional. Ou melhor, uma políticanacional de desenvolvimento regional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AFFONSO, R., SILVA, P. L. B. (Orgs.). Desigualdades regionais e desenvolvimento. SãoPaulo: Fundap/Editora Unesp, 1995.

ARAÚJO, T. B. “Por uma política nacional de desenvolvimento regional”. Revista Econô-mica do Nordeste, Fortaleza, Banco do Nordeste, v.30, n.2, abr-jun 1999.

BRAGA, J. C. “Financeirização global”. In: TAVARES, M. da C., FIORI, J. L. (Orgs.).Poder e Dinheiro. 2.ed. Petrópolis: Vozes,1997.

BRANDÃO, C. A. et al. “Brasil em ação: os possíveis impactos sobre Minas Gerais”. Eco-nomia – Ensaios, Uberlândia, Departamento de Economia, v.12, n.2, v.13, n.1,1998.

CAMPOLINA, D. C. A dinâmica regional recente da economia brasileira e suas perspecti-vas. Brasília: Ipea, 1994.

CAMPOLINA, D. C., CROCCO, M. A. “Restruturação econômica e impacto regional:o novo mapa da indústria brasileira”. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v.6,n.1, jul. 1996.

CANO, W. “Concentração e desconcentração econômica regional no Brasil: 1970/95”.Revista Economia e Sociedade, Campinas, Unicamp, n.8, jun. 1997.

CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1997. GUIMARÃES NETO, L. “Desigualdades regionais e federalismo”. In: AFFONSO, R. B.,

SILVA, P. L. B. (Orgs.). Desigualdades regionais e desenvolvimento. São Paulo: Fundap/Editora Unesp, 1995.

_______. Dinâmica regional brasileira. Brasília: Ipea, relatório de pesquisa, 1996.HADDAD, P. R. “Para onde vão os investimentos”. Gazeta Mercantil, São Paulo, 16-18

fev. 1996.LIMA, P. “A abertura comercial, rebatimentos regionais e o planejamento: o Nordeste em

realce”. Revista Análise Econômica, Porto Alegre, Ano 16, n.29, março 1998.PACHECO, C. A. Fragmentação da nação. Campinas: Unicamp/IE, 1998.TAVARES, M. da C. “A retomada da hegemonia norte-americana”. In TAVARES, M. da

C., FIORI, J. L. (Orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Pe-trópolis: Vozes, 1997.

VAINER, C. Regionalismos contemporâneos. In: AFFONSO, R. de B. A., SILVA, P. L. B.de (Orgs.). A Federação em perspectiva: ensaios selecionados. São Paulo: Fundap, 1995.

A B S T R A C T This paper essentially reproduces ideas presented at the Round Table ofthe Eighth National Anpur Meeting, held in Porto Alegre in 1999. First there is a brief over-view, from both global and Brazilian perspectives, of the principal trends characterising theend of the century, especially since the seventies. An examination of the impact of these trendson the regional dynamics of Brazil over recent years follows. The strategic choices made by the

T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O

23R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Tânia Bacelar de Araújo,economista, é professora doDepartamento de Geografiada Universidade Federal dePernanbuco. E-mail: [email protected]

Page 23: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

social and economic forces that dominate the country’s political scenario and the principalpolicies that have implemented them in the 90s are then identified, followed by speculation ontheir probable impact on Brazilian regional dynamics. Arguments are subsequently presentedin support of two principal hypotheses: the stalling of the deconcentrational trend that wasdominant between the seventies and the mid-80s, and the trend towards the fragmentation of the country. Finally, some contra-trends are identified and the importance of the FederalGovernment defining and implementing a national policy for regional development is highlighted.

K E Y W O R D S Regional development; globalization and regional dynamics;Northeast Brazil.

B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 924

Page 24: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

¿QUÉ DEBE HACER ELGOBIERNO LOCAL ANTE LOS

GRANDES EMPRENDIMIENTOSEN EL COMERCIO MINORISTA?1

J O S É L U I S C O R A G G I OR U B E N C E S A R

R E S U M E N A raíz de la situación planteada por la solicitud de la empresa Carrefourde instalar un segundo supermercado en la ciudad de Porto Alegre, se suscitó una polémica a lacual este artículo pretende aportar datos de la experiencia argentina de penetración de ese tipode megaemprendimientos comerciales. A la vez se plantean algunas vías de acción alternativa,tanto en lo referente a la negociación con el gran capital foráneo como en lo referido al fortale-cimiento de opciones más competitivas para el pequeño comercio local.

P A L A B R A S - C L A V E Emprendimientos comerciales; capital comercial; impactoeconómico; alianza popular.

LA CUESTIÓN PLANTEADA

La pregunta se planteó a partir de la decisión de la cadena Carrefour de poner enmarcha la instalación de un segundo hipermercado en la ciudad de Porto Alegre, solici-tando a la Prefectura el estudio de la viabilidad urbanística del dicho proyecto. El ante-rior hipermercado data de hace quince años, y está ubicado en la zona sur de la ciudad,en una ubicación a la que acceden fundamentalmente sectores de clase media baja y ba-ja. En cambio, el segundo estaría en una zona de mayor densidad y afluencia económica,a pocos metros de otros supermercados y shoppings propiedad de capitales de Rio Grandedo Sul. Es interesante tener en cuenta que Carrefour ya tiene adquirido ese terreno y otromás, en otro punto estratégico de la ciudad. La discusión aparece centrada en el impactoeconómico concentrador de tal inversión sobre la estructura económica de la ciudad y enparticular sobre el sector comercial de porte mediano y pequeño, con su consecuenterepercusión sobre el tejido social.

Esto ha abierto una polémica sobre el papel del gobierno local, en el contexto de unproyecto político democrático participativo, que debe atender a un amplio espectro de in-tereses locales.2 De alguna manera esta contradicción entre fracciones del capital (extran-jero/nacional) incita a replantear en el seno de las fuerzas políticas de izquierda la viejacuestión de si hay que diferenciar políticamente entre una y otra fracción del capital o sihay que darles el mismo tratamiento. Esto se manifiesta de algún modo en la posibilidadde introducir una disposición que limite futuras localizaciones o bien una que intenteregular a todos los emprendimientos de gran porte, anteriores o futuros. Al respecto, cir-culó un proyecto que intenta suspender toda decisión sobre megaemprendimientos

25R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

1 Este artigo foi publicadona Revista EURE, v.25,n.75, Santiago, set. 1999. Lo que sigue intenta siste-matizar lo expuesto y discu-tido en reuniones realizadaslos días 27 y 28 de abril de1998 en Porto Alegre, conmiembros del partido de go-bierno, la Asociación de Pe-queños Comerciantes, fun-cionarios de la Prefectura y miembros de la Comisiónde Economía de la Cámara deConcejales de la Prefectura.

2 La discusión está aparen-temente alimentada por lanecesidad de atender a losintereses de capitales co-merciales concentrados deorigen regional, de los pro-pietarios de pequeños co-mercios y de los trabajado-res mercantiles, y a la vezsostener la visión utópica deciudad generada a partir delencuentro Ciudad Consti-tuyente.

Page 25: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

comerciales (mayores de 3.500 m2) hasta que fueran establecidos nuevos parámetros en elnuevo Plan Director de la ciudad.

Al encarar la cuestión, habría que intentar ubicar este episodio dentro del marcoprospectivo más general que impone el proceso de reestructuración tecno-productiva delcapital a escala global y las políticas de ajuste neoliberal. Esto es conveniente para definirel campo de acción pública efectiva posible tanto como para anticipar las consecuenciasde cada respuesta política alternativa (negociación o rechazo, regulación o desregulacióntotal, referencia exclusiva a inversiones de origen extranjero o a todo megaemprendi-miento comercial, etc.) dentro del movimiento general de redefinición de las relacionesentre sociedad, economía y estado. Para avanzar en esa dirección es que puede ayudarcomparar con la experiencia argentina, donde se inició antes la apertura neoliberal. A lavez, el hecho de que en Porto Alegre se esté recién entrando en un proceso de introduc-ción masiva del gran capital comercial, con un contexto político local excepcional paraAmérica Latina, permite pensar alternativas innovadoras ante la cuestión general.

EL CONTEXTO GENERAL

El gran capital comercial invade América Latina ¿Por qué ahora? Se dice que el co-mercio internacional se concentra en el intercambio entre los países más desarrollados,entre los sectores de mayores ingresos, entre los nuevos ricos y las nuevas clases medias. Sinuestras economías tienen un peso decreciente en el mercado global, con mercados in-ternos polarizados entre un pequeño sector de alto consumo sofisticado y masas crecientesde sectores excluidos de consumos no esenciales, con sectores medios en proceso de em-pobrecimiento, ¿cuál es el interés del capital comercial internacional en realizar cuantiosasinversiones en la región en este momento?

En primer lugar, las limitaciones históricas al avance de los monopolios de la comer-cialización minorista en los Estados Unidos (donde las cinco mayores redes controlanapenas el 32,6% contra el 70% en Francia y el 60% en Argentina, en parte por las leyesantimonopólicas, en parte por la resistencia de comunidades locales a la entrada de loshipermercados), en segundo lugar la saturación del mercado europeo y las nuevas leyes enFrancia (la Ley Galland prohibió la instalación de comercios mayores de 300 m2, equi-valentes a un autoservicio de barrio)3 han precipitado a los conglomerados de la comer-cialización minorista a invertir en Asia y Latinoamérica.

Además, la reciente crisis asiática posiblemente aumentará la atracción relativa delmercado latinoamericano: un continente con un mercado territorialmente concentradopor el elevado grado de urbanización, con ingresos per capita urbanos que — a pesar dela degradación sufrida en estas dos décadas — se destacan fuera de los países de la OECD,con una cultura popular marcada por las propuestas mediáticas consumistas y moder-nizantes, que ve la llegada de cada nuevo emprendimiento gigante e innovador comosímbolo de progreso, con monedas ahora estables, con facilidad para importar bienes yremitir ganancias a los países de origen bajo el férreo control del FMI y el BM.

A esto se agregan las nuevas oportunidades de innovación que abre la revolución tec-nológica (comunicaciones, informatización, transportes) y organizativa (descentralizacióndel control, just in time), las que requieren inversiones masivas para su completa efec-tivización. Y esto incluye los mercados crecientemente uniformizados de bienes de primeranecesidad, de bajo precio pero volúmenes enormes a escala global. Todo esto explica por

¿ Q U É D E B E H A C E R E L G O B I E R N O

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 926

3 Clarín, Suplemento deEconomía, p.46, 27 de oc-tubre de 1997.

Page 26: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

qué los monopolios continúan su competencia ahora en el mercado periférico global ydespliegan en América Latina estrategias globales para captar los mercados urbanos locales.

La decisión de Carrefour que detona la cuestión en Porto Alegre forma parte en-tonces de un proceso de extensión y generalización de los monopolios en la esfera de lacomercialización y de una nueva profundización de la cultura consumista, y desde allí supenetración de nuevos estilos de articulación entre servicios, producción y consumo en laesfera de la producción de productos de consumo masivo.

Las modalidades de interacción de estos emprendimientos en el mercado pueden sercaracterizadas como oligopolio (pocas grandes empresas controlan un alto porcentaje delmercado, fijando las condiciones paramétricas para las acciones de un resto del mercadofragmentado y orientado hacia “nichos” o intersticios del mercado local) con prácticas decompetencia monopólica (fusiones, guerra o acuerdo de precios, diferenciación de produc-tos, etc.). Mientras las modalidades de penetración del mercado de los primeros conglome-rados pueden ser vistas como dirigidas a anular la competencia de los comercios tradicionales,una vez instalados en un mismo mercado local varios competidores del mismo porte, talespolíticas pasan a estar dominadas por la competencia entre los grandes, con los pequeñoscomercios sufriendo las consecuencias de políticas no dirigidas necesariamente a ellos.

Se trata en todos los casos de inversiones de cientos de millones de dólares, asociadasa grandes capitales, nacionales o no. A través de la compra de cadenas preexistentes pro-ducen fusiones y absorciones horizontales para reducir la competencia.4 En Brasil: la com-pra de la red baiana Supermar en 65 millones de dólares por Bompreço (tercero en elranking de facturación), socio del grupo holandés Royal Ahold, y con una inversión pre-vista de 170 millones para expandir y equipar la red; la compra por Carrefour de Eldora-do, la oferta de Pão de Azúcar (segundo en el ranking, que ya ha adquirido seis redesmenores en el 1997) de comprar la red G. Aronson; la disposición del Banco Pontual alabrir una cartera de 350 millones para invertir en la participación de empresas de esteporte,5 y las negociaciones en marcha de los grandes para absorber tres empresas con fac-turación entre 250 y 500 millones anuales (Cândia y Barateiro de São Paulo, ABC de Ríode Janeiro). En Argentina:6 la compra por Disco (con más de 100 bocas de expendio, aho-ra asociada con los capitales holandeses de Royal Ahold) de la cadena Su Supermercadopor 75 millones en el Oeste del Gran Buenos Aires, de Santa Isabel (Chilena), de Vea (enMendoza y Córdoba), de las cadenas Elefante, La Gran Provisión y Frigosol; Coto com-pró la cadena Acassuso y Metro (local en Buenos Aires); Norte (desde el 1996 adquiridoen 440 millones de dólares por el Exxel Group de Estados Unidos, que también comprodos cadenas chicas del Norte del GBA (La Florida del Norte y Tanti) compró el hiperme-rcado Tigre (de 18.000 m2 en Rosario); Wal Mart intentó comprar Jumbo (de la cadenaChilena Cencosud); Auchan entró comprando los siete hipermercados del grupo Liber-tad (en Córdoba, Tucumán, Santiago del Estero y Resistencia). Si la Argentina contaracon leyes antimonopolio como las de Estados Unidos, una parte de las transacciones men-cionadas deberían haber sido examinadas por su potencial anticompetitivo, pero en unsistema sin regulación la furia fusionista sigue desatada.

LA SITUACIÓN EN ARGENTINA

Esta dinámica vertiginosa se expresa asimismo en la inversión en marcha para la am-pliación de los locales adquiridos o la construcción de nuevos hipermercados o centros

J O S É L U I S C O R A G G I O E R U B E N C E S A R

27R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

4 Los cinco mayores gru-pos en Brasil (Carrefour,Pão de Azúcar, Bompreço,Sendas y Paes Mendonça,en ese orden, cubren el 28%de un mercado estimado en50 mil millones de dólaresanuales); Folha de S. Paulo,2º Caderno, p.1, 13 de abrilde 1998. Los ocho grandesgrupos en Argentina (Car-refour, Disco-Royal Ahold,Coto (Nacional), Norte-Exxel,Tía (Nacional), Jumbo-Sen-cosud, Wall Mart y ahoraAuchan-Casino) tienen un vo-lumen de facturación quesobrepasa los 10 mil millo-nes de dólares. El 71% delas ventas de alimentos ybebidas en todo el país pa-saban en 1996 por HIPER,SUPER Y AUTOSERVICIOS, yen el Area Metropolitana au-mentaba al 80,7%. Peromientras los hiper y supermercados (4 o más cajas)cubrían con 1.200 locales el47% del rubro alimentos ybebidas, los autoserviciosde hasta tres cajas cubríancon 12.500 locales el 25%y los almacenes tradiciona-les el 28% con 114.000 lo-cales en el país; Clarín, Su-plemento de Economía, p.22,5 de octubre de 1997. Enabril de 1997 el Indec regis-traba 11 cadenas grandes y51 medianas en el país.Mientras las grandes fac-turaban el 93% y las me-dianas el 7% del conjunto,las primeras estaban cre-ciendo y las segundas re-duciendo su peso. El valorde cada venta promedio delas primeras era de 28$, elde las segundas era 15$.En las cadenas medianas el79% de las ventas son ali-mentos y bebidas, en lasgrandes sólo el 66%. Enelectrodomésticos y artícu-los para el hogar es respec-tivamente de 0,5% y de 5%.La facturación en 1997 dealgunos de los grandes es-taba estimada como sigue:Carrefour (2.400 millones),Disco (1.600), Coto (1.300),Norte (1.300), Tía (700),Jumbo (550).

5 Folha de S. Paulo, 2º Ca-derno, p.1, 13 de abril de1998.

6 Clarín, Suplemento deEconomía, p.22, 5 de octu-bre de 1997.

Page 27: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

comerciales en las grandes ciudades o en centros intermedios de la red urbana. Algunosejemplos: Wal Mart en La Plata, Bahía Blanca, Santa Fe, Paraná, Neuquen, y Córdoba(dos supercenters con un total de 36.000 m2 y 40 millones de dólares), Jumbo en Cór-doba, Martínez, San Isidro y Neuquen, que además abrió un shopping de 42 millones dedólares en Quilmes, complementario del Hiper y el Easy Home en esa zona; Carrefouren el ex albergue Warnes y varios locales en Córdoba; Coto en Lanús (un hiper con shop-ping de más de 30 millones de dólares), Temperley y El Abasto, Mataderos y BarrioNorte; Tía en Corrientes (11.000 m2), Usuhaia, Comodoro Rivadavia, Trelew y GeneralRoca además de otros dos en la Capital Federal; Disco en Capital y Córdoba; Norte enLomas de Zamora, en las provincias de San Luis, Santa Fe y Entre Ríos (para 1998 pre-veían un local nuevo por mes); a todo lo cual viene a sumarse Auchan (del grupo Casino,competidor francés de Carrefour) que abrió su primer hipermercado en Avellaneda y es-tá planificando un segundo en la periferia de la Capital.7

Con inversiones mínimas de 10 millones pero que pueden llegar a 140 millones(Warnes) se vienen abriendo hiper y super mercados en los grandes centros y ahora en laperiferia a razón de más de uno por mes. Estos gigantes pueden adaptarse, y atender nosólo los grandes mercados concentrados sino localidades como Neuquen. En esta compe-tencia pueden asociarse con grupos financieros e inmobiliarios para avanzar combinandosupermercados, edificios de vivienda u oficinas y shoppings. A esta altura, la reciente leyde la Provincia de Buenos Aires8 exigiendo la realización de estudios previos a la aproba-ción de inversiones adicionales que superaran los 2.500 m2 no puede sino ser vista comotardía, y hasta ha sido juzgada como atentatoria de la competencia al limitar la presión defuturas entradas en el mercado ya copado por los megaemprendimientos existentes.

Si bien tienden a especializarse en diversos segmentos del mercado: de nivel alto(Norte), medio (Disco), y popular (Wal Mart, Carrefour, Coto), y no cubren siempre lasmismas líneas de productos, es evidente que estos conglomerados comerciales están em-peñados en una lucha por nuestros mercados urbanos, lo que se expresa en la multipli-cación de bocas de salida para cubrir el territorio. Si bien se considera viable un hiper ca-da 200 a 250 mil habitantes, esta multiplicación de bocas es resultado no de acuerdos ode la programación óptima concertada del sector para minimizar costos de abastecimien-to a la población (o para maximizar las ganancias del conjunto de las empresas), sino deuna fase de fuerte competencia entre los monopolios.

Esta competencia territorial, requiere ubicarse en las mejores posiciones centralesdel mercado urbano, comprando establecimientos existentes en zonas de concentraciónhistórica del mercado o anticipándose a comprar los grandes terrenos vacantes aúndisponibles. Iniciada en los grandes mercados de las áreas metropolitanas, donde gana-ban varias veces más que en sus mercados de origen — por la combinación de falta decompetencia inicial, menores costos de mano de obra, suelo, impuestos (apenas el 4%del valor de ventas en RA etc.) —, de ahí se extendieron a otros centros de la red urbanay a barrios periféricos de menor ingreso y comienzan a interceptar agresivamente susáreas de venta.

Esta lucha hace que venga bajando el rendimiento por m2 (desde 1994 la fac-turación por m2 de cuatro de las grandes cadenas de super cayó un 35%, y en septiem-bre de 1998 cayó un 13%;9 sin embargo, los 885 dólares promedio en 1997 siguen sien-do superiores a los 350 por m2 en Brasil y dos veces la media de Chile, de 453 $/m2)10 yque aunque se sigan agregando lugares de expendio la proporción del mercado que con-trolan las grandes cadenas comienza a estabilizarse (las ventas globales no aumentan ya

¿ Q U É D E B E H A C E R E L G O B I E R N O

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 928

7 Clarín, p.26, 11 de di-ciembre de 1997.

8 La legislación prohibe alas autoridades comunalesmodificar las zonificacionesprevistas para cada radica-ción en la provincia. Tam-bién quedan inhabilitadas lasordenanzas para la exenciónde tributos a favor de los hi-permercados. (Clarín, p.30,20 de marzo de 1998.)

9 Clarín, 23 de noviembrede 1998.

10 Clarín, p.26, 11 de diciem-bre de 1997.

Page 28: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

en una proporción equivalente al incremento en el número de locales). Puede ser que co-mo resultado de esta lucha no todas las grandes cadenas permanezcan en el futuro, peroen todo caso es de prever que esta furia de inversión y fusiones se vaya frenando con loslímites del mercado. En todo caso, su competencia monopólica no es ya principalmentecontra el mercado microminorista, sino entre ellas, aunque golpean al micro como con-secuencia de sus avances.

Por su misma magnitud, esta lucha se va manifestando en la reestructuración del es-pacio urbano, contribuyendo, junto con la proliferación de shoppings y barrios cerrados,a extender una cultura de compra y consumo en espacios quasi públicos que ofrecen laposibilidad de realizar compras y consumo de productos y servicios muy diversos con unsolo traslado. Esto se refuerza con la creciente presencia en el imaginario y en la vida co-tidiana real de la inseguridad y creciente violencia en las calles, algo que de hecho afectadirectamente la competitividad de los pequeños comercios, asaltados con frecuenciainusitada en los últimos años.

Pero la lucha no se limita a la fusión y extensión de grandes locales. Así, utilizannuevas tecnologías de comercialización que descolocan al comercio tradicional: asociadoscon el capital financiero, emiten sus propias tarjetas de crédito de fácil acceso (a medianoplazo, dando acceso a bienes de consumo, pero con tasas de interés usurarias), a pesar desu escala cuando se dirigen a sectores medios y altos ofrecen servicio a domicilio, utilizanofertas gancho bajando los precios de algunos productos por debajo del costo, realizansorteos entre los compradores presentes, etc.

La lucha por controlar una proporción más alta del mercado de consumo es tam-bién instrumental para ejercer un poder monopólico en el mercado de productos, dondese presentan como grandes compradores: el ejercicio de ese poder incide en los preciosque reciben los proveedores (hasta un 20% de menor precio por el producto además delpago de un derecho fijo para exponer en las góndolas y el usual pago por metro lineal degóndola), así como la imposición de plazos de pago (a 60 o 90 días). La escala les permitetambién convertirse en importadores y exportadores (de productos de su propia marca) yacceder a tecnologías de punta (cajas conectadas con sistemas informatizados de inventarioy control de la salida por producto, posición en las góndolas, cruzando casi instantánea-mente el análisis de la demanda con la información sobre los compradores con tarjeta, etc.).

La escala también les permite hacer producir a façon productos con su propia mar-ca (el 8% de lo que facturan los grandes;11 mientras en Francia, Carrefour tiene 1.600productos de línea propia que son el 16% de sus ventas, en Argentina esperan tener 400productos con marca propia para el 2000). Al evitar costos de distribución y de market-ing logran por este medio bajar los precios un promedio de 15% por debajo del precio delista en las marcas líderes; algunos productos pueden ser exportados a sus locales en otrospaíses — duraznos, hamburguesas, etc.12 En esto hay diferencias: Norte, dirigido a unmercado de mayor nivel de ingresos, trabaja con las marcas conocidas, mientras que Car-refour y Disco generan sus propias marcas.

Estos emprendimientos comerciales no sólo ejercen el comercio minorista en granescala, sino que compiten con el comercio mayorista (muchos comercios pequeños seabastecen en los super o hiper). También usan formas de competencia desleal e ilegal:pueden vender productos por debajo del costo, eludir aduanas (recordemos los juiciospendientes por utilizar la “aduana paralela”, pasando containers que no pagaban impuestosporque supuestamente estaban en tránsito hacia otro país), anunciar rebajas en diarios yen las góndolas y no registrarlos en las cajas, etc.

J O S É L U I S C O R A G G I O E R U B E N C E S A R

29R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

11 Suplemento Cash, p.12,11 de diciembre de 1997.

12 El Cronista, p.10, 21 demayo de 1997.

Page 29: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

EL IMPACTO

El impacto urbano de esta reorganización del comercio no es menor: el comerciotradicional, pequeño e incluso bajo la forma de cadenas especializadas, sufre la quiebra delos comercios peor colocados — por su localización o su ineficiencia —, con la consi-guiente pérdida de empleos y en ocasiones la desvalorización de sus propiedades en zonasque constituían centros comerciales de la ciudad. Esto a su vez afecta indirectamente a lasredes de abastecimiento de esos comercios, muchas de cuyas PYMES no pueden cumplircon los requerimientos de las grandes cadenas en lo referente a calidad, precio, cantidady continuidad dentro de un régimen “just in time”.

Es importante señalar que el 83% de los comerciantes pequeños reconoce que la ins-talación de hipermercados tiene un efecto negativo sobre sus comercios.13 Esto no surgede una interpretación subjetiva de estos comerciantes, sino que está basada en datos de larealidad de estos comercios, que ven como sus ventas se reducen mientras que la partici-pación de los hipermercados en el mercado minorista aumenta. Por ejemplo, basado endatos del Indec, la facturación de los hipermercados aumentó en abril de 1997 un 9,6%con respecto a igual período del año anterior y el 92,9 % del total de la facturación deabril de 1997 correspondía a las grandes cadenas de supermercados, restando el 7,1% paralas medianas,14 en abril de este año las grandes cadenas facturaron un 11,8% más que enigual período del año anterior mientras que los comercios chicos perdieron un 0,2% en el mismo período.15 La tendencia al aumento de la facturación por parte de loshipermercados continua en 1998, dado que, desde septiembre de 1997 hasta el mismomes de 1998, el monto total de las ventas de éstos aumentó un 10,5%.

En el interior del país la imagen es similar, la entrada de los hipermercados en es-tos mercados redujo la participación de las ventas de los comercios pequeños de un 22%en 1996 a un 16% en 1997,16 mientras los hipermercados siguen abriendo comercios enla zona.

Tiene también un impacto sobre la recaudación impositiva local, provincial y na-cional. En esto incidirán los sistemas impositivos regresivos, en el sentido de que las tasasque pagan los pequeños comerciantes son iguales que las de los grandes, el efecto de lanegociación de tasas especiales y la capacidad de evasión. Por lo pronto, la competenciaruinosa a la que están sometidos entre estos gigantes y el comercio ambulante, empuja alos pequeños y medianos comercios a bajar costos evadiendo impuestos. En cuanto alefecto sobre el balance de pagos nacional, es sin duda negativo: por su tendencia a im-portar directa y masivamente productos de bajo costo para sustituir la oferta nacional, ypor su tendencia a remitir ganancias al exterior.

Su efecto sobre el espacio público y la organización de la ciudad no será el mismopara cada caso y localización, pero en conjunto contribuye significativamente a cambiarel paisaje urbano y los modos de circulación y convivencia en la ciudad. La revalorizacióndel suelo y las propiedades inmobiliarias en ciertas zonas puede inducir nuevas densifica-ciones. Puede hacer perder centralidad al viejo centro si se concentran en ubicacionesperiurbanas, pero si se ubica en lugares cercanos puede revalorizarlo. Concentra efectosambientales negativos en su entorno (contaminación del aire y sonora, problemas dedrenaje, embotellamientos de tránsito, etc.), algunos de los cuales pueden ser compensa-dos con obras especiales, otros no.

En cuanto al impacto sobre los precios al consumidor, es en promedio positivo:pueden llegar a estar un 20% por debajo de sus competidores tradicionales17 y un 10%

¿ Q U É D E B E H A C E R E L G O B I E R N O

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 930

13 Más aún, el 62,7% opinaque la situación empeoraráy el 29,5%, que se manten-drá igual.

14 Clarín, p.20, 23 de fe-brero de 1998.

15 Clarín, p.24, 18 de Mayode 1998.

16 Clarín, p.20, 23 de fe-brero de 1998.

17 Suplemento Cash, p.12,15 de diciembre de 1997.

Page 30: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

por debajo de los autoservicios (menos de cuatro cajas registradoras). Aunque se especu-la con la posibilidad de que una vez establecidos suban los precios, mientras persista la ac-tual fase de competencia monopólica será difícil un acuerdo para subir los precios. Perono todos los consumidores pueden prescindir del pequeño comercio, y en este sentido esimportante marcar que el mercado que queda para estos es el de la gente que recurre paracomprar los productos de primera necesidad18 o los que no pueden acceder al tipo decompra concentrada e impersonal que propone un hipermercado. Mucha gente, a pesarde que en el mediano plazo termina pagando más caro en un almacén que en un hiper-mercado, en los almacenes puede desarrollar estrategias de compra que sería imposible de-sarrollarlas en estos grandes emprendimientos, por ejemplo el retiro de mercaderías conpago diferido, más conocido como “fiado de mercadería” o la compra de pequeñas frac-ciones de peso para atender la necesidad del momento.19 En lo que hace a los salarios ylos derechos laborales, su carácter de pertenecientes al sector “formal” no impide que uti-licen las formas de trabajo precario que permite la práctica de contratación en un merca-do con altas tasas de desempleo y desregulación creciente.

Combinando todos estos factores, su condición monopólica les permite obtenertasas de ganancia hasta cuatro veces superiores a las logradas en sus países de origen. Sinembargo, el efecto económico es contradictorio: por un lado (al menos mientras subsistala competencia) se bajan los precios de los productos de consumo y se aumentan los in-gresos de aquellos comerciantes que pueden beneficiarse por estar asociados a estos cen-tros (aunque se dan muchos casos de quiebra posterior por no poder afrontar los altos cos-tos de participar del espacio en los centros comerciales), por otro se reducen los ingresosde los trabajadores y de los propietarios que pierden en la competencia o que no se be-nefician con esa asociación. En todo caso, las ganancias del sector comercial, creciente-mente monopólicas, serán socializadas de otra manera (se filtran hacia procesos globalesde inversión).

En todo esto hay que tener en cuenta que el impacto económico no puede ser eva-luado simplemente asignando a los nuevos emprendimientos comerciales la responsabili-dad por los índices de quiebras o desempleo del comercio minorista. Se están producien-do otros fenómenos que forman parte de un proceso de reestructuración profunda delsector comercial y de servicios en general. En primer lugar, en parte son consecuencia delos violentos procesos de redistribución del ingreso provocados por el estilo de ajuste es-tructural impuesto. Por otro lado, están entrando con fuerza las modalidades de CADENAS

DE DISCOUNT (Tía, francesa), que en locales chicos venden artículos de marca propia, un20% más baratos,20 los que compiten con tiendas o cadenas de electrodomésticos locales.Se desarrollan cadenas especializadas de venta de electrodomésticos, equipos de sonido,computación, grabaciones musicales, etc. Los comercios de alimentos, artículos delimpieza y tocador son los más afectados y sin respuesta por la invasión de los supermer-cados. Noventa y seis mil almacenes han sido transformados en autoservicios en 5 años,y otros 100 mil están previstos en los próximos dos años.21 Aparecieron los ConvenienceStores (asociados a gasolineras, ubicadas centralmente respecto al mercado de auto-movilistas). Las cadenas especializadas comercializan grandes volúmenes con bajos már-genes y pobre presentación y servicio en locales autoservidos de 200 m2. Entran conmejores condiciones de crédito en mercados superexplotados por tasas usurarias.

Por supuesto, hay otras formas de competencia representada por los shoppings ocentros comerciales (en 1997, 35 shoppings facturaban 4.000 millones de dólares al añoy recibían 130 millones de personas),22 que compiten fuerte en el rubro vestimentas,

J O S É L U I S C O R A G G I O E R U B E N C E S A R

31R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

18 Clarín, Suplemento deEconomía, p.12, 5 de octu-bre de 1997.

19 Esto queda reveladocuando comparamos las fre-cuencias de asistencia a es-tos comercios, que se distri-buyen en: todos los días alalmacén y cada veinte díasal hipermercado. (Algún dia-rio.)

20 Clarín, p.46, 27 de oc-tubre de 1997.

21 Clarín, p.12, 5 de octu-bre de 1997.

22 Clarín, p.22, 5 de octu-bre de 1992.

Page 31: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

juguetería, librería, electrodomésticos, computación, discos, centros de diversión, comi-das, etc., y ahora comienzan a incluir hoteles. Sólo en el rubro ARTEFACTOS DEL HOGAR,con una facturación de 2.500 millones en 1997 entre hiper, super y cadenas especializadasen artefactos para el hogar, en menos de 3 años desaparecieron 2 mil comercios minoris-tas en ese rubro (incluidas cadenas nacionales o locales tradicionales).23 Actualmente bus-can expandirse en los mercados periféricos de las metrópolis o del interior donde los ho-gares tienen necesidades de equipamiento altamente insatisfechas.

TENDENCIA AL AVANCE A TRAVÉS DE LA RED URBANA

En Rosario, Coto adquirió los terrenos de la Yerbatera Martin, Jumbo los terrenosde la ex textil Estexa y el grupo Casino el 30% de la cadena Libertad.24 En Paraná WalMart abrió en febrero de este año un local de 13.500 m2 cubiertos,25 la misma empresaestá construyendo otro hipermercado en Neuquen que abriría sus puertas en junio de esteaño,26 también en Córdoba abrió un local de 17.000 m2 que requirió una inversión de 20millones de pesos y tiene previsto abrir otro en el mes de junio de este año,27 la empresaplanea abrir 36 hipermercados más en este año28 concentrándose fundamentalmente enel interior del país, más precisamente en las ciudades de Rosario y Tucumán.29 Norte tienepensado abrir 11 nuevos locales durante 1998,30 en este año inició sus actividades enConcordia, en breve comenzará a instalarse en Gualeguaychú y compro la cadena Abudde Paraná.31 Carrefour en Adrogué (provincia de Buenos Aires) inauguró su hipermerca-do número 19 con una inversión de 30 millones de pesos.32 Disco está en plena etapa deexpansión, el año pasado compró la cadena Vea que tiene 26 locales repartidos entre Men-doza y San Juan y uno en Córdoba.33 La principal cadena de descuento Tía decidió ins-talar en Argentina 400 sucursales durante este año, bajo la consigna “el precio de Car-refour a la vuelta de su casa”.34 Auchan tiene pensado abrir su segundo hipermercado parael segundo semestre de este año en el barrio de Saavedra en Buenos Aires.35

Según datos de la consultora A. C. Nielsen en 1997 en el GBA los super, hiper, y au-toservicios canalizan el 53,5% de las ventas alimentarias y en el interior concentran el44% de las ventas, estas cifras tienden a acrecentarse por el avance de los hipermercadosen el interior: en Mendoza captan el 90% de las ventas, en Tucumán, Córdoba, Mar delPlata y Bahía Blanca superan el 80%.36

CÓMO RECIBE EL MERCADO LOCAL ESTAS GRANDES INVERSIONES

Tras repasar la información de medios de comunicación locales se advierte que haydos posturas básicas ante las cuales los gobiernos de las ciudades del interior deben arbi-trar de forma equitativa: por un lado, los intereses de los consumidores, ya analizadosanteriormente. Por otro lado, los intereses de los productores y los comerciantes locales,que se ven amenazados por su incapacidad para competir en las mismas condiciones conlos hipermercados.

Los comerciantes locales y sus empleados se ven amenazados por que no puedenigualar las ofertas de los hipermercados y su clientela tiende a reducirse a tal punto que

¿ Q U É D E B E H A C E R E L G O B I E R N O

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 932

23 Clarín, p.20, 23 de fe-brero de 1998.

24 La Capital, Rosario, 14de febrero de 1998.

25 El Diario, Paraná, 18 deFebrero de 1998.

26 Ámbito Financiero, 27de febrero de 1998.

27 La Voz del Interior, Cór-doba, 12 de marzo de 1998.

28 Buenos Aires Económi-co, 12 de marzo de 1998.

29 La Nación, 9 de marzode 1998.

30 La Gaceta, Tucumán, 22de febrero de 1998.

31 El Argentino, Gualeguy-chú, 2 de marzo de 1998.

32 La Razón, 22 de Febrerode 1998.

33 El Economista, 27 de fe-brero de 1998.

34 Revista Mercado, marzode 1998.

35 Buenos Aires Económi-co, 12 de marzo de 1998.

36 El Comercial, Formosa,25 de marzo de 1998.

Page 32: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

ya no pueden mantenerse como oferentes en el mercado. Los productores, los comer-ciantes mayoristas y sus empleados también se ven amenazados, ya que el cierre de loscomercios pequeños afecta directamente a su demanda y esta situación los pone en posi-ción desfavorable para la negociación con estas grandes empresas que tienden a conver-tirse en sus principales compradores e inclusive en sus únicos compradores.

De esta forma, estos grandes compradores terminan ejerciendo un poder monopólicosobre sus proveedores, esto les permite que, con cada apertura de un hipermercado al queabastece un proveedor, a este se le debita un 5% de la factura, con el argumento de que losproveedores también expanden su negocio, y en caso de remodelación edilicia del hiper-mercado, el débito forzoso es del 3%. En otros casos, exigen descuentos anuales en el pre-cio de lista que oscilan entre el 10% y el 30%. Estiran los plazos de pago de 30 a 60 días.Débitos por “ahorro logístico” que consiste en cobrarle a los proveedores lo que se ahorranen fletes, dado que los hipermercados instalan centros de logística en los cuales los provee-dores dejan la mercadería evitando transportarla hasta cada centro de ventas, ya que son losmismos hipermercados los que distribuyen la mercadería entre sus locales. También cobranla ubicación en las góndolas al precio de un camión de mercaderías gratis por cada local.37

La competencia entre estos grandes emprendimientos, que parece haberse instaladoen los mercados, hace que estos recurran a estrategias que afectan la rentabilidad de sec-tores históricamente competitivos del mercado argentino, como es el caso de el azúcar,que era ofrecida en el hipermercado Wal Mart a un precio menor al de su costo presion-ando la baja del precio artificialmente,38 porque, para quienes comercializan este produc-to, les resulta más conveniente comprarlo en el hipermercado que directamente a los pro-ductores, ya que les permite vender más barato sin reducir su margen de ganancia.39 Enesta misma línea, una de las dos embotelladoras más grandes de Argentina redujo un 6%su facturación a causa de la baja en el volumen vendido de la marca “Pepsi” (principaldemandante de sus servicios) como consecuencia de que los hipermercados comercializanbebidas cola de su propia marca a un precio bajo.40

Esto explica las distintas reacciones y argumentos que provoca el avance de estos em-prendimientos a través de la red urbana. En el interior del país son muchos los pedidosde una ley u ordenanza que tienda a moderar el impacto tanto económico como ur-banístico: En Rosario, el Partido del Progreso Social solicitó al Secretario de Planeamien-to de la municipalidad una copia del anteproyecto por el que se resolvió como viable lainstalación de un hipermercado Coto en los terrenos de la Yerbatera Martin con el argu-mento de que esta área es de un predominante uso residencial y no tiene prevista la ins-talación de un hipermercado.41 En Formosa, bajo la denominación de Ley de Habi-litación de Grandes Superficies Comerciales, se pretende que la legislatura sancione unanorma legal que limite la apertura de los supermercados en esa provincia y que limite sushorarios de apertura permitiéndoles abrir sólo un domingo cada dos meses. El argumen-to fundamental de esta norma es intentar frenar el esperado incremento de la desocu-pación que traería aparejado la apertura de hipermercados, en base al cálculo de que 100almacenes dan más empleo que un hipermercado, y para proteger a los proveedores entreotras cosas porque los hipermercados pagan a los 90 días.42

En Neuquen, los empleados de comercio pidieron a los diputados de esta provinciaque se adopte una legislación destinada a limitar la instalación de los hipermercados,basándose en un análisis que dice que los hipermercados captan entre 12 y 13 millonesde dólares por mes de los 30 millones que forman parte del circulante por sueldos de laadministración pública.43 En Santa Fe, hay presentado un proyecto de declaración para

J O S É L U I S C O R A G G I O E R U B E N C E S A R

33R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

37 Clarín, p.22, 13 de abrilde 1998.

38 Es importante tener encuenta que la baja artificialdel precio, es decir, que losprecios bajen no por aumen-to de la eficiencia o por re-ducción de costos, obliga alos productores a reducircostos para mantener pre-cios competitivos, y estopuede afectar al salario dequienes trabajan en estaproducción.

39 La Gaceta, Tucumán, 28de marzo de 1998.

40 Clarín, p.24, 2 de marzode 1998.

41 La Capital, Rosario, 14de febrero de 1998.

42 El Comercial, Formosa,14 de febrero de 1998.

43 La Mañana del Sur,Neuquen, 18 de febrero de1998.

Page 33: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

que se suspenda la instalación de supermercados hasta tanto no se sancione una leyprovincial sobre esta problemática.44 En Mendoza, la regional de APYME (Asociación dePequeños y Medianos Empresarios) de San Rafael emitió un documento en el que apoyael proyecto de regulación de supermercados, hipermercados y grandes centros comer-ciales, para evitar el deterioro de la economía y el cierre de pequeños y medianos comer-cios.45 En Concordia, la Asociación Coordinadora de Actividades Mercantiles de EntreRíos y la liga de Almaceneros, Autoservicios, Distribuidores y Afines de Entre Ríos,hicieron petitorios ante la Cámara de Diputados de la Provincia para que se trate la leysobre la instalación de hipermercados.46 En esta misma ciudad, la instalación de un hiper-mercado Norte provocó que se agotara el efectivo que había en plaza, como consecuen-cia de esto, no sólo la gente dejó de comprar en los comercios pequeños, sino que,además, no tienen como pagar las deudas contraidas con los pequeños comerciantes, es-to provocó que estos comerciantes no puedan afrontar sus pagos tributarios y sus deudascon los proveedores.47

Si bien todos estos pedidos son válidos en su intención de no permitir que se mo-nopolicen los mercados locales con sus sabidas consecuencias, están dejando de lado as-pectos importantes de la vida urbana que son también afectados por la instalación de es-tos hipermercados. La mayoría de los proyectos de ley u ordenanzas tienden a regular alos hipermercados en cuanto al metraje cuadrado dispuesto para la venta o en cuanto alhorario de apertura, pero no encaran los problemas derivados de las políticas de empleoo de qué manera compensar las consecuencias negativas que debe soportar la economíalocal por su establecimiento.

Si analizamos esto desde un punto de vista más dinámico, el resultado, a igualdadde otras condiciones, es que, en términos generales, la economía local se empobrece, es-to provoca que la demanda en general se reduzca, tanto para los grandes comercios comopara los pequeños y, por ende, para los proveedores, lo que conduce a nuevos ajustes in-crementando el desempleo48 y nuevamente reduciendo el nivel de ingreso de la economíalocal y así sucesivamente hasta convertirse en un círculo vicioso que tiende al empobre-cimiento general de la economía local. A esto contribuye adicionalmente el hecho de quelas ganancias de los hipermercados tienden a salir de la zona, a diferencia de la de los pe-queños comercios que contribuye a la demanda local.

En el corto plazo, este proceso se disimula porque la magnitud de las inversiones querealizan estos emprendimientos se presentan como una importante inyección de capital paralas economías locales (y podríamos generalizarlo para la economía nacional), y es cuando loanalizamos en el largo plazo (o inclusive en el mediano plazo) que este análisis tiene mássentido. La reacción de los productores locales obliga a una empresa como Wall Mart a afir-mar que el 90% de sus productos son de procedencia argentina y de las ciudades cercanasa sus filiales,49 pero nada dicen de las condiciones que imponen a estos proveedores.

