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Revisão Marilda Fátima Dias Imagem Capa Guilherme Angerames R. Vargas Setor de Produção Artes Edgar Bortoleto Ferreira José Roberto Mercado Valter Gustavo Danzer Editoração Unemat Editora Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Unemat M961 Revista da faculdade de Educação/Universidade do Estado de Mato Grosso: multitemática Coordenação: Ilma Ferreira Machado. Ano III, nº 4 (Jul/Dez.2005) - Cáceres-MT: Unemat Editora. Semestral 1. Educação. II. Escola Democrática. III. Avaliação Institucional. IV. Didática. ISSN 1679-4273 CDU – 37 (05) Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da editora.

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Revisão Marilda Fátima Dias Imagem Capa Guilherme Angerames R. Vargas Setor de Produção Artes Edgar Bortoleto Ferreira José Roberto Mercado Valter Gustavo Danzer Editoração Unemat Editora Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Unemat

M961

Revista da faculdade de Educação/Universidade do Estado de Mato Grosso: multitemática – Coordenação: Ilma Ferreira Machado. Ano III, nº 4 (Jul/Dez.2005) - Cáceres-MT: Unemat Editora.

Semestral 1. Educação. II. Escola Democrática. III. Avaliação

Institucional. IV. Didática. ISSN 1679-4273 CDU – 37 (05)

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da editora.

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Revista da Faculdade de Educação Endereço Faculdade de Educação Av. Tancredo Neves, 1095 Cavalhada II Cáceres/MT CEP: 78.200-000 Fone: (65) 3221 0036 / (65) 3221 0041 [email protected] Conselho Editorial Afonso Maria Pereira – UNEMAT Aumeri Carlos Bambi – UNEMAT Beleni Salete Grando – UNEMAT Ilma Ferreira Machado (UNEMAT/Coordenadora) Irton Milanesi – UNEMAT Josiane Magalhães – UNEMAT Manuel Francisco de Vasconcelos Motta – UFMT Maria Izete de Oliveira – UNEMAT Tatiane Lebre Dias – UNEMAT Conselho Consultivo Ana Canen – UFRJ Abigail Alvarenga Mahoney – PUC/SP Claudia Davis – PUC/SP Farid Eid – UFSCAR Filomena Maria de Arruda Monteiro – UFMT Jadir Pessoa – UFG José Cerchi Fusari – FEU/SP Laurinda Ramalho de Almeida – PUC/SP Luiz Carlos Freitas – UNICAMP Mariluci Bittar – UCDB/MS Mauro Cherobin – UNESP Melania Moroz – PUC/SP Vera Placco – PUC/SP

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO

Reitor Prof. Taisir Mahmudo Karim

Vice Reitor Prof. Elias Renato da Silva Januário

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós Graduação Prof. Carolina Joana da Silva

Pró-Reitor de Ensino e Graduação Prof. Agnaldo Rodrigues da Silva

Pró-Reitor de Extensão e Cultura Prof. Ilário Straub

Pró-Reitor de Administração e Finanças Prof. Wilbum de Andrade Cardoso

Pró-Reitora de Administração Anapaula Rodrigues Vargas

Pró Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional

Prof. Vitérico Jabur Maluf Diretor da Faculdade de Educação Prof. Afonso Maria Pereira

Unemat Editora Av. Tancredo Neves, 1095 – Cavalhada II Cáceres-MT – CEP: 78.200-000 Fone: 65 3221 0000 - [email protected] www.unemat.br

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SUMÁRIO

EDITORIAL .............................................................. ...07 Ilma Ferreira Machado ARTIGOS O SABER LOCAL E PROCESSO EDUCATIVO ENTRE OS PESCADORES PANTANEIROS DE CÁCERES - MATO GROSSO: A EDUCAÇÃO REVISITADA ........11 Aguinel Messias de Lima ESCOLA DEMOCRÁTICA: UMA CULTURA EM CONSTRUÇÃO.......................................................... ...26 Ana Maria de Souza Lima LEITURA E INTERATIVIDADE .............................. ...53 Edna Aparecida Lisboa Soares Luiz Antônio Ribeiro AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: DISCUTINDO CONCEPÇÕES, ENFOQUES E FUNDAMENTOS TEÓRICO/METODOLÓGICOS....................................65 Elizeth Gonzaga dos Santos Lima A NOÇÃO DE VOLUNTÁRIO NA ETHICA NICOMACHEA: UMA TENTATIVA DE RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO ....................................................90 Flávio Rovani de Andrade Alceu Zoia Neodir Paulo Travessin OS PROFESSORES DESTE MILÊNIO NAS ABORDAGENS ATUAIS DA DIDÁTICA............ ......108 José Manuel Ruiz Calleja

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A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ESCOLA: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA E POSSÍVEL ........128 Marilce da Costa Campos Rodrigues O CURRÍCULO E O FRACASSO ESCOLAR: UMA RELAÇÃO MEDIADA POR REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PELA RELAÇÃO COM O SABER .........147 Messias Dieb ENSINO E PESQUISA NA UNIVERSIDADE: UNIVERSAIS, SINGULARES E IMPARCIAIS? ........172 Milton Chicalé Correia AVALIAÇÃO COGNITIVA E CRIATIVIDADE: ESTUDOS DE CASO DE CRIANCAS COM DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM ............... ......202 Tatiane Lebre Dias Sônia Regina Fiorim Enumo Claudia Patrocínio Pedroza Canal RESENHA A TRAJETÓRIA DE UM LEGADO: REFLEXÃO E ARTICULAÇÃO .................................................. ......229 Arlene da Silva Gonçalves Margarita Victoria Rodríguez SOBRE OS AUTORES.......................................... ......237 NORMAS PARA APRESENTAÇÃO .................... ......239

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EDITORIAL

Temos a satisfação de apresentar à sociedade brasileira o quarto número da Revista da Faculdade de Educação, que reúne um conjunto de reflexões sobre processos e práticas educativas e pedagógicas de diversas partes do Brasil. Nesse sentido, a Revista além de socializar produções científicas na área da educação, promove a articulação de educadores e pesquisadores em âmbito estadual e nacional, contribuindo sobremaneira para o estabelecimento de mecanismos de cooperação profissional e institucional.

A recente conquista da inserção de nossa Revista no rol do qualis/capes nos é motivo de alegria, ao mesmo tempo em que nos impõe a responsabilidade em qualificar cada vez mais nossas publicações, no sentido não apenas de contemplar o aspecto da avaliação, mas principalmente de socializarmos produções relevantes, capazes de suscitar o debate e de contribuir para a melhoria da educação brasileira.

O artigo de Aguinel Messias de Lima aborda as relações entre saber local e saber universal através de pesquisa realizada com pescadores do Rio Paraguai, que dominam um saber tradicional adquirido na prática da educação não-escolarizada, em casa e no rio. O autor mostra como esse saber local do pescador pode ser utilizado na educação escolar na perspectiva de reflexão e busca de ações educativas voltadas para a preservação do Rio Paraguai, em parceria com a comunidade local.

A democracia na escola como uma cultura em construção é premissa apontada na análise de Ana Maria de Souza Lima com base em uma pesquisa realizada em escolas municipais de Cuiabá, sobre o impacto produzido nas atitudes e ações das mães, coartisentes da Universidade Popular Comunitária, a partir de uma proposta de educação democrática

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e dialógica. Entre os impactos está o conflito entre mães e escolas, em função da falta de gestão democrática nas escolas em que seus filhos estudam. Tal situação aponta para o distanciamento entre a política estadual, que defende uma gestão democrática, e a prática das escolas.

Edna Aparecida Lisboa Soares e Luiz Antônio Ribeiro trazem uma análise sobre leitura e interatividade, afirmando que para que se processe o significado do texto deve haver uma associação entre três elementos fundamentais: o autor, o leitor e o texto. De acordo com os autores, esse modo de leitura é comparado a um jogo interativo, orientado por suas próprias estratégias e regras.

A temática da avaliação institucional é discutida com propriedade por Elizeth Gonzaga dos Santos Lima que apresenta uma análise das diferentes concepções teórico-metodológicas que sustentam os processos e modelos de avaliação educacional como forma de buscar subsídios para entender melhor os sentidos e efeitos que empreendem na prática avaliativa no ensino superior. A autora enfatiza a necessidade de se discutir o que a avaliação educacional esconde e como os contextos sócio-econômicos e culturais engendram nos sujeitos a lógica da submissão que impede a instauração de uma avaliação mais democrática e participativa.

O artigo de autoria de Flávio Rovani de Andrade, Alceu Zóia e Neodir Paulo Travessin discute a ética nicomachea de Aristóteles ao mesmo tempo em que procura estabelecer uma relação entre voluntariedade política e educação, considerando-se principalmente o contexto da globalização.

José Manuel Ruiz Calleja analisa as funções atuais dos professores, aplicando teorias pedagógicas e didáticas que refletem algumas características essenciais da sua atuação e algumas alternativas de solução de problemas detectados neste contexto, principalmente no que se refere às suas relações com

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os estudantes no processo ensino-aprendizagem. Destaca, também, a importância de uma visão analítica do processo de formação escolar e das contribuições da Didática nesse processo.

Marilce da Costa Campos Rodrigues trata sobre a organização do trabalho na escola, considerando que essa temática é pouco discutida no meio educacional mato-grossense, e que requer novas reflexões, ante as mudanças econômicas, políticas, culturais e geográficas, que caracterizam o mundo contemporâneo, concebido de forma participativa, com práticas educativas permeadas por ações coletivas dos atores educativo-sociais. E é norteado por esses princípios que esses sujeitos educativos passam a assumir um papel fundamental de participação na prática organizacional e gestora da escola, cujos objetivos sociopolíticos se articulam à luta pela transformação social.

Messias Dieb aborda as relações existentes entre representações sociais, currículo e fracasso escolar, argumentando que as representações que orientam muitas práticas educativas podem ser reveladoras de um currículo oculto que está sendo desenvolvido na escola. O autor aponta a necessidade de identificarmos essas representações sociais, no intuito de “neutralizar o currículo oculto” e “desnaturalizar o fracasso escolar”.

Milton Chicalé Correia discute o ensino e a pesquisa na universidade argumentando como, em geral, o ensino e a pesquisa na universidade são restritivos do ponto de vista dos princípios da universalidade, singularidade e imparcialidade, no que tange às abordagens consideradas sob o âmbito do senso comum e teológico, por exemplo, com especificidade para o confronto entre o evolucionismo e o criacionismo. Procura sustentar sua análise apresentando um quadro teórico baseado nos modelos evolucionista e criacionistas de modo que os

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leitores se situem e tenham melhores condições de se posicionar frente ao tema.

Em seu artigo as autoras Tatiane Lebre, Sônia Regina Fiorim Enumo e Claudia Patrocínio Pedroza Canal apresentam resultados de um estudo de desempenho cognitivo e criativo em alunos com dificuldade de aprendizagem (DA), em uma escola de ensino fundamental de Vitória, Espírito Santo. No presente estudo foram utilizados dois procedimentos de avaliação cognitiva, tradicional e assistida, evidenciando a importância e adequação do uso do programa de promoção da criatividade nesse contexto.

Arlene da Silva Gonçalves e Margarita Victoria Rodríguez resenham o livro organizado por Dermeval Saviani intitulado O legado educacional do século XIX. Destacam a pertinência e importância da obra pelo fato de contribuir para a compreensão das questões educacionais contemporâneas, na perspectiva histórica. E, ainda, por aprofundar estudos sobre temas educacionais, por exemplo, ensino simultâneo, método de ensino intuitivo e feminização do magistério, refinando conceitos e apontando um quadro geral de referências onde é situada essa análise.

Por fim, fica aqui o convite à leitura dos textos da Revista, bem como à reflexão sobre as importantes e diversificadas questões educacionais colocadas pelos seus autores. Que possamos avançar cada vez mais no campo da crítica e da proposição de mecanismos de superação das mazelas e contradições da educação brasileira, bem como de fortalecimento de práticas educativas significativas!

Ilma Ferreira Machado

Editora da Revista da Faculdade de Educação/UNEMAT

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O SABER LOCAL E PROCESSO EDUCATIVO ENTRE OS PESCADORES PANTANEIROS DE CÁCERES -

MATO GROSSO: A EDUCAÇÃO REVISITADA

Aguinel Messias de Lima.

RESUMO: Este artigo foi escrito a partir de uma dissertação de mestrado em educação defendida na Universidade Federal de Mato Grosso. O objetivo da pesquisa consistiu em utilizar o conhecimento dos pescadores sobre a pesca e sobre o Rio Paraguai como elementos de análise para elaboração de posterior proposta de Educação Ambiental. Utilizou-se como metodologia, entrevistas semi-estruturadas com 20 pescadores pantaneiros residentes na cidade de Cáceres-MT, entre maio de 2002 a julho de 2003. Os pescadores informantes possuem entre 20 e 40 anos de experiência de pescaria. Eles dominam um saber tradicional adquirido na prática da educação não-escolarizada, no rio e com os pais. Este saber local do pescador adquirido na vivência pode ser utilizado na educação escolar. Partindo do saber do pescador, pode-se refletir e buscar ações educativas voltadas especificamente para o Rio Paraguai tendo como parceiro a comunidade local.

PALAVRAS-CHAVE: Educação e ambiente; Pescadores; Rio Paraguai.

ABSTRACT: This artiche is part of a dissertation of a mastering degree in education presented at Mato Grosso Federal University. It aims to show the use of fishermen’s knowledge about fishing and about the Paraguay river to elaborate a posterior proposal of environmental education.Semi-structured interviews with 20 fishermen that live in the city of Cáceres – Mato Grosso were used as methodology. The interviews were accomplished from may 2002 to july 2003.The fishermen have about 20 and 40 years of experience. They dominate an acquired traditional knowledge in the practice of education with did not take place in school, but through their contact with their parents. From the fishermen’s knowhedge it is possible to

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search for educational actions specificahhy related to the Paraguay River using the local community as partners.

KEY WORDS: Environment; fishermen; Paraguay River.

Este artigo é parte de um capítulo da dissertação de mestrado em Educação, quando investigou-se o saber local e o processo educativo instalado entre o grupo de pescadores pantaneiros no rio Paraguai, dentro das perspectivas de educação e meio ambiente. A pesquisa desenvolveu-se no município de Cáceres - Mato Grosso, na microrregião do Alto Pantanal, latitude 16º04’16.4’’ Sul e 57º41’48’’Oeste, a uma distância de 210 km da capital, Cuiabá. Os sujeitos da pesquisa são moradores dos bairros: Jardim Paraíso, Jardim das Oliveiras (antigo EMPA) e Garcês. Estes bairros estão situados próximo ou às margens do rio Paraguai, um fator que favorece a acessibilidade à pescaria.

Utilizou-se como metodologia entrevistas semi-estruturadas, optando-se pela amostra intencional de acordo com Tiollent (2000), com 18 pescadores, moradores dos três bairros acima citados, nos meses entre maio de 2002 a julho de 2003. As análises dos dados foram baseadas nos pressupostos teóricos de Ribeiro (1987) e de Diegues (2001), que estuda populações tradicionais locais; e de Lüdke e André (1986), abordagem da pesquisa qualitativa em educação.

Pescadores pantaneiros de Cáceres

Os resultados apontaram que a média de idade é de 49 anos, a maioria reside a 40 anos em Cáceres, possuem mais de 20 anos de experiência com a pesca. 35% não são alfabetizados e 65% têm ensino fundamental incompleto. Possui em média 05 filhos e renda familiar de aproximadamente R$ 250,00 mensal.

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Os pescadores geralmente pescam a jusante e a montante do rio. Eles exercem atividade pesqueira em grupo de duas ou três pessoas, entre 4 e 9 horas e das 15 às 21 horas, no período de segunda a sexta-feira; geralmente não pescam nos finais de semana, devido ao aumento de tráfego de barcos turísticos ou banhistas nesse período.

O equipamento de pesca consiste em anzol com linhada, utilizada como armadilha, gelo e isopor para conservar o pescado, barco com motor, rabeta para transporte até o local de pescaria e gêneros alimentícios para as refeições diárias. O acampamento é montado com madeira e lonas plásticas ou barracas de camping. Eles trabalham na pescaria para sustentarem a família, dividem o ambiente de trabalho com os turistas oriundos de outros municípios e com pessoas da sociedade urbana de Cáceres que utilizam o rio como fonte de alimento e lazer. Cada pescador, por tradição, possui sua área de pesca que é respeitada entre eles, embora, nem sempre pelos turistas.

O processo educativo entre os pescadores: a educação revisitada

Ninguém está imune ao processo educativo que ocorre no seio da sociedade, uma ação educativa que acontece em diferentes espaços de aprendizagem, de uma forma ou de outra, está presente na vida do cidadão. É no decorrer do processo educativo que as transformações vão ocorrendo dentro da sociedade, quer seja na escola ou fora dela. Desta forma, temos dois grandes espaços educativos: primeiro o não-escolarizado, que acontece fora do espaço escolar (informal ou não-formal); e o segundo o da educação escolarizada (educação formal), que acontece no espaço escolar dentro da formalidade.

Para Guarim Neto (2000), a educação não-escolarizada é um processo educacional que se processa fora

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dos espaços escolares. É no decorrer da vivência do dia-a-dia da instituição familiar que o processo de transmissão do saber popular, ou empírico, é transmitido às crianças e aos jovens pelos mais idosos. A experiência dos adultos é uma fonte de aprendizagem para os filhos na organização do trabalho em casa ou no ambiente fora do lar.

A modalidade educativa não-escolarizada acontece durante as relações de grupos sociais de pescadores no cotidiano. Com isso, o ensino-aprendizagem vai se consolidando durante a prática pesqueira, a coleta de iscas, a utilização de plantas medicinais; é nessa hora que se processa e interage o conhecimento para o trabalho e para a vida. Para Ferreira (1995), existe uma escola no meio popular e essa é denominada de escola da prática da vida cotidiana, da socialização, consolidada como um ato de ensinar e aprender, com os pais, amigos, vizinhos e grupos de pescadores ribeirinhos. É na experimentação, na observação direta e na prática que o grupo social constrói o conhecimento que se dá na interação do ser humano com a natureza. É na ação do pescador sobre o mundo natural e social que ocorre a educação não-escolarizada. Para a autora acima (p.119), o trabalho torna-se o elo de estreitamento entre a natureza e o conhecimento que se baseia na experiência empírica e na prática cotidiana, e deve ser entendido como instrumento de conhecimento para o ribeirinho. O território de sobrevivência, um potencial espaço de aprendizagem, é locus de aquisição de conhecimento gravada na memória do povo que se perpetua nas gerações pela educação não escolar e propicia uma fonte rica em dados evidenciados nas ações e nas atitudes do pescador.

No rio e em casa, há um processo educativo instalado fora dos espaços escolares aprendido no cotidiano, na relação de trabalho, na construção social e na interação com o meio ambiente e entre pessoas. Todos estes saberes dos grupos humanos são construídos nos espaços não escolares e

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geralmente são transferidos aos membros da família ao longo do tempo, no espaço de vivência. O diálogo, a viagem, a ação de pescar, os momentos de repouso, o preparo e as refeições no rio ou no Pantanal, em casa, entre os membros da família, e outras atividades fazem parte do cotidiano do grupo social de pescadores. Nestes momentos e espaços é que ocorre o processo educativo resultante da interação entre os sujeitos envolvidos e destes, com o ambiente vivenciado.

Esta pesquisa revelou que há um saber local construído por um processo educativo fora do espaço escolar no cotidiano que se manifesta entre pescadores. E este conhecimento local é o obtido na vivência com o ambiente e este é transmitido de geração a geração através da oralidade (MARQUES, 1995; DIEGUES, 2001; GOHN, 2001). O saber das populações tradicionais é adquirido e transmitido culturalmente pelos mais antigos ao longo do tempo. Um conhecimento adquirido pela tradição herdada dos mais velhos, de mitos e símbolos que levam à manutenção e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais (DIEGUES, 2000, p. 84).

O pescador pantaneiro tem se mostrado um “mestre” na medida em que incorpora o ambiente natural, através dos seus recursos, nos espaço de produção, na aplicação de estratégia de pescaria e na sua interação com o meio. Em meio à natureza, este pescador desenvolve uma “ciência folk” local, não apenas conduzida pelo utilitarismo, mas também pela “curiosidade naturalística” que seria peculiar ao ser humano (MARQUES, 1995, p.72). O apurado senso de observação, o contato e a leitura dos fenômenos naturais permitem que o pescador expresse um conhecimento prático no plano vivido e percebido diariamente com a natureza.

Para Furtado (1993, p. 203) existem dois espaços interativos e dominantes do aprendizado do grupo social da pesca: O mundo de fora (o rio, mas transitado pelos homens) e mundo de dentro (o lar, mas transitado pelas mulheres), estes

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dois espaços constituem escolas por onde passam a construção do conhecimento do grupo em estudo. “A significação desse duplo quadro de realidades, a nosso ver, reside no fato de constituir, ele mesmo, mecanismos de reprodução da aprendizagem natural (para dizer informal) do conhecimento”. É nessas práticas escolares, no rio e em casa, que ocorre o aprendizado via oral/visual, que é reforçado no seio do grupo social, aqui entendido como uma educação não-escolarizada, conforme aponta Guarim Neto (2000). É um saber cultural registrado na memória, repassado entre os membros do grupo social de “geração para geração oralmente” (RIBEIRO, 1987), que vem acontecendo “fora dos espaços escolares” (GOHN, 2001, p. 100), resultantes da interação entre o sujeito e objeto em construção.

Na educação não-escolarizada, o processo educativo instalado entre o grupo social pesquisado ocorre no espaço familiar, na relação de trabalho, inclusive, na experiência adquirida durante a produção pesqueira no dia-dia. Um processo educativo que tem sempre “o caráter coletivo, passa por um processo de ação grupal, é vivida como práxis concreta de um grupo, ainda que o resultado do que se aprende seja absorvido individualmente” (GOHN, 2001 p. 104).

O processo educativo não-escolarizado em comunidades acontece e atinge os grupos de pescadores e membros da família de uma maneira não intencional, o que Freire (2001, p. 96), denomina de educação popular e que pode realizar-se apenas no espaço da informalidade e da vivência, na prática político-pedagógica fora da escola, no interior dos movimentos populares, em grupos sociais, e em outras comunidades humanas.

De acordo com os pescadores entrevistados, eles aprenderam sobre a pescaria e sobre o rio Paraguai por meio de experiência própria e da vivência com o rio, com os pais, com os amigos pescadores, com os mais velhos e com os avós e

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estes conhecimentos são adquiridos através da educação não–escolarizada. Gohn (2001, p. 103-104) corrobora que a prática social e experiência das pessoas em trabalhos coletivos geram um aprendizado por “meio da vivência de certas situações-problema”.

Os entrevistados da pesquisa manifestam-se através dos seus instrumentos de trabalho e na ciência que possuem da natureza, um aprendizado cumulativo do convívio local. Furtado (1993, p. 199) descreve que o:

Conhecimento do ambiente em que vivem e a habilidade para fazer as coisas para utilizar esse ambiente, à medida em que vão sendo transmitidos e absorvidos pelas gerações, transformam em práticas, hábitos de vida, modos de apreensão e apropriação da natureza. Estes são apreendidos de modo empírico, pelo contato íntimo com a natureza (terra, água, fauna, flora) e com o próprio homem.

Porém, se forem características do grupo de aprendizagem, não implicam perenidade. O ritmo acelerado do processo de mudança, no contexto da sociedade abrangente, traz efeitos modificadores para esses patrimônios culturais e/ou mesmo para redefinição no campo de saber e prática local. O saber local, presente na memória de um povo, só se perpetuará se os pais ensinarem este saber aos filhos, caso contrário, este corre o risco de desaparecer entre o grupo social e, pior ainda, às vezes ser registrado no “banco” de informações de um povo que poderá auxiliar nas futuras pesquisas e estratégias de conservação do ambiente. Desta maneira, para Gohn (2001), a educação não-formal, “passa a valorizar os processos de aprendizagem em grupos e dar-se grande importância aos valores culturais que articulam nas ações dos indivíduos” (p. 92).

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O saber local e a educação não-escolarizada são importantes para a promoção de reflexões a partir da relação construtiva do grupo e para apontar indicadores da melhoria da qualidade de vida dos pescadores pantaneiros. A valorização dos saberes perpassará por uma questão de respeito à diversidade cultural estabelecida no meio social. Desta forma, o diálogo entre estes e outros grupos sociais torna-se relevante para a difusão e a manutenção deste saber para tratar das relações de trabalho, das condições de vida e do exercício da cidadania. Desde então, a escola precisa e deve ir além das quatro paredes, ultrapassarem as barreiras impostas pelos os muros e proporem um ensino significativo para os educandos.

Para a maioria dos pescadores, o ensino escolar proposto para seus filhos é diferente daqueles que os mesmos apreendem da educação não-escolar. De acordo com os dados desta pesquisa, 60% dos pais pescadores entrevistados disseram que a escola não ensina sobre a pesca e rio Paraguai aos seus filhos e os restantes 40% disseram achar que a escola ensina. Entende-se que para a maioria dos pais, a escola não ensina sobre pesca e rio Paraguai aos seus filhos. Enquanto que na pesquisa anterior desenvolvida com os filhos dos pescadores Lima e Guarim Neto (2003), revela que a escola ensina temática relacionada a preservação da mata ciliar, dos animais, do meio ambiente, do rio Paraguai. Ou seja, uma educação com tendência preservacionista.

A partir dos dados acima, há uma aprendizagem referente à pescaria fora da escola e de meio ambiente/natureza no interior da escola. Percebe-se que, tanto o espaço escolarizado quanto o não-escolarizado, constituem espaços de aprendizagem para os educandos. São os momentos de socialização de saberes que podem ser (re)construídos os conhecimentos durante a prática escolar. A escola ribeirinha precisa e deve procurar exercer suas atividades pedagógicas na

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tentativa de superar os saberes socialmente construídos fora da educação formal.

De maneira geral, para os pescadores, a escola é importante para conseguir uma melhor profissão, aprender ler e escrever e a vêem, como geradora de oportunidades para os seus filhos. Eles têm esperança que os seus filhos consigam, pelos dos estudos, “uma profissão melhor” do que a de pescador, mostrando então, uma preocupação com a ascensão social conforme fora evidenciado por Bortolotto (1999) e Reis (1996). Esta última autora aponta que aos pais pescadores cujos estudos escolares formais foram negados, “cabe perceber e aceitar a escola como um lugar onde seus filhos irão encontrar o saber necessário, como ler, escrever e contar, nas novas relações sociais e, conseqüentemente, serão melhores sucedidos na vida profissional” (p. 30).

Os pescadores encaram a escola como uma modalidade de criação de oportunidades de trabalho para os seus filhos, mas que não seja como pescador. Os pais querem que seus filhos aprendam ou se preparem, para um ofício, na escola, porque consideram o trabalho da pesca sem futuro e não têm esperança de melhoria no setor. E sabe-se que a instituição escolar não é unicamente um veículo para ensinar a visão reduzida do mundo, ao contrário, é um agente de transformação da realidade social, política e econômica do País. Do ponto de vista pedagógico, a escola, inclusive, as ribeirinhas que convivem com o grupo social de pescadores não pode estar alheia aos problemas sociais que acontecem na região. Honda (1998 p. 105), afirma, não deve acontecer uma “dissociação entre o que a educação propõe e o que a vida exige”. Do ponto vista mais amplo, a escola deverá participar como agente de transformação da vida da comunidade local, bem como a dos pescadores, do rio e do Pantanal. A concepção do pescador que nunca freqüentou a escola é a de que ela ensina um saber diferente do dele:

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A professora lá na frente não vai ter essa orientação, nessa forma pra dá. Ela já vai dá outra orientação diferente, né. Ela vai querê insiná uma criança jogar um clube, jogar o futibol, dançá uma dança, as veis, aqui, eu sou pai, nu insino, a professora lá ensina. A escola numa parte ela tira o conselho dos pais, porque que eu dou consei, cumé que toca vida certa [...] mais na frente (Pescador do bairro Garcês, 04/2003).

Desta forma, o pescador relata que o ensino da escola é diferente daquele transmitido aos filhos no seio intrafamiliar para a melhor convivência familiar, social e de respeito mútuo entre as pessoas. Entretanto, a pesquisa de Lima e Guarim Neto (2003), demonstrou-se que os filhos dos pescadores possuem um saber análogo aos dos pais pescadores. Eles pescam junto com os pais ou sozinhos e ainda adquirem experiência tanto no rio como em casa. Outrossim, são conhecedores das iscas para capturar cada espécie de peixe e dominam um conhecimento ecológico de “cadeia alimentar” da fauna local. Certamente não aprendem tais conhecimentos na educação escolarizada, naquela que se processa no interior da escola. Com base no conhecimento sobre a utilização de isca, na dieta alimentar dos peixes e ação de predadores pode-se construir cadeia e até mesma teia alimentar da diversidade biológica encontrada no rio Paraguai. Esse conhecimento adquirido, através da vivência local pode ser utilizado no currículo do ensino de ciências naturais na interface com outras áreas do conhecimento, nas práticas escolares. Desse modo, o trabalho do exercício pedagógico poderá partir de um saber contextualizado e significativo na vida do estudante, desdobrando, assim, para outros conhecimentos científicos na perspectiva de superação dos saberes socialmente construídos.

Os filhos dos pescadores carregam consigo um mundo real e vivenciado na prática e na observação, o que as escolas,

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que recebem estes alunos, jamais devem dispensar. É nesse contexto que a escola precisa dialogar com os diversos saberes: popular e os acadêmicos oriundos das distintas áreas das ciências. Dessa forma, a discussão do conhecimento oriundo do discente, enriquece as práticas pedagógicas, adquire dimensão ambiental, social, cultural e educativa. Os filhos levam, diariamente, o conhecimento aprendido na prática, para sua escola que pode ser valorizado no momento da aprendizagem conforme é colocado por Reis (1996 p. 137): “a criança carrega consigo uma bagagem muito grande de experiência de vida que deve ser levada em consideração no momento da aprendizagem e que a criança vive, direta ou indiretamente, experiência de trabalho da sua família, do seu universo social.” Bortolotto e Guarim Neto, (1998 p. 26), descrevem que as crianças da “escola demonstram possuir um conhecimento importante sobre a natureza, adquirido certamente através da convivência com a família.” Elas recebem esses conhecimentos e podem associar ou não com os saberes escolares.

Os autores acima discutem sobre a importância da interação do saber adquirido no cotidiano com o conhecimento escolarizado, em sala de aula. Para que isso se torne real, é necessário que o educador repense o processo educativo da sua prática escolar. Nas relações pedagógicas deve-se valorizar a experiência do educando, adotando uma metodologia de ensino que permita construir um saber contextualizado, que respeite e traga beneficio a ele.

A escola deve perceber que o conhecimento da comunidade local, inclusive a dos pescadores pantaneiros, “é um instrumental poderoso que bem poderia ser aproveitado como parte do conteúdo dos currículos escolares, uma vez que no seio das comunidades esse saber tradicional e cotidianamente é perpassado entre os seus habitantes” que pratica e/ou vivencia o rio e o Pantanal de Cáceres (GUARIM NETO, 2000, p.191). O diálogo é fundamental no processo

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educativo, que realmente a escola seja um espaço de pluralismo de idéias, centro irradiador da cultura popular local, competente, democrática e comprometida com as mudanças e à disposição da sociedade para recriá-la.

Considerações finais

Partindo deste pressuposto, o pesquisador/professor deve ouvir e investigar a população humana para compreender os saberes e as práticas estabelecidas naquele ambiente, para que possa entender hábitos e costumes e realizar a necessária intervenção educativa. Considera-se ainda importante verificar o conhecimento empírico e a experiência dos pescadores, respeitando as diversidades sociais, culturais, religiosas e, principalmente, profissional destes grupos. É importante que a comunidade de pescadores ribeirinha se sinta valorizada e valorize seus conhecimentos, contribuindo com iniciativas pedagógicas da escola, de modo que a educação escolar dos filhos seja coerente e condizente com a cultura local. A escola deve contribuir com o educando para que ele vá compreendendo o mundo e a realidade que o cerca no desenrolar da práxis, a fim de que possa estender os olhares ao mundo externo do seu. Ou seja, perceber as partes e depois ver o todo, num olhar significativo, perspicaz e com um potencial rico às adequações educativas inerentes ao processo ensino - aprendizagem.

A partir deste estudo com os pescadores, há possibilidades de se estabelecer um diálogo entre o saber empírico com eles e com o conhecimento acadêmico trabalhado em sala de aula. Esta conexão entre os diferentes saberes poderá emergir da relação dos filhos de pescadores (alunos) com o rio Paraguai pela cultura que vêm construindo sua história de vida em seu cotidiano, ao longo do tempo. Negar

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estes saberes, nas práticas pedagógicas, significa perder uma ciência concreta que foi experimentada entre o grupo de pescadores. Há possibilidades de discussão na escola de uma matriz curricular que aproveite, cada vez mais, o conhecimento ambiental observado e vivido pela comunidade ribeirinha. Isto não significa que devemos esquecer ou perder de vista os problemas ambientais de outras regiões do estado e de outros países. Pelo contrário, deverão trabalhar o ambiente local como ponto de partida. Dirigir-se para outras regiões, porque nosso ambiente não é só aqui, ou seja, ter visão das partes, sem perder a conexão com o todo.

