revista arqueologia volume 25-2-2012

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA VOLUME 25 _ NUMERO 2 _ DEZEMBRO 2012

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Revista da sociedade de arqueologia brasileira (SAB)

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REVISTA DE ARQUEOLOGIAVOLUME 25 _ NUMERO 2 _ DEZEMBRO 2012

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Capa: Tatiane Gama

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REVISTA DE ARQUEOLOGIAVOLUME 25 _ NUMERO 2 _ DEzEMbRO 2012 _ ISSN 0102-0420

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REVISTA DE ARQUEOLOGIAVOLUME 24 _ NUMERO 1 _ jULhO 2011 _ ISSN 0102-0420

Conselho EditorialAbdulay CâmaraAdriana S. DiasAstolfo Gomes de Mello AraujoAlberico Nogueira de QueirozAndré P. ProusAndré O. RosaClaudia Rodrigues Ferreira de CarvalhoDenise P. SchaanEduardo G. NevesFabíola A. SilvaGilson RambelliGislene MonticelliGustavo PolitisJoão Pacheco de Oliveira FilhoJosé Lopez MazzLoredana RibeiroLuiz Cláudio SymanskiLuiz OssterbeekMarco Aurélio Nadal De MasiMichael HeckenbergerSheila Mendonça de SouzaTania Andrade LimaVeronica Wesolovski

A Revista de Arqueologia, fundada em 1983 pela Profª Maria da Conceição M. C. Beltrão e editada originalmente pelo Museu Paraense Emilio Goeldi/CNPq, é uma publicação oficial e semestral da Sociedade de Arqueologia Brasilieira - SAB.

Dados Internacionais de Catalogação

Diretoria da SABSociedade de Arqueologia BrasileiraPresidenteGilson Rambelli – Universidade Federal de Sergipe Vice-PresidenteMarcia Bezerra - CNA/Iphan/Universidade Federal do Párá 1ª SecretáriaSuely Amancio Martinelli – Universidade Federal de Sergipe2º SecretárioLuis Cláudio Symanski – Universidade Federal de Minas Gerais1ª Tesoureira:Loredana Ribeiro - Universidade Federal de Pelotas2ª Tesoureira:Rosiclér T. da Silva - Universidade Federal do PiauíComissão de Seleção:Andrés Zarankin – Universidade Federal de Minas GeraisFabíola Andréa Silva – Universidade de São PauloFlávio R. Calippo – Universidade Federal do PiauíComissão EditorialLucas Bueno – Universidade Federal de Santa CatarinaAdriana Schmidt Dias – Universidade Federal do Rio Grande do SulEdithe Pereira – Museu Paraense Emilio GoeldiConselho FiscalDilamar Cândida Martins – Universidade Federal de GoiásAlbérico Queiroz – Universidade Federal de Sergipe Cláudia Rodrigues-Carvalho – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Museu de Arqueologia e EtnologiaUniversidade de São PauloAv. Prof. Almeida Prado, 1466São Paulo - SP - Brasil05508-900

Comissão Editorial: Lucas Bueno, Adriana Dias, Edithe PereiraEditor Responsável: Lucas BuenoGestão 2011-2013

Revista de Arqueologia / Sociedade de Arqueologia Brasileira, 2012. São Paulo: SAB, 2012, V. 25, Nº1

Semestral a partir de 2008: 2011.ISSN: 0102-0420

1. Ciências Humanas. 2. Arqueologia. 3. Antropologia.4. Sociedade de Arqueologia Brasileira

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SUMÁRIO

ARTIGOS

RESUMO

RESEnhA

07 EDIToRIAl

08 “ESCAVANDo” ARquEoloGIAS AlTERNATIVAS Cristóbal Gnecco

24 o PluRAl E o SINGulAR DAS ARquEoloGIAS INDíGENAS Fabíola Andréa Silva

44 ARquEoloGIA E CoMPANHIA: REFlExõES SoBRE A INTRoDução DE uMA lóGICA DE MERCADo NA PRáTICA ARquEolóGICA BRASIlEIRA Andrés Zarankin e José Roberto Pellini 62 ENTRE ABRIGoS E lAGoAS: TECNoloGIA líTICA E TERRIToRIAlIDADE EM lAGoA SANTA (MINAS GERAIS, BRASIl) Lucas Bueno

84 SAMBAquI Do AMouRINS: MoRToS PARA MouNDS? Sheila Mendonça de Souza, Andersen Liryo, Gina Faraco Bianchini e MaDu Gaspar

104 ESCAVAçõES No SíTIo lII-29, SAMBAquI DE SEREIA Do MAR Gustavo Peretti Wagner

120 áREAS DE ATIVIDADE EM DoIS CENTRoS CERIMoNIAIS JÊ Do Sul: RElAçõES ENTRE ARquITETuRA E FuNção Jonas Gregorio de Souza

140 AMAzôNIA ANo 1000: TERRIToRIAlIDADE E CoNFlITo No TEMPo DAS CHEFIAS REGIoNAIS Claide de Paula Moraes 146 CARBoNERA, M.; SCHMITz, P. I. (oRGS.). 2011. ANTES Do oESTE CATARINENSE: ARquEoloGIA DoS PoVoS INDíGENAS. CHAPECó (SC), ARGoS. 364 P. ISBN: 978-85-7897-034-5 Lucas Bond Reis

152 NoRMAS EDIToRIAIS

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Editor Responsável: lucas Bueno

EDITORIAL

Apresentamos neste número sete arti-gos, uma resenha e um resumo de tese.

O artigo de Gnecco coloca em cheque o quão alternativas são as arqueologias alter-nativas. Segundo o autor, apresar de trata-rem de temas bem diversos, há um com-partilhamento de aspectos epistemológicos que permitem questionar se essas arqueo-logias estão de fato, produzindo conheci-mento de forma diferenciada.

O artigo de Fabíola Silva dá continuida-de á discussão proposta por Gnecco, mas sob outra perspectiva. A autora trata de forma mais específica da(s) Arqueologia(s) Indigena(s). Segunda a autora essas arque-ologias trouxeram para o cerne do debate, componentes como a multivocalidade e a reflexividade, alterando de forma significa-tiva a prática arqueológica. Essas altera-ções, de acordo com Silva, têm gerado uma redefinição dos parâmetros éticos da disci-plina.

O artigo de Zarankin e Pellini também coloca questões relacionadas à ética da dis-ciplina no centro de seus questionamentos. Esses autores enfocam a situação atual da arqueologia Brasileira, enfatizando as transformações no campo profissional de-correntes do crescimento da chamada Ar-queologia de Contrato. Segundo Zarankin e Pellini, este texto é além de uma reflexão acadêmica, um manifesto político voltado para se pensar qual o tipo de arqueologia que se quer ver produzida no país.

O quarto artigo deste número é de minha autoria e versa sobre a ocupação da região de Lagoa Santa no Holoceno Inicial. A partir da apresentação e discussão das catacterísticas tecnológicas dos conjuntos líticos vincula-dos a diferentes sítios dessa região apresenta-mos uma hipótese com relação à dinâmica de ocupação e interação entre estes sítios em escalas locais e extra-locais.

O artigo de Mendonça de Souza et al apresenta os primeiros resultados da reto-mada de estudos sobre os processos constru-tivos de sambaquis na Baía de Guanabara, RJ. Segundo os autores, a abordagem trans-disciplinar e os novos protocolos adotados contribuíram de forma decisiva para susten-tar a hipótese de que a construção deste sítio está estreitamente relacionada aos funerais .

O artigo de Wagner traz os resultados da escavação do Sambaqui Sereia do Mar e in-sere os dados obtidos em um contexto mais amplo de ocupação sambaquieira no litoral do Rio Grande do Sul.

O último artigo, de Jonas Gregório Souza, Souza apresenta a análise das estruturas e conjuntos artefatuais de dois sítios de aterros anelares com montículos Jê do Sul. A partir da análise dos dados levantado ao longo do trabalho o autor propõe que certas caracte-rísticas observadas no registro arqueológico podem estar ligadas à emergência de cacica-dos complexos, como se relata para os Kain-gang no século XIX.

Aproveitem a leitura!

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"escavando" arqueologias alternativas Cristóbal Gnecco

“Escavando” arquEologias altErnativas

Cristóbal Gnecco11

1- Universidad del [email protected]

ARTIGO

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA Vo lume 25 - N .2 : 08-22 - 2012Cristóbal Gnecco

ResUmoAs arqueologias alternativas têm sido

definidas como programas de pesquisa bem diferentes daqueles da arqueologia tradicio-nal, mesmo posicionando assuntos tão cru-ciais como a descolonização e a luta contra as hierarquias acadêmicas. Porém, elas compartilham o núcleo filosófico da disci-plina, herdado de sua origem moderna, so-bretudo a função epistêmica de escavar (e as suas relações associadas). Este artigo busca responder se esse compartilhar ainda per-mite (ou não) que elas sejam consideradas alternativas.

PalavRas-Chave: arqueologias alter-nativas, arqueologias indígenas, escavar.

abstRaCtAlternative archaeologies have been defi-

ned as research programs different from those of traditional archeology, even posi-tioning such crucial issues as decolonization and the struggle against academic hierar-chies. However, they share the philosophical core of the discipline, inherited from its mo-dern origins, especially the epistemic func-tion of digging (and its associated rela-tionships). This article seeks to answer whether this sharing still allows (or not) to consider them alternative.

KeywoRds: alternative archaeologies, indigenous archaeologies, digging.

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"escavando" arqueologias alternativas Cristóbal Gnecco

INtRodUÇÃoEscavar é uma atividade física — esgota-

dora, feita com cuidado, sujeita a um trei-namento rigoroso— central à prática arque-ológica; no entanto, seu caráter empírico (o de uma atividade que requer habilidades físicas, bem como o controle da mente) es-conde uma outra de suas facetas: escavar também é um tropo poderoso, intimamente ligado ao tropo de um passado enterrado. Na verdade, é bem ali, na relação emara-nhada desses dois tropos, que a singularida-de, relevância e até mesmo a importância da arqueologia estão baseadas; essa relação dá acesso ao passado (por meio da escavação), muito mais do que as histórias baseadas em documentos porque atinge uma profundi-dade temporal maior. Os arqueólogos ainda se apegam à ideia de que a arqueologia está em uma posição única para explicar a pro-fundidade temporal e, portanto, as varia-ções e mudanças (mas também as continui-dades) que não estão disponíveis para o arsenal teórico e metodológico de outras disciplinas sociais. A forte presença da pro-fundidade temporal na especificidade da arqueologia solidifica a preeminência meta-física de escavar.

Um CoNseNso (NÃo tÃo) QUebRado O consenso sobre a arqueologia (sobre

sua natureza, seu propósito, seus meios de avaliação), pacientemente construído pelo programa científico na década de 1960, foi destruído duas décadas depois pelo surgi-mento de programas dissidentes dentro da disciplina e pela confrontação subalterna. As vítimas dessa destruição foram a objeti-vidade e a higiene epistêmica, legados posi-tivista dos quais a disciplina começou a se afastar desde então, embora com relutância. No entanto, ainda há um forte consenso em torno de dois objetos discursivos robustos, que se tornaram o núcleo mais estável da ar-

queologia: a escavação como o médio mais legítimo para capturar a materialidade do passado. A escavação e a materialidade do passado são conceitos tão sólidos que sua existência parece estar além de qualquer questão. Eles simplesmente são.

A arqueologia está baseada na ideia com-partilhada de que o passado está enterrado e de alguma maneira cifrado/codificado nas coisas. O segredo do grêmio — cujo acesso outorga privilégios e um sentido corporati-vo e cujo treinamento é a raison d’être do aparelho institucional—é como decifrar o passado que fica enterrado e codificado; en-fim, como descobrir os significados enterra-dos. O bom desempenho no processo de encontrar/decodificar é a essência do jogo. O significado dado a esse processo tem mu-dado ao longo dos anos, desde o senso co-mum não regulamentado até os protocolos científicos altamente ritualizados. O movi-mento mais importante (revolucionário) em arqueologia nas últimas três ou quatro déca-das tem sido levar pessoas vivas (ou suas culturas, como sejam definidas) para forta-lecer a hermenêutica arqueológica. As dife-rentes versões da etnoarqueologia articu-lam-se com esse movimento, bem como as chamadas arqueologias alternativas, não importa quão tão diferentes elas possam pa-recer. Os procedimentos para descobrir/descodificar tem mudado; em contraste, permanecem inalteradas a definição e o sig-nificado do que é coberto/codificado e, por-tanto, à espera de ser descoberto/descodifi-cado para o bem do conhecimento arqueológico —ou, como os arqueólogos preferem dizer, para o bem da humanidade. Este último, o conhecimento arqueológico, está completamente naturalizado.

Qualquer história mínima da disciplina teria que aceitar que o consenso científico foi quebrado há décadas. Mas isso realmente aconteceu assim? Foi destruído algo que

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mantém o seu núcleo ontológico e metafísi-co? Foi destruído algo (a arqueologia) que sobrevive graças a sua associação aberta com a cosmologia da modernidade, apoiado pelo tropo da descoberta?

Goya e o olhaR modeRNoDois retratos do pintor espanhol Fran-

cisco de Goya, A maja vestida e A maja des-nuda, encarnam o olhar moderno e apon-tam para a obsessão ocidental com descobrir, despir, despojar. O passo da maja vestida à maja desnuda indica a estratégia moderna (a da ciência): a maja nua encarna a verdade do que é exposto ao olhar na sua realidade absoluta. O movimento de volta para a maja vestida, apenas oculta: a verda-de antes exposta é raptada e levada para o invisível, onde deixa de ser real para se tor-nar ideologia. A ideia do nu como revelação tem uma longa história no pensamento oci-dental e representa a diferença entre um mundo real e um ilusório. A genealogia de despojar, despir e descobrir assinala ao Ilu-minismo como um momento transcenden-te da tradição judaico-cristã; desde então, a capacidade de expor o que está enterrado se torna no centro de operação do conheci-mento moderno.

Desde Kant (1964) O argumento central do Iluminismo tem sido a oposição entre a luz e as trevas —e suas dicotomias acompa-nhantes: bem/mal, livre/submetido, conhe-cimento/ignorância. Quando Kant (1964) teve que escolher um lema para o Iluminis-mo propus sapere aude (atreva-se a conhe-cer); assim ele quis indicar que os seres hu-manos poderiam passar da custódia à livre vontade pela iluminação, desta vez não divi-na (a luz descendo dos céus para os seres humanos), mas plenamente humana (a luz que ilumina a escuridão pelo uso consciente e responsável da razão). Deus morre no exa-to momento em que os seres humanos to-

mam a luz nas suas próprias mãos. O mes-mo acontece com o passado, selado e modelado na arquitetura do cosmos, a arte suprema de Deus. Agora o passado é algo que está na sua materialidade e seu sentido algo a ser descoberto. O passado torna-se uma entidade que pode ser conhecida pelos sentidos, comandados pela razão, e deixa de ser algo revelado pela palavra divina.

Com esses argumentos à mão é fácil de ver o que os arqueólogos fazem —e por quê. Como disciplina ocidental, a arqueologia herdou o olhar moderno. O equivalente ar-queológico de despir, descobrir y despojar e escavar. O passado fica enterrado, então, e também é material. Para conhecê-lo, o pas-sado (que fica enterrado na escuridão na sua encarnação material) tem que ser exposto, despojado, despido, iluminado, quer dizer, escavado. Os arqueólogos escavam porque o passado está lá, em algum lugar, na sua for-ma material: enterrado. A única maneira de reviver o passado (ou seja, torná-lo real) é através de sua saída à luz por médio da esca-vação. Predicado sobre esses fatos, não é de estranhar que o mais alto nível de negócio arqueológico seja saber onde escavar para recuperar o passado enterrado. Mesmo as evidências superficiais contribuem para o efeito: se elas são recuperadas adequada-mente, informam sobre o passado material como era quando ele foi enterrado.1

Ficar abaixo da superfície é a condição que dá o rótulo de arqueológico às coisas. Considere a distinção bem conhecida pro-1- A condição dos elementos superficiais é única a este res-peito. Eles realmente estão em um patamar metafísico: tec-nicamente pertencem ao contexto sistêmico mas informam sobre o contexto arqueológico —estou usando os termos pro-postos por Schiffer (1972). O ponto importante para o meu argumento, no entanto, é que apesar de que sua condição particular pareceria exclui-los das escavações, não aconte-ce assim. Os arqueólogos tratam os elementos superficiais como se eles estiveram enterrados, imaginando o como eram e como eles estavam localizados antes de serem deslocados de seu depósito arqueológico. Os elementos superficiais tam-bém são escavados —as técnicas atuais para a recuperação "adequada” de elementos de superfície são iguais às de qual-quer escavação.

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da antropologia, Johannes Fabian (1990) e Michel-Rolph Trouillot (2003), destacaram a reificação do campo —esse lugar emble-mático onde acontece o trabalho de cam-po— como a operação discursiva mais acei-tada na antropologia, a fonte mais legítima da compreensão antropológica O campo reificado (vaziado de qualquer carácter his-tórico-contextual) é o lugar onde o antropó-logo encontra o selvagem e onde as intera-ções intersubjetivas são traduzidas em distancia profissional. Da mesma forma, o trabalho de campo do arqueólogo e a esca-vação são o lugar e a operação reificados que possibilitam a descoberta de um passado também reificado. Além disso, as escavações arqueológicas são cercadas por proscrições legais. Em muitos países, como a Colômbia, o ato de escavar é definido, controlado e pu-nido por regras institucionais promulgados pelo Estado, aplicadas por instituições poli-ciais (como o Instituto Colombiano de An-tropología e Historia) e curtidas pelos ar-queólogos, esses indivíduos estranhos que prosperam em outra potente dicotomia rei-ficada, legal/ilegal, escondendo a historici-dade de qualquer senso moral. Autorizar aos arqueólogos para escavar, ao mesmo tempo em que se proíbe a outros de fazê-lo, só procura garantir o acesso dos profissio-nais ao património, mais uma entidade rei-ficada.

Assim se desenrola uma longa cadeia de reificações.

Tem mais sobre a naturalização. A alega-ção arqueológica de que os procedimentos de investigação, incluindo a escavação, tor-naram-se autônomos por médios técnicos ajuda a esconder que estão ligados a cosmo-logias poderosas; essa alegação os mostra como simples operações técnicas em um vazio cultural. Mas se a arqueologia está ba-seada na ideia de que o passado está enterra-do, a compreensão que oferece está necessa-

posta por Michael Schiffer (1972) entre o contexto sistêmico e arqueológico; Schiffer usou este ultimo conceito para descrever “os materiais que passaram por um sistema cul-tural e agora são investigados pelos arqueó-logos” (Schiffer 1972:157). Apesar de não especificar que o contexto arqueológico está enterrado, todo o texto é um comentário a essa afirmação implícita. Caso contrário, como podemos aceitar que o contexto sistê-mico defina elementos envolvidos em um sistema comportamental, enquanto o con-texto arqueológico o faz com “materiais que passaram por um sistema cultural”? Os ele-mentos de um contexto arqueológico de al-guma forma têm sido separados de um sis-tema de comportamento por descarte intencional ou acidental; estão, portanto, longe do mundo dos vivos —já tem “passa-do através de um sistema cultural” e não mais pertencem a um “sistema de compor-tamento.” Como entram de volta a um con-texto sistémico, isto é, a um novo sistema de comportamento? Só existe uma maneira: tirando-os fora do contexto arqueológico, escavando-os. O produtor final desta opera-ção é o arqueólogo. (Não surpreendente-mente, de acordo com Schiffer, os elementos de um contexto arqueológico “estão agora a ser investigado pelos arqueólogos.”)

Não há dúvida: os arqueólogos escavam. Eles são parte do grêmio quando sabem onde e como escavar. A experiência do tra-balho de campo (inteiramente legitimada pela escavação) é a ocasião essencial, a fonte da arqueologidade —o sentido de ser um ar-queólogo. Mas essa experiência é despojada de seu senso de evento e reificada como um encontro com o passado —como se este fos-se uma coisa viva, externa aos sujeitos. Por que não ver o campo de forma diferente, longe da naturalização produzida pela aprendizagem do ofício? Dois dos críticos mais articulados da ontologia fundacional

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riamente ligada a sua escavação. Os dispositivos arqueológicos produtores de verdade são equivalentes a escavar camadas de significado. Qualquer discussão sobre a modernidade da arqueologia tem de lutar com o fato, simples e breve, que a escavação é o tropo mestre das operações disciplinares. A escavação descobre verdades objetivadas em coisas que evitam o tempo —mesmo a teoria de formação procura isolar as traças verdadeiras das acrescentadas (e.g., Sullivan 1978). As verdades/coisas reveladas pela ar-queologia pertencem à ontologia essencia-lista. Curiosamente, no entanto, as versões pós-modernas da arqueologia que postulam que o significado histórico é contextual, par-ticipam de esta ontologia: as coisas arqueo-lógicas ainda são o caminho para as verda-des arqueológicas (não importa o quão fracas, hesitantes, estratégicas e até políticas elas sejam), graças a sua descoberta pela es-cavação. Na verdade, essa coabitação do construtivismo pós-moderno com um es-sencialismo mais antigo não é uma curiosi-dade, mas uma tensão que expõe claramente o núcleo moderno da disciplina e a fraqueza de muitos ataques contra ele. As arqueolo-gias alternativas (práticas disciplinares su-postamente desligadas de interesses e con-troles ocidentais) também estão presas a este fato, como vou mostrar depois.

Tal como acontece com as ideologias, das quais não podemos escapar mas sim falar através delas (Hall 2010:299), também po-demos falar através da escavação. Nem ca-tarse nem higiene, falar através da escavação é uma estratégia para ver: ao fazê-lo pode-mos entender como ela tem sido fundamen-tal para a construção da estrutura metafísica e ontológica da arqueologia, podemos ver com novos olhos, ver de novo. Os mitos são bons lugares para avaliar como pode se de-senvolver este novo olhar. Os mitos que sub-jazem a modernidade são totalizantes e re-

sistentes ao tempo e postulam que a escuridão reina no profundo, a luz na super-fície. O mito de Orfeu e o da caverna expos-to pelo Platão na República são bons exem-plos. Orfeu perde a Eurídice, quem o segue fora do mundo dos mortos, porque ele trai a atração da luz e olha de novo a escuridão, onde ela fica. O escuro mundo inferior é mostrado como o oposto triste e trágico da luz, onde a felicidade e a satisfação são pos-síveis. No mesmo sentido, no mito da caver-na Sócrates assinalou que

… na região do conhecível a ultima coisa que pode ser vista, e com muito esforço, é a ideia do bem; mas depois de ver, há que con-cluir que ela é, na verdade, a causa de todas as coisas serem corretas e belas —no reino do visível é a fonte de luz e sua soberana; no reino do inteligível também é soberana e outorga verdade e inteligência — e de que o homem que vai agir com prudência, em pri-vado e em público, deve ve-la (Platão 1993:327).

Os mitos construem ontologias. O mito da modernidade (a modernidade como mito) é poderoso e durável e tem naturaliza-do o caráter histórico de seus conceitos. Pos-tula, de maneira central, a luz como a prove-dora de liberdade, conhecimento e verdade. Como uma extensão deste significado ro-busto, a escavação é o recurso definitivo por meio do qual o passado como matéria vem à luz para ser decodificado como verdadei-ro. Portanto, não é surpreendente que um arqueólogo africano escreveu que... Apenas escavando as conceituações das so-ciedades rurais e urbanas da África, espe-cialmente como são expressadas nas fontes históricas orais e etnográficas, podemos acessar o tecido dos sistemas de conheci-mento africanos... Entender esses sistemas de conhecimento é uma base sólida para a aprendizagem dos planos sociais e ambien-tais e dos desenhos das populações do pas-

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"escavando" arqueologias alternativas Cristóbal Gnecco

relacionada como o arqueológico, mas abor-dada desde uma cosmologia diferente, a es-cavação não foi contemplada como uma forma de encontrar aos antepassados. Quan-do o território foi caminhado os xamãs tive-ram aos ancestres falando através de seus traços visíveis —que, segundo os relatos modernos, sempre tem estado a plena luz. Esta mitologia permite ver e sentir de outra maneira. Em vez da obsessão moderna com a luz e o despir, se deleita em encontrar o que nunca tem estado na escuridão. Por isso pode ser classificada como uma forma alter-nativa de ver porque ao tomar distancia da mitologia moderna posiciona-se em outro lugar no horizonte do olhar. Posso dizer o mesmo sobre as arqueologias alternativas que surgiram nas últimas décadas?

aRQUeoloGIas alteRNatIvas?As arqueologias alternativas podem ser

descritas como praticas afastadas dos prin-cipais princípios disciplinares. Elas podem até mesmo ser vistas como um desafio à he-gemonia desfrutada pela arqueologia acadê-mica/positivista por tanto tempo, uma do-minação construída por um consentimento hoje despedaçado. As perspectivas feminis-tas e indígenas têm sido destacadas como as propostas dissidentes mais relevantes dentro da disciplina, rotuladas como arqueologias alternativas quando totalmente desenvolvi-das em programas por conta própria. Po-rém, estão realmente afastadas da arqueolo-gia dominante, desafiando a sua dominação? Elas são realmente alternativas? Uma ma-neira de esboçar uma resposta é avaliando a sua perspectiva metafísica e ontológica. Ao fazer isso, é possível ver que mais freqüente-mente do que não as arqueologias alternati-vas retêm os princípios modernos da prática disciplinar.

Considerem o caso das chamadas arque-ologias indígenas (Watkins 2000; Smith e

sado e para formular ações para o planeja-mento social e ambiental atual (Andah 1995:173; adicionei os itálicos).

Devemos entender este “apenas escavan-do” metaforicamente já que alude às “fontes orais históricas e etnográficas”? Mesmo se aceitamos o seu uso metafórico, qual é o sig-nificado de “escavar” senão o encontro do que está enterrado?

Outra questão surge quando examina-mos outras cosmologias. Na mitologia de muitos povos ameríndios andinos o cosmos é organizado em três níveis. Uma divisão de um mundo superior, este mundo e o mundo inferior é bastante comum. Embora possa ser sincrética com o dogma cristão, também parte dele: o mundo inferior (onde residem os espíritos e os ancestres, entre outros se-res) está sempre em contato com este mun-do, principalmente por meio de corpos de água (lagos, rios, cachoeiras). Não tem que ser descoberto para ser. Os seres do mundo inferior estão vivos, não mortos. Isto se es-tende também a outras áreas simbólicas. Nos conflitos étnicos das últimas três déca-das, a recuperação da cultura tem sido fun-damental. Os seres que habitam o mundo inferior tornam-se fornecedores culturais através da mediação dos xamãs. O significa-do de recuperação é essencial para as agen-das étnicas, já que implica recuperar o que foi tirado, especialmente pelo colonialismo. Há uma grande diferença entre recuperação e escavação: a primeira envolve recuperar o que já está vivo; o segunda refere a matéria morta, apenas animada pela hermenêutica arqueológica. Assim, em muitas cosmolo-gias não modernas a relação com o passado, com os antepassados , não está mediada por processos que revelam-despem-escavam. Portanto, elas têm fortes razões cosmológi-cas para rejeitar a escavação. Em uma pes-quisa na qual participei com uma comuni-dade Nasa do sul-oeste de Colômbia

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Wobst 2005), que aceitam sem discussão a idéia moderna de que o passado fica enter-rado e tem que ser escavado/descoberto. As-sim surge uma questão importante: essas arqueologias alternativas que retém princí-pios centrais da modernidade são alternati-vas de que? Bem podem se afastar de certas práticas arqueológicas, especialmente colo-niais, e podem até mesmo colocar suas pró-prias agendas, mas aceitam os princípios básicos da disciplina. As arqueologias indí-genas são a melhor coisa que tem acontecido à arqueologia desde que o consenso científi-co foi quebrado há uns vinte anos: o outro étnico já não é mais a nêmeses, mas um alia-do.2 Inclusive, alguns autores indígenas ofe-recem dissolver dicotomias radicais: “A ar-queologia indígena fica, talvez, em uma posição única para desafiar, criativamente, categorias hegemônicas e para desmantelar marcos binários como ‘indígena’ e ‘arqueó-logo’” (Colwell-Chanthaphonh et al. 2010:231).3 Apesar das boas intenções, a de-saparição de dicotomias importantes em termos de confrontação serve, sobre tudo, para unir e solidificar a arqueologia ao fazê--la mais democrática. Se a dicotomia indíge-nas/arqueólogos foi acalorada e enérgica faz um tempo, excludente e irreconciliável, as arqueologias indígenas procuram dissolve-

2- O jogada mais perfeita da arqueologia nos tempos mul-ticulturais —mudar para continuar fazendo o mesmo que sempre tem feito— imita o que fizeram os antropólogos tex-tualistas da década de 1980 e sobre quem Johannes Fabian (1990:761) escreveu: "Devemos, portanto, temer que o que parece ser uma crise é apenas barulho feito por os antropó-logos que se reagrupam em suas tentativas de salvar seus privilégios de representação?" Salvar privilégios: é isso. Os arqueólogos, membros de uma minoria cognitiva privilegia-da, não querem perder os privilégios concedidos a eles por serem os proprietários de uma forma de representação que, no máximo, eles estão dispostos a compartilhar, mas não a mudar.

3- Um argumento semelhante tem sido feito pelo Paul Lane (2011:17); em sua opinião, um caminho para o avance de uma arqueologia genuinamente colaborativa é abandonan-do "a distinção implícita entre sistemas de conhecimento 'ar-queológico' e 'local'/’indígenas’ ", porque "isso apenas serve para reforçar uma falsa distinção entre suas respectivas for-ças em escalas globais e locais de aplicação."

-la. Não é de surpreender, então, que ao re-conhecer esta oferta de dissolução os princí-pios éticos de muitas associações —os de Canadian Archaeological Association, Aus-tralian Archaeological Association e World Archaeological Congress, por exemplo— estabeleçam como prioritário o treinamento de arqueólogos indígenas.

De acordo com Nicholas (2008:1660), a arqueologia indígena é caracterizada por um ou mais dos aspectos seguintes:

(1) A participação proativa ou a consulta dos povos indígenas na arqueologia; (2) Uma declaração política preocupada com questões de autogoverno, soberania, direitos à terra, identidade e património dos indíge-nas; (3) Uma empresa pós-colonial dese-nhada para descolonizar a disciplina; (4) Uma manifestação de epistemologias indí-genas; (5) A base para modelos alternativos de gestão e administração do patrimônio cultural; (6) O produto de escolhas e ações feitas por arqueólogos individuais; (7) Um meio de poder e revitalização cultural ou re-sistência política; (8) Uma extensão, avalia-ção, crítica ou aplicação da teoria arqueoló-gica atual.

Como podem os pontos 3, 4 e 5 serem reconciliados com o ponto 8, que além de postular uma crítica da teoria arqueológica atual também abraça sua extensão? O traba-lho teórico que seguiu ao livro do Joe Wa-tkins Indigenous archaeology (2000), que “começou a enquadrar, explicitamente, a arqueologia indígena como um esforço para desafiar as bases coloniais da disciplina” (Colwell-Chanthaphonh et al. 2010:228; ver Atalay 2006, Smith e Wobst 2005), está base-ado no implícito de que uma arqueologia “descolonizada” pode reter o núcleo moder-no da disciplina. Como podem as arqueolo-gias alternativas ser definidas “como múlti-plos discursos e práticas sobre as coisas de outro tempo” (Hamilakis 2011:408) se eles

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mantêm o núcleo ontológico da concepção moderna dos tempos passados? Pode tal “outro tempo” ser efetivamente promulgado através/desde a ontologia moderna? As ar-queologias alternativas têm ainda explorado outras metodologias de pesquisa (em sinto-nia com cosmologias não ocidentais?), tais como as unidades de escavação redondas propostas por Million (2005). No entanto, as metodologias inovadoras aceitam escavar como uma forma legítima de chegar ao pas-sado; como tal, eles deixam intocada a onto-logia que submeteu as cosmologias não oci-dentais em primeiro lugar. Porém, isso é surpreendente porque um dos princípios principais das arqueologias indígenas, tal como foi apresentado por uma de suas de-fensoras mais conhecidas, assinala que “em-bora o foco e os detalhes possam variar, um traço comum entre as arqueologias indíge-nas que tenho observado é a incorporação, e respeito para, as experiências e epistemolo-gias de grupos indígenas no mundo” (Atalay 2008:29). Como podem essas experiências e epistemologias ser respeitadas mantendo rí-gidos tropos modernos? Atalay mesma (2008:30) parece avançar uma resposta:

Uma arqueologia em terra indígena, conduzida por povos nativos sem um olhar crítico que inclui colaboração; que não in-corpora epistemologias indígenas e concep-ções nativas da história, passado e tempo; ou que descuida questionar o papel da pesqui-sa na comunidade, seria um replicação do paradigma positivista arqueológico dominante.

As arqueologias indígenas estão em difi-culdades para garantir ser realmente alter-nativas. Se o termo indígena implica manter uma postura contra a modernidade (ou, pelo menos, a vontade de ser uma alternati-va para a modernidade), onde fica a maior parte de seu poder político e de suas pro-messas utópicas, ele não pode ser um adjeti-

vo à arqueologia (uma disciplina moderna praticada por indígenas), mas um substanti-vo que implica cosmologias alternativas em seus próprios termos. As arqueologias alter-nativas que mantenham os princípios bási-cos da arqueologia reforçam a cosmologia ocidental.

As arqueologias alternativas podem ser comparadas com o etnodesenvolvimento, a fim de ver como o estabelecimento rearticu-la dissonâncias potenciais. Em um artigo seminal sobre o tema, o antropólogo mexi-cano Guillermo Bonfil (1982:131) afirmou que o etnodesenvolvimento é “o exercício da capacidade social de um povo para cons-truir o seu futuro, beneficiando-se dos ensi-namentos de sua experiência histórica e dos recursos reais e potenciais de sua cultura, seguindo um projeto definido de acordo com seus próprios valores e expectativas.” No entanto, um documento de trabalho do Banco Mundial (Partridge e Uquillas 1996:7) revela o que as agências multilaterais pen-sam sobre isso: “Na linguagem do Banco Mundial, podemos dizer que para que o de-senvolvimento econômico seja sustentável, deve proporcionar novas oportunidades para as pessoas alcançarem seu potencial e realizarem seus objetivos, tal como são defi-nidos no seu próprio contexto cultural.” Na verdade, o “projeto definido de acordo com seus próprios valores e expectativas” defen-dido por Bonfil torna-se “novas oportunida-des para as pessoas alcançarem seu poten-cial e realizarem seus objetivos” de acordo com o capitalismo global. Assim, as arqueo-logias alternativas são para a arqueologia o que o etnodesenvolvimento é para o desen-volvimento: um adjetivo que não altera o substantivo, mas o torna mais legítimo.

Se as arqueologias alternativas são consi-deradas do ponto de vista do campo, tal como foi definido pelo Pierre Bourdieu (2002), surgem algumas coisas muito inte-

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ressantes. O campo arqueológico estaria constituído por (a) a existência de um capi-tal comum, o arqueológico, definido por uma temporalidade (progressiva, teleológi-ca), um alvo reificado (o passado), uma ma-terialidade (o passado em coisas), e uma localização (o passado em coisas enterra-das), e (b) pela luta para apropria-lo (em termos de formação, participação, até mes-mo um estilo). Em primeiro lugar, um capi-tal comum é definido através da hegemonia, isto é, por consentimento: todos os partici-pantes no campo aceitam que o arqueológico é seu capital comum. Em segundo lugar, o fato de participar na luta reproduz o campo ao aceitar as suas regras (como definir e re-produzir o seu capital) e também reproduz posições estabelecidas dentro do campo: quem o domina, quem é subserviente ao seu domínio, quem se esforça para ser domi-nante.

Mas outras alternativas são possíveis.

oUtRos mUNdos:Se a escavação é um dos tropos mestres

das operações arqueológicas modernas, o que implicaria não escavar? Mais precisa-mente, pode uma arqueologia sem escava-ção ser uma arqueologia alternativa? Se as-sim for, é arqueologia, afinal? Estas perguntas podem ser respondidas através da reflexão sobre experiências arqueológicas que se li-vram da escavação —sentindo-as e falando sobre elas, enquanto sua natureza arqueoló-gica é utilizada apenas como uma referência flutuante, não como um ponto de referência contra a qual podem ser medidas. Em qual-quer caso, estas arqueologias alternativas, mesmo que não completamente arqueológi-cas, apagam a escavação em vez de tentar eliminá-la; ao fazê-lo, a escavação é lida dentro de um campo diferente de significa-ção, em toda a sua concretude histórica. Não escavar, então, mas escavar. A reificação de

escavar é assim contestada por apagamento. Apagando-a podemos chegar a um novo campo de saber em que não é mais tomada como um fato inevitável para chegar ao pas-sado. A arqueologia —mas também a mo-dernidade— é falada, apresentada não como uma entidade auto-evidente que “é preciso dizer, porque ele vem sem dizer” (Bourdieu, 1977:167), mas como uma criação histórica que é totalmente exprimível e pensável.

A escavação apagada torna-se histórica. A reificação da escavação como produtora de verdade (na qual têm sido predicadas operações aparentemente díspares, como a psicanálise e o sistema jurídico) é contestada por apagamento. As arqueologias alternati-vas podem assim tornar-se não arqueolo-gias; elas podem se tornar alternativas para a arqueologia. Na verdade, o passado tam-bém é apagado porque incorpora uma tem-poralidade que é totalmente moderna (aquela do evolucionismo burguês) e as al-ternativas para a arqueologia estão contra a modernidade —alinhadas, como estão, com diferentes horizontes sociais, longe dos mandatos ocidentais. Tudo somado, esta pa-lestra escava até a reificacão da arqueologia. No entanto, ele só faz isso metaforicamente, pois não pretende descobrir senão ajudar a construir outra casa para a vida histórica.

Acabar com a escavação é acabar com o condicionamento material do passado. O passado liberado da escavação aparece em outros lugares: nas memórias, nas paisagens, nos ensinos, no futuro. Uma arqueologia que mantém a escavação e a materialidade do passado, não importa quão radical e al-ternativa seja, é moderna, apesar de si mes-ma. Pelo contrário, uma arqueologia sem escavação e sem a crença quase mística na materialidade do passado desestabiliza a modernidade, a cosmologia que alimenta a arqueologia. O sentido de lugar se transfor-ma: não é mais o local de trabalho de campo

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arqueológico —o locus icônico onde acon-tece a escavação, estabelecido e determina-do por preocupações disciplinares— mas o lugar da história como experiência vivida. Pensar a história como evento (relação, ação, processo) não pode mais que desesta-bilizar o que foi estabilizado pelo trabalho hegemônico e ideológico. Desestabilizar o cânone arqueológico: esse poderia ser o ob-jetivo mínimo do apagamento das premis-sas modernas da disciplina. Desestabilizar o cânone, mas apenas para abrir outras portas; como Arturo Escobar (1998:39) afirmou so-bre sua crítica do desenvolvimento “O obje-tivo da análise é contribuir a libertar o cam-po discursivo para que a tarefa de imaginar alternativas possa começar.” A libertação do campo discursivo da arqueologia começa ao pensar historicamente, isto é, historicizando os conceitos principais da disciplina, o seu núcleo metafísico e ontológico mais estável. Implica historicizar o passado (e os meios para chegar a ele), essa entidade imanente e atemporal moderna em busca da qual os ar-queólogos vão com o mesmo zelo e urgência dos cavaleiros medievais atrás do Graal. A estratégia é de-autonomizar o passado da sua matriz ocidental, tirando-o de lá, acom-panhando-o para viver em outro lugar.

Tim Ingold (2010:160) tem se aventura-do nas terras mutáveis da predição para imaginar como vão ficar a arqueologia e a antropologia daqui a quatro décadas. Nesse tempo, a arqueologia… tornou-se um ana-cronismo porque o tópico que ainda tem esse nome há muito tempo já perdeu a sua associação com a antiguidade. Não é que os arqueólogos deixaram de escavar em busca da evidência de vidas passadas, mais do que os etnógrafos deixaram de partici-par nas vidas que estão acontecendo ao seu redor, no que chamamos o presente. Mas eles abandonaram a pretensão de que o pas-sado é mais velho, ou mais antigo, do que o

presente, reconhecendo que as ocorrências do passado não estão depositadas em mo-mentos sucessivos enquanto o tempo se move, mas são constitutivas desse mo-mento.

Mesmo um pensador heterodoxo como Ingold, cujo trabalho é um poderoso cha-mado para levar a sério as ontologias rela-cionais, não ocidentais, toma como certo que os arqueólogos escavam e que o passa-do está enterrado (“Não é que os arqueólo-gos deixaram de escavar em busca da evi-dência de vidas passadas”). Mesmo aqueles arqueólogos que aceitam os limites filosófi-cos da sua prática e seus envolvimentos po-líticos ainda salvam um campo de atuação no qual a disciplina impera: o passado como matéria, apenas acessível por médio da es-cavação. Qualquer abordagem “arqueológi-ca” baseada na escavação e na materialidade do passado está presa pelos princípios mo-dernos que construíram a disciplina. Nesse sentido, as arqueologias alternativas que postulam

... colaboração com as comunidades lo-cais; o desenvolvimento de perguntas de pesquisa e agendas que beneficiam grupos locais que são desenvolvidas e aprovadas por eles; respeito e adesão às tradições lo-cais na hora de realizar trabalho de campo e de laboratório; utilização de práticas tradi-cionais de gestão de recursos culturais; misturar métodos indígenas com aborda-gens científicas; e um reconhecimento e res-peito para a conexão ininterrupta do passa-do com o presente e o futuro (Atalay 2008:30)

.… também aceitam que os vestígios do passado estão codificados em coisas enter-radas. Supostamente, elas adotam a arqueo-logia a fim de engajá-la “de forma diferen-te:”

Defendo que o objetivo de pesquisar e desenvolver abordagens indígenas na ar-

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queologia não é desmantelar a prática ar-queológica ocidental…4 A arqueologia não é inerentemente boa ou ruim; é a sua aplica-ção e a sua prática as que têm o potencial de privar e ser usadas como forças colonizado-ras (Atalay 2008:33).

Assim, a sentido colonial da arqueologia não descansa em si (“arqueologia não é ine-rentemente boa ou ruim”), mas na forma como foi usada. Esta declaração dispensa à ontologia moderna de qualquer culpa na composição e estruturação do mundo nos últimos cinco ou seis séculos e deixa a culpa para seus praticantes. É precisamente neste tipo de raciocínio onde repousa mais con-fortavelmente o apregoado triunfo da mo-dernidade: a modernidade não produz con-sequências porque é neutra; os erros, se houver, tem que ser atribuídos, somente, aos modernizadores descontrolados.5 Assim, no processo de adoção disciplinar, surge uma arqueologia remodelada:

Ao invés de desmantelamento, a arqueo-logia exige reflexão crítica e uma mudança positiva se é para continuar a ser relevante e eficaz. As abordagens da arqueologia indí-gena oferecem um conjunto de ferramentas para usar na construção de uma mudança positiva no interior da disciplina, mas estas são ferramentas, conceitos, epistemologias, e experiências para remodelar, não para des-mantelar (Atalay 2008:33).

É o conhecimento “agregado” fornecido por uma arqueologia remodelada realmente necessário mais do que como uma força para “falar de volta ao poder das interpreta-

4- Na mesma linha, falando sobre como a "multivocalidade" em arqueologia deve implicar compartilhar a autoridade sobre as coisas e os discursos arqueológicos, Colwell-Chan-thaphonh et al. (2010:233) afirmam que "compartilhar a autoridade o não exige nenhuma alteração dos atributos científicos mas apenas para a pretensão subjacente de a pro-priedade científica do passado, livre dos contextos sociais e políticos que cercam a arqueologia" (adicionei os itálicos).

5- Este é o mesmo argumento geral usado para justificar o capitalismo, amplamente defendido pelas ações de atores "alternativos," como os ambientalistas.

ções colonialista, nacionalista e imperialista do passado” (Atalay 2008:31)? É a ontologia moderna realmente necessária para reforçar, aprofundar e ampliar as concepções alterna-tivas da história? As respostas afirmativas a estas questões só podem ser tautológicas: qualquer informação arqueológica destina-da a server necessidades alternativas (indí-genas ou não) só pode cumprir o seu papel se é produzida por interpretações alternati-vas.

Mas pode muito bem ser o caso que ou-tros mundos não precisam da arqueologia predicada pela ontologia moderna. Peter Schmidt (1995:119) escreveu que “a maior parte da história antiga da África só é acessí-vel através de abordagens arqueológicas” e, portanto, que “há razão para centrar a aten-ção, mais uma vez, nas construções arqueo-lógicas do passado como um meio para construir uma história africana independen-te, autêntica e distintiva;” ainda, ele reconhe-ceu um paradoxo no seu argumento:

Ao mesmo tempo, a arqueologia é uma atividade tipicamente ocidental. Seus paradigmas e epistemologias dominantes muitas vezes colidem com as necessidades históricas, as visões do passado, e as formas de estruturação do tempo e do espaço na África. Assim, um paradoxo é desdobrado: um repertório de técnicas e abordagens que promete maneiras significativas para recu-perar os passados africanos até então obscurecidos é acompanhado por pressu-postos teóricos que estão, muitas vezes, fora de sintonia com as sensibilidades, necessida-des e estruturas africanas (Schmidt 1995:119).

Como pode ser resolvido esse paradoxo? Tornando local o que a modernidade quer universal? Isso não é uma maneira rápida para reforçar a modernidade? Esta não é uma questão menor. Aqueles de nós que es-tamos interessados em uma arqueologia di-

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ferente vemos com preocupação como as possibilidades alternativas terminam refor-çando à disciplina no processo de torná-la delas. Talvez seja a hora de seguir em frente, não propondo arqueologias alternativas, mas buscando construir alternativas para a arqueologia que realmente sejam alternati-vas para a cosmologia ocidental.

O manifesto sobre a arqueologia indíge-na recentemente subscrito por alguns de seus defensores mais articulados e eloquen-tes (Colwell-Chanthaphonh et al. 2010:233) declara enfaticamente:

Por mais de um século, a maioria políti-ca, um seleto grupo de auto-nomeados mor-domos habilitados pela riqueza e afiançados por leis, têm dominado a investigação ar-queológica. A arqueologia indígena é a ten-tativa de inserir e integrar diferentes pers-pectivas do passado no estudo e gestão do patrimônio — para acomodar os diferentes valores que existem para a arqueologia na nossa democracia pluralista.

São “os diferentes valores que existem para a arqueologia” o que uma democracia pluralista busca no “estudo e gestão do pa-trimônio”? Se a democracia contemporânea procura proteger os direitos das minorias para que eles não sejam devorados por aqueles das maiorias, essa proteção só pode ser consagrada outorgando acesso às cos-movisões dominantes? Essa é uma concep-ção amplamente difundida da democracia —de fato, é a maneira favorecida pelas so-ciedades multiculturais. Embora os autores do manifesto da arqueologia indígena são claros em dizer que a democracia que eles têm em mente “não significa a simples aber-tura do campo para todos, senão que deve encorajar-nos a perseguir um terreno co-mum, pesquisando como trabalham pontos de vistas diferentes na ampliação dos com-promissos filosóficos e as praticas metodo-lógicas da disciplina” (Colwell-Chantha-

phonh et al. 2010:233) o tempo provou (e ele vai faze-lo ainda mais firmemente nos próximos anos) que os compromissos disci-plinares e as práticas metodológicas não fo-ram ampliados senão aprofundados —ou seja, um compromisso decidido com a cos-mologia ocidental e uma fé cega na existên-cia de um passado enterrado e criptografa-do.6 Por que não afirmar, então, que “a incorporação das perspectivas indígenas em nosso trabalho proporciona amplos be-nefícios intelectuais para a disciplina” (Colwell-Chanthaphonh et al. 2010:233)? De qualquer forma, por que eles teriam que ser ampliados se ainda os adversários mais declarados da modernidade, como os povos indígenas, vêm ao encontro da arqueologia?

