revista 2016 / dezembro

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BOLSA MEDALHA: R$ 1 BILHãO é SUFICIENTE PARA O BRASIL VIRAR POTêNCIA OLíMPICA? www.istoe2016.com.br VENDA PROIBIDA – EXEMPLAR DE DISTRIBUIÇãO GRATUITA E PARTE INTEGRANTE DA REVISTA ISTOé YANE MARQUES, PRIMEIRA BRASILEIRA A GANHAR MEDALHA NO PENTATLO MODERNO 7 8 9 8 2 6 4 5 8 0 8 1 8 0 3 0 0 0 7 8 9 8 2 6 4 5 8 0 8 1 8 9 2 0 0 0 7 8 9 8 2 6 4 5 8 0 8 1 8 8 2 0 0 0 7 8 9 8 2 6 4 5 8 0 8 1 8 7 2 0 0 0 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 Edição 27 | Ano 3 > ATLETAS OLÍMPICOS ARTHUR ZANETTI GINáSTICA SARAH MENEZES JUDô > ATLETAS PARAOLÍMPICOS DANIEL DIAS NATAçãO TEREZINHA GUILHERMINA ATLETISMO > TÉCNICO JOSé ROBERTO GUIMARãES VôLEI > REVELAÇÕES ESQUIVA FALCãO BOXE YANE MARQUES PENTATLO MODERNO > PROMESSAS PARA 2016 FLáVIA GOMES JUDô SERGIO SASAKI GINáSTICA OS VENCEDORES DO ANO VOTAÇÃO NACIONAL ORGANIZADA PELA 2016 ESCOLHE OS DESTAQUES DO PAÍS EM 2012. CONHEÇA A TRAJETÓRIA DE CADA UM DOS ELEITOS E DESCUBRA POR QUE ELES FIZERAM A DIFERENÇA EXCLUSIVO MARI, DO VôLEI: "NãO PRECISO DO Zé ROBERTO"

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Revista 2016 / Dezembro

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bolsa medalha: R$ 1 bilhão é suficiente paRa o bRasil viRaR potência olímpica?

www.istoe2016.com.br venDa pRoibiDa – eXemplaR De DistRibuiÇão GRatuita e paRte inteGRante Da Revista istoé

yane marques,primeira brasileira a ganhar medalha no pentatlo moderno

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novembRo/DezembRo 2012 edição 27 | ano 3

> atletas olímpicos arthur zanetti ginástica sarah menezes judô

> atletas paraolímpicos daniel dias natação terezinha guilhermina atletismo

> técnico josé roberto guimarães vôlei

> revelações esquiva falcão boxe yane marques pentatlo moderno

> promessas para 2016 flávia gomes judô sergio sasaki ginástica

os vencedores do ano

votação nacional organizada pela 2016 escolhe os destaques do país em 2012. conheça a trajetória de cada um dos eleitos e descubra por que eles fizeram a diferença

exclusivo mari, do vôlei:

"não preciso do zé roberto"

Page 2: Revista 2016 / Dezembro

expediente

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novembro 2012 | istoé 2016

diretor editorialCarlos José Marques

diretor editorial-adjunto luiz Fernando sá

diretor de redação aMauri segalla

editor luCas Bessel

editor de arte pedro Matallo

editor-executivo de fotografia Cesar itiBerê

editor de fotografia Max gpinto

editor e diretor reSPonSÁveldoMingo alzugaray

editoraCátia alzugaray

PreSidente-executivoCaCo alzugaray

ricardo van steen (colaborou Bruno pugens)Projeto grÁfico

gerente induStrial: Fernando rodrigues coordenador grÁfico: ivanete gomesServiçoS grÁficoS

diretor: gregorio frança SecretÁria-aSSiStente: yezenia palma coordenador grÁfico: Marcelo Buzzo aSSiStente: luiz Massa aSSiStente

jr.: paulo sérgio duarte auxiliar: aline lima coordenadora de logíStica e diStribuição de aSSinaturaS: Vanessa Mira aSSiStenteS: denys Ferreira, Karina pereira e regina Maria oPeraçõeS laPa: paulo paulino

coordenador: Jorge Burgati analiSta: Cleiton gonçalves aSSiStente Sênior: thiago Macedo aSSiStente: Bruna pinheiroauxiliar: Caio Carvalho atendimento ao leitor e vendaS Pela internet: dayane aguiar

oPeraçõeS

coordenadora: Vanessa Mira coordenadora-aSSiStente: regina Maria aSSiStenteS: denys Ferreira, Karina pereira e ricardo souzalogíStica e diStribuição de aSSinaturaS

diretor: rui Miguel gerenteS: debora Huzian e Wanderley Klinger redator: thiago zanetin diretor de arte: toni oliveira aSSiStente de marketing: Marciana Martins e Marina Caroline arraes

marketing

diretor: edgardo a. zabala diretor de vendaS PeSSoaiS: Wanderlei quirino SuPerviSora de vendaS: rosana paal diretor de telemarketing: anderson lima gerente de atendimento ao aSSinante: elaine Basílio gerente de trade marketing: Jake neto gerente de Planejamento e oPeraçõeS: reginaldo Marques gerente de oPeraçõeS e aSSinaturaS: Carlos eduardo panhoni gerente de telemarketing: renata andrea gerente de call center: ana Cristina teen gerente de ProjetoS eSPeciaiS: patricia santana central de atendimento ao aSSinante: (11) 3618-4566. De 2ª a 6ª-feira Das 9h às 20h30 outraS caPitaiS:

4002-7334 demaiS localidadeS: 0800-7750098

aSSinaturaS

diretor nacional: José Bello souza Francisco diretor de Publicidade: Maurício arbex SecretÁria da diretoria de Publicidade: regina oliveira gerenteS-executivoS: eduardo nogueira, érika Fonseca, Fabiana Fernandes, Katia Bertoli e luiz sergio siqueira executivoS de Publicidade: priscila Brisquiliari e rita Cintra aSSiStenteS de Publicidade: Valéria esbano coordenadora adm. de Publicidade: Maria da silva aSSiStente adm. de Publicidade: daniela sousa gerente de coordenação: alda Maria reis coordenadoreS: gil berto di santo Filho e rose dias contato: [email protected] rJ/rio de Janeiro: diretor de Publicidade: expedito grossi. gerenteS executivaS: adriana Bouchardet, arminda Barone e silvia Maria Costa. coordenadora de Publicidade: dilse dumar. Fones: (21) 2107-6667. Fax: (21) 2107-6669 dF/BrasÍlia: gerente: Marcelo strufaldi. Fone: (61) 3223-1205/3223-1207. Fax: (61) 3223-7732. sp/CaMpinas: Mário estellita - lugino assessoria de Mkt e publicidade ltda. Fone/Fax: (19) 3579-6800 sp/ribeirão preto: andréa gebin–parlare Comunicação integrada av independência, 3201 -piso superior-sala 8 Fone: (16) 3236-0016/8144-1155 Mg/Belo Horizonte: Célia Maria de oliveira – 1ª página publicidade ltda. Fone/Fax: (31) 3291-6751 pr/CuritiBa: Maria Marta graco – M2C representações publicitárias. Fo ne/Fax: (41) 3223-0060 rs/porto alegre: roberto gianoni – rr gianoni Comércio & representações ltda. Fo ne/Fax: (51) 3388-7712 pe/reCiFe: abérides nicéias – nova representações ltda. Fone/Fax: (81) 3227-3433 Ba/salVador: ipojucã Cabral – Verbo Comunicação empresarial & Marketing ltda. Fone/Fax: (71) 3347-2032 sC/FlorianÓpolis: paulo Velloso – Comtato negócios ltda. Fone/Fax: (48) 3224-0044 es/Vila VelHa: didimo Benedito – dicape representações e serviços ltda – Fone/Fax: (27) 3229-1986 se/araCaJu: pedro amarante – gabinete de Mídia – Fone/Fax: (79) 3246-4139/9978-8962 – international sales: gsF representações - gilmar de souza Faria - [email protected] - (11) 9163-3062 - r.França pinto, 1.048 - Vl Mariana – 04016-004 – são paulo-sp

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aPoio adminiStrativo

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texto: adalberto leister Filho, Bruna narcizo, danielle sanches, denis Maciel, dirley Fernandes, edson Franco, emiliano Capozoli, Flávia ribeiro, giacomo leone neto, João loes, José ricardo Campos, Juliana tiraboschi, larissa Veloso, Marco zanni, pedro Marcondes de Moura, rachel Costa, raphael simões, renata Valério de Mesquita, ronaldo Bressane, tom Cardoso Fotos: Caio guatelli, Marcio scavone, pedro Kirilos, rodrigo Castro, stefano Martini, teco Barbero ilustraÇÃo oliver quinto

coPy-deSk e reviSão giacomo leone neto, lourdes Maria a. rivera, Mario garrone Jr., neuza oliveira de paula e saulo alencastre

2016 é uma publicação bimestral da três editorial ltda. redação e administração: rua William speers, 1.088, são paulo-sp, Cep: 05067-900. Fone: (11) 3618-4200 – Fax da redação: (11) 3618-4324. são paulo-sp. sucursal no rio de Janeiro: av. almirante Barroso, 63, sala 1510 Fone: (21) 2107-6650 – Fax (21) 2107-6661. sucursal em Brasília: sCs, quadra 2, Bloco d, edifício oscar niemeyer, sala 201 a 203. Fones: (61) 3321-1212 – Fax (61) 3225-4062. 2016 não se res pon sabiliza por conceitos emitidos nos artigos assinados. Comerciali zação: três Comércio de publicações ltda. rua William speers, 1.212, são paulo-sp distribuição exclusiva em bancas para todo o Brasil: FC Comercial e distribuidora s.a. rua dr. Kenkiti shimomoto, 1678, sala a, osasco-sp. Fone: (11) 3789-1623 iMpressÃo: log & print gráfica e logística s.a. rua Joana Foresto storani, 676, distrito industrial, Vinhedo/sp. Cep: 13.280-000.

venda avulSa

coordenadora: simone F. gadini aSSiStenteS: ariadne pereira, Marília trindade e regiane Valente 3pro diretor de arte: Victor s. Forjaz redator: Bruno Módoloredatora: Marianne Bechara Publicidade online: gerente: Michele gonzaga

Page 3: Revista 2016 / Dezembro
Page 4: Revista 2016 / Dezembro

S e r g i o S a s a k i > p r o m e s s a m a s c u l i n a p a r a 2 0 1 6

os melhores

do esporte

brasileiro

35

novembro 2012 | istoé 2016

prêmio

A primeira edição do prêmio Os Melhores do Esporte Brasileiro,

promovido pela 2016, não ocorre em ano de Olimpíada por acaso. A maior fest

a do esporte mundial,

dessa vez realizada em Londres, confirmou talentos, fez

emergir promessas e alterou velhas convicções.

Muitos dos personagens que brilharam na Inglaterra estão nas páginas a seguir. Eles foram escolhidos

como os principais destaques do País em 2012, em nove categorias diferentes, por um júri form

ado por

presidentes de confederações, jornalistas especializados e profissionais de renome ligados à área esportiva.

Conheça a seguir a trajetória de brasileiros – seis atletas, dois para-atletas e um técnico – que estão

construindo uma nova era do esporte nacional e saiba por que eles fizeram a diferença.

fotos marcio scavone

Fotos Frederic Jean (Esquiva Falcão) e Pedro Dias (Sarah Menezes)

Stylist Lucio da FonsecaMake Rômulo Flores e Diego Quirino

Page 5: Revista 2016 / Dezembro

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os melhores

do esporte

brasileiro

35

novembro 2012 | istoé 2016

prêmio

A primeira edição do prêmio Os Melhores do Esporte Brasileiro,

promovido pela 2016, não ocorre em ano de Olimpíada por acaso. A maior fest

a do esporte mundial,

dessa vez realizada em Londres, confirmou talentos, fez

emergir promessas e alterou velhas convicções.

Muitos dos personagens que brilharam na Inglaterra estão nas páginas a seguir. Eles foram escolhidos

como os principais destaques do País em 2012, em nove categorias diferentes, por um júri form

ado por

presidentes de confederações, jornalistas especializados e profissionais de renome ligados à área esportiva.

Conheça a seguir a trajetória de brasileiros – seis atletas, dois para-atletas e um técnico – que estão

construindo uma nova era do esporte nacional e saiba por que eles fizeram a diferença.

fotos marcio scavone

Fotos Frederic Jean (Esquiva Falcão) e Pedro Dias (Sarah Menezes)

Stylist Lucio da FonsecaMake Rômulo Flores e Diego Quirino

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Y a n e M a r q u e s > r e v e l a ç ã o f e m i n i n a d o a n o T e r e z i n h a G u i l h e r m i n a > a p a r a - a t l e t a d o a n o

prêmio

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Y a n e M a r q u e s > r e v e l a ç ã o f e m i n i n a d o a n o T e r e z i n h a G u i l h e r m i n a > a p a r a - a t l e t a d o a n o

prêmio

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J o s é R o b e r t o G u i m a r ã e s > t é c n i c o d o a n oA r t h u r Z a n e t t i > o a t l e t a d o a n o

prêmio

Page 9: Revista 2016 / Dezembro

J o s é R o b e r t o G u i m a r ã e s > t é c n i c o d o a n oA r t h u r Z a n e t t i > o a t l e t a d o a n o

prêmio

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prêmio

Foto: Frederic Jean/Ag. IstoÉ

Page 11: Revista 2016 / Dezembro

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prêmio

Foto: Frederic Jean/Ag. IstoÉ

Page 12: Revista 2016 / Dezembro

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prêmio

Foto: Pedro Dias/Ag. IstoÉFoto: Teco Barbera

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prêmio

Foto: Pedro Dias/Ag. IstoÉFoto: Teco Barbera

Page 14: Revista 2016 / Dezembro

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salto de qualidade Mais do que uMa surpresaCoMo SErgio SaSaki tranSForMou aS dErrotaS EM SériE

E a raiva quE tinha do ESportE EM EStíMuloS quE o lEvaraM

a SE tornar o ginaSta MaiS CoMplEto do BraSil

YanE MarquES ChEgou a londrES CoMo uM noME dESConhECido dE uM ESportE

pouCo popular, o pEntatlo ModErno. voltou CoMo a Maior rEvElação FEMinina

do BraSil EM 2012 E planEja paSSoS ainda MaiS largoS

PoR mAIs Que ARThuR ZAneTTI tenha conquistado o ouro em Londres (nas argo-las) e que Diego Hypólito colecione vitórias (nos exercícios de solo) em etapas da Copa do Mundo, o ginasta mais completo do País é mesmo o paulista Sergio Sasaki. Basta dar uma olhada nos resultados finais da Olim-píada para confirmar essa impressão. Aos 20 anos, Sasaki terminou as finais individuais gerais, que exigem do atleta exibições em seis aparelhos diferentes, em décimo lugar. Embora distante do pódio, Sasaki alcançou, nessa modalidade de disputa, a melhor classificação de um brasileiro na história dos Jogos. Não é pouca coisa. Agora, é uma das principais apostas do País para 2016.

