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REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® O conselho tutelar e sua legitimidade de interven? na prote? dos direitos da crian?e do adolescente Resumo: O presente trabalho versa sobre os direitos da criança e do adolescente, tendo como foco a análise das intervenções realizadas pelo Conselho Tutelar da cidade de Cachoeirinha, mais especificamente nos casos em que houve a aplicação da medida protetiva de colocação em abrigo e a representação para o Ministério Público da Destituição do Poder Familiar. O estudo foi desenvolvido a partir da evolução histórica das legislações menoristas até as bases para atual legislação, assim analisando o processo de construção dos direitos da criança e do adolescente. Prossegue com a análise da legitimidade de intervenção das instâncias de controle estatal nas questões relacionadas à família, à infância e à juventude, tendo destacado-se o papel do Conselho Tutelar, como órgão protetor e garantidor de direitos. Posteriormente, por meio da pesquisa empírica, foi examinado nos expedientes do CT a aplicação da medida de colocação em abrigo com a consequente representação de DPF. A partir do estudo, constatou-se que as violações de direitos não decorrem somente de um único plano, o da família, pois esta, muitas vezes, também é vítima do sistema estatal. O Estado não garante o mínimo de condições que possibilite às famílias atenderem as suas necessidades básicas, o que, em algumas situações, pode ser justificativa para representações das ações de Destituição de Poder Familiar. Na identificação dos casos, percebeu-se que a situação sócio-econômica familiar foi fator preponderante para aplicação da medida de colocação em abrigo, assim como a consequente representação de Destituição do Poder Familiar. Isso demonstra o quanto é necessária a qualificação e estruturação de melhores condições de trabalho do Conselho Tutelar, enquanto instância garantidora de direitos, sendo premente a efetivação de seu papel.[1] Palavras chave: Direito da Criança e do Adolescente; Conselho Tutelar; Legitimidade; Medidas de proteção; Destituição do Poder Familiar. Abstract: This work is about the rights of children and adolescents, focusing the analysis of interventions made by the Guardianship of the city of Cachoeirinha, specifically in cases where there was the application of the protective placement under protection and representation to the Ministry Dismissal of the Public Power Family. The study was developed from the historical development of laws to lower the basis for current legislation, so analyzing the process of construction of the rights of children and adolescents. Continues with the analysis of the legitimacy of intervention in instances of state control issues related to family, to childhood and youth, and particularly the role of the Guardianship Council, as the protector and guarantor of rights. Later, through empirical research, was examined in expedients of CT to the measure of placement in accordance with the consequent representation of DPF. From the study it was found that the violations of rights does not stem only from a single plan, the family, as this often is the victim of state system. The State does not guarantee the minimum conditions that enable families to meet their basic needs, which in some cases, representations may be justification for the actions of Dismissal Power Family. The identification of cases, found that the socio-economic family was predominant factor for the measure of placing in shelter, and the consequent representation of Dismissal of the Power family. That shows how much is needed and the qualification structure for better working conditions, the Guardianship Council as the guarantor of rights, and pressing the realization of their role. Keywords: Right of the Child and Adolescent; Guardianship Council, Legitimacy, measures of protection; Dismissal of Family Power. Sumário: Introdução. 1. As bases do estatuto da criança e do adolescente e o surgimento do conselho tutelar. 1.1. Abordagem inicial dos direitos da infância. 1.2. As legislações de menores. 1.3. As bases do estatuto da criança e do adolescente. 1.4. O surgimento do conselho tutelar. 2. O poder de intervenção estatal, da legitimidade e do poder de atuação do conselho tutelar. 2.1. Do poder de intervenção do estado 2.2. Da legitimidade. 2.3. Do poder de atuação do conselheiro tutelar 3. Conselho tutelar na prática: os limites e as possibilidades na sua intervenção. 3.1. O município de Cachoeirinha, o conselho tutelar, o ministério público e o juizado da infância e da juventude. 3.2. As intervenções do conselho tutelar de cachoeirinha no ano de 2008. 3.2.1. Apresentação dos casos 3.3. A rotina diária de atuação do conselheiro tutelar. 3.3.1. Acompanhamento dos Atendimentos. Considerações finais. Referências. INTRODUÇÃO Este trabalho foi desenvolvido a partir de minha experiência diária enquanto Conselheira Tutelar do município de Cachoeirinha. Tal experiência ao longo de 3 anos e meio permitiu-me observar diversas questões em que as Conselheiras Tutelares, às vezes, acabam intrometendo-se indevidamente na família e, em especial, nos direitos e garantias individuais das crianças e dos adolescentes. Dessa maneira, a proposta deste trabalho foi buscar verificar quais os limites de atuação do Conselho Tutelar no exercício e cumprimento de suas atribuições e, ainda, definir sua legitimidade na intervenção no núcleo familiar, quando verificado suspeita ou violação de direitos contra criança e o adolescente. Assim, iniciou-se o estudo a partir da pesquisa teórica e empírica sobre a atuação do Conselho Tutelar, tendo como enfoque específico a medida de colocação em abrigo, prevista no art. 101, VII do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a resultante representação ao Ministério Público para Destituição do Poder Familiar, atribuição do Conselho Tutelar disposta no art.136, IX da lei 8069/90. No entanto, o tema do trabalho foi estabelecido através da análise Constitucional dos direitos da infância e juventude, como prevê o art. 227, da Constituição Federal, que se refere à família, à comunidade e ao Estado, que diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Nesse contexto, a partir da garantias constitucionais, posteriormente regulamentadas pela legislação Estatutária 8069/90, foi estabelecido um sistema de garantias às crianças e aos adolescentes. Neste sistema, foi inserido o Conselho Tutelar, um órgão representado pela comunidade, que deve atuar em rede, juntamente com os Poderes Estatais , com o objetivo comum de garantir a proteção integral à infância, conforme preceitua a legislação.Diante disso, a atuação da comunidade, através do Conselho Tutelar, delimita-se em torno do que vem expresso na Lei 8069/90, em que deverá o conselheiro intervir nas hipóteses de: - Ação ou omissão do poder público; - Ação ou omissão dos pais ou responsáveis legais; - Em razão da conduta da criança e do adolescente, conforme previstos no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desse modo, a legítima intervenção do Conselho Tutelar vai ocorrer quando acolhidas todas as circunstâncias legais referentes à infância previstas nas normas Constitucionais e Estatutárias. Por outro lado, o Conselheiro Tutelar, ao intervir, além de identificar a situação de risco ou vulnerabilidade social, deverá ainda considerar, na hora de aplicar a medida necessária, o contexto social e cultural daquela criança e/ou adolescente que teve seus direitos ameaçados ou violados. Nessa perspectiva, o resultado deste estudo foi organizado em três capítulos, que são serão orientadores deste trabalho. No capítulo I, foi desenvolvida uma reflexão teórica e histórica sobre o processo de construção dos direitos da infância e juventude, fazendo uma abordagem jurídica e social das legislações de menores, da evolução das normas internacionais, Constitucionais, ao Estatuto da Criança e do Adolescente, e, especificamente da constituição do Conselho Tutelar. O capítulo II destina-se a uma abordagem mais específica do órgão Conselho Tutelar, analisando sua legitimidade, tanto como instituição protetora dos direitos infanto-juvenis, quanto como instância de controle estatal garantidora destes direitos, cuja legitimidade de atuação está ligada à aplicação de medidas protetivas, conforme previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. O capítulo III trata da análise empírica direcionada à aplicação da medida de colocação em abrigo, com a consequência da representação ao Ministério Público para destituição do poder familiar. A pesquisa foi realizada a partir da coleta de

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REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®

O conselho tutelar e sua legitimidade de interven? na prote? dos direitos da crian?e do adolescente

Resumo: O presente trabalho versa sobre os direitos da criança e do adolescente, tendo como foco a análise das intervenções realizadas peloConselho Tutelar da cidade de Cachoeirinha, mais especificamente nos casos em que houve a aplicação da medida protetiva de colocação emabrigo e a representação para o Ministério Público da Destituição do Poder Familiar. O estudo foi desenvolvido a partir da evolução histórica daslegislações menoristas até as bases para atual legislação, assim analisando o processo de construção dos direitos da criança e do adolescente.Prossegue com a análise da legitimidade de intervenção das instâncias de controle estatal nas questões relacionadas à família, à infância e àjuventude, tendo destacado-se o papel do Conselho Tutelar, como órgão protetor e garantidor de direitos. Posteriormente, por meio da pesquisaempírica, foi examinado nos expedientes do CT a aplicação da medida de colocação em abrigo com a consequente representação de DPF. A partirdo estudo, constatou-se que as violações de direitos não decorrem somente de um único plano, o da família, pois esta, muitas vezes, também évítima do sistema estatal. O Estado não garante o mínimo de condições que possibilite às famílias atenderem as suas necessidades básicas, o que,em algumas situações, pode ser justificativa para representações das ações de Destituição de Poder Familiar. Na identificação dos casos,percebeu-se que a situação sócio-econômica familiar foi fator preponderante para aplicação da medida de colocação em abrigo, assim como aconsequente representação de Destituição do Poder Familiar. Isso demonstra o quanto é necessária a qualificação e estruturação de melhorescondições de trabalho do Conselho Tutelar, enquanto instância garantidora de direitos, sendo premente a efetivação de seu papel.[1]

Palavras chave: Direito da Criança e do Adolescente; Conselho Tutelar; Legitimidade; Medidas de proteção; Destituição do Poder Familiar.

Abstract: This work is about the rights of children and adolescents, focusing the analysis of interventions made by the Guardianship of the city ofCachoeirinha, specifically in cases where there was the application of the protective placement under protection and representation to the MinistryDismissal of the Public Power Family. The study was developed from the historical development of laws to lower the basis for current legislation, soanalyzing the process of construction of the rights of children and adolescents. Continues with the analysis of the legitimacy of intervention ininstances of state control issues related to family, to childhood and youth, and particularly the role of the Guardianship Council, as the protector andguarantor of rights. Later, through empirical research, was examined in expedients of CT to the measure of placement in accordance with theconsequent representation of DPF. From the study it was found that the violations of rights does not stem only from a single plan, the family, as thisoften is the victim of state system. The State does not guarantee the minimum conditions that enable families to meet their basic needs, which in somecases, representations may be justification for the actions of Dismissal Power Family. The identification of cases, found that the socio-economic familywas predominant factor for the measure of placing in shelter, and the consequent representation of Dismissal of the Power family. That shows howmuch is needed and the qualification structure for better working conditions, the Guardianship Council as the guarantor of rights, and pressing therealization of their role. Keywords: Right of the Child and Adolescent; Guardianship Council, Legitimacy, measures of protection; Dismissal of Family Power.

Sumário: Introdução. 1. As bases do estatuto da criança e do adolescente e o surgimento do conselho tutelar. 1.1. Abordagem inicial dos direitos dainfância. 1.2. As legislações de menores. 1.3. As bases do estatuto da criança e do adolescente. 1.4. O surgimento do conselho tutelar. 2. O poder deintervenção estatal, da legitimidade e do poder de atuação do conselho tutelar. 2.1. Do poder de intervenção do estado 2.2. Da legitimidade. 2.3. Dopoder de atuação do conselheiro tutelar 3. Conselho tutelar na prática: os limites e as possibilidades na sua intervenção. 3.1. O município deCachoeirinha, o conselho tutelar, o ministério público e o juizado da infância e da juventude. 3.2. As intervenções do conselho tutelar de cachoeirinhano ano de 2008. 3.2.1. Apresentação dos casos 3.3. A rotina diária de atuação do conselheiro tutelar. 3.3.1. Acompanhamento dos Atendimentos.Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Este trabalho foi desenvolvido a partir de minha experiência diária enquanto Conselheira Tutelar do município de Cachoeirinha. Tal experiência aolongo de 3 anos e meio permitiu-me observar diversas questões em que as Conselheiras Tutelares, às vezes, acabam intrometendo-seindevidamente na família e, em especial, nos direitos e garantias individuais das crianças e dos adolescentes.

Dessa maneira, a proposta deste trabalho foi buscar verificar quais os limites de atuação do Conselho Tutelar no exercício e cumprimento de suasatribuições e, ainda, definir sua legitimidade na intervenção no núcleo familiar, quando verificado suspeita ou violação de direitos contra criança e oadolescente.

Assim, iniciou-se o estudo a partir da pesquisa teórica e empírica sobre a atuação do Conselho Tutelar, tendo como enfoque específico a medida decolocação em abrigo, prevista no art. 101, VII do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a resultante representação ao Ministério Público paraDestituição do Poder Familiar, atribuição do Conselho Tutelar disposta no art.136, IX da lei 8069/90.

No entanto, o tema do trabalho foi estabelecido através da análise Constitucional dos direitos da infância e juventude, como prevê o art. 227, daConstituição Federal, que se refere à família, à comunidade e ao Estado, que diz:

“É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além decolocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Nesse contexto, a partir da garantias constitucionais, posteriormente regulamentadas pela legislação Estatutária 8069/90, foi estabelecido um sistemade garantias às crianças e aos adolescentes. Neste sistema, foi inserido o Conselho Tutelar, um órgão representado pela comunidade, que deveatuar em rede, juntamente com os Poderes Estatais , com o objetivo comum de garantir a proteção integral à infância, conforme preceitua alegislação.Diante disso, a atuação da comunidade, através do Conselho Tutelar, delimita-se em torno do que vem expresso na Lei 8069/90, em quedeverá o conselheiro intervir nas hipóteses de:

- Ação ou omissão do poder público;

- Ação ou omissão dos pais ou responsáveis legais;

- Em razão da conduta da criança e do adolescente, conforme previstos no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Desse modo, a legítima intervenção do Conselho Tutelar vai ocorrer quando acolhidas todas as circunstâncias legais referentes à infância previstasnas normas Constitucionais e Estatutárias. Por outro lado, o Conselheiro Tutelar, ao intervir, além de identificar a situação de risco ou vulnerabilidadesocial, deverá ainda considerar, na hora de aplicar a medida necessária, o contexto social e cultural daquela criança e/ou adolescente que teve seusdireitos ameaçados ou violados.

Nessa perspectiva, o resultado deste estudo foi organizado em três capítulos, que são serão orientadores deste trabalho.

No capítulo I, foi desenvolvida uma reflexão teórica e histórica sobre o processo de construção dos direitos da infância e juventude, fazendo umaabordagem jurídica e social das legislações de menores, da evolução das normas internacionais, Constitucionais, ao Estatuto da Criança e doAdolescente, e, especificamente da constituição do Conselho Tutelar.

O capítulo II destina-se a uma abordagem mais específica do órgão Conselho Tutelar, analisando sua legitimidade, tanto como instituição protetorados direitos infanto-juvenis, quanto como instância de controle estatal garantidora destes direitos, cuja legitimidade de atuação está ligada à aplicaçãode medidas protetivas, conforme previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O capítulo III trata da análise empírica direcionada à aplicação da medida de colocação em abrigo, com a consequência da representação aoMinistério Público para destituição do poder familiar. A pesquisa foi realizada a partir da coleta de

dados dos expedientes do Conselho Tutelar de Cachoeirinha, no ano de 2008 e observação direta nos atendimentos das Conselheiras Tutelares, nosdias 20 e 21 de maio de 2009. O objetivo central deste capítulo foi verificar a legitimidade das intervenções que ocasionaram a destituição do poderfamiliar realizadas pelo Conselho Tutelar, assim como definir os critérios norteadores para aplicação de medidas de proteção e representação paraDestituição do Poder Familiar.

A reflexão realizada no decorrer da pesquisa ganha relevância, especialmente, pela relação que pode ser feita entre a doutrina e a legislação, noâmbito dos direitos da criança e do adolescente, e os dados obtidos na análise da instituição Conselho Tutelar. Trata-se de um olhar sobre arealidade de uma das instituições do sistema de proteção, após quase dezenove anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

1 AS BASES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCNTE E O SURGIMENTO DO CONSELHO TUTELAR

Neste capítulo, será realizada uma breve abordagem histórica dos direitos da criança e do adolescente, sendo analisado, não o aspecto heróico ouglorioso das antigas normatizações, mas os marcos fundamentais que serviram de base para atual legislação.

Abordar-se-ão, de forma geral, alguns momentos da história jurídica e social da criança que ensejaram a nova construção e emergência dasinstituições públicas e familiares, legitimadas na proteção dos direitos da infância.

Parte-se do pressuposto de que o entendimento da evolução histórica do sistema jurídico da infância e juventude é fundamental paracompreender-se de que forma as atuais instituições são legitimadas a intervir nas questões relativas à infância e à família.

1.1 ABORDAGEM INICIAL DOS DIREITOS DA INFÂNCIA

O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) é a lei resultante de um longo processo de amadurecimento político e social da sociedade. Estanova conquista, que teve como dispositivo central a Doutrina da Proteção Integral, possibilitou que as pessoas começassem a enxergar com outrosolhos os problemas relativos aos “menores”, percebendo-os claramente como vítimas da família, da sociedade e do Estado que não garantem seusdireitos.

As crianças e os adolescentes, a partir da vigência desta nova da doutrina, passaram a ser considerados sujeitos de proteção devido a sua condiçãode desenvolvimento. Portanto, não mais objetos de tratamento, como eram concebidos na “Doutrina da Situação Irregular”.