Estar de acordo com a concepção moder-na do passado (enterrado e material) pode ser tanto um movimento estratégico daque-les que opõem a modernidade em outros as-pectos, ou bem um meio legítimo de cons-trução histórica, como muitos defensores da arqueologia indígena têm afirmado com de-terminação. Mas, se aceitar o núcleo ontoló-gico e metafísico duro da arqueologia ocorre à custa de outras cosmologias e contribui para apagar oposições radicais, o preço é muito alto. No entanto, Joe Watkins (2000:178) é otimista sobre o futuro da ar-queologia desde uma perspectiva indígena: “Os arqueólogos são lentos para mudar, mas eles estão mudando.” O mesmo otimismo so-bre o futuro da disciplina pode ser ouvido naqueles que promovem uma abordagem etnográfica em arqueologia (Hollowell e Mortensen 2009; Hamilakis 2011). Eu não sou tão otimista. Duas condições contempo-râneas solidificam o isolamento da arqueolo-gia, aprofundam as suas origens modernas e dificultam a sua militância política transfor-6- Isso é exatamente o que a filósofa da arqueologia Ali-son Wylie (2005) tem afirmado por muito tempo: o com-promisso com os princípios da arqueologia qua realismo (científico).

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madora: (a) a sua acomodação às políticas multiculturais, especialmente a correção po-lítica e a mercantilização da alteridade, e (b) a sua articulação com o mercado de contrato, na qual a prática disciplinar é voltada para as necessidades do desenvolvimento. Acho que o consentimento subalterno à arqueologia moderna, só aparentemente reformada, em breve pode ser adicionado à lista. De fato, um estabelecimento “reformado” tem o prazer de compartilhar o que mais preza com sujei-tos anteriormente marginalizados: a coerên-cia epistêmica disciplinar. Os seus ganhos são muitos: continua praticando a arqueolo-gia como foi estabelecida pelos padrões mo-dernos (não muda nada do seu tecido meta-físico e ontológico); o faz em público (generosamente); se sente mais democrático (ao compartilhar); fica mais perto do que costumava chamar o “selvagem,” apazigua suas exigências enquanto convencendo-se de que a proximidade disciplinar equivale a co-alescência espacial, temporal e cultural. En-quanto isso, a arqueologia continua espa-lhando os frutos do Iluminismo e recebe outros atores (supostamente alternativos) para eles participarem de espaços institucio-nais criados para controlar a definição e ges-tão de princípios disciplinares.

Mas sem otimismo o mundo é ruim de-mais. Então, vou trocar minhas palavras: sou otimista de que existem alternativas à arque-ologia moderna, jeitos diferentes de conce-ber o passado. Talvez possamos chegar a uma arqueologia que se abre a outros mundos e, ao faze-lo, ela deixa de ser o que foi para bus-car outros destinos. Uma arqueologia da di-ferença radical — uma arqueologia radical da diferença. Não outra arqueologia senão outros mundos a partir da arqueologia: ou-tras sociedades, outras temporalidades, ou-tras formas de aglutinação, outras formas de ser. Melhor deixar que o diga Rita Laura Se-gato (2007:18):

…a luta dos movimentos sociais inspira-dos no projeto duma “política da identida-de” não alcançará a radicalidade do pluralis-mo que pretende afirmar a menos que os grupos insurgentes partam de uma consciên-cia clara da profundidade de sua “diferença,” quer dizer, da proposta de mundo alternativa que guia sua insurgência. Diferença que aqui entendo não com referência a conteúdos substantivos em termos de “costumes” supos-tamente tradicionais cristalizadas, imóveis e impassíveis frente ao acontecer histórico, se-não como diferença de meta e perspectiva por parte de uma comunidade ou um povo.

bIblIoGRafIa

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O singular e O plural das arqueOlOgias indígenas Fabíola Andréa Silva

ARTIGO

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o Plural E o singular das arquEologias

indígEnasfabíola andréa silva11

1 -1 museu de arqueologia e etnologia, Universidade de são Paulo. [email protected]

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA Vo lume 25 - N .2 : 24-42 - 2012Fabíola Andréa Silva

ResUmo: Nas últimas décadas, a arque-ologia presenciou o surgimento das chama-das “arqueologias alternativas” e/ou “arque-ologias colaborativas”. Isto significou o desencadeamento de novas formas de pen-sar e fazer arqueologia, onde a multivocali-dade e a reflexividade são entendidas como componentes fundamentais da prática ar-queológica, desde a concepção do projeto, até a construção do conhecimento e a divul-gação dos dados da pesquisa. Neste trabalho pretendo discorrer sobre algumas destas novas experiências arqueológicas, procu-rando evidenciar seus aspectos comuns e suas particularidades contextuais. O objeti-vo deste texto é evidenciar que essas arque-ologias implicam em uma redefinição dos parâmetros éticos da arqueologia.

abstRaCt: In recent decades archeolo-gy has witnessed the emergence of so-called “alternative archaeologies” and “collaborati-ve archaeologies”. It meant an unleashing of new ways of thinking and doing archeology, where multivocality and reflexivity are un-derstood as fundamental components of ar-chaeological practice, since the project until the construction of knowledge and the dis-semination of research data. In this article I intend to discuss some of these new archae-ological experiences, seeking to highlight their commonalities and their contextual particularities. The aim of this paper is to show that these archaeologies imply a rede-finition of the parameters of ethical into ar-cheology practices.

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O singular e O plural das arqueOlOgias indígenas Fabíola Andréa Silva

Nas últimas décadas a arqueologia pre-senciou o surgimento das chamadas “arque-ologias alternativas” e “arqueologias colabo-rativas”. Isto significou o desencadeamento de novas formas de pensar e fazer arqueolo-gia, onde a multivocalidade e a reflexividade são entendidas como componentes funda-mentais da prática arqueológica, desde a concepção do projeto, passando pela cons-trução do conhecimento e pela divulgação dos dados da pesquisa. Para tanto, os pes-quisadores apontaram para a necessidade de se adotar teorias, métodos e práticas que: 1) combinem conhecimentos e princípios oci-dentais e não-ocidentais na construção do conhecimento sobre o passado (Liebmann, 2008a; Rizvi, 2008; Lilley, 2009); 2) conside-rem a diversidade de pontos de vista dos su-jeitos envolvidos na gestão do patrimônio arqueológico (Liebmann e Rizvi, (Eds.) 2008; Habu, Fawcet e Matsunaga, (Eds.) 2008; Meskell, (Ed.) 2009; Fairclough, Har-rison, Jameson Jr. e Schofield, (Eds.) 2010; Colwell-Chanthaphon, 2009a; Lydon, 2009); 3) atentem para as complexas inter-relações sociais, culturais, políticas, econômicas e ideológicas que existem entre sujeitos e bens arqueológicos em escala local, regional, na-cional e global (Lydon, 2009; González-Rui-bal, 2009; Benavides, 2009; Lilley, 2009; Ho-dder, 2008; Trigger, 2008).

As “arqueologias indígenas”, nas suas mais variadas expressões, integram estas no-vas formas de se fazer arqueologia e são pre-conizadas como abordagens críticas e alter-nativas à tradição arraigada das práticas arqueológicas colonialistas “corriqueiramen-te” conduzidas junto às populações conside-radas como “nativas” ou “tradicionais”. Para encetar uma definição, estas arqueologias foram entendidas como práticas arqueológi-cas onde o objetivo da pesquisa está direcio-nado para a produção de conhecimento com, para e pelos indígenas e não apenas sobre eles

(Atalay, 2008), considerando-se os seguintes aspectos: 1) a colaboração e o diálogo efetivo com as populações indígenas, para alcançar o seu engajamento e interação plena durante todo o processo de construção e divulgação do conhecimento arqueológico, evitando a utilização de estratégias e justificativas exó-genas de convencimento dos indígenas sobre a importância da pesquisa (Greer et al, 2002; Silva, 2012; Silva e Stuchi, 2010); 2) o desen-volvimento de questões e agendas de pesqui-sa que possam beneficiar e que sejam apro-vadas pelas populações indígenas, e que incorporem as suas perspectivas locais na investigação e interpretação do registro ar-queológico, diversificando as vozes interpre-tativas sobre o passado e os significados do patrimônio arqueológico, construindo uma educação mútua entre arqueólogos e indíge-nas (Marshall, 2002; Tully, 2007; Silva, 2002, 2009a, 2012; Silva et al, 2011); 3) o respeito às prerrogativas culturais locais de gerencia-mento dos patrimônios culturais; 4) a com-binação de métodos indígenas com aborda-gens científicas ocidentais; 5) o reconhecimento das conexões que estes po-vos fazem entre o passado, o presente e o fu-turo (Colwell-Chanthaphonh e Ferguson, 2010; Colwell-Chanthaphonh et al, 2010; Croes, 2010; Siliman, 2010; Wilcox, 2010); 6) a ênfase na realização de “etnografias arque-ológicas”, ou seja, na incorporação de méto-dos etnográficos em projetos arqueológicos, no sentido de apreender a significância do registro arqueológico dada pelos diversos coletivos envolvidos e afetados pela pesquisa e pela gestão do patrimônio arqueológico, ou ainda, de entender o modo como a prática arqueológica afeta as dinâmicas culturais no mundo contemporâneo (Hamilakis e Anag-nostopoulos, (Eds.) 2009; Colwell-Chantha-phonh, 2009b).

Assim, ao contrário da pesquisa arqueo-lógica realizada sem interlocução, onde o

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arqueólogo não constrói uma relação dialó-gica com a comunidade local, as “arqueolo-gias indígenas” redefinem os diversos aspec-tos da pesquisa, da interpretação e do gerenciamento dos patrimônios arqueológi-cos. O que norteia estas práticas arqueológi-cas é a noção de que existem múltiplas ar-queologias e que estas não dizem respeito exclusivamente ao passado, mas remetem ao presente e futuro dos coletivos humanos (González-Ruibal, 2008; Silva, 2011a; Colwell-Chanthaphonh, 2009a, 2009b; Py-burn, 2009).

Este esforço de transformar a prática ar-queológica, porém, não surgiu de uma ini-ciativa unilateral dos arqueólogos, mas prin-cipalmente, pelo protagonismo dos povos indígenas. Nestas últimas décadas, esses po-vos estiveram cada vez mais envolvidos em situações de conflito e/ou de parceria com os arqueólogos, no sentido de questionar as suas práticas e/ou propor novas prerrogati-vas investigativas e contribuir tanto na pes-quisa de campo quanto na interpretação e divulgação dos dados arqueológicos e pre-servação do patrimônio em seus territórios (Anawak, 1996; Meskell, 2009; Silva et al, 2010, 2011; Stewart et al, 2004; Whitridge, 2004). Alguns indígenas, inclusive, busca-ram uma formação acadêmica e se tornaram pesquisadores de sua própria história, às ve-zes, redimensionando e reinventando as metodologias e técnicas arqueológicas, bem como a armazenagem e a interpretação dos dados (Million, 2005; Nicholas (Ed.), 2010). A história oral, a cosmologia e os valores e modos de conhecer indígenas, têm norteado essas pesquisas e são apontados como for-mas legítimas de produção de conhecimen-to sobre o passado (Nicholas, 2010).

A experiência dos primeiros anos dessa nova e instigante prática arqueológica já de-monstra que não é tarefa fácil construir um conhecimento multivocal e reflexivo sobre o

registro arqueológico, bem como tornar as políticas patrimoniais mais inclusivas e de-mocráticas. No entanto, isto não tem impe-dido a proliferação dessas experiências no mundo todo e, ao contrário, elas vêm au-mentando e transformando a face da arque-ologia no século XXI, reforçando cada vez mais o seu papel social e político.

o “PlURal” das aRQUeoloGIas IN-díGeNas

O “plural” das arqueologias indígenas emerge da diversidade de suas práticas lo-cais, que precisam sempre ser transforma-das e adaptadas contextualmente e situacio-nalmente, considerando que são múltiplas as razões e percepções para investigar, regis-trar e preservar os testemunhos arqueológi-cos. O patrimônio cultural pode ser e ter significados distintos para as diferentes pes-soas e coletivos. Várias coletâneas sobre pes-quisas recentemente publicadas mostram as variações das arqueologias indígenas, des-crevendo e analisando diferentes iniciativas e projetos colaborativos e evidenciando os desafios enfrentados, no mundo todo, para asseverar a preeminência da diversidade de percepções sobre as práticas e os patrimô-nios arqueológicos (p.ex. Smith e Wobst, (Eds.) 2005; Silliman, (Ed.) 2008; Colwell--Chanthaphonh e Ferguson, (Eds.) 2008; Phillips e Allen, (Eds.) 2010; Habu, Fawcett e Matsunaga, (Eds.) 2008; Meskell, (Ed.) 2009; Bruchac, Hart e Wobst, (Eds.) 2010; Gneco e Rocabado, (Eds.) 2010). Dentre os projetos colaborativos abordados nestas co-letâneas podem ser citados:

1) nos Estados Unidos e Canadá: a) Me-tini Village Project, no nordeste da Califór-nia, em parceria com os Kashaya Pomo que envolve a parceria entre estudantes universi-tários, indígenas e arqueólogos na realização de workshops, palestras, trabalhos de cam-po, rituais e atividades recreativas na área do

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Fort Ross State Historic Park (Lightfoot, 2008); b) Mohegan Archaeology Program, desenvolvido em parceria com o Mohegan Tribe Historic Preservation Department, em Connecticut, que foi criado para atender explicitamente os interesses do povo Mohe-gan na investigação e disseminação de sua história (Bendremer e Thomas, 2008); c) Ar-chaeological Field School in Pinedale, de-senvolvido pela Universidade do Arizona, na Fort Apache Indian Reservation em par-ceria com os Apache e que se dedica à inves-tigação e restauração de ruínas de sítios an-cestrais (1000 a 1325 AD) (Mills et al, 2008); d) Indigenous Archaeology Program na Ka-mloops Indian Reserve, na Colúmbia Britâ-nica, que envolve o ensino de arqueologia para estudantes indígenas com a identifica-ção e escavação de sítios arqueológicos do Holoceno Inicial e Médio (Nicholas, 2008). Na América do Norte, esses trabalhos cola-borativos têm contribuído para ampliar o escopo da arqueologia e, segundo alguns autores, tornado a disciplina mais interes-sante para os estudantes e comunidades. Novos desafios pedagógicos estão surgindo e a aprendizagem e o ensino pela experiên-cia prática tem sido enfatizado onde os valo-res, perspectivas e conhecimentos indígenas são postos como centrais nos processos de ensino-aprendizagem desta nova prática ar-queológica (Nicholas, 2008).

2) na África do Sul : o projeto de longa duração do Kruger National Park que tem como objetivo analisar a produção do passa-do na África do Sul, as paisagens ancestrais e atender as comunidades circunscritas às fronteiras do parque para que estas tenham acesso aos sítios que elas reivindicam como sendo de seus antepassados. O novo cenário político na África do Sul tem desencadeado transformações na esfera da gestão do patri-mônio cultural. A história da pesquisa ar-queológica tem sido recontada, os dados

arqueológicos têm sido revistos e existe um forte investimento na pesquisa etnoarqueo-lógica. Neste contexto os parques nacionais estão assumindo um caráter emblemático para o tema da investigação e preservação do patrimônio cultural das comunidades africanas nativas tendo em vista que muitos deles foram criados a partir do deslocamen-to destas populações e, atualmente, sob a direção do SANParks (South African Natio-nal Parks) estão sendo reconhecidas as prer-rogativas das populações locais para o ge-renciamento do patrimônio arqueológico neles existente (Shepherd, 2003; Pikiray, 2007; Meskell e Masuko van Damme, 2008).

3) na Austrália: o projeto Ethnoarchaeo-logy in Aboriginal Australia, na região de Barunga, no norte australiano, que envolve a realização de sítios-escola sob a orientação das comunidades nativas Barunga-Wugu-larr, especialmente de seus anciãos, tendo como objetivo proporcionar experiências práticas em arqueologia colaborativa para estudantes universitários de diferentes insti-tuições. Nos últimos anos, as populações nativas australianas adquiriram mais deter-minação sobre suas heranças e saberes cul-turais e tem exercido controle sobre as pes-quisas arqueológicas realizadas em suas terras. Em pesquisas colaborativas, normal-mente, são definidos protocolos de ação que implicam no reconhecimento das diferenças entre os sistemas de conhecimentos nativos e ocidentais, no respeito aos sistemas políti-cos e sociais das comunidades, na flexibili-dade metodológica da pesquisa, na permis-são pela divulgação dos resultados de pesquisa e no propósito de se compartilhar os benefícios com relação à pesquisa (Smith e Jackson, 2008).

4) na Nova Zelândia: a) Pukehue Project que foi dirigido em parceria com os Maori com o objetivo de relocar enterramentos de ancestrais do sítio Pukehue. Este sítio foi

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dos colonizadores. Os pesquisadores têm procurado devolver os resultados de suas pesquisas às populações locais através de re-latórios, material didático para as escolas, vídeos, fotografias e publicações que tenham sido negociadas com os membros das co-munidades (Foana´ota, 2010).

6) na América Latina: a) o Proyeto Ar-queológico Valle del Mezquizal, no México, que adquiriu um caráter transdisiciplinar com a participação ativa dos otomies, no sentido de conjugar os seus conhecimentos com aqueles produzidos pela etnografia, et-nohistória e arqueologia para a construção de uma história própria (López, 2010); b) e as pesquisas colaborativas realizadas na Ar-gentina, na região de Antofalla e Antofagas-ta de La Sierra onde as versões arqueológi-cas sobre o passado são contrastadas com memórias, história local e experiências indi-viduais (Haber et al, 2010; Londoño, 2010). A recente coletânea editada por Gneco e Rocabado (2010) evidencia a descontinui-dade entre as histórias indígenas produzidas pela arqueologia e aquela das populações indígenas atuais. Esta descontinuidade que foi produzida pelo colonialismo tornou, em vários contextos latino-americanos, antagô-nica a relação entre os povos indígenas e os patrimônios arqueológicos, uma situação que aos poucos vem sendo desconstruída.

Para alguns autores, as iniciativas cola-borativas têm possibilitado, de diferentes maneiras, o envolvimento dos coletivos in-dígenas no processo arqueológico, o desen-volvimento de perspectivas alternativas de gestão dos patrimônios culturais e o reforço dos entendimentos interculturais sobre os registros arqueológicos. Além disso, elas evidenciam que a colaboração entre arqueó-logos e populações indígenas ocorre de for-mas diferenciadas, de acordo com os con-textos, as expectativas, objetivos e desejos de ambas as partes. Todas essas formas, porém,

afetado pela construção de uma estrada e, posteriormente, pela erosão tendo sido ne-cessária uma intervenção para manter a in-tegridade dos remanescentes humanos ali enterrados; b) Projeto Kairua que contou com a participação de representantes Maori e que ocorreu por causa da construção de reservatórios de água que afetariam uma área de grande riqueza arqueológica e ocu-pada pela população Nga Potiki. Esta popu-lação reivindicou a ancestralidade dos sítios e conseguiu impedir a realização de parte do traçado original da obra. Na Nova Zelândia, o New Zeland Historic Places Trust, através da Maori Heritage Unit regula todas as ati-vidades arqueológicas e projetos de salva-mentos dos sítios Maori. Estes, por sua vez, têm várias organizações locais com repre-sentantes que atuam no acompanhamento das pesquisas arqueológicas, tendo autori-dade, inclusive, para a sua suspensão e rede-finição (Phillips, 2010).

5) nas Ilhas Solomon, na Melanésia: New Georgia Archaeological Survey, que envolve o levantamento, mapeamento, fotografias, escavação e coleta de dados etnográficos. Este projeto se desenvolve a partir da con-sulta intensa às populações locais no sentido de explicar os objetivos da pesquisa, ouvir as demandas das comunidades, fazer visitas aos sítios conhecidos, apreender as repre-sentações da população sobre o passado e a pesquisa arqueológica e formular parcerias entre arqueólogos e as lideranças locais. Nas Ilhas Solomon a prática arqueológica é rela-tivamente recente e se depara com situações diferenciadas em termos regionais, especial-mente, pela diversidade de culturas, lingua-gens e histórias que as ilhas possuem. No geral, porém, ela tem contribuído para as pessoas revelarem suas histórias não escri-tas, provendo informações que ajudam a descartar a noção colonialista de que a his-tória desta região começou com a chegada

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demandam desafios e o comprometimento de longa duração entre arqueólogos e povos indígenas (Nicholas et al, 2011).

o PlURal das aRQUeoloGIas INdí-GeNas No bRasIl

No Brasil ainda são poucos os trabalhos de pesquisa envolvendo arqueólogos e cole-tivos indígenas. Normalmente, quando estes ocorrem estão relacionados: 1) com pesqui-sas arqueológicas e etnoarqueológicas que visam à construção de uma história indíge-na de longa duração (p.ex. Wüst, 1991; Ere-mites de Oliveira, 1996, 2002; Heckenber-ger, 1996; Neves, 1998; Rodrigues, 2007); 2) com pesquisas etnoarqueológicas que tem como foco o entendimento da relação entre comportamento humano e cultura material (p.ex. Rodrigues, 2007; Silva, 2000, 2008, 2009a, 2009b, 2010, 2012; Silva e Stuchi, 2010); 3) com situações de demarcação, ma-nutenção ou reivindicação de territórios tra-dicionais por parte dos coletivos indígenas (p.ex. Eremites de Oliveira 2005, 2010; Ere-mites de Oliveira e Pereira, 2009); 4) com a realização de empreendimentos que deman-dam trabalhos de arqueologia preventiva e etnoarqueologia (p.ex. Funari e Robrahn--González, 2007; Moi, 2003); 5) com a esfera da arqueologia pública (p.ex. Funari, Olivei-ra e Tamanini, 2005; Robrahn-González, 2005) .

Nos últimos anos, começaram a surgir propostas de pesquisas eminentemente co-laborativas desde a formulação e apresenta-ção da proposta de trabalho, bem como na definição dos parâmetros e logística da pes-quisa e na tentativa de construção de um conhecimento multivocal sobre o patrimô-nio cultural. Essas iniciativas, a meu ver, es-tão abrindo o caminho para o surgimento, em nosso país, de “arqueologias indígenas”, em sua concepção mais estrita (p.ex. He-ckenberger et al, 2003; Green, Green e Ne-

ves, 2003; Hackenberger, 2008; Bespalez, 2009; Silva et al, 2010; Stuchi, 2010; Pouget, 2010; Silva et al, 2011; Cabral, 2012).

Entre 2007 e 2009 coordenei o projeto de pesquisa na Terra Indígena Aldeia Lalima e na Terra Indígena Kaiabi, intitulado “Arque-ologia, Etnoarqueologia e História Indígena. Um Estudo sobre a Trajetória de Ocupação Indígena em Territórios do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: a T.I. Kaiabi e a Aldeia Lalima” que tinha por objetivo geral enten-der a história de formação destes territórios enquanto palimpsestos de ocupação de dife-rentes populações ao longo do tempo.

A Aldeia Lalima está localizada à mar-gem direita do médio rio Miranda, no muni-cípio de Miranda, Pantanal do Mato Grosso do Sul. Por razões históricas e administrati-vas, esta aldeia foi designada pela FUNAI como sendo uma aldeia Terena, apesar de nela viverem pessoas que se autoidentificam de formas diversas: Terena, Kinikinau, Laia-na e Guaikuru (Bespalez, 2009:38-68). A T.I. Kayabi está localizada nos municípios de Apiacás e Jacareacanga, respectivamente, nos estados do Mato Grosso e Pará, na área do baixo rio Teles Pires. Trata-se de uma T.I. que ainda não foi demarcada, inserida numa região historicamente ocupada pelos Kayabi e outras etnias Tupi documentadas desde o século XVIII (Stuchi, 2010:13-39).

Apesar de estarem em lugares distintos, ambas as Terras Indígenas enfrentam pro-blemas semelhantes em relação à posse e exploração de seu território. A T.I. Kayabi há muitos anos é alvo do assédio de indiví-duos interessados em ocupar e explorar eco-nomicamente o seu território (posseiros, garimpeiros, fazendeiros, comerciantes e empresas). A Aldeia Lalima, por outro lado, está cercada por fazendas que se alastram ilegalmente para dentro do seu território a cada ano. Os Kayabi lutam na Justiça há anos, pela demarcação de seu território e a

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ma. A aprovação final ocorreu em fevereiro de 2007, sendo efetivada em maio de 2007, após várias reuniões. Ao longo deste proces-so e, mesmo depois da autorização formal emitida pela FUNAI, os questionamentos indígenas sobre a pesquisa foram intensos. Num primeiro momento, as lideranças ma-nifestaram certo receio pela realização da pesquisa, pois acreditavam que se nós ca-dastrássemos os sítios e coletássemos os ves-tígios arqueológicos não restaria nada para eles próprios pesquisarem. Esta preocupa-ção surgiu dos professores integrantes do conselho tribal que tinham como meta o aperfeiçoamento profissional, através da in-serção em cursos de pós-graduação. A res-posta da equipe foi a de que a pesquisa pos-suía um caráter preliminar e que não esgotaria o potencial arqueológico, histórico e antropológico da aldeia. Além disso, foi esclarecido que se eles tivessem a intenção de pesquisar, a presença dos arqueólogos se-ria uma oportunidade para isso, pois a nossa intenção era continuar pesquisando em La-lima, considerando que este projeto era ape-nas a etapa de reconhecimento da área. Ou-tra questão dos moradores de Lalima dizia respeito à classificação do material arqueo-lógico. Eles estavam interessados em saber como se daria, através dos vestígios arqueo-lógicos, a identificação das diversas popula-ções indígenas que teriam ocupado Lalima, desde os tempos pré-coloniais. A equipe res-pondeu que esta era uma das suas questões fundamentais e que o objetivo da pesquisa era tentar demonstrar como a diversidade cultural da ocupação indígena no Pantanal se manifestaria nos vestígios arqueológicos. Os moradores de Lalima também questio-naram se a pesquisa poderia auxiliá-los no processo de reclamação territorial, uma vez que eles afirmavam conhecer vários locais com “cacos de pote”, “taperas” e outros vestí-gios associados à sua história, nas terras das

expulsão dos invasores que ameaçam a inte-gridade de suas famílias e, atualmente, en-frentam as demandas desenvolvimentistas que almejam a construção de hidrelétricas no rio Teles Pires; e os índios de Lalima que-rem ampliar sua terra, recuperando os seus antigos locais de ocupação, pois a área atual não possibilita os recursos necessários para a sua plena auto-sustentabilidade (Bespalez, 2009; Stuchi, 2010).

As pesquisas arqueológicas na Aldeia La-lima e na T.I. Kaiabi iniciaram por razões distintas: 1) um grande sítio Guarani foi lo-calizado na Aldeia Lalima em 2003, por Gil-son Martins, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, abrindo a possibilidade para pesquisar a presença Guarani ao norte do Mato Grosso do Sul, no rio Miranda; 2) na T.I. Kaiabi, porque se antevia, devido às pesquisas históricas e etnográficas de Me-néndez (1992) e Grünberg (2004), a possibi-lidade de reforçar a comprovação da presen-ça dos Kaiabi nesta área do baixo rio Teles Pires e auxiliar no processo de demarcação de sua T.I. No entanto, apesar das razões das pesquisas serem distintas foi adotada a mes-ma abordagem colaborativa nas duas situa-ções: 1) negociação com as populações indí-genas para a aprovação do projeto, dos procedimentos de pesquisa e da apresenta-ção dos resultados; 2) adoção do consenti-mento informado e da consulta significati-va; 3) valorização e visibilidade para o trabalho e conhecimento indígena (Silva et al, 2010).Os Kaiabi e os moradores de Lali-ma tiveram percepções particulares, distin-tas, sobre as propostas de pesquisa e, a partir delas, autorizaram os projetos.

Em Lalima a apresentação da proposta e a negociação para a sua autorização come-çou no primeiro semestre de 2006, primeiro com a coordenação da FUNAI de Mato Grosso do Sul e, posteriormente, com as li-deranças indígenas na sede da Aldeia Lali-

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fazendas vizinhas. A equipe respondeu que a pesquisa arqueológica poderia fornecer subsídios para suas reclamações para resga-tar terras griladas, especialmente se fosse possível estabelecer a correlação entre os vestígios materiais e os processos históricos que se desenrolaram ao longo da ocupação indígena na região. Depois de longos deba-tes as lideranças se manifestaram favoráveis à autorização da pesquisa, declarando que achavam importante que fosse realizado um estudo sobre a história dos índios em Lalima e que a pesquisa seria boa para a escola, bem como para as reivindicações por terra e por melhorias nas condições de existência. As lideranças ainda solicitaram, em contrapar-tida, que fossem deixadas cópias da pesquisa na aldeia, depois que os estudos fossem con-cluídos. A equipe se comprometeu não só em deixar as cópias, mas também em retor-nar o conhecimento produzido à comunida-de. Cabe ressaltar que alguns questionamen-tos geraram momentos de tensão, especialmente, quando os mesmos se dire-cionaram para a questão da terra. De forma enfática, as lideranças alegaram que outros estudos antropológicos e históricos já ha-viam sido realizados na aldeia, sob a deman-da da FUNAI e que, conforme haviam pro-metido, tais estudos iriam garantir a posse da terra em disputa com os fazendeiros, po-rém muitos anos haviam se passado desde que os referidos estudos foram efetuados e eles ainda esperavam pela (re)demarcação das suas terras. Além disso, havia uma des-confiança de que os antropólogos contrata-dos pela FUNAI haviam sido comprados pelos fazendeiros. Em certa ocasião, um dos membros do conselho declarou que eles não precisavam de projetos de arqueologia e his-tória na aldeia, mas sim de projetos agrope-cuários e de desenvolvimento sustentável, com vistas ao combate da pobreza e à falta de recursos. Complementando os termos

que haviam sendo usados em reuniões ante-riores, a equipe esclareceu que não estava ali com o objetivo de resolver os problemas fundiários da aldeia, embora tivesse interes-se por essas questões e estivesse disponível para auxiliá-los nestas demandas e com a formulação de projetos de sustentabilidade e de pesquisa na aldeia. Ressaltou que estava em Lalima por vontade própria e não por ter sido contratada por empresas, fazendeiros ou FUNAI. Esclareceu sua filiação à Univer-sidade de São Paulo e explicou que os recur-sos eram oriundos de um projeto de pesqui-sa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP (Silva et al, 2007:23-26).

Na T.I. Kaiabi, dentre às questões levan-tadas a partir de 2006, destaca-se como principal e mais representativa, àquela rela-tiva à possibilidade da pesquisa ajudar na demarcação da área. Conforme os Kaiabi, muitos estudos já foram feitos com tal obje-tivo, porém até aquele momento não havia resultados concretos e nem mesmo o retor-no das informações outrora coletadas. Sua insatisfação se dirigia aos estudos anteriores feitos por autoridades e antropólogos desig-nados por órgãos governamentais. Esclare-cemos que a pesquisa a ser realizada tinha uma conotação diferente daquelas designa-das oficialmente para a demarcação da terra, mas que seus resultados poderiam igual-mente ser úteis às suas negociações. O estí-mulo para este questionamento surgiu do fato de que um antropólogo designado pelo Ministério Público Federal havia elaborado um laudo antropológico em resposta ao processo judicial que paralisara a demarca-ção (Wenzel, 2005). Na ocasião a equipe dis-punha de uma cópia do referido laudo que, mediante solicitação dos Kaiabi, foi lido para todos durante as reuniões. Em seu con-teúdo, dentre as perguntas respondidas pelo antropólogo, uma em particular chamou a

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atenção da equipe, bem como a dos indíge-nas participantes da reunião e acabou forne-cendo os subsídios necessários para a dis-cussão da aplicabilidade da pesquisa arqueológica em termos de auxílio na de-marcação da área: 1) existem vestígios de antigas aldeias? O fato deste ponto não ser respondido no laudo fez com que o objetivo de localizar as antigas aldeias e registrar os vestígios materiais nelas encontrado fosse transformado em uma contribuição poten-cial para o processo de demarcação. Num segundo momento, a apresentação dos pro-cedimentos metodológicos, em especial, aqueles relativos à coleta dos vestígios mate-riais gerou questionamentos quanto ao des-tino dos mesmos. Os Kaiabi salientaram que os materiais encontrados em suas antigas aldeias os pertenciam e que não seria inte-ressante que fossem levados para longe, pois isso os impediria de vê-los, principalmente, as crianças para quem era de extremo inte-resse que tivessem contato com o “material de antigamente”; este foi um dos momentos mais difíceis da negociação. Para tentar re-solver a tensão, foram apresentadas as justi-ficativas legais e científicas para a não per-manência do material na T.I. Kaiabi. Após um debate os argumentos da equipe foram aceitos pela maioria, enquanto que os de-mais requisitaram uma averiguação quanto às possibilidades de se construir um museu na própria T.I. Kaiabi. Ainda em 2006, um membro da equipe voltou à T.I. Kaiabi para retomar as discussões sobre a autorização da pesquisa que, finalmente, foi concedida de-pois de uma reunião de vários chefes de fa-mília de aldeias distintas, incluindo a parti-cipação do chefe de posto que intermediou as discussões, procurando evidenciar a im-portância da pesquisa para a comunidade. Nesta ocasião foi possível realizar uma apre-sentação de aspectos mais detalhados da pesquisa. Um dos pontos enfatizados foi o

aspecto etnográfico e etnoarqueológico da pesquisa. Explicou-se o interesse em enten-der o modo de vida dos Kaiabi e, especial-mente, os aspectos relativos à produção e uso da sua cultura material, bem como o modo como eles faziam uso do espaço intra--aldeia e inter-aldeias. Isto ajudaria a locali-zar as antigas aldeias, os vestígios materiais nelas existentes e, além disso, proporciona-ria entender como estas aldeias estariam in-seridas na paisagem. Uma das poucas obser-vações feitas pelos Kaiabi nessa segunda etapa de exposição da pesquisa foi a de que estes conhecimentos só poderiam ser alcan-çados se os pesquisadores passassem um longo período na área. Para eles a perma-nência curta foi a maior falha das pesquisas anteriores, caracterizadas por curtas perma-nências dos antropólogos. Nessa reunião também foi levantada a possibilidade da pesquisa conseguir gerar resultados que os levassem a receber indenizações para as per-das de outros territórios antigamente ocu-pados por eles. Eles citaram o exemplo dos índios Panará, indenizados pela perda e de-gradação de seu território tradicional quan-do foram transferidos para o Xingu. Com relação a isto, novamente, foi citada a legis-lação e a natureza diferenciada da pesquisa arqueológica proposta para a T.I. Kaiabi, com um perfil acadêmico, sem vínculo es-pecífico com órgãos do Governo para solu-cionar os problemas das indenizações. A equipe disse, porém, que os resultados da pesquisa arqueológica poderiam subsidiar as gestões Kaiabi para demonstrar a sua an-tiga presença nestas terras do Mato Grosso (Silva et al, 2007:34-35).

Além do projeto Kaiabi-Lalima, em 2010, realizei uma pesquisa na T.I. Kuatine-mu, ocupada pelos Asurini do Xingu, com o objetivo de resgatar o conhecimento das ve-lhas gerações sobre a trajetória histórica e a dinâmica de ocupação territorial desta po-

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pulação nesta área do Baixo/Médio Xingu. O projeto Território e História dos Asurini do Xingu. Um estudo bibliográfico, documental, arqueológico e etnoarqueológico sobre a traje-tória histórica dos Asurini do Xingu (século XIX aos dias atuais) , foi concebido a pedido e em parceria com os Asurini. Os velhos queriam rever suas antigas moradas e possi-bilitar aos mais jovens o conhecimento desta parte de sua história e os jovens, por sua vez, queriam visitar estes antigos locais de ocu-pação dos seus ancestrais que eles conhe-ciam apenas dos relatos orais de seus pais e avós. Além disso, existia a preocupação de garantir a vistoria e a proteção de suas terras contra possíveis invasões de grileiros, pos-seiros e madeireiros. Atualmente, esta é uma questão crucial para os Asurini que acom-panham os embates relativos às tentativas de invasão das terras indígenas nesta região paraense e, especialmente, no atual contexto de expectativa e especulação em torno da construção da Usina Hidrelétrica de Belo--Monte.

Desde 1996, venho realizando pesquisas sobre a cultura material e a territorialidade dos Asurini do Xingu, mas foi apenas em 2007 que eles tomaram a iniciativa de defi-nir uma temática específica para a realiza-ção de um projeto. Os Asurini participaram de todas as etapas do projeto, desde a for-mulação da proposta e logística da pesquisa, definiram os sítios a serem investigados e, neles, apontaram a maioria dos locais de in-tervenção arqueológica e foram os auxiliares de campo nas atividades de coleta, escava-ção, peneiramento e acondicionamento do material arqueológico e Asurini. Neste con-texto, os questionamentos foram sempre no sentido de entender o que era o trabalho arqueológico, sua organização e atividades (p.ex. detalhes dos procedimentos de esca-vação, sobre a datação dos vestígios e o local de armazenagem dos materiais). Eles não

questionaram sobre a saída dos vestígios de suas terras, pois entenderam que eu os leva-ria para o MAE-USP cujas dependências eles já conheciam e consideravam um bom lugar para guardar as suas cerâmicas e a dos seus antepassados e ancestrais míticos.

Obviamente, por serem contextos distin-tos e haver uma pluralidade de subjetivida-des e percepções de mundo interagindo com/nestes contextos o nosso trabalho foi incorporado e compreendido de diferentes maneiras. Eventualmente, esses coletivos in-dígenas assumiram o controle parcial da pesquisa, impondo ritmos de trabalho e de-finindo critérios de escolha dos interlocuto-res e auxiliares de campo. Ao mesmo tempo, concederam informações orais sobre a his-tória da ocupação das aldeias e do território e o conteúdo dessas narrativas, em vários momentos, foi crucial para o re-ordenamen-to das pesquisas (Silva, 2009a, 2012; Silva et al, 2010, 2011).

No caso de Lalima, eles apreenderam nosso trabalho como um subsídio à sua luta para recuperar o limite original do seu terri-tório, grilado pelos fazendeiros ao longo dos anos. Além disso, a equipe passou a ser vista como mais um agente facilitador de uma re-lação mais simétrica com os órgãos públi-cos. No caso Kayabi, a percepção da pesqui-sa como recurso importante na arena das disputas territoriais existiu desde o momen-to de negociação da pesquisa e foi quase a condição para a sua realização. A procura e investigação das antigas aldeias Kayabi foi prioridade inicial do survey e, especialmen-te, daquelas aldeias que constavam do laudo antropológico (Rodrigues, 1993), realizado para delimitar a T.I. Kayabi. O interesse dos Kayabi pela pesquisa, inicialmente, foi ex-tremamente político e eles se empenharam no seu desenvolvimento, como interlocuto-res e auxiliares de pesquisa. Com o tempo, a percepção da pesquisa foi transformada e os

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Kayabi passaram a compreendê-la como uma possibilidade de resgate de sua história cultural (Silva et al, 2010). Neste caso, a tra-dição oral e a memória foram acionadas para dar outros significados aos registros arqueológicos (Stuchi, 2010; Pouget, 2010). Para os Asurini, por sua vez, a pesquisa dos seus antigos assentamentos foi uma oportu-nidade de (re)ver uma parte de sua trajetória nestas terras do Xingu, conferir se havia in-vasões e, ao mesmo tempo, propiciou um profundo diálogo entre jovens e velhos, en-tre o passado e o presente dos Asurini (Silva et al, 2011).

Na Aldeia Lalima e na T.I. Kaiabi, a loca-lização e identificação dos vestígios arqueo-lógicos serviram aos seus moradores de confirmação da presença indígena nas áreas por eles ocupadas e como argumento legíti-mo para as suas reivindicações de manuten-ção, ampliação e recuperação das suas ter-ras. Assim, independentemente das conexões que nós arqueólogos pudéssemos estabelecer entre os materiais arqueológicos e estes coletivos indígenas, eles próprios es-tabeleceram suas conexões. Na Aldeia Lali-ma os vestígios arqueológicos (históricos e pré-coloniais) foram interpretados pelos indígenas como um indicador do seu per-tencimento aquele lugar e de sua identidade social e étnica, pois eram testemunhos da história de ocupação territorial de seus an-cestrais Terena, Guaikuru, Laiana e Kiniki-nau (Bespalez, 2009). Na Terra Indígena Kaiabi, os vestígios arqueológicos (históri-cos e pré-coloniais) também foram percebi-dos como um indicador da sua história de ocupação territorial (Stuchi, 2010). Além disso, surgiram diferentes representações em relação aos vestígios arqueológicos, que ora eram vistos como portadores de pro-priedades maléficas (no caso dos cacos cerâ-micos), ora benéficas (no caso dos macha-dos de pedra), de acordo com a sua tradição

oral (Pouget, 2010). Na T.I. Kuatinemu, os Asurini também deram suas próprias inter-pretações sobre os materiais arqueológicos encontrados em seu território. Para eles os achados eram testemunhos da existência e da presença de seus ancestrais e dos perso-nagens míticos que compõem a sua cosmo-logia. Eles são a materialização dessas subje-tividades, atuando como uma forma de memória cristalizada destes seus antepassa-dos, ancestrais míticos e heróis culturais. Ao mesmo tempo, os locais onde eles foram detectados são lugares significativos aos quais os Asurini atribuem uma dimensão histórica e mítica – a partir dos seus pró-prios regimes de historicidade –, tornando--os testemunhos da sua ancestralidade, como lugares da memória (Silva et al, 2011). Portanto, a pesquisa arqueológica serviu, em parte, como uma forma de atualização dos mitos e, por outro lado, como um recur-so de revitalização de sua memória e do seu pertencimento àqueles lugares.

Todas essas experiências vividas por mim e minha equipe nestas terras da Ama-zônia e do Brasil Central me ensinaram que a arqueologia colaborativa em territórios indígenas implica em um constante exercí-cio de relativização de nossos pontos de vis-ta – sobre a prática científica e de percepção e conhecimento do mundo – e que as comu-nidades indígenas não são passivas e homo-gêneas, sendo preciso lidar com as especifi-cidades dos contextos indígenas, bem como com as idiossincrasias pessoais, disputas políticas, demandas sociais e econômicas e o seu protagonismo ao longo de todo o pro-cesso de pesquisa (Bespalez, 2009; Pouget, 2010; Stuchi, 2010; Silva et al, 2010, 2011). Neste sentido, é preciso reconhecer que es-sas pesquisas acabaram por beneficiar espe-cialmente a nós arqueólogos que tivemos a oportunidade de refletir sobre a nossa práti-ca em termos metodológicos, teóricos, so-

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ciais e éticos. Não posso esquecer, porém, que elas também proporcionaram o estabe-lecimento de uma relação de proximidade com estes povos indígenas, na medida em que eles compreenderam com um modo muito próprio e diverso a potencialidade da pesquisa e do conhecimento que estávamos produzindo; tanto que eles nos têm permiti-do continuar junto deles até os dias de hoje. No entanto, acredito que ainda precisare-mos de mais tempo junto a eles e de muito diálogo para que possamos classificar nosso trabalho como sendo uma arqueologia indí-gena no sentido de um “trabalho conjunto, com objetivos partilhados; com, para e pelos indígenas”. De qualquer modo, penso estar-mos no caminho e digo isto baseada nas afirmações de dois jovens indígenas:

Parajua Asurini: Nossa vinda aqui (às antigas aldeias) é muito importante, pois nós apenas as conhecíamos pelas histórias contadas por nossos antepassados. Os jo-vens, nunca haviam estado por aqui. Nós queríamos visitar as velhas aldeias onde vi-veram os nossos antepassados.

Taravi Kaiabi: A pesquisa foi importante para a gente poder mostrar aos brancos que a terra onde nós estamos vivendo sempre foi terra de índio.

Cada um a seu modo, definiu aquilo que entendeu como um benefício das pesquisas arqueológicas que realizamos em suas ter-ras. Refletindo sobre o que eles disseram eu passei a ter a convicção de que o mais im-portante neste tipo de experiência é a per-cepção de que os valores que nós arqueólo-gos atribuímos às pesquisas e aos vestígios arqueológicos não são os mesmos das popu-lações indígenas, e que o valor do trabalho arqueológico está justamente na apropria-ção diferenciada dos seus dados e de suas práticas, na possibilidade de negociação de posições e traduções sobre o passado e sobre os seus significados no presente. Para mim,

especificamente, este é o caminho para uma verdadeira descolonização da arqueologia. Também estou convicta de que não é possí-vel a prática efetiva da arqueologia indígena sem um longo processo de reconhecimento e aceitação mútuos entre pesquisador e co-letivos indígenas.

o “sINGUlaR” das aRQUeoloGIas INdíGeNas

Quando comparo as minhas experiên-cias e as dos meus alunos com as de outros arqueólogos percebo que existe um aspecto comum às práticas colaborativas mundo afora: a apropriação pluricultural do conhe-cimento produzido pela arqueologia faz re-meter à memória, à ancestralidade e à tradi-ção oral desses povos. Porém, não em termos de um passado encapsulado em um tempo linear e distante, mas de um passado vivo no presente e que se projeta para o fu-turo dessas pessoas.

Hodder (1999) escreveu que a pós-mo-dernidade e a suposta fluidez e instabilidade que ela propicia aos diferentes domínios da existência humana, faz com que, muitas ve-zes, nós busquemos no passado uma possí-vel alternativa às inconstâncias cotidianas, sendo esta talvez a razão de tantos debates sobre a investigação, gestão e preservação do patrimônio arqueológico na atualidade. Neste cenário, se poderia pressupor que os povos indígenas se valem da arqueologia para ajudar a manter a particularidade de seus passados, presentes e futuros diante da globalização, numa estratégia muito própria para driblar – como há séculos vêm fazendo – o colonialismo e a monotonia cultural que o Ocidente insiste em lhes oferecer (Silva, 2011b).

Como já foi dito anteriormente as ar-queologias indígenas são, antes de tudo, uma decorrência do protagonismo dessas populações no que se referem à luta pelos

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seus direitos sociais e à sua autodetermina-ção. Neste sentido, partilho da opinião da-queles que defendem que as arqueologias indígenas de fato germinaram a partir dos movimentos sociais e políticos engendra-dos pelas populações indígenas e que con-duziram ao surgimento de uma série de le-gislações que acabaram por garantir que suas prerrogativas culturais pudessem e devessem ser ouvidas e atendidas no que se refere à pesquisa arqueológica em seus ter-ritórios (Silliman, 2010; Colwell-Chantha-phon et al, 2010). O Native American Gra-ves Protection and Repatriation Act (NAGPRA) e o National Historic Preserva-tion Act (EUA), Native Title Legislation (Austrália), o Historic Places Act e o Re-source Management Act (Nova Zelândia), todos datados da década de 1990, são al-guns exemplos do esforço pela definição de diretrizes para a efetivação de práticas ar-queológicas não colonialistas. Ao ressaltar este aspecto do florescimento das arqueolo-gias indígenas não estou desmerecendo o engajamento dos arqueólogos que se dedi-caram a atuar e fazer o trabalho colaborati-vo junto com essas populações, apoiando suas reivindicações. Ao contrário, acredito que muitos deles estão contribuindo para uma mudança epistemológica na disciplina. No entanto, é preciso ficar atento de que este movimento de descolonização das prá-ticas arqueológicas ainda tem um longo ca-minho pela frente até conseguir se desven-cilhar das amarras do capital econômico, do discurso neoliberal de gestão do patrimô-nio arqueológico e da herança colonialista da arqueologia.

No que se refere ao Brasil penso que os avanços da Constituição de 1988 e a conso-lidação do Estatuto do Índio foram decisi-vos para a garantia dos direitos indígenas (Silva, 2011a). No entanto, ainda estamos começando o percurso para a efetivação de

normativas e de uma legislação específica que defina os parâmetros das práticas arque-ológicas e da proteção do patrimônio arque-ológico em territórios indígenas. Esta situa-ção certamente mudará nos próximos anos, especialmente, em função da expansão dos interesses e empreendimentos econômicos que atingem de forma direta ou indireta os territórios indígenas. A mobilização dos po-vos indígenas já se fez sentir em contextos como o da construção da AHE Dardanelos (MT), da UHE de Belo Monte (PA) e da construção do complexo de usinas hidrelé-tricas no rio Teles Pires (MT). Além disso, representantes indígenas têm participado em diferentes eventos científicos realizados recentemente no Brasil: 1) no XIII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira reali-zado na cidade de Campo Grande, em se-tembro de 2005, onde representantes indí-genas palestraram no Fórum Indígena; 2) no I Seminário Internacional de Gestão do Pa-trimônio Arqueológico Pan-Amazônico reali-zado na cidade de Manaus, em novembro de 2007, no qual os indígenas das etnias Mehi-naku, Kuikuro e Baniwa expuseram suas rei-vindicações na mesa temática Preservação do Patrimônio Arqueológico em Terras Indí-genas; 3) no XV Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira realizado na cidade de Belém, em setembro de 2009, onde um representante da etnia Kaiabi foi debatedor no painel Arqueologia, Multiculturalismo e Multivocalidade: Desafios para o Século XXI; 4) no I e II Seminário Internacional da Temá-tica Indígena realizados respectivamente em Porto Alegre e Pelotas, nos anos de 2010 e 2012, para os quais foram convidados vários representantes indígenas como palestrantes e debatedores nas diferentes mesas temáti-cas sobre arqueologia, antropologia, educa-ção e legislação; 5) no Simpósio Arqueologia, Memória e História Indígena realizado em Florianópolis, em 2012, onde representantes

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indígenas participaram dos debates nas me-sas redondas e conferências.