Quando embarcou a Londres para a sua primeira Olimpíada, o atleta nascido em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, sabia que faturar uma medalha estava fora dos planos. Uma série de lesões o havia obrigado a fazer uma cirurgia no pé e, em razão da recuperação demorada, teve que diminuir a intensidade dos treinos. Os exer-cícios mais fortes de salto e solo, modalida-des nas quais ele tinha grandes chances de ser finalista, foram evitados e a prioridade foi desenvolver séries que lhe permitissem boas pontuações em todos os aparelhos, para competir no individual. “O Sergio tem essa peculiaridade: ele pode não estar cem por

“eLA vAI A LonDRes PARA BuscAR A meDALhA que pode mudar sua vida e surpreender seu próprio País.” Foi assim que, dois meses antes da Olimpíada, a edição número 30 da 2016 apresentou Yane Marques, a pernambu-cana que fez história ao trazer para casa a primeira medalha olímpica do Brasil no pentatlo moderno. O suado bronze chegou às mãos de uma atleta desco-nhecida e adepta de uma modalidade menos conhecida ainda. Jogar esgrima, nadar, montar a cavalo, correr e atirar. Tudo no mesmo dia, numa sequência que massacra o físico e o psicológico. Yane foi a única brasileira a se classificar para Londres nesse esporte, inspirado nas habilidades que eram exigidas dos soldados de cavalaria do século XIX. Embora a terceira colocação tenha, de fato, surpreendido o Brasil, a esportista de 28 anos não chegou lá por acaso. Antes da Olimpíada, ela estava sempre no top 10 do ranking mundial da União Internacional de Pentatlo Moderno. Hoje, ocupa a segunda colocação, atrás da lituana Laura Asadauskaite, que levou o ouro na terra da rainha.

No Recife (PE), onde mora, Yane foi recebida em carro aberto após a Olimpíada. Sua rotina, no entanto, passa

cento, mas, na hora da competição, sempre se apresenta muito bem”, diz Renato Araú-jo, treinador que acompanha o ginasta desde a sua ida para o Flamengo, no início de 2011.

Durante muito tempo, a relação de Sasaki com a ginástica tendia mais ao ódio do que ao amor. Na primeira vez em que entrou em um centro de treinamento, aos 7 anos, não teve dúvidas: pediu imediatamente à mãe para voltar ao futebol. “A ginástica é dolorosa”, diz. “Foi difícil me acostumar com isso. Eu não gostava.” Mais novo de uma família de três irmãos, todos homens, Sasaki trocou por acaso os gramados e as quadras pelos aparelhos de ginástica. Um dia estava na escola, virando “estrela” no pátio, quando foi descoberto por um técnico do Mesc, tradicional clube de São Bernardo. Foi convidado a conhecer a agremiação e fazer alguns testes. Não passou nas provas, mas continuou treinan-do por concessão de um dos técnicos, que enxergou potencial no garoto.

“No começo, ele sempre falou que ia parar com a ginástica”, diz o pai do atleta, também chamado Sérgio Sasaki. “Quem o segurou no esporte foi a família.” O ginasta mais completo do Brasil explica por que demorou para engrenar: “Eu era bagunceiro e gordinho, não gostava de treinar.” A virada, diz, veio em 2003,

longe daquela vivida pelas estrelas do futebol. “Se é para marcar essa foto aí, só posso na quarta-feira, que é o único dia em que não tenho aula”, avisou ela sobre o ensaio de capa realizado em São Paulo. Estudante de educação física, a esportista luta para conseguir se formar. Atualmente, encara até um estágio não remunerado na academia onde malha – requisito obrigatório do curso para obter o diploma. A medalha também não trouxe, ao menos por enquanto, patroci-nadores. A atleta, que sobrevive do soldo de R$ 3 mil do Exército – ela é terceiro-sargento – e da Bolsa Atleta do governo federal, que paga quantia similar, não conta com nenhum aporte de dinheiro privado. “Não consigo entender essa dificuldade de conseguir patrocínio”, afirma ela, que se diz “triste, chateada e magoada” com a situação. A compensação pode estar prestes a chegar. Yane é uma das brasileiras que podem se candidatar ao chamado Brasil Medalhas 2016, programa que vai distribuir R$ 1 bilhão para esportistas de ponta com o objetivo de turbinar o esporte do País para a Olimpíada do Rio. Se for aprovada, ela poderá receber até R$ 15 mil de salário, além de verba para técnicos e equipe de apoio (leia reportagem na página 78).

na Guatemala, quando voltou para casa de mãos abanando enquanto todos os outros atletas brasileiros tinham alguma conquista para comemorar. “Foi então que pensei que não queria mais perder”, diz Sasaki. Com rara força de vontade, o ginasta conseguiu reverter o momento ruim em oportunidade. Seus colegas mais destacados já haviam sido chamados para treinar em outras cidades, abandonando o clube de São Bernardo. Da sua geração, só ele continuava. Em vez de desanimar, Sasaki resolveu tirar proveito da situação: com menos companheiros de equipe, con-seguiu mais atenção dos treinadores. Foi o início da história de sucesso do ginasta.

À mesma época, se desenrolava outro capítulo de sua vida: a relação com a tam-bém atleta da equipe brasileira de ginás-tica, a carioca Bruna Leal. “A gente se via sempre nas competições”, diz Sasaki. “Ela era do Flamengo, eu do Mesc. Mas foi em um torneio em Cuba, em 2003, que a gente começou a sentir alguma coisa um pelo outro.” Foram necessários vários movimentos de argola, saltos e afins até o primeiro beijo do casal, em um campeonato brasileiro, em 2008. O interesse pela companheira de ginásti-ca acabou também servindo como incen-tivo para o atleta nas provas. “Não queria fazer feio perto dela”, diz o finalista olím-pico. “Queria sempre competir bem para mostrar que eu era bom de verdade.”

Além da atenção da namorada, Sasaki hoje carrega um inusitado amuleto para as provas. Desde 2009, durante uma tempo-rada de competições na Alemanha, em sua mala fica guardada sempre a mesma cueca, peça à qual o ginasta atribui muitas de suas conquistas. “Comprei a cueca e fui treinar”, conta. “Naquele dia, fiz um treino muito bom, aprendi muitos elementos novos e re-solvi guardá-la para as provas.” As medalhas nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, na Copa do Mundo de Doha, no Troféu Brasil e no Aberto de Ginástica do México estão na conta, garante Sasaki, da tal “cueca da sorte”. Que ela resista até 2016.

É difícil pensar em uma atleta brasileira que seja mais merecedora de semelhante apoio. Filha de pais humil-des, natural de Afogados da Ingazeira – cidade de 35 mil habitantes na caatinga pernambucana –, Yane é uma guerreira solitária que, em um país sem qualquer tradição no pentatlo moderno, consegue disputar em pé de igualdade com a elite do esporte. Ela é a elite. “Apesar de já ter evoluído de maneira excepcional, a Yane sempre busca aperfeiçoamento”, diz Hé-lio Meirelles, presidente da Confedera-ção Brasileira de Pentatlo Moderno. Essa capacidade evolutiva pôde ser conferida em todos os detalhes na Olimpíada de Londres. Na esgrima, a primeira prova, em que todos jogam contra todos, ela conseguiu um excepcional sexto lugar. Na disputa seguinte, nos 200 metros da natação, a pernambucana fez a sua melhor marca pessoal e passou à segunda colocação geral. Com o nono lugar na prova de equitação, ela chegou ao evento combinado, que reúne corrida e tiro, na primeira posição, mas acabou ultrapas-sada por duas adversárias nas corridas de mil metros. Yane não tem medo de admitir que a corrida é seu ponto fraco: “Na época em que comecei, eu dizia que não sabia correr, não queria correr”, diz.

Por Rachel Costa Por Lucas Bessel

Fotos: Thomas Coex/Getty | John Macdougall/Getty

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salto de qualidade Mais do que uMa surpresaCoMo SErgio SaSaki tranSForMou aS dErrotaS EM SériE

E a raiva quE tinha do ESportE EM EStíMuloS quE o lEvaraM

a SE tornar o ginaSta MaiS CoMplEto do BraSil

YanE MarquES ChEgou a londrES CoMo uM noME dESConhECido dE uM ESportE

pouCo popular, o pEntatlo ModErno. voltou CoMo a Maior rEvElação FEMinina

do BraSil EM 2012 E planEja paSSoS ainda MaiS largoS

PoR mAIs Que ARThuR ZAneTTI tenha conquistado o ouro em Londres (nas argo-las) e que Diego Hypólito colecione vitórias (nos exercícios de solo) em etapas da Copa do Mundo, o ginasta mais completo do País é mesmo o paulista Sergio Sasaki. Basta dar uma olhada nos resultados finais da Olim-píada para confirmar essa impressão. Aos 20 anos, Sasaki terminou as finais individuais gerais, que exigem do atleta exibições em seis aparelhos diferentes, em décimo lugar. Embora distante do pódio, Sasaki alcançou, nessa modalidade de disputa, a melhor classificação de um brasileiro na história dos Jogos. Não é pouca coisa. Agora, é uma das principais apostas do País para 2016.

Quando embarcou a Londres para a sua primeira Olimpíada, o atleta nascido em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, sabia que faturar uma medalha estava fora dos planos. Uma série de lesões o havia obrigado a fazer uma cirurgia no pé e, em razão da recuperação demorada, teve que diminuir a intensidade dos treinos. Os exer-cícios mais fortes de salto e solo, modalida-des nas quais ele tinha grandes chances de ser finalista, foram evitados e a prioridade foi desenvolver séries que lhe permitissem boas pontuações em todos os aparelhos, para competir no individual. “O Sergio tem essa peculiaridade: ele pode não estar cem por

“eLA vAI A LonDRes PARA BuscAR A meDALhA que pode mudar sua vida e surpreender seu próprio País.” Foi assim que, dois meses antes da Olimpíada, a edição número 30 da 2016 apresentou Yane Marques, a pernambu-cana que fez história ao trazer para casa a primeira medalha olímpica do Brasil no pentatlo moderno. O suado bronze chegou às mãos de uma atleta desco-nhecida e adepta de uma modalidade menos conhecida ainda. Jogar esgrima, nadar, montar a cavalo, correr e atirar. Tudo no mesmo dia, numa sequência que massacra o físico e o psicológico. Yane foi a única brasileira a se classificar para Londres nesse esporte, inspirado nas habilidades que eram exigidas dos soldados de cavalaria do século XIX. Embora a terceira colocação tenha, de fato, surpreendido o Brasil, a esportista de 28 anos não chegou lá por acaso. Antes da Olimpíada, ela estava sempre no top 10 do ranking mundial da União Internacional de Pentatlo Moderno. Hoje, ocupa a segunda colocação, atrás da lituana Laura Asadauskaite, que levou o ouro na terra da rainha.

No Recife (PE), onde mora, Yane foi recebida em carro aberto após a Olimpíada. Sua rotina, no entanto, passa

cento, mas, na hora da competição, sempre se apresenta muito bem”, diz Renato Araú-jo, treinador que acompanha o ginasta desde a sua ida para o Flamengo, no início de 2011.

Durante muito tempo, a relação de Sasaki com a ginástica tendia mais ao ódio do que ao amor. Na primeira vez em que entrou em um centro de treinamento, aos 7 anos, não teve dúvidas: pediu imediatamente à mãe para voltar ao futebol. “A ginástica é dolorosa”, diz. “Foi difícil me acostumar com isso. Eu não gostava.” Mais novo de uma família de três irmãos, todos homens, Sasaki trocou por acaso os gramados e as quadras pelos aparelhos de ginástica. Um dia estava na escola, virando “estrela” no pátio, quando foi descoberto por um técnico do Mesc, tradicional clube de São Bernardo. Foi convidado a conhecer a agremiação e fazer alguns testes. Não passou nas provas, mas continuou treinan-do por concessão de um dos técnicos, que enxergou potencial no garoto.

“No começo, ele sempre falou que ia parar com a ginástica”, diz o pai do atleta, também chamado Sérgio Sasaki. “Quem o segurou no esporte foi a família.” O ginasta mais completo do Brasil explica por que demorou para engrenar: “Eu era bagunceiro e gordinho, não gostava de treinar.” A virada, diz, veio em 2003,

longe daquela vivida pelas estrelas do futebol. “Se é para marcar essa foto aí, só posso na quarta-feira, que é o único dia em que não tenho aula”, avisou ela sobre o ensaio de capa realizado em São Paulo. Estudante de educação física, a esportista luta para conseguir se formar. Atualmente, encara até um estágio não remunerado na academia onde malha – requisito obrigatório do curso para obter o diploma. A medalha também não trouxe, ao menos por enquanto, patroci-nadores. A atleta, que sobrevive do soldo de R$ 3 mil do Exército – ela é terceiro-sargento – e da Bolsa Atleta do governo federal, que paga quantia similar, não conta com nenhum aporte de dinheiro privado. “Não consigo entender essa dificuldade de conseguir patrocínio”, afirma ela, que se diz “triste, chateada e magoada” com a situação. A compensação pode estar prestes a chegar. Yane é uma das brasileiras que podem se candidatar ao chamado Brasil Medalhas 2016, programa que vai distribuir R$ 1 bilhão para esportistas de ponta com o objetivo de turbinar o esporte do País para a Olimpíada do Rio. Se for aprovada, ela poderá receber até R$ 15 mil de salário, além de verba para técnicos e equipe de apoio (leia reportagem na página 78).

na Guatemala, quando voltou para casa de mãos abanando enquanto todos os outros atletas brasileiros tinham alguma conquista para comemorar. “Foi então que pensei que não queria mais perder”, diz Sasaki. Com rara força de vontade, o ginasta conseguiu reverter o momento ruim em oportunidade. Seus colegas mais destacados já haviam sido chamados para treinar em outras cidades, abandonando o clube de São Bernardo. Da sua geração, só ele continuava. Em vez de desanimar, Sasaki resolveu tirar proveito da situação: com menos companheiros de equipe, con-seguiu mais atenção dos treinadores. Foi o início da história de sucesso do ginasta.

À mesma época, se desenrolava outro capítulo de sua vida: a relação com a tam-bém atleta da equipe brasileira de ginás-tica, a carioca Bruna Leal. “A gente se via sempre nas competições”, diz Sasaki. “Ela era do Flamengo, eu do Mesc. Mas foi em um torneio em Cuba, em 2003, que a gente começou a sentir alguma coisa um pelo outro.” Foram necessários vários movimentos de argola, saltos e afins até o primeiro beijo do casal, em um campeonato brasileiro, em 2008. O interesse pela companheira de ginásti-ca acabou também servindo como incen-tivo para o atleta nas provas. “Não queria fazer feio perto dela”, diz o finalista olím-pico. “Queria sempre competir bem para mostrar que eu era bom de verdade.”