O Estatuto, portanto, foi a consequente reafirmação da Doutrina da Proteção Integral, tendo como alicerce o princípio base da Constituição Federalde 1988, a Dignidade da Pessoa Humana, como assim define Ingo Wolgang Sarlet:

“a qualidade intrínseca reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e dacomunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto quanto contra todo equalquer ato de cunho degradante e desumano, que venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para a vida saudável, além de propiciare promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.[2]

Antes da normatização do Estatuto, os adultos entendiam que faziam tudo o que podiam pelos “menores”, e, se eles estivessem em situaçãoirregular, essa era por culpa da suas próprias atitudes, porque não queriam estudar, não queriam trabalhar, ficavam nas ruas, etc. Assim, antes, ummenino fora da escola estava em situação irregular, era considerado ¨ um menor ¨, como expressa Alyrio Cavallieri, um objeto de “medidas detratamento, tendentes a eliminar tal situação, entendida como estado de patologia social ampla”[3].

No entanto, conforme define Hércules de Araujo Meneses, o papel do Estado na “doutrina da situação Irregular” significa, se não outra coisa, aproteção e a eliminação da “... irregularidade da situação em que eventualmente se encontre o ‘menor’, na condição de carente, abandonado einfrator sempre com a preocupação de assisti-lo, protegê-lo e vigiá-lo.”[4]

1.2 AS LEGISLAÇÕES DE MENORES

Historicamente, a infância e adolescência não eram compreendidas da mesma forma que se concebe hoje. Antes do século XIX, a figura da criançacomo indivíduo era meramente ilustrativa, tendo algumas referências na literatura, nas obras de arte. Sabe-se que somente a partir do século XVIIcomeçaram a ser retratadas crianças com atitudes de crianças e não como eram demonstradas anteriormente, fazendo atividades de adultos.[5]Neste período, consolidou-se socialmente a construção da categoria da infância.

Nesse sentido, refere Ana Paula Motta Costa:

“A categoria da infância, tal como a compreendemos hoje, portanto, em uma abordagem não ontológica, tem uma construção histórica quedesenvolveu trajetória semelhante à construção do individuo, como o compreendemos na sociedade moderna”.[6]

No entanto, é somente no século XIX que se tem as primeiras referências legais em relação às crianças. Tratavam-se de pouquíssimas leis decaráter civis e regulavam-se, mais especificamente, nas legislações de cunho penal. Em algumas legislações de caráter penal, era apenas limitada aredução de 1/3 das penas aos autores de delito com idade inferior aos 18 anos. Nenhuma outra diferença era posta na hora da execução das penas.Seguindo este aspecto, refere Emílio Garcia Mendèz: “Adultos e menores de idade eram alojados indiscriminadamente nas mesmas instituiçõespenitenciárias.”[7] Sendo que os conflitos, que tinham como autores crianças e adolescentes, eram resolvidos da mesma forma do que com osadultos.

Nessa perspectiva, a promulgação do Código do Império do Brasil de 1830, restrito ao sistema penal, referiu a criança infratora como menorescriminosos. Nesta regulação, foram incluídas as pessoas até a faixa de 21 anos incompletos, classificando a prática do ato de acordo com o critériode idade, sendo imputada responsabilidade aos maiores de 14 anos, e aos menores de 14 anos quando cometido o ato com discernimento. Aavaliação do discernimento era realizada pela autoridade judiciária, que aplicava medidas coercitivas, objetivando a responsabilização do “menor”.

Dessa maneira, o Código Imperial representou um pequeno avanço da sociedade brasileira naquela época, pois dividiu a faixa etária de crianças eadolescentes na aplicação de penas. Procurou-se, assim, avaliar a prática do ato de acordo com o discernimento do “menor” em cometê-lo, prevendoainda em seus dispositivos não somente a aplicação de penas corretivas, mas também a possibilidade de “assistência” àqueles menores de 14 anos.[8]

Nesse sentido, escreve André Karst Kaminski:

“A aparição da criança no Direito brasileiro, restrita a área penal, debutando no sistema jurídico nacional como agente sem liberdade e sem direitos(mantido, ainda, o sistema de escravidão), mas já passível de assumir responsabilidades pela prática de um crime, submetendo-se, como um objeto,à aplicação de medidas sociais e jurídicas de correção e privativas de liberdade, reproduziu a forma de tratamento histórico que lhe era destinada eas aspirações sociais da época...”[9]

No período entre 1830 até o final do século XIX, houve poucas alterações nas leis relativas aos “menores”. A única diferenciação foi a classificaçãoetária do ¨menor ¨ que cometia um crime. Houve também a inclusão da categoria de menores órfãos e abandonados e a consequente criação deinstituições de acolhimento.

Somente no século XX, com a chegada da República, é que começou a surgir um tratamento jurídico diferenciado em relação às crianças eadolescentes.

Esta nova forma de tratamento à infância é o resultado da indignação moral da sociedade quanto às condições prisionais igualitárias entre “menores”e adultos. Dessa forma, escreve Emílio Garcia Mendèz:

“As deploráveis condições de encarceramento e a promiscuidade entre menores e adultos geraram com maior ou menor intensidade em todocontinente forte indignação moral que se traduziu em amplo movimento de reformas”[10].

Esta forte indignação moral tinha por objetivo apenas diminuir os excessos das condições prisionais impostas, sendo que a forma de controle social,caracterizada pela proteção da infância abandonada e a divisão de categorias de incluídos e excluídos, continuava passível de intervenção ilimitadapelo Estado. Neste contexto, complementa Emílio Garcia Mendèz:

“A forte tendência à institucionalização (eufemismo destinado a designar privações de liberdade de caráter indeterminado) pôs imediatamente emevidência que a indignação moral dos reformadores se referia muito mais aos excessos e à promiscuidade do encarceramento, deixando intacta acultura hegemônica de sequestro e a segregação dos conflitos sociais”.[11]

Sob esta visão da infância, nas primeiras décadas do século XX, com o desenvolvimento do capitalismo e o consequente empobrecimento dasclasses mais baixas, surge um grande número de crianças vivendo em condições desumanas, resultado de em um problema de ordem pública quese buscava solucioná-lo através da intervenção do Estado nas questões de atendimento à “menoridade” marginalizada.[12] Nesta época, entravamem vigor as legislações de menores.

Dessa forma, as leis menoristas, antecessores jurídicos do atual direito da criança e do adolescente, foram elaboradas em um contexto social deexclusão, sendo direcionadas às crianças em “situação irregular”. Propondo esta doutrina, uma concepção de que crianças e adolescentes pobres,abandonados, doentes

estavam sujeitos à intervenção ilimitada e discricionária por parte do estado.[13]Nesse sentido, necessitando de um controle social e Estatal, comoassim é descrita a categoria da situação irregular nas palavras de Emílio Garcia Mèndez:

“Em poucas palavras, essa doutrina não significa outra coisa que legitimar uma potencial ação judicial indiscriminada sobre as crianças e osadolescentes em situação de dificuldade. Definido um menor em situação irregular (lembrar que, ao incluir as categorias de material ou moralmenteabandonado, não existe nada que potencialmente não possa ser declarado irregular), exorcizam-se as deficiências das políticas sociais, optando-sepor “soluções”de natureza individual que privelegiam a institucionalização ou a adoção”.[14]

Outra característica das legislações de Menores foi a exclusão e a diferenciação de categorias de infância, que eram divididas em crianças eadolescentes e os menores, sendo que os primeiros tinham acesso às políticas sociais básicas e os últimos, por serem a grande maioria, nãopossuíam direitos básicos. Nesse sentido, observa Emílio Garcia Mendèz:

”Os incluídos se transformaram em crianças e adolescentes, os excluídos se transformarão em menores.”[15]

Nessa perspectiva, a consequência desta concepção social foi a criação da Justiça de Menores, que teve sua origem nas críticas humanitáriascontundentes quanto à aplicação da Justiça Criminal às crianças e adolescentes. Desenvolveu-se sob a compreensão que deveria atribuir aosinfratores, menores de 18 anos privações de liberdade, diferenciada da pena aplicada ao adulto, como castigo. Essas medidas deveriam ser impostaspor juízes especiais, e não por juízes criminais.

Como assim expressa Emílio Garcia Mendèz: “...chega-se ao momento em que se marca um ponto fundamental nas práticas sociopenais deproteção-segregação da infância”. Em 1899, por meio da Juvenile Court Art de Illions, cria-se o primeiro tribunal de menores[16], sendoposteriormente criados estes tribunais na Inglaterra, Alemanha, Portugal, Hungria, França, Japão, Espanha, na Argentina, no Brasil, especificamenteno ano de 1923, e posteriormente no México e no Chile.

O objetivo dos tribunais de menores era o controle do Estado sobre os “menores”, ditos como delinquentes e abandonados. Nestes tribunais, osjuízes eram exclusivos e tinham uma atuação mais familiar, descritos por Emílio Garcia Mendèz como juiz-pai[17]. Seguindo esta referência, aindacoloca: “Cada um deles será um juiz calmo e amoroso, dedicado a seu sacerdócio, juiz- pai é a expressão que melhor devia caracterizá-lo.”[18]

Essa nova regulamentação do atendimento à infância foi sendo detalhada em diversos decretos, até a sua consolidação no Código de Menores,Decreto 17.943-A/1927, que em seu artigo 1° normatizava: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anosde idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código.”[19]

Sendo que, o direito do menor, que se destinava ideologicamente ao infrator, ampliou sua esfera de atuação, incluindo nesta norma à populaçãoabaixo de 18 anos, abandonados, merecedores de piedade, caridade e assistencialismo. Neste contexto, escreve André Karst Kaminski:

“Tratava então o código de duas classes de protegidos: o abandonado e o delinquente, ambos com menos de 18 anos de idade. O art. 26 da leidefinia quem seriam os abandonados, sendo em relação aos delinquentes, rechaçadas as noções antiquadas de discernimento, culpabilidade eresponsabilidade penal”.[20]

A função do Juiz estabelecida por este Código não era somente judicial, mas também foi atribuída ao juiz a função administrativa e assistencial.Nessa linha, escreve Ana Paula Motta Costa:

“Desde a constituição do primeiro juízo privativo de menores (1927) no Brasil, tornou-se tradicional conferir ao juiz de Menores não somente a funçãojudicial, mas também atribuições administrativas e assistenciais, além de um certo papel legislativo não observando a separação de poderes”.[21]

Assim, tinha-se um olhar diferenciado à infância desvalida: demonstrava-se a intenção de retirar do convívio social os “desclassificados”. Cabedestacar que a assistência social, nesta época, surgia como a ciência que possibilitaria apontar caminhos que pareciam solucionar os problemas aofacilitar a intervenção estatal junto aos “menores” desamparados e a sua institucionalização. Intervenção esta, que era realizada pelos juizados demenores de forma ilimitada.

Neste contexto, escreve Hércules de Araújo Meneses:

“Não havia nem se procurava uma distinção entre o abandonado e o infrator. Os Juizados de Menores, legalmente legitimados, podiam agir sobre osfilhos das camadas mais pobres, subnutridas e mal arrumadas, com aspecto sujo e vestuário roto. Exatamente aqueles impelidos a tirar das ruas asua sobrevivência em contato com a delinquência e a marginalidade”.[22]

O Código de Menores promulgado em 1979, substituto do código de 1927, teve pouca alteração: recebeu a inspiração da Doutrina da SituaçãoIrregular, legislando somente sobre as classes pobres; manteve a concepção de criança como objeto, não sendo estendidas, as normas nelepositivadas, a todas as crianças e adolescentes da época, apesar de já ter sido elaborado sob influência das declarações internacionais jáestabelecidas.

Nesse sentido, descreve André Karst Kaminski:

“Mas o Código de Menores de 1979, aprovado no Ano Internacional da Criança após essa formulação conjunta dos juízes de menores, doslegisladores e demais operadores da lei, provocou pouca alteração na essência da aquisição e do respeito aos direitos das crianças e dosadolescentes, visto não ter substituído a matriz ideológica na forma de conceber o menor brasileiro, que continuava sendo visualizado não comosujeito, mas ainda como objeto de interesse dos adultos. Esse pensamento brasileiro andava atrás das ideias internacionais...”[23]

Seus fundamentos jurídicos amparavam-se em princípios simplistas e falaciosos, que resultavam, na prática, no controle social da pobreza. Asituação irregular, justificadora da apreensão de menores e de sua colocação sob a tutela do Estado, caracterizava-se a partir das mais variadas ediferentes condutas da criança e do adolescente. Até mesmo diante da ausência de políticas públicas ou de família da criança e do adolescente,havia uma criminalização da pobreza.

Nesse aspecto, observa Hércules de Araújo Meneses: “Sob a égide do Código de 1979, o Poder Judiciário era acionado para reprimir crianças eadolescentes em situações patológicas, recaindo sobre o diploma legal a pecha de ser um Código Penal para Menores.”[24]

Situações de abandono, ou mesmo mero exercício de ir e vir, poderiam ser interpretados como vadiagem, atitude suspeita ou perambulância ejustificavam o encaminhamento a instituições, onde também se abrigavam os menores infratores, crianças e adolescentes autores de infraçõescriminais, inclusive de natureza grave.

Todo ¨menor¨ com desvio de conduta, em consequência de inadaptação familiar ou comunitária, recebia a “terapia do internamento”, sendo as penasprivativas de liberdade, com prazos indeterminados, aplicadas em nome da interpretação equivocada do “superior interesse da criança”, visto que odito superior interesse da criança trata-se da influência de um princípio da Declaração dos Direitos da Criança.

No entanto, o Código de Menores de 1979 só incidia sobre àqueles que se encontravam em ¨situação irregular¨, segundo o seu art. 2º, tratando os“menores” como objetos de aplicação de medidas e de intervenção estatal.

1.3 AS BASES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Apesar do Código de Menores, de 1979, tendo como base a doutrina da situação irregular, uma mudança de concepção frente aos direitos da criançae o adolescente começou a surgir antes mesmo de sua elaboração, ocorrendo, assim, vários acontecimentos e normatizações que ensejaram omarco para esta nova forma de assistência e construção da infância.

O principal marco da concepção contemporânea de direitos humanos foi a aprovação, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, daDeclaração Universal dos Direitos do Homem. Elaborada sob impacto da segunda guerra mundial, a Declaração resgatou os ideais da RevoluçãoFrancesa, reconhecendo-os como valores fundamentais à dignidade do homem, como ser livre e igual em direitos e dignidade, sendo que aDeclaração edificou-se sobre o entendimento de que a liberdade, a justiça e a paz do mundo só se farão possíveis com o reconhecimento dadignidade de todos os seres humanos.

Nesse sentido, o conjunto de princípios e valores sociais e morais serviram de inspiração para elaboração de tratados internacionais e normativasconstitucionais e infra-constitucionais dos Estados membros da ONU, subsidiando como base para formulação da Doutrina da Proteção Integral dasNações Unidas para infância, uma construção que teve sua semente na Declaração Universal dos Direitos da Criança.[25]

Seguindo nesse contexto, abordam Antônio Fernando Amaral e Silva e Munir Cury:

“O espírito e as letras desses documentos internacionais constituem importante fonte de interpretação de que o exegeta do novo Direito não podeprescindir. Eles serviram como base de sustentação dos principais dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e fundamentamjuridicamente a campanha criança constituinte, efervescente mobilização nacional de entidades da sociedade civil e milhões de crianças, com oobjetivo de inserir no texto constitucional os princípios da Declaração dos Direitos da Criança.”[26]

Assim, a constante e sistemática violação dos direitos da infância, desconsiderando as crianças e adolescentes como pessoas humanas e comocidadãos, levou a Assembléia Nacional Constituinte de 1987 a apresentar como uma oportunidade a realização de um grande debate nacional, naqual se propôs uma nova forma de se entender e tratar-se a questão relativa à infância e à adolescência do País.

Foi então, na década de 80, que o Brasil e os países latino-americanos começaram um processo de discussões acerca dos direitos da infância e daconsequente Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Nesse aspecto, coloca Ana Paula Motta Costa:

“No contexto latino-americano, a partir do início da década de oitenta, começou a difundir-se o processo de discussão da Convenção Internacionaldos Direitos da Criança Pela primeira vez, observou-se a atuação e a influência dos movimentos sociais, que eram emergentes, na construção detextos jurídicos na área dos direitos da infância.”[27]

Começou, no entanto, uma mobilização da sociedade civil na busca por um novo tratamento à infância, resultando, através de vários movimentossociais, na promulgação da Constituição Federal de 1988, preconizando o princípio dos direitos fundamentais do ser humano e a consequenteintrodução da Doutrina da Proteção Integral da Criança e o Adolescente. Como assim estabelece o artigo 227 da Constituição Federal de 1988:

“É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além decolocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”[28]

Nesse sentido, refere Ana Paula Motta Costa:

“Conforme demonstrado, a positivação dos direitos da criança e do adolescente no Brasil seguiu a tendência internacional de valoração de direitoshumanos especiais, mas sobretudo, é fruto do esforço conjunto de milhares de pessoas e comunidades empenhadas na defesa desses direitos.Essemovimento social fez aflorar a necessidade histórica de uma transformação efetiva da realidade, conquistando, em 1° lugar, a inclusão do art. 227 naConstituição Federal; em segundo, a frutificação, pelo Brasil,da”Convenção Internacional dos Direitos da Criança...”[29]

Assim, a legislação Constitucional atribuiu às crianças e aos adolescentes a condição de sujeitos de direitos, declarando-lhes proteção especial,prioridade imediata e absoluta na busca da eficácia plena dos direitos dos quais os mesmos passaram a ser titulares.

A Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, aprovada pela assembléia da ONU em 1989, foi, sem dúvida, um marco para este novo direito,reafirmando a Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas e positivando o princípio do interesse superior da criança. Assim afirma EmílioGarcia Mèndez: “constituiu o divisor de águas fundamental na história dos direitos da infância na América Latina”[30], visto que antes da promulgaçãoda declaração todas as legislações de menores tinham como base a Doutrina da Situação Irregular, cuja essência era a divisão entre criança e omenor, ou a categoria dos incluídos e excluídos.

A expressão ¨Proteção Integral¨ reconhece a infância como uma fase específica da vida humana e a condição peculiar da criança como pessoa emdesenvolvimento, que ainda não está plenamente apta para assegurar sozinha cuidados e proteção especial, sendo diferenciadas por causa de suaspeculiaridades.[31]

Esta nova doutrina reconhece, em seu propósito, crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, amparados pela legislação, deixando de vê-loscomo objetos de intervenção jurídica e social por parte da família, do Estado e da sociedade, superando a concepção de crianças e adolescentescomo meros portadores de necessidades e passando a considerá-los como pessoas em situação especial, mas com prioridade absoluta.

Nesse sentido, define Hércules de Araújo Meneses:

“A era atual da legislação, baseada na Doutrina da Proteção Integral, inaugurou uma nova forma de pensar em relação à criança e ao adolescente,considera-os merecedores de tratamento diferenciado e prioritário, reconhecendo-os na condição peculiar de seres humanos em desenvolvimento.O”menor”deixou de ser objeto de direitos e transformou-se em sujeito de direitos, tendo acesso irrestrito e privilegiado à Justiça, sendo reconhecidotão somente como criança ou adolescente.”[32]

A Declaração Universal dos Direitos da Criança, promulgada pela ONU em 1959, a Constituição Federal de 1988 e a Declaração Internacional dosdireitos da Criança, promulgada em 1989, representam o reconhecimento da criança como ser em situação peculiar em desenvolvimento, na qualsão assegurados todos os direitos capazes de garantir a vida com dignidade e o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

Nesse sentido, abordam Antônio Fernando do Amaral e Silva e Munir Cury:

Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida no Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79),e estabelecercomo diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina da proteção integral, o legislador pátrio agiu de forma coerentecom o texto constitucional de 1988 e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da continuidade das nações.”[33]

O Brasil foi o primeiro País que recepcionou, pela maioria de seus constituintes, o novo sistema, antes mesmo da concretização da Convenção.Seguindo a previsão constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, foi sancionado em 13 de julho de 1990, revogandoexpressamente o Código de Menores, consolidando uma grande conquista da sociedade brasileira.

Essa mudança legislativa representou uma quebra de barreiras: limitou-se à intervenção arbitrária estatal e ratificou a condição das crianças e dosadolescentes enquanto sujeitos de direitos, regulamentando o princípio da “prioridade absoluta” dada à criança e ao adolescente, previsto na CartaMagna.

Seguindo esta linha, escreve Annina La Halle:

“O estatuto dá à criança e ao adolescente um novo espaço jurídico: de objeto, o menor de 18 anos passa a sujeito, mesmo se ele é ainda um ser emfase de desenvolvimento, sujeito de direitos humanos e sociais. Detentores de novos direitos, o menor encontra na lei novas formas de proteção”.[34]

A iniciativa do Brasil preconizou uma tendência internacional de valoração de direitos humanos, servindo, até hoje, a sua legislação de modelointernacional. Dessa forma refere Annina Lahalle:

“Esta nova dimensão dada à proteção do menor na lei brasileira é um passo importante e coloca o Estatuto da Criança e do Adolescente entre asprimeiras legislações mundiais que adotaram o disposto na normas internacionais”[35].

Uma conquista recente no Brasil, apesar de estar integralmente absorvida pela Lei, na prática, enfrenta graves dificuldades de materialização, emvirtude de que muitos ainda necessitam de proteção e poucos tem realmente seus direitos assegurados[36], pois ainda há dificuldades decompreensão das pessoas acerca da real profundidade e significado da ruptura estrutural, filosófica e jurídica produzida pelos princípios e valoreslegais, em relação as concepções anteriormente vigentes.

1.4 O SURGIMENTO DO CONSELHO TUTELAR

A partir da Constituição Federal de 1988, foram estabelecidos dispositivos legais com o intuito de inibir as arbitrariedades do Estado sobre oscidadãos. Com a ideia de não só a sociedade delegar poderes aos governantes, em consonância com o princípio Constitucional da DemocraciaParticipativa, explícito no artigo 204, incisos I e II da Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente previu a participação ativae direta da sociedade nos problemas envolvendo a infância, assim fazendo uma ruptura com a antiga sistemática, que tinha como o principalresponsável por estas questões o Estado, concentrando todos os poderes na figura do juiz de menores.

Nesse sentido, escreve Juda Jessé de Bragança Soares:

“Rompendo, em boa hora, com essa conceituação da função judicial, o Estatuto institui os Conselhos tutelares como órgãos que exercerão umaparcela do Poder Público, conforme preconizado no art.1°, parágrafo único, da CF, e que têm autoridade (poder de influir sobre a esfera jurídica deoutrem) administrativa.”[37]

Os juízes de menores tinham todo poder centralizado em si; sua competência não se limitava somente às questões jurídicas, mas também seestendia as de cunho social, o que resultava em muitos problemas, tanto quanto a morosidade em conflitos sociais até mesmo nas soluções doscasos jurídicos.

Desta maneira, refere André Karst Kaminski:

“Então, até a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, tratando-se de situação jurídica envolvendo criança, ou seja, tratando-se de qualquersituação sob a regulação do Direito, a competência privativa para atuar no caso concreto era da autoridade judiciária, que assim tinha amplospoderes de administrar a infância brasileira. Isso ocorria porque ao juiz não eram destinadas apenas as competências para atuar em situaçõesjurídico-penais ou jurídico-civis, mas também para atuar em situações de caráter eminentemente social com previsão em lei, ou seja, em situaçõesjurídico-sociais como, por exemplo, nos caos de carência.”[38]

Devido ao acúmulo de funções do juiz (jurídica- social e administrativa) e à mudança de pensamento acerca da infância, foi através da ConstituiçãoFederal 1988 e da Lei 8069/90, ECA que se atribuiu à sociedade o papel de participar diretamente na proteção dos direitos da infância, criandoinstituições que têm por objetivo zelar pela proteção dos direitos da criança e do adolescente, cujos seus representantes são pessoas eleitas pelacomunidade.

O legislador, então, delegou a estes órgãos poderes e atribuições próprias, visando suprir o caráter administrativo e social do antigo juiz de menores.Todavia, conforme Ana Paula Motta Costa[39], a primeira ideia de um conselho com a participação da comunidade, com o fim de assumir essasfunções sociais antes delegadas ao juiz, surgiu na Bélgica, em 1965, na qual foi prevista a existência dos “Comitês de Proteção da Juventude”, umem cada comarca.

Os comitês tinham caráter preventivo. Sua atuação somente ocorria através da solicitação ou aceitação dos responsáveis; funcionavam juntamentecom os Tribunais da Juventude e sua autonomia funcional era limitada.

Nesse contexto, no Brasil, surgiu o Conselho Tutelar. Como aduz Judá Jessé de Bragança Soares, não como ¨ apenas uma experiência, mas umaimposição constitucional decorrente da forma de associação política adotada, que é a democracia participativa, e não mais a democracia meramenterepresentativa de Constituições anteriores ¨[40].

Dessa forma, nas palavras de André Karst Kaminski, justifica-se a criação dos Conselhos Tutelares:

“O desmembramento das anteriores competências judiciais, surge o Conselho Tutelar, órgão público, permanente, autônomo, não jurisdicional, criadopela lei federal como autoridade municipal com atribuição para atender em primeiro lugar a todas as situações jurídicas e não jurídicas envolvendo aameaça e/ou violação dos direitos da criança e do adolescente. Então, a partir do Estatuto, o juiz atenderá somente às questões jurídicas judiciais,ficando todas as demais situações jurídicas não judiciais, ou seja, as administrativas e socioassistenciais, sob a atribuição do Conselho Tutelar.”[41]

A iniciativa de criar o Conselho Tutelar, a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, como um órgão autônomo e representativo da comunidadelocal começou a ser idealizada juntamente com o processo de criação da Constituição Federal de 1988, inspirado nos ideais democráticos quepermeavam a sociedade brasileira. Seu principal fundamento foi a divisão de atribuições e poderes, antes concentradas todas nas mãos do Estado,na figura dos juízes de menores.

Nesse sentido, escreve Elaine Maria Barreira Garcia:

“Já os Conselhos Tutelares, quando de sua criação tinham por objetivo tirar das mãos do judiciário a aplicação de medidas de Justiça Social emcasos não litigiosos, de crianças e adolescentes em situação de risco. Foi concebido para ser mais rápido e estar mais próximo dos cidadãos. Nãolhe cabe decisões jurídicas mas a aplicação de medidas de caráter administrativo, além de intermediar os diferentes órgãos e as situações concretasque envolvem as crianças e os adolescentes, portanto, o Conselho Tutelar é órgão de atendimento individualizado”.[42]

O princípio democrático, previsto no artigo 227 da Constituição Federal, ao reconhecer a responsabilidade do Estado, da família e da sociedade, emgarantir os direitos fundamentais para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, combinado com o artigo 204, prevê que o atendimento a

esses direitos deve levar em conta as diretrizes da descentralização político-administrativa de um Estado.

De outra parte, com o advento do ECA, uma nova divisão do trabalho social entre os três níveis de Governo (municipal, estadual e federal) e entreEstado e Sociedade Civil foi prevista. Tal divisão acontece através dos Conselhos de Direitos em todos os níveis e Tutelares no nível local,fundamentais para a democracia, pela participação da cidadania organizada na formulação/deliberação das políticas públicas e no controle das açõesque implementam essas políticas[43]. Sempre objetivando a proteção dos direitos da criança e dos adolescentes, esta disposição está prevista noartigo 86, caput do referido Estatuto, que diz:

“Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescentes far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais enão- governamentais, da união, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios.”[44]

Nesse sentido, escreve André karst Kaminski:

“Por fim, poderíamos manifestar que, com base na Constituição Federal e incorporando os novos princípios referentes à descentralizaçãopolítico-administrativa, à municipalização do atendimento e à participação popular na atividade estatal (art.204, I e II), surgem com o Estatuto, osConselhos de Direitos, na três esferas, municipal, estadual e nacional, e os Conselhos Tutelares, com atribuição restrita aos municípios.”[45]

Dessa forma, a participação da sociedade civil nos conselhos de Direitos visa uma nova sistemática de formulação e atendimento das políticaspúblicas referentes à infância, pois a população, atuando como parte ativa da sociedade representa a forma democrática de se tratar os direitos dacriança e do adolescente, como assim escreve Fernando Machado:

“A participação da sociedade organizada (conselhos), garantida nos termos da lei desse as decisões políticas até as práticas de atendimento, será aforma mais democrática e eficaz de garantia dos direitos de criança e adolescentes em nosso país.”[46]

Assim, no âmbito da infância e juventude, foi dividida a competência entre os entes-federativos. À União, compete somente emitir as normas gerais ecoordenar nacionalmente as políticas de atendimento a infância, ficando a cargo dos Estados membros e dos Municípios a execução. De outra parte,cabe à participação popular, por meio de organizações representativas, a formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Ao Município, foi atribuído o dever de prestar atendimento aos direitos dessas crianças, em sua realidade comunitária, e decidir como fazer para queos direitos ameaçados sejam restaurados em sua plenitude. Para tal efetividade, foram previstos na legislação os Conselhos Municipais de Direitos eos Conselhos Tutelares.

Diante desta análise, pode-se dizer que o objetivo principal dos Conselhos Tutelares e os Conselhos de Direitos é a descentralizaçãopolítico-administrativa das ações governamentais em relação à infância e à juventude, pois a atuação articulada do Conselho Tutelar e da sociedadecivil organizada na formulação e no controle das políticas públicas, visa estabelecer uma nova concepção na História da democracia participativa, emque a comunidade é fator determinante para sua realização.

Portanto, o Conselho Tutelar é um mecanismo administrativo de exigibilidade dos direitos constitucionais e estatutários das crianças e adolescentes,na qual deve cumprir com suas atribuições (previstas no artigo 136 do ECA), independente da burocracia do poder público, visando sempre buscarqualidade nas suas intervenções, com o objetivo de zelar e fazer cumprir os direitos da infância.

Seguindo esta linha, observa André Karts Kaminski:

“A colocar, já neste instante, as atribuições do Conselho Tutelar encontram-se enumeradas no art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente,sendo-lhes fundamental zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescente e defende-los, pondo-os a salvo das situações de ameaça eviolação, pela difusão do Novo Direito - ação preventiva - e pela aplicação das medidas de proteção que a lei lhe concede - ação curativa.”[47]

O Estatuto da Criança e o Adolescente”ECA”[48] ainda fixou a competência da Justiça da Infância e Juventude para conhecer as ações judiciaisrelacionada à infância e à juventude, bem como são legitimados para propositura, concorrentemente, o Ministério Público, a união, os Estados e osMunicípios, além das instituições legalmente regularizadas que incluam em seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos das crianças edos adolescentes.

Neste cenário, de acordo com Maria de Lourdes Duque-Estrada Scarparo e Lilian Cruz, “...o Estatuto propõe é um reordenamento das instituiçõesrelacionadas à infância: o Poder Judiciário, o Poder Executivo, as organizações não-governamentais e a comunidade.”[49]

No entanto, pode-se afirmar que, dentre as formas de democracia, o Conselho Tutelar, sem dúvida, constitui uma nova dimensão da democraciaparticipativa brasileira, possuindo um caráter inovador na forma de tratamento à infância, em que a sociedade é fator determinante para suainstituição e o desenvolvimento do seu papel.

Nesse contexto, observa Juda Jessé de Bragança Soares:

“O conselho tutelar não é apenas uma experiência, mas uma imposição constitucional decorrente da forma de associação política adotada, que é aDemocracia participativa (“Todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos destaConstituição”), e não mais a Democracia meramente representativa de Constituições anteriores.”[50]

Estas mudanças sociais e democráticas ocorridas ao longo da História foram sem dúvida uma superação e uma ruptura com as antigas formas deperceber crianças e adolescentes. Hoje a legislação lhes assegura a posição de pessoas em condições especiais de desenvolvimento, na qual aproteção de seus direitos fundamentais é de responsabilidade de toda sociedade, devendo todos zelar por sua dignidade e proteção.[51]

2 O PODER DE INTERVENÇÃO ESTATAL: DA LEGITIMIDADE E DO PODER DE ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR

Para a ação do Conselho Tutelar ser considerada legítima, devem ser analisados os limites do seu poder de intervenção na comunidade, que érepresentante. Isto porque é o povo que, em última instância, delega poderes para o Conselho atuar na ordem política da sociedade. Nesta direção,afirma o autor Cezar Saldanha Souza Junior[52]: “Se o titular do mando - o poder -, de alguma forma, prevalece na constituição da ordem política, emsua legitimação, a comunidade prevalece soberanamente.”

Dessa maneira, o Conselheiro Tutelar é o representante do povo, dotado do poder de mando nas causas relacionadas à criança e ao adolescente,sendo que sua atuação deve estar de acordo com a ordem jurídica estabelecida. Entretanto, somente poderá ser considerada legítima a intervençãode um Conselheiro quando houver uma ponderação entre legalidade e os valores subjacentes que prevalecem na comunidade.[53]

Para tanto, faz-se necessário definir como é este poder do Estado, quando ele vai ter legitimidade de intervir e como a atuação do representante doConselho Tutelar vai estar dentro dos critérios legais e sociais da criança e do adolescente com necessidade de proteção.

2.1 DO PODER DE INTERVENÇÃO DO ESTADO

Como já analisado no capítulo anterior, as legislações menoristas admitiam a intervenção ilimitada do Estado no núcleo familiar, principalmente nassituações referentes às crianças e aos adolescentes. Diante desse poder arbitrário do Estado e o surgimento de uma nova sociedade, a partir danormatização Constitucional e da promulgação do ECA, procurou-se limitar a intervenção estatal sobre as instituições familiares.Com odesenvolvimento da sociedade, a legitimidade do Estado com poderes de intervir por razões de cunho sociais, das mais diferentes formas, com asimples justificativa de pobreza, já não foi mais possível. Esta nova concepção trouxe uma outra forma de interação social, e um outro arranjo depoder, sendo que esta concepção inovadora pode ser percebido na análise de Michael Foucault que aduz acerca do poder soberano:

“buscavam sem cessar marcar bem a descontinuidade entre o poder do Príncipe e qualquer outra forma de poder, uma vez que se trata Enquanto adoutrina do príncipe ou a teoria jurídica do soberano de explicar, fazer valer, de fundamentar essa descontinuidade, aqui, nessas artes de governar,deve-se buscar balizar a continuidade, continuidade ascendente e descendente.”[54]

Esta análise do autor refere que, nesta forma de Estado e sociedade, o soberano para exercer seu poder deve saber que, para governar, o Estadotem que primeiro saber governar as suas relações pessoais para posteriormente governar a família e por último o Estado em si. Seguindo aindanesse contexto, Michael Foucault fundamenta como deve ser a forma de governar este novo modelo de Estado:

“Governar um Estado será então lançar mão da economia, uma economia no nível do Estado todo, quer dizer, ter com os habitantes, as riquezas, aconduta de todos e de cada um uma forma de vigilância, de controle, não menos atenta do que a do pai de família para com os familiares e seusbens”[55].