¿QUÉ HACER?

Si se decide admitir la entrada futura de estas inversiones, pero limitando sus efec-tos negativos, es imperioso no sólo evaluar su impacto sino proponer medidas contrar-restantes eficaces.

Los resultados de tal evaluación y diseño de medidas dependerán del contexto de ca-da país. En una coyuntura de depresión de la demanda por trabajadores productivos y de

¿ Q U É D E B E H A C E R E L G O B I E R N O

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 934

44 La Capital, Rosario, 20de Febrero de 1998.

45 Unos, Mendoza, 2 demarzo de 1998.

46 El Diario, Paraná, 3 demarzo de 1998.

47 Así lo manifestó AlfredoFrancolini, presidente delCentro Comercial de Con-cordia. (El Argentino, Guale-guaychu, 2 de marzo de1998).

48 Verificaciones realizadaspor la gobernación de laprovincia de Buenos Airesen las localidades de SanMartín y Quilmes, revelanque se produjeron 10.000despidos por el cierre de co-mercios minoristas, con pers-pectivas a que se produzcan8.000 más en el corrienteaño. Lo grave de la situa-ción en esta provincia resideen que, en un lapso de 5años, se habilitaron 160hipermercados. (La Capital,Rosario, 22 de febrero de1998).

49 El Diario, Paraná, 18 defebrero de 1998.

Page 34: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

escasez de oportunidades productivas para un sector de PYMES sin competitividad ni apoyoestatal, la ponderación del impacto de cierres y desempleo adicional que genera este pro-ceso de concentración debería ser más alta que en un contexto de crecimiento con ampliasoportunidades de reconversión del comercio tradicional a actividades productivas. Al mo-mento de evaluar la eficiencia relativa del sector tradicional y el concentrado, es necesariotener presente que el mismo desempleo y subempleo resultantes de la desindustrialización,la reconversión y la reducción del sector público contribuyeron a sobredimensionar el sec-tor de comercio cuentapropista, incluso unipersonal (57% de establecimientos comer-ciales son de ese tamaño en Argentina).50 En ese sentido, es difícil ver como mera moder-nización del sector el proceso actual de destrucción de comercios. En Argentina hay aún11.5 comercios cada 1.000 habitantes, mientras que ese número es menor en los paísescentrales donde ya se estabilizó la transformación del sector: Alemania (1.9), Francia (1.2),Italia (3.7) y España (4.9). Esto contribuye a reducir su competitividad y explica su pocaresistencia económica ante la entrada de los grandes, pero no puede ser visto como meraineficiencia sectorial, pues su estructura actual fue también una respuesta social a los pro-blemas de desempleo estructural que el mercado no logró ni logrará resolver.

Esto se vincula asimismo con el proyecto socio-político: si prima una visión de so-ciedad integrada, con una relativa difusión de la propiedad privada entre miembros deuna clase media importante, este proceso concentrador contribuye a destruir esa posibi-lidad y la posibilidad concomitante de construir alianzas sociales amplias para sustentarun programa democrático de gobierno local. Es útil tener en cuenta el ejemplo de Italia,que limitó fuertemente este tipo de grandes emprendimientos y apostó a la persistenciadel pequeño comercio.

La respuesta no puede ser sólo pública. El pequeño comercio individual puede adop-tar como respuesta una táctica de parecerse al gran competidor, ante la reducción del mer-cado y la renovada competencia entre los chicos por los intersticios de mercado microlo-cal. Esto incluye acciones como:

• extender horarios de atención a fines de semana • dar servicio a domicilio• aumentar la eficiencia del inventario, rediseñar los usos del espacio, mejorar la

exhibición de productos, etc.• reducir los márgenes de ganancia• competir por la calidad de los productos ofrecidos• competir mediante la atención personalizada• diferenciarse incorporando marcas y rubros que no interesan a los grandes• especializarse o diversificarse, según el mercado local tratando de segmentar el

mercado51

Una alternativa es agregar a esto formas de competencia cooperativa que busquenotros equilibrios con los intereses de los consumidores, impulsando con el apoyo del sec-tor público programas basados en la organización solidaria: clubes de compra para bajarcostos, redes de crédito (tarjetas locales), marcas paraguas propias,52 contratar aseso-ramiento profesional y otros servicios de manera conjunta (fumigación, flete, propagan-da institucional) o de seguros (médicos o de riesgo), implementar proyectos de reformaurbana conformando distritos comerciales abiertos, etc.

En cuanto al impacto socioeconómico sobre el orden urbano, en particular sobre lasreglas de sociabilidad expresadas en la organización del territorio, su evaluación variarácon el proyecto social y político desde el cual se evaluar. Si se consideran deseables formas

J O S É L U I S C O R A G G I O E R U B E N C E S A R

35R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

50 Clarín, p.17, 4 de juliode 1997.

51 Clarín, Suplemento deEconomia, 6 de octubre de1997.

52 Clarín, p.20, 23 de fe-brero de 1998.

Page 35: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

de gobierno efectivamente democráticas y participativas así como una ciudad más equi-tativa y abierta, donde el encuentro socialmente plural en los espacios públicos de accesolibre sea una norma deseada, el impacto de los grandes emprendimientos puede ser con-siderado como regresivo, por su contribución directa e indirecta a la segregación socio-espacial (esto debe ser evaluado teniendo en cuenta el carácter realmente semi cerrado delos espacios aparentemente abiertos). Tampoco es marginal pensar cual será el alcancedemocrático de una planificación concertada cuando en la mesa de negociación pre-dominen los grandes monopolios antes que una rica diversidad de actores económicospertenecientes al campo popular.

Ante el ingreso de estos emprendimientos en una ciudad, habida cuenta de los efec-tos negativos no deseados, la sociedad y su gobierno pueden decidir aceptar esas inver-siones pero poniendo condiciones para minimizar su impacto urbanístico negativo:exigiendo que financien obras de vialidad, drenaje, pasos bajo vía, semaforización, man-tenimiento de áreas verdes, o que contribuyan a la construcción de escuelas, traslado devillas en condiciones de riesgo, incluso agregando la contribución a fondos de compen-sación social. Sin embargo, es importante tener presente que si esas obras son realizadasdirectamente por la empresa, esto le da un halo filantrópico a lo que no es más que unconjunto de obras necesarias para hacer funcionar el complejo comercial en condicionesóptimas. Se les puede alternativamente exigir la contribución al gobierno local para querealice esas obras e incluso exigir una sobretasa municipal por impactos negativos no con-trarrestables por obras públicas.

En el caso particular de Porto Alegre, en caso de negociar la entrada de nuevos mo-nopolios, parecería que debe ser el gobierno, junto con los representantes del conjunto dela sociedad local en el Orçamento Participativo, quien negocie y decida las obras y otrasmedidas compensatorias a ejecutar, evitando una negociación particularizada entre lasAsambleas zonales y las empresas, pues su impacto no es meramente urbanístico ni locali-zado en la zona inmediata, sino que tiene efectos urbanísticos en otras zonas afectadas porla competencia y en general alcances socioeconómicos para toda la ciudad.

Por lo demás, lo más importante no es compensar los costos sociales iniciales de lainstalación, sino lograr establecer un marco de regulación para su funcionamiento futuro,atribución que posiblemente debe involucrar poderes jurisdiccionales no locales. Se po-dría tratar, por ejemplo, de asegurar que se van a mantener los precios bajos, pero no re-duciéndolos por debajo de los costos, que no se va a reducir el personal, que se va a reen-trenar personal desplazado cuando corresponda, que se van reducir horarios paraequipararlos a los del comercio tradicional, que se van a someter a reglas de equidad oprogresividad fiscal, que se van a imponer fuertes multas ante transgresiones a las leyes decomercio vigentes, que se va a limitar la repatriación de las ganancias o al menos asegu-rar una reinversión de parte de ellas en otras actividades en la zona, etc.

El poder de presión y negociación de estos capitales no es menor en un contextodominado por las políticas neoliberales. Pero no es comparable al de las grandes inver-siones productivas de bienes y servicios para la exportación desde la ciudad a otras re-giones o países. Estos emprendimientos están interesados y necesitan localizarse en la zona(por lo que sería absurdo caer en guerras intermunicipales de exención impositiva paraatraerlos, algo a lo que puede conducir la falta de cooperación entre municipios vecinosen zonas metropolitanas) y eso debe ser tenido en cuenta en las negociaciones.

Una amplia alianza popular y local es necesaria para sostener decisiones que ponganlímites a los proyectos del capital comercial monopólico para captar los mercados locales

¿ Q U É D E B E H A C E R E L G O B I E R N O

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 936

Page 36: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

y reorganizar los sistemas de abastecimiento y producción de bienes de consumo masivo.En esto hay que tener en cuenta también la tendencia de los grandes emprendimientos aconvocar a cadenas exitosas de comercio local a asociarse con ellos en los centros concen-trados que construyen, generando una división de intereses en el seno de las clases co-merciantes autóctonas.

El interés del capital comercial por el mercado local potencia la capacidad de nego-ciación local, pero como vimos puede ser demasiado disruptivo del orden social urbano.Si se llega a la conclusión de que el efecto de la entrada de estos emprendimientos es no-civo, se puede declarar a la ciudad libre de hipermercados, tal como lo han hecho algu-nas ciudades de Estados Unidos o el conjunto de Italia. Pero lo fundamental aquí seráofrecer alternativas de reestructuración eficiente y socialmente superiores del sector co-mercial. Si meramente se quiere mantener protegido al comercio tradicional, o bien pro-teger a las grandes cadenas ya existentes, se entregará un mercado cautivo a un comercioineficiente y sin dinamismo si es que no monopólico él mismo.

Entonces, si se optara por limitar la entrada de las grandes cadenas de comercializa-ción, esto debería ir acompañado del desarrollo de centros comerciales abiertos, donde secombinen de otra manera los factores que atraen a los consumidores a los centros cerrados:seguridad, mezcla de rubros y actividades culturales, buenos precios, agregando atenciónpersonalizada, productos garantizados, líneas de crédito de fácil acceso, horarios adecuadosa las necesidades de los usuarios, etc. y, por supuesto, de una campaña de informacióncompleta (sobre efectos directos e indirectos de la inversión rechazada) a la población, quele permita participar activamente en el acompañamiento de tales alternativas.

En todo caso, es fundamental someter todas las grandes inversiones y proyectos dereforma urbana — productivas, comerciales o residenciales — al encuadre del Plan Di-rector de la ciudad, que supuestamente expresa el proyecto de sociedad y economía localy pone restricciones a la estructuración del espacio urbano.

En la actual contradicción entre la centralización del poder económico a nivel glo-bal y la descentralización del poder político a nivel local, son las sociedades y poderes lo-cales las que han sido encargadas de vigilar por la calidad de vida de la ciudadanía, y enello es instrumental un Plan Director que vaya más allá del mero ordenamiento espacial.Sin embargo, ante las tendencias a la desindustrialización y exclusión imperantes, un PlanDirector es insuficiente para encarar la tarea y se hace prioritario elaborar un plan inte-gral de desarrollo social y económico local con un amplio consenso de las fuerzas sociales,económicas y políticas locales.

A B S T R A C T Following the request of Carrefour to expand its activities in Porto Ale-gre, a discussion is held concerning what local government should do. This article attempts tobring the Argentinian experience to bear regarding the strategies and consequences of globalretail monopolies, and presents some policy alternatives.

K E Y W O R D S Commercial capital; commercial enterprise; economic impact; popu-lar alliances.

J O S É L U I S C O R A G G I O E R U B E N C E S A R

37R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

José Luis Coraggio, eco-nomista, é economista e pro-fessor titular e pesquisadordo Instituto del Conurbanode la Universidad Nacionalde General Sarmiento.Ruben Cesar é aluno-moni-tor do Instituto del Conurba-no de la Universidad Nacio-nal de General Sarmiento.E-mail:[email protected]

Page 37: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

EL DESARROLLO TERRITORIAL A PARTIR DE LACONSTRUCCIÓN DE CAPITAL

SINERGÉTICO

S E R G I O B O I S I E R

R E S U M E N El documento plantea como hipótesis principal la existencia de una in-coherencia lógica en la implícita ecuación del desarrollo (territorial en este caso) que ha respal-dado los intentos de intervenir a favor precisamente de ese desarrollo. Tal incoherencia quedaestablecida en la diferente dimensionalidad de las variables, independientes (factores causalesdel desarrollo) y dependientes (el desarrollo mismo) de dicha implícita ecuación. En términossimples, el desarrollo bien entendido es un fenómeno de orden cualitativo en tanto que se letrata de alcanzar mediante acciones de orden cuantitativo. El autor propone apoyarse en elconcepto de capital sinergético para potenciar y articular nueve formas de capital, casi todasde carácter intangible, a fin de colocar a un territorio en el sendero virtuoso del desarrollo. Setrata de cuestiones cognitivas, simbólicas, culturales, sociales, cívicas, etc., que parecen vincu-larse más estrechamente con una contemporánea concepción del desarrollo que la construcciónde infraestructura u otras acciones materiales, que, valiosas en sí mismas, no ecuacionan conel desarrollo.

P A L A B R A S - C L AV E Desenvolvimento territorial; capital sinergético; capital simbóli-co; projeto político; desenvolvimento endógeno.

“El hecho escueto es que la teoría empleadano está a la altura de la tarea.”

Douglass C. North

En 1982 se publicó un pequeño libro por parte del ILPES (Instituto Latinoamericanoy del Caribe de Planificación Económica y Social) con el título Política Económica, Or-ganización Social y Desarrollo Regional,1 en el cual presenté una suerte de “modelo” de de-sarrollo regional, con inocultables pretensiones de convertirse en teoría, o, a lo menos, enun conjunto no contradictorio de hipótesis sobre el proceso de desarrollo de las regiones.Para efectos principalmente nemotécnicos, estas hipótesis se configuraron como un trián-gulo en el cual los vértices representaban: 1) la asignación (inter)regional de recursos; 2) los efectos regionalmente diferenciados del cuadro de la política económica nacional(global y sectorial) y; 3) la capacidad de organización social de la región.

Pasados tres quinquenios, la propuesta anterior es todavía considerada por muchoscomo válida y como útil para formular investigaciones empíricas o para proponeracciones de política. En verdad era y es una propuesta novedosa, desde luego más en su

39R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

1 También publicado en In-glés con el título: Economicpolicy, social organizationand regional development.Santiago de Chile: ILPES,1982.

Page 38: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

inicio que en la actualidad. Por primera vez, se agregaban otros factores a la tradicionalvisión económica del desarrollo de las regiones (o territorios, en un sentido más gene-ral), visión que descansaba en la sola consideración de la inversión (y de la tecnología pre-dominante en el sistema o región) como factor de crecimiento e incluso de desarrollo, sinque estos dos términos se diferenciaran lo suficiente. En verdad, era casi una aplicaciónsobresimplificada del modelo de Harrod-Domar.

Los dos factores agregados a la tradición tienen que ver, el primero, con los efectosdiferentes en términos cualitativos y cuantitativos que en cada región tiene el conjunto depolíticas económicas tanto globales como sectoriales, efectos que pueden ser coadyuvantesal efecto positivo de un flujo de recursos o que pueden actuar también como frenos alcrecimiento, y el segundo, con la así llamada “capacidad de organización social” de laregión, un elemento multidimensional de carácter principalmente institucional, social ycultural que da origen a una red y a un cierto modo de funcionamiento de esa misma red,cuestión que se asociaría a la posibilidad de “transformar” impulsos de crecimiento en es-tadios de desarrollo, algo no del todo alejado del concepto contemporáneo de “capital so-cial”, como se verá. La misma idea, ahora tan ampliamente difundida, de la construcciónsocial de las regiones, emergió de esta propuesta.

No puede resultar muy extraño el interés despertado por esta proposición. Por unlado permite distinguir con claridad el crecimiento (económico) del desarrollo (societal);por otro, sugiere que la interacción entre dos grandes actores, uno de naturaleza políticacomo es el Estado y otro de naturaleza social como es (o debe ser) la Región (así, conmayúsculas), resulta clave en la promoción del bienestar en el territorio. De aquí surgenítidamente la importancia de procesos tales como la descentralización político/territorialy las capacidades para negociaciones entre los niveles regional y nacional. Además, conbastante antelación, la propuesta destacaba la naturaleza esencialmente exógena del cre-cimiento así como la naturaleza endógena del desarrollo. En suma, la propuesta asignabatareas a ambos actores y posibilitaba escapar de la manía altérica de la cultura latinoameri-cana que siempre trata de desplazar la responsabilidad del atraso y del progreso mismo hacia“afuera”, hacia “otros”.

En 1996, la revista brasileña Planejamento e Políticas Públicas, una publicación delInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgano vinculado al Ministério de Planeja-mento e Orçamento, publicó en el número 13 de ese año el artículo titulado “Em buscado esquivo desenvolvimento regional: entre a caixa-preta e o projeto político” en el cual meconcentré en la cuestión del desarrollo y sugerí considerar seis factores que en la contem-poraneidad, estarían directamente vinculados al surgimiento de procesos de verdadero de-sarrollo en las regiones. Un énfasis particular conferí en ese trabajo a una visión “hirch-manniana” del problema, destacando que lo que más interesaba era la articulación densay direccionada de esa media docena de factores, por encima de la presencia de cada unode ellos en particular.

Los factores destacados para estos efectos fueron los siguientes: 1) recursos, en unalectura contemporánea del término e incluyendo en consecuencia los recursos materiales,los recursos humanos, los recursos psicosociales, y los recursos de conocimiento; 2) ac-tores, incluyendo en esta categoría a los actores individuales tanto como a los corporativosy a los actores colectivos, identificados con los movimientos sociales regionales; 3) insti-tuciones, aludiendo con este término al mapa organizacional (institucional)2 regional y so-bre todo, a la “modernidad” de sus elementos, vale decir, la velocidad, la flexibilidad, lavirtualidad y la inteligencia organizacional; 4) procedimientos, dominantes en la acción so-

E L D E S A R R O L L O T E R R I T O R I A L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 940

2 Si bien D. North utiliza elconcepto de institucionespara aludir al conjunto de re-glas y normas jurídicas y so-ciales y el concepto de or-ganizaciones para describirlas estructuras de produc-ción de bienes y servicios,es más que frecuente en ellenguaje cotidiano en Améri-ca Latina ser menos preci-sos y que se hable con faltade distinción de institu-ciones y de organizacionescasi como sinónimos.

Page 39: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

cietal, principalmente los procedimientos asociados a la función de gobierno, a la funciónde administración, y a la función de procesamiento del masivo y entrópico flujo de in-formación actual; 5) cultura, en una doble lectura de la palabra: por un lado, en su lec-tura lata, como cosmogonía y como ética de un grupo social localizado (que al final de lacadena se expresa en productos específicos que permiten construir nichos particulares decomercio) y, por otro, en su lectura específica de cultura de desarrollo (conjunto de acti-tudes personales y colectivas hacia el trabajo, el ocio, el ahorro, el riesgo, la competencia,la asociatividad, etc.) y; 6) inserción en el entorno, entendida esta cuestión como la ca-pacidad y modalidad de la región para “penetrar” los mercados, los sistemas interna-cionales de cooperación y al propio Estado. La figura nemotécnica de esta nueva pro-puesta es el hexágono.

En 1997, la Revista de Estudios Regionales de las Universidades de Andalucía (Es-paña), en su número 48, y también la Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Re-gionales (EURE), de la Universidad Católica de Chile, en su número 69, dieron acogidaal artículo “El vuelo de una cometa. Una metafora para una teoria del desarrollo terri-torial”, una propuesta más avanzada todavía, que recogió los planteamientos anterioresen un marco más coherente apuntando a la interacción entre conocimiento científico, con-senso social y poder político colectivo como el nudo crucial para provocar en el territorioprocesos de crecimiento y de desarrollo. De paso, la propuesta proponía “recuperar el Es-tado” a fin de restablecer una política (nacional) regional, ahora en el marco de la con-temporaneidad neoliberal, sin la cual la mayoría de las regiones enfrenta un futuro quelas convertirá en “regiones perdedoras”. La cometa de forma hexagonal, se transformó enel metafórico modelo mental del desarrollo territorial y su difícil y arremolinado vueloen una descripción de la combinación de ciencia y de arte que está detrás del éxito en lageneración del desarrollo.

Persiste sin embargo la inquietante cuestión del desarrollo como preocupación fun-damental de política pública, aún cuando si se presta atención al discurso contingente, talpreocupación pareciera pasar a segundo plano en relación al crecimiento. Es curioso, tal parece que la dificultad para reflexionar sobre la naturaleza subjetiva, axiológica, com-pleja, del desarrollo, lleva a “cosificar” el concepto para aprehenderlo con mayor facilidady en tal caso la cuantificación resulta inevitable. Así, se confundirá el “desarrollo” con másobjetos materiales (más casas, más caminos, más escuelas, más hectáreas de tal o cual cul-tivo) y rara vez se admite que lo que interesa es cambiar y mejorar situaciones y procesos.

Hay una ecuación inconsistente en materia de desarrollo: se llega a admitir el carác-ter subjetivo y cualitativo del concepto, pero se le busca a través de acciones esencialmentemateriales. Causa y efecto no tienen la misma dimensión o, puesto en el lenguajeeconómico, el objetivo está divorciado de los medios usados. Es paradojal que, precisa-mente en la ciencia que hace gala de una racionalidad instrumental, esta falle en el uso deella para el propósito fundamental de política económica que emerge del mismo cuerpoteórico: aumentar el bienestar de las personas! Es muy certera entonces la reflexión deNorth, que aparece como epígrafe de este trabajo, al apuntar a la inviabilidad de alcanzarel desarrollo si la teoría usada para configurar los instrumentos de intervención está pordebajo de lo que se requiere. También en materia de desarrollo rige la ley de la variedadnecesaria, de Ashby.

Como lo anotan Calcagno y Calcagno (1995), las definiciones de desarrollo sonmúltiples. Estos autores reseñan varias de ellas, por ejemplo, la contenida en el informeUn programa de desarrollo, del Secretario General de las Naciones Unidas (1994) en la que

S E R G I O B O I S I E R

41R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 40: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

se establecen cinco dimensiones del desarrollo: la paz como la base fundamental, laeconomía como motor del progreso, el medio ambiente como base de la sostenibilidad, la justicia como pilar de la sociedad y la democracia como buen gobierno. Citan tambiénel Indice de Desarrollo Humano elaborado por el Programa de las Naciones Unidas parael Desarrollo, índice compuesto por tres indicadores: longevidad, nivel de conocimiento ynivel de vida. Finalmente, recuerdan a Celso Furtado (1954) quien dijo que: “en una sim-plificación teórica se podría admitir como siendo plenamente desarrolladas, en un mo-mento dado, aquellas regiones en las que, no habiendo desocupación de factores, sólo esposible aumentar la productividad (la producción real per cápita) introduciendo nuevastécnicas. Por otro lado, las regiones cuya productividad aumenta o podría aumentar porla simples implantación de técnicas ya conocidas, serían consideradas con grados diversosde subdesarrollo”.

No obstante la definición más comúnmente citada de desarrollo corresponde a la es-tablecida por Dudley Seers hace décadas, quien sostuvo que el desarrollo era equivalentea una reducción en el desempleo, en la pobreza y en la inequidad. No poca cosa cierta-mente, pero lejos de lo que sería una rigurosa definición contemporánea, cada vez más ymás intangible.

Si el desarrollo es un resultado intangible, pues, entonces, los factores que lo gatil-lan también deben pertenecer a tal dimensión. El crecimiento económico, un resultadomaterial, está principalmente asentado en factores de igual naturaleza, el capital económi-co en primerísimo lugar; el desarrollo, un resultado inmaterial o intangible, está por su la-do, asentado en factores intangibles, en varias formas de “capital intangible”. Sin embar-go, en la complejidad actual hay que matizar las afirmaciones o negaciones tajantes: elcrecimiento económico también es empujado por factores no materiales y el desarrollo,por su lado, requiere de la base material del crecimiento. Todo esto no hace sino poner enevidencia la relación “rizada” entre ambos conceptos.

En esta oportunidad, y en este contexto, me propongo dar un nuevo paso adelante,supongo que en la dirección correcta. Quisiera proponer dar otra mirada a la cuestión deldesarrollo territorial, presupuestado, como siempre, el crecimiento y por tanto la ge-neración de excedentes; una mirada enfocada a las diversas formas de capital que es posi-ble encontrar en un territorio (organizado) y que, si adecuadamente articuladas entre sí,deberían casi inexorablemente producir desarrollo. Tal articulación sería el resultado deponer en valor la forma más importante de capital que se encuentra en el seno de todacomunidad: el capital sinergético.

Sugiero denominar capital sinergético a la capacidad social o, mejor, a la capacidadsocietal (como expresión más totalizante) de promover acciones en conjunto dirigidas afines colectiva y democráticamente aceptados, con el conocido resultado de obtenerse asíun producto final que es mayor que la suma de los componentes. Se trata de una capaci-dad normalmente latente en toda sociedad organizada. Como toda forma de capital, elcapital sinergético es un stock de magnitud determinada en cualquier territorio y tiempo,que puede recibir flujos de energía que aumentan este stock y del cual fluyen otros flujosde energía dirigidos precisamente a articular otras varias formas de capital. La idea de re-producción es inseparable del concepto de capital. Es una simple y curiosa casualidad queen las dos últimas décadas yo mismo haya pasado desde un esquema inicial de tres ele-mentos a uno de seis y ahora a uno de nueve. Hay tal vez una cábala implícita!

La idea de explorar activos intangibles y su posible vinculación con el desarrollo noes del todo original. De hecho, hay una “moda” en relación al concepto de capital social,

E L D E S A R R O L L O T E R R I T O R I A L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 942

Page 41: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

moda que ya ha penetrado hasta el tabernáculo mismo del neoliberalismo: el BancoMundial, que viene alegando a favor de un missing link en los esfuerzos de desarrollo, queestaría configurado precisamente por el capital social. El concepto de capital sinergético,que deseo introducir (Peter Evans habla de un concepto similar: relaciones sinergéticas), es,sin embargo, muchísimo más amplio y ambicioso que la idea original de Coleman,aunque admito que las nueve categorías de “capital” potenciadas y articuladas por lasinergía, son, como todas las clasificaciones, arbitrarias y no exentas de transposiciones.De hecho, bastó que desde el seno del Banco Mundial se diera la orden de partida, me-diante el documento de Grootaert (1998), para que se produjese una verdadera estampi-da en torno al capital social.

Como probablemente lo sostendría Thomas Kuhn, el signo más evidente de unatransición paradigmática se revela en el hecho de que distintos individuos, miembros dela misma comunidad de saberes, a veces sin siquiera conocerse entre ellos, comienzan enforma simultánea a formular las mismas críticas, a explorar los mismos inexploradossenderos, a plantear las mismas preguntas, inclusive, a inventar los mismos neologismosy ciertamente, en mi opinión, ello está sucediendo con la ecuación, de dimensiones in-tangibles, causa/efecto en desarrollo. Walter Stöhr, John Durston, Peter Evans, Elinor Os-trom, Christiann Grootaert, Carla Zumbado, y este autor, entre otros, están reflexionan-do sobre el mismo tema desde diferentes latitudes, para no citar a los pioneros.

La forma más primitiva y elemental de capital no será considerada en esta oportu-nidad. Me refiero al capital natural, esto es, el stock de recursos naturales de cualquier ter-ritorio. La razón de dejar fuera del análisis a lo que generalmente es considerado como unfactor de primera importancia en los procesos de crecimiento y de desarrollo radica en lanecesidad de escapar de cualquier determinismo desarrollista, que si alguna vez tuvo algode validez, sin duda la ha perdido en la “sociedad del conocimiento”, como Sakaiya llamóal escenario contemporáneo y con mayor razón, al que se avizora. La acepción de capitalnatural esbozada acá es muy similar a la utilizada por Guimarães (1998), quien equiparael capital natural a la dotación de recursos naturales renovables y no renovables y a los“servicios ambientales” (ciclos: hidrológicos, atmosféricos, del carbono, etc.).

Así es que la primera forma de capital que utilizaré en este análisis será el capitaleconómico (a veces llamado capital físico o capital construido), esto es, el stock de recursosfinancieros que, período a período, está disponible para fines de inversión en cada región.Para ser coherente con planteamientos anteriores (Boisier, 1997, op. cit.) consideraré es-ta forma de capital como siendo esencial y crecientemente exógena a la región, algo nadadifícil de aceptar en el marco de una globalización que transnacionaliza y eleva la movi-lidad del capital, y que hace precisamente de los flujos financieros la parte menos visible,pero más importante de la propia globalización. Me parece que la consideración más im-portante en relación a este tipo de capital, desde el punto de vista de política, tiene quever con la creciente disociación entre la matriz decisional que controla los factores contem-poráneos del crecimiento territorial y la matriz socioeconómica de ese mismo territorio. Estosignifica que los gobiernos territoriales deben cambiar por completo su forma de ac-tuación frente al capital, a la tecnología, a la demanda externa, al propio gobierno na-cional, etc. No pueden controlar los factores de su propio crecimiento, pero deberían almenos poder influenciar las decisiones sobre ellos. En una forma metafórica que utilicé enotro trabajo, deben cambiar su tradicional y pasiva cultura de trampero por una agresivacultura de cazador. Pero para “cazar” con éxito se requiere armamento moderno yconocimiento científico acerca de la conducta de las “presas”.3

S E R G I O B O I S I E R

43R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

3 En este sentido, la “guer-ra fiscal” desatada entre losEstados del Brasil paraatraer grandes inversionesen el sector automotriz prin-cipalmente (en Minas Ge-rais, Paraná, Rio Grande doSul) parece mostrar másapresuramiento que conoci-miento acerca del contem-poráneo vector de requeri-mientos locacionales de laindustria manufacturera, yaque la guerra se limita pre-cisamente a generosas ofer-tas de aportes de dineroproveniente de las exhaus-tas arcas de los Estados.

Page 42: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Cierto es, por otro lado, que en la contemporaneidad, con la creciente complejidadque ella misma introduce en las estructuras y procesos sociales, deben evitarse las afirma-ciones o negaciones tajantes, las antinomias precisas, el reduccionismo simplista y esmejor dejar espacio para lo “rizado” y para lo recursivo y por tanto habrán de hecho situa-ciones concretas en las cuales el capital económico es endógeno y tales situaciones puedenencontrarse en los extremos de un imaginario abanico territorial: en regiones de gran pro-ducción y de elevada complejidad y en regiones de primitiva simpleza que no superan to-davía la fase de acumulación primaria.

La segunda forma de capital corresponde al capital cognitivo, que no es sino ladotación de conocimiento científico y técnico disponible en una comunidad. Este stockdista de ser uniforme; por el contrario, es de elevada variedad si se entiende que incluye,primeramente, el conocimiento acerca del propio territorio (su geografía, pero sobre to-do, su historia, entendida y no meramente relatada) y en seguida, una serie de “saberes”científicos y tecnológicos susceptibles de ser usados en los procesos de crecimiento y dedesarrollo, por ejemplo, conocimientos acerca de los ciclos tecnológicos que se puedendesarrollar a partir de los recursos naturales de la región. Como lo apunta Guimarães, lasmaquinarias y herramientas constituyen simplemente una expresión material visible delcapital cognitivo existente en una región y, dígase al pasar, la forma más común de trans-ferencia de él. Gran parte del capital cognitivo regional es ahora también exógeno, habidacuenta de la concentración de la capacidad de investigación científica y tecnológica engrandes corporaciones transnacionales y considerando que las articulaciones casa ma-triz/filial son la modalidad más frecuente de transferencia de know-how hacia la periferia,conjuntamente con la adquisición de maquinaria y equipo.

Pero el reconocimiento del carácter también crecientemente exógeno del conoci-miento científico y tecnológico de punta no puede ser una excusa para no intentar el de-sarrollo de un conocimiento “endógeno”, que debiera, por un lado, entroncarse con la cul-tura y las tradiciones locales y que, por otro, debiera intentar “crear” conocimiento depunta. Este tema se enlaza ciertamente con la existencia y calidad de un sistema territorialde ciencia y tecnología y con la pertinencia del que hacer de dicho sistema. Nada de esto esfácil, pero un ejemplo de la realidad periférica de una región peruana puede ser ilustrativodel camino a seguir; el Departamento de Piura, en el Norte del Perú, a través de una ONG

(CIPCA) ha publicado un libro de 760 páginas conteniendo sólo las fichas bibliográficas detodo lo que se ha publicado acerca de Piura desde la Colonia. Eso es generar conocimientoendógeno, eso es llevar a la práctica la primera regla en materia de acción territorial: conócetea ti mismo. ¿De cuántas regiones de América Latina se puede señalar algo similar?

El capital simbólico configura una tercera modalidad de capital que debe ser puestaal servicio del desarrollo. El concepto de capital simbólico pertenece a Bourdieu (1993;1997) y consiste, en sus propias palabras, en el poder de hacer cosas con la palabra “…esun poder de consagración o de revelación…” En todo caso, como lo anoté en otra opor-tunidad, es bueno recordar que el capital simbólico estaba claramente presente en el primerpárrafo del Evangelio según Juan el Evangelista al decirse allí: “En el principio era el Verbo”.El poder de la palabra y el poder del discurso precisamente para construir región, paragenerar imaginarios, para movilizar energías sociales latentes, para generar autoreferencia,incluso, para construir imágenes corporativas territoriales, indispensables en la concurren-cia internacional actual. Moscovisi (1984) dice: “Nombrar, decir que algo es esto o lo ou-tro — y si falta hace, inventar palabras para tal propósito — nos da la capacidad de fabricaruna red lo suficientemente fina para retener al pez, y por tanto nos capacita para repre-

E L D E S A R R O L L O T E R R I T O R I A L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 944

Page 43: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

sentarlo”. En un sentido, nombrar un territorio como región es construirlo, es hacer uso deun capital simbólico. Utilicé extensamente la noción de capital simbólico en Post-scriptumsobre desarrollo regional. Modelos reales y modelos mentales, un documento que está siendopublicado durante 1998 en varias partes y que aparecerá primeramente en la Revista Lati-noamericana de Estudios Urbanos y Regionales EURE, publicada por la Universidad Católi-ca de Chile, en los Anales de Geografía de la Universidad Complutense, de Madrid y enPlanejamento e Políticas Públicas (Brasil). Hay que agregar que el capital simbólico, esta ca-pacidad para construir realidad a partir de la “palabra”, resulta de suma importancia en unsubcontinente — como el latinoamericano — desprovisto casi por completo de regiona-lismo histórico, de una “regionalidad que precede y crea la institucionalidad” y en donde,en consecuencia, las regiones son inicialmente el resultado de actos de voluntarismo políti-co del Estado que, enseguida de su creación deben ser construidas social y políticamente.

Una cuarta forma de capital está configurada por el capital cultural, otra vez un con-cepto fuertemente asociado al nombre del sociólogo francés Pierre Bourdieu. El capitalcultural es el acervo de tradiciones, mitos y creencias, lenguaje, relaciones sociales, modosde producción y productos inmateriales (literatura, pintura, danza, música, etc.) y mate-riales, específicos a una determinada comunidad (por ejemplo, sólo los indígenas Kunasson capaces de fabricar las coloridas “molas” textiles del Archipiélago de San Blas, enPanamá). El capital cultural puede mostrar rasgos más proclives o menos proclives a lamodernización occidentalmente entendida, que subyace en nuestros conceptos de cre-cimiento y de desarrollo. La poca sintonía de algunas culturas locales con el desarrollopone más en cuestión nuestra propia concepción del término que las estructuras socialesproductoras de tal cultura. En todos los casos, algo de fundamental interés será examinarlos mecanismos de reproducción social del capital cultural, una tarea asignada a la familia ya las instituciones escolares, según lo planteado por Bourdieu (1994). Si desarrollo es unconcepto asociado inseparablemente al “cambio” (y en tal caso desarrollo sería tambiénsinónimo de “modernidad”, si se sigue a Marshall Berman), hay que tomar nota cuida-dosamente acerca del carácter profundamente conservador que, según Bourdieu, tienenlas dos estructuras reproductoras del capital cultural.

El capital cultural y la cultura como su elemento constitutivo puede ser objeto depor lo menos, dos lecturas diferenciadas. Por un lado debe entenderse la cultura en su sen-tido más genérico, latamente entendida como una cosmogonía y como una ética que sonparticulares a un cierto grupo social territorialmente definido y en tal sentido, como sedijo, puede llegar a producir, al final de una cadena de prácticas sociales históricas, bienesy servicios particularizados que sirven para construir “nichos” de comercio también par-ticularizados y cada vez más valorados por la clientela internacional. Por otro lado debeentenderse la cultura en un sentido más específico, como cultura de desarrollo, esto es,como el conjunto de actitudes hacia el trabajo, el ocio, el ahorro, el riesgo, la cooperación,la competencia, etc. Desde este punto de vista pueden identificarse dos posiciones polares:culturas dominadas por el par competencia/individualismo (que produce crecimiento sin la axiología del desarrollo) y culturas dominadas por el par solidaridad/cooperación(que produce desarrollo a un bajo nivel de realización material). En esta perpectiva hay querecordar el clásico estudio de John Walton (1977) sobre el papel de las élites en el desar-rollo de Monterrey y Guadalajara en México y de Medellín y Cali en Colombia y tam-bién hay que recordar los diversos estudios sobre los distritos industriales italianos que re-marcan el mix virtuoso de ambos patrones de cultura de desarrollo presente en ellos, elmix cooperación/competencia.

S E R G I O B O I S I E R

45R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 44: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Una quinta categoría de capital coincidiría con el capital institucional (véase la nota2) en la línea de North, Oates y de Williamson, todos apuntados como creadores de la “es-cuela neoinstitucionalista del desarrollo”. Como es obvio, el capital institucional hace re-ferencia, en primer lugar, al catastro censal de las instituciones públicas y privadas (rele-vante para los fines en discusión) existentes en la región; es el “mapa” institucional. Pero,más allá de la existencia y número de instituciones, el capital institucional variará de acuer-do a la contemporaneidad de las instituciones. Quiero decir que lo que realmente interesaes un conjunto de atributos estructurales que, idealmente, deberían estar incorporados enlas instituciones. ¿Cuáles son estos atributos? La capacidad para actuar y tomar decisionesvelozmente, la flexibilidad organizacional, la propiedad de maleabilidad, la resiliencia deltejido institucional (no necesariamente de cada unidad), la virtualidad, esto es, la capaci-dad de entrar y salir de acuerdos virtuales, y sobre todo, la inteligencia organizacional, valedecir, la capacidad de monitorear el entorno mediante sensores y la capacidad de aprenderde la propia experiencia de relacionamiento con el entorno. Obsérvese nuevamente quepara la escuela neoinstitucionalista, las palabras tienen un significado a veces diferente alusado acá: las instituciones (para North) son las reglas del juego, y las organizaciones sonlas estructuras que usualmente denominamos indistintamente como instituciones u orga-nizaciones. En artículo “El vuelo de una cometa” (1997) discutí estos asuntos. La impor-tancia primordial de las instituciones radica en su ligazón con los costos de transacción,que, de acuerdo a North (1993) se encuentran en la base de la formación de organiza-ciones. El tejido institucional y organizacional, esto es, el conjunto tanto de normas y deestructuras, puede, dependiendo de su forma de funcionamiento, elevar o reducir los cos-tos de transacción, dificultando o facilitando el proceso de crecimiento y de desarrollo. Deaquí la trascendencia para cualquier región de la “calidad” de su tejido institucional.

El capital institucional adquiere su valor no sólo en función del número y deltamaño de las organizaciones o del volumen de las regulaciones; quizás si tanto o más im-portante es el tipo de relación interorganizacional prevaleciente o, si se quiere, la densidaddel tejido organizacional, densidad dada por las relaciones entre organizaciones más quepor el número de ellas. Naturalmente, esto tiene que ver con la interdependencia de ellas.Desde este punto de vista, “medir” las relaciones, evaluar la matriz de relaciones en tér-minos del tipo de relación históricamente prevaleciente en el conjunto, en torno al gradode cooperación o de conflicto, genera una visión del capital institucional mucho más ricaque el mero recuento de entes. En la Dirección de Políticas y Planificación Regionales delILPES (ILPES/DPPR) desarrollamos un software para evaluar tal grado de conflictividad y/ocooperación interorganizacional (ELITE), a partir de un sociograma de organizaciones enel cual se asigna un valor a cada tipo de relación (de conflicto, de neutralidad, de coopera-ción) entre cada par de organizaciones. Calcular un “índice de conflictividad o de coo-peración” resulta entonces sencillo y tal índice proporciona una información/conoci-miento de considerable valor; cuanto mayor es el índice de cooperación, mayor es elcapital institucional y también mayor será el capital social.

El sexto tipo de capital es el capital psicosocial, un concepto que he utilizado con fre-cuencia en varios trabajos de esta década y que se liga a la relación entre pensamiento yacción. El capital psicosocial se ubica en lugares precisos: el corazón y la mente de las per-sonas. Se refiere a sentimientos, a emociones, a recuerdos, a “ganas de”, etc. y muchospueden, al igual que yo, ofrecer ejemplos empíricos de su existencia e importancia. Hablode cuestiones tales como autoconfianza colectiva, fe en el futuro, convencimiento de que elfuturo es socialmente construible, a veces memoria de un pasado mejor, envidia territorial

E L D E S A R R O L L O T E R R I T O R I A L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 946

Page 45: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

(aunque el exceso de ella dificulta el trabajo colectivo), capacidad para superar el individ-ualismo y, sobre todo, ganas de desarrollarse, como ya lo dijo Albert Hirchman en su obraclásica sobre estrategias de desarrollo. Maritza Montero (1994) se pregunta, en psicologíasocial: ¿Qué pasa con las personas cuando actúan, cuando dan respuesta a las exigenciasdel medio ambiente y de los otros seres humanos? ¿Por qué se comportan de determinadasformas y no de otras? Tratando de responder a estas y a otras preguntas, Montero exami-na seis conceptos que ayudan a entender la relación entre pensamiento y acción: actitud,creencia, opinión, valor, estereotipo, y representación social, para terminar concluyendo queel saber y el sentir motivan, planifican, razonan, impulsan, precipitan, retrasan o evitan laacción.4 El “sentir”, en la acción social, remite a las ideas de Habermas y de Maturana, so-bre racionalidad comunicativa y racionalidad conversacional respectivamente.

Como sucede en relación a todas estas categorías de capital intangible, hay que pre-guntarse acerca de la “constructibilidad”, en este caso, del capital psicosocial. Me parecede interés mencionar en este sentido el esfuerzo que se hace en el departamento del Toli-ma (Colombia) y en particular en su capital, Ibagué, para crear capital psicosocial me-diante una persistente campaña semiótica liderada por una importante entidad financieracooperativa que ha hecho de la cuestión de la “construcción social de la región” casi sumisión corporativa. La región, un sueño común, es uno de los slogans usado como graffittien diversos puntos públicos y la revista Signos y Hechos, publicada mensualmente por lamisma entidad y con una tirada de varias decenas de miles de ejemplares gratuitos, en for-ma permanente contribuye a la creación de capital psicosocial.