Pela educação não-escolarizada, pode-se refletir junto ao grupo de pescadores pantaneiros e da comunidade ribeirinha sobre mecanismos de ação de educação ambiental para a região. Neste sentido, a educação não-escolarizada constitui um valor da sabedoria popular que não pode ser desprezado pela comunidade científica acadêmica. É a partir dessa educação que já se construiu e ainda se está construindo a ciência que hoje permeia as instituições escolares. Perder o conhecimento empírico significa retroagir no tempo e construir novamente o que outrora já fora construído. E voltar ao tempo é impossível, a tarefa de construção desses saberes milenares permeia o ambiente humano

Partindo desses pressupostos, urge que haja uma proposta de educação ambiental utilizando o conhecimento dos pescadores tradicionais dotados de saberes sobre o rio Paraguai, da dinâmica do Pantanal e outros recursos naturais, que poderão contribuir com um programa de conservação do ecossistema, respeitando a diversidade biocultural do povo local que sobrevive da pesca e conhece com perfeição as nuances pantaneiras.

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ESCOLA DEMOCRÁTICA: UMA CULTURA EM CONSTRUÇÃO

Ana Maria de Souza Lima

RESUMO: O artigo é o resultado de uma pesquisa realizada em escolas municipais de Cuiabá, sobre o impacto produzido nas atitudes e ações das mães, coartisentes da Universidade Popular Comunitária, a partir de uma educação democrática e dialógica. Entre os impactos produzidos, está o conflito entre mães e escolas, em função da falta de gestão democrática nas escolas onde estudam seus filhos(as). Embora haja uma Política Estadual de Educação Democrática, na prática as escolas ainda não possuem um espaço democrático de fato. Para compreender a participação das mães e/ou ausência dela, nas escolas, fez-se um breve passeio pela história da educação, pela construção cultural e pela política do Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: mulheres; educação; participação e democracia.

ABSTRACT: This article is the result of a research realized in the concil schools of Cuiabá, about the impact produced in the attitudes and mother's actions, of the Universidade Popular Comunitária, from a democratic and dialogic education. Some of the cause of the impacts is the conflict between mothers and schools, because of the absense of democratic manage on their children's schools. Although there is a Democratic Politician Education of the State Government, the experience shows that at schools there is no democratic space. For the understanding the mothers' participation or absense at schools, I did a short briefing about the history of education, the cultural and politic construction of Brasil.

KEY-WORDS: women; education; participation and democracy.

Este artigo coloca em discussão a gestão democrática

a partir de uma pesquisa realizada nas escolas Municipais José

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Osmar Cabral e Constância de Figueiredo Bem Bem, Região Sul da Cidade de Cuiabá-MT. Os sujeitos da investigação são as mães coartisentes1 da Universidade Popular Comunitária - UPC - que possuem filhos (as) estudando nessas escolas. Com o intuito de compreender a cidadania como um exercício de participação social e política, principalmente no que se refere à intervenção na escola, faz-se mister uma breve passagem pela História da educação brasileira entre o período de 1931 até os nossos dias.

Em vários momentos da História da Educação Brasileira houve movimentos de luta, até certo ponto, conflituosos, em prol da efetivação da educação pública. Esses grupos foram formados por pais de alunos, educadores, estudantes e da sociedade de maneira geral. O primeiro conflito aconteceu entre católicos e liberais/escolanovistas, ocorrido no período que vai de 1931 a 1937, sobre as linhas que deveria assumir a política nacional de educação. A segunda crise refere-se ao conflito entre escola pública e escola particular, que vai de 1956 a 1961, culminando com a aprovação da Lei 4.024. A terceira crise corresponde ao surgimento dos “movimentos de educação popular”, de 1960 a 1964. A quarta, e última, é a que estamos vivendo, e teve início por volta dos anos 80; trata-se da luta pela universalização e democratização da escola.

As duas primeiras fases destacam-se pelo lançamento do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) que tinha como ideal uma escola comum e única mantida pelo Estado; obrigatoriedade e gratuidade escolar, laicidade e co-educação” (LIBÂNEO, 1998, p. 58). Esses ideais eram fundamentados na concepção filosófica de escola democrática e 1 Coartisentes: pessoa que por disposição própria principia-se nas atividades caracterizadoras dos fazeres de artisentes recebendo e repassando saberes, atuando como artífice, auxiliantes. Aquele que faz com, partilha o fazer com os artisentes.

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visava ajustar a educação ao modelo industrial - urbano que estava sendo implantado no Brasil. Por essa razão, manteve-se o modelo educacional, no cenário brasileiro, de atendimento ao mercado produtivo industrial. Embora na década de 80 tenha havido duas matrizes onde a cidadania se afirma, como diz Arroyo,

[...] a matriz produtiva, o direito do trabalho, os direitos do professor e da professora como trabalhador. A outra linha é mais política, a cidadania como participação política, a cidadania pela eleição do diretor, pela eleição do reitor, pela gestão democrática, esta é a outra perspectiva [...] (2004, p. 50a).

As discussões e propostas realizadas em prol de ideais inovadores para uma escola que valorizasse o humano e não o mercado não foi possível até hoje, isto é, a implantação de uma idéia que realmente viesse modificar significativamente o sistema educacional brasileiro.

Retomando os movimentos em prol da educação pública pode-se dizer que os princípios norteadores da Escola Nova, pensados a partir da filosofia progressista, não foram absorvidos pela organização escolar, menos ainda os princípios pedagógicos desta idéia. Embora esses ideais não tenham sido efetivados na prática, provocaram conflitos entre católicos e liberais escolanovistas, o que acabou contribuindo com denúncias da ineficiência da estrutura educacional e estimulou o crescimento da política de expansão da escola para a população em geral.

O segundo movimento, inspirado igualmente na pedagogia liberal, caracterizou-se pelo confronto entre os defensores da escola pública e os defensores da escola privada. Os defensores da escola privada tinham como liderança a igreja católica, que defendia a liberdade de ensino, a orientação

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humanística e religiosa das escolas e o financiamento pelo estado das escolas privadas. Sendo que a escola mantinha um perfil elitista para atender aos interesses da oligarquia na manutenção da ordem estabelecida. Empresários e políticos apoiavam o projeto da Igreja que orientava a privatização do ensino. Enquanto isso, os defensores da escola pública lutavam pela ampliação e democratização de um ensino que garantisse oportunidade a todos, pela modernização do sistema educacional, pela aplicação de métodos científicos que pudessem abrir perspectivas aos problemas educacionais.

No período compreendido entre 1932 e 1959, a educação nacional contou com avanços e retrocessos, pois o país encontrava-se sob uma frágil democracia peculiar. Nesse quadro, formado por três partidos políticos: PSD, representando setores liberais; PTB, articulando setores trabalhistas e a UDN, movimento de inspiração conservadora, cada um destes partidos liderava uma parcela da sociedade que disputava entre si o poder. É dentro desse contexto que a educação é pensada e reformulada. Durante treze anos o Projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), deixada pelo Estado Novo pelas “Leis Orgânicas”, de Gustavo Capanema, ficou tramitando no Congresso Nacional e ela abria perspectivas importantes para a democratização da escola pública de acesso universal.

De acordo com a “Constituição de 1946, a União deveria fixar as diretrizes e bases da educação nacional” (GHIRALDELLI, 1994, p. 112a). Para tanto, o Ministro da Educação e Saúde do governo Gaspar Dutra, criou uma comissão que contou com a participação de educadores de diversas áreas e tendências educacionais. Esse projeto foi remetido ao Congresso e arquivado em 1949. Entre essas idas e vindas do projeto no Congresso, passaram-se seis anos. Em 1958, a “Comissão de Educação e Cultura recebeu um substituto – o substituto Lacerda aliado a interesses não nacionais - que alterou todo o texto original” (GHIRALDELLI,

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1994, p. 113b), para atender aos interesses da escola privada. Durante esse período de embate político, a rede pública de ensino havia crescido. Sendo assim, os defensores da democracia, engajados pela luta da escola pública e da criação de uma política que mantivesse o Estado controlando a escola privada, provocaram uma grande mobilização que culminou com a explosão da sociedade civil em prol do direito da escola pública. Essa campanha ficou conhecida como o “Manifesto de 1959” e teve como base o ideal do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Os educadores contaram com a participação da sociedade por meio da representação dos intelectuais liberais, liberais-progressistas, socialistas, comunistas e nacionalistas, entre outros: pessoas que deram sustentação ao referido documento.

Esse breve levantamento histórico possibilita uma compreensão mais clara do que foi a luta pela democratização do ensino, por uma escola pública que atendesse à classe trabalhadora. Uma vez que a escola pública cumpriu o papel de assegurar o atendimento às exigências da industrialização no Brasil, imprescindível do ponto de vista econômico e político para afirmação de um projeto nacionalista. Hoje, contudo, a educação, desviada dos ideais propugnados pelos pioneiros, tem efetivamente assegurado os interesses da classe dominante em detrimento dos interesses dos dominados. Isto significa que vários momentos da vida educacional do país têm sido marcados por lutas de educadores pela melhoria da qualidade do ensino, principalmente por uma escola pública fundamentada em princípios democráticos.

No início da década de 80 ocorre a quarta fase, que busca discutir o papel da escola enquanto campo de luta para eliminação das contradições sociais, mas não apenas isso busca compreender também, a escola como determinante histórico que possibilita a construção da conscientização popular dos direitos e deveres políticos, sociais e culturais. Nesta

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perspectiva, a cidadania pode ser construída, como afirma Arroyo “[...] uma cidadania que toma o trabalho como princípio educativo, lá onde se produz e se reproduz à existência material como princípio educativo da formação humana, como princípio da consciência cidadã”. (2004, p. 50b).

Prolonga-se até os dias de hoje a luta dos educadores por uma educação que construa uma visão crítica da realidade, pautada na crença de que é possível - mesmo nos espaços de contradições sociais - haver possibilidades de desenvolverem propostas democráticas que atenda aos interesses da maioria desprovida de efetivação dos direitos constitucionais. E são esses movimentos de mobilização política que representam momentos marcantes e fazem a diferença, pois contribuem com os avanços das políticas educacionais do país.

Em Mato Grosso reflete-se de maneira singular a luta dos profissionais do ensino e da população pela democratização da escola. Desta forma, o projeto da gestão democrática teve início na década de 80, no governo municipal Dante de Oliveira e Serys Marly como Secretária de Educação, efetivando um conjunto de medidas imprescindíveis como a: descentralização dos recursos, eleição para diretores, práticas colegiadas que deram à educação um caráter democrático. A efetiva implantação desse projeto, isto é, a eleição para diretor (a) só aconteceu, entretanto em 87, quando foi permitido à comunidade escolher o gestor da escola por meio do voto direto e secreto.

Esse avanço foi significativo para o processo de democratização do ensino em Mato Grosso, mas não foi uma dádiva dos governantes do estado, e sim, uma continuação dos movimentos em prol da democratização da educação que se estendia por todo o país. Essa luta dos profissionais da educação, dos pais de alunos e estudantes, por uma escola democrática, na qual os pais tivessem um espaço de contribuição no processo de escolarização dos filhos, não foi

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diferente das lutas difundidas e desenvolvidas em outros estados. A luta prolongada, pelos reveses da administração do estado, não garantiu, contudo, um espaço escolar democrático. No exercício do dia-a-dia a escola se manteve fechada conservando sua hierarquia de poder; não havendo, contudo, grandes avanços.

Embora a luta continue e os avanços sejam lentos em função dos “condicionantes sócio-culturais e econômicos” que historicamente têm engessado os processos de implantação da gestão escolar democrática, a participação da comunidade na escola, como exercício de cidadania se faz como caminho ao caminhar. Diante desse contexto, as discussões por uma escola democrática aberta à comunidade têm avançado em alguns espaços mais do que em outros, uma vez que o espaço escolar é administrado por profissionais que possuem visões e concepções diferentes e cada comunidade possui uma dinâmica própria.

A participação efetiva da comunidade no espaço escolar não é desejada e nem vista como de grande importância pela maioria dos profissionais da educação. Ao contrário. Em algumas escolas esse processo teve maiores avanços em função dos interstícios encontrados no espaço escolar respaldado, freqüentemente, por uma concepção mais democrática e participativa por parte da direção da escola.

Temos, neste momento, nas experiências em curso da democratização dos processos de gestão em Cuiabá, um movimento expressivo de educadores, gestores e comunitários articulados em torno de um projeto que objetiva a autonomia, democracia e emancipação. A participação das mães num destes projetos, o da Universidade Popular Comunitária (UPC), cujo protagonismo e co-gestão da comunidade educativa, acabou por se estender também à escolarização dos seus filhos e filhas como coadjuvantes, tanto no perfil da direção dos

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processos, como no âmbito do ensino-aprendizagem de forma exemplar.

Ainda assim mesmo, nestes processos educacionais inovadores, sempre haverá condicionantes que se constituirão obstáculos a uma plena democracia na escola, sobretudo porque a sociedade brasileira não é democrática. Estes condicionantes não são conjunturais, locais e episódicos, eles circulam na cultura política da sociedade brasileira e possuem, por isso, uma amplitude macro e se reproduzem nas condições sócio-culturais, econômicas e políticas das mães, dos profissionais da educação e do poder público.

Apesar do protagonismo das mães em sua própria educação e na de seus filhos, não basta formalizar esses direitos de participação, mas, sobretudo oferecer condições por meio das quais elas possam conquistar esses espaços escolares, que por direito é um espaço público, visto que é a participação efetivada que configura o processo de construção democrática, não sendo, como já o dissemos, dádiva dos gestores da escola. Embora a gestão escolar tenha também um papel fundamental nessa conquista, pois é a equipe gestora da escola que poderá garantir maior ou menor liberdade de participação - diminuindo constrangimentos e tecendo apoio concreto às iniciativas da população - que poderá vir a garantir a consolidação dos processos de apropriação dos espaços públicos da escola e de suas finalidades educacionais.

Essas condições passam por vários aspectos, tais como: disponibilidade de tempo, isto é, os horários das reuniões devem ser adequados ao atendimento às mães, os dias da semana também devem ser acordados e dimensões humanas de acolhimento e receptividade que a equipe gestora pode e deve, como servidores públicos, disponibilizar a população. A escola deveria abrir suas portas nos finais de semana, como por exemplo, em um sábado pré-determinado, à tarde, para ampliar o atendimento às mães que não disponibilizam de tempo

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durante a semana. Temos visto, também, que é imprescindível que haja uma discussão entre mães e profissionais da escola para estabelecer um tempo que atenda aos interesses de ambos. Os professores, supervisores e gestores devem oferecer tempo para as discussões informais com as mães que não sejam utilizados para falar dos filhos enquanto ‘problemas’ e/ou contra eles; isto é, a escola enquanto formadora de consciência deve fazer esse trabalho de apoio e incentivo à consciência incipiente que a maioria das mães traz, uma vez que, a grande maioria poderá necessitar de orientações face à ausência de informações, baixa ou nenhuma escolaridade.

Outro aspecto importante é o estabelecimento do diálogo com as mães de modo que elas expressem seus desejos com relação ao aprendizado do filho e filha, posto que há direito por parte da população de contribuir na formulação do tipo de educação que buscam para seus filhos. Logicamente ajudado pela formação específica que os profissionais da educação possuem, no sentido de auxiliá-las. Ou seja, disponibilizar a liberdade para discutirem propostas de melhoria da aprendizagem sob a ótica dos interesses da comunidade. Só assim haverá a construção do processo democrático no espaço escolar que se estenda das questões mais amplas da cultura geral às mais corriqueiras e cotidianas.

O ideal, por definição, não é o real. Uma das mães coartisentes da UPC referia-se à linguagem inadequada usada pelos profissionais da educação ao se dirigir às mães, pois, utilizam conceitos que não fazem parte do vocabulário cotidiano delas. O uso de termos técnicos não permite a compreensão clara – e por vezes esconde - do que se discute; em função disso, as mães evitam conversar com os profissionais, principalmente, aquelas mães que possuem baixa escolaridade e têm, por isso, maiores dificuldades para se expressar e compreender os sentidos que abrigam a linguagem elaborada por outro tipo de cultura, a dos profissionais. Isso faz

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com que elas sintam-se inferiorizadas. Contudo, elas possuem conhecimentos expressos por uma outra lógica (a da vida), que precisam ser compartilhadas, assim chamadas a compor o currículo escolar com os profissionais da escola, uma vez que as crianças circulam em um mundo outro com inúmeras situações específicas, ameaçadas na sua sobrevivência em muitos riscos. Estas mães são importantes para os processos educacionais de seus filhos e precisam de segurança e espaço para se expressarem, bem como de acolhimento de suas propostas.

São esclarecedores os depoimentos das mães coartisentes da UPC, Luciene, Otilia e Elza, que abaixo transcrevo.

Luciene (38) ilustra essa idéia: “antes de voltar estudar eu não ajudava minhas filhas porque não me sentia a vontade, achava que não sabia, mas hoje eu percebo – pelos processos vividos na UPC - que muita coisa eu sabia”. Essa mãe, hoje, não só ajuda as filhas nas atividades escolares deixadas para casa, como também deseja mudar o ensino ministrado na escola das filhas, porque percebeu a desmotivação delas, devido à falta de criatividade no sistema educacional das escolas freqüentadas pelas suas filhas.

Essa mãe descobriu que sabe, por ter encontrado um espaço – a UPC, que lhe propiciou liberdade para dizer o que pensa, sente e acredita. Atualmente Luciene faz parte da diretoria da ONG, criada pelos estudantes da UPC.

Otília (42) disse: “nós precisamos é saber que na vida cotidiana também se constrói conhecimento. Não existe pessoa alguma sem virtudes, todo ser humano tem alguma coisa para ensinar ao outro”. Otília atualmente é membro da diretoria da ONG já citada.

A Elza (39) mencionou que sua presença na escola da filha dá a ela maior segurança e melhor aprendizado. A presença das mães contribui com a melhoria do ensino-

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aprendizagem, como ela disse: “agora que eu sei o quanto é importante ter voz e ser ouvida, ser vista como pessoa dentro da escola, ser percebida pelos professores, agora o meu sonho é poder modificar a escola que a minha filha estuda. Porque lá ela não é percebida, não pode falar e quando fala não é ouvida pelas professoras”.

Luciene acrescenta: “Eu gostaria de mudar a direção da escola porque ela não participa de eventos importantes na cidade, não toma providência com relação às coisas que a escola precisa, as crianças fazem educação física no sol. É preciso mudar o ensino, antes eu não pensava assim. Vejo que o ensino não é bom porque minhas filhas estudam fazem prova e tiram dez, mas não sabem o que fizeram, quando pergunto não explicam porque não entenderam. Eu estudei o ano passado e o que aprendi não esqueci. Elas ao contrário, esquecem logo depois”.

De maneira geral, é coerente dizer que há certa consciência por parte da mulher sobre os seus direitos e deveres enquanto cidadã na escolarização dos filhos e filhas.

Considerando os depoimentos das mães que fazem parte do projeto da Universidade Popular Comunitária, na qual experimentam liberdade para propor, opinar, criticar e realizar junto às atividades de cunho pedagógico ou político-administrativo de forma compartilhada é possível inferir que a escola convencional que atende seus filhos, não conseguiu efetivamente permitir apropriação e democratização do espaço escolar e dos processos de ensino-aprendizagem. Percebe-se, pela fala destas mães coartisentes, um conflito intersubjetivo em relação ao processo que elas têm vivenciado no espaço educativo da UPC, quando confrontado com o processo de construção de seus filhos no espaço educativo da escola.

As relações são conflitantes entre mães e escolas em função dos condicionantes ideológicos aludidos no texto. No depoimento da mãe sobre a relação dela com a escola fica

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evidente que ainda não há um diálogo de fato, em razão disso, também não se tem uma participação ativa de outras mães no espaço escolar de seus filhos. Como declara Elza: a diretora e a coordenadora querem estar por cima das mães, na verdade elas gostariam de dizer para nós: ‘fica lá embaixo que é o seu lugar'.

Esse depoimento da mãe merece uma análise sob a ótica de Bobbio (2000, p. 24), que diz: “fixar o rótulo de ‘valor humano inferior’ a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social”. Embora o autor não tenha se referido ao espaço escolar, vejo que nesse caso existe uma pertinência entre essa visão, e a que o autor se refere, entre as mães e o espaço da escola. Pois está presente na fala das professoras (e) e da equipe gestora, o sentimento de posse e de superioridade.

Esses conflitos são gerados em função das mães terem se conscientizado do seu direito de cidadania e procurado intervir no espaço de escolarização de seus filhos (as), implicando, assim, numa participação real enquanto um direito delas de acompanhar o processo de escolarização dos seus filhos (as). Antes de voltar a estudar, essas mães coartisentes não buscavam intervir no processo escolar dos filhos, não se preocupavam com as atividades desenvolvidas na escola, nem como estavam organizados os espaços dela e, no que tange, ao aprendizado, elas não eram atentas às formas de avaliação do aprendizado, isto é, não observavam como tinha sido a avaliação do processo de aprendizagem dos filhos, se realmente a quantificação era coerente com o antes e o depois, ou seja, se realmente havia uma mudança no processo de aprendizagem dos filhos quando comparados com eles mesmos.

A participação é limitada, mas não se esgota em si mesma como afirma Paro (2004, p. 17a), “[...] a participação da comunidade na escola, como todo processo democrático, é um caminho que se faz ao caminhar [...]” esse caminhar iniciou-se quando o Estado formalizou a gestão democrática nas escolas.

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Os passos dessa caminhada são lentos e processuais, em função dos inúmeros problemas estruturais existentes, mas isso não deve ser motivo para desistência “[...] esperando que a sociedade se transforme para depois transformar a escola [...]” (PARO, 2004 p. 19b). Durante a trajetória do processo de democratização da educação, já aconteceram muitas mudanças, porque existem profissionais da educação empenhados em fazer uma educação que faça a diferença entre o que o Estado propõe para a classe dominada e o que essa classe necessita para se desenvolver, ter emancipação, autonomia política, econômica e sociocultural. A transformação da sociedade só é possível quando houver a transformação das atitudes, das práticas das pessoas, e isso só acontece com um processo educativo que discute os determinantes do autoritarismo que dificultam a participação efetiva da comunidade na escola.

Luciene, mãe já citada anteriormente, afirma que “a direção da escola não toma providências com relação aos problemas estruturais e não propicia aos alunos a participação em eventos na cidade”. Esse depoimento admite uma análise sobre o condicionante estatal que permite, de um lado, a direção da escola se apropriar do espaço como sendo a única responsável e por outro lado, o próprio Estado que lhe atribui essa responsabilidade, como afirma Paro (2004, p. 11c), “o gestor da escola é o responsável último pela Lei e a Ordem na escola”, de forma que o gestor escolar é mero representante do Estado, consciente ou inconscientemente, é isso que ele representa no espaço escolar. Em se tratando da função do(a) diretor(a) essa dificuldade torna-se mais contundente quando o Estado, ao lhe atribuir autoridade maior no interior do espaço escolar, estabelece uma hierarquia na qual ele deve ser o ‘chefe’, atitude essa que contribui com a divisão de diversos estamentos no interior da escola (hierarquização). Fazendo isso o sistema colabora para que se forme uma

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[...] imagem negativa da pessoa do diretor, a qual é confundida com o próprio cargo; faz com que o diretor, tendencialmente, busque os interesses dos dominantes em oposição aos interesses dos dominados; e confere uma aparência de poder ao diretor que em nada corresponde à realidade concreta (PARO, 2004, p. 12d).

Na prática, o gestor da escola não possui soberania

para decidir “o quê” e “quando” fazer no que diz respeito à escola e ao ensino-aprendizagem, pois sua autonomia é relativa, na medida em que é impedido de agir frente aos problemas financeiros, organizacionais e políticos. Embora hoje os gestores já possuam maior liberdade na sua gestão porque os repasses das verbas são feitos automaticamente para as escolas, entretanto, são insuficientes para atender à demanda exigida pela educação e, por outro lado, ‘libera’ o estado das obrigações públicas que lhe concernem.

Além desses condicionantes materiais, existem condicionantes ideológicos que sustentam o corte autoritário na escola, os quais interferem no processo de restrita democratização do espaço escolar. Aqui se faz mister uma reflexão sobre eles, pois se tornam grandes entraves na efetivação da participação da comunidade, sobretudo das mães , naquele espaço. Os condicionantes ideológicos autoritários são implícitos na maioria das ações do profissional acrítico. Ou seja, essas concepções e crenças historicamente construídas em favor da hegemonia da dominação orientam e movem o comportamento, os valores e as práticas dos profissionais da educação. São “concepções e crenças derivadas de condicionantes econômicos, sociais, políticos e culturais mais amplos” (PARO, p. 25e) e que se contrapõem ingênua, intencionada ou excludentemente contra o reconhecimento da cultura popular.

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A concepção autoritária acerca da participação - enquanto condicionantes ideológicos e parte de construtos dos gestores e professores - justificam a não-intervenção da comunidade e principalmente das mães coartisentes (UPC) na escola dos filhos (as).

Lucas (1975, p. 107) refere que “[...] a participação pode assumir muitas formas, uma delas pode constituir apenas em tomar-se conhecimento de quais decisões estão sendo tomadas e o porquê das mesmas [...]”. Considerando o modo atual de participação das mães na escola, pode-se dizer que a concepção que os profissionais possuem corresponde à atitude mais comum adotada pelas mães, tomando apenas ciência de quais decisões estão sendo adotadas pela/na escola.

Entretanto, a participação na escola como um ideal democrático deve ter como princípio o que afirma Pedro Demo (2000, p. 18), “[...] participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual [...]”. Portanto, é necessário verificar se as mães possuem liberdade para opinar, propor e até mesmo decidir novos rumos para a melhoria do ensino - aprendizagem. Pois em todos os espaços existem argumentos a favor e contra questões a serem debatidas com a população, posto que se trata de decisões de caráter político no espaço escolar ou da própria comunidade. É importante compreender os fatos, razões, possibilidades e limites que permitam avaliar os motivos e, eventuais conclusões, ouvindo com atenção prós e contra, de sorte que as avaliações possam ajudar a interiorizar o exercício dialético da construção do poder participativo.

A comunidade não deseja competir com os profissionais da educação, sua finalidade é apropriar-se do direito de participar concretamente. As mães desejam ser protagonistas do processo educacional de seus filhos (as), buscando o prazer de criar e recriar idéias e coisas. Desejam ver-se valorizadas pelos outros e por si mesmas como parte de

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um universo vivo. No entanto, freqüentemente, a escola não as vê como parceiras, mas como rivais. Dificulta-lhes o acesso ao espaço escolar público. A escola tem sido tomada como um espaço privado, por isso, há uma preocupação com os limites da participação. As mães quando procuram intervir, encontram resistência tanto por parte dos professores quanto por parte da equipe gestora da escola. Os profissionais da escola ainda possuem dificuldades para dialogar com as mães de maneira democrática. Sobre esse assunto Paro (2004, p.25f) pergunta:

Se a escola, em seu dia-a-dia, está permeada pelo autoritarismo nas relações que envolvem direção, professores, demais funcionários e alunos, como podemos esperar que ela permita, sem maiores problemas, entrar aí a comunidade para, pelo menos, exercitar relações democráticas?

Os condicionantes ideológicos, tanto quanto os condicionantes culturais construídos por um longo processo histórico justificam, até hoje, o comportamento antidemocrático dos profissionais da educação, assim como, têm garantido a manutenção e difusão, em parte, desse processo. Os condicionantes culturais estão impregnados de valores autocráticos construídos por uma sociedade patriarcal que garantiu o desenvolvimento da dominação, alienação dos indivíduos em todos os tempos.

Paro (2004, p.19) diz que, “[...] uma sociedade autoritária, com tradição autoritária, com organização autoritária e, não por acaso, articulada com interesses autoritários de uma minoria, orienta-se na direção oposta à da democracia”.

No depoimento da Elza, ela afirma que ao entrar na sala de aula para deixar sua filha, não encontrando a professora na sala, ficou conversando com as crianças e dizia para elas o quanto é importante ouvir o que as professoras dizem para que

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possam aprender: “Eu não dizia só para a minha filha, pois quando eu entrei as crianças faziam muito barulho e corriam pela sala, então mandei minha filha se sentar e comecei a conversar com todos, a professora entrou e não gostou, disse para mim, você vai me deixar dar a minha aula, mãe, ou vai dar para mim?”

Ora, Mendonça, citando Carvalho (1989, p. 139) afirma que: a “participação ligada ao esforço para interferir nas decisões internas à escola é tratada como invasão, como abuso, como infiltração”.

Outros condicionantes contribuem com a não participação das mães no espaço da escola. Condicionantes culturais e econômicos estão presentes nas inúmeras responsabilidades da mulher dentro e fora de casa; estes caracterizam como entraves na sua participação efetiva, tanto na escola dos filhos (as) quanto em outras instâncias da sociedade. Por essa razão, não sobra ‘espaço’ à mulher para conquistar representação na vida social e política, sem ‘tempo’ para cuidar de si mesma. A mulher terá que lutar para alcançar seus objetivos e o pleno exercício da cidadania, embora em alguns espaços públicos tenha ocupado lugares que até poucas décadas atrás eram ocupadas somente por homens. Hoje, sua luta não é apenas pela conquista do espaço público, mas por respeito e solidariedade dentro e fora do lar. Isto é, o homem que está ao seu lado (esposo, companheiro) não possui compreensão de que ele também é partícipe nos afazeres domésticos e na educação dos filhos. Uma vez que, o companheiro ofereça à mulher o tempo necessário para viver outras experiências na política e em outros espaços sociais, isto possibilitaria a ela ser protagonista de sua história e da história de seu país.

O comportamento do homem em relação à companheira e com relação à educação dos filhos, faz parte de uma construção cultural que não é só do contexto brasileiro,

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mas de muitos países que possuem uma cultura machista e patriarcal. Dentro dos parâmetros de liberdade existe a construção cultural que, ao longo dos séculos, tem naturalizado a condição de desvantagem da mulher em relação ao homem. Mas como a vocação do ser humano não é ser coisa, ou seja, não é viver sem sentido, mais cedo ou mais tarde irá se rebelar contra o estado de coisa. Freire (1988, p. 30a) afirmou que: “a violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos [...]”.

Quando a mulher perde a sua ‘ingenuidade’ e começa a lutar por mais respeito, tanto humano quanto político, ela passa a ser vista pelo companheiro como uma ameaça ao seu poder de macho, instituído culturalmente. Quando “descobre em si o anseio por libertar-se, percebem que este anseio somente se faz concretude na concretude de outros anseios” (FREIRE, 1988, p. 34b).

A educação possui um papel importante nesta descoberta, mas não a educação formal que temos até hoje, pois no transcorrer da história da educação brasileira muitos fatores têm demonstrado que, quase sempre, esta modalidade de educação tem mais reproduzido o velho sistema, do que construído novas mentalidades, e as novas que foram construídas são escamoteadas através dos discursos demagogos de uma educação formal “Libertadora”, ou seja, uma educação que abrirá novas perspectivas para as classes subalternas, que propiciará a emancipação e a autonomia dessa classe. Embora isso não tenha acontecido até os nossos dias, ela é vista pela classe dominante e por muitos pensadores da educação, como a única legítima, prestigiada.

Arroyo (2004, p. 47b), afirma que: “[...] nesta educação não há mais espaço para a cidadania, só para a inserção produtiva, só preparar para produção, para o trabalho,

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para uma boa profissão, para ser alguém produtivo. É aí que mercantilizamos a escola [...]”.

Quinhentos anos de colonização e o povo brasileiro continua escravo dos países dominantes. A miséria e a violência, como conseqüência desta, têm aumentado a todo o momento, entre outras, as gritantes injustiças sociais no país. A educação formal ao longo desse processo histórico não contribuiu com a emancipação do povo brasileiro, ao contrário, os avanços significativos que possibilitaram mudanças - mesmo que não as ideais - foram processadas pela educação dos movimentos sociais.

Esses conflitos presentes em todas as classes sociais possuem, nas classes subalternas, um prejuízo ainda maior. À condição de mulher, somam-se a de pobreza, falta de moradia, saúde, negritude etc. Enquanto que as mulheres de outras classes sociais que ocuparam e ocupam espaços no poder público e em outras instâncias também convivem com a falta de companheirismo e desrespeitos dentro do lar.

Berger (1986, p. 109) afirma: “[...] a localização social não afeta apenas nossa conduta; ela afeta também, nosso ser [...]” O contexto social em que as mães coartisentes da UPC e profissionais da Educação Municipal de Cuiabá estão inseridas, permitiu, por um lado, o consenso de que os educadores são os únicos responsáveis pela organização, aplicação e manutenção do ensino-aprendizagem. Sendo assim, constituem-se como autoridades únicas dentro da escola. Essa autoridade é nomeada até inconscientemente pelas mães, pelo fato dos profissionais serem portadores de um conhecimento que elas não dominam. Os educadores, por seu lado, ao assumirem a função escolar, encarnam de persona no sentido jungiano, isto é, assumem a imagem ideal de educador que lhe atribui um significado e uma função social de poder simbólico que subsume as características individuais e pessoais. Pois os

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“papéis trazem em seu bojo tanto as ações como as emoções e atitudes a elas relacionadas [...]” (BERGER, p. 109).