No entanto, pode-se compreender que o poder não está mais concentrado somente no soberano, mas também encontra nas relações dos indivíduos.Nessa perspectiva, a família passa a ter uma função política, o que vai resultar na limitação das instâncias de controle sociais do Estado.

Remetendo a análise de Foucault para atualidade, hoje se pode identificar estas instâncias de controle estatais legalmente instituídas no instituto doConselho Tutelar, Ministério Público e no Juizado da infância e Juventude, em que a intervenção estatal poderá se dar de forma legitimada, mas deacordo com os critérios estabelecidos pela norma jurídica. Esta análise também é realizada por Maria Lívia do Nascimento, Fabiana Lopes da Cunhae Laila Maria Domith Vicente que referem:

“Na realidade contemporânea brasileira, podemos perceber claramente tais instâncias de controle social, por exemplo, dentro dos conselhos tutelarese dos juizados da infância e da juventude, instituídos pela legislação...”[56]

É importante salientar que, neste trabalho, será analisada especificamente a instituição Conselho Tutelar; quanto às outras instituições, a abordagemserá limitada a simples conceituação e competências.

No contexto da legislação infanto/juvenil atual, a criação de órgãos com atribuições específicas para função de proteger e garantir os direitosfundamentais da criança e do adolescente, em que estão inseridos o Conselho Tutelar, o Ministério Público e o Juizado da Infância e Juventude,remete-se ao novo sistema de garantias estabelecido pelo ECA, cuja prerrogativa é romper com os antigos modelos legislativos, os quais definiam acriança e o adolescente como responsáveis por sua situação irregular.[57]

Assim, a partir do Estatuto ocorre a desvinculação da ideia de criminalização da pobreza concebida pelas Leis de menores, em que o simples fato deser pobre já não é mais motivo para uma criança ser afastada ou retirada da família. Desde então, o ECA passou a adotar um sistema protetivo paraas crianças e adolescentes nestas condições, prevendo, no seu artigo 23, que a “A falta ou carência de recursos .materiais não constitui motivosuficiente para perda ou suspensão do poder familiar.”

Dessa maneira, no âmbito das relações sociais, houve uma ruptura com o antigo conceito de função judicial, sendo atribuídos à instituição ConselhoTutelar poderes administrativos para intervir sobre a sociedade nas causas relacionadas à violação e proteção dos direitos das crianças e osadolescentes.[58]De outra parte, a família passou a ter uma grande responsabilidade frente à garantia e proteção dos direitos da criança e doadolescente, sendo seu dever zelar pela proteção da infância. Entretanto, muito embora a família tradicionalmente seja compreendida como umainstituição privada, se esta não cumprir com seu papel, poderá ser considerada negligente. Estando, assim, sujeita à intervenção estatal através deórgãos cuja finalidade é proteção dos direitos da infância, entre estes, o Conselho Tutelar, que atua na esfera administrativa.

Assim coloca André Karst Kaminski:

“O conselho Tutelar tem um papel especial:”zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescente, ou seja, zelar pelos direitos que tutela.Zelar significa cuidar, administrar, dedicar desvelo, fiscalizar (Dicionário de língua portuguesa, editora melhoramentos). Assim, o papel do ConselhoTutelar é fiscalizar para que a família, a comunidade, a sociedade e o Estado cumpram os seus deveres e atendam aos direitos das crianças eadolescentes como definidos no Estatuto, assegurando a todos eles, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação,ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”[59]

O Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina também a atuação do Ministério Público no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude,regulamentando as suas formas de intervenção. Já o papel do Ministério Público é de um órgão de fiscalização e de defesa dos direitos sociais Suacompetência é definida através do artigo 127 da Constituição Federal, que dispõe:

“instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dosinteresses sociais e individuais indisponíveis”.

Com relação aos direitos da criança e do adolescente, a atuação do Promotor de Justiça é definida nos artigos 200 a 205 do ECA, em que vai atuarcomo defensor dos direitos da infância, podendo, para tanto, atuar como parte processual nas ações judiciais de natureza social, coletiva e difusa,assim como fiscal da lei.

De outro lado, o Ministério Público também exerce uma função acusatória, quando atua nas ações judiciais em que o adolescente aparece comoinfrator e que está sujeito à aplicação de medidas sócio-educativas. Conforme Hugo Nigro Mazzilli[60], a atuação do Ministério Público como agentede acusação se dá com a promoção dos procedimentos infracionais, tendo o Promotor de Justiça o dever de propor a representação ao PoderJudiciário pela prática do ato infracional cometido pelo adolescente e, ainda, acompanhar todos seus procedimentos.

Assim, com a previsão no Estatuto, o Ministério Público deixa de ser o defensor do Estado e assume um importante papel no direito da criança e doadolescente. Nesta linha, escreve Luiz Antonio Miguel Ferreira:

“E, neste caso, ciente de que o ECA foi, estrategicamente, estruturado como meio para a materialização das políticas públicas, não se pode olvidarque a inserção do Ministério Público nesta legislação ocorreu de modo consciente, como forma de garantia de sua concretização. O Promotor deJustiça deixou de ser um mero fiscalizador da aplicabilidade da lei para atuar como um verdadeiro agente político. Deixou de ser o defensor doEstado, para assumir a defesa das crianças e dos adolescentes.”[61]

No esfera judicial, a instância de controle estatal referente aos direitos da criança e do adolescente é exercida pelo Juizado da Infância e Juventude.Como já foi analisado no capítulo anterior, no novo sistema de garantias trazidos pelo ECA foram divididas as atribuições antes delegadas ao “juiz demenores”, que tinha, além do atribuição jurídica, também a responsabilidade pelas de caráter administrativo e social nas questões relacionadas àinfância. No novo sistema, foram instituídos os Conselhos Tutelares que receberam a atribuição de competência pelas situações administrativas esociais e ao Juiz pelas questões estritamente jurídicas.

No entanto, os juizados passaram a exercer uma jurisdição diferenciada, sendo competentes para analisar todas as relações jurídicas referentes àinfância e juventude, visto que o ECA prevê uma competência específica nos artigos 145 a 149, devendo, assim, este novo juiz estar comprometidocom a transformação social e acima de qualquer ato deverá prevalecer a proteção, a garantia aos direitos e o bem estar da criança/adolescente postaem litígio.[62]

Nesse contexto, ainda fundamenta João Batista Costa Saraiva:

“Enfim, ao se traçar o perfil deste juiz estar-se-á falando de um magistrado qualificado e comprometido, apto a trazer para o cotidiano dês uajurisdição a eficácia das normas do sistema, incorporando uma Normativa Internacional que deve conhecer tão bem quanto as normas do seusistema nacional.Não poderá, porém, em momento algum este profissional deixar de indignar-se com a injustiça, tampouco perder a qualidade de,mesmo mantendo-se em posição de julgador, ser capaz de emocionar-se com a dor do jurisdicionado. Aqueles que endurecem nesta atuação, que

não mais se emocionam, não servem mais para o que fazem. [...] É para operar este novo Direito que se espera um Novo Juiz, não necessariamenteum juiz novo, mas um juiz capaz de agir e interagir com a sociedade, na condição de Magistrado, investido e imbuído de uma nova ordem de direitos,qualificado e, acima de tudo, comprometido com um ideal.”[63]

Desse modo, são estas as três instância de poderes estatais, que são legitimados a intervir na esfera da infância e juventude, cada um com suasatribuições específicas e normatizadas, buscando o mesmo fim: a Proteção Integral do direito da criança e do adolescente, amplamente prevista naConstituição Federal do Brasil e ratificada no Estatuto da Criança e do adolescente.

2.2 DA LEGITIMIDADE

Constitucionalmente, legitimidade é definida por Cesar Saldanha Junior como: “... todos aqueles atributos de que se reveste a titularidade do mandopolítico, de modo a produzir a aceitação espontânea da Comunidade”[64], sendo compreendida como a relação entre o povo e o governo, em que oprimeiro delega poderes ao segundo, assim legitimando o Estado a ser titular de mando dentro da sociedade.

No que remete à atuação e ao poder do Conselho Tutelar, inicialmente, suas ações devem seguir os critérios estabelecidos dentro da norma jurídica.De acordo com Cesar Saldanha Junior[65], a legalidade é o que determina a atuação dos órgãos públicos em todas as instâncias, colocando-oscomo autoridades que fazem parte da ordem política e que estão submetidas às legislações constitucionais e infraconstitucionais. No caso específico,o CT está submetido à Lei especial 8069/90- Estatuto da Criança e o Adolescente. Portanto, pode-se compreender que a legitimidade da ação destainstituição pública é decorrente dos critérios previstos em lei.

De outro lado, Cesar Saldanha Junior [66] define legitimidade como a relação de valores legais e sociais de uma comunidade, em que a atuação doente público vai se legitimar de acordo com o conjunto de valores dominantes de uma comunidade.

A partir da análise realizada pelo autor, pode-se afirmar que a atuação de um Conselheiro Tutelar vai ser legítima quando, ao realizar umaintervenção na vida e no contexto familiar das crianças e adolescentes, observar os aspectos legais e sociais da situação de violação dos direitos; noentanto, decorrendo sua legitimidade do processo de ponderação na análise do caso específico.

Nesse aspecto escreve Rodrigo Stumpf González:

“A função de zelar pelos direitos da criança e do adolescente nada mais é do que comparar os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescentecom a realidade que é apresentada ao conselheiro, cabendo a este verificar a disparidade ou não, para assim julgar a medida mais coerente eaplicá-la. O

conselheiro deve ouvir os fatos, as reclamações, as queixas feitas por crianças e adolescentes ou adultos que detectaram um direito lesionado ou atémesmo em situações em que foram privados de tal direito.”[67]

Dessa maneira, se um Conselheiro restringir-se apenas à aplicação de critérios legais e às definições de conceitos de forma genérica, poderáproblematizar situações invocando conceitos e atitudes que podem remeter às antigas legislações menoristas, como, por exemplo, nas situações deabrigamento em que a questão sócio-econômica pode ser confundida com a negligência dos pais.[68]

Nesse contexto, as intervenções do Conselheiro Tutelar, muito embora deva prevalecer o direito superior da criança e ou adolescente, não pode oConselheiro intervir nas vidas dos cidadãos de forma arbitrária. Como afirma Armando Afonso Konzen:

“O equilíbrio entre a determinação de agir, em face do interesse subjacente, sempre de maior relevância, e as prerrogativas das pessoas sujeitas daverificação é o segredo da boa ação de todo e qualquer agente investido em autoridade pública.”[69]

Assim, pode ser definida a legitimidade da conduta dos agentes do Conselho Tutelar. Investido de autoridade pública, deve o Conselheiro exercercom responsabilidade as atribuições estabelecidas em lei; porém, deve sempre observar que a autonomia, que é legalmente reconhecida, não lheautoriza imposições arbitrárias e desmandos, mesmo que seja para zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e o adolescente previstos em lei.

Para uma melhor compreensão das atribuições do Conselho Tutelar, cabe referir que o Conselho Tutelar é dotado de características legais que olegitimam a atuar de forma independente e não-hierarquizada, nas quais sejam: a permanência, a autonomia e a não-jurisdicionalização de seusatos; características estas que estão previstas no artigo 131 do ECA, que diz:

“O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo,não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos dacriança e do adolescente, definidos no Estatuto”.[70]

A par disso, faz-se necessário definir tais características do Conselho Tutelar. Como previsto no ECA, o CT é um órgão permanente, pois, uma vezinstalado, não pode o Conselho Tutelar ser fechado, devendo ser mantido pelo Poder Executivo municipal. Dessa forma, Judá Jessé BragançaSoares ainda define: “Ser permanente significa ser contínuo, duradouro, interrupto. Não é acidental, temporário, eventual, mas essencial eindispensável ao organismo social.”[71]

Enquanto órgão autônomo, significa que o Conselho Tutelar tem liberdade para agir, não estando vinculado hierarquicamente à administraçãopública, não necessitando de autorização para atuar nos assuntos de sua competência.

E por último, a característica de órgão não-jurisdicional significa que o CT não está vinculado às questões judiciais, pois o Conselho não julga, sendoestacompetência da ordem judiciária[72], pois sua esfera de atuação limita-se à ordem administrativa e social.

Diante da abordagem realizada até o momento, pode-se concluir que a legitimidade do Conselho Tutelar é uma conformidade do conjunto da relaçãode suas características, competência e atribuições que serão analisadas no próximo tópico, com a verificação de valores sociais e os limites impostospela norma jurídica nas situações onde seus agentes são autoridades públicas, supremas em sua esfera de atuação[73].

Feita uma análise conceitual quanto às prerrogativas da legitimidade do Conselho Tutelar, cabe agora deslocar-se para uma observação mais diretada dimensão das atribuições e competências desta instituição de proteção.

2.3 DO PODER DE ATUAÇÃO DO CONSELHEIRO TUTELAR

O Estatuto da Criança e do Adolescente atribuiu ao Conselho Tutelar funções e poderes que o legitimam a atuar na garantia e na proteção dosdireitos fundamentais da infância e juventude. O objetivo desta delegação de poderes, conferida pelo diploma legal, é fazer valer os deveres e aresponsabilidade deste órgão com a comunidade, da qual é representante, cujo objetivo principal é proteção da infância.

Nesse sentido, coloca Rose Mary de Carvalho:

“O conselho tutelar é um órgão não jurisdicional de intrínseco compromisso de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, emprol dos quais exerce suas múltiplas atribuições, enfaixadas em 11 incisos do art. 136...”[74]

A norma jurídica, ao delegar poderes ao CT, conferiu a este órgão, guardadas as devidas proporções, funções e poderes assemelhados àquelesestabelecidos ao juiz da infância e juventude. Dessa maneira, foi definida sua esfera de atuação, atribuindo a seus representantes a prerrogativa deaplicar as chamadas medidas de proteção para criança e ou adolescente e também aplicando medidas pertinentes aos pais e responsáveis, deacordo com Ana Maria Moreira Marchesam[75].

Nesse sentido, fundamenta Murilo José Digiácomo, Promotor de Justiça:

“Na verdade, o conselheiro tutelar, na condição de agente político investido de mandato popular, possui poderes e atribuições equiparados aos doJuiz da Infância e Juventude, cujas funções substitui (nesse sentido, vide art.262 da Lei nº 8.069/90), sendo que o próprio Estatuto da Criança e doAdolescente coloca ambas autoridades públicas em absoluta igualdade de condições no momento em que considera crime, previsto em seu art.236,impedir ou embargar tanto a ação do Juiz da Infância e Juventude quanto do membro do Conselho Tutelar, também cometendo a mesma infraçãoadministrativa de seu art.249 aquele que descumpre, dolosa ou culposamente tanto a determinação da autoridade judiciária quanto a emanada doÓrgão Tutelar.”[76]

Dessa forma, foram direcionadas ao Conselho Tutelar competências e atribuições que limitam sua atuação na esfera administrativa e social, as quaisestão descritas no artigo 136 do ECA, que dispõe:

“Artigo 136. São atribuições do Conselho Tutelar:

I- Atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105 aplicando as medidas previstas no art.101, I a VII;

II- Atender e aconselhar os pais ou responsáveis, aplicando as medidas previstas no art.129, I a VII;

III- Promover a execução de suas decisões, podendo paara tanto:

a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;

b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações;

IV- encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

V- Encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI- Providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art.101, de I a VI, para adolescente autor de ato infracional;

VII- Expedir notificações;

VIII- Requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;

IX- Assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança edo adolescente;

X- Representar em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art.220, p.3, inciso II, da Constituição Federal.XI-Representar ao Ministério Público, para efeitos das ações de perda ou suspensão do poder familiar.”

Assim, há de se ter em mente que das atribuições resulta a autonomia do CT, pois a aplicação de medidas de proteção elencadas no artigo 101,incisos I ao VII, do ECA, constitui prerrogativa de ação deste órgão, de acordo com o que prevê suas atribuições. É, portanto, legítimo para atender eaplicar as medidas sempre quando se identificar uma ameaça ou violação de direitos referentes à infância, as quais são:

“Artigo 101- Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras as seguintes medidas:

I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II- orientação, apoio e acompanhamento temporário;

III- matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino fundamental;

Inclusão em programa comunitário oficial de auxílio à família, a criança e ao adolescente;

V- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII- abrigo em entidade.”

Dessa forma, a atuação do CT vai estar paralelamente vinculada a uma violação de direitos contra crianças e adolescentes, podendo este órgãointervir somente quando configurada situações caracterizadas como de risco, conforme descritas e regulamentadas no artigo 98 e incisos da lei8069/90 ECA, que prevê:

“Artigo 98- As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ouviolados:

I- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II- por falta; omissão ou abuso dos pais ou responsáveis;

III- em razão de sua conduta.”

No entanto, é importante frisar, conforme aduz Etelma t. Souza[77] que, na hora de aplicar uma medida protetiva, o conselheiro deverá observar oque prevê o artigo 100 do ECA, que em seu texto dispõe:

“Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculosfamiliares e comunitários.”

Dessa forma, o Conselheiro vai estar cumprindo com mais efetividade seu papel, garantindo de forma ampla os direitos da crianças e dosadolescentes.

Em sequencia, serão analisadas, de forma sucessiva, as atribuições do Conselho Tutelar para que se possibilite compreender seus poderes e seuslimites de intervenção.