Além da atenção da namorada, Sasaki hoje carrega um inusitado amuleto para as provas. Desde 2009, durante uma tempo-rada de competições na Alemanha, em sua mala fica guardada sempre a mesma cueca, peça à qual o ginasta atribui muitas de suas conquistas. “Comprei a cueca e fui treinar”, conta. “Naquele dia, fiz um treino muito bom, aprendi muitos elementos novos e re-solvi guardá-la para as provas.” As medalhas nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, na Copa do Mundo de Doha, no Troféu Brasil e no Aberto de Ginástica do México estão na conta, garante Sasaki, da tal “cueca da sorte”. Que ela resista até 2016.

É difícil pensar em uma atleta brasileira que seja mais merecedora de semelhante apoio. Filha de pais humil-des, natural de Afogados da Ingazeira – cidade de 35 mil habitantes na caatinga pernambucana –, Yane é uma guerreira solitária que, em um país sem qualquer tradição no pentatlo moderno, consegue disputar em pé de igualdade com a elite do esporte. Ela é a elite. “Apesar de já ter evoluído de maneira excepcional, a Yane sempre busca aperfeiçoamento”, diz Hé-lio Meirelles, presidente da Confedera-ção Brasileira de Pentatlo Moderno. Essa capacidade evolutiva pôde ser conferida em todos os detalhes na Olimpíada de Londres. Na esgrima, a primeira prova, em que todos jogam contra todos, ela conseguiu um excepcional sexto lugar. Na disputa seguinte, nos 200 metros da natação, a pernambucana fez a sua melhor marca pessoal e passou à segunda colocação geral. Com o nono lugar na prova de equitação, ela chegou ao evento combinado, que reúne corrida e tiro, na primeira posição, mas acabou ultrapas-sada por duas adversárias nas corridas de mil metros. Yane não tem medo de admitir que a corrida é seu ponto fraco: “Na época em que comecei, eu dizia que não sabia correr, não queria correr”, diz.

Por Rachel Costa Por Lucas Bessel

Fotos: Thomas Coex/Getty | John Macdougall/Getty

Page 16: Revista 2016 / Dezembro

vwvTe r e z i n h a G u i l h e r m i na > pa r a - at le ta fe m i n i n a do a no

À prova deobstáculosCriada EntrE quatro irMãoS CoM dEFiCiênCia viSual,

a vEloCiSta tErEzinha guilhErMina dEixou a inFânCia

poBrE para vivEr o Sonho dE SEr rECordiSta Mundial

não se vê TRIsTeZA ou inconformismo nas declarações da deficiente visual mais rápida do mundo. Sentada no sofá de um apartamento de classe média de São Cae-tano do Sul (SP), Terezinha Guilhermina transformou percalços quase inacreditá-veis em oportunidades que a levaram a se tornar uma das atletas mais completas do País. Destaque da Paraolimpíada de 2012, ela voltou de Londres com duas medalhas de ouro, um recorde mundial e a certeza de ter alcançado a melhor performance da carreira – por todas essas conquistas, foi eleita a para-atleta do ano.

Terezinha tem retinose pigmen-tar, doença que impede que o olho processe a luz adequadamente. Ela só foi descobrir que a visão não era normal quando entrou na escola, aos 7 anos. “Como eu vivia com meus irmãos, que eram iguais a mim, achava que era assim que todo mundo enxergava”, diz. “Eu corria, brincava, caía algumas vezes, mas achava tudo aquilo natural.” Filha de uma lavadeira e de um faxi-neiro, que moravam em Betim (MG), a atleta tem 11 irmãos, dos quais quatro possuem a mesma doença, em decor-rência do parentesco dos pais, que eram primos. Quando tinha 9 anos, a vida de Terezinha, que não era fácil, ficou mais

complicada: ela perdeu a mãe, vítima de um AVC.

A origem humilde e a falta de conheci-mento sobre a doença fizeram com que a atleta só fosse diagnosticada aos 16 anos. Antes do exame conclusivo, professores e médicos insistiam em que a menina usasse óculos para corrigir os 18 graus de miopia. Foi na adolescência, durante uma consulta na Santa Casa de Belo Horizonte, que ela descobriu que tinha menos de 5% de visão. Foi também nesse dia que Terezinha ouviu pela primeira vez o termo “deficiente visual” ser associado à sua pessoa. “Foram todas aquelas infor-mações detonadoras ao mesmo tempo”, lembra a velocista. “Eu fiquei espantada, mas não me revoltei. Fui a primeira dos meus irmãos a usar bengala e a aceitar ser chamada de deficiente visual.”

Foi nessa época que o esporte surgiu. Terezinha se inscreveu em um programa da Prefeitura de Betim que promovia atividades físicas para pessoas com algum tipo de deficiência. “No início, decidi fazer natação, mas apenas porque eu tinha um maiô”, diz. “O que eu queria mesmo era praticar atletismo, mas não tinha tênis para usar. Foi aí que minha irmã, que era faxineira, me deu o único que ela possuía.” Logo, o treinador percebeu o

potencial de Terezinha e recomendou que ela procurasse outros centros de para-atletismo na capital mineira. O talento era evidente. Aos 23 anos, em sua primeira competição oficial – uma disputa regional em Joinville, em Santa Catarina –, conquistou o ouro nas provas de 100 e 200 metros. Foi aí que a atleta começou a se dedicar ao máximo nos treinos, a ponto de começar a sofrer de dores na canela. O resultado foram sessões de fisioterapia e a recomendação de afastamento das pistas por um tempo, conselho que foi ignorado. “Eu ia treinar escondida”, diz Terezinha. “Para não colidir com ninguém, precisava que a pista estivesse totalmente vazia, o que nem sempre aconte-cia. Cheguei a ser derrubada por um ciclista, que perguntou se eu era doida. Respondi que eu era cega mesmo.”

Em 2006, teve início a peregrinação em busca de um atleta que pudesse acompanhar Terezinha durante as provas do Parapan-Americano do Rio. Vários profissionais foram descartados até ela encontrar Guilherme Santana. Apesar de nunca ter corrido como guia, ele aceitou fazer um teste. “Para mim, foi a melhor sensação do mundo”, diz Terezinha. “Pa-recia que éramos parceiros de corrida há anos.” Foi com Guilherme e com o trei-nador Amauri Veríssimo que ela obteve os melhores resultados. Mas nem tudo foi perfeito. Durante a final dos 400 metros em Londres, o guia sentiu uma fisgada e caiu. Em solidariedade, Terezinha se atirou no chão. “Mesmo se eu conseguis-se terminar a prova sozinha, não iria sem ele”, diz. A decepção foi recompensada nas provas dos 100 e 200 metros, com o duplo ouro. Mesmo tendo atingido o ponto mais alto da carreira, ela diz que pretende correr em 2016, quando terá 38 anos. O que a motiva? “Estou devendo um ouro na prova dos 400 metros.” Até lá, pretende terminar a graduação em psicologia e casar com o noivo, o para- atleta alemão Matthias Schmidt. E depois de 2016? “Quero ser mãe.”

Por Larissa Veloso

É justamente por ter onde evoluir que Yane pode dar passos ainda mais importantes em direção ao topo. “Vou continuar a treinar e a me dedicar até 2016 e, quem sabe, até 2020”, diz ela, deixando claro que estar na Olimpíada do Rio de Janeiro é uma de suas priori-dades. O bronze, não nega, foi um so-nho realizado: “Toda a dedicação dessa temporada valeu a pena”, afirmou, ainda com a medalha no peito. “Tudo o que eu falei se concretizou.” Na verdade, Yane fez até mais do que previa. Pouco antes dos Jogos de Londres, ela proje-tava estar entre as dez atletas olímpicas mais bem posicionadas, mas admitia que seria complicado chegar ao pódio. O técnico, Alexandre França, atribui os bons resultados da esportista à sua capa-cidade de concentração: “A Yane é uma das atletas mais focadas com quem já trabalhei”, disse. “O pentatlo moderno é um esporte muito difícil, é ingrato, e qualquer erro pode custar a prova toda.”

É por isso que, nas próximas semanas – se tudo der certo, já com o diploma de educação física em mãos –, Yane vai intensificar ainda mais o ritmo de treina-mentos. Voltará à rotina de viagens entre as instalações esportivas do Recife, Rio de Janeiro e de Porto Alegre para chegar ao início da temporada, em meados de feve-reiro, em sua melhor condição física. Ao mesmo tempo, a atleta deve continuar se dedicando à missão de levar seu esporte ao conhecimento de cada vez mais gente. “Quero que Londres tenha sido a última Olimpíada em que o Brasil teve só uma atleta nessa competição”, disse logo de-pois da conquista na capital britânica. Por isso, espere vê-la rodeada de crianças e jovens em eventos de biatlo (corrida e na-tação) e pentatlo em Pernambuco, onde, aos olhos de muitos, ela é uma verdadeira heroína. Com o bronze na Olimpíada de 2012, é de se esperar que a atleta mais completa do Brasil possa deixar de lado sua identidade secreta para, com todos os méritos, receber o crédito que lhe é devi-do. Não só em casa, mas em todo o País.

prêmio

Fotos: John Macdougall/Getty | Buda Mendes/Getty

Page 17: Revista 2016 / Dezembro

vwvTe r e z i n h a G u i l h e r m i na > pa r a - at le ta fe m i n i n a do a no

À prova deobstáculosCriada EntrE quatro irMãoS CoM dEFiCiênCia viSual,

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poBrE para vivEr o Sonho dE SEr rECordiSta Mundial

não se vê TRIsTeZA ou inconformismo nas declarações da deficiente visual mais rápida do mundo. Sentada no sofá de um apartamento de classe média de São Cae-tano do Sul (SP), Terezinha Guilhermina transformou percalços quase inacreditá-veis em oportunidades que a levaram a se tornar uma das atletas mais completas do País. Destaque da Paraolimpíada de 2012, ela voltou de Londres com duas medalhas de ouro, um recorde mundial e a certeza de ter alcançado a melhor performance da carreira – por todas essas conquistas, foi eleita a para-atleta do ano.

Terezinha tem retinose pigmen-tar, doença que impede que o olho processe a luz adequadamente. Ela só foi descobrir que a visão não era normal quando entrou na escola, aos 7 anos. “Como eu vivia com meus irmãos, que eram iguais a mim, achava que era assim que todo mundo enxergava”, diz. “Eu corria, brincava, caía algumas vezes, mas achava tudo aquilo natural.” Filha de uma lavadeira e de um faxi-neiro, que moravam em Betim (MG), a atleta tem 11 irmãos, dos quais quatro possuem a mesma doença, em decor-rência do parentesco dos pais, que eram primos. Quando tinha 9 anos, a vida de Terezinha, que não era fácil, ficou mais

complicada: ela perdeu a mãe, vítima de um AVC.

A origem humilde e a falta de conheci-mento sobre a doença fizeram com que a atleta só fosse diagnosticada aos 16 anos. Antes do exame conclusivo, professores e médicos insistiam em que a menina usasse óculos para corrigir os 18 graus de miopia. Foi na adolescência, durante uma consulta na Santa Casa de Belo Horizonte, que ela descobriu que tinha menos de 5% de visão. Foi também nesse dia que Terezinha ouviu pela primeira vez o termo “deficiente visual” ser associado à sua pessoa. “Foram todas aquelas infor-mações detonadoras ao mesmo tempo”, lembra a velocista. “Eu fiquei espantada, mas não me revoltei. Fui a primeira dos meus irmãos a usar bengala e a aceitar ser chamada de deficiente visual.”

Foi nessa época que o esporte surgiu. Terezinha se inscreveu em um programa da Prefeitura de Betim que promovia atividades físicas para pessoas com algum tipo de deficiência. “No início, decidi fazer natação, mas apenas porque eu tinha um maiô”, diz. “O que eu queria mesmo era praticar atletismo, mas não tinha tênis para usar. Foi aí que minha irmã, que era faxineira, me deu o único que ela possuía.” Logo, o treinador percebeu o

potencial de Terezinha e recomendou que ela procurasse outros centros de para-atletismo na capital mineira. O talento era evidente. Aos 23 anos, em sua primeira competição oficial – uma disputa regional em Joinville, em Santa Catarina –, conquistou o ouro nas provas de 100 e 200 metros. Foi aí que a atleta começou a se dedicar ao máximo nos treinos, a ponto de começar a sofrer de dores na canela. O resultado foram sessões de fisioterapia e a recomendação de afastamento das pistas por um tempo, conselho que foi ignorado. “Eu ia treinar escondida”, diz Terezinha. “Para não colidir com ninguém, precisava que a pista estivesse totalmente vazia, o que nem sempre aconte-cia. Cheguei a ser derrubada por um ciclista, que perguntou se eu era doida. Respondi que eu era cega mesmo.”

Em 2006, teve início a peregrinação em busca de um atleta que pudesse acompanhar Terezinha durante as provas do Parapan-Americano do Rio. Vários profissionais foram descartados até ela encontrar Guilherme Santana. Apesar de nunca ter corrido como guia, ele aceitou fazer um teste. “Para mim, foi a melhor sensação do mundo”, diz Terezinha. “Pa-recia que éramos parceiros de corrida há anos.” Foi com Guilherme e com o trei-nador Amauri Veríssimo que ela obteve os melhores resultados. Mas nem tudo foi perfeito. Durante a final dos 400 metros em Londres, o guia sentiu uma fisgada e caiu. Em solidariedade, Terezinha se atirou no chão. “Mesmo se eu conseguis-se terminar a prova sozinha, não iria sem ele”, diz. A decepção foi recompensada nas provas dos 100 e 200 metros, com o duplo ouro. Mesmo tendo atingido o ponto mais alto da carreira, ela diz que pretende correr em 2016, quando terá 38 anos. O que a motiva? “Estou devendo um ouro na prova dos 400 metros.” Até lá, pretende terminar a graduação em psicologia e casar com o noivo, o para- atleta alemão Matthias Schmidt. E depois de 2016? “Quero ser mãe.”

Por Larissa Veloso

É justamente por ter onde evoluir que Yane pode dar passos ainda mais importantes em direção ao topo. “Vou continuar a treinar e a me dedicar até 2016 e, quem sabe, até 2020”, diz ela, deixando claro que estar na Olimpíada do Rio de Janeiro é uma de suas priori-dades. O bronze, não nega, foi um so-nho realizado: “Toda a dedicação dessa temporada valeu a pena”, afirmou, ainda com a medalha no peito. “Tudo o que eu falei se concretizou.” Na verdade, Yane fez até mais do que previa. Pouco antes dos Jogos de Londres, ela proje-tava estar entre as dez atletas olímpicas mais bem posicionadas, mas admitia que seria complicado chegar ao pódio. O técnico, Alexandre França, atribui os bons resultados da esportista à sua capa-cidade de concentração: “A Yane é uma das atletas mais focadas com quem já trabalhei”, disse. “O pentatlo moderno é um esporte muito difícil, é ingrato, e qualquer erro pode custar a prova toda.”