O Estado atribui ao gestor da escola essa autoridade com foro burocrático e de controle, ao passo que as mães lhe atribuem uma autoridade simbólica, isto é, as mães e pais atribuem aos professores e gestores da escola o papel de representantes legais deles dentro do espaço escolar, em razão das mesmas não terem tempo suficiente para a socialização dos seus filhos, pois passam o dia fora de casa e nos finais de semana os afazeres domésticos voltados à reprodução da vida durante a semana não lhes permitem educá-los.

O trabalhador, usurpado em seu tempo livre, só tem condições, no tempo que lhe resta, de repor, parcialmente, sua força física. Não tem tempo para se ocupar naquilo que lhe poderia trazer maior humanização, maior desenvolvimento espiritual e moral. Como a reposição de sua força de trabalho lhe toma todo o tempo livre que dispõe, sua "educação permanente" ou seu "lazer", se resumem pura e simplesmente ao descanso. Mesmo assim, o capital vai ocupar também esse pequeno período de descanso. Toda questão, portanto, do lazer e da educação permanente, reduz-se no final das contas, na superação dessa contradição entre trabalho necessário e tempo livre [...] (GADOTTI, 1992, p. 58).

O fundamental dessa reflexão não está no fato da

mulher ser uma trabalhadora assalariada, mas no que implica a manutenção do laço familiar. Nasce, neste contexto, um novo estilo de família e surge também uma nova mulher, com estilo próprio de pensar e de sentir o mundo à sua volta. O mais importante disso está na relação entre homens e mulheres, pois

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o sujeito se define enquanto pessoa humana, à medida que juntos constroem processos históricos de conquistas pessoais e coletivas.

A escola, aos poucos, foi assumindo outro papel , o da educação familiar, ou seja, não havendo tempo para os pais educarem seus filhos, devido a extensa jornada de trabalho, a escola não tendo como função precípua desempenhar o papel de socialização primária, porém ela o faz. Ademais, não é mais possível a escola abdicar-se dessa responsabilidade, dado o contexto social, político, econômico e cultural em que os pais de alunos da escola pública pertencem, tornando-os impotentes face à responsabilidade da construção dos valores familiares e do sentido humano mais geral.

Conclui-se que, o processo histórico pelos quais os profissionais se constituíram enquanto sujeitos e atores do processo educativo, permitiu assumirem o papel de gerência autoritária vazados na democracia liberal e neoliberal que se constitui pela divisão social do trabalho, entre proprietários e não-proprietários de sorte que, hoje representam a dominação de classe no espaço/tempo da escola. Embora já existisse um caráter autoritário da gestão, antes que assumissem o papel de coordenação nos processos de ensino-aprendizagem, as relações de dominação e exploração econômico-política inevitavelmente, reforçam aquilo que já existia (BERGER, 1986, p. 54c), ou seja, do ponto de vista das mães das classes subalternas, rara exceção a algumas mães coartisentes da UPC, o poder atribuído aos educadores já faz parte do contexto social, portanto independe delas, não há o que fazer. Assim como para os educadores essa mesma construção de poder simbólico se fetichiza antecede a sua atuação como atores educativos, trata-se de cumprir a tarefa que lhe é dada pelo estado autoritário prolongando a dominação. É possível que essas relações não dependam da boa ou má vontade do

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educador e que esses sujeitos não possuam consciência desse fato.

Ninguém conscientemente assume que está fazendo uso autoritário da educação, que está reproduzindo o sistema, que está propiciando a formação de cidadãos passivos, operários obedientes na fábrica, e isto não é mentira, uma vez que não há intenção mesma. [...] Amiúde, existe contradição entre intenção e ato, só que falta a consciência disso. Daí a necessidade de fazer a crítica a práticas consagradas ‘estranhar’ as ações habituais. (VASCONCELOS, 1997, p. 24 e 25).

Confirmando o que diz Berger (1986, p. 38) “[...] o papel dá forma e constrói tanto a ação quanto o ator [...]”. Mães, assumindo a condição de pessoas incapazes e desprovidas de conhecimento e profissionais da educação representando um papel de ‘donos de verdade incontestável’ urdiram uma trama de reprodução do poder institucionalizado da cultura dominante.

Os condicionantes materiais e simbólicos permitiram ao longo da história que as pessoas fossem construindo, de maneira ingênua, a crença de que a escola é uma ‘grande família’. Não é essa a crítica de Paulo Freire ao conceito ‘tia’? Não levando, pois, em conta que o espaço escolar é lugar de trabalhadores assalariados que possuem direitos constitucionais na maioria das vezes não respeitados, confundindo com relações de parentesco, a escola torna-se um lugar de ambigüidade. Entre esses condicionantes estão o baixo salário e as péssimas condições de trabalhos dos educadores, o estado psicológico, emocional decadente em que trabalham esses profissionais, a falta de recursos materiais para a concretização dos trabalhos educacionais – como a falta de material de

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consumo, equipamentos, falta de segurança, salas muito cheias, a violência dentro do espaço escolar, o sucateamento das escolas, entre outros. Esses são problemas que não são colocados pelo sistema, pelo contrário são escamoteados através das propagandas lançadas na mídia.

Somente por meio de uma educação dialógica, as mães poderão construir a consciência de que são sujeitos do processo histórico, partes vivas dum universo vivo e dinâmico. Isso pressupõe que a autonomia construa um processo em que os sujeitos externalizem – no sentido bergeriano2 - de maneira processual seus pensamentos, idéias, sentimentos, desejos e sonhos.

Há um diferencial importante entre a educação que a mãe coartisentes da UPC recebe, e a educação que seus filhos recebem na maioria das escolas da rede pública. A liberdade que as mães, sujeitos da investigação, possuem para exteriorizar o pensamento, saberes e sentimentos, permite que elas expressem o que pensam. O pensamento organizado e expresso permite ser apreendido pela consciência, internalizando-as3 de forma a construir as pessoas na direção daquilo que antes pensaram, gerando sua autonomia. Ao falar dos sentimentos, o sujeito revive sua história e percebe-se sujeito do processo de construção histórica. Por isso mesmo, re-significa sua história e sua vida. Como afirma Berger (1986), a “experiência humana, ab initio, é uma exteriorização contínua. O homem, ao se exteriorizar, constrói o mundo no qual se exterioriza a si mesmo”. No processo de exteriorização projeta na realidade seus próprios significados.

2 Externalização é o momento dialético do esquema heurístico de Peter Berger no qual os valores, significados, crenças e padrões são expressos publicamente gerando uma cultura circulante acessível a todos e a todas. 3 Movimento dialético diametralmente oposto à externalização, quando o sujeito se apropria dos significados sociais circulantes e os faz seus, através da regulação de suas ações em simetria aos padrões sociais circulantes.

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Ao re-significar suas vidas e se verem como pessoas, estas mães coartisentes estão construindo uma nova visão de si mesmas, dos (as) outros (as) e do contexto nos quais estão inseridas. Conceitos que tinham, antes, sobre a vida, a realidade, o contexto sociopolítico, econômico e cultural caminham na direção de um engajamento que elas não imaginavam serem capazes de fazer. Otília, uma das coartisentes da UPC, relata: não consigo mais ouvir certos discursos sem fazer várias interrogações sobre o que se encontra por traz das palavras. Já não acredito em coisas que acreditava antes.

O processo educativo da UPC tem possibilitado o exercício da cidadania à medida que permite que os sujeitos envolvidos no processo estejam participando de atividades de ordem política, social e organizacional, no âmbito local - da comunidade e no Municipal. Com a participação e criação de programas de rádio, discussões e assembléias de temas por eles escolhidos, assim como em eventos científicos como a SBPC na UFMT e no Fórum Social Mundial – 2005/RS. Estes foram espaços nos quais as mães têm realizado sua participação como protagonistas e não apenas como ouvintes.

Esse exercício permite a construção de uma consciência autônoma, pois se aprende-fazer-fazendo-juntos (Delors, apud Morin, 2003). A mobilização e a circulação nos espaços do poder permitem aos sujeitos construir conhecimentos e representação social que o espaço da escola ensimesmado não garante, porque é necessário, além do conhecimento teórico, um saber prático.

A análise feita dos depoimentos das mães coartisentes (UPC), ao comparar o próprio desempenho na produção realizada antes e aquela realizada depois dos trabalhos educativos, permite concluir que: a) de um lado houve mudanças de conceitos tanto no que tange à efetiva participação cidadã quanto no que tange à visão de mundo e à visão de si

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mesma que fundamenta o agir sobre a realidade cotidiana; b) elas possuíam um conceito de participação restrito; c) o simples ato de votar para escolher a equipe gestora, bastava como expressão de participação.

No círculo de diálogo das mesas de aprendizagem, entre os coartisentes um colega disse: Os maiores culpados pelo descaso político somos nós, porque não participamos, apenas votamos e esquecemos de acompanhar, fiscalizar e cobrar. Então uma outra coartisentes completou: Se votar não é participar, então o que é participar?

A fala desta mãe coartisentes retratava, com coerência, o conceito de participação que circulava entre a maioria das pessoas que iniciaram os estudos na UPC: passividade; entendiam que a participação não requeria atividade de decisão ou de argumentação.

Vimos no presente trabalho, sob a luz da gestão democrática e da participação, a importância dos processos de educação e de co-gestão, abertas, na quais a mães coartisentes tomam parte (BORDENAVE, 1984) na Universidade Popular Comunitária (UPC) e que servem como incremento da consciência e ação para a cidadania.

Estas mães conseguiram um nível de re-significação de sua existência oportunizada por um currículo aberto, dialógico e crítico e, sobretudo, por novas relações estabelecidas no interior da escola, no que tange à participação das decisões de toda a vida escolar. Após dois anos de trabalho com as mães coartisentes, na UPC, elas discutem participação política e mudanças no ensino.

A visão de mundo e de si mesma, adquirida pelo processo educacional na UPC, ampliou visivelmente a consciência, a autonomia, a participação, as atitudes e as relações que ora estabelecem com elas mesmas, com o mundo e com os outros, enfatizando o crescimento da auto-estima e do sentido de valor. Tal consciência gera conflitos a serem

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administrados no espaço escolar, em razão disso a educação não pode ser uma ação descontínua, mas uma construção ao longo da vida.

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REVISTA DE EDUCAÇÃO PÚBLICA. Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá: Editora da UFMT, v. 11, n. 19, jan. jun. 2002. 202p.

VASCONCELOS, Paulo Alexandre. http://siter .uol.com.br/paulo-v/textos/img11.htm

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LEITURA E INTERATIVIDADE

Edna Aparecida Lisboa Soares Luiz Antônio Ribeiro

RESUMO: Atualmente parece haver um consenso de que ler é uma atividade interativa e que, para o processamento do significado do texto, associam-se três elementos fundamentais: o autor, o leitor e o texto. Esse modo de leitura é comparado a um jogo interativo que precisa ser orientado por suas próprias estratégias e regras.

PALAVRAS-CHAVE: leitura, interação, autor, leitor, texto. ABSTRAT: Nowadays it seems to have a consensus that reading is an interactive activity and that to the process of text meaning three fundamental elements are associated: the author, the reader and the text. This way reading is compared to an interactive game that needs to be oriented by its own strategies and rules.

KEYWORDS: reading, interaction author reader text.

Introdução

Muito tem sido discutido, ao longo do tempo, a que ou a quem compete a responsabilidade pela construção da significação do texto: ao autor, ao leitor ou ao texto. Hoje parece haver um consenso quanto a essa discussão, pois reconhece-se que a leitura é uma atividade interativa que envolve todos esses três elementos. Sendo assim, tanto o leitor quanto o autor e também o texto são igualmente importantes no universo da leitura. Segundo essa ótica, buscaremos, a seguir, tecer algumas considerações acerca da leitura.

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1. A metáfora do frescobol

Buscando compreender melhor como a leitura se processa, lembramo-nos da crônica “Tênis x Frescobol”, de Rubem Alves (1998, p. 51-53), em que ele diz que há duas espécies de casamento, os do tipo tênis e os do tipo frescobol. Segundo ele, os dois jogos são, aparentemente, muito semelhantes: ambos envolvem dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Mas, na essência, diferem bastante, já que o tênis é um jogo feroz, cujo objetivo é derrotar o adversário, enquanto o frescobol é um jogo no qual precisa reinar a cumplicidade, o sentimento de parceria. Para ser bom, é necessário que nenhum dos dois jogadores perca. “Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado” (ALVES, 1998, p. 52).

Sendo assim, para que o jogo aconteça, o importante não é a competição, mas sim a disposição para cooperar e, consequentemente, partilhar. Por isso, os dois jogos estariam associados à maneira como as pessoas se relacionam no casamento:

[...] em alguns recebemos o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Em outros, porém, o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja, então, que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim [...] (ALVES, 1998, p.53 )

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Associar o frescobol ao mundo da leitura pareceu-nos inevitável, pois o ato de ler se assemelha a um jogo, mas não um jogo competitivo, e sim, interativo, que, para ser jogado, precisa de parceiros, não de adversários. Mesmo quando o texto prevê um “leitor-modelo ingênuo”, ou seja, quando pretende induzir o leitor a determinados raciocínios, ou, sendo ainda mais claros, pretende “passar-lhe a perna”, ainda assim precisa da colaboração do leitor para interpretá-lo e descobrir que foi “enganado”. Assim, o leitor poderá reler o texto e descobrir as estratégias usadas pelo autor desde o início, e não percebidas por ele. Na verdade, nesse momento, o autor convida o leitor a descobrir as pistas que revelam como foi habilmente tecida a teia de “enganos”.

Torna-se fácil, então, perceber que as estratégias usadas pelo autor designam instruções que viabilizam a construção do sentido. Mas é preciso que o leitor também empregue determinadas estratégias, que visam desvelar as usadas pelo autor. Afinal, a leitura exige que se recuperem, adequadamente, as marcas textuais. Ambos, autor e leitor, usam estratégias diferentes, mas que se completam, pois o jogo é cooperativo - Bola vai, bola vem - não um jogo em que os truques usados são maliciosamente ocultados do adversário, para que ele seja derrotado.

Às vezes, porém, o leitor comporta-se como se estivesse jogando tênis, como se precisasse vencer, a todo custo, algum adversário. Eco (1999) faz uma referência interessante a esse respeito, ao revelar uma observação feita por Rorty (1982, apud ECO, 1999.) acerca da postura de certos críticos frente ao texto, os quais “sovam o texto, trabalham-no como se fosse massa de pizza a fim de adaptá-lo a seus propósitos”. Outras vezes, assume a postura de um jogador que não respeita nenhuma regra como uma criança curiosa que desmonta brinquedos, sem o menor critério, a fim de conhecer-lhes o funcionamento; outra, ainda, comporta-se como um

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jogador-profeta que, antes do jogo acontecer, garante que vai vencer, ou seja, ao ler um texto, busca, de forma equivocada, adivinhar quais foram, exatamente, as intenções do autor ao escrever o texto, acreditando que isso o levará a interpretá-lo da “maneira correta”, como se o texto tivesse somente uma interpretação possível, aquela planejada pelo autor. Nesse caso, o leitor se esquece de que “a leitura é um ato de simulação do planejamento do escritor” (KATO, 1999) como também a busca de respostas para as próprias perguntas.

2. Compreendendo e trabalhando a leitura

Ao comentar essas situações, parece-nos oportuno avaliar a postura do professor em sala de aula ao trabalhar a leitura. Muitas vezes, propõe-se a jogar frescobol e joga tênis, pois traz respostas prontas, desconsidera a visão de mundo do aluno, suas experiências, seus conhecimentos prévios, sua história, seus objetivos de leitura. Não deixa, assim, que ele dialogue com o texto, leia suas entrelinhas e seja desafiado a preencher as suas lacunas, os seus espaços vazios. Há momentos em que não é sequer jogador, é um árbitro injusto e impiedoso, cujas únicas funções são fiscalizar e penalizar. Nessas condições, a leitura se torna um mero processo de reprodução de sentidos. E o pior disso tudo é que, muitas vezes, o aluno distancia-se dos livros, pois “o que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento” (ALVES, 1998, p. 53).

Como, então, compreender e trabalhar a leitura de forma adequada? Como jogar com sucesso, visando ao prazer, ao conhecimento, à troca como únicas vitórias possíveis? Primeiramente, assim como, para se jogar frescobol, precisa-se de dois jogadores, duas raquetes e uma bola, para que a leitura aconteça, é necessário ter consciência de que o autor, o leitor e o texto são imprescindíveis. Caso um deles falte, não há

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interação e, portanto, não há jogo. Em segundo lugar, assim como o frescobol é regulado por determinadas regras, e seus jogadores adotam estratégias1 a fim de tornar o jogo possível e prazeroso, a leitura também é orientada por regras e estratégias próprias, que auxiliam o leitor a processar o texto e a construir sentidos.

Quando falamos em regras, referimo-nos principalmente ao fato de que a essência e a natureza do texto têm de ser consideradas. Não é possível o leitor julgar-se totalmente livre para atribuir-lhe todas as interpretações que queira, ou seja, qualquer sentido. Precisamos compreender que nem todas as interpretações são autorizadas pelo texto. Embora o leitor seja responsável pela construção de significados, todo texto traz elementos que direcionam a sua leitura, o que representa dizer que tecemos significados lançando mão de elementos que o texto nos apresenta. Por outro lado, o texto também não é um produto pronto e acabado que o leitor recebe de maneira passiva. Quando se lê algo, desejam-se alcançar determinados objetivos e, para isso, é importante que se formulem hipóteses, a partir de certos elementos já conhecidos. Se, por exemplo, o leitor deseja saber por que um certo personagem de um romance que ele está lendo foi morto, precisará formular hipóteses com base em dados já apresentados na história, isto é, com base em elementos lingüísticos, cotextuais. Ou ainda, se alguém deseja saber por que o jornal do qual é leitor assíduo defendeu, em um editorial, alguma idéia que, aparentemente, não condiz com a ideologia sócio, política e econômica do jornal, precisará formular hipóteses com base em dados já conhecidos, como, por exemplo, o momento político do país, o que é um dado

1 Para Goodman (1967, apud Kato, 1999 p. 79-80) e Smith (1978, apud Kato, 1999 p. 79-80), esse termo vem sendo empregado para caracterizar os diversos comportamentos hipotetizados no leitor durante o processo de ler.

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extralingüístico, contextual. Isso se deve ao fato de, às vezes, o leitor precisar distanciar-se do texto para construir o seu sentido global. Espera-se, portanto, que o leitor haja como um detetive à procura de pistas, como alguém que tenta montar um quebra-cabeça, o que é muito diferente de fazer adivinhações, sem nenhum critério, e julgar o que bem quiser. A leitura não é um simples jogo de adivinhações, mas sim uma tarefa de resolução de problemas. Segundo Smith (1991), “a melhor estratégia de leitura envolve mais especificamente formular perguntas apropriadas e encontrar respostas relevantes”.

Para formular hipóteses e não fazer adivinhações fortuitas torna-se, pois, fundamental usar estratégias. É interessante conhecê-las para saber administrá-las quando se fizer necessário. Um detetive, quando tenta desvendar um crime, procura pistas; alguém, quando monta um quebra-cabeça, busca raciocinar de forma lógica; um jogador de frescobol, ao tentar sempre manter a bola em jogo, busca formas de fazê-lo, ou seja, todos, para alcançar os seus objetivos, agem de forma estratégica. Se a leitura é um jogo interativo, exige a mesma postura do leitor para que o sentido possa ser construído. Assim, com base em seus conhecimentos prévios e também de elementos do texto e do contexto, o leitor faz inferências, formula hipóteses, ou seja, atua como um verdadeiro estrategista. Agindo desse modo, um simples dado, como o título do texto, suscita-lhe indagações, formulações de hipóteses, o que o auxilia a fazer interpretações sustentadas pelo texto e pela situação na qual foi escrito. Como se estivesse montando um quebra-cabeça, o leitor verifica, confirma ou nega e revê as hipóteses formuladas, isto é, monitora de forma consciente o próprio processo de compreensão do texto, considerando os diferentes elementos nele contidos.

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3. A divisão da leitura em domínios

Embora pareça que o tempo todo o leitor tem consciência do que está fazendo, não é bem assim que a leitura se processa: ela envolve diversos domínios responsáveis pela realização de operações específicas, que, ainda hoje, não se sabe, com exatidão, de que maneira acontecem. Ao buscar compreender o texto, o leitor se apóia em conhecimentos lingüísticos (cotextuais) e extralingüísticos (contextuais), ativados de forma inconsciente, automática. A leitura opera-se, assim, conforme modelo apresentado por Coscarelli (1999), por meio de processamentos da forma (lexical e sintático), responsável pela decodificação das formas lingüísticas, e da coerência (local, temática e externa), responsável pela construção do significado. É importante ressaltar que os conhecimentos lingüísticos e extralingüísticos são ativados de maneira inconsciente e automática, dependendo da complexidade da tarefa. Além disso, é importante ressaltar ainda que consideramos que tais processamentos não acontecem, necessariamente, nessa ordem nem de forma autônoma. Entretanto focalizaremos a divisão da leitura em domínios primeiramente ligados à forma lingüística e, em seguida, ao significado por julgarmos essa apresentação mais didática.

No processamento lexical, o leitor reconhece as palavras, quanto, por exemplo, à complexidade silábica, ao comprimento, à freqüência com que são empregadas na língua, à probabilidade de aparecerem em determinado contexto sintático e semântico, etc. Já, no processamento sintático, ele organiza sintaticamente as palavras identificando se a estrutura usada é a mais freqüente na língua (sujeito + verbo + complemento); se está familiarizado com a que foi empregada; se alguma sentença foi estruturada de forma a gerar dificuldade de compreensão; se há ambigüidade sintática, isto é, se há mais

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de uma maneira possível de se estabelecer a relação sintática entre os elementos da sentença, etc.

Já na construção da coerência local e temática, verifica-se uma constante interação entre os conhecimentos sintático, semântico e extralingüístico. Os elementos formais funcionam como base para a construção da coerência local que revela, através da análise do significado das frases e das relações existentes entre elas, o que o autor pretendeu realizar em um determinado trecho do texto. Para essa análise, o leitor conta com o seu conhecimento prévio a respeito do assunto em questão, o que o ajuda a depreender o tema. Outros fatores também interferem nesse processo, como, por exemplo, se o texto indica claramente o seu tópico, se o mantém ou sinaliza a mudança; se apresenta figuras de linguagem comuns; se uma sentença aceita mais de uma interpretação de sentido; se os elementos coesivos foram empregados corretamente e se não há contradição entre os elementos do texto e do texto com o mundo.

Na construção da coerência temática, os elementos formais são responsáveis por fornecer pistas que ajudarão o leitor a depreender a linha temática e a construção das relações coesivas entre os elementos descontínuos no texto, ou seja, de partes maiores do texto ou do texto inteiro. Isso se torna possível graças a fatores já apontados na construção da coerência local como também de outros como a capacidade do leitor de captar as idéias mais importantes do texto, considerando os objetivos que deseja alcançar, e a familiaridade do leitor com aquele gênero textual (crônica, anúncio, notícia, piada, receita culinária, etc.) e com o tipo textual (se o texto é, por exemplo, narrativo ou dissertativo).

Para construir a coerência externa do texto, o leitor faz uso de seu conhecimento prévio e do contexto extralingüístico, o que o ajuda, no esforço para alcançar seus

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objetivos, a avaliar, testar, confirmar ou refutar e rever hipóteses.

Ao realizar esse processamento integrativo, estará sendo influenciado pelos mesmos fatores mencionados na construção da coerência temática, pela sua capacidade de fazer julgamentos, generalizações e analogias, e também por sua capacidade de memorização, isto é, quanto mais informações importantes para a compreensão do texto estiverem arquivadas em sua memória, prontas para serem acessadas, mais fácil se tornará a leitura. É importante ressaltar que as informações obtidas a partir do texto podem confirmar ou não as informações que o leitor tem na memória, o que promoverá uma revisão do seu conhecimento, que poderá ou não ser alterado.

Como vimos, o processamento do texto se dá tanto a partir do conhecimento prévio e das expectativas do leitor (processamento descendente/top-down) como também de sua percepção dos elementos formais do texto (processamento ascendente/bottom-up) (KATO, 1999). Há momentos em que o leitor precisa agir de forma mais ascendente ou descendente, o que está diretamente ligado ao fato de as hipóteses por ele formuladas confirmarem-se ou não, as quais devem ser analisadas em função do texto global. Segundo Kleiman (1997), quando o texto não corresponde às expectativas do leitor, o seu processamento sai do nível cognitivo, exigindo a desautomatização das estratégias e o monitoramento consciente do processo. Sendo assim, as estratégias cognitivas, responsáveis pelo processamento automático e inconsciente do texto, cedem espaço às estratégias metacognitivas2, que promovem a desautomatização das estratégias cognitivas e o 2 Segundo Kato (1999 p.124), as estratégias metacognitivas em leitura designam os princípios que regulam a desautomatização consciente das estratégias cognitivas; estas, por sua vez, designam os princípios que regem o comportamento automático e inconsciente do leitor.

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monitoramento consciente do processo. Ao defrontar-se, por exemplo, com uma sentença ambígua sintaticamente, o leitor precisará adotar uma postura mais ascendente para construir o sentido mais adequado ao contexto, o que pode tornar o processamento do texto mais lento e difícil.

4. Desafio do autor: contribuir para que a leitura se torne um jogo interativo

Ao se produzir um texto, é, pois, imprescindível pensar no leitor, procurando tornar a sua tarefa mais fácil, sem que seja necessária a desautomatização de estratégias. É preciso não só reconhecer, como diz Smith (1991), que “o significado sempre está além das palavras”, mas também admitir que a estruturação formal do texto pode tornar mais viável o acesso do leitor a uma estruturação semântica. Por isso, espera-se que o autor tenha especial cuidado, por exemplo, ao escolher as palavras, ao estruturar os períodos, ao organizar e relacionar os diferentes segmentos do texto, enfim, ao escolher os recursos lingüísticos que irão compor a tessitura textual.

Além de tornar a tarefa do leitor mais fácil, cabe ao autor ainda um outro desafio: contribuir para torná-la agradável. Para isso, é preciso que saiba seduzir o leitor, convidá-lo a entrar no jogo interlocutivo.

5. Intenções e objetivos que se completam

A leitura envolve, portanto, um contrato de cooperativismo o qual tem por objetivo regular os procedimentos não só do leitor como também do autor. Segundo Kato (1999), do leitor esperam-se habilidades lingüísticas, conhecimento de mundo e capacidade inferencial; do autor, informatividade na dose certa, sinceridade, relevância

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e clareza. A leitura é, pois, um jogo de simulações em que o autor busca modelar o seu leitor e este, por sua vez, busca recapitular as estratégias usadas pelo autor para, dessa forma, também modelá-lo. Assim, os dois aceitam ser parceiros no jogo e, consequentemente, garante-se o respeito mútuo: o autor, ao usar estratégias visando alcançar seus objetivos comunicativos, preocupa-se em deixar, no texto, pegadas a serem recuperadas pelo leitor que busca, por sua vez, reconstruir o caminho percorrido pelo autor.

Caso algum dos princípios do cooperativismo seja transgredido pelo autor, o leitor deve, antes de tudo, ser capaz de inferir que isso pode ter sido intencional, que pretendeu-se, desse modo, alcançar algum efeito cabendo a ele interpretá-lo. Mesmo quando autor e leitor não são necessariamente colaborativos, deve-se considerar, conforme defendem Speber e Wilson (1995, apud COSCARELLI, 1999), que ambos têm objetivos que se completam, pois, no papel de autores, procuramos apresentar as nossas intenções, enquanto que, na posição de leitores, buscamos recuperá-las. Sendo assim, não podemos desconsiderar que “todo ato de linguagem em seu duplo processo de produção e interpretação é uma interação”. (CHARAUDEAU, 2001, p. 29). Segundo esse prisma, seja qual for o nosso intuito ao escrevermos algo, escrevemos para alguém, nem que seja para nós mesmos, e, quando lemos algo, sejam quais forem os nossos objetivos, buscamos encontrar, no texto, o seu autor. Independentemente da intenção comunicativa, o texto é visto, desse modo, como uma unidade de comunicação, e não como uma simples unidade formal.

A palavra de ordem desse jogo é, portanto, interação, pois não existe o dono da bola, não há como jogar sem parceiro, transformá-lo em adversário, expulsá-lo da partida, ou ainda jogar sem bola e raquete, isto é, ignorando o texto. O que existe, no campo da leitura, é um Autor-Modelo e um Leitor-Modelo que, segundo Eco (1986), são tipos de

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estratégia textual. Por isso, no universo da leitura, “ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim [...]” (ALVES, 1998, p. 52).

Referências Bibliográficas ALVES, Rubem. O retorno e terno. Campinas: Papirus, 1998.

CHARAUDEAU, Patrick. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Núcleo de Análise do Discurso, 2001.

COSCARELLI, Carla. Leitura em ambiente multimídia e a produção de inferências. 1999. Tese (Doutorado em Estudos Lingüísticos). Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1999.

ECO, Umberto. Os limites da interpretação. São Paulo: Perspectiva, 1999.

______. Lector in fábula. São Paulo: Perspectiva, 1986.

KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1997.

SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

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AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: DISCUTINDO CONCEPÇÕES, ENFOQUES E FUNDAMENTOS

TEÓRICO/METODOLÓGICOS

Elizeth Gonzaga dos Santos Lima

RESUMO: O objetivo deste texto é apresentar análises de diferentes concepções teórico-metodológicas que sustentam os processos e modelos de avaliação educacional e buscar subsídios para se entender quais os sentidos e efeitos empreendem na prática avaliativa, focalizando o olhar para o ensino superior, sem a pretensão de superar a questão, mas abrir caminhos para estudos posteriores. Ressaltamos que as dimensões da avaliação de aprendizagem, de sistema ou institucional se aproximam pelas concepções e princípios teóricos. A prática avaliativa exige escolhas que resultarão em tomadas de decisão. Dessa forma, é importante conhecer as várias perspectivas teóricas para não tomarmos atitudes ingênuas frente aos processos avaliativos, mas fazermos escolhas conscientes dos resultados e conseqüências que podem gerar. É necessário discutir o que esconde a avaliação educacional e como os contextos sociais, econômicos e culturais engendram nos sujeitos a lógica da submissão que impede a instauração de práticas avaliativas mais democráticas e participativas. Assim, a avaliação não é um processo neutro desvinculado da realidade social.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação; sentidos; efeitos, prática avaliativa; ensino superior. ABSTRACT: The objective of this text is to analyze the different conceptions theoretician-metodológicas that support the processes and models of educational evaluation and to search subsidies to understand which the directions and effect undertake in the practical avaliativa, focusing the look for superior education, without the pretension to surpass the question, but to open ways for posterior studies. We stand out that the dimensions of the learning evaluation,

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to institucional system or if approach for the conceptions and theoretical principles. The practical avaliativa exije choices that will result in decision taking. Of this form, front to the avaliativos processes is important to know the some perspectives theoretical not to take ingenuous attitudes, but to make conscientious choices of the results and consequences that the same ones can generate. It is necessary to argue what it hides the educational evaluation and as the social contexts, economic and cultural they produce in the citizens the logic of the submission that hinders the instauration of practical more democratic and participativas avaliativas. Thus, the evaluation is not a disentailed neutral process of the social reality.

KEY WORDS: evaluation; senses; effects; practice avaliativa; higher education.

Introdução La evalución es tan buena o tan mala como lo sea el marco axiológico de referencia em el que se encuadre, Del mismo modo que será tan buena o tan mala como la metodologia de investigación que utilice. Em realidad, no se pueden desligar (HOUSE; HOWE, 2001, p. 185).

Para além do bem e do mal, é preciso compreender o que esconde a avaliação educacional e como os contextos sociais, econômicos e culturais engendram nos sujeitos a lógica da submissão, do silenciamento, do individualismo, da competição, da regulação que impede a instauração de práticas avaliativas mais democráticas e participativas. Dessa forma, a avaliação não é um processo neutro desvinculado da realidade social. Paulo Freire discutindo alguns saberes necessários à prática educativa, afirma: “Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição.

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Decisão. Ruptura. Exija de mim que escolha entre isto e aquilo” (FREIRE, 1996).