O inciso I refere que, na hipótese de ameaça ou violação de direitos, ou verificada a prática de ato infracional cometido por criança, cabe aoConselheiro aplicar medidas de proteção previstas no artigo 101 à criança e adolescente envolvida. Sobre este prisma, o Conselheiro vai prestaratendimento (não de forma direta, mas vai de forma a viabilizá-lo em casos concretos) à criança infratora (artigo 105 do ECA), àquelas que cometemcrimes ou contravenções penais, e que o Estatuto delimita sua idade de até 12 anos incompletos. Dessa forma, a legislação estabelece que acompetência para aplicação de medidas de proteção à criança infratora, art .101 e incisos do ECA, é exclusivamente do Conselho Tutelar devido àfalta da condição de defesa social da criança autora de ato infracional.[78]

Quanto aos adolescentes infratores, cabe acrescentar que a estes, além da aplicação de medida sócio-educativa previstas no art. 112 do ECA, decompetência única e exclusiva do poder judiciário, cabe também a aplicação de medidas de proteção, nas quais poderão ser aplicadas pela

autoridade Judiciária, em caráter substitutivo ou complementar, de uma medida sócio-educativa[79].

No entanto, é importante observar que a medida de proteção aplicada pelo magistrado não visa alterar o processo de controle do ato infracional,cujos elementos estão assegurados no Estatuto, mas sim o legislador, ao abrir esta possibilidade, procurou buscar a reintegração do adolescenteinfrator junto à sociedade. [80] A par disso, caberá ao Conselho Tutelar, sempre que determinado pela autoridade judiciária, providenciar as medidasde proteção ao adolescente autor de ato infracional.

Já no inciso II, é atribuído ao CT a aplicação das medidas previstas no artigo 129, I a VII aos pais e ou responsáveis, que têm por objetivo oaconselhamento e o alerta que os responsáveis não vêm cumprindo com seus deveres. Entretanto, a medida aplicada deve ser articulada com asdispostas no artigo 101 e incisos, com a finalidade de realizar um atendimento paralelo, visando assegurar a proteção da criança e adolescente emquestão.

Outra atribuição de bastante importância é a previsão do poder de requisição de serviços públicos pelo Conselheiro. Esta atribuição vai ser sempreutilizada quando for aplicada uma medida de proteção nos casos de suspeita, ameaça ou violação de direitos referentes à infância e à família,devendo o Conselheiro sempre encaminhar as demandas de acordo com sua competência em atendê-las.

Nesta mesma linha, o poder de requisição, nas situações previstas, significa que o conselheiro dá uma ordem para que as autoridades públicasexecutem as medidas aplicadas em que deverão ser atendidas, não sendo uma mera solicitação, como refere Carvalho.[81]

Tratando-se, então, de uma autoridade investida de poder de mando, o Estatuto prevê que, para promoção da execução de suas decisões, oConselheiro Tutelar poderá representar ao juiz sempre quando houver cumprimento ou o descumprimento injustificado de uma ordem legal por eleemanada com a finalidade de fazer cumpri-lá e apurar a desobediência do poder público.

No inciso IV do artigo 136 do ECA, é feita alusão ao poder do Conselho Tutelar em encaminhar ao Ministério Público os fatos conhecidos de infraçãoadministrativa ou penal contra os direitos da infância. Os incisos V e VI fazem referência à autoridade judiciária, em que, no primeiro, o agente doConselho Tutelar deve encaminhar ao juiz somente casos de sua competência. Já o inciso VI atribui ao Conselho Tutelar providenciar medidasprotetivas aos adolescentes autores de ato infracional estabelecido pelo juiz, conforme já comentada acima.Nessa perspectiva, no inciso VII, oConselheiro ainda tem o poder de notificar, que significa nesse caso ordenar, como, por exemplo, que alguém compareça a fim de prestaresclarecimentos sobre determinada situação. No inciso VIII, é conferido ao CT o poder de requisitar certidões de nascimento e de óbito com afinalidade de fazer valer o direito da criança em ter o registro civil.[82]

Segue-se no inciso IX a função de assessorar o Poder Executivo na elaboração do orçamento para o plano de atendimento à infância e juventude.Neste inciso, o CT, como representante da comunidade, vai atuar como parte da administração pública com o objetivo de demonstrar a priorização derecursos para os programas de atendimento das crianças e adolescentes[83]; e ninguém mais indicado que os representantes da infância, que têmconhecimento da realidade para auxiliar na proposta orçamentária do seu município.

Ainda está previsto no inciso X que cabe ao CT o poder de representar em nome da pessoa e da família nos casos em que houver violação dosdireitos da criança e do adolescente nos meios de comunicação, quando ocorrer desrespeito dos valores éticos e sociais e violem-se os princípioscontidos no artigo 221 incisos I, II, e III da Constituição Federal.[84] Por último, o inciso XI dedica em seu contexto à possibilidade do CT derepresentar nos casos de Perda ou Suspensão do Poder Famíliar.

Antes, porém, de analisar as formas e critérios que se estabelecem para a Suspensão ou Distituição do Poder Famiiar, cabe definir a expressãoPoder Familiar e em quais situações este poderá ser suspenso ou extinto. De acordo com Arnoldo Wald,[85] poder familiar consiste no poder - deverexercido pelos pais para com os filhos menores, considerando este como o poder jurídico delegado pelo Estado para os pais, enquanto seus filhosnão atingirem a maioridade civil, 18 anos. Refere, ainda, o autor que, a partir da normatização do ECA, art. 22, aos pais foi atribuído o dever desustento, guarda e educação dos filhos menores, deveres estes estabelecidos pelo poder familiar. Tal competência do Conselho Tutelar derepresentar nos casos de suspensão e perda do poder familiar é muito complexa, pois cabe nas situações em que os pais não cumprem com seupapel, ou então maltratem de tal maneira seus filhos a ponto de ensejar intervenção estatal.

Nesse sentido, as situações que acarretam a Suspensão e Destituição do Poder Familiar podem ser definidas como negligência, quando ocorre oabandono, seja material ou intelectual da criança/adolescente e também como maus-tratos, quando há o uso de força intencional dos pais ouresponsáveis no sentido de machucar e ferir propositalmente a criança/adolescente, podendo para tanto deixar lesões ou não. Dessa forma, oConselho Tutelar é legítimo para representar ao Ministério Público contra os pais ou responsáveis que abusarem deste poder que lhe é atribuído.

Entretanto, é importante observar que o Conselho Tutelar não tem poderes para decidir sobre destituição ou não do poder familiar; porém, esteparticipa do processo judicial, enviando relatórios, realizando visitas domiciliares e acompanhamento dos casos. Isto acontece porque, em regrageral, o CT é o primeiro órgão a acolher as famílias antes do processo de DPF, atuando na tentativa de restabelecer os vínculos familiares.

Não se encerram na relação de incisos previstos os poderes e atribuições do Conselho Tutelar, pois a este ainda incumbe a função de fiscalizar asentidades de atendimento à criança e ao adolescente, estando prevista esta prerrogativa no artigo 95 do ECA.

O ECA ainda estabelece duas figuras infracionais ligadas ao Conselho Tutelar, ou seja, é crime impedir ou embaraçar a atuação do ConselheiroTutelar no exercício de suas funções (artigo 236), bem como se trata de infração administrativa o descumprimento de determinação do ConselheiroTutelar (artigo 248). Assim, a partir destas duas figuras, fica caracterizada a força deste órgão para exercer as suas atribuições.

Nesse sentido, coloca Juda Jessé de Bragança Soares:

“Exercendo uma parcela de poder (não jurisdicional), o Conselho Tutelar tem autoridade para promover a execução de suas próprias decisões,requisitando serviços públicos, nas áreas das políticas sociais básicas, ou representando ao juiz em caso de injustificada desobediência; para expedirnotificações e para requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente, quando necessário”.[86]

Dessa forma, ao Conselho Tutelar remetem-se as decisões de caráter social, visto que, se houver conflito de interesses quanto a uma determinadadecisão tomada por este órgão, o Poder Judiciário poderá ser provocado, mas apenas por quem tem legítimo interesse de acordo com direitopositivado[87], sendo que sua decisão somente poderá ser revista pelo juiz, conforme previsto no artigo 137 que diz:

“Artigo 137- As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.”

Dessa forma, escreve André Karst Kaminski:

“Todas as decisões do conselho Tutelar, notadamente as que se referem à aplicação de medidas de proteção e aos pais ou responsável, e as quedizem respeito ao cumprimento de suas atribuições, poderão ser suscitadas à revisão da autoridade judiciária. Contudo, somente poderá efetuar opedido de revisão aquele que detiver legítimo interesse(Art.137).”[88]

Portanto, ao Conselho Tutelar, através do Estatuto, é auferido poderes a seus representantes que são muito importantes na proteção da infância,atuando este órgão em duas frentes de ação, igualmente importantes: a primeira preventiva, fiscalizando entidades, mobilizando sua comunidade aoexercício de direitos assegurados a todo cidadão, cobrando as responsabilidades dos devedores do atendimento de direitos à criança e aoadolescente e à sua família; e a segunda forma remediativa, agindo diante da violação consumada, defendendo e garantindo a proteção preconizadapelo ECA.

Assim como expressa Etelma T. de Souza[89], o CT atua no sistema de garantia de modo integral, ou seja, nas três esferas, pois promove, controla edefende a proteção integral da infância, participando ativamente da ordem política de sua comunidade, tanto nos movimentos pela proteção dacriança e do adolescente, quanto diretamente na administração pública quando participa da elaboração do orçamento do município e, por último, atua

em todos espaços, com o objetivo principal de cumprir e estabelecer o disposto no Estatuto.

No entanto, oportuno concluir que o Conselheiro Tutelar, ao exercer suas atribuições, deverá analisar o caso concreto, pois somente será legítimasua intervenção quando este realizar uma ponderação dos critérios legais e sociais da situação familiar que configurou a hipótese da violação dedireitos contra a criança e/ou adolescente. Nesse sentido, pode-se considerar que a intervenção legítima deste órgão, é aquela cuja análise docontexto social da família é preponderante para aplicação de medidas de proteção à criança e ou ao adolescente ou aos pais e responsáveis.

3 CONSELHO TUTELAR NA PRÁTICA: OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES NA SUA INTERVENÇÃO.

Neste último capítulo, serão analisadas as intervenções realizadas pelo Conselho Tutelar da cidade de Cachoeirinha/RS no ano de 2008, sendoobjeto principal da pesquisa as intervenções do Conselheiro Tutelar cuja medida de proteção aplicada foi a abrigagem, decorrente das situações deabandono, negligência e maus-tratos.

Para melhor interpretação do problema adotado neste trabalho, será dada ênfase aos casos em que houve a consequente representação do CT aoMinistério Público para Destituição do Poder Familiar. Neste primeiro momento, será descrita, de forma sucinta, a estrutura da Cidade, principalmentequanto à forma de composição da principal rede de atendimento e proteção da infância e Juventude do Município, as quais são o CT, O MP e o JIJ.[90]

3.1 O MUNICÍPIO DE CACHOEIRINHA, O CONSELHO TUTELAR, O MINISTÉRIO PÚBLICO E O JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

Cachoeirinha é uma cidade de 120 mil habitantes[91]. Integra a região metropolitana da Grande Porto Alegre, fazendo divisa com a capital do RS. Omunicípio está inserido em um contexto de pleno desenvolvimento econômico, com um expressivo aumento dos índices populacionais e oconsequente crescimento do percentual da população de baixa renda.

Nessa perspectiva, o atendimento das demandas sociais da cidade vai tornando-se cada vez mais precário, principalmente no que se refere àspolíticas públicas relacionada às crianças e adolescentes. Resultado disso são quando as ações daqueles órgãos, cujas atribuições são a ProteçãoIntegral dos direitos da criança e do adolescente, tornam-se deficientes.

Nesse sentido, é cabível salientar que a dificuldade do município entorno da falta de programas de atendimentos voltados às crianças e adolescentese às famílias é fator determinante para que haja intervenção das instâncias de controle estatais em determinadas situações familiares.

Nesse aspecto, pode-se dizer que é através de desenvolvimento de políticas públicas eficazes que o poder público vai impulsionar e reforçar osvínculos familiares e comunitários da população, assim prevenindo violações de direito e garantindo a Proteção Integral da infância.

Diante da breve descrição do município, a partir de então, faz-se necessário descrever a composição das principais instâncias de controleresponsáveis pela proteção e pela efetivação dos direitos da criança do adolescente da cidade, as quais são compostas pelo CT, o MP e o JIJ.

Assim sendo exposto, Cachoeirinha possui apenas um Conselho Tutelar, estando este regulamentado pela lei municipal n°1176/91 e o Regimentointerno próprio do órgão. Criado no ano de 1991, é composto por cinco Conselheiras Tutelares, que exercem um mandato de 3 anos, permitindoapenas mais uma recondução, estando em conformidade com o previsto no ECA.

Na composição do atual Conselho Tutelar de Cachoeirinha, que foi empossado no último dia 1° de janeiro, apenas duas de suas representantesexercem o segundo mandato. Seu funcionamento é de 24 horas por dia, na qual as Conselheiras atuam em suas funções de acordo com uma escalaem regime de plantões.

O CT de Cachoeirinha, embora com muitas dificuldades estruturais, exerce plenamente suas atribuições, tendo como objetivo principal “zelar pelocumprimento dos direitos da criança e do adolescente”, de acordo com o previsto no ECA. Ainda, nesse âmbito de instituições legitimadas a intervirnas questões da infância e juventude na cidade Cachoeirinha, estão inseridas o MP e o JIJ.

O Ministério Público da cidade possui uma Promotoria especializada na área da infância e Juventude, a qual é composta por uma Promotora, umassessor jurídico, uma secretária de diligência, um agente administrativo e um estagiário. É uma instituição de grande importância na defesa dosdireitos da infância no município, sendo que, em sua atuação, está sempre articulado com o CT .

O Poder Judiciário recentemente implantou a 4° vara de Família, Infância e Juventude na Comarca de Cachoeirinha, sendo composta pelo juiz, umoficial de proteção e os auxiliares da justiça, cuja competência é o atendimento das demandas de família, da criança e do adolescente.

A demanda nesta vara é bastante significante, pois acumula as ações civis relacionadas ao direito de família. A relação entre o JIJ e o CT é bemarticulada, sempre com a visão de fortalecer os vínculos entre a criança e a família, buscando sempre o melhor interesse da criança e doadolescente.

Considerando a abordagem realizada acerca da composição das instituições de proteção da criança e do adolescente do município, pode-se dizerque o CT, de acordo com sua competência, é a primeira instância estatal legitimada a intervir no núcleo familiar, quando verificada omissão ounegligência com os deveres da família referente à infância e à juventude. Nesse contexto, deve agir sempre que houver uma suspeita ou ameaçacontra os direitos da criança e do adolescente, não necessitando de provocação.

Contudo, a de se observar que a intervenção do CT vai acontecer somente se a família, a sociedade, o Estado e o adolescente não cumprirem comsuas obrigações, pois é a isto que cabe o primeiro atendimento das necessidades básicas da criança e do adolescente, sendo que, se fizerem deforma irregular, o CT atuará de maneira a fiscalizar e zelar para que exista o pleno atendimento e funcionamento do sistema da proteção integral.[92]

Diante disso, o que motivou a escolha do Conselho Tutelar da cidade de Cachoeirinha para realização da pesquisa foi o fato de atualmente exercer afunção de Conselheira Tutelar pelo segundo mandato nesta cidade, o que lhe permitiu presenciar várias situações em que as intervenções realizadaspelos Conselheiros não seguiram os critérios legais e sociais ao exercer suas atribuições, que poderiam ser consideradas arbitrariedades edesmandos. Além disso, observou-se que muitas vezes eram intervenções cuja competência não lhes competia.

Nesse sentido, no próximo tópico serão analisadas as intervenções do CT através da pesquisa nos expedientes desta instituição social.

3.2 AS INTERVENÇÕES DO CONSELHO TUTELAR DE CACHOEIRINHA NO ANO DE 2008

A sistematização da pesquisa foi realizada com base nos dados dos expedientes do Conselho Tutelar do ano de 2008. Como os atendimentos do CTnão são informatizados, foi realizada uma coleta de informações de forma manual, referente a todos os casos de aplicação de medida de proteção deabrigagem (art.101,VII do ECA) e representação para efeito das ações de Destituição do Poder Familiar (art.136,XI).

Inicialmente, foi analisado o número total de atendimentos no ano de 2008. Posteriormente, os expedientes foram divididos em três grupos, com afinalidade de fundamentar a pesquisa, as quais sejam:

- 1° grupo: os casos em que houve violação de direitos contra crianças e adolescentes;

- 2° grupo: os casos em que houve a prevenção de violação;

- 3° grupo: os casos em que não eram de competência do Conselho Tutelar, ou a atuação resultou em um simples aconselhamento ouencaminhamento para os órgãos competentes.

Importante frisar que o objeto deste trabalho foi identificar a atuação no que se refere a medida de proteção de colocação em abrigo em que houve arepresentação do CT para DPF[93]; no entanto, a pesquisa partiu dos dados do 1° grupo.

Assim, a pesquisa se prosseguiu da seguinte forma. O 1° grupo foi subdividido em duas partes: os casos cujas medidas protetivas aplicada foram asprevistas no art.101, I ao VI do ECA e os casos em que houve a medida de abrigagem com a consequente representação do DPF.

Dessa forma chegou-se aos seguintes resultados. No ano de 2008, o CT de Cachoeirinha realizou um total de 5904 atendimentos. Dessesatendimentos, 1117 referem-se aos casos classificados no 1° grupo, em houve violação de direitos; 752 são dos casos classificados do 2° grupo, nosquais o conselheiro interviu na prevenção da violação de direitos e, ainda, 3225 foi referente aos casos do 3° grupo, ou seja, não se tratavam deatribuições do CT e/ou houve o encaminhamento para os órgão adequados.