Tais ações evidenciam que os povos indí-genas estão cada vez mais preocupados com o destino de suas terras e com o futuro das próximas gerações. Neste contexto de incer-tezas eles começam a vislumbrar na pesqui-sa arqueológica colaborativa mais um cami-nho para reafirmar a sua identidade, sua autodeterminação e garantir a soberania sobre os seus territórios.

CoNClUsÃoComo disse Joe Watkins, um arqueólogo

americano descendente de indígenas: “em-bora o desenvolvimento de uma verdadeira arqueologia indígena nunca aconteça até que as populações indígenas controlem a qualidade e a quantidade da arqueologia re-alizada em seus territórios, a arqueologia tem dado alguns passos para avançar nesta direção” (2000: 177). As arqueologias cola-borativas que descrevi mais acima são al-guns exemplos deste empenho. A palavra colaborativa, como reiterei ao longo do tex-to, pressupõe a interação dos arqueólogos com os povos indígenas e a construção de uma relação de confiança mútua, de reci-procidade, algo que não ocorre “da noite para o dia”.

Como vimos no relato de minhas expe-riências de arqueologia em terras indíge-nas, o patrimônio arqueológico é visto como parte da história e reafirmação das identidades destas populações, integrando passado, presente e futuro. Em contextos indígenas, portanto, a investigação arqueo-lógica precisa fazer um esforço para aban-donar concepções “etnocêntricas” sobre o passado e a memória, considerando a di-versidade e o pluralismo destas concepções na interpretação e apropriação dos patri-mônios culturais. O patrimônio arqueoló-gico, embora material, é irremediavelmen-

te ligado ao patrimônio imaterial (Silva, 2009a).

O arqueólogo que trabalha com e pelas populações indígenas precisa estar bem preparado para poder atuar com a devida competência nestes contextos, pois se trata de uma prática arqueológica diferenciada que não pode ser aprendida nos “velhos” manuais de arqueologia. A arqueologia terá de rever cada vez mais os seus parâmetros educacionais para incorporar na sua estru-tura de ensino-aprendizagem estes outros modos de se fazer o trabalho de campo, a coleta e a interpretação dos dados arqueo-lógicos. Alguns autores entendem que, na atualidade, o conteúdo mais importante que um estudante de arqueologia deve aprender em todas as suas variantes é a ges-tão do patrimônio. E, especialmente, que tal objeto de estudo – o patrimônio arque-ológico – pode ser apreendido de diferen-tes maneiras por diferentes pessoas e que isto se constitui em um problema de refle-xão teórica central para os arqueólogos (Smith, 2010; Pyburn, 2003).

Finalmente, cabe dizer que as práticas arqueológicas colaborativas e, entre elas, as arqueologias indígenas, implicam numa redefinição dos parâmetros éticos da ar-queologia na medida em que as popula-ções indígenas não podem mais ser alija-das das decisões sobre o patrimônio arqueológico existente em suas terras. Elas são tão responsáveis pela sua interpretação e preservação quanto o são os arqueólogos e legisladores. Algumas questões são cru-ciais para a arqueologia hoje: Quem neces-sita do passado ou a quem ele pertence? Quem tem o direito e/ou o dever de con-trolar o conhecimento e a proteção do pa-trimônio arqueológico? (Watkins, 2003). O século XXI trouxe consigo essas novas indagações e o futuro de nossa disciplina, neste novo cenário, será definido pelo seu

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comprometimento com uma explanação multivocal das diversas trajetórias históri-cas e culturais, bem como dos diferentes processos de construção das identidades, memórias e heranças culturais no passado e no presente.

aGRadeCImeNtos: Ao CNPq pela bolsa produtividade e o auxílio pesquisa Edital Universal MCT n. 471115/2010-0. A CAPES pela bolsa de doutorado de Eduar-do Bespalez. A FAPESP pelos auxílios pes-quisa e pelas bolsas de mestrado dos meus alunos (ver acima as notas 4 e 5). Aos Asu-rini do Xingu, aos Kaiabi do rio Teles Pires e aos moradores da Aldeia Lalima/MS, pelo interesse em nossas pesquisas e pela estimulante troca de ideias, conhecimentos e presença ativa em campo. Ao Francisco Noelli pela leitura e sugestões ao longo das pesquisas e para este artigo.

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA Vo lume 25 - N .2 : 24-42 - 2012Fabíola Andréa Silva

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arquEologia E comPanhia:

rEflExõEs sobrE a introdução

dE uma lógica dE mErcado na Prática

arquEológica brasilEira

andrés Zarankin1*

José Roberto Pellini2**

1 -* departamento de sociologia e antropologia, fafICh/UfmG. antonio Carlos 6627 (31270-901). belo horizonte, brasil. [email protected]

2 -**laboratório de arqueologia sensorial - NaR/Ufs. [email protected]

ARTIGO

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA Vo lume 25 - N .2 : 44-60 - 2012

abstRaCt:

In recent decades, Brazilian archeology has experienced a radical change, the pro-duct of an entirely new legislation for the protection of cultural heritage. Thus, every enterprise, public or private, potentially mo-difying the environment necessarily requi-res making a series of environmental impact studies, among which are the archaeological sites. As a consequence of these rules comes a new type of archaeological practice - as well as a new kind of archaeologist - no lon-ger guided by the academy, but by the ma-rket, called Contract Archaeology. Our dis-cussion is structured from a comparison between the transformations produced by the Contract Archaeology and the Comics “Asterix the Rooster”, called “Obelix and Co.”. Hopefully, partly academic reflaxion, but at the same time political manifesto, will help us to meditate on the type of archeolo-gy, as professionals, we wish it were produ-ced in the country.

KeywoRds: Contract Archaeology, theory, method.

ResUmo:Nas últimas décadas a arqueologia brasi-

leira tem experimentado uma mudança ra-dical, produto de uma legislação inteira-mente nova de proteção do patrimônio cultural. Assim, todo empreendimento, pri-vado ou público, potencialmente modifica-dor do meio, obrigatoriamente requer a re-alização de uma série de estudos de impacto ambiental, dentre os quais se encontram os arqueológicos. Como consequência dessas normas, surge um novo tipo de prática ar-queológica - assim como um novo tipo de arqueólogo -, já não orientada pela acade-mia, mas pelo mercado, a chamada Arqueo-logia de Contrato. Nossa reflexão será estru-turada a partir de uma comparação entre as transformações produzidas pela arqueolo-gia de contrato e um dos Comics de “Asterix o Galo”, chamado “Obelix e Cia”. Esperamos que este exercício, em parte reflexão acadê-mica, mas ao mesmo tempo manifesto polí-tico, nos auxilie a meditar sobre o tipo de arqueologia que, como profissionais, gosta-ríamos que fosse produzida no país.

PalavRas-Chave: Arqueologia de Contrato, teoria, método,

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aNtes de falaRmos dos meNIResNas últimas décadas a arqueologia bra-

sileira tem experimentado uma mudança radical, produto de uma legislação inteira-mente nova de proteção do patrimônio cul-tural. A partir dessas novas regras, qual-quer empreendimento, privado ou público, que seja potencialmente modificador do meio, é obrigado a realizar uma série de es-tudos de impacto ambiental, dentre os quais se encontram os arqueológicos. Para fazer frente a essas demandas, surge um novo tipo de prática arqueológica - e um novo tipo de arqueólogo - já não orientada pela academia, mas pelo mercado, a cha-mada Arqueologia de Contrato.

Não que sejamos contrários à existência da Arqueologia de Contrato, já que ela re-presenta uma ferramenta interessante para potencializar a arqueologia brasilei-ra em todos os seus níveis. Somos, no en-tanto, contra a instituição de uma lógica de mercado como pensamento dominante da prática arqueológica. Somos contra uma Arqueologia de Contrato massifica-da e sem controles por parte do Estado e da comunidade arqueológica. Por exem-plo, atualmente um único projeto de Ar-queologia de Contrato pode mobilizar os recursos que o Estado disponibiliza para toda a arqueologia acadêmica do país du-rante um ano, ou um único arqueólogo pode ter várias dezenas de autorizações para realizar projetos paralelos, em esta-dos e temas diferentes. Porém, na hora dos resultados, é provável que esse “único projeto”, ou esse “único arqueólogo”, não produza mais que alguns relatórios que irão engrossar gavetas ou estantes esque-cidas do IPHAN.

Nesse sentido, perguntamo-nos: será que já esquecemos como era a arqueologia antes da introdução dessa lógica de merca-do, cujo objetivo primário é o lucro, dei-

xando em segundo plano a produção de informações e conhecimento? Segundo plano seria o melhor dos casos, já que, mui-tas vezes, esse não é nem o terceiro nem o quarto nem...

Já que aparentemente nossa posição é minoritária, para construir nosso argu-mento recorreremos à ajuda de Asterix e Obelix em sua luta contra a globalização ideológica do capitalismo (representada por Júlio Cesar e os romanos), assim como também a poção mágica produzida por Pa-noramix (o druida da Aldeia de Asterix). Precisamente escolhemos um dos Comics de “Asterix o Galo”, chamado “Obelix e Cia”, para gerar uma reflexão que podería-mos caracterizar como provocativa, sobre o que tem acontecido nos últimos anos na arqueologia brasileira. Esperamos que este exercício, em parte também um manifesto político, nos auxilie a meditar sobre o tipo de arqueologia que, como profissionais, gostaríamos fosse produzida no país.

asteRIX, obelIX e o meRCado de meNIRes

Asterix -Astérix le Gaulois- é uma série de histórias em quadrinhos criada na Fran-ça por Albert Uderzo e René Goscinny no ano de 1959. Elas contam a vida cotidiana de Asterix, seu amigo Obelix e demais co-legas em uma aldeia gaulesa situada no li-mite norte da antiga Gália (França), cuja importância reside em que esse é o único território europeu ainda não conquistado pelo império romano. Isso se dá graças à ajuda de uma poção mágica preparada pelo druida local, que confere aos aldeões uma força sobre-humana. Júlio Cesar, obcecado, tenta conquistar esses gauleses por todos os meios, mas nunca consegue. Em Obelix e Cia, lançado em 1976, a estratégia dos con-selheiros de Júlio Cesar consiste em intro-duzir uma economia de mercado dentro do

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modelo produtivo igualitário e redistribu-tivo da aldeia gaulesa. Assim, um rico co-merciante romano, Caius Saugrenus (uma caricatura baseada no político e ex-presi-dente francês Jaques Chirac), vai até à Gália

e se encarrega de convencer Obelix a vender menires, dos quais controla os preços, trans-formando-o no homem mais rico da aldeia e alterando, assim, a ordem e a harmonia do lugar.

Obelix, agora a pessoa mais rica da vila, começa a contratar seus conterrâneos para que tra-balhem para ele, seja na produ-ção de menires, seja na execução de tarefas cotidianas, como ca-çar para ele e confeccionar rou-pa, dentre outras. Não demorará a que outros gauleses percebam o potencial desse “negócio”, e comecem, com seus próprios empreendimentos, a fabricação de menires. As atividades “capi-talistas” transformam a comuni-dade, fazendo com que seu inte-resse principal seja a acumulação de riquezas, e, portanto, se torne automaticamente assimilada ao tecido social do império, cessan-do os ataques aos romanos. Po-rém, como se trata de uma his-tória em quadrinhos e não a realidade, sempre existe um fi-nal feliz. Asterix e Panoramix (o druida da aldeia), que percebem as consequências nefastas e pe-rigosas dessas mudanças, desen-volvem um plano que objetiva resgatar o estilo de vida igualitá-rio que a aldeia sempre teve. As-sim, distribuem poção mágica para todos na comunidade para aumentar a produção de meni-

res, que se expande a níveis altíssimos, sa-turando o mercado e ao mesmo tempo es-vaziando os cofres do império. Finalmente, Roma vê-se obrigada a suspender a com-pra dos menires, gerando a fúria dos gau-

Figura 1. Capa original do comic Obélix e Companhia (1978)Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Asterixcover-23.jpg

Figura 2. Obelix começa a contratar seus conterrâneos para que traba-lhem para ele em troca de um salário.Fonte http://martouf.ch/document/114-obelix-et-le-capitalisme.html

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leses que destroem o forte romano, expul-sam Saugrenus, e retornam a sua vida normal igualitária.

Através dessa história, os autores pre-tendem satirizar o capitalismo desenfrea-do, que sempre tentou domesticar as pes-soas, transformando-as em consumidores passivos e acríticos do sistema. Precisa-mente como assinala Marx (1975), a per-versão do capitalismo ocorre na medida em que sua legitimidade se baseia em a renúncia voluntária das pessoas em favor de um falso bem estar associada ao mate-rialismo.

Consideramos que existem grandes si-militudes entre esse conto e a história re-cente da arqueologia brasileira, que pre-tendemos analisar ao longo deste artigo. Partimos da ideia de que a arqueologia era uma aldeia de iguais onde se compartilha-vam (obviamente dentro das particulari-dades de uma variedade de correntes teó-ricas) ideias sobre o que é arqueologia, qual a sua função social, etc. Claro que existiam brigas, porém não eram lutas por ganho econômico, mas por legitimidade, reconhecimento e poder, como na aldeia gaulesa.

Com a introdução de uma lógica de mercado dentro da “aldeia arqueológica”, têm acontecido mudanças estruturais. A esse respeito, primeiro lembremos como, na história de Obelix, um menir, um objeto sagrado e tradicional que identifica uma comunidade, transforma-se numa merca-doria, com um valor em dinheiro que pode ser comprado e vendido. Acaso não aconte-ce a mesma coisa com “nosso” registro ar-queológico? Reduzido a mercadoria, tal registro, aos olhos dos arqueólogos, trans-forma-se em imagem de lucro e não mais em fonte de conhecimento. Aí o início do problema.

Se o objetivo principal da arqueologia já

não é o conhecimento, mas o lucro, se o cliente não é mais a comunidade ou o Esta-do, mas o agora chamado “empreendedor” (que para nós não é simplesmente a pessoa ou empresa que paga pelo trabalho do ar-queólogo), se os interesses do cliente - pressa, afã de lucro, enfraquecimento das comunidades locais, etc. - estão por cima daqueles das comunidades locais, estamos com sérios problemas.

Paralelamente, essa introdução de uma lógica de mercado na arqueologia leva ao surgimento de classes sociais entre os ar-queólogos. Assim, grande parte dos colegas viraram proletários a serviço de uns pou-cos, donos de grandes companhias, que fi-cam com os lucros maiores em troca de salários, independentemente de serem bons ou ruins. É frequente, também, que integrantes dessa “elite”, ainda que transfor-mados em burocratas e administradores, aumentem enormemente sua “produção”, ao mesmo tempo em que seu poder e fama crescem sustentados pelo trabalho das pes-soas empregadas na empresa. Seria esse um caso de apropriação de mais valia não só econômica, mas também intelectual.

Resulta interessante que aqueles que, como nós, estão ligados à arqueologia há algumas décadas, quando pensam em por que viraram arqueólogos, em geral com-partilham de um motivo bem simples, o de produzir conhecimento que tivesse alguma função social: para alguns mudar o siste-ma, para outros produzir informação cien-tífica sobre o passado. Quem dentre nós nunca colocou dinheiro do próprio bolso para poder ir a uma escavação apreender? Em contraposição, resulta alarmante quan-do, na atualidade, muitas vezes oferecemos a estudantes a possibilidade de participar de um trabalho de campo e recebemos como resposta a pergunta: quanto vão me pagar? Igualmente espantoso é quando es-

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cutamos que pessoas escolhem o trabalho de campo, ou até o tema de trabalho, em função não de seus gostos e interesses, mas do arqueólogo que paga melhor ou das oportunidades do mercado! E se esse che-gar a ser o pensamento preponderante den-tre os estudantes?. Pois, se for o caso, a ar-queologia definitivamente vai cessar os ataques ao sistema, será o final de uma ar-queologia crítica, interessada em discutir o passado para mudar o presente, para criar realidades democráticas e pluralistas. O sistema nos terá comprado e a arqueologia será só uma técnica, descompromissada da sociedade... Júlio Cesar finalmente poderá olhar o mapa de seu império e constatar que já nada resta por conquistar, e nada po-derá fazer sombra a seu poder.

a aRQUeoloGIa bRasIleIRa e o “meRCado de meNIRes”

Não é novidade para ninguém que a ar-queologia brasileira tem passado por mu-danças profundas. As alterações na legisla-ção ambiental, durante as décadas de 1980 e 1990, reconfiguraram quase que por completo a prática da arqueologia em nos-so país. O ritmo das mudanças tem sido tão acelerado que quase não temos tempo para respirar. Se, no inicio dos anos 1990, eram concedidas cerca de 40 portarias de pesquisa por ano, em 2011 mais de 900 portarias foram aprovadas pelo IPHAN (www.iphan.gov.br). Evidentemente tal crescimento no número de pesquisas teve seu lado bom, pois não só auxiliou no de-senvolvimento da disciplina no Brasil, como levou a arqueologia a lugares desco-nhecidos do país. Mas, como em todo cres-cimento feito de maneira desordenada, houve também um lado ruim, ou seja, a criação de uma política de mercado preda-tória nunca antes vista por aqui. Para co-meçarmos, no entanto, a entender todo

este processo devemos antes entender como se deram as mudanças na legislação de proteção ao Patrimônio Cultural.

No Brasil, embora uma das primeiras tentativas de se criar uma legislação especí-fica de defesa do patrimônio arqueológico remonte à década de vinte do século passa-do, com o Projeto de Lei elaborado por Al-berto Chield, então presidente da Socieda-de Brasileira de Artes Plásticas, foi somente com a Lei Federal 3924 de 26/07/61, que confere proteção genérica ao patrimônio arqueológico, que se criou no país um ins-trumento efetivo para a salvaguarda dos bens arqueológicos. A lei proíbe, em todo território nacional, o aproveitamento eco-nômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, parágrafo X, am-pliou a proteção estabelecida pela Lei 3924/61, tornando os bens arqueológicos bens de interesse público.

A Lei 3924/61 e a Constituição de 1988 não são os únicos instrumentos jurídicos que versam sobre o Patrimônio Arqueoló-gico. A Lei Federal nº 6.766, de 19/12/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências, informa em seu artigo 13, inciso I, que somente aos Estados é permitido o exame e a anuência para projetos de loteamento e desmembra-mento urbano quando os mesmos forem localizados em áreas de especial interesse arqueológico. Já a Lei 9.605, de 1998, sobre Crimes Ambientais, que impõe sanções pe-nais e administrativas a condutas de ativi-dades lesivas ao meio ambiente, dispõe, em seu Capítulo 5, Seção 4, penalidades relati-vas aos crimes contra o patrimônio cultu-ral. Os artigos 63, 64 e 65 da mesma lei atri-buem penas de reclusão, detenção e multa a quem alterar, danificar ou descaracterizar locais de especial interesse arqueológico.

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Embora esse conjunto de leis tenha re-gulamentado e protegido o Patrimônio Ar-queológico, elas nunca tiveram grande in-fluência na prática da arqueologia no Brasil, que era realizada basicamente den-tro dos centros acadêmicos a partir de agendas que atendiam aos interesses quase que exclusivamente científicos. Era nossa “aldeia de iguais”.

O cenário começa a mudar em 1986, com a publicação da Resolução nº 001/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente, o CONAMA. Criada no sentido de estabe-lecer critérios para a avaliação de impactos ambientais promovidos pela implantação de empreendimentos, a Resolução nº 001/86 do CONAMA, incluiu em seu texto a obrigatoriedade de estudos sobre os bens culturais como componente do diagnóstico ambiental para o meio socioeconômico. Como consequência desta e da Resolução nº 237/97 (que divide o Licenciamento em três fases: Licença Prévia, de Instalação e de Operação – LP, LI e LO), também do CO-NAMA, o Instituto do Patrimônio Históri-co e Artístico Nacional, IPHAN, editou a Portaria nº 230, em 17 de Dezembro de 2002, que passou a considerar a necessida-de de compatibilizar as fases de obtenção de licenças ambientais com a apreciação e acompanhamento das pesquisas arqueoló-gicas no país.

A promulgação da Resolução CONA-MA nº 001/86 e da Portaria IPHAN nº 230 teve um profundo impacto na arqueologia brasileira, pois, a partir de 2002, todo em-preendimento, privado ou público, com determinados níveis de impacto ambiental, passou a ser obrigado a realizar uma série de estudos de impacto ambiental, dentre os quais os arqueológicos. Como consequên-cia, surgiu um novo tipo de prática arque-ológica - e um novo tipo de arqueólogo -, já não orientada pela academia, mas pelo

mercado, a Arqueologia de Contrato. Caso parecido vivenciou a Inglaterra

com a promulgação do Planning Policy Guidance Note 16 em 1990, que passou a estabelecer a necessidade de pesquisas ar-queológicas prévias em áreas a serem mo-dificadas por obras de engenharia. Com a promulgação do PPG16, na década de 1990, e a obrigação de avaliação prévia nas áreas a serem impactadas pelos empreendi-mentos, alteraram-se as relações de produ-ção do conhecimento arqueológico a partir da criação de uma relação comercial entre os arqueólogos e seus objetos de pesquisa.

Segundo Wainwright (1998), a publica-ção do PPG16 trouxe alguns benefícios à arqueologia britânica. O aumento no volu-me de pesquisas levou à criação de um mercado de trabalho que, por sua vez, pos-sibilitou a absorção de grande parte dos arqueólogos do país. Ao mesmo tempo, regiões antes desconhecidas do ponto de vista arqueológico passaram a ser pesqui-sadas. Mas, segundo o autor, o PPG16 trou-xe também muitos aspectos danosos, como, por exemplo, o aumento do número de es-cavações amostrais. Darvill e Russell (2002) mostraram que, embora o número de pes-quisas tenha crescido exponencialmente após a criação do PPG16, de 1279 em 1990 para 2872 em 1994, durante o mesmo perí-odo, das 10879 pesquisas realizadas so-mente 10,4% foram escavações de superfí-cies amplas; o restante foram apenas resgates amostrais e avaliações locais. Para Chadwick (1998), isso se deve basicamente à escolha de metodologias que procuram maximizar tempo e custo. Com o aumento da concorrência e orçamentos cada vez mais apertados, as metodologias de traba-lho de campo tornaram-se mais padroniza-das, com cada vez menos oportunidades para experimentação de novas técnicas. A experiência subjetiva, a interpretação e a

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vivência em campo foram sendo deixados de lado devido ao corte de custos associa-dos à necessidade de cumprimento de pra-zos contratuais (Bradley, 2003). Segundo Bradley (2003), as estruturas cada vez mais hierárquicas, as estratégias cada vez mais reducionistas, as metodologias mais padro-nizadas da Arqueologia de Contrato não somente sufocam a criatividade, mas, tam-bém, limitam perigosamente o escopo de nossa atividade. Na prática, as experiências de escavação e interpretação deveriam ser atividades cumulativas com os profissio-nais sendo mais sensíveis ao contexto e aos objetos de pesquisa. Afinal, como diria Chesterton (1908-2008: pag.34) “[...] se olharmos 999 vezes para alguma coisa esta-remos seguros, mas se olharmos 1000 vezes corremos o perigo de estar olhando para esta coisa pela primeira vez”. Típica dos modos de produção capitalista, a compar-timentalização passou a caracterizar a construção do conhecimento arqueológico, principalmente no que diz respeito às prá-ticas de campo.

Steve Roskams (2001) vê dois aspectos negativos na profissionalização da arqueo-logia de campo na Europa e principalmente na Inglaterra. O primeiro é o que ele chama de “veneração ao manual”, na qual os ar-queólogos seguem diretrizes que indepen-dem do contexto do sítio de maneira meca-nizada. O segundo é a categorização de escavadores como ferramentas não pen-santes, uma situação na qual os arqueólo-gos de campo são tidos como simples téc-nicos. Disso decorre que o escavador não é visto por sua atuação intelectual, mas por suas habilidades práticas.

Não é só a escavação, entretanto, que demanda a necessidade de uma vivência: a interpretação dos artefatos também depen-de de um maior contato e de uma maior intimidade com os objetos. Segundo Brad-

ley (2003), se, em campo, vemos uma prá-tica cada vez mais descontextualizada, onde a experiência subjetiva é deixada de lado, em laboratório o que vemos é que as atividades de interpretação dos artefatos se tornou nada mais que um amontoado de dados catalogados.

Há outro problema a ser considerado, ou seja, o produto final das pesquisas. Cha-dwick (2003) e Bradley (2006) têm discuti-do como a prática da Arqueologia de Con-trato levou à criação, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, de uma litera-tura muito específica com regras e discurso próprios, os chamados relatórios de proje-to. Nos relatórios, as narrativas pormenori-zadas com construções interpretativas fo-ram substituídas por descrições sumárias. Não há correlação entre os dados e muito menos com os demais sítios de uma região (Chadwick, 2003).

O corte de custos e os tempos mais apertados resultaram também na exclusão de pesquisadores, das comunidades locais e de voluntários dos projetos arqueológi-cos (Darvill; Russell, 2002 e Bradley, 2006). Atividades com a cooperação das comuni-dades locais, setores alternativos da socie-dade e outros pesquisadores são geralmen-te as primeiras atividades cortadas durante o exercício da racionalização dos custos nos projetos (Chadwick, 2003). Nesse con-texto, as mulheres representam um dos grupos mais prejudicados, devido princi-palmente ao preconceito existente na Ar-queologia de Contrato, que associa força, rapidez e a sujeição a condições adversas como características tipicamente masculi-nas. Scott (1998) argumenta, ainda, que os prazos curtos, salários baixos e falta de creches dificultam ainda mais a entrada das mulheres na Arqueologia de Contrato britânica. Como resultado, as mulheres muitas vezes deixam a arqueologia de

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campo para se tornarem especialistas ou técnicas em laboratório (Moser, 1996). Na Europa e, em especial, na Inglaterra, pou-cas mulheres tornam-se diretoras de cam-po ou gerentes de projeto, e muitas sim-plesmente deixam a arqueologia (Moser, 1996).

Para Chadwick (2005), desde a publica-ção do PPG16 a arqueologia britânica tor-nou-se reativa ao invés de proativa, cada vez mais voltada para responder ao desen-volvimento, em vez de seguir uma investi-gação orientada. Ainda segundo o autor, uma atmosfera quase anti-intelectual de-senvolveu-se entre alguns praticantes que parecem satisfeitos com o simples registro do passado, em vez de sua análise e inter-pretação. Antes de 1990 havia um senti-mento muito mais difundido, dentro da disciplina, de que a pesquisa do passado era o centro do trabalho arqueológico. Hoje essa ideia não existe mais (Bradley 2003).

IN vINo veRItasPodemos observar, na arqueologia bra-

sileira, dois discursos bem diferentes. O discurso oficial, evidenciado em congres-sos, encontros e seminários, é de que tudo, ou quase tudo, está bem. O discurso ofi-cioso, discutido em mesas de bar, nos cor-redores dos congressos, nos intervalos das aulas na Universidade, é que o caos se ins-talou na arqueologia brasileira. Basta ir-mos a alguns encontros de arqueólogos para vermos que a insatisfação com o re-sultado da chamada Arqueologia de Con-trato tem aumentado, seja pela falta de qualidade das pesquisas - sobretudo das escavações, dirigidas por indivíduos inex-perientes, sem a devida qualificação -, seja por questões salariais, seja por questões de falta de ética. Mas, independentemente do discurso, o que sabemos na realidade é que

o aumento exponencial do número de pes-quisas decorrentes das alterações nas polí-ticas ambientais e patrimoniais expôs al-guns problemas intestinos da arqueologia brasileira.

Em primeiro lugar, observa-se a falta de infraestrutura dos órgãos reguladores, principalmente do IPHAN, para respon-der à crescente demanda de pesquisa. A falta de apoio do governo federal tem leva-do, em várias situações, a que o IPHAN deixe de cumprir suas obrigações no que diz respeito ao licenciamento, fiscalização e preservação do Patrimônio Arqueológi-co. Para agravar a situação, não existe uma política normativa nacional no que se refe-re ao licenciamento arqueológico. Cada superintendência legisla segundo suas próprias convicções, a seu bel-prazer. A criação do Centro Nacional de Arqueolo-gia foi uma tentativa de estabelecer uma politica normativa que fosse seguida por todos os estados, mas, de certa maneira, o CNA já nasceu morto, pois, se as Superin-tendências continuam tendo a prerrogati-va de acatar ou não as normativas nacio-nais, para que essas servem? De todas as formas, cabe salientar que, em seus pri-meiros 3 anos de existência, o CNA não estabeleceu nenhuma portaria ou norma-tiva de âmbito nacional.

A falta de uma política mais elaborada de gerenciamento arqueológico por parte do IPHAN pode ser bem exemplificada com o Cadastro Nacional de Sítios Arque-ológicos, o CNSA/IPHAN. Criado com o objetivo de fornecer dados atualizados so-bre os sítios arqueológicos identificados em território nacional, o CNSA/IPHAN não cumpre sua função primordial, que é a de informar. Além dos dados não serem atua-lizados, faltam informações vitais sobre os sítios, como coordenadas de localização, tipos de vestígios, filiação cultural, descri-

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ção estratigráfica, extensão e profundidade. Claro que saber que existem 800 sítios no município em que estamos trabalhando já é um começo, mas, quando precisamos so-brepor nossa área de pesquisa com os sítios catalogados no CNSA, a tarefa se complica. Sendo assim, é possível que resgatemos ou cataloguemos sítios já trabalhados, dupli-cando, triplicando as informações. Claro que parte da culpa pela má qualidade dos dados presentes no CNSA/IPHAN cabe a nós, arqueólogos. Não podemos esquecer que somos responsáveis pelo correto envio desses dados, visto que, em muitos casos, colegas não mandam as informações ne-cessárias ou enviam as informações incom-pletas.

Perguntamo-nos: para que serve então o CNSA/IPHAN? A ironia está no fato de que, para termos uma permissão de pes-quisa junto ao IPHAN, devemos apresentar no projeto um contexto arqueológico da área a ser pesquisada e o IPHAN, que de-tém essas informações, não as disponibiliza de maneira correta e sistemática. Mesmo a consulta in loco, nas superintendências do IPHAN, salvo raras exceções, normalmen-te é acompanhada pela frase: “Não temos pessoal suficiente para atendê-lo no mo-mento”. Como formar conhecimento, se temos tamanha dificuldade para acessar os dados associados às inúmeras pesquisas que são efetuadas nos dias de hoje?

Há de se considerar também a falta de sincronismo e comunicação entre os ór-gãos reguladores, principalmente no que se refere às Agências Ambientais, o DNPM e o DNIT. O próprio IBAMA, muitas vezes, emite pareceres sem levar em conta o meio ambiente cultural, não considerando assim princípios expressos na Constituição Fede-ral que entende ser o aspecto cultural parte integrante do conceito de meio ambiente.

Em segundo lugar, temos a falta de in-

fraestrutura dos próprios arqueólogos. Muitas das pesquisas que são realizadas no país, dentro da Arqueologia de Contrato, carecem de qualidade científica, principal-mente em campo. O que vemos, em geral, são projetos mal formulados, falta de pes-soal qualificado, e uma sucessão de sonda-gens de 1x1m que têm como objetivo ape-nas a coleta de material arqueológico. A escolha das amostragens baseadas na aber-tura sistemática de sondagens se dá sim-plesmente por se tratar de um método que permite um controle à distância por parte do coordenador, e não por atender melhor às especificidades de um determinado sítio. Sendo assim, aquele que coordena o traba-lho, ainda que por lei seja obrigado a estar em campo1, não precisa cumprir essa exi-gência, e, a nível prático, basta que ele seja representado por um técnico que saiba dar sequência às interferências de maneira or-denada. Nesse sentido, a metodologia de escavação pode ser definida e determinada ainda em laboratório, sem que haja uma maior interação com o sítio, com o contex-to e com a paisagem, economizando assim os custos de deslocamento da ida do coor-denador ao campo. Não que a metodologia de abertura de sondagens em si não traga resultados: dependendo do contexto; o problema é seu uso indiscriminado como metodologia padrão. Nesse sentido, o pró-prio IPHAN é parcialmente responsável quando insiste na apresentação de imensas listas de material arqueológico2, pontos de sondagens, etc., sem se preocupar com a qualidade dos serviços executados. A preo-cupação é quantitativa e não qualitativa, é cartorária e não científica. O que realmente queremos com os sítios que estamos resga-

1- De todas as formas, se comprovada a ausência do coorde-nador em campo, não está prevista nenhuma punição.

2- Preocupação fundamentada em que, por lei, os materiais arqueológicos são bens públicos.

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tando? Acumular material arqueológico ou produzir um mínimo que seja de conheci-mento?

Acreditamos que parte desse problema está associada a uma visão patrimonialista da arqueologia e, em especial, da arqueolo-gia brasileira, que privilegia o vestígio aci-ma da comunidade e do conhecimento. Se pensarmos que o registro em si não existe, o que existe são os traços fragmentados da prática social do passado que são re-apro-priados e ressignificados, veremos que os vestígios do passado não possuem valor intrínseco, mas um valor que é construído através da prática da ciência arqueológica, das práticas sociais, políticas e culturais do presente. Como ressalta Hamilakis (1999), devemos nos preocupar mais com os res-quícios da memória social da humanidade e com o respeito àqueles que já se foram, do que propriamente com o vestígio físico em si. Considerar mais importante a preserva-ção física dos vestígios, acima da responsa-bilidade com o presente e com as comuni-dades no presente, é bastante problemático. Não devemos esquecer que nós, arqueólo-gos, como produtores de cultura contribu-ímos diretamente para o estabelecimento de “regimes de verdades absolutas”. Verda-des são construções que atendem a um fim ou interesse específico. Desde que muitos arqueólogos, hoje, entendem que o registro não é uma verdade que está dada (Ed-geworth, 2003), não é algo pré-existente que está apenas esperando para ser desco-berto (Tilley, 2004; Lucas, 2001), mas é algo construído através das práticas da ciência e dos discursos de identidade e poder, pode-ríamos reconhecer que nossa responsabili-dade vai além da salvaguarda física dos ves-tígios (Hamiliakis, 1999). “Nossa responsabilidade passa a ser a de interrogar e mudar os regimes de verdades, refletir e expor os laços de poder e por fim adotar

uma postura mais crítica no campo da pro-dução e do consumo de cultura” (Hami-liakis, 1999, 70).

Evidentemente imputar toda a culpa no IPHAN e nos órgãos reguladores seria le-viano, considerando que, afinal, onde es-tão os coordenadores de projeto, aqueles que recebem portaria, no momento da pes-quisa? Talvez em mesa de bar, pois rara-mente estão em campo. Da mesma maneira que a cultura do contrato instituiu os pa-drões metodológicos não reflexivos e me-canizados para os trabalhos de campo, ins-tituiu também uma hierarquia de trabalho com o pior do século 19. Em geral, o que vemos é o trabalho “intelectual” sendo rea-lizado nas salas dos coordenadores do pro-jeto, enquanto o trabalho de campo é reali-zado por alunos, estagiários e pessoal não qualificado. A imagem de uma escavação atual parece um flashback do inicio da ar-queologia, um exército de operários (bra-çais) guiados e controlados por um reduzi-do grupo de estudantes de arqueologia, enquanto o arqueólogo coordenador ob-serva de longe o andamento das tarefas, caso ele se decida a ir ao campo, pois em geral todas as diretrizes são passadas por telefone.

E o que falar dos “sítios escola”, que são utilizados pelas empresas de contrato sob o pretexto de treinar estagiários, mas que, na realidade, só fazem perpetuar as metodolo-gias padronizadas e pouco reflexivas? São esses últimos os responsáveis por coletar e registrar o sítio que irá desaparecer. São eles os responsáveis por entregar ao coor-denador geral os dados de campo. Este, por sua vez, irá pegar o material produzido e tentar fechar o relatório que será entregue ao IPHAN, sem nunca ter pisado em cam-po. Sendo assim, o coordenador do projeto acaba por escrever sobre algo que não viu, não ouviu, não sentiu.

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Nos laboratórios o problema é ainda pior, pois em geral paga-se por peça anali-sada. O contato com os artefatos é mínimo. A ideia é produzir a maior quantidade de informação no menor tempo possível. Dis-to resultam generalizações que pouco acrescem ao conhecimento mais específico.

Na esteira desse processo, poucos são os resultados divulgados. Com a grande quan-tidade de pesquisas que são desenvolvidas anualmente, era de se esperar que houvesse um maior intercâmbio de informações en-tre os pesquisadores. Esse mau aproveita-mento de conhecimento representa, em última análise, a própria destruição do Pa-trimônio Arqueológico. Muito se critica o PRONAPA e suas metodologias. O PRO-NAPA, no entanto, independentemente das posturas metodológicas adotadas por seus pesquisadores, produziu um conhecimento que até hoje é utilizado na arqueologia bra-sileira. E o que produziu a Arqueologia de Contrato até este momento? Isso não quer dizer que não existam trabalhos de exce-lência, ou que não exista nenhum resultado positivo e construtivo. Exemplos não nos faltam de trabalhos de contrato que gera-ram teses de doutoramento, dissertações de mestrado ou boas publicações. A questão aqui é a proporção. Fazendo uma pequena ilação: se para cada licença de pesquisa ti-vermos um sítio arqueológico, teríamos mais de 3000 sítios identificados somente nos últimos quatro anos. E o que produzi-mos?

Aqui entramos em outra discussão, a da preservação do Patrimônio Arqueológico e do papel do IPHAN e dos demais órgãos fiscalizadores em defesa de tal patrimônio. A Arqueologia de Contrato parte da pre-missa de que o registro substitui a materia-lidade, sendo, por isso, permitida a escava-ção de áreas que serão impactadas. Pois bem, se pensarmos que a maioria absoluta

dos relatórios associados aos trabalhos de resgate está nos porões do IPHAN ou per-didos para sempre, como no caso dos Rela-tórios da UHE Serra da Mesa, ou ainda trancados no arquivo morto das empresas de contrato, o que estamos realmente pre-servando e resgatando, se nem o registro dos trabalhos fica para a posteridade ou se torna acessível aos pesquisadores? Por que toda a documentação primária que é pro-duzida em campo não é disponibilizada pelas empresas e pelos arqueólogos? Será que essa documentação primária, “espelho fiel do sítio que foi escavado”, está segura e bem guardada? Será que existe medo de que a comunidade arqueológica possa ver o nível ruim de grande parte dos relatórios, ou mesmo possa constatar certas irregula-ridades?

Devemos considerar, também, que a falta de atuação dos órgãos fiscalizadores tem levado os consultores a explorarem a situação a partir de acordos com os empre-endedores e a criação de um mercado de baixo custo que não atende às especificida-des do trabalho arqueológico. A competi-ção, própria da economia de mercado, tem sido cada vez mais desleal no mundo da arqueologia. Não tanto para com os arque-ólogos, mas para com o patrimônio. Proje-tos de baixo custo têm penalizado a pes-quisa de maneira irreversível. Em geral, o IPHAN furta-se da participação nas deci-sões orçamentárias com a desculpa de que essa não é sua atribuição. Mas, se algum projeto recebe dotação orçamentária míni-ma por parte do empreendedor, isso não afeta os trabalhos a serem desenvolvidos? A falta de verba não limita e até impede que os trabalhos de salvamento sejam rea-lizados? Ao mesmo tempo, não cansamos de ver a alocação de verbas gigantescas em alguns projetos e os trabalhos parecerem não condizentes com o volume de dinhei-

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ro? Não precisamos de muito tempo para chegar à conclusão de que há, em alguns casos, uma clara dissonância entre as ver-bas direcionadas para determinados proje-tos de resgate e os trabalhos efetivamente realizados, seja para cima, ou para baixo. No final, quem é o grande prejudicado pela gestão financeira dos contratos? O Patri-mônio Arqueológico, é claro, assim como a comunidade arqueológica e a sociedade. Não é função do IPHAN impedir a des-truição do patrimônio? Não deveria, ele, IPHAN, participar da formulação dos con-tratos a fim de permitir que uma agenda, mesmo que mínima, seja realmente aten-dida? Não que caiba ao IPHAN a determi-nação do valor do contrato, mas cabe o controle da relação verba x trabalhos reali-zados, permitindo assim que a maior parte dos investimentos seja realmente aplicada nos trabalhos e os orçamentos estejam condizentes com as especificidades do tra-balho a ser realizado.

Talvez seja esse o papel de um código de ética. Há a necessidade de assegurarmos um padrão de ética profissional e de ser-mos responsáveis aos olhos do público e da comunidade científica. Em alguns países, essas exigências foram em parte atingidas através da fundação do Institute of Field Archaeologists, no início da década de 1980 (Hunter e Ralston 1993:40) assim como da Society of Professional Archaeo-logy, atual Register of Professional Archae-ologists, em 1976, nos Estados Unidos (Hester et al. 1997:17). A European Asso-ciation of Archaeologists, em 1998, estabe-leceu os princípios de conduta para arque-ólogos implicados em trabalhos de contrato.

Entre os 14 itens, destacamos que os ar-queólogos devem: 1) trabalhar dentro do marco legal dos países onde atuam; 2) só exercer sua atividade em assuntos de sua

competência; 3) manter sistemas adequa-dos de controle acadêmico, orçamentário de qualidade e de tempo de execução dos projetos que assumem; 4) assegurar-se de que o resultado dos trabalhos seja acessível publicamente; 5) incrementar a exigência profissional e responsabilização pelo exer-cício da profissão; 6)preencher as sérias de-ficiências na preparação técnica dos arque-ólogos através de contatos com instituições, universidades e de estimulo à atividade prática dos graduandos.

No Brasil, a criação de um código de conduta foi assunto de debate do Simpósio de Arqueologia Empresarial, realizado em Goiânia, em 2000 (Lima, 2002). Os resulta-dos dos debates foram apresentados pela então presidente da SAB, Tânia Andrade Lima, no Grupo de Trabalho da SAB deno-minado Condutas Éticas e Responsabilida-de Introduzidas pela Arqueologia de Con-trato. Infelizmente o Código de Conduta segue ainda em debate não tendo sido im-plementado. Ao mesmo tempo, resulta fundamental a criação de um registro de arqueólogos profissionais que passe a regu-lar a pratica arqueológica no país.

Outro problema sério a ser enfrentado é a disseminação de inúmeras instituições de apoio em todo território nacional. Se, por um lado, a verba destinada à Instituição de Apoio, em geral 10% do valor do contrato arqueológico, tem dado a oportunidade de algumas instituições receberem verba ex-tra, por outro lado muitas instituições têm recebido o material arqueológico sem a mí-nima condição de acondicionamento. Não é raro ver em algumas instituições material arqueológico entulhado.

Há ainda um aspecto a destacar: a Edu-cação Patrimonial. Embora obrigatória nos projetos de levantamento e resgate ar-queológico, a Educação Patrimonial se re-duziu, quando muito, a palestras e conver-

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sas com trabalhadores das obras geradoras de impacto. Em muitos casos, é da redução das atividades educacionais que sai o lucro das empresas de arqueologia de contrato. Na equação capitalista, promete-se muito, cobra-se do empreendedor um preço alto e faz-se pouco. Resultado? Lucro. Corro-bora para isso, mais uma vez, a falta de fis-calização.

Por fim, temos que analisar o sistema de concessão de permissões de pesquisa e portarias no Brasil, visto que uma rápida olhada nas portarias de pesquisa concedi-das nos últimos anos mostra dois proble-mas. De um lado, a concessão de permis-são de pesquisa para pessoas sem a devida qualificação. De outro, a concentração de pesquisas na mão de algumas poucas em-presas.

Como no Brasil não há regras especifi-cas que regulamentem a concessão de por-tarias de pesquisa, e como a arqueologia não é reconhecida como profissão, qual-quer cidadão brasileiro que comprove mí-nima especialidade técnica3, pode requerer a concessão de permissão de pesquisa me-diante a apresentação de um projeto. Nem precisamos mencionar o quanto isso é da-noso, pois outorga a responsabilidade da pesquisa arqueológica a indivíduos que às vezes não têm a mínima formação no cam-po da arqueologia.

Se correlacionarmos os pesquisadores que receberam portarias com os donos de empresas de arqueologia, veremos que cinco ou seis empresas respondem por grande parte de todas as pesquisas autori-zadas nos últimos quatro anos. Isso mos-tra claramente que muitas empresas se tornaram verdadeiras linhas de produção de projetos e relatórios. Alguém tem real-3- Decisão completamente subjetiva, sujeita a livre critério dos técnicos do IPHAN: em alguns estados existe um analise cuidadosa, enquanto em outros qualquer pessoa tem “espe-cialidade técnica”.

mente a ilusão de que essas linhas de pro-dução com custos baixos, pessoal não qualificado, mecanização das atividades de produção de conhecimento, são práti-cas científicas?

A aceleração da arqueologia no Brasil, nos últimos 15 anos, não está ligada por principio à defesa do patrimônio propria-mente dito, mas à implantação da legisla-ção ambiental que regulamenta os impac-tos ambientais e institui os processos de licenciamento ambiental. O grande volume de pesquisa associado à falta de profissio-nais capacitados e à falta de fiscalização do IPHAN e dos órgãos fiscalizadores têm le-vado a um caos controlado.

A nosso ver, algumas medidas simples poderiam ser tomadas a fim de melhorar o quadro geral da Arqueologia de Contrato no Brasil, a começar com um maior inter-câmbio de informações. A disponibilização dos relatórios finais no site do IPHAN em formato pdf, por exemplo, possibilitaria aos próprios arqueólogos controlarem a qualidade das pesquisas que são efetuadas no país. Irônico é que talvez seja exatamen-te por isso que não há uma grande mobili-zação da comunidade arqueológica nessa direção. A publicação dos relatórios permi-tiria acima de tudo a discussão não somen-te dos dados obtidos por cada pesquisa, como também dos aspectos metodológicos envolvidos em cada tipo de escavação. Dis-so resultaria a criação de um conhecimento agregado que permitiria a projetos e traba-lhos de campo serem pensados com base em contextos mais sólidos. Devemos lem-brar que dificultar o acesso aos relatórios finais ao público interessado não é somente contra a lei, mas um grande desserviço à ciência.

Acreditamos, porém, que a publicação dos resultados finais não deva ser feita ape-nas na forma de relatórios técnicos, pois

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isso manteria a linha de produção de rela-tórios como vemos em algumas empresas hoje em dia. Seria necessária a publicação de forma oficial, através de livros, artigos, etc. Essa simples mudança de atitude pode-ria mudar radicalmente a prática da Arque-ologia de Contrato, já que as empresas e os arqueólogos teriam que dedicar mais tem-po e cuidado à confecção de tais publica-ções. Isso levaria à diminuição do volume dos contratos nas mãos de poucos; a uma maior preocupação não só com as etapas de campo e laboratório, mas com a produ-ção e difusão do conhecimento e ao desen-volvimento de projetos com maior envolvi-mento de outras vozes.

Ao mesmo tempo, a Sociedade de Ar-queologia Brasileira (SAB)4, poderia auxi-liar o IPHAN na criação e aplicação de normas básicas de conduta. A SAB poderia também auxiliar o IPHAN, através de con-sultorias para gerar critérios, por exemplo, para a obtenção de portarias de pesquisa, bem como na determinação de quem está ou não apto para participar de cada uma das etapas dos projetos arqueológicos. Desta maneira poderíamos fiscalizar se os coordenadores de campo, os coordenado-res de laboratório ou mesmo os coordena-dores gerais em portaria reúnem os requi-sitos e estão devidamente habilitados para as tarefas a que se propõem. As empresas responsáveis pelos projetos deveriam ter o compromisso da inclusão de pesquisado-res locais nos projetos. Isso permitiria que as especificidades regionais fossem obser-vadas com mais acuidade. As universida-des deveriam estabelecer parcerias com as empresas de contrato para melhor formar os técnicos de campo, pois, se continuar-mos a escavar o mínimo no tempo míni-4- Claro que a SAB não esta livre das pressões e manipula-ções dos interesses do mercado, já que existem sócios em car-gos importantes que são donos ou membros de companhias de arqueologia de contrato.

mo, dando pouco espaço para o pensa-mento crítico, para o contexto, para a paisagem, para a materialidade, estaremos correndo sério risco de perder as poucas oportunidades que temos de entender o passado.