É por isso que, nas próximas semanas – se tudo der certo, já com o diploma de educação física em mãos –, Yane vai intensificar ainda mais o ritmo de treina-mentos. Voltará à rotina de viagens entre as instalações esportivas do Recife, Rio de Janeiro e de Porto Alegre para chegar ao início da temporada, em meados de feve-reiro, em sua melhor condição física. Ao mesmo tempo, a atleta deve continuar se dedicando à missão de levar seu esporte ao conhecimento de cada vez mais gente. “Quero que Londres tenha sido a última Olimpíada em que o Brasil teve só uma atleta nessa competição”, disse logo de-pois da conquista na capital britânica. Por isso, espere vê-la rodeada de crianças e jovens em eventos de biatlo (corrida e na-tação) e pentatlo em Pernambuco, onde, aos olhos de muitos, ela é uma verdadeira heroína. Com o bronze na Olimpíada de 2012, é de se esperar que a atleta mais completa do Brasil possa deixar de lado sua identidade secreta para, com todos os méritos, receber o crédito que lhe é devi-do. Não só em casa, mas em todo o País.

prêmio

Fotos: John Macdougall/Getty | Buda Mendes/Getty

Page 18: Revista 2016 / Dezembro

vv

uM Mito eM construçãoao ConquiStar o ouro EM londrES, o ginaSta arthur zanEtti Entra para a galEria doS

MaiorES hEróiS da hiStória olíMpiCa BraSilEira – MaS ElE quEr vooS ainda MaiS altoS

se Fosse PRecIso escoLheR uma única medalha como a mais emblemáti-ca do Brasil nos Jogos de Londres, essa medalha seria o ouro do paulista Arthur Zanetti, nas argolas. Ela foi a primeira do País na ginástica em toda a história olímpica. Mais do que isso: o título veio num momento em que chamar os brasileiros de “amarelões” estava se tornando corriqueiro, especialmente depois de mais uma queda de Diego Hypólito nos exercícios de solo. Zanetti quebrou esse estigma. Ele também provou que, se você tem talento, é possível vencer qualquer um, a despeito das dificuldades encontradas durante o percurso e do tamanho do desafio que está à sua frente. Em Londres, Zanetti tinha como principal adversário o ídolo chinês Yibing Chen, dono de oito títulos mundiais e que vinha de três ouros nos Jogos de Pequim, em 2008. O brasileiro ignorou tudo isso – e venceu com uma autoridade que deixou os próprios chi-neses espantados.

“É mais fácil treinar do que posar para fotos”, diz Zanetti, enquanto se prepara para a foto da 2016. Para ele, a fama ain-da é algo novo, embora merecidíssima.

Aos 22 anos, não é exagero dizer que já está entre os maiores atletas brasilei-ros de todos os tempos. Foi um longo caminho até chegar ao topo. Zanetti entrou para a ginástica por indicação do professor de educação física de sua escola, a Metodista, em São Bernardo do Campo, onde estudou entre 1995 e 2002. “Eu queria jogar futebol, mas era perna de pau”, diz. Diante do porte baixo, ágil e forte do menino, o professor Sérgio Oliveira dos Santos sugeriu que Zanetti fizesse um teste na Associação de Ginás-tica Di Thiene, que hoje funciona dentro da Sociedade Esportiva Recreativa e Cultural Santa Maria, em São Caetano. “Desde o começo, o Arthur chamou a atenção”, diz Claudia Cobo, a primeira treinadora. “Ele era bastante habilidoso, aprendia rápido e agarrava a argola com força.” O ponto fraco era a flexibilidade.

“Precisou alongar muito, mas nada que lágrimas não resolveram.”

E haja choro. Aos oito anos, Zanetti passou a contar com a orientação do técnico Marcos Goto, que o acompanha até hoje – e que não dá moleza. “Nenhum ginasta gosta de treinar flexibilidade, dói bastante, mas é necessário”, diz Goto. Para driblar a rotina exaustiva, a avó Neide Thomazzo, que sempre levava o neto ao clube, passava na padaria depois dos trei-nos para comprar bombas de chocolate, a guloseima preferida do garoto. O apoio da família foi fundamental para as conquistas de Zanetti. Além de incentivar e torcer, a mãe, Roseane, participa das atividades re-creativas da Associação Di Thiene. O pai, Archimedes, que é mecânico industrial, já construiu vários equipamentos para o clube, incluindo as argolas que o filho usou em seus treinos pré-olímpicos. É ele quem revela que, aos 16 anos, Za-netti pensou em desistir da ginástica. “É normal os meninos quererem parar quando chegam à puberdade”, diz.

A insegurança e as incertezas duraram pouco. “Na segunda semana que ficou em casa sem fazer nada, ele já estava inquieto”, diz o pai, que, então, fez um trato com o filho: se era para voltar para a ginástica, ele iria permanecer pelo menos até os 18 anos. O resultado foi melhor do que o esperado.

Em 2006, Zanetti e Goto começaram a focar os trabalhos no aparelho que rendeu o ouro olímpico. “O Arthur era muito bom no salto, mas começou a se destacar mais nas argolas”, diz o técnico. “Nós trabalha-mos com o objetivo de vencer o brasileiro de 2007.” Deu certo: o atleta levou ouro nas argolas, prata no salto e bronze no solo. Ele também subiu ao degrau mais alto do pódio no Pan-Americano Juvenil da Guatemala, de novo nas argolas. Outras conquistas vieram: bronze no solo na Copa do Mundo de 2008 em Maribor (Eslovê-nia), prata nas argolas na Copa do Mundo de 2009 em Stuttgart (Alemanha), ouro por equipe e prata nas argolas nos Jogos Pan-Americanos de 2011 em Guadalajara (México) e ouro nas argolas em três etapas do ciclo 2012 da Copa do Mundo.

E então chegou a hora de disputar a Olimpíada. Zanetti garante que não se deixou abalar pela pressão: “Eu estava tranquilo, quem vê de fora sofre muito mais”, diz. A serenidade é decorrência do trabalho em conjunto de diversos pro-fissionais, como psicóloga, nutricionista e fisioterapeuta. Outro fator essencial para a vitória foi a estratégia. Ao saber que o mais bem colocado na fase classificatória abriria a competição nas finais, Goto su-geriu que Zanetti fizesse uma série modi-ficada, com elementos que valem menos pontos. “O primeiro se torna o parâmetro e os jurados não dão uma nota muito alta porque os próximos podem se sair

melhor”, explica o técnico. O plano deu certo: Zanetti foi o último a se apresen-tar na final. Fez uma série difícil, quase perfeita, e somou 15.900 pontos. O chinês Chen Yibing, que havia se classificado em primeiro lugar, fez 15.800.

Apesar de se emocionar com a conquista, Zanetti segurou as pontas, diferentemente do técnico. “Eu nunca fico tranquilo”, admite Goto. “O Arthur está sempre calmo, até no pódio, só eu que fiquei lá chorando.” A calma pode ser confundida com frieza, mas é apenas reflexo da personalidade do atleta, o que também ajuda na nova fase da carreira, marcada pelo assédio do público. A namorada, Juliana Francesco, 18 anos, reclama que ele ganhou fãs mais afoitas. “Sou um pouco ciumenta, mas é uma coisa que não tem como evitar”, diz Juliana. Mesmo assim, o ginasta já voltou à realidade. Nos próximos dias, ele participa da última etapa do ano da Copa do Mundo, que acontece na República Tcheca, em 23 e 24 de novembro. A meta também é fazer parte de mais dois ciclos olímpicos. Ou seja, competir no Rio, em 2016, e na Olimpíada de 2020. Até lá, Zanetti vai ter tempo para se acostumar de vez com os holofotes. Ao que tudo indica, eles não vão sumir tão cedo.

A r th u r Za n e t t i > o at le ta do a no

Por Juliana Tiraboschi

49

novembro 2012 | istoé 2016

Fotos: Buda Mendes/Getty | Popperfoto/Getty

Page 19: Revista 2016 / Dezembro

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uM Mito eM construçãoao ConquiStar o ouro EM londrES, o ginaSta arthur zanEtti Entra para a galEria doS

MaiorES hEróiS da hiStória olíMpiCa BraSilEira – MaS ElE quEr vooS ainda MaiS altoS

se Fosse PRecIso escoLheR uma única medalha como a mais emblemáti-ca do Brasil nos Jogos de Londres, essa medalha seria o ouro do paulista Arthur Zanetti, nas argolas. Ela foi a primeira do País na ginástica em toda a história olímpica. Mais do que isso: o título veio num momento em que chamar os brasileiros de “amarelões” estava se tornando corriqueiro, especialmente depois de mais uma queda de Diego Hypólito nos exercícios de solo. Zanetti quebrou esse estigma. Ele também provou que, se você tem talento, é possível vencer qualquer um, a despeito das dificuldades encontradas durante o percurso e do tamanho do desafio que está à sua frente. Em Londres, Zanetti tinha como principal adversário o ídolo chinês Yibing Chen, dono de oito títulos mundiais e que vinha de três ouros nos Jogos de Pequim, em 2008. O brasileiro ignorou tudo isso – e venceu com uma autoridade que deixou os próprios chi-neses espantados.

“É mais fácil treinar do que posar para fotos”, diz Zanetti, enquanto se prepara para a foto da 2016. Para ele, a fama ain-da é algo novo, embora merecidíssima.

Aos 22 anos, não é exagero dizer que já está entre os maiores atletas brasilei-ros de todos os tempos. Foi um longo caminho até chegar ao topo. Zanetti entrou para a ginástica por indicação do professor de educação física de sua escola, a Metodista, em São Bernardo do Campo, onde estudou entre 1995 e 2002. “Eu queria jogar futebol, mas era perna de pau”, diz. Diante do porte baixo, ágil e forte do menino, o professor Sérgio Oliveira dos Santos sugeriu que Zanetti fizesse um teste na Associação de Ginás-tica Di Thiene, que hoje funciona dentro da Sociedade Esportiva Recreativa e Cultural Santa Maria, em São Caetano. “Desde o começo, o Arthur chamou a atenção”, diz Claudia Cobo, a primeira treinadora. “Ele era bastante habilidoso, aprendia rápido e agarrava a argola com força.” O ponto fraco era a flexibilidade.

“Precisou alongar muito, mas nada que lágrimas não resolveram.”

E haja choro. Aos oito anos, Zanetti passou a contar com a orientação do técnico Marcos Goto, que o acompanha até hoje – e que não dá moleza. “Nenhum ginasta gosta de treinar flexibilidade, dói bastante, mas é necessário”, diz Goto. Para driblar a rotina exaustiva, a avó Neide Thomazzo, que sempre levava o neto ao clube, passava na padaria depois dos trei-nos para comprar bombas de chocolate, a guloseima preferida do garoto. O apoio da família foi fundamental para as conquistas de Zanetti. Além de incentivar e torcer, a mãe, Roseane, participa das atividades re-creativas da Associação Di Thiene. O pai, Archimedes, que é mecânico industrial, já construiu vários equipamentos para o clube, incluindo as argolas que o filho usou em seus treinos pré-olímpicos. É ele quem revela que, aos 16 anos, Za-netti pensou em desistir da ginástica. “É normal os meninos quererem parar quando chegam à puberdade”, diz.

A insegurança e as incertezas duraram pouco. “Na segunda semana que ficou em casa sem fazer nada, ele já estava inquieto”, diz o pai, que, então, fez um trato com o filho: se era para voltar para a ginástica, ele iria permanecer pelo menos até os 18 anos. O resultado foi melhor do que o esperado.

Em 2006, Zanetti e Goto começaram a focar os trabalhos no aparelho que rendeu o ouro olímpico. “O Arthur era muito bom no salto, mas começou a se destacar mais nas argolas”, diz o técnico. “Nós trabalha-mos com o objetivo de vencer o brasileiro de 2007.” Deu certo: o atleta levou ouro nas argolas, prata no salto e bronze no solo. Ele também subiu ao degrau mais alto do pódio no Pan-Americano Juvenil da Guatemala, de novo nas argolas. Outras conquistas vieram: bronze no solo na Copa do Mundo de 2008 em Maribor (Eslovê-nia), prata nas argolas na Copa do Mundo de 2009 em Stuttgart (Alemanha), ouro por equipe e prata nas argolas nos Jogos Pan-Americanos de 2011 em Guadalajara (México) e ouro nas argolas em três etapas do ciclo 2012 da Copa do Mundo.

E então chegou a hora de disputar a Olimpíada. Zanetti garante que não se deixou abalar pela pressão: “Eu estava tranquilo, quem vê de fora sofre muito mais”, diz. A serenidade é decorrência do trabalho em conjunto de diversos pro-fissionais, como psicóloga, nutricionista e fisioterapeuta. Outro fator essencial para a vitória foi a estratégia. Ao saber que o mais bem colocado na fase classificatória abriria a competição nas finais, Goto su-geriu que Zanetti fizesse uma série modi-ficada, com elementos que valem menos pontos. “O primeiro se torna o parâmetro e os jurados não dão uma nota muito alta porque os próximos podem se sair

melhor”, explica o técnico. O plano deu certo: Zanetti foi o último a se apresen-tar na final. Fez uma série difícil, quase perfeita, e somou 15.900 pontos. O chinês Chen Yibing, que havia se classificado em primeiro lugar, fez 15.800.

Apesar de se emocionar com a conquista, Zanetti segurou as pontas, diferentemente do técnico. “Eu nunca fico tranquilo”, admite Goto. “O Arthur está sempre calmo, até no pódio, só eu que fiquei lá chorando.” A calma pode ser confundida com frieza, mas é apenas reflexo da personalidade do atleta, o que também ajuda na nova fase da carreira, marcada pelo assédio do público. A namorada, Juliana Francesco, 18 anos, reclama que ele ganhou fãs mais afoitas. “Sou um pouco ciumenta, mas é uma coisa que não tem como evitar”, diz Juliana. Mesmo assim, o ginasta já voltou à realidade. Nos próximos dias, ele participa da última etapa do ano da Copa do Mundo, que acontece na República Tcheca, em 23 e 24 de novembro. A meta também é fazer parte de mais dois ciclos olímpicos. Ou seja, competir no Rio, em 2016, e na Olimpíada de 2020. Até lá, Zanetti vai ter tempo para se acostumar de vez com os holofotes. Ao que tudo indica, eles não vão sumir tão cedo.

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Por Juliana Tiraboschi

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novembro 2012 | istoé 2016

Fotos: Buda Mendes/Getty | Popperfoto/Getty

Page 20: Revista 2016 / Dezembro

vvJ o s é R o b e r t o G u i m a r ã e s > t é c n i c o d o a n o

pacato caMpeãoÚniCo BraSilEiro triCaMpEão olíMpiCo E ÚniCo téCniCo do

Mundo a vEnCEr oliMpíadaS CoM SElEçõES MaSCulinaS E

FEMininaS, joSé roBErto guiMarãES vê na SErEnidadE o CaMinho

MaiS Curto para a vitória

A seleção feminina de vôlei do Brasil ia mal na Olimpíada de Londres. Após uma inesperada derrota para a Coreia do Sul por 3 sets a 0, o time corria o risco de encerrar a campanha apenas com o 12º lugar. Em bus-ca da reação, o técnico José Roberto Guima-rães chamou a equipe para uma conversa. Pediu para as jogadoras esquecerem os erros e valorizarem os acertos. Era preciso deixar as lamentações de lado e seguir adiante. “Aí o time começou a fluir porque a gente passou a se ajudar em cada ação, atitude, jogada, e aquele sentimento de confiança foi crescendo”, diz. A mudança que levaria ao ouro veio não aos gritos, mas ao estilo sereno de Zé Roberto, único tricampeão olímpico da história do País (Barcelona-1992 com os homens e Pequim-2008 e Londres- 2012 com as mulheres) e único treinador no mundo a vencer Olimpíadas com seleções masculinas e femininas.