Pensar a avaliação implica pensar a lógica econômica do capital e as mudanças sociais que ela provoca e que afeta a vida das pessoas, construindo suas percepções, sentimentos e atitudes que as levam a reagir diante dos acontecimentos. Essas reações podem ser de conformação ou transformação, dependendo das construções históricas e ideológicas de cada uma. Afonso (2000, p. 19) afirma que as “funções da avaliação têm que ser compreendidas no contexto das mudanças educacionais, econômicas e políticas mais amplas”. Existe uma lógica social mercantilista que engendra subjetividades silenciadas e submissas. Santos (2000) diz que fomos construídos no arcabouço da regulação e afirma que é preciso construir novas subjetividades capazes de instaurar a emancipação. É nesse contexto de busca de transformação social que estaremos abordando as concepções, os sentidos e os efeitos da avaliação no contexto da educação superior. Ressaltamos que as dimensões da avaliação de aprendizagem, de sistema ou institucional se aproximam pelas concepções e princípios teóricos.

O objetivo desse texto é apresentar análises de diferentes concepções teórico-metodológicas que sustentam os processos e modelos de avaliação educacional e, buscar subsídios para entender quais os sentidos e efeitos empreende na prática avaliativa, focalizando aqui, o olhar para o ensino superior sem a pretensão de superar a questão, mas abrir caminhos para estudos posteriores. A prática avaliativa exige escolhas que resultarão em tomadas de decisão. Assim, é importante conhecer as várias perspectivas teóricas para não tomarmos atitudes ingênuas frente aos processos avaliativos, mas fazermos escolhas conscientes dos resultados e conseqüências que as mesmas podem gerar.

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A discussão de avaliação passa necessariamente pela discussão de educação. As nossas concepções de avaliação dependem das nossas concepções e visões que temos de mundo, de sociedade e de educação. É por isso que a avaliação está mergulhada em ambiguidades, tensões e conflitos, ela não pode produzir certezas ou respostas finais. A avaliação é um caminho que deve ser construído por cada um. Por esta razão Dias Sobrinho (1997) afirma que não há um único modelo de avaliação, uma só concepção e nem uma só prática. Falar de avaliação é necessariamente tratar de avaliações.

Conceituando e contextualizando historicamente a Avaliação Institucional do Ensino Superior

A avaliação é uma necessidade intrínseca nas ações

do ser humano. Nesse pensar, a avaliação não nasceu agora, pois a necessidade do ser humano de refletir sobre suas ações é intrínseca a sua natureza. Marx (1988, p. 142) já dizia que “ao atuar sobre a natureza externa, o homem a modifica, e ao modificá-la, ele modifica ao mesmo tempo sua própria natureza”. Refletir sobre suas ações é um processo natural do homem, essas são algumas das condições de possibilidades que levaram o ser humano ao aperfeiçoamento de sua espécie e tem contribuído para as constantes transformações. Assim, podemos dizer que a avaliação surge da reflexão sobre a ação, por isso está imersa em um clima de tensão. Na auto-reflexão, as tensões são intrasubjetivas, os conflitos se dão com o próprio avaliador; por outro lado, quando a reflexão é instigada pelo outro, no campo da intersubjetividade, o conflito está posto entre avaliador e avaliado. Portanto, acredito que esta é uma questão altamente conflitante e polêmica, tanto para quem avalia, como para quem é avaliado.

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A Avaliação Institucional do ensino superior tem se tornado um problema emergente nas últimas décadas, devido ao caráter complexo da estrutura universitária e as várias funções a ela imposta, principalmente, com as exigências do mercado. A multiplicidade nas funções da universidade, desde a produção e difusão do conhecimento, a democratização de suas estruturas, a busca de sua autonomia, até o atendimento às demandas da sociedade e do Estado tem contribuído para o debate sobre a sua qualidade, o que se tornou um problema grave. Nessa conjuntura estrutural e política, as últimas décadas foram marcadas pela incessante busca de qualidade e pela busca de consensos sobre o significado da universidade.

Segundo Chauí (1999), qualidade na perspectiva do mercado é definida como:

Competência e excelência cujo critério é o “atendimento às necessidades de modernização da economia e desenvolvimento social”; e é medida pela produtividade, orientada por três critérios: quanto uma universidade produz, em quanto tempo produz e qual o custo do que produz. Em outras palavras, os critérios da produtividade são quantidade, tempo e custo, que definirão os contratos de gestão. Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz, para que ou para quem se produz, mas opera uma inversão tipicamente ideológica da qualidade em quantidade (p. 216).

Em oposição à concepção de qualidade sustentada nos parâmetros do mercado, Bandioli (2004, p. 14-17) apresenta o conceito de qualidade como “qualidade negociada” que deve sustentar a função social da educação. Para essa autora, a qualidade negociada tem natureza transacional, participativa, auto-reflexiva, contextual, plural, processual e

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transformadora. “O processo com que se faz, se assegura, se verifica, se contextualiza, se declina a qualidade é uma ‘co-construção’ de significados em torno da instituição e da rede, uma reflexão compartilhada que enriquece os participantes, uma troca e uma transmissão de saberes” (p. 17).

A avaliação institucional surgiu no contexto de busca de qualidade na perspectiva de mercado e tem sido um desafio para a comunidade acadêmica construir um processo de avaliação que leve em consideração a função transformadora da instituição. Este desafio torna-se conflitante devido à presença de vários paradigmas que sustentam modalidades diferenciadas de avaliação no contexto da universidade.

Contextualização histórica da Avaliação Institucional do Ensino Superior

Segundo Stufflebeam e Shinkfield (apud REQUENA, 1995), professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Granada, Espanha, em seu livro, a sistematização e origem da avaliação institucional deu-se nos Estados Unidos e os anos de 1930 a 1945 são considerados o início da história da avaliação no setor educacional. Destaca-se a contribuição de Ralph Tyler que realizava a avaliação centrada nos objetivos. Requena (1995) considera os anos de 1946 a 1957 como a "era da inocência", devido ao interesse que a avaliação desperta, principalmente no campo da educação. Para Dias Sobrinho (2003) nesse período avaliação e medição são conceitos intercambiáveis, claramente inseridos no paradigma positivista próprio das ciências físicos-naturais e se centram na determinação das diferenças individuais, nada tendo a ver com programas escolares ou desenvolvimento do currículo. A avaliação se insere basicamente no campo da Psicologia com a Psicometria, com a utilização dos testes para

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medir o quoeficiente de inteligência. Nessa época os testes ganharam grande espaço nas instituições de ensino.

No começo do século XX, a avaliação começou a se desenvolver como prática aplicada à educação. Dias Sobrinho (op. cit., p. 17) diz que,

Thorndike não só foi muito importante no que se refere ao uso dos testes com fins de classificação, na elaboração de escalas e nas técnicas quantitativas de medição, como também, foi precursor do movimento que mais tarde veio a se estabelecer como gestão científica, um mecanismo que visava dotar a educação de maior eficiência.

O que se percebe em todos os teóricos que discutem historicamente a avaliação é que ela surge com um caráter eminentemente técnico, priorizando os testes de verificação, mensuração e quantificação da aprendizagem dos estudantes, com uma função utilitarista em atendimento à indústria. Para Dias Sobrinho nessa perspectiva a escola é uma instituição útil ao desenvolvimento econômico, portanto, a avaliação surge no viés mercadológico.

O período de 1958 a 1972 é denominado de "O realismo", produzindo um auge na avaliação aplicada, devido ao apoio financeiro das administrações públicas e desenvolvendo-se como uma atividade de caráter próprio. Requena (1995) destaca neste período as avaliações de projetos e de currículos em grande escala financiados com fundos públicos e com uma metodologia relacionada com os conceitos de utilidade e relevância.

É interessante perceber como vai surgindo a necessidade de avaliar as instituições educacionais. Em 1965 é promulgada pelo Presidente Jonh Kennedy a Declaração de "Guerra contra a Pobreza". Isso implicou a destinação de grandes fundos para programas sociais, o que impulsionou a

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necessidade de avaliar estes programas para saber se os objetivos estavam sendo alcançados. Nesse período segundo House (2000), o senador Robert Kennedy incluiu nas Diretrizes da Educação Secundária e Elementar uma cláusula adicional relativa à avaliação, tornando assim a avaliação como parte obrigatória da educação.

Pensava que as escolas eram, em parte, culpadas pelo baixo nível de rendimento dos alunos, e que o novo financiamento federal não se utilizava com proveito. O propósito que perseguia a obrigação de elaborar informes era dar notícia aos pais, sobretudo aos pais pobres, de como trabalhavam as escolas (p. 185).

Aos poucos a avaliação se estendeu a quase todos os

programas sociais. No início das avaliações, segundo Requena (1995),

foram utilizados como instrumentos os testes estandardizados, que se mostraram ineficientes, provocando a criação do "National Study Committee on Evolution". Stufflebeam fazia parte deste comitê, que tratou de revisar as distintas avaliações que estavam sendo realizadas e recomendou o desenvolvimento de novas teorias e métodos para a avaliação, ou seja, a reforma do método Tyler. Recomendaram testes baseados em critérios e normas e não mais em objetivos.

O último período que Requena (1995) discute é a época do profissionalismo que vai de 1973-1993. Neste período a avaliação se consolida como profissão e um campo próprio de reflexão teórica. Há uma veiculação de comunicações entre os partidários dos métodos positivistas/quantitativos e os que propõem métodos fenomenológicos/qualitativos. A partir de Ballart (1992 apud REQUENA 1995), pode-se dizer que, neste período, apenas no Canadá e em algumas organizações internacionais, além dos

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Estados Unidos, implantou-se uma avaliação sistemática das políticas públicas. A avaliação surge também nas Universidades da Espanha na perspectiva de verificação do funcionamento do sistema, um método para melhorá-lo. Assim, a avaliação tem como função melhorar a qualidade dos serviços que a universidade presta à sociedade.

Dias Sobrinho (2003), discutindo esse período, afirma que a avaliação passa a ser, nos de 1970 e seguintes, além de uma área de muitas práticas, um importante objeto de estudo. Algumas universidades criam cursos de formação em avaliação. Organizações profissionais se constituem. Proliferam seminários e congressos na área. A avaliação ganha importância e visibilidade para além das salas de aula e das instituições educacionais. Por fim, surge a necessidade de avaliar as avaliações, o que denominou-se meta-avaliação, a própria avaliação se transforma em objeto de estudo por parte da comunidade a ela dedicada.

Para Dias Sobrinho (op.cit.), nesse momento, os estudos em avaliação deslocam o seu centro: dos objetivos para as tomadas de decisão. O paradigma positivista, da pura medição, quantificação, classificação é questionado e surge um incremento dos enfoques de caráter qualitativo, com ênfase no valor que dota a avaliação de uma função ativa. Nessa perspectiva, não apenas se descreve os resultados obtidos, mas também passa-se a avaliar os contextos, os processos, as condições de produção e os elementos finais.

No Brasil, segundo Oliven (1989), na década de 70 essa necessidade de avaliação e reforma do sistema universitário já era premente. Para Leite (1997), no Ensino Superior Brasileiro a convivência com procedimentos avaliativos institucionais não é nova e completa. Citando Neves (1993), "o que é novo é a forma e a intensidade com que vem se debatendo a questão". As iniciativas surgiram do próprio governo central que, desde 1977, vem avaliando

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sistematicamente o sistema de pós-graduação. Em 1983, o Ministério da Educação e Cultura – MEC- cria o Programa de Avaliação da Reforma Universitária - PARU. Segundo Leite este Programa vigorou até 1986 e não teve muita expressão política. Em 1986 é criado o Grupo de Estudos para a Reforma do Ensino Superior - GERES, que propõe um programa de reformulação do ensino superior. Em 1993 surge o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras - PAIUB, elaborado pela comunidade acadêmica e, legalmente, viabilizado pelo MEC. Esse Programa foi enfraquecido com a implantação do Exame Nacional de Cursos – PROVÃO - em 1996 e, atualmente, em 2004, foi implantado o SINAES, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. Não é nosso objetivo, nesse texto, aprofundar o estudo sobre essas modalidades de avaliação.

A necessidade de controlar as ações de ensino/pesquisa/extensão surge com força total nos fins da década de 80, quando é consolidado o Estado/avaliativo em nível internacional.

No panorama nacional é nos fins da década de 80, refletindo o momento mundial, que a avaliação da instituição como um todo se insere na concepção do Estado Avaliativo. Algumas universidades, de forma isolada, iniciam a avaliação neste período, porém, o processo massivo de avaliação institucional só é deflagrado na década de 90 (MOROSINI; FRANCO, 1998, p. 4).

Para Ristoff (1999, p. 49) "durante os anos de 1993 e

1994 o país viveu um momento realmente histórico no tocante a avaliação". Neste período há um consenso entre a comunidade acadêmica da importância de uma avaliação da universidade, desenvolvida por ela própria e com princípios não apenas de controle, mas de busca da qualidade

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institucional, voltada para a função social da universidade. Esta é a origem da proposta do PAIUB.

Arriscando discutir as delimitações conceituais da avaliação, seus enfoques e perspectivas teórico-metodológicas

Estava trabalhando em um curso com professores da rede pública do ensino fundamental e pedi aos participantes que desenhassem a sua concepção de avaliação. Apareceu entre os desenhos um bicho muito feio, então perguntei para a pessoa o que significava aquele desenho e ela me respondeu: - “Avaliação é um bicho cabeludo!” Convivemos a todo instante com a avaliação, por isso, parece ser fácil conceituá-la, mas quando pensamos nos usos e efeitos que ela pode gerar, torna-se muito difícil de ser compreendida.

Quando se trata em delinear conceitos para a Avaliação Institucional corremos o risco de não atingir esse objetivo, devido tratar-se de um problema complexo, divergente e muito sério. A Avaliação Institucional, como mencionei anteriormente, apresenta-se com mais intensidade nesta década, é uma questão emergente e a efervescência dos estudos é muito recente, aparece com maior intensidade em meados da década de 90 do século passado. Como bem diz Dias Sobrinho (1997, p. 21), "a avaliação institucional, além de ser um assunto complicado tecnicamente, é politicamente muito sensível e delicado, dadas as suas grandes e importantes implicações" (p.21). A avaliação das universidades é uma prática, relativamente, nova no mundo e, portanto, precisa ser discutida e estudada pela comunidade acadêmica, pois, assim, como pode ser um instrumento de transformação, pode ser também um instrumento perigoso de uma política neoliberal como instrumento de modernização de gestão, o que implicaria voltá-la exclusivamente para interesses econômicos. Segundo Thomas Popkewitz (apud DIAS SOBRINHO, 1999, p. 29), na

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perspectiva neo-liberal a avaliação é, inegavelmente, uma "estratégia estatal", "forma parte da regulação, controle e governo do Estado", “cumpre fins de política".

Segundo Requena (1995) a avaliação pode significar uma diversidade de concepções. Cada autor dá uma definição distinta dependendo de suas perspectivas, objetivos ou marco teórico de referência. Acredito também que a concepção de avaliação institucional do Ensino Superior perpassa necessariamente pela concepção de universidade.

Destaco, a seguir, alguns conceitos de Avaliação Institucional com os quais encontro consonância com minhas perspectivas de avaliação e estão postas na minha dissertação de mestrado (LIMA 2002):

1. Avaliação das Instituições Universitárias deve ser um processo descritivo, sistemático e rigoroso, com um enfoque global e holístico, permanente, integrado nas atividades educativas da instituição, reflexivo, compreensivo, que facilite e sirva para melhorar a instituição educativa (REQUENA, 1995, p.23) 2. Avaliação de uma instituição educativa deve também ser compreendida como um fenômeno público e que interessa a toda a sociedade, muito mais que uma tarefa simplesmente técnica e de ação restrita, que pudesse encobrir as duvidas e as contradições, que são virtualmente portadoras de transformações (DIAS SOBRINHO, 1997, p. 57). 3. Avaliação é um processo de descoberta e auto-descoberta. Ao avaliar o avaliador se auto-avalia, forçando a comparabilidade dos elementos avaliados em função dos termos que servem de base para a avaliação. (RISTOFF, 1999, p. 38) 4. A avaliação institucional constitui para os dirigentes universitários uma ferramenta essencial para garantir padrões adequados de qualidade

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acadêmico-científica, indispensáveis para o planejamento e a definição das políticas estratégicas e a gestão. Ao mesmo tempo, esta ferramenta permite uma prestação de contas à sociedade sobre o desempenho da universidade na utilização do financiamento governamental e no cumprimento de sua missão pública (TRINDADE, 1994, p. 4). 5. A avaliação institucional é entendida como um processo contínuo de aperfeiçoamento das ações desenvolvidas pela universidade na busca de qualidade de seus serviços de ensino, pesquisa, extensão e gestão (CARVALHO et al., 1999, p. 67). 6. Avaliação Institucional é um repensar da universidade em sua relação com a sociedade e com o Estado (COSTA, 1998). 7. A avaliação universitária é vista prioritariamente como um ponto de partida para as mudanças necessárias na instituição e no próprio sistema educacional. Ela é um "organizador" das idéias dispersas e fragmentadas sobre os males que afligem a instituição. Na medida em que coleta, sistematiza e ordena dados, ela favorece a consolidação de expectativas (LEITE, 1996, p. 38). 8. Avaliação institucional busca ser um instrumento para o aprimoramento da gestão acadêmica e administrativa, tanto das instituições quanto dos sistemas educacionais, com vistas à melhoria da qualidade e da sua relevância social (BELLONI, 2000, p. 40).

Acredito que a avaliação é um instrumento que produz conhecimento sobre a instituição possibilitando repensá-la. Nessa análise epistemológica, a avaliação contribui para a compreensão da prática pedagógica e administrativa da universidade. Dessa forma, oportuniza a reconstrução da mesma, contribuindo para a sua consolidação enquanto espaço

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de produção e disseminação do saber. Conceber a avaliação enquanto produtora de conhecimento é criar uma cultura de avaliação, na qual gestores, docentes e funcionários estarão a cada dia refletindo sobre suas ações e dinamizando-as na medida em que as executam. O conhecimento é uma construção que se faz na interação, é um processo dialógico. Freire (1987), explica essa construção em poucas palavras: "Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão, mediatizados pelo mundo". É neste contexto de produção do conhecimento que estou abordando a avaliação. Acredito que a avaliação assim pensada possibilita uma reflexão e reinvenção conjunta da ação político-pedagógica.

Nesta concepção, busca-se rever a prática para propor mudanças. O que passa a ser perturbador é a forma com que se buscam estas mudanças e que mudanças se pretende realizar. A tomada de decisão como conseqüência dos resultados de uma avaliação demonstra implicitamente que qualidade se busca e que postura política se tem, frente a um processo de avaliação. Por isso, acredito, como Dias Sobrinho (1997), que a avaliação enquanto tomada de decisão é um ato político, mas é também pedagógico quanto à competência metodológica no processo avaliativo, o que implica escolher uma metodologia democrática e participativa, com fins emancipatórios, na qual avaliador e avaliado tenham voz e vez ou paradoxalmente aceitar uma avaliação impositiva como controle das atividades apenas com fins técnicos e burocráticos, uma avaliação com princípios regulatórios.

Emancipação e regulação – enfoques teóricos que sustentam as modalidades de avaliação

Segundo Santos (2000), existem duas formas de conhecimento, um que emancipa e outro que regula. Afonso,

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Dias Sobrinho, Saul, Hoffman, Luckesi, Contera e outros autores discutem estes conhecimentos como enfoques que sustentam o processo avaliativo. Nesse contexto, a avaliação pode ter fins emancipatórios, ser democrática e participativa ou, paradoxalmente, pode ser uma avaliação com fins regulatórios, impositiva, apenas como controle das atividades com fins técnicos.

Para Santos (2000), o conhecimento-regulação fundamenta-se na ordem sobre as coisas e sobre os outros, busca a hegemonia que, segundo a teoria crítica, é a capacidade das classes dominantes em transformarem as suas idéias em idéias dominantes. Para este autor, isto levou à alienação social e, em vez da hegemonia assentar-se no consenso, passou a assentar-se na resignação. "O que existe não tem de ser aceite por ser bom. Bom ou mau, é inevitável, e é nessa base que tem de se aceitar" (op.cit., p. 35). O segundo, conhecimento-emancipação, fundamenta-se no princípio da solidariedade, na qual, conhecer é reconhecer, é progredir no sentido de elevar o outro da condição de objeto à condição de sujeito.

Segundo Santos (2000), a regulação é constituída por três princípios: - Estado, mercado e comunidade. Para os liberais estes princípios deveriam desenvolver-se harmonicamente, o que não aconteceu, assistimos geralmente ao desenvolvimento excessivo do princípio do mercado em detrimento do princípio do Estado e da comunidade, sendo o princípio da comunidade o mais negligenciado.

O princípio do Estado se ancora na teoria de Hobbes, como Estado absoluto e ilimitado, o poder é exercido pela ordem sobre as coisas e o domínio é garantido pela força. O princípio do mercado está sustentado em Locke, considerado o fundador do empirismo, que tem no cerne de sua teoria o homem como ser passivo diante do conhecimento. Para Locke, o ambiente determina o homem. Assim, o princípio do

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mercado tem uma idéia da garantia estatal de um mercado livre, onde os indivíduos fazem trocas igualitárias. O mercado proporciona o crescimento e o aperfeiçoamento do homem. A concorrência entre as pessoas é legítima e possibilita a constituição de uma ordem social justa. Cada indivíduo só não trabalha se não quiser e só não enriquece por incompetência. O princípio da comunidade, sustentado nos princípios de Rousseau, defende o poder da comunidade nas mudanças radicais e nas relações entre governo e cidadãos e a constituição de uma nova ordem moral entre os homens. A moral e os costumes são os fatores fundamentais para o aperfeiçoamento do homem e da sociedade. O cerne do pacto social está na participação direta dos indivíduos, da qual emanam as leis que expressam a vontade de todos.

O conhecimento-emancipação também é um conceito construído na modernidade pelos liberais e, segundo Santos, é constituído por três lógicas de racionalidade: a estético-expressiva (racionalidade da arte e literatura), a moral-prática (racionalidade da ética e do direito) e a cognitivo instrumental (racionalidade da ciência e da técnica). Segundo Braga; Genro; Leite (1997), interpretando Santos, essas lógicas visam orientar a vida prática do cidadão. Assim,

A racionalidade estético-expressiva tem sua razão de ser no princípio da comunidade, por condensar idéias de identidade e comunhão. A racionalidade moral-prática é ligada ao princípio de Estado, ao qual compete definir um mínimo ético na produção e na distribuição do direito. A racionalidade cognitivo-instrumental liga-se ao princípio de mercado, por condensar as idéias do individualismo e da concorrência, centrais ao desenvolvimento da ciência e da técnica e conversão da ciência em força produtiva (BRAGA; GENRO; LEITE, 1997, p. 24).

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O conhecimento-emancipação pressupõe uma nova

ética, uma ética que, ao contrário da ética liberal, não seja colonizada nem pela ciência (conhecimento como verdades absolutas), nem pela tecnologia (ética utilitária: eficiência, eficácia e produtividade), mas como parte de um princípio novo: da participação, da responsabilidade social e da solidariedade.

O paradigma de avaliação, sustentado pelo conhecimento-emancipação, rompe com as modalidades de avaliação institucional que são sustentadas pelo conhecimento-regulação, no qual o poder hegemônico do mercado e do Estado levou os sujeitos ao conformismo, à alienação e à resignação social. As modalidades de avaliação, sustentadas neste paradigma, são aceitas não por serem consideradas "boas", eficientes ou ineficientes, mas por serem inevitáveis e impostas como controle para manter a ordem. E, dominados pelos princípios da regulação, silenciamos e quanto mais silenciamos, mais legitimamos tal paradigma.

A revalorização dos princípios da comunidade, a partir dos princípios da solidariedade e da participação, com ênfase na intersubjetividade, aceita o outro enquanto sujeito capaz de reciprocidade e busca construir um processo de avaliação coletivo, propõe mudanças a partir da auto-avaliação, na qual o outro é fundamental. Sem o olhar do outro, a avaliação fica incompleta. A aceitação da avaliação pelo outro, só acontece quando eu reconheço o outro, enquanto outro que também produz conhecimento. É a partir desses pressupostos teóricos que acredito ser possível (re)significar a avaliação institucional.

Saul (2000) no seu livro Avaliação Emancipatória, afirma que:

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A avaliação emancipatória caracteriza-se como um processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade visando transformá-la. Destina-se à avaliação de programas educacionais ou sociais. Ela está situada numa vertente político-pedagógica cujo interesse primordial é emancipador, ou seja, libertador, visando provocar a crítica, de modo a libertar o sujeito de condicionamentos deterministas. O compromisso principal desta avaliação é o de fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação educacional escrevam a sua "própria história" e gerem as suas próprias alternativas de ação (SAUL, 2000, p. 61).

O quadro abaixo tem por objetivo mostrar o paradigma da avaliação emancipatória destacando suas principais características a partir de Saul (2000), e possibilitar uma identificação de experiências e modalidades de avaliação que tenham ou não princípios emancipatórios.

Paradigma da avaliação emancipatória CARACTERÍSTICAS DESCRIÇÃO NATUREZA DA AVAL.

Processo de análise e crítica de uma dada realidade visando a sua transformação.

ENFOQUE

- Qualitativa. - Praxiológico: busca apreender o fenômeno em seus movimentos e em sua relação com a realidade, objetivando a sua transformação e não apenas a sua descrição.

INTERESSE - Emancipador, ou seja, libertador; visa provocar a crítica, libertando o sujeito de condicionamentos determinados.

VERTENTE - Político-pedagógica. COMPROMISSOS

- Propiciar que pessoas direta ou indiretamente atingidas por uma ação educacional escrevam a sua própria história. - O avaliador se compromete com a "causa" dos grupos que se propõe a avaliar.

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CONCEITOS BÁSICOS

- Emancipação - Decisão democrática - Transformação - Crítica/educativa

OBJETIVOS - "Iluminar" o caminho da transformação. - Beneficiar audiências em termos de torná-las autodeterminadas.

ALVOS DA AVALIAÇÃO

- Programas educacionais ou sociais.

PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

- Antidogmatismo - Autenticidade e compromisso - Restituição sistemática (direito à informação) - Ritmo e equilíbrio da ação-reflexão.

MOVIMENTOS DA AVALIAÇÃO

- Descrição da realidade - Crítica da realidade - Criação coletiva

PROCEDIMENTOS

- Dialógico - Participante - Utilização de técnicas do tipo: entrevistas livres e debates.

TIPOS DE DADOS - Predominantemente Qualitativo - Utilizam-se também dados quantitativos.

PAPEL DO AVALIADOR

- Coordenador e orientador do trabalho avaliativo. - O avaliador, preferentemente, pertence à equipe que planeja e desenvolve um Programa.

REQUISITOS DO AVALIADOR

- Experiência em pesquisa e em avaliação. - Habilidade de relacionamento interpessoal.

Fonte: SAUL, 2000, p. 64.

Analisando, ainda, a questão dos Modelos de Avaliação da qualidade da Educação Superior, Contera (2000) discute o modelo de regulação e o modelo democrático, que ela também denomina de emancipatório. O modelo de regulação se orienta por uma racionalidade instrumental, adequação dos meios aos fins, e nele predomina o interesse técnico. O enfoque instrumental ressalta a qualidade dos produtos. Do ponto de vista político, é claramente um modelo cuja intencionalidade explícita é a prestação de contas (accountability). Este modelo se sustenta nos valores de competitividade, individualismo e produtividade, próprios do mercado.

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O modelo democrático se constrói a partir da idéia de auto-regulação. Do ponto de vista político, diferencia do modelo de regulação e se orienta para a defesa da autonomia e da capacidade de auto-governo. A auto-avaliação é um processo ancorado na responsabilidade social das instituições do Estado de "dar conta" à sociedade, com o objetivo de analisar a eficiência social. O processo se orienta por valores da própria universidade, por interesse pela produção do conhecimento e sua distribuição, pela pertinência social do mesmo, pela eqüidade, a justiça e a transparência de suas decisões, a participação e a autonomia institucional. Contera (2000) sintetiza estes dois modelos conforme quadro a seguir.

Modelos de avaliação da qualidade MODELOS DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE

REGULAÇÃO DEMOCRÁTICO

PÓLOS DE TENSÃO

1- Interesse técnico 2- Racionalidade Instrumental 3- Enfoque Quantitativo 4 -Rendição de contas, auditoria 5- Indicadores de "rendimento" 6- Avaliação com critério punitivo e de controle. 7 - Processo baseado numa ética competitiva 8- Avaliação "retroativa" e pontual

1- Interesse emancipatório 2- Racionalidade valorativa 3- Enfoques quanti/qualitativo 4- Responsabilidade social 5- Indicadores de "Qualidade" 6- Avaliação como aperfeiçoamento e transformação 7- Processo baseado na colaboração e participação 8- Avaliação processual e permanente

Fonte: CONTERA, Cristina. Modelos de Evaluación de la Calidad de la Educación Superior - RAIES, Ano 5, vol. 5, n º 1, março 2000.

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A emancipação/regulação reproduz diferenças fundamentais em termos éticos e epistemológicos. Nesta questão da ética, House (2000) em seu livro “Avaliação Ética e Poder” apresenta dois enfoques. O primeiro é o objetivismo que sustenta os modelos de avaliação regulatórios e que está fundamentado numa concepção de educação que tem como função o treinamento, a técnica, produz conhecimento apenas para satisfazer necessidades dos indivíduos. Segundo Dias Sobrinho essa valorização extrema do indivíduo eticamente produz o individualismo e induz os valores de competitividade e acaba com as relações sociais cooperativas.

Os sujeitos são trabalhados para obter sucesso individual, acumular bens materiais e valorizar o consumismo. A avaliação fundada nesta ética se preocupa com a eficiência, produtividade, êxito individual, Ranking, classificação, mensuração e o controle da qualidade. É uma avaliação que apenas verifica e fiscaliza.

O segundo enfoque é o subjetivismo que sustenta os modelos de avaliação emancipatórios e está fundamentado numa educação que prioriza os valores da formação humana integral, tanto os valores técnicos (profissionalização), como éticos (humanos: solidariedade, justiça social, cidadania, felicidade, respeito ao outro). Não se separa aqui técnica e ética. A educação deve promover com muita competência a técnica, a ampliação dos conhecimentos específicos enraizados na ética.

A avaliação neste princípio prioriza os sujeitos, o que implica afirmar e reafirmar os princípios de justiça, equidade, cooperação e de cidadania. Dessa forma, a avaliação não pode estar voltada apenas para os instrumentos quantitativos, mensuráveis e comparáveis, mas deve utilizar metodologias que promovam discussões. É preciso entender que os 'dados tomam caráter qualitativo. Não basta dizer que um curso tem nota "A" ou "D" ou "E", é preciso entender os sentidos e os

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significados destes conceitos. Não basta apontar as deficiências, é preciso interpretar as suas causalidades e acionar implementações para melhorias.

A avaliação como regulação, na qual valoriza a classificação, os Rankings, a mensuração cumpre valor de mostrar a sociedade o que é “melhor”. Nessa sociedade controlada pelo mercado temos necessidade de saber o que é “melhor”. O individualismo, a competição e a necessidade de inserção no mercado nos levam a procurar o “melhor”. Ouvi um colega, professor universitário, dizendo para o seu filho: "meu filho vá estudar, para vencer na vida não basta ser bom, é preciso ser o melhor”. Temos, enquanto pais, necessidade de ver as escolas e as universidades classificadas para colocarmos nossos filhos, ou nós mesmos, a estudar na "melhor". Segundo Dias Sobrinho, essas avaliações que mensuram cumprem valor de mercado, mas não tem valor educativo.

Parafraseando Leite (1997), acredito que estamos no seio das contradições e pressões geradas pelos pólos da regulação e da emancipação. A lógica da regulação, do mercado constitui a forma de organização da sociedade e essa lógica atravessa as instituições educacionais. Freitas (2003, p.35) afirma que “contrariar essa lógica é, no âmbito de nossa sociedade atual um processo possível apenas com resistência. Isso não diminui sua importância como possibilidade, mas alerta para seus limites”.

Acredito que é nosso dever enquanto professores buscar formas de resistência frente às modalidades de avaliação classificatória impostas externamente às instituições educacionais. Assim, é necessário buscar o fortalecimento pedagógico e político de uma proposta de avaliação construída pela própria escola ou pela própria universidade que garanta o repensar das atividades desenvolvidas. Os limites que a regulação, o mercado e a sociedade impõem a educação não devem ser motivadores de desânimo. Conhecer os paradigmas

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que sustentam as modalidades de avaliação é necessário para repensar as práticas avaliativas. Essas reflexões devem começar na prática da sala de aula de cada professor

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A NOÇÃO DE VOLUNTÁRIO NA ETHICA NICOMACHEA: UMA TENTATIVA DE

RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO

Flávio Rovani de Andrade Alceu Zoia

Neodir Paulo Travessin

RESUMO: Este texto apresenta uma breve introdução ao estudo da ética aristotélica para passar então à exposição da noção de voluntário e suas condições na Ethica Nicomachea de Aristóteles, passando por uma releitura do livro III. Posteriormente é feita uma abordagem política da educação em relação ao contexto globalizado onde se incita a reflexão sobre a voluntariedade política de uma educação fadada ao fracasso.

PALAVRAS CHAVE: Ética, voluntário, involuntário, educação, globalização.