Acreditamos que uma pergunta deva ser feita: nós, arqueólogos, realmente acre-ditamos que estamos produzindo conheci-mento sobre o passado ou simplesmente queremos acreditar nisso? Será que temos a consciência de que, quando não produzi-mos conhecimento a partir de um sítio, es-tamos na prática destruindo o patrimônio?

O discurso oficial é que estamos fazen-do o melhor possível, que estamos prati-cando ciência dentro das circunstâncias que nos são passadas, dentro de um con-texto comercial marcado pela livre concor-rência. Mas seria isso verdade? Esse não é apenas mais um discurso que mascara a realidade da situação?

RetomaNdo o lUGaR das GRaNdes ComPaNhIas de aRQUeoloGIa:

Pelo que temos visto, não há como ne-gar que a arqueologia brasileira tem passa-do por mudanças intensas nos últimos anos. Ao mesmo tempo, não há como ne-gar que tais mudanças criaram um cenário de caos controlado. É preciso que a comu-nidade arqueológica, bem como os órgãos fiscalizadores, se mobilize para reverter o quadro atual, de predomínio dos interesses do mercado acima dos objetivos acadêmi-cos. Nesse sentido, acreditamos que algu-mas medidas poderiam ser implementadas a fim de resguardar o patrimônio arqueoló-gico não só como objeto de estudo do ar-queólogo, mas como instrumento das co-munidades locais para preservar suas identidades e interesses. São elas:

Disponibilizar no site do IPHAN os re-latórios de pesquisa;

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• Vincular a Licença de Operação, LO, à publicação criteriosa das pesquisas em for-ma de livros e artigos científicos;• Estabelecer um maior controle do IPHAN quanto aos orçamentos, observan-do-se a adequação das verbas;• Uniformizar, entre os estados, as exi-gências quanto aos critérios necessários para a formulação de projetos e relatórios;• Exigir um currículo mínimo para cada uma das atividades a serem desenvolvidas em campo e laboratório;• Criar um limitador para o número de portarias concedidas por pesquisador res-ponsável; • Implementar uma taxa de 1% sobre os projetos de contato destinadas a SAB5 e também a criação e manutenção de um re-gistro nacional de arqueólogos profissio-nais controlado por uma comissão de ética da SAB.• Regulamentar a profissão de arqueólogo.

5- Fica difícil aceitar que arqueologia de contrato movimen-te milhões e sua associação profissional e acadêmica seja po-bre (é frequente que um presidente da SAB coloque dinheiro de seu bolso para participar de reuniões importantes para todos os arqueólogos brasileiros...).

PalavRas fINaIs: Somos a favor de que os arqueólogos

possam ter um bom passar, bons salários, conforto para eles e sua família. Porém, a que custo? Será que existe algum retorno para os ideais daquela “aldeia arqueológi-ca” ou simplesmente a arqueologia vai se transformar definitivamente numa profis-são liberal segundo os interesses do mer-cado?

Afortunadamente, de forma acidental (ou não), igual ao plano de Asterix e Pano-ramix, a arqueologia está produzindo quantidades enormes de profissionais para abastecer um mercado que, em algum mo-mento, vai saturar-se. Quando isto aconte-cer, qual será a resposta dos arqueólogos? Iremos nos unir para expulsar Caius Sau-grenus e voltar a nossa aldeia igualitária? 6

Enquanto isso não acontece, Caius Sau-grenus continua comprando nossos meni-res e nos pergunta: quanto vale um menir? Quanto vale o registro arqueológico? Cabe a todos nós escolher a resposta.

aGRadeCImeNtos: A UFMG, a Edu-ardo Góes Neves pela sua ajuda e apoio na apresentação deste trabalho na SAB-2011. A Pedro Funari, Camilla Agostini, Robeto Stanchi, Cristobal Gnecco, Leandro Duran e outros amigos que leram e fizeram suges-tões do manuscrito assim como a todos os colegas que manifestaram sua adesão às ideias aqui colocadas.

6- Escutando uma parte importante dos estudantes de arque-ologia dos nossos cursos, e pela experiência de um dos auto-res deste trabalho no IV EREARQ, em São Raimundo Nona-to, ao menos por agora existe uma luz ao final do caminho.

Figura 1. Caius Saugrenus promete para Obelix que o converterá no homem mais rico e poderoso da aldeia. Fonte: http://martouf.ch/document/114-obelix-et-le-capitalisme.html

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ArqueologiA e CompAnhiA: reflexões sobre A introdução de umA lógiCA de merCAdo... Andrés Zarankin, José Roberto Pellini

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA Vo lume 25 - N .2 : 44-60 - 2012

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Lucas Bueno

62ARTIGO EntrE abrigos

E lagoas: tEcnologia

lítica E tErritorialidadE

Em lagoa santa (minas gErais,

brasil)lucas bueno1

1- laboratório de estudos Interdisciplinares em arqueologiaUniversidade federal de santa Catarina. [email protected]

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA Vo lume 25 - N .2 : 62-83 - 2012Lucas Bueno

 abstRaCtIn this article we present data from the

analysis of a set of sites located in Parque Estadual do Sumidouro, Lagoa Santa re-gion. Based on technological characteriza-tion of lithic assemblages associated with each of these sites, we explore the vector of variability identified between them, espe-cially with regard to the differential loca-tion and possible links between the sites in the dynamics of occupation of the regional landscape. Among these sites there are shelters, as Lapa do Santo and Lapa das Bo-leiras, and open-air sites bordering Sumi-douro Lake, as Coqueirinho and Sumidou-ro sites.    Despite present evidence for occupations at different times throughout the Holocene, our analysis focuses in lithic assemblages associated with the occupation of the region during the Early Holocene, between 10,000 and 8,000 BP. Based on data about raw materials production and circulation, chaine operatoire and lithic as-semblage composition we present a hypo-thesis about the occupational dynamics and interaction between these sites in local and supra-local scales.

Key-woRds: Lagoa Santa, Lithic Te-chnology, Initial HoloceneIntrodução

ResUmoNeste artigo apresentamos os dados

oriundos da análise de um conjunto de sí-tios localizados no Parque Estadual do Su-midouro, região de Lagoa Santa, centro mi-neiro. A partir da caracterização tecnológica dos conjuntos líticos associa-dos a cada um desses sítios exploramos os vetores de variabilidade identificados entre eles, principalmente no que se refere à loca-lização diferencial e possível articulação entre os sítios na dinâmica de ocupação da paisagem regional. Entre os sítios enfoca-dos há abrigos sob-rocha – Lapa do Santo e Lapa das Boleiras - e sítios à beira da Lagoa do Sumidouro, a céu aberto – Coqueirinho e Sumidouro. Apesar de apresentarem evi-dências para ocupações em diferentes mo-mentos ao longo do Holoceno, centramos nossa análise nos conjuntos líticos associa-dos à ocupação da região durante o Holoce-no Inicial, entre 10.000 e 8.000 anos AP. Com base em dados sobre obtenção e cir-culação da matéria prima, cadeia operató-ria e composição do conjunto artefatual apresentamos uma hipótese com relação à dinâmica de ocupação e interação entre es-tes sítios em escalas locais e extra-locais.

PalavRas-Chave: Lagoa Santa, Tec-nologia Lítica, Holoceno Inicial

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E n trE Abrigos E LAg oAs : tE cnoL ogi A L í t i cA E tE rri tori AL idAdE Em LAgoA sAntA (minAs gErAis , brAsiL ) Lucas Bueno

INtRodUÇÃoA arqueologia do carste de Lagoa Santa

desempenhou um papel importante no co-meço da Arqueologia no Brasil. Com as pesquisas de Peter Lund no início do seculo XIX a região foi projetada internacional-mente como um local favorável para a dis-cussão acerca da antiguidade do Homem e seu surgimento na América do Sul. Desde então, essa região tem sido foco de traba-lhos arqueológicos, paleontológicos, espe-leológicos e geológicos, devido às particu-laridades de sua formação geológica e ao grau de conservação de antigos vestígios de seres humanos e animais (Hrdlicka 1912, Mattos 1938, Walter 1954, Hurt 1960, Hurt e Blasi 1969, Emperaire et al 1978, Neves et al 2003, Neves e Piló 2004). No entanto, es-tas pesquisas apresentam diferentes graus de intensidade e sistematicidade. No caso específico da Arqueologia, a atenção foi di-recionada para uma discussão acerca da antiguidade do Homem, sua associação com a fauna extinta e as características bio-lógicas dos indivíduos que ocuparam a re-gião desde o final do Pleistoceno. Neste ar-tigo trabalharemos de forma mais específica a tecnologia associada aos conjuntos líticos identificados em diferentes abrigos e sítios a céu aberto localizados no carste de Lagoa Santa.

Nosso objetivo é construir uma caracte-rização da tecnologia lítica que englobe as-pectos como a variabilidade na composição dos conjuntos líticos de cada sítio, a dinâ-mica de articulação dos sitios entre sí e sua inserção na paisagem (Binford 1980, Shott 1986, Kuhn 1991). Além dessa perspectiva sincrônica pretendemos discutir a relação dessa composição dentro de um processo de ocupação do espaço de longa duração, o qual envolve diferentes momentos da histó-ria de um território (Zedeño 1997). Isto

será feito através da análise e comparação dos conjuntos líticos, da análise da distri-buição espacial e das datações radiocarbô-nicas até o momento obtidas para sítios lo-calizados no carste de Lagoa Santa. Os resultados de tal análise serão posterior-mente comparados com o contexto arqueo-lógico de áreas circunjacentes ao carste.

Com relação a este último ponto, sele-cionamos para análise o período referente ao Holoceno Inicial, entre ca. 10.500 e 7.000 anos AP. Tendo como base a quantidade ab-soluta e relativa das datas obtidas e a quan-tidade, diversidade e densidade dos vestí-gios arqueológicos identificados em cada sítio, este período corresponde a uma fase de adensamento e intensificação da ocupa-ção dos abrigos da região, nos quais além de milhares de vestígios líticos, faunísticos e vegetais, há uma profusão de sepultamen-tos humanos, fazendo com que pratica-mente todos os maciços calcáreos com áre-as minimamente abrigadas apresentem vestígios profícuos de ocupação humana (Neves et al 2004, 2008).

a INdÚstRIa lítICa de laGoa saN-ta: INdICadoRes de temPo e esPaÇo

Apesar da área ser pesquisada há quase 200 anos, foram poucos os trabalhos reali-zados que se detiveram sobre a análise dos vestígios líticos. Apresentamos uma síntese de alguns deles com o intuito de expor as característica gerais comumentte identifi-cadas e as interpretações até o momento aventadas com relação a uma possível va-riabilidade tecnológica sincrônica e diacrô-nica.

De uma forma geral, em todas as obras consultadas dois aspectos são marcantes na descrição dos conjuntos líticos de Lagoa Santa: 1. A profusão de lascas e fragmentos de quartzo em todos os sítios; 2. A existên-cia de uma variedade de lâminas de macha-

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do exibindo diferentes graus de polimento e lascamento.

Embora mencionada como elemento in-dicador de rudimentaridade (Walter 1958, Mattos 1938) a existência de lâminas de machado, pouco ou parcialmente polidas, associadas ao Holoceno Inicial é fato extre-mamento raro no Brasil, merecedor de des-taque como uma das mais antigas evidên-cias de polimento de instrumentos líticos não só no Brasil, mas também na América (Hurt 1960, Hurt e Blasi 1969, Prous 1991:170). Tendo em vista a funcionalidade comumente atribuída a esses atefatos, po-demos incluí-los dentre as evidências mais antigas de intervenção humana na compo-sição florestal, tanto pela necessidade de apropriação da madeira para encabamento das lâminas quanto de sua presumível utili-zação em atividades de corte ou poda de árvores de diferentes portes.

Afora esses dois pontos gerais é consen-sual na caracterização dos conjuntos líticos de Lagoa Santa a indicação da quase ausên-cia de artefatos formais (fora as lâminas de machado), com predomínio de lascas e fragmentos de lascamento com poucas mo-dificações secundárias. No entanto, todos as obras consultadas mencionam, sem ex-ceção, a existência de pontas de projétil bi-faciais em quartzo, sendo algumas com re-toque por pressão, a existência de diferentes tipos de raspadores e de algumas lascas com pequenos gumes finamente retocados. Essa caracterização se estende a outras ma-térias primas, embora numa frequência menor, uma vez que são raros os exempla-res de silexitos, calcedonias, arenitos e quartzitos nas coleções da região (Walter xx, Hurt 1960, Hurt e Blasi 1969, Prous 1991).

Este é aliás outro ponto de congruência: a matéria prima mais abundante nas cole-ções é também aquela de maior acessibili-

dade local – o quartzo em suas formas hia-lino ou leitoso. O principal local indicado como fonte dessa matéria prima fica nas imediações da cidade de Pedro Leopoldo, aflorando no embasamento cristalino ou, na forma de seixos ao longo de terraços do rio das Velhas (Prous et al 1998). Dentre as demais matérias primas, as fontes são exó-genas ao carste, com variações de distância: anfibolitos e outras rochas resistentes fo-ram provavelmente coletados no Ribeirão da Mata, ao norte de Pedro Leopoldo; a he-matita compacta, trazida do quadrilátero ferrífero; a silimanita, de Conceição do Mato Dentro ou do alto Jequitinhonha; o quartzito em plaquetas, provavelmente pro-veniente da Serra do Espinhaço (talvez até das proximidades de Santana do Riacho); os seixos de quartzito, que podem ser pro-venientes de terraços do rio das Velhas; e o jaspe e a calcedônia, de origem ainda des-conhecida, mas provavelmente localizadas a um raio superior a 60km de distância (Araujo e Pugliese 2008, Prous 1991, Prous et al 1998). Com relação aos silexitos, a fon-te mais próxima conhecida até o momento está a sudoeste, já no Alto São Francisco (Koole 2008).

Além de concordarem com essas carac-terísticas gerais, esses estudos apontam para a ausência de modificações significati-vas ao longo da estratigrafia, sem evidên-cias de mudanças tecnológicas que tenham originado a produção de conjuntos líticos com características distintas ao longo do Holoceno. As variações se referem mais à densidade de vestígios coletados do que a uma composição diversificada.

Com base nesta nessas características, predomina uma imagem de homogeneida-de, tanto do ponto de vista sincrônico quanto diacrônico, com baixa variabilidade na composição dos conjuntos entre os sítios

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e ao longo da estratigrafia. No entanto, como já mencionamos, vale ressaltar que são poucos os trabalhos que ofereceram da-dos quantitativos que reforcem essa pro-posta de homogeneidade e são ainda mais raros os trabalhos que tenham incorporado à análise amostras provenientes de sítios a céu aberto.

Estas questões metodológicas de certa forma sempre fomentaram indagações refe-rentes à funcionalidade destes sítios, ainda mais tendo em vista que praticamente to-dos os abrigos encontrados e escavados até o momento indicam uma associação espa-cial entre a presença desses vestígios líticos e sepultamentos humanos. Nesse caso, são frequentes certas perguntas: esses sítios re-presentam áreas de atividade específica? Essa atividade esteve associada aos enterra-mentos? Se sim, qual a razão para tanto líti-co? Esse material está associado, em termos de uso e funcionalidade, aos sepultamen-tos? Se estes são sítios de atividade específ-ca, onde estão os sítios residenciais?

A esta associação espacial intra-sítio en-tre material lítico e sepultamentos huma-nos soma-se ainda uma outra, também pouco trabalhada até o momento, que en-volve a concomitância micro-regional entre humanos e fauna extinta de grande porte. Um dos sítios paleontológicos escavado nos últimos anos por Neves e equipe, a Gruta Cuvieri, tem fornecido datações para a pre-sença de animais como o tigre-dente-de--sabre (Smilodon populator) e a preguiça terrestre (Catonyx cuvieri) desde o Pleisto-ceno Final até o Holoceno Inicial (Neves e Piló 2003). Esse período coincide exata-mente com o começo e a expansão da ocu-pação humana no carste, indicando uma ocupação coetânea em abrigos distantes cerca de 20 km lineares. No entanto, até o momento, não há qualquer evidência de as-sociação espacial direta entre vestígios de

atividade humana e fósseis desses megama-míferos: nos sítios arqueológicos não há vestígios de megafauna, com exceção da Lapa Vermelha e, nos sítios paleontológicos não há vestígios de atividade humana (Hubbe 2008). Com relação a este ponto, nunca houve menção de alguma possível associação entre o instrumental lítico data-do para este período e atividades de caça ou abate de presas de grande porte, levantando novamente uma série de questões a respeito da adaptabilidade dos grupos humanos que ocuparam a região neste período.

Com relação à questão da variabilidade artefatual e funcionalidade dos sítios, em trabalho recentemente realizado com amostras do conjunto lítico das Lapas do Santo e das Boleiras, Pugliese afirma haver um baixo grau de variabilidade artefatual tanto intra quanto inter sítios. Segundo o autor, as variações encontradas entre os sí-tios envolvem mais uma questão quantita-tiva do que qualitativa, supostamente asso-ciadas a intensidade de exploração dos recursos circundantes em cada um dos abrigos. Correlacionando grau de variabili-dade dos conjuntos e funcionalidade de sí-tios, Pugliese interpreta os abrigos como locais para realização de atividades especí-ficas “haja vista que a baixa variabilidade dos instrumentos não confere com tipos de sítios residenciais” (Pugliese 2009:123). Ainda segundo este autor (Pugliese 2009:125) “A qualidade e a distribuição es-tratigráfica dos líticos, aliadas à sua ampli-tude temporal, sugerem que os abrigos fo-ram locais de atividades específicas, que eram abandonados e reocupados intensa e regularmente durante o Holoceno Inicial”.

A interpretação de Pugliesi foi constru-ída com base em dados oriundos de abrigos sob-rocha. A fim de discutir essa caracteri-zação, incorporamos à análise dois sítios a céu aberto para os quais há datas disponí-

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veis para o Holoceno Inicial – Coqueirinho e Sumidouro. Tendo em vista que dentre os muitos sítios em abrigo já escavados, ape-nas para os sítios Santo e Boleiras há uma análise quantitativa dos conjuntos líticos, faremos uma comparação entre esses qua-tro sítios. Além deles, utilizaremos dados também de outros sítios para reforçar com-parações qualitativas, principalmente da-dos de Cerca Grande e de vestígios encon-trados em superfície a céu aberto no entorno da Lago do Sumidouro (Figura 1).eNtRe abRIGos e o CÉU abeRto

os sítIos a CÉU abeRtoPara tratarmos dos sítios a céu aberto

na região de Lagoa Santa, é preciso chamar a atenção para três aspectos funadamen-tais:

- a dificuldade de identificação de sítios a céu aberto para esse período e o tamanho reduzido das amostras coletadas;

- a implantação e a distribuição espacial dos vestígios nos contextos a céu aberto;

- a ausência de sepultamentos humanos

e de vestígios de fauna e flora nos sítios a céu aberto;

No primeiro caso, apesar de uma ativi-dade intensiva e sistemática realizada no entorno da Lagoa do Sumidouro e outras áreas piloto, poucos foram os sítios detecta-dos em sub-superfície, sendo que destes, apenas dois forneceram datas para o Holo-ceno Inicial (Neves et al 2008). Como vere-mos na comparação entre os 4 sítios sele-cionados, as amostras obtidas nos sítios a céu aberto são uma centena de vezes meno-res que as dos abrigos, valor que se mantém

constante se calcularmos também a densidade de vestígios coletados.

Por outro lado, um dos aspectos mais contunden-tes dos levantamentos a céu aberto é o fato de que praticamente em todos os locais pesquisados há ma-terial arqueológico em su-perfície ou logo abaixo da superfície. Em nenhum dos casos há grandes con-centrações, predominan-do, ao contrário, uma am-pla dispersão espacial ao longo de toda a lagoa. Isso fica ainda mais evidente no entorno da Lagoa do Su-

midouro, principal corpo d’água superficial perene do carste de Lagoa Santa. Por toda a margem da Lagoa, se extendendo por uma faixa de cerca de 500m, é possível encontrar desde lâminas de machado polidas ou se-mi-polidas, inúmeros artefatos, lascas, nú-cleos e fragmentos de quartzo e quartzito até fragmentos de cerâmica indígena e his-tórica.

À esta combinção de baixa densidade e ampla dispersão, junta-se ainda um outro fator que envolve a ausência de qualquer

Figura 1. Mapa indicando localização do carste de Lagoa Santa em relação ao rio das Velhas, ao rio São Francisco, a Santana do Riacho e a Pains

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E n trE Abrigos E LAg oAs : tE cnoL ogi A L í t i cA E tE rri tori AL idAdE Em LAgoA sAntA (minAs gErAis , brAsiL ) Lucas Bueno

vestígio orgânico nos sítios a céu aberto, com exceção de poucos e dispersos frag-mentos de carvão. Nestes sítios as amostras são compostas majoritariamente por mate-rial lítico, com presença de vestígios cerâ-micos e material histórico (faiança, louça, telha e artefatos de vidro e metal) em pouca quantidade. Para a grande maioria desses sítios não dispomos de referências cronoló-gicas precisas.

Esses três fatores, apesar de poderem es-tar fortemente influenciados por processos pós-deposisionais (Araujo 2010), podem ser considerados também importantes in-dicadores de um uso diferencial do espaço no carste de Lagoa Santa.

o sítIo CoQUeIRINhoO sítio Coqueirinho está implantado às

margens da Lagoa do Sumidouro, na base de uma vertente de inclinação suave com direção NW-SE que define um patamar li-geiramente plano antes de uma queda acen-tuada na declividade decorrente da ação erosiva provocada pela flutuação do nível de água da lagoa. Nessa área de inflexão do declive da vertente aflora uma linha de cas-calho composta por fragmentos de quartzo leitoso de veio, mas com algumas arestas arredondadas e seixos de tamanhos varia-dos. Essa linha de erosão, que representa o nível máximo da linha d’água hoje em dia, aparece em vários pontos no entorno da la-goa e invariavelmente apresenta vestígios arqueológicos associados.

O conjunto de vestígios arqueológicos associados ao sítio é composto majoritaria-mente por material lítico, mas há também vestígios de históricos, como telhas, pregos e fragmentos de arame, principalmente nos níveis mais superficiais. Os vestígios arque-ológicos aparecem desde a superfície até cerca de 130 cm de profundidade. Foram realizadas neste sítio 11 sondagens de 1m²,

totalizando uma amostra de 636 peças (Bueno 2010).

o sítIo sUmIdoURo O sítio Sumidouro localiza-se na extre-

midade SE da lagoa numa porção côncava da vertente, cerca de 30 metros ao sul do maciço calcário, numa depressão que atua como um braço da lagoa em períodos de cheia (Araujo e Feathers 2008). Foram dis-tribuidas 11 sondagens em eixos ortogo-nais, tendo o eixo mais longo 150m de ex-tensão, orientado no sentido N-S e ocupando as porções mais baixa e mais alta do sítio (variação de altitude de cerca de 10m). O material arqueológico se distribui ao longo de toda a vertente com variações em relação a sua distribuição estratigráfica. Dentre os vestígios identificados neste sítio predomina o material lítico apesar da cole-ção formada com as escavações ser bastante limitada em termos quantitativos. Além do material lítico aparecem também vestígios cerâmicos Tupi e material histórico, tal como faiança, vidro e metal.

Apesar da intensidade de intervenções e datações obtidas para este sítio ele é, até o momento, aquele que apresenta a menor e menos diversificada amostra de vestígios lí-ticos dentre os três sítios aqui analisados. Das 11 sondagens realizadas foram coleta-dos 137 vestígios líticos que se distribuem de forma irregular entre as sondagens, com uma ligeira concentração nas sondagens 6 e 4, localizadas na baixa vertente, área alagá-vel nos períodos de cheias intensas da lagoa.

os sítIos em abRIGo

a laPa do saNto A Lapa do Santo é uma caverna localiza-

da na Fazenda Cauaia na região limítrofe entre as cidades de Matozinhos e Pedro Le-opoldo, dentro da APA Carste de Lagoa

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Santa, cuja entrada apresenta ampla área abrigada de aproximadamente 1.300 m2. Na porção sul do abrigo há uma área relativa-mente plana e seca onde se concentrou a maior parte das escavações arqueológicas. O piso do abrigo apresenta uma forte incli-nação na direção norte, que torna-se nova-mente plana nas proximidades de um su-midouro.

A totalidade da amostra coletada neste sítio ainda está sendo computada através da análise dos vestígios líticos de cada quadra. Pugliese (Pugliese 2008) analisou uma amostra de 5824 vestígios líticos provenien-tes de 5 quadras que, no entanto, não corres-ponde ao total de vestígios coletados. Nesse caso não temos como definir um cálculo exato de densidade, mas podemos estimar uma densidade mínima, que ficaria em tor-no de 1164 vestígios/m². Se comparamos esses dados com aqueles relativos à análise realizada com amostra de vestígios prove-nientes de outra área de sítio vemos que os resultados são muito próximos: para as trin-cheiras abertas na área mais baixa da Lapa do Santo analisamos um total de 10.500 ves-tígios em uma área de 10m² (20 m de trin-cheira com 0,5m de largura), o que dá uma densidade de 1050 vestígios/m².

a laPa das boleIRas A Lapa das Boleiras é um grande

abrigo rochoso com abertura para oeste, com dimensões aproximadas de 60 m de extensão por 12 m de largura máxima, e

uma área abrigada de 420 m2. Localizado no planalto cárstico, está inserido em um afloramento calcário ladeado por duas do-linas, uma delas ativa como sumidouro de uma pequena drenagem (Araujo e Neves 2010).

Assim como no caso da Lapa do Santo, não dispomos ainda de informações refe-rentes à totalidade da coleção, mas podemos nos basear nas amostras analisadas por Pu-gliese (Pugliese 2008). Apesar de ter analisa-do vestígios de 21 quadras, a amostra sele-cionado pelo autor não contemplou a totalidade dos vestígios coletados, com a análise de 9876 vestígios, o que resulta em uma densidade mínima de 470 vestígios/m².

CRoNoloGIa Conforme mencionamos anteriormente

nossa análise procura se restringir à ocupa-ção do carste de Lagoa Santa durante o Ho-loceno Inicial, definido aqui entre 10.500 e 7.000 AP. Para este período há uma série de datas disponíveis para os sítios em análise, como se pode observar na Tabela 2. Devido à quantidade de amostras datadas e seus re-sultados, há uma diferença com relação à confiabilidade das amostras oriundas de cada um desses sítios. Enquanto nos abri-gos o contexto de ocupação referente ao Holoceno Inicial está bem documentado, com datas obtidas em diferentes tipos de vestígio (osso humano, dente, carvão), para os sítios a céu aberto a associação entre as

amostras datadas do Ho-loceno Inicial e os vestí-gios de ação humana não são diretos. No caso do sí-tio Coqueirinho há datas referentes ao Holoceno médio no mesmo nível ar-queológico do qual pro-vêm a amostra datada para

Tabela 1. Densidade de vestígios por sítio arqueológico.Sítio Implantação Área analisada Total de

vestígios nasanalisadas

Densidade* (vestígios/m )

Sumidouro Céu aberto 11m 137 12,45

Coqueirinho Céu aberto 11 m 636 57,81

Boleiras Abrigo 21m 9876 470,28*

Santo Abrigo 5m 5824 1164,80*

*Densidade mínima

líticosáreas

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o Holoceno Inicial. A partir de análises quantitativas e qualitativas do material líti-co e da análises da composição e da estru-tura estratigráfica dos sedimentos que com-põem a matriz do sítio, não foi possível dissociar níveis que pudessem estar relacio-nados a esses diferentes períodos (Bueno 2010). Já no caso do Sumidouro, a dificul-dade de correlação entre as datas obtidas e evidências de atividade humana é decor-rente do tamanho reduzido da amostra de vestígios líticos identificadas no sítio. En-tretanto, neste caso, uma série de datações obtidas por OSL corroboram a correlação, favorecendo a tese de ao menos uma ocu-pação no sítio durante os últimos séculos do ano 8.000 (Araujo e Feathers 2008).

Ainda com relação à tabela 2, incluímos as datas radiocarbônicas provenientes de outros sítios em abrigo localizados no cars-te de Lagoa Santa, para os quais há amos-

tras que indicaram uma ocupação humana também no Holoceno Inicial, mas cujo conjunto artefatual não foi ainda alvo de análise sistemática (Neves et al 2008).

Há uma série de aspectos que podem ser mencionados com relação a este quadro cronológico. Em primeiro lugar salta aos olhos a discrepância entre a quantidade de datas obtidas para os sítios a céu aberto e os sítios em abrigo, principalmente no caso daqueles trabalhados de forma mais inten-siva. Isto é decorrente de três aspectos: 1.dificuldade de identificação de sítios a céu aberto referentes a uma ocupação durante o Holoceno Inicial; 2.exiguidade das amos-tras de C14 disponíveis para os sítios a céu aberto identificados e trabalhados; 3. exis-tência de uma grande quantidade de sepul-tamentos humanos nos abrigos intensiva-mente datados. Este último ítem é aliás responsável por uma outra diferença mar-

cante da tabela acima – a quantidade de datas obtidas para os sítios Lapa do Santo e Lapa das Boleiras em rela-ção aos demais sítios da área. Embora em todos os sítios em abrigo acima mencionados tenham sido identificados vestígios de sepultamentos humanos, só na Lapa do Santo foram exumados 27 sepultamen-tos, enquanto em Boleiras foram 6 (Neves et al 2004, 2008, Strauss 2009).

Enquanto os três aspec-tos mencionados anterior-mente chamam a atenção para aspectos metodológi-cos e tafonômicos, devemos ressaltar que a diferença na quantidade de dataçõess obtidas para cada sítio pode

Sítio Data mais antiga

N. lab Data mais recente

N.lab N. datas para o intervalo

Coqueirinho 10.460+-60 Beta 237346 - - 1 data

Sumidouro 8.310 +-40 Beta 205351 - - 1 data

Lapa das Boleiras

10.150+-130 Beta 168451 7560+-100 Beta 159243

13 datas

Lapa do Santo

10.130+-60 Beta 256224 7890+-40 Beta 214142

33 datas

Lapa Grande de Taquaruçu

9.620+-40 8080+-40 10 datas

Cerca Grande 6

9720+-128 P – 521 8.230+-50 Beta 161666

5

Lapa Mortuária

8.810+-50 Beta 161658 8.290+-40 Beta 161662

3

Lapa vermelha IV

9.930+-60 Beta 184439 9.580+-200 Gif 3208 2

Lapa do Braga

9.780+-70 Beta 174736 - - 1

Lapa do Baú

8.830+-50 Beta 174735 - - 1

Lapa da Lagoa Funda

8.520+-40 Beta 208077 - - 1

Lapa da Amoreira

8040+-40 Beta 205340 - - 1

Tabela 2. Datas radiocarbônicas para sítios arqueológicos da região de Lagoa Santa (fonte: Neves et al 2004, 2008)

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estar relacionada também a um outro fator – a ocupação diferencial do espaço tanto de ordem sincrônica quanto diacrônica. No primeiro caso, pode ter havido uma ênfase na permanência e/ou re-ocupação dos abri-gos em oposição à fugacidade e intermitên-cia dos assentamentos a céu aberto. Isto por sua vez, teria gerado um registro arqueoló-gico de baixa densidade e ampla dispersão, dificultando a detecção de sítios e a conser-vação de vestígios orgânicos, produzidos e descartados em baixa frequência. No se-gundo caso, apesar da existência de algu-mas datas acima de 10.000 anos AP e outras abaixo dos 7.000 anos AP, a maioria delas se concentra entre 9.800 e 8.000. Essa distri-buição acompanha não só os sítios para os quais há a maior quantidade de datas, mas também representa o período para o qual há o maior número de sítios com data e o período para no qual se enquadram a maio-ria dos sepultamentos humanos datados diretamente.

Neste sentido, a distribuição diferencial das datas ao longo dessa faixa cronológica poderia indicar momentos distintos de en-trada e dispersão, refletindo um processo diferencial de percepção e apropriação dos espaços no interior do carste ao longo do tempo. Nessa perspectiva, teríamos uma entrada no cartse, com ocupação explora-

tória antes dos 10.000 AP; expansão e dispersão no interior do carste após 10.000, com auge entre 9.800/8.200 AP e aban-dono gradual a partir dos 8.200 AP, intensificando--se após os 8.000 AP, le-vando a uma ocupação muito tênue após os 7.500 anos AP.

aNálIse teCNolÓGI-Ca dos CoNJUNtos lítICos

Um primeiro ponto a ser comparado diz respeito à distribuição das matérias primas nos conjuntos líticos) de cada sítio. Em to-dos eles predomina o quartzo, categoria que incorpora vestígios translúcidos (total ou parcialmente), tendo em vista a compo-sição da maioria dos cristais encontrados na região. Conforme já mencionamos ante-riormente o cristal de quartzo é a matéria prima com distribuição e acessibilidade mais ampla no carste. Após o quartzo, te-mos uma variação na distribuição das de-mais matérias primas entre os sítios: en-quanto nos abrigos a melhor representada passa a ser composta por silexitos, no sítio Sumidouro esta categoria aparece em ter-ceiro lugar (apesar de indicar uma diferen-ça pouco significativa em relaçao ao segun-do) e no sítio Coqueirinho ela atinge sua mais baixa representatividade. Tendo em vista que os silexitos são via de regra as ma-térias primas que apresentam melhor res-posta ao lascamento e que sua origem é certamente exógena ao carste, o fato de apresentarem uma maior representativida-de nos abrigos pode indicar um uso mais recorrente destes, se não de forma continu-ada ao menos de forma mais freqüente. Este material exógeno é, portanto, valori-zado, e poderia ser trabalhado e possivel-

Tabela 3 – Distribuição das matérias primas entre os sítios. Coqueirinho Sumidouro Santo Boleiras

MP Total % Total % Total % Total %

Qtz (hialino+translúcido)

476 72 101 74 760 83,61 1651 87,13

Qtz leitoso (opaco) 72 11 11 8 24 2,64 78 4,12

Silex 9 1 10 7 59 6,49 90 4,75

Qtzito 66 10 7 5 30 3,3 32 1,69

Arenito (normal+silicific.)

27 5 4 3 1 0,11 0 0

Rochas basicas 3 1

Outros 5 1 4 3 30 2,09 14 0,74

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mente estocado. Já nos sítios a céu aberto, a segunda matéria prima com melhor repre-sentação é o quartzo leitoso e, tanto no sítio Coqueirinho quanto no Sumidouro, o quartzito na forma de seixo, também apare-ce bem representado. Ambas matérias pri-mas são de origem local, com os seixos sen-do provenientes possivelmente de cascalheiras localizadas às margens do Rio das Velhas que, por sua vez, se encontra a cerca de 1km da Lagoa do Sumidouro. Es-tas matérias primas também aparecem nos abrigos, mas com uma menor representati-vidade. Outra matéria prima que apresenta distribuição diferencial entre assentamen-tos a céu aberto e assentamentos em abrigo é o arenito. Mais uma vez, esta matéria pri-ma, principalmente na forma de seixos, pode ser encontrada em cascalheiras do Rio das Velhas e apresenta uma representa-tividade mais elevada nos sítios a céu aber-to do que nos abrigos.

Baseando-nos nestes dados podemos propor esferas de conexão (expressão estra-nha) e circulação distintas para sítios a céu aberto e sítios em abrigo. Enquanto os sítios a céu aberto envolvem um trânsito local, de cur-ta distância, entre mar-gens da Lagoa do Sumi-douro e cascalheiras do rio das Velhas, os sítios em abrigo envolvem uma circulação extra-local que pode envolver tanto des-locamentos/troca com áreas a nordeste, na dire-ção da Serra do Espinha-ço (onde aparece o quart-zito sobre plaquetas encontrado exclusiva-mente nos abrigos e total-mente ausente a céu aber-to) ou na direção

sudoeste, rumo ao Alto São Francisco, onde há fontes de sílex (Koole 2008).

Outro elemento do conjunto lítico sele-cionado para comparação entre os sítios envolve a proporção das diferentes catego-rias de vestígio (Tabela 4). Neste caso, um dos elementos diferenciadores dos conjun-tos diz respeito à proporção de artefatos e núcleos em cada tipo de sítio. Esta compa-ração pode ser medida por um índice que apresenta a quantidade de artefatos em re-lação a de núcleos. Enquanto para o o sítio Coqueirinho o valor deste índice é 7,6, no sítio Sumidouro é, 4, em Boleiras, 0,32 e na Lapa do Santo, 0,20. Ou seja, há proporcio-nalmente muito mais artefatos do que nú-cleos nos sítios a céu aberto em relação aos-sítios em abrigo. Essa diferença, se associada à representatividade de lascas (maiores nos abrigos do que a céu aberto) e de fragmen-tos de lascamento (maiores nos sítios a céu aberto do que nos abrigos), pode ser vista como um indicador da realização de ativi-dades distintas nestes locais, com a predo-minância de etapas associadas a exploração dos núcleos nos abrigos e etapas associadas

Coqueirinho Sumidouro Santo Boleiras

Categoria Vestígio

Total % Total % Total % Total

%

Artefatos 46 7 8 6 20 2,2 58 3,06

Nucleos 6 1 2 1 98 10,78 177 9,34

Lascas 376 57 81 59 629 66,2 1197

62,7

Frag lascamento

138 21 23 17 93 10,23 229 12,09

Outros 92 14 23 17 75 8,26 118 6,22

Tabela 4 – Distribuição das categorias de vestígios entre os sítios.

Tabela 5 – Distribuição das lascas entre os sítios. Coqueirinho Sumidouro Santo Boleiras

Categoria Vestígio

Total % Total % Total % Total %

Lascas 107 16,2 27 20,3 409 44,99 790 41,69

Lascas Fragmentadas

269 40,7 54 39,7 220 24,20 407 21,49

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ao preparo e re-utilização dos artefatos nos sítios a céu aberto (Sullivan e Rozen 1985).

Um dado que corrobora essa interpreta-ção envolve a proporção entre lascas intei-ras e lascas fragmentadas. De acordo com proposta de Sullivan e Rozen (Sullivan e Rozen 1985) sítios nos quais há um predo-mínio das atividades de lascamento de nú-cleo em comparação à produção e reparo de artefatos tendem a produzir proporcio-nalmente mais lascas inteiras do que frag-mentadas, além das demais características já mencionadas acima. Ao mesmo tempo, a relação inversa se observa em sítios focados nas atividades de produção, uso e re-utili-zação dos artefatos, nos quais tendem a predominar lascas fragmentadas. Tal rela-ção fica evidente na comparação entre os dados apresentados para cada sítio nas ta-belas 4 e 5. Enquanto os sítios em abrigo indicam uma maior proporção de núcleos (tabela 4) e lascas inteiras (tabela 5), no sí-tio Coqueirinho predominam artefatos (ta-bela 4) e lascas fragmentadas (tabela 5).

A variação encontrada na composição das categorias de vestígios, tal qual discuti-da acima, pode ser to-mada como um indica-dor de variabilidade entre os conjuntos líti-cos destes sítios, possi-velmente associada à realização de diferentes funções, não só em ter-mos de atividades reali-zadas em cada local, mas em termos do pa-pel desempenhado por esses locais numa dinâ-mica de ocupação da paisagem (Binford 1979, 1980). Neste caso, os sítios em abrigo se-riam locais de ocupa-

ções mais estáveis, o que não implica em permanência continuada, mas sim persis-tente (Schlanger 1992). Matéria prima de origem local e exógena (como vimos no caso do sílex) seriam, portanto, transporta-das para os sítios em abrigo, algumas ainda em estado bruto (uma vez que encontramos tanto na Lapa do Santo quanto em Boleiras cristais inteiros sem sinais de lascamento), as quais seriam trabalhadas para gerar arte-fatos tanto formais quanto informais, utili-zados e descartados no próprio local ou transportados para uso em áreas externas aos abrigos. Já os sítios a céu aberto seriam locais de ocupações mais fugazes e ocasio-nais, com utilização e descarte de artefatos produzidos sobre matéria prima local e di-versificada, nos quais não encontramos vestígios referentes a todas as etapas da ca-deia operatória.

Além dos dados quantitativos acima apresentados, há uma série de observações qualitativas que realizadas ao longo da aná-lise das coleções dos sítios aqui discutidos que indicam ao mesmo tempo a presença de similaridades e diferenças nas sequên-

Figura 2. Desenho. Sequência de lascamento em núcleos sobre crsital de quartzo provenientes da Lapa das Boleiras.

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redução o núcleo pode ser rotacionado para aproveitamento de ângulos disponí-veis nas faces laterais do cristal, o que ao mesmo tempo pode reativar a aresta ante-rioremente perdida. Estas estratégias de de-bitagem unipolar podem ainda aparecer associadas a estratégias de lascamento bi-polar, seja com a força aplicada na mesma direção do eixo morfológico do cristal ou aplicada na direção transversal ao eixo morfológico do cristal. Neste caso, a forma final, quando este núcleo está esgotado, é ligeiramente globular, ainda com partes das superfícies laterais corticais preservadas. Em alguns casos estes núcleos globulares são ainda reaproveitados para definição de pequenos gumes robustos (figura 3). Em sítios como a Lapa das Boleiras e a Lapa do Santo, onde há uma quantidade mais ex-pressiva de núcleos, pudemos identificar a associação dessas estratégias em uma mes-ma peça, enquanto no Sumidouro e no Co-queirinho as evidências dessa sequência provêm das lascas.

Dois aspectos importantes, que nos chamam a atenção na sequência proposta acima são: 1) articulação entre lascamento uni e bipolar; 2) presença de lascamento alternante no nú-cleo, ou seja, presença no pro-cesso de debitagem de uma es-tratégia que emprega um lascamento que alterna as faces do cristal e que se assemelha a um tratamento bifacial. A utili-zação desses expedientes para abordar os cristais de quartzo e utilizá-los de forma intensiva indica um domínio técnico bastante acurado e dinâmico das matérias primas para extra-ção de lascas bastante, ofere-cendo uma imagem contras-

cias técnicas de exploração dos cristais de quartzo e na composição geral dos conjun-tos.

Com relação ao lascamento de cristais de quartzo pudemos identificar em todos os sítios a utilização articulada das estraté-gias de lascamento unipolar e bipolar, além do uso de plataformas unipolares em dife-rentes direções (figura 2). Estes cristais apresentam inicialmente uma ou poucas retiradas a partir do ápice por percussão di-reta unipolar. Aproveita-se a plataforma definida no ápice do cristal para retiradas de lascas com superfície externa cortical al-ternadamente: a primeira lasca é totalmen-te cortical, a segunda pode ter talão sem córtex e superfície externa cortical e assim sucessivamente até que essa aresta utilizada como plano de percussão desapareça, seja esgotada. O resultado dessa sequência, além das lascas, é um núcleo que apresenta uma cicatriz de lascamento relativamente plana em uma extremidade e a raiz do cris-tal em outra. Ao longo desse processo de

Figura 3. Desenho. Sequência de lascamento em núcleos sobre crsital de quartzo provenientes da Lapa das Boleiras.

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tante com a de uma indústria simples, expedita, de ocasião, como normalmente se apresenta a indústria de Lagoa Santa.

Com relação às matérias primas exóge-nas, sua existência fica evidente na Lapa do Santo não só pelo sílex, mas também pelas plaquetas de quartzito comumente encon-tradas em sítios arqueológicos da Serra do Espinhaço (Prous 1991a, Isnardis 2009). Essas plaquetas aparecem como suporte para produção de artefatos com seção transversal plano-convexa ou plano-plana, retoques diretos e sub-paralelos ou esca-mosos distribuídos por ambos os bordos, formando ângulos entre abruptos e semi--abruptos. No caso da Lapa do Santo en-contramos poucos exemplares deste tipo de artefato, mas estão presentes em alguns ní-veis estratigráficos lascas de quartzito asso-ciadas às atividades de retoque e reaviva-gem de gumes de artefatos com estas características. Outra matéria prima que parece ser exógena ao carste e que apresen-ta um tratamento semelhante a essas pla-quetas de quartzito é o arenito silificado. Na Lapa do Santo aparecem algumas lascas de arenito silicificado de granulação bem fina, de ótima qualidade com relação à aptidão ao lascamento. Essas lascas são excepcio-nais, aparecendo em baixa quantidade, mas invariavelmente associadas a etapas de fina-lização ou formatação de artefatos. São em geral pequenas, finas, com perfil curvo, com uma seqüência de negativos na face externa cuja orientação pode variar entre paralelas e ortogonais e talão preparado. Ainda com relação a matérias primas exó-genas, o sílex da Lapa do Santo chama a atenção pela quantidade de fragmentos e vestígios com sinais de alteração térmica, aliado à ausência de correlação entre os vestígios dessa matéria prima e etapas finais de formatação de artefatos. Ou seja, o sílex, apesar de escasso na região e de responder

bem ao lascamento, não passava, aparente-mente, por um processo de apropriação di-ferencial em relação ao quartzo hialino.

Essa situação se modifica se incluimos na análise um outro sítio, ainda não men-cionado – Cerca Grande 6. Apesar de haver também uma alta incidência de ação térmi-ca nos vestígios de sílex, neste sítio identifi-camos um conjunto de artefatos unifaciais em sílex com vários gumes retocados, reto-ques diretos, escalariformes, definindo vá-

Figura 4. Artefatos Plano Convexos em sílex do sítio Cerca Grande 6 (acervo Museu Nacional)

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rios gumes (Figura 4). Em um dos artefatos um dos bordos tem gume linear e ângulo bem abrupto enquanto o outro gume é côn-cavo, com ângulo semi-abrupto definido por retoques diretos, marginais e invasores. Outro artefato está fragmentado provavel-mente no contato entre partes ativa/passi-va, mas apresenta quatro gumes bem defi-

nidos.Este sítio é aliás bastante rico em termos

de variabilidade artefatual (Hurt e Blasi 1969). Dentre o conjunto de artefatos há várias elementos importantes: artefatos en-cabados, micro-artefatos com gume bas-tante rasante; artefatos com bico; pontas de projétil bifacial e um artefato em especial

cujo suporte é um cristal e o lasca-mento, bifacial. Com relação às pon-tas há uma sobre lasca de cristal de quartzo hialino, ainda com superfí-cie cortical, uma lasca fragmentada, com tratamento bifacial, que corres-ponde a uma parte ou início da pro-dução de um artefato bifacial sem que o gume tenha sido ainda defini-do, um fragmento de ponta de projé-til com pedúnculo e aleta e um arte-fato sobre lasca de cristal de quartzo hialino que parece ser uma etapa da produção de uma ponta de projétil, mas com lascamento unifacial. Além destes é preciso mencionar também as lâminas de machado polidas e se-mi-polidas em diabásio e calcáreo (figura 5).

Voltando à questão do sílex, é preciso mencionar que a única ponta de projétil encontrada na Lapa das Boleiras foi confecionada nesta ma-téria prima e apresenta poucos reto-ques invasores, com as modificações secundárias localizadas principal-mente na proximidade dos bordos e mantém ainda parte da superfície externa cortical. Já no sítio Coquei-rinho, onde também encontramos uma ponta de projétil em sílex, a téc-nica de produção é bem diferente, com retoques invasores responsáveis pelo adelgaçamento do artefato e com evidência tanto de retoques por pressão quanto de lascamento com

Figura 5. Foto. Lâminas de machado dos sítios Cerca Grande 6 e Lapa das Boleiras

Figura 6. Pontas de projétil em sílex da Lapa das Boleiras e do sítio Coqueirinho

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percutor macio (figura 6).Já com relação às matérias primas locais,

principalmente o quartzo, um outro aspec-to a se mencionar está relacionado à di-mensão das lascas obtidas. Para todos os sítios a maioria delas é menor do que 3cm. Em alguns casos elas provêm de suportes também pequenos, embora haja na coleção suportes maiores capazes de fornecer lascas mais largas e compridas. A pergunta que nos cabe é porquê essa escolha por suportes e lascas pequenas? Uma vez que no conjun-to de artefatos há vários que indicam enca-bamento, será que não temos, nesse caso, uma indústria voltada para produção de

artefatos compostos, elaborados através da articulação de diferentes materiais, como madeira, osso e lítico?

