revista autismo - editora alto astral - profa. maibí mascarenhas - abril/2016

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A importância de associações que fornecem apoio e orientações necessários para uma melhor qualidade de vida do autista e seus familiares Aceitar, entender e incluir S ó no Brasil, estima-se que haja, aproxi- madamente, dois milhões de crianças dentro do espectro autista (em uma proporção de uma pessoa com autismo para 110 sem o transtorno, de acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, órgão norte-americano de saúde). Mesmo assim, entre o grande público, falta a conscientização de que o transtorno necessita do maior apoio e cuidados possíveis da parte dos pais e responsáveis. Devido aos sintomas característicos de dificuldades de interações sociais, no domínio da linguagem, atrasos da coordenação motora e outros comportamentos compulsivos e repetitivos, os pais devem sempre buscar a melhor qualidade de vida possível por meio da inclusão em escolas e, também, alguns cuidados em relação à própria convivência em casa com a criança. TEXTO E ENTREVISTAS GIOVANE ROCHA/ COLABORADOR DESIGN JAMILE CURY GANDARA 24 | Ler & Saber - AUTISMO INCLUSÃO

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Page 1: Revista Autismo - Editora Alto Astral - Profa. Maibí Mascarenhas - Abril/2016

A importância de associações que fornecem apoio e orientações

necessários para uma melhor qualidade de vida do

autista e seus familiares

Aceitar, entender e incluir

Só no Brasil, estima-se que haja, aproxi-madamente, dois milhões de crianças dentro do espectro autista (em uma proporção de uma pessoa com autismo para 110 sem o transtorno, de acordo

com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, órgão norte-americano de saúde). Mesmo assim, entre o grande público, falta a conscientização de que o transtorno necessita do maior apoio e cuidados possíveis da parte dos pais e responsáveis. Devido aos sintomas característicos de dificuldades de interações sociais, no domínio da linguagem, atrasos da coordenação motora e outros comportamentos compulsivos e repetitivos, os pais devem sempre buscar a melhor qualidade de vida possível por meio da inclusão em escolas e, também, alguns cuidados em relação à própria convivência em casa com a criança.

TEXTO E ENTREVISTAS GIOVANE ROCHA/COLABORADORDESIGN JAMILE CURY GANDARA

24 | Ler & Saber - AUTISMO

INCLUSÃO

Page 2: Revista Autismo - Editora Alto Astral - Profa. Maibí Mascarenhas - Abril/2016

Meu filho tem autismo, e agora?É comum surgirem dúvidas a respeito de como

vai ser o futuro do filho a partir do momento em que se descobre o TEA – se a sociedade vai aceitá-lo do jeito que ele é, se há algum tratamento, remédios, escolas que proverão uma educação e inclusão de qualidade.

A ansiedade de ter que lidar com todos esses novos questionamentos pode tomar conta dos familiares no início. Porém, hoje o apoio para as pessoas com autismo está cada vez mais presente na sociedade. Organizações não governamentais dedicadas exclusivamente à causa do autismo estão prontas para amparar tanto a pessoa com TEA como toda a família. A psicopedagoga Sheila Leal explica que “trabalhar a independência em qualquer criança é fundamental, desde que ela tenha todos os requisitos do desenvolvimento neurobiológicos e nenhum comprometimento motor que a impos-sibilite de realizar as atividades básicas”.

Quais os cuidados que os pais devem ter no dia a dia?Após realizado o diagnóstico multidisciplinar

pelos profissionais indicados e confirmado o autismo na criança, o fundamental a se fazer em seguida é dar o máximo de apoio e amor no convívio diário.

Dependendo do nível do trantorno (saiba mais na página 20), situações mais ou menos complexas aparecerão. Por isso, a paciência é outro pré--requisito muito importante. O passo seguinte é não fingir que o autismo não está ali, aceitar e perceber que não é um luto, mas uma luta. E não querer enfrentá-la sozinho é imprescindível, pois existem profissionais que podem ajudar nesse caminho. “No formato que atuo (Método ABA - Análise do Comportamento Aplicada), existe uma sequência de treinos que os pais ou cuidadores aplicam e as crianças apreendem de forma eficaz como ir ao banheiro sozinho, lavar as mãos, sentar-se à mesa e utilizar talheres, entre outros”, explica Leal.