ABSTRACT: This text presents a short introduction to the aristotelic's ethics in order to pass to the exposition of the notion of volunteer and its conditions in the Aristotle 'Ethica Nicomachea, moving to a rereading of the Book III. Afterwards, it is discussed a political approach of Education related to the globalized context where it is stimulated a reflection about a voluntariness politics of an education predestinated to failure.

KEY WORDS: Ethics, voluntary, unvoluntary, education.

Apresentação

Em Aristóteles (383 a.C.-322 a.C.) a ética adquire um

caráter de ciência normativa, ocupando-se assim das normas que regulamentam a conduta humana. O filósofo de Estagira

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parte do pressuposto de que todo o homem grego, que se enquadra no conceito de cidadão, aspira à felicidade. Tughendhat nos esclarece essa questão:

Nas frases seguintes, mediante a introdução do conceito de logos, é traçada a distinção entre a obra (Leistung) da vida especificamente humana e a da vida dos outros animais. A palavra “logos” deve ser traduzida aqui, como na maioria dos casos no decorrer da Ética a Nicômaco, por ‘reflexão’ (Überlegung). Enquanto os outros animais, com relação a seu bem-estar, estão determinados unicamente por seus sentimentos de prazer e desprazer, no caso dos homens estes sentimentos podem ser dirigidos pela reflexão. Temos não apenas sentimentos e afetos, mas a possibilidade de nos conduzir reflexivamente em relação a eles, e nosso bem-estar, nossa felicidade no sentido objetivo, depende de que o façamos bem (TUGHENDHAT, 1994, p.91).

Acontece que como bom observador da conduta

humana, Aristóteles, na mais pura tradição empirista, detecta três maneiras diversas de viver bem. Para uns o viver bem implica na busca do prazer a qualquer custo. Já para outros o viver bem está implicado tão somente na realização de atividades contemplativas. Por fim, para um terceiro grupo de cidadãos, o viver bem se assenta no princípio ético fundante que é a busca da honra que, enquanto tal, conduz a uma vida virtuosa.

Nota-se que a concepção aristotélica se preocupa fundamentalmente em escapar das armadilhas do subjetivismo ao estabelecer as condições de possibilidades objetivas da conduta humana. Para tanto, há que se investigar qual é o fim (finalidade) da vida humana. Ou, isto posto de outro modo: o

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que justifica a existência humana? Ora, o homem existe para viver bem, pois isto conduz à felicidade. Sendo que a felicidade em sua plenitude só é possível de ser alcançada pela alma, pois ela é responsável pela parte reflexiva do ser humano. Daí que a virtude maior, a areté, o sumo bem só pode ser alcançado por quem tiver a alma sã, na medida em que depurado das paixões terrenas, estará livre e plenamente apto a agir em conformidade com as normas morais vigentes na polis. Como nos lembra Vázquez:

A ética de Aristóteles – como a de Platão – está unida à sua filosofia política, já que para ele – como para o seu mestre – a comunidade social e política é o meio necessário da moral. Somente nela pode realizar-se o ideal da vida teórica na qual se baseia a felicidade. O homem enquanto tal só pode viver na cidade ou polis; é, por natureza, um animal político, ou seja, social. Somente os deuses ou os animais não têm necessidade da comunidade política para viver; o homem, entretanto, deve necessariamente viver em sociedade. Por conseguinte, não pode levar uma vida moral como indivíduo isolado, mas como membro da comunidade. Por sua vez, porém, a vida moral não é um fim em si mesmo, mas condição ou meio para uma vida verdadeiramente humana; a vida teórica na qual consiste a felicidade (VÁZQUEZ, 1997, p.234).

Se bem entendemos Vázquez (1997), não é forçado interpretar que segundo ele, Aristóteles imbrica o conceito de natureza humana com o agir moral, ou com o viver bem; conferindo uma finalidade (teleologia) ao viver humano. Assim sendo, a existência ética humana se justifica mediante o cumprimento de sua finalidade e/ou função política. Então, o homem cidadão ateniense tem de ser educado tendo em vista o

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desenvolvimento moral (intelectual) para as discussões e tomadas de decisões acerca das questões pertinentes a polis.

Percebemos aqui uma compreensão que hoje pode ser chamada de concepção holística do ser humano. Equivale dizer, que se trata de uma concepção que atende ao princípio da totalidade, isto é, considera todas as dimensões do ser humano. Vejamos, o homem é animal político, dotado de inteligência e movido também por esta força incontrolável e indizível chamada emoção. Assim, o estagirita ocupa-se em conferir uma espécie de meio termo entre os vários aspectos que constituem esta categoria de totalidade chamada ser humano, suplantando assim a concepção reducionista do mestre Platão, que definirá o ser humano tão somente a partir de seu elemento racional.

Introdução

A guisa de introdução cabe recorrer a Valls para

compreendermos um pouco mais sobre a influência exercida por Aristóteles no campo da ética:

Para concluir esta pequena amostra a respeito do pensamento ético dos grandes teóricos gregos, vale a pena citar um trecho da Ética a Nicômaco, onde Aristóteles mostra toda a lógica de seu raciocínio, aliada a uma aguda observação psicológica e a um bom senso acostumado a ver as coisas como elas são, na prática. Vejamos uma das traduções possíveis da definição de virtude: “é um hábito adquirido, voluntário, deliberado, que consiste no justo meio em relação a nós, tal como o determinaria o bom juízo de um varão prudente e sensato, julgando conforme a reta razão e experiência” (2001, p.33).

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Para o contexto deste trabalho, importa compreender

como Freitag (2002), o esforço intelectual empreendido por Aristóteles em Ethica Nicomachea para demonstrar que a ação humana constitui-se em uma qualidade voluntária do sujeito agente, o qual utiliza a razão para estabelecer o necessário equilíbrio para o agir humano. Freitag lembra que:

A Ética a Nicômaco pode ser encarada como um tratado das virtudes do homem. Por isso, Aristóteles discute, em cada um dos capítulos desse tratado, uma virtude (básica), contrapondo a cada uma delas o seu oposto, o vício. A Ética compreende duas categorias de virtudes (e vícios): as virtudes morais (calcadas na vontade) e as virtudes intelectuais (calcadas na razão) [...] As virtudes morais são conseqüência da vida, da experiência, do tempo e da idade. Elas decorrem da ação e não podem ser ensinadas (2002, p.28-29).

Importa aqui remeter a discussão para o âmbito das virtudes morais (calcadas na vontade) para, num segundo plano, fazer as possíveis aproximações com a questão da educação.

A Ethica Nicomachea

Este estudo tem o intuito de, obviamente, demonstrar os resultados de um contato inicial com o texto aristotélico e uma possível releitura, distante de qualquer esgotamento dos pontos aqui levantados. Para tanto, este texto está dividido em três partes: na primeira, veremos as ações involuntárias por coação (1109b30 a 1110b17), na segunda parte, examinaremos os atos

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involuntários por ignorância (1110b18 a 1111b4) e, por fim, faremos as devidas relações com a educação.

Aristóteles trata, no primeiro capítulo do livro III da Ethica Nicomachea, das noções de ato voluntário e involuntário. Para tanto, na tentativa de explicitar a noção de voluntário, ele se prende à análise do involuntário e, brilhantemente, esclarece as condições do ato voluntário. São elas:

(a) o princípio da ação está no agente e (b) ele conhece as circunstâncias da ação.

As condições (a) e (b) não são satisfeitas por coação ou ignorância. O ponto de partida de Aristóteles para o exame dos atos voluntários está na relação estabelecida da virtude com as ações e paixões: “[...] é às paixões e ações voluntárias que se dispensa louvor e censura, enquanto as involuntárias merecem perdão e às vezes piedade [...]” (1109b30-33). Obviamente, a distinção entre ações voluntárias e involuntárias faz menção à formação da virtude que decorre esta formação,

[...] da aplicação de recompensas e punições que leva o indivíduo a ter, por fim, seu caráter formado [...] recompensas e sanções durante o processo de formação do caráter individual predispõem o agente a ter este conjunto de emoções esperadas (e agir, com base nelas, de certa maneira), ao invés de outra qualquer. Dessa maneira, só podem ser aplicadas ao indivíduo por atos que decorrem de ações voluntárias, cabendo, no caso de emoções contravoluntárias, compreensão e por vezes perdão, mas não elogio nem censura. (MUÑOZ, 2002, p.88).

Imediatamente após fazer tais considerações,

Aristóteles define a ação involuntária: “São, pois, consideradas involuntárias aquelas coisas que acontecem por coação ou por

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ignorância” (1109b35 – 1110a1). Deste ponto, podemos definir claramente a ação voluntária como sendo aquela onde (a) o princípio está no agente e (b) o agente é conhecedor das circunstâncias da ação. A primeira distinção que podemos fazer ao ato voluntário e involuntário é que no primeiro são satisfeitas as condições (a) e (b), enquanto na segunda estas não são satisfeitas.

Atos involuntários por coação

Em E.N. III, 1, 1110a 1 – 4, Aristóteles lança as bases para a compreensão do ato involuntário por coação, em sentido estrito1, como seu princípio sendo exterior ao agente:

[...] e é coagido ou forçado aquilo cujo princípio motor se encontra fora de nós e para o qual em nada contribui a pessoa que age e que sente paixão – por exemplo, se tal pessoa fosse levada a alguma parte pelo vento ou por homens que dela se houvesse apoderado.

De acordo com os exemplos dados por Aristóteles, a ação por coação num sentido estrito é sempre aquela que ocorre contrariamente às disposições do agente, seja no caso dos princípios exteriores que o impedem de agir, seja quando tais princípios o levam à prática de uma ação, mesmo que indesejada.

Até aqui parece-nos clara a distinção do ato voluntário e involuntário por coação, mas os problemas não cessam em tal ponto, pois é introduzido, na seqüência, o que podemos chamar de atos misto, advindos de coação.

1 Usamos esta expressão para diferenciar tais ações dos atos mistos que veremos posteriormente.

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Mas, quanto às coisas que se praticam para evitar maiores males ou com algum nobre propósito (por exemplo, se um tirano ordenasse a alguém um ato vil e esse alguém, tendo os pais e os filhos em poder daquele, praticasse o ato para salvá-los de serem mortos), é discutível se tais atos são voluntários ou involuntários. Algo semelhante acontece quando se lançam cargas ao mar durante uma tempestade; porque, em teoria, ninguém voluntariamente joga fora bens valiosos, mas quando assim o exige a segurança própria e da tripulação de um navio, qualquer homem sensato o fará (1110a, 4-12).

É fundamental verificar que Aristóteles, em circunstâncias dramáticas, utiliza exemplos onde o agente toma decisões evitando um mal maior por meio de um mal menor. É natural se pensar que tais ações sejam involuntárias, pois, na ausência da dramaticidade ninguém agiria em direção a nenhum mal, a não ser as pessoas insensatas ou insanas. Aristóteles, porém, concebe haver momentos nos quais o sujeito, não praticando um mal tendo em vista evitar um mal maior, é moralmente reprovável e, praticando-o sem esse propósito, também é imoral. Isso abre a possibilidade de que os atos do “homem sensato” sejam mistos:

Tais atos, pois, são mistos, mas assemelham-se mais a atos voluntários pela razão de serem escolhidos no momento em que se fazem e pelo fato de ser a finalidade de uma ação relativa às circunstancias. Ambos esses termos “voluntário” e “involuntário”, devem, portanto, ser usados em referência ao momento da ação. Ora, o homem age voluntariamente, pois nele se encontram os princípios que movem as partes apropriadas do corpo em tais ações; e aquelas coisas cujo

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princípio motor está em nós, em nós está igualmente o fazê-las ou não fazê-las. Ações de tal espécie são, por conseguinte, voluntárias, mas em abstrato involuntárias, pois ninguém as escolheria por si mesmas (1110 a, 13-19).

Muñoz afirma: Assim, do ponto de vista de uma definição física, é preciso continuar considerando tais ações como voluntárias, tendo em vista que havia cursos alternativos para o indivíduo no momento em que as praticou [...] Deonticamente, contudo, elas poderiam ser consideradas contravoluntárias e, ao partilharem dessa dupla face, poderiam ser consideradas mistas (2002, p.93).

Ou seja, essas ações não podem ser consideradas totalmente involuntárias, pois seu princípio está no agente, uma vez que decidiu fazer tal coisa e a decisão, em última instância, lhe pertence; tampouco são apenas voluntárias, pois não satisfazem a condição (b), uma vez que as circunstâncias lhe vêm por imposição.

Os atos mistos por coação deixam de ser assim considerados quando a pressão ou a dor é insuportável à natureza humana:

Algumas ações, na verdade, não merecem louvor, mas perdão, quando alguém faz o que não deve sem sofrer uma pressão superior às forcas humanas e que homem algum poderia suportar. Mas há talvez atos que ninguém pode nos forçar a praticar e que devemos preferir a morte entre os mais terríveis sofrimentos; e os motivos que “forçaram” o Alcmêon de Eurípedes a matar sua própria mãe nos parecem absurdos. É por vezes

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difícil de determinar o que se deveria escolher e a que custo, e o que deveria ser suportado em troca de que vantagem, e ainda é mais difícil permanecer firme nas resoluções tomadas, pois por via de regra o que se espera é doloroso e o que somos forcados a fazer é vil; donde serem objeto de louvor e censura aqueles que foram ou não foram compelidos a agir (1110a, 25-35).

Aristóteles distingue conceitualmente dois tipos de coação (1110b, 1-7):

(i) Ações involuntárias em si mesmas são aquelas imorais onde o agente se beneficia das conseqüências, mas se dão por desconhecimento das circunstâncias ou cujo princípio é exterior ao agente;

(ii) Ações involuntárias em si mesmas, mas voluntárias em virtude das circunstâncias são aquelas imorais que visam evitar um mal maior.

Nas últimas observações de Aristóteles sobre o ato involuntário por coação, ele faz menção ao prazer e à dor, que se poderia dizer que são fatores externos que forçam o agente a agir e, por conseguinte, seriam responsáveis pelos atos imorais. Ele, porém, não defende essa tese, mas a de que a coação parece “ser aquilo cujo princípio se encontra do lado de fora” (1110b, 15-16), ou seja, o agente em nada contribui. Então se é forçado a fazer contra sua vontade ou não, a dor ou prazer em nada converge à coação, pois é o agente quem irá valorar a esse respeito, sendo ele a causa da ação, dando-nos a entender que a ação com vistas ao prazer é voluntária, mesmo que imoral.

Atos involuntários por ignorância Aristóteles inicia sua análise sobre os atos involuntários

por ignorância distinguindo aqueles que agem não - voluntariamente daqueles que agem involuntariamente:

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Tudo o que se faz por ignorância é não-voluntário, e só o que produz dor e arrependimento é involuntário [...] agir por ignorância parece diferir de agir na ignorância, pois do homem embriagado ou enfurecido diz-se que age não em resultado da ignorância, mas de uma das causas mencionadas, e contudo sem conhecimento do que faz, mas na ignorância (1110b, 18-27).

Aqui Aristóteles passa por dois momentos que merecem ser examinados com cautela: o primeiro é dizer que atos cometidos por ignorância são involuntários se trazem “dor e arrependimento”. Ele ressalta nesse ponto o aspecto psicológico do agente que, em caso de indiferença, é não-voluntário. Dessa maneira, aquele que, num estado de entorpecimento ou embriaguez realiza um ato moralmente reprovável, esse poderia ser involuntário, pois seria passível de arrependimento depois de passado o estado de ignorância. No segundo momento, para não cometer esse equívoco, Aristóteles passa rapidamente às noções de por ignorância e na ignorância. A ação realizada por ignorância é aquela cujo agente ignora as circunstâncias da ação por falha epistêmica, isto é, por desconhecer as circunstâncias nas quais se deram a ação, sendo considerada involuntária. A ação realizada na ignorância é não-voluntária no sentido de que o agente “não sabia o que fazia” (1110b, 21), mas é responsável por se colocar em estado de ignorância.

As últimas considerações aristotélicas presentes no capítulo 1, do livro III da Ethica Nicomachea destinam-se à análise da involuntariedade pelo impulso (apetite ou cólera):

Como tudo que se faz constrangido ou por ignorância é involuntário, o voluntário parece ser aquilo cujo princípio motor se encontra no próprio

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agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do ato. É de presumir que os atos praticados sob o impulso da cólera ou do apetite não merecem a qualificação de voluntário (1111 a, 21-24).

Nesse ponto, Aristóteles introduz dois argumentos: o da

voluntariedade de crianças e animais2 e da incoerência de responsabilizar os impulsos pelo que não devemos desejar ou por atos vis e responsabilizarmo-nos pelos atos nobres:

Inegavelmente, seria estranho qualificar de involuntárias as coisas que devemos desejar; e é certo que devemos encolerizar-nos diante de certas coisas e apetecer outras: por exemplo, a saúde e a instrução. Por outro lado, o involuntário é considerado doloroso, mas o que está de acordo com o apetite é agradável. Ainda mais: qual a diferença, no que tange a involuntariedade, entre os erros cometidos a frio e aqueles que caímos sob ação da cólera? Ambos devem ser evitados, mas as paixões irracionais não são consideradas menos humanas do que a razão; por conseguinte, também as ações que procedem da cólera ou do apetite são ações do homem. Seria estranho, pois, tratá-las como involuntárias (1111 a, 30-1111b, 4).

O que a tese aristotélica defende ao fundo, no tocante à citação acima, é que as paixões não fazem parte da razão, mas podem ser controladas pela razão, caracterizando-a como voluntária.

2 Esse argumento aparece de súbito. Na E.N. diferentemente da Ethica Eudemia, Aristóteles atribui vontade às crianças e aos animais.

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Possíveis relações com a educação

Após essa leitura das considerações feitas por Aristóteles acerca da noção de voluntário, passemos agora a uma breve relação com a educação. Poderíamos fazer inúmeras relações: a respeito do processo ensino aprendizagem, a respeito da inter-relação dos professores e gestores, a respeito das políticas públicas etc. Porém, por não termos tempo para um trabalho tão amplo, ficaremos com a questão ideológica que influi sobre as propostas políticas da educação.

Será que o atual contexto de descaso com a educação brasileira é um problema ideologicamente involuntário, onde se faz o que é possível? Devemos conceber a educação libertária como tal? Existe educação que não seja movida por interesses voluntários de coisificação do homem? Procuremos refletir à luz dessas questões.

“Sabemos que a raiz latina do verbo ‘educar’ denota um ato de ‘violência’, em certo sentido: educar é conduzir alguém, promover a passagem – muitas vezes forçada – de um lugar a outro, de uma condição a outra” (GALLO, 2004, p. 207). Tendo em vista o próprio conceito de educação, não podemos então, sob nenhuma hipótese, conceber que qualquer proposta educativa tenha simplesmente a intenção de formar cidadãos livres. O que há de fundo é uma forte ideologia na qual estão presentes vários atos voluntários.

Coelho (2004), a respeito da intenção ideológica da educação, diz:

Com efeito, a educação impõe ao educando o modo de pensar correto pela classe dominante (a maneira considerada cientifica, racional, verdadeira, de se entender e explicar a sociedade, a família, o trabalho, o poder e a própria educação) bem como os modelos sociais de comportamento, ou seja, as formas tidas como corretas de se

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comportar na família ou no trabalho, de se relacionar com Deus, a autoridade, o sexo oposto, os subalternos etc. Ora, sabemos que tudo isso é uma manifestação da divisão de classes, das relações de poder que constituem a vida concreta dos homens e, evidentemente, sua imposição é fundamental para a reprodução destas mesmas relações de poder. A interiorização pelo indivíduo dessas normas de conduta e desse código de interpretação do real aceitos como ‘verdade’ do pensar e do agir, significa a consagração de uma moral da renúncia, da passividade e da submissão. O resultado será certamente uma personalidade completamente dócil e submissa, forjada para suportar qualquer violência ou injustiça sem se rebelar, capaz de sublimar qualquer frustração; enfim, o indivíduo perfeitamente preparado, trabalhado, para ocupar o ‘seu’ lugar na divisão social do trabalho, o homem ideal para que a dominação de classe se mantenha (p. 207).

Este prospecto nos remete a Aristóteles, se pensarmos que toda a educação brasileira ainda está voltada para satisfazer aos interesses globalizados dos megainvestidores internacionais, imposto nessa nova ordem mundial.

O sistema de câmbio internacional e o fluxo de capital financeiro emanciparam-se do controle dos bancos nacionais. Um especulador (megainvestidor) pode operar em dólares ou ‘euros’ no Japão ou no México. Uma empresa japonesa pode obter empréstimos em marcos nos Estados Unidos e as mercadorias podem ser produzidas em Cingapura ou Brasil, montada em Hong Kong, exportada por alguma agência situada no Caribe e aparecer como exportação do México

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e vendida no Uruguai. Não se trata de importação e exportação de bens de consumo ou investimentos entre diversas economias nacionais, senão de uma nova divisão do trabalho entre as empresas multinacionais. A norma é: produzir onde os salários são os mais baixos, investir onde as leis são mais generosas e usufruir lucros onde os impostos são menores (GAMBOA, 2003, p. 97).

Steffan (apud GAMBOA, 2003) afirma que,

[...] o Banco Mundial não tem nenhum interesse real em pagar uma educação básica de nove anos para 200 milhões de jovens latino-americanos que, saindo da escola ingressam no setor de empregos precários, ou no exército de desempregados, cujos ingressos raquíticos não garantem a reprodução da força de trabalho e em cujo infra-mundo as habilidades educativas formais adquiridas não são instrumentos necessários na luta pela sobrevivência (p.98).

O que ganha um organismo mundial em manter uma educação fadada ao fracasso? Seria ingenuidade pensar que tais investimentos são assim empregados, pois não são conhecidas as circunstâncias nas quais isso se dá ou que não haja vontade do órgão referido. Desse prisma, fica claro que a educação sofre injunções externas voluntárias (aristotelicamente falando) que comprometem o seu sentido e o seu papel.

Conclusão

Em virtude do que foi tratado, podemos finalizar quase

que esquematicamente este texto.

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Partindo da lógica do ato que, para ser voluntário, necessita satisfazer as condições (a) o princípio da ação que está no agente e (b) o agente conhece as circunstâncias da ação, chegamos à definição de ato involuntário como as condições (a) e (b) não satisfeitas.

Em suma, quando ocorre por coação, o ato pode ser involuntário (quando o princípio é exterior ao agente) ou misto (voluntário do ponto de vista físico e involuntário do ponto de vista moral), não sendo o princípio, neste último, totalmente estranho ao agente. Quando ocorre por ignorância, o ato é involuntário se provocar arrependimento e dor, do contrário, é apenas não voluntário; e, mesmo que traga dor e arrependimento, será involuntário se for por ignorância, sendo, na ignorância, voluntário. Ademais, as paixões não justificam atos involuntários, pois podem ser controladas pela razão.

Resta-nos então perceber que, em se tratando da noção de voluntário na educação, não podemos deixar de nos referir ao contexto geopolítico que influencia substancialmente a educação e como tal influência condiciona a nossa educação.

Desta forma, não esgotamos as possibilidades de leitura do capítulo 1 do livro III da Ethica Nicomachea, menos ainda das abordagens educacionais que devem ser feitas, mas cumprimos o propósito inicial deste texto. Fica em aberto uma questão comum a Aristóteles e a Sócrates quando, na Apologia de Sócrates, este lança aos juízes o seguinte questionamento: Quem ensinará aos homens as virtudes humanas e civis? Pois, se entendemos civis como um conceito amplo de cidadania, cabe então uma nova investigação a partir do texto ora apresentado.

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OS PROFESSORES DESTE MILÊNIO NAS ABORDAGENS ATUAIS DA DIDÁTICA

José Manuel Ruiz Calleja

RESUMO: Aborda-se neste trabalho uma análise aplicando teorias pedagógicas e didáticas atuais sobre as funções do professorado, que reflete algumas características essenciais da sua atuação e algumas alternativas de solução de problemas detectados neste contexto, partindo de considerações gerais sobre a função profissional do professorado. Além disso, são tratados alguns aspectos fundamentais das suas relações com os alunos no processo de ensino-aprendizagem em termos de sugestões gerais para o comportamento de professores e professoras, nas que se argumentam as possibilidades práticas de aplicação. Implícita na caracterização aprecia-se uma visão analítica do processo de formação escolar e do importante rol da didática, baseado num modelo teórico que atinge particularmente ao mesmo.

PALAVRAS-CHAVE: Professores, Pedagogia, Didática, Ensino-aprendizagem.

ABSTRACT: In this paper an analysis based on innovative pedagogy and didactics theories is carried out. It refers about the functions of the teachers and underlies some essential characteristics in their actuations as well as some solutions and alternatives to solve the problems detected in this context. Based in general considerations about the professional function of the teachers some fundamental aspects are considered in relation to the pupils in the learning-teaching process providing some general suggestions for their actuation. This way, some practical possibilities are explained. During the characterization, an analytical vision of the scholarship formation process is presented including also the importance of the didactics based in a theoretical model provided.

KEY WORDS: Teachers; Pedagogy; Didactic; learning-teaching process.

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Ao abordar esta problemática, gostaríamos de partir de algumas definições de educação, pedagogia e didática como conceitos epistemológicos básicos do assunto que tratamos. As definições de educação, dadas por diversos autores, embora possam parecer diferentes em suas distintas versões, geralmente têm muitos pontos em comum, especialmente porque colocam o indivíduo no centro da atividade e caracterizam a educação como um processo de influência sobre o indivíduo que conduz a sua transformação e o capacita para interagir com o meio. Entendemos que a educação é a ação que desenvolvemos sobre todas as pessoas que formam a sociedade, sejam mesmo nossos filhos ou aquelas outras com as quais nos relacionamos no contexto social em que vivemos, com o fim de capacitá-las de maneira integral, consciente, eficiente e eficaz, que lhes permita formar um valor dos conteúdos recebidos, significando-os em vínculo direto com seu cotidiano, para atuar conseqüentemente com a vida, a partir do processo educativo assimilado.

Se conseguirmos que o processo educativo se ajuste ao que aspira a sociedade, ou seja, ter cidadãos participantes, responsáveis, que a façam avançar para melhorar a vida de todos, partindo de um interagir consciente e eficaz com a realidade, se poderá falar realmente, a nosso juízo, de educação.

Dentro deste processo, o professor tem um importante papel, ele instrui com o que sabe e educa com o que ele é. Formar pessoas conscientes, responsáveis frente a suas obrigações sociais, implica muito mais que transmitir informação. Ou seja, falamos de educar com o exemplo, com o que se é, reconhecendo que se educa através da instrução, em cada disciplina e no conjunto das ações da escola. Um verdadeiro professor-educador entende que nem sempre que se instrui se educa e, também, que uma pessoa instruída não é necessariamente uma pessoa educada. É assim que o papel do

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professor no processo educativo é tão significativo, embora nem sempre se entenda esse papel, pois na prática existem muitas pessoas trabalhando no ensino, porém nem todas se podem denominar professores. Ser professor é educar para a vida e isto implica muito mais que um simples ato de transmitir uma informação. Assim foi expresso o assunto pelo cubano Martí (1975, p. 375): Instrução não é o mesmo que educação: a primeira refere-se ao pensamento, a segunda, principalmente aos sentimentos, embora não exista boa educação sem instrução. As qualidades morais aumentam de preço quando são realçadas pelas qualidades inteligentes.

Quando falamos em educar para a vida, não excluímos educar na vida, porque não é possível educar em abstrato, senão no que as pessoas vivem no dia-a-dia, é por isso a que a educação deve ser sob este princípio. Educar as pessoas para a vida, na vida e pela vida, e assim contribuir para a educação das atuais e futuras gerações de cidadãos. Para entender este conceito-chave, é preciso compreender que não só os professores educam, embora tenham uma responsabilidade profissional de educar, todos, de uma maneira ou outra educamos as pessoas que nos rodeiam. A escola não é a única instituição educativa da sociedade, assim, por exemplo e entre outros agentes, os pais de família, sem ser profissionais da educação, são por natureza educadores e devem educar seus filhos para a vida.

À margem do que podemos ser no plano profissional, é possível contribuir para formar as pessoas da comunidade em que vivemos, quando promovemos e aplicamos as normas básicas de convivência social ou quando somos solidários etc. Desta forma, o processo educativo se manifesta como um sistema mais geral de influências educativas, pois além da escola, no processo de formação das pessoas intervêm também a família, os amigos, a comunidade, a igreja, a mídia e outras instituições sociais.

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A influência educativa escolar em qualquer sociedade é muito significativa, levando-se em conta o grande número de anos que um indivíduo deve ficar nestas instituições educativas para chegar a se formar como profissional e ainda segue em contato com a escola por meio da pós-graduação. Isto explica a imensa responsabilidade dos professores e das instituições educativas escolares em nível social.

Nesta análise, a Pedagogia como ciência tem uma importância essencial, embora alguns autores não a considerem assim e falem dela como uma disciplina. Nós temos a convicção de que é uma ciência que tem seu objeto de estudo definido e leis muito bem delimitadas, que podem ser demonstradas por seu caráter reiterado e estável, assim como um sistema teórico de conceitos, categorias e princípios que caracterizam sua base epistemológica própria e diferente de outras ciências da educação. Também reconhecemos que com ela interagem outras ciências afins como a Filosofia, a Psicologia e a Sociologia da Educação, para mencionar apenas algumas.

O processo docente que caracteriza a escola é também propriamente um processo educativo, assim podemos considerá-lo como docente-educativo; tem um caráter sistêmico e organizado com vistas a alcançar sua eficiência, fundamentado numa concepção pedagógica geral, sobre uma base didática e desenvolvido por pessoas especializadas: os professores. O processo educativo não escolar, desenvolvido por outras instituições sociais, como a família, a mídia etc., tem um caráter mais espontâneo.

Em nosso conceito, a Pedagogia Geral estabelece as bases para a Didática, como ramo da pedagogia que se ocupa em estudar o processo educativo de caráter docente, ou seja, esse processo docente-educativo que se executa nas instituições educativas escolares.

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Em relação à didática tem existido historicamente a pergunta se ela constitui ou não uma ciência. Sendo um ramo da pedagogia, a didática possui seu próprio objeto, suas leis, princípios e categorias; os argumentos mais freqüentes, contrários à consideração da didática como ciência, aparecem associados a critérios tais como: que a experiência docente e os conhecimentos científicos e técnicos dos professores determinam de maneira absoluta a qualidade e resultados dos processos de ensino-aprendizagem. Estes argumentos carecem de fundamento, em primeiro lugar, porque não consideram ou desestimam o sujeito que aprende, ou seja, não leva em conta o sentido de eqüidade nesta relação dialética que é essencial; por outra parte, e embora reconheçam o valor da ciência e a tecnologia como conteúdos do ensino, reduzem o papel da pedagogia a conceitos de empirismo e pragmatismo, o que resulta hoje inaceitável, atendendo ao desenvolvimento desta ciência.

Um aspecto epistemológico fundamental da Didática consiste em demonstrar seu caráter de ciência e para isso faz-se necessário precisar a existência de seu objeto de estudo. O processo que, de forma sistêmica, se ocupa da formação das novas gerações é o processo docente-educativo, como objeto que se conforma a partir da sistematização do conjunto de elementos presentes no mesmo, para garantir a consecução do encargo social da escola traduzido na necessidade que tem a sociedade de preparar, de modo eficiente, os seus cidadãos. Ou seja, ante esse encargo social, surge o objeto que denominamos de processo docente-educativo, considerado como o processo formativo que é desenvolvido de um modo sistêmico e, conseqüentemente, eficiente.

Consideramos necessário aclarar que, no conceito de processo docente-educativo, incluímos o conceito de ensino-aprendizagem, embora aceitemos que o primeiro seja mais específico das instituições escolares. Acontece que outras

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instituições sociais não escolares, com um propósito educativo, desenvolvem também processos de ensino-aprendizagem, por exemplo, a família, mas como já foi dito, estes têm um caráter mais espontâneo, menos sistêmico, não fundamentados em concepções teóricas da didática e também não desenvolvidos diretamente por pessoas especializadas como são os professores.

Neste ponto da análise, gostaríamos de explicitar que nossa intenção, ao introduzir neste trabalho o conceito de processo docente-educativo utilizado amplamente em Cuba, é promover um intercâmbio científico, expor experiências e pontos de vista diferentes, para refletir e aprofundar as questões da didática. Este conceito, em nossa opinião poderia ser objeto e motivo de uma análise interessante para as abordagens atuais da didática e para tais propósitos, o consideramos um ponto de partida para refletir sobre seu significado no contexto da educação escolar. Uma definição de processo docente-educativo é a seguinte:

[...] processo que, como resultado das relações sociais que acontecem entre os sujeitos que nele intervém, está encaminhado de modo sistêmico e eficiente, mediante a apropriação da cultura acumulada pela humanidade, através da participação ativa e consciente dos alunos, planejada no tempo e observando certas estruturas de organização, com a ajuda de certos objetos, cujo movimento está determinado pelas relações causais entre estes componentes e destes com a sociedade e constitui a manifestação das leis da didática que expressam a essência do processo docente-educativo. (ZAYAS, 1999, p. 26).