Para encaminhar essa questão, podemos nos remeter às observações decorrentes da análise dos artefatos do sitio Coqueirinho (Bueno 2010). Dos 18 artefatos inteiros co-letados naquele sítio, apenas 1 tem 3 gumes e 2 têm dois gumes, com o restante apresen-tando apenas 1 gume. Proporção semelhan-te ocorre com relação à intensidade do reto-que: 6 artefatos com mais de duas seqüências de retiradas e 16 com duas ou apenas uma seqüência. No geral, esta é uma indústria com artefatos de pequeno porte e com baixa

Figura 7. Artefatos pequenos, encabados, com apenas um gume ou com evidências de reavivagem

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intensidade de transformação secundária. No entanto, é preciso reforçar que a ativida-de de retoque e reavivagem está presente e, em alguns artefatos, indica uma intensifica-ção na utilização com incremento da vida útil (figura 7).

A relação entre técnica de preensão e numero de gumes ou extensão de retoques indica que os artefatos utilizados através de preensão direta correspondem àqueles que apresentam maior intensidade de modifica-ção secundária e também maior número de gumes, sendo os artefatos de preensão indi-reta aqueles que apresentam um único gume. Ou seja, o encabamento não está ne-cessariamente associado à vida-útil dos ar-tefatos, mas provavelmente ao desempenho da atividade para a qual o artefato é utiliza-do. O investimento na confecção de artefa-tos encabados seria, nesse caso, selecionado pela performance requerida para estes arte-fatos, independente de sua vida-util.

Este é um aspecto importante, pois indi-ca uma escolha relacionada não só aos ges-tos efetuados no desempenho das atividades nas quais os artefatos são empregados, mas também à priorização de um determinado design desses artefatos e à associação entre diferentes tipos de material no processo de produção dos instrumentos. Tal conjunto de associações pode ser utilizado como um bom indicador da relação entre escolha, performance e design (Bueno 2007).

De um modo geral, no que diz respeito aos artefatos, predomina uma indústria líti-ca caracterizada pela produção de instru-mentos pequenos e com poucas modifica-ções secundárias, aos quais se somam artefatos com características peculiares, que envolvem reavivagem intensa, multi-funcionalidade e preensão indireta. Ou seja, a maioria dos artefatos da coleção apresenta dimensões diminutas e retoques predominantemente marginais ou milimé-

tricos. Essas dimensões diminutas envol-vem não só comprimento e largura, mas também espessura, ou seja, são artefatos cujo volume é pequeno. Este é um ponto fundamental na tomada de decisão relacio-nada à possibilidade de reavivagem ou não, uma vez que peças com volumes pequenos apresentam restrições técnicas à reestrutu-ração. Nesse sentido, cabe discutir a razão da elaboração de artefatos com tais restri-ções. Uma das possibilidades envolve o que já mencionamos anteriormente - a confec-ção de artefatos compostos, produzidos através de encabamento ou incrustação dos micro-artefatos em hastes ou suportes de outra natureza, como madeira e/ou osso, tal qual ocorre, por exemplo, no mesolítico eu-ropeu (Myers 1989), na Austrália (Hayden 1979) e na Etópia (Weedman 2002).

Neste caso, ao invés de reavivagem in-tensa dos artefatos, ocorre uma exploração intensa de núcleos com o intuito de forne-cer lascas de diferentes tamanhos que serão incorporadas na produção de artefatos que respondem a diferentes performances. Las-cas maiores, mais compridas do que largas, de formato trapezoidal são selecionadas para confecção de artefatos com gume dis-tal mais robusto, podendo ou não serem encabadas e, eventualmente, reavivadas até seu total esgotamento; lascas também mais compridas do que largas, mas com forma retangular ou elíptica, selecionadas para definição de gumes lineares extensos, são utilizadas na preensão direta; lascas peque-nas, com menos de 2cm de comprimento e 0,5cm de espessura, são utilizadas para de-finição de pequenos gumes com modifica-ções marginais, possivelmente encabadas, formando artefatos compostos. Este con-junto de artefatos, distribuídos de acordo com a morfologia, entendida aqui como volume do suporte original, se aplica, de forma mais apropriada, ao quartzo, princi-

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palmente o hialino, mas não esgota a utili-zação desta matéria prima, havendo outras categorias de artefato na indústria tanto do sítio Coqueirinho quanto dos demais sítios analisados. Os retoques efetuados para transformação do suporte são preferencial-mente diretos, mas há casos também da aplicação de retoques alternantes e alterna-dos no conjunto analisado.

Um outro aspecto observado envolve a utilização de ângulos variados para o apro-veitamento dos suportes. Tanto no caso de lascas, quanto artefatos e núcleos, indepen-dente do suporte, notamos uma recorrência no aproveitamento de todas as superfícies planas, com ângulos favoráveis ou não ao las-camento. Esse tipo de comportamento frente à matéria prima é comumente interpretado como uma estratégia economizante, que ten-de a uma exploração excedente da matéria prima, provocando sua exaustão. Esse tipo de estratégia tem sido correlacionada a locais e contextos nos quais há restrições para obten-ção da matéria prima, seja devido à distância ou à acessibilidade das fontes (Bamforth 1986, 1990, Andrefsky 1994). No caso de La-goa Santa parce que nenhuma das explica-ções de aplica, uma vez que os cristais são abundantes, visíveis e amplamente dispersos, dificultando, por exemplo, controle social de fonte de matéria prima.

Uma última característica que precisa ser mencionada diz respeito à bifacialidade, muito presente nesta indústria, aparecendo nestes sítios, tanto nas pontas de projétil, quanto na definição da parte passiva de al-guns artefatos, em alguns núcleos e princi-palmente no lascamento de cristais de quartzo hialino. Para esta indústria parece haver uma transição gradual entre modifi-cações alternantes e tratamento bifacial. Isso se aplica especialmente para os núcleos e para alguns artefatos nos quais há gumes descontínuos. No caso das pontas de projé-

til esse raciocínio não pode ser aplicado, pois há um tratamento bifacial intenso, em-bora haja casos nos quais a maioria dos re-toques se restrinja ao bordo, sem provocar adelgaçamento do artefato ou ainda casos em que pontas de projétil foram definidas pelo lascamento unipolar.

Essas características peculiares, por sua vez, estão diretamente relacionadas a três aspectos cruciais na elaboração do artefatu-al lítico: gestos, performances e design (Bueno 2007). A elaboração de artefatos encabados requer gestos específicos tanto no processo de confecção quanto de utiliza-ção, os quais são guiados por uma perfor-mance determinada que requer um design específico – encabamento, neste caso, não está relacionado diretamente à intensifica-ção de uso, mas provavelmente a uma per-formance específica. A esses aspectos deve--se ainda somar a interação requerida por essa técnica com outros tipos de matérias primas, como madeira e osso, obtidos e ma-nuseados segundo outros procedimentos.

dIsCUssÃo: sINCRoNIa e dIaCRo-NIa Na dINÂmICa de oCUPaÇÃo do CaRste de laGoa saNta

Confrontando a caracterização tecnoló-gica dos vestígios líticos dos quatro sítios aci-ma mencionados com a imagem de homoge-neidade exposta no início do artigo podemos identificar certa variabilidade entre os sítios. Essa variabilidade fica mais evidente se con-frontamos as características dos sítios a céu aberto versus sítios em abrigo. Enquanto os sítios a céu aberto são pouco densos, exten-sos, localizados próximos a corpos d’agua permanentes, com alta incidência de artefa-tos, baixa representatividade de núcleos, alto índice de fragmentação e baixa diversificação tecnológica e tipológica, os sítios em abrigo são densos, espacialmente restritos, com alta incidência de núcleos e baixa de artefatos, re-

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E n trE Abrigos E LAg oAs : tE cnoL ogi A L í t i cA E tE rri tori AL idAdE Em LAgoA sAntA (minAs gErAis , brAsiL ) Lucas Bueno

presentação de vestígios provenientes de to-das etapas da cadeia operatória e baixo grau de fragmentação. Além dessa variabilidade, é preciso, no entanto, enfatizar que sítios a céu aberto e sítios em abrigo não são categorias compostas por grupos de sítios homogêneos; há variações entre sítios de cada categoria e, nesse caso, enquanto para os sítios em abrigo essa variação é mais quantitativa do que qua-litativa, para os sítios a céu aberto as varia-ções qualitativ aparecem de forma mais con-tundente.

Com base nesses atributos podemos de-linear uma diferenciação entre estes quatro sítios, os quais formariam basicamente dois conjuntos, opondo sítios em abrigo – Lapa do Santo e das Boleiras – aos sítios a céu aberto, principalmente, ao sítio Coqueiri-nho. As variações identificadas apontam uma dinâmica de utilização distinta dos sí-tios, que certamente envolve a realização de atividades diferenciadas. Além disso, como vimos, a esfera de circulação e conexão des-tes sítios parece ser também diferenciada, envolvendo uma abrangência local e outra extra-local. Isso se coaduna com as varia-ções de densidade e configuração do regis-tro arqueológico em termos de dispersão dos vestígios, opondo baixa densidade com ampla dispersão no caso dos sítios a céu aberto, à alta densidade e circunscrição es-pacial no caso dos abrigos. Se a estes dados de composição e diversificação dos conjun-tos líticos adicionamos os dados referentes a todo o conjunto de vestígios materiais identificados, como presença de sepulta-mentos humanos e diversidade de vestígios animais e vegetais, podemos propor a hipó-tese de que os abrigos desempenharam o papel de locais aglutinadores e referenciais para uma ocupação persistente do carste, em torno dos quais uma diversidade de ati-vidades era recorrentemente realizada, ge-

rando acampamentos pequenos e fugazes. Os abrigos, dessa forma, representariam o local focal de marcação da ocupação na área do carste e seriam os primeiros, ou o primordial ponto de conexão extra-local, enquanto os sítios a céu aberto gravitariam em torno deles, articulando-os com os re-cursos disponíveis em âmbito local. Esse modelo é também compatível com o que foi visto anteriormente com relação à variação diferencial entre as categorias de sítio: os sítios a céu aberto apresentariam uma va-riação maior entre sí uma vez que estariam relacionados com a realização de atividades específicas orientadas para obtenção de de-terminados recursos, enquanto os abrigos congregariam uma diversidade de ativida-des relativamente regulares.

Segundo esse modelo sincrônico, arti-culamos três esferas de circulação distintas e complementares na dinâmica de ocupa-ção do carste de Lagoa Santa: a. uma escala regional, que envolve o entorno do carste e inclui sítios a noroeste, na Serra do Cipó (como o Grande Abrigo de Santana do Ria-cho) e, possivelmente, sítios a sudoeste, na área do Alto São Francisco, próximo à Serra da Canastra (como os sítios da região de Pains) - essas regiões, por sua vez, estabe-lem uma possível rede de conexão em esca-las espaciais e sociais mais abrangentes que no caso do sudoeste mineiro poderiam es-tar conectadas às manifestações mais seten-trionais das ocupações do sul do Brasil (Koole 2008) e no caso de Santana do Ria-cho às manifestações mais meridionais das ocupações do Brasil Central (Bueno, De-Blasis, Steele 2010); b. uma escala extra-lo-cal, responsável pela conexão entre os sítios do entorno do carste e os sítios em abrigo que, conforme mencionamos, seriam os pontos focais da ocupação interna do cars-te; c.uma escala local, que englobaria a di-

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nâmica de conexão entre os abrigos e os sítios a céu aberto, amplamente distribuí-dos pela área cárstica e diretamente asso-ciados à obtenção de recursos específicos.

Do ponto de vista diacrônico essas va-riações podem indicar diferentes momen-tos de entrada, conhecimento, re-conheci-mento e ocupação do carste que podem ou não estar associados à variações paleocli-máticas (o que não exploraremos aqui). O sítio mais antigo, no caso o Coqueirinho, representaria uma ocupação inicial da área, em torno da Lagoa do Sumidouro, enquan-to os abrigos, com uma coleção muito maior e diversificada do ponto de vista tec-nológico – com presença de vestígios rela-cionados a todas as etapas da cadeia opera-tória – indicariam ocupações mais permanentes, se não de forma contínua, ao menos com frequência de re-ocupação mais intensa. De qualquer forma, a compo-sição do conjunto artefatual dos abrigos, em contraste com a dos sítios a céu aberto, apresenta características que a aproximam de sítios residenciais, de ocupação mais permanente – a baixa diversidade tipológi-ca, apresentada por Pugliese, contrasta com a diversidade tecnológica em termos de vestígios relacionados a diferentes eta-pas de lascamento, o que seria uma das ca-racterísticas marcantes de sítios nos quais se desenvolvem atividades diversificadas. Neste caso, os abrigos estariam sendo pro-vidos de matéria prima de forma constante, representando em determinado momento também uma fonte destes recursos e, dessa forma, contribuindo para uma fixação se não continuada, ao menos recorrente.

Com relação à caracterização tecnológi-ca desses conjuntos líticos há elementos que corroboram a idéia de uma tecnologia expe-dita uma vez que predomina o uso de maté-rias primas locais, ausência de formalização

e baixa intensidade de transformação secun-dária dos suportes. No entanto, como afir-mamos anteriormente, essa combinação deve ser entendida em termos contextuais. Além dos artefatos pequenos e com baixa intensidade de transformação, há artefatos formais em outras matérias primas que não o quartzo e de maiores dimensões, ou seja, há variabilidade artefatual. Não podemos deixar de mencionar que entre esses artefa-tos temos inclusive lâminas de machado parcialmente polidas, as quais estão entre os mais antigos artefatos desta categoria en-contrados no Brasil e que, por outro lado, reforçam a existência de uma relação estrei-ta entre tecnologia lítica e encabamento e utilização de outros tipos de matérias pri-mas, principalmente a madeira. Este último ponto pode aliás nos auxiliar a responder porque há uma preferência por suportes pe-quenos, por lascas pequenas e por modifica-ções secundárias pouco intensas, quando há opções por suportes maiores?

Conforme já argumentamos nossa hipó-tese é de que essa indústria é marcada por um conjunto artefatual no qual os artefatos compostos desempenham um papel impor-tante. Artefatos pequenos, com um gume, baixo grau de reavivagem e sinais de enca-bamento indireto deveriam ser utilizados para compor artefatos encabados em ma-deira. A produção de artefatos pequenos não responde a uma exigência física da ma-téria prima nem em termos de escassez nem forma; a maximização da exploração do quartzo hialino é decorrente de disponi-bilidade, acesso ou dimensões da matéria prima. Essa produção é decorrente de uma escolha, ou melhor, de uma sequência de escolhas que levam à produção de artefatos com designs específicos, direcionados por sua vez, pela seleção de determinado de-sempenho determinado.

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E n trE Abrigos E LAg oAs : tE cnoL ogi A L í t i cA E tE rri tori AL idAdE Em LAgoA sAntA (minAs gErAis , brAsiL ) Lucas Bueno

Nesse caso, o conjunto lítico de Lagoa Santa revela a implementação de um con-junto de técnicas distintas, mas integradas, na exploração das matérias primas líticas que estão diretamente associadas a um pro-cesso dinâmico de ocupação do carste e seu entorno. Ou seja, a forma de exploração e circulação das matérias primas está indis-sociada da maneira pela qual se articulam os diferentes locais que compõem a paisa-gem local e extra-local dessa região. Além disso, o estabelecimento de conexões nes-sas diferentes escalas espaciais (regional, extra-local e local), seja numa perspectiva sincrônica ou diacrônica, insere o carste numa discussão sobre dinâmica territorial ampla, conectando-o ao processo de ocu-pação dos Planaltos Central e Sul do Brasil no Holoceno Inicial.

aGRadeCImeNtos: Agradeço a Walter Neves pelo incentivo e apoio na realização des-ta pesquisa e por disponibilizar os dados rela-tivos às datações obtidas para os sítios da re-gião. Agradeço também à FAPESP que tornou este trabalho possível através de uma bolsa de Pós-Doutorado (PROCESSO 2008/53574-6), usufruída entre 2008-2011.

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Sheila M. de Souza, Andersen Liryo, Gina F. Bianchini, MaDu Gaspar

84ARTIGO

sambaqui do amourins: mortos

Para mounds?sheila mendonça de souza1

andersen liryo2

Gina faraco bianchini3

madu Gaspar4

1- doutora, Pesquisadora titular III da escola Nacional de saúde Publica sérgio arouca da fundação osvaldo Cruz. Rua leopoldo bulhões, 1480 - manguinhos, Rio

de Janeiro/RJ, CEP 21041-210. Email: [email protected] 2- doutor, Professor adjunto I do departamento de antropologia. Programa de Pós Graduação em arqueologia, museu Nacional/UfRJ. Quinta da boa vista, s/n, bairro

são Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ, CeP 20940-040. email: [email protected] 3- doutoranda do Programa de Pós Graduação em arqueologia do museu Nacio-nal/UfRJ. Quinta da boa vista, s/n, bairro são Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ, CeP

20940-040. email: [email protected] doutora, Professora associada I do departamento de antropologia do museu

Nacional/UfRJ. Quinta da boa vista, s/n, bairro são Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ, CeP 20940-040. e-mail: [email protected]

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ResUmoEste artigo apresenta os primeiros resul-

tados da retomada de estudos sobre os pro-cessos construtivos de sambaquis na Baía de Guanabara, RJ. São feitas a análise e discus-são dos dados de campo de Osvaldo Heredia (década de 1980) e também daqueles obtidos pelas escavações recentes (2010, 2011). São propostas hipóteses para o sambaqui de Amourins a partir de sua associação com os sepultamentos humanos e o ritual funerário. Ainda que os resultados sejam preliminares, e que as hipóteses precisem ser melhor in-vestigadas, já é possível afirmar que a cons-trução deste sítio é estreitamente relacionada aos funerais. A abordagem transdisciplinar e os novos protocolos adotados contribuíram efetivamente para este resultado, ajudando a documentar mais claramente o processo construtivo do sítio.

PalavRas-Chave: sambaquis, tafono-mia funerária, bioarqueologia.

abstRaCtThis paper presents the first results rea-

ched from the resumption of studies about constructive process of sambaquis in Gua-nabara Bay, Rio de Janeiro state. Analysis and discussion of the Osvaldo Heredia field notes (1980 decade), and also of the data ob-tained by the recent excavation campaigns (2010, 2011) are performed. Hypotheses re-lated to the constructive processes of Amou-rins sambaqui considering their association with the funerary structures and rituals. The results are preliminary and the hypotheses need further investigation, but the results obtained allow us to state that the construc-tion of the sambaqui was closely related to the funerals. The multidisciplinary approa-ch and new protocols adopted, certainly contributed to the results obtained here, helping to document clearly the sambaqui constructive processes.

KeywoRds: sambaquis, funerary ta-phonomy, bioarchaeology.

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SAMBAQUI DO AMOURI NS : MORTOS PARA MOUNDS? Sheila M. de Souza, Andersen Liryo, Gina F. Bianchini, MaDu Gaspar

sambaQUI do amoURINs: hIstÓRICo bReve

O sambaqui de Amourins está localizado a 5km do fundo da Baía da Guanabara, na fazenda Santa Rita de Cássia, na margem es-querda do rio Guapimirim. Ao longo dos anos, os embates constantes do rio decorren-tes das cheias acabaram destruindo cerca de metade do sambaqui. Há registros de que o sítio originalmente possuía cerca de 60 m de comprimento (norte-sul) por 10-12 m de lar-gura e 3,5 m de altura (Heredia et al., 1982). No entanto, quando foi feita a primeira inter-venção arqueológica pela equipe coordenada por Osvaldo Heredia, na década de 1970 a parte conservada do sítio possuía apenas 12m de comprimento por 6m de largura e 3m de altura. Atualmente sua cota mais alta não ultrapassa 2,80m.

O estudo do sambaqui de Amourins inte-gra o projeto de pesquisa “Sambaquis mé-dios, grandes e monumentais: estudo sobre dimensões dos sítios arqueológicos e seu sig-nificado social” (Sambaquis MGM). O referi-do projeto tem como objetivo recuperar, revi-sar e sistematizar dados sobre sambaquis do Rio de Janeiro e Santa Catarina com intuito de trazer nova contribuição para a interpreta-ção da ocupação pré-histórica do litoral pela comparação entre assentamentos samba-quieiros localizados nos dois estados. O pro-jeto conta com pesquisadores experientes em investigação em sambaquis ligados ao Museu Nacional/UFRJ e à Escola Nacional de Saúde Publica Sérgio Arouca da Fiocruz, além de colaboradores nacionais e internacionais de diferentes instituições.

A etapa da pesquisa que revisitou o sam-baqui do Amourins teve com objetivo produ-zir conhecimento sobre o processo de forma-ção dos sambaquis no entorno da baia de Guanabara. Assim sendo, inclui análises es-tratigráficas de porções previamente expostas do sítio arqueológico, bem como o estudo do

ambiente onde foi implantado o conjunto de sambaquis no período compreendido entre 4.000 e 1.800 anos AP.

A área de pesquisa situa-se na porção Norte da ampla planície sedimentar da Baía da Guanabara e abrange cerca de 7.000 km2. Nela são conhecidos 20 sambaquis, sendo que cinco deles – Amourins, Sernambetiba, Vale das Pedrinhas, Arapuan e Saracuruna - foram estudados nas décadas de 1980 e 1990 (Beltrão et al., 1980; Beltrão et al., 1982; Be-zzerra, 1995; Heredia e Beltrão, 1980; Here-dia et al., 1982;1984; Mello e Souza, 1977; Mendonça de Souza e Mendonça de Souza, 1981/82; Paz, 1999).

De modo geral, a estratigrafia do samba-qui de Amourins pode ser caracterizada da seguinte maneira: logo acima do sedimento lodoso sob o qual o sítio está assentado foi depositada uma camada espessa, de geome-tria monticular, composta principalmente por conchas de Ostrea sp, que inaugura o processo construtivo do sítio. Acima desta camada, está o que denominados de camada funerária, onde estão depositados os sepulta-mentos evidenciados até o momento. Esta camada é formada por um sedimento areno-so, de coloração marrom escura, contendo muitas estruturas de cinzas, algumas delas bastante estratificadas, restos de carvões dis-persos além muitos ossos de peixes. Os pei-xes, por vezes, aparecem em grandes concen-trações o que confere uma coloração marrom-alaranjada observada em alguns pontos ao longo do perfil.

A camada subseqüente, que cobre a área funerária, é também uma camada espessa, formada de conchas de grande porte princi-palmente de Ostrea sp e Lucina pectinata. Da mesma forma que a camada inaugural, esta também apresenta uma geometria monticu-lar, porém o que a distingue é, principalmen-te a presença de maior quantidade de lucinas e muitos ossos de peixes, geralmente concen-

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trados próximo da superfície de contato com a camada funerária.

Acima dela, ocorre uma mudança signifi-cativa no processo construtivo, onde as gran-des conchas são substituídas por mariscos fragmentados formando um grande pacote que em certos pontos atinge mais de um me-tro de espessura. Este pacote é formado por extensas camadas, de geometria laminar, compostas por mariscos picados, alguns com marcas de queima, carvões dispersos e ossos de peixes queimados e fragmentados. Estas camadas estão também entremeadas por vá-rias lentes de sedimento escuro, com evidên-cias claras de queima, possivelmente in situ.

O estudo do processo de construção do sambaqui de Amourins será tema de outras publicações, e por isso não será detalhada no presente artigo. A estratigrafia mais direta-mente relacionada aos sepultamentos, que consiste na preparação do terreno para colo-cação do corpo, os diferentes materiais que o envolvem e a sua cobertura será aqui consi-derada na apresentação das estruturas fune-rárias e na interpretação sobre as etapas do ritual funerário.

osvaldo heRedIa e a PesQUIsa em sambaQUIs

Como estratégia de pesquisa do projeto

Figura 1 – Topografia do sambaqui de Amourins com a indicação dos perfis trabalhados e dos sepultamentos evidencia-dos nas campanhas de 2010/2011.

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SAMBAQUI DO AMOURI NS : MORTOS PARA MOUNDS? Sheila M. de Souza, Andersen Liryo, Gina F. Bianchini, MaDu Gaspar

Sambaquis MGM decidiu-se revisitar os sí-tios e os documentos produzidos nas décadas de 1970, 80 e 90. Optou-se por iniciar os es-tudos pela análise dos materiais arqueológi-cos que estão na reserva técnica do Museu Nacional, dados existentes nos cadernos de campo e antigas publicações de Heredia.

O principal objetivo traçado pelo pesqui-sador era entender a ordenação espacial no interior dos sítios considerando, especial-mente, a distribuição dos artefatos. Heredia tomava os sítios em sua totalidade estratigrá-fica, os investigava da base ao topo e tinha como foco central o estudo das pontas ósseas, artefatos que receberam especial atenção ao serem apresentadas em forma de quadro comparativo. No caso do sambaqui de Amou-rins, cabe destacar que em toda extensão do pacote arqueológico investigado não foram verificadas mudanças significativas na com-posição dos artefatos, levando os pesquisado-res à conclusão de que teria havido uma úni-ca ocupação. As diferenças na distribuição de freqüência dos artefatos, por sua vez, foram interpretadas como sendo variações na inten-sidade de ocupação (Heredia et al. 1982). Di-ferente da grande maioria dos pesquisadores da época, as interpretações não se apoiaram no esquema interpretativo difundido por Bety Meggers e Cliford Evans (Evans, 1967).

As primeiras escavações no sambaqui do Amourins foram feitas com a participação de estagiários do Museu Nacional e bacharelan-dos em arqueologia da Faculdade Estácio de Sá e outros participantes. No período de de-zembro de 1978 a junho de 1981, foram aber-tas cinco quadras de 2m2, quatro delas par-tindo do barranco formado pelo rio (16A, 16B, 17A e 17B), de modo que a área escava-da ficou limitada por três paredes. Uma quin-ta área escavada era descontínua (16D). As escavações foram registradas de maneira convencional, e para conhecimento dos da-dos primários foram revisitadas as anotações

originais de campo que se encontram arqui-vadas no Museu Nacional. Foram também revisados manuscritos e publicações do pró-prio Heredia, documentos que contem infor-mações mais abundantes sobre enterramen-tos e ossos humanos dispersos. Outros textos da época, alguns em forma de manuscritos originais (comunicações em eventos científi-cos não publicados formalmente, tal como citado), também foram consultados, buscan-do-se dados e interpretações sobre os acha-dos funerários e sua relação com a estratigra-fia do sambaqui.

As escavações foram feitas com a técnica de níveis artificiais de 10cm, sendo os setores numerados a partir do ponto mais alto, qua-tro dos quais cobriram uma área contígua de 20m2 (cinco cortes de 2m2) e atingiram uma cota superior a dois metros, o quinto deles (16D) foi escavado até um metro de profun-didade apenas. Levando-se em conta que a nomeação dos cortes teria sido a partir do norte (números) e do leste (letras), e levando em conta também a conformação do teste-munho atual do sítio, bem como as suas ca-racterísticas estratigráficas, foi possível a lo-calização da área originalmente escavada pela equipe de Heredia. Este corte esta situa-do a sudeste do testemunho atual, próximo ao perfil 40-45m definido pelo projeto Sam-baquis MGM em 2010 (ver FIGURA 1). Uma grande extensão tomada por moinha de con-chas e a descontinuidade quase vertical da estratigrafia, vizinha a um pacote bem estra-tificado, indica onde foi feito o descarte de sedimento peneirado proveniente da área escavada por Heredia.

Apesar da metodologia distinta adotada na presente pesquisa, foi possível confirmar que a escavação anterior ocorreu em área que é descontínua aos espaços onde foram encon-trados os novos sepultamentos. Foi possível verificar, também, que as escavações da déca-da de 1980, conduzidas em alguns pontos até

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cerca de três metros de profundidade, atingi-ram a base estéril do sítio, oferecendo dados importantes e complementares aos atuais. Revisitados e interpretados, os dados rele-vantes para a discussão das estruturas funerá-rias do sambaqui do Amourins são o tema central do presente trabalho. Considerando os testemunhos recuperados em todas as in-tervenções arqueológicas foram retirados quatro esqueletos, um por Heredia que rece-beu a denominação de sepultamento 2 já que o primeiro não foi retirado pelo pesquisado por se encontrar na parede da área escavada. Três foram retirados em bloco em trabalhos de campo promovidos pelo projeto Samba-quis MGM e receberam a denominação de sepultamentos A, B e C.

INvestIGaÇÃo de sePUltameNtos: oNtem e hoJe

Por muitas décadas o estudo dos sepulta-mentos em sambaquis foi feito quase como decorrência do processo de retirada do subs-trato, entendido como material de deposição contínua durante a ocupação, ou “piso de ocupação”, sob o qual poderiam estar estrutu-ras de uso doméstico, assim como enterros. Admitindo o pressuposto de que o sambaqui teria sido construído com descartes de ativi-dades cotidianas, o sepultamento dentro da estrutura teria sido através da abertura de uma cova, ou simplesmente pela deposição dos materiais sobre o morto. A possibilidade de uma construção do lugar de colocação dos corpos praticamente restringia-se aos artefa-tos e “oferendas”, ou sua mobília funerária, onde destacavam-se os zoolitos. Alguns raros exemplos chamaram atenção como eventos construtivos: a colocação de camada de areia ou argila sob o corpo (Beck, 1972), o arca-bouço de ossos para uma criança (Rohr, 1962), ou de pedras sobre os esqueletos (Fa-ria, 1955; Garcia e Uchoa, 1980), praticamen-te não sendo caracterizadas construções de

camadas abaixo ou acima do morto. Da mes-ma forma, a descrição de “covas”, mais ou menos rasas, a referência aos enterros secun-dários ou múltiplos, e outras descrições que se encontram na literatura da segunda meta-de do século XX, sinalizam para a pouca apli-cação de fundamentos de tafonomia funerá-ria. Os ossos, ainda que documentados na sua posição de achado, levavam geralmente à busca de padrões funerários tais como a orientação da face e da cabeça, a posição dos membros, e assim por diante, pouco se discu-tindo sobre os processos pós deposicionais ou os gestos funerários, por exemplo. A ob-servação de processos como de subsidência (movimentos de afundamento do terreno) por dissolução das conchas e acomodação de camadas pelo seu próprio peso não eram considerados na interpretação dos achados funerários, da mesma forma que determi-nantes tafonômicas como efeito-parede ou os espaços vazios ou preenchidos (colmaté).

Os modelos tafonômicos e os novos para-digmas para explicar a formação e a finalida-de dos sambaquis trouxeram novas leituras e ferramentas de interpretação. A abordagem de um lugar de deposição de um corpo conta com elementos mais ricos e cientificamente verificáveis, o que vem sendo feito no presen-te projeto, tendo sido aplicado aos sepulta-mentos do Amourins.

PRImeIRos sePUltameNtos eNCoN-tRados No amoURINs

Na década de 1980 foram encontrados dois sepultamentos, dos quais apenas um che-gou a ser escavado. Embora tenham apareci-do ossos sugestivos de um novo sepultamento (que chegou a ser denominado “sepultamen-to 3”), não houve confirmação deste terceiro achado, tratando-se de material avulso.

O primeiro conjunto confirmado como um sepultamento incluía ossos de pé e perna e recebeu a denominação de “sepultamento

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1”. Foi localizado entre 2,10m - 2,20m de pro-fundidade, junto à parede sul do corte 16-B. Dado que a maior parte do esqueleto estava dentro de um setor do sambaqui que não che-gou a ser escavado, é possível que ele ainda se encontre no sítio, embora o trabalho de cam-po atual não tenha tentado a sua localização.

O outro, “sepultamento 2”, representado por um esqueleto humano quase completo, em conexão anatômica, foi encontrado no corte contíguo, o 16-A. Inicialmente foram evidenciados os ossos do crânio, que surgi-ram junto à parede sul entre 2,40 - 2,50m de profundidade. Este sepultamento foi total-mente escavado e retirado, e a descrição do achado, incluindo um croqui contendo as medidas dos ossos longos, está no caderno de campo.

As características detalhadas da estrati-grafia dos cortes escavados não estão anota-das nos cadernos de campo. Neles são encon-tradas apenas descrições gerais dos materiais e de certos tipos de feições associadas aos achados funerários. Também não foi possível recuperar as coordenadas precisas para loca-lização dos achados, pois não foi utilizado datum permanente na época, e o sítio sofreu grande impacto em sua superfície, hoje mui-to mais pisoteada, erodida e modificada após três décadas. No entanto, a definição das principais camadas do sítio, bem como a po-sição regular dos sepultamentos, permitiu comparar os achados destes sepultamentos com os registros das escavações atuais.

Um aspecto interessante descrito para o “sepultamento 2”, tanto no caderno de cam-po como na publicação posterior (Heredia et al., 1982), foi o fato de que o esqueleto mos-trava inclinação, havendo desnível entre as diferentes partes ósseas. O mesmo aspecto foi observado na escavação realizada pelo proje-to Sambaquis MGM. Já às lentes de cinza e fogueiras descritas na área dos sepultamen-tos, não foram interpretadas na época como

estruturas diretamente relacionadas aos fu-nerais, o que esta sendo melhor elucidado na pesquisa atual.

A revisão das principais estruturas descri-tas nas anotações de campo para os cinco cortes, bem como seu posicionamento no es-paço, permitiu correlacionar melhor os dois momentos da pesquisa, e confirmar a inser-ção da estrutura funerária do “sepultamento 2”, no contexto estratigráfico reconhecido pela revisita ao sítio. Um dos aspectos eluci-dados, por exemplo, permite confirmar que durante a escavação de Heredia e sua equipe, repetiu-se um padrão de fogueiras não muito espessas, bolsões de mexilhões, berbigões e ostreas e a presença de lucinas, havendo in-clusive áreas com conchas fechadas, assim como lentes de cinzas. Era recorrente a pre-sença de ossos de fauna, por vezes formando camadas bem definidas, contendo principal-mente ossos de peixes do tipo bagres e mira-guaias, enquanto ossos de outros vertebrados eram escassos.

Nas escavações da década de 1980, o acha-do dos sepultamentos humanos ocorreu abai-xo de 2m de profundidade, pouco acima do que seria a base do sítio, sob espessas camadas ricas em ostreas e lucinas, além de muito pei-xe em solo escuro com carvões. Não há men-ção a ossos humanos, mesmo avulsos, acima deste nível. Essa estratigrafia também é con-sistente com a estratigrafia descrita no projeto atual, inclusive pela distinção de dois conjun-tos de camadas diferentes e sobrepostas, pa-drão que se repete ao longo de todo o perfil do testemunho atual do sambaqui.

Tal como nos casos atuais, o “sepultamen-to 2” escavado na década de 1980, estava em decúbito estendido e mostrava orientação aproximada da cabeça para o sul, como pare-ce ter ocorrido também no “sepultamento 1” (posição sugerida pelos pés e tornozelos visí-veis em conexão anatômica), embora este não tenha sido totalmente escavado.

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A primeira parte do “sepultamento 2” en-contrada foi a calota, no nível 2,40m - 2,50m. O esqueleto estava quase completo, em decú-bito ventral estendido, relativamente preser-vado de desarticulações e compressões. A posição estendida foi considerada pouco usu-al para os sítios do tipo sambaqui, provavel-mente pelo fato da maior parte da literatura especializada à época mencionar esqueletos em posição flexionada. O desnivelamento de parte do esqueleto – pelve em plano mais pro-fundo que as demais partes do corpo - cha-mou atenção dos pesquisadores, levando-os a sugerir que o sepultamento teria sido feito em uma cova muito rasa (Heredia et al., 1982), no entanto não houve registros especificando qualquer aspecto de tafonomia funerária.

Na camada acima dos ossos humanos predominavam ostreas e lucinas, além de os-sos de animais e muito carvão. Esta observa-ção é consistente com o padrão identificado nos estudos desenvolvidos através do projeto Sambaquis MGM de fogueiras contendo abundantes ossos de fauna. No corte 16A, por exemplo, Heredia descreve manchas de car-vão e cinzas indicativas de pelo menos cinco fogueiras, associadas com lentes e depósitos de conchas de diferentes tipos, em alguns ca-sos formando pacotes fechados onde tam-bém se observaram ossos de peixes. Estas áreas de queima sucederam a fogueira maior, sob a qual havia sido achado o esqueleto hu-mano. As fogueiras nos níveis mais altos eram de pequena espessura, sendo encontra-das entre 40-60cm (parede sul), 70-80cm (canto noroeste), 90-100cm (centro-norte), 120-130cm (parede sul). Já a maior fogueira, com grandes ostras e peixes, foi encontrada entre 170-180cm, próximo à parede norte.

Um pacote de mexilhões macerados, no nível 190-200 cm, separava esta sequência de fogueiras da grande fogueira que está direta-mente relacionada ao “sepultamento 2”. Em 215cm de profundidade, ainda segundo a

descrição dos cadernos de campo, aparece “terra calcinada” associada à parede sul,o que é interpretado como o centro de uma grande fogueira que se estende pelo corte, indo pos-sivelmente em direção aos cortes vizinhos 17A e 16B. A observação dos croquis permite confirmar que o centro desta área calcinada sobrepõe-se à área onde aparece o crânio hu-mano, no nível 240-250cm. Outra mancha de “terra calcinada”, associada a conchas muito quebradas e queimadas, está descrita próxi-mo da parede norte, ou seja, na área onde estariam as pernas do indivíduo. A descrição de material associado à fogueira prossegue nas anotações de campo até o nível 270-280cm, embora não seja especificado se foi observada alguma descontinuidade. Alguns trechos da descrição desta grande fogueira seguem transcritos.

“A fogueira(?)” apresenta essa forma pra-ticamente definida. De fora para dentro te-mos uma espessura de aproximadamente 10centímetros de ossos triturados, logo em seguida uma outra espessura de cor cinza re-lativamente um pouco mais espessa na proxi-midade sul oeste e mais fina da sul norte; se-guindo-se uma espessura de cor branca maior das outras espessuras. Havendo no centro uma compactação de cor escura maior de carvão, conchas, conchas trituradas, ossos. Convém observar que o carvão está compac-tado com a espessura de cor branca. No setor 17A nesse mesmo nível já coletado uma amostra para determinação mineralógica e vegetal que exemplifica perfeitamente o esta-do do carvão no setor em questão, isto é, 16A. Foram tiradas duas fotos, uma em que a “fo-gueira (?)”está praticamente completa e a se-gunda no final, ao nível em que fica eviden-ciado que a espessura de cor cinza aumenta e a espessura de ossos diminuiu.Essa fogueira é semelhante à do setor 17Ae há uma caracte-rística peculiar em ambas é que a camada de terra dura que já foi coletada uma amostra,

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que vem surgiu provavelmente do setor 17B separando as duas “ fogueiras (?)”. Segundo Marcelo (Gatti), falou de uma fogueira de mesmas características no setor 17B. Todas estas fogueiras estão num mesmo nível”...........

“Apareceu também um crânio na parede sul o qual não foi feito ainda nada pois esta-mos aguardando secar mais para poder esca-var.Provavelmente estaria relacionado com a concentração de argila descrita anteriormen-te”..........

Com base no croqui do “sepultamento 2” é possível verificar que se trata de um sepulta-mento primário, completo, de adulto, em de-cúbito ventral estendido, com os braços colo-cados ao longo do corpo, as mãos sob a pelve e a face voltada para baixo. O crânio e a man-díbula articulados, as vértebras alinhadas até a altura da metade do tórax, e as escápulas em situação anatômica, com os úmeros articula-dos. As costelas no lado esquerdo, paralelas, estavam na posição esperada para a forma de deposição do corpo, mas no lado direito esta-vam desorganizadas, assim como algumas vértebras. Os úmeros estavam paralelos ao tórax, rádio e ulna do lado direito estavam pa-ralelos e próximos da sua conexão anatômica com o úmero, indicando que originalmente estariam por baixo do corpo. Já os ossos do antebraço esquerdo, mostravam-se mais afas-tados do úmero, embora se mantivessem pa-ralelos. Sua posição, surpreendentemente aci-ma da pelve, sugere que o braço esquerdo tivesse sido posicionado não na frente, como o direito, mas nas costas do indivíduo para o enterro. No croqui não há indicação dos ossos das mãos. Os ossos da pelve estariam comple-tos e em conexão. O fêmur esquerdo ainda dentro do acetábulo, com tíbia e fíbula em conexão à altura do joelho, e estando articula-do também articulado o pé esquerdo. O fê-mur direito e a tíbia direita, não estão repre-sentados, embora a fíbula direita estivesse em sua posição esperada, ou seja, paralela à perna

esquerda. Uma observação no croqui identi-fica como parte da clavícula um pequeno osso que se vê sobre a pelve esquerda.

Tal como mencionado anteriormente, a descrição das escavações de Heredia confir-ma que o achado (e registro) de um esqueleto humano não trazia por si a necessidade de caracterização contextual especial, já que prosseguia com a decapagem do substrato, e sua interpretação, em paralelo à descrição do esqueleto. Este por sua vez, era medido e des-crito quanto à posição relativa aos referen-ciais geográficos convencionais. Depois, o interesse do achado era, em geral, restrito à morfologia dos ossos, e às conclusões que eventualmente dela derivassem. Apesar dis-so, como veremos à luz dos olhares recentes, é possível resgatar informações contidas nas entrelinhas dos documentos antigos, e ilus-trar o processo construtivo do sambaqui e de sua ocupação funerária, tendo como contra-ponto as escavações recentes.

sePUltameNtos ReCUPeRados Pelo PRoJeto sambaQUIs mGm

A retomada dos estudos de campo em ju-lho de 2010 teve como objetivo fazer uma abordagem estrutural do sítio, ou do que so-brou dele, analisando-o em sua totalidade e contextualizando, na medida do possível, a escavação da década de 1980 empreendida por Heredia. Aproveitando a destruição pro-vocada pela ação das águas, foram analisados 50 metros de perfil que permitiram o estudo do processo de construção do sambaqui de Amourins. Quando da preparação dos perfis foram localizados três novos sepultamentos.

Adotou-se a estratégia da retirada de blo-cos com os sepultamentos, para escavação e documentação mais detalhada em laborató-rio. No primeiro ano foi removido o conjunto completo do primeiro esqueleto e parte do segundo. No ano seguinte foi possível con-cluir a retirada em bloco do segundo esquele-

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to, e fazer a remoção completa do terceiro esqueleto. Coletas de amostras para diferen-tes tipos de análises complementares foram feitas em campo e prosseguem ainda nas es-cavações dos blocos em laboratório. Os ossos humanos estão sendo curados, para serem reunidos ao esqueleto retirado na década de 1980, que se encontra na reserva do Museu Nacional.

A análise detalhada dos ossos humanos deverá ser feita no seguimento do projeto Sambaquis MGM e será motivo de publica-ção posterior.

sePUltameNto a - estRUtURa 1 - PeRfIl 32

Este sepultamento foi encontrado em agosto de 2010 durante a retificação da seção 30-35m do perfil (ver FIGURA 1). Inicial-mente apareceram o primeiro metatarsal e falanges de pé abaixo de uma camada de con-chas (inclusive fechadas) contendo muitas ostras, alguns ossos de mamíferos e fragmen-tos de peixes ósseos e cartilaginosos, alguns deles ainda em conexão anatômica, inseridos em uma matriz arenosa, escura, acompanha-da de material queimado. O achado foi inter-pretado como uma grande fogueira relacio-nada aos ossos humanos.

A escavação e remoção total dos sedimen-tos acima, para uma coluna de análise zooan-tracológica de 200x50cm (segundo Scheel--ybert et al., 2005), expôs fêmures, tíbias, fíbulas, patelas, metatarsais e falanges frag-mentados, mas ainda em posições próximas às conexões anatômicas, permitindo afirmar tratar-se de um enterro primário, em decúbito dorsal estendido, com a cabeça apontada para sudeste. Apesar da retirada dos ossos, a pelve não chegou a ser visualizada, porque o esque-leto tinha continuidade na parede contígua.

Foi registrada a presença de lentes de cin-zas ao lado e abaixo do corpo, além de restos de fogueiras possivelmente associadas ao ri-

tual funerário. Foram também identificados dois buracos de estacas próximo ao corpo, na altura dos pés e pernas (Figura 2).

O bloco contendo pelve e toda a parte su-perior do esqueleto, inclusive o crânio articu-lado, foi retirado em agosto de 2011. Chama atenção neste esqueleto o fato de estar total-mente recoberto por valvas desarticuladas de lucinas com a parte convexa para cima, além de ossos de peixe queimados e pequenos grãos de ocre. Uma camada cimentante fina, provavelmente formada pela dissolução do carbonato das conchas, prende algumas val-vas aos ossos.

A escavação do bloco em laboratório foi iniciada e revelou alguns aspectos não perce-bidos anteriormente e que são significativos para a interpretação da prática funerária. Muito embora tais descrições só possam ser concluídas após a escavação total do testemu-nho trazido no bloco, já está evidenciado que o corpo foi colocado sobre um conjunto de camadas que apresentam inclinação significa-tiva no sentido da cabeça para os pés, e do lado esquerdo do corpo para o lado direito. Esta inclinação, no entanto, não é observada no esqueleto, que apresenta-se nivelado. Ao acompanhar o nível sobre o qual o corpo foi originalmente apoiado, é possível perceber que as camadas são bruscamente interrompi-das, inclusive as lentes de cinzas de duas fo-gueiras. Tais descontinuidades sugerem que tenha havido nivelamento intencional da área onde foi feito o sepultamento, cortando cama-das anteriores de um mound pré-existente.

Esta observação chama atenção para a ne-cessidade de se analisar cuidadosamente também a estratigrafia sob o corpo. Sua aná-lise irá fornecer subsídios para as interpreta-ções a cerca da preparação do local com fo-gueiras e materiais depositados como acompanhamentos funerários. Tais questões deverão ser melhor equacionadas ao final deste projeto.

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Apesar de este esqueleto ter sido retirado da parte mais preservada do sítio, deve-se considerar que ele estava localizado a apenas 30cm acima do nível do solo atual, ou seja, 186cm acima do nível do mar. Isto indica que provavelmente ele esteve sujeito às inunda-ções periódicas da planície por séculos, o que possivelmente contribuiu para a decomposi-ção tanto do substrato quanto de seus ossos. A escavação do bloco já vem mostrando que há desnivelamento das partes do esqueleto e quebras, provavelmente conseqüentes de processos naturais de subsidência.

sePUltameNto b - estRUtURa 2 - PeRfIl 8

Este segundo sepultamento foi encontra-do durante a retificação do perfil 8m, na ca-mada inferior ao piso atual que forma o en-torno do sambaqui, no lado pantanoso da área. Este lado é sujeito regularmente às inundações, tal como testemunhado pela equipe em março de 2011.

O indivíduo está representado por frag-mentos de crânio, mandíbula, dentes, claví-culas direita e esquerda, vértebras cervicais e

dorsais, costelas direitas e esquerdas, úmero, ulna e fragmentos de escápulas direita e es-querda desarticulados e misturados ao subs-trato. O material, em má condição, não per-mite afirmar detalhes sobre a posição do enterramento, embora o achado fosse suges-tivo de decúbito dorsal, com o crânio voltado para nordeste. Mesmo que se trate de sepul-tamento primário, este esqueleto teria sofrido processos tafonômicos mais intensos que os demais, estando em pior condição pela proxi-midade do córrego junto ao sítio entre outras coisas. Isso explicaria a perda aparente da parte inferior do corpo, cuja posição seria mais próxima do curso de água.

As muitas quebras dos ossos parecem cau-sadas pela compressão e pisoteio nos níveis acima, agravados pelo efeito das inundações e pelo deslizamento da camada lodosa na base do sítio. Os ossos nos níveis inferiores do sam-baqui geralmente estão friáveis, especialmen-te quando recém-expostos, e apresentam con-sistência pastosa, desagregando-se ao toque. Situado sob uma camada de ostras e outras conchas, inclusive lucinas, este esqueleto deve ter também sofrido efeito do contato, tanto

superior como inferior, com materiais mais duros presentes no substrato. Embora tenham sido en-contradas lucinas fechadas, ocre e quartzo, não houve menção a artefatos em osso, concha ou dente.

sePUltameNto C - es-tRUtURa 6 - PeRfIl 33

Este sepultamento, também, foi encontrado durante a abertura da colu-na zoo-antracológica no perfil 30-35m. A posição das falanges e metatarsais, e depois das tíbias e fíbulas

Figura 2 – Sambaqui de Amourins, Perfil 1, Seção 30-35m. Detalhe para as marcas de estacas (tracejado) associadas ao sepultamento A (Foto: MaDu Gaspar).