Segundo Katia Semeghini Caputto, pediatra, presidente da Associação dos Familiares e Amigos dos Portadores de Autismo em Bauru (Afapab) e mãe da Laura, 13 anos, que apresenta uma forma grave de TEA, “o mais difícil para uma criança muito comprometida são as atividades diárias. Até mesmo ir ao banheiro e comer exige muito treino da criança na própria escola, ou associação, para a familia ir dando continuidade. A autonomia da criança é uma das coisas dentro desse transtorno que as famílias mais correm atrás”, revela.

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EXISTE UM DIA MUNDIAL DE CONSCIENTIZAÇÃO

DO AUTISMO?2 de abril é o dia

decretado pela Organização das Nações

Unidas (ONU) em 2007 para promover a união

de famílias, profissionais e poderes públicos

em torno da causa do Transtorno do Espectro

Autista, em relação ao desenvolvimento do estudo da causa,

tratamentos e conscientização. Em

comemoração a este dia, diversos pontos turísticos

de várias cidades ao redor do mundo são iluminados pela cor azul, símbolo do

autismo, além de serem realizadas ações como

passeatas e palestras sobre o tema.

É importante buscar apoio emONGs relacionadas ao autismo?Como dito anteriormente, existem associações

dispostas a fornecer o auxílio necessário para a pessoa e sua família que descobrem o autismo. É o caso da Luz Azul - Associação Pró-Autismo de Santa Cruz do Sul (RS), uma entidade sem fins lucrativos que promove o desenvolvimento, a inclusão social e familiar e o bem-estar do autista. Hugo Braz, membro da ONG, esclarece a importância desses grupos - “organizações como a Luz Azul têm papel importante no apoio psicológico às famílias. Isso, aliado à conscientização dos direitos e ao fornecimento de conhecimentos básicos sobre como identificar e estimular potencialidades e como entender, lidar com e superar as dificuldades decorrentes do autismo, contribuem para a redução do estresse característico de famílias que convivem diariamente com pessoas autistas e, consequentemente, para o fortalecimento dos vínculos dessas famílias”.

Além disso, entidades voltadas à causa da me-lhor qualidade de vida de pessoas com autismo têm um importante papel de coletar informações sobre o transtorno, mostrar para o poder público, profissionais e outras famílias que não convivem com o TEA e tentar conscientizá-los a respeito do

assunto para uma maior desconstrução em relação ao preconceito em volta dessa e outras deficiências. “Indiscutivelmente, o desafio é vencer a inércia e o descaso do poder público frente às necessidades e dificuldades características das pessoas com au-tismo”, finaliza Braz.

Como os pais podem participar junto às ONGs?A preocupação das associações com a melhora

da qualidade de vida da pessoa com autismo é bastante relevante. Porém, mais importante ainda é a participação da família e dos amigos junto dos trabalhos desenvolvidos. Segundo Braz, “os familia-res têm participação, basicamente, colaborando no acolhimento e apoio de outros familiares e partici-pando de eventos e campanhas de conscientização social sobre o autismo. No projeto de educação física (desenvolvido pela Luz Azul), por exemplo, a contribuição ativa dos familiares é condição in-dispensável aos atendimentos”.

Qual a importância da inclusão social da criança com autismo?Outro tópico fundamental para ser não só

discutido como colocado em prática é a questão

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CONSULTORIAS Hugo Braz, membro da Luz Azul - Associação Pró-Autismo de Santa Cruz do Sul (RS); Katia Semeghini Caputto, pediatra, presidente da Associação dos Familiares e Amigos dos Portadores de Autismo em Bauru - SP (Afapab); Maibí Fernanda Mascarenhas, especialista em educação inclusiva; Sheila Leal, psicopedagoga e fonoaudióloga.