Apesar do triunfo em Londres-2012, o treinador faz questão de não esquecer dois fracassos que o ajudaram no caminho do título: o quinto lugar com a seleção mas-culina em Atlanta-1996 e, principalmente, a eliminação contra a Rússia nas semifinais de Atenas-2004, com o time feminino. O Brasil vencia o quarto set por 24 a 19, mas permitiu a virada das adversárias. O jogo foi para o tie-break e as brasileiras acabaram eliminadas. “Foi a pior derrota que sofri

como treinador”, diz. “Tinha vergonha de sair de casa e de ver os amigos. Foi terrí-vel.” Zé Roberto atribui o fracasso ao grupo rachado, formado por jogadores que não se ajudavam. Com esse episódio na cabeça, quando chegou o momento decisivo em Londres, ele viu que a única maneira de seguir em frente era fazer de tudo para que as atletas jogassem como um time de verdade. Foi aí que as vitórias começaram a vir, até culminarem no título olímpico.

Aos 58 anos, Zé Roberto parece que ain-da não assimilou o tamanho da façanha. Deixando seu papel de protagonista de lado, gosta de enaltecer as jogadoras que comandou. Quando questionado sobre seus feitos no esporte, prefere lembrar personagens do passado, principalmente Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico no salto triplo (Helsinque-1952 e Melbourne-1956), por conta das dificuldades de treinar em uma época amadora. “Minha vida não mudou nada”, afirma. “O que está sendo muito legal são as pessoas parabenizando e dizendo que sofremos juntos.” O assédio também aumentou. Com o retorno ao Brasil, o treinador tem que lidar com uma agenda atribulada, que é gerenciada por Ana Carolina, uma de suas filhas. São muitos convites, principalmente para dar palestra em empresas. Para não atrapalhar a rotina

de treinador, ele limitou as aparições em eventos para uma vez por mês.

O jeito contido – o oposto, vale lembrar, do treinador Bernadinho, da seleção mascu-lina – foi moldado por uma tragédia familiar. Nascido em Quintana, pequeno município da região de Marília, no interior de São Paulo, Zé Roberto mudou para a capital paulista aos 6 anos. Era o filho mais novo de três irmãos. Os Guimarães se instalaram no Jardim Nordeste, na zona leste da cidade, mas mantiveram os costumes do interior. Segundo o treinador, a casa estava sempre em festa e a família vivia uma atmosfera de permanente felicidade. Tudo mudou quando Lauro, o irmão do meio, morreu, aos 14 anos, eletrocutado por um fio de alta tensão, quando empinava pipa. “Voltei do colégio e estava um tumulto lá em casa”, lembra Zé Roberto. “O duro não é só o fato da perda, é como os seus pais ficam depois disso, porque não é a ordem natural.” O nascimento de seu irmão Fernando, hoje técnico da seleção brasileira de vôlei sentado, três anos após a tragédia, atenuou a tristeza familiar, mas a perda deixou marcas indeléveis no caráter do garoto.

Zé Roberto não tem gurus no esporte, mas é um admirador contumaz de João Carlos Martins. Recentemente, o treinador leu a biografia do pianista, que perdeu os movimentos das mãos e aos 64 anos se reinventou como maestro. Martins se tornou fonte de inspiração. “Conheci o João Carlos Martins uma vez, no aeroporto, e ficamos amigos”, diz. Por saber que a vida é feita mesmo de altos e baixos, Zé Roberto não se deixa deslumbrar. “Nossa mentali-dade latina é de encarar a vitória como missão cumprida, só que a vida segue”, diz. “Quando você é campeão, passa a ser o time a ser batido e precisa treinar mais do que antes”, afirma. E comandar a seleção em uma Olimpíada no Brasil? “Esse time tem condição de brigar por uma medalha, mas a cobrança será muito maior”, diz. Se a cobrança for realmente pesada, uma coisa é certa: com sua serenidade, Zé Roberto está pronto para encará-la.

Por Adalberto Leister Filho

F l á v i a G o m e s > p r o m e s s a f e m i n i n a d o a n o

seMpre na lutaCaMpEã Mundial na CatEgoria SuB-17, a judoCa pauliSta

Flávia goMES SupEra liMitaçõES FinanCEiraS para SE tornar

uMa daS ESpErançaS BraSilEiraS para oS jogoS do rio

os moDos De menInA podem até dar a impressão de fragilidade, mas a judoca Flávia Gomes está habituada a lutar – dentro e fora dos tatames. Seja para derrotar impiedosamente as adversárias, seja para vencer as barreiras impostas pela origem humilde ou para enfrentar a doença do pai, que há um ano luta contra um câncer nos rins. Aos 18 anos, ela é uma das principais promessas bra-sileiras para os Jogos do Rio, de acordo com a votação promovida pela 2016. Campeã mundial na categoria sub-17 e medalha de prata nos Jogos da Juventude de Cingapura, Flávia segue os passos de Sarah Menezes, dona do ouro na Olimpíada de Londres. “Em minha vida, o judô está sempre em primeira lugar”, diz.

Flávia enfrenta uma dura rotina para conciliar a vida de judoca com a faculdade de fisioterapia, paga pelo Esporte Clube Pinheiros, onde treina. Seu dia começa às 6 horas da manhã, quando sai de casa no bairro Aricanduva, na zona leste de São Paulo, para se dirigir à universidade, que fica no Paraíso, região mais central da cidade. Às 14 horas, já está na avenida Faria Lima, na zona sul, sede do Clube Pinheiros, e lá fica até a noite. A labuta diária só termina depois das 22

horas, quando, enfim, está pronta para descansar. “Ela quase não para em casa”, diz o pai, Edivaldo. “Mas é uma menina alegre, acima de tudo.”

O interesse pelo esporte começou aos 5 anos, ao ver duas primas mais ve-lhas que praticavam judô. “Assistia aquilo e tinha muita vontade de fazer”, diz Flávia. Foi apenas três anos depois que pisou em um tatame pela primeira vez. A família havia mudado para Dracena, a 630 quilômetros de São Paulo, e a garota de 8 anos não tinha muita opção para passar o tempo. “Descobri uma academia de judô e pedi para meu pai me matricu-lar”, diz o novo talento do esporte brasi-leiro. Eram tempos ainda mais difíceis. Flávia sempre sofreu com limitações financeiras e, por isso, durante um mês ela treinou sem quimono. Pouco tempo depois, a família voltou para São Paulo, mas a situação continuou complicada. Sem emprego no retorno à capital pau-lista, os pais de Flávia, Edivaldo e Rose, faziam rifas para bancar os custos com competições, que já eram muitas diante do potencial demonstrado pela garota. Com um rosário de vitórias no currículo, o primeiro patrocínio veio cedo, aos 12 anos. Hoje, sonha principalmente em melhorar a vida dos pais.

A garota de sorriso fácil e brincalhona só fica séria ao falar do pai. Dono de um caminhão, seu Edivaldo vivia, até pouco tempo atrás, de fazer carretos. Em outubro de 2011, percebeu que algo não ia bem com a saúde. Depois de uma série de exames, o diagnóstico foi um baque para a família: câncer nos rins. “Eu digo para ela não se preocupar”, diz Edivaldo. “Falo para ela lutar com o seu judô, que eu luto pela minha vida.” A família, que já era unida, ficou ainda mais forte. “Ele é o alicerce dela”, diz Andrea Berti, treinadora da judoca. “Depois da notícia da doença, a Flávia se fortaleceu para dar mais alegria para ele.” Afastado dos carretos, Edivaldo usa o automóvel zero que Flávia adquiriu no início do ano. “Ainda não tenho carteira de motorista, mas comprei o carro assim que meu pai ficou doente”, diz ela. Para ajudar nas despesas do lar, a mãe da judoca, Rose, trabalha como atendente comercial em uma indústria de pães.

A vida de Flávia está toda centrada no judô. Aos 18 anos, nunca namorou e pouco sai para baladas com os amigos. Religiosa, leva sempre um Santo Expe-dito na carteira e reza durante a noite. Apesar do sucesso nos tatames, Flávia ainda não é faixa preta. Não que não tenha talento suficiente para isso – como campeã mundial júnior, sua competên-cia está mais do que comprovada. A questão é financeira. Preocupada com as demandas familiares, não pôde desembolsar os R$ 2,5 mil necessários para o exame de mudança de faixa. No judô, ela sempre pensa em dar um passo à frente. “Meu objetivo agora é deixar de ser promessa e acontecer de verdade”, diz. O alvo máximo é o ouro em 2016.

Por Bruna Narcizo

Fotos: Alexandre Guzanshe/Getty | Claudio Belli/Folha

Page 21: Revista 2016 / Dezembro

vvJ o s é R o b e r t o G u i m a r ã e s > t é c n i c o d o a n o

pacato caMpeãoÚniCo BraSilEiro triCaMpEão olíMpiCo E ÚniCo téCniCo do

Mundo a vEnCEr oliMpíadaS CoM SElEçõES MaSCulinaS E

FEMininaS, joSé roBErto guiMarãES vê na SErEnidadE o CaMinho

MaiS Curto para a vitória

A seleção feminina de vôlei do Brasil ia mal na Olimpíada de Londres. Após uma inesperada derrota para a Coreia do Sul por 3 sets a 0, o time corria o risco de encerrar a campanha apenas com o 12º lugar. Em bus-ca da reação, o técnico José Roberto Guima-rães chamou a equipe para uma conversa. Pediu para as jogadoras esquecerem os erros e valorizarem os acertos. Era preciso deixar as lamentações de lado e seguir adiante. “Aí o time começou a fluir porque a gente passou a se ajudar em cada ação, atitude, jogada, e aquele sentimento de confiança foi crescendo”, diz. A mudança que levaria ao ouro veio não aos gritos, mas ao estilo sereno de Zé Roberto, único tricampeão olímpico da história do País (Barcelona-1992 com os homens e Pequim-2008 e Londres- 2012 com as mulheres) e único treinador no mundo a vencer Olimpíadas com seleções masculinas e femininas.

Apesar do triunfo em Londres-2012, o treinador faz questão de não esquecer dois fracassos que o ajudaram no caminho do título: o quinto lugar com a seleção mas-culina em Atlanta-1996 e, principalmente, a eliminação contra a Rússia nas semifinais de Atenas-2004, com o time feminino. O Brasil vencia o quarto set por 24 a 19, mas permitiu a virada das adversárias. O jogo foi para o tie-break e as brasileiras acabaram eliminadas. “Foi a pior derrota que sofri

como treinador”, diz. “Tinha vergonha de sair de casa e de ver os amigos. Foi terrí-vel.” Zé Roberto atribui o fracasso ao grupo rachado, formado por jogadores que não se ajudavam. Com esse episódio na cabeça, quando chegou o momento decisivo em Londres, ele viu que a única maneira de seguir em frente era fazer de tudo para que as atletas jogassem como um time de verdade. Foi aí que as vitórias começaram a vir, até culminarem no título olímpico.

Aos 58 anos, Zé Roberto parece que ain-da não assimilou o tamanho da façanha. Deixando seu papel de protagonista de lado, gosta de enaltecer as jogadoras que comandou. Quando questionado sobre seus feitos no esporte, prefere lembrar personagens do passado, principalmente Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico no salto triplo (Helsinque-1952 e Melbourne-1956), por conta das dificuldades de treinar em uma época amadora. “Minha vida não mudou nada”, afirma. “O que está sendo muito legal são as pessoas parabenizando e dizendo que sofremos juntos.” O assédio também aumentou. Com o retorno ao Brasil, o treinador tem que lidar com uma agenda atribulada, que é gerenciada por Ana Carolina, uma de suas filhas. São muitos convites, principalmente para dar palestra em empresas. Para não atrapalhar a rotina

de treinador, ele limitou as aparições em eventos para uma vez por mês.

O jeito contido – o oposto, vale lembrar, do treinador Bernadinho, da seleção mascu-lina – foi moldado por uma tragédia familiar. Nascido em Quintana, pequeno município da região de Marília, no interior de São Paulo, Zé Roberto mudou para a capital paulista aos 6 anos. Era o filho mais novo de três irmãos. Os Guimarães se instalaram no Jardim Nordeste, na zona leste da cidade, mas mantiveram os costumes do interior. Segundo o treinador, a casa estava sempre em festa e a família vivia uma atmosfera de permanente felicidade. Tudo mudou quando Lauro, o irmão do meio, morreu, aos 14 anos, eletrocutado por um fio de alta tensão, quando empinava pipa. “Voltei do colégio e estava um tumulto lá em casa”, lembra Zé Roberto. “O duro não é só o fato da perda, é como os seus pais ficam depois disso, porque não é a ordem natural.” O nascimento de seu irmão Fernando, hoje técnico da seleção brasileira de vôlei sentado, três anos após a tragédia, atenuou a tristeza familiar, mas a perda deixou marcas indeléveis no caráter do garoto.

Zé Roberto não tem gurus no esporte, mas é um admirador contumaz de João Carlos Martins. Recentemente, o treinador leu a biografia do pianista, que perdeu os movimentos das mãos e aos 64 anos se reinventou como maestro. Martins se tornou fonte de inspiração. “Conheci o João Carlos Martins uma vez, no aeroporto, e ficamos amigos”, diz. Por saber que a vida é feita mesmo de altos e baixos, Zé Roberto não se deixa deslumbrar. “Nossa mentali-dade latina é de encarar a vitória como missão cumprida, só que a vida segue”, diz. “Quando você é campeão, passa a ser o time a ser batido e precisa treinar mais do que antes”, afirma. E comandar a seleção em uma Olimpíada no Brasil? “Esse time tem condição de brigar por uma medalha, mas a cobrança será muito maior”, diz. Se a cobrança for realmente pesada, uma coisa é certa: com sua serenidade, Zé Roberto está pronto para encará-la.

Por Adalberto Leister Filho

F l á v i a G o m e s > p r o m e s s a f e m i n i n a d o a n o

seMpre na lutaCaMpEã Mundial na CatEgoria SuB-17, a judoCa pauliSta

Flávia goMES SupEra liMitaçõES FinanCEiraS para SE tornar

uMa daS ESpErançaS BraSilEiraS para oS jogoS do rio

os moDos De menInA podem até dar a impressão de fragilidade, mas a judoca Flávia Gomes está habituada a lutar – dentro e fora dos tatames. Seja para derrotar impiedosamente as adversárias, seja para vencer as barreiras impostas pela origem humilde ou para enfrentar a doença do pai, que há um ano luta contra um câncer nos rins. Aos 18 anos, ela é uma das principais promessas bra-sileiras para os Jogos do Rio, de acordo com a votação promovida pela 2016. Campeã mundial na categoria sub-17 e medalha de prata nos Jogos da Juventude de Cingapura, Flávia segue os passos de Sarah Menezes, dona do ouro na Olimpíada de Londres. “Em minha vida, o judô está sempre em primeira lugar”, diz.