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em perfeita conexão anatômica, indicou que o corpo estendia-se obliquamente ao perfil principal. Este esqueleto estava a cerca de 80cm a sudoeste do sepultamento A, no mesmo nível estratigráfico e em posição se-melhante, ainda que a cabeça se orientasse em direção ligeiramente diferente. A profun-didade em que se encontrava foi 130cm.

Apesar de protegidos, os ossos de falanges e metatarsais expostos durante a primeira campanha de campo do Sambaquis MGM, mas completamente escavados apenas na se-gunda, tornaram-se muito frágeis. Foi quase impossível retirá-los inteiros da matriz con-crecionada de conchas e ossos onde se encon-travam. A aproximadamente 120cm de pro-fundidade, no limite inferior da camada de mariscos picados, foi evidenciada uma estru-tura de cinzas de aproximadamente 8cm de espessura. Ela partia do perfil sudoeste co-brindo parte do corpo, correspondendo ao que seria a área que vai da cabeça até parte da bacia. Neste mesmo nível apareceu também um artefato em lítico polido, localizado pró-ximo a região entre a cabeça e os ombros do sepultamento. A decapagem rápida da área do sepultamento foi interrompida quando do aparecimento dos ossos do braço e antebraço esquerdos, em conexão ao nível do cotovelo e aparentemente situados em plano superior ao dos pés em relação ao nível horizontal, tal como indicam as medidas de profundidade feitas à altura do tórax (1,49m), e à altura das tíbias (1,57m). Esta observação sugeriu que o corpo poderia estar inclinado.

Neste mesmo nível começou também a aparecer acima do esqueleto uma grande área de fogo, estendendo-se na direção do perfil principal, e constituída por material ósseo, carvão e conchas, misturados em uma matriz escura. A exposição e documentação dos componentes estratigráficos e sua relação com a estrutura funerária, e a exposição das diferentes partes do esqueleto, permitiu in-

terpretação inicial dos processos construtivos associados a este sepultamento.

A exposição completa da área do sepulta-mento mostrou também que algumas partes do esqueleto estavam presas em camadas con-crecionadas formadas por conchas e ossos, sobre as quais o corpo havia sido depositado. Mas essa base de conchas aparentemente esta-va ausente sendo pouco percebida em outras áreas. Tais descontinuidades permitiram a movimentação de alguns ossos, cujos frag-mentos afundaram, ou deslizaram, desfazen-do suas conexões e afastando partes quebra-das, e causando descontinuidades acusadas nas escavações da década de 1980, e que se repetem agora, mas cuja compreensão deverá ser complementada pela escavação dos blocos em laboratório. Há que se considerar também que as próprias atividades realizadas no sítio ao longo de todo o período de ocupação con-tribuíram fortemente para a mobilização de sedimentos e por conseqüência dos ossos.

Tal como os demais, o sepultamento C é primário, estando o esqueleto estendido, em decúbito dorsal, com os braços colocados ao lado do corpo e as mãos sobre a pelve. A ca-beça orientava-se para sul e a face estava vol-tada para cima. Os tornozelos muito juntos, e os pés hiper-estendidos, com os metatarsia-nos agrupados, o pé direito sobre o pé es-querdo (o primeiro metatarsal direito estava encaixado entre o primeiro e o segundo me-tatarsais esquerdos), faz supor que os pés es-tivessem amarrados, pois pouco se desorga-nizaram apesar do colapso pós-decomposição. Também parece não ter havido muito espaço aberto nesta área do corpo, pois os ossos pra-ticamente não se movimentaram de sua posi-ção original, ficando contidos na matriz for-mada por conchas e ossos de peixe. A inclinação de algumas conchas, em especial de lucinas, acompanhando o contorno dos ossos das pernas, reforçou a impressão de que os ossos ficaram fixados pelo efeito parede,

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tendo sido comprimidos pela cobertura de-positada acima do corpo. Nas pernas, onde a musculatura é pouco volumosa (exceção da panturrilha) e os ossos têm grandes superfí-cies sob a pele, o processo de decomposição das partes moles deixaria pouco espaço vazio, favorecendo ainda mais a fixação. O corpo pode ter sido envolvido em material fino e maleável, como um trançado ou rede de fi-bras, ou simplesmente amarrado, estando a pele em contato com as conchas rígidas de-positadas à volta do corpo e acima dele, de tal modo que os ossos não se deslocaram, man-tendo a posição em que estavam na hora do funeral.

A observação de tíbias e fíbulas mostrou que, apesar de fragmentadas, estavam em co-nexão anatômica. Sob a pressão de grandes conchas duras, como ostreas e lucinas, estes ossos quebraram à medida que se tornaram mais friáveis. Em contato com matérias de diferentes consistências, os fragmentos das diáfises afundaram, ou permaneceram em posição, embora mantendo certo alinhamen-to e o contato dos bordos fraturados. A loca-lização dos fêmures e patelas mostrou que haviam mergulhado mais fundo no substrato, sendo localizados abaixo do plano inferior do sepultamento. Esta condição parece relacio-nar-se às descontinuidades na camada onde foi colocado o corpo, pois sob coxas e pelve havia uma interrupção da estratigrafia entre lentes de cinzas, onde grande volume de ma-terial parece ter mergulhado. Sob o corpo ha-via uma depressão, com o fundo forrado de grandes ostras, preenchida com material dife-rente do que está nas laterais, e tal como des-crito para o esqueleto escavado na década de 1980, a pelve se encontrava afundada.

Os ossos do braço esquerdo tinham mui-tas quebras, e alguns dos fragmentos estavam afastados, apesar de manterem, grosso modo, o alinhamento anatômico esperado. A por-ção proximal do úmero esquerdo, embora

permanecendo conectada à escápula e à por-ção distal da clavícula correspondente teria deslizado em direção à face do indivíduo en-caixando junto à mandíbula. O úmero, o rá-dio e a ulna direitos, com o cotovelo em posi-ção de conexão anatômica, estavam junto ao gradil costal correspondente. As costelas, ali-nhadas em paralelo, mostram quebras trans-versais e longitudinais. Em ossos de ambos os braços, havia visíveis sinais de queima, e as extremidades proximais mergulhavam no se-dimento em direção à área da pelve, onde os-sos das mãos com a face dorsal para cima, estavam completamente articulados, embora muito friáveis.

O crânio, fragmentado havia se deslocado e os fragmentos da calota, incluindo boa par-te do frontal, afastaram-se da sua conexão anatômica, espalhando-se em direção ao per-fil sudoeste. Este pacote alongado tinha os fragmentos mais distantes em nível inferior ao do esqueleto, tendo mergulhado em cama-das escuras e soltas, abaixo da fogueira fune-rária. Dois fragmentos de ocre com cerca de 1,5cm foram encontrados junto ao crânio, mas nenhum outro artefato foi localizado. No entanto, um conjunto de vértebras de peixes articuladas foi encontrado na região do pes-coço, sugerindo tratar-se de uma oferenda fúnebre. A região da face onde ainda se viam conectadas as maxilas, a mandíbula, a aber-tura do nariz e parte das órbitas, estava defor-mada por compressão no solo, mas em posi-ção aproximadamente anatômica em relação ao resto do esqueleto, e ainda encontrava-se apoiada nos restos de uma camada de con-chas. Os dentes, parcialmente desarticulados, são desgastados, sugerindo que não se trata de adulto jovem. Mais uma vez aqui as trans-formações pós-deposicionais, associadas à constituição do substrato sob cada parte do esqueleto, parecem explicar os deslocamen-tos, quebras e afundamentos vistos em ambas as escavações do sítio, tais como da porção

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proximal do úmero esquerdo, afastada da di-áfise umeral, que ficou junto ao tórax presa ao leito remanescente de conchas e cinzas.

A primeira inferência que pode ser pro-posta sobre este sepultamento C é de que o corpo ao ser colocado na área funerária não teria ficado completamente alinhado, mas descreveria uma discreta angulação. O om-bro esquerdo estava originalmente mais ele-vado, e mais próximo à cabeça, do que o di-reito. Poderia ser conseqüência da colocação do corpo amarrado dentro de algum tipo de fardo, como uma rede, por exemplo, o que já foi indicado também pela forma como os pés foram fixados. A mandíbula, ainda próxima da maxila, parece confirmar o pouco espaço disponível para deslocar-se durante as fases da decomposição. Mesmo os dentes, encon-trados fora dos alvéolos, parecem não ter tido espaço para deslocar-se ou cair, ficando reti-dos em contato com a face externa do osso mandibular. As mãos, alinhadas na extremi-dade dos braços, também parecem ter sido mantidas em sua posição, inicialmente conti-das e depois fixadas pelas camadas de mate-rial depositado sobre o corpo, pois nem os menores ossos foram deslocados. Isso reforça a interpretação de que o efeito-parede parece ter sido importante em toda a periferia do corpo, caracterizando um enterro em espaço preenchido, ou colmaté (Dudday et al., 1990; Roksandic, 2001).

A ausência da camada de conchas concre-cionadas abaixo do esqueleto na área da ca-beça, coincide com uma perturbação repre-sentada por um grande bolsão de conchas e peixes queimados localizada junto à extremi-dade superior do esqueleto. Essa também é a área onde entram em contato dois montícu-los que se sobrepõem ao esqueleto, estão de-lineados na parede sudoeste do sambaqui do Amourins (FIGURA 3).

O montículo sobre o lado direito do es-queleto está sobreposto ao outro, sobre o lado

esquerdo do esqueleto, e há certa correspon-dência entre a curva inferior do bolsão de material queimado e as camadas mais altas dos dois montículos, ainda que o material queimado, com conchas e ossos penetre pro-fundamente entre as duas estruturas monti-culares entrando em contato com os ossos, principalmente na área do crânio.

Na área do tórax, onde os ossos permane-ceram sustentados pela estrutura firme de conchas queimadas e lente de cinzas localiza-da abaixo do esqueleto, observou-se outro núcleo de cinzas e fogueira abaixo, em níveis estratigráficos bem estruturados, e mantendo continuidade com as curvas de deposição mais antigas do montículo visível na parede sudoeste. É possível sugerir que o corpo te-nha sido depositado sobre estruturas de quei-ma preparadas ou pré-existentes na área mais baixa do sítio, e depois coberto com conchas, material que formou os montículos descritos. Em algum momento, antes de ter havido a completa desarticulação dos ossos, foi prepa-rada a grande estrutura de queima, que afe-tou principalmente a área próxima à cabeça e ombro esquerdo.

Nas proximidades dos pés, foi evidencia-do um conjunto de mais de 10 vértebras arti-culadas de peixe cartilaginoso, muito prova-velmente trata-se de uma oferenda ao morto. Um nível avermelhado pela presença de uma lente de ocre, contendo conchas e ossos de peixe, fixa os ossos de pé e perna desse sepul-tamento, sendo semelhante ao descrito para o sepultamento A. No esqueleto retirado nas escavações da década de 1980, por sua vez, há menção a um nível de terra/conchas/ossos de peixe avermelhados que acompanha o esque-leto, mostrando que o padrão se mantém e confirmando a consistência dos achados. Ainda em relação à sequência estratigráfica abaixo dos pés do sepultamento C, está claro que os pés foram depositados sobre uma len-te de mariscos picados e abaixo dela, segue

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uma sucessão de estratos avermelhados, con-tendo grande quantidade de ossos de peixe, que se alternam com lentes de cinzas. No se-pultamento B a condição extremamente alte-rada do substrato, pela inundação freqüente do sítio, impede esta observação. Mesmo que o sepultamento tenha sido feito em camada semelhante, o que é sugerido pela presença de um nível de conchas intemperizadas, abai-xo dos ossos humanos, a exposição à água repetidamente teria causado uma transfor-mação intensa do substrato arqueológico.

A sucessão de deposições acima do sepul-tamento C, reiterada nos demais sepultamen-tos do Amourins, mostra que diferentes se-quencias são encontradas dependendo da área considerada, de tal forma que ao compa-rarmos a área dos pés e a área da cabeça, não apenas diferentes materiais foram deposita-dos, mas diferentes processos pós-deposicio-

nais ocorreram. Cabe investigar se havia tra-tamento diferenciado para as partes do corpo dos sambaquierios, hipótese deverá a ser ve-rificada com o desenvolvimento de estudos minuciosos dos pacotes funerários. Uma vez que este tipo de observação parece ser inédi-ta, também poderia tratar-se de especificida-de do sítio analisado. Cabe entretanto lem-brar que a abordagem mais minuciosa adotada na metodologia deste projeto, tanto em campo quanto nas escavações dos blocos funerários em laboratório, vem permitindo recuperar mais dados sobre as estruturas e a construção dos mounds.

Na área da cabeça e sobre o tronco do se-pultamento C destacou-se a grande quanti-dade de conchas grandes e duras, principal-mente representadas por ostreas que formam verdadeiros pacotes na vizinhança do corpo. No entanto, muito embora parte deste mate-

Figura 3 – Sambaqui de Amourins, Perfil estratigráfico da área de escavação (3x2m) dos sepultamentos A e C. (Desenho e digitalização: Gina Faraco Bianchini).

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rial tenha se depositado sobre a lateral direito do esqueleto, não chegou a formar uma co-bertura sobre a área de deposição do corpo. Próximo da cabeça e tronco, no acúmulo de terra bem escura com grandes carvões, há os-sos de grandes peixes tanto cartilaginosos quanto ósseos, além das conchas. Grande nú-mero de vértebras caudais dos primeiros con-trasta com raros otólitos. Apesar do sedimen-to solto, não ocorreram muitos segmentos articulados, e raramente foram vistos mate-riais compatíveis com escamas. A primeira impressão sobre este material, a ser confirma-da com as análises zooarqueológicas, é da presença de partes selecionadas neste depósi-to. A presença de camada intermediária de conchas nacaradas decompostas, onde pare-ce haver muitos mexilhões também chama atenção, repetindo-se em diferentes partes do perfil, tendo sido denominada de estrutura 7(ver FIGURA 3).

Essa deposição diminui rapidamente de espessura na medida em que nos aproxima-mos da região da pelve, sendo substituída por uma camada firme de cinzas com muita con-cha triturada/calcinada, cuja granulação di-minui a medida que se chega ao centro da área de deposição, tal como já havia sido des-crito nas notas da primeira escavação pela equipe de Heredia. Esta mancha de cinzas, núcleo de uma grande fogueira, mediu cerca de 40cm de diâmetro, tendo a maior espessu-ra de cerca de 5cm, e estendeu-se ligeiramen-te mais para o lado direito do corpo.

Prosseguindo na direção dos pés do es-queleto observa-se uma fina camada marrom e abaixo, novamente a terra escura e algumas conchas e ossos, ainda que em menor quanti-dade do que sobre o tórax e região da cabeça a camada marrom aparece de maneira des-contínua podendo ser apenas um processo localizado e relacionado a transformações térmicas. Na camada escura com ossos e grandes ostras, alguns materiais agrupados

podem indicar colocação intencional próxi-ma ao corpo ou sobre ele. Na decapagem fo-ram identificadas grandes ostras em posição vertical e um pequeno núcleo de quartzo a cerca de 20cm ao lado direito da cabeça; um conjunto de vértebras de peixes articuladas no entorno da cabeça, aproximadamente na região do pescoço; ossos de peixe, conchas de berbigão e pequenas ostreas com uma lasca retocada de quartzo que lembra um pequeno raspador colocada sobre estes, estava sobre a lateral direita do sepultamento, à altura do abdome; um agrupamento de ostreas com as valvas verticais estava sobre a área das pernas além de dois fragmentos de quartzo foram retirados próximos do braço direito.

A retirada da camada escura sobre o cor-po na área do tronco e da cabeça permitiu expor as partes correspondentes do esquele-to. Chama atenção nesse sepultamento que, em contraste com o que se viu no sepulta-mento A, a camada de conchas, em especial lucinas, não era nitidamente percebida acima dos ossos, ou estava reduzida a fragmentos. Havia certo endurecimento do sedimento que cobria os ossos, cuja cor tendia a tornar--se mais marrom, por vezes com tom mais acastanhado. Pequenos grãos de ocre surgi-ram quando da escavação dos sedimentos mais próximos aos ossos. Nesse sepultamen-to C, a cobertura de lucinas só aparece clara-mente abaixo dos joelhos, estando ausente, portanto, onde está a camada de cinzas e a grande quantidade de conchas queimadas/trituradas. Muito embora possa ter havido deposição intencional localizada numa área do corpo, não podemos afastar a hipótese de que a queima posterior tenha causado a per-da das conchas, destruídas sob efeito do fogo aceso sobre a estrutura. Na área das pernas, a decapagem mostrou continuidade das luci-nas para além da área do corpo, ao lado direi-to, onde continuavam, mergulhando sob a camada de peixes/conchas e material quei-

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mado até mais de 25cm além dos ossos, e inclinando-se na lateral da perna direita a medida que se distanciava do osso, como se fosse um manto contínuo. Junto à perna di-reita também foi possível observar uma de-pressão rasa e circular com cerca de 5cm de profundidade e 12cm de diâmetro, capeada pelas mesmas lucinas, talvez a marca em de-pressão de algum material depositado ao lado do corpo, sobre as conchas.

A observação do esqueleto e das deposi-ções associadas permite estimar que a dimen-são total da área de um sepultamento como este seria de mais de 2,00m de diâmetro, o que associado ao seu entorno dimensiona a área total a ser decapada, em casos de sepul-tamentos como este. No presente caso, a de-capagem de área restrita ao entorno do sepul-tamento, esta sendo compensada pela escavação mais minuciosa e coletas de amos-tras nos três blocos em que o corpo foi subdi-vidido para sua remoção do sítio: 1) bloco da cabeça, contendo a camada residual de con-chas abaixo da face e conjunto do ombro so-breposto; 2) bloco das pernas e pés, contendo a sucessão de camadas de conchas/ossos avermelhados que receberam e envolveram o corpo; 3) bloco do tronco e coxas, com maior pedestal, incluindo todo o pacote de afunda-mento sob a pelve e camadas de cinzas sob o corpo. A escavação destes blocos deverá con-firmar o modelo aqui proposto.

dIsCUssÃo GeRalA escavação dos três sepultamentos da

etapa atual das pesquisas de campo no sam-baqui do Amourins, e a revisão dos manus-critos da escavação anterior da década de 1980, indica que as deposições mais direta-mente associadas aos funerais são as seguin-tes: 1) uma acumulação de conchas, princi-palmente ostreas inteiras, espécie de plataforma com concentrações avermelha-das, coloridas pela presença de grande quan-

tidade de ossos de peixe e algum ocre disper-so, que se encontra sob os ossos, formando um pacote que os contem; 2) uma camada de espessura variável contendo sedimento are-noso, muitos carvões e ossos de peixes, al-guns deles queimados, além de lentes de cin-zas por vezes estratificadas, onde os corpos foram depositados; 3) um arranjo aparente-mente intencional de ossos de peixe e con-chas, em especial carapaças de lucina, com a face interna voltada para o corpo, formando uma cobertura para o sepultamento e em al-guns casos estendendo-se para além do cor-po; 4) uma fogueira cujo centro é uma espes-sa lente de cinzas, com muita concha calcinada, e que parece ter sido sobreposta às conchas que cobriram o corpo. Cabe notar que esta mesma cena foi identificada durante a retirada do Sepultamento 1, apontando para um certo padrão.

No caso do sepultamento C, esta fogueira parece poder ser a origem do depósito que se estende e mergulha junto à cabeça, e onde se encontram grandes carvões, ossos de peixe queimados e conchas, em solo marrom ou enegrecido. Apesar da relação aparente entre o núcleo de cinzas e o depósito de material queimado, o mergulho irregular do material queimado, sugere que pode haver a sobrepo-sição de dois momentos construtivos onde a queima, preparo e oferenda de alimentos re-presentasse o componente principal das ati-vidades funerárias. A presença de um nível aparentemente mais estratificado, mais pró-ximo aos ossos, onde a decapagem mostra a deposição de material lítico, no sepultamento C, sugere que o bolsão de material queimado, e as grandes ostreas que penetra e perturba a estrutura, possa representar um quarto mo-mento de deposição, mais tardio, ainda que também relacionável ao funeral.

Ao contrário do que havia se pensado ini-cialmente, de que a camada monticular de ostras constituía um único pequeno mound

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recobrindo cada sepultamento, a análise es-tratigráfica dos 3 perfis expostos pela abertu-ra da área para a retirada dos sepultamentos permitiu identificar a presença de pelo me-nos 5 estruturas em forma de mounds reco-brindo os corpos dos dois sepultamentos (Sep A e Sep C). Isto reforça a idéia de sobre-posição de momentos associados ao processo construtivo que é parte do ritual funerário.

A presença de fogueiras anteriores, com lentes de cinzas medindo mais de 5cm de es-pessura, na parte central do pedestal sob a área do sepultamento, pode ter sido da prepa-ração funerária. Sua presença certamente proporcionou suporte mais firme, funcio-nando como a camada de conchas, mantendo os ossos de braço e tórax presos e firmes em seu nível. No sepultamento C, os sinais de queima nos ossos dos braços, além do conta-to direto de alguns ossos com uma das lentes de cinza abaixo do corpo sugerem fortemen-te que o corpo tenha sido colocado direta-mente sobre uma área de queima, preparada para este corpo. As fraturas térmicas parecem estar presentes, mas tratando-se de enterro primário este aquecimento não teria se dado pela exposição direta dos ossos ao fogo, não havendo sinais de cremação verdadeira, pare-ce haver apenas exposição a fogo temporário, ou ao calor irradiado de estruturas previa-mente utilizadas.

A presença de fogueiras monumentais, de imensas quantidades de ostreas, alternando--se com camadas ou bolsões de mariscos, onde há muitos ossos de peixe (destacando--se as pescadas e as miraguaias), além de muito carvão, parece estar sempre acima dos esqueletos. No entanto, a sua distribuição ex-tensiva em todo o sítio, formando linha con-tínua e irregular onde destacam-se as ostreas, deve ser melhor esclarecida. Sobre o sepulta-mento C, mais detalhadamente escavado, o pacote formado por esta acumulação está junto à cabeça do esqueleto, espalhando-se

sobre parte do corpo e diminuindo de espes-sura a medida em que nos aproximamos da região pélvica. Sua estrutura irregular apro-funda-se interferindo nas camadas inferiores e cortando lentes de cinza, tal como se verifi-ca junto ao sepultamento C, no bolsão junto a cabeça. A deposição de diferentes tipos de material em diferentes graus de queima (me-xilhões desagregados, mexilhões calcinados e resistentes, ostreas, conchas trituradas, ossos de peixes de grande tamanho, etc) caracteriza este depósito, que alterna uma consistência frouxa e úmida com partes mais concrecio-nadas representadas pelas grandes ostreas. Há perturbação visível do esqueleto. Partes ósseas como o ombro e a calota craniana do sepultamento C parecem ter-se deslocado para dentro deste bolsão, desorganizando-se e fragmentando-se neste processo. Este tipo de estrutura parece descontínuo com as ca-madas estratificadas dos dois montículos que ladeiam o sepultamento C. Como hipóteses interpretativas, devem ser consideradas duas possibilidades: a deposição do corpo sobre a plataforma em uso e fogueiras relacionadas à preparação do local para o funeral, e a cons-trução mais tardia de áreas de queima na área dos montículos que cobriam os corpos, pro-porcionando novos impactos térmicos e transformações na área do sepultamento, in-tencional ou acidentalmente.

Somados os três sepultamentos recupera-dos pelo projeto Sambaquis MGM, e o sepul-tamento descrito por Heredia na década de 1980, há quatro indivíduos adultos sepulta-dos no sambaqui do Amourins, cujas estru-turas funerárias puderam ser mais detalhada-mente investigas. Um quinto sepultamento, indicado e deixado no sítio pelas escavações dos anos 1980 aguarda como testemunho.

As descrições até agora obtidas foram consistentes, parecendo ter sido depositados na periferia de pequenos montículos, sobre leito de conchas duras e ossos de peixe, e sob

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camada expressiva de conchas com muitas ostras, mais ossos e outros vestígios queima-dos, algum ocre e claro, as valvas de lucinas. Associação dos corpos com fogueiras, propo-sitadamente preparadas no local de coloca-ção dos corpos, ou aproveitadas do uso ante-rior também parece recorrente, assim como a presença de lentes de cinzas e fogueiras sobre os corpos, embora estejam também presentes em áreas onde não se observou tal associação. Um padrão de enterros primários e estendi-dos em decúbito dorsal, ou ventral, e a escas-sez de artefatos associados parece também compartilhada.

A escavação anterior chegando a 24m2 do sítio, somada a uma área de 18,5m2 e mais 18m lineares de pefil estudados pelo projeto atual, permite supor como ponto de partida que a densidade de sepultamentos não seria alta e que a sua presença estaria restrita aos níveis inferiores do sambaqui.

A retomada da investigação em Amou-rins confirma a complexidade dos proces-sos construtivos dos sambaquis e principal-mente, das estruturas funerárias que são amplas e compostas de diferentes materiais formando um arranjo espacial característi-co de cada fase do ritual de sepultamento. Conchas, abertas e fechadas; ossos de peixe, articulados e desarticuladas; fogos, longos ou rápidos, e corantes se combinam de dife-rentes maneiras formando um palimpsesto que apenas estudos detalhados podem vis-lumbrar.

Nesse contexto cheio de significado, a retomada de escavações em superfície am-pla, tal como feito em alguns poucos sítios no Brasil, será de grande importância a par-tir dos novos modelos que vem sendo pro-postos, para compreensão dos espaços fu-nerários e sua relação com a construção dos sambaquis brasileiros. É necessário obter mais informações sobre a preparação do terreno para receber os corpos e avançar so-

bre o estudo comparativo do tratamento das diferentes partes do corpo dos samba-quieiros para que se possa avançar sobre o entendimento da construção social do cor-po pelos pescadores-coletores e de seu tra-tamento frente à morte. Com as indicações obtidas através do estudo dos esqueletos procedentes do sambaqui de Amourins, ca-beça, tronco e membros como, também, lado direito e esquerdo, parecem ter sido imbuídos de significado social distinto pe-los sambaquieiros.

Finalmente é interessante que os sepul-tamentos do Amourins apontaram para duas coincidências com o descrito para ou-tro sambaqui do estado do Rio de Janeiro. Além da presença de lucinas, a ocorrência de associação com fogueiras e com marcas de estacas lembra o que foi descrito por Kneip e Machado (1993) para o sambaqui da Beirada, ocupado em período seme-lhante ao do Amourins. Outra coincidên-cia é a deposição do corpo em posição es-tendida, que no Beirada além de ocorrer em maior número, apresenta distinção en-tre homens e mulheres (decúbito dorsal e ventral) em uma das camadas atribuídas à ocupação por aquelas autoras. Talvez as se-melhanças não sejam coincidência, mas estejam relacionadas ao uso simbólico de moluscos e áreas de queima nos rituais fu-nerários. Da mesma forma foi observada a coincidência de sepultamentos estendidos em ambos os sítios, o que parece poder es-tar relacionado aos enterros de períodos mais recuados, tal como observado tam-bém na base do sambaqui de Cabeçuda, em Santa Catarina (Faria, 1955). Estas, no en-tanto, são mais algumas hipóteses a serem testadas adiante.

aGRadeCImeNtos: À FAPERJ - Funda-ção Carlos Chagas Filho de Amparo à Pes-quisa do Estado do Rio de Janeiro.

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104ARTIGO

EscavaçõEs no sítio lii-29,

sambaqui dE sErEia do mar

Gustavo Peretti wagner1

1- arqueólogo, dr stRata - Consultoria em arqueologia e Patrimônio Cultural. [email protected]

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA Vo lume 21 - N .2 : 104-119 - 2012

ResUmo:As escavações no Sambaqui de Sereia do

Mar caracterizam uma tentativa de reconhe-cer as estruturas arqueológicas internas des-te tipo de sítio arqueológico na Barreira da Itapeva, litoral norte do Rio Grande do Sul. O método de escavação empregado ocorreu através de níveis artificiais com 5cm em uma área total de 18m2. O sítio é basicamente for-mado por valvas de Mesodesma mactroides (Deshayes, 1854). Não foram identificadas evidências de estruturas de habitação nem sepultamentos. Os artefatos encontrados caracterizam-se por contas de colares e pin-gentes em ossos e conchas, bem como per-cutores, lâminas de machados semi-polidas, bigornas e placas polidas líticas. Ocorreram também lascas térmicas e lascas de prepara-ção de instrumentos. As matérias primas lí-ticas selecionadas compõe-se de basalto, diorito e o diabásio.

PalavRas-Chave: Sambaqui, Barrei-ra da Itapeva, Escavação.

abstRaCt:Excavations at Sambaqui (shell-mound)

Sereia do Mar featuring an attempt to recog-nize the internal structures of this type of ar-chaeological site on the Itapeva barrier, nor-thern coast of Rio Grande do Sul. The excavation method was applied by artificial levels of 5cm in an area of 18m2. The site is basically made up of valves of Mesodesma mactroides (Deshayes, 1854). None evidence of housing structures or burials was detected. The artifacts found are characterized by bea-ds and pendants collar made of bones and shells, as well as hammerstones, semi-poli-shed axe blades, anvilstones and polished li-thic-slabs. Were also found flakes and ther-mal flakes. The lithic raw-material selected is composed of basalt, diorite and diabase.

KeywoRds: Sambaqui (shell-mound), Itapeva barrier, excavation.

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EscavaçõEs no sítio Lii-29, sambaqui dE sErEia do mar Gustavo Peretti Wagner

lado, a proximidade da malha urbana condi-cionou a progressiva destruição, seja pela retirada das camadas conquiológicas para pavimentação urbana, seja pela retirada das camadas húmicas para floricultura e jardi-nagem locais. Neste sentido, considera-se aqui que toda a arqueologia acadêmica a ser desenvolvida em áreas em urbanização deve ser empreendida sob a ótica da arqueologia de salvamento (no sentido dado por Adkins; Adkins, 1982; Barker, 1982). A situação to-pográfica do Sereia do Mar difere dos sítios do entorno, pois encontra-se em terreno plano, não configurando uma elevação em forma de domo. Presumiu-se que seu soter-ramento por processos eólicos poderia indi-car maior preservação das estruturas inter-nas às camadas, bem como maior antiguidade, presunção, esta última, não confirmada, pois o Sambaqui de Sereia do Mar revelou-se, para surpresa da equipe, o mais recente de todos os sambaquis da Bar-reira da Itapeva.

aRQUeoloGIa dos sambaQUIs No RIo GRaNde do sUl

Os sambaquis foram alvo de interesse das primeiras pesquisas arqueológicas desenvol-vidas no País, empreendidas por naturalistas com formação no exterior, ou eruditos brasi-leiros e estrangeiros encorajados por iniciati-vas e financiamento Imperiais (Souza, 1991). Como reflexo do contexto histórico da pes-quisa científica brasileira, a pré-história do sul do País passou a ser alvo de interesses já nas décadas finais do século XIX.

As primeiras intervenções conduzidas em sambaquis no litoral do atual Estado do Rio Grande do Sul são creditadas a Ladisláu Netto, que escavou os sambaquis da antiga Vila de Torres antes de meados da década de 1870.

Ao longo de mais de um século de pes-quisas, o ritmo e intensidade das atividades

INtRodUÇÃoAs atividades de pesquisa realizadas nos

sambaquis do litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul foram desenvolvidas no âm-bito do Projeto “Memória, Paisagem e de-senvolvimento Regional, Pesquisas Arqueo-lógicas, Históricas e Educação Patrimonial no Litoral Norte, RS” ao qual este autor este-ve vinculado entre os anos de 2009 e 2011 na qualidade de pós-doutorando CAPES--PNPD, sob orientação do prof. Dr. Klaus Peter Kristian Hilbert.

O presente trabalho se caracteriza como uma síntese das escavações realizadas no sí-tio LII-29 Sambaqui de Sereia do Mar, no qual buscou-se a identificação das estruturas arqueológicas que compõem suas camadas em uma perspectiva sincrônica, uma vez que a composição estratigráfica e a sequência cronológica dos sambaquis da Barreira da Itapeva já haviam sido satisfatoriamente elu-cidadas em Wagner (2009a). O objetivo mais específico das escavações neste sítio consis-tiu na evidenciação de possíveis unidades habitacionais. A tentativa foi impulsionada pelos trabalhos no Sambaqui de Xangri-Lá (Kern, 1985) onde marcas de estacas no for-mato de trempes circundavam fogueiras, no Sambaqui de Itapeva (Kern, 1984; Kern; La-Salvia; Naue, 1985; Thaddeu, 1995), onde inúmeras marcas de postes estavam distribu-ídas aleatoriamente, impedindo a compreen-são clara da morfologia das habitações e, por fim, no Sambaqui do Recreio (Wagner, 2009a), onde fogueiras foram identificadas, mas nenhuma marca de estaca ou poste acompanhava estas estruturas.

A escolha do Sambaqui de Sereia do Mar para escavação deu-se em razão da logística de campo, pelo risco de sua eminente des-truição e por sua situação topográfica. A proximidade da malha urbana permitiu a fácil acomodação das equipes durante as três campanhas de escavação. Por outro

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foram extremamente variados. Contudo, as temáticas estudadas não acompanharam esta variabilidade, concentrando-se intensa-mente na origem dos depósitos, em suas re-lações com as transformações no ambiente e nas foras de exploração do meio. De forma ampla, é possível estabelecer quatro perío-dos em que se desenvolveram as pesquisas: 1- entre 1884 e 1937, 2- década de 1950 ao ano de 1970, 3- década de 1980 e 4- década inicial de 2000.

A década de 1880 pode ser considerada precursora nos estudos, momento em que os eruditos Theodor Bischoff e Karl von Ko-seritz publicaram trabalhos pioneiros. Kose-ritz (1884a, 1884b) localizou e estudou di-versos sítios litorâneos, reunindo uma coleção reconhecida nacionalmente pela diversidade de objetos. Os sambaquis men-cionados pelo autor correspondem à antiga Conceição do Arroio e Tramandaí (Kose-ritz, 1884b).

Em 1887 Theodor Bischoff publicou, em língua alemã, suas pesquisas sobre os sam-baquis do Estado, tendo sido traduzidas à língua portuguesa três décadas mais tarde (Bischoff, 1928). Informa sobre a existência de grandes sambaquis em Torres, mas não desenvolve o tema, concentrando suas esca-vações na região dos lagos dos atuais muni-cípios de Cidreira e Tramandaí. Naqueles sítios foram encontradas grandes concen-trações de artefatos cerâmicos e, inclusive, objetos do período histórico.

Ihering (1895) identifica diversos tipos de objetos vinculados aos sambaquis do lito-ral de Torres, Cidreira e Tramandaí, desta-cando lâminas de machado bolas de bolea-deira e itaizás, enfocando o crescimento da porção emersa do litoral distanciando os sambaquis do oceano.

Paldaof (1900) limita-se à descrição de uma grande coleção reconhecida nacional-mente, reunida pelos irmãos Alfredo e Ota-

cílio Barbedo, a qual correspondia diversos objetos coletados nos sambaquis de Torres, incluindo três objetos zoomorfos, sendo dois líticos e um ósseo (estampa IV, figs. 8, 9 e 13, no original).

Ihering (1904) faz referência a um ca-chimbo tubular da coleção dos irmãos Bar-bedo procedente do sambaqui das Pombas, nas proximidades de Tramandaí. Ao descre-ver as lagoas do Estado, Roquette-Pinto (1970[1906]) menciona a Lagoa, situando-a nas proximidades da Lagoa do Armazém.

Em 1906 Edgard Roquette-Pinto, como emissário do Museu Nacional, realizou o re-conhecimento e escavação dos sambaquis da região das lagoas do litoral norte, estabe-lecendo uma primeira distinção entre os sambaquis propriamente ditos e os Kjo-ekkenmoeddings. As pesquisas concentra-ram-se nas margens do Arroio do Sal e na antiga Vila de Torres. Noticia a existência de um concheiro fluvial no Capão do Quirino, “...onde existe um sambaqui em pequenas colinas arenosas, cobertas de mato alto. Só encontrei conchas gênero Bulimus; nada mais.” (Roquette-Pinto, 1970[1906]: 26).

Rudolf Gliesch (1925) realizou estudo sistemático a respeito da fauna de Torres, onde publicou esparsas considerações sobre os sambaquis, apresentando, contudo, o único registro fotográfico de um sepulta-mento em sambaquis no Estado. Gliesch (1932) posicionou-se quanto à intensa dis-cussão sobre a origem dos sambaquis que se desenvolvia em âmbito nacional desde o sé-culo anterior, considerando-os naturais.

A contribuição do arqueólogo argentino Antonio Serrano marca o final de um pri-meiro período de intensas pesquisas nos sambaquis do Estado. Serrano (1937) sinte-tizou os dados disponíveis, consultou e des-creveu as principais coleções existentes pro-pondo um quadro geral explicativo para o povoamento indígena da região. Brochado

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(1969) dá destaque à contribuição de Serra-no e atribui a ele o papel de redirecionar as pesquisas arqueológicas, deslocando o foco das atenções de forma pioneira para as con-tribuições etnográficas, redirecionando a Arqueologia da região meridional do Brasil.

O litoral norte tornou a ser alvo do inte-resse arqueológico apenas com as atividades de Ascânio Ilo Frediani (1952) que escavou três sambaquis em Torres, os quais conside-rou Kjoekkenmoeddings (no sentido dado por Roquette-Pinto, 1970[1906]; Serrano, 1937) Presenciou a definitiva destruição dos sítios pela ampliação da malha urbana do município.

No final dos anos 1950 Pedro Ignácio Schmitz (1958) relata a presença de acúmu-los de conchas em sítios situados às margens do rosário de lagoas do litoral norte, asso-ciados à grande multiplicidade de artefatos, incluindo objetos Guarani, Taquara, Umbú e coloniais.

A primeira tentativa de síntese sobre a formação geológica da planície costeira do Rio Grande do Sul deve-se a Delaney (1965), momento em que diversos sítios arqueológi-cos foram mapeados. Na área de ocorrência dos sambaquis, os sítios encontrados con-centraram-se nas imediações do Rio Mam-pituba.

Com a implantação do Programa Nacio-nal de Pesquisas Arqueológicas (PRONA-PA), entre 1965 e 1970, intensificaram-se os levantamentos e prospecções em todo o Es-tado, principalmente na região nordeste e no litoral norte. Naquele período Eurico Miller localizou uma dezena de sambaquis na margem leste das lagoas dos Quadros, do Passo e Itapeva, nos atuais municípios de Osório, Xangri-lá, Capão da Canoa e Ma-quiné (Miller, 1967, 1969, 1974).

Enquadram-se ainda neste período as tentativas de sínteses realizadas por Miguel Bombim (1964-1965) e Ruy Ruben Ruschel

(1966[2003]). Como marco final deste perí-odo coloca-se o primeiro trabalho de Arno Kern no litoral norte, que retomou o estudo das coleções tornando pública a existência de zoólitos e diversos instrumentos de ele-vado apreço estético da coleção Max Ode-rish (Kern, 1970).

A década de 1970 foi marcada pelo com-pleto abandono das pesquisas arqueológicas na região de Torres-Tramandaí e, por conse-quência, em sambaquis. Foi apenas na pri-meira metade dos anos 1980 que escavações sistemáticas foram empreendidas nos Sam-baquis de Itapeva e Xangri-lá (Kern, 1984, 1985, 1997; Kern; Lasalvia; Naue, 1985; San-tos, 1985; Tocchetto, 1987; Jacobus; Gil, 1987; Vietta, 1988; Gazzaneo; Jacobus; Momberger, 1989; Thaddeu, 1995; Rosa, 1996; Jacubus, 1996, 1997).

Ocorreram ainda levantamentos ao lon-go das lagoas do litoral norte, realizados por Jussara Becker, cujos resultados foram par-cialmente publicados até o momento (Be-cker, 2007, 2008). Ainda na década de 1970, Pedro Ribeiro registrou três sítios arqueoló-gicos na região de Balneário Atlântico, re-gião norte do município de Arroio do Sal, bem como noticiou a existência de um zoó-lito no Sambaqui de Xangri-lá (Ribeiro, 1982).

A década inicial dos anos 2000 é caracte-rizada como o estágio atual de desenvolvi-mento da arqueologia dos sambaquis no li-toral do Rio Grande do Sul. Os trabalhos desenvolvidos por Wagner (2004) permiti-ram a re-localização de sítios descobertos nos anos 1960. O ano de 2006 é marcado pelo início do projeto “Arroio do Sal: a ocu-pação indígena pré-histórica no litoral norte do Rio Grande do Sul” desenvolvido pela equipe do IAP/UNISINOS (Rogge; Schmitz; Rosa, 2007; Rogge; Schmitz, 2010). O muni-cípio destaca-se pela iniciativa preservacio-nista que o caracteriza como uma reserva de

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o sítIo e as CamPaNhas de esCa-vaÇÃo

O LII-29 está localizado na porção central da Barreira da Itapeva, Balneário Sereia do Mar, município de Arroio do Sal (ver figura 01). Dista apenas 750m da atual linha de cos-ta, situada a leste do sítio, possuindo uma ex-tensa área alagada, na forma de um banhado, 200m a oeste do sambaqui. Inicialmente imaginou-se tratar de uma paleolagoa, atual-mente colmatada, em estágio final do proces-so evolutivo “laguna-lagoa-pântano-turfa” já descrito em Tomazelli; Willwock, (1991).

Contudo, o con-tato com os mo-radores locais possibilitou a in-formação de que o referido acú-mulo de água é decorrente da abertura de ca-nais para drena-gem dos campos de criação animal situados às mar-gens da Lagoa da Itapeva.

Topografica-mente o sítio não apresenta a habi-tual feição cupu-

liforme configurando, superficialmente, uma plataforma de valvas de moluscos abso-lutamente plana. Em contraste aos demais sambaquis da região que situam-se em meio a campos de dunas eólicas ativas ou em pro-cesso de fixação e, em especial, ao Sambaqui da Marambaia, distante apenas 500m para nordeste, o Sereia do Mar encontra-se meio a um manto de dispersão eólica. A camada arqueológica em Sereia do Mar encontra-se a 2.80m abaixo da camada do sítio de Ma-rambaia e, a associação das condições refe-

pesquisa científica, salvaguardando os prin-cipais sambaquis atualmente existentes na região.

Entretanto, foi apenas com o desenvolvi-mento posterior de atividades conjuntas de campo e gabinete que foi disponibilizada a sistematização completa das informações acerca dos sambaquis do litoral norte do Es-tado (2009a, 2009b). Estas pesquisas estão correlacionadas ao projeto “Arqueologia do Litoral Norte do Rio Grande do Sul”, desen-volvido em conjunto com a equipe do CEPA/PUCRS.

As pesquisas daquelas instituições per-mitiram a construção de um quadro crono-lógico (ver tabela 01), permitindo a avalia-ção do processo de povoamento das populações pescadoras-coletoras na Barrei-ra da Itapeva.

Atualmente as pesquisas em sambaquis da região setentrional da costa sul-rio-gran-dense são marcadas pelas atuações conco-mitantes do CEPA/PUCRS e IAP/UNISI-NOS, dando continuidade aos projetos iniciados há cerca de meia década.

Sambaqui Datação C14 Procedência Estratigráfica

Coordenada Oeste

Coordenada Sul

Município Fonte

Itapeva 3.130 ± 40 Base 620357 6748814 Torres Wagner (2009a)

Recreio 3.350 ± 50 Camada I 617757 6745799 Torres Wagner (2009a)

Recreio 3.540 ± 50 Camada IV - - Torres Hilbert (2010)

Dorva 1.110 ± 40 73cm - Base 608725 6744413 Três Cachoeiras Wagner (2009a)

Arroio Seco 3.310 ± 40 Base 614713 6741510 Arroio do Sal Rogge; Schmitz (2010)

Figueira 3.660 ± 40 Base 612317 6738438 Arroio do Sal Rogge; Schmitz (2010)

Marambaia 3.050 ± 40 Camada 13-

Base 605629 6728013 Arroio do Sal Rogge;

Schmitz (2010)

Sereia do Mar 2.360 ± 60 35cm - ? 605650 6727518 Arroio do Sal -

Camping 3.420 ± 60 Camadas III e IV

601446 6721581 Arroio do Sal Wagner (2009a)

Tabela 1- Cronologia dos sambaquis do litoral norte do Rio Grande do Sul.

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ridas, conduziu a equipe a atribuir maior antiguidade ao LII-29, hipótese não confir-mada pelo posterior resultado da datação radiocarbônica.

A área total de dispersão das valvas de moluscos e artefatos arqueológicos mede 65m no sentido noroeste-sudeste e 55m no sentido nordeste-sudoeste, embora a área de maior concentração resuma-se a 20m x 20m. No interior desta área foi estabelecida a escavação em uma superfície de 6m no sentido noroeste-sudeste e 3m no sentido nordeste-sudoeste. Foram realizadas três campanhas de escavações no sítio empreen-didas entre 5 e 20 de Dezembro de 2010, 16 e 30 de Janeiro de 2011 e 10 e 25 de Julho de 2011. Os trabalhos de campo totalizaram 47 dias, somando mais de 370 horas de pesqui-

sa intensiva. A camada arqueológica atingiu 75cm de profundidade média, quando fo-ram interrompidas e apenas sondagens rea-lizadas nas extremidades noroeste e sudeste ultrapassaram esta profundidade.

O método de escavação empregado ba-seou-se no estabelecimento de níveis artifi-ciais de 5cm de espessura em unidade de 1m2 dispostas em grid. As unidades métricas e centimétricas foram utilizadas para o registro das secções verticais e horizontais sendo as escalas 1:10cm aplicadas às plotagens hori-zontais de artefatos e feições de todos os ní-veis em todas as unidades de escavação (qua-drículas) e 1:20cm utilizadas no registro dos perfis verticais de toda a área de escavação. Toda a metodologia de escavação e registro de campo foi baseada em Barker (1982).

Figura 1 - Mapa do litoral norte do Rio Grande do Sul apresentando as localizações dos sambaquis datados na Barreira da Itapeva. Base cartográfica: CNPM-EMBRAPA, SH-22-X-C-V (1:100.000).

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das por estratos arenosos estéreis arqueolo-gicamente (cf. Kern, 1984; Wagner, 2009a).

O sambaqui de Sereia do Mar, a exemplo dos demais sítios da região, apresenta uma camada arqueológica com 75cm de espessu-ra máxima. A observação em campo dos perfis sudoeste e nordeste indica a remoção da parte superior do sítio, uma vez que há estreitas camadas de conchas que inclinam--se em direção à superfície e são abrupta-mente interrompidas (ver figura 02), não apresentando o princípio básico da conti-nuidade lateral (no sentido dado por Harris, 1991). A perturbação recente do sítio está igualmente representada nas seções verti-cais do vértice nordeste-noroeste, onde uma

perturbação (abertura de um buraco para enterro de lixo – sacola plástica) encontra-se sotoposta a um fino pacote de areia eólica clara na qual um estrato de 2cm de material conquiológico a 8cm da super-fície selou a perturbação an-trópica, indicando a dispersão eólica extremamente recente do material aflorante do sítio. A mesma composição foi identificada em uma sonda-gem de 16m2 realizada no inte-rior da área demarcada (40m x 40m) situada a 15m para sudo-este da área de escavação, onde o mesmo estrato centimétrico

de conchas, a 4cm de profundidade, no inte-rior de um pacote de areias eólicas sobre-põe-se a fragmentos de telhas esmaltadas (segunda metade do século XX), situadas a 44cm de profundidade.

As secções verticais de Sereia do Mar in-dicam três pontos de perturbações na estra-tigrafia do sítio: 1) vértice noroeste onde uma cavidade de 30cm de diâmetro foi feita para enterrar uma sacola plástica com lixo a

Todo o material arqueológico, conquioló-gico e sedimento escavados foi peneirado em peneiras de malha 3mm com ajuda de tan-ques de decantação, onde as peneiras eram descansadas para a precipitação do sedimen-to e permanência dos demais componentes da estratigrafia do sítio. Todo o material foi triado em campo e acondicionado preservan-do cada nível artificial de cada uma das qua-drículas. a numeração e catalogação foi ini-ciada apenas em laboratório.