Implícitos nesta definição ficam os componentes do processo, aqueles que são considerados pessoais: professor e

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aluno; e os considerados não-pessoais: objetivo, conteúdo, método, meios, formas e avaliação, como categorias didáticas que constituem seu núcleo teórico, para explicar o que esse autor denomina como sua Teoria dos Processos Conscientes. O processo docente-educativo se dá através das relações específicas internas entre todos seus componentes e entre este e a sociedade.

Por meio destas relações aprecia-se a essência da escola e do modelo pedagógico de uma instituição educativa, ou seja, partir do problema ou encargo social da instituição e de sua relação com os outros componentes do processo docente-educativo constitui a base para dar vida a um projeto educativo institucional, ao definir os objetivos do modelo, o conteúdo da instituição, os métodos para desenvolver o processo formativo, as formas mais adequadas para utilizar e as atividades de avaliação do modelo que acreditam sua eficiência e eficácia.

O processo docente-educativo contém sempre uma atividade de ensino-aprendizagem que transcende, evidentemente, suas fronteiras como processo pedagógico em si. Este deve se adequar aos novos paradigmas do que hoje se entende por ensino e aprendizagem. Nas atuais condições e exigências sociais deverá prevalecer a idéia de que, na escola há de ensinar-se a transformar a informação, adquirir métodos de auto-formação, através de uma aprendizagem significativa para o estudante, onde a avaliação do ensino e aprendizagem se faz por consenso entre professores e estudantes, num clima de autogestão e liderança.

Analisemos certas relações que, por seu caráter essencial, estável e reiterado, têm força de leis, orientam o processo docente-educativo e ajudam na delimitação dos modelos pedagógicos institucionais, se realmente educamos para a vida e, sobretudo, para formar um cidadão segundo as atuais condições e exigências sociais (ZAYAS, 1999, p. 47):

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A relação da escola com a sociedade. A escola se desenvolve num contexto social que lhe dá uma missão, um encargo social: a formação de um cidadão preparado e útil para o desenvolvimento humano e social. As interações que se estabelecem entre os componentes do processo. Os componentes refletem a estrutura do processo, e suas relações ou interações manifestam sua dinâmica ou comportamento. É preciso compreender o significado que têm estas relações em todos os níveis da estrutura do processo, desde o planejamento curricular e estendê-las até cada uma das atividades que se realizam na escola, tanto no plano docente como extra docente, assim como nos planos curricular e extracurricular.

Aplicando os enfoques sistêmico e holístico, estas relações que constituem origem e essência do processo, permitem caracterizá-lo como um todo, mas, em separado, perdem seu significado. Estas relações, além disso, tem um caráter dialético e cada componente encerra uma dialética entre o objetivo e o subjetivo.

Alcança-se assim um processo de integração de caráter didático, onde todas as disciplinas, com um enfoque inter, multi e transdisciplinar realizam sua contribuição ao processo formativo de cada instituição e em nível de cada sociedade.

As diferentes disciplinas devem enfatizar a preparação para a vida. Canalizar essa preparação para a vida, por uma educação onde se apliquem os conhecimentos e habilidades adquiridas nas disciplinas. Um dos problemas que hoje se apresenta nos distintos níveis de ensino é que os estudantes não ganham consciência da utilidade prática, essa utilidade para a vida, que têm as diferentes disciplinas que recebem e isso faz

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com que seja impossível alcançar uma aprendizagem significativa.

Ao colocar uma disciplina no currículo, não se persegue o fim único de colocar, ao final de cada etapa, uma avaliação, não para dizer que o aluno passou de série, mas para dizer o que, nessa série, o aluno aprendeu sobre a aplicação da disciplina recebida, na problemática que como criança ou jovem deve enfrentar cada dia.

Gostaríamos, aqui, de aprofundar a mencionada relação entre a instrução e a educação e quando falamos em instrução lembro que não estamos nos referindo a uma simples transmissão de informação, senão à formação de habilidades, conhecimentos e capacidades ou competências. Devemos aspirar que o resultado da apropriação dos conteúdos pelos alunos seja uma expressão de que esse conteúdo passou por suas personalidades, que eles tiveram uma relação afetiva com ele, a partir da certeza de que este foi fundamentado em suas vivências, em seus interesses, aprofundou em seus sentimentos, influindo decisivamente em sua personalidade, convertendo-se assim em um conteúdo valorado, gestor de nova cultura, de novo conteúdo. Isto incide obrigatoriamente na formação de valores, atitudes, sentimentos e convicções, com o que podemos falar do educativo no processo docente. Assim, acontece uma relação obrigatória entre a instrução e a educação, propiciada pelos professores e estudantes em sua interação.

Ao educar, devemos ser muito concretos e objetivos. Não se pode dizer que vamos formar valores de solidariedade apenas falando sobre os valores solidários, trata-se de que educamos dentro da instrução e com o que somos, com nosso exemplo, pela nossa conduta ao desenvolver o processo de ensino aprendizagem.

A formação de valores é tratada por alguns autores sob o conceito de transversalidade, em nossa opinião esta constitui

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a via pela qual poderemos potencializar o papel da formação de valores nos enfoques curriculares e o que pode projetar-se inclusive fora destes. Para alcançar as relações entre os níveis horizontal e vertical no planejamento curricular e no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem escolar, é preciso basear-se nas relações interdisciplinares dos distintos níveis. As matérias com este enfoque não devem ver-se como entes independentes, senão colocadas num contexto geral, agrupadas em disciplinas do saber, em relação com outras que ajudam a garantir o enfoque transversal dentro do currículo.

Nossos melhores professores foram aqueles que nos instruíram, porém, acima de tudo, se mostraram como educadores, foram uns modelos a seguir, ajudaram-nos para nos desenvolvermos como pessoas, contribuindo com nosso crescimento; embora um dia nos tenham ensinado um conteúdo qualquer da matemática ou da física etc., também nos ensinaram para quantas e para que coisas pudessem servir em nossa vida. Conversaram conosco, os estudantes, apoiando-nos em certas situações, demonstrando-nos que também eram pessoas e de alguma maneira mostrando-se como um ser social dentro e fora da sala de aula.

Por isso é necessário aclarar que, se alguns autores reconhecem que a didática é a arte do ensino, é arte no sentido mais amplo da palavra, porque didática não é só atuar, faz-se necessário sentir que se trabalha com pessoas e com muito amor pela atividade de ensino, mostrando-nos em nosso aspecto mais autêntico, assumindo uma posição empática e confiando nos estudantes; isso pode contribuir muito para alcançar o vínculo desejado entre a instrução e a educação.

Podemos nos propor muitas mudanças, provavelmente já estão acontecendo, porém estas questões devem refletir na forma como conduzimos a aprendizagem dos estudantes, só assim qualquer um modelo pedagógico poderá funcionar adequadamente. É preciso uma integração entre disciplinas,

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onde o estudante sinta que todas, em seu conjunto, tais disciplinas são verdadeiramente significativas para ele poder enfrentar o cotidiano da vida, é assim que se poderá estabelecer uma relação afetiva com o conteúdo, mas isso depende muito da atitude e das habilidades do professor.

O papel do professor é chave em qualquer projeto educativo. O fundamento didático destes projetos, partindo das relações essenciais que temos mencionado anteriormente, consolida o papel do que é reconhecido como conteúdo adquirido sobre o princípio significativo no processo de aprendizagem. Para converter-se em gestor de uma nova cultura, o conteúdo deve passar pelas vivências, agrados, interesses, motivações e sentimentos daqueles que aprendem. O professor deve encontrar as vias mais idôneas para isto, o que fica implícito nas habilidades pedagógicas de que se precisa para encontrá-las.

A assimilação consciente e eficiente dos conhecimentos se alcança pelo domínio das habilidades que conformam capacidades. Assimilar de forma consciente os conhecimentos implica dominar uma ou várias habilidades, ou seja, saber fazer, porém essa assimilação de conhecimentos tem de passar pela motivação que adquire o aluno nesse processo de aprendizagem, isto supõe um desenvolvimento adequado do processo de comunicação, onde o afetivo tem um caráter fundamental, dando-se entre professor-aluno, aluno-aluno e aluno-professor.

Também não é conveniente, nem lógico, pensar de forma absoluta em que só estudando e dominando a didática resolvemos todos os problemas do processo ensino-aprendizagem. Um professor só pode cumprir adequadamente suas funções, educar e ser exemplo num processo docente-educativo, se dominar a lógica de sua ciência, conhecendo profundamente o objeto de estudo científico de sua disciplina, as invariâncias dos conhecimentos e habilidades básicas desta.

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É a partir daqui que aparece a possibilidade de facilitar a aprendizagem, para desenvolver eficientemente este processo pedagógico. Sem conhecimento da ciência que aborda sua disciplina não é possível. Não se pode ensinar algo quando realmente não se conhece. Ninguém pode dar o que não tem.

Muitos professores se perguntam: como ajudar o estudante a ser sujeito de sua própria formação, a alcançar uma relação afetiva com o conteúdo? Podemos propor quatro aspectos dos quais se podem derivar muitos outros elementos, embora estes sejam respostas básicas para essas perguntas: 1- ouvir e respeitar as opiniões dos estudantes; 2- compartilhar com os estudantes as vicissitudes na solução dos problemas da transformação do contexto social; 3- escutar suas sugestões e 4 - se necessário, mudar a concepção inicial do processo.

A avaliação é outro dos elementos ou componentes básicos do processo docente-educativo. Às vezes parece que os professores medem, através das provas ou exames, as habilidades dos estudantes para passar de série, mais que os conhecimentos suficientemente assimilados.

Quando os professores não aplicam a avaliação num sentido de comprovar como os resultados se correspondem com os objetivos gerais e específicos do processo de formação dos alunos, acontece que, de forma consciente ou inconsciente, o estudante se prepara durante o curso apenas para passar no exame, mais que para integrar seus conhecimentos e aplicá-los.

Um professor que acredita que é capaz de avaliar os conhecimentos dos alunos só através de exames, muitas vezes carentes de validez, desconhece o verdadeiro sentido da avaliação. Perceber-se capaz de avaliar objetivamente seus alunos em até centésimos de unidades constitui um erro muito grave. É difícil refletir o fenômeno conhecimento e o sentido de uma formação integral da personalidade, em uma escala de números, sob um enfoque absolutamente quantitativo. O mais lamentável de tudo é que os alunos chegam até a avaliar-se a si

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mesmos em termos das notas que o professor lhes dá. Esta não pode ser a escola que permite desenvolver um bom sentido da autocrítica e da avaliação objetiva de méritos e conhecimentos que, se supõe, são as metas mais nobres do processo educativo.

A avaliação não é só a determinação do grau de aproximação dos resultados, em termos dos conhecimentos e habilidades alcançados pelos alunos em relação aos objetivos, deve também e, principalmente, referir-se à valorização crítica e autocrítica da reorganização de seu sistema de valores e conceitos previamente estabelecido. Ou seja, referida ao desenvolvimento de sua lógica, de seu método de trabalho, sua formação em correspondência com a solução dos problemas de todo tipo que deverá enfrentar na vida. A realização pessoal do estudante é a melhor recompensa para ele mesmo e para o professor.

O objetivo da ação educativa é preparar as pessoas para a vida, para desenvolver-se e contribuir para o desenvolvimento da sociedade em que vivem e isso significa muito mais que possuir um acúmulo de conhecimentos de cultura geral, científica e técnica ou ser capaz de desenvolver um sistema de habilidades manuais e intelectuais; significa, sobretudo, ser capaz de adotar uma correta atitude diante da vida, com as melhores convicções humanas, com altos valores éticos, estéticos, morais e os mais puros sentimentos.

O professor é o encarregado de criar o ambiente apropriado para que os alunos trabalhem com satisfação e harmonizem seus objetivos em função das necessidades individuais e sociais. Facilita-se isso quando o professor alcança a condição de líder do grupo estudantil.

O estilo do professor vincula-se às suas capacidades criadoras e às suas formas de interação com os estudantes. A experiência, idade, nível científico e cultural, personalidade, caráter e inteligência do professor influem em seu estilo. Alguns alcançam, assim, com iguais recursos e os mesmos

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grupos estudantis, resultados significativamente melhores que outros. Seu estilo determina um selo pessoal ao pôr em prática as normas sociais de forma concreta. Esse estilo é o que se identifica com a arte do professor.

As numerosas tentativas de classificação do estilo, em sua maioria partem do estudo dos seguintes fatores: a) a forma em que se relacionam o professor e os estudantes; e b) a autoridade do professor e como ele a exerce.

Nenhum estilo é bom ou mau em si mesmo. Um bom tipo de estilo é aquele que alcança o equilíbrio necessário e adequado entre uma boa relação professor-aluno e o cumprimento dos objetivos de formação dos estudantes.

A forma, pela qual um professor atua com relação a seus alunos, tem de ajustar-se a exigências e condições contextuais, que demandam um balanço adequado entre objetivos, princípios, funções, técnicas e métodos. Um balanço pode ser acertado em uma situação e para um grupo de estudantes determinado e, para outros diferentes, pode não ser o melhor. Quando o balanço não é o requerido para uma situação dada, podem-se apresentar certos riscos negativos como os seguintes:

A autocracia: O professor autocrata dá o saber feito e repete textualmente os conhecimentos aprendidos nos livros, podendo chegar a desenvolver um processo puramente reprodutivo que termina prejudicando a independência cognitiva e a criatividade dos alunos, tendo assim níveis mínimos ou nulos de motivação do grupo. Em muitos casos, a autocracia é mais um reflexo da debilidade do professor que de suas qualidades.

A tecnocracia: Baseia-se na superioridade cientifica e técnica do professor. É indiscutível que sua superioridade ajude o seu trabalho e tenha um peso importante, mas considerá-la como absolutamente determinante implica em desconhecer outros aspectos como os psicológicos e sociológicos que

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intervêm também de forma importante no processo. Quando este risco negativo se apresenta, não se levam em conta os aspectos educativos necessários para a formação de valores e sentimentos como riscos mais transcendentes da personalidade do educando.

O paternalismo: O professor se converte em “protetor” do grupo, justifica suas deficiências e tolera “liberdades” no processo educativo, apostando assim no aumento de sua influência, a qual é quase inatingível. Ás vezes alcança efetivamente alguma resposta positiva do grupo de estudantes, mas não é precisamente essa a motivação de que se necessita, sobretudo quando o paternalismo do “professor” afeta sensivelmente a preparação das novas gerações para a vida.

O democratismo: É uma aplicação desbalanceada da democracia. O professor subordina constantemente suas decisões ao critério da maioria do grupo, desconhecendo os objetivos gerais e específicos que refletem a necessidade de formação integral da personalidade de seus alunos. Nos níveis em que o estudante não é, todavia, totalmente consciente da necessidade e importância de sua educação, este estilo negativo pode induzir o aluno a um facciosismo muito perigoso em sua formação.

O teoricismo: Estabelece como absoluto o aspecto teórico e metodológico dos conteúdos da disciplina que ministra e das Ciências da Educação, sem atender às reais exigências sociais, condições e características do contexto próprio em que se desenvolve o processo educativo. Manifesta-se uma desvinculação da teoria com a prática, com a qual a instrução e a educação convertem-se em receitas feitas, que desconhecem as situações e condições concretas, limitam a participação do estudante e constituem um freio dos processos de motivação e criatividade, conduzindo ao dogmatismo no ensino.

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O praticismo: Exacerbação do papel da prática e da experiência pessoal dentro da atividade docente educativa. Tem como característica que sobrepõe a espontaneidade à base teórica e metodológica da ciência que se aborda como conteúdo, assim como das Ciências da Educação que explicam o processo docente educativo. Pode conduzir tanto à ousadia ilimitada como ao conformismo e, o que é pior, pode desenvolver nos estudantes um sentimento de frustração, como resultado de sua impossibilidade de compreender essencialmente certos feitos, fenômenos e processos que ocupam sua atenção, levando-os a se aborrecer, tanto em relação ao conteúdo quanto ao professor.

O estilo ideal é aquele que permite situar o professor como LÍDER do grupo estudantil, sendo a liderança uma manifestação de sua autoridade moral com respeito a seus estudantes. A autoridade formal está dada por sua designação oficial, a autoridade moral resulta da capacidade pessoal para tê-la e do reconhecimento que o coletivo estudantil faça dela. A que mais influi na criação da condição de liderança é a moral. Os estudantes podem exercer uma considerável pressão, outorgando ou retirando seu apoio ao professor e isso, sem dúvida, vai determinar a conduta deste último. Isso explica porque um professor pode ter sucesso como líder com um grupo de estudantes e fracassar com outro.

Em conseqüência, a autoridade do professor tem de ser entendida como uma energia básica, como a autoridade moral necessária para promover e desenvolver a ação educativa, que permita traduzir as intenções e finalidades do processo docente educativo em realidades concretas que melhorem e enalteçam a existência e natureza humana. Essa energia básica, assim considerada, se transmite pelos professores a seus estudantes, e facilita, por sua vez, a transformação destes últimos em líderes e sua conversão em autênticos agentes de mudança.

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Um aspecto fundamental da personalidade do líder é a capacidade para comunicar idéias e entusiasmo, para convencer e influenciar os estudantes, alcançando a ação educativa, o compromisso e a participação efetiva dos mesmos. O professor-líder infunde confiança e acredita na capacidade dos estudantes; a confiança gera responsabilidade, promove a participação e desenvolve a criatividade.

A qualidade da ação educativa está na qualidade do Ser. O autêntico professor-líder tem de ser exemplo, demonstrar capacidade de auto-avaliação, de reconhecimento de suas possibilidades e limitações, seus acertos e equívocos para melhorar a estima de si mesmo e dos demais. O professor-líder projeta segurança, confiança e energia positiva em seus alunos e consegue compartilhar sua satisfação, enriquecer-se e desfrutar seus resultados, assumi-los como colaboradores, melhorando assim o trabalho educativo e a cultura do grupo. Os autênticos professores-líderes são inovadores e capazes de antecipar o futuro. Compreendem que: olhar o futuro sem atuar é apenas sonhar, e atuar sem visão de futuro não tem sentido.

A liderança não é algo impossível de ser alcançada pelo professor. A psicologia social explica que a capacidade de liderança está formada por um conjunto de habilidades de conduta que a maioria das pessoas pode aprender.

Algumas considerações finais

Preferimos chamar de considerações finais os argumentos com os quais pretendemos encerrar este artigo; não pode ser de outra maneira, quando nós mesmos aceitamos a necessidade de continuar aprofundando na prática, como via de comprovação e enriquecimento das teorias que estimulam o debate das polêmicas situações que hoje envolvem esta temática.

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Nas escolas, o “produto final”, como resultado do seu processo de formação, não é uma “mercadoria” que possa ser considerada no “mercado de força de trabalho”, simplesmente por seu “valor de uso”. É, antes de tudo, um processo de transformação humana mediante a instrução e a educação na ação que transcorre entre o professor e os estudantes, na qual, essencialmente, o primeiro ensina a aprender e o segundo aprende a aprender.

Hoje não concebemos professores como simples repetidores de textos aprendidos nos livros; o ensino puramente reprodutivo é obsoleto e prejudica a independência cognitiva e a criatividade dos alunos, impede sua motivação e não contribui para uma aprendizagem significativa. Hoje tem de se ensinar para que se possa interpretar a informação, ou seja, para passar de um processo docente baseado no informativo ou reprodutivo a outro que se paute na interpretação de alunos e professores com um caráter produtivo e criativo dos conteúdos recebidos. Para alcançar isto, necessitamos de um professor que tenha certas qualidades básicas:

Preparado e atualizado em sua ciência, ou seja, em

sua especificidade do saber. Ser um investigador. Às vezes os professores pensam

que por sua docência ser de pré-escola ou ensino fundamental, não tem de investigar, quando realmente algo que deve caracterizar um docente, de qualquer nível de ensino, é a investigação.

Deve possuir uma cultura geral, ou seja, integral. Possuir uma formação razoável do ponto de vista da

Pedagogia, da Didática e das outras Ciências da Educação.

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Ser um educador exemplar, em qualquer lugar, honrado, honesto, consagrado, ético em sua profissão e com boas relações humanas.

Poderíamos dizer que tais qualidades formam parte do

professor ideal que, por regra, hoje vai se convertendo de professor tradicional em líder ou condutor de grupos.

Na atualidade, é muito importante para o professor sua disposição para a mudança, desde uma perspectiva do desenvolvimento educacional, porque seu trabalho, segundo as tendências pedagógicas mais avançadas, deve realizar-se para ser mais eficiente e eficaz, a partir de uma posição de liderança frente a seus alunos.

Existem muitas problemáticas que são hoje temas de debate mundial sobre o pedagógico, além disso, o papel do professor continua se aprofundando, ainda que existam sistemas educativos que se desenvolvem quase sem a presença dos professores, tais como aqueles baseados no uso da multimídia, hipertextos e realidade virtual, aplicados à docência. No meio de um processo em que o ensino e aprendizagem adquiram uma conotação diferente, ante o desenvolvimento científico e tecnológico, o papel do professor segue reafirmando-o como condutor ou guia principal deste processo.

Referências Bibliográficas CALLEJA, J. R. Vinculación estudio-trabajo, una necesidad actual de la educación superior. Memorias de la Segunda Semana de la Educación, OEI, Santafé de Bogotá, Colômbia, 1993.

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A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ESCOLA: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA E POSSÍVEL

Marilce da Costa Campos Rodrigues

RESUMO: O artigo trata de um tema pouco discutido no meio educacional mato-grossense, a organização do trabalho na escola. Porém, um dia, todos, docentes ou discentes, já sofreram influências positivas e/ou negativas, devido à forma como esse trabalho foi gestado. Este tema requer novas reflexões, ante as mudanças econômicas, políticas, culturais e geográficas, que caracterizam o mundo contemporâneo, concebido de forma participativa, com práticas educativas permeadas por ações coletivas dos atores educativo-sociais. Estes educam e tomam para si um papel fundamental que é a participação na prática organizacional e gestora da escola, com objetivos sociopolíticos, que têm a ver com a luta pela transformação social e com a função da escola de promover a apropriação do saber para a instrumentalização científica e cultural da população.

PALAVRAS-CHAVE: prática organizacional; gestão escolar; trabalho coletivo.

ABSTRACT: The article deals with a subject little argued in the educational way mato-grossense, the organization it work in the school. However, one day, all, teaching or learning, already they had suffered the positive and/or negative influences, due to form as this work was gestado. This subject requires new reflections, before the economic changes, politics, cultural and geographic, that characterize the world contemporary, conceived of participativa form, with practical educative permeadas for class actions of the educative-social actors. These educate and take for itself a basic paper that are the participation in the practical organizacional and manager of the school, with sociopolíticos objectives, that have to see with the fight for the social transformation and with the function of the school to promote the appropriation of knowing for the scientific and cultural instrumentalização of the population.

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KEYWORDS: practical organizacional; pertaining to school management; collective work.

O presente artigo discute a organização do trabalho na escola, fazendo uma reflexão teórico-prática sobre este assunto tão pouco discutido no interior de nossas escolas (pelo menos nas quais trabalhei). Para isto, ancoro-me em algumas publicações existentes no meio educacional brasileiro, articulando-as à minha vivência profissional, intensamente provocativa, enquanto professora da rede pública mato-grossense há vinte anos. Esta vivência proporcionou-me experiências significativas e inquietantes, que basilaram as reflexões trazidas neste texto.

O objetivo primordial deste artigo consiste em possibilitar a toda a comunidade escolar, enquanto atores educativos, elementos que possam auxiliá-los na discussão e compreensão de seus trabalhos, bem como de seus papéis no processo de construção organizacional da escola na sociedade contemporânea.

Para subsidiar as discussões apresentadas, estruturei o artigo de forma a pensar inicialmente nas implicações decorrentes do processo de reestruturação global da economia neoliberal que reordena as políticas educacionais em torno de programas econômicos. Na seqüência, as relações políticas, administrativas e pedagógicas inerentes à organização escolar, tendo a gestão democrática como eixo articulador do trabalho na escola, para depois me situar no papel dos atores educativos, enquanto elementos primordiais da prática educativa, na busca de ações coletivas desses profissionais, tendo a escola como espaço coletivo “aprendente”, que é qualificadora para todos que nela atuam. Nesta, o professor será concebido como um dos elementos essenciais que toma parte do processo, um ator educativo, onde o desenvolvimento organizacional docente tem grande articulação com o seu desenvolvimento profissional.

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A cultura organizacional da escola, aqui pensada, tem suporte na gestão escolar democrática, participativa, intrinsecamente permeada pela construção de um projeto político-pedagógico que discute as implicações da escola capitalista e busca parâmetros não-excludentes na organização de seu trabalho pedagógico, refletidos nas práticas avaliativas, que darão sustentáculo à própria organização da escola.

O capitalismo global e suas implicações na educação: um breve comentário

Para compreender a organização do trabalho da escola, necessariamente, é preciso discutir as relações de produção existentes na sociedade atual. A reorganização do capitalismo trouxe repercussão para a educação, pois o capital reordena suas formas de produção e de consumo, eliminando as fronteiras comerciais e buscando uma globalização econômica mundial.

Acarreta também uma recomposição com o objetivo de fortalecer a produção capitalista, a partir de uma lógica de que as nações mais ricas são consolidadas pela produção, submetendo as mais pobres ao papel de consumidoras. Portanto, a relação de denominação e exploração assume outras formas de manifestações, com as transformações econômicas, políticas, culturais e geográficas que caracterizam o mundo contemporâneo.

O modelo de exploração anterior, que exigia um trabalhador fragmentado, rotativo – para executar tarefas repetitivas – e treinado rapidamente pela empresa, cede lugar a um modelo de exploração que requer um novo trabalhador, com habilidades de comunicação, de abstração, de visão de conjunto, de integração e de flexibilidade, para acompanhar o próprio avanço científico-

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tecnológico da empresa, o qual se dá por forças dos padrões de competitividades seletivos exigidos no mercado global (LIBÂNEO et al., 2005, p. 102).

Este tempo de recomposição do mundo capitalista pelo neoliberalismo é reconhecido a partir de traços como mudança nos processos de produção, superioridade do livre mercado e redução do papel do estado. Esses traços são consolidados por uma força produtiva direta do conhecimento e da informação, criando, conforme Libâneo et al (2005), a educação para o desenvolvimento econômico. Então, a escola faz parte da superestrutura que é criada para reproduzir e respaldar as relações de produção do modelo produtivo vigente.

No neoliberalismo o mercado é o princípio fundador e auto-regulador da sociedade. Esta lógica mercadista é expressa nas reformas educacionais com tendências que discutem, dentre os vários eixos fundamentais, um como este: novos tempos requerem nova qualidade educativa com mudanças na forma de gestão da educação, na avaliação dos sistemas e na profissionalização docente.

Partindo deste entendimento, as políticas educacionais trazem em seu bojo estratégias que contemplam e viabilizam a descentralização, autonomia das escolas, reorganização curricular, novas formas de gestão e novas tarefas e responsabilidades docentes. Portanto, têm-se outros pressupostos na forma de organização do trabalho na escola, onde os atores educativos são elementos fundamentais para o alcance de uma qualidade social na educação.

Para isto enfatizo que a escola deve propiciar estratégias de discussão e mudanças nas relações do homem com a sociedade, pois a prática escolar está imbricada das relações de exploração da prática global do mundo capitalista. Por isso vivemos numa tensão entre as intenções declaradas pelas

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políticas educacionais e as medidas efetivas que são consolidadas nas escolas. Vemos, então, que a educação tem duas funções fundamentais nesta sociedade: a produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia e a formação de quadro e elaboração dos métodos de controle pelo sistema de avaliação seletivo e excludente. Assim,

[...] a forma escola não é ingênua, neutra, equalizadora em sua organização. Ela é modulada por fatores que ocorrem fora dela e que disputam a definição de seus espaços e tempos (FREITAS, 2003, p. 33).

Isto mais uma vez reafirma a importância dos atores educativos na organização do trabalho na escola, pois esta discussão permeia uma tese que pressupõe que, para organizar e melhor intervir sobre a escola, precisa-se conhecer os limites. Nas situações-limites1 estão ancorados vários vieses de possibilidades de intervenção e superação. E é para este veio que estou sinalizando.

As relações políticas, administrativas e pedagógicas: eixos norteadores da organização do trabalho na escola.

A estrutura organizacional do ensino reflete as condições socioeconômicas do país, demonstrando o panorama político de determinado período histórico, como venho discutindo até agora. Todas as transformações do mundo contemporâneo têm uma certificação de interesses dos países 1 Para Freire (1987, p.90-91), as situações-limites não são geradas de um clima de desesperança, mas são as percepções dos homens num dado momento histórico que agem como freio a eles. Porém, ao instalar-se, a percepção crítica na ação (dos homens sobre a realidade) leva-os a se empenharem na superação das situações-limites, numa relação homem-mundo.

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ricos - os primeiro-mundistas - que sustentam a sociedade política global e atingem os países pobres - os periféricos do capitalismo -, provocando vários questionamentos para a educação. Estes têm a sua essência na discussão sobre a qualidade educacional, perpassando pela avaliação do ensino e, conseqüentemente, da escola.

Contudo, refletir e compreender essas mudanças significa conceber a organização do trabalho na escola enquanto ação humana transformadora, tendo as relações administrativas e pedagógicas como molas-mestras deste processo. Porém, esta organização assume diferentes caminhos dependendo da concepção que se vincule às finalidades sociais e políticas da educação, com relação à sociedade e à formação dos alunos.

Esses diferentes caminhos são trilhados, de um lado, pela concepção técnico-científica, onde na gestão escolar prevalece uma tendência tecnicista e burocrática de pensar e fazer educação e de outro lado, pela concepção sócio-crítica; uma gestão escolar concebida e organizada por um coletivo de pessoas que têm clareza das intenções de suas ações e interações sociais com as quais estabelecem relações entre si e com o contexto sociopolítico, num processo de tomada de decisões das ações geridas no espaço escolar.

Ao me alinhar com base a segunda concepção, acredito em uma articulação/relação entre o trabalho pedagógico e o administrativo. E coaduno com Silva Junior (1997, p.105), quando afirma: “[...] o que dá sentido ao trabalho administrativo [...] é o seu caráter de suporte ao trabalho pedagógico [...]. [Portanto], o aspecto administrativo é também um componente do trabalho pedagógico”.

Tendo isto em vista, chego onde deveria ter começado – as relações administrativas só existem em função das pedagógicas; a primeira deve dar suporte à segunda, e não ao

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contrário -, como comumente vemos em nossas Unidades Escolares.

Porém, Paro (1987) nos alerta que é na práxis da gestão escolar que se encontram as formas de gestão mais pertinentes a cada situação e a cada momento histórico determinado. Portanto, são nas relações homens-mundo, manifestas no contexto escolar, que as relações políticas e administrativo-pedagógicas se constituirão, num esforço coletivo, tendo como alvo a aprendizagem dos alunos.

Uma mudança no processo de organização administrativo-pedagógica da escola implica uma transformação no padrão de gestão do trabalho escolar, ou seja, novo olhar por novas estratégias organizacionais da escola.

Este marco na gestão passa essencialmente pelo veio da participação e da democratização do sistema público de ensino, respaldado pela autonomia. Segundo Gadotti:

A autonomia se refere à criação de novas relações sociais que se opõem às relações autoritárias existentes. Autonomia é o oposto da uniformização. A autonomia admite a diferença e, por isso, supõe a parceria. Só a igualdade na diferença e a parceria são capazes de criar o novo. Por isso, escola autônoma não significa escola isolada, mas em constante intercâmbio com a sociedade (1994, p. 6, grifo do autor).

Deste modo, assevero que as práticas da participação, da democratização e da autonomia estão no âmago da gestão democrática, que discutirei na seqüência.

A gestão democrática em foco: uma gestão escolar possível

Para Gadotti (1994), a gestão democrática é um dos princípios de administração de um sistema único e

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descentralizado, que tem objetivo e metas educacionais amplamente construídas pela escola e governo, buscando a democratização do acesso e da gestão e a consolidação de uma nova qualidade de ensino.

Portanto, a gestão democrática vem no bojo das estratégias que consolidam a sociedade do conhecimento e da informação, pois os sujeitos sociais precisam ser dotados de competências e habilidades que os façam agentes participantes na vida social, econômica e cultural do país, com vistas à construção de uma sociedade democrática. Por isso,

[...] a educação escolar precisa oferecer respostas concretas à sociedade formando quadros de profissionais para o desenvolvimento e para a geração de riqueza que sejam capazes, também, de participar criticamente deste processo. Em relação às tarefas dos sistemas de ensino, mais uma vez há que reconhecer a urgência da elevação dos níveis científico, cultural e técnico da população, mediante a universalização efetiva da escolarização básica e a melhoria da qualidade de ensino. Conclui-se dessas considerações que os eixos norteadores das ações [...] [serão] o incremento da solidariedade social, da igualdade, da democracia e da qualidade social (LIBÂNEO et al., 2005, p.116).

Logo, pensar sobre gestão democrática significa refletir sobre ações concretas para uma prática de gestão escolar participativa, uma cultura de democratização nas relações no interior das escolas, consolidando-se atos de co-responsabilidades entre poder público e sociedade na gestão da escola.