Cabe referir que cerca de 60% dos atendimentos realizados pelo CT pertencem ao 3° grupo. Dos 3225 casos classificados neste grupo, 70%incluem-se em atos infracionais praticados por adolescentes, pois há um pensamento equivocado da sociedade quanto à atribuição do CT ematender às situações vinculadas ao ato infracional, acionando o órgão para atendimento, mas que no entanto a competência é da Policia e do PoderJudiciário.

Desses, 30% compreende a pedidos de guarda, alimentos, separação, violência contra a mulher e, ainda, pedidos de vale-transporte, cesta básica eagilização de consultas e exames médicos, sendo tais pedidos não caracterizadores de violações de direito contra a criança e o adolescente,resultando no simples encaminhamento aos órgãos competentes.

Terminada a etapa de levantamento de dados quantitativos, seguiu-se com a identificação dos casos em que foi aplicada medida de abrigagem, quehouve como consequência a representação de DPF. Portanto, na continuidade, parte-se-ão dos números referente aos casos em que houve aviolação de direitos da criança e ou do adolescente, as quais se referem aos dados do 1°grupo, que assim serão expostos.

Do total de 1117 dos casos em que houve violação de direitos, 1089 foram crianças cuja família e o poder público foram considerados como principalagente violador, resultando a atuação do CT, sendo aplicadas medidas protetivas previstas no art. 101, I ao VI do ECA. Em 28 casos, foramaplicadas medidas de abrigagem.

Partindo do número de abrigagem, verificou-se que os motivos mais referidos pelos Conselheiros em sua fundamentação para aplicação destamedida foram negligência e maus-tratos cometidos pelos pais ou responsáveis.

Oportuno lembrar que a medida de colocação em abrigo é de caráter excepcional, devendo ser aplicada quando todas as outras medidas foremesgotadas, assim prevalecendo o princípio que dispõe o artigo 101, parágrafo único do ECA, que diz: “O abrigo é medida provisória e excepcional,utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando em privação de liberdade.”

Entretanto, na rotina diária dos CT, os conselheiros muitas vezes não esgotam os recursos que se têm a disposição, e acabam por aplicarprimeiramente a medida de abrigo. Assim, na prática, torna-se um ato rotineiro colocar a criança em abrigo, não tendo os Conselheiros a percepçãode que esta medida é uma forma de transição para colocação em família substituta. Dessa maneira, no momento em que o conselheiro afasta acriança da família e a coloca em abrigo, este tem o dever de comunicar ao MP e JIJ a medida aplicada, para que se inicie os procedimentos doprocesso de Destituição do Poder Familiar, assim passando o caso para alçada do Poder Judiciário.

Esta prática constante de alguns CT, em algumas situações, pode provocar prejuízos irreversíveis para criança/adolescente e na família.[94] Nessecontexto, expressa Etelma T. de Souza:

“É preciso muita cautela ao decidir por essa medida, pois a mesma, ao invés de proteção, pode se tornar em uma violação do direito à convivênciafamiliar e comunitária, provocando mais danos à criança, adolescente e família envolvida.”[95]

Seguindo nessa perspectiva, na pesquisa foi verificado que, no ano de 2008, os CTs poderiam ter aplicado outras medidas de proteção que evitariamque a criança ou adolescente chegassem até a abrigo, em pelo menos nove casos quando, por exemplo, havia família extensiva para acolher acriança, ou, então, a negligência da família era consequência da situação sócio-econômica, o que não é motivo para retirada da criança daconvivência familiar, com prevê o art. 23 do ECA.

Neste caso, a omissão compreendida pode se dizer que é de responsabilidade do Estado, pois, no momento em que o Estado não oferece políticaspúblicas no sentido de fortalecer os vínculos familiares, ou então as instâncias de controle não fiscalizam de forma efetiva, a medida aplicada resultapor muitas vezes em uma intervenção inadequada da instituição responsável, neste caso o CT.

Dos 19 casos que realmente puderam ser considerados situações de abrigo, 11 crianças/adolescentes retornaram ao convívio familiar, após aaplicação de medidas substitutas pelo CT. Em 2 casos, as mesmas permanecem em situação de abrigagem e em 6 casos as crianças foramencaminhadas ao Ministério Público, com representação para DPF.

Dessa forma, na continuidade, passar-se-á a relatar os 6 casos qualificados para efeito desta pesquisa como passíveis de Destituição do PoderFamiliar por considerar sua relevância para o presente trabalho.

3.2.1 Apresentação dos casos

A partir de agora serão apresentados os casos de representação do CT para Destituição do Poder Familiar no ano de 2008. As 6 (seis) históriasserão contadas de forma resumida, pois a pretensão da pesquisa é analisar as intervenções realizadas pelos Conselheiros Tutelares, a fim deverificar a sua legitimidade, visto que o olhar jurídico foi fator determinante para o sucesso das ações.

A par disso, seguem-se os casos:

1° e 2 caso°: Gêmeos supostamente chamados de Daniel e Mateus.

O CT foi acionado pelo hospital, a fim de comunicar o nascimento de Gêmeos, sendo dois meninos. O motivo da comunicação era que a genitoratinha problemas mentais, sendo que, quando grávida, ficava durante o dia em torno do hospital oferecendo seus filhos. Tem histórico de ter doado ouvendido outros filhos, mas ninguém sabe informar o paradeiro dos mesmos.

Diante do relato da assistente social à conselheira, quando da alta das crianças, o CT as retirou do hospital. Sabendo não haver nenhum parente,encaminhou as crianças para o Abrigo Municipal. Realizada análise técnica e a mãe jamais tendo aparecido para saber dos filhos, o CT encaminhoua representação da DPF ao MP. Tal manifestação foi acolhida imediatamente, pois o MP já tinha conhecimento do caso. Foi ajuizada ação, quetramitou rapidamente, e as crianças foram encaminhadas para adoção.

3° e 4° casos Irmãos, dois meninos supostamente chamados de “João e Pedro”, um de 1 e outro de 3 anos, respectivamente.

Trata-se de um caso de reincidência no abrigo. A genitora é usuária de crack, colocando constantemente seus filhos em situação de risco. Naprimeira vez, foi encontrada bêbada e sob visíveis efeitos da droga perambulando pelas ruas com os filhos. Após algumas intervenções do CT e aconsequente aplicação de medidas substitutas a do abrigo, a mãe pareceu aderir às condições impostas, permanecendo com os filhos.

O CT atuou aplicando várias medidas de proteção, tais como atendimento psicológico e psiquiátrico, grupos de auto-ajuda e até uma internação emuma fazenda para tratar a dependência química da mãe. Todas as intervenções foram sem sucesso, pois a genitora, após algum tempo, retornoupara as ruas, novamente abandonando os filhos e os colocando em situação de risco.

Na segunda abrigagem, a genitora desapareceu por alguns meses, chegando inclusive a ser presumida sua morte quando apareceu a notícia de queuma mulher havia sido morta na praia por causa do tráfico de drogas. Retornou muito tempo depois dizendo que queria os filhos. Foram liberadas asvisitas; no entanto, a mãe não comparecia regularmente e, quando ia, aparecia com forte cheiro de álcool até não aparecer mais.

Apesar da genitora demonstrar um vínculo forte com as crianças, isso não foi suficiente, pois o CT e a equipe técnica do abrigo decidiram porrepresentar ao MP pela Destituição do Poder Familiar, haja vista a clara situação de abandono da genitora e a sua dependência química. Arepresentação foi aceita pelo MP e imediatamente judicializada a demanda de DPF. A representação foi realizada em agosto de 2008 e atualmenteos meninos já se encontram com a família substituta.

5° caso: Menino de 3 anos supostamente chamado de”Leandro”.

A situação chegou ao conhecimento do CT pelo Hospital da cidade, que comunicou frequentes internações por bronquite. A criança fazia uso demedicações controladas para hiperatividade e não tinha os cuidados necessários. Na segunda internação, o CT, que já havia sido acionado outrasvezes, já tinha aplicado outras medidas à família, pois Leandro ainda tinha mais 3 irmãos. A família era muito humilde e viviam em situação demiséria; não participavam de nenhum programa de assistência, pois eram barrados pela burocracia de documentos. A genitora apenas afirmava quenunca recebeu bolsa família e que já tinha realizado inscrição.

A fonte de renda da família era a venda de frutas na sinaleira pelo pai. Os genitores eram bastante agressivos e não aderiam aos encaminhamentosdo CT, alegando sempre a falta de recursos financeiros.

No relatório do CT, verifica-se que em várias tentativas do CT em realizar visita domiciliar a genitora era agressiva e dificilmente permitia a entradadas Conselheiras na casa, mas, de acordo com a observação relatada por estas, a casa era totalmente precária, era insalubre e muito suja. Haviatambém denúncias do envolvimento dos genitores com a venda de drogas.

Os pais fizeram algumas tentativas de ter o filho de volta, mas, com medo que o CT interviesse na retirada de seus outros filhos, fugiram da cidadenão tendo mais notícias da família. Dessa forma, resultou o menino ficando abrigado por quase 2 (dois) anos até o encaminhamento da DPF.

O menino já se encontra com a família substituta.

6° caso: Menina, atualmente com 9 meses, supostamente chamada de “Luiza”.

O caso chegou ao conhecimento do CT pelo relatório da assistente social do hospital que descrevia a situação da recém-nascida. O relatório socialreferia que a genitora era HIV positivo, dependente química, apresentava desorganização mental e dificuldades com os cuidados da filha. Afirmava,ainda, que, muito embora tivesse endereço fixo e parentes que residissem próximo, esta ficava durante os dias e as noites na rua por causa dadependência; já tinha outros 11 filhos, sendo que não sabia com quem e onde estavam, visto que todos haviam sidos destituídos do poder familiar.

Ciente da situação, a Conselheira percebeu que já tinha conhecimento da história da genitora, pois esta, na adolescência, teve inúmerosatendimentos pelo CT, pois muito cedo perdeu o pai e a mãe, morava na rua junto com o irmão, tendo histórico de uso de drogas, abuso eexploração sexual. Passou por várias vezes pelo abrigo; no entanto, nenhuma medida foi eficaz, resultando atualmente na situação que seapresenta.

Diante dos fatos e sabendo da incapacidade da genitora em dar os cuidados necessários à filha, quando da alta, a Conselheira aplicou a medida decolocação em abrigo, representando imediatamente a destituição do poder familiar.

Observando o expediente da menina, percebeu-se que a genitora passou por algumas entrevistas com equipe técnica do abrigo e realizou poucasvisitas para filha, assim não demonstrando condições adequadas de ter a guarda da menina.

Dessa forma, o Ministério Público aceitou a representação do CT e promoveu a ação de DPF em agosto de 2008; no entanto, ainda não foi definida.De outra parte, desde janeiro deste ano, a menina já se encontra com a família substituta e o processo encontra-se em fase final.

Assim, desses 6 casos que o Ministério Público aceitou a representação, 5 já houve a DPF, e 1 continua em tramite.

Nesse contexto, será feita a análise dos casos expostos com a finalidade de compreender os critérios utilizados para a indicação do CT paraDestituição do Poder Familiar e das decisões favoráveis do Poder Judiciário. Todavia, será verificada a legitimidade do CT em intervir nas relaçõesfamiliares, considerando a convivência social, cultural e jurídica da família.

Quanto ao contexto familiar da criança e do adolescente, fundamenta Alexandre Fornanciari wolski e Josiane Magalhães.[96]

“Sendo assim, a educação é o meio utilizado pela família para transmitir os conceitos básicos relacionados à tradição e a cultura aos seusco-descendentes. A forma pela qual se desenvolve esse processo é caracterizado por dois aspectos que são intrínsecos a aquilo que se entende porfamília: 1º - o meio pelo qual é instituída a família coloca os ascendentes na condição de obrigados a fazer a transmissão de valores da cultura e datradição, vigentes na sociedade; 2º - esse processo só se concretiza porque há o sentimento de dedicação e de cumplicidade que estimulam avontade, o querer realizar a dita transmissão. Assim, falamos em uma relação de dependência criada entre os entes familiares. Evidentemente, emse tratando de um processo decorrente de um fenômeno social - família -, não se tem um rito especial a ser seguido para se efetivar o processo. Pelocontrario, ele acontece de maneira completamente aleatória, incidindo por oportunidade, necessidade ou conveniência.”

Dessa maneira, com a finalidade de buscar a motivação mais frequente para violação do direito da criança e do adolescente, nota-se que, tanto asquestões de natureza material, quanto cultural, incidem na prática de ameaça ou violação do direito, gerando, assim, a justificativa para a intervençãodas instâncias estatais nas relações familiares.

Todavia, no estudo dos casos, pode-se perceber que a principal fundamentação para intervenção tanto do CT, como das decisões judiciais deDestituição, foram as violações de direito causada no ambiente familiar, sendo indicados como principais agentes violadores os pais e ouresponsáveis.

De outro lado, embora os pais fossem considerados os agente violadores, pode-se ver na análise dos casos que as péssimas condições de vida dasfamílias foram fatores preponderante nas decisões do CT, pois as famílias pertencentes à classe mais baixas foram definidas nos relatórios enviadospara o MP como “desestruturadas” e “negligentes”.

Em tal contexto, a partir da promulgação do ECA, a condição de pobreza não pode mais ser considerada como fundamento para DPF, colocando oEstado como garantidor de políticas públicas que asseguram e reforçam a convivência familiar, independente da condição social.

Entretanto, não foi isso que se pode constatar. A falta e a constante omissão do Estado no cumprimento do seu papel acabaram por gerarconsequências familiares irreversíveis, pois na prática somente mudou a categorização de pobreza para negligência. Os pais acabam sendoculpabilizados pela falta de condições materiais, dessa forma apenas mascarando a antiga prática jurídica da criminalização da pobreza, cujo Códigode Menores legislava.

Esta prática pode ser percebida no caso 5 referente ao menino “Leandro”. A intervenção do CT se deu de todas as formas possíveis, aplicando asmedidas necessárias; porém, a família não aderiu aos acompanhamentos, pois o poder público não agiu de forma a impulsionar a organização destafamília, havendo evidente falha da rede de atendimento, muito embora a dedicação dos profissionais envolvidos e a execução das decisões fossembarrados pela burocratização dos atos.

Diante do contexto da vulnerabilidade familiar, o resultado da falta de assistência estatal acabou por acarretar na imigração da família para outra

cidade, abandonando o filho no abrigo por 2 anos até haver a DPF e ser encaminhado à família substituta.

Dessa maneira, percebe-se que a intervenção do CT, no caso do menino Leandro, não foi legitima, pois, muito embora a situação de vulnerabilidadeda família, o genitor dentro das condições sociais que vivia, procurava dar o amparo necessário aos filhos, pois trabalhava vendendo frutas nasinaleira. As denúncias de drogas nunca foram confirmadas. Dessa forma, há de se concluir que por falta da assistência estatal acabou por resultar afuga da família da cidade, devido ao medo de seus outros filhos também serem levados ao abrigo.

Nesse sentido, se o acompanhamento pela rede de atendimento tivesse sido efetivo, a DPF poderia ter sido evitada, pois o fator preponderante paraa representação foi negligência e o abandono familiar. Entretanto, a fuga dos pais ocorreu do medo de perderem seus outros filhos por causa dasituação de imensa vulnerabilidade em que viviam.

Considerando esta afirmativa, Lilian Cruz[97] refere que a negligência, muitas vezes, se dá pela condição social da família, pois a condição demiséria pode ser fator causador da situação de negligência familiar, a qual poderá induzir a uma condição permanente de sobrevivência que vaidesencadeando num amortecimento da sensibilidade, como forma de defesa. De outra parte, este complexo de fatores pode ser revertido secessados os fatores externos causadores da situação de negligência.

O caso 6 também demonstra má utilização do critério do abandono e da negligência para as representações de DPF. Neste caso, a Conselheiraaplicou uma única medida, a de colocação em abrigo, utilizando como fundamentação o histórico da genitora.

A intervenção do CT, no contexto em que se apresentava a situação da menina, foi legítima devido à evidente situação de risco a que esta criançaficaria exposta se estivesse sob tutela da mãe. Entretanto, a incapacidade da genitora em manter os vínculos familiares é de responsabilidade doEstado, pois foi observado, nos relatórios encontrados, que os outros 11 filhos já foram afastados e destituídos pelos mesmos fatos.No entanto, opoder público não foi ofereceu, ao longo do tempo em que a genitora passou pela rede, atendimento adequado e eficaz de modo a reorganizar afamília e manter os vínculos familiares.

Nos casos 3 e 4, considera-se legítima a intervenção do CT, pois está claramente demonstrado nos relatórios de atendimento, que os conselheirostentaram de todas as formas o retorno da criança ao convívio familiar, aplicando medidas inclusive aos pais e buscando suporte junto à famíliaextensiva, todas sem sucesso. Pode-se também observar que, em intervenções anteriores, as crianças já haviam sido entregues à responsabilidadede outros familiares, mas estes não conseguiram ficar com as crianças por causa das atitudes agressivas da própria genitora, que fazia constantesameaças aos parentes que aceitavam acolher seus filhos.

Importante observar que, nos casos familiares analisados em que foram propostas representações e ações, não foi encontrada nenhuma família declasse média, o que não significa que os problemas identificados ocorrem exclusivamente na classe baixa. O fato é que há dificuldade das famílias declasse média e alta de levarem seus problemas aos órgãos públicos, para não serem consideradas como “desestruturadas”. Dessa maneira,procuram resolver seus problemas de outra forma, utilizando os meios privados, visto não necessitarem muitas vezes de uma rede de apoio público.De outra parte, tais famílias também são resistentes à tutela do Estado.