Flávia enfrenta uma dura rotina para conciliar a vida de judoca com a faculdade de fisioterapia, paga pelo Esporte Clube Pinheiros, onde treina. Seu dia começa às 6 horas da manhã, quando sai de casa no bairro Aricanduva, na zona leste de São Paulo, para se dirigir à universidade, que fica no Paraíso, região mais central da cidade. Às 14 horas, já está na avenida Faria Lima, na zona sul, sede do Clube Pinheiros, e lá fica até a noite. A labuta diária só termina depois das 22

horas, quando, enfim, está pronta para descansar. “Ela quase não para em casa”, diz o pai, Edivaldo. “Mas é uma menina alegre, acima de tudo.”

O interesse pelo esporte começou aos 5 anos, ao ver duas primas mais ve-lhas que praticavam judô. “Assistia aquilo e tinha muita vontade de fazer”, diz Flávia. Foi apenas três anos depois que pisou em um tatame pela primeira vez. A família havia mudado para Dracena, a 630 quilômetros de São Paulo, e a garota de 8 anos não tinha muita opção para passar o tempo. “Descobri uma academia de judô e pedi para meu pai me matricu-lar”, diz o novo talento do esporte brasi-leiro. Eram tempos ainda mais difíceis. Flávia sempre sofreu com limitações financeiras e, por isso, durante um mês ela treinou sem quimono. Pouco tempo depois, a família voltou para São Paulo, mas a situação continuou complicada. Sem emprego no retorno à capital pau-lista, os pais de Flávia, Edivaldo e Rose, faziam rifas para bancar os custos com competições, que já eram muitas diante do potencial demonstrado pela garota. Com um rosário de vitórias no currículo, o primeiro patrocínio veio cedo, aos 12 anos. Hoje, sonha principalmente em melhorar a vida dos pais.

A garota de sorriso fácil e brincalhona só fica séria ao falar do pai. Dono de um caminhão, seu Edivaldo vivia, até pouco tempo atrás, de fazer carretos. Em outubro de 2011, percebeu que algo não ia bem com a saúde. Depois de uma série de exames, o diagnóstico foi um baque para a família: câncer nos rins. “Eu digo para ela não se preocupar”, diz Edivaldo. “Falo para ela lutar com o seu judô, que eu luto pela minha vida.” A família, que já era unida, ficou ainda mais forte. “Ele é o alicerce dela”, diz Andrea Berti, treinadora da judoca. “Depois da notícia da doença, a Flávia se fortaleceu para dar mais alegria para ele.” Afastado dos carretos, Edivaldo usa o automóvel zero que Flávia adquiriu no início do ano. “Ainda não tenho carteira de motorista, mas comprei o carro assim que meu pai ficou doente”, diz ela. Para ajudar nas despesas do lar, a mãe da judoca, Rose, trabalha como atendente comercial em uma indústria de pães.

A vida de Flávia está toda centrada no judô. Aos 18 anos, nunca namorou e pouco sai para baladas com os amigos. Religiosa, leva sempre um Santo Expe-dito na carteira e reza durante a noite. Apesar do sucesso nos tatames, Flávia ainda não é faixa preta. Não que não tenha talento suficiente para isso – como campeã mundial júnior, sua competên-cia está mais do que comprovada. A questão é financeira. Preocupada com as demandas familiares, não pôde desembolsar os R$ 2,5 mil necessários para o exame de mudança de faixa. No judô, ela sempre pensa em dar um passo à frente. “Meu objetivo agora é deixar de ser promessa e acontecer de verdade”, diz. O alvo máximo é o ouro em 2016.

Por Bruna Narcizo

Fotos: Alexandre Guzanshe/Getty | Claudio Belli/Folha

Page 22: Revista 2016 / Dezembro

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trEinado pElo pai, o BoxEador ESquiva FalCão ESCapou por

pouCo dE SEr tragado pEla poBrEza para ChEgar a uM inédito

SEgundo lugar na oliMpíada dE londrES

prata da casa

Aos 5 Anos, esQuIvA FALcão FLoRenTIno chegou A moRAR ALguns DIAs emBAIxo De umA PonTe em Vitória, no Espírito Santo. Ainda na infância, costumava pedir, em restaurantes, as sobras de jantares servi-dos na véspera e, assim, levar algo para a família comer. Aos 16, frustrado com as poucas oportunidades, passou a frequen-tar bailes funk e andar com rapazes que vendiam e consumiam drogas. Em 2012, aos 22, se tornou o primeiro brasileiro a ganhar uma medalha de prata no boxe em Jogos Olímpicos, em Londres, na categoria até 75 quilos. “Minha infância foi dura, mas feliz”, diz o atleta. “A gente fazia a dificuldade virar felicidade. Quan-do não se tem nada, se o pai chega em casa com um doce, já é uma alegria.”

Da miséria ao pódio olímpico em Londres, cada história contada por Esquiva tem como protagonista o pai, o boxeador Adegard Câmara Floren-tino, 76 anos, conhecido como Touro Moreno. Foi ele quem ensinou Esquiva

e seus irmãos, inclusive o medalhista de bronze em Londres Yamaguchi Falcão (categoria até 81 quilos), 24 anos, a lutar boxe. Os meninos treinavam socos nos troncos das bananeiras do terreno doado por um amigo de Touro, que acabou construindo a casa da família ali mesmo. Esquiva parou de frequentar os bailes quando o pai alertou que, mes-mo que ele não estivesse cometendo nenhum crime, poderia ser confundido com bandidos. Touro também foi o res-ponsável pelo Brasil trazer não apenas uma, mas duas medalhas olímpicas no boxe masculino, ao pedir para Yamagu-chi subir de categoria. “Papai fez isso duas vezes”, diz Esquiva. A primeira foi depois da única luta entre os irmãos, na semifinal do Campeonato Paulista de 2007. “Nós dois éramos da categoria até 69 quilos e o Yamaguchi me venceu”, lembra o medalhista de prata. A pedido do pai, o mais velho então subiu para a categoria até 75 quilos, mas logo foi seguido por Esquiva, que não parava

de crescer. “Antes que a gente lutasse de novo, papai novamente pediu para o Yamaguchi subir, agora para 81 quilos”, conta o boxeador. Assim um irmão não magoava o outro e o Brasil podia con-quistar duas medalhas. “Meu pai sabe o que faz”, diz o orgulhoso filho de Adegard. Quando ganhou sua medalha, Esquiva formou a letra T, de Touro, com os braços.

Apesar de ter sido o principal incentivador, o pai não foi o único trei-nador importante na vida de Esquiva. O panorama do boxe amador brasileiro mudou nos últimos anos com a aproxi-mação da escola cubana. No Brasil des-de 1996, o técnico João Carlos Barros, 53 anos, nasceu em Guiné-Bissau, mas se formou em educação física em Cuba, onde também deu os primeiros passos como técnico. Hoje, ele treina os irmãos Falcão Florentino. “Isso fez diferença no meu boxe, porque meu treinador me fez viajar três vezes para Cuba, em 2008, 2009 e 2010”, afirma Esquiva. Em cada uma dessas ocasiões, ele passou um mês na ilha, sendo treinado por cubanos. “O João Carlos ajudou a melhorar meus passos, meus momentos, minha distâncias, minhas sequências de golpes”, afirma Esquiva.

O boxeador relembra as histórias sempre num tom sério. Gentil e simples,

não é dado a brincadeiras, diferentemen-te do irmão e do pai, mais expansivos. Nas arquibancadas de Londres, tinha o irmão sempre gritando o seu nome. Quando Yamaguchi ganhou o bronze, Esquiva também estava lá, incentivando. “A gente é unido mesmo, que nem o Timão e o Pumba”, compara Yamaguchi, referindo-se aos personagens do desenho animado o rei leão. Brigam, como todos os irmãos, mas tudo passa rapidamente, graças à personalidade de Yamaguchi: “O Esquiva fica mais bravo, mas eu não consigo guardar mágoa de ninguém, ainda mais de um irmão”, diz o mais velho. “Aí, já chego abraçando, beijando a cabeça dele, até ele não aguentar e fazer as pazes.” Pai de Erick, 2 anos, Esquiva não mora com a mãe do menino, mas está sempre com o filho. “Quero que ele estude e depois decida o que fazer”, diz. “Se ele lutar boxe, vou ficar muito feliz, já que o boxe corre no meu sangue.” O pugilista está cheio de planos para o futuro. Casou-se novamente, quer ter uma menina e voltar à escola. “Não terminei o oitavo ano do ensino fundamental, mas vou conseguir concluir meus estudos”, afirma. Em 2013, Esquiva garante que vai treinar de manhã e à tarde para fazer o supletivo à noite.

Esquiva, Yamaguchi e alguns de seus irmãos – são 18 ao todo, sendo que três já morreram – foram criados para o boxe. O medalhista de prata ganhou esse nome porque, na época em que nasceu, um treinador não podia dar instruções durante lutas amadoras. Podia, no má-ximo, gritar o nome do pugilista, como incentivo. Com tal alcunha, o pai poderia mandá-lo ficar atento à sua esquiva sem ser punido. Já Yamaguchi recebeu o nome de um antigo treinador de judô do pai, enquanto Estiva – mais um dos

irmãos – foi batizado em homenagem ao lutador cubano Teófilo Stevenson. Aos 16 anos, o adolescente é a nova esperança da família: já é campeão brasileiro cadete, título conquistado em 2011. Atual mulher de Touro Moreno, Maria Olinda, 49 anos, é mãe de nove filhos, inclusive dos dois medalhistas. “Essa geração foi escolhida para o esporte”, diz o pai. “Minha lavoura não é de feijão, arroz ou vagem, mas de filho”, filosofa Touro. “Está amadurecen-do e, agora, é a hora de colher os frutos.”

Para o pai, Esquiva é o melhor do mundo em sua categoria, entre os boxeadores consi-derados amadores. E é hora de dar o próxi-mo passo. “Sonho com muito dinheiro para os meninos, com o cinturão profissional”, diz Touro. Sua ideia é tirar a medalha do pes-coço e transformá-la em títulos mundiais para Esquiva e Yamaguchi. Esquiva não tem tanta certeza do caminho a ser to-mado. Pensa em se profissionalizar, mas também cogita em partir para o MMA, as artes marciais mistas. Indeciso, também não descarta os Jogos Olímpicos de 2016: “Se eu fizer uma luta no MMA, vai ser só para estrear no esporte”, diz. O pugilista, que recebe Bolsa Atleta e, como todos os boxeadores da seleção brasileira, é patrocinado pela Petrobras, está longe de ser rico. Para se profissio-nalizar, ele quer uma proposta muito boa, que ainda não chegou. “Sei que boxe profissional é o meu caminho, mas não sei se agora”, afirma. De uma coisa, no entanto, ele tem absoluta certeza: “Meu negócio é o boxe.”

E s q u i va Fa l c ã o > r e v e l a ç ã o m a s c u l i n a do a noPor Flávia Ribeiro

Fotos: Scott Heavey/Getty

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trEinado pElo pai, o BoxEador ESquiva FalCão ESCapou por

pouCo dE SEr tragado pEla poBrEza para ChEgar a uM inédito

SEgundo lugar na oliMpíada dE londrES

prata da casa

Aos 5 Anos, esQuIvA FALcão FLoRenTIno chegou A moRAR ALguns DIAs emBAIxo De umA PonTe em Vitória, no Espírito Santo. Ainda na infância, costumava pedir, em restaurantes, as sobras de jantares servi-dos na véspera e, assim, levar algo para a família comer. Aos 16, frustrado com as poucas oportunidades, passou a frequen-tar bailes funk e andar com rapazes que vendiam e consumiam drogas. Em 2012, aos 22, se tornou o primeiro brasileiro a ganhar uma medalha de prata no boxe em Jogos Olímpicos, em Londres, na categoria até 75 quilos. “Minha infância foi dura, mas feliz”, diz o atleta. “A gente fazia a dificuldade virar felicidade. Quan-do não se tem nada, se o pai chega em casa com um doce, já é uma alegria.”

Da miséria ao pódio olímpico em Londres, cada história contada por Esquiva tem como protagonista o pai, o boxeador Adegard Câmara Floren-tino, 76 anos, conhecido como Touro Moreno. Foi ele quem ensinou Esquiva

e seus irmãos, inclusive o medalhista de bronze em Londres Yamaguchi Falcão (categoria até 81 quilos), 24 anos, a lutar boxe. Os meninos treinavam socos nos troncos das bananeiras do terreno doado por um amigo de Touro, que acabou construindo a casa da família ali mesmo. Esquiva parou de frequentar os bailes quando o pai alertou que, mes-mo que ele não estivesse cometendo nenhum crime, poderia ser confundido com bandidos. Touro também foi o res-ponsável pelo Brasil trazer não apenas uma, mas duas medalhas olímpicas no boxe masculino, ao pedir para Yamagu-chi subir de categoria. “Papai fez isso duas vezes”, diz Esquiva. A primeira foi depois da única luta entre os irmãos, na semifinal do Campeonato Paulista de 2007. “Nós dois éramos da categoria até 69 quilos e o Yamaguchi me venceu”, lembra o medalhista de prata. A pedido do pai, o mais velho então subiu para a categoria até 75 quilos, mas logo foi seguido por Esquiva, que não parava

de crescer. “Antes que a gente lutasse de novo, papai novamente pediu para o Yamaguchi subir, agora para 81 quilos”, conta o boxeador. Assim um irmão não magoava o outro e o Brasil podia con-quistar duas medalhas. “Meu pai sabe o que faz”, diz o orgulhoso filho de Adegard. Quando ganhou sua medalha, Esquiva formou a letra T, de Touro, com os braços.

Apesar de ter sido o principal incentivador, o pai não foi o único trei-nador importante na vida de Esquiva. O panorama do boxe amador brasileiro mudou nos últimos anos com a aproxi-mação da escola cubana. No Brasil des-de 1996, o técnico João Carlos Barros, 53 anos, nasceu em Guiné-Bissau, mas se formou em educação física em Cuba, onde também deu os primeiros passos como técnico. Hoje, ele treina os irmãos Falcão Florentino. “Isso fez diferença no meu boxe, porque meu treinador me fez viajar três vezes para Cuba, em 2008, 2009 e 2010”, afirma Esquiva. Em cada uma dessas ocasiões, ele passou um mês na ilha, sendo treinado por cubanos. “O João Carlos ajudou a melhorar meus passos, meus momentos, minha distâncias, minhas sequências de golpes”, afirma Esquiva.