A instituição desta forma de gestão escolar é referendada no art. 206, inciso VI da Constituição Federal e no

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art. 14 da LDB/96, tendo a autonomia pedagógica, administrativa e financeira da escola, conselhos deliberativos da comunidade escolar, transparências nas ações e a eficiência no uso dos recursos financeiros, enquanto princípios garantidores desta estratégia, que visa gestar participativamente o projeto educativo de uma determinada escola.

Em vista disso, os estados e municípios brasileiros implantam a gestão democrática em suas Redes de Ensino. Encontra-se nestas Redes um ponto convergente que dá base às ações escolares – a intervenção dos profissionais da educação, dos pais e dos alunos na gestão da escola. Portanto, essa gestão contempla ações de cunho administrativo e pedagógico-curricular, expressas nas propostas político-pedagógicas de cada unidade escolar.

Cada escola constituir-se-á em uma comunidade de aprendizagem e tornar-se-á

[...] mais comprometedora, quanto maior for o nível de construção coletiva nela implicada, a missão específica de cada escola [for] definida, o seu projeto [for] delineado, os objetivos e as estratégias para atingi-lo são conceitualizados (ALARCÃO, 2001, p. 21).

Nesta discussão, que traz à tona o trabalho coletivo, convém um aprofundamento em duas categorias essenciais numa gestão escolar democrática: a autonomia e a participação, pois construir coletivamente um projeto institucional específico significa que a escola tem certa margem de autonomia para isto e essa construção depende do envolvimento de todos os atores educativos no processo de tomada de decisão sobre a organização do trabalho escolar, um envolvimento que garanta uma participação da comunidade com poder de intervenção no funcionamento da vida na escola.

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Uma nova metodologia de trabalho é evidenciada, a ação colegiada. O colegiado ou conselho escolar deve, segundo Rodrigues (2003), ser uma instituição que tem um funcionamento contínuo com a função de garantir a capacitação e a viabilização de uma prática democrática da escola, tornando-se pedagógico para todos da equipe da Unidade Escolar. Então, pela sua atuação, deve educar os que dele participam e os que dele dependem para a vida democrática e participativa.

Neste eixo discursivo, a autonomia vem em contradito à exploração do capital. Esta exploração repercute na escola de forma que,

[...] para compreender melhor a organização do trabalho na escola, pressupõe o fato de que uma das formas fundamentais de exercício da opressão é a divisão social do trabalho entre dirigentes e executantes que se reflete diretamente na administração do ensino: uns poucos, fora da escola, detêm o poder de decisão e o controle, enquanto todos os demais simplesmente executam tarefas cujo sentido lhes escapa (GADOTTI, 2004, p. 35).

Para intervir nesta situação opressiva, hoje o que mais se discute no meio educacional é a autonomia das escolas, com participação decisória, acabando com a divisão da função entre os que planejam e os que realizam as ações. Para Demo (1991), o centro de discussão sobre a questão qualitativa na educação é o fenômeno participativo, pois participação é um processo histórico de conquista e autopromoção.

Sendo processo histórico de luta-conquista, constitui - se na prática social e escolar dos sujeitos de forma conflituosa, e, segundo Bordenave (1994), as condições de participação no mundo atual não podem ser discutidas sem referência ao

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conflito social. Por isso, ela não é dada e sim construída na relação homem-mundo, vai além da garantia em lei, como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional brasileira.

Segundo Gadotti (2004, p. 49), [...] o princípio da gestão democrática e da autonomia da escola implica uma completa mudança do sistema de ensino. Nosso atual sistema de ensino assenta-se ainda no princípio da centralização, em contraste com o princípio constitucional da democratização da gestão (grifo do autor).

Tal situação provoca um confronto na escola, pois as ações participativas para tomada de decisão são ainda tímidas, sendo, muitas vezes, acompanhadas de ações burocráticas que deformam as tentativas de trabalho coletivo, participativo e democrático.

Porém, pensar uma escola autônoma implica, fundamentalmente, refletir sobre a função social dos atores educativos, principalmente dos professores e, conseqüentemente, sobre a função social da escola. E refletir sobre os papéis dos atores educativos é o nosso passo a seguir.

Os atores educativos na escola: sujeitos essenciais no processo de escolarização

Quando tratei da gestão democrática, alguns pontos inerentes à organização dos atores educativos começaram a se imbricar na discussão, pois a estrutura organizacional da escola, a forma de gestão escolar, está articulada ao trabalho pedagógico e, conseqüentemente, à ação dos atores educacionais. Por sua vez, esta se dá no seio de um todo social historicamente determinado. Portanto, o social influencia na maneira pela qual se estruturam as nossas ações na escola.

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Assumo, assim, uma perspectiva sócio-crítica, já anunciada, onde teremos a escola articulada a outras políticas, valorizando as ações concretas dos profissionais na escola, sem desobrigar o estado de suas responsabilidades. Porém, esta compreensão implica referendar uma organização de escola de forma participativa, com práticas educativas permeadas por ações coletivas dos atores educativo-sociais.

As ações coletivas indicam que a ação de planejar, coordenar/executar e avaliar os trabalhos não é responsabilidade exclusiva dos docentes, mas de todos os parceiros educacionais, num movimento interativo comunidade-escola e escola-comunidade, assegurando uma gestão escolar centrada na escola.

Tendo isto em vista, a escola deve ensinar com qualidade a todos seus alunos, porém, como diria Freitas (2003, p. 17), “[...] sabedora de que não está isolada e de que os acontecimentos e a forma como a sociedade está organizada ao redor dela afetam o cumprimento desse papel”. Portanto, a escola não é neutra e, por sua vez, os papéis que os elementos educativos assumem também não são neutros e inocentes politicamente falando. Estes sofrem o impacto de uma sociedade estruturada com base na propriedade privada dos meios de produção (FREITAS, 1995).

Com isso, não quero desanimar os leitores e, em especial, os educadores, mas reafirmar a necessidade de conhecer os limites para intervir, principalmente para nos posicionarmos pela educação pública de qualidade social, onde o nosso compromisso será com a classe trabalhadora.

Contudo, vemos que os avanços tecnológicos atuais exigem uma nova qualidade na formação do trabalho com exigência no mercado competitivo em época de globalização econômica. Portanto, há novos papéis dos profissionais da educação a serem declarados neste contexto. E a formação

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deste vai articular-se com a sua forma de organização. Uma organização onde a coletividade sobrepõe-se à individualidade.

Segundo Libâneo et al. (2005), a organização dos profissionais de ensino ocorre nas dimensões trabalhistas, política, sindical e científica. Assim, as funções dos atores escolares vão para além dos muros da escola, o espaço educativo é o todo social. Portanto, debater a totalidade do ato educativo significa debater a conjuntura da educação no contexto de mudanças sociais, culturais, científico-tecnológicas, políticas e econômicas do país.

Os atores que educam tomam para si um papel fundamental que é a participação na prática organizacional e gestora da escola enquanto um princípio essencial na constituição destes profissionais. Aqui o trabalho coletivo é valorizado como uma estratégia de estruturação das práticas realizadas.

Concebe-se, então, a estratégia de organização dos atores educativos com objetivos sociopolíticos, que têm a ver com a luta pela transformação social e com a função da escola de promover a apropriação do saber para a instrumentalização científica e cultural da população (LIBÂNEO et al., 2005, p.328).

Na escola, todos são atores educativos: os alunos, os professores, os funcionários, os pais e pessoas da comunidade que se envolvem no dia-a-dia da escola. Todos têm função a ser desenvolvida, e, conforme argumenta Alarcão (2001, p. 23), os professores são atores de primeiro plano, pois assumem uma profissionalidade que excede os limites da dimensão pedagógica. O professor terá atribuições de docência, atuação na organização e gestão da escola e produção do conhecimento pedagógico.

Sendo ator social, o professor tem importante papel na política educativa. Uma política na qual a escola assumirá o papel de instituição educacional autônoma e responsável,

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automatizante e educadora, sabendo o que quer e para onde vai (ALARCÂO, 2001, p.26). Neste processo, interroga-se e discute-se sobre a realidade social, buscando nos conflitos os interesses convergentes de todos, a partir de uma consciência coletiva que trilha por caminhos que viabilizem a execução da função da escola na sociedade.

O projeto político-pedagógico na cultura organizacional da escola: avaliar para intervir

O art. 14 da LDB (1996), quando define as normas de gestão democrática do ensino público na Educação Básica, pronuncia sobre a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político-pedagógico da escola, evidenciando que a cultura organizacional escolar está articulada ao seu projeto educativo.

Para Freitas (1995, p. 255) [...] os objetivos reais da escola estão impressos na organização do trabalho pedagógico global da escola e nas suas práticas avaliativas, as quais, reciprocamente, sustentam a própria organização da escola” (grifo do autor). Partindo deste pressuposto, caminho discutindo sobre as implicações da avaliação do projeto político-pedagógico na organização do trabalho na escola.

A forma como a escola estrutura seu trabalho é induzida pelas relações sociais, que, conseqüentemente, influencia a produção do conhecimento escolar e suas práticas avaliativas. A influência é recíproca (FREITAS, 1995).

A avaliação do projeto político-pedagógico é uma forma de prestar conta de um serviço público à comunidade. No sistema de organização e gestão escolar, a avaliação tem a função de acompanhar as ações decididas coletivamente. É uma maneira de consolidação da autonomia da escola, com envolvimento de toda a equipe no processo de tomada de

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decisão/avaliação sobre o funcionamento de cada unidade escolar.

Ao “elaborar e executar sua proposta pedagógica” (LDB, 1996, art.12), a comunidade educativa está construindo coletivamente os elementos organizadores do processo educacional que ocorre em sua escola, ou seja, busca-se estabelecer as bases do trabalho pedagógico e do conhecimento escolar. E se concebo, coadunando com as idéias de Hadji (2001, p.15), a prática de avaliar como auxiliar da prática de aprender, assevero uma avaliação do projeto político-pedagógico escolar enquanto uma prática subsidiadora da aprendizagem – uma aprendizagem assistida por avaliação.

Em uma prática educativa com trabalho coletivo, a avaliação do projeto educativo condiz com a leitura da realidade escolar, buscando um movimento que determina as decisões a serem tomadas durante o processo. Aqui reside o elo articulador do político-administrativo-curricular-pedagógico, permeado pela dialogicidade. Alarcão (2001, p. 22) nos alerta argumentando que, neste momento, é fundamental “[...] o diálogo entre as pessoas, o poder esclarecedor ou argumentativo da palavra e a aceitação do ponto de vista do outro são essenciais à negociação, à compreensão, à aceitação”.

Portanto, avaliar um projeto educativo é tomar parte de um processo maior de comunicação/negociação, pois, segundo Hadji (2001, p. 34), as pessoas envolvidas neste processo não são instrumentos de medidas, mas são atores de uma comunicação social. Pensar os atores educativos enquanto atores de uma comunicação social é proclamarmos uma grande e valiosa importância nas pessoas, no processo de construção de uma escola “aprendente”. As pessoas são consideradas o maior recurso nesta comunicação dialógica, por isso a ênfase no trabalho coletivo e participativo, ampliando-se a importância da formação permanente de toda a equipe escolar.

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Neste contexto, a avaliação tem sentido emancipatório (GADOTTI, 2004) e é parte essencial do projeto da escola, envolvendo a comunidade externa (pais, comunidade), a comunidade interna (alunos e professores) e o poder público; assim, o princípio da avaliação faz referência ao princípio da gestão democrática.

Conclusão Os temas aqui abordados estão imbricados na relação

homem-mundo, não permitindo uma visão fragmentada e parcializada destes ao se discutir o fenômeno educativo. E ao refletir sobre a organização do trabalho na escola, eles se articulam numa visão sócio-histórica da educação. Por isso, a compreensão do contexto brasileiro da globalização, da revolução tecnológica e da ideologia do livre mercado nos auxilia a pensar nas estratégias de construção-consolidação de uma educação pública de qualidade social na sociedade atual.

Ressalto a importância de articular a prática educativa escolar com as demais práticas sociais. Ante as mudanças no mundo contemporâneo, continuo afirmando, de acordo com Rodrigues (2005, p.227), que

[...] é necessário que vinculemos o nosso trabalho de sala de aula com a transformação social. E esta vai além do espaço escolar, pois tudo isso significa entender o contexto social do ensino. Entender o contexto social do ensino significa pensar e encher o espaço da escola com políticas libertadoras.

A busca de políticas libertadoras está ligada à discussão enfática da qualidade na educação, qualidade nos processos de ensino e aprendizagem. Para Gadotti (2004), qualidade está relacionada à implementação de pequenos projetos das próprias escolas que são muito mais eficazes na conquista dessa

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qualidade do que grandes projetos fora do contexto escolar. E muitas escolas de Mato Grosso já têm esta vivência com sucesso.

Uma escola “aprendente”, que queremos, está em construção na resistência concreta dos atores educativo-sociais nas escolas, umas embrionárias, talvez, outras a passos lentos, outras quem sabe avançando mais, porém resistindo. Nesta tessitura entre conflitos e reptos, estamos trilhando historicamente os caminhos na busca de parâmetros para uma educação inclusiva, nunca esquecendo, contudo, que a educação é um processo em longo prazo, mas a intervenção acontece cotidianamente.

Sendo processo histórico, depende da ação organizada das pessoas, da nossa ação enquanto atores sociais deste movimento. E é isto que quis anunciar neste texto, conclamar todos os agentes educativos, ao engajamento nas discussões-decisões sobre o trabalho na escola.

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CURRÍCULO E O FRACASSO ESCOLAR: UMA RELAÇÃO MEDIADA POR REPRESENTAÇÕES

SOCIAIS E PELA RELAÇÃO COM O SABER1

Messias Dieb

RESUMO: O objetivo deste trabalho é discutir a relação entre o currículo, como um objeto que forja identidades, e o fracasso escolar, enfocando, especialmente, o papel das representações sociais e da relação com o saber nessa articulação. De acordo com as discussões aqui empreendidas, as representações que orientam muitas práticas educativas podem ser reveladoras de um currículo oculto que está sendo desenvolvido nas instituições escolares, sem que os professores possam se dar conta dessa realidade. Ademais, o artigo sugere que se identificarmos essas representações sociais acerca, principalmente, do aluno, poderemos neutralizar o currículo oculto e desnaturalizar o fracasso escolar. Para isso, propõe, tal como faz Bernard Charlot, que o fracasso escolar não existe, o que existe é uma realidade desigual, socialmente construída, distanciando aqueles que encontram dos que não encontram sentido na escola, já que esta não tem se preocupado em proporcionar uma relação com o saber satisfatório à sua clientela.

PALAVRAS-CHAVE: currículo; fracasso escolar; representações sociais; relação com o saber. ABSTRACT: This paper treats of the relation between the programs of study, as objects that construct identities, and the learning failure, focusing, especially, the role of the social representations and of the relation with knowledge in this articulation. According to our reflexions, the representations that guide many educative practices can reveal occult programs of study that are developed by the school institutions, although the professors do not recognize this reality. In addition, this paper suggests that if we identify these social

1 Trabalho produzido no grupo de Pesquisa LUDICE, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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representations, mainly about pupils, we will be able to reduce the effects of the occult programs of study and become the learning failure unnatural. Consequently, paper also considers, such as Bernard Charlot does, that the learning failure does not exist, it means a different reality, socially constructed and introduced between people that do not confer sense to the school, especially because the school has not worried in providing a satisfactory relation with knowledge to its community.

KEY-WORDS: programs of study; learning failure; social representations; relation with knowledge.

Considerações iniciais

De acordo com Sá e Rodrigues (1994), a educação está relacionada tanto ao aprendizado de uma determinada cultura quanto ao processo pelo qual acontece a socialização de um individuo, e/ou, ainda, ao desenvolvimento das potencialidades desse mesmo indivíduo que se pretende educar. Por isso, a educação, independentemente de qual seja o ângulo ou perspectiva de sua análise, é uma atividade que intenciona a transmissão de valores, saberes, costumes e/ou crenças que, ao longo dos anos, foram acumulados e (res)significados pela humanidade, com base nos acontecimentos históricos e sociais de cada sociedade. Para um maior controle dessa atividade, o homem decidiu institucionalizá-la, criando a escola e as diretrizes que servem de base para a formação das novas gerações. A essas diretrizes deu-se o nome de Currículo. Assim sendo, parece-nos impossível falar de educação sem associá-la a essa noção.

Com base nesse conjunto de proposições, não podemos ignorar a complexidade em que a educação está inserida, o que nos leva a questionar, por exemplo, sobre os conceitos que, desde a Educação Infantil, estão sendo construídos pelas novas gerações. Não estariam esses conceitos sendo construídos de

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forma distorcida e/ou preconceituosa? Sobre essa questão, somos adeptos de que o trabalho com determinados conteúdos do currículo escolar tende a carregar muitas significações. Elas se manifestam e se transmitem nas mais diferentes representações sociais, as quais podem se tornar bem mais explícitas ao atentarmos para um tipo de currículo que se realiza silenciosamente e vai se construindo, tal como os conceitos, em meio às teias de significados tecidas pelos educadores em geral, através das suas relações sócio-culturais.

Essas relações são constitutivas do que Geertz (1989) entende por cultura. Consoante o pensamento do autor, o homem se configura como um animal, constantemente amarrado às teias de significados que ele mesmo foi tecendo e que, por isso, a cultura deve ser vista “como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado” (p. 15). Como se pode perceber, se a educação for definida como o aprendizado de uma determinada cultura, inevitavelmente, estaremos falando da assimilação e da construção de conceitos e significações que envolvem essa cultura, ou melhor, essa teia.

Dado que os homens não são, nem histórica e nem socialmente, iguais em sua maneira de existir, é compreensível que suas diferenças sejam significadas, na maioria das vezes, de forma equivocada. É desse equívoco que surgem as opressões e as tentativas de dominação entre homens, entre sociedades, entre classes sócio-econômicas, e, sem dúvida, entre culturas. No que diz respeito a todas essas tentativas, é quase impossível não pensar que os dominantes assim se posicionam porque representam os dominados como seres inferiores e incapazes de se manterem sozinhos, precisando da inteligência privilegiada dos dominantes para guiar os dominados. Ao transpormos essas reflexões para a ambiência cultural escolar, materializada pelo currículo ao longo da

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história da escola brasileira, vemo-nos inclinados a supor que muitas representações equivocadas ou preconceituosas podem ser as responsáveis pelo fracasso escolar de grande parte das crianças menos favorecidas socialmente.

Para melhor refletir sobre a suposição acima, traçamos, neste trabalho, o objetivo de se inter-relacionar as noções de Currículo e de Representação Social (RS) com vistas a uma discussão que desnaturalize o fracasso escolar, afastando do aluno a responsabilidade ou a culpa do insucesso que sempre lhe cai sobre as costas. A escolha dessas duas noções se explica pela proximidade com que podemos trabalhá-las sem, no entanto, perdermo-nos em devaneios teóricos que não nos levariam a lugar algum. Falaremos, inicialmente, sobre a idéia de currículo defendida por Silva (1999) e, em seguida, sobre a definição de RS dada por Abric (2001), por considerarmos que elas nos dão grandes possibilidades de diálogo. Concluiremos o artigo, estendendo esse diálogo às reflexões de Charlot (2000) sobre a relação fracassada que certos alunos têm com o saber escolarizado.

1. O currículo como um documento de identidade

A fim de construir uma definição sobre o currículo, Silva (1999) problematiza a noção de teoria, concebendo-a como uma representação, uma descrição simbólica e, portanto, lingüística de um objeto chamado currículo. Ao inscrever-se na perspectiva pós-estruturalista, o autor afirma a impossibilidade de se dicotomizar a teoria de seus efeitos de realidade. Isso quer dizer que o que a perspectiva pós-estruturalista propõe é o desvio concernente à ênfase no conceito de teoria para o conceito de discurso, uma vez que este, ao contrário daquela, torna a descrição lingüística uma criação efetiva. Desse modo, “o objeto que a teoria supostamente descreve é, efetivamente, um produto de sua criação” (p. 11).

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De acordo com essa problematização, o autor associa a noção de teoria às idéias de discurso e perspectiva, ressaltando que são essas idéias as responsáveis pelas várias definições de currículo que existem. Tais definições se traduzem, efetivamente, nos conhecimentos selecionados para as finalidades do ensino, as quais estão envolvidas, explícita ou implicitamente, com o tipo de homem que se pretende formar para atender a um determinado tipo de sociedade. Isso posto, Silva (1999) propõe que, sendo capaz de forjar uma identidade ou uma subjetividade que se adapta a um ideal de sociedade, não se poderia negar o envolvimento do currículo em questões de poder e de identidade cultural.

A partir dessa proposição, as teorias do currículo são, conseqüentemente, divididas, segundo o autor, em tradicionais, críticas e pós-críticas. Enquanto as teorias tradicionais do currículo se ocupam de questões mais técnicas (como transmitir conhecimento), as teorias críticas e as pós-críticas questionam a seleção de determinados conhecimentos em detrimento de outros, além do modo como eles são significados. A educação passa a ter uma nova perspectiva, já que a ênfase, que antes era dada aos conceitos pedagógicos de ensino e de aprendizagem, passa a ser agora deslocada para as questões de ideologia e poder nas teorias críticas, avançando, ainda mais, através dos conceitos de significação e de discurso nas teorias pós-críticas.

No pensamento de Silva (1999), tanto as teorias críticas quanto as pós-críticas corroboram para que se pense o currículo como um lugar e/ou uma trajetória que forja a identidade humana, isto é, representa um documento de identidade. Assim sendo, enquanto as primeiras enfatizam que uma melhor compreensão do currículo dá-se, impreterivelmente, com a análise das relações de poder nas quais ele se insere, mesmo que esse poder se torne descentrado, espalhado em toda a rede social, as segundas, por sua vez, apontam para os processos de significação, os quais dependem das relações de poder que se

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estabelecem na sociedade, sejam essas relações concernentes ao multiculturalismo, às relações de gênero, de raça e/ou etnia.

No que diz respeito ao multiculturalismo2, o ponto de vista pós-crítico defende que as diferenças, mais do que toleradas ou respeitadas, devem ser questionadas para que não sejam, constantemente, produzidas e reproduzidas pelas relações de poder. De igual modo, faz-se necessário questionar o currículo cuja expressão é a de uma cosmovisão masculina, o qual se esquece de refletir, equilibradamente, tanto a experiência masculina quanto a feminina, pois a identidade sexual também depende da significação que lhe é atribuída. Por essa razão, um currículo crítico deve combater também atitudes homofóbicas, as quais consideram a homossexualidade como um desvio da sexualidade dominante e, hegemonicamente, normal, ou seja, a heterossexualidade. Finalmente, acerca das relações de etnia e raça, Silva (1999) salienta também a necessidade de um currículo questionador dessa construção social, evitando, por conseguinte, a redução no tratamento da problemática do racismo a uma mera questão de preconceito individual.

Podemos exemplificar essa redução com as imagens do índio e do negro que a escola tem divulgado por muitos anos como selvagens e escravos, respectivamente. Em ambos os casos, há quase sempre uma interpretação de que eles são culturalmente inferiores em relação as demais etnias. Desse modo, concordamos com Cunha Junior (1999) no sentido de que tais representações, devido a descuidos contínuos e propositais, estão submissas à produção sistemática das dominações e opressões de nossa sociedade, dificultando-nos o desvelamento de informações equivocadas e a compreensão

2 Para aprofundar essa temática, sugerimos a leitura de Trindade e Santos (2000).

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dos sentimentos de hostilidade com que são tratadas algumas parcelas da população brasileira.

Dentre essas parcelas, parece-nos que a população negra é a mais hostilizada. Além disso, uma interpretação equivocada dos costumes e das tradições da cultura negra no Brasil tem levado, segundo Souza (2004), a maior parte dos temas vinculados ao estudo dessas manifestações a nos remeter, imediatamente, aos aspectos remanescentes próprios da origem africana. Para o autor, o que se percebe é que existe uma tendência em concentrá-los nas interpretações próximas a de um imaginário voltado para a África, isto é, a de um certo afrocentrismo, através do qual tudo o que vem do negro está, necessariamente, ligado a um imaginário africano em particular. Logo, é preciso considerar, com Souza, que existem outras maneiras de os grupos negros se expressarem culturalmente.

Ele nos leva a pensar, por exemplo, nas especificidades da cultura afro-brasileira. Mesmo que esta tenha as suas inspirações e motivações enraizadas nas características africanas, ela está, sem dúvida, mesclada de outras influências que compõem a cultura no Brasil. Neste sentido, Cunha Junior (2001) também nos chama a atenção para a idéia de uma africanidade brasileira, que se refere a todas aquelas “manifestações elaboradas para pensar o Brasil, e não têm a mesma construção do afrocentrismo” (p. 12). O fato de estar baseada na afro-descendência não implica que estará centrada nela, sobretudo, porque, na história da África, muitas trocas culturais e populacionais foram realizadas com outros continentes. “As Africanidades Brasileiras são, portanto, reprocessamentos pensados, produzidos no coletivo e nas individualidades, que deram novo teor às culturas de origem” (ibidem).

São observações esclarecedoras como estas que nos levam a pensar o modo pelo qual a escola vem tratando das

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questões (multi)culturais, especialmente na fase inicial da educação das crianças. Os conteúdos que se materializam nos documentos escolares, ou currículos3, muitas vezes, não são os únicos responsáveis pela formação do caráter identitário das crianças. São as ações, que não se encontram descritas nesses documentos, as idéias e os valores vigentes na cultura, em torno e dentro da escola, que, quase sempre carregados de preconceitos, vão, silenciosamente, orientando as crianças na elaboração de seus conceitos e de suas explicações sobre o mundo e sobre si mesmas.

O conjunto dessas ações, idéias e valores, repassados às crianças tanto pela linguagem como também pela organização da ambiência escola corresponde, igualmente, a um grande construtor de identidades. É o chamado currículo oculto. Dele, tendem a decorrer os motivos pelos quais, muitos de nós brasileiros, temos uma série de dificuldades em lidar com as nossas múltiplas origens étnicas, com a imensa diversidade de culturas que convivem em nosso país, e, sobretudo, em reconhecermos e combatermos os racismos, machismos, espertismos, egoísmos, e tantos outros ismos existentes entre nós (CUNHA JUNIOR, 1999). Seguindo essa mesma linha de raciocínio, buscaremos apoio no estudo de Rabelo (2000) para explicitarmos, na próxima seção, um pouco mais sobre a noção de currículo oculto e relacioná-la à definição de RS. Isso se justifica porque o trabalho dessa autora demonstra algumas das atuais contradições educacionais que são muito comuns entre o dizer e o fazer dos professores4.

3 Especialmente na educação infantil, para afastar a idéia de escolarização os currículos recebem o nome de proposta pedagógica. 4 Sempre que utilizarmos a expressão os professores, estamos nos referindo também aos educadores de um modo geral, aos gestores e aos demais profissionais da educação que atuam dentro ou fora da sala de aula.

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2. O currículo oculto e as representações sociais: relações possíveis?

A pesquisa de Rabelo (2000) buscou compreender

como uma escola, que se diz construtivista, utilizando-se de seu poder institucional nas mais diversas situações escolares, participa da formação do juízo moral na criança. Após algum tempo de observação e de algumas entrevistas com as professoras de uma escola, a pesquisadora percebeu que a aparente visão construtivista que permeava os discursos não se efetivava na prática pedagógica. Nossa pressuposição é a de que os profissionais dessa escola ainda não tenham se apropriado bem das orientações do construtivismo e, por isso, as ações que eles empreendem, ao invés de se fundamentarem na vertente do pensamento piagetiano, apóiam-se na RS que dela construíram e compartilham. Assim, a ação pedagógica dos professores se configura como uma prática através da qual podemos flagrar um currículo oculto. Logo, o ensino, que deveria fomentar uma aprendizagem com características colaborativas, críticas e democráticas, passa a assumir, infelizmente, contornos opostos: de conformismo, obediência e individualismo.

Baseado no exemplo dessa pesquisa, sentimo-nos à vontade para afirmar que as características do ensino de qualquer escola são marcadas por representações sociais que nela circulam. Elas são consoantes às explicações de Bourdieu e Passeron (1992), estruturadas pelo habitus de seus professores. Esses autores utilizam o referido conceito para se referir às estruturas simbólicas, isto é, às estruturas sociais e culturais que se internalizam ao longo da vida dos indivíduos e lhes predispõem para, entre outras coisas, elaborar as representações que orientarão as suas práticas. Se tomarmos o currículo, especialmente o currículo oculto como norteador de uma prática social, poderemos então, interpretar as tomadas de

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posição simbólica dos agentes educacionais em relação aos vários objetos envolvidos na ação pedagógica, como marcas indicadoras das representações que eles constroem sobre tais objetos. Segundo Doise (2001), uma tomada de posição simbólica está sempre orientada por um princípio relacional que estrutura as relações entre os indivíduos em interação. Logo, a inter-relação entre o currículo oculto e a RS pode ser perfeitamente estabelecida, pois a última pode ser vista como norteadora do primeiro.

Esse currículo parecendo estar mais relacionado às características da ambiência educativa, especialmente escolar, do que aos conteúdos científicos pré-estabelecidos, contribui, implícita e amplamente, para a aprendizagem de diferentes conceitos inerentes à vida social, os quais se organizam na RS. Esta, configurando-se como um saber que orienta práticas, certamente, circula por entre os conceitos que são construídos durante as interações e ajuda na significação da realidade em que nos inserimos.

Por esse motivo, sugerimos que a Teoria das Representações Sociais (TRS) pode contribuir com a Educação, especialmente com a formação dos professores, no sentido de neutralizar os efeitos do currículo oculto e de nos levar à compreensão de que o fracasso escolar é uma construção social. Isso é possível porque ela é uma teoria capaz “de descrever, mostrar uma realidade, um fenômeno que existe e do qual muitas vezes não nos damos conta, mas que possui grande poder mobilizador e explicativo” (OLIVEIRA; WERBA, 2001, p.107). Logo, ao identificarmos as representações sobre o aluno, por exemplo, que orientam as práticas dos professores, poderemos compreender em que medida a escola o inclui ou o exclui nas atividades pedagógicas que são pensadas para ele.

Embora tenha sido Moscovici (1976) quem elaborou a noção de Representação Social, consideramos a definição de

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Abric (2001)5 uma das explicações mais claras para o fenômeno. Segundo este último, a representação

é um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação. É determinada ao mesmo tempo pelo próprio sujeito (sua história, sua vivência), pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido e pela natureza dos vínculos que ele mantém com esse sistema social (p. 156).

Como podemos perceber, o autor descreve a emergência da RS e a vincula ao contexto histórico e social no qual o indivíduo se insere. Se a RS diz respeito a um produto determinado ao mesmo tempo pelo sujeito e pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido é muito difícil, quiçá impossível, percebê-la sem uma imersão nesse sistema. A imersão se faz necessária para que se capte, segundo a definição de Abric (2001), a natureza dos vínculos que o sujeito mantém com o objeto, socialmente, construído e comunicado.

Associando essas reflexões ao contexto da ação docente, a noção de RS possibilita uma desocultação da realidade e dos fenômenos que existem nesse espaço de interação. Esses fenômenos, muitas vezes, não são percebidos, posto que a prática educativa é, sem sombra de dúvidas, um território político e ideológico. Sob essa perspectiva, o saber que se encontra no currículo é fruto dos processos de disputas e de conflitos sociais, através dos quais certos conhecimentos 5 Este autor elaborou, a partir da TRS, a Teoria do Núcleo Central (TNC). Segundo essa teoria, os elementos mais significativos da RS formam um núcleo cuja função é a de organizar todos os outros elementos e dar significado social ao objeto representado. Abric e seus colaboradores também desenvolveram uma série de procedimentos metodológicos, utilizando uma abordagem experimental para identificar e descrever os elementos da RS e a sua estrutura organizacional.

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passam a compô-lo e outros não, consoante já discutimos acima. É, pois, entre esses processos de disputas e de conflitos sociais que muitas representações são construídas e/ou transformadas.

A escolha dos conteúdos que compõem o currículo sinaliza também para uma oportunidade de compreensão de como os alunos são representados pelos professores, de como estes representam a escola e seus espaços, principalmente a sala de aula, e até mesmo o processo ensino-aprendizagem. Entretanto, essas representações manifestas no currículo nem sempre coincidem com as verdadeiras representações que orientam a prática da escola. Segundo Guimelli e Deschamps (2000), há na RS espécies de zonas mudas que estão relacionadas a certas normas importantes para o grupo que representa, e que, dificilmente, são expressas pelos sujeitos em situações comuns do cotidiano. Assim sendo, inferimos que seja esta a razão pela qual se justifica a existência de um currículo oculto.

Nesse caso, não podemos negar que é ele um dos grandes responsáveis pelo fracasso escolar, aqui entendido como o produto de uma prática excludente e, socialmente, injusta. De acordo com Trindade (2005), o modo pelo qual concebemos o significado do fracasso escolar está intimamente ligado às concepções de vida e da vida escolar, já que a relação dos sujeitos com os objetos que representam vai se construindo, constantemente, através de negociações de significados sociais partilhados. Desse modo, é fulcral que se desvende as múltiplas relações e construções de significados (vínculos) que existem dentro do espaço escolar.