El capital social configura la siguiente categoría, muy de moda a partir del trabajo dePutnam (1993) sobre los gobiernos regionales en Italia. Guimarães (1998) asocia el con-cepto con la existencia de actores sociales organizados, con la existencia de una “culturade la confianza” entre actores, un tema ahora también de moda y tratado por Peyrefitte(1996), Fukuyama (1995 ) y Luhman (1996 ), entre otros y, siguiendo con Guimarães,con la capacidad de negociación de actores locales y con la participación social, identidadcultural y relaciones de género. El mismo autor propone una docena de indicadores paraevaluar el stock de capital social. En términos simples, el capital social representa la pre-disposición a la ayuda interpersonal basada en la confianza en que el “otro” responderá dela misma manera cuando sea requerido. Fukuyama (1995), citando a James Coleman(referido también por Putnam como la fuente original del concepto), define el capital so-cial como “el componente de capital humano que permite a los miembros de unasociedad dada, confiar el uno en el otro y cooperar en la formación de nuevos grupos yasociaciones”. Putnam cita también a Coleman: “Al igual que otras formas de capital, elcapital social es productivo… Por ejemplo, un grupo cuyos miembros manifiestan con-fiabilidad, y confían ampliamente unos en otros, estará en capacidad de lograr muchomás en comparación a un grupo donde no existe la confiabilidad ni la confianza…” EnAmérica del Sur, la práctica prehispánica de la minga5 (hoy todavía extensamente practi-cada en el extremo sur de Chile y en Colombia también) constituye una excelente pues-ta en valor de la idea del capital social, bajo la modalidad de una “reciprocidad difusa”.Hay un excelente trabajo reciente de Restrepo (1998) en el cual la autora hace una sínte-sis del concepto y de su evolución, para ligarlo en seguida al tema de políticas públicasaplicado al caso de la actual estrategia de desarrollo de Colombia.

En la visión de Coleman, el capital social aumenta a medida que se utiliza y dis-minuye por desuso, una característica de casi todas las formas de “capital intangible”, queya había sido anotada por Hirschman en relación a lo que él denominó como “recursos

S E R G I O B O I S I E R

47R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

4 Después de considera-ciones como éstas, la pre-sencia de los economistasen el tema del desarrollobien entendido se justificasólo porque éste descansaen la acumulación y en elcrecimiento!

5 Fiesta y trabajo cooperati-vo para ayudar a un miem-bro de la comunidad.

Page 46: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

morales”. Como es obvio, esta característica del capital social hace de este concepto untrago amargo para cualquier economista, entrenado en una visión exactamente inversa enrelación al concepto de recurso económico. A pesar de esta característica y por el hechode ser un bien público, hay una tendencia a subinvertir en capital social y la intervencióndel Estado para aumentar la dotación de capital social puede ser contraproducente, alhacer que la gente dependa menos unas de otras.

La mayor parte de los autores que escriben sobre capital social usan el concepto desinergía para articular el desarrollo capitalista con el desarrollo democrático mediante elsurgimiento de la asociatividad entre el sector público y el privado. Coleman, Putnam yFukuyama parecen dar mayor importancia a la asociatividad que a las instituciones y or-ganizaciones, como, por el contrario, se plantea en la escuela institucionalista y, por lomenos Putnam ha sido acusado de relegar al Estado a un papel totalmente secundario enel desarrollo, en buenas cuentas, se ha querido ver un sesgo neoliberal en su análisis.

La octava modalidad de capital es el capital cívico, también fuertemente asociado aRobert Putnam. Recuérdese que la investigación italiana de Putnam mostró que la refor-ma regional de 1970 resultó exitosa en regiones en las cuales se había producido, durantesiglos, una acumulación de capital cívico, esto es, de prácticas políticas democráticas, deconfianza en las instituciones públicas, de preocupación personal por la res publica o, co-mo se diría, por los “negocios y asuntos públicos”, de asociatividad entre los ámbitospúblico y privado, de la conformación de redes de compromisos cívicos.

El diario La Nacion, de Buenos Aires, en su edición del día 27/7/1998 (p.6) publicóuna crónica acerca de la confianza institucional expresada por la población (una muestrade ella) en varios países latinoamericanos.6 Para algunos países, la situación es realmentepreocupante en relación a la falta de confianza en algunas instituciones pilares del Estadoy de la sociedad.

Tabela 1 – Confianza en instituciones (porcentaje de mucha, o de algo de confianza en lainstitución), 1997

Iglesia FF.AA P. Judicial Presidente Policia Congreso P. Politicos TV

Argentina 59 34 20 23 16 33 29 52Bolivia 81 35 27 36 19 32 20 52Brasil 68 59 43 36 31 27 18 36Colombia 77 55 40 33 43 33 21 47C. Rica 80 – 43 33 34 33 26 44Chile 79 48 42 61 52 54 35 56Ecuador 73 71 30 28 33 20 16 50El Salvador 80 40 46 49 53 49 45 45Guatemala 70 34 28 35 26 28 24 41Honduras 89 56 53 35 53 54 40 35México 66 44 26 31 26 34 31 26 Nicarágua 78 41 39 39 40 38 30 45Panamá 85 – 34 45 48 27 28 60Paraguai 87 47 32 26 36 36 27 51Perú 78 37 18 33 29 26 20 48Uruguai 57 43 54 52 47 45 44 46Venezuela 72 63 37 35 27 30 21 47

Fuente: MORI- Latinobarómetro

E L D E S A R R O L L O T E R R I T O R I A L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 948

6 La crónica se titula “La de-mocracia es un valor, perosin confianza en los partidos”y está firmada por RicardoLópez Dusil y es extraída dela tercera medición del Lati-nobarómetro, un estudio deopinión pública.

Page 47: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Argentina, Bolivia, Guatemala y Perú aparecen como países en los cuales la pobla-ción expresa un alto grado de desconfianza con respecto a instituciones básicas de la so-ciedad. Hay una clara falta de capital cívico en estos casos. En general llama la atención lapérdida de prestigio (y de confianza, en consecuencia) de las dos instituciones funda-mentales desde el punto de vista político: la Presidencia y los Partidos Políticos; al pasoque la Televisión ocupa un elevado lugar en el ordenamiento.

La revista World Development incluyó en la edición de Junio de 1996 (v.24, n.6)una sección especial titulada “Government Action, Social Capital and Development:Creating Synergy across the Public-Private Divide” conteniendo varios trabajos precedidosy rematados por sendos artículos de Peter Evans, quien, en el comentario de cierresostiene: “Instead of assuming a zero-sum relationship between government involvement andprivate cooperative efforts, the five preceding articles argue for the possibility of ‘state-societysynergy’, that active government and movilized communities can enhance each others’development efforts.”

Evans sostiene que el asunto más fundamental que surge al analizar el origen de las“relaciones sinergéticas” (concepto parecido al de capital sinergético definido en este tra-bajo) se refiere a la “dotación” versus la “constructibilidad” de estas relaciones. Se pregun-ta: ¿depende la posibilidad de la sinergía primariamente del patrimonio sociocultural quehay que tomar como un dato? O, ¿puede la aplicación de arreglos organizacionales ima-ginativos o “tecnologías blandas” de tipo institucional producir sinergía en lapsos relati-vamente cortos? Es interesante reproducir algunas de las limitaciones que el propio Evansseñala al surgimiento de la sinergía o del capital sinergético, en nuestro lenguaje: un limi-tado stock de capital social en la sociedad civil, para comenzar, una desigualdad social muyacentuada, tipos particulares de regímenes políticos (poco democráticos) o la naturalezade las instituciones gubernamentales, para seguir. ¿Cuánto lugar queda para la ingenieríade la intervención? Aún si se es optimista, hay que aproximarse a este asunto con escepti-cismo remarca el propio Evans.

Durston (1998) discute también la cuestión de la constructibilidad de capital intan-gible (capital social en su estudio sobre “empotestamiento” de campesinos en Guatema-la) y concluye que, al menos en el caso en estudio, la evidencia prueba que sí es posibleconstruir capital social rasguñando casi desde la nada en un tiempo razonable.

Una conclusión general es que capital sinergético, capital social y capital cívico es-tán inextrincablemente vinculados, si bien cada concepto reclama su propia identidad. Entanto el capital social refleja un dado nivel de confianza interpersonal, el capital cívico re-fleja la confianza organizacional.

La novena categoría de capital a agregar corresponde al capital humano, conceptodesarrollado principalmente por Gary Becker, mediante la teoría del capital humano.Antes de Becker sin embargo, Schultz, en 1961, había dado una idea del concepto,entendiéndolo como los conocimientos y habilidades que poseen los individuos. Contal definición, algunos gastos considerados normalmente como consumo no son sinoadiciones al stock de capital humano, como es el caso de los gastos en educación, ensalud y, según algunos autores, los gastos migracionales derivados de la búsqueda demejores oportunidades.

Posteriormente Robert Lucas desarrolló un modelo de crecimiento en el cual elcapital humano es el motor, considerando el capital humano como otro factor de pro-ducción, que afecta la productividad de otros factores a través de externalidades positivas.Lucas apuntó a dos formas de acumular capital humano: dedicando horas de trabajo a

S E R G I O B O I S I E R

49R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 48: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

este fin (going to school ) o dedicándolas a aprender en la acción o mediante la experiencia(learning by doing).

Según Vatter y Fuentes (1991), se ha puesto mucho énfasis en la generación de co-nocimiento a través de la educación, investigación y desarrollo, pero poco se ha dichoacerca de las inversiones en capital humano a través de la salud y de la migración interna,esta última cuestión basada en la idea de que la migración de una región a otra en el paísse hace generalmente por motivos de mejores oportunidades de trabajo y esto puede serconsiderado como una inversión en capital humano, ya que tiene costos asociados conesta acción, así como beneficios reflejados en un mejor salario.

Desde el punto de vista de políticas, estos mismos autores concluyen que políticastendientes a mejorar la calidad y cobertura de la educación y la salud, incentivos tribu-tarios para fomentar la capacitación laboral, flexibilización del mercado del trabajo y aper-tura al comercio exterior tenderían a aumentar la acumulación de capital humano y, porende, el potencial de crecimiento.

Bien, ahí están entonces las diez piezas del juego: capital sinergético como elemen-to catalítico y nueve formas colectivas adicionales de capital que deben entramarse paragenerar un “sendero de desarrollo”.7

¿Cómo hacerlo? Primero, evaluando empíricamente la existencia y el stock disponiblede cada forma de capital.8 Segundo, articulándolos e incluso creándolos (como sugiereEvans) mediante la preparación de un proyecto político de desarrollo.

Mi impresión es que estamos en una fase muy primaria en relación a la medición delstock de estas diferentes formas de capital, o de algunas de ellas. Es cierto que, tratándosecomo se trata, de activos intangibles, la tarea no es nada de fácil. Pocos años atrás — en1996 — el Gobierno de Chile se vio obligado a responder, de una manera política y téc-nicamente razonable a la antigua demanda (a punto de transformarse en conflicto) de laProvincia de Valdivia (componente de la Región de Los Lagos, en el sur del país) para se-cesionarse de su región con el propósito de configurar una nueva región (Valdivia. Nue-va región), una demanda originada en su inicio en la pérdida de la “capitalidad” regionalde la ciudad del mismo nombre. Para salir de una vez por todas del paso, el gobierno con-trató a tres especialistas,9 con el encargo de proponer una solución intermedia, entre elrupturismo de una demanda radicalizada y la inacción, el inmovilismo e incapacidad derespuesta mostrada históricamente por el gobierno.

Los expertos sugirieron reforzar considerablemente el “espacio de maniobra” de laprovincia y de su autoridad política (gobernador) para aprovechar lo que se consideró unpoco habitual stock de capital psicosocial en la provincia y se planteó la necesidad de en-volver a un conjunto de organizaciones provinciales (comenzando por su importante yprestigiosa universidad — la Universidad Austral de Chile) en la evaluación empírica delos componentes del capital psicosocial, considerando esta tarea como una forma de pro-ducir capital social. Al contrario de lo observado con otras experiencias empíricas,10 no fueposible realizar mediciones, aunque sí resultó factible preparar una suerte de propuestapública/privada de acción a favor del crecimiento provincial (denominada, con todapropiedad, Agenda Pactada). En otras palabras, fue posible activar un “capital social” la-tente en la provincia (reduciendo la desconfianza interinstitucional), pero no fue posiblerealizar una tarea de investigación supuestamente más sencilla.

El reciente trabajo de Guimarães (1998) ofrece varias sugerencias de medición enrelación a las cinco categorías de capital que el mismo utiliza (capital natural, construido,humano, social, institucional);11 parece que sólo faltaría un terreno para un ejercicio prác-

E L D E S A R R O L L O T E R R I T O R I A L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 950

7 Al momento de escribireste párrafo (16/7/1998)me asalta la duda acerca delnúmero de formas de capi-tal, porque bien podría agre-garse una décima: el capitalmediático, es decir el confor-mado por los medios masi-vos de comunicación social,que tan importante papel de-sempeñan en el éxito de unapropuesta de desarrollo.

8 También es necesario co-nocer los mecanismos de re-producción social de estasformas de capital.

9 El autor de este documen-to entre ellos, junto con losSres. Eduardo Dockendorffy Esteban Marinovic.

10 Veáse por ejemplo: Lon-doño Juan Luis de la C. Vio-lencia, Psychis y Capital So-cial: Notas sobre AméricaLatina y Colombia, Santaféde Bogotá, Colombia, 1996.Trabajo citado por PiedadPatricia Restrepo, op. cit.

11 La similitud — dentro decierto rango — entre ambostrabajos, el de R. Guimarãesy éste no es casual; es el re-sultado de la “fertilizacióncruzada” (para usar un tér-mino a la moda) entre per-sonas que trabajan en elmismo lugar físico e institu-cional y que comparten lasmismas visiones básicas so-bre desarrollo, territorio ymedio ambiente.

Page 49: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

tico de medición conjunta. El documento de Grootaert (1998) sugiere — en relación alcapital social — determinar por ejemplo, el número de asociaciones existentes (en la so-ciedad civil), su membresía, la frecuencia de reuniones, etc. como forma de medición. Lasencuestas de opinión, como la mostrada más atrás relativa al capital cívico, constituyenotra forma de medir varios tipos de capital.

La preparación de un proyecto político de desarrollo para un territorio es un asuntoque, personalmente, he explorado en numerosos trabajos, la mayor parte de ellos ya pu-blicados. Sólo me parece ahora pertinente hacer referencia al más didáctico de ellos: LaMesoeconomia Territorial. Interacción entre Personas e Instituciones.12 En este trabajo sedescriben diez pasos para estructurar, poner en práctica, supervisar y dar continuidad aun proyecto político regional.

Como lo he escrito repetidamente, los conceptos de “plan de desarrollo regional” yde “estrategia de desarrollo regional”, corrientemente usados para describir el conjunto depropuestas que se plantean para desatar y estimular procesos de crecimiento y, eventual-mente, de desarrollo, no tienen correspondencia con la complejidad de la realidad actualy por ello es mejor usar el concepto de “proyecto político” más intersubjetivo y contruc-tivista que los anteriores.

El proyecto político, que por definición es un proyecto colectivo, concertado y con-sensuado (dentro de los límites de la realidad posible), cumple con dos requisitos, a mientender básicos, de una propuesta de desarrollo: por un lado el proyecto político saca lacuestión del desarrollo de un territorio propio del campo del azar (lo que equivale aesperar un desarrollo que se produce “por buena suerte”) para colocarlo en el campo pro-babilístico (o sea, coloca el desarrollo en las manos de la sociedad) y por otro, el proyectopolítico transforma un conjunto masivo y desordenado, entrópico, de decisiones indivi-duales, en una matriz decisional coherente con la propia visión del desarrollo. Algo, estoúltimo, de la mayor importancia, como es fácil apreciar. Una postura similar, en el sen-tido de destacar la importancia de un proyecto político es sostenida por el sociólogo de laSorbonne, E. Enríquez (1996), quien, refiriéndose a la necesidad práctica de trabajar conuna multiplicidad de organizaciones y culturas, afirma: “El problema entonces (que debeser analizado caso a caso) es construir un proyecto colectivo — considerando los proyec-tos individuales (de cada organización) —, que pueda conducir a la transformación de laregión y de la localidad”.

Quedan dos asuntos adicionales por mencionar: la escala territorial y su relación conla presencia de estas formas de capital, y la pregunta acerca de quién pone en valor el ca-pital sinergético.

La así llamada “geografía institucional” inicialmente ligada a M. Storper, ha re-descubierto la importancia de la “pequeña escala territorial” en relación a los fenó-menos de interacción social e intercambio de información y, por extensión, en relacióna la confianza y por tanto a su papel en la conformación del capital social y del cívico.Parece en principio razonable suponer que el capital intangible surge con más facilidaden espacios “proxémicos”, espacios sociales en los que prevalecen las relaciones de pro-ximidad, más que en espacios “distémicos” con grandes distancias sociales. Lo pequeño,hermoso o no, parece en su misma relatividad, más apropiado para desatar las energíassociales ocultas.

Y eso precisamente lleva a la segunda cuestión. El funcionamiento del capital siner-gético no es un proceso automático; requiere de un actor impulsor y tal actor no puedeser sino el gobierno del respectivo territorio, como agente concreto del Estado en ese

S E R G I O B O I S I E R

51R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

12 Ahora este documentoforma parte (Capítulo III) dellibro Teorías y metáforas so-bre desarrollo territorial,publicado por la CEPAL. Co-mo documento puede serubicado bajo la sigla LC/IP/G.82 de 1985.

Page 50: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

nivel. Por esa razón, he apuntado en otras oportunidades la necesidad de introducirnuevas funciones en la práctica de los gobiernos territoriales, hacer una reingeniería deellos (tomando la expresión de Osborne y Gaebler), para introducir en ellos la capacidadde movilizar factores intangibles.

En síntesis, si se desea considerar el desarrollo como una cuestión que tiene que vercon el bienestar espiritual de las personas humanas más que con su bienestar material, esdecir, si se desea sostener que el desarrollo es un producto, un resultado, un estado cuasi-final (nunca final, dado su carácter asintótico) de naturaleza intangible, entonces seránecesario activar factores causales de igual dimensión, intangibles. Estos factores, agrupa-dos en categorías, pueden ser denominados como capital intangible. Se requiere de unacapacidad sinergética para articular y direccionar las varias formas de capital intangible; lafunción de la capacidad social para hacer ésto se ha denominado capital sinergético. Lapuesta en valor del capital sinergético de una comunidad debe terminar por transformarlos diversos capitales intangibles en un sistema complejo, de manera tal que el desarrolloaparezca como una propiedad emergente del propio sistema, en el sentido en que esta no-ción es utilizada por O’Connor y McDermott (1998) en el análisis sistémico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOISIER, S. Política económica, organización social y desarrollo regional. Cuaderno 29.Santiago de Chile, ILPES, 1982 (en inglés: Economic policy, social organization and re-gional development. Santiago de Chile: ILPES, 1982).

_______. “Em busca do esquivo desenvolvimento regional: entre a caixa-preta e o proje-to político”. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, IPEA, n.13, 1996.

_______. “El vuelo de una cometa. Una metáfora para una teoría del desarrollo territo-rial”. Revista Latinoamericana de Estudios Urbano Regionales EURE, Santiago deChile, Instituto de Estudios Urbanos, Universidad Católica de Chile, n.69, 1997(también en: Revista de Estudios Regionales, n.48. Málaga: Universidades de Anda-lucía, España, 1997).

BOURDIEU, P. Las cosas dichas. Barcelona: Gedisa Editorial, 1993._______. Razones prácticas. Sobre la teoría de la acción. Barcelona: Editorial Anagrama,

1994._______. “Symbolic power”. Critique of Anthropology, Londres, Sage Publications,

n.13/14, 1997. CALCAGNO, A. E., CALCAGNO, A. F. El universo neoliberal. Buenos Aires: Alianza

Editorial, 1995.COLEMAN, J. S. Foundations of social theory. Cambridge: Harvard University Press,

1990.DURSTON, J. Building social capital in rural communities. Paper delivered at the 1998

meeting of the Latinamerican Studies Association (LASA). September, 1998.ENRÍQUEZ, E. “Como estudar as organizações locais”. In: FISCHER, T. (Org.). Gestão

contemporânea. Cidades estratégicas e organizações locais. Rio de Janeiro: FundaçãoGetúlio Vargas, 1996.

EVANS, P. “Introduction: development strategies across the public-private divide”.World Development, Pergamon Press, v.24, n.6, 1996.

FURTADO, C. A economia brasileira. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1954.

E L D E S A R R O L L O T E R R I T O R I A L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 952

Sergio Boisier, economis-ta, era — cuando este artí-culo se escribió inicialmente— Director de la Direcciónde Políticas y PlanificaciónRegionales del Instituto Lati-noamericano y del Caribe dePlanificación Económica ySocial (ILPES), un organismode las NN.UU. adscrito a laCEPAL, en Santiago de Chile. E-mail: [email protected]

Page 51: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

FUKUYAMA, F. Confianza. Las virtudes sociales y la capacidad de generar prosperidad.Buenos Aires: Editorial Atlántida, 1995.

GROOTAERT, C. Social capital: the missing link? Washington: The World Bank, SocialCapital Iniciative, working paper, n.3, april 1998.

GUIMARÃES, R. Aterrizando una cometa: indicadores territoriales de sustentabilidad. San-tiago de Chile: ILPES/DPPR, documento de trabajo, 1998.

LUHMAN, N. Confianza. Barcelona: Anthropos, 1996.MONTERO, M. “Indefinición y contradicciones de algunos conceptos básicos en psi-

cología social”. In: MONTERO, M. (Coord.). Construcción y crítica de la psicologíasocial. Barcelona: Anthropos, 1994.

MOSCOVICI, S. “The phenomenon of social representations”. In: FARR, R., MOSCOVI-CI, S. Social representations. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.

NORTH, D. C. Instituciones, cambio institucional y desempeño econômico. México: Fon-do de Cultura Económica, 1993.

O’CONNOR, J., MCDERMOTT, I. Introducción al pensamiento sistémic. Barcelona:Ediciones Urano, 1998.

PEYREFITTE, A. La sociedad de la confianza. Santiago de Chile: Editorial Andrés Bello,1996.

RESTREPO, P. P. “Capital social, crecimiento económico y políticas públicas”. Lecturasde Economía, Medellín, Universidad de Antioquia, Departamento de Economía,n.48,1998.

VETTER, J., FUENTES, R. “Inversión en capital humano e investigación y desarrollo”.Estudios Públicos, Santiago de Chile, Centro de Estudios Públicos (CEP), n.4, 1991.

WALTON, J. Elites and economic development. Austin: Institute of Latinamerican Stud-ies, University of Texas, 1977.

WILLIAMSON, O. E. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press,1985.

A B S T R A C T The paper establishes the hypothesis that there is a logical inconsisten-cy in the implicit (land) development equation that has underpinned the intention ofintervening in favour of this very development. Such an inconsistency is established both in theindependent variables (factors bringing about development) and the dependent variables (thedevelopment itself ) of this implicit equation. Put simply, development is properly understoodas a qualitative phenomenon, to the extent that it is sought to be achieved through quantita-tive actions. The author proposes support from the concept of synergetic capital to potentialiseand articulate new forms of capital, almost all of which are intangible, in order to apply themto land on the virtuous path of development. The focus is one of cognitive, symbolic, cultural,social and civic questions, that appear to be more closely linked with contemporary notions ofdevelopment than the construction of infrastructure and other material initiatives which,although valuable in themselves, do not equate with development.

K E Y W O R D S Territorial development; synergetic capital; symbolic capital; politi-cal agenda; endogeneous development.

S E R G I O B O I S I E R

53R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 52: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL:

UMA CONTRADIÇÃO DE TERMOS?

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

R E S U M O Poucos conceitos têm sido tão amplamente utilizados como o de desenvol-vimento sustentável, num aparente consenso revelador mais de imprecisão do que de clare-za em torno de seu significado. Com base em uma revisão de abordagens recentes, argumenta-se que a noção de desenvolvimento urbano sustentável traz consigo conflitos teóricos de difícil,porém não impossível, reconciliação: a) entre as trajetórias da análise ambiental e da análi-se urbana que, originando-se em áreas do conhecimento diferentes, confluíram na propostade desenvolvimento sustentável; b) entre formulações teóricas e propostas de intervenção, tra-duzindo-se no distanciamento entre análise social/urbana crítica e planejamento urbano. Sãoexaminadas propostas de planejamento que adotam o discurso e/ou pressupostos de sustenta-bilidade urbana, discutindo exemplos da literatura internacional — as cidades compactaseuropéias, o movimento californiano por cidades sustentáveis — e, no caso brasileiro, a ex-periência recente de planejamento urbano em Belo Horizonte.

P A L A V R A S - C H A V E Planejamento urbano; desenvolvimento sustentável; meioambiente; política urbana.

INTRODUÇÃO

Como definir desenvolvimento urbano sustentável? Rótulo de marketing urbano nacompetição global ou utopia a ser perseguida? Falsa questão ou novo discurso do plane-jamento contemporâneo? Poucos conceitos têm sido tão amplamente utilizados como ode desenvolvimento sustentável e, no entanto, esse aparente consenso revela mais impreci-são do que clareza em torno de seu significado. Neste trabalho, procura-se discutir algunsaspectos dessa fragilidade teórica e conceitual, na busca de superá-la e de se vislumbraruma alternativa para o futuro. À primeira vista, trata-se de um desgaste típico dos modis-mos que, ao repetirem à exaustão um novo discurso, acabam por esvaziá-lo de significa-do. Entretanto, argumenta-se, com base em uma revisão de abordagens recentes, que, par-tindo da economia política e incorporando elementos da ecologia política e dopós-estruturalismo, a noção de desenvolvimento urbano sustentável (ou de cidades sus-tentáveis) traz consigo alguns conflitos teóricos de difícil, porém não impossível, reconci-liação, entre os quais se destacam:• o conflito entre a trajetória da análise ambiental e a da análise urbana que, originando-

se em áreas do conhecimento diferentes, convergiram recentemente na proposta de de-senvolvimento sustentável, com objetivos às vezes divergentes;

• o conflito entre formulações teóricas e propostas de intervenção, o que se tem traduzi-do no distanciamento entre análise social/urbana crítica e planejamento urbano. Tal

55

Page 53: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

distinção aparece mais claramente na literatura internacional do que na brasileira, qua-se configurando áreas de atuação profissional distintas.

O texto está estruturado da seguinte forma: na primeira parte, discutem-se as tra-jetórias da análise ambiental e da análise urbana que desembocam no conceito de desen-volvimento urbano sustentável. É mister considerar que a maior parte das discussõesteóricas acerca do desenvolvimento sustentável referem-se ao desenvolvimento da so-ciedade (embora, em geral, enfatizando fortemente os aspectos econômicos), e nãoespecificamente ao desenvolvimento urbano. Por outro lado, a adoção do conceito dedesenvolvimento urbano sustentável faz-se muitas vezes com base nas práticas do plane-jamento urbano, sem grandes questionamentos acerca das formulações teóricas que lheservem de suporte. Na segunda parte, são examinadas algumas propostas de planejamen-to que adotam, de forma explícita ou não, o discurso e/ou pressupostos de sustentabili-dade urbana, discutindo-os à luz do contexto em que foram formulados. São utilizadoscomo exemplos as propostas européias de cidades compactas, o movimento das cidadessustentáveis da Califórnia e, no caso brasileiro, a experiência recente de planejamentourbano em Belo Horizonte. Tais casos visam realimentar a discussão teórica inicial, jáque a saída para os impasses mencionados parece estar sendo construída prioritariamen-te a partir da prática.

ANÁLISE URBANA E ANÁLISE AMBIENTAL:COMENTÁRIOS ACERCA DAS TRAJETÓRIASRECENTES

Este trabalho teve como ponto de partida a noção de certa forma generalizada deque há sempre um conflito, ou uma oposição, uma contradição mesmo, entre os concei-tos de urbano e de ambiental. Essa oposição está presente sob as mais variadas formas namídia, nas formulações teóricas sobre sociedade e natureza, na regulação ambiental, naspolíticas públicas, nas práticas urbanas e nos movimentos sociais, muitas vezes até nas ten-tativas de abordagem interdisciplinar da questão ambiental dentro (e fora) da Academia.Trata-se de uma hipótese difícil de aceitar. Não tanto pelos argumentos usualmente levan-tados acerca da inevitabilidade do avanço do processo de urbanização, do tipo x% da po-pulação mora hoje em áreas urbanas deste ou daquele tamanho e as decorrentes projeçõespara um futuro próximo (e das análises das conseqüências de tal processo), mas, sobretu-do, por considerar que o espaço urbano constitui a materialização espacial das relações so-ciais, além de elemento transformador dessas mesmas relações.

Daí a tentativa de uso da expressão meio ambiente urbano, na busca de sintetizar di-mensões físicas (naturais e construídas) do espaço urbano com dimensões de ambiência,de possibilidades de convivência e de conflito, associadas às práticas da vida urbana e àbusca de melhores condições de vida, seja para a cidadania, seja na busca de qualidadeda vida urbana. Trata-se da procura da justiça socioambiental em si, bem como da cria-ção e/ou manutenção das condições materiais/ambientais que dêem suporte e expressemtal justiça.

Ao mesmo tempo, como que num universo paralelo, o discurso ambiental invade e se mistura com o do planejamento e da intervenção sobre o ambiente construído, comose sempre tivessem sido uma e mesma coisa, de certa forma alheios à oposição conceitualmencionada. Também tal versão do casamento perfeito me parece insuficiente, em parte

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 956

Page 54: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

pelo ceticismo com que hoje se encaram os discursos sobre planejamento, como o cami-nho seguro na direção da justiça social e ambiental nas cidades. No entanto, trata-se deuma importante síntese do ponto de vista conceitual, em que pesem os inúmeros ques-tionamentos quanto a estratégias e formas de implementação de propostas.

Como separar o pensar e o refletir sobre o urbano da intervenção? E mais: como dis-tinguir e, ao mesmo tempo, incorporar a intervenção planejada daquela conquistada pormeio das práticas sociais?

Este trabalho busca tecer algumas considerações acerca das origens e da evolução daoposição entre as noções de urbano e ambiental (inclusive as razões pelas quais esse im-passe aparentemente não existe no planejamento urbano atual), procurando discutir aspossibilidades de saída que se vêm insinuando em tal impasse.

Por outro lado, deve-se considerar que ambas as noções, tanto de urbano quanto deambiental, não são estáticas e predeterminadas, mas vêm mudando com o tempo. Assim,caracterizar sua evolução, particularmente no que se refere ao seu papel no atual estágiode desenvolvimento capitalista, com as diferenças marcantes em termos de primeiro/ter-ceiro mundo, torna-se tarefa imprescindível, embora seguramente muito além das preten-sões deste trabalho. Entretanto, algumas rápidas incursões na literatura sobre essas mu-danças ajudam a compreender e definir o que hoje constituem questões urbanas equestões ambientais, ambas fundamentais para a mudança social.

Observa-se, no momento atual, uma mudança de enfoque no que se refere à análi-se dos processos que ocorrem nas áreas urbanas. Pode-se argumentar que, por um lado, ourbano, ou a questão urbana como era chamada nos anos 70, deixou de ser (ou perdeuimportância enquanto) tema/objeto de interesse da chamada teoria social crítica contem-porânea.1 Questões ligadas à raça, gênero e diversidade étnica/cultural passaram a assumira linha de frente das análises. Assim, a dimensão ambiental da análise urbana fica apa-rentemente restrita a alguns redutos, tais como aspectos mais técnicos, objetivos, a seremtratados, por exemplo, nas suas vertentes legais ou sanitárias ou, ainda, as práticas políti-cas e as análises de movimentos sociais em torno de conflitos ambientais nas áreas urba-nas ou a respeito de temas ambientais urbanos, como lixo, água, poluição etc.

Por outro lado, o campo dos estudos ambientais vem experimentando, simultanea-mente, o alargamento de suas bases conceituais e a multiplicação da quantidade de es-tudos e áreas do conhecimento envolvidas. Em grande parte desses trabalhos, a dimen-são espacial/urbana das análises permanece subestimada ou mesmo inexistente ou,ainda, numa perspectiva mais radical, até mesmo negada como não-ambiental, não-na-tural. Tal dualidade de visões é veementemente apontada por Harvey (1996), ao argu-mentar que “se o pensamento biocêntrico está correto e as fronteiras entre atividades hu-manas e do ecossistema devem ser destruídas, isto significa não somente que processosecológicos devam ser incorporados em nossa compreensão da vida social: significa tam-bém que fluxos de moeda [money] e mercadorias e as ações transformadoras dos seres hu-manos (na construção de sistemas urbanos, por exemplo) têm que ser entendidos comoprocessos fundamentalmente ecológicos” (p.392, tradução do autor). Assim, Harveyidentifica a existência de um ponto cego (blindspot) de enormes proporções causado pe-la hostilidade de longa data do movimento ambientalista para com a própria existênciadas cidades. A análise que se faz neste trabalho procura contribuir para a eliminação detal ponto cego.

Um aspecto que parece importante salientar diz respeito aos momentos de surgi-mento das preocupações urbana e ambiental. No primeiro caso, mesmo sob o risco de

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

57R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

1 Tal hipótese tem porbase, principalmente, a lite-ratura anglo-saxônica, comforte presença de trabalhossobre os EUA. Um certo mi-metismo pode ser encontra-do no Brasil, a julgar pelostipos de trabalhos apresen-tados, por exemplo, nos últi-mos encontros anuais daANPOCS.

Page 55: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

excessiva simplificação, pode-se dizer que a tomada de consciência das questões tipica-mente urbanas e a necessidade de intervir sobre elas surgem juntamente com a consoli-dação do capitalismo ocidental, em sua versão de concentração urbano-industrial inicia-da na Europa e expandida para diferentes partes do mundo. Assim, há uma associaçãoclara entre a generalização do processo de urbanização e a consolidação de um determi-nado projeto de modernidade. Nessa perspectiva, modelos urbanísticos, assim como opróprio planejamento urbano, são vistos como formas de manutenção e/ou de organiza-ção, em nível de espaço, dessa mesma modernidade. As avaliações que usualmente sãofeitas de tais modelos variarão de libertários a repressivos, em razão da avaliação feita doprojeto de modernidade.

Já a preocupação ambiental surge e ganha corpo no bojo de um amplo conjunto dereações ao caráter massificante, predatório e opressor, entre outros atributos igualmentenegativos, do desenvolvimento dos modos de produção capitalista e estatista, para usar adistinção feita por Castells (1996), que passaram a caracterizar a implementação do pro-jeto da modernidade. Ao nascer de um questionamento geral ao projeto, a análise am-biental em suas diversas vertentes questiona também, necessariamente, o modelo de or-ganização territorial associado àquele projeto, expresso nas diferentes formas assumidaspela urbanização contemporânea.

Do ponto de vista da análise social, de forma mais ampla, a preocupação com o meioambiente e, conseqüentemente, os estudos ambientais em sua interface com as ciênciassociais, (re)aparecem num momento em que a abordagem pós-estruturalista se disseminacomo a vanguarda da análise social crítica. Assim, por um lado, a trajetória da ecologiapolítica é construída com forte contribuição da antropologia, com base em inúmeros es-tudos de caso, de etnografias que, apesar de enriquecedoras em suas múltiplas formas deapreensão da realidade, não têm, por definição, maiores preocupações com uma estrutu-ra teórica rigidamente demarcada. A maior parte desses estudos ambientais tem como ob-jeto pequenas comunidades, de origem rural, com fortes tradições (leia-se: diferentes doOcidente industrializado) culturais e étnicas, em que a natureza, via de regra, correspon-de aos espaços não construídos, algumas vezes intocados.2 Por outro lado, da mesma for-ma, neste mesmo momento, multiplicam-se as análises urbanas que, dentro da tradiçãopós-estruturalista, vão também privilegiar a fragmentação, o local, o estudo de caso, comtodas as implicações, em termos de perdas e ganhos, inerentes à adoção de tal perspecti-va de análise. Em ambos os casos, parece claro que uma versão urbana contemporânea daecologia política ainda está para ser problematizada e construída.

OS ESTUDOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS: PULVERIZAÇÃO DE UMA ÁREA DE ESTUDO OU REDEFINIÇÃO DE SEU OBJETO?

Há vinte (trinta?) anos atrás, seria fácil afirmar que existia uma área de estudos cla-ramente reconhecida, tendo o “urbano” como seu principal objeto de análise, embora adenominação dada a tal área variasse de uma instituição para outra. Hoje, essa nitidez nãoé mais possível, talvez nem mesmo seja desejável. No entanto, qualquer que seja o parâ-metro escolhido, o mundo é cada vez mais urbano. Não se trata de uma frase de efeito,mas, sim, do reconhecimento de que o modo de vida urbano-industrial, como materiali-zação espacial da modernidade capitalista, embora transformado em cada local, espalhou-se praticamente por todo o mundo. Às exceções resta o papel de confirmar a regra ou deresistir na transitoriedade.

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 958

2 Refiro-me, aqui, a análisesnas quais a problemáticaambiental, qualquer que se-ja sua definição, é uma preo-cupação importante. Natu-ralmente (os estudos sobre)as políticas ambientais e osmovimentos ambientalistassempre tiveram preocupa-ção com os problemas am-bientais tipicamente urba-nos e industriais, tais como:níveis de poluição, sanea-mento, disposição de resí-duos, tráfego etc., emborao objeto das análises nãofosse o urbano.

Page 56: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Talvez seja exatamente por essa razão que esse campo de estudos parece ter-se esti-lhaçado, pois, ao generalizar-se, deixou de ser um objeto de investigação em si mesmo.Melhor dizendo, deixou de, como “questão urbana”, expressar o novo, a vanguarda, o queestá para ser conhecido, denunciado, criticado etc. Hoje, a vanguarda da análise social crí-tica pertence aos chamados estudos culturais,3 em que as análises enfatizam, principalmen-te, as contradições da sociedade que se expressam nas diferenças de raça, gênero, sexuali-dade, background étnico-cultural, entre outras. Tal abertura para novas mediações trouxeum bem-vindo rejuvenescimento e diversificação para a análise social, bem como novosníveis de conscientização a orientar a ação política.

Por outro lado, várias das “velhas questões urbanas” — habitação, saneamento bási-co, controle do uso da terra, transporte coletivo etc. — tiveram seu escopo de análise re-definido, consolidando uma clara distinção entre o que hoje constituem problemas urba-nos nas economias industrializadas e nos países do terceiro mundo. Apesar de todas asdesigualdades que caracterizam o desenvolvimento capitalista, incluindo os crescentescontingentes de população de rua, sem-teto e outras formas de exclusão dos mecanismosformais de mercado, pode-se dizer que os países industrializados têm, de modo geral, re-solvido um nível básico de acesso a moradia, bens e serviços urbanos, além de outros be-nefícios/itens usualmente providos pelo Estado de Bem-Estar Social, em algumas de suasmuitas versões. Desse modo, a provisão desses itens passa a ser um elemento dado e nãomais um objeto de demanda social.

Assim, se a “questão urbana” é, era ou foi definida em relação à provisão dos en-tão chamados meios de consumo coletivo, para utilizar o instrumental da sociologia ur-bana de inspiração marxista, desenvolvido ao longo da década de 1970 (Castells, 1972;Lojkine, 1981), de fato, ela deixa de existir como preocupação principal a marcar asdesigualdades urbanas contemporâneas do chamado primeiro mundo. Além disso, se se pensar o urbano como ambiente construído, raros são os espaços que podem ser pen-sados como não-urbanos. Mesmo aqueles destinados à produção agrícola dificilmentepodem ser considerados rurais, principalmente do ponto de vista das relações sociaisneles presentes.

Já na urbanização do terceiro mundo, e, particularmente, no caso da urbanizaçãobrasileira, presencia-se a dolorosa queima de etapas, em que sequer houve acesso à regu-lação urbana de forma universal e já foram discutidos os efeitos do neoliberalismo desre-gulador sobre a precária qualidade da vida urbana. Vista dessa perspectiva, falar da pro-blemática socioambiental urbana soa apenas como uma roupagem da moda para asvelhas questões sociais (e urbanas). No entanto, definir e tratar conjuntamente os dile-mas sociais e os ambientais constitui uma necessidade muito além de qualquer modismo.

De fato, muita coisa mudou, tanto na leitura da realidade como no desenvolvimen-to teórico, desde os precursores trabalhos críticos do final dos anos 60 e início dos 70,quando Castells (1972) se perguntava se havia (epistemologicamente falando) uma so-ciologia urbana, Lipietz (1974) e Topalov (1974) discutiam os efeitos da renda fundiáriaurbana, ou Harvey (1973) desenvolvia teoricamente o papel do ambiente construídodentro do processo de acumulação capitalista. O urbano continuou, de certa forma, nalinha de frente dos estudos sociais no início dos anos 80, desta vez como palco e comoelemento gerador dos chamados novos movimentos sociais ligados principalmente à provi-são e ao acesso aos então denominados meios de consumo coletivo. Os estudos passam, aseguir, a enfatizar, então, os sujeitos dessas e de outras ações como agentes catalisadoresdas práticas sociais; há uma valorização do cotidiano e dos estudos locais e localizados, o

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

59R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

3 É o que se observa nomeio acadêmico americano.Não existe informação atua-lizada, por exemplo, do queacontece hoje na França, jáque de lá surgiram, entremeados dos anos sessentae o final da década de oiten-ta, valiosas e inovadorascontribuições para a análiseurbana, muitas delas frutoda colaboração entre a Uni-versidade e o Estado, pormeio de várias instituições ecentros de pesquisa. Topa-lov (1988) apresenta umaexcelente avaliação dos ca-minhos percorridos pelapesquisa urbana na França,durante aquele período.

Page 57: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

indivíduo é redescoberto. Tal pulverização de abordagens, que passa a caracterizar a en-trada na década de 90, parece cobrir diferentes nuances do espectro político. Em sua aná-lise da trajetória francesa, Topalov (1988, p.23) observava haver tanto “um esquecimentoorganizado dos resultados de dez anos de pesquisa urbana de inspiração marxista”, quan-to promissoras “tentativas de ultrapassagem dos limites” daqueles mesmos enfoques estru-turalistas e marxistas.

Uma contribuição interessante ao debate acerca do que constituem estudos urbanosno presente momento é proporcionada por Castells (1996), ao afirmar que a busca daidentidade é o princípio organizador da sociedade atual. Assim, se o mundo é cada vezmais urbano, particularmente nas sociedades industrializadas, o “ser urbano” deixa de serum atributo em torno do qual a identidade de um grupo é construída. Vistos dessa pers-pectiva, os estudos urbanos (ou a análise urbana) transformam-se numa categoria mal de-finida. Em contrapartida, os estudos culturais passam a ser uma categoria mais precisa,pois agrupam em identidades e detectam graus e formas de exclusão, logo, propiciandooutros cortes epistemológicos.

Castells4 faz uma interessante distinção entre o momento atual, caracterizado porum “modo de desenvolvimento” informacional no qual a vanguarda na produção do co-nhecimento e do novo pertence à microeletrônica, à informática e à genética, e o modode desenvolvimento industrial que caracterizou a evolução do capitalismo desde o inícioda industrialização. Pode-se argumentar que, nesse último, a urbanização (e as propostasurbanísticas) que acompanhou a Revolução Industrial em suas diversas fases tinha com-ponentes de vanguarda relativos à forma urbana e à espacialidade, que parecem não en-contrar paralelo no momento atual, quando a fluidez das atividades e do capital não éacompanhada pela fixidez da produção dos espaços. Além disso, segundo o argumento deCastells (1996, p.418), não há uma forma urbana/arquitetônica típica da era informacio-nal, à semelhança da relação entre o modernismo e a era industrial.