ComPosIÇÃo estRatIGRáfICa e CoNteÚdo CUltURal

A despeito do caráter monumental con-ferido a alguns sítios dos estados de Santa

Catarina e Paraná, onde chegam a atingir 30m de altura, aspecto já destacado em Wie-ner (1876) e retomado em DeBlasis et al., (1998), os sambaquis do Rio Grande do Sul não ultrapassam 2m. Os sítios da barreira da Itapeva situam-se sobre dunas, e suas altitu-des não correspondem à espessura da cama-da arqueológica que, invariavelmente, com-põe-se de unidades estratigráficas de proporções não superiores a 1m intercala-

Figura 2 - Área de escavação: à esquerda, secção nordeste onde pode ser per-cebida a perda da continuidade lateral das camadas de topo do sítio, ao fundo secção sudeste. Fotografia: do autor.

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EscavaçõEs no sítio Lii-29, sambaqui dE sErEia do mar Gustavo Peretti Wagner

35cm de profundidade, 2) perfil sudoeste, próximo ao perfil sudeste onde um buraco de 120cm foi aberto até a base da camada de conchas, a 55m de profundidade, dentro do qual um fragmento de “argola de pedra” foi enterrado e, 3) no perfil nordeste, em frente ao anterior, outro buraco com 65cm de lar-gura foi encontrado, desta vez, com profun-didade de 40cm. A primeira vista parece evidente tratarem-se estes dois últimos uma mesma perturbação que teria atravessado toda a área de escavação na forma de uma

trincheira. Contudo, a escavação demons-trou tratarem-se de duas intervenções loca-lizadas e diferentes.

Estratigraficamente o sítio parece ter duas áreas de composições bastante diversas: 1) setor sudeste onde as camadas de conchas são estreitas e a concentração de carvões em unidades estratigráficas terrígenas forma ca-madas que intercalam-se às conquiológicas sucessivamente no perfil e, 2) setor noroeste onde as camadas de sedimentos escuros não

se fazem presentes e concentram as ativida-des de descarte e construção da camada de conchas propriamente dita.

No setor sudeste a estratigrafia apresenta uma sucessão de três camadas de coloração castanho-escuras enegrecidas pela concen-tração de cinzas e carvão intercaladas por apenas duas camadas conquiológicas alcan-çando, todas elas, apenas 38cm de espessura (ver figuras 02 e 03). No topo do perfil há a presença tênue do paleosolo, indicando, tal-vez, que nesta extremidade do sítio não tenha

ocorrido a remoção das camadas. Nesta a to-nalidade enegrecida se faz bem mais sutil quando comparadas às inferiores. Contudo, o paleosolo presente na extremidade noroes-te do sítio é estéril arqueologicamente o que coloca em dúvida a integridade do topo do setor acima descrito. A datação radiocarbô-nica realizada (ver tabela 01) corresponde a carvões coletados em uma fogueira com es-pessura de 10cm, presente entre os níveis 25-30cm e 30-35cm situada na base deste perfil,

Figura 3 - Porção sul da secção sudeste, proximidade do vértice sudeste-sudoeste da área escavada.

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no vértice dos perfis sudeste e nordeste. Na base do perfil, separada do pacote de cama-das superiores por um estrato de areia estéril com 20cm de espessura, ocorre uma camada centimétrica de tonalidade castanha clara sem a presença de valvas ou carapaças de moluscos, contendo apenas ossos de peque-nos peixes (muito decompostos), um chifre de cervídeo, seixos e blocos tabulares de ba-salto. Esta camada, infelizmente, não foi da-tada por C14.

Destaca-se que as estruturas de cocção de alimentos presentes apenas neste setor são evidenciadas pela presença de moluscos calcinados, ossos de peixes e artefatos líti-cos. Os moluscos correspondem a carapa-ças de gastrópodes calcinados de propor-ções médias Olivancillaria urseus (Röding, 1798), Olivancillaria auricularia (Lamarck, 1811) e Olivancillaria vesica (Gmelin, 1791), mas, sobretudo espécies gastrópodes de pequenas proporções como Olivancilla-ria carcellesi (Klappenbach, 1965) e Olivan-cillaria contortuplicata (Reeve, 1850) estas, raramente foram encontradas no concheiro propriamente dito (setor noroeste). Foram

encontradas ainda algumas poucas carapa-ças do gênero Megalobulimus sp. queima-das e parcialmente fragmentadas indicando claramente seu consumo. Pingentes de co-lar foram confeccionados em conchas das espécies Olivancillaria urseus (Röding, 1798) e Olivancillaria vesica (Gmelin, 1791) e, para surpresa da equipe, em carapaças de um molusco terrestre Drymaeus henselii (Bulimulidae) pela primeira vez encontra-do nos sambaquis da Barreira da Itapeva. Os ossos de peixes queimados caracteri-zam-se basicamente como vértebras, otóli-tos, pré-maxilares, placas de neurocrânios e nadadeiras caudais, indicando que os pei-xes eram assados inteiros. Os ossos apre-sentam pequenas proporções sugerindo a preferência por pesca com rede. Ossos de mamíferos foram encontrados apenas neste setor e compõem-se de cetáceos, inclusive estruturados no entorno de uma mancha de carvões e cinzas, delimitando-a, e uma epí-fise fragmentada da perna de um cervídeo (nível 15-20cm).

Junto às estruturas de combustão con-centram-se os objetos líticos do LII-29. Ca-

racterizam-se como lascas de preparação de instrumentos, lascas de destacamentos tér-micos, lascas polidas, núcleos, percutores, bigornas, placas polidas, um fragmento de “itaizá” e lâminas de machado parcialmente polidas sem en-talhes para encabamento. As matérias primas seguem os pa-drões encontrados em samba-quis do sul do Brasil, sendo utilizados o basalto, o diorito e o diabásio. Não há, até o mo-mento das pesquisas, indícios do uso de quartzo ou calcedô-nia nos sambaquis da Barreira da Itapeva.

Figura 4 - Setor noroeste da área de escavação apresentando a concentração de conchas e, ao fundo, perfil noroeste evidenciando a presença do paleosolo sobre o concheiro.

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Junto às estruturas de combustão e coc-ção foram por vezes encontradas manchas de tonalidades vermelhas interpretadas como concentrações de óxido de ferro. Da mesma forma, foram encontradas em todas as quadrículas da área escavada, concreções ferruginosas em nódulos. Imaginou-se ini-cialmente que poderiam tratar-se de estru-turas mortuárias (nunca escavadas nos sam-baquis do Estado), mas o prosseguimento da escavação não confirmou a hipótese. O fato de nenhuma concreção apresentar mar-cas de raspagem, acrescido de sua dissemi-nação em todas as áreas do sítio, em con-traste com as manchas, sugere tratar-se de um fenômeno pós-deposicional, associado à tafonomia da camada arqueológica. Corro-borando esta interpretação há a presença de manchas ferruginosas recapeando concen-trações de cinzas e aglutinando-se sobre conchas e ossos, cimentando grânulos de areia sobre estes materiais carbonáticos. Sugere-se que os horizontes de cinzas te-nham atuado na retenção da unidade que migra por percolação através dos sedimen-tos arenosos em períodos de pluviosidade, condicionando a oxidação do Fe2 e posterior fixação. Tendo em vista a existência de um paleosolo húmico sobre o sítio (horizonte pedológico A) torna-se provável que o paco-te arqueológico como um todo tenha, em algum momento do passado, se constituído em horizonte B e, sendo característico deste horizonte a retenção de minerais transpor-tados verticalmente de A, é plausível o cará-ter tafonômico das ocorrências tanto das manchas quanto dos nódulos.

No setor noroeste a estratigrafia apresen-ta dois pacotes básicos: 1) o paleosolo e 2) o concheiro em si (ver figura 04).

Foi no limite noroeste da área de escava-ção onde o paleosolo anteriormente men-cionado se fez presente de forma mais didá-tica estendendo-se longitudinalmente por

todo o perfil a partir de 20cm de profundida e, por consequência, estimulou a abertura de uma sondagem para testar a extensão e profundidade do solo fora da área do sítio.

Neste setor do sítio concentraram-se as atividades de descarte das carapaças e valvas de moluscos bem como a construção da ca-mada conquiológica em si. O pacote relati-vamente homogêneo compõe-se de conchas muito trituradas de Mesodesma mactroides (Deshayes, 1854), com ocorrência bastante diminuta (e melhor preservadas) de outras espécies como Donax hanleyanus (Philippi, 1847), Pachycymbiola brasiliana (Lamarck, 1811), Mactra isabelleana (d’Orbigny, 1846), Amiantis purpurata (Lamarck, 1818) e Ton-na galea (Linaeus, 1758) além das demais espécies já descritas para o perfil sudeste. Esta camada estende-se até a profundidade de 75cm e possui camadas centimétricas de sedimentos mais escurecidos com carvões, sugerindo atividades pontuais e episódicas de queimadas que teriam recoberto toda a área do concheiro. Neste setor do sítio não há estruturas de combustão como as descri-tas para o setor sudeste, há apenas o acúmu-lo de conchas variadas estando, por vezes articuladas e fechadas (para os casos dos bivalves). Também não há objetos líticos, salvo raras exceções. Encontram-se ossos de peixes, principalmente as vértebras e neuro-crânios, pouquíssimos otólitos. De caráter excepcional foi a documentação de uma “couraça” inteira de uma corvina (Micropo-gonias furnieri) não assada, que foi encon-trada ainda com as escamas e otólito, mas sem qualquer outro osso.

A abertura da sondagem de 16m2 referi-da anteriormente foi motivada pela avalia-ção de um estrato de sedimentos arenosos de tonalidade castanha, interpretada pela equipe como um paleosolo, que se fez pre-sente no perfil noroeste. Estas mesmas ca-madas encontram-se em outros sambaquis

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da Barreira da Itapeva (cf. Wagner, 2009a) e as atividades de escavação em Sereia do Mar consistiram em boa oportunidade para uma compreensão mais clara dessa ocorrência no litoral norte do Estado. No Sambaqui do Re-creio o paleosolo encontrava-se no topo do sítio, associado à datação de 3.350 ± 50 A.P. No Sambaqui da Figueira, o mesmo solo foi encontrado no topo, sendo a base do sítio datada em 3.660 ± 40 A.P. Em Itapeva o pa-leosolo aparece na base do sítio, sotoposta à camada de ocupação e estende-se vertical-mente para o interior da camada arqueoló-gica datada em 3.130 ± 40 A.P. Imaginou-se então que o paleosolo pudesse corresponder a um estrato-guia oriundo de um episódio paleoclimático específico dentro do Holoce-no Recente, o qual teria possibilitado a eda-fisação da camada e o desenvolvimento de vegetação psamófila característica da Res-tinga (vegetação Pioneira cf. RADAM-BRA-SIL, 1986). Este episódio estaria diretamente relacionado ao povoamento dos pescadores--coletores dos sambaquis na Barreira da Ita-peva. Contudo, a datação de 2.360 ± 60 A.P. obtida para a ocupação em Sereia do Mar

indica a formação bastante posterior desta camada, suge-rindo diversos episódios de edafisação ao longo do Holo-ceno Recente.

Tendo em vista que o pelo-solo fez-se presente na seção noroeste do sítio, sobre a ca-mada de conchas propriamen-te dita, a equipe passou a deca-par a camada (em uma área de 6m2), até a exposição da super-fície do Sereia do Mar pois, se esta corresponderia a um solo do passado, selado pela ação eólica, seria possível a localiza-ção de estruturas arqueológi-cas contemporâneas ao térmi-

no da ocupação do sítio, preservadas das ações destrutivas recentes. Para surpresa da equipe, a camada de conchas mergulhava abruptamente sob o paleosolo, enquanto este possuía, no topo, orientação horizontal (ver figura 05). Nenhuma estrutura foi en-contrada no interior do paleosolo e, no con-tato deste com a superfície do sambaqui fo-ram evidenciadas diversas irregularidades na topografia (buracos), o que comprova a hipótese do solo corresponder à edafisação do campo de dunas, uma vez que tais irregu-laridades são características de sítios situa-dos junto a horizontes “A” de solos (cf. já observado por Harris, 1991 e Waters, 1992).

Na sondagem o paleosolo apresentou es-pessura superior a 1,40m e estendeu-se para o interior do lençol freático. A presença de duas linhas horizontais com 1cm a 2cm de espessura e coloração vermelha-alaranjada na proximidade da base da sondagem foi in-terpretada como limites da migração do fre-ático dentro do campo de dunas. Supõe-se que a variação da lâmina d’água correspon-da a episódios de intensa pluviosidade, con-dicionando a verticalização do nível de base.

Figura 5 - Exposição da camada arqueológica de topo do Sambaqui de Sereia do Mar demonstrando a horizontalidade do paleosolo, demonstrando incomple-tude dos estratos superiores.

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EscavaçõEs no sítio Lii-29, sambaqui dE sErEia do mar Gustavo Peretti Wagner

Destaca-se, contudo, que Villwock et al., (1986), Tomazelli; Villwock, (1989) e Toma-zelli; Villwock (2005) propuseram que a re-gressão marinha forçada por queda glácio--eustática que sucedeu ao máximo transgressivo de 5.100 A.P. teria se dado “aos saltos”, caracterizados por pequenas inver-sões no sentido da migração das águas oce-ânicas, interrompendo momentaneamente a tendência regressiva e, por consequência, pressionando o nível de base a uma migra-ção vertical. Entretanto, é impossível no atu-al estágio das pesquisas nos sambaquis da Barreira da Itapeva propor uma interpreta-ção mais segura para a ocorrência das fei-ções identificadas na base da secção sudeste da sondagem.

CoNsIdeRaÇÕes fINaIsEmbora marcas de estacas no formato

de trempes circundavam fogueiras tenham sido encontradas no Sambaqui de Xangri--Lá, diversas marcas aleatórias de postes tenham sido descobertas em Itapeva e es-truturas de fogueiras tenham sido caracte-rizadas no Sambaqui do Recreio, nenhuma estrutura de habitação foi documentada nos 18m2 escavados em Sereia do Mar. A figura 03 apresenta uma feição de tonalida-de enegrecida que se projeta de uma cama-da de mesma coloração em direção à base do perfil, parecendo tratar-se de um negati-vo de estaca. Feições análogas foram já ob-servadas em DeBlasis et al., (1998). O pre-enchimento terrígeno, com o mesmo sedimento da camada de origem acrescido de fragmentos de conchas indica, na inter-pretação assumida aqui, um preenchimento gradual de uma cavidade subsequentemen-te ao apodrecimento (ou retirada) de uma estaca e formação de uma cavidade. Desta-ca-se ainda o colapso da base da camada superior, preenchendo parcialmente o topo da feição.

Quanto à ocorrência de uma camada ba-sal em Sereia do Mar onde praticamente inexistem valvas ou carapaças de moluscos, é necessário destacar que estes fatos são re-correntes em outras regiões da América do Sul. Em trabalho síntese sobre o povoamen-to sul americano Lavallée (2000) observou que, na costa venezuelana, os sítios de adap-tação marítima possuem cronologias análo-gas às brasileiras (não superiores ao sétimo milênio). Os vestígios de caça de mamífe-ros, especialmente cervídeos, se fazem pre-sentes nas camadas basais, sugerindo uma origem continental para os sítios litorâneos da área. Na região do arquipélago Fogo--Patagônico a sucessão de rápidos episódios de ocupação caçadora coletora terrestre, so-topostos a adaptações marítimas, têm mar-cado a tônica das sequências culturais, su-gerindo a mesma origem (Mena, 1997). No Rio Grande do Sul Miller (1969: 102), já asseverou que as indústrias líticas dos sam-baquis “encaixam-se quase totalmente no acervo do Cerrito Dalpiaz, porém, o acervo dêste, muito mais complexo, só parcialmen-te, se encontra naqueles. Essas diferenças contextuais, consideramos, estão condicio-nadas a condições ecológicas e suas impli-cações no ‘modus vivendi’”.

Do ponto de vista do método de escava-ção, a utilização de níveis artificiais permitiu o controle estratigráfico dos objetos encon-trados e a respectiva documentação. Contu-do, manchas centimétricas no sentimento, de tonalidades diferentes, foram percebidas no interior das unidades de escavação e, por vezes, as mesmas repetiam-se nas quadrícu-las circundantes. Quando observadas nos perfis verticais, algumas destas manchas acabaram configurando estreitas camadas presentes em todo o sítio com difícil detec-ção em razão do método escolhido para es-cavação. Em outras palavras, algumas uni-dades estratigráficas presentes na secção

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Finalmente, reitera-se aqui a necessida-de da intensificação das escavações em sambaquis do Rio Grande do Sul. A des-truição gradativa destes sítios foi denuncia-da já em Koseritz (1884a) e o processo vem se intensificando na área de pesquisas como um todo. Nos 47 dias de trabalho de campo a equipe presenciou a reiterada utilização do Sambaqui da Marambaia como rampa para saltos com motocicletas e buggys. A abertura de uma nova rua no balneário co-locou a descoberto e destruiu um pequeno sítio concheiro a 100m para sudoeste do Se-reia do Mar e a escavação no aqui tornada pública demonstra uma sequência de per-turbações na estratigrafia, demonstrando a paulatina perda dos registros da pré-histó-ria regional. A Arqueologia a ser desenvol-vida na área precisa ser orientada no senti-do de promover o salvamento das informações seja através da coleta dos obje-tos, seja através da documentação das es-truturas arqueológicas, mas é mais possível distinguir o interesse acadêmico do com-promisso de salvar, pois antes de mais nada, o interesse é social.

aGRadeCImeNtos: Os agradecimen-tos aqui expressos são dirigidos à Coorde-nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento dos estudos através de bolsa de Pós-douto-rado (modalidade PNPD), tornando possí-veis as atividades de campo. Às etapas de laboratório foram desenvolvidas junto à PUCRS, sob importante orientação do Prof. Dr. Klaus Hilbert e a etapa final de gabinete e redação foi desenvolvida junto ao MAE/UFBA, a quem expressa-se igual agradeci-mento.

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EscavaçõEs no sítio Lii-29, sambaqui dE sErEia do mar Gustavo Peretti Wagner

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ÁREAS DE ATIVIDADE EM DOIS CENTROS CERIMONIAIS JÊ DO SUL: RELAÇÕES ENTRE ARQUITETURA E FUNÇÃO Jonas Gregorio de Souza

120ARTIGO

árEas dEatividadE Em dois cEntros

cErimoniais JÊ do sul: rElaçõEs EntrE arquitEtura

E funçãoJonas Gregorio de souza1

1- mestre em arqueologia pelo museu de arqueologia e etnologia da Universidade de são Paulo. Núcleo de Pesquisa arqueológica – NuParq – departamento de história – IfCh. Universidade

federal do Rio Grande do sul – UfRGs. avenida bento Gonçalves, 9500. Porto alegre – Rs. [email protected].

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REVISTA DE ARQUEOLOGIAJonas Gregorio de Souza Vo lume 25 - N .2 : 120-138 - 2012

ResUmo

Neste artigo, apresento a análise das es-truturas e conjuntos artefatuais de dois sítios de aterros anelares com montículos Jê do Sul. Ambos apresentam anexos quadrangu-lares em sua arquitetura e grande quantida-de de material lítico, diferenciando-se de outros sítios da mesma categoria. Sugiro que a complexidade arquitetônica e as áreas de atividade evidenciadas nos sítios em ques-tão apontam para uma maior elaboração do rito funerário associada a uma complexifi-cação arquitetônica com datas tardias. Essas distinções podem estar ligadas à emergência de cacicados complexos, como se relata para os Kaingang no século XIX.

PalavRas-Chave: Jê do Sul, Taquara/Itararé, aterros anelares, emergência da complexidade

abstRaCt

In this article I present the analysis of the features and artifact assemblages of two Southern Jê mound and enclosure sites. Both exhibit rectangular annexes in their ar-chitecture, as well as a large quantity of li-thics, which differentiates them from other sites of the same category. I suggest that the architectural complexity and activity areas evidenced in the sites point to a greater ela-boration in mortuary ritual associated with greater architectural complexity in late pe-riods. These distinctions may be related to the emergence of complex chiefdoms, as was reported for the Kaingang in the 19th cen-tury.

Key-woRds: Southern Jê, Taquara/Ita-raré, enclosures, emergent complexity

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ÁREAS DE ATIVIDADE EM DOIS CENTROS CERIMONIAIS JÊ DO SUL: RELAÇÕES ENTRE ARQUITETURA E FUNÇÃO Jonas Gregorio de Souza

INtRodUÇÃo A arquitetura cerimonial da Tradição

Taquara/Itararé, associada aos povos Jê do Sul em período pré-contato, tem desperta-do especial atenção desde as primeiras pes-quisas arqueológicas no planalto meridio-nal brasileiro e adjacências (Menghin, 1957). Montículos funerários podem ser encontrados em todo o sul, e sua constru-ção perdurou entre os Kaingang e Xokleng até o período histórico (Mabilde, 1897; Vasconcellos, 1912; Maniser, 1930; Mé-traux, 1946).

Em período pré-colonial, a arquitetura cerimonial Jê do Sul inclui sítios denomina-dos aterros anelares (também conhecidos como “áreas entaipadas” ou “danceiros”), muros de terra de contorno circular ou, mais raramente, quadrangular, com ou sem montículos em seu centro (Beber, 2004:233-236). Essas estruturas se concentram no planalto catarinense e sul-rio-grandense, em particular nas bacias dos rios Pelotas e Canoas (Rohr, 1971; Reis, 1980; Ribeiro & Ribeiro, 1985; Copé et al., 2002; Saldanha 2005, 2008; DeMasi, 2005, 2009; Müller, 2008; DeSouza & Copé, 2010; Schmitz et al., 2010; Corteletti, 2010; Iriarte et al., 2013), embora também possam ser encon-tradas na província argentina de Misiones (Menghin, 1957; Iriarte et al. 2008, 2010), no Paraná (Chmyz, 1968) e em São Paulo (Chmyz et al., 1968).

Uma problemática recente no estudo de tais sítios é a relação entre arquitetura (di-mensões dos aterros, suas formas, presença ou ausência de montículos, entre outros critérios) e função. DeMasi (2009:110-111; ver também Rohr, 1971) observa uma dis-tribuição bimodal nas dimensões dos ater-ros anelares do baixo vale do rio Canoas, Santa Catarina: pequenos aterros de 15 a 30 m de diâmetro e grandes aterros de 50 a 60 m de diâmetro. Os primeiros, isolados ou

em grupos de até quatro, sempre cercam montículos funerários contendo crema-ções. Os aterros de grandes dimensões po-dem ou não conter montículos; no caso do sítio SC-AG-12, evidências como fornos, estatuetas de argila e tembetás levam De-Masi (2009:110-111) a sugerir, para os ater-ros de grandes dimensões, a função de cen-tros cerimoniais para perfuração dos lábios dos meninos, rito de iniciação Xokleng descrito por Paula (1924:128-129). Um modelo semelhante é apresentado por De-Souza & Copé (2010) para a região de Pi-nhal da Serra, Rio Grande do Sul: os pe-quenos aterros anelares com montículos, sempre próximos de conjuntos de casas subterrâneas, seriam cemitérios de comu-nidades vizinhas, ao passo que os grandes aterros anelares seriam estruturas integra-tivas de alto nível (sensu Adler & Wilshu-sen, 1990), congregando para sua constru-ção e uso uma população regional composta por várias comunidades distin-tas. Os autores levam em consideração não apenas as dimensões, mas também a estra-tigrafia de um aterro anelar de 80 m de di-âmetro (sítio RS-PE-29, Estrutura 1) que apresentou camadas com sedimento de possível origem exógena, sugerindo o transporte de terra de uma distância supe-rior às imediações do sítio, o que, portanto, parece representar um esforço construtivo maior do que no caso dos pequenos aterros anelares com montículos (DeSouza & Copé, 2010:103-105).

Entretanto, é provável que a variabilida-de na arquitetura ritual Jê do Sul seja maior do que a expressa nos modelos acima. É verdade que os aterros anelares com montí-culos de função funerária apresentam um padrão recorrente: são compostos por cír-culos de 15 a 30 m de diâmetro, com fre-qüência dispostos em pares, cercando cada um um montículo com sepultamentos cre-

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mados secundários ou, em alguns casos, primários (com a preservação das piras fu-nerárias), e pouquíssimo material associa-do além de fragmentos de pequenas vasi-lhas (Copé et al., 2002:130-131; DeMasi, 2005:223-247; Müller, 2008:40-52; DeSouza & Copé, 2010:105-106). Além dessas carac-terísticas gerais, Iriarte et al. (2013:83-84, 93) notam a recorrência de alinhamentos SW-NE, com aterros ligeiramente maiores localizados sempre a oeste e em posições ligeiramente mais elevadas, o que relacio-nam à organização dual tipicamente Jê e, em particular, à assimetria entre as metades da sociedade Kaingang, com ênfase ritual na metade kamé ligada ao oeste (ver tam-bém Crépeau, 1994). Os autores interpre-tam os pares de aterros anelares com mon-tículos como cemitérios de líderes locais associados ao culto dos ancestrais de cada metade.

Entre os desvios do padrão acima, o mais significativo é representado pelos sí-tios com anexos quadrangulares. Iriarte et al. (2013:84) percebem, a partir de topogra-fia detalhada, que as estruturas de forma quadrangular representam acréscimos tar-dios na história de construção dos sítios. Segundo os autores, a manutenção dos es-paços funerários, embora com alteração da arquitetura circular para a quadrangular, sugere um esforço consciente para estabele-cer continuidade com linhagens ancestrais, apesar de possíveis mudanças na sociedade (Iriarte et al., 2013:93). Os autores notam também uma distinção nos alinhamentos dos anexos quadrangulares em relação aos circulares, sendo os primeiros mais próxi-mos de E-W (Iriarte et al., 2013:83).

Seria possível que a arquitetura diferen-ciada também implicasse em atividades distintas realizadas nesses sítios? Neste ar-tigo, é apresentada a análise dos conjuntos artefatuais recuperados nos sítios RS-

-PE-31 e Posto Fiscal, ambos de arquitetura complexa (envolvendo aterros circulares com anexos quadrangulares). Os sítios se localizam no município de Pinhal da Serra, Rio Grande do Sul (Figura 1). A área apre-senta grande concentração de sítios Jê do Sul de diversas categorias, incluindo casas subterrâneas, aterros anelares, sítios líticos e sítios lito-cerâmicos a céu aberto (ver Copé et al., 2002 e Saldanha, 2005 para uma discussão do sistema de assentamento Jê do Sul na região) e uma cronologia que se estende de AD 890 até o período históri-co (Iriarte et al., 2013:82). Os primeiros trabalhos na região foram decorrentes de arqueologia de salvamento (Ribeiro & Ri-beiro, 1985; Copé et al., 2002; Saldanha, 2005), e as pesquisas prosseguiram com fi-nanciamento da Wenner-Gren Foundation em projeto coordenado por José Iriarte (Universidade de Exeter) e Silvia Copé (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) (Iriarte et al., 2013).

A partir dessa longa história de pesqui-sas, tornou-se claro que a paisagem Jê me-ridional em Pinhal da Serra é altamente estruturada a nível regional. Especialmente em relação aos conjuntos de aterros anela-res e montículos, Saldanha (2005, 2008) demonstra que estão implantados em topos proeminentes próximos a conjuntos de ca-sas subterrâneas, estas localizadas nas ver-tentes suaves, conformando pequenos agrupamentos de sítios domésticos e ritu-ais. O autor também constata, a partir de análises de GIS, que os sítios funerários são visíveis entre si, mas possuem visibilidade restrita de outras categorias de sítios; além disso, situam-se nos pontos nodais de trân-sito (locais onde os caminhos de menor custo pelo terreno convergem), confor-mando, portanto, importantes marcos na paisagem (Saldanha, 2005:135-140; ver também Copé, 2007; Iriarte et al., 2013).

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o sítIo Rs-Pe-31O sítio RS-PE-31 foi inicialmente descrito

e escavado por Ribeiro & Ribeiro (1985), e foi retomado pela equipe da Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul em 2007. É compos-to por uma estrutura complexa: um grande aterro anelar, de 40 m de diâmetro, cercando um montículo; ao aterro anelar se une, a su-deste, um aterro quadrangular, de contorno próximo a um trapézio, com 30 m de compri-mento e 15 m de largura máxima. Emoldura-do por esse aterro quadrangular, encontra-se outro montículo. Ainda ligado ao grande aterro anelar existe um segundo círculo, de 20 m de diâmetro, com um montículo em seu centro (Figura 2). Essa estrutura arquitetoni-camente complexa está localizada no topo plano de um morro, a cerca de 930 m de alti-tude, com ampla visibilidade dos arredores em todas as direções. Atualmente a área é de pasto, embora metade do aterro anelar maior esteja coberta por um bosque.

As intervenções se de-ram a partir de uma linha estabelecida em sentido norte-sul cobrindo amos-tras de diferentes pontos: áreas externas e internas das estruturas, aterros e montículos. Foram esca-vados, assim, tanto os es-paços no interior e no ex-terior do aterro anelar menor e do aterro qua-drangular, quanto o topo dos montículos cercados por esses aterros, bem como o topo dos próprios aterros (Figura 2). Encon-trou-se pouco ou nenhum material arqueológico em quase todas as áreas, com exceção de um ponto loca-lizado entre o aterro circu-

lar menor e o aterro quadrangular, o que su-geriu que as áreas cercadas pelos aterros eram mantidas limpas, ao passo que as ativi-dades se realizavam nas áreas externas. Devi-do à quantidade de material arqueológico encontrado, ampliou-se a área escavada en-tre os dois aterros, inicialmente de apenas uma quadrícula de 1 x 1 m, para 4 m2. O ma-terial se concentrava entre 10 e 20 cm de pro-fundidade, e era composto principalmente por pequenas lascas de quartzo. Muitas con-centrações de carvão foram notadas associa-das a esse material, e algumas peças possuí-am alteração térmica. No setor noroeste da área escavada, foi evidenciado um aglomera-do de blocos de basalto, conformando uma possível micro-estrutura de fogueira.

No topo do montículo que se encontra no centro do aterro anelar menor, entre 10 e 15 cm de profundidade, foi observada uma man-cha cinza com uma concentração de carvões de grandes dimensões, que se supôs corres-

Figura 1. Sítios de Pinhal da Serra, Rio Grande do Sul. Sítios analisados neste artigo: 1) RS-PE-31; 2) Posto Fiscal.

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ponder ao início de uma estrutura funerária. Contu-do, o prossegui-mento das esca-vações nesse montículo não revelou quaisquer ossos calcinados ou outros indí-cios de sepulta-mento. É possível que isso se deva ao pequeno ta-manho da área escavada no montículo (1 x 1 m) ou ao mau estado de conservação do sítio.

o sítIo Posto fIsCalO sítio Posto Fiscal está situado em uma

alta vertente suave, com vista ampla para o leste. Em direção a sudeste, o próximo topo de morro é ocupado pelo sítio RS-PE-31,

com o qual este sítio guarda a maior seme-lhança arquitetônica. O sítio Posto Fiscal é composto por um aterro anelar de 30 m de diâmetro ao qual se une um aterro quadran-gular com também 30 m de comprimento. Há três montículos cercados pela estrutura, dispostos em sentido sudeste-noroeste: um no centro do aterro anelar, outro no centro

do aterro quadrangular, e, por fim, um montículo sobre o aterro anelar, em um ponto em que este se encontra, apa-rentemente, interrompido (Figura 3). Além dessa estru-tura arquitetonicamente complexa, encontram-se dois outros aterros anelares nas proximidades, ambos com cerca de 20 m de diâmetro, em direção a noroeste e a su-deste. Os montículos da es-trutura principal foram de-nominados, de sudeste a noroeste, A, B e C. A seguir, apresentam-se os dados mais relevantes da escavação para a presente análise (ver tam-bém Iriarte et al., 2013:84-87; Copé, 2011; DeSouza, 2012:52-60).

Figura 2. Topografia e planta baixa do sítio RS-PE-31 com indicação das áreas escavadas.

Figura 2. Topografia e planta baixa do sítio RS-PE-31 com indicação das áreas escavadas.

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ÁREAS DE ATIVIDADE EM DOIS CENTROS CERIMONIAIS JÊ DO SUL: RELAÇÕES ENTRE ARQUITETURA E FUNÇÃO Jonas Gregorio de Souza

A escavação no sítio ocorreu em duas eta-pas. Na primeira campanha, foram escavadas áreas dos montículos B e C. Uma quantidade incomum de material lítico e cerâmico foi en-contrada em ambos os montículos. No mon-tículo B, aos 30 cm de profundidade, foi evi-denciada uma lente de terra queimada que se estendia por uma área de cerca de 1 m² (Figu-ra 4a). No mesmo nível da terra queimada, superpostos a ela e em sua periferia imediata, foram encontrados pequenos fragmentos de ossos calcinados, embora nenhuma estrutura funerária bem definida tenha sido notada. Também no entorno da terra queimada, cer-ca de 20 cm abaixo do nível desta, foi eviden-ciada parte de um denso aglomerado de pe-dras, completamente escavado na campanha seguinte (Figura 4b). Essa micro-estrutura é semelhante aos fornos dos sítios PM01 (Iriar-te et al. 2008, 2010) e SC-AG-12 (DeMasi 2005, 2009).

Durante a segun-da etapa, além da intervenção na área entre os montículos, ampliou-se a escava-ção no Montículo B e foi aberta uma trincheira de 6 x 1 m cortando o aterro anelar. No Montícu-lo B, aos 60 cm de profundidade (nível que topografica-mente corresponde-ria a sua base), fo-ram evidenciadas três feições alongadas, escavadas no solo natural, com dimensões médias de 175 x 65 cm (Figura 5). As feições possuem entre 30 e 40 cm de profundidade, e em uma delas foi encontrada uma vasilha inteira fragmentada in situ (Figura 4c). Den-tro da mesma feição, ao lado da vasilha, mi-

núsculos fragmentos de ossos calcinados foram recuperados. Na área entre os dois montículos, uma densa concentração de material arqueológico foi encontrada, in-cluindo a maior quantidade de cerâmica do sítio e um grande instrumento bifacial sobre bloco de basalto (Figura 7a).

Foram obtidas as seguintes datas para o sítio: da trincheira sobre a estrutura anelar, foi datado carvão associado a uma pequena concentração de material lítico em 1070 ± 40 B.P., Cal. A.D. 890-1020 (Beta-303594), enquanto um carvão recuperado sobre a lente de terra queimada no Montículo B for-neceu uma data de 330 ± 30 B.P., Cal. A.D. 1480-1640 (Beta-304479). Portanto, a cons-trução do aterro anelar parece anteceder em no mínimo 400 anos o evento que resultou na formação da lente de terra queimada do

Montículo B. Abaixo do nível da terra quei-mada, junto a uma concentração de material lítico e cerâmico, foi coletado carvão datado em 370 ± 30 B.P., Cal. A.D. 1450-1630 (Beta-309037). Podemos supor que de fato o Montículo B foi erguido como um acrésci-mo posterior ao aterro anelar.

Figura 4. Fotografias de estruturas e artefatos do sítio Posto Fiscal: a) Lente de terra queima-da no montículo B; b) Conjunto de pedras no montículo B; c) Vasilha recuperada em uma das feições escavadas sob o montículo B (cf. Figura 5).

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mateRIal lítICo e CeRÂmICo dos sítIos Rs-Pe-31 e Posto fIsCal

No sítio RS-PE-31, o material lítico cons-titui a quase totalidade do material recupe-rado, havendo apenas um fragmento de ce-râmica. Quanto aos tipos tecnológicos identificados, das 166 peças analisadas, a maioria corresponde a vestígios de debita-gem, ou seja, núcleos, lascas e fragmentos de lascamento – excluindo-se as micro-lascas1. Estas compõem a quase totalidade do mate-rial restante, com exceção de uma única las-ca de redução de biface. Em relação à sele-ção e aproveitamento de matéria-prima, ao

1- As microlascas (com menos de 1 cm) foram consideradas uma categoria à parte devido às observações de Odell (1994) sobre lamelas em contextos cerimoniais, conforme se comen-ta no final desta seção.

contrário do que ocorre nos sítios de habita-ção da região (Copé, 2008) houve uma pre-ferência pelo quartzo, seguido pelo basalto e pela calcedônia2 (Figura 6). Quase todo o material está concentrado em uma pequena área não cercada pelas estruturas de terra, entre o aterro anelar menor e o aterro qua-drangular. As maiores proporções de debita-gem, micro-lascas e lascas com marcas de uso se localizam nesse ponto.

No sítio Posto Fiscal, o material lítico proveniente dos montículos B e C, bem como da área entre estes, totalizou 1214 pe-

2- O termo calcedônia é na verdade incorreto, pois denomi-na um mineral e não uma rocha. O termo silexito é o mais apropriado para se referir de forma genérica às rochas sili-cosas de gênese química (Araujo, 1991). Contudo, o termo calcedônia é mantido ao longo do artigo por estar consoli-dado na arqueologia do sul.

Figura 5. Planta final da escavação no Montículo B do sítio Posto Fiscal e perfil esquemático com a distribuição vertical das diferentes estruturas.

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ças. A maioria corresponde a vestígios de debitagem, ou seja, lascas, núcleos e frag-mentos de lascamento, existindo também uma quantidade pequena de microlascas e, entre o restante do material, lascas de redu-ção de biface, instrumentos bifaciais e unifa-ciais (Figura 7a e b), um percutor e um frag-mento de mão-de-pilão. No que toca à seleção e aproveitamento de matéria-prima, ao contrário do que se passa no sítio RS--PE-31, a calcedônia teve preferência, segui-da pelo basalto, pelo quartzo e por uma quantidade pequena mas significativa de arenito silicificado, ausente ou raro nos de-mais sítios da região (Figura 6). Deve-se ob-servar que instrumentos em todas as etapas de redução (sensu Collins, 1975) estão pre-sentes, desde a retirada do córtex até os re-toques, e a presença de lascas de redução de biface no sítio sugere que ao menos algumas

dessas etapas podem ter sido levadas a cabo no local. Predominam, entretanto, os instru-mentos com bordos laterais não refinados, sem retoque, que seriam considerados expe-dientes por alguns critérios (Andrefsky, 2008:7-9).

A cerâmica do sítio Posto Fiscal totalizou 142 fragmentos, dos quais apenas uma pe-quena quantidade (n = 10) apresentou mar-cas de uso associadas ao processamento de alimentos, como fuligem ou restos carboni-zados no interior. As formas que puderam ser reconstituídas são comuns a outros sítios rituais Jê do Sul (Iriarte et al. 2008, 2010; De-Masi, 2005; Saldanha, 2005; Müller, 2008): a vasilha recuperada no fundo de uma das fei-ções sob o Montículo B apresenta forma de meia-calota, com 22 cm de diâmetro, 6 mm de espessura, e é coberta externa e interna-mente por engobo vermelho (Figuras 4c e

Figura 6. Gráficos de tipos tecnológicos e aproveitamento de matéria-prima nos sítios RS-PE-31, Posto Fiscal e na Estrutura 1 (casa subterrânea) do sítio RS-PE-41. Os dados deste último foram modificados de Copé, 2008:6-9.

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7c). Diretamente de cima da lente de terra queimada foram recuperadas bordas de ou-tras duas vasilhas muito pequenas e finas: uma delas, com apenas 4 mm de espessura e aproximadamente 8 cm de diâmetro, possui forma cilíndrica aberta e contorno levemen-te infletido, com um motivo inciso reticula-do abaixo do ponto de inflexão; a outra, com 5 mm de espessura e aproximadamente 9 cm de diâmetro, apresenta forma de meia-calota (Figura 7d). As características desses vasilha-mes – suas dimensões reduzidas, sua peque-na espessura e forma não restringida, além da ausência de marcas de uso como fuligem e restos carbonizados – apontam para ativi-dades de servir, no caso do vasilhame maior, ou de consumo individual, no caso dos me-nores (Rice, 1987; Skibo, 1992; Saldanha, 2005). A grande quantidade de cerâmica proveniente desse sítio ritual contrasta com sua baixa freqüência nos sítios de casas sub-terrâneas de Pinhal da Serra (Copé, 2008), fenômeno também notado em outras regi-ões, como São José do Cerrito (Schmitz et al., 2010) e Campos Novos (DeMasi, 2005).

É interessante observar que na área entre os Montículos B e C o material estava den-samente concentrado nos níveis iniciais, es-pecialmente entre 15 e 25 cm de profundi-dade; já no Montículo B, a maior concentração de material ocorria nos níveis mais profundos, especialmente entre 35 e 45 cm de profundidade, junto com os conjun-tos de pedras e imediatamente acima do ní-vel das feições. O restante do material do Montículo B está distribuído pelos níveis superficiais, sem formar concentrações, e tendo como únicas estruturas associadas a lente de terra queimada e uma grande pe-dra, colocada sobre uma das feições (Figura 5). Considerando a distribuição do material em geral, tanto a cerâmica quanto os vestí-gios de debitagem e micro-lascas se concen-tram na área entre os dois montículos. Por

outro lado, quando se consideram apenas as lascas com marcas de uso3, nota-se que estão particularmente concentradas nos pontos que correspondem a conjuntos de pedras (possíveis fornos) na base do Montículo B (Figura 8). É importante notar que, nos sí-tios PM01 (Iriarte et al. 2008, 2010) e SC--AG-12 (DeMasi 2005, 2009), os conjuntos de pedras são maiores e mais formais do que no sítio Posto Fiscal. Se de fato se trata de estruturas de cocção, então é possível que um número menor de indivíduos partici-passe das atividades no sítio Posto Fiscal do que nos outros sítios citados (o que também é sugerido pelas dimensões do sítio PM01, com um aterro anelar de 180 m de diâmetro e uma avenida de entrada, cf. Iriarte 2008:948-955).

Tudo leva a crer, portanto, que havia uma extensa área de atividade anterior à constru-ção do Montículo B, porém posterior às fei-ções, pois uma destas está parcialmente co-berta por um dos conjuntos de pedras (Figura 5). É comum em contextos norte--americanos a construção de montículos sobre áreas de atividades ou estruturas ante-riores, sendo que estas sempre possuem um caráter ritual especializado, como casas de descarnamento ou espaços comunais (Sherwood & Kidder, 2011:74). Sob o Mon-tículo B, a presença de ossos calcinados e da vasilha completa, possível oferenda, ao me-nos sugere uma função funerária para as feições (possíveis covas). Iriarte et al. (2013:86), considerando a quase ausência de vestígios mortuários nas feições, sugerem a possibilidade de seu uso para inumações temporárias, sendo os corpos posterior-mente exumados e transladados para um local de sepultamento permanente. Em todo 3- É importante ressaltar que, durante a análise, foram re-gistradas apenas as marcas de uso macroscópicas – o que não implica que o restante dos artefatos não tivesse sido utilizado, apenas que não se realizou análise microscópica para sabê-lo (Andrefsky 2005:76-77).

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caso, as atividades realizadas sobre as feições e em seu en-torno poderiam refletir eventos de festins mortuá-rios.

Vejamos, para fins de comparação com os sítios aqui analisados, dois “típi-cos” aterros anelares com montículos da mesma re-gião: os sítios RS-PE-21 (Copé et al., 2002) e RS--PE-29-Estrutura 3 (DeSou-za & Copé, 2010). Ambos são formados por pares de aterros anelares entre 15 e 20 m de diâmetro, cada um com um montículo no centro. Nos dois casos foram esca-vadas trincheiras que serviram à amostragem de diferentes áreas das estruturas, desde o montícu-lo até o exterior do espaço delimi-tado pelos aterros circulares. Sepul-tamentos cremados foram evidenciados nos montículos dos dois sítios. O material lítico era ausente no sítio RS-PE-21, e no sítio RS--PE-29-Estrutura 3 era composto por ape-nas cinco lascas e um instrumento unifacial. Foram recuperados apenas 12 fragmentos de cerâmica no sítio RS-PE-21, dos quais uma parte pertencia a uma vasilha em meia--calota localizada junto ao sepultamento (Saldanha, 2005:89-90). No sítio RS-PE-29--Estrutura 3 havia 24 fragmentos de cerâmi-ca, a maioria pertencente à mesma vasilha,

localizada junto aos sepultamentos no mon-tículo, embora o grau de deterioração não permitisse a reconstrução de sua forma. Em nenhum dos casos foi localizada qualquer micro-estrutura semelhante a conjuntos de pedras ou feições escavadas. Portanto, os conjuntos artefatuais e micro-estruturas dos sítios RS-PE-31 e Posto Fiscal sugerem que nesses locais teriam sido realizadas ativida-des diferentes dos demais sítios de aterros anelares e montículos. As diferenças nos conjuntos líticos e a grande quantidade de

Figura 7. Desenhos de artefatos do sítio Posto Fiscal: a) Instrumento bifacial sobre bloco de basalto proveniente da área entre os montículos B e C; b) Ins-trumento bifacial sobre bloco de basalto encontrado no montículo C; c) Vasilha depositada em uma das feições sob o montículo B; d) Vasilhas localizadas sobre a lente de terra queimada no montículo B.

Figura 8. Distribuição das lascas com marcas de uso sob o montículo B (níveis 35-45 cm).

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cerâmica presente no sítio Posto Fiscal tam-bém apontam para distinções entre este e o sítio RS-PE-31, sendo o último caracteriza-do pela ausência de instrumentos, maior quantidade de microlascas e preferência pelo quartzo (Figura 6).

É importante traçar comparações entre tais sítios cerimoniais e os contextos domés-ticos da mesma região: a análise do material lítico de uma casa subterrânea (Estrutura 1) do sítio RS-PE-41 (Copé, 2008) revelou in-tensa atividade de debitagem no local, com poucos instrumentos presentes, algumas lascas de redução de biface e um fragmento de mão-de-pilão. Nesse sítio de habitação, a matéria-prima preferencial foi a calcedônia, embora o basalto ocorresse em proporções semelhantes, além de uma pequena quanti-dade de quartzo (Figura 6). A cerâmica era quase ausente. As características do conjun-to lítico desse sítio de habitação são seme-lhantes às do sítio Posto Fiscal. Se em um contexto doméstico espera-se que ocorra o processamento e o consumo de alimentos, algumas etapas da produção e da manuten-ção de instrumentos e o trabalho com mate-riais perecíveis, é provável que essas ativida-des também estivessem presentes no sítio Posto Fiscal, embora com significados dife-rentes dada sua associação a um contexto cerimonial. A maior quantidade de arenito silicificado, matéria-prima rara na região, diferencia o sítio Posto Fiscal do contexto doméstico citado; a grande quantidade de cerâmica, principalmente ligada a ativida-des de servir e ao consumo (embora as for-mas reconstituídas pudessem estar presen-tes como oferendas funerárias), é outra distinção importante, dentro das expectati-vas para um espaço cerimonial (Rice, 1987).

O sítio RS-PE-31 apresenta diferenças notáveis tanto com o sítio Posto Fiscal quan-to com os contextos domésticos: em seu conjunto artefatual nota-se uma quantidade

elevada de microlascas e uma preferência incomum pelo quartzo (Figura 6). Em uma análise microscópica de marcas de uso em lamelas provenientes de um contexto mor-tuário com montículos Hopewell, nos Esta-dos Unidos, Odell (1994) notou uma espe-cialização no uso destas em atividades de raspar e cortar materiais moles. Já as lamelas provenientes de contextos domésticos ha-viam servido a uma diversidade maior de atividades, o que indica que tais artefatos possuíam funções diferentes em contextos diferentes. No caso dos contextos mortuá-rios ou cerimoniais, Odell (1994) sugere que as lamelas teriam sido utilizadas para a pre-paração de vestimentas, utensílios e itens decorativos, tanto para uso nas cerimônias quanto para acompanhamento funerário; o consumo ritual de carne seria outra possibi-lidade. É possível que no sítio RS-PE-31 as microlascas de quartzo tivessem funções se-melhantes, seja para preparar alimentos es-peciais de consumo ritual, seja para traba-lhar artefatos em materiais perecíveis como parte dos rituais ou como acompanhamento funerário. Talvez fosse essa também a fun-ção de parte das lascas e dos instrumentos encontrados no sítio Posto Fiscal, o que im-plicaria em uma maior elaboração do rito funerário nesses dois sítios.

a fUNÇÃo dos sítIos Rs-Pe-31 e Posto fIsCal

Os sítios RS-PE-31 e Posto Fiscal fogem ao padrão notado até o momento para os aterros anelares com montículos funerários Jê do Sul. As escavações revelaram que ocor-riam nos dois sítios atividades distintas, conforme evidenciado pelos conjuntos líti-cos e cerâmicos e também pelas feições en-contradas. Considerando os sítios funerá-rios como parte de um sistema de assentamento, deve-se notar que a mesma sociedade pode utilizar múltiplos cemitérios

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ÁREAS DE ATIVIDADE EM DOIS CENTROS CERIMONIAIS JÊ DO SUL: RELAÇÕES ENTRE ARQUITETURA E FUNÇÃO Jonas Gregorio de Souza

de diversos tipos para sepultar diferentes segmentos de seus membros, conforme suas posições sociais, e que esses cemitérios de-vem variar em tamanho, forma, conteúdo e estrutura (Carr, 2006a:77-78). Existe a pos-sibilidade de que alguns cemitérios Jê do Sul fossem reservados a indivíduos de status su-perior?