Por isso, associar o currículo oculto à noção de RS se justifica dado o consenso de que o procedimento mais adequado para evitar os seus efeitos negativos é torná-lo manifesto, ou seja, é identificar as instâncias nas quais parecem opacas as intenções de quem promove o ensino. De acordo com

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Silva (1999), “tornar-se consciente do currículo oculto significa, de alguma forma, desarmá-lo” (p. 80). Por isso, sugerimos que se os professores e todos os outros profissionais da escola desenvolvessem o hábito de refletir sobre suas ações, seus pontos de vista sobre a realidade escolar e sobre a intencionalidade que está sempre inclusa na ação pedagógica possivelmente teríamos uma escola menos fracassada em seus objetivos de universalizar valores humanos.

O que implica considerar, com Nóvoa (1995) e Freire (2000), que a escola se constitui no lugar mais apropriado para promover a construção teórico-prática do trabalho docente. Nessa construção, dar-se-á uma formação em serviço no verdadeiro sentido do termo, carregada de todas as implicações que essa experiência possa comportar. Essa maneira de se pensar a formação do professor inaugura uma perspectiva que considera, em especial, duas dimensões: a ação e a reflexão. Essas dimensões estão de tal forma, solidárias e em uma interação tão radical que, nessa perspectiva, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente imediatamente a outra, pois não há palavra verdadeira que não seja práxis (FREIRE, 2005).

Concordamos, plenamente, com os dois autores citados no parágrafo anterior porque entendemos a formação dos professores como algo que deve ser contínuo. Em adendo, defendemos que os educadores de um modo geral, assim como os alunos, também sofrem as influências de um currículo oculto em sua formação. São essas influências que o identificarão como profissionais, embora, precisemos ressaltar, que as pessoas são dotadas de uma racionalidade, a qual está sempre pronta a libertá-las de suas amarras ideológicas. No entanto, também é verdadeiro o pensamento de Sacristán e Gómez (1989) de que “o comportamento profissional dos professores está mais ligado com os efeitos ocultos das práticas e das instituições em que se formaram, do que com os conteúdos

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explícitos do currículo com que se pretendeu prepará-los” (p.18).

Por esse mesmo caminho, segue a nossa reflexão em relação à formação das crianças. Destarte, na seqüência, vamos discutir com Charlot (2000) a noção de fracasso escolar, apresentando-o como algo que não existe, caso ele seja concebido como um mal que se apodera dos alunos e, que pode ser analisado externamente à própria dinâmica da sala de aula. Buscaremos, pois, nesta discussão, mostrar a ação mediadora das representações sociais entre o currículo e as muitas situações de fracasso em que se encontra uma boa parte das crianças no Brasil.

3. A desnaturalização do fracasso escolar

Consoante os argumentos do pesquisador francês Charlot (2000), existem posturas diferenciadas frente à escola entre as crianças de classes médias e as das classes mais populares. Mesmo que não haja uma relação automática de causalidade, as crianças pobres apresentam um índice maior de insucesso na escola do que as de classes mais privilegiadas. Porém, o autor defende que não se pode determinar a razão do fracasso da criança, unicamente pela sua condição social, já que se constatam também casos de sucesso entre as classes populares e de insucesso entre as classes médias.

Para reverter uma situação de fracasso, Charlot (2000) argumenta que o professor deve negociar significados com o aluno, fazendo-o perceber que o que está sendo ensinado tem algo a ver com ele, com suas idéias. Nesse sentido, é preciso abrir um espaço para que o aluno considere o novo saber como algo valioso para ele, através de diferentes tipos de tarefas e possibilidades de expressão. Essa iniciativa é denominada pelo autor de mobilização ao invés do que muitos chamariam de motivação. A diferença, segundo ele, é de que “a mobilização

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implica mobilizar-se (‘de dentro’), enquanto que a motivação enfatiza o fato de que se é motivado por alguém ou por algo (‘de fora’)” (p. 55). Entretanto, ele reconhece que esses dois conceitos acabam se encontrando, pois se é verdade que alguém se mobiliza para atingir um determinado objetivo que o motive a fazer algo, também o é que as pessoas são motivadas por alguma coisa que lhe pode mobilizar. Ao final dessa reflexão, Charlot sinaliza para a idéia de movimento através do qual o sujeito se engaja em uma determinada atividade.

Essa atividade é expressa através de uma categoria que o autor denomina relação com o saber. Esta representa uma forma específica de relação com o aprender, um conjunto de relações que um indivíduo ou um grupo mantém com o mundo, com os outros e consigo mesmo. De acordo com o francês, “a relação com o mundo depende da relação com o outro e da relação consigo” (p. 73). Portanto, para que uma situação de aprendizagem desperte o interesse e o desejo de aprender de um aluno, o professor precisa tornar-se interessante e, desse modo, levar o aluno a mobilizar a sua atividade intelectual através do questionamento, conferindo um sentido ao novo saber que se quer ensinar.

Nesse sentido, o que Charlot conclui é que o fracasso escolar

[...] não passa de um nome genérico, um modo cômodo para designar um conjunto de fenômenos que têm, ao que parece, algum parentesco. O problema é que se tem pouco a pouco reificado esse nome genérico, como se existisse uma coisa chamada “fracasso escolar”. [...] O fracasso escolar não é um monstro escondido no fundo das escolas e que se joga sobre as crianças mais frágeis, um monstro que a pesquisa deveria desemboscar, domesticar, abater. O “fracasso escolar” não existe; o que existe são alunos fracassados,

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situações de fracasso, histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que devem ser analisados, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente, chamado ‘fracasso escolar’ (p.16).

Compramos também essa idéia, pois sabemos que são muitos os fatores que contribuem para as histórias fracassadas, geralmente, em destaque nos veículos de comunicação sempre que o governo publica os resultados das avaliações realizadas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Esse sistema faz parte das reformas do ensino brasileiro e foi criado em meados da década de 1980, tendo como amparo jurídico a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996). Sua função é a de avaliar o rendimento escolar em nível nacional. No ensino fundamental, por exemplo, através de uma amostragem, o SAEB avalia o desempenho escolar dos alunos das redes públicas e privadas matriculados nas últimas séries do segundo e do quarto ciclos. Além dos testes com os alunos, o SAEB aplica questionários que são dirigidos às escolas, aos diretores e aos professores.

O índice de desempenho escolar apresentado pelo SAEB tem sido, geralmente, baixíssimo. Para alguns autores, como Popkewitz e Lindblad (2001), o problema das estatísticas apresentadas pelas avaliações é que elas contêm dados os quais são tomados como sendo a própria realidade. Dessa forma, “as estatísticas constroem classes de pessoas, inventários ou perfis de pessoas que podem ser geridas” (p. 126). Assim sendo, o SAEB termina por associar o fracasso escolar à posição social que ocupa a família, à renda da população e ao acesso das pessoas aos bens culturais. Da mesma forma, a avaliação coloca o ensino em relação direta com o tamanho da sala de aula, com a formação do professor e com o material que se encontra disponível nas escolas. Ou seja, para o SAEB, o

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fracasso escolar existe e tem cara, levando, destarte, a educação a ser administrada com base em seus critérios de avaliação.

Ao retomarmos a nossa discussão anterior sobre a inter-relação entre currículo e representação social, tendo como base as proposições de Charlot e as informações sobre o SAEB, podemos agora entender, de forma mais clara, como se formam as legiões de fracassados e excluídos educacionais. Tal situação se justifica por conta da “imposição progressiva [de uma] ‘leitura negativa’ do fracasso escolar e, mais geralmente, da escolaridade das crianças das famílias de categorias sociais populares” que a Sociologia6, entre os anos de 1960 e 1970, realizou, levando os docentes e a opinião pública a interpretar o insucesso dos alunos como algo diretamente dependente da sua origem social e de suas deficiências pessoais (CHARLOT, 2000, p. 19).

Inferimos que, desse momento em diante, acentuaram-se muitas imagens e muitos conceitos sobre as crianças das camadas mais pobres da população. Passaram elas a ser os mortos de fome que só vêm para a escola merendar e que, por isso, não aprendem; os pobres sem sorte que não têm muito a esperar da vida, a não ser trabalhar duro para ajudar a família, ao menos, a se alimentar; os negrinhos favelados que só conhecem a escola do crime e da droga e que, para eles, a escola tem de ser um lugar de reabilitação. Enfim, supomos que essas representações orientaram, e talvez continuem orientando, a prática de muitos professores que, ao planejarem suas aulas ou montarem seus currículos, menosprezaram

6 Os autores que mais representam este momento da Sociologia são: Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, Christian Baudelot, Roger Establet, Samuel Bowles e Herbert Gintis.

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a humanidade, a dignidade e a capacidade criativa de seus alunos.

Imaginamos quantas dessas crianças, ainda hoje, por pertencerem aos segmentos mais populares, não se vêem como fracassadas, mesmo antes de pensarem em suas potencialidades. Não queremos dizer com isso que elas não se percebam capazes, mas também não podemos esquecer de que a ambiência escolar, o currículo oculto que nela se executa, e as representações que perpassam esse currículo, não as deixam imunes a uma pressão para baixo em sua auto-estima. O que se explica pelo fato de que não é difícil ouvirmos certas tautologias cínicas tais como a de que a causa ou a culpa da pobreza é dos pobres. Esse quadro de pensamento tem se delineado, de acordo com Fulvia Rosemberg7, como uma concepção culturalista sobre a pobreza, cujo eco no senso comum é o de que o pobre é pobre porque tem baixa escolaridade, é pobre porque as famílias são numerosas, é pobre porque não recebeu carinho em casa, é pobre porque a família é desorganizada etc. Enfim, é pobre porque é pobre e, por isso, produz e reproduz a pobreza.

Em adendo, juntemos a essas interpretações outras manifestações preconceituosas do tipo das que ocorrem quando, por alguma razão, as crianças não se sintam mobilizadas a participar de alguma atividade proposta pelos professores. Há, culturalmente, uma grande chance de que elas tenham que ouvir frases do tipo: Eu sei que você não quer nada!; Esse(a) menino(a) parece índio, parece um bicho do mato, não participa de nada!. Em casos como esse, os 7 Observações retiradas da conferência de abertura do I Seminário do Núcleo de Desenvolvimento, Linguagem e Educação da Criança (NUDELEC) da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Ceará (UFC), realizado entre os dias 25 e 27 de outubro de 2004, no auditório da FIEC – Fortaleza - CE.

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professores esquecem de que eles têm, conforme nos diz Saviani (1982),

[...] uma contribuição específica a dar em vista da democratização da sociedade brasileira, do atendimento aos interesses das camadas populares, da transformação estrutural da sociedade. Tal contribuição se consubstancia na instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário, etc. que o professor seja capaz de colocar de posse dos alunos (p. 63).

Entretanto, ao buscar empreender essa

instrumentalização, a escola precisa, tal como nos adverte Saviani, reconhecer que a sua contribuição deve estar, realmente, a serviço da emancipação das camadas populares. O contrário disso nos levará, sem dúvidas, a presenciarmos sempre os mesmos resultados revelados pela pesquisa de Dias, Zasso e Pereira (2003) em relação às representações sociais e ao imaginário de mulheres acerca da escola, com os quais reforçamos nossa tese de que são as representações sociais que mediam as relações entre o currículo e o fracasso escolar.

O trabalho das autoras mostra que a escola é vista pelos sujeitos pesquisados como uma instituição altamente excludente e distante de suas vidas. Uma outra referência é a de que a escola não cumpre o seu papel de ensinar, além de os professores nem sempre serem tidos como bons, no sentido de explicar o conteúdo ensinado. Os erros são tomados como a incapacidade de aprender e não como uma hipótese de construção de conhecimentos e, por isso, os professores também são vistos como aqueles que miram os alunos e, ao mirá-los, incluem-nos ou excluem-nos da atividade educativa. Isso revela, segundo as pesquisadoras, um imaginário, entre os pesquisados, da não possibilidade do erro como um degrau para

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a aprendizagem e desta como um produto e não como um processo. Portanto, salientamos que a escola necessita acertar o passo entre o dito e o feito, entre o pensado e o ensinado para não se tornar uma instituição obsoleta e ineficaz dentro de pouco tempo.

Algumas considerações finais

Conforme já foi dito, as representações sociais são reveladoras de muitos fenômenos que disfarçam uma grande quantidade de significados, tais como os do currículo oculto. À guisa de conclusão, podemos tecer algumas considerações, reforçar algumas afirmações pertinentes e fazer determinadas ressalvas que, porventura, não foram feitas ao longo do texto.

No que concerne ao currículo como um documento de identidade, indubitavelmente, não é à toa que, como povo, somos apontados por muitos como uma massa acrítica à espera de mudanças que venham pelo alto, que chegarão até nós porque um novo presidente foi eleito ou alguma nova lei foi aprovada. Esse comportamento nacional parece-nos ter sido forjado e, como bem nos adverte Coutinho (2000), é fruto de uma

determinação histórica-genética essencial da cultura brasileira, gerada dessa feita não tanto no nível do caráter dependente de nossas relações de produção, mas [...] naquele da articulação entre as classes e o poder político que foi característica da evolução histórica do Brasil. Essa problemática pode ser resumida na idéia de [...] uma ‘via prussiana’ ou uma ‘revolução passiva’. [...] As transformações ocorridas em nossa história não resultaram de autênticas revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o conjunto da população, mas se

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processaram sempre através de uma conciliação entre os representantes dos grupos opositores economicamente dominantes, conciliação que se expressa sob a figura política de reformas “pelo alto” (p. 50).

Essa constatação histórica não pode ser, a nosso ver, tomada como um determinismo identitário para o Brasil, muito embora saibamos que essa característica da nossa formação cultural possa ter permitido que muitas representações tenham surgido e ainda hoje permaneçam ocultas, orientando, no dia-a-dia das escolas, muitas práticas. Assim sendo, é possível estabelecermos uma relação entre as representações sociais e o currículo oculto, já que os dois podem se inter-influenciarem, reforçando modelos de atuação profissional que se encontram cada vez mais na contramão do que se poderia esperar de uma educação sócio-democrático-construtivista e libertadora (FREIRE, 2000). Como conseqüência, vemos na evasão e no fracasso escolar os resultados da atuação de uma instituição excludente, a qual prefere eximir-se da sua parcela de responsabilidade, direcionando-a, totalmente, para o aluno ao invés de encarar o desafio de seduzi-lo a estabelecer uma satisfatória relação com o saber (CHARLOT, 2001).

Porém, antes de finalizarmos, queremos ressaltar duas coisas. A primeira diz respeito à importância que o estudo da RS tem para o desvelamento do currículo oculto. Sugerimos que a pesquisa em Educação pode beneficiar-se, amplamente, dos procedimentos teórico-metodológicos da Teoria das Representações Sociais e encontrar respostas satisfatórias às suas questões, a partir dos subsídios que essa teoria pode fornecer em articulação com o método etnográfico, por exemplo (DIEB, 2004). Ela permite ao pesquisador compreender as interações que se estabelecem entre os indivíduos ao buscarem processar, coletivamente, um conjunto

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de informações, de valores e motivações sociais acerca de um objeto de relevância social, no interior de sua ambiência cultural. Portanto, nada melhor do que nos inserirmos nesse espaço de relações para captar os múltiplos significados que são negociados durante as atividades pedagógicas.

A segunda compreende o reconhecimento ao trabalho sério e ao zelo pela educação que possuem muitos dos nossos colegas de profissão. Quando a estes nos referimos, certamente, não podemos deixar de pensar nas dificuldades que eles enfrentam e que limitam o seu empreendimento em iniciativas pedagógicas inovadoras. Isso ocorre devido às condições objetivas e subjetivas em que trabalham e às muitas nuances culturais que gravitam em torno do trabalho desses docentes brasileiros, dentre as quais podemos citar: o desprestígio e o não-reconhecimento profissionais, a precariedade nas iniciativas de formação em serviço, a má qualidade da infra-estrutura física das escolas, a violência e a insegurança nas comunidades em que estas estão localizadas, a negligência do poder público, a exploração dos educadores etc.

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ENSINO E PESQUISA NA UNIVERSIDADE: UNIVERSAIS, SINGULARES E IMPARCIAIS?1

Milton Chicalé Correia

RESUMO: O objetivo deste trabalho é demonstrar, a partir de situações vivenciadas e testemunhadas, como, em geral, o ensino e a pesquisa na universidade são restritivos quanto à universalidade, singularidade e imparcialidade, no que tange às abordagens consideradas sob o âmbito do senso comum e teológico, por exemplo, com especificidade para o confronto entre o evolucionismo e o criacionismo e suas inferências, ainda que, quanto a este, apresentam-se evidências de caráter científico. Para isso, tendo como referenciais os modelos evolucionista e criacionista, precedidos pelas

1 De acordo com Houaiss (2004), o vocábulo Universal é: 1. [...]; 11. idéia geral, conceito, termo abrangente aplicável a todos os indivíduos de uma mesma classe de seres ou objetos; 11.3. u. lingüístico ou da linguagem [...] SIN/VAR absoluto, coletivo, cósmico, ecumênico, estelar, genérico, geral, global, limitado, internacional, interplanetário, mundial, planetário, sideral, total [...]. Já o termo Singular é: 1. único da sua espécie; distinto; ímpar; [...]; 4. não usual; inusitado, estranho, diferente, [...]. Segundo Abbagnano (ABBAGNANO, 2000), o vocábulo Universal teve dois significados: 1º significado objetivo, em virtude do qual indica uma determinação qualquer, que pode pertencer ou ser atribuído a várias coisas; 2º significado, subjetivo, em virtude do que indica a possibilidade de um juízo (que diga respeito ao verdadeiro e ao falso, ao belo e ao feio, ao bem e ao mal etc.) ser válido para todos os seres racionais. Já o termo Singular, para Abbagnano é: 1. um indivíduo; 2. o indivíduo considerado como valor metafísico, religioso, moral e político supremo. [...]. O singular é superior ao universal, ao contrário do que julgava Hegel. “Nos gêneros animais sempre vale o princípio de que o indivíduo é inferior ao gênero. [...] Jaspers insiste no caráter excepcional do singular (Phil., II, p. 360). Quanto ao termo imparcial, entendo não ser necessário explicitá-lo, pois sua interpretação é mais restrita e de uso mais comum. Minha interpretação sobre o tema encontra-se na introdução do suporte teórico e situações evidenciadas, para que os leitores estabeleçam suas analogias e assimilem ou não minha pretensão, com a qual, obviamente, concordarão ou rejeitarão, utilizando-se do livre arbítrio, com ou sem argumentações.

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situações exemplificadas, entendo ter delineado um quadro satisfatório para que os leitores se situem e sejam subsidiados para assimilarem ou não as argumentações feitas. Desenvolvo tais argumentações apresentando o suporte legal, os procedimentos metodológicos, as antropologias filosóficas e teorias pedagógicas, o quadro sugestivo pertinente às tendências epistemológicas, teóricas e metodológicas, o suporte teórico e situações evidenciadas.

PALAVRAS-CHAVE: universais, singulares, imparcial.

ABSTRACT: The purpose of this work it is to demonstrate, from situations lived and testified, how, generally, the teaching and the research at university are limited at the universality, singularity, and impartiality, that refer to the approaches considered about common sense and theological, for example, with specificity for the confrontation between the evolutionism and creationism, and its inferences, although, this one, show scientific character evidences. For this, having like references the evolutionist and creationist models, showed by the situations, I suppose had delineated a satisfactory square for the students place themselves and come helped to assimilate or not the argumentations done. I develop such arguments introducing the legal support, the methodological procedure, the philosophic anthropologies and pedagogic theories, the suggestive square pertinent to the epistemological, theory and methodological tendency, the theorist support and situations explained.

KEY WORDS: universal, singular, impartial.

1. Introdução

Decidi abordar este tema, após testemunhar e vivenciar algumas situações no mundo acadêmico e na imprensa secular, especialmente a escrita e a televisiva, em que observei, com certa constância, o preconceito latente, a superficialidade e a ironia pertinentes a determinadas matérias consideradas, por parte da elite intelectual, seja ela orgânica de direita ou de

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esquerda, como produtos do senso comum, ou da massificação do saber que, por si só, segundo esta, deixa de ser científica, confiável. Estou convicto de que este artigo poderá provocar a indignação em muitos, que mesmo sem reconhecerem, se apossam da “verdade” com “exclusividade”, não admitindo o contraditório, mas realmente este é o objetivo maior, conseqüência da coerência de minha vida pessoal, escolar, acadêmica e profissional, e exercendo a docência em várias disciplinas pedagógicas ou não, com ênfase para a didática e a metodologia científica, que têm a obrigação de serem provocadoras, polêmicas, inter, multi e transdisciplinares. Se atingir o objetivo proposto, considero-me satisfeito, se não atingi-lo será um ensaio para novas abordagens, aliás, começarei a escrever os vários livros que tenho em mente, há muito tempo, e que somente agora poderão se tornar realidade, e serão polêmicos, pois a rotina, o conformismo e a unanimidade não fazem parte do meu repertório, com as exceções racionais e inevitáveis.

2. Suporte Legal

A universidade, principalmente a pública, na qual milito, deve oferecer muito mais que o ensino superior formal, e não me deterei para polemizar o termo “ensino” porque este será tema de outro artigo, no momento oportuno. A universidade dever oferecer a educação superior e nesta se inclui, além do ensino, a pesquisa e a extensão, e todos de acordo com o princípio de indissociabilidade, mas meus objetos agora são o ensino e a pesquisa, daí minha provocação: “Ensino e Pesquisa na Universidade: Universais, Singulares e Imparciais?” Preliminarmente reporto-me ao arcabouço constitucional e legal federal vigente pertinente à universidade, citando in verbis os respectivos comandos, na seqüência:

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Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (CF, 1988 c/ a EC 11/96). Art. 43. A educação superior tem por finalidade: I – [...] II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção nos setores profissionais e para participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, a colaborar na sua formação contínua.; III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive (LDB, 1996, grifo nosso).

3. Procedimentos metodológicos

O ensino e a pesquisa na universidade devem ser universais, singulares e imparciais, mas... são? Pelo que tenho testemunhado e vivenciado, posso afirmar que não! Obviamente não farei uma análise conspiratória, tendenciosa, mas procurarei despir-me, com a maior imparcialidade possível, das minhas convicções pessoais, que conflitam com o que tenho observado, procurando desenvolver a síncrese, a análise e a síntese aplicáveis de conformidade com os princípios teórico-metodológicos pertinentes, que nem sempre são utilizados em abordagens distintas, pelo contrário, concentram-se exclusivamente no enfoque coerente com o perfil dos autores. Em assim sendo, abordarei as antropologias filosóficas (modelos de homem) e as teorias pedagógicas (modelos educativos) mais exploradas e, na seqüência, discorrerei sobre as tendências epistemológicas, teóricas e

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metodológicas na pesquisa, que têm maior ênfase na educação, mas possuem elementos aplicáveis em outras áreas do saber, antropologias filosóficas e tendências estas que subsidiarão, a título sugestivo, os exemplos inseridos, a análise e a síntese concernentes aos mesmos, para corroborar minhas argumentações.

4. Antropologias Filosóficas e Teorias Pedagógicas

As antropologias filosóficas (modelos de homem), em geral, se desdobram em dois grandes eixos: as predominantemente “essencialistas” (naturalismo) e as predominantemente “existencialistas” (artificialismo). O primeiro (naturalismo) tem como marco referencial as idéias e/ou projetos (as aspirações) e o segundo (artificialismo) as realizações individuais e/ou coletivas.

No naturalismo, nos deparamos com três abordagens distintas: homem intemporal (neo-escolástica, neo-idealismo, espiritualismo e fenomenologia: Maritain, Hamelin, Bradley, Newman, Husserl e Hegel, por exemplo); antropofreudianas (freudo-marxismo: Freud-Marx, Reich, Fromn, Marcuse, Adorno, Horkeimer e Mc Luhan, por exemplo; anti-psiquiatria: Laing, Cooper, Szasz, Mannoni, Basglia e Bettelheim, por exemplo); e homem anarquista (anarquismo e socialismo utópico: Max Stirner, Malatesta, Read, Bakunin, Kropotkin, Proudhon, Fourier e Saint-Simon, por exemplo). Tais abordagens, geralmente, deságuam nas teorias pedagógicas (modelos educativos), resultando, respectivamente, pela ordem, nas seguintes teorias: essencialistas e ahistóricas (Gentile, Juan Bosco, Kerschensteiner, Garcia Hoz e González Alvarez, por exemplo); antiautoritárias, autogestionárias e libertárias (Escola de Hamburgo: Tolstoi e Neill; Kinderlaeden: Lapassade, Lourau, Lobrot, Rogers e Férrer Guardia, por exemplo); e

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antiinstitucionais e antiescolares (Illich, Goodman, Bordieu, Passeron, Baudelot, Establet e Piveteau, por exemplo).

No artificialismo, as abordagens distintas são cinco: homem desumanizado (neopositivismo: Círculo de Viena: Wittgenstein, Russel, Carnap, Moore e Popper, por exemplo; estruturalismo: Levi-Strauss, Foucaut, Lacan, Althusser, Derrida e Benois, por exemplo; cientificismo: Pavlov, Skinner, J. Huxley e Tinbergen, por exemplo); homem positivo (pragmatismo: James, Dewey e Mead, por exemplo) empirismo: Montaigne, Comenius, Locke, Hume, Herbart, Rousseau, Pestalozzi e Piaget, por exemplo; liberalismo: A. Smith, Malthus, Stuart Mill, Quesnay, Say e Turgot, por exemplo; e o positivismo: Comte, Stuart Mill, Darwin, Spencer, T. Huxley, Durheim e Wundt, por exemplo); homem existencialista (existencialismo: Kierkegaard, Nietzsche, Jaspers, Merleau-Ponty, Heidegger, Sartre e Camus, por exemplo); homem personalista (personalismo: Buber, Teil. de Chardin, Bastide, Lacroix, Xirau, Ricoeur e Freire, por exemplo); e homem comunista (marxismo: Marx, Engels, Lenin, Stalin, Trotski, Mao, Lukacs, Gramsci e Kosic, por exemplo). Nessas, as teorias pedagógicas (modelos educativos) consubstanciam-se, respectivamente, pela ordem, em teorias: reprodutoras tecnológicas (Plan Dalton e Mc Luhan, por exemplo); reprodutoras sociológicas (Dewey, por exemplo); educação nova (Decroly, Montessori, Claparéde, Ferriére, Freinet e Kerschensteiner, por exemplo); transformadoras personalistas (Freire, Xirau, Milani e Pallach, por exemplo), e finalmente, transformadoras comunistas (Makarenko, Mao e Snyders, por exemplo). De uma forma, ou outra, todos os homens se enquadram em uma ou outra das antropologias filosóficas (modelos de homem) e optam por uma ou outra teoria pedagógica (modelos educativos), inclusive mencionei, a título de exemplos, alguns intelectuais que, pela postura pessoal e produção teórica, se enquadram nas mesmas, e com esta

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afirmação acredito que os leitores deste artigo já estão devidamente situados e, a partir daí, obviamente, concordarão ou não com minhas argumentações no estudo do tema pelo qual optei.

5. Quadro sugestivo pertinente às tendências epistemológicas, teóricas e metodológicas.

Apresentarei, a seguir, um quadro de autoria do Professor Doutor Antônio Carlos Osório, Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado em Educação), do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Campo Grande – MS), utilizado na Disciplina Pesquisa em Educação, no semestre 2001/1, para subsidiar a compreensão da abordagem temática.

7 Ciência(s) Método Produto Aplicação Interesse

Cognitivo

Orientação

Normativa

Empírico

Analítico Naturais Explicação

Informação

Sobre o

fenômeno

Controle

Técnico

Instrumental

Controle

Regras

Gerais: Principais

Leis

Fenome-

nológico

Herme-

nêutico

Humanas

Compre-

ensão

Interpre-

tação

Interpre-

tação do

Fenômeno

Interação

Comuni-

cação

Prática

Interativa Consenso

Histórico

Crítico

Dialético

Teórico-

Críticas

(Históricas)

Reflexão na

Ação e

Ação na

Reflexão

Crítica do

Fenômeno

Ação

Transforma

dora

Emanci-

pação

Transfor-

madora

Potencializar

Transformações

O quadro contém os elementos essenciais para se optar

e se estabelecerem analogias pertinentes, situando os leitores no processo de síncrese, análise e síntese, pois envolve, pela ordem, os principais tipos de conhecimento, de Ciência, método, produto, aplicação, interesse cognitivo e orientação normativa, segundo o autor mencionado.

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A autora portuguesa, Isabel Alarcão (2001), também apresenta com propriedades três tabelas explicativas que abordam e explicitam, pela ordem: Tabela 7.1. As Questões Ontológicas, Epistemológica e Metodológica na investigação (p.138); 7.2. As Questões Teológicas e Didáticas (p.139), e finalmente, 7.3. Paradigma Emergente (p.141), que contribuem para uma análise e síntese mais consistentes o objeto deste artigo e que não foram inseridas dada a limitação do espaço.

Ao examinar as antropologias filosóficas (modelos de homem) e as teorias pedagógicas (modelos educativos), é possível identificar qual a tendência teórico-metodológica de cada autor, ou pelo menos, com a qual cada um se aproxima mais.

6. Suporte teórico e situações evidenciadas

Após as considerações anteriores, volto a indagar: “Ensino e Pesquisa na Universidade: Universais, Singulares e Imparciais?” Se universais são todo abrangentes, envolvendo todos os ramos do conhecimento humano, portanto todas as ciências, e nessas incluem-se, obviamente, as humanas e sociais, o que infere dizer que deve adentrar ao campo das especulações de cunho filosófico e teológico, por exemplo, que por razões de modelos políticos e econômicos, como o socialismo e o capitalismo neoliberal, nem sempre são tratadas com a mesma deferência atribuída às outras ciências.

No primeiro caso, pela presença do materialismo histórico voltado para a racionalidade absoluta e o banimento ou a restrição às manifestações de caráter filosófico idealista e religioso e, no segundo, pelo pragmatismo capitalista da predominância do capital sobre o trabalho e da economia de mercado que, por meio das agências de fomento públicas e/ou privadas, priorizam o ensino, as pesquisas e os projetos que contemplam a hipótese do lucro, independentemente da

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imprescindível inclusão social e das conseqüências sobre o meio ambiente.

Se singulares, são aplicáveis observando-se a distinção peculiar, ainda que polêmicas, controvertidas, aparentemente estranhas ao lócus acadêmico, inusitadas, enfim, diferentes, em desacordo com os padrões convencionais. O singular é superior ao universal porque este depende daquele, ou seja, o todo é constituído das partes, mas há necessidade de ambos, de interdependência para a harmonia nas relações. O organismo humano, por exemplo, é orgânico, composto de sistemas, que se compõem de órgãos e estes de células etc. Exemplifico ainda com um livro, pois este é universal, porquanto é objeto indispensável em qualquer biblioteca do mundo, aliás, é dos livros que se fazem as bibliotecas; todavia o livro também é singular, pois cada um tem sua autoria, o estilo do autor, seu conteúdo, público alvo, é escrito em uma ou mais línguas, pode ser ou não clássico etc. As Escrituras Sagradas Hebraico/Cristãs, por exemplo, são universais, pois se encontram em praticamente todas as bibliotecas, para todos os tipos de leitores, mas são singulares porque são as mais antigas do mundo, tem características ímpares, é adotada por leitores que se constituem em discípulos do seu principal expoente: Cristo. Cito Alarcão a titulo de analogia, quando se reporta à escola (A Escola Entre o Local e o Universal), que assim se pronuncia:

Neste mundo globalizado em que vivemos, emerge em vários setores socioculturais a consciência da especificidade e da particularidade, como se quiséssemos proteger-nos de uma estandardização neutralizadora daquilo que nos é específico. Sem deixar de partilhar com as outras escolas do planeta a universalidade da sua dimensão instrutivo-educativa e socializante, cada escola tende a integrar-se e a assumir-se no contexto

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local, a aproximar-se da comunidade. [...]. Sem deixar de ser local, a escola é universal (ALARCÃO, 2001, p.21).

Evidencio nas palavras de Alarcão (2001),

estabelecendo a analogia que entendo válida, aplicável à universidade, a necessidade de entender e apreender ao conceitos e as relações entre singular (particular,especifico) e o universal (geral, abrangente, comum),utilizando-se de instrumentos consistentes, confiável, portanto cientifico, no processo de análise e síntese exigidos ainda que o objeto seja considerado de imediato como essencialmente subjetivo,pó que não dispensa sua apreciação,pela academia.

Finalmente, se imparciais, devem ser desprovidas, tanto quanto possível, das “paixões” pessoais dos docentes, dos grupos de pesquisas, dos pesquisadores, individualmente, sempre apresentando a tese e a antítese, ou seja, os “dois lados da moeda”, evitando terminantemente a análise conspiratória, e isso são válidos não somente para aquele que ensina que produz a pesquisa, mas também para aquele que estuda, examina e se pronuncia sobre a pesquisa de outros, por exemplo.

Partindo do pressuposto de