Não cabe aqui desenvolver em profundidade um debate acerca de tendências con-temporâneas da Arquitetura e do Urbanismo, principalmente do ponto de vista formal.Entretanto, é interessante enfatizar a importância atualmente dada aos processos sociaisurbanos (também entendidos como culturais e ambientais), muitas vezes materializadosem manifestações formais conhecidas, mas que traduzem diferentes formas de so-ciabilidade e novos usos para os espaços.5 A esse respeito, a análise de Smith (1984) so-bre o caráter desigual da produção do espaço urbano capitalista (uneven development) ésempre atual.

Uma segunda distinção a marcar os estudos urbanos contemporâneos, que tambémaparece de forma bastante clara na literatura americana, é aquela entre a área do planeja-mento e a da análise social crítica. Tal distinção está associada aos caminhos percorridospelo planejamento urbano americano que, ao institucionalizar-se, tornou-se excessiva-mente burocratizado e pouco permeável às diferenças cada vez mais acentuadas que ca-racterizam internamente a estrutura social daquele país. Há, naturalmente, um amplo de-bate em torno desse tema, que transcende muito os limites deste trabalho (Campbell &Fainstein, 1996). Entretanto, parece haver uma aceitação generalizada, pelo menos entreos autores mais críticos, de que a prática do planejamento urbano só tende a manter ostatus quo e reforçar um determinado projeto de modernidade no qual há pouco espaçopara as diferenças. Paradoxalmente, esse mesmo planejamento vem progressivamente in-corporando o discurso da sustentabilidade urbana, o que torna imprescindível uma claraexplicitação do conteúdo desse conceito.

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 960

4 É interessante observarque a trilogia do autor(1996; 1997; 1998) foi or-ganizada sob o título geralde A era informacional: eco-nomia, sociedade e cultura,os três aspectos mais des-tacados em sua análise.

5 Muitas vezes, formas “no-vas” correspondem, de fato,a manifestações (geral-mente) mais perversas, em-bora não necessariamente,do funcionamento do siste-ma econômico/político/cul-tural, ou a formas que visampotencializar o consumo doe no espaço, como inúme-ras renovações urbanas queutilizam até hoje a bemsuce-dida fórmula lazer-turismo-consumo-história.

Page 58: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Há também as visões mais progressistas do planejamento, como as de Soja (1997),que contrapõe ao pós-modernismo conservador a necessidade de estratégias pós-moder-nas, entre as quais cabe mencionar: uma nova teoria pós-moderna do planejamento, umareestruturação ontológica que encoraje a “desordem da diferença”, além de novas (prá-ticas) políticas culturais que vão além das definições binárias, em relação a gênero, raçaou classe.

Cabe ressaltar como diferente da americana a visão européia do planejamento urba-no, caracterizada, de forma mais ampla, por uma longa trajetória de intervenções do Es-tado nas cidades, mediante diversas políticas socioespaciais e ambientais (Breheny, 1992;Haughton & Hunter, 1994). Mesmo considerando as tendências recentes de desregula-ção e as diferenças entre os países, ainda assim, o planejamento urbano europeu parecedesfrutar de uma melhor reputação que o americano. No Brasil, experiências inovadorasna área de governabilidade e poder local vêm recentemente resgatando a atualidade dadiscussão acerca do planejamento e da intervenção urbana, até mesmo, em muitos casos,ressaltando sua complementaridade, a dimensão ambiental.

Feitas essas considerações, cabe retornar à outra vertente, ou seja, à trajetória recen-temente percorrida pela análise ambiental e, em particular, àquela que traz embutidas, deforma explícita ou implícita, propostas de intervenção.

O DEBATE EM TORNO DO CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE E A ANÁLISE AMBIENTAL: ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES

Poucos conceitos têm sido recentemente tão utilizados e debatidos como o de de-senvolvimento sustentável. Por isso mesmo, falta-lhe precisão e conteúdo, cabendo asmais variadas definições. Muitas vezes utilizado como se fosse expressão de generalizadaaceitação por algum tipo de senso comum, o conceito traz à tona um amplo debate tan-to em torno da idéia de desenvolvimento como da noção de sustentabilidade. Tal debateconstitui, de fato, um dos desenhos possíveis da trajetória recente percorrida pela análi-se ambiental, principalmente em sua tentativa de diálogo com a economia política ecom as ciências sociais de forma mais geral. Reproduzir esse debate foge aos objetivosdeste trabalho, porém interessa-nos aqueles aspectos considerados centrais para a discus-são das potencialidades e limitações de uma análise crítica do ambiente urbano, bem co-mo para a compreensão das práticas socioespaciais que se estruturam em torno de ques-tões ambientais.

Pode-se identificar claramente uma mudança de enfoque na definição da problemá-tica ambiental nos últimos anos: da passagem de enfoques considerados conservacionistas,prevalecentes no início dos anos 70, para aqueles que buscam associar desenvolvimentoeconômico à preservação ambiental, consagrando assim a idéia de sustentabilidade, con-siderada como a atual linguagem do ambientalismo (Peet & Watts, 1996). Nessa linha,destacam-se aquelas contribuições que, baseadas nas definições formais difundidas pelasconferências internacionais, procuram avançar em diversas direções, sejam na área de es-tratégias (Sachs, 1993), de suporte político-social (Viola & Leis, 1992), de enfoques queassociem desenvolvimento e pobreza (Barbier, 1987), entre outros. Há ainda os que ques-tionam a noção hegemônica de desenvolvimento como o único caminho em direção auma também única modernidade (Pred & Watts, 1992). Tais mudanças de enfoque tra-zem importantes implicações para a formulação de políticas e propostas de intervenção.As críticas feitas pela ecologia política, por visões mais holísticas da relação sociedade-

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

61R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 59: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

natureza (Norgaard, 1994), ou ainda pela criativa vertente do pós-estruturalismo (Esco-bar, 1996) são importantes contribuições ao debate contemporâneo.6

Sem dúvida, após o debate desencadeado, em grande medida, pelos organismos in-ternacionais, houve um avanço significativo ao se afirmar que não há desenvolvimentoque não seja sustentável. Isso significa sepultar, ou pelo menos condenar, a opção decrescimento econômico a qualquer custo, principalmente aos elevados custos socio-ambientais, que vêm caracterizando, há séculos, grande parte da expansão capitalista e,particularmente, o modelo de desenvolvimento brasileiro (e latino-americano). Nessecontexto, a noção de sustentabilidade ambiental corresponde a uma dimensão a ser incor-porada à própria noção de desenvolvimento e não a um conceito fundamentalmente di-ferente do anterior.

Vários outros aspectos da maior relevância gravitam em torno do conceito de sus-tentabilidade, como a idéia de autonomia e de autodeterminação da comunidade, comimportantes implicações em relação a propostas e estratégias. A questão do envolvimen-to da população e de novas formas de gestão perpassa tanto enfoques conservadores co-mo progressistas. Aparentemente, pode-se dizer que o conceito de desenvolvimento sus-tentável vem-se transformando num enorme “guarda-chuva”, capaz de abrigar umavariada gama de propostas/abordagens inovadoras, progressistas, ou que, pelo menos, ca-minhem na direção de maior justiça social, melhoria da qualidade de vida da população,ambientes mais dignos e saudáveis, compromisso com o futuro. Tal abrangência, se, porum lado, tem o mérito de “alinhavar” iniciativas e propostas de diversas origens, por ou-tro, ao evidenciar a imprecisão do conceito, tende a banalizá-lo, a transformá-lo em pe-ça de retórica e, portanto, insustentável por definição. É um dilema que, no momento,se busca superar.

Um divisor de águas importante nessa discussão, do ponto de vista da interface en-tre a análise ambiental e as ciências sociais, diz respeito à aceitação ou não do atual pro-jeto de modernidade (capitalista ocidental), que tem no discurso sobre desenvolvimento(sustentável) a sua mais abrangente tradução. Assim, de um lado, vários autores, aindaque de forma crítica, desenvolvem mecanismos de articulação, os trade offs, entre os di-versos agentes em conflito (Colby, 1990; Barbier, 1987). Tendo como ponto de partida a“versão oficial”, há uma preocupação com a redistribuição, com as desigualdades e com a identificação de novos caminhos, a partir da formulação de políticas e estratégias.

De modo geral, o tipo de análise que tal visão representa pode ser encontrado de for-ma mais ou menos explícita nos discursos ambientalistas, em propostas de intervençãoformuladas em planos, programas, recomendações etc. Nelas, um forte pleito por umanova ética mistura-se a propostas de reestruturação/recuperação da vida social em basesmais solidárias e democráticas. Grande parte das contribuições da chamada ecologia polí-tica podem ser enquadradas nesse tipo de análise (Costa, 1998). Embora a justeza das in-tenções seja praticamente inquestionável, a análise (e as propostas) dificilmente resiste aocrivo de abordagens mais críticas do processo, que enfatizam a assimetria das relações depoder, ou a quase impossibilidade de uma solidariedade capitalista. Ainda assim, pode-sedizer que é a perseverança da utopia (ou de algumas utopias) que move tanto a ciênciaquanto a transformação social. O conceito de sustentabilidade urbana faz parte desse tipode idealização. Em sua origem, na noção de intervenção urbana, de planejamento, estásempre embutida uma dosagem de utopia.

De outro lado, situam-se abordagens que rejeitam a modernidade e, conseqüente-mente, o desenvolvimento em sua versão hegemônica. Entre elas, pode ser considerada

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 962

6 Para uma revisão detalha-da de algumas dessas con-tribuições, particularmenteno que se refere à noçãocontemporânea de desenvol-vimento, ver Costa (1998).

Page 60: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

particularmente interessante a cáustica crítica identificada como pós-estruturalista (Es-cobar, 1996) que, além de desconstruir o desenvolvimento sustentável como discurso,busca compreender as novas formas de internalização da natureza pelo capital no mo-mento atual. Partindo da contribuição do chamado marxismo ecológico, que enfatiza aimportância e a funcionalidade da conservação da natureza para o processo de acumula-ção capitalista no momento atual, Escobar desenvolve a idéia de um capitalismo pós-moderno e de conservação de uma natureza capitalizada. Assim, as plantações e florestasempresariais, os direitos de posse sobre terra e água, as espécies geneticamente produzi-das e alteradas, a profissionalização e o treinamento do trabalho são alguns exemplos decapitalização da natureza e da vida humana, ou seja, das condições de produção (Esco-bar, 1996, p. 57).7

Trata-se de um processo equivalente ao da normalização do trabalho tal como ocor-reu no início da Era Moderna, ou, ainda, àquele referente à capitalização do espaço(Harvey, 1985), na década passada, tendo então no planejamento urbano seu mecanis-mo normalizador e acelerador. Feitas essas comparações, tem sentido reforçar uma dashipóteses iniciais deste trabalho, segundo a qual o discurso do desenvolvimento (urba-no) sustentável foi facilmente assimilado pelo planejamento urbano, mas não pela aná-lise espacial crítica.

A essa forma “moderna” de capitalização da natureza sobrepõe-se então outra, tida co-mo pós-moderna, em que, além da conquista simbólica da natureza e das comunidades,há a conquista dos saberes e conhecimentos locais. Assim, o discurso sobre a conservaçãoda natureza envolve também a adoção e utilização de práticas locais, tradicionais, endóge-nas etc. Igualmente, as comunidades associadas a tais práticas passam a ser as “guardiãs”(stewards) desse patrimônio. Já no chamado capitalismo pós-moderno, a natureza é reinven-tada por meio de linguagens, como a dos sistemas e a da biotecnologia. Nessa formulação,o desenvolvimento sustentável é visto como a última tentativa de articular natureza, mo-dernidade e capitalismo antes do advento de uma nova ordem, no caso a cibercultura.8

Em outras palavras, o conceito de sustentabilidade traz consigo uma proposta, aquiretraduzida pela contribuição pós-estruturalista como um discurso de reprodução e ma-nutenção do capitalismo em nível global. Essa mesma idéia é defendida por Harvey(1996; p.148), ao argumentar que “todo este debate em torno de ecoescassez, limites na-turais, superpopulação e sustentabilidade é um debate sobre a preservação de uma or-dem social específica e não um debate acerca da preservação da natureza em si”. Parado-xalmente, é em nome dessa mesma proposta que vários movimentos socioambientaisvêm-se articulando e (re)conquistando espaços e identidades, reescrevendo, assim, o dis-curso dominante.

Tendo como referência a crítica à expansão capitalista representada pela tradição daeconomia política, porém, ao mesmo tempo, reconhecendo a necessidade de maior poli-tização das abordagens típicas da ecologia política, particularmente daquelas centradas noconceito de pobreza, Peet e Watts (1996) propõem o que chamam de ecologias da liber-tação (liberation ecologies),9 uma perspectiva de análise abrangente que articula o meioambiente, a problemática do desenvolvimento e os movimentos sociais. Em termos teó-ricos, é definida como um discurso sobre a natureza, de origem marxista, que adota a in-fluência recente do pós-estruturalismo e tem como projeto a transformação política.10 Seuobjetivo é levantar o potencial emancipatório das idéias ambientais e engajá-las direta-mente num cenário mais amplo de debates sobre a modernidade, suas instituições, conhe-cimentos e relações de poder.

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

63R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

7 Escobar constrói o argu-mento acerca da naturezacapitalizada com base emduas importantes contribui-ções teóricas: primeiramen-te, a discussão em torno dachamada segunda contra-dição do capitalismo, ou se-ja, aquela relativa ao papeldesempenhado pelas condi-ções de produção — o es-paço (a infra-estrutura), aforça de trabalho (a popu-lação) e a natureza (as con-dições físicas) — no proces-so de acumulação e dereestruturação do capital,conforme foi desenvolvidapor James O’Connor (1988);já a segunda forma de con-quista assumida pelo capitalna atualidade é propostapor Martin O’Connor (O’Con-nor, M. 1993. On the misad-ventures of capitalist nature.In Capitalism, nature, socia-lism 4, 3: 7-40).

8 A utilização deste termopara indicar processos híbri-dos entre natureza, discursoe tecnologia vem sendo de-senvolvida por Donna Hara-way ao longo de diversaspublicações, algumas revis-tas por Escobar (1996). Aimagem de um cyborg, ouseja, um organismo cons-truído, parte humano, partemáquina, passa a ser areferência simbólica.

9 Possivelmente, a melhortradução literal seja ecolo-gias emancipatórias, poréma analogia com a “teologiada libertação” parece expri-mir, de forma mais direta, opotencial de emancipaçãocontido na proposta original.

10 Há, para os autores,uma tripla influência teóricaa moldar a análise da mo-dernidade baseada nessaabordagem: Marx, Weber eFoucault (Peet & Watts,1996, p.260).

Page 61: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Pode-se dizer que une a economia política à crítica pós-estruturalista contemporâ-nea por meio de um projeto político de libertação, no qual as questões ambientais teriamo importante papel de agentes catalizadores da transformação. Nestes termos, parece umaabordagem promissora para analisar as práticas urbanas contemporâneas, já que essas ca-da vez mais se articulam em torno de questões que podem (e devem) ser definidas comosocioambientais: constitui, assim, um arcabouço de análise urbana crítica, que incorporaa diversidade contemporânea dos discursos locais, das práticas de gestão, a partir de situa-ções concretas, nas quais a qualidade socioambiental dos espaços seja um elemento cen-tral, ou ainda, em que os conflitos em torno de questões ambientais urbanas possam ar-ticular interesses divergentes.

Em síntese, pode-se dizer que o campo dos estudos ambientais vem experimentan-do, simultaneamente, o alargamento de suas bases conceituais e a multiplicação da quan-tidade de estudos e áreas do conhecimento envolvidas. Em grande parte desses trabalhos,a dimensão espacial/urbana das análises permanece subestimada, às vezes inexistente, ouainda, numa perspectiva mais radical, até mesmo negada como não-ambiental, não-natu-ral. Breheny (1992), por exemplo, observa que, enquanto o tempo é uma dimensão ex-plícita na maioria das noções de sustentabilidade, o espaço é freqüentemente ignorado.

Curiosamente, a recente evolução de experiências de planejamento e de práticas ur-banas, particularmente no chamado primeiro mundo, como que desconhece tal hostili-dade e parece ter assumido o desenvolvimento sustentável como a principal meta a orien-tar as propostas de ação. Algumas visões críticas certamente associarão a versão urbana dedesenvolvimento sustentável à construção de um discurso hegemônico de legitimação doplanejamento contemporâneo, à semelhança da crítica feita pelo pós-estruturalismo àidéia de desenvolvimento (econômico) sustentável como o discurso contemporâneo daspolíticas de desenvolvimento.

DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL:ALGUNS EXEMPLOS

A título de ilustração da discussão teórica, são apresentados a seguir alguns exemplosde propostas de planejamento que adotam, de forma explícita ou não, o discurso e/oupressupostos de sustentabilidade urbana, discutindo-os à luz do contexto em que foramformulados. São utilizadas como exemplos as propostas européias de cidades compactas,o movimento das cidades sustentáveis da Califórnia e, no caso brasileiro, a experiência re-cente de planejamento urbano em Belo Horizonte. Tais casos visam realimentar a discus-são teórica inicial, já que a saída para os impasses mencionados parece estar sendo cons-truída prioritariamente a partir da prática.

AS CIDADES-COMPACTAS

Alguns autores afirmam que uma parte considerável do debate sobre o desenvolvi-mento sustentável, na visão européia, tem um foco urbano (Breheny, 1992). Em tal de-bate, algumas áreas aparecem como o foco principal de preocupação, entre as quais asdiscussões em torno do controle e dos efeitos da poluição, a questão do consumo deenergia e, associada a essa última mas indo além, a questão da forma urbana. É interes-sante observar que, no contexto europeu, no qual se acumulam várias décadas de inves-

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 964

Page 62: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

timentos no ambiente construído, o debate em torno da sustentabilidade urbana, pelomenos aquele apreendido da literatura, sequer menciona a necessidade de intervençãoem itens associados a saneamento básico ou saúde pública em sentido restrito, tão fre-qüentes no Brasil.

Por outro lado, questões ligadas às conseqüências dos diferentes arranjos espaciais,presentes e futuros, das áreas urbanas parecem assumir uma centralidade à qual os brasi-leiros estão também pouco habituados. Assim, especula-se se a cidade ecologicamente sus-tentável possui uma forma espacial diferente da cidade econômica, social e politicamenteviável (Breheny, 1992; p.8), ao mesmo tempo que são propostas políticas de contençãodo espraiamento espacial, de adensamento junto a pontos de transporte coletivo, de in-centivo a usos mistos e desencorajamento a cidades-dormitório ou núcleos de comércio eserviços que dependam exclusivamente do automóvel. Alguns autores enfatizam ainda aimportância das áreas de fronteiras urbanas, de periferias, na discussão sobre as cidadessustentáveis, por serem pontos de encontro entre espaços construídos e não-construídos.

Há uma clara conexão entre questões associadas a consumo de energia, forma urba-na e transportes em torno das quais grande parte do debate sobre sustentabilidade urba-na se organiza. Numa perspectiva mais ampla, ainda segundo Breheny (1992; p.11), po-de-se atribuir a esse debate recente o mérito de reunir questões urbanas e regionais, atéentão compartimentadas. Da mesma forma, reúne num mesmo discurso a Academia e osprofissionais da prática.

Dentro desse conjunto de preocupações, ganhou expressão, ao longo desta década,a proposta das cidades compactas, como possível forma de sustentabilidade urbana nocontexto europeu. A proposta, endossada e divulgada por trabalho da Comissão das Co-munidades Européias,11 tem como objetivo a adoção, nos países europeus, de cidadescompactas de alta densidade, com base na justificativa de serem ambientalmente desejá-veis, já que reduzem deslocamentos, e promoverem melhor qualidade de vida. Para tan-to, propõe-se a volta dos usos mistos nas cidades, bem como o fim da expansão urbanaextensiva, de tal forma que novos empreendimentos aconteçam dentro dos limites urba-nos existentes. Associada à contenção da expansão física está também a idéia de incenti-vo a um meio urbano inovador, rico em termos culturais e de lazer, dentro da tradição dascapitais européias. Do ponto de vista mais técnico, a ênfase do argumento recai sobre aredução de custos e a eficiência na utilização de recursos energéticos e de transportes. Nes-sa proposta, há um claro pressuposto segundo o qual uma forma urbana compacta pro-duz maior sustentabilidade.

O caráter contraditório, senão polêmico, de tal concepção particular de futuro ur-bano desejável (ideal?) é ressaltado em alguns trabalhos (Gillespie, 1992; Breheny, 1992a),embora haja concordância quanto aos objetivos a serem alcançados em termos de susten-tabilidade. Um dos argumentos críticos interessantes ressalta o caráter quase ingênuo daproposta, por serem hoje extremamente fortes as tendências à descentralização urbana emdiversos países.12

Não cabe aqui discutir em detalhes a proposta em si, uma vez que o objetivo é usá-la como um exemplo de adoção do discurso do desenvolvimento urbano sustentável, comuma definição bastante clara de seus princípios. Pode-se ressaltar, entretanto, o peso con-siderável representado pelo organismo que a endossa e, logo, pelo conteúdo segundo oqual a sustentabilidade urbana passa a ser definida no contexto europeu e assim incorpo-rada de forma mais ou menos generalizada nas práticas de planejamento dos diversos paí-ses. A esse respeito, Topalov (1997) chama a atenção para o fato de como o mesmo dis-

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

65R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

11 Trata-se do Green Paperon the Urban Environment,Comissão das ComunidadesEuropéias, de 1990, citadopor Breheny (1992a).

12 Inglaterra e Holandaconstituem exemplos impor-tantes de desconcentraçãocontrolada pelas políticaspúblicas espaciais. No casoda Holanda, parece haveruma tendência recente deadoção de formas maiscompactas de urbanização.

Page 63: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

curso ambientalista tem produzido resultados diferentes, dependendo do contexto espe-cífico da sociedade ao qual se aplica, citando como exemplo a suspensão de construção deconjuntos habitacionais na França, amparada nos mesmos argumentos que estimulam ouso intensivo do elemento terra/espaço, considerado desperdiçado no modo de urbaniza-ção canadense.

O MOVIMENTO PELAS CIDADES SUSTENTÁVEIS NA CALIFÓRNIA

O segundo exemplo apresentado é o movimento pelas cidades sustentáveis queganhou expressão na Califórnia, Estados Unidos, durante a década de 1990, particular-mente no grande aglomerado metropolitano que se estende em torno da Baía de SãoFrancisco.13 Nessa região, inúmeras organizações, com os mais variados objetivos e estra-tégias, integram o que se costuma chamar de sociedade civil organizada, e, na área ambien-tal, há grupos e organizações solidamente estabelecidos e funcionando há pelo menosquatro décadas. Recentemente, articulou-se um movimento entre organizações não-governamentais e algumas agências governamentais em torno da idéia de construção e/oumanutenção de uma área metropolitana sustentável. Assim, os princípios acordados doque venha a ser uma cidade sustentável são então incorporados aos programas e estraté-gias de atuação de cada organização ou agência, mais na acepção contemporânea da par-ticipação engajada voluntária ou profissional do que na construção de um modelo idealde cidade. Há, assim, espaço para uma certa dose de idealização, além da necessidade dapermanente negociação entre interesses conflitantes, em que as relações de força e podersão, via de regra, assimétricas (Costa, 1998a).

A proposta de desenvolvimento urbano sustentável para a região é representada pe-la publicação Blueprint for a Sustainable Bay Area, datada de 1996, portanto em plenoprocesso de implantação das idéias ali divulgadas. Trata-se de um “plano de ação” para aregião, como se depreende do próprio título.14 Apesar do evidente caráter normativo dodocumento, isso não deve ser considerado um elemento que o desmereça, pois o que tor-na o caso interessante é o fato de ele representar o acordo possível, a consolidação de umprocesso de discussão envolvendo diretrizes e estratégias das diversas organizações e agên-cias governamentais que de fato atuam na região. Entendido dessa forma, ele nasce daprática diária e tem como objetivo fazê-la convergir para os princípios comuns que se es-truturam em torno do conceito de cidade sustentável.

A região é definida pela singularidade de seu meio ambiente, onde altos padrões dequalidade de vida são detectados por meio de indicadores paisagísticos, ambientais, cul-turais e econômicos. À exuberância da paisagem natural associam-se a vitalidade econô-mica e a diversidade étnico-cultural potencializadora de movimentos sociais progressistase de criatividade e inovação no cenário artístico, intelectual e industrial (Urban Ecology,1996; p.10). Todo esse potencial estaria sendo ameaçado pelos padrões recentes de plane-jamento e desenvolvimento,15 razão pela qual o movimento em prol da cidade sustentá-vel veio a se articular.

Na base dos problemas identificados está o padrão de urbanização tipicamente ame-ricano, baseado na suburbanização extensiva e no predomínio do transporte individual.O comprometimento das terras até então utilizadas para a agricultura, como hábitat deanimais, como patrimônio paisagístico etc., associado à decadência, ao não-investimentoe à concentração de pobreza nas áreas centrais, entre outras formas de negligência paracom o ambiente construído, compõem faces opostas do mesmo fenômeno. Como conse-

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 966

13 A região em torno daBaía de São Francisco, Cali-fórnia, é hoje uma extensaárea metropolitana com po-pulação superior a seis mi-lhões de habitantes disper-sos num território de 7.400milhas quadradas (1,9 mi-lhão de hectares). Além dariqueza e diversidade desuas condições naturais eda exuberante paisagem,caracteriza-se por uma eco-nomia dinâmica em proces-so de acelerada expansão.Suas três principais cidades— São Francisco, tradicio-nal ponto de contato comos países do Pacífico e prin-cipal pólo financeiro, cultu-ral, turístico e de serviços;Oakland, importante porto eárea industrial; e São José,“capital” do Vale do Silício esua indústria de alta tec-nologia —, vários campi uni-versitários, além de cercade cem outras cidades,compõem esse extenso con-junto urbanizado, freqüen-temente definido como o en-contro de muitas culturas.

14 Literalmente, blueprint é acópia fotográfica (azul) usual-mente feita de projetos cons-trutivos. Genericamente, sig-nifica plano, (ante)projeto.

15 Aqui há margem para du-pla interpretação, pois a ex-pressão development refere-se tanto ao desenvolvimen-to econômico como à ativi-dade imobiliária.

Page 64: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

qüência, são identificados como problemas: os altos custos da urbanização, a pouca dis-ponibilidade dos espaços não-construídos (não-urbanizados), o comprometimento dabiodiversidade na baía e no estuário, o sistema de transportes no limite de sua capacida-de, os elevados custos das habitações, a perda do senso de comunidade, a utilização ine-ficiente de recursos como água e energia.

Embora tal listagem seja bastante familiar, alguns detalhes merecem considerações.Em primeiro lugar, não é a existência da urbanização de forma genérica que é vista comoresponsável pelos problemas detectados, mas, sim, de um determinado padrão de urbani-zação de caráter extensivo, fruto da atuação do capital imobiliário e de uma determinadaconcepção de planejamento urbano.16 Em segundo lugar, é pouco usual estarem todos es-ses problemas elencados com o mesmo grau de prioridade, a exemplo dos custos habita-cionais e do comprometimento da biodiversidade, o que denota um esforço em abordarsimultaneamente os espaços construídos e os não-construídos. Há também, ainda que ti-midamente, a preocupação com a perda da sociabilidade urbana, atributo raramente pre-sente nas listagens dos problemas ambientais. Finalmente, é importante interpretar essaavaliação menos como um diagnóstico idealizado e mais como um reflexo do conjuntode preocupações e de áreas de atuação das organizações atuantes no movimento.

O (caminho para o) desenvolvimento sustentável é definido, então, com base em al-guns princípios17 que irão orientar propostas de atuação em quatro escalas espaciais: dahabitação, do bairro, de cada centro urbano e da região. Um breve sumário do conteúdopermite visualizar o plano de ação em seu conjunto e, conseqüentemente, o conceito desustentabilidade urbana proposto.

Na escala da habitação, enfatiza-se a diminuição do custo de produção da habitação;a tecnologia construtiva, o design apropriado e a qualidade; a relação entre localização,preço e transportes; o incentivo a jardins, hortas etc. Dois aspectos interessantes merecemser ressaltados por revelarem a necessidade de mudanças em concepções bastante solidifi-cadas de intervenção: o primeiro refere-se ao reconhecimento de uma nova demografia dodomicílio. O padrão de habitação produzida pelo mercado ajusta-se a um tamanho de fa-mília e um tipo de dinâmica cotidiana prevalecente na década de 1950 e há muito trans-formada, gerando subutilização, encarecimento e falta de opções mais adequadas à cres-cente diversidade de formas de ocupação dos domicílios.

O segundo aspecto refere-se ao questionamento do processo de suburbanização ex-tensiva, típica do crescimento urbano americano e usualmente considerado como a for-ma segura e barata de moradia da família média. A reversão desse processo por meio devários mecanismos, como o aumento da densidade das áreas já urbanizadas (via constru-ção em lotes vagos, mais de uma unidade por lote etc.), constitui um dos pontos básicosda proposta, já que seus efeitos são múltiplos: diminuição dos custos da urbanização e dahabitação, diminuição da pressão sobre o sistema de transportes, garantia de manutençãode áreas (verdes) não-urbanizadas, entre outros.

Na escala dos bairros, as propostas enfatizam a construção da noção de lugar, deidentidade dos moradores com o espaço urbano, mediante a provisão de espaços públi-cos, serviços, segurança etc., associada a investimentos em atividades econômicas que ga-rantam vitalidade urbana e menor necessidade de deslocamentos e em educação pública,bem como uma estrutura de participação comunitária nas decisões locais.

Na escala relativa aos centros urbanos, além dos aspectos já mencionados, reforçam-se as características de diversidade da população e das atividades, a constante necessidadede investimentos que impeçam a decadência de algumas áreas, o reforço à preservação do

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

67R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

16 Há uma extensa biblio-grafia crítica dos caminhostrilhados pelo planejamentourbano americano a partirdo segundo pós-guerra, quefoge aos limites deste tra-balho. Entretanto, a maioriadessas críticas deixa trans-parecer a idéia de que oplanejamento urbano, ao sefortalecer institucionalmen-te, tornou-se também exces-sivamente burocrático, pou-co permeável a mudanças eao envolvimento da popu-lação, além de consolidaruma visão excessivamentefuncionalista da cidade.

17 São eles: a) escolha(choice): opções de tipolo-gia habitacional, bairro/vizi-nhança, emprego, lazer,transporte, interação social,sem comprometimento daqualidade de vida; b) acessi-bilidade: comunidades com-pactas e transporte público,associados à diversidade deusos e atividades; c) nature-za: proteção, integração erestauração de áreas não-construídas próximas às ur-banizadas; d) justiça: social,econômica e ambiental; e)conservação: uso eficientee conservação (terra, ener-gia e água); f) contexto: res-peito à história e às sin-gularidades culturais nasintervenções; g) comunida-de: estímulo a um forte sen-tido de lugar, comunidade e responsabilidade (UrbanEcology, 1996, p.16-7).

Page 65: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

patrimônio histórico e paisagístico, o incentivo à multiplicidade de usos, incluindo o re-sidencial e industrial, a transformação dos chamados pseudocentros18 em centros vivos.

Já na escala da região, a ênfase recai sobre a importância de se pensar regionalmen-te, tanto na dimensão mais propriamente ecológica, como nas dimensões da governabili-dade e da gestão. As propostas incluem ações abrangentes, tais como: a proteção da baía,do estuário e dos mananciais; a preservação do cinturão verde natural, suporte à agricul-tura local, interação entre os espaços verdes livres e os urbanizados; a adoção de soluçõesarticuladas de transporte e trânsito com o uso do solo, particularmente na relação entreresidência e localização de atividades produtivas; o incentivo a todas as formas de conser-vação, reutilização e reciclagem de recursos, especialmente energia, água e terra.

Finalmente, é ressaltada a necessidade de arranjos diversos entre instituições, indiví-duos e grupos para “fazer a sustentabilidade acontecer” (Urban Ecology, 1996; p.114-7).De forma geral, pode-se dizer que, em termos de conteúdo, grande parte das propostas seassemelham àquelas de um cuidadoso planejamento metropolitano contemporâneo. Anovidade talvez esteja na idéia de um compromisso entre os diversos agentes em torno danoção de sustentabilidade, já que não há uma organização ou agência à qual seja atribuí-do um papel coordenador ou mesmo articulador. Por outro lado, resgata, de certa forma,a necessidade de planejamento, não como uma fórmula a ser institucionalizada, mas as-sociado a um projeto para o futuro, catalisador das práticas cotidianas.

Até que ponto ou em que medida a estratégia proposta será eficaz, ou mesmo sufi-ciente, não se pode aqui avaliar. Entretanto, o discurso do desenvolvimento sustentável emsua versão urbana tem certamente o mérito de buscar certo pragmatismo para a utopia. Aforma escolhida, nesse caso, foi associar intervenções já praticadas por diversas organiza-ções atuantes na região com determinados parâmetros de organização territorial, que bus-cam compatibilizar elevadas taxas de urbanização com princípios de sustentabilidade.

EXPERIÊNCIAS RECENTES DE PLANEJAMENTO URBANO EM BELO HORIZONTE

Sem pretender dar a este exemplo o mesmo tratamento dos anteriores, considera-seimportante mencionar que muitas das experiências de planejamento contemporâneo, noBrasil, têm progressivamente incorporado parâmetros tidos como ambientais em suaspropostas e projetos, muito embora não adotem necessariamente um discurso homogê-neo sobre meio ambiente ou desenvolvimento sustentável em qualquer de suas definições.Vários aspectos da política urbana recentemente implementada, em nível local, em BeloHorizonte testemunham tal incorporação de valores.

O processo de elaboração do atual Plano Diretor e Lei de Uso e Ocupação do Solo,em que pesem todos os reveses embutidos na constante negociação de propostas dessa na-tureza, adotou desde o início um conceito bastante abrangente de meio ambiente urba-no, no qual os elementos do quadro natural representaram um forte condicionante àspropostas de ocupação do solo. Embora não de forma explícita, o conceito de capacida-de de suporte pode ser identificado nos diversos estudos acerca de cada uma das áreas dacidade e sua capacidade futura de adensamento. Estudos sobre insolação, ventilação econservação de energia foram importantes elementos definidores do potencial construti-vo dos lotes. Da mesma forma, parâmetros de permeabilidade do solo foram adotados natentativa de contribuir para a regulação do fluxo das águas. O conceito de risco de formaabrangente também esteve presente, tanto nas discussões acerca de uso e ocupação do so-lo, quanto na priorização de áreas de atuação da política habitacional municipal. Na de-

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 968

18 São shopping centers,hipermercados, lojas de de-partamentos e/ou de gran-des cadeias comerciaisassociadas a prédios de es-critório, com boa acessibili-dade, porém distantes dasáreas residenciais e doscentros urbanos. Usualmen-te, são tão semelhantes unsaos outros que integram acategoria dos “não-lugares”,a exemplo dos aeroportos,lobbies de hotéis, estaçõesde metrô etc.

Page 66: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

finição do macrozoneamento da cidade, também as diversas categorias de áreas de dire-trizes especiais buscam abarcar as diferentes situações que necessitam de intervenção e tra-tamento especial, em termos sociais, urbanísticos e ambientais, constituindo um valiosoinstrumento de proteção das partes (mais frágeis) da cidade ante a imperiosa lógica imo-biliária das urbes brasileiras.

A esses elementos mais internos ao processo cabe acrescentar outros, não necessaria-mente tidos como “ambientais”, mas certamente fundamentais para qualquer prática sus-tentável. Faz-se referência, aqui, a todos os mecanismos de democratização da gestão doespaço urbano, conquistados muitas vezes a duras penas, aperfeiçoados pela prática, co-mo as diversas instâncias de discussão, os conselhos, os orçamentos participativos, entreoutros. Tais elementos ajudam a dar concretude a conceitos desenvolvidos teoricamente,como aqueles formulados por Peet e Watts (1996), que enfatizam o potencial libertáriodos movimentos em torno de questões (socio)ambientais.

Essa breve referência, talvez excessivamente otimista, ao exemplo de Belo Horizon-te, tem como objetivo propiciar um elemento de comparação com os exemplos anterio-res, provenientes de sociedades nas quais o debate em torno da sustentabilidade urbana seestabelece de um patamar em que as necessidades mais elementares da população se en-contram razoavelmente resolvidas, embora a desigualdade permaneça. Nos dois primeiroscasos, as propostas de desenvolvimento urbano sustentável surgem claramente associadasao discurso do planejamento urbano, sem maiores problematizações conceituais. No quese refere à implementação, o caso americano em certa medida se aproxima do brasileiro,uma vez que em ambos a articulação e os arranjos entre os atores envolvidos são peçasfundamentais para a continuidade do processo.

Os exemplos aqui levantados tiveram como objetivo ilustrar um dos caminhos de ar-ticulação possível entre a análise/intervenção urbana e a ambiental, conforme foi discuti-do nas partes iniciais do trabalho. Tal caminho privilegia a regulação, no caso, mediante oplanejamento rumo a melhores condições de sustentabilidade socioespacial. Há, natural-mente, outras abordagens que favorecem também a convergência entre o social/urbano eo ambiental, entre as quais cabe mencionar duas, por apontarem um amplo espaço de con-tinuidade da discussão com novas possibilidades de análise e intervenção. De um lado, si-tuam-se as análises das práticas e movimentos que se articulam em torno dos conflitos so-cioambientais. Entre esses, são particularmente importantes as tentativas de vinculação dasustentabilidade a alternativas de desenvolvimento econômico para o conjunto da popula-ção, bem como os processos autônomos de governabilidade e gestão. De outro lado, a áreausualmente denominada história ambiental vem contribuindo para romper as fronteirasanalíticas convencionais do tipo urbano-rural, construído-intocado, social-natural. Privile-giando narrativas interdisciplinares abrangentes, tal tipo de abordagem possibilita inúme-ras (re)interpretações da produção e apropriação de nossos espaços conhecidos e ainda porconhecer. Essas são, porém, possibilidades a serem exploradas ainda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBIER, E. “The concept of sustainable economic development”. EnvironmentalConservation, 14, 2, 1987.

BREHENY, M. J. (Ed.). Sustainable development and urban form. London: PionBooks, 1992.

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

69R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Heloisa Soares de MouraCosta, arquiteta, é profes-sora do Programa de Pós-Graduação em Geografia —Instituto de Geociências daUniversida Federal de MinasGerais. E-mail: [email protected]

Page 67: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

BREHENY, M. J. “The contradictions of the compact city: a review” In: BREHENY, M.J. (Ed.). Sustainable development and urban form. London: Pion Books, 1992a.

CAMPBELL, S., FAINSTEIN, S. (Eds.). Readings in planning theory. Blackwell Publis-hers, 1996.

CASTELLS, M. La question urbaine. Paris: Maspero, 1972._______. The rise of the network society. Blackwell Publishers, 1996._______. The power of identity. Blackwell Publishers, 1997._______. End of Millennium. Blackwell Publishers, 1998.COLBY, M. Environmental management in development: the evolution of paradigms. World

Bank Discussion Paper, 80, 1990.COSTA, H. S. M. Entre o urbano e o ambiental: casamento impossível ou reconciliação pos-

sível? Mapeando algumas linhas recentes de análise e intervenção urbana e ambiental,1998. Relatório de pesquisa. (Mimeo.)

_______. “Sustentabilidade urbana: um debate colocado em prática? Reflexões a partirde São Francisco, CA, e sua área metropolitana”. Anais do XI Encontro Nacional deEstudos Populacionais. ABEP, p.1735-52, 1988a.

ESCOBAR, A. Encountering development. The making and unmaking of the third world.Princeton: Princeton University Press, 1995.

_______. “Constructing nature. Elements for a poststructural political ecology”. InPEET, R., WATTS, M. (Eds.). Liberation ecologies. Environment, development, socialmovements. London & New York: Routledge, 1996.

GILLESPIE, A. “Communications technologies and the future of the city”. In: BRE-HENY, M. J. (Ed.). Sustainable development and urban form. London: Pion Books,1992.

HARVEY, D. Social justice and the city. London: Edward Arnold, 1973._______. The urbanization of capital. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1985._______. Justice, nature and the geography of difference. Blackwell Publishers, 1996.HAUGHTON, G., HUNTER, C. Sustainable cities. London & Bristol: Jessica Kingsley

Publishers, 1994.LIPIETZ, A. Le tribut foncier urbain. Paris: Maspero, 1974.LOJKINE, J. O Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981.NORGAARD, R. Development betrayed. The end of progress and a coevolutionary revisio-

ning of the future. London & New York: Routledge, 1994.O’CONNOR, J. “Capitalism, nature, socialism: a theoretical introduction”. Capitalism,

nature, socialism, 1, 1: 11-38, 1988.PEET, R., WATTS, M. Liberation ecologies. Environment, development, social movements.

London & New York: Routledge, 1996.PRED, A., WATTS, M. J. Reworking modernity; capitalisms and symbolic discontent. New

Brunswick: Rutgers University Press, 1992.SACHS, I. “Estratégias de transição para o século XXI”. In BURSZTYN, M. (Ed.). Para

pensar o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993.SMITH, N. Uneven development: nature, capital and the production of space. Oxford: Ba-

sil Blackwell, 1984.SOJA, E. “Planning in/for postmodernity”. In BENKO, G., STROHMAYER, U. (Eds.).

Space & social theory. Interpreting modernity and postmodernity. Blackwell Publishers,1997.

TOPALOV, C. Les promoteurs immobiliers. Paris: Mouton, 1974.

D E S E N V O L V I M E N T O U R B A N O S U S T E N T Á V E L

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 970

Page 68: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

TOPALOV, C. “Fazer a história da pesquisa urbana: a experiência francesa desde 1965”.Espaço & Debates, 23, 5-30, 1988.

_______. “Do planejamento à ecologia; nascimento de um novo paradigma de ação so-bre a cidade e o habitat?” Cadernos IPPUR, ano XI, n.1 e 2, jan-dez 1997.

URBAN Ecology. Blueprint for a sustainable Bay Area. Oakland: Urban Ecology Inc.,1996.

VIOLA, E., LEIS, H. “A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971-1991: do bis-setorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o desenvolvi-mento sustentável”. In HOGAN, D., VIEIRA, P. (Orgs.). Dilemas sócio-ambientaise desenvolvimento sustentável. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

A B S T R A C T Few concepts have been so widely adopted as sustainable urban develop-ment, an apparent consensus revealing more imprecision than coherence of meaning. The paperdiscusses some aspects of such theoretical and conceptual fragility as a contribution to buildingan alternative for the future. The concept is considered to have been worn out by excessive fas-hionable repetition. The paper argues, however, based on a review of recent approaches rangingfrom political economy to the contributions of political ecology and post-structuralism, that theconcept of sustainable urban development embodies conflicts that are difficult but not impossi-ble to solve: a) the conflict between the different origins of and paths followed by environmen-tal analysis and urban analysis, both converging on the proposition of sustainable development;b) the conflict between theory and practice represented by the growing distance between criticalsocial/urban analysis and urban planning. Finally, some planning proposals are examined asexamples of adoption of the discourse and assumptions of sustainable development. They are theEuropean compact city proposal; the Californian sustainable cities movement; and, in the Bra-zilian case, the recent urban planning experience in Belo Horizonte.