FONTE Cartilha da Campanha Nacional de Conscientização do Autismo. Câmara dos Deputados; 2015.

“A autonomia da criança é uma das coisas dentro desse transtorno que as famílias

mais correm atrás.”Katia Semeghini Caputto, pediatra

da inclusão do autista, seja no ambiente familiar, social ou na escola, para aproveitar espaços de lazer, entretenimento e educação para que, assim, sejam estimulados seu desenvolvimento e sua participação em diferentes ambientes.

Segundo a especialista em educação inclusiva Maibí Fernanda Mascarenhas, “a inclusão é importante também para que os diversos grupos de pessoas e espaços públicos se sensibilizem e desenvolvam um olhar direcionado à inclusão, planejando, dentro de suas estruturas e ações, possibilidades efetivas para acolhimento de pessoas com deficiência e seus familiares”.

É importante lembrar o respeito do limite e das características particulares de cada um, pois, de acordo com os diferentes níveis de TEA, o que pode funcionar para um, às vezes, não tem a mesma eficiência com outro.

É possível a inclusão de qualquer pessoa com TEA?Visto que, de acordo com os vários níveis do

espectro autista, as pessoas podem apresentar mais ou menos dificuldades em comunicação ou, por vezes, comportamentos agressivos ou compulsivos em determinadas situações, os pais podem ficar incertos a respeito de como o filho pode reagir à inserção em um ambiente escolar ou social em geral. Contudo, Mascarenhas ressalta que “toda inclusão é possível, porém, a individualidade de todas as pessoas deve ser considerada e preservada”.

Em casos mais severos do transtorno, é necessário que familiares, amigos e profissionais estimulem o indivíduo com autismo à interação social em um processo gradativo, sem que haja um desgaste por ambas as partes, e o mais importante: sempre com acompanhamento e orientação. Como exemplo dessa evolução, a especialista em educação inclusiva fala que, se a pessoa com autista tiver desconforto com excesso de barulho, o melhor é que esse processo seja realizado em ambientes mais abertos, onde o som não ficará muito concentrado, como um piquenique no parque.

“O ideal é equiparar duas ações: conhecer as características de cada indivíduo e, com base nisso, planejar e praticar estímulos progressivos para que se desenvolvam habilidades de convivência social e conhecimento de regras, dentro das particularidades de cada situação e contexto”, indica Maibí.

Existe alguma lei que garante a inclusão do autista?De acordo com o artigo primeiro da lei nº 13.146,

de 6 de julho de 2015, “é instituída a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”.

Contudo, não adianta apenas ter a lei; é necessário que educadores estejam plenamente capacitados para possibilitar essa inclusão da criança autista em relação às abordagens apropriadas para desenvolver sua capacidade de aprendizagem, para que, assim, a escola não acabe agravando sua situação.

Para isso, segundo Mascarenhas, “há docu-mentos norteadores específicos sobre currículo e avaliação escolar, contendo diretrizes para a área de educação inclusiva, bem como cursos livres e de pós-graduação que abordam a teoria e práticas pedagógicas para a inclusão”.

Como deve ocorrer a inserção do autista no mercado de trabalho?Quanto mais precoce for o diagnóstico e o tra-

tamento do autismo, melhores serão as condições de a pessoa ser inserida no mercado de trabalho posteriormente. Depois da confirmação do trans-torno, é importante procurar uma escola que seja efetiva em relação à inclusão, além de profissionais capacitados para orientá-la em diversas áreas para seu desenvolvimento. “A estimulação deve ser constante, porém, o conhecimento técnico do quadro de cada indivíduo é fundamental para que algumas habilidades possam eventualmente ser desenvolvidas e fixadas. Mantendo estes estímulos, existe a possibilidade de integração do autista no mercado de trabalho”, completa Maibí.

E POR QUE A COR AZUL?É a cor escolhida para representar o autismo devido à maior incidência de casos do TEA ser no sexo masculino.

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