O boxeador relembra as histórias sempre num tom sério. Gentil e simples,

não é dado a brincadeiras, diferentemen-te do irmão e do pai, mais expansivos. Nas arquibancadas de Londres, tinha o irmão sempre gritando o seu nome. Quando Yamaguchi ganhou o bronze, Esquiva também estava lá, incentivando. “A gente é unido mesmo, que nem o Timão e o Pumba”, compara Yamaguchi, referindo-se aos personagens do desenho animado o rei leão. Brigam, como todos os irmãos, mas tudo passa rapidamente, graças à personalidade de Yamaguchi: “O Esquiva fica mais bravo, mas eu não consigo guardar mágoa de ninguém, ainda mais de um irmão”, diz o mais velho. “Aí, já chego abraçando, beijando a cabeça dele, até ele não aguentar e fazer as pazes.” Pai de Erick, 2 anos, Esquiva não mora com a mãe do menino, mas está sempre com o filho. “Quero que ele estude e depois decida o que fazer”, diz. “Se ele lutar boxe, vou ficar muito feliz, já que o boxe corre no meu sangue.” O pugilista está cheio de planos para o futuro. Casou-se novamente, quer ter uma menina e voltar à escola. “Não terminei o oitavo ano do ensino fundamental, mas vou conseguir concluir meus estudos”, afirma. Em 2013, Esquiva garante que vai treinar de manhã e à tarde para fazer o supletivo à noite.

Esquiva, Yamaguchi e alguns de seus irmãos – são 18 ao todo, sendo que três já morreram – foram criados para o boxe. O medalhista de prata ganhou esse nome porque, na época em que nasceu, um treinador não podia dar instruções durante lutas amadoras. Podia, no má-ximo, gritar o nome do pugilista, como incentivo. Com tal alcunha, o pai poderia mandá-lo ficar atento à sua esquiva sem ser punido. Já Yamaguchi recebeu o nome de um antigo treinador de judô do pai, enquanto Estiva – mais um dos

irmãos – foi batizado em homenagem ao lutador cubano Teófilo Stevenson. Aos 16 anos, o adolescente é a nova esperança da família: já é campeão brasileiro cadete, título conquistado em 2011. Atual mulher de Touro Moreno, Maria Olinda, 49 anos, é mãe de nove filhos, inclusive dos dois medalhistas. “Essa geração foi escolhida para o esporte”, diz o pai. “Minha lavoura não é de feijão, arroz ou vagem, mas de filho”, filosofa Touro. “Está amadurecen-do e, agora, é a hora de colher os frutos.”

Para o pai, Esquiva é o melhor do mundo em sua categoria, entre os boxeadores consi-derados amadores. E é hora de dar o próxi-mo passo. “Sonho com muito dinheiro para os meninos, com o cinturão profissional”, diz Touro. Sua ideia é tirar a medalha do pes-coço e transformá-la em títulos mundiais para Esquiva e Yamaguchi. Esquiva não tem tanta certeza do caminho a ser to-mado. Pensa em se profissionalizar, mas também cogita em partir para o MMA, as artes marciais mistas. Indeciso, também não descarta os Jogos Olímpicos de 2016: “Se eu fizer uma luta no MMA, vai ser só para estrear no esporte”, diz. O pugilista, que recebe Bolsa Atleta e, como todos os boxeadores da seleção brasileira, é patrocinado pela Petrobras, está longe de ser rico. Para se profissio-nalizar, ele quer uma proposta muito boa, que ainda não chegou. “Sei que boxe profissional é o meu caminho, mas não sei se agora”, afirma. De uma coisa, no entanto, ele tem absoluta certeza: “Meu negócio é o boxe.”

E s q u i va Fa l c ã o > r e v e l a ç ã o m a s c u l i n a do a noPor Flávia Ribeiro

Fotos: Scott Heavey/Getty

Page 24: Revista 2016 / Dezembro

prêmio

v

ele não sai do pódioMaior MEdalhiSta do ESportE paraolíMpiCo BraSilEiro E dono

dE SEiS ouroS EM londrES, o nadador daniEl diaS não Faz draMa

quanto a Sua Condição dE dEFiCiEntE

Do LADo De FoRA Do soBRADo em Bragança Paulista, no interior de São Paulo, não se vê muita coisa. Só o muro alto, a entrada para carros e o portão lateral. Ao tocar o interfone, é a voz de Daniel Dias, o maior medalhista do esporte paraolímpico brasileiro, que responde ao chamado. A casa é espaçosa, mas não tem luxos. Na sala de estar, um sofá, duas poltro-nas e a mesa de centro sobre um tapete felpudo. Prestativo, o atleta de 24 anos oferece um copo-d’água, enquanto divide a atenção entre a recém-chegada visita e os primos a quem hospeda. A escada que leva aos dormitórios no andar superior tem degraus vazados de madeira e – detalhe surpreenden-te – não possui corrimão. É difícil acreditar que estamos na casa de um portador de deficiência. Mas Daniel não é mesmo o tipo de sujeito que faz disso um drama. Na verdade, parece que ele não está nem aí. Provavelmente, não está mesmo.

Daniel nasceu com má-formação congênita dos membros superiores e da perna direita. Aos três anos, uma prótese tornou possível dar os primeiros passos. Hoje, ele desfila com o modelo mais moderno do mercado, uma Genius. “Ela possibilita muitas coisas, até subir escada trocando o passo”, diz. “A prótese que eu usei na adolescência pesava quase cinco quilos, mas eu não sentia, porque moleque tem energia.” Com as próteses de braços, a adaptação não foi tão fácil. “Mais atrapalha do que ajuda, porque faz perder o tato”, diz o atleta. Sem dar bola para essas e outras dificuldades, o nadador desenvolveu sua própria maneira de fazer de tudo, contando com a ajuda do único dedo que tem. Desde menino, amarra os cadarços, arruma a cama, disputa peladas com os amigos, anda de bicicleta e joga videogame. Agora, dirige o próprio carro e uns tempos atrás che-gou até a tocar bateria na banda da igreja presbiteriana de Camanducaia (SP), onde morou até os 19 anos.

Enquanto fala das atividades fora das piscinas, Daniel faz uma pausa para receber a mãe, Rosana, e a noiva, Raquel Andrade, que chegam juntas da rua, rindo. O nadador ganha um selinho da companheira e a conversa ganha mais duas interlocutoras. Antes de se acomodar na sala, a mãe solta a cachorrinha da família, que Daniel tinha prendido na área externa da casa para não incomodar. A preocupação do nada-dor se revelou desnecessária. Pequena, branca e peluda, a cachorra permanece quietinha. A mãe brinca: “Ela também é deficiente, quase não late.” Rosana diz que nunca foi superprotetora e não tinha medo de que o filho se machu-casse ou caísse. Daniel apanhava igual aos primos, quando aprontava. “Queria criar o meu filho para ser independente de mim.” Claro que não faltaram pro-vações. Nos primeiros anos na escola, o agora atleta sofreu preconceito. Foi chamado de saci e aleijado. Muitas ve-zes, não tinha vontade de ir para a aula

e, em outras ocasiões, chegava chorando em casa. Daniel diz que a fé em Deus e as conversas com o pai e a mãe foram fundamentais para superar essa fase. “Desde aquele tempo, eu percebi que o preconceito sempre iria existir, mas que ele não podia partir de mim”, diz.

O esporte só entrou na vida de Daniel em 2004, aos 16 anos. Foi quan-do ele viu o nadador Clodoaldo Silva ganhar seis medalhas de ouro e uma de prata na Paraolimpíada de Atenas. Procurou a assessoria da Associação Desportiva para Deficientes e foi orien-tado a apostar na natação. No início, não imaginava que chegaria a ser um atleta de alto rendimento. Em 2006, passou a ser treinado por Marcos Rojo Prado, o Marcão. O técnico e amigo chega à casa de Daniel 20 minutos atrasado e pede desculpas. Tinha saído para pedalar e só se lembrou da entrevista no meio do ca-minho. “Ele entrou rápido no ritmo do grupo, e eu vi que tinha potencial”, diz o treinador. “Daniel logo bateu vários recordes brasileiros.” Desde então, vem colecionando medalhas e reconheci-mento em todas as modalidades em que compete – peito, borboleta, livre, costas e Medley. Em 2009, se tornou o primeiro para-atleta do mundo a rece-ber o troféu Laureus, considerado o Oscar do esporte. As marcas impressio-nam tanto que, depois das provas, tem gente que se aproxima de Marcão para ver se descobre qual é a fórmula do sucesso. “Perguntam o que estou fazendo com ele”, diz o treinador. “Mas não tem nenhum se-gredo, só a disciplina e o talento do Daniel.” Apesar dos resultados admiráveis em Londres, o esportista diz que proble-mas fora das piscinas o impediram de ir além. Entre abril e julho, a mãe passou por duas cirurgias, a avó paterna morreu e o treinador colocou duas pontes de

safena e uma mamária. “Por conta disso tudo, deixei de fazer algumas ativida-des”, afirma. “A gente sabe que dá para melhorar muito mais.”

Daniel não tem irmãos e se ressente disso. “Foi ruim ser filho único, mas não cresci sozinho, estava sempre acompanhado dos primos”, diz o atleta. O convívio familiar motivou a família a permanecer em Camanducaia depois do nascimento de Daniel. O pai, Paulo Dias – que chegou discretamente à sala, ao dar uma escapada do trabalho na Prefeitura de Bragança –, explica que ele e a mulher decidiram que era melhor ficar no interior para garantir a proximi-dade do garoto com os primos nascidos na mesma época. “Não era uma forma de proteção, mas sim de ajudar no desenvolvimento dele”, diz Dias. A mudança para Bragança só aconteceu em 2007, quando o medalhista decidiu dedicar mais tempo aos treinos. Pouco tempo depois de ter chegado à cidade, ele encontrou uma igreja presbiteriana e lá conheceu Raquel, que tinha 17 anos. “Eu nunca vi o Daniel como defi-ciente”, diz a noiva. “Desde o primeiro dia, já olhei para ele com outros olhos.” E que olhos tem Raquel: grandes e verdes-claros. Namoraram por quase um ano, mas Daniel resolveu pôr um ponto final na relação. “Os pais dela sempre mostraram muita resistência às minhas condições físicas”, afirma. “Era uma luta para a qual não estávamos preparados.” Raquel, contrariada, passou dois anos sem falar com o atleta: “Eu fiquei com raiva, não me conformava”, afirma. Fica-ram três anos separados, mas há um ano e meio reataram. Ao tomar essa decisão, já estavam certos de que a união, agora, era para valer. O futuro? Quem sabe ter filhos e, provavelmente, bater recordes mundiais e ganhar medalhas olímpicas.

Por Renata Valério de Mesquita

Da n i e l D i a s > pa r a - at le ta m a s c u l i no do a no

Fotos: Clive Rose/Getty | Arquivo Pessoal

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ele não sai do pódioMaior MEdalhiSta do ESportE paraolíMpiCo BraSilEiro E dono

dE SEiS ouroS EM londrES, o nadador daniEl diaS não Faz draMa

quanto a Sua Condição dE dEFiCiEntE

Do LADo De FoRA Do soBRADo em Bragança Paulista, no interior de São Paulo, não se vê muita coisa. Só o muro alto, a entrada para carros e o portão lateral. Ao tocar o interfone, é a voz de Daniel Dias, o maior medalhista do esporte paraolímpico brasileiro, que responde ao chamado. A casa é espaçosa, mas não tem luxos. Na sala de estar, um sofá, duas poltro-nas e a mesa de centro sobre um tapete felpudo. Prestativo, o atleta de 24 anos oferece um copo-d’água, enquanto divide a atenção entre a recém-chegada visita e os primos a quem hospeda. A escada que leva aos dormitórios no andar superior tem degraus vazados de madeira e – detalhe surpreenden-te – não possui corrimão. É difícil acreditar que estamos na casa de um portador de deficiência. Mas Daniel não é mesmo o tipo de sujeito que faz disso um drama. Na verdade, parece que ele não está nem aí. Provavelmente, não está mesmo.

Daniel nasceu com má-formação congênita dos membros superiores e da perna direita. Aos três anos, uma prótese tornou possível dar os primeiros passos. Hoje, ele desfila com o modelo mais moderno do mercado, uma Genius. “Ela possibilita muitas coisas, até subir escada trocando o passo”, diz. “A prótese que eu usei na adolescência pesava quase cinco quilos, mas eu não sentia, porque moleque tem energia.” Com as próteses de braços, a adaptação não foi tão fácil. “Mais atrapalha do que ajuda, porque faz perder o tato”, diz o atleta. Sem dar bola para essas e outras dificuldades, o nadador desenvolveu sua própria maneira de fazer de tudo, contando com a ajuda do único dedo que tem. Desde menino, amarra os cadarços, arruma a cama, disputa peladas com os amigos, anda de bicicleta e joga videogame. Agora, dirige o próprio carro e uns tempos atrás che-gou até a tocar bateria na banda da igreja presbiteriana de Camanducaia (SP), onde morou até os 19 anos.

Enquanto fala das atividades fora das piscinas, Daniel faz uma pausa para receber a mãe, Rosana, e a noiva, Raquel Andrade, que chegam juntas da rua, rindo. O nadador ganha um selinho da companheira e a conversa ganha mais duas interlocutoras. Antes de se acomodar na sala, a mãe solta a cachorrinha da família, que Daniel tinha prendido na área externa da casa para não incomodar. A preocupação do nada-dor se revelou desnecessária. Pequena, branca e peluda, a cachorra permanece quietinha. A mãe brinca: “Ela também é deficiente, quase não late.” Rosana diz que nunca foi superprotetora e não tinha medo de que o filho se machu-casse ou caísse. Daniel apanhava igual aos primos, quando aprontava. “Queria criar o meu filho para ser independente de mim.” Claro que não faltaram pro-vações. Nos primeiros anos na escola, o agora atleta sofreu preconceito. Foi chamado de saci e aleijado. Muitas ve-zes, não tinha vontade de ir para a aula

e, em outras ocasiões, chegava chorando em casa. Daniel diz que a fé em Deus e as conversas com o pai e a mãe foram fundamentais para superar essa fase. “Desde aquele tempo, eu percebi que o preconceito sempre iria existir, mas que ele não podia partir de mim”, diz.

O esporte só entrou na vida de Daniel em 2004, aos 16 anos. Foi quan-do ele viu o nadador Clodoaldo Silva ganhar seis medalhas de ouro e uma de prata na Paraolimpíada de Atenas. Procurou a assessoria da Associação Desportiva para Deficientes e foi orien-tado a apostar na natação. No início, não imaginava que chegaria a ser um atleta de alto rendimento. Em 2006, passou a ser treinado por Marcos Rojo Prado, o Marcão. O técnico e amigo chega à casa de Daniel 20 minutos atrasado e pede desculpas. Tinha saído para pedalar e só se lembrou da entrevista no meio do ca-minho. “Ele entrou rápido no ritmo do grupo, e eu vi que tinha potencial”, diz o treinador. “Daniel logo bateu vários recordes brasileiros.” Desde então, vem colecionando medalhas e reconheci-mento em todas as modalidades em que compete – peito, borboleta, livre, costas e Medley. Em 2009, se tornou o primeiro para-atleta do mundo a rece-ber o troféu Laureus, considerado o Oscar do esporte. As marcas impressio-nam tanto que, depois das provas, tem gente que se aproxima de Marcão para ver se descobre qual é a fórmula do sucesso. “Perguntam o que estou fazendo com ele”, diz o treinador. “Mas não tem nenhum se-gredo, só a disciplina e o talento do Daniel.” Apesar dos resultados admiráveis em Londres, o esportista diz que proble-mas fora das piscinas o impediram de ir além. Entre abril e julho, a mãe passou por duas cirurgias, a avó paterna morreu e o treinador colocou duas pontes de

safena e uma mamária. “Por conta disso tudo, deixei de fazer algumas ativida-des”, afirma. “A gente sabe que dá para melhorar muito mais.”