Contudo, o sistema de Proteção Integral é destinado a todas as crianças e adolescentes indiscriminatoriamente, não estando as famílias, em caso denão cumprirem com seu papel ou havendo violado os direitos de seus filhos, dispensadas da intervenção estatal.

Diante do estudo dos casos, pode se identificar que, muitas vezes, os fatos que geram a consequência da DPF são pedidos de ajuda daquelasfamílias para quem o Estado não deu suporte e que acabam sendo punidas com a perda de seus filhos para famílias substitutas, ou para instituições.Punição esta imposta pelo Estado, em consequência de este também não cumprir seu papel.

No entanto, nos relatórios de representação do CT, não foi identificado nenhum aspecto de falha ou omissão do Estado como fatores incidentes naproblemática das famílias. Esta afirmação pode ser feita a partir da compreensão geral da problemática que envolve a atuação do CT, tendo em vistaeste pertencer a instância estatal e, portanto, a indicação de falha poderia ser considerada como uma omissão também deste.

Todavia, quando se chega ao ponto da criança ser privada do convívio familiar, é porque a família já vinha há muito tempo sinalizando suasdificuldades de atender as suas obrigações para com seus filhos, sendo que, de alguma forma, já haviam passado pelas instituições de proteção ousaúde[98]. Nesse sentido, em todos encaminhamentos de DPF realizados pelo CT e analisados na pesquisa, a situação da família já vinha sedesenrolando há algum tempo.

De outro lado, percebe-se que a falta de programas de atendimento à família e falta de desenvolvimento de políticas públicas capazes de atender àdemanda da sociedade acabam por aumentar o número de criança e adolescentes que possuem o seu direito à convivência familiar violado.[99]

Dessa maneira, a atribuição do CT em representar nos caos de DPF, se não analisadas as condições legais e sociais da criança/adolescente, podeacabar sendo exercida de forma a descontextualizar o significado de negligência e maus-tratos, pois, ao desvincular estas categorias da situação realde sobrevivência da família, a intervenção do CT pode resultar na punição e na privação dessas crianças ao convívio familiar.

Oportuno salientar que a DPF, em certos casos, não é a melhor solução para as situações de violação de direitos contra as crianças e adolescentes,pois a atuação mais efetiva na fiscalização e na elaboração de políticas públicas poderia ser uma alternativa que viabilizasse aos pais cuidar melhorde seus filhos, assim evitando decisões geradoras de danos irreversíveis às crianças e às famílias.

3.3 A ROTINA DIÁRIA DE ATUAÇÃO DO CONSELHEIRO TUTELAR

O objetivo deste tópico é analisar o funcionamento do Conselho Tutelar de Cachoeirinha, bem como a forma de atuação dos seus representantes.Dessa maneira, será realizada uma abordagem descritiva do órgão, enquanto organização e atendimento diário, complementados por uma pesquisade observação nos atendimentos e intervenções de duas Conselheiras, uma em expediente interno e outra externo, com a finalidade de analisar suasintervenções.

O funcionamento do órgão, inicialmente, é norteado e organizado pelo Regimento Interno. Entretanto, em face deste ainda não estar atualizado, asdecisões colegiadas é que definem as questões administrativas.

O horário de expediente do CT é das 8h às 18h durante a semana, diretamente na sede do CT, sendo que, após às 18h e até às 8h da manhã, oatendimento é considerado de caráter emergencial. Nos finais de semana, cada Conselheira é responsável por um sábado e um domingo, emplantões de 48h. Tais horários são definidos de acordo com a escala e o regime de plantão, deliberado no Colegiado.

As reuniões colegiadas acontecem semanalmente, cujo comparecimento de todos os Conselheiros é obrigatório, com a finalidade de discutir casos edeliberar decisões sobre as situações do cotidiano.

As situações que chegam diariamente no Conselho Tutelar variam das mais diversas formas, assim sendo dividido o atendimento em interno eexterno. O atendimento interno compreende no encaminhamento de todos os casos que chegam diretamente na sede do Conselho Tutelar, em que aresponsável pela demanda é conselheira plantonista interna. Esta faz o atendimento direto à população, ouvindo queixas, denúncias e encaminhandoos casos de sua competência.

O atendimento externo compreende no encaminhamento das denúncias, as visitas de acompanhamento temporário e a realização de diligências doMinistério Público e do Juizado da Infância e Juventude. Estas visitas referem-se àquelas crianças e adolescentes as quais foram aplicadas medidasprotetivas, fazendo-se necessário o acompanhamento para fim de que a medida seja cumprida e tenha eficácia.

As denúncias são recebidas no telefone fixo na sede do CT, quando em horário de atendimento; e no telefone móvel, nos plantões noturnos e finaisde semana. Todas as denúncias podem ser anônimas ou identificadas; independentemente, serão averiguadas pela conselheira plantonista, visto a

obrigação do CT de verificar casos suspeitos ou confirmados de violação contra os direitos da criança e do adolescente.

As diligências em atendimento e demandas do MP e do JIJ são aquelas oficiadas pelo Promotor de Justiça e pelo Juiz de Direito, para que verifique asituação atualizada da criança ou adolescente que já teve seu direito de alguma forma violado, prestando informações a tais instâncias.

3.3.1 Acompanhamento dos Atendimentos

A demonstração dos atendimentos das Conselheiras Tutelares, que na pesquisa serão definidas como C1 referente à Conselheira plantonista internae C2 referente à Conselheira responsável pelos atendimentos externos, ocorrerão a partir da observação dos atendimentos realizados durante doisdias com, as referidas Conselheiras.

No acompanhamento do atendimento interno, no dia da pesquisa, foram atendidas pela C1 24 pessoas diretas. Observou-se que 82% da demandaatendida não era de casos de competência do CT, correspondendo a situações de guarda judicial, pedidos de pensão alimentícia, assistência social(pedidos de rancho, vale-transportes...) e atos infracionais praticados por adolescentes.

Dessa maneira, pode-se classificar o restante dos 18% como demandas de violação de direitos, tais como: 1 caso referia-se a uma criança quenecessitava de uma vacina especial; a genitora já havia percorrido todas as instâncias administrativas, mas já se passavam 3 meses e seu filho nãoconseguia da vacina. Tinha síndrome de down e a falta dessa poderia causar-lhe até mesmo o óbito. Diante do relato e da documentação que agenitora apresentava, confirmando a necessidade da vacina e os encaminhamentos já realizados, a conselheira imediatamente expediu um ofíciopara Secretaria de Saúde, pedindo informações quanto ao protocolo de solicitação da genitora.

Outras duas situações atendidas foram referentes a vagas escolares. As crianças vieram da cidade de Rio Grande e, de acordo com o relato, já haviaduas semanas que estavam indo na central de matrículas do município e apenas foi dito que não existiam vagas e que deveriam aguardar otelefonema da Central responsável. A conselheira, imediatamente, acompanhou as mães até a Secretaria de Educação e conseguiu encaminhar asduas crianças para escola.O último caso atendido, de competência do CT, foi uma situação de abuso sexual de uma menina de 2 anos. Quemprocurou ajuda foi a genitora, relatando a situação e indicando como abusador o padrasto. O relato da menina e o boletim de atendimento médicoeram muito evidentes, assim a C1 entrou em contato com a Conselheira plantonista externa com a finalidade de acompanhar a genitora até aDelegacia de Policia e iniciar os procedimentos legais.

Diante dos atendimentos internos do CT, pode-se verificar que, ainda, a comunidade tem uma concepção muito errada das atribuições do CT. Não sóa população como as próprias instituições têm o entendimento de que todas as situações que envolvem crianças e adolescentes são de competênciado Conselho Tutelar, assim não fazendo a distinção de papéis entre CT, MP, JIJ e o Poder Executivo.

Os pais, por sua vez, ainda idealizam o CT como o antigo juiz de menores e abrigos com internatos antes utilizados. Chegam e querem entregar seusfilhos para o CT porque “não aguentam mais”e querem colocá-los em escolas internas, ou mandarem para FASE (Fundação de Assistência SócioEducativa).

Outra procura, diga-se comum no CT, é por vagas em escolas e creches, agendamentos de consultas para especialistas. Situações estas que nãoenvolvem nenhuma situação de risco ou violação ao direito da criança e do adolescente, sendo o CT procurado apenas para agilizar o processo, noqual os próprios responsáveis poderiam fazê-lo, sem interferência do CT.

No acompanhamento do expediente externo, no dia da pesquisa, foram realizadas 9 (nove) diligências, 4 para verificação de denúncias recebidas portelefone e 5 visitas de acompanhamento solicitadas pelo MP e o JIJ.

Quanto às denúncias, 2 eram referentes aos maus-tratos contra criança, sendo o CT acionado pelo Médico Pediatra do Pronto Atendimento 24h, querelatava que duas crianças estavam com feridas pelo corpo, mordidas de cachorro e sem a carteira de vacinação. Teriam sido levadas ao posto poruma senhora que dizia fazer um trabalho social pela Igreja na Vila na qual as crianças moravam, sendo que dizia conhecer bem a genitora e que estahavia deixado os filhos passando uns dias com ela para que cuidasse das crianças.

O CT foi até o Posto, verificou o estado das crianças, que era crítico: estavam com feridas pelo rosto e sinais evidentes de maus-tratos. As criançasdemonstravam ter vínculo afetivo com essa senhora, sendo que o CT conhecia a família e sabia da negligência da mãe.

Dessa forma, para evitar a abrigagem, o CT, depois de acompanhá-los até em casa e verificado a situação familiar, permitiu que as crianças ficassemprovisoriamente com a senhora e sua família, comunicando o caso imediatamente ao MP.

A outra denúncia era referente a um bebê que chorava muito e a mãe gritava para ele parar “enlouquecidamente”. Incomodados e com medo de amãe estar batendo no filho, os vizinhos denunciaram anonimamente ao CT. Ao averiguar a denúncia, a Conselheira abordou discretamente agenitora pondo a denúncia. A mãe convidou a Conselheira para entrar e, ao entrar no local, verificou-se que estava tudo muito organizado e a criançabrincando no berço. A Conselheira, ao indagar a mãe sobre os fatos da denúncia, esta relatou que estava nervosa, pois não sabia porque seu filhoestava chorando, mas que isto não iria mais acontecer. No entanto, a Conselheira aplicou uma advertência deixando a mãe ciente da sua atitudeinadequada.

Quanto às outras duas denúncias recebidas, uma era referente à criança de 6 anos que estava supostamente sozinha, o que de fato não foiconfirmado pela Conselheira, pois, ao chegar no local, foi conversado com a mãe e esta informou que a criança estava na escola. A outra denúnciareferia-se a uma briga na escola que, chegando no local, viu-se tratar de dois adolescentes que já estavam acompanhados dos responsáveis, nãohavendo necessidade de intervenção do CT.

As visitas solicitadas pelo MP e pelo JIJ serão divididas de acordo com os ofícios como MP1, MP2, MP3, JIJ1 e JIJ2, sendo os casos demonstradosda seguinte forma:

- MP1 tratava da “verificação atualizada da situação da adolescente A, principalmente encontra-se frequentando instituição de ensino”, dessa formaestava descrita a solicitação realizada via ofício ao CT. A C2 dirigiu-se ao endereço que estava no expediente da adolescente; no entanto, foiverificado que a família já não residia mais no município fazia 3 meses.

MP2 e MP3 solicitava que a C2 verificasse a “situação das crianças B e C, diligenciando até a residência a fim de verificar se estão realizandoacompanhamento psicológico”. A C2 dirigiu-se até a residência; tratava-se de uma situação de abuso sexual, sendo necessário acompanhamentopsicológico. A genitora, muito receptiva, mostrou os comprovantes dos atendimentos à Conselheira, que solicitou cópias com a finalidade de enviar aPromotoria.

- JIJ1 requisitava que a C2 localizasse “o adolescente C e o acompanha-se para realização de avaliação psiquiátrica, a fim de verificar a necessidadede internação no CAPS”. A conselheira foi até a casa da família, não encontrando o adolescente, apenas a genitora, que informou que já fazia maisde dois dias que este não aparecia em casa.

- JIJ2 solicitava “informações quanto ao paradeiro da genitora da criança D”, a fim de instruir processo de DPF. A C2, já tendo conhecimento do caso,foi até o endereço. Chegando ao local, confirmou-se que a mãe contínua como andarilha e moradora de rua, não tendo local certo para encontrá-la.Dessa forma, iria encaminhar a informação para o juiz.

Diante dos atendimentos do CT, de forma geral, pode-se constatar que as situações que chegam neste órgão são das mais variadas ordens, as quaisemergem das práticas cotidianas da comunidade. No entanto, para lidar com essas diversidades de relações estabelecidas na realidade, faz-senecessário exigir múltiplas habilidades daqueles agentes que representam o CT.[100]

Outro fator importante é a compreensão da concepção da sociedade quanto à competência do CT. Nota-se que não só os pais ainda possuem a

ideia de que o CT é um substituto das antigas práticas das legislações menoristas, mas também os próprios educadores e profissionais da rede deatendimento mantêm esta percepção do CT como órgão punitivo.

Portanto, a partir da análise realizada ao longo do trabalho, identifica-se que as intervenções dos CTs ainda têm muito a se aprimorar. Considera-se afalta de capacitação das Conselheiras Tutelares fator preponderante no momento de aplicarem uma medida protetiva. Cabe salientar, no entanto,que não lhes é exigido nenhum curso superior, além de um de 40h, requisito para candidatura. Muitas vezes, durante todo o mandato, não seaperfeiçoam, pois, se por conta própria não buscam a especialização, o poder público não oferece esta oportunidade também.

De outra parte, as atribuições da instituição são interpretadas por alguns Conselheiros de maneira diversa do texto legal do ECA. A forma usada deautoridade, muitas vezes, é feita de maneira a desencadear desmandos e arbitrariedades por parte de alguns componentes do CT, o que de fatocaracteriza-se como ilegitimidade.

Indiscutivelmente, o Conselheiro Tutelar é o representante escolhido pela comunidade, devendo agir de forma a desburocratizar o que estáburocratizado. Deve estar próximo da comunidade e ser parceiro dela, pois, dessa maneira, vai melhor identificar, encaminhar e prevenir osproblemas referente à infância e à juventude, assim cumprindo com o seu difícil e complexo papel de ser o garantidor dos direitos da criança e doadolescente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após realizada uma discussão histórica e social sobre os direitos da criança e do adolescente, revisando as doutrinas e analisando a prática dasinstituições de controle estatal relacionadas ao tema, permitiu-se caracterizar a instituição Conselho tutelar e, ainda, analisar a problemática dalegitimidade de intervenção dos Conselheiros Tutelares na cidade de Cachoeirinha.

Dessa forma, a reflexão histórica dos direitos infanto-juvenis foi fundamental para demonstrar a evolução do sistema de garantias das crianças eadolescentes. Nesse sentido, em um passado ainda muito recente, a infância era concebida no contexto da Doutrina da Situação Irregular, em quecrianças e adolescentes eram percebidos como objetos de tratamentos, sob a mera justificativa de pobreza e abandono. Situações estas quemotivavam a intervenção estatal de forma ilimitada, com o fundamento de que o Estado deveria “proteger o menor”, porque eram ou poderiam vir aser delinquentes.

Apesar desta concepção de infância e juventude perdurar durante anos, sendo normatizada nas legislações menoristas, gradativamente asmudanças sociais e culturais da sociedade da época serviram como inspiração para elaboração de tratados e normativas internacionais, quereconheciam como valor fundamental a dignidade do homem. Estas Declarações Internacionais, como a Declaração Universal dos direitos Humanosem 1948 e a posterior Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1959, foram a base para formulação da doutrina da Proteção Integral dasNações Unidas para infância. Elas foram um avanço fundamental na História dos direitos da criança e do adolescente.

Assim, a partir da Doutrina da Proteção Integral rompeu-se com a idéia de criança em situação irregular, reconhecendo-as como sujeitos de proteçãodevido a sua condição peculiar em desenvolvimento, objetivando garantir e satisfazer seus direitos. Contudo, a mudança de concepção de infância,através das legislações Internacionais, constitucionais e infraconstitucionais fez surgir a necessidade de novos mecanismos jurídicos e sociais, queefetivassem a proteção e a aplicação das previsões legais.

Nesse contexto, o Estatuto da Criança e Adolescente previu a criação do Conselho Tutelar, como um mecanismo de controle social com participaçãodireta da comunidade, que tem autonomia, poderes e atribuições próprias, que visam suprir o caráter administrativo e social do antigo juiz demenores. Esta instituição tem por objetivo zelar pelos direitos da criança e do adolescente.

Dessa maneira, o Conselho Tutelar traz em sua gênese a concepção de descentralização das ações política administrativa e de controle social, emque a participação da comunidade é fator preponderante para o exercício da democracia participativa.

Nessa direção, a partir da promulgação do ECA, a delegação de poderes ao Conselho Tutelar advém da comunidade, pois, sendo seus membrosescolhidos pelo povo, este é seu representante. Dotado de poder de mando nas causas relacionadas à criança e ao adolescente, sua atuação élimitada, devendo suas ações estarem de acordo com o ordenamento jurídico vigente e, ainda, levar em consideração, no momento de intervir nasfamílias, os valores subjacentes da comunidade.