K E Y W O R D S Urban planning; sustainable development; environment; urbanpolicy.

H E L O I S A S O A R E S D E M O U R A C O S T A

71R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 69: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

7 2 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Por meio de suas três áreas-programa — tributação da terra e dos imóveis,mercado de terras e terra como propriedade comum —, o Instituto tem porobjetivo integrar a teoria e a prática do uso e taxação do solo e entender asforças multidisciplinares que as influenciam.

Como instituição educacional, cuja missão é desenvolver o conhecimento sobre uso da ter-ra e política fiscal, o Instituto desenvolve programas direcionados para administradores públicose outros cidadãos ativamente envolvidos na tomada de decisões sobre impostos, regulações e mo-dos de uso da terra em suas comunidades. O foco de cada tema foi inicialmente motivado pelasidéias encontradas nos escritos de Henry George, configurando um programa que pretendeprover linhas de ação para políticas de uso e taxação do solo apropriadas ao século XXI.

O Instituto apóia uma grande variedade de cursos de desenvolvimento profissional, con-ferências nacionais e internacionais, projetos de desenvolvimento curriculares e publicações quecompartilham o conhecimento com o público interessado em todo o mundo.

O Programa para a América Latina e o Caribe promove projetos de desenvolvimento cur-ricular que discutem as mudanças econômicas e políticas que afetam os mercados locais de ter-ras, a reforma fundiária e os sistemas de avaliação de imóveis e tributação.

O Lincoln Institute tem uma linha de publicações que inclui diversos livros, as séries PolicyFocus Reports e Working Papers e a Newsletter Land Lines. Muitas dessas informações estão dispo-níveis na página Web do Instituto.

Lincoln Institute of Land Policy113 Brattle StreetCambridge, MA 02138-3400

Fone: 617/661-3016Fax: 617/661-7235E-mail: [email protected]: www.lincolninst.edu

President: H. James BrownChairman: Kathryn J. LincolnDiretor para América Latina: Martim O. Smolka

Page 70: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

IMPACTO DA APLICAÇÃO DE NOVOS INSTRUMENTOS

URBANÍSTICOS EM CIDADESDO ESTADO DE SÃO PAULO

R A Q U E L R O L N I K

R E S U M O Este trabalho refere-se aos resultados da pesquisa Impacto da aplicação denovos instrumentos urbanísticos em cidades do Estado de São Paulo. Coloca-se a pergun-ta: passados dez anos da promulgação da Constituição — que inclui em seu texto uma sériede novos instrumentos urbanísticos comprometidos com a idéia de ampliação do acesso à ter-ra e moradia por parte do setor popular —, o que ocorreu nos municípios brasileiros com maisde 20.000 habitantes em relação a Planos Diretores e instrumentos urbanísticos previstos porlei? Qual é o perfil e a forma de elaboração desses planos? Os novos instrumentos, se adotados,possibilitam novas formas de administrar os conflitos urbanos? A pesquisa levanta a situaçãoda legislação nos municípios, por meio de um questionário. Elabora o conceito de exclusão ter-ritorial, significando que parcela da população vive em condições de precariedade no que dizrespeito à infra-estrutura urbana e às condições de habitabilidade do local de moradia. Emum segundo momento, realizaram-se estudos de caso em três municípios — Guarujá, Diade-ma e Jaboticabal —, aprofundando-se o estudo das relações entre os diferentes modelos econô-micos e os processos de regulação urbanística.

P A L AV R A S - C H AV E Planejamento urbano; regulação urbanística; reforma urbana;urbanismo.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo de política urbana, determina quetodos os municípios com mais de 20.000 habitantes devem elaborar e aprovar um PlanoDiretor, cuja função básica é explicitar, no âmbito de cada cidade, as condições de cumpri-mento da função social da cidade e da propriedade urbana. Com esse objetivo, o Artigo182 sugere a adoção de alguns instrumentos urbanísticos novos, tais como o Imposto Pre-dial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo e o parcelamento e a edificação compulsórios.A Constituição também redefine os instrumentos de regularização fundiária, ao reduzir devinte para cinco anos o usucapião urbano. Em outros capítulos do texto constitucional, es-tão assinalados novos procedimentos metodológicos para o processo de tomada de decisõesgovernamentais — incluindo o planejamento urbano —, todos vinculados à democratiza-ção e ao incremento da representação direta da cidadania na gestão das cidades. Em geral,as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais consolidaram os princípios estabe-lecidos pela Carta Maior (Ribeiro, 1994). A Constituição do Estado de São Paulo reitera

73R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 71: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

a obrigatoriedade estabelecida pela Constituição para todos os municípios paulistas commais de 20.000 habitantes, afirmando que cada um deles deve possuir seu próprio Plano.

As definições contidas nas Assembléias Constituintes em relação à questão urbanarevelam as pautas presentes nas discussões de política urbana no País, no início dos anos80. Por um lado, com o fim do regime militar, os conflitos em torno da apropriação dosolo urbano ganharam a cena pública, explicitando tensões presentes nas cidades, desde ogrande movimento de urbanização da sociedade brasileira que se intensificou nos anos 60.Tanto os instrumentos de regularização fundiária, como os de controle sobre a disponibi-lidade de oferta de terras (mediante utilização compulsória das áreas vazias e subutiliza-das) e de participação popular entram no ideário do planejamento urbano pela via daspressões dos movimentos populares urbanos organizados, e com o apoio do setor profis-sional dos urbanistas e advogados ligados ao temário da Reforma Urbana.

Por outro lado, já existia uma tradição de elaboração de Planos Diretores e de re-gulação urbanística nas cidades desde o final dos anos 60, de tal forma que a vinculaçãodo tema da função social da cidade ao Plano Diretor acabou por instaurar na esfera lo-cal uma controvérsia em torno do perfil e função dos planos diretores e normas urbanís-ticas deles decorrentes.

Hoje, passados quase dez anos da promulgação da Constituição, colocam-se as se-guintes perguntas: O que ocorreu nos municípios brasileiros com mais de 20.000 habi-tantes em relação aos Planos Diretores e instrumentos urbanísticos? Que porcentagem dascidades possui o seu Plano Diretor? Qual é o perfil e a forma de elaboração desses planos?Quais foram os instrumentos de gestão urbanística mais adotados? Esses novos instru-mentos, se adotados, possibilitam novas formas de administrar os conflitos urbanos? Qualé o grau de conformidade ou regularidade urbanística das construções do município emrelação às normas?

Com o objetivo de começar a responder a essas indagações, elaboramos o projeto depesquisa Impacto da Aplicação de Novos Instrumentos Urbanísticos em Cidades do Estado deSão Paulo, utilizando o universo das cidades paulistas com mais de 20.000 habitantes.1

A PESQUISA

A base da pesquisa foi um questionário enviado a 220 municípios,2 e que foi respon-dido por 118 deles. Utilizando os dados desse questionário, combinados com um cru-zamento de dados extraído do Censo de 1991, pudemos avaliar até que ponto os instru-mentos de planejamento e controle do uso do solo — que em princípio são desenhadospara proporcionar cidades ambiental e socialmente equilibradas — atingem seus objeti-vos em municípios do Estado de São Paulo. O questionário explora os processos de pla-nejamento e regulação urbana existentes nas cidades e as condições e cronogramas sob osquais foram produzidos e implementados. De posse dessa informação, organizamos umranking de cidades, de acordo com a existência de diferentes legislações de controle do usodo solo. As cidades foram arroladas desde a “mais regulada” até a “menos regulada”.3

As informações do Censo de 1991 foram utilizadas para construir um indicador —exclusão territorial — sobre condições de moradia e inserção urbana. O conceito de exclu-são territorial foi construído para superar as dificuldades de lidarmos com índices tradi-cionais de cobertura de infra-estrutura e indicadores gerais de condições de domicíliosque não revelam uma imagem fiel das diferenças entre as condições urbanas dentro de um

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 974

1 A pesquisa foi conduzidaem 1997/1998 na PUC-Campinas, financiada pelaFundação de Amparo à Pes-quisa do Estado de São Pau-lo e pelo Lincoln Institute ofLand Policy.

2 O número de municípioscom população de 20.000habitantes no Estado de SãoPaulo é de 220.

3 Plano Diretor, Leis de Usoe Ocupação do Solo, Leisde Parcelamento e outrasnormas urbanísticas foramconsideradas.

Page 72: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

município. Superpondo os indicadores, poderemos esboçar mais claramente um quadrono qual a urbanização é “completa” e no qual ela é precária por qualquer razão. Da mes-ma forma, a intenção de lidarmos com esse conceito é tentar mapear a segregação socioes-pacial, pois tal dado pode também ser cruzado com renda familiar, renda de chefes de fa-mília, raça e outras variáveis econômicas e sociais. Esse indicador foi mapeado de formaa configurar a situação urbana do Estado.

Escolhemos a expressão “exclusão territorial” com a proposta óbvia de relacioná-lacom o conceito de exclusão social, muito mais do que com pobreza ou disparidades so-ciais. Esse conceito — que relaciona a acumulação de deficiências de várias ordens à fal-ta de proteção social — tem sido progressivamente utilizado em políticas públicas e po-de ser entendido como a negação (ou o desrespeito) dos direitos que garantem ao cidadãoum padrão mínimo de vida (Castel, 1995; Paugam, 1996). A exclusão social, então, é vis-ta como uma forma de analisar como e por que indivíduos e grupos não conseguem teracesso às possibilidades oferecidas pelas sociedades e economias ou delas beneficiar-se. Anoção de exclusão considera tanto os direitos sociais quanto os aspectos materiais. Portan-to, ela abrange não só a falta de acesso a bens e serviços que significam a satisfação de ne-cessidades básicas, como também a ausência de acesso à segurança, justiça, cidadania e re-presentação política (Faria, 1995).

Nossa hipótese é a de que a exclusão territorial faz indivíduos, famílias e comunida-des particularmente vulneráveis. Viver sob uma condição de precariedade urbanística pro-duz uma vida diária insegura e arriscada, bloqueia o acesso a empregos, oportunidadeseducacionais e culturais, que estão concentrados em enclaves pequenos e protegidos den-tro das cidades. Ela nega a possibilidade de utilizar recursos como a casa própria para ge-rar renda e criar empregos, uma vez que a maior parte das casas é ilegal e o uso misto égeralmente proibido pelas normas de uso do solo municipal.

Os territórios excluídos geralmente constituíram-se à revelia da presença do Estado— ou de qualquer esfera pública — e, portanto, desenvolvem-se sem qualquer controleou assistência. Serviços públicos, quando existentes, são mais precários do que em ou-tras partes das cidades. Trabalhar nessas áreas muitas vezes é visto pelos funcionários pú-blicos como “castigo”. Por essas razões, a condição de precariedade urbanística significamuito mais do que as características de vida material.

Com a proposta de estabelecer um indicador que expressasse tal noção, cons-truiu-se uma matriz de quatro tipos de informação (referentes a condições de habita-bilidade das casas, localização, infra-estrutura disponível e número de cômodos),transformadas em variáveis dicotômicas (adequadas ou inadequadas).4 O indicadormede a porcentagem de domicílios excluídos de condições urbanas mínimas, em de-terminado município.

A pesquisa foi conduzida de forma a relacionar a regulação urbanística à exclu-são/inclusão e seus efeitos sobre as condições de vida da população.

Para analisarmos melhor os resultados da pesquisa, cruzamos também os núme-ros obtidos com dados adicionais sobre as cidades: taxas de crescimento da população,valor adicionado per capita, receita municipal per capita e porcentagem de chefes defamílias ganhando menos de dois salários mínimos. Toda a informação foi processadaem uma base de dados GIS (Geographic Information Systems) para criarmos um ma-pa da exclusão territorial no Estado de São Paulo.

R A Q U E L R O L N I K

75R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

4 Para avaliar a infra-estru-tura, por exemplo, foram le-vadas em consideração qua-tro variáveis: rede de água,de esgotos, coleta de lixo eiluminação pública. Se o do-micílio está conectado aosistema de água encanada,é considerado adequado;todos os outros sistemas(poços, açudes, acessospúblicos coletivos etc.) sãoconsiderados inadequados.Para os esgotos, sistemaspúblicos ou fossas sépticassão considerados adequa-dos, enquanto todas as ou-tras soluções (queimar osdetritos, enterrá-los, deixá-los em terrenos vazios, des-pejá-los nos rios, lagoas oumar) são consideradas inade-quadas. Para a iluminaçãopública, considera-se adequa-do o sistema elétrico comrelógios nos domicílios, to-das as outras soluções (sis-tema elétrico sem relógios,sistemas a óleo ou querose-ne) são inadequadas.

Page 73: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

RESULTADOS GERAIS

A coleta de dados da pesquisa deu origem a uma tabela organizada de forma que nosoferecesse um ranking da regulação urbanística em cada município. À existência de instru-mentos de regulação urbanística corresponderam pontos no ranking, de forma que as ci-dades mais reguladas encontram-se no topo da tabela e as menos reguladas encontram-seno seu final. Da mesma forma, instrumentos já implantados correspondem a mais pontosdo que instrumentos em formulação ou em estágio de aprovação (ver Tabela 1, em anexo).

Na distribuição regional e por população, aparecem como “mais reguladas” cidadesmédias da Região Metropolitana e em Campinas, Santos, Central, São José dos Campos,Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, ou seja, as porções Leste, Nordeste e Norte do Es-tado. Essa macrorregião corresponde também às áreas de maior dinamismo econômico edemográfico do Estado: ali estão concentrados os municípios maiores e a maior parte dosmunicípios com mais de 20.000 habitantes.

Entre os municípios que responderam à pesquisa, setenta possuem Plano Diretor(59,32% do total); 83 municípios possuem Legislação de Uso e Ocupação do Solo, ou70,34% do total; 81 municípios possuem Código de Obras, 68,64% do total; Lei de Lo-teamento ou Parcelamento é o instrumento urbanístico mais encontrado: está presenteem 95 municípios, ou 80,51% do universo.

Entre os municípios que possuem Plano Diretor, 42 aprovaram seus planos após1988, representando 35,6% do total dos municípios que responderam à pesquisa, ou60% dos municípios que possuem Plano Diretor. Do ponto de vista de distribuição porporte, a maior parte daqueles com menos de 50.000 habitantes não tem Plano (77,14%ou 27 municípios). A porcentagem vai caindo conforme cresce o porte, de forma que to-dos os municípios com mais de 300.000 habitantes (os 14 que responderam à pesquisa)têm, pelo menos, formulado um Plano Diretor. Entretanto, a produção de novos planosou a revisão dos antigos após a promulgação da nova Constituição não parece ter sido ummovimento exclusivamente das cidades maiores. Os Planos Diretores pós-1988 parecemter-se disseminado com mais intensidade nos municípios da Região Metropolitana e nasregiões administrativas de Santos, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Campi-nas e Sorocaba, independentemente do porte. Quanto à Legislação de Uso e Ocupaçãodo Solo, a leitura é semelhante à do Plano Diretor.

Os instrumentos específicos mais recorrentes são: Contribuição de Melhorias, en-contrada em 53,39% dos municípios pesquisados, e Legislação Especial de Habitação deInteresse Social, em 43,22%. Uma possível explicação para a disseminação da LegislaçãoEspecial de Habitação de Interesse Social está relacionada à política habitacional do Go-verno do Estado de São Paulo, mais particularmente à CDHU (Companhia de Desenvol-vimento Habitacional e Urbano), que estimulou os municípios a adotarem leis de exce-ção para a Habitação de Interesse Social, a fim de se facilitar a aprovação de projetos comparâmetros construtivos e de urbanização diferentes dos usuais — normalmente menosexigentes. Outra questão envolvida é a facilidade de aprovação desse instrumento pelasCâmaras Municipais, quando se trata de financiamento estadual para a construção de ca-sas: nesse caso, existe não só uma mobilização da bancada do prefeito como também dosvereadores ligados à frente de sustentação da coligação que ocupa hoje o governo do Es-tado, e particularmente da direção da CDHU.

A mesma explicação nos ajuda a entender por que instrumentos como o IPTU pro-gressivo sobre áreas vazias e subutilizadas (adotado em 20,34% dos municípios) e Zonas

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 976

Page 74: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Especiais de Interesse Social (ZEIS, adotadas em 28,81%), embora apareçam também maisdisseminadas que os demais instrumentos, apresentam os maiores índices de instrumen-tos formulados, mas não aprovados (respectivamente 11,02% e 10,17%). Trata-se de doisinstrumentos muito claramente identificados com a agenda de Reforma Urbana, de com-bate à retenção especulativa de terrenos, ampliação de acesso à terra e regularização fun-diária para a população de baixa renda e que, exatamente por essa razão, enfrentam resis-tências fortes para sua aprovação.

Do ponto de vista da distribuição regional, desenha-se um quadro semelhante àque-le levantado acima. A Contribuição de Melhorias e a Legislação Especial de Habitação deInteresse Social aparecem disseminadas por todas as regiões do Estado. Já as ZEIS e o IPTU

progressivo aparecem mais concentrados na Região Metropolitana e em Campinas, San-tos e São José dos Campos. Em geral, em municípios situados dentro de um raio de 150km da capital. Há, também, uma sobreposição de treze municípios (dos 22 que adotamo IPTU progressivo e 30 que adotam as ZEIS), que adotam ambos os instrumentos, dosquais oito se encontram nessa macrorregião de influência da capital. Podemos levantaraqui a hipótese de que tais instrumentos são mais freqüentes nessa área, porque nela seencontram os movimentos urbanos — particularmente de moradia — mais organizadosdo Estado, e onde a representação desse segmento nas Câmaras Municipais e bases dospartidos políticos é proporcionalmente maior.

Ainda em relação à distribuição regional da aplicação dos instrumentos, a aplicaçãode instrumentos como Solo Criado, Operações Interligadas, Operações Urbanas e Trans-ferência do Direito de Construir aparecem novamente na mesma macrorregião, com al-guma penetração nas regiões de Barretos, Franca e Ribeirão Preto. Evidentemente, sãoinstrumentos que fazem sentido em cidades com mercados imobiliários potentes e com-petitivos, disseminando-se pela área de maior dinamismo econômico do Estado. Ressal-ta-se, aqui, que há pouca sobreposição na adoção desses instrumentos e dos anteriores(ZEIS e IPTU progressivo), o que ocorre apenas na região de Campinas.

Em relação ao porte dos municípios, nos menores encontramos uma presença maissignificativa da Contribuição de Melhorias, atingindo sua proporção máxima em muni-cípios de 100 a 300 mil (64,51%), dado que se repete para LEHIS (Legislação Especial deHabitação de Interesse Social), que atinge 51,61% dos municípios daquele porte. Nosmunicípios maiores, aparecem estratégias mais diversificadas de enfrentamento da ques-tão da habitação popular e de captação de recursos para financiamento público. Deve-sesublinhar que, apesar de proporcionalmente pouco significativas, aparecem Operações In-terligadas e Urbanas, Solo Criado e Transferências do Direito de Construir, mesmo emmunicípios com população inferior a 50.000 habitantes.

A realização da pesquisa permitiu-nos formular as seguintes conclusões:1 Da leitura da Tabela 2, em anexo, depreende-se uma regionalização da exclusão

territorial e da precariedade urbanística: as piores situações encontram-se na periferia me-tropolitana (Francisco Morato, Arujá, Embu-Guaçu, Rio Grande da Serra, Cotia, Embu,Cajamar, Diadema, Guarulhos, Mauá, Suzano, Santa Isabel e Poá). O fenômeno repete-se na Baixada Santista (Cubatão, Praia Grande, São Vicente, Mongaguá, Guarujá), no Li-toral Norte (São Sebastião, Caraguatatuba), em Campinas (Itupeva, Atibaia, Várzea Pau-lista e Monte Mor), em São José dos Campos (Campos do Jordão) e em Sorocaba (Saltode Pirapora). Todos esses municípios estão inseridos em uma região denominada por al-guns como macrometrópole, com grande intensidade de relações cotidianas e fluxos coma capital e centro da Região Metropolitana, e em posição periférica, de fronteira, em re-

R A Q U E L R O L N I K

77R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 75: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

lação aos centros mais potentes da própria região. Assim, se tomarmos a Região Metro-politana, os municípios em pior condição urbanística estão na periferia do ABC (Diade-ma, Mauá, Rio Grande da Serra), no eixo de expansão Noroeste (Cajamar, Francisco Mo-rato, contíguos a Várzea Paulista, já em Campinas), no extremo Leste (Santa Isabel, Poá,Suzano) e Sudoeste (Embu, Embu-Guaçu, Cotia). Na Baixada Santista, Cubatão, PraiaGrande, São Vicente e Mongaguá são municípios que funcionam como periferia de San-tos. É importante ressaltar que, na região, incluindo as cidades-pólo, não se encontrammunicípios com mais de 60% de domicílios em situação adequada (a cidade de Campi-nas é a única exceção). Trata-se de uma macrorregião, a mais dinâmica e rica do Estadode São Paulo,5 onde se operou uma “desconcentração concentrada” da indústria e de pó-los de serviços, em um raio de 150 km da capital. Essa região delimita, do ponto de vis-ta urbanístico, o raio de um padrão de expansão urbana baseado na grande indústria, notransporte sobre rodas e na expansão periférica da habitação de baixa renda, espraiandoprecariedade urbana e exclusão territorial em suas fronteiras. Tal imagem é reforçada pe-lo mapeamento dos processos abertos pela promotorias de Justiça de Habitação e Urba-nismo do Ministério Público, em 1996 (dos 325 inquéritos civis ajuizados, inquéritos ci-vis instaurados e procedimentos preparatórios instaurados, 177 surgem na capital; naRegião Metropolitana são mais 37; na Baixada Santista, 6; 14 no litoral norte; 37 na re-gião de Campinas; e 12 no Vale do Paraíba e Campos do Jordão; totalizando 283, ou 87%do total do Estado de São Paulo). Esse é um indicador de intensidade de conflitos em re-lação ao solo urbano que caracteriza esse padrão de desenvolvimento urbano.

2 Se cruzarmos o valor adicionado per capita com o grau de exclusão territorial, o re-sultado confirma a afirmação anterior: dos dez municípios que apresentam os maiores va-lores adicionados per capita do Estado de São Paulo (Cubatão — US$ 43.843 a MogiGuaçu — US$ 10.351),6 seis municípios pertencem ao grupo em piores condições urba-nísticas na tabulação especial do Censo (Cubatão, São Sebastião, Monte Mor, Suzano,Cajamar, Mauá). Nesses casos (com exceção de São Sebastião), a indústria instala-se emuma região bastante próxima de um centro consolidado, atraindo trabalhadores. Assim seconstitui o binômio ocupação industrial degradante (grande indústria, eventualmente po-luente, geradora de cargas) e uso residencial exclusivamente de baixa renda (tanto atraídopela oferta de emprego como expulso da região contígua, mais bem urbanizada, portan-to de terra mais cara).

Cidades ricas, habitadas por uma população quase exclusivamente pobre: se tomar-mos o Coeficiente de Gini como medida de concentração ou distribuição de renda paraas cidades de pior condição urbanística, os menores Coeficientes de Gini do Estado —Gini <0,5 (de Franco da Rocha — 0,4176 a Guarujá — 0,50), ali estão novamente RioGrande da Serra, Cubatão, Mauá, Cajamar, Diadema e também Praia Grande, São Vi-cente e Guarujá. As primeiras são cidades industriais, com alto valor adicionado per ca-pita e mais de 40% de chefes de família com renda menor que dois salários mínimos men-sais, o que é particularmente pouco para o custo de vida da Região Metropolitana.7 Nosegundo grupo, também estão cidades vinculadas a setores de mais alta renda (balneáriosde classe média metropolitana), que utilizam a cidade, mas não são moradores. Esse é ocaso, também, de Campos de Jordão, estância situada na serra da Mantiqueira.

3 Entretanto, há o outro lado da moeda: Praia Grande, São Vicente, Guarujá eCampos do Jordão, já mencionados, figuram entre os mais baixos valores adicionados percapita do Estado, juntamente com Francisco Morato, Caraguatatuba, Rio Grande da Ser-ra, Atibaia, Embu-Guaçu e Embu, que também fazem parte do grupo com menos de

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 978

5 A noção dessa região co-mo um território único — achamada macrometrópolepaulista — é contestada naliteratura (CANO, W., A inte-riorização do desenvolvi-mento econômico no estadode São Paulo), consideran-do as diferenças nas rela-ções entre distintas regiõese a Região Metropolitana deSão Paulo. Assim, enquan-to, por exemplo, a BaixadaSantista apresenta grandedependência em relação àmetrópole, a região de Cam-pinas configura-se de outraforma, polarizando um vas-to hinterland no interior doEstado e Sul de Minas Ge-rais. Nesse sentido, a ex-pressão macrometrópolenão corresponde exatamen-te ao desenho de fluxosreais entre as várias regiões.Entretanto, após essas res-salvas, consideramos o ter-mo adequado para designarum espaço que, na tabula-ção dos dados da pesquisa,apresentou pontos comunse se caracteriza pela pre-sença da grande indústria.

6 A média de valor adiciona-do per capita do Estado éde US$ 3.317.

7 A média para o Estado deSão Paulo é 35,3% dos che-fes com até dois salários mí-nimos.

Page 76: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

40% de domicílios em situação adequada. Essas cidades ou são balneários/ estâncias comum perfil semelhante ao mencionado anteriormente (Caraguatatuba e Atibaia), ou cida-des-dormitório da periferia metropolitana (Embu, Embu-Guaçu e Rio Grande da Serra).

4 O cruzamento da tabulação especial com a receita municipal per capita repete par-cialmente o padrão descrito. Entre os municípios com maior receita municipal per capi-ta do Estado — que teoricamente teriam mais condições de investir na condição do há-bitat urbano —, figuram municípios com piores condições urbanísticas: São Sebastião(2.107), Cubatão (1.169), Mongaguá (775), Cajamar (420), Diadema (379).8 Por outrolado, entre as menores receitas municipais per capita, está a maior parte dos municípiosem pior condição urbanística: Francisco Morato (83), Embu (143), Rio Grande da Serra(146). Também aparecem nessa condição municípios que, apesar de distantes da macro-metrópole marcada pela riqueza e pela exclusão territorial, apresentam igualmente índi-ces de precariedade urbanística acima da média do Estado: Rancharia e Santo Anastácioe Presidente Prudente (da região de Presidente Prudente), Igaraçu do Tietê (Bauru), Vo-tuporanga (São José do Rio Preto) e Andradina (Araçatuba).

5 O gráfico de dispersão (Gráfico 1, em anexo) revela a absoluta falta de correlaçãoentre regulação urbanística e precariedade urbana. Nele encontramos municípios bastanteregulados e precários, bastante regulados e mais equilibrados, assim como pouco ou nada re-gulados e precários, ou mais equilibrados. Isso revela, antes de mais nada, que o controledo uso e ocupação do solo e a construção de uma legalidade urbana pouco ou nada têm in-cidido no equilíbrio socioambiental dos municípios paulistas. No mesmo gráfico, lê-se oquanto as distorções para baixo da curva (ou seja, situações extremas de precariedade urba-na) são muito mais intensas do que para cima e correspondem, justamente, às regiões deexpansão selvagem da ocupação industrial. Por outro lado, as regiões mais reguladas oumais demarcadas por instrumentos de controle e gestão do solo urbano estão tanto nachamada “Califórnia Paulista” (compreendendo as regiões de São José do Rio Preto, Barre-tos e Ribeirão Preto) quanto na macrometrópole. Em ambos os casos, que têm em comuma pouca incidência da regulação sobre a situação urbanística, a construção da legalidade pa-rece responder a distintas lógicas, correspondentes a distintas situações territoriais. Onde aterra urbana é fonte predominante de conflito e o mercado intenso e selvagem, o instru-mento urbanístico pode ser uma arma na luta pela localização; onde o mercado é emergen-te e o confronto reduzido, pode ser instrumento de constituição de riqueza e abertura defrentes de investimento de capital. De qualquer forma, o que o gráfico de dispersão nos pa-rece dizer é que, muito mais do que definir formas mais ou menos equilibradas de desen-volvimento urbano, a regulação urbanística funciona como instrumento fundamental dedemarcação de segmentos de mercado, em contextos de intensa disputa pelo solo urbano.Essas são hipóteses que só estudos de caso das diferentes situações territoriais podem testar.

ESTUDOS DE CASO

De posse do levantamento de dados realizado na primeira parte deste projeto de pes-quisa, passou-se à segunda etapa do trabalho: estudos de caso da situação de três municí-pios do Estado, levando em conta os processos de urbanização, a situação atual do uso eocupação do solo e sua relação com a legislação.

Focalizamos, nessa etapa, três municípios que apresentam mudanças recentes em al-gum aspecto de sua legislação urbanística, posto que o objetivo desta pesquisa é o estudo

R A Q U E L R O L N I K

79R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

8 A média da receita munici-pal per capita no Estado deSão Paulo é US$ 209anuais.

Page 77: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

do efeito desses instrumentos sobre a realidade urbana local. Estudamos o caso para quepudéssemos ater-nos com alguma profundidade nos processos de produção do espaço ur-bano e suas desigualdades, assim como nas experiências — bem-sucedidas ou não — pa-ra o enfrentamento dessas questões.

Reconhecendo a unicidade de cada processo, mas, por outro lado, visando à utiliza-ção do conhecimento produzido nesta pesquisa em outras oportunidades e por outrospesquisadores, escolhemos estudar três municípios de realidades muito distintas, mas re-presentativas de algumas das questões consideradas fundamentais para a compreensão doespaço urbano paulista e da história recente da produção de legislação urbanística.

O município de Guarujá possui uma legislação de formulação recente, não influen-ciada pela pauta da reforma urbana. Apresenta uma realidade urbana típica de grande par-te da ocupação litorânea do Estado — ainda que a situação de exclusão lá instalada sejaextrema —, em que o solo urbano em melhores condições de ocupação foi historicamen-te destinado ao uso de veraneio por parte da elite vinda da capital e — mais recentemen-te — das maiores cidades do interior. Dessa equação resulta que grande parte da popula-ção permanente vive em condições de total irregularidade e exclusão, sem direito à cidadeoficial, destinada às necessidades das elites forasteiras.

Diadema é um município da Região Metropolitana de São Paulo, de urbanizaçãodeterminada pela lógica da cidade industrial. Representa uma das extensas periferias dametrópole, marcada pela urbanização acelerada e desprovida de infra-estrutura. Foi esco-lhida como um dos estudos de caso por apresentar um dos conjuntos mais consolidadosde instrumentos urbanísticos recentes, estruturado na pauta da reforma urbana, já imple-mentado e com efeitos sensíveis sobre a lógica de urbanização da cidade. Trata-se, portan-to, de objeto privilegiado para as investigações em questão.

Jaboticabal é um município situado fora da região macrometropolitana, apresentan-do uma realidade urbana diferente dos municípios anteriores — interessante para possí-veis contraposições. Apresenta uma das melhores situações no que diz respeito às condi-ções de seu hábitat urbano, fazendo parte do grupo dos municípios com mais de 70% deadequação. Trata-se de uma cidade média, típica da região em que se situa, marcada peladinamicidade da agricultura, que leva a um desenvolvimento urbano aparentemente maisequilibrado que o industrial. Não obstante, o município possui uma legislação urbanísti-ca que conta com um instrumental de elaboração recente, também marcado pela pautada reforma urbana, incidindo sobre um território que, à primeira vista, apresenta poucasdisfunções e um baixo nível de exclusão territorial.

MODELO DE DESENVOLVIMENTO URBANO E EXCLUSÃO TERRITORIAL

Os casos estudados permitem levantar a hipótese de um nexo explicativo entre mo-delo de desenvolvimento econômico e exclusão territorial.

O caso de Diadema tipifica o processo de expansão da grande indústria na RegiãoMetropolitana durante o ciclo de implantação e expansão (anos 60 e 70, e, no caso deDiadema, até 1990), o que implicou um crescimento demográfico acelerado que, con-siderando-se o padrão de produção habitacional típico deste período — autoconstru-ção nas periferias —, gerou uma expansão horizontal de grandes proporções, sem ne-nhuma urbanidade.

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 980

Page 78: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Estando Diadema situada na periferia do ABC naquele período, recebeu basicamen-te uma ocupação de baixa renda. Os proprietários industriais das pequenas e médias in-dústrias que se estabeleceram na região, “satelitizando” as grandes montadoras que se es-tabeleceram em São Bernardo, eram moradores das cidades-centro do ABC.

Na ausência de um segmento significativo de alta renda, configuram-se basicamen-te dois segmentos de mercado de terras urbanas: um para fins industriais e outro para lo-teamento e habitação de baixa renda. A legislação urbanística dos anos 70 privilegia cla-ramente o mercado de terras para fins industriais, ao destinar mais de dois terços dosrecursos territoriais do município para uso industrial.9 O modelo explicitado na legisla-ção municipal de 1973 e corroborado na legislação estadual das ZUPIS10 é ainda mais ra-dical, se considerarmos o efeito da Lei de Proteção aos Mananciais, de 1976, sobre o ter-ritório de Diadema, que praticamente excluiu 724 ha, ou 23,5% do território domunicípio, da possibilidade de ocupação. Com isso, configura-se uma dupla situação: omercado de terras para fins industriais tem uma superoferta (até 1990, cerca de 40% dototal da área destinada ao uso industrial ainda se encontrava sem aproveitamento) e as ter-ras urbanizadas destinadas à habitação e a outros usos têm oferta extremamente limitada.Essa equação — diante de taxas elevadíssimas de crescimento demográfico11 — provocauma pressão sobre o município em sua totalidade, determinando uma expansão urbanapara muito além dos limites da área urbanizada. O fato de a região jamais ter sido umaárea de produção rural significativa contribuiu para acelerar o processo de conversão daárea rural em área urbana. Define-se, assim, uma expansão urbana selvagem, de baixa ren-da, consumindo toda a terra não destinada à indústria.

A característica desse mercado habitacional de baixa renda é a irregularidade — pre-dominando, durante todo o período, os loteamentos clandestinos e, a partir dos anos 70,as favelas.

Os anos 70 representam o pico da oferta de loteamentos — 36% do total de 380parcelamentos identificados na cidade — e, sobretudo, da oferta irregular. Possivelmen-te, a promulgação do Plano Diretor de 1973, como já comentamos, retirando da ofertaresidencial mais de 70% das terras do município, contribui para esse incremento de irre-gularidade, considerando-se o alto crescimento demográfico da década.

Com a promulgação da Lei Federal 6.766/1979, que, sobretudo por ação dos cartó-rios, reduz a oferta de loteamentos irregulares (a oferta de regulares mantém-se mais oumenos constante), e, devido ao próprio esgotamento dos recursos territoriais do municí-pio, aumenta a favelização e inicia-se a ocupação organizada de terras.

Os anos 60 e 70 representaram décadas de expansão industrial, tanto em termos denúmero de estabelecimentos como de pessoal ocupado (de 37 estabelecimentos empre-gando 632 empregados em 1960, são 798 estabelecimentos e 47.501 empregados em1980) e de enorme crescimento demográfico. Na década de 1980, embora a economia re-gional comece a sofrer uma desaceleração, com a redução de número de empregos, emDiadema os reflexos da crise só serão visíveis no final da década. Embora em ritmo me-nos acelerado, existem ainda, durante a década, crescimento do número de estabeleci-mentos (971, em 1985), pessoal ocupado na indústria (61.827, em 1985) e crescimentodemográfico em taxas superiores à média metropolitana e regional.

Com a terra a preços menores — característicos da situação de periferia regional eda precariedade urbanística em relação à capital e aos municípios mais consolidados doABC —, a ocupação urbana continua em expansão, aumentando a defasagem entre áreainfra-estruturada e área ocupada. Esse é o quadro de extrema exclusão territorial que ca-

R A Q U E L R O L N I K

81R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

9 De acordo com a Lei460/73.

10 Aproximadamente 50%das áreas destinadas pelozoneamento municipal deDiadema, em 1973, eramtambém destinadas ao usoindustrial no zoneamento in-dustrial do Estado de SãoPaulo, que delimitou as ZU-PIs.

11 20,42% ao ano na déca-da de 60 e 11,23% nosanos 70.

Page 79: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

racteriza o município nos anos 80: 33% da população era favelada e, nas áreas que foramobjeto de parcelamento e compra, uma condição de precariedade urbanística — ausênciade infra-estrutura e equipamentos mínimos — semelhante à das favelas.

Tal modelo guarda alguma semelhança com o processo de ocupação do Guarujá, es-pecialmente no que se refere à posição, até os anos 80, de periferia de uma região em rá-pida expansão econômica — a Baixada Santista. Diferentemente da região do ABC, as ra-zões da conformação e expansão da Baixada Santista não residem exclusivamente naindústria, que conheceu um ciclo de expansão em Santos e Cubatão, principalmente dosanos 50 aos 70, incorporando também atividades portuárias e balneárias.12

Constituindo-se a Baixada uma área de recepção de migrantes, a expansão de Gua-rujá, na periferia do centro regional, define-se como área de instalação de uma populaçãopermanente de baixa renda, constituindo o Distrito de Vicente de Carvalho. O Distritoe as favelas localizadas na vertente continental da serra, a área mais populosa e de desen-volvimento mais acelerado de Guarujá durante os anos 60 e 70, é um mercado habitacio-nal de baixa renda, baseado no parcelamento irregular e na ocupação selvagem.

Guarujá, porém, combina a situação de cidade-dormitório, para a atividade indus-trial/portuária localizada apenas parcialmente no município,13 com a atividade turística, de-finindo uma parcela de seu território, desde sua origem, para o balneário. Nesse caso, co-mo no de Diadema, a estratégia da regulação urbanística foi privilegiar a destinação dasmelhores terras à atividade econômica principal e “esquecer” absolutamente as condições dehabitação da população trabalhadora do município, em um contexto de crescimento demo-gráfico também acelerado. Assim, a orla urbanizável, além de microzoneada de acordo comos diferentes segmentos do mercado de veraneio e, portanto, bloqueada para a ação dosmercados de baixa renda, concentrou os investimentos em infra-estrutura e urbanismo.14

Esse processo foi o responsável por definir um padrão de exclusão territorial que caracteri-za Guarujá, até nossos dias, com cerca de 50% de sua população residindo em favelas.

O caso de Jaboticabal tipifica uma relação entre atividade econômica e padrão de ur-banização totalmente distinta. O complexo sucroalcooleiro, como é o caso em geral dossetores agro-industriais, tem seu setor dinâmico localizado fora do tecido urbano.15 Na ló-gica de localização da agroindústria, ao contrário dos exemplos citados acima, não têmpeso as economias de aglomeração, mas, sim, a proximidade das áreas de cultivo da ma-téria-prima. Assim, não há uma concentração em uma cidade-pólo, porém espraiamentoem várias cidades da região, onde estão localizadas as usinas.16 Por outro lado, a naturezadessa produção valoriza a terra rural produtora da matéria-prima, definindo, mesmo emciclos de expansão econômica e demográfica, barreiras para a conversão da terra rural pa-ra usos urbanos.

Se tomarmos a relação entre a expansão econômica e a dinâmica demográfica, emque pese os anos 70 representarem um ciclo de expansão econômica — a década de 1970foi o período de instalação e consolidação do Pró-Álcool (implantado em 1975) —, o cres-cimento demográfico regional (2,45% ao ano) foi inferior à taxa média estadual (3,5%).

Nos anos 80, os efeitos da recessão são bem mais fortes na Região Metropolitana ena Baixada Santista do que na região de Ribeirão Preto — o setor sucroalcooleiro conti-nuou expandindo sua produção ao longo da década, com efeitos sobre o desenho dos mo-vimentos migratórios no Estado. A região de Ribeirão Preto apresenta taxas ligeiramentesuperiores à média estadual (2,59%, enquanto a média estadual é de 2,02%).

Os efeitos perversos do complexo sucroalcoleiro — a expulsão do trabalhador docampo por meio de um processo de reconcentração da propriedade rural e a utilização de

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 982

12 Ver Governo do Estadode São Paulo/Secretaria dePlanejamento e Gestão/Fun-dação Seade. Cenários daUrbanização Paulista — Do-cumento básico, 1992, p.65.

13 No município do Guaru-já, encontram-se os termi-nais marítimos da Dow Quí-mica, Cutrale e Cargill.

14 As leis municipais 1421/1979; 1266/1979; 014/1992, referentes ao PlanoDiretor e ao Uso e Ocupa-ção do Solo do município,delimitam claramente doistipos de Zonas de BaixaDensidade: as de habitaçãode veraneio dos ricos e a dehabitação permanente, ma-joritariamente irregular, debaixa renda. O que diferen-cia as duas zonas é basica-mente o fato de, na primei-ra, qualificada, a legislaçãoé obedecida, e, na segunda,impera o laissez-faire e asnegociações referentes àchegada de infra-estrutura.Além disso, classificaram-sezonas de média e alta densi-dade, sempre definindo seg-mentos de mercado para ouso de veraneio.

15 Cf. Caiado, A. “Estudode caso — a aglomeraçãourbana de Ribeirão Preto”.In: Cano, W. (Coord.). Proje-to: Urbanização e Metropoli-zação no Estado de SãoPaulo: desafios da políticaurbana. Campinas, Convê-nio SPG/Fecamp, Nesur/Unicamp, 1992.

16 As usinas e destilariasestão espalhadas por 26municípios da região de Ri-beirão Preto, idem, p.25.

Page 80: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

uma mão-de-obra sazonal migrante durante o período da colheita de cana — acabarampor gerar taxas de migração e crescimento demográfico maiores nos municípios peque-nos, mais novos e menos estruturados da região. Assim, na região de Ribeirão Preto, ostrabalhadores volantes acabaram por se fixar — de forma permanente ou temporária e emcondições precárias, sobretudo em Barrinha, Guariba e Pontal.17 No caso de Jaboticabal,situado na periferia do centro dinâmico regional — Ribeirão Preto —, as taxas de cresci-mento demográfico decenais são menores do que a média regional — 1,94% a.a., nosanos 70, e 2% a.a., na década de 1980,18 em que pese a localização de duas grandes usi-nas e uma das maiores produções de cana processada na safra de 1991/1992. Com me-nor pressão de demanda sobre terras urbanas, e, conseqüentemente, mantendo preçosfundiários baixos (se comparados aos de Diadema e Guarujá) e internalizando os impos-tos gerados pela produção agroindustrial, os municípios têm melhores condições de in-vestir em sua própria estrutura urbana, definindo diferenças menores de preços relativos.

Nesse caso, a população de menor renda na cidade — mesmo considerando-se os bai-xos salários e a alta concentração de renda — tem mais acesso à moradia adequada. Namedida em que a expansão de terra já urbanizada acompanhou relativamente de perto aexpansão da demanda, não ocorreu sobrevalorização da terra com infra-estrutura, permane-cendo os preços fundiários relativamente baixos e, portanto, acessíveis a faixas mais amplasdo mercado. A conseqüência do que apresentamos anteriormente é uma menor exclusãoterritorial. Entretanto, tal modelo só tem se sustentado em uma escala regional, em que aprecariedade urbanística, ausente na cidade, concentra-se em outros pontos da aglomeraçãourbana. Além disso, desde meados dos anos 70, o complexo sucroalcooleiro, que constituiua principal base econômica do modelo de urbanização que acabamos de descrever, tem si-do objeto de uma política nacional de sustentação de preços mínimos do álcool, mediantefortes subsídios sazonais, o que leva a grandes dúvidas quanto à sua sustentabilidade.

LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA, MERCADOS E POLÍTICA

Da comparação dos casos de Diadema e Guarujá depreende-se claramente a impor-tância do perfil político da administração municipal para a conformação de uma estraté-gia de regulação e sua relação com os padrões de exclusão social. Os estudos de caso de-monstram que as duas cidades chegam aos meados dos anos 80 com altos índices deexclusão territorial, revelados tanto nos indicadores de cobertura de infra-estrutura, co-mo no número e porcentagem da população favelada.

Em ambas as situações ocorreu um crescimento demográfico acelerado durantemais de duas décadas,19 parte de um mesmo movimento macrorregional, que se irradiouda Região Metropolitana. Nos dois casos, uma legislação urbanística do tipo zonal foi im-plementada nos anos 70, e o mercado residencial de baixa renda floresceu na mais abso-luta informalidade.

Nos anos 80, porém, as duas experiências começam a distanciar-se: enquanto emDiadema há um investimento claro, por parte da administração municipal, para revertera exclusão territorial, em Guarujá ela se aprofunda.

Além dos esforços de regularização, investimentos maciços em infra-estrutura e ur-banização de favelas, Diadema promove uma reforma em sua estratégia de regulação, in-troduzindo em seu Plano Diretor instrumentos muito claramente destinados a ampliar aoferta de terra urbanizada para o mercado habitacional de baixa renda.

R A Q U E L R O L N I K

83R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

17 Barrinha,em 1970, tinhauma população de 8.430habitantes e cresce a taxasde 4,07% e 3,79% nas dé-cadas subseqüentes. Guari-ba inicia a década de 1970com 11.000 habitantes ecresce anualmente 5,14% e3,895% nas décadas subse-qüentes.

18 De acordo com os Cen-sos Demográficos de 1970,1980 e 1991 – IBGE.

19 Embora, no caso de Dia-dema, as taxas de cresci-mento tenham sido aindamuito maiores.

Page 81: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Guarujá também promove revisões em seu Plano Diretor, porém são acertos pontuaisno interior da mesma ordem urbanística, acomodando pressões e disputas por alteraçõeslocais de potencial de aproveitamento e reprodutibilidade do solo, comandadas pelos agen-tes envolvidos na produção do mercado de residências de veraneio. Ou, como é o caso dasZBD-1 (Zona de Baixa Densidade 1), criando um eufemismo — que em termos de nor-mas urbanísticas, nada corresponde à realidade dos assentamentos —, para designar, pos-teriormente, ocupações de fato.

A diferença entre as duas experiências — e seus resultados — é de natureza eminen-temente política. A intervenção antiexclusão territorial é, no caso de Diadema, fruto daorganização e da pressão dos moradores de casas e bairros precários que, em 1982, logramganhar grande expressão no governo local, ao eleger um partido com grande identidadesindical e com o movimento popular. A partir desse momento, tornam-se interlocutorespermanentes da política urbana na cidade, participando das negociações em torno da es-tratégia de regulação e das decisões sobre os investimentos.

No caso de Guarujá, a política urbanística não reconhece os moradores de casas ebairros precários como interlocutores, mas como objeto de uma política que não os in-clui. Com isso, sua posição é sempre marcada como marginal.

Tal diferença é salientada mesmo quando os dois governos decidem adotar legisla-ções especiais de interesse social e urbanizar favelas. Em Diadema, as ZEIS são uma opor-tunidade para que as cooperativas autogeridas comprem a terra e viabilizem sua moradia,não apenas porque foram concebidas com esse objetivo, mas também porque o governomunicipal intermediou as negociações e abriu possibilidades de financiamento para o se-tor. Já a legislação de interesse social de Guarujá foi desenhada tendo como alvo e inter-locutor o incorporador/loteador em crise com o mercado de alta renda, abrindo para esseum novo mercado formal. Trata-se, nos dois casos, de uma ampliação do mercado formalna direção de faixas de renda mais baixas, porém, no caso de Guarujá, ele acaba sendoapropriado por um mercado de renda mais alta do que o público “de interesse social”.

No caso de Jaboticabal — onde a disputa pela terra urbana é pouco expressiva —,a regulação tem menor incidência na destinação do território aos diferentes grupos so-ciais. Nesse caso, um governo de perfil democrático popular, comprometido com a re-distribuição da renda urbana e preocupado em assegurar condições urbanas dignas parao conjunto dos cidadãos, elabora um conjunto de regras de uso e ocupação do solo coe-rentes com essa finalidade.20 Entretanto, a essas proposições não correspondia uma basepolítico-eleitoral organizada, capaz de sustentá-las ou mesmo que explicasse tal deman-da. Dessa forma, ao mudar a gestão, a maior parte dos instrumentos urbanísticos comesse perfil foi revogada (solo criado, IPTU progressivo) ou simplesmente não foi regula-mentada ou aplicada (é o caso da edificação compulsória e da ZEIS). O exemplo de Ja-boticabal demonstra que não basta uma transformação na cultura urbanística dos técni-cos da área de planejamento, ou mesmo a existência de instrumentos urbanísticos quepossam ser mobilizados para políticas redistributivas: é no grau de organização, mobili-zação e capacidade de interferência nos rumos da política urbana local da população tra-dicionalmente excluída que reside a possibilidade de sucesso de uma política desse tipo.O impacto da aplicação dos instrumentos está na forma pela qual esses são apropriadose não somente no seu desenho. É evidente que a permeabilidade maior ou menor de umgoverno local a que diferentes agentes sociais se constituam como interlocutores reais deuma política urbanística tem grande peso nas possibilidades reais de apropriação dos ins-trumentos por parte desses agentes. Por tal razão, não é indiferente o perfil político da

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 984

20 A referência aqui é aoIPTU progressivo/edificaçãocompulsória, ZEIS e solocriado.

Page 82: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

administração municipal e mesmo a cultura urbanística dos meios técnicos, na medidaem que esses podem abrir espaços reais de inversão da equação político territorial nas ci-dades. O próprio exemplo de Jaboticabal demonstra que, mesmo limitada, a ação via re-gulação — no caso, por meio de uma legislação de parcelamento que permite o uso dospadrões praticados nos bairros populares para o conjunto da cidade — pode expressarpolíticas menos excludentes.

CONCLUSÕES

1 – A condução da pesquisa reforça a hipótese de que a regulação urbanística “tra-dicional” — baseada no estabelecimento de zonas intra-urbanas, diferenciadas por meiode coeficientes de ocupação, aproveitamento e verticalização específicos — não se mos-trou eficiente no sentido de combater a exclusão social: pelo contrário, pôde consolidarterritórios em que essa exclusão se legitima.

2 – Práticas que incorporam uma leitura do espaço urbano — que o reconhecem co-mo território de disputas, desequilíbrios e desigualdades e pressupõem o Estado comoagente mediador dos conflitos e promotor de inclusão social e espacial — demonstramque há espaço para reformas no campo da regulação urbanística, com efeitos democrati-zantes concretos sobre os mercados de terras, a legalidade e a cidadania.

ANEXO

GRÁFICO 1 - Distribuição da regulação urbanística x exclusão territorial no Estado de SãoPaulo, com legislação urbanística aprovada até 1991.

R A Q U E L R O L N I K

85R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Raquel Rolnik, arquiteta, éprofessora da Faculdade deArquitetura e Urbanismo daPontifície Universidade deCampinas.E-mail: [email protected]

Page 83: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 986

Bragança Paulista 25,00 109.863 CampinasJaboticabal 25,00 62.952 Ribeirão PretoValinhos 24,00 75.868 CampinasJuquitiba 23,50 20.276 MetropolitanaDiadema 22,75 323.221 MetropolitanaS. J. dos Campos 22,75 450.231 S. J. dos CamposVárzea Paulista 22,00 78.093 CampinasBarretos 22,00 104.782 BarretosVotorantim 22,00 87.186 SorocabaTaubaté 21,50 220.179 S. J. dos CamposS. Bárb. d’Oeste 21,50 161.020 CampinasJales 21,25 43.793 S. J. do Rio PretoSuzano 20,75 180.703 MetropolitanaMogi-Guaçu 20,50 114.555 CampinasS. J. do Rio Preto 20,50 323.418 S. J. do Rio PretoVotuporanga 20,50 69.831 S. J. do Rio PretoPraia Grande 20,00 150.574 SantosSantos 19,75 412.288 SantosPenápolis 19,75 51.415 AraçatubaAraraquara 19,00 163.831 CentralJundiaí 18,50 293.237 CampinasSocorro 18,50 30.926 SorocabaAraras 18,25 95.943 CampinasS. Rosa Viterbo 18,00 20.213 Ribeirão PretoCampos Jordão 18,00 35.999 S. J. dos CamposLorena 18,00 73.277 S. J. dos CamposPres. Prudente 17,75 177.236 Pres. PrudenteAmericana 17,50 156.310 CampinasCotia 17,50 127.047 MetropolitanaGuarujá 17,25 226.185 SantosLins 17,25 60.720 BauruFranca 17,25 266.909 FrancaItatiba 17,00 71.297 CampinasLeme 16,50 77.751 SorocabaPoá 16,50 84.843 MetropolitanaCruzeiro 16,25 72.118 S. J. dos CamposSanta Isabel 16,00 41.379 MetropolitanaMogi das Cruzes 16,00 314.947 MetropolitanaLimeira 15,75 230.292 CampinasFranco da Rocha 15,50 87.879 MetropolitanaArujá 15,00 50.754 MetropolitanaMatão 15,00 65.721 CentralSão Vicente 15,00 279.620 SantosSanto André 14,75 625.294 MetropolitanaItu 14,75 122.544 SorocabaPiracicaba 14,75 302.605 CampinasS. Cruz do R. Pardo 14,75 38.066 MaríliaCubatão 14,75 96.486 SantosRibeirão Preto 14,50 452.804 Ribeirão PretoJacareí 14,50 168.030 S. J. dos CamposS. Joaq. da Barra 14,50 40.090 FrancaSorocaba 14,00 431.370 SorocabaPindamonhang. 14,00 114.092 S. J. dos CamposGuarulhos 14,00 972.766 MetropolitanaRibeirão Pires 14,00 100.335 MetropolitanaCampinas 14,00 907.996 CampinasGuaíra 14,00 33.105 BarretosSalto 14,00 86.631 SorocabaHortolândia 13,75 114.885 Campinas

São Carlos 13,75 175.295 CentralMongaguá 13,50 26.945 SantosBebedouro 13,50 72.620 BarretosCerquilho 13,50 24.875 SorocabaSant. do Parnaíba 12,75 40.897 MetropolitanaRio Claro 12,75 153.025 CampinasEmbu-Guaçu 12,50 42.556 MetropolitanaSão Paulo 12,50 9.811.776 MetropolitanaAssis 12,50 83.074 MaríliaBauru 12,50 293.026 BauruS. Bern. do Campo 12,50 658.791 MetropolitanaEmbú 12,25 195.676 MetropolitanaBotucatu 12,00 100.826 SorocabaMarília 12,00 177.503 MaríliaFernandópolis 11,50 59.037 S. J. do Rio PretoPorto Feliz 11,50 42.649 SorocabaSão Sebastião 11,50 39.221 S. J. dos CamposMauá 11,25 344.684 MetropolitanaSalto de Pirapora 11,00 30.491 SorocabaFrancisco Morato 10,75 106.909 MetropolitanaRio Gde. da Serra 10,75 34.771 MetropolitanaConchal 10,75 22.603 CampinasIgaraçu do Tietê 10,50 23.085 BauruCaraguatatuba 10,00 67.083 S. J. dos CamposIndaiatuba 10,00 122.159 CampinasSão Roque 10,00 60.992 SorocabaMorro Agudo 10,00 23.308 FrancaGarça 9,75 40.437 MaríliaVinhedo 9,75 38.606 CampinasCatanduva 9,75 100.913 S. J. dos CamposCajamar 9,50 42.375 MetropolitanaTaquarituba 9,00 20.028 SorocabaDescalvado 9,00 25.237 CentralBarra Bonita 8,00 32.802 BauruPereira Barreto 8,00 25.340 AraçatubaS. Rita do Passa 4 8,00 24.837 CentralCaçapava 8,00 68.075 S. J. dos CamposSanto Anastácio 7,25 20.888 Pres. PrudenteItapeva 6,00 77.656 SorocabaAmérico Brasiliense 5,50 22.601 CentralAtibaia 5,25 93.186 CampinasIguape 5,00 26.016 RegistroAmparo 5,00 55.239 CampinasCachoeira Paulista 5,00 25.469 S. J. dos CamposCândido Mota 5,00 28.220 MaríliaItápolis 4,75 36.220 CentralVargem Gde do Sul 4,75 34.069 CampinasAndradina 4,50 53.586 AraçatubaMonte Mor 4,00 30.892 CampinasItupeva 4,00 20.589 CampinasRancharia 3,25 28.281 Pres. PrudenteBatatais 3,25 47.978 FrancaS. Cruz Palmeiras 3,00 23.965 CampinasOsvaldo Cruz 2,50 29.668 Pres. PrudenteCajati 1,00 26.763 RegistroSanta Branca 1,00 20.093 S. J. dos CamposRio das Pedras 1,00 22.248 CampinasParaguaçu Paulista 0,00 37.555 MaríliaRosana 0.00 21.813 Pres. Prudente

TABELA 1 - Ranking da regulação urbanística por cidade no Estado de São Paulo

Local Total Popul. Reg. Adm. Local Total Popul. Reg. Adm.

Page 84: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

R A Q U E L R O L N I K

87R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Batatais 74,00Barra Bonita 73,39Cerquilho 71,61Descalvado 71,58São José do Rio Preto 70,72Lins 70,13Itápolis 69,87Penápolis 69,50Araras 68,84Santa Rita do Passa Quatro 68,14Vargem Grande do Sul 67,70Socorro 67,62Ribeirão Preto 67,61Jaboticabal 67,51Rio Claro 67,50São Carlos 67,14Amparo 66,51Catanduva 66,46Araraquara 65,71Bebedouro 65,58Mogi-Guaçu 65,43Bauru 65,22Santos 65,12Santa Rosa do Viterbo 64,61

1 Assis 64,42Pereira Barreto 64,32Marília 64,28Botucatu 64,08Barretos 63,96Osvaldo Cruz 63,87São Joaquim da Barra 63,64Limeira 63,12Campinas 62,67Fernandópolis 62,07Garça 62,06Americana 62,02Rio das Pedras 61,60Guaíra 61,56Franca 61,40Jales 61,30Piracicaba 61,30Santa Cruz do Rio Pardo 61,08Cruzeiro 61,03Cachoeira Paulista 60,95Matão 60,80Leme 60,34Paraguaçu Paulista 59,93Itatiba 59,50Santa Cruz das Palmeiras 58,95Américo Brasiliense 58,88Presidente Prudente 58,62

Igaraçu do Tietê 57,93Rancharia 57,41

2 Valinhos 57,11Santo Anastácio 56,83Jundiaí 56,66Porto Feliz 56,42Vinhedo 56,19

Morro Agudo 55,99Itu 55,88São José dos Campos 55,87Sorocaba 55,76Taubaté 55,60Lorena 55,52Indaiatuba 55,31Santa Bárbara d'Oeste 55,14Santo André 54,88Caçapava 54,11Votuporanga 54,11

2 São Paulo 53,75S. Bernardo do Campo 53,51Bragança Paulista 53,40Conchal 52,57Taquarituba 52,22Pindamonhangaba 52,06Salto 50,18Andradina 49,90Santa Branca 48,46Jacareí 47,41Votorantim 47,11Mogi das Cruzes 46,56São Roque 45,90Itapeva 45,38Ribeirão Pires 43,57Cândido Mota 42,96

Salto de Pirapora 39,46Itupeva 38,39Poá 37,34Santa Isabel 37,17Mauá 37,03Campos de Jordão 36,65Atibaia 36,38Guarulhos 34,46

3 Iguape 34,34Guarujá 34,11Várzea Paulista 33,38Diadema 31,80Suzano 31,44Monte Mor 31,14Monguaguá 30,17Cajamar 30,12

Franco da Rocha 28,89São Sebastião 28,36Caraguatatuba 26,88São Vicente 26,00Santana do Parnaíba 25,92Embu 23,06

4 Cotia 20,64Praia Grande 18,14Rio Grande da Serra 16,94Cubatão 10,07Francisco Morato 7,46Juquitiba 6,45Arujá 6,26Embu-Guaçu 1,30

TABELA 2 - Agrupamento de municípios por percentual de adequações – índice de exclu-são territorial

Grupo Município % Adequ. Grupo Município % Adequ.

Fonte: Censo Demográfico 1991/Tabulação Aurílio Caiado

Page 85: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAIADO, A. “Dinâmica espacial e rede urbana paulista”. São Paulo em Perspectiva, SãoPaulo, Fundação Seade, v.9, n.3, 1995.

CANO, W. A interiorização do desenvolvimento econômico no Estado de São Paulo. Cam-pinas/Unicamp/Nesur, relatório de pesquisa,1987.

CASTEL, R. La piège de l’exclusion. Lien social et politiques. Paris: RIAC 34.FARIA, V. “Social exclusion and latin american analyses of poverty and deprivation”. In:

RODGERS (Ed.). Social exclusion: rhetoric, reality, responses. Genève: InternationalInstitute for Labor Studies/United Nations Development Programme, 1995.

FUNDAÇÃO SEADE. Anuário Estatístico do Estado de São Paulo. São Paulo: FundaçãoSeade, diversos anos.

KAYANO, J. “Evolução comparada da qualidade de vida nos municípios brasileiros1983-1992 – Diadema”. Estudos de Caso Polis, São Paulo, Instituto Pólis, 1992.

PAUGAN, S. (Ed.). L’exclusion: l’état des savoirs. Paris: Éditions La DécouverteRIBEIRO, L. C. Q., LAGO, L. C. “Dinâmica metropolitana e novos padrões de desi-

gualdade social”. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.2,abr./jun. 1995.

RIBEIRO, L. C. Q. et al. Difusão e inovação da reforma urbana nos municípios brasileiros.Revista Proposta, Rio de Janeiro, Fase, n.62, 1994.

ROLNIK, R. A cidade e a lei — legislação, política urbana e territórios na cidade de SãoPaulo. São Paulo: Studio Nobel/Fapesp, 1997

ROLNIK, R., CYMBALISTA, R. (Ed.). “Instrumentos urbanísticos contra a exclusão so-cial”. Revista Pólis, São Paulo, Instituto Polis, n.29, 1997.

ROLNIK, R. et al. Impacto da aplicação de novos instrumentos urbanísticos em cidades doEstado de São Paulo. Campinas, relatório final de pesquisa, Pontifícia UniversidadeCatólica de Campinas/Lincoln Institute of Land Policy, 1998. (Mimeo.)

SÃO PAULO (Estado). São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo: Fundação Seade, 1992.SPOSATI, A. et al. Mapa da exclusão social da cidade de São Paulo. São Paulo: Educ, 1996.

A B S T R A C T This paper refers to the results of the research project Effects of the Im-plementation of New Land Use Controls in the Cities of São Paulo State. It raises the fol-lowing question: ten years after the introduction of the new Constitution — whose text in-cludes new urban land use controls aimed at increasing land and housing for the poor — whathas happened in cities of over 20.000 inhabitants concerning Master Plans and land use reg-ulation procedures? What is the form and quality of the process which has led to these plans?Do the new controls, where in use, allow new ways of managing urban conflicts? The researchlooks into the current legislation situation in these cities through a series of questions. The con-cept of territorial exclusion is defined, meaning how much of the local population lives in pre-carious conditions regarding urban infra-structure and housing conditions. In the second part,three case studies were conducted — in the cities of Guarujá, Diadema and Jaboticabal —studying more thoroughly the relations between different local economic models, land regula-tion processes and territorial exclusion.

K E Y W O R D S Urban planning; urban planning regulations; urban reform; urbanism.

I M P A C T O D A A P L I C A Ç Ã O D E N O V O S

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 988

Page 86: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

O URBANISMO NO RECIFE:ENTRE IDÉIAS E REPRESENTAÇÕES

V I R G Í N I A P O N T U A L

R E S U M O A pretensão é polemizar sobre o entendimento de modernização como pro-cesso cumulativo e complementar de idéias e afirmar o de atualização e diferenciação das regrase preceitos urbanísticos, de modo a assegurar o ordenamento citadino, assim como discutir a per-manência dessas regras na atualidade; ou melhor, o paradoxo entre continuar afirmando o sa-ber urbanístico, fundado nas teorias da modernidade, e prescindir desse saber, dada a inexistên-cia de um outro modo de promover o ordenamento e o controle da cidade. O caminho adotadofoi o de reconstituir as idéias dos urbanistas, objetivadas nos planos urbanísticos elaborados nosanos 30 e 50 no Recife. Nos anos 30, os planos urbanísticos introduziram, principalmente, ospreceitos dos Ciams, cujos autores foram Domingos Ferreira (1927), Nestor de Figueiredo(1932), Atílio Corrêa Lima (1936) e Ulhôa Cintra (1943). Nos anos 50, as idéias propugna-das traduziram, entre outros, os preceitos do Movimento de Economia e Humanismo, apresen-tados no estudo de Lebret (1954) e nas diretizes de Baltar (1951). A escrita de tal narrativacompara esses planos explicitando as diferentes concepções e representações do Recife e coloca emdiscussão a permanência desses saberes em relação à emergência de outros na atualidade.

P A L A V R A S - C H A V E História; modernização; saber; urbanismo; representações.

INTRODUÇÃO

A gênese da modernização da cidade do Recife remonta ao século XIX, porém nãose constituiu num processo em que sucessivamente foram elaboradas representações erealizadas intervenções modificadoras na fisionomia da cidade. Como bem mostrou Mo-reira (1994), a modernização do Recife teve origem no governo do conde da Boa Vista(meados do século XIX). O segundo período modernizador ocorreu entre 1909 e 1913,com um extenso programa de planos e obras: Plano de Saneamento do Recife; reformacompleta do Bairro do Recife; reaparelhamento do porto; e incremento das ações higie-nistas, com a reorganização da Inspetoria de Hygiene. Posteriormente, entre 1922 e1926, no governo Sérgio Loreto, presenciaram-se as obras de expansão urbana na peri-feria, com a urbanização do Derby, a construção da avenida Boa Viagem e a reforma devários largos e praças nos núcleos suburbanos. Porém, a modernização empreendida noEstado Novo não consistiu a última fase, como foi afirmado por Moreira, nem as cita-das épocas modernizadoras se estabeleceram segundo um processo cumulativo e comple-mentar; mas por efeito da atualização e diferenciação de planos urbanísticos.

Essa noção de modernização está subjacente à articulação saber–poder, portanto, aosdispositivos da sociedade disciplinar, cuja materialidade mais expressiva é o Panóptico deBentham. Segundo Deleuze, tal dispositivo “age como causa imanente não unificadora …cujo efeito a atualiza, integra e diferencia” (1988, p.46-8). Dessa forma, a motivação e odesejo do controle, da dominação na cidade, incitam práticas dos detentores do saber e

89R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 87: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

do poder, cujos efeitos retroagem sobre elas, alterando-as, ou seja, fazendo aparecer ou-tras e novas práticas. Nesse sentido, a noção de modernização, aplicada à concepção dofuturo citadino, significa a atualização e diferenciação das regras e preceitos urbanísticos,de modo a assegurar o controle e a dominação da cidade.

Para essa discussão, o caminho adotado foi o de reconstituir as idéias dos urbanis-tas, objetivadas nos planos urbanísticos elaborados nos anos 30 e 50 no Recife. Nos anos30, os planos urbanísticos introduziram, principalmente, os preceitos dos Ciams,traduzidos por Domingos Ferreira (1927), Nestor de Figueiredo (1932), Atílio CorrêaLima (1936) e Ulhôa Cintra (1943). Nos anos 50, as idéias propugnadas pelos urbanis-tas traduziram, entre outros, os preceitos do Movimento de Economia e Humanismo queestão apresentados no estudo de Lebret (1954) e nas diretizes de Baltar (1951). A escri-ta dessa narrativa compara esses planos, explicitando as diferentes concepções e represen-tações do Recife, e coloca em discussão a permanência desses saberes em relação à emer-gência de outros na atualidade.

A INFLUÊNCIA DA LÓGICA POSITIVISTA

Entre os anos 20 e 30, presenciou-se no Recife um ambiente de efervescência cultu-ral favorável ao modernismo. Os eventos ocorridos na cidade irradiavam-se por todo oNordeste, dado que ela exercia posição de centro cultural da região. Entre eles, tiverammaior destaque: a arquitetura de Luiz Nunes, a formação do grupo da Revista do Norte, omovimento Ciclo do Recife, o Movimento Regionalista, de Gilberto Freyre, e a diversifi-cação do ensino superior (Souza Barros, 1972).

No bojo desse ambiente, foram introduzidos e traduzidos os preceitos do modernis-mo na arquitetura e no urbanismo e, entre os dispositivos técnicos, os planos urbanísti-cos elaborados por Domingos Ferreira, Nestor de Figueiredo, Atílio Corrêa Lima e UlhôaCintra foram os que deram maior visibilidade aos preceitos do urbanismo moderno.

O PLANO DE DOMINGOS FERREIRA

O engenheiro Domingos Ferreira (1927) pertencia à Seção Técnica da Prefeitura doRecife. Seu plano para o bairro de Santo Antônio previa aberturas de vias, desapropria-ções de prédios e terrenos e, ainda, isenções de taxas e pagamentos de licença para novasconstruções. Sua proposta inicial, posteriormente revisada e ajustada ao sistema de esgo-to existente, resultou em outro projeto. Porém, os dois planos de Domingos Ferreira nãodiferem em sua concepção geral. O que mudou de uma proposta para outra foram as po-sições e larguras de algumas ruas a serem abertas.

A credibilidade do plano devia-se ao fato de o seu autor ser um conhecedor da ciên-cia urbanística e, portanto, estar fundamentado na racionalidade científica. Para Domin-gos Ferreira, a reforma do bairro de Santo Antônio representava, além de uma mera so-lução do problema de tráfego, o progresso da cidade. A sua concepção sobre planourbanístico fundava-se, principalmente, no gosto estético, lastreado no conhecimento darealidade por meio da planta da cidade e por teorias urbanísticas vindas da Europa.

Durante a administração municipal de Lauro Borba, este solicitou ao Clube de En-genharia um parecer sobre o plano elaborado pelo engenheiro Domingos Ferreira. Coma entrega do parecer ao Executivo municipal, instaurou-se o debate entre o engenheiro e

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 990

Page 88: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

os signatários do referido documento em torno das propostas de reforma e embelezamen-to do bairro de Santo Antônio.

O PLANO DE NESTOR DE FIGUEIREDO

O arquiteto Nestor de Figueiredo, tomando conhecimento da polêmica entre os en-genheiros autores dos planos de reforma do bairro de Santo Antônio, deu a sua contri-buição ao apresentar um trabalho sobre o mesmo tema no IV Congresso Pan-Americanode Arquitetos. Posteriormente, foi ele convidado pelo prefeito Lauro Borba para vir aoRecife e projetar o crescimento da cidade. Em entrevista à imprensa, em 3/9/1931, essearquiteto falou sobre as principais diretrizes do seu plano de remodelação do bairro deSanto Antônio e das influências recebidas de urbanistas europeus e americanos:

Muitas pessoas supõem que projetar o plano de desenvolvimento sistematico e em-bellezamento de uma cidade é o mesmo que determinar obras urbanas de execução ime-diata … Devemos de começo declarar que nenhum plano de remodelação de cidade é tra-çado sem objetivo economico. Ele pode no momento determinar um certo dispendio,mas a sua finalidade economica resultará posteriormente pelo aumento progressivo dosvalores urbanos e pela defeza dos prejuizos resultantes do desenvolvimento desordenadodas cidades construidas ao acaso (Diário da Manhã, de 3/9/1931, conferência de Nestorde Figueiredo.)

O objetivo central era o progresso da cidade, decorrente da ordenação do seu cres-cimento construtivo. Não estabelecer uma certa composição na expansão arquitetônica dacidade resultava em prejuízos futuros imprevisíveis; poupar recursos financeiros no mo-mento presente significava, na visão de Figueiredo, prejuízos econômicos de maior mon-ta depois. O arquiteto ainda destacava, em sua exposição, como paradigmas de atuaçãourbanística, o francês Haussman, o austríaco Sitte, além do alemão Stubben.

O plano, ao prever o futuro, criava a idealização própria ao contexto do Pós-Guerra,como afirma Koop (1990), pois se referenciava em dispositivos racionalizadores, cujosefeitos seriam o controle do caos e o apaziguamento dos conflitos citadinos. Portanto, ca-bia propagar que a cidade sem plano era a desordem proporcionada pelas ações isoladas epela inexistência de visão do todo:

Sem um plano coordenador da logica do seu desenvolvimento a cidade espandia-se deacordo com a vontade izolada de cada indivíduo. Grandes obras publicas foram executadas,estudando-se apenas os detalhes, sem conexão com o resto urbano. Edificios publicos foramerguidos nos locaes menos indicados. Várias ruas particulares foram projetadas e executadasizoladamente, sem se pensar no conjunto edificado, resultando dessa anomalia a creação deum verdadeiro labirinto de vias de comunicação defeituosas e comprometendo seriamenteo ponto de vista estetico da cidade. O grande centro distribuidor da cidade, a sua verdadei-ra sala de visita, que é a Praça da Independência … é hoje um logradouro mesquinho pelassuas dimensões reduzidas, sem nenhuma concepção de equilibrio na composição das mas-sas arquitetonicas e constituindo com as ruas que estão nas suas imediações, verdadeiro cen-tro de atropelo e congestionamento de transito geral … No entanto, estabelecido o planogeral de remodelação, este centro será transformado numa das mais belas recepções da ci-dade, que dificilmente encontraremos outras semelhantes (Idem.)

V I R G Í N I A P O N T U A L

91R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 89: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

A racionalidade técnica imanente ao plano representava não só a ordenação espacialcomo a beleza prefigurada para a cidade. Os sentidos de harmonia e beleza tornaram-seindissociáveis como possibilidade e desejo de uma cidade do amanhã.

Por ocasião da visita de Nestor de Figueiredo, foi criada pelo prefeito Lauro Borba aComissão Consultiva do Plano da Cidade, em 11 de agosto de 1931, tendo por atribui-ções preparar pareceres cujos subsídios auxiliariam Figueiredo na elaboração do plano ena fiscalização da administração municipal quanto ao cumprimento das propostas. A Co-missão era composta por representações de instituições governamentais e de organizaçõesprofissionais e corporativas, ou seja, por intelectuais, a maioria deles engenheiros.

Nestor de Figueiredo apresentou o Plano de Remodelação e Extensão da Cidade doRecife à Comissão em 4 de fevereiro de 1932. Dele constam o zoneamento funcional ea estrutura viária radial-perimetral. Essa estrutura seria composta por duas radiais e trêsperimetrais. As radiais partiriam simetricamente da Praça da Independência, uma ligan-do o centro à zona oeste, e a outra ligando o centro aos bairros da zona sul da cidade,enquanto as três perimetrais fariam as seguintes integrações: uma articularia a estaçãoferroviária central com a parte sul do porto; outra ligaria Olinda e Boa Viagem; e a ter-ceira, partindo do Largo da Paz, atingiria Casa Amarela. Outros elementos merecem sersalientados, como os índices urbanísticos, o sistema de parques e jardins e a ampliaçãoda área portuária.

Posteriormente, alguns membros da Comissão do Plano da Cidade emitiram críti-cas àquele desenho preliminar, tendo sido mais contundentes as dos engenheiros Domin-gos Ferreira e José Estelita. A crítica desse último ao plano do arquiteto Nestor de Figuei-redo centrou-se no partido construtivo escolhido para as quadras e os pátios internos,fechados por blocos de edifícios. O plano de Nestor de Figueiredo, embora referendadopela Comissão do Plano da Cidade e aprovado por decreto municipal, foi, no ano de1935, revogado, e a Comissão dissolvida, como modo de aplacar as querelas entre os de-tentores do saber urbanístico.

O PLANO DE ATÍLIO CORRÊA LIMA

Nesse mesmo ano, o urbanista Atílio Corrêa Lima foi convidado pelo governadorCarlos de Lima Cavalcanti para dar parecer sobre o plano de autoria de Nestor de Figuei-redo. Três pontos foram marcantes em suas palavras: i) a necessidade da visão de conjun-to da cidade; ii) a ausência do levantamento de informações como um pré-requisito à ela-boração de um plano; iii) a falta da diretriz do plano, qual seja, a que antecipava ocrescimento e a ordenação do espaço edificado da cidade.

Atílio Corrêa Lima apresentou o Plano para o Bairro de Santo Antônio e o Plano deExpansão da Cidade. Entre as propostas para o Bairro de Santo Antônio, cabe destacar ado sistema viário na Praça da Independência, por diferir daquelas apresentadas nos pla-nos anteriores. O sistema viário proposto desviava o tráfego da Praça da Independência,substituindo a grande avenida de ligação entre essa praça e a Praça Duarte Coelho, pre-vista nos planos de Domingos Ferreira e Nestor de Figueiredo.

O Plano de Expansão da Cidade (agosto de 1936) chegou apenas a ser apresentadocomo anteprojeto, compreendendo o zoneamento e o sistema viário. O modelo desse sis-tema era radial-perimetral, visando romper com a centralidade da forma exclusivamenteradial de então. Outros elementos foram, ainda, tratados: a expansão do porto, o parquena ilha Joana Bezerra e a estação ferroviária de passageiros.

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 992

Page 90: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Diante das divergências entre os planos de Figueiredo e de Corrêa Lima, foi nomeadauma Comissão do Plano da Cidade pelo prefeito Novaes Filho, em 1937, para realizar umarevisão técnica das duas idéias e a indicação de procedimentos para a continuidade dos tra-balhos, com o aproveitamento máximo do realizado. O relatório por ela produzido desa-provou o plano de Corrêa Lima e apresentou um Plano de Remodelação, a partir do qual aprefeitura iniciou a execução das obras da Avenida 10 de Novembro e da Praça da Indepen-dência. Embora tivesse sido aprovado o Plano de Reforma do Bairro de Santo Antônio, suge-rido pela Comissão do Plano da Cidade, restava fazer o Plano de Expansão para o Recife, da-do que o de Atílio Corrêa Lima havia sido sustado antes mesmo de sua conclusão.

AS SUGESTÕES DE ULHÔA CINTRA

Reorganizada a Comissão do Plano da Cidade1 em 1942, foi sugerida, pela unani-midade de seus membros, ao prefeito a formulação de convite ao urbanista João Floren-se de Ulhôa Cintra (diretor de obras da prefeitura de São Paulo), para que ele viesse elabo-rar o plano da cidade, juntamente com a Comissão. Em junho, Ulhôa Cintra apresentouas Sugestões para Orientação do Estudo de um Plano Geral de Remodelação e Expansão daCidade do Recife e, em 15 de julho de 1943, elas foram aprovadas por unanimidade pelaComissão. As sugestões compreendiam os seguintes aspectos: a remodelação do centro; aremodelação dos bairros de Santo Antônio e São José; a estrutura viária (o perímetro deirradiação, cinco radiais e três perimetrais); o porto e sua futura expansão, a localizaçãoda nova estação central e o transporte ferroviário.

O esboço elaborado para o Recife era semelhante ao utilizado na cidade de São Paulo,fundado no esquema teórico de viação proposto para aquela cidade em 1924, ou seja, a ra-cionalidade técnica não continha especificidade, era apropriada a Paris, São Paulo ou Recife:

A parte fundamental de qualquer esquema de viação é naturalmente a que deve abran-ger o núcleo central da cidade, imã de atração para todos os efeitos de administração, de cul-tura, de negócios, diversões, etc. … É o que nos indica o esquema teórico de viação de SãoPaulo. Comparando com os esquemas de Moscou, Berlim e Paris, tirados dos notáveis tra-balhos de Hénard, ressalta imediatamente o enorme partido que podemos tirar das nossascondições atuais (Ulhôa Cintra, 1943, p.266.)

Esse plano, apesar de ter-se constituído em simples sugestões, manteve-se como re-ferência para a realização de intervenções na cidade até a aprovação do Código de Obras,em 1961.

A INFLUÊNCIA DA LÓGICA POSITIVISTA

A descrição dos quatro planos permite afirmar que o paradigma do urbanismo mo-derno disseminou-se como ciência urbanística no Recife dos anos 30. Soluções a proble-mas prementes da cidade são evidenciadas em todos os planos, tais como: a expansão daárea portuária, a localização da estação ferroviária de passageiros, a distribuição de zonasindustriais, a construção de pontes, entre outras.

Dos planos discriminados, apenas o de Domingos Ferreira restringiu-se ao Bairro deSanto Antônio. Os demais estabeleceram, também, previsões de crescimento e expansãoda composição de lugares do Recife. Comparando-se os planos de Figueiredo, Corrêa

V I R G Í N I A P O N T U A L

93R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

1 Pelo Decreto n.º 102 de3/10/1938, foi criada, emcaráter permanente, a Co-missão do Plano da Cidade,sendo logo após suspensosos trabalhos e só reence-tados em 2/6/1942, pormeio do Decreto n.º 317.Nesse decreto, a Comissãofoi reorganizada com cará-ter de órgão coordenador,incumbida de prosseguir nosestudos já iniciados e de or-ganizar em definitivo o planoregulador de expansão doRecife. (Diário do Estado,4/10/1938, p.23; RevistaArquivos, 1942, p.318).

Page 91: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Lima e Cintra, vê-se que o segundo contemplava a cidade como um todo e formulavapropostas para os diversos aspectos de seu ordenamento, portanto apresentava maiorcompletude. O de Nestor detalhava as propostas do sistema viário apenas para os bairrosde Santo Antônio e São José e dava destaque às vias radiais. Por fim, o mérito de Cintraefetiva-se não só por sua objetividade e adoção do perímetro de irradiação e das perime-trais, como também pela ponderação no emprego do princípio da tábua rasa.

Os pontos convergentes entre os citados planos são os seguintes: • os desenhos eram diversos, mas o modelo radial-perimetral foi uma constante: enquan-

to Figueiredo destacou o sentido radial, com a abertura de largas avenidas, Corrêa Li-ma ampliou as perimetrais e Cintra adotou esse modelo, agregando seu esquema teóri-co de viação ao perímetro de irradiação;

• a localização da estação ferroviária de passageiros em Cinco Pontas;• os zoneamentos propostos por Figueiredo e Corrêa Lima, embora tivessem divisões ter-

ritoriais diversas, expressavam o mesmo caráter funcional, isto é, dividiam a cidade emlugares que têm funções exclusivas ou predominantes;

• os parques e jardins ou áreas verdes foram previstos por todos os planos analisados. Noentanto, nesse ponto, Cintra foi mais ousado, propondo duas avenidas-parques: umaligando o Derby a Santo Amaro, ao longo do canal, e outra coincidindo com a quartaradial, ao longo das margens do Rio Capibaribe, além de um grande parque na ilha Joa-na Bezerra. Aliás, Figueiredo fez semelhante proposta para a citada ilha, enquanto Cor-rêa Lima propôs apenas uma praça como ponto de passagem da terceira perimetral.

A preservação do verde existente no centro ou nos subúrbios era marcante, pois, naperspectiva dos urbanistas, no final dos anos 30, a cidade não consistia, apenas, uma se-qüência de casas e edificações, mas a composição da arquitetura da construção com a ar-quitetura da paisagem. Propagou-se, então, que zona verdejante era um princípio urbanís-tico de ordem universal, constituindo-se em elemento integrante de qualquer plano deurbanismo. Desse modo, o erudito discurso do engenheiro José Estelita, na inauguraçãodo Parque 13 de Maio, em 1939, exaltava a modernidade da cidade ao atender os novosditames da ciência urbanística, baseados no equilíbrio entre edificação e elementos natu-rais — o sol, o ar e a vegetação —, por propiciar a regularidade das funções biológicas dacidade. Essa era uma entre outras tantas representações valorizadoras da cidade, compon-do o sentimento de orgulho pelo Recife moderno. Recife não era só a cidade de arquite-tura mesquinha e rasteira, Recife não era só lugar de moradias infectas e insalubres, Reci-fe era a cidade das grandes avenidas, dos arranha-céus, dos parques e dos jardins, misturacerta de tijolo, água e vegetação.

Entre as divergências verificadas nos quatro planos, tiveram destaque as seguintes:• o desenho viário para a Praça da Independência: enquanto Figueiredo acentuou a sua

centralidade, dando-lhe caráter monumental, Corrêa Lima e Cintra buscaram rompercom a excessiva convergência das ruas, mediante a descentralização do tráfego ou do pe-rímetro de irradiação;

• a expansão do porto: naquele momento, estavam em discussão duas propostas formu-ladas por engenheiros para solucionar esse problema. Corrêa Lima referendou a propos-ta de Teixeira de Mello, que aterrava a bacia de Santo Amaro ligando a ilha do Recifeao continente, enquanto Figueiredo e Cintra adotaram a que excluía tal ligação.

Os planos concebidos eram imagens de uma cidade futura, bela e radiosa, onde amonumentalidade se interligava com aspectos técnicos, práticos e funcionais, e cujo re-sultado deveria ser uma cidade ordenada e disciplinada, em oposição ao caos da cidade es-

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 994

Page 92: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

pontânea e intuitiva. O paradigma adotado nos planos para o Recife foi o da cidade fun-cional,2 ordenada segundo as funções de habitar, trabalhar, circular e descansar; daí a ên-fase na abertura de vias, no estabelecimento de avenidas-parques, além de outros parquese jardins, e na definição de zoneamentos nos quais cada lugar da cidade se caracterizariapor uma única função. Outro preceito do urbanismo moderno, empregado extensiva-mente no bairro de Santo Antônio, foi o princípio da tábua rasa,3 ou seja, em uma cida-de de ruas estreitas e tortuosas, imagem de uma sociedade pré-industrial, não há o quepreservar, não há o receio de demolir. Entretanto, tal princípio não era unânime entre osurbanistas da época. Por exemplo, o gatepac parecia não assumir indistintamente o prin-cípio da tábua rasa: é o que denota o texto sobre o plano da futura Barcelona.

No se puede pretender modernizar la ciudad vieja; es en cambio necesario higienizarla yenlazarla con comunicación, dejando los principales monumentos rodeados de las construccio-nes actuales, al lado de las cuales aquéllos nos dan perfecta idea de su escala, cosa que perde-rían si se llevasen a cabo las grandes plazas y vías proyectadas (AC/GATEPAC, 1931-1937,n.1, p.20.)

Destruir era consensual, com vista à abertura das avenidas do Bairro de Santo An-tônio, mas não era consensual a extinção dos mocambos. Lira (1994) mostrou não haveruma unidade na representação do mocambo nos anos 30 no Recife, destacando a roman-tização dos pensamentos de Gilberto Freyre e Josué de Castro, por denotarem “uma re-presentação idealizada da origem, de um universo primitivo em estado de harmonia eco-lógica” (Lira, 1994, p.53). Essas representações não eliminavam a existência de outrospensamentos que condenavam o mocambo e defendiam a casa popular.

A luta contra o mocambo estava associada a outro requisito inerente a uma cidademoderna: a salubridade, no caso particular da geografia do Recife, com o aterro dos ala-gados. A salubridade era um componente muito forte no imaginário do recifense — da-do que a cidade é originária de um sítio deltaico —, era uma aspiração histórica registra-da já desde os passos urbanizadores de Maurício de Nassau, seguidos do admirável Planode Saturnino de Brito. A onda urbanizadora modernista não podia prescindir do tema dasalubridade. Assim, drenar canais e aterrar os alagados e baixios da cidade conjugadamen-te à destruição do mocambo constituiu um só e valoroso objetivo.