A reconstrução, a partir das práticas fu-nerárias, do nível de complexidade das so-ciedades no passado se baseia no princípio de que o status de um indivíduo em vida se refletirá no seu tratamento após a morte e de que, portanto, quanto mais complexa for uma sociedade (no sentido de ser estratifi-cada ou organizada por princípios de sta-tus), mais complexo será o conjunto dos ri-tos mortuários, apresentando maior número de tratamentos diferenciados (Binford, 1971; O’Shea, 1984). Os indicadores mais freqüentemente utilizados para medir a complexidade dos ritos mortuários são o tratamento dispensado ao corpo, a prepara-ção de sua tumba e os acompanhamentos funerários. Autores como Binford (1971), Peebles & Kus (1977), Tainter (1978) e O’Shea (1984) enfatizam que, nas socieda-des complexas, quanto mais alto for o status de um indivíduo, maior será o número de pessoas que lhe devem obrigações, contri-buindo com um maior investimento de tra-balho e maior dispêndio de energia no trata-mento do corpo, na construção da tumba e na preparação dos acompanhamentos. Mes-mo em casos nos quais não se encontram símbolos materiais claros de diferenciação, aspectos como a duração e as atividades que são realizadas durante o funeral costumam distinguir o tratamento dispensado a indiví-duos de alto status (Carr, 2006b:246). As-pectos como a localização da tumba, em posição proeminente ou segregada das de-mais, são também relevantes (Carr, 2006b:243). No caso das distinções de sta-

tus, espera-se que quanto mais alta for uma posição, menor será o número de pessoas a possuí-la – ao contrário das distinções hori-zontais, como as metades, que possuem cada uma um número aproximadamente igual de membros (Binford, 1971; O’Shea, 1984; Peebles & Kus, 1977).

Existem suficientes informações etno-gráficas para demonstrar a aplicabilidade dos critérios acima mencionados aos povos Jê meridionais. Entre os Kaingang do Rio Grande do Sul no final do século XIX ape-nas os caciques principais eram sepultados sob montículos, cuja construção congregava todas as tribos que lhes eram subordinadas:

“Fallecendo o cacique principal dos coroados é enterrado com grande pompa devida à sua alta posição. [...] O fi-lho mais velho (com o arco e as frechas de seu pai) chega--se ao cadáver pelo lado dos pés e elevando as armas para cima da cabeça, declara às tribus que elle é agora o seu chefe supremo [...] Em seguida o novo chefe ordena os homens das tribus que cubram com terra o cadáver de seu pai [...] Assim que o cadáver fica deste modo soter-rado, chegam-se todos para junto ao fogo e tratam de comer. [...] No dia seguinte ao enterro do cacique princi-pal e desde esse dia em diante todos os moços das tribus subordinadas voltam ao lugar da sepultura do cacique e sobre ella amontoam terra até formar um túmulo circu-lar de não menos de 25 palmos de diâmetro (e às vezes mais) com 6 palmos de altura, serviço este no qual levam às vezes muitos mezes, porque além de carregarem a ter-ra em uma espécie de cabaz (feito de taquara e cipó) de pequenas dimensões, pouco maior do que uma quarta de alqueire [...] vão buscal-a em geral à grande distân-cia, à margem de algum arroio ou sanga com barranco que desmorone, e donde a fazem sahir com estacas de madeira. [...] Acabado o túmulo, no dia seguinte para ahi se dirigem todas as tribus, carregando as mulheres e crianças os mantimentos, e os homens armados de arco e frechas, com o novo cacique à frente. Ahi chegados as mulheres fazem fogos ao redor do túmulo, na distância de 8 a 10 palmos um do outro e isto no terreno que pre-viamente foi expurgado da vegetação, e junto a esses fo-gos fazem uma refeição, finda a qual começam as scenas de gritaria e cantos lúgubres já por nós referidos, e acom-panhados de gestos burlescos que elles dizem que expri-mem sua dôr pelo desapparecimento do seu cacique” (Mabilde, 1897:162-166)

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Nesse relato transparecem também a he-reditariedade do cargo de cacique principal e as refeições, pequenos festins que acompa-nham seu longo funeral e prosseguem após a construção do montículo. O mesmo local em que se sepultava um cacique principal era destinado ao sepultamento dos caciques subordinados, embora sem montículo e com ritos menos prolongados, o que aponta para a existência de cemitérios segregados para indivíduos de status elevado entre os Kaingang históricos (Mabilde, 1897:166). Já entre os Xokleng do início do século XX, to-dos os indivíduos eram sepultados sob montículos, embora os montículos de maio-res dimensões fossem reservados aos caci-ques (Vasconcellos, 1912:19).

De imediato já se pode argumentar que os sítios RS-PE-31 e Posto Fiscal cumprem com os critérios para a identificação de ce-mitérios de alto status:

1) Esses sítios existem em menor núme-ro que os cemitérios “simples”;

2) A complexidade de sua arquitetura aponta para um maior investimento de energia em sua construção. Embora as datas indiquem que isso ocorreu a longo prazo, deve-se observar que a própria manutenção do espaço funerário na longa duração dife-rencia os sítios Posto Fiscal e, possivelmen-te, RS-PE-31 dos demais, tornando-os “lu-gares monumentais persistentes” (sensu Thompson & Pluckhahn, 2012);

3) Os conjuntos artefatuais dos dois sí-tios apontam para uma diversidade maior de atividades realizadas nesses cemitérios em relação aos demais;

4) Essas atividades poderiam envolver a confecção de itens rituais ou para acompa-nhar o(s) falecido(s), caso em que atesta-riam maior investimento na produção dos acompanhamentos funerários em compara-ção com os demais cemitérios;

5) As atividades também poderiam en-

volver a preparação e consumo de alimen-tos, assemelhando-se aos festins funerários dos caciques Kaingang.

o PRoCesso de foRmaÇÃo do moN-tíCUlo b

Vejamos, através de uma “biografia” do Montículo B do sítio Posto Fiscal (onde as intervenções foram mais intensas), as ativi-dades que teriam tido lugar nos sítios arqui-tetonicamente complexos.

Inicialmente, alguns indivíduos foram sepultados em grandes covas, em um caso com uma pequena vasilha servindo de acompanhamento. Após a cobertura dessas covas, foram realizadas atividades ao seu redor que resultaram no acúmulo de mate-rial lítico e cerâmico, concentrado no que seria a base do montículo. A análise apre-sentada nas seções anteriores demonstrou que essas atividades devem ter sido seme-lhantes às realizadas em contextos domés-ticos, incluindo a preparação e o consumo de alimentos. Através da distribuição do material percebeu-se uma associação entre as lascas com marcas macroscópicas de uso e certas micro-estruturas como conjuntos de pedras que podem ter sido fornos (De-Masi 2005, 2009; Iriarte et al. 2008, 2010). Essa distribuição é similar à que se observa nos casos de refugo primário no entorno de fogueiras (Sakaguchi, 2007:34-35, 41). Se-ria esse refugo um remanescente do que se denomina feasting ou “festim” na literatura antropológica? Twiss (2008) propõe alguns correlatos materiais de festins, dos quais os seguintes são aplicáveis ao caso em ques-tão: a) o consumo em grande quantidade, evidenciado pelo refugo; b) o uso de estru-turas e locais especiais; c) a associação com rituais, no caso funerários. Não se deve es-quecer, contudo, que uma parte do mate-rial lítico pode também ter sido utilizada para a confecção de objetos perecíveis, seja

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como acompanhamentos funerários, seja como itens usados nos rituais (Odell, 1994; Carr, 2006c:465-468).

Posteriormente, houve vários acrésci-mos de terra aumentando as dimensões do montículo. Nesses níveis também foi en-contrado material, embora disperso e sem associação com estruturas particulares, pa-drão que se assemelha ao de refugo secun-dário resultante de limpeza e redeposição (Sakaguchi, 2007:34-35, 41). Nesse caso, o material redepositado seria originário das áreas de refugo primário (resultante dos festins mortuários). O uso de refugo secun-dário como preenchimento em constru-ções, inclusive as de caráter ritual, já havia sido notado por Schiffer (1987:70). Walker (1995) utiliza o termo “lixo cerimonial” para se referir aos artefatos utilizados ou quebrados provenientes de rituais e deposi-tados como preenchimento em constru-ções de caráter cerimonial por ocasião de seu abandono. Já os “depósitos sacrificiais” seriam artefatos inteiros ou não utilizados, propositadamente tirados de circulação através de sua deposição em espaços ritu-ais. A vasilha inteira, possível acompanha-mento funerário, encontrada em uma das feições no Montículo B seria um exemplo de depósito sacrificial, ao passo que os de-mais fragmentos de cerâmica, os instru-mentos e as lascas com marcas de uso fa-riam parte do lixo cerimonial.

Em contextos andinos, Vega-Centeno (2007) observa que centros cerimoniais construídos em múltiplos estágios apresen-tam eventos de construção de novas estru-turas precedidos pelo soterramento propo-sital de estruturas antigas. O material com que essas estruturas soterradas foram pre-enchidas é refugo secundário relacionado à preparação e ao consumo de alimentos, composto por ossos de fauna, vegetais, pe-dras de fogueira, fragmentos de recipientes

e lascas de quartzo. Na interpretação de Vega-Centeno (2007), tais evidências apon-tariam para festins precedendo cada etapa de construção – uma estratégia das nascen-tes elites andinas envolvendo a distribuição e o consumo conspícuo de alimentos para recrutar seguidores e mobilizar seu traba-lho nas construções. Esse caso apresenta paralelismos interessantes com o sítio Pos-to Fiscal (e com outros sítios rituais Jê do Sul, em especial os sítios PM01 e SC--AG-12, cf. DeMasi 2005, 2009; Iriarte et al. 2008, 2010). É preciso lembrar que peque-nas lascas de quartzo eram abundantes também no sítio RS-PE-31, e a escolha des-sa matéria-prima pode ter se dado em am-bos os casos por razões simbólicas, dadas as suas propriedades visuais (Vega-Cente-no, 2007:164). Uma diferença importante com relação ao contexto andino está no ca-ráter funerário dos sítios Posto Fiscal e RS--PE-31, sugerindo que talvez a linhagem do(s) indivíduo(s) aí sepultado(s) “patroci-nasse” o trabalho de construção do montí-culo através da promoção de festins.

Hayden (2009:37-38) observa que em sociedades de nível médio de complexida-de a promoção de festins funerários é o pretexto mais utilizado pelas elites emer-gentes para a manipulação em favor de seus próprios interesses, algo que é exacerbado quando as elites conseguem reunir uma quantidade suficiente de seguidores para participar da construção de monumentos funerários. Nessas sociedades, entre as quais podem-se incluir os Jê meridionais em período pré-contato, os anfitriões (no caso, a linhagem do falecido) costumam convidar uma grande quantidade de parti-cipantes para o funeral, de modo a ostentar seu poder em demonstrações de consumo conspícuo para atrair alianças desejáveis (Hayden, 2009:33). Em período recente, uma sobrevivência desse tipo de comporta-

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mento seria o funeral dos caciques Kain-gang conforme narrado acima (Mabilde, 1897:162-166).

Após a cobertura das feições e início da elevação do montículo, foi possivelmente realizada a cremação de outro indivíduo, resultando em uma lente de terra queima-da associada a minúsculos ossos calcinados (Figura 4a). DeMasi (2005:225-226) relata um achado semelhante no sítio SC-AG-12: nesse caso, não havia muros quadrangula-res, mas um piso de argila queimada foi evidenciado justamente em uma platafor-ma de contorno retangular, embora sem ossos calcinados associados. Sepultamen-tos cremados secundários encontravam-se, contudo, em um montículo separado da plataforma retangular. Talvez algumas es-truturas (Montículo B do sítio Posto Fiscal, plataforma do sítio SC-AG-12) servissem a apenas um estágio do rito funerário nesses sítios. Deve-se ressaltar que mais escava-ções nos outros dois montículos do Posto Fiscal são necessárias, e podem ainda reve-lar sepultamentos secundários.

A complexidade da biografia do sítio Posto Fiscal contrasta com a da maioria dos sítios funerários Jê do Sul até o mo-mento pesquisados, revelando um progra-ma mortuário complexo e possivelmente em múltiplos estágios (Iriarte et al., 2013:87). É possível sugerir, a partir desses dados, uma relação entre complexidade ar-quitetônica (na forma, nas dimensões e no número de aterros, bem como no número de montículos) e a presença de festins fu-nerários.

CoNClUsÃoAtravés da análise dos conjuntos artefa-

tuais e micro-estruturas dos sítios RS--PE-31 e Posto Fiscal percebe-se que os aterros anelares de arquitetura complexa foram também palco de uma série de ativi-

dades distintas das que ocorriam nos de-mais sítios. Se isso de fato implica em um status superior para os indivíduos aí sepul-tados, resta esclarecer a função dos peque-nos aterros anelares com montículos.

Beber (2004:233-240), baseando-se principalmente no relato de Mabilde (1897-162-166), propõe que os montículos fune-rários seriam destinados ao sepultamento de indivíduos de alto status, sendo os de-mais depositados em grutas. DeMasi (2009:111), por outro lado, restringe a atri-buição de status elevado apenas para os se-pultamentos acompanhados de oferendas e evidências de festins mortuários. Para Mül-ler (2008:137), o grande número de aterros anelares, aliado à presença de sepultamen-tos coletivos, indicam que todos os mem-bros da comunidade eram sepultados em tais estruturas, sem distinções de status. Entretanto, é preciso ter ressalvas nesse ponto: apesar de ser comum, na região es-tudada, a ocorrência de pequenos aterros anelares com montículos nas proximidades imediatas de conjuntos de casas subterrâ-neas (Saldanha, 2005), o que sugere seu uso como cemitérios de pequenos grupos vizi-nhos, a maioria dos sepultamentos nos montículos é de apenas um ou dois indiví-duos (Copé et al., 2002; Müller, 2008; De-Souza & Copé, 2010), com um único caso de seis indivíduos registrado por DeMasi (2009:108-109). Assim, como notado por Iriarte et al. (2013:93-94), é improvável que todos os membros da comunidade fossem sepultados em tais sítios, e é possível que estes fossem cemitérios de líderes locais.

Portanto, a interpretação de Beber (2004:233-240) parece confirmar-se para a região estudada, sendo os montículos re-servados a indivíduos de alto status, embo-ra com distinções entre os mesmos. Dentro dessa perspectiva, sugiro que, enquanto os pequenos aterros anelares com montículos

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encerrariam sepultamentos de líderes lo-cais (de comunidades vizinhas), os sítios RS-PE-31 e Posto Fiscal poderiam ter ser-vido à inumação de líderes regionais - da mesma forma como a organização sócio--política dos Kaingang no século XIX apre-sentava dois níveis de hierarquia, com caci-ques principais e subordinados (Mabilde, 1899:142; Fernandes, 2004:102-103). Uma vez que os anexos quadrangulares são adi-ções tardias na seqüência de construção dos sítios, e considerando as datas do Mon-tículo B do sítio Posto Fiscal (séculos XV a XVII), pode-se especular que a emergência de cacicados com dois níveis de hierarquia seria um fenômeno relativamente recente na trajetória dos grupos Jê do Sul, imedia-tamente anterior ou coetâneo do contato com os europeus. Essa é, contudo, ainda uma hipótese de trabalho, e sua comprova-ção depende de novas escavações e data-ções tanto nos sítios aqui analisados quan-to em outros de arquitetura semelhante.

aGRadeCImeNtosA José Iriarte e Silvia Copé, coordena-

dores do projeto em colaboração entre a Universidade de Exeter e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, financiado pela National Geographic Society em 2009 e pela Wenner-Gren Foundation entre 2010 e 2011. A Paulo DeBlasis, orientador da dissertação que originou este artigo, de-senvolvida no Museu de Arqueologia e Et-nologia da Universidade de São Paulo com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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140RESUMO

amazônia ano 1000:

tErritorialidadE E conflito no

tEmPo das chEfias rEgionais1

Claide de Paula moraes

1- tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em arqueologia do museu de arqueologia e etnologia da Universidade de são Paulo em 13 de maio de 2013.

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Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa em arqueologia que bus-ca discutir o processo de ocupação huma-na no passado pré-colonial de uma área genericamente conhecida como Amazônia Central. Mais precisamente estamos tra-tando de evidências arqueológicas das pro-ximidades da foz dos rios Negro e Soli-mões e do baixo rio Madeira, Estado do Amazonas, Brasil. Nosso objetivo se foca principalmente nas ocupações da era Cris-tã. A discussão é guiada pelas evidências de um período de ocupação classificado como fase Paredão, porém, o objetivo maior do trabalho é entender os processos que levaram ao surgimento, desenvolvi-mento e decadência das chefias regionais do período pré-colonial da Amazônia.

Com base em pesquisas de levantamen-to, mapeamento e escavação de sítios ar-queológicos nestas duas áreas e com o sub-sídio de um grande volume de pesquisas

produzidas no Projeto Amazônia Central, buscamos entender o processo de forma-ção dos sítios e estruturas arqueológicas, as particularidades de cada momento de ocupação e a interação entre os antigos ha-bitantes desta região.

Para lançar luz sobre um objetivo maior de entender processos regionais amplos, partimos de estudos intra-sítio e da tecno-logia de produção de artefatos com análi-ses tecnológicas e espaciais pormenoriza-das. Amparados pelos resultados destas análises, buscamos dialogar com outros contextos onde os dados arqueológicos são ainda exploratórios. Com estas ferramen-tas tentaremos dialogar com trabalhos de outras regiões da Amazônia que versam sobre, densidade populacional, forma de assentamento, sistemas de assentamentos, conflito, disputa territorial, significado da variabilidade artefatual e modo de subsis-tência.

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Apresentaremos informações a respeito de povos que viveram na Amazônia Central aproximadamente entre o baixo rio Soli-mões (atual Município de Manacapuru), o baixo rio Negro e as proximidades da atual fronteira entre os estados do Amazonas e Pará. Os povos em questão, ou pelo menos as evidências materiais que a eles associa-mos, desapareceram ou se transformaram por volta do século XII. Portanto, não há registros históricos ou etnográficos a seu respeito. A arqueologia e os vestígios mate-riais passam a ser as únicas ferramentas que tornam possível conhecer algumas de suas características.

Para efeito de classificação adotamos o termo já estabelecido por pesquisas anterio-res e chamamos este período da ocupação de fase Paredão. No desenrolar do trabalho ampliamos a área também para o baixo Ma-deira para falar de outros materiais de povos que provavelmente conviveram com os da fase Paredão.

Tentamos trazer informações a respeito da origem dos povos produtores da cerâmi-ca Paredão, quem seriam seus ancestrais, de onde eles teriam vindo, em que período te-riam se estabelecido na Amazônia Central, como teria se dado o florescimento e declí-nio desta população, quais seriam as frontei-ras de seu território e os motivos do seu de-saparecimento.

Faremos isto utilizando dados arqueoló-gicos produzidos por uma equipe multidis-ciplinar, conduzida por Eduardo Góes Ne-ves, que desde 1995 vem desenvolvendo o projeto Amazônia Central (PAC) no estado do Amazonas. Também dialogaremos com pesquisadores que trabalharam anterior-mente na mesma região e com pesquisas desenvolvidas nas imediações da área em que estamos estudando.

Os dados primários utilizados neste tra-balho foram coletados pelo presente autor

principalmente na região do lago do Limão, no município de Iranduba, um lago na re-gião de interflúvio entre os rios Negro e So-limões e também em um projeto de pesqui-sa conduzido no médio e baixo rio Madeira, entre os municípios de Humaitá e Nova Olinda.

As hipóteses que deram origem a esta pesquisa foram geradas a partir de nossa pesquisa de mestrado conduzida no Lago do Limão, onde foram identificados 15 sítios arqueológicos. Na ocasião estudamos deta-lhadamente três sítios arqueológicos da re-gião. Os sítios Lago do Limão, Antônio Galo e Pilão (Moraes 2006).

Para o trabalho atual intensificamos as escavações no sítio Antônio Galo e realiza-mos um amplo levantamento de sítios no rio Madeira com a posterior delimitação e esca-vação do sítio Vila Gomes no município de Borba.

A partir dos dados coletados em campo e analisados no laboratório discutiremos questões como território, deslocamento, conflito, sistema de assentamento, forma de sítio e tentativa de reconstituição de aldeias do passado pré-colonial, em alguns pontos com dados mais sólidos e em outros apenas com hipóteses.

Tentamos no decorrer do trabalho fazer com que dados de profundidades de análi-ses muito distintas dialoguem em prol do entendimento da arqueologia da região. Um dos contextos estudados, o sítio Antônio Galo, no município de Iranduba, tem dados de campo e laboratório muito refinados, pu-demos conhecer bem as particularidades do processo de formação do sítio e também a tecnologia do material nele descartado. A outra parte dos dados, coletada no rio Ma-deira, procura registros da presença huma-na em uma região muito mais ampla, porém com dados exploratórios. A mescla dos da-dos destas duas unidades de análise distintas

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é o pano de fundo do trabalho. Estas duas unidades de análise são utilizadas para res-ponder uma questão principal, que é o cen-tro da tese, sobre o processo que levou ao desenvolvimento e declínio das chefias re-gionais na Amazônia central.

Dividimos em doze capítulos. O primei-ro deles apresenta as bases conceituais e os principais trabalhos com os quais pretende-mos dialogar. Optamos por não escrever um capítulo apresentando separadamente a me-todologia do trabalho. Ela estará inserida nos capítulos à medida que as análises são apresentadas.

No capítulo II apresentamos ao leitor o contexto com o qual estamos trabalhando, a Amazônia central e o médio e baixo rio Ma-deira. Não é fácil dizer onde é o centro da Amazônia. Estamos nos utilizando do ter-mo definido por Eduardo Neves para falar da área que compreende as proximidades da foz dos rios Negro e Solimões, entre os mu-nicípios de Manaus, Manacapuru, Novo Ai-rão e Iranduba. A divisão de bacias hidro-gráficas na Amazônia também não é tarefa menos controvérsia. Como muitos dos rios da Amazônia Brasileira nascem em outros países da América do Sul é sempre difícil sa-ber onde é o baixo e alto curso de um deles. Estamos considerando como médio e baixo rio Madeira o trecho entre a divisa dos Esta-dos de Rondônia e Amazonas e a foz com o rio Amazonas. Quando nos referimos às pesquisas realizadas abaixo da foz dos rios Negro e Solimões trataremos esta região como baixo Amazonas.

No capítulo III apresentamos a fase Pare-dão. Foi para entender este estilo e período de ocupação da Amazônia que construímos o projeto que deu origem a esta tese. No de-correr do trabalho outras questões vieram à tona, porém a fase Paredão continuou sendo o eixo da discussão. No capítulo apresenta-mos as características, a área de ocorrências

e a cronologia estabelecida para a fase Pare-dão.

No capítulo IV está a matéria prima de toda a discussão, investimos muitos esforços para um controle detalhado da coleta de amostras mesmo em sítios onde pouca ou nenhuma escavação foi realizada. Dele em diante o leitor percebe a diferença de nossas unidades amostrais da área da Amazônia central e do rio Madeira.

No capítulo V demos continuidade a um trabalho que começamos a desenvolver du-rante nossa pesquisa de mestrado e refina-mos a definição tipológica do conjunto arte-fatual com o qual estamos trabalhando. Sabendo que a morfologia do vaso cerâmico define o propósito para o qual ele é constru-ído, optamos por iniciar a análise dos frag-mentos e vasos de cerâmica primeiro classi-ficando-os pela morfologia das vasilhas. No capítulo apresentamos os tipos cerâmicos definidos e com base nos critério apresenta-dos no capítulo seguinte, apresentamos tam-bém algumas particularidades da confecção e uso de cada tipo.

No capítulo VI apresentamos o que ana-lisamos na coleção cerâmica. Nele compara-mos os dados de todas as coleções contem-pladas em nossa análise e iniciamos uma problematização sobre os efeitos dos resul-tados em comparação com trabalhos ante-riores.

No capítulo VII retomamos a discussão dos atributos analisados na cerâmica de ma-neira individual para cada uma das fases que estão representadas em nossa coleção. Nele são propostas revisões classificatórias de tra-balhos anteriores e novos significados para os resultados de alguns atributos analisados. Introduziremos algumas análises estatísticas e contrastaremos os resultados com outras pesquisas realizadas. A estatística foi feita com o auxílio da Dra. Adília Nogueira, uti-lizando o programa de estatística multiva-

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riada Paleontological Statistics (PAST), sof-tware de distribuição gratuita na internet (Hammer et al. 2010).

No capítulo VIII apresentamos e discuti-mos a cronologia da região que estamos tra-balhando. Tentamos interpretar os resulta-dos das novas datas produzidas em nossa pesquisa e o significado delas para a história de ocupação da região.

O capítulo IX apresenta um dos pontos principais de nosso trabalho. Em várias pas-sagens o leitor verá que mencionamos a ne-cessidade de compreender a distribuição dos vestígios para ir além das classificações tradicionais de material arqueológico. Neste capítulo trabalhamos nossos dados de cam-po e laboratório na tentativa de entender características do processo de formação dos sítios arqueológicos e do significado espa-cial de sítios e vestígios.

A partir do capítulo X contrastamos os dados produzidos em nossa pesquisa com hipóteses e modelos interpretativos da ar-queologia amazônica, tentando entender melhor as características regionais de cada momento da ocupação da região que esta-mos estudando. Apresentamos também uma proposta que busca relativizar a impor-tância da agricultura como principal fonte de recursos no tempo das chefias regionais e como promotora das disputas pela ocupa-ção das áreas de várzea da Amazônia.

Ao final saímos com algumas propostas alternativas para interpretar o significado da variabilidade tecnológica da cerâmica, da disputa por território, importância da agri-cultura e complexidade política por volta do ano 1000 DC.

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CARBONERA, M.; SCHMITZ, P. I. (ORgS.). 2011. ANTES dO OESTE CATARINENSE: ARquEOlOgIA dOS POvOS... Resenhado por Lucas Bond Reis

146RESEnhA

carbonEra, m.; schmitz, P. i. (orgs.). 2011. antEs do oEstE

catarinEnsE:arquEologia dos Povos indígEnas.

chaPEcó (sc), argos.

364 P. IsbN: 978-85-7897-034-5

Resenhado por lucas bond Reis1

1- mestrando em história Cultural pelo PPGh/UfsC. [email protected]

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Durante muito tempo, arqueologia em Santa Catarina foi sinônimo de pesquisar sambaquis. Por diversos fatores (monumen-talidade, variabilidade, quantidade, localiza-ção, etc.), os concheiros foram o principal objeto de pesquisa no território catarinense entre o final do século XIX e meados do XX. Antes do Oeste Catarinense mostra que no interior do estado existe uma diversidade de contextos arqueológicos, os quais remetem a ocupações de diferentes grupos culturais ao longo do tempo, que ainda precisam ser mais bem compreendidos. A obra apresenta uma espécie de estado da arte do que se sabe até então acerca da história das populações indígenas, que vivem e/ou viveram na re-gião preteritamente, visando popularizar o conhecimento produzido em arqueologia.

O livro é organizado por Mirian Carbo-nera, arqueóloga do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM), pesquisa-dora que estuda o processo de ocupação e os contatos culturais no Alto Rio Uruguai; e

por Pedro Ignácio Schmitz, arqueólogo do Instituto Anchietano de Pesquisas, livre--docente em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), com vasta produção em arqueo-logia em mais de cinquenta anos de atuação e que dispensa maior apresentação. A publi-cação conta com contribuições de autoria individual ou em coautoria, tanto de pesqui-sadores ligados à academia quanto de pro-fissionais que exercem atividades de arqueo-logia de contrato. Os textos que compõem a obra são de autoria dos seguintes pesquisa-dores (em ordem alfabética): Elison Anto-nio Paim; Jairo Henrique Rogge e Mirian Carbonera; Kelly de Oliveira; Letícia Morga-na Müller e Sheila Mendonça de Souza; Mi-rian Carbonera; Pedro Ignácio Schmitz; Pe-dro Ignácio Schmitz e Marcus Vinicius Beber; Pedro Ignácio Schmitz e Suliano Fer-raso; Sirlei Elaine Hoeltz e Adelson André Brüggemann; Solange B. Caldarelli e Rodri-go Lavina.

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CARBONERA, M.; SCHMITZ, P. I. (ORgS.). 2011. ANTES dO OESTE CATARINENSE: ARquEOlOgIA dOS POvOS... Resenhado por Lucas Bond Reis

A publicação inicia-se com uma Apre-sentação, seguida por seis partes temáticas. A primeira destas, intitulada A geração do conhecimento, versa sobre a trajetória histó-rica das pesquisas arqueológicas realizadas no Oeste Catarinense. Quatro partes subse-quentes apresentam informações gerais, problematizações e/ou análises de materiais relacionadas a alguma das ocupações até en-tão identificadas na região; sendo denomi-nadas da seguinte forma: A ocupação do território, O Guarani nas áreas de mata, Os antepassados dos Kaingang nos pinheirais e Culturas diferentes em contato. A última parte, intitulada A região oeste catarinense, compreende uma síntese da constituição da região Oeste Catarinense no período histó-rico. Ao final, constam informações sobre os autores e um posfácio, de autoria de Dione da Rocha Bandeira, na contracapa.

A obra integra a série “História e Patri-mônio” editada pelo CEOM, a qual também publicou dois livros de relevante interesse para a área da museologia – A danação do objeto (2004) e Há uma gota de sangue em cada museu (2006). Aliás, deve-se destacar que o CEOM, instituição que integra a Uni-versidade Comunitária da Região de Chape-có (Unochapecó), possui um papel impor-tante na proteção e valorização do patrimônio cultural regional desde a sua fundação, na década de 1980, através da guarda de bens culturais, da promoção de pesquisa, da realização de exposições e ações de extensão com a comunidade local e na divulgação científica e cultural. Desde 2002, conta com o Núcleo de Estudos Etno-lógicos e Arqueológicos (NEEA).

Conforme disposto na apresentação, os autores que contribuíram para a publicação tiveram liberdade para escrever segundo as suas convicções. Esta diversidade fica evi-dente nas diferentes abordagens teórico--metodológicas utilizadas, no tratamento

dos dados e nas interpretações, bem como no modo pelo qual as narrativas são expos-tas, algumas mais descritivas e coloquiais e outras mais formais.

As partes do livro que contém as infor-mações produzidas sobre os assentamentos pretéritos da região foram dispostas crono-logicamente. Inicialmente são abordados aspectos que remetem às ocupações de gru-pos de caçadores-coletores (mais de 8000 A.P); seguidos por textos que versam sobre as ocupações Guarani e Jê meridional (am-bas a partir de 1000 A.P). Cada uma destas partes possui um texto inicial com caracte-rísticas gerais sobre os grupos culturais, muitas delas obtidas a partir de pesquisas em contextos localizados em áreas circunvi-zinhas à região, além de informações acerca dos sítios registrados no Oeste Catarinense que os identificam. Na sequência destes tex-tos introdutórios constam capítulos que apresentam resultados de análises específi-cas, dentre os quais, chama-se a atenção para três, que remetem a grupos culturais diferenciados, bastante ilustrativos e assaz interessantes.

O primeiro deles é uma análise de tecno-logia lítica de vestígios oriundos de contex-tos líticos e litocerâmicos efetuada por Ho-eltz e Brüggeman. Aprofundando-se na desconstrução do entendimento de que ha-veria uma só população vinculada à tradi-ção tecnológica Humaitá, proposta colocada desde meados da década de 1990 pela pri-meira autora e por Adriana Schmidt Dias, os pesquisadores apresentam dados que per-mitem as seguintes constatações para o Oes-te Catarinense: os grupos de caçadores-cole-tores que ocuparam a área inicialmente foram aqueles vinculados à tradição tecno-lógica Umbu e que os sítios associados à tra-dição tecnológica Humaitá ou Altoparana-ense (como foi denominada regionalmente) devem ser entendidos em um contexto sistê-

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mico mais amplo, vinculado às ocupações Guarani e/ou Jê meridionais.

Os outros dois capítulos aqui destacados foram escritos em coautoria pelas mesmas autoras, Müller e Souza. A partir de análises bioarqueológicas de vestígios que dificil-mente preservam-se no solo ácido sul brasi-leiro e fazendo uso de uma abordagem in-terdisciplinar, as pesquisadoras tratam das práticas funerárias de grupos Guarani e Jê meridionais. No primeiro texto, as pesquisa-doras desconstroem a noção corrente de que os grupos Guarani confeccionavam “urnas funerárias”, evidenciando que nem mesmo na língua Guarani existe um verbete que re-meta a tal forma, e problematizam, com no-vos dados, os significados culturais das duas formas de sepultamento (primário e secun-dário) mencionadas na literatura para estes grupos. No segundo texto, as análises são dirigidas no sentido de se compreender as práticas de sepultamento em montículos si-tuados no interior de estruturas anelares, sítios incorporados aos modelos de sistema de assentamento Jê meridionais, onde evi-dências indicam a realização da cremação do corpo inteiro de indivíduos.

Além destes estudos, constam análises de restos faunísticos e de padrões decorativos da cerâmica pintada, ambas associadas a contextos Guarani.

De um modo geral, o livro cumpre com o seu objetivo de oferecer um panorama acerca das características dos grupos cultu-rais que se sucederam no Oeste Catarinense. Ademais, aprofunda e avança em outras dis-cussões de grande relevância para a compre-ensão da história dos povos indígenas que viveram preteritamente na região, conforme demonstrado nos exemplos de análises de materiais mencionados anteriormente. Apresenta, ainda, um quadro geral do modo pelo qual o conhecimento sobre o passado vem sendo produzido.

Após a leitura da obra, um aspecto em particular instiga algumas reflexões. Trata--se da forma pela qual os dados foram obti-dos, ou melhor, a modalidade de pesquisa que proporcionou o conhecimento: pesqui-sa acadêmica ou arqueologia de contrato. Tal questão é colocada de forma evidente na primeira parte do livro, mas perpassa todo o seu conteúdo conforme são colocadas em cena informações dos contextos do Oeste Catarinense.

No primeiro capítulo, Carbonera apre-senta uma síntese histórica das práticas rela-cionadas à arqueologia que foram desenvol-vidas na região desde meados do século XIX até o presente. Fazendo um paralelo com a trajetória da Arqueologia no Brasil, eviden-cia que no Oeste Catarinense houve tam-bém um período de colecionismo, eventual-mente impulsionado pela colonização da área por imigrantes de origem europeia e/ou por iniciativas individuais – caso do juiz An-tônio Selistre de Campos que atuou em prol das populações indígenas locais –, que cul-minaram na formação das primeiras cole-ções arqueológicas dos museus locais.

A partir da década de 1960, pesquisas científicas realizadas na região, em especial através da atuação de João Alfredo Rohr e de Walter Fernando Piazza, proporcionaram um panorama geral acerca da variedade de sítios arqueológicos, bem como as primeiras informações cronológicas sobre as ocupa-ções pré-coloniais da região. Nos anos se-tenta, Maria José Reis, em um levantamento de estruturas subterrâneas no Oeste Catari-nense, identificou 21 sítios arqueológicos.

Da década de 1980 em diante, começa-ram a ser desenvolvidas ações de arqueolo-gia associadas à implantação de empreendi-mentos com grande impacto ambiental, principalmente os relacionados ao aprovei-tamento do potencial hidroenergético dos cursos d’água que compõem a Bacia do Rio

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Uruguai. É o começo da Arqueologia de Contrato no Oeste Catarinense, questão problematizada por Carbonera pelo fato destas ações gerarem resultados ambíguos: ao mesmo tempo em que proporcionam um maior conhecimento acerca do contexto ar-queológico regional através da identificação e do salvamento de uma série de sítios, estas pesquisas geram um grande volume de acer-vos e relatórios que “acabam esquecidos, uma vez que objetivam demonstrar para a empresa contratante, o IPHAN, o Ibama, entre outros, que foi realizado o salvamento arqueológico da área atingida pela obra de engenharia” (p. 40).

Sabe-se que o aumento considerável de pesquisas de consultoria em arqueologia nos anos oitenta não é algo exclusivo da re-gião em questão, trata-se de um fenômeno nacional devido à promulgação de uma le-gislação onde os estudos arqueológicos pas-saram a ser necessários para fins de licencia-mento de obras com grande impacto ambiental.

Em Santa Catarina, de um modo geral, houve, nas décadas de 1960 e 1970, uma in-tensa produção de conhecimento em arque-ologia, principalmente, através das pesqui-sas desenvolvidas por João Alfredo Rohr, Walter Piazza e pela equipe do Instituto (Museu) de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na déca-da seguinte, uma série de circunstâncias – reflexos decorrentes da reforma universitá-ria na UFSC, escassos financiamentos para pesquisa, desinteresse de antigos pesquisa-dores na área e falecimento de Rohr –, im-plicaram numa queda vertiginosa no núme-ro de pesquisas em arqueologia.

Evidentemente, este contexto acarretou em alterações profundas no quadro de pes-quisas acadêmicas realizadas no Oeste Cata-rinense. Por outro lado, entre 1980-1985, Marilandi Goulart, então vinculada à UFSC,

desenvolveu na região a primeira etapa do Projeto de Salvamento Arqueológico Uru-guai, uma pesquisa de arqueologia de con-trato. Esta pesquisa colaborou de forma de-cisiva para a criação do CEOM em 1986.

Deste período em diante, avolumaram--se as pesquisas relacionadas à consultoria em arqueologia. Caldarelli e Lavina, no se-gundo capítulo do livro, apresentam alguns dados relevantes acerca do contexto atual. Conforme apurado pelos pesquisadores em relatórios presentes nos arquivos do IPHAN/SC, entre 2001 e 2010 os levanta-mentos arqueológicos prospectivos em li-cenciamentos ambientais foram os respon-sáveis absolutos pela pesquisa arqueológica desenvolvida no Oeste Catarinense. Além disso, os autores relatam que cinquenta pro-jetos, com portaria emitida neste mesmo período, foram responsáveis pela localiza-ção de 308 sítios, muitos destes inéditos.

Observa-se que modificações conjuntu-rais ocorridas a partir da década de 1980 implicaram na diminuição do número de pesquisas acadêmicas e na ascensão dos tra-balhos de arqueologia de contrato no Oeste Catarinense. Neste sentido, uma questão que precisa ser mais bem avaliada diz res-peito ao conhecimento produzido nos estu-dos desenvolvidos sob a segunda modalida-de de pesquisa.

Cumpre-se a lei, produz-se uma grande quantidade de relatórios técnicos, com catá-logos e biografias de sítios, mas, de um modo geral, os dados pouco são explorados a fim de se avançar nas discussões que alme-jam uma melhor compreensão da história dos grupos humanos que vivem e/ou vive-ram no local. Sem entrar no mérito, outro aspecto que deve ser considerado são os re-cortes espaciais arbitrários definidos pelo impacto dos empreendimentos em licencia-mento, problema constatado por profissio-nais da área em textos da obra.

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Deve-se ressaltar, contudo, que essa não é uma regra geral. Na própria publicação, inclusive, constam algumas reflexões, que contribuem de forma significativa para um entendimento mais refinado do comporta-mento dos grupos que outrora ocuparam a região, possibilitadas por pesquisas de salva-mento. Por outro lado, nos textos percebe-se o uso de uma grande quantidade de dados oriundos de pesquisas acadêmicas realiza-das nas décadas de 1960 e 1970, bem como de coleções reunidas neste mesmo período, além de informações recentes obtidas em outras regiões, como fundamento para as interpretações da ocupação do Oeste Cata-rinense. Daí a necessidade de se problemati-zar esta questão.

Ao final, no panorama apresentado fica evidente a ausência de pesquisas arqueoló-gicas em conjunto com as populações indí-genas - Kaingang e Guarani - que vivem no Oeste Catarinense. Em uma região onde a presença tradicional de grupos indígenas é marcada por meio de sítios arqueológicos e da ocupação de oito Terras Indígenas, bem como através de topônimos e da nomencla-tura de estabelecimentos públicos que reme-tem a presença indígena, nenhum projeto de arqueologia se propôs a desenvolver estudos orientados segundo as necessidades e os in-teresses destes povos. Considerando-se o atual contexto político do país, onde as po-pulações indígenas são espoliadas das suas terras e têm seus direitos defenestrados, esta é uma demanda urgente.

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nORMAS EDITORIAIS

obJetIvos e PeRIodICIdadeA Revista de Arqueologia é um veículo

oficial da Sociedade de Arqueologia Brasi-leira (SAB) e destina-se à publicação de tra-balhos que possam contribuir para o apro-fundamento e a socialização de conhecimentos científicos sobre temas rela-tivos à Arqueologia Brasileira e seus campos interdisciplinares. Ela tem como prioridade a divulgação dos trabalhos nacionais mais expressivos nesta área de conhecimento, bem como de artigos de pesquisadores es-trangeiros considerados relevantes para a disciplina.

A revista está aberta a todos os sócios da SAB e a outros pesquisadores, sejam eles da área de arqueologia ou de áreas afins. Sua periodicidade será semestral, podendo ter tiragem diferenciada.

O calendário de publicação da Revista de Arqueologia, bem como as datas de fecha-mento de cada edição, são definidos pela Comissão Editorial da SAB, composta por três membros eleitos para um mandato de dois anos, sendo apenas um deles o editor da revista.

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Serão aceitos para publicação trabalhos elaborados em português, espanhol, francês e inglês. No caso específico de artigos origi-nais e artigos de revisão ou atualização, estes somente serão aceitos após serem submeti-dos à apreciação de pelo menos dois reviso-res ou pareceristas. A identificação do pare-cerista é opcional, cabendo a cada um a

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IV. Resumos de dissertações de mestrado e de teses de doutorado defendidas nos últimos dois anos sobre temática arqueológica ou sobre assunto de interesse à arqueologia, de-vendo ter entre 500 e 2.000 palavras.

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vel com Word for Windows em folha A4, espaço 1,5, margens direita e esquerda com 2 cm, topo e base com 2,5 cm, margem di-reita não justificada, fonte Arial, tamanho 11, com páginas numeradas sequencial-mente.As obras citadas deverão ser referenciadas no próprio corpo do texto, indicando-se: sobrenome do autor, data da publicação, página citada. Exemplos: (Clark, 1975), (Lévi-Strauss, 1982:47), (Renfrew & Bahn, 1998); Willey & Philipps (Willey & Phili-pps, 1958:95), Plog et al. (Plog et al., 1976), Binford (Binford 1967, 1978, 1983). Notas de rodapé (numeradas sequencialmente) deverão ser utilizadas exclusivamente como notas explicativas. As referências bibliográ-ficas completas das obras citadas deverão vir em uma lista ao final do trabalho.

VI. As referências bibliográficas deverão se-guir as seguintes normas:

Livros:MEGGERS, B. J. 1979 América Pré-histórica. Trad. de E. T. de Carvalho. 2ª ed. Rio de Ja-neiro, Paz e Terra. 185pp.Artigos ou capítulos em livros:PROUS, A. 1999 Arqueologia, Pré-história e História. In: TENÓRIO, M. C. (Org.), Pré--história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro, EdUFRJ, pp.19-32.Mais de uma citação do mesmo autor:MARTIN, G. 1998 O povoamento pré-his-tórico do vale do São Francisco (Brasil). Clio, Série Arqueológica, Recife, 13:9-41.MARTIN, G. 1997 Pré-História do Nordeste do Brasil. Recife, Ed. Univ.UFPE.Artigos de revistas(com um, dois ou mais autores):MARTIN, G. 1998 O povoamento pré-his-tórico do vale do São Francisco (Brasil).

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Clio, Série Arqueológica, Recife, 13:9-41.NEME, S. & BELTRãO, M. 1993. Tupinam-bá, franceses e portugueses no Rio de Janei-ro durante o século XVI. Revista de Arqueo-logia, São Paulo, 7:133-151.Dissertações e teses:WUST, I. 1990. Continuidade e mudança: para uma interpretação dos grupos pré-colo-niais na bacia do rio Vermelho, Mato Grosso. Tese de Doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. 210pp.

VII. A revisão gramatical deve ser previa-mente providenciada pelo(s) autor(es).

VIII. As ilustrações (que não excedam a 6), tabelas, gráficos e demais figuras com res-pectivas legendas deverão ser numeradas sequencialmente e apresentadas, quando for o caso, com os devidos créditos autorais, en-viadas separadamente, com a indicação no texto do lugar onde devem ser inseridas. To-das as imagens deverão ser apresentadas em arquivos digitais individualizados, em for-mato jpg ou tif, em preto e branco com reso-lução igual ou superior a 300 dpi.

IX. Textos encaminhados fora das normas acima definidas serão retornados aos auto-res antes de serem encaminhados aos pare-ceristas.

X. O(s) autor(es) será(ão) informados sobre a avaliação do texto que encaminhou(ram) para publicação no prazo máximo de 3 (três) meses, contados após o envio dos artigos de acordo com as normas estabelecidas neste documento.

XI. São de responsabilidade do(s) autor(es): o conteúdo científico do trabalho, a tradu-ção do título do trabalho para o inglês, o abstract e keywords.

XII. Cada autor(a) poderá publicar até um trabalho individual em cada número da re-vista e mais um outro em co-autoria, desde que não seja o autor principal.

XIII. Os trabalhos aprovados serão encami-nhados em PDF para revisão final dos auto-res, que devem devolvê-lo no prazo máximo de dez dias a partir da data do recebimento. O Editor deve ser informado por escrito so-bre possíveis alterações ou sobre a aprova-ção final de cada trabalho. Nessa etapa não serão aceitas modificações no conteúdo do trabalho ou que impliquem em alterações no número de páginas. Caso o autor não responda no prazo, o trabalho será publica-do conforme a última versão autorizada.

XIV. Após aprovado, o trabalho será publi-cado por ordem de chegada. O Editor res-ponsável também pode determinar o mo-mento mais oportuno.

XV. A Revista de Arqueologia não aceita re-sumos expandidos nem textos na forma de relatórios.

XVI. Ao autor principal de cada trabalho publicado serão oferecidos, gratuitamente, até 5 (cinco) exemplares do número corres-pondente da revista.

XVII. Uma vez publicados os trabalhos, a Revista de Arqueologia se reserva todos di-reitos autorais, inclusive os de tradução, per-mitindo, entretanto, sua posterior reprodu-ção como transcrição, desde que com a devida citação da fonte.

XVIII. Os casos não previstos nestas normas serão analisados e decididos pela Comissão Editorial da SAB, ouvido o Conselho Edito-rial da revista.

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REVISTA DE ARQUEOLOGIA

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SUMÁRIO

ARTIGOS

ReSUMO

ReSenhA

ReVISTA De ARQUeOLOGIA

07 Editorial

08 “Escavando”arquEologiasaltErnativas CristóbalGnecco

24 oPluralEosingulardasarquEologiasindígEnas FabíolaAndréaSilva

44 arquEologiaEcomPanhia:rEflExõEssobrEaintroduçãodEuma lógicadEmErcadonaPráticaarquEológicabrasilEira AndrésZarankineJoséRobertoPellini 62 EntrEabrigosElagoas:tEcnologialíticaEtErritorialidadEEm lagoasanta(minasgErais,brasil) LucasBueno

84 sambaquidoamourins:mortosParamounds? SheilaMendonçadeSouza,AndersenLiryo,GinaFaracoBianchinieMaDuGaspar

104 EscavaçõEsnosítiolii-29,sambaquidEsErEiadomar GustavoPerettiWagner

120 árEasdEatividadEEmdoiscEntroscErimoniaisJÊdosul: rElaçõEsEntrEarquitEturaEfunção JonasGregoriodeSouza

140 amazôniaano1000:tErritorialidadEEconflitonotEmPo daschEfiasrEgionais ClaidedePaulaMoraes 146 carbonEra,m.;schmitz,P.i.(orgs.).2011.antEsdooEstE catarinEnsE:arquEologiadosPovosindígEnas.chaPEcó(sc), argos.364P.isbn:978-85-7897-034-5 LucasBondReis

152 normasEditoriais

Fotosdacapa:GustavoWagner