Daniel não tem irmãos e se ressente disso. “Foi ruim ser filho único, mas não cresci sozinho, estava sempre acompanhado dos primos”, diz o atleta. O convívio familiar motivou a família a permanecer em Camanducaia depois do nascimento de Daniel. O pai, Paulo Dias – que chegou discretamente à sala, ao dar uma escapada do trabalho na Prefeitura de Bragança –, explica que ele e a mulher decidiram que era melhor ficar no interior para garantir a proximi-dade do garoto com os primos nascidos na mesma época. “Não era uma forma de proteção, mas sim de ajudar no desenvolvimento dele”, diz Dias. A mudança para Bragança só aconteceu em 2007, quando o medalhista decidiu dedicar mais tempo aos treinos. Pouco tempo depois de ter chegado à cidade, ele encontrou uma igreja presbiteriana e lá conheceu Raquel, que tinha 17 anos. “Eu nunca vi o Daniel como defi-ciente”, diz a noiva. “Desde o primeiro dia, já olhei para ele com outros olhos.” E que olhos tem Raquel: grandes e verdes-claros. Namoraram por quase um ano, mas Daniel resolveu pôr um ponto final na relação. “Os pais dela sempre mostraram muita resistência às minhas condições físicas”, afirma. “Era uma luta para a qual não estávamos preparados.” Raquel, contrariada, passou dois anos sem falar com o atleta: “Eu fiquei com raiva, não me conformava”, afirma. Fica-ram três anos separados, mas há um ano e meio reataram. Ao tomar essa decisão, já estavam certos de que a união, agora, era para valer. O futuro? Quem sabe ter filhos e, provavelmente, bater recordes mundiais e ganhar medalhas olímpicas.

Por Renata Valério de Mesquita

Da n i e l D i a s > pa r a - at le ta m a s c u l i no do a no

Fotos: Clive Rose/Getty | Arquivo Pessoal

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prêmio

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vencedora eM todos os sentidosSEiS razõES quE FazEM da judoCa CaMpEã olíMpiCa Sarah MEnEzES,

dE apEnaS 22 anoS, uMa gigantE dEntro E Fora doS tataMES

sARAh meneZes, 1,52 meTRo de altura e 48 quilos, parece uma tampi-nha de nada, mas é uma gigante – em variados sentidos. Sentido número 1: no judô, esporte que ela pratica, é um fenômeno. As pessoas conhecem apenas a Sarah do título olímpico em Londres (conquista fantástica que a tornou imbatível no prêmio da 2016), mas essa moça de Teresina, no Piauí, já tinha feito antes muita coisa bacana de se ver. Durante seis anos, de 1999 a 2005, não perdeu uma luta sequer, na infância e na adolescência ganhou 11 campeonatos brasileiros seguidos (é uma autêntica hendecacampeã), tem dois títulos mun-diais na categoria júnior, duas medalhas (um bronze e uma prata) em mundiais adultos, venceu uma etapa da Copa do Mundo ao aplicar cinco ippons conse-cutivos e já subiu em pódios, desde que começou a suar o quimono nos tatames, mais de uma centena de vezes (pelas contas do técnico dela, Expedito Falcão). Precisa mais? “Sim, precisa”, diz Sarah.

“Tem muito campeonato para disputar, muita pedreira pela frente.” Antes que alguém pergunte: Sarah tem só 22 anos e, a considerar a longevidade de grandes campeões do judô, pode disputar mais duas olimpíadas, fácil, fácil. Talvez três.

Sentido número 2 que faz de Sarah uma gigante de verdade: ela é desprovi-da de toda e qualquer afetação, aquela praga que torna as pessoas presunçosas e que se reproduz, aos montes, em áreas diversas (no esporte, na cultura, no jornalismo). Essa campeã olímpica não gosta de falar de suas façanhas, detesta que se refiram a ela como gênio do esporte nacional, tem vergonha quando dizem, na cara dela, quão incrível ela é. “A Sarah é uma das atletas mais humildes que já conheci”, diz Rosicléia Campos, técnica da seleção brasileira feminina de judô. Vale a pena relatar um episódio. Em Londres, este repórter teve a oportunidade de almoçar com Sa-rah três dias depois de seu inédito título olímpico. O encontro foi marcado em

um hotel. Como ela estava com fome, decidiu interromper a entrevista para comer. Em vez de dispensar o chato do repórter, o convidou para a mesa. “Senta aí, mas não vamos falar de trabalho”, brincou Sarah. Você consegue imaginar, digamos, alguém da seleção masculina de futebol fazer o mesmo (seleção, cite- se, que perdeu o ouro para o México nos Jogos de Londres)?

Sentido número 3: Sarah é “do bem”, para usar uma expressão do judoca Felipe Kitadai, que foi bronze nos Jogos de Londres.“Eu não estava tranquilo para a Olimpíada, mas a Sarah me ajudou”, diz o medalhista. “Conver-sei muito com ela sobre a importância de a gente ter confiança, de encarar cada luta como a mais importante da sua vida.” Quem acompanha esportes sabe que há ciumeira entre os atletas, que alguns se importam só com o seu de-sempenho, que companheirismo não é qualidade que exista muito por aí. Dizer que Sarah é “do bem” não é, de maneira

alguma, uma constatação apressada. O fotógrafo Pedro Dias viajou a Tere-sina especialmente para fazer o retrato que ilustra este texto. Durante um bom período do dia, ele ficou na casa de Sarah para a execução dos retratos. Pedro viu a judoca tratar os pais com carinho (é “mamãe” e “papai” o tempo todo), mas até aí tudo bem. O fotógrafo se espantou mesmo com os inúmeros projetos sociais dos quais Sarah partici-pa, mas ela jamais faz publicidade disso. Pelo contrário, evita até falar, para não dar a impressão de que pretende faturar em cima. Sabe-se, em Teresina, que ela tira dinheiro do bolso para comprar pre-sentes para crianças pobres do bairro onde mora, na periferia da cidade.

O quarto sentido que torna Sarah uma gigante diz respeito à frieza que exibe nos tatames. Parece uma contradi-ção para alguém doce como ela, mas nas competições é outra história. Sarah é um gelo – e as adversárias percebem isso. Antes das lutas, seu rosto se transfigura e uma expressão ao mesmo tempo de força e coragem faz a melhor das rivais tremer. “Eu sou uma pessoa muito fria, consigo segurar a emoção”, diz Sarah. “Pode ser o campeonato que for que eu luto como se estivesse treinando. Acho que isso ajuda.” Na final em Londres, foi impressionante observar os olhos de Sarah triturando a romena Alina Dumitru, nos instantes que antecede-ram a briga entre elas. Detalhe: Alina era a atual campeã olímpica, mas já saiu derrotada ali, naquela pré-batalha.

Quem aponta o quinto sentido é o técnico Expedito Falcão. Sarah, diz ele, mudou a história do esporte brasileiro (precisa fazer mais para ser uma gigan-te?) ao permanecer treinando em Tere-sina, em vez de se deixar seduzir pelos inúmeros convites que vieram de clubes de São Paulo e do Rio. Falcão acha que, depois de Sarah, outros atletas vão ter a coragem de recusar propostas de terras distantes – e, talvez assim, tornar a

dose diária de exercícios menos penosa. “Quando o esportista fica no lugar que gosta, perto da família e dos amigos, ele se sente melhor e isso influencia os resultados”, afirma o treinador. Sarah continua aprimorando o-soto-garis e outros golpes na academia de Falcão, a quem atribui uma parcela gigantesca de seu sucesso. “Sou uma pessoa muito ca-seira e ficar longe de casa seria um peso muito grande para mim”, diz a campeã olímpica. Com o título em Londres, ela aniquilou dúvidas (antes da conquista, eram muitas) sobre a eficiência de se treinar distante de um grande centro.

O sexto sentido que coloca Sarah de vez entre os maiores personagens da história do esporte brasileiro é talvez o mais importante: como os gigantes de verdade, a intuitiva Sarah é dotada daquela percepcão extrassensorial que antevê a ação do adversário, que vislum-bra um movimento antes de todos os outros, que sabe o que fazer – e o que não fazer – em qualquer situação.

Em todos os sentidos, Sarah Menezes é realmente excepcional.

Por Amauri Segalla

S a r a h M e n e z e s > a a t l e t a d o a n o

57

novembro 2012 | istoé 2016

Fotos: Alexander Hassenstein/Getty | Pedro Dias

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vencedora eM todos os sentidosSEiS razõES quE FazEM da judoCa CaMpEã olíMpiCa Sarah MEnEzES,

dE apEnaS 22 anoS, uMa gigantE dEntro E Fora doS tataMES

sARAh meneZes, 1,52 meTRo de altura e 48 quilos, parece uma tampi-nha de nada, mas é uma gigante – em variados sentidos. Sentido número 1: no judô, esporte que ela pratica, é um fenômeno. As pessoas conhecem apenas a Sarah do título olímpico em Londres (conquista fantástica que a tornou imbatível no prêmio da 2016), mas essa moça de Teresina, no Piauí, já tinha feito antes muita coisa bacana de se ver. Durante seis anos, de 1999 a 2005, não perdeu uma luta sequer, na infância e na adolescência ganhou 11 campeonatos brasileiros seguidos (é uma autêntica hendecacampeã), tem dois títulos mun-diais na categoria júnior, duas medalhas (um bronze e uma prata) em mundiais adultos, venceu uma etapa da Copa do Mundo ao aplicar cinco ippons conse-cutivos e já subiu em pódios, desde que começou a suar o quimono nos tatames, mais de uma centena de vezes (pelas contas do técnico dela, Expedito Falcão). Precisa mais? “Sim, precisa”, diz Sarah.

“Tem muito campeonato para disputar, muita pedreira pela frente.” Antes que alguém pergunte: Sarah tem só 22 anos e, a considerar a longevidade de grandes campeões do judô, pode disputar mais duas olimpíadas, fácil, fácil. Talvez três.

Sentido número 2 que faz de Sarah uma gigante de verdade: ela é desprovi-da de toda e qualquer afetação, aquela praga que torna as pessoas presunçosas e que se reproduz, aos montes, em áreas diversas (no esporte, na cultura, no jornalismo). Essa campeã olímpica não gosta de falar de suas façanhas, detesta que se refiram a ela como gênio do esporte nacional, tem vergonha quando dizem, na cara dela, quão incrível ela é. “A Sarah é uma das atletas mais humildes que já conheci”, diz Rosicléia Campos, técnica da seleção brasileira feminina de judô. Vale a pena relatar um episódio. Em Londres, este repórter teve a oportunidade de almoçar com Sa-rah três dias depois de seu inédito título olímpico. O encontro foi marcado em

um hotel. Como ela estava com fome, decidiu interromper a entrevista para comer. Em vez de dispensar o chato do repórter, o convidou para a mesa. “Senta aí, mas não vamos falar de trabalho”, brincou Sarah. Você consegue imaginar, digamos, alguém da seleção masculina de futebol fazer o mesmo (seleção, cite- se, que perdeu o ouro para o México nos Jogos de Londres)?

Sentido número 3: Sarah é “do bem”, para usar uma expressão do judoca Felipe Kitadai, que foi bronze nos Jogos de Londres.“Eu não estava tranquilo para a Olimpíada, mas a Sarah me ajudou”, diz o medalhista. “Conver-sei muito com ela sobre a importância de a gente ter confiança, de encarar cada luta como a mais importante da sua vida.” Quem acompanha esportes sabe que há ciumeira entre os atletas, que alguns se importam só com o seu de-sempenho, que companheirismo não é qualidade que exista muito por aí. Dizer que Sarah é “do bem” não é, de maneira

alguma, uma constatação apressada. O fotógrafo Pedro Dias viajou a Tere-sina especialmente para fazer o retrato que ilustra este texto. Durante um bom período do dia, ele ficou na casa de Sarah para a execução dos retratos. Pedro viu a judoca tratar os pais com carinho (é “mamãe” e “papai” o tempo todo), mas até aí tudo bem. O fotógrafo se espantou mesmo com os inúmeros projetos sociais dos quais Sarah partici-pa, mas ela jamais faz publicidade disso. Pelo contrário, evita até falar, para não dar a impressão de que pretende faturar em cima. Sabe-se, em Teresina, que ela tira dinheiro do bolso para comprar pre-sentes para crianças pobres do bairro onde mora, na periferia da cidade.

O quarto sentido que torna Sarah uma gigante diz respeito à frieza que exibe nos tatames. Parece uma contradi-ção para alguém doce como ela, mas nas competições é outra história. Sarah é um gelo – e as adversárias percebem isso. Antes das lutas, seu rosto se transfigura e uma expressão ao mesmo tempo de força e coragem faz a melhor das rivais tremer. “Eu sou uma pessoa muito fria, consigo segurar a emoção”, diz Sarah. “Pode ser o campeonato que for que eu luto como se estivesse treinando. Acho que isso ajuda.” Na final em Londres, foi impressionante observar os olhos de Sarah triturando a romena Alina Dumitru, nos instantes que antecede-ram a briga entre elas. Detalhe: Alina era a atual campeã olímpica, mas já saiu derrotada ali, naquela pré-batalha.

Quem aponta o quinto sentido é o técnico Expedito Falcão. Sarah, diz ele, mudou a história do esporte brasileiro (precisa fazer mais para ser uma gigan-te?) ao permanecer treinando em Tere-sina, em vez de se deixar seduzir pelos inúmeros convites que vieram de clubes de São Paulo e do Rio. Falcão acha que, depois de Sarah, outros atletas vão ter a coragem de recusar propostas de terras distantes – e, talvez assim, tornar a

dose diária de exercícios menos penosa. “Quando o esportista fica no lugar que gosta, perto da família e dos amigos, ele se sente melhor e isso influencia os resultados”, afirma o treinador. Sarah continua aprimorando o-soto-garis e outros golpes na academia de Falcão, a quem atribui uma parcela gigantesca de seu sucesso. “Sou uma pessoa muito ca-seira e ficar longe de casa seria um peso muito grande para mim”, diz a campeã olímpica. Com o título em Londres, ela aniquilou dúvidas (antes da conquista, eram muitas) sobre a eficiência de se treinar distante de um grande centro.

O sexto sentido que coloca Sarah de vez entre os maiores personagens da história do esporte brasileiro é talvez o mais importante: como os gigantes de verdade, a intuitiva Sarah é dotada daquela percepcão extrassensorial que antevê a ação do adversário, que vislum-bra um movimento antes de todos os outros, que sabe o que fazer – e o que não fazer – em qualquer situação.

Em todos os sentidos, Sarah Menezes é realmente excepcional.

Por Amauri Segalla

S a r a h M e n e z e s > a a t l e t a d o a n o

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Fotos: Alexander Hassenstein/Getty | Pedro Dias