Destruir mocambos no Recife, habitados ou não, e substituí-los por casas higienizadas …é fazer urbanismo, é combater endemias ( Jornal do Commercio, 23/3/1946, coluna de Má-rio Melo.)

Registramos que ha um programa definido em favor da casa popular, ao mesmo tempoque se eliminam do centro da cidade grupos de habitações miseraveis, que a hygiene e a es-thetica urbana não podiam mais admitir (Diario de Pernambuco, 22/4/1938, coluna de Aní-bal Fernandes.)

Os aplausos à política de erradicação dos mocambos eram generalizados e unânimesem toda a imprensa de então. Destruir mocambos era tratar da tuberculose, da febre ti-fóide, da mortalidade infantil, era tratar de engenharia sanitária e hidráulica, era extinguiros focos de indisciplina e de fermento revolucionário.4 Cabia, pois, esquadrinhar as áreasocupadas pelos mocambos. O esquadrinhamento realizado pela Comissão Censitária dos

V I R G Í N I A P O N T U A L

95R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

2 Sobre Cidade Funcional,ver o IV Congresso Interna-cional de Arquitetura Moder-na in AC/GATEPAC, 1931-1937. (AC-5, p.17 e AC-12,p.12).

3 Segundo Koop (1990,p.125), Le Corbusier teriaviajado, em 1928, à UniãoSoviética e mantido contatocom M. Lubimov, absorven-do as reflexões em curso nopaís, e passa a defender oprincípio da tábua rasa, queconsiste a adoção da demo-lição, sem contestações, doexistente tecido urbano dascidades, das tradições e es-tilos arquitetônicos entãoem voga, dos modos de fun-cionar da cidade, enfim doshábitos do homem “antigo”.

4 Diario de Pernambuco,16/2/1938, “O problema dahabitação popular”.

Page 93: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Mocambos do Recife,5 em 1939, não foi o primeiro. Desde 1913, realizavam-se recensea-mentos de modo a conhecer o mal a ser controlado e combatido. Destruir mocambos sig-nificava construir vilas operárias, habitações econômicas, casas populares.

A verticalização constituiu para muitos uma das principais representações de pro-gresso, sendo propagada a necessidade de incentivar a instauração de um padrão constru-tivo verticalizado, em oposição ao então vigente, segundo o qual as casas pareciam con-fundir-se com o solo, amesquinhando e conferindo um ar tristemente suburbano àcidade. Entretanto, se a verticalização e as grandes densidades construtivas eram propaga-das por uns e condenadas por outros, restringia-se tal tensão aos lugares onde o modelobuscado era de impessoalidade, elegância e monumentalidade. Nos lugares suburbanos, omodelo mudava para o da cidade-jardim.

A ressonância do ideário do movimento moderno europeu na arquitetura e no ur-banismo, na cidade do Recife dos anos 30, adquiriu visibilidade por meio dos planos dereforma e expansão, principalmente por incorporarem a noção de previsão e o modelofuncional de cidade, seja na adoção do princípio da tábua rasa, seja na definição do siste-ma viário, seja no estabelecimento do zoneamento por áreas com funções exclusivas, sejana adoção da salubridade e higienização — insolação, ventilação e iluminação dos espa-ços fechados e abertos —, seja na preferência pelo padrão verticalizado das edificações,seja na opção pelas grandes concentrações urbanas, mesmo restritas aos lugares centrais, se-ja na valorização do elemento natural com parques, praças e jardins.

Embora cumprissem os princípios dos Ciams, questões como habitação mínima ecidade-jardim tinham formulações diversas. A habitação mínima não constava dos discur-sos dos urbanistas. A casa operária ou popular apareceu como contraponto do mocamboe não representava sentidos de justiça e igualdade social. Seria forçoso identificá-la comas famosas Siedlungen alemãs (vilas operárias dos anos 20), ou com a noção de racionali-zação da moradia e das tarefas domésticas pregadas pela delegação alemã junto com Cor-busier, no 2º Ciam (Frankfurt, 1929).

O modelo de cidade-jardim estava sempre referendado nos discursos e nas propos-tas, não se verificando discordância quanto à sua utilização em áreas afastadas do centro.Esse modelo, que significava a possibilidade de estender o modo de viver do campo paraa cidade, era, em grande parte, o ideal de morar dos letrados recifenses. Dessa forma, afas-tava-se, também, essa representação das concepções que preponderaram no 3º Ciam(Bruxelas, 1930). Ia-se mais ao encontro das concepções da Cidade Verde de Moscou, pu-blicadas pelo Gatepac (AC–1, 1931).

A importância e a evidência desses preceitos para os detentores do saber deviam-se àconformidade no atendimento das necessidades da cidade, mas, principalmente, consti-tuíam objetivações da racionalidade técnica, cerne das teorias urbanísticas em voga nosanos 30.

A cidade, resultado da aplicação do ideário do urbanismo moderno, fascinava os ur-banistas do Recife, nos anos 30, na medida em que configurava o progresso citadino, mes-mo sendo uma imagem fabricada com o lápis e o papel. Diante do fantasma da cidadecolonial, associado ao temor de perder o Recife a terceira posição entre as grandes ci-dades brasileiras, apresentava-se o plano de reformas, de remodelação ou de expansão, pa-ra os urbanistas e jornalistas, como a estratégia possibilitadora de um futuro promissor,mediante a previsão de regras. O plano significava o modo de recuperar o caos, a subli-mação do conflito, a cidade ordenada, sem desperdícios ou disfunções generalizadas, en-fim, a dominância da lógica positivista da cultura burguesa.

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 996

5 A Comissão foi criada porAgamenon Magalhães como Decreto n.º 182 de17/9/1938.

Page 94: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

O PLANEJAMENTO HUMANISTA DOS ANOS 50

O período que se segue à queda do Estado Novo e se prolonga pela década de 50foi, também, de grande efervescência político-cultural no Recife. As contribuições multi-plicaram-se, e o novo, marcado pela tônica da cultura popular, ao lado da permanênciado regionalismo freyriano, forjou a riqueza cultural recifense. O buliçoso ambiente cul-tural, aninhado na euforia democrática, contou com a reanimação ou o surgimento deinúmeros grupos artísticos, entre os quais tiveram maior destaque: a Sociedade de ArteModerna do Recife (SAMR), fundada em 1948 por Abelardo da Hora, entre outros, e cujadiretriz de trabalho era “o povo e as manifestações da cultura popular” (Hora, 1986,p.13); o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), formado por sugestão de HermiloBorba Filho, em 1946, uma tentativa de criar uma arte especificamente nacional, apro-veitando todos os assuntos folclóricos e humanos e encampando como concepção deatuação a proposta de “levar o teatro ao povo em vez de esperar que o povo venha ao tea-tro”; as Bibliotecas Populares, embora ligadas ao governo municipal, que “foram justifi-cadas por um grupo de intelectuais que, de uma perspectiva política, compreendia o po-vo como sujeito da história, não marginalizado” (Verri, 1990, p.3); e o aparecimento doCineclube do Recife, do Cineclube Vigilanti Cura e do Cinefórum. A produção da cul-tura de massa também iniciou-se no Recife, na década de 50, por meio do rádio e do dis-co. Nesse último caso, destacou-se a Fábrica de Discos Rosenblit Ltda., pela divulgaçãode gêneros musicais brasileiros, nordestinos, em particular, e pernambucanos, especial-mente. O regional e o popular seriam, assim, duas perspectivas presentes no contexto in-telectual da época. Entretanto, cabe frisar que a emergência do popular como cultura co-locou lado a lado as expressões eruditas e as inerentes ao homem do povo, ou melhor, onovo não surgiu no bojo do modernismo, mas da idéia de que o povo deveria estar inte-grado às expressões da cultura e do saber.

Concomitantemente às novas expressões culturais, o cenário político dos anos 50 foimarcado por debates centrados nas questões das disparidades regionais, do subdesenvolvi-mento da região Nordeste e das reformas sociais, ou seja, buscavam os intelectuais propa-gar e difundir idéias cujo efeito fosse a reversão dos enunciados de miséria e de atraso regio-nal. Entre os eventos técnicos e políticos realizados, teve destaque o Congresso de Salvaçãodo Nordeste (1955). O ideário desenvolvimentista, presente no conteúdo programático doCongresso, encontra-se nos trechos mais eloqüentes da Carta de Salvação do Nordeste:

As condições de retardamento do Nordeste mantém em planos inferiores de vida todosos habitantes. Num quadro de calamidades naturais periódicas, grande número de proble-mas entrava o desenvolvimento da região. Vive o nordestino uma situação de dificuldades,que não se coaduna com seu espírito de iniciativa e capacidade de trabalho. Ao flagelo dassecas juntam-se os males do latifúndio, quase sempre improdutivo, as deficiências de trans-portes, a dispersão da população, o analfabetismo, as endemias e carências alimentares … Opotencial de Paulo Afonso ainda não proporciona os níveis de produtividade necessários aodesenvolvimento da região. Também a larga possibilidade dos produtos nordestinos, comvantagens para o desenvolvimento das fontes comerciais, internas e externas, está por apro-veitar … O Congresso de Salvação do Nordeste conclui pela necessidade inelutável de se eli-minarem os entraves ao desenvolvimento regional. Assim, convoca o governo e a iniciativaprivada a substituir por empresas nacionais as concessionárias estrangeiras de serviços públi-cos, inequivocamente incapazes de cumprir os seus encargos para com a coletividade. Para

V I R G Í N I A P O N T U A L

97R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 95: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

incrementar a industrialização e obter o bem-estar das populações regionais, o que só se tor-nará possível com a ampliação do mercado interno, outros entraves deverão ser afastados, co-mo os efeitos das secas periódicas e o regime da grande propriedade improdutiva …

Os termos da Carta foram enaltecidos por se contraporem, pela primeira vez, à per-cepção do Nordeste como área pobre e subdesenvolvida em decorrência de fatores natu-rais, em especial daqueles ligados aos períodos das estiagens, e por apontarem os fatoreseconômicos determinantes dessa condição e as potencialidades futuras com o advento daenergia de Paulo Afonso e da industrialização.

O ESTUDO DE LEBRET6

Diante das expectativas e incertezas quanto ao impacto da industrialização que deveriaacontecer no Estado, resolveu o governo estadual, por meio da Comissão de Desenvolvimen-to Econômico de Pernambuco (Condepe), solicitar ajuda a especialistas, além dos quadrosexistentes na região. Assim, foi solicitado a Lebret7 um estudo da economia de Pernambuco,incluindo a apresentação de sugestões quanto à localização de novas indústrias no Estado.

Em agosto de 1954, Lebret permaneceu quinze dias em Pernambuco. Teve como as-sessores diretos Antônio Baltar e Souza Barros, que realizaram estudos segundo o métodode trabalho desenvolvido originalmente por Lebret, característico das pesquisas do Movi-mento Economia e Humanismo. Para mostrar a transposição das idéias de Lebret para oBrasil, e, em particular, para Pernambuco, afirmou Baltar:8

Muita coisa que se fez depois dos trabalhos dele em matéria de planejamento seguiu, ni-tidamente, certas orientações deixadas por ele. Nem todas eram inventadas por ele, era o quehavia de mais moderno em matéria de planificação e ele era influenciado pelas grandes cor-rentes de planejamento urbano como a inglesa, a alemã e a francesa. E ele deixou idéias quepouco a pouco foram sendo absorvidas e postas em prática.

O resultado dos trabalhos foi consubstanciado no documento intitulado Estudo sobredesenvolvimento e implantação de indústrias, interessando a Pernambuco e ao Nordeste (1954). Aidéia central presente nesse documento era a factibilidade do desenvolvimento via industria-lização em Pernambuco e, em decorrência, a redução do seu estado de subdesenvolvimento.

Distinguir mise-en-valeur de desenvolvimento marcava a perspectiva do MovimentoEconomia e Humanismo: para além do enfoque econômico, fazia-se mister afirmar valoreshumanos, instaurar o bem comum.9 Esse conceito foi tratado no encontro de avaliação doMovimento Economia e Humanismo realizado em 1952, em Tourette, França, no qual seafirmou que a noção de mise-en-valeur humanizada dos espaços regionais era sinônimo deaménagement du territoire. Segundo Célestin (1986), a dimensão territorial já estava subli-nhada como componente essencial do Movimento Economia e Humanismo desde o Ma-nifesto de 1942, embora só em 1952, na Charte de l’Aménagement, essa noção tenha sidomais precisamente definida.

Esse entendimento de aménagement du territoire, lembrando Célestin, inscreveu-sena perspectiva de “instauração progressiva de uma economia humana segundo um mode-lo ‘piramidal’ constituído pela integração de unidades territoriais equilibradas em diferen-tes escalas, a partir das ‘comunidades de base’ até o nível mundial, passando pelo país, aregião e a nação” (Célestin, 1986, p.113).

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 998

6 Louis-Joseph Lebret nas-ceu na Bretanha, em 26 dejunho de 1897. Quando jo-vem, alistou-se volutariamen-te no Exército, mas depoispassou para a Marinha Na-cional, tendo chegado à pa-tente de oficial de navio. Dei-xou a carreira militar em1923 para entrar na Ordemdos Dominicanos. Entre1923 e 1939, implantou oMovimento de Saint-Malo, apartir do qual foram funda-dos os comitês dos pesca-dores. Em 1941, fundou oMovimento Economia e Hu-manismo e, em 1942, foilançada a revista desse mo-vimento. Desde 1946, pas-saram a ser organizados osgrupos locais de Economia eHumanismo em diversas re-giões da França, da AméricaLatina e em outros países daÁfrica, Ásia e Oriente Médio.Esses grupos funcionavamcomo retransmissores daação pelo desenvolvimentoharmonioso. Lebret fundouainda, a partir de 1957, com opadre Pierre o Iramm, comJosué de Castro o Ascofam,além da Cinam e do Irfed.Lebret faleceu em Paris, a20 de julho de 1966 (RevistaEconomia e Humanismo,Lyon, E.H. nº spécial, p.9-10, octobre/1986).

7 Segundo Lamparelli (1994,p.93; 1994a, p.4), Lebretveio pela primeira vez aoBrasil em 1947. Passandopelo Recife, conhece Baltar,que viria a ser um dos adep-tos do Movimento Economiae Humanismo. Em São Pau-lo, fundou a Sagmacs —Sociedade de Análises Grá-ficas e Mecanográficas Apli-cadas aos Complexos So-ciais, uma das primeirasequipes interdisciplinares,constituída na forma de em-presa de consultoria paraatuar profissionalmente emestudos, pesquisas e pla-nejamento no campo dasquestões sociais e dodesenvolvimento regional e urbano.

8 Segundo entrevista con-cedida por Baltar, em Re-cife, fevereiro de 1995.

9 Lamparelli (1994, p.91)mostra que Lebret colocavao Movimento de Economia eHumanismo como a quartavia em distinção às ideolo-gias marxista, capitalista enacional-socialista.

Page 96: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

O diagnóstico mostrava a posição desfavorável do Nordeste em relação ao Centro-Sul e a posição privilegiada de Pernambuco em relação aos demais Estados nordestinos,assim como afirmava o Recife como metrópole regional. O estudo apontava fatores favo-ráveis, configurava-se como desejos contidos de um incerto vir-a-ser, jogados como quasecertezas, agarrados como objetos concretos para dar forma a subjetividades que inspiras-sem um futuro alvissareiro.

O problema do desenvolvimento do Nordeste deve ser encarado como solução nacional… Politicamente, foi ganha a batalha para apresentar como um escândalo nacional o retar-damento do Nordeste. Os dirigentes da República estão já convencidos de que esse escânda-lo não deve continuar. É preciso não dormir sobre a vitória conseguida e aproveitar o climapsicológico que possibilita a ajuda necessária para o desenvolvimento da região (Lebret,1974, p.49.)

O essencial do estudo foi apresentado nas linhas de diretrizes do plano a longo ter-mo e, em especial, do plano imediato. As primeiras diretrizes foram indicações geraisquanto aos tipos de indústrias a serem implantadas e às complementações necessárias.Ao tratar do plano imediato, Lebret tornou-as mais concretas, propondo um esquemade contenção às migrações internas, que preconizava a instalação descentralizada de no-vas indústrias e um zoneamento para a cidade do Recife. Esse zoneamento baseou-se emquatro mecanismos funcionais: controle das densidades, fluidez da circulação, reserva deespaços verdes e redução dos deslocamentos casa-trabalho. As áreas mais favoráveis à ex-pansão da cidade foram destinadas preponderantemente à ocupação industrial; a zonaportuária foi expandida para o sul da cidade a as áreas de morros serviriam à implanta-ção de uma cidade popular ou operária. Essa configuração materializava certos ideais daépoca, segundo os quais a indústria e o operário constituíam os principais pilares datransformação social. O sistema viário adotado mantém a orientação de Ulhôa Cintra,ou seja, as radiais e as perimetrais, incluindo a grande radial de articulação entre as zo-nas industriais. O estudo mostrava, enfim, a aplicação da doutrina do aménagement duterritoire,10 isto é, foram identificadas e formuladas as hipóteses da mise-en-valeur re-gional e indicadas propostas quanto à localização das estruturas econômicas e residen-ciais, à localização dos equipamentos e dos quadros de vida e às densidades e desloca-mentos populacionais.

O Recife ordenado, para Lebret, era a cidade industrial e portuária, em que as in-dústrias e o porto dominavam a paisagem citadina, determinavam a sua vitalidade. Era,por decorrência, a cidade operária, até então apenas a cidade do subproletariado, mas emque a quimera da industrialização resgataria os males do subdesenvolvimento, proporcio-nando à população operária melhores níveis de vida.

AS DIRETRIZES DE BALTAR

Em 1951, bem antes do estudo de Lebret, Baltar11 apresentou sua tese de concursopara o provimento da cadeira de Urbanismo e Arquitetura Paisagística, na qual já estavaexplicitada a primazia da noção de região sobre a de cidade e que, em conseqüência, mu-dava o caráter propositivo de plano. A idéia fundamental da tese foi mostrar a cidade in-tegrada na região, afirmar o planejamento regional e refutar as idéias primitivas de urba-nismo voltadas ao embelezamento da cidade, às soluções de problemas de higiene da

V I R G Í N I A P O N T U A L

99R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

10 O termo aménagementdu territoire foi traduzido pe-lo grupo de Economia eHumanismo, em São Paulo,como “organização e apro-veitamento do território”(Boletim Informativo Code-pe, Recife, ano I, n.6, p.1,nov./dez. 1954).

11 Antônio Bezerra Baltarnasceu no Recife, em16/8/1915. Formou-se emengenharia civil em 1938.Como estudante: estagiou naDiretoria de Arquitetura e Ur-banismo da Secretaria de Via-ção e Obras do Estado, soba chefia de Luiz Nunes, e foimembro da Comissão Orga-nizadora do Instituto de Previ-dência Social do Estado dePernambuco. Como político:membro da Esquerda Demo-crática e do Partido Socialis-ta Brasileiro, fez parte da di-reção municipal, estadual enacional; elegeu-se duas ve-zes vereador do Recife peloPSB, sendo a primeira em1955; elegeu-se suplente dosenador Barros de Carvalhona chapa de Cid Sampaio, naeleição para o governo do Es-tado, em 1958. Como profis-sional: Chefe do Departamen-to de Engenharia do IPSEPaté 1943, engenheiro da As-sociação Brasileira de Cimen-to Portland; Chefe de Distritodo DNER; representante doClube de Engenharia na Co-missão do Plano da Cidade apartir de 1944; Diretor Supe-rintendente da Coperbo, noprimeiro governo Arraes;componente da equipe doPadre Lebret, no Brasil, porquinze anos. No exílio, traba-lhou na Comissão Econômicapara a América Latina, de1965 a 1982. Como profes-sor, na Escola de Belas Ar-tes, interinamente, na cadeirade Urbanismo (1941-1942),tendo sucessivamente ensi-nado as cadeiras de Perspec-tiva, Teoria de Arquitetura ePequenas Composições, co-mo professor concursado de Urbanismo (durante 24anos). Na Escola de Enge-nharia, na cadeira de Econo-mia e Finanças, durante 20anos. Deposto pelo Ato Insti-tucional nº 1, voltou a ensi-nar, depois de anistiado noMDU/UFPE por dois anos,tendo então se aposentado.(Montenegro et. al, 1995; en-trevista realizada com Baltarem fev./1995).

Page 97: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

habitação, de trânsito e de perspectivas urbanísticas. O objetivo do estudo foi apresentarum esquema de expansão de cidades, particularmente a do Recife.

Advogava Baltar o planejamento como expressão da racionalidade técnica, como omodo de prevenir e de remediar os fatores negativos da concentração urbana dos tem-pos modernos, bem como criticava o urbanismo, ou melhor, os planos de cidade comoprojetos de embelezamento e de descongestionamento de trânsito e como imagens de ci-dades-ideais.

O urbanismo do século XIX, êsse período fatal da história da arquitetura e da urbaniza-ção, contentou-se com a procura da solução do problema do embelezamento. Ciência e ar-te tipicamente acadêmicas, a organização dos planos de cidade dentro dêsse espírito, que foia tendência oficial de uma certa época já dêste nosso século, não procurou fundamentos só-lidos na observação e na análise dos verdadeiros problemas humanos dos quais o urbanismoe a arquitetura são apenas reflexo (Baltar, 1951, p.26.)

Com essa argumentação, Baltar tornou irrefutável a sua concepção de planejamen-to extensivo a toda a região, atingindo a totalidade dos problemas, em vez de focalizar,apenas, aqueles mais restritamente urbanísticos. Para tanto, propôs um roteiro de examede uma cidade segundo três categorias de problemas: ocupação adequada do território;número de habitantes e sua distribuição; e equipamento urbano. Esse esquema consistiaos elementos componentes do aménagement du territoire, denotando a transposição demétodos e técnicas de planejamento do Movimento Economia e Humanismo.

O modelo urbano de uma cidade regional, esboçado genericamente por Baltar, com-punha-se das seguintes unidades: o núcleo urbano da cidade regional; as cidades satélites,com os respectivos núcleos urbanos e unidades residenciais; as unidades residenciais, comos respectivos centros locais; as unidades industriais e as zonas verdes — agrícolas e flo-restais —, além do sistema rodoferroviário.

Estabelecidos os elementos mais gerais do modelo, foram previstos os elementos es-pecíficos, como a localização das grandes indústrias da cidade regional na periferia das ci-dades satélites ou na periferia do próprio conjunto — nunca, porém, no interior de qual-quer dos núcleos onde outras atividades estivessem instaladas —, e a distribuição dasatividades agrícolas da região nos extensos vazios que mediavam as diversas unidades ur-banas, principalmente ao longo das rodovias e ferrovias de ligação.

Embora a industrialização fosse vista como a maneira de promover o desenvolvi-mento da região, Baltar enfatizou a falta de disponibilidade de terrenos para essa ativi-dade econômica na cidade do Recife. No entanto, Lebret (1974), no seu estudo sobre aimplantação de indústrias, localizou diversas áreas para esse fim. É possível que, nesseponto particular, não tenha havido concordância entre ele e Baltar, embora tenha sido oúltimo um dos principais e permanentes assessores do padre dominicano na elaboraçãodesse estudo. Porém, as indicações de Lebret estavam em concordância com as propos-tas do Código de Obras então em elaboração pela prefeitura do Município do Recife, oqual previa zonas e núcleos industriais na cidade. Outra diferença entre o estudo deLebret e as diretrizes de Baltar diz respeito ao entendimento de região: enquanto, para oprimeiro, era uma unidade econômico-geográfica, partição do território nacional queabrangia diversos Estados — o Nordeste, para o segundo, era uma unidade econômico-geográfica, partição do território estadual que abrangia diversos municípios — a re-gião metropolitana.

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9100

Page 98: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

Baltar fez a transposição dos princípios da arquitetura e do urbanismo moderno pro-palados pelos Ciams, mas, em especial, transpôs as experiências do urbanismo britânicodo Pós-Guerra, principalmente da legislação urbanística de 1947. A transposição do mo-delo de cidade-jardim foi preponderante, seja como padrão de remodelação do existente,seja para orientar as novas ocupações e edificações citadinas. Entretanto, os ideários cita-dos foram adequados à doutrina do Movimento Economia e Humanismo que ele abra-çou em profundidade.

Pelo menos desde 1947, Baltar já tinha contato com Lebret. No entanto, conside-rando os seus trabalhos publicados, só em 1949, no discurso de paraninfo aos formandosda Escola de Engenharia da Universidade do Recife, ele falou da doutrina do Movimen-to Economia e Humanismo como alternativa ao encaminhamento dos problemas da hu-manidade. Intitulado “Por uma economia humana”, o discurso versou sobre a tarefa dereabilitação da humanidade, reservada também à engenharia, ou seja, cabia à engenhariao papel de colocar o progresso técnico em benefício do Homem, e criticou o liberalismoeconômico e o marxismo por não solucionarem os problemas da humanidade e conteremcontradições inerentes a seus objetivos e práticas. No fechamento do discurso, foi apre-sentada como terceira alternativa, para abordar o problema do progresso técnico com orespectivo benefício à humanidade, a doutrina “Economia e Humanismo”.

Esboça-se assim uma nova atitude diante da questão … Permiti-me, porém, que vosconfesse a minha simpatia pessoal pelas idéias do chamado movimento Economia e Huma-nismo ... Inspirado nas fontes mais puras da doutrina há vinte séculos pregada à humanida-de pelo Cristo, êsse movimento visa restaurar na escala humana as atividades econômicas,partindo da reabilitação das comunidades naturais, destruídas por um fenômeno de gigan-tismo celular, que atacou os grupos sociais de forma em tudo semelhante ao processo do cân-cer biológico no corpo de um sêr vivo … O método de ação do movimento se baseia nasconstatações objetivas da realidade econômica e social, na aplicação dos instrumentos de pes-quisa mais agudos à análise dessa realidade e principalmente na participação integral na vidadas comunidades a reabilitar (Baltar, 1950, p.14-5.)

Aqueles que abraçaram a doutrina Economia e Humanismo continuaram a difundiros seus princípios por mais tempo. Desse modo, o Seminário de Técnicos e Funcionáriosem Planejamento Urbano, realizado em Bogotá, de 5 a 31 de outubro de 1958, que re-sultou na Carta dos Andes, mostrou em seu temário12 a presença das idéias humanistas.Baltar, o engenheiro Mário Laranjeiras de Mendonça (da equipe de Lebret, em São Pau-lo) e o arquiteto baiano Newton Oliveira compuseram a delegação brasileira. A atuaçãode Baltar no Seminário foi marcante, tendo estado presente em todos os debates, presidi-do uma das comissões temáticas, realizado uma conferência e concedido duas entrevistas.

A atualização das idéias propugnadas por Baltar, no início dos anos 50, fez-se pelainstauração da concepção de planejamento em substituição à de desenho de reformas; de região em substituição à de cidade; pela determinação da economia para o desenvolvi-mento em substituição à engenharia para o embelezamento do ambiente citadino. O Re-cife moderno para Baltar era o núcleo urbano que abrangia o porto, o comércio de im-portação e exportação, o comércio e os serviços em geral, os bancos e as residências; eramas cidades-satélites ou cidades industriais, Olinda, Paulista, São Lourenço e Jaboatão, comsuas unidades de vizinhança; eram as atividades agrícolas separando as unidades urbanas;era a mesclagem dos princípios da cidade funcional com a cidade do bem comum, isto é,

V I R G Í N I A P O N T U A L

101R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

12 O temário discutidoconstou de seis pontos,quais sejam: i) conceito deprocesso de planejamento eos aspectos humanos dodesenvolvimento urbano, cu-jo documento de referênciafoi redigido pelo arquitetocolombiano Gabriel AndradeLieras e pelo sociólogo Sa-kari Sariola da ONU; ii) ca-racterísticas do planejamen-to regional na AméricaLatina, redigido pelo urba-nista peruano Luís Dorich;iii) plano geral urbano comoinstrumento básico paraguiar o desenvolvimento dacidade, eixo principal do te-mário do seminário, redigi-do pelo professor FrancisViolich da Universidade daCalifórnia; iv) renovação ur-bana, redigido pelo arquite-to Carl Feiss; v) programa-ção do planejamento e osorçamentos, redigido peloarquiteto Carlos Alvarado,vice-presidente da Junta dePlanificação de Porto Rico;vi) o liderato em planejamen-to, de autoria de Eric Carl-son, diretor do CINVA.

Page 99: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

a eficiência funcional deveria estar conjugada a condições de vida dignas, sem a submis-são dos homens à fome e à miséria. Se o enunciado para o Recife dos anos 50 era o da ci-dade da miséria e do atraso regional, as idéias propugnadas por Baltar aventavam a possi-bilidade de uma polaridade — de desenvolvimento e prosperidade, de um futuro em queo avanço tecnológico estivesse ao alcance de todos os homens e, portanto, mantinham-se o controle e a ordenação espacial da cidade com os conflitos apaziguados e as necessi-dades satisfeitas, pelo menos em um nível e por um tempo.

O PLANEJAMENTO HUMANISTA DOS ANOS 50

Os dois planos focalizados mostraram o planejamento regional firmado como saber,e conferiram posição diferenciada aos detentores de tal conhecimento. Já não tinha rele-vância ser engenheiro, arquiteto, economista ou médico, mas aos detentores do saber deplanejamento era concedida uma maior autoridade no tratamento da cidade e da região.Como a noção de região passou a ter primazia sobre a de cidade, a composição de luga-res futuros tornou-se subordinada às questões regionais, nas quais prevaleciam os fatoseconômicos, ou melhor, a atualização das idéias e representações de lugares ordenados eharmoniosos passou a ser um reflexo da economia. Desse modo, o planejamento comosaber apareceu e disseminou-se como o novo instrumento político capaz de objetivar umacidade disciplinada. Essa teoria urbanística, similarmente ao que ocorria em relação àsteorias preceituadas pelo urbanismo dos anos 30, tinha como cerne a racionalidade cien-tífica inerente às grades teóricas da modernidade.

Paralelamente e por decorrência da emergência do planejamento entre os urbanistase demais intelectuais, afirmou-se a idéia de região metropolitana. O Recife passou a serimaginado como o centro de uma região que era muito maior em extensão territorial, masdominada pela cidade-centro. A atualização do sentido de cidade passou a ser o de metró-pole regional — industrializada, equilibrada e integrada, em contraposição aos enunciadosde miséria e atraso regional propalados pelos urbanistas.

O novo saber do planejamento relegou o ideário do urbanismo do fim do século XIX

e das primeiras décadas do século XX, consubstanciado nas noções de embelezamento, hi-giene, salubridade e monumentalidade. Bem comum, harmonia, integração, equilíbrio,desenvolvimento, condições de vida humana passaram a marcar a representação de cida-de no campo do planejamento. O método possibilitava esquadrinhar minuciosamente arealidade e, portanto, outorgava maior certeza aos seus enunciados.

As inovações introduzidas pelo ideário do Movimento Economia e Humanismo, nosplanos e textos analisados, não constituíram uma ruptura com o ideário dos Ciams e dourbanismo britânico do Pós-Guerra. Definir diretrizes relativas à localização das estrutu-ras econômicas e residenciais, à localização dos equipamentos e quadros de vida e àsdensidades e deslocamentos populacionais não contradizia os preceitos da arquitetura eurbanismo modernos. Essas eram regras respectivas para os dois diferentes tipos de orde-namento e controle — num, eram orientações de procedimentos e modos de fazer; nou-tro, eram determinações do que fazer, objetivadas em relações e dimensões.

O planejamento humanista nos anos 50 foi, inquestionavelmente, um dos mais im-portantes ideários transpostos para o Brasil, e Baltar foi, na cidade do Recife, quem me-lhor difundiu esse saber. A cidade do Recife dos anos 50 comportou a utilização de todasessas teorias, embora as propostas de organização espacial dos homens tivessem passado aapresentar elevado nível de abstração e generalização, formuladas como diretrizes.

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9102

Page 100: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

RUPTURAS E PERMANÊNCIAS DE IDÉIAS

No Recife dos anos 30, o efusivo ambiente cultural apresentava-se com uma mis-tura bem dosada de incertezas e enfrentamentos entre o moderno e o tradicional, o in-ternacional e o nacional, o regional e o provinciano. Entre outras questões, indagava-se: como transformar o Recife numa cidade moderna e quais as regras a seremexpressas nos planos? Nos idos de 30, o desafio partia da própria necessidade de secriar uma mentalidade urbanística. Teorias, planos e utopias existiam, mas nem mes-mo os intelectuais locais sabiam ao certo o que era cultura urbanística, com exceçãode uns poucos eruditos, que mantinham contatos com a Europa e a América do Nor-te. Entretanto, além dessa apreensão por parte dos homens cultos, dos especialistas,dos técnicos, era necessária, para o sucesso da racionalidade urbanística, a absorçãodesse saber pelos moradores da cidade, pelo homem citadino. A difusão e a dissemi-nação de uma mentalidade urbanística eram perseguidas em todo o País, tendo sidodefinidas como objetivo principal do Congresso Brasileiro de Urbanismo, realizado noRecife, em 1942.

Mentalidade urbanística e plano reformador foram os grandes requerimentos dosurbanistas nos anos 30, embasados no conhecimento técnico da realidade e no entendi-mento de que a cidade deveria funcionar com eficiência, aliada a um gosto estético. Osdiscursos dos urbanistas evocavam a idéia de progresso para fixar uma imagem na quala composição dos lugares não fosse de caráter colonial; as ruas não fossem estreitas, tor-tuosas, sem arborização, sem pavimentação, escuras, sujas e insalubres; o tráfego não es-tivesse congestionado; os terrenos não fossem alagados; as edificações não fossem baixase acaçapadas; e os mocambos não fossem insalubres, infectos e disseminados.

Em suma, a idéia central de progresso da cidade decorria da ordenação do seu cres-cimento construtivo, objetivada no desenho de um futuro promissor que contivesse a vi-são do todo e interligasse a produção da beleza e da salubridade. O plano, com o zonea-mento e o sistema viário, continha os dispositivos do saber urbanístico. Sendo científico,tornava-se inquestionável e legitimado, tornava-se verdade discursiva que cumpria com ospreceitos de higienização e salubridade — insolação, ventilação e iluminação; de veloci-dade e mobilidade — avenidas e ruas largas e retilíneas; de especialização funcional — ha-bitar, trabalhar, circular e descansar; de amenização paisagística — presença de vegetação;de verticalização — elevador e circulação interior; e de não-preservação do antigo. Para aefetivação de todos esses preceitos, os vestígios da sociedade não-industrial podiam serdestruídos. Assim, o princípio da tábua rasa justificava os desenhos do futuro da cidadedo Recife dos anos 30. Nesses desenhos, a reversão das imagens e dos enunciados negati-vos do ambiente citadino propalados pelos urbanistas foi representada na cidade bela,limpa e monumental, ou seja, na cidade progressista.

No plano reformador, o instrumental indispensável para a sua elaboração era a plan-ta da cidade ou de arruamentos que registrassem os lugares da natureza e dos ambientesconstruídos (parcelamento do solo, avenidas, ruas, alinhamentos, ferrovias, entre outros).Ela era organizada por engenheiros e aprovada por uma comissão de especialistas desig-nados pelo governo municipal. Concomitantemente à planta da cidade, era exigida a de-monstração de erudição e de conhecimento de teorias urbanísticas em voga na Europa enos Estados Unidos, mediante a citação e o emprego dos conceitos e métodos no conteú-do justificativo ou propositivo do plano. Portanto, a abordagem qualitativa e a intuiçãoeram preponderantes na sua feitura.

V I R G Í N I A P O N T U A L

103R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 101: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

No Recife pós-45, entrecruzavam-se caminhos de diversas naturezas: por um lado,tinha-se o entusiástico aprendizado do exercício democrático; por outro, um efervescen-te ambiente cultural, marcado pela tônica da cultura popular, ao lado do regionalismofreyriano; também, por outro, o explosivo crescimento da população e das suas necessi-dades, e, ainda, as representações negativas de carências da cidade. Ante essa diversidadede situações, sugerindo uma realidade em ebulição na qual liberdade e necessidade se con-frontavam em diversos domínios, até mesmo quanto à maneira da apropriação, da frui-ção e do uso de lugares, a industrialização apareceu como a incontestável alavanca para odesenvolvimento. Porém, tornar a industrialização uma realidade não era tarefa fácil. En-tremeavam-se procedimentos e interesses, incluindo o de tornar a cidade apta ao desem-penho dessa função.

Os urbanistas já tinham apreendido e aplicado os princípios do urbanismo moder-no num momento em que as necessidades eram de salubridade, de descongestionamen-to do tráfego e de embelezamento, ou melhor, de modificar a composição colonial vi-gente. No entanto, eles não estavam convictos de que os princípios do urbanismomoderno eram suficientes para a produção de uma outra ordem citadina, cuja explicita-ção de regras apaziguasse os conflitos inerentes a uma sociedade em busca do desenvol-vimento industrial.

Se, após o ano de 1945, modernização era promover a industrialização da regiãonordestina, em geral, e de Pernambuco e do Recife, em particular; se as cidades, para se-rem atualizadas, precisavam estar aptas ao exercício dessa função, a mentalidade urbanís-tica não poderia ser, apenas, a do modernismo, transposta e difundida nos anos 30. Qualseria, então, o paradigma complementar do modernismo, capaz de configurar uma cida-de atualizada? Para tanto, outros saberes foram transpostos e difundidos por meio de de-bates, cursos, congressos e eventos similares, centrados nas questões das disparidades re-gionais, do subdesenvolvimento da região Nordeste e das reformas sociais. Dentre ossaberes então difundidos no Recife, a doutrina do Movimento Economia e Humanismo,por meio da noção de aménagement du territoire, foi a principal, e seus preceitos passarama ser traduzidos nos planos elaborados, conferindo primazia à noção de região sobre a decidade e subordinando as modificações na composição de lugares às leis da economia. Emsuma, a cidade estaria integrada à região com a qual manteria intensa relação, e a ordena-ção regional, decorrente da noção do aménagement du territoire, contrapondo-se à orde-nação citadina egressa do urbanismo moderno, estaria referenciada nas noções de bemcomum, harmonia, integração, equilíbrio e desenvolvimento, em substituição às de em-belezamento, higiene, salubridade e monumentalidade.

Por conseqüência, o plano não mais se expressava preponderantemente por intermé-dio de desenhos de reformas e correções do sistema viário e do zoneamento das funçõescitadinas. A ênfase passou a ser a explicitação de diretrizes econômicas determinantes deum futuro promissor, das quais as urbanísticas seriam decorrentes; daí o saber do plane-jamento sobrepujar o do urbanismo; daí a titulação de plano diretor em substituição à deplano reformador. No plano diretor, a idéia de desenvolvimento era propalada para cons-tituir uma imagem na qual não fossem vigentes as condições desumanas de vida da po-pulação, o flagelo das secas e os males do latifúndio; não fossem deficientes os transpor-tes, a geração e a distribuição de energia elétrica e o abastecimento d’água; não fossemquantitativamente representativas as migrações e emigrações, o analfabetismo, as ende-mias, as carências alimentares e a desqualificação da mão-de-obra, e não fossem tolhidasas organizações políticas e sociais. Expressando regras ou diretrizes revertedoras dos enun-

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9104

Page 102: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

ciados negativos propalados pelos urbanistas, o plano objetivava um futuro para o Recifedos anos 50, representado pela região metropolitana industrializada, equilibrada e inte-grada, ou seja, pela metrópole regional.

Se, quanto à constituição de uma imagem de cidade, as diferenças estão sintetizadasnos sentidos das palavras progresso e desenvolvimento, quanto ao conteúdo do saber, a dis-tinção entre os dois tipos de planos se expressou no método e no instrumental técnico re-queridos com vista ao conhecimento e à apreensão da realidade. O plano diretor exigiauma multiplicidade de instrumentos técnicos relativos principalmente aos campos da eco-nomia, da demografia, da engenharia e da geografia. Dessa forma, no momento da con-fecção de um plano, fazia-se imprescindível a formação de uma equipe em que estivessempresentes os detentores desses conhecimentos, a fim de levantar, medir, examinar, inspe-cionar e avaliar, por meio de diversas técnicas de pesquisa, os fatos econômicos, popula-cionais, sociais e físico-territoriais, registrando a rigorosa observação em mapas, gráficosestatísticos, plantas cadastrais e documentação bibliográfica e monográfica. Sem dúvida,o plano consistia um método globalizante (Lamparelli, 1994, p.12). Só após o minuciosoesquadrinhamento da realidade, passava-se com segurança para a etapa de formulação dasproposições centradas na correta distribuição da população e localização das atividadeseconômicas e residenciais, considerando-se o limite de saturação e custo de produção daenergia elétrica, do abastecimento d’água e dos meios de transporte. As exigências técni-cas na elaboração do plano diretor conferiam a suas propostas um forte caráter de certe-za e exeqüibilidade, indicando o aprofundamento da lógica positivista presente na atuali-zação do saber e a possibilidade de maior controle dos conflitos respectivos à organizaçãoespacial dos homens.

Ao lado das diferenças das concepções contidas nos planos urbanísticos elaboradospara o Recife dos anos 30 e 50, destacam-se similitudes de duas naturezas. A primeira re-fere-se ao campo empírico, isto é, os planos apresentados, com exceção das diretrizes deBaltar, foram solicitações e encomendas de governantes. Portanto, parecia haver uma sin-tonia e sinergia entre esses últimos e os detentores do saber urbanístico em dotar a cidadede um dispositivo disciplinador e previsor de um futuro alvissareiro. O segundo reporta-se ao campo teórico, ao destacar como cerne dessas teorias urbanísticas a racionalidadecientífica própria da modernidade.

A narrativa empreendida evidenciou rupturas, permanências e similitudes de idéias,seja no campo cultural, seja no do urbanismo. Cada tempo atualizou as práticas intelec-tuais conforme os saberes em voga e atendeu às solicitações dos governantes aos urbanis-tas. Com o aparecimento de outros saberes, ocorreu a mudança de representação da cida-de, ou seja, a atualização e a diferenciação das idéias de ordenamento para o Recife dosanos 30 e 50 sintetizaram-se na representação, em um momento, progressista, e noutro,regional. Os conflitos de interesses e necessidades, particularmente quanto à apropriação,à fruição e ao uso dos lugares, foram apaziguados pelas propostas de cunho positivista epelo estabelecimento de outros dispositivos disciplinares, o que indica a existência de umacorrespondência entre esses conflitos e as regras e normas das teorias urbanísticas.

Na atualidade, por um lado, os fenômenos presentes na cidade contemporânea sina-lizam uma perda de controle pelos detentores de poder, uma aparente fragilização da so-ciedade disciplinar. Esse fato tem provocado perplexidade e temor nos urbanistas e gover-nantes, fazendo lembrar o medo sentido pela nova burguesia industrial perante asmultidões anônimas circulando pelas ruas, mendigos e vagabundos em Londres e Paris noséculo XIX (Bresciani, 1994). Por outro lado, o saber urbanístico tem-se mostrado limita-

V I R G Í N I A P O N T U A L

105R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 103: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

do e ineficiente para resolver os problemas da cidade contemporânea, isto é, existe o pa-radoxo entre continuar afirmando o saber urbanístico fundado nas teorias da modernida-de e prescindir desse saber, dada a inexistência de um outro modo de promover o orde-namento e o controle da cidade.