Assim, o fato do Conselho Tutelar fazer parte de uma rede instâncias de controle estatal e social, assim detendo poderes, isto não lhe permite intervirnas famílias de forma arbitrária, pois as atuais concepções normativas trouxeram uma nova forma de poder e interação social. Desta forma, estáestabelecido que o poder não está mais concentrado nas instâncias de controles estatais, mas sim também nos indivíduos e na sociedade, o que defato vai resultar no poder da família, como o principal garantidor de direitos da infância e da juventude.

Nesse sentido, a atuação do Conselho Tutelar somente vai ocorrer quando a família falhar ou não cumprir com seus deveres, ou quando cometeruma violação de direitos contra a infância e juventude; ou ainda, quando o Estado e/ou a sociedade forem omissos, ou violadores de direitos.

A legitimidade do Conselho Tutelar vai dar-se a partir da autonomia e atribuições na aplicação de medidas protetivas, em conformidade com oprevisto no ECA, devendo, para tanto, na hora de intervir, observar os valores legais e sociais da criança ou adolescente posta em situação deviolação, assim como suas decisões devem ser guiadas pelo conjunto de valores predominantes da família.

Dessa forma, as atribuições conferidas aos Conselheiros Tutelares limitam sua atuação à esfera administrativa, pois se trata de um órgãonão-jurisdicional e sua competência constitui-se na prerrogativa de aplicar medidas de proteção nos casos de ameaça ou violação de direitos contra acriança e o adolescente.

De outra parte, a exposição das famílias ao problemas sócio-econômicos, como as constantes situações de pobreza, por vezes, acabam sendofatores relevantes na identificação de situações de risco, que são caracterizadas, via de regra, como negligência.

Nesse contexto, há de se observar que a prática da criminalização da pobreza pelas instituições de controle estatal, predominante na doutrina dasituação irregular, a partir do ECA já não foi mais possível. Pela previsão legal, o Conselho Tutelar tem o dever de garantir a convivência familiar, demodo a participar e fiscalizar as políticas públicas de forma a reforçar os vínculos familiares e evitar as representações de Destituição do PoderFamiliar, atribuição do CT que está prevista no ECA.

No entanto, crianças e adolescentes que têm seus direitos violados pela falta ou omissão do Estado, por muitas vezes, são privados da convivênciafamiliar, pelo fato de seus genitores pertencerem a um nível de vulnerabilidade social significativo, relacionado ao fato de não cumprirem com seupapel e, assim, resultando no afastamento de seus filhos, pelo fundamento de negligência.

Nessa perspectiva, pode-se perceber que a omissão do Estado em oferecer programas de atendimento e assistência às famílias, de forma efetiva,pode acarretar na má interpretação do conceito de negligência, culpabilizando os pais pelas condições materiais e, assim, causando danosirreversíveis, como a DPF.

A pesquisa empírica realizada neste trabalho permitiu concluir que as representações de Destituição Familiar feitas pelo Conselho Tutelar aoMinistério Público devem ser melhor analisadas antes de serem propostas. Ainda, nas intervenções realizadas pelo Conselho Tutelar, devempreponderar as questões sociais, culturais e jurídicas da família, pois, em muitas situações, uma medida de proteção aplicada e fiscalizada, a fim dereforçar os vínculos familiares, será muito mais eficaz do que o afastamento definitivo da criança de sua família.

Observou-se que os atendimentos e intervenções realizados pelo Conselho Tutelar de Cachoeirinha, via de regra, pautam-se pelo fortalecimento dasrelações familiares, e a afirmação desses vínculos é fator necessária para a eficácia da medida aplicada.

De outra parte, ao chegar-se próximo aos 19 anos do ECA, a realidade dos Conselhos Tutelares ainda é muita precária. A falta de exigência decapacitação de seus representantes acaba gerando o fato, muitas vezes, de seus membros equivocarem-se por assumir uma demanda que não lhespertence e, ainda, em algumas situações, mantendo velhas prática das antigas legislações de menores, como, por exemplo, a criminalização dapobreza. A estrutura física e funcional é deficiente para atender à demanda de situações que exigem prioridade, pois sua principal atribuição éproteger e garantir os direitos da criança e do adolescente.

Portanto, diante da análise realizada neste trabalho, percebeu-se que os Conselheiros Tutelares têm muito a aprimorar-se para que venhamrealmente a cumprir com seu papel previsto no Estatuto da criança e do Adolescente, enquanto protetor e garantidor dos direitos da infância ejuventude. A participação ativa da comunidade, através dos CTs, representa a possibilidade de reivindicação de direitos e diminuição da incidência deviolações. Entretanto, para que as ações efetivem-se, faz-se necessária a fiscalização e a criação de estratégias de concretização de políticaspúblicas que dêem suporte às famílias, de modo a que estas possam usufruir sua cidadania.

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Dimensões da Dignidade –Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional, p. 37. [3] CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor; in Ribeiro: 1987, pág. 88. [4] MENESES,Hércules Araújo;OS DIREITOS DAS ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDASOCIOEDUCATIVA NO RIO GRANDE DO SUL Uma abordagemsobre a preservação dos vínculos familiar e comunitária e o fenômeno da reincidência; 2008, 99 fls. Trabalho de conclusão de curso CentroUniversitário Metodista, IPA, Porto Alegre,2008 [5] COSTA, Ana Paula Motta.As Garantias Processuais e o Direito Penal Juvenil como limite naaplicação da medida socioeducativa de internação, p- 47. [6] COSTA, Ana Paula Motta.As Garantias Processuais e o Direito Penal Juvenil comolimite na aplicação da medida socioeducativa de internação, p- 47. [7] MÈNDEZ, Emilio Garcia; INFÂNCIA E CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA;p-21. [8] MENESES, Hércules Araújo;OS DIREITOS DAS ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDASOCIOEDUCATIVA NO RIO GRANDE DOSUL Uma abordagem sobre a preservação dos vínculos familiar e comunitária e o fenômeno da reincidência; 2008, 99 fls. Trabalho de conclusão decurso Centro Universitário Metodista, IPA, Porto Alegre,2008. [9] KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, a Criança e o Ato Infracional:Proteção ou Punição? P-17. [10] MÈNDEZ, Emilio Garcia; INFÂNCIA E CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA; p-21. [11] MÈNDEZ, Emilio Garcia;INFÂNCIA E CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA; p-22. [12] SCARPARO, Maria de Lourdes Duque-Estrada. CRUZ, Lilian.PROGRAMAS DEORIENTAÇÃO E APOIO SÓCIO-FAMILIAR: ANTIGOS E NOVOS DESAFIOS NO CAMPO PSI;Breve História da infância e a inserção da Psicologia.In: Seminário Regional de Práticas Sociais- rede de proteção; 2004, 380p.;p-159. [13] COSTA, Ana Paula Motta.As Garantias Processuais e o DireitoPenal Juvenil como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação, p- 75-76. [14] MÈNDEZ, Emilio Garcia; INFÂNCIA E CIDADANIANA AMÉRICA LATINA; p-27. [15] MÈNDEZ, Emilio Garcia; INFÂNCIA E CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA; p-24. [16] MÈNDEZ, Emilio Garcia;INFÂNCIA E CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA; p-51. [17] MÈNDEZ, Emilio Garcia; INFÂNCIA E CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA; p-59. [18]Idem ao 7. [19] Lei 17.943-A de 1927. Código de Menores Mello Mattos. [20] KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, a Criança e o AtoInfracional: Proteção ou Punição? P-25. [21] COSTA, Ana Paula Motta.A Função Tutelar - da”Situação irregular”a”Proteção Integral”; in ConselhoTutelar-Gênese,dinâmica e Têndências, p-76. [22] MENESES, Hércules Araújo;OS DIREITOS DAS ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA NO RIO GRANDE DO SUL Uma abordagem sobre a preservação dos vínculos familiar e comunitária e o fenômeno dareincidência; 2008, 99 fls. Trabalho de conclusão de curso Centro Universitário Metodista, IPA, Porto Alegre,2008 [23] KAMINSKI, André Karst. OConselho Tutelar, a Criança e o Ato Infracional: Proteção ou Punição? P-31. [24] MENESES, Hércules Araújo;OS DIREITOS DAS ADOLESCENTESQUE CUMPREM MEDIDASOCIOEDUCATIVA NO RIO GRANDE DO SUL Uma abordagem sobre a preservação dos vínculos familiar e comunitáriae o fenômeno da reincidência; 2008, 99 fls. Trabalho de conclusão de curso Centro Universitário Metodista, IPA, Porto Alegre,2008 [25] SILVA,Moacyr Motta Da. A tutela jurisdicional dos Direitos da Criança e do Adolescente; p-111. [26] SILVA, Antônio Fernando do Amaral;CURY,Munir”Comentários ao artigo 1° do ECA”in: CURY,Munir(org).Estatuto da Criança e do Adolescente comentado comentários jurídicos e sociais; p-16. [27] COSTA, Ana Paula Motta.As Garantias Processuais e o Direito Penal Juvenil como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação,p- 58. [28] Constituição Federal de 1988; artigo 227. [29] COSTA, Ana Paula Motta.Normativas Internacional inspiradora da Doutrina da ProteçãoIntegral; in Conselho Tutelar-Gênese,dinâmica e Têndências, p-74-75. [30] MÈNDEZ,Emílio Garcia; INFÂNCIA E CIDADANIA NA AMÉRICALATINA; p-25. [31] Idem ao 15; p-75. [32] MENESES, Hércules Araújo;OS DIREITOS DAS ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA NO RIO GRANDE DO SUL Uma abordagem sobre a preservação dos vínculos familiar e comunitária e o fenômeno dareincidência; 2008, 99 fls. Trabalho de conclusão de curso Centro Universitário Metodista, IPA, Porto Alegre,2008 [33] SILVA, Antônio Fernando doAmaral;CURY, Munir”Comentários ao artigo1° do ECA”in: CURY,Munir(org).Estatuto da Criança e do Adolescente comentado comentários jurídicos esociais; p-15. [34] LAHALLE, Annina;”Comentários ao artigo 5° do ECA”in: CURY, Munir (org). Estatuto da criança e do Adolescentecomentado;p-44. [35] LAHALLE, Annina.”Comentários ao artigo 5° do ECA”; in: CURY, Munir (org).Estatuto da criança e do Adolescente comentadocomentários jurídicos e sociais;p-45. [36] SCARPARO, Maria de Lourdes Duque-Estrada. CRUZ, Lilian.PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO E APOIOSÓCIO-FAMILIAR: ANTIGOS E NOVOS DESAFIOS NO CAMPO PSI;Breve História da infância e a inserção da Psicologia. In: Seminário Regionalde Práticas Sociais- rede de proteção; 2004, 380p.;p-104. [37] SOARES, Judá Jessé de Bragança.”Comentários ao artigo 136 do Eca”. In: CURY,Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-455. [38] KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, a Criança e o Ato Infracional:Proteção ou Punição? P-85. [39] COSTA, Ana Paula Motta.Normativas Internacional inspiradora da Doutrina da Proteção Integral; in ConselhoTutelar-Gênese,dinâmica e Têndências; p- 77. [40] Idem ao 26. [41] Albergaria, 1995, p.145; KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, aCriança e o Ato Infracional: Proteção ou Punição? P-86. [42] GARCIA, Elaine Maria Barreira.”A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E ARESPONSABILIZAÇÃO POR OMISSÕES DOS CONSELHEIROS TUTELARES” [43] SÊDA, Edson.”Comentários ao artigo 86 do Eca”. In: CURY,Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-276. [44] Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069/90. [45] KAMINSKI, AndréKarst. O Conselho Tutelar, a Criança e o Ato Infracional: Proteção ou Punição? P-35. [46] MACHADO, Fernando; Manual do Oficial de Proteção daInfância e da Juventude; p-68. [47] KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, a Criança e o Ato Infracional: Proteção ou Punição? P-35. [48] Apartir de agora se adota o termo”ECA”para designar-se Estatuto da Criança e do Adolescente. [49] SCARPARO, Maria de Lourdes Duque-Estrada.CRUZ, Lilian.PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO E APOIO SÓCIO-FAMILIAR: ANTIGOS E NOVOS DESAFIOS NO CAMPO PSI;Breve História dainfância e a inserção da Psicologia. In: Seminário Regional de Práticas Sociais- rede de proteção; 2004, 380p.;p-159. [50] SOARES, Judá Jessé deBragança.”Comentários ao artigo 131 do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-445. [51] LAHALLE,Annina.”Comentários ao artigo 5° do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-45. [52] JUNIOR, CezarSaldanha Souza. Consenso e Democracia Constitucional; p-57. [53] JUNIOR, Cezar Saldanha Souza. Consenso e Democracia Constitucional; p-56. [54] FOUCAULT, Michael. Estratégia, poder – saber; A Governamentalidade; p-287 [55] FOUCAULT, Michael 2003a. Estratégia, poder – saber;Omnes et Singulatin: Uma crítica da Razão Política;p. 289. [56] NASCIMENTO, Maria Lívia do,CUNHA, Fabiana Lopes da, e VICENTE, Laila MariaDomith.A Desqualificação da famíla pobre como prática da criminalização da pobreza. Disponível em < http://www.fafich.ufmg.br > Acesso em :10abril 2009 22:34:05. [57] COSTA, Ana Paula Motta.A experiência de Porto Alegre na ação e na implementação do Conselho Tutelar.O surgimento doconselho tutelar; in Conselho Tutelar-Gênese,dinâmica e Têndências, p-84. [58] SOARES, Judá Jessé de Bragança.”Comentários ao artigo 136 doEca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-445 [59] KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, a Criança e oAto Infracional: Proteção ou Punição? P-98. [60] SOARES, Judá Jessé de Bragança.”Comentários ao artigo 136 do Eca”. 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[68] CRUZ, Lilian.PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO EAPOIO SÓCIO-FAMILIAR: ANTIGOS E NOVOS DESAFIOS NO CAMPO PSI;Breve História da infância e a inserção da Psicologia. In: SeminárioRegional de Práticas Sociais- rede de proteção; 2004, 380p.;p-103. [69] KONZEN, Armando Afonso, ob. cit., pp. 171/2 [70] Estatuto da Criança e doAdolescente - Lei 8069/90. [71] SOARES, Judá Jessé de Bragança.”Comentários ao artigo 136 do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criançae do Adolescente comentado;p-445. [72] SOUZA, Telma T. de. A atuação do conselho tutelar no sistema de garantia dosdireitos.<www.defensoria.org.br> Acesso em 25 abril 2009 20:13:05. [73] MEIRELLES, Hely L. Direito administrativo brasileiro;p. 72. [74]CARVALHO, Rose Mary de.”Comentários ao artigo 136 do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-457. [75]MARCHESAN, Ana Maria Moreira.Conselhos Tutelares e Participação Comunitária. Disponível em < www.abmp.org.br > Acesso em 23 abril 200918:34:23 [76] DIGIÁCOMO, Murilo José.O Conselho Tutelar: poderes e deveres face a Lei nº 8.069/90.Disponível em www.foncaij.org.br Acessoem 24 abril 16:20:12. [77] SOUZA, Telma T. de. A atuação do conselho tutelar no sistema de garantia dos direitos.Disponível em<www.defensoria.org.br> Acesso em 25 abril 2009 20:14:56. [78] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Justiça, Adolescente e Ato Infracional:socioeducação e responsabilização. Ato Infracional e Natureza do Sistema de Responsabilização. In ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Orgs); p-40. [79] NICODEMOS, Carlos.Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. Ato Infracional e Natureza do Sistema deResponsabilização. Controle Social e Controle Sancionatório do Ato Infracional à Luz do Estatuto da Criança e do Adolescente- Lei 8069/90.InILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Orgs); p-77. [80] NICODEMOS, Carlos.Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização.Ato Infracional e Natureza do Sistema de Responsabilização. Controle Social e Controle Sancionatório do Ato Infracional à Luz do Estatuto daCriança e do Adolescente- Lei 8069/90.In ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Orgs); p-77. [81] CARVALHO, Rose Mary de.”Comentários ao artigo 136do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-458. [82] CARVALHO, Rose Mary de.Comentários ao artigo 136do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-459. [83] CARVALHO, Rose Mary de.Comentários ao artigo 136do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-459. [84] CARVALHO, Rose Mary de.Comentários ao artigo 136do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado;p-459. [85] WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, Onovo Direito de Família; p-211. [86] SOARES, Judá Jessé de Bragança.”Comentários ao artigo 136 do Eca”. In: CURY, Munir (org). Estatuto daCriança e do Adolescente comentado;p-455. [87] Idem, p-461. [88] KAMINSKI, André Karst.O Conselho Tutelar, a Criança e o Ato Infracional:Proteção ou Punição?, p-104. [89] SOUZA, Etelma T. de. A atuação do conselho tutelar no sistema de garantia dos direitos.Disponível em<www.defensoria.org.br> Acesso em 25 abril 2009 20:23:02. [90] A partir de agora será utilizado as siglas MP, para definir Ministério Público e JIJ,para definir Juizado da Infância e Juventude. [91] Senso 2008. [92] VIANA, Luciana de Oliveira. Crianças e adolescentes em situação de risco noseio familiar à luz do ECA . Disponível < www.jurisway.org.br > acesso em 21 maio 2009 10:15:09. [93] a partir de agora será utilizado a sigla DPFpara definir Destituição do Poder Familiar. [94] SOUZA, Etelma T. de. 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A ação competente do conselho Tutelar perspectiva para o novo século.A Potencialidade da competência nas estruturas emergentes.Osurgimento do conselho tutelar; in Conselho Tutelar-Gênese,dinâmica e Têndências, p-158.