Talvez se possa qualificar a atualidade como um tempo de transição, no qual a po-sitividade é verificada pelo aparecimento de uma multiplicidade e pluralidade de saberes,que buscam criar outras formas de teorizar sobre e praticar a ordenação e o controle dascidades, porém, na sua grande maioria, ainda estão circunscritos aos fundamentos teóri-cos da modernidade. Entre tantos saberes, há que destacar o do desenvolvimento susten-tável e o do planejamento estratégico, por serem os que mais têm sido disseminados co-mo as novas teorias a serem aplicadas à ordenação da cidade. O primeiro apresenta pontosconvergentes com o ideário do Movimento de Economia e Humanismo, ou seja, a buscade equilíbrio entre ambiente natural e ambiente construído, a propagação da necessidadede justiça social e o condicionamento da dimensão econômica aos dois princípios ante-riores. Pode-se considerar isso uma idéia necessária e basilar, após a queda do muro deBerlim. O segundo é a incorporação da visão estratégica, cujo foco principal é a compe-titividade e rentabilidade econômicas, cujo efeito, como lembra Arantes (1998, p.135), éo de “uma cenografia gestionária da cidade, algo como uma teatralização da vida cotidia-na”. Tais saberes podem não se ter despreendido das grades teóricas da modernidade, masatualizam e diferenciam as regras e preceitos da prática urbanística. Diante dessa consta-tação, resta afirmar o entusiasmo pela cidade como uma disposição intelectual para a crí-tica desses saberes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AC/GATEPAC – 1931-1937. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S.A.ALVES SOBRINHO, A. Desenvolvimento em 78 rotações: a indústria fonográfica Rozen-

blit — 1953-1964. Recife: Pimes/Dep. de História da UFPE, 1993.ARANTES, O. Urbanismo em fim de linha e outros estudos sobre o colapso da moderniza-

ção arquitetônica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.ARAÚJO, L. S. L. C. de. A crônica de cinema no Recife dos anos 50. São Paulo, 1994. Tese

— Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Universidade de São Paulo.ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992.BALTAR, A. B. Diretrizes de um Plano Regional para o Recife. Recife, 1951. Tese de con-

curso para o provimento da cadeira de urbanismo e arquitetura paisagística na esco-la de Belas Artes da Universidade do Recife.

_______. Por uma economia humana. Recife: Imprensa Oficial, 1950._______. “Universidade, economia e humanismo”. Revista de Engenharia, Recife, ano VI,

n.7, jan./dez. 1953._______. “Da localização de indústrias e dos problemas correlatos de urbanismo”. In:

BALTAR, A., SILVEIRA, P., SOUZA, B. Teses e conferências sobre problemas de ur-banismo e área metropolitana. Recife: Codepe, 1954.

_______. “Progresso técnico e níveis de vida”. Boletim Técnico da SVOP, Recife, ano XVII,v.XXXIX e XL, jul./dez. 1955.

BENEVOLO, L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1981.BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:

Companhia de Letras, 1994.

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9106

Virgínia Pontual, arquiteta,é professora do Centro deConservação Integrada Ur-bana e Territorial do Progra-ma de Pós-Graduação emDesenvolvimento Urbano daUniversidade Federal de Per-nambuco.E-mail: [email protected]

Page 104: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

BRESCIANI, M. S. M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. 8.ed. SãoPaulo: Brasiliense, 1994.

CARTA DE SALVAÇÃO DO NORDESTE. In: SOARES, J. A. A frente do Recife e o go-verno do Arraes: nacionalismo em crise — 1955-1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1982.

CÉLESTIN, G. “Lebret et l’aménagement du territoire”. Revue Économie et Humanisme,Lyon, n. spécial, Octobre, 1986.

CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Ber-trand Brasil/Difel, 1990.

COMISSÃO CENSITÁRIA DOS MOCAMBOS DO RECIFE. Observações Estatísticassobre os Mocambos do Recife. Recife: Imprensa Oficial, 1939.

ESTELITA, J. “Urbanismo e sanitarismo”. Boletim da Cidade e do Porto do Recife, Reci-fe, n.2, out./dez. 1941.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987._______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 10.ed. Petrópoles: Vozes, 1993.FREYRE, G. Manifesto regionalista de 1926. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1955.GUNN, P. “As querelas do urbanismo nos anos vinte e trinta”. In: Anpur. Anais do VI

Encontro Nacional. Brasília: Anpur, 1995.HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote,

1990.HORA, A. da. “Depoimento”. In: Memorial do Movimento da Cultura Popular. Recife:

Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1986.KOOP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel/Edito-

ra da Universidade de São Paulo, 1990.LAMPARELLI, C. M. “Louis-Joseph Lebret e a pesquisa urbano-regional no Brasil: crô-

nicas tardias ou história prematura”. Espaço & Debates, São Paulo, ano XIV, n.37,1994.

_______. “O ideário do urbanismo em São Paulo em meados do século XX. O Pe. Lebret:continuidades, rupturas e sobreposições”. São Carlos. Conferência proferida no 3ºSeminário de História da Cidade e do Urbanismo, 1994a.

LEBRET, L. J. Estudo sobre desenvolvimento e implantação de indústrias, interessando a Per-nambuco e ao Nordeste. 2.ed. Recife: Condepe, 1974.

LIRA, J. T. C. de. “A romantização e a erradicação do mocambo, ou de como a casa po-pular ganha nome. Recife, década de 30”. Espaço & Debates, São Paulo, ano XIV,n.37, 1994.

_______. Mocambo e cidade: regionalismo na arquitetura e na ordenação do espaço habita-do. São Paulo: FAU/USP, 1996.

MENEZES, J. L. M. “A ocupação do Recife numa perspectiva histórica”. In: PlanoDiretor de Desenvolvimento da Cidade do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade doRecife/Secretaria de Planejamento Urbano/Consórcio Procenge/Urbana/Acqua-Plan, 1990.

MONTENEGRO, A. T., SIQUEIRA, A. J., AGUIAR, A. C. M. de (Orgs.). Engenheirosdo tempo: história da vida dos professores. Recife: UFPE, 1995.

MOREIRA, F. D. A construção de uma cidade moderna: Recife (1909-1926). Recife, 1994.Dissertação Mestrado — Universidade Federal de Pernambuco.

OUTTES, J. O Recife pregado à cruz das grandes avenidas, 1927-1945. Recife, 1991. Dis-sertação Mestrado — Universidade Fedral de Pernambuco.

V I R G Í N I A P O N T U A L

107R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 105: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

PONTUAL, V. O saber urbanístico no governo da cidade: uma narrativa do Recife das dé-cadas de 1930 a 1950. São Paulo: 1998. Tese (Doutorado) — Faculdade de Ar-quitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

PONTUAL, V. “A utopia de um novo tempo: reformas sociais e planejamento”. In: Anaisdo IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: Anpur/UFRJ/FAU/Propur, 1997.

REZENDE, A. P. Desencantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de XIX.Recife: Fundarpe, 1997a.

SOARES, J. A. A frente do Recife e o governo do Arraes: nacionalismo em crise —1955/1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

SOUZA BARROS, M. A década de 20 em Pernambuco: uma interpretação. Rio de Janei-ro: Gráfica Editora Acadêmica, 1972.

ULHÔA CINTRA, J. F. de. “Sugestões para orientação do estudo de um plano geral deremodelação e expansão da cidade do Recife”. Revista Arquivos, Recife, ano 2, n.1-11, dez. 1943.

VAZ, R. Arquitetura moderna em Pernambuco: Luiz Nunes, 1934-1937. São Paulo, 1988.Dissertação Mestrado — Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade deSão Paulo.

VERRI, G. M. W. Os templários da ausência: experiência das bibliotecas populares no Reci-fe. Recife: Pimes/UFPE, 1990.

VEYNE, P. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. 3.ed. Brasília: Edi-tora Universidade de Brasília, 1995.

A B S T R A C T The aim of this paper is to discuss the understanding of modernizationas a cumulative and complementary process of ideas. To this end, we introduce the notion ofthe actualization and differentiation of city planning norms and rules as a way of assuring theordering of the city. We also discuss the maintenance of these rules at the present time and theparadox between the continuity of current urban knowledge founded in the theories of moder-nity and the abandonment of that knowledge in favour of alternative ways of promoting theordering and control of the city. The way chosen was that of reconstructing the ideas set out inthe urban plans drawn up in Recife in the 30s and 50s. In the thirties, urban planning prin-cipally introduced the ideas of Ciams, whose authors were Domingos Ferreira (1927), Nestorde Figueiredo (1932), Atílio Corrêa Lima (1936) and Ulhôa Cintra (1943). In the fifties,urban planning translated, among other things, the norms of the Economy and HumanismMovement that are presented in the study of Lebret (1954) and in the proposals of Baltar(1951). The paper compares these plans, explaining the different concepts and representationsof Recife and its localities and discussing how this knowledge has survived the emergence ofnew concepts.

K E Y W O R D S History; modernization; knowledge; city planning; representation.

O U R B A N I S M O N O R E C I F E

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9108

Page 106: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

RESENHAS

Page 107: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

A SOCIEDADE EM REDEManuel Castells São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Rainer Randolph

A literatura sobre globalização e mundialização,sobre reestruturação econômica e mudança de regimede acumulação e regulação, sobre surgimento de novasformas de organização e integração econômica e socialpor intermédio de redes de computadores, sobre enfra-quecimento dos Estados nacionais e o possível adventode uma assim chamada condição pós-nacional (Haber-mas, J. Die postnationale Konstellation. Frankfurt/M.:Suhrkamp, 1998) e outros temas ligados a esses assun-tos, está crescendo como uma bola de neve desde o iní-cio da década de 1990. Observa-se, particularmenteno ano de 1996, a nosso ver, um excepcional avançodo debate a partir da publicação de contribuições im-portantes de autores como David Harvey ( Justice, na-ture & the geography of difference. Malden, Mass. Ox-ford: Blackwell, 1996), Edward Soja (Thirdspace.Cambridge, Mass. Oxford: Blackwell, 1996), StephenGraham e Simon Marvin (Telecommunications and thecity. London, New York: Routledge, 1996) e, last butnot least, Manuel Castells (The rise of the network so-ciety. Malden, Mass. Oxford: Blackwell, 1996).

O sociólogo espanhol Castells, atualmente radi-cado nos EUA, abre com seu livro, cuja tradução para oportuguês sob o título A sociedade em rede (São Paulo:Paz e Terra, 1999, já na segunda edição) é objeto danossa resenha, a trilogia Era da Informação: economia,sociedade e cultura, que vai se completando nos anossubseqüentes com os livros The power of identity(1997), já disponível em português na mesma editora,e End of millenium (1998).

Entre os autores mencionados, Manuel Castellsparece o único que, desde o princípio do primeiro vo-lume da trilogia, anuncia que não pretende discutir asteorias existentes sobre o pós-industrialismo ou a so-ciedade da informação, uma vez que já existem “váriasapresentações abrangentes e equilibradas dessas teo-rias, bem como várias críticas, inclusive as minhas”(p.41). Dedica-se, no seu livro, a “construir o discur-so mais autônomo e não redundante possível, inte-grando materiais e observações de várias fontes”(p.45) que possam, então, fornecer um abrangente pa-

norama daquelas transformações que, talvez, estejamanunciando o fim de uma era, a do capitalismo e dacidade industrial.

Já os outros autores acima mencionados dedicamgrande parte de seus esforços exatamente àquilo queGraham e Marvin chamam de desafio paradigmático,que precisa ser enfrentado para elaborar novas orienta-ções de compreensão e interpretação, “desafio” que le-va Harvey e Soja — cada um à sua maneira — a bus-car um sustento “paradigmático” na dialética.

Abdicando explicitamente de uma reflexão críti-ca, o livro de Castells traz, nos seus sete capítulos, umariqueza enorme de fatos e acontecimentos a respeitodas mudanças que ocorreram e estão ocorrendo ao re-dor do globo, responsáveis pela formação de uma ver-dadeira economia global (distinta da forma mundialque a antecede).

Abre para o leitor o universo extraordinário da re-volução tecnológica atual (primeiro capítulo); da cons-tituição de uma economia informacional no nívelglobal (segundo capítulo); de seus protagonistas prin-cipais, isto é, dominantes em forma de empresa em re-de (terceiro capítulo); da transformação do trabalho edo mercado de trabalho (quarto capítulo); e da sua fa-ce “cotidiana” nas redes interativas, mediante a integra-ção à comunicação (quinto capítulo).

Nos dois últimos capítulos, discute a formação e aconsolidação de um novo espaço industrial, que vai evo-luindo para uma oposição entre um “espaço dos fluxos”(capital) e um “espaço dos lugares” (trabalho), gerando,enfim, no limiar do eterno, um “tempo intemporal”.

Na parte final do livro, Castells conclui que a ex-ploração das estruturas sociais emergentes, realizada nodecorrer dos capítulos anteriores, que se referem a di-ferentes domínios de atividades e experiências huma-nas, leva-o a uma inquestionável afirmação: “comotendência histórica, funções e processos dominantes naera da informação estão organizados, cada vez mais,em torno de redes” (p.497). Destaca que as “redesconstituem a nova morfologia social das atuais socieda-des, e a difusão da lógica de rede modifica substantiva-mente a operação e o resultado dos processos produti-vos, experiência, poder e cultura”.

Em princípio, tal forma de organização social —em rede — já existia em outros tempos e espaços (pe-ríodos e territórios). Mas o novo paradigma da tecno-logia de informação fornece a base material para uma

111

Page 108: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

expansão que permeia a estrutura social inteira. Cas-tells argumenta que essa lógica de produzir redes (net-working) induz a uma determinada lógica social que selocaliza num patamar superior, em que os interessessociais específicos se expressam por meio das tradicio-nais redes (de influência). De uma maneira sintética,aponta que, hoje, o poder de fluxos assume uma pre-cedência em relação aos fluxos do poder.

É essa hipótese — anunciada antes quando re-toma com o “espaço de fluxos” uma idéia já do livroInformational city — que ele vai explicitar mais detida-mente nesse capítulo conclusivo. Argumenta que, sobas condições da sociedade-rede, “o capital é coordenadoglobalmente, o trabalho é individualizado. A luta entreos diversos capitalistas e as classes de trabalhadoresmiscelâneos está subsumida à oposição mais fundamen-tal entre a lógica nua de fluxos de capital e os valores cul-turais da experiência humana” (grifos nossos).

Para chegar a essa conclusão, realiza uma amplareflexão acerca das novas relações entre capital e traba-lho, que se instalam na sociedade-rede organizada “emtorno de redes globais de capital, administração deempresas e informação, cujo acesso ao saber tecno-lógico (know-how) está nas raízes da produtividade e competitividade”.

A propagação e ampliação das redes (networking)no interior e entre empresas, corporações e mesmo or-ganizações que não visam ao lucro não podem ser in-terpretadas como morte do capitalismo. Ao contrário,representa uma jamais vista expansão do modo de pro-dução capitalista que molda relacionamentos sociais ao redor do planeta inteiro: “A sociedade-rede, nas suas várias expressões institucionais, é e continuará poralgum tempo uma sociedade capitalista”. Porém étambém profundamente diferente das suas formas his-tóricas anteriores, uma vez que é (a) global e (b) estru-turada em larga medida em torno de uma rede de flu-xos financeiros.

Conseqüentemente, não há uma “classe capitalis-ta” em nível mundial, mas existe, segundo Castells,uma integrada rede capitalista global, cujos movimen-tos e lógica variável determinam economias e influen-ciam sociedades. Portanto, para além de uma diver-sidade de capitalistas de carne humana e gruposcapitalistas, existe um capitalista coletivo sem rosto, ge-rado por fluxos financeiros em redes eletrônicas. Após es-sa “dissolução ou fluidificação” do capital (sob domi-

nação do financeiro) nas redes globais dos fluxos de in-formações, o que, pergunta-se o autor, aconteceu como trabalho, os trabalhadores e as relações sociais de pro-dução? Os trabalhadores não desapareceram (no “espa-ço dos fluxos”) e, apesar de todos os problemas, basica-mente na Europa, afirma que o trabalho é farto.

Entretanto, mesmo existindo trabalho, trabalha-dores e classes de trabalhadores, o relacionamento socialentre capital e trabalho transformou-se profundamente:

“Na sua essência, o capital é global. Como regra,o trabalho é local.”

Em outras palavras: “Assim, enquanto o relacio-namento capitalista persiste ainda (ora, em muitas eco-nomias a lógica dominante é mais estreito capitalistaque nunca antes), capital e trabalho tendem a existir,cada vez mais, em espaços e tempos diferentes: o espa-ço dos fluxos e o espaço dos lugares; tempo instantâ-neo de redes computadorizadas versus tempo de relógioda vida diária (cotidiana). Portanto, eles vivem um aolado do outro, mas eles não se relacionam um com ooutro, como a vida do capital global depende cada vezmenos de trabalho específico, e mais e mais de traba-lho genérico acumulado, operado por uma pequenaelite intelectual (brain trust), morando nos lugares vir-tuais de redes globais.”

Na sociedade-rede, as redes — e, em particular, ameta-rede (dos fluxos financeiros) — não resultam emuma “universalização” de conexões que pudessem su-perar (aniquilar) velhas separações, segregações ou atéexclusões, mas apenas na mundialização do fluxo fi-nanceiro. Paradoxalmente, a sociedade-rede caracteri-za-se por um grau de conexões mais baixo do que asformas anteriores. A “distância” entre capital e a ex-pressão coletiva das pessoas é infinita, como Castellsafirma em outro momento. A sociedade-rede é aquelaem que uma rede (a citada meta-rede) se torna domi-nante (entre os pares) e excludente (em relação aos tra-balhadores e suas manifestações culturais e vitais), co-mo expressão de uma pureza da lógica capitalistanunca vista na História.

Certa radicalidade da posição de Castells não dei-xa de ter seu fascínio e razão, especialmente quandoobservávamos à nossa volta um sistema financeiromundial que parecia enlouquecer sob o ataque de “ca-pitais especulativos” e que, mesmo após os primeirossustos maiores, não deixa de inquietar bolsas e gover-nos no mundo inteiro. Porém, mesmo assim, sua abor-

R E S E N H A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9112

Page 109: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

dagem fica limitada — não avança para um questiona-mento de paradigmas conceituais vigentes —, porquecontinua presa a uma compreensão restrita das redescomo conjuntos de “nós interconectados. Um nó é umponto no qual uma curva apresenta uma interseçãocom ela mesma (intersects itself ). O que um nó é, fa-lando concretamente, depende da espécie da rede con-creta da qual estamos falando”.

Para Castells, as redes permanecem como estrutu-ras (abertas, aptas a se expandirem, comunicativas, al-tamente dinâmicas) e instrumentos econômicos,sociais e culturais. Cada rede tem sua topologia, deter-mina distâncias, velocidades (até mesmo simultanei-dades) e precisa, naturalmente, de certos suportes ma-teriais, energéticos e informacionais para poderdesempenhar suas funções.

Não consegue superar (no sentido hegeliano)vieses instrumentalistas, estruturalistas e funcionalis-tas. Para isso, a rede precisaria ser conceituada, a nos-so ver (vide também em particular Ilse Scherer-Warren), como uma nova forma (“dialética”?) de“integração da diversidade”, como a busca de formasde “articulação entre o local e o global, entre o parti-cular (específico) e o universal, entre o uno e o diver-so, nas interconexões das identidades dos atores como pluralismo” (Ilse Scherer-Warren, Redes de movi-mentos sociais. São Paulo: Loyola, 1989). Ou seja, ar-ticulações que transcendem as formas tradicionais de“sistemas” (e igualmente não-sistemas como o mundoda vida, o cotidiano, as determinações de um quadroinstitucional de uma sociedade), “estruturas” e mes-mo morfologias aparentemente homogêneas. Em sín-tese, as redes encontram-se num “ponto de intersec-ção” entre uma heterogeneidade de conteúdos(econômicos, sociais, políticos e culturais) e uma he-terogeneidade de formas (locais, regionais, nacionais emundiais). Uma “sistematização” da concepção dasredes poderia usar ambas as dimensões como maneirade identificar suas características (sua “novidade” emrelação a abordagens concorrentes).

Em síntese, à primeira vista e um tanto surpreen-dente e paradoxal, a análise de Castells parece resultarnuma perspectiva “conservadora” da nova sociedade:ao focalizar a convergência de tecnologia e evoluçãosocial, as mutações provocadas pela geração de uma no-va base material instalam “apenas” uma nova unidadede condução da diversidade do mesmo tipo: uma meta-

rede torna-se dominante mundialmente, conduz osprocessos e molda toda a estrutura social.

Essa meta-rede financeira pode parecer, por umlado, uma última e derradeira manifestação das redestradicionais que procuram impor-se pela sua lógicaunívoca e dominar outras formas de dinâmicas econô-micas, sociais, políticas e culturais. Mais um sinal dofim de um ciclo do que marca de um novo tempo, se-ja em forma de uma sociedade-rede ou de outra —opinião defendida também por certos autores, comoArrighi, por exemplo.

Por outro lado, e parece esta a interpretação suge-rida pela análise de Castells, mas não defendida porele, a meta-rede deve ser compreendida como expres-são máxima dos novos tempos que provoca uma totaldesterritorialização e des-historicização. Significa, por-tanto, mais que um simples fim do território e da his-tória, na medida em que reverte permanentemente iní-cio e fim, próximo e distante, sob uma lógica em queo futuro já esteve presente no passado, e o presente na-da mais será que o passado tornado promessa do futu-ro. Em síntese, a expressão de uma dinâmica incontro-lável, cuja própria lógica sem espaço e tempo apenaspode cumprir-se num caos, em que a única “razão”(como domínio de outras expressões) consiste na suaprópria reprodução como caos.

Será a instalação da entropia como princípio “so-cial” máximo de uma rede das redes, cuja única “fina-lidade” será a de destruir outras finalidades, isto é, vol-tar-se-á contra todas as tentativas de reduzir a entropiado “sistema” (mediante a geração de ordenamentos,articulações e organizações, regulações e instituiçõesetc.). Significará a reversão de todos os processos, oabandono de uma dinâmica com lógica — e, portan-to, de todas as lógicas; sem espaço — portanto, em to-dos os espaços; sem tempo — portanto, em todos ostempos; sem protagonista — e, portanto, de todos ossujeitos. Será a manifestação da antítese de todas as te-ses, de uma força onipresente e onipotente imprevisí-vel e incontrolável que não está em lugar nenhum, masem todos ao mesmo tempo e nunca.

Portanto, nem eternidade, nem fim da História:mas, provavelmente, fim da humanidade.

Rainer Randolph, economista, é professor do Institututo de Pesqui-sa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Riode Janeiro.

R E S E N H A

113R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 110: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

O URBANISMO NO BRASIL–1895-1965Maria Cristina da Silva Leme (coordenadora) São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999.

Wilson Edson Jorge

É auspicioso o aparecimento de uma obra comoessa, com intenções e possibilidades de se tornar enci-clopédica, sobre o fenômeno do urbanismo no casobrasileiro. É um estudo alentado, desenvolvido por oi-to equipes de profissionais acadêmicos, cada uma delasem uma determinada capital de Estado, decifrando asorigens, a evolução e as repercussões concretas do ur-banismo em sua cidade e, em decorrência, no Brasil.Trabalho amplo e relevante, iniciado em 1992, com oapoio financeiro do CNPq, cujo resultado revela a im-portância da pesquisa sistemática e de fôlego para tra-tar de assuntos complexos como esse, em cujo bojo seapresenta e se esconde a problemática do desenvolvi-mento brasileiro, visto de um ângulo privilegiado, odas cidades, e, no caso, ainda sob um outro filtro fas-cinante que também pode ser revelador e mistificador:o do urbanismo.

As capitais escolhidas para a pesquisa e tratadasno livro, sob a forma de artigos, foram Belo Horizon-te, Niterói, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Sal-vador, São Paulo e Vitória. Além dos artigos, o livroapresenta uma coletânea dos planos e projetos urba-nísticos desenvolvidos para aquelas e mais outras ci-dades e uma bibliografia resumida de 65 urbanistasbrasileiros e mais cinco urbanistas estrangeiros queatuaram no Brasil. Para quem achar que isso é pouco,o livro apresenta, ainda, os acervos pesquisados e asprincipais revistas daquelas capitais que trataram par-ticularmente do tema urbanismo.

É sintomático que o livro não seja dividido emcapítulos mas em artigos. Isso, provavelmente, pelofato de que cada equipe que realizou suas pesquisasem determinada capital tenha tido maior liberdadena abordagem do tema, resultando em uma diversi-dade metodológica e relativa autonomia nas basesteóricas que orientam os textos. De modo geral, pre-domina o enfoque cronológico como principal fiocondutor do tema, isto é, a entrada em cena de pro-postas amplas para a ação do Estado sobre as estrutu-ras urbanas.

Na apresentação do livro, a autora e coordenado-ra, Maria Cristina da Silva Leme, justifica o períodoabrangido pela pesquisa, até 1965, com a criação doSERFHAU, momento de inflexão nas experiências dosprojetos e planos urbanos. É quando o governo fede-ral, em seu objetivo de centralização política, vai ten-tar montar uma política urbana para todo o territórionacional, abortando a lógica histórica da montagemde políticas urbanísticas que vinha se consolidandopelas iniciativas internas em cada cidade. A partir dogoverno militar, pode-se falar de políticas urbanas glo-bais, unificadas por meio de órgãos e estruturas buro-cráticas centralizadas com cartilhas tecnocráticas ex-plicando como entender as cidades e como resolverseus problemas. Até a década de 1960, e o livro abor-da exemplos de capitais importantes, são os governosestaduais e municipais que vão criando oportunidadespara que os projetos e planos urbanos possam apare-cer, à medida que os problemas das cidades vão se tor-nando mais complexos. Na esteira e motivados por es-se processo, vão se criando gerações de urbanistasvindos inicialmente de profissões que propunham in-tervenções espaciais sobre a cidade como solução paraos problemas apresentados — engenheiros e arquite-tos — e, posteriormente, de profissões que estudavama cidade com base em fenômenos sociais mais amplos— sociólogos e geógrafos.

O urbanismo, como instrumento de interven-ção, foi um recurso empregado pelo Estado, únicaentidade com poderes para alterar, de forma radical,as estruturas físicas das cidades. À proporção que osproblemas colocados pelas cidades aos administrado-res tormaram-se mais complexos, o urbanismo, pro-curando explicar a cidade em sua totalidade epropondo soluções globais para seus problemas, ter-minou por influenciar as políticas oficiais de inter-venção. Tais intervenções, como o livro o demonstra,tiveram como objeto a infra-estrutura de apoio à eco-nomia urbana (instalações portuárias, vias), a soluçãode problemas coletivos de saúde (saneamento) e aexpansão de sua área central. A motivação básica dasintervenções sobre as áreas centrais foi a criação denovos espaços e de condições para o crescimento da-quelas áreas, confinadas em suas estruturas coloniais.Essas intervenções tiveram como moldura intençõesestéticas que procuravam formalizar uma novamodernidade visual e simbólica, negando a cultura

R E S E N H A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9114

Page 111: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

colonial que, até o final do século passado, presidiu aformação das estruturas urbanas.

As teorias urbanísticas que deram as bases para aspropostas de intervenção sobre as cidades brasileiras(incluindo as cidades novas: Belo Horizonte, Goiânia,Brasília) sofreram forte influência positivista que sedesdobrou em teorias posteriores, também na arqui-tetura. A compreensão das cidades oferecida pelourbanismo sempre foi insuficiente. Sua base teóricacristalizou-se na Carta de Atenas, elaborada no 4ºCongresso Internacional de Arquitetura Moderna(1933), na qual a cidade é sintetizada em quatro fun-ções básicas: morar, trabalhar, recrear e deslocar. Osproblemas urbanos teriam origem no mau funciona-mento dessas funções. Assim, a boa organização e oequilíbrio entre as funções seria o caminho para asolução daqueles problemas. Nessa perspectiva, en-tende-se o vocabulário que permeia o diagnóstico deorigem positivista sobre as cidades: equilíbrio/dese-quilíbrio, funcional.

Tal teorização sempre foi um grande reducionis-mo da problemática social presente nas nossas cidades,relegando-a a um absoluto segundo plano, quandonão ignorando-a. As propostas urbanísticas, ao mesmotempo que vinham a ser mais conseqüentes do que aspropostas anteriores que os governos municipais e es-taduais preparavam, tinham como base um discursosobre os problemas das cidades em que a questão so-cial era um elemento secundário e as soluções propos-tas seriam definitivas. Nesse contexto, a avaliação queo urbanismo fazia da problemática urbana e suas pro-postas não entrou em choque nem com a ideologia,nem com os interesses que o Estado ia formulando so-bre o urbano. Sua ação sobre as cidades, o que o livroaponta com propriedade, foi exercida de forma autori-tária. Os planos de modernização das áreas centraissempre foi feito com absoluto desprezo pela populaçãode baixa renda que ali habitava e que foi simplesmen-te afastada para áreas periféricas a fim de dar lugar aosnovos espaços criados e usos propostos. Esse desprezo,e mesmo execração, pela questão social fica evidente,entre outras passagens (Reis et al., 1927, p.73), sobrefaixa de manguezal próxima ao centro de Niterói, ocu-pada por casebres, que constituía a “ferida cancerosada cidade”.

Na medida em que o livro se orienta mais poruma linha cronológica, outros recortes que envolvem

questões críticas do contexto urbano; como a questãosocial já citada e a questão imobiliária apresentam-secom pouco destaque. O livro privilegia a ação do Es-tado feita sob a égide do urbanismo, mas que sempreteve como resultado concreto uma determinada valo-rização imobiliária. Os planos e projetos implantadostrouxeram valorização para as áreas por eles abrangi-das, quer pela criação de novas áreas (desmontes eaterros), quer pela desocupação de áreas (demolição deáreas centrais “deterioradas”), ou pela permissão de seconstruir mais (verticalização). Essa valorização, possi-bilitada pelos planos e projetos implantados, signifi-cou ganhos consideráveis para os empreendimentosimobiliários que se sucederam aos projetos. Como taisganhos foram incorporados e por quem o foram aindaé uma história com poucas luzes, mas é aí que se en-contraria grande parte da motivação do Estado e daspressões que sofreu no desenvolvimento de sua políti-ca urbana e, no caso, uma política que teve comoapoio as propostas urbanísticas. Essas são linhas de no-vas pesquisas que o livro sugere, pela riqueza de infor-mações que traz à tona. Deste modo, o livro vem a seruma referência fundamental para o estudo do urbanobrasileiro e das políticas que o Estado vem praticandosobre ele.

O urbanismo, como teoria e, principalmente, co-mo técnica de intervenção, teve uma importânciacrescente nas políticas urbanas, como o livro bem odemonstra. Na década de 1960, ele passa por um de-clínio do qual, provavelmente, não vai mais se recupe-rar. Isso porque a questão econômica e social das ci-dades, tanto pelos novos conhecimentos que seacumulam sobre o urbano, como pela ideologia maissofisticada que permeia a ação do Estado, trouxe à to-na as fissuras e insuficiências teóricas do urbanismo.Por outro lado, a implantação de planos e projetos ur-banísticos, no contexto histórico que o livro apresenta,teve como respaldo um Estado autoritário, que prati-camente impôs suas propostas sem maiores consultas,debates ou contestações. Os debates e propostas surgi-dos, que o livro apresenta com fartura, não traduziamcontradições ao processo desencadeado pelo Estado,apenas variações em torno dos objetivos previstos.

Assim, os protagonistas que moldam a históriado urbanismo no Brasil, tão bem tratada no livro, sãoa própria elite dirigente do País e das administraçõespolíticas das capitais, onde as gerações dos urbanistas

R E S E N H A

115R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

Page 112: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

vão surgir, pois a ação do Estado sobre o urbano criouuma nova demanda de trabalho, e os movimentos in-ternacionais e escolas de engenharia e arquitetura re-novaram o urbanismo. Esses expoentes do urbanismobrasileiro formaram-se principalmente em escolas eu-ropéias (vale a pena citar a importância que o Uruguaiteve na formação de urbanistas de Porto Alegre) e vãoencontrar respaldo para seu conhecimento em nossasescolas superiores e em órgãos públicos que se organi-zam para dar suporte ao planejamento das cidades.

Hoje, a égide do planejamento urbano passoudos planos urbanísticos para os Planos Diretores, no-vos paradigmas, inscritos até mesmo como preceitoconstitucional, para garantir “o pleno desenvolvimen-to das funções da cidade e garantir o bem-estar de seushabitantes” (art.182, § 1º), o que é uma impossibilida-de. Os Planos Diretores podem ser um instrumentoimportante para a melhoria das condições de vida dascidades, mas estão longe de poder cumprir esses obje-tivos constitucionais que lhes foram atribuídos. A de-mocratização em curso no Brasil vem limitando a pro-posta de planos autoritários sobre as cidades e trazendonovos agentes e protagonistas essenciais para a monta-gem de um planejamento mais conseqüente.

Bem-vindo o livro aqui comentado. É um ganhoindiscutível para a compreensão dos processos da açãoplanejada que o Estado vem imprimindo às cidadesbrasileiras, além de outros ricos saberes que florescemcom sua leitura.

Wilson Edson Jorge, arquiteto, é professor da Faculdade de Arquite-tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

R E S E N H A

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9116

Page 113: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9 1 1 7

ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-graduação

e pesquisa em planejamento urbano e regional

NORMAS PARA PUBLICAÇÕES

Todos os artigos recebidos serão submetidos ao Conselho Editorial, ao qual cabe a responsabilidade de reco-mendar ou não a publicação. Serão publicados apenas artigos inéditos. Em casos excepcionais, serão aceitos artigosjá publicados em língua estrangeira.

Os trabalhos deverão ser encaminhados em disquete (Word, 6.0 ou 7.0, tabelas e gráficos em Excel) e em trêsvias impressas, digitadas em espaço 1,5, fonte Arial tamanho 11, margens 2,5, tendo no máximo 25 (vinte e cinco)páginas, incluindo tabelas, gráficos, figuras e referências bibliográficas, acompanhados de um resumo em portuguêsou na língua em que o artigo foi escrito e outro em inglês, contendo entre 100 (cem) e 150 (cento e cinqüenta)palavras com indicação de 5 (cinco) a 7 (sete) palavras-chave. Devem constar apenas em uma das cópias as seguin-tes informações: nome do autor, sua formação básica e titulação acadêmica, atividade que exerce, instituição em quetrabalha e e-mail, além de telefone e endereço para correspondência. Os originais não serão devolvidos.

Os capítulos, títulos e subtítulos deverão ser ordenados segundo os seguintes critérios:Título 1: Arial, tamanho 14, normal, negrito. Título 2: Arial, tamanho 12, normal, negrito.Título 3: Arial, tamanho 11, itálico, negrito.As referências bibliográficas deverão ser colocadas no final do artigo, de acordo com os exemplos abaixo:BENEVOLO, L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1981.GODARD, O. “Environnement, modes de coordination et systèmes de legitimité: analyse de la catégorie de

patrimoine naturel”. Révue Economique, Paris, n.2, p.215-42, mars 1990.Se houver até três autores, todos devem ser citados, do contrário, deve-se citar os coordenadores, organizado-

res ou editores da obra, por exemplo: SOUZA, J. C. (Ed.). A experiência. São Paulo: Vozes, 1979; ou ainda, usar o“et al.” (SOUZA, P. S. et al.). Quando houver citações de mesmo autor com mesma data, a primeira data deve viracompanhada da letra “a”, a segunda, da letra “b”, e assim por diante. Ex.: 1999a, 1999b etc. Quando não houvera informação, use as siglas “s.n.”, “s.l.” e “s.d.” para, respectivamente, sine nomine (sem editora), sine loco (sem o lo-cal de edição) e sine data (sem referência de data), por exemplo: SILVA, S. H. A casa. s.l.:s.n., s.d. No mais, as re-ferências bibliográficas devem seguir as normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).Para citações dentro do texto, será utilizado o sistema autor-data. Ex.: (Harvey, 1983, p.15). A indicação de pági-na, capítulo e/ou volume é opcional. Linhas sublinhadas e palavras em negrito deverão ser evitadas. As citações deterceiros deverão vir entre aspas. Notas e comentários deverão ser reduzidos tanto quanto possível. Quando indis-pensáveis, deverão vir em pé de página, em fonte Arial, tamanho 9.

Os editores da Revista se reservam o direito de não publicar artigos que, mesmo selecionados, não estejam ri-gorosamente de acordo com estas instruções.

Os trabalhos deverão ser encaminhados para:Centro de Conservação Integrada Urbana e Territorial – CECI

MDU / UFPE

aos cuidados de Norma LacerdaRua do Bom Jesus, 227, 4º andar – Recife Antigo50030-170, Recife, PETel.: (5581) 224-5060 Fax: (5581) 224-5662E-mail: [email protected]

Page 114: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

1 1 8 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-graduação

e pesquisa em planejamento urbano e regional

EXEMPLAR AVULSO: R$ 20,00À venda nas instituições integrantes da ANPUR, conforme relação no verso.

ASSINATURA ANUAL (dois números): R$ 38,00Pedidos podem ser feitos à Secretaria Executiva da ANPUR, enviando a ficha abaixo

e um cheque nominal em favor da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, ou um comprovante de depósito bancário

(ITAÚ agência 0265, conta corrente 03944-6) em nome da ANPUR, para:

ANPUR – SECRETARIA EXECUTIVA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Universidade de São PauloCaixa Postal 61523

05508-900 São Paulo, SP - Brasil.

Tel.: (55) (11) 818-4548 Fax: (55) (11) 818-4648

E-mail: [email protected]

Recorte, preencha e anexe um cheque nominal em nome da Anpur

Assinatura referente aos números ____ e ____.

Nome: ________________________________________________________________________________

Rua: ______________________________________________________ nº:________ Comp.: ________

Bairro: _____________________________________________________ CEP: ______________________

Cidade: ______________________________________ UF:_____________________________________

Tel.: _____________________ Fax: ________________________ E-mail: _________________________

Instituição e função:______________________________________________________________________

Data______________ Assinatura _________________________________________

VENDAS E ASSINATURAS

Page 115: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9 1 1 9

ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-graduação

e pesquisa em planejamento urbano e regional

BELÉM• Núcleo de Altos Estudos Amazônicos — NAEA / UFPA

Tel.: (91) 211 1231

FORTALEZA• Curso de Pós-Graduação em Economia — CAEN / UFC

Tel.: (85) 281 3272

NATAL• Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo /

UFRGN – Tel.: (84) 215 3776 e 215 3722

RECIFE• Centro Josué de Castro de Estudos e Pesquisas

Tel.: (81) 423 2800• Mestrado em Desenvolvimento Urbano — MDU / UFPE

Tel.: (81) 271 8311

SALVADOR• Núcleo de Pós-Graduação em Administração — NPGA / UFBA

Tel.: (71) 237 4544 - ramal 202• Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo / UFBA

Tel.: (71) 247 3803

BRASÍLIA• Mestrado em Geografia / UnB – tel (61) 3072814• Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais — NEUR / UnB

Tel.: (61) 368 3313 e 272 1909• Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo /

UnB – Tel.: (61) 985 5967

BELO HORIZONTE• Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional —

Cedeplar / UFMG – Tel.: (31) 279 9084• Programa de Pós-Graduação em Geografia / UFMG

Tel.: (31) 499 5404

RIO DE JANEIRO• Instituto Brasileiro de Administração Municipal — IBAM

Tel.: (21) 537 7595• Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional —

IPPUR / UFRJ – Tel.: (21) 598 1676• Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro —

IUPERJ / UCAM – Tel.: (21) 537 8020• Programa de Pós-Graduação em Geografia / UFRJ

Tel.: (21) 590 1880, 590 3280 e 270 7773

• Programa de Pós-Graduação em Urbanismo — PROURB / UFRJ

Tel.: (21) 290 2112 – ramal 2758

SÃO PAULO • Curso de Mestrado em Administração Pública / FGV-SP

Tel.: (11) 281 7763 e 281 7700• Instituto de Pesquisas Econômicas — IPE / USP

Tel.: (11) 818 5886 e 818 6078• Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos — NERU

Tel.: (11) 3120 2188• Pós-Graduação em Geografia Humana / USP

Tel.: (11) 210 2217• Pós-Graduação em Engenharia de Construção Civil e Urbana / USP

Tel.: (11) 818 5449• Programa de Pós-Graduação em Estruturas Ambientais e

Urbanas — FAU / USP – Tel.: (11) 257 7837 e 257 7688

CAMPINAS (SP)• Mestrado em Urbanismo / PUC-Campinas

Tel.: (19) 756 7088 e 756 7196• Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional — NESUR / IE /

Unicamp – Tel.: (19) 788 5775• Núcleo de Estudos de Populacão — NEPO / Unicamp

Tel.: (19) 788 5898 e 788 5896

SÃO CARLOS (SP)• Programa de Mestrado em Arquitetura / USP São Carlos

Tel.: (16) 273 9311 e 273 9312• Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana / UFSCar

Tel.: (16) 260 8295 e 260 8262

CURITIBA• Mestrado em Desenvolvimento Econômico / UFPR

Tel.: (41) 262 9719

FLORIANÓPOLIS• Programa de Pós-Graduação em Geografia / UFSC

Tel.: (48) 331 9412

PORTO ALEGRE• Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel

Heuser — FEE

Tel.: (51) 225 9187 e 225 9386• Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e

Regional — PROPUR / UFRGS

Tel.: (51) 316 3145

ONDE ADQUIRIR A REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS

Page 116: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS 9 BRASIL NOS ANOS 90: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL – Tânia Bacelar de Araújo 25 ¿QUÉ DEBE HACER EL GOBIERNO LOCAL AN-TE LOS

2 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S N º 2 / N O V E M B R O 1 9 9 9

R E V I S TA L AT I N O A M E R I C A N A D E E S T U D I O S U R B A N O R E G I O N A L E S

Table of contents EURE (Santiago), vol.25, n.75, Santiago, Sept. 1999

ARTICLESTeorías de desarrollo industrial regional y políticas de segunda y tercera generación — Helmsing, A. H. J.

Las desigualdades territoriales en el Estado español. 1955-1995 — Delgado Cabeza,Manuel, Sánchez Fernández, Jesús

El espacio rural entre la producción y el consumo: algunas referencias para el caso ar-gentino — Posada, Marcelo

La globalización de la fruta, los cambios locales y el desigual desarrollo rural en Améri-ca Latina: Un análisis crítico del complejo de exportación de fruta chilena — Mur-ray, Warwick E.

El puerto y la vinculación entre lo local y lo global — Martner Peyrelongue, Carlos

EURE TRIBUNE¿Qué debe hacer el gobierno local ante los grandes emprendimientos en el comercio mi-norista? — Coraggio, José Luis, Cesar, Ruben

EURE REVIEWSEvelyn Levy, Democracia nas Cidades Globais: um estudo sobre Londres e São Paulo— Sobarzo Miño, Oscar

EURE INFORMATIONInstituto de Estudios Urbanos. Facultad de Arquitectura y Bellas Artes. Pontificia Universidad Católica de Chile.El Comendador 1916, Casilla 16002, Correo 9 Santiago,Chile.Código Postal Campus Lo Contador 6640064 Fono: (56-2) 686-5511, Fax: (56-2) 232-8805.E-mail: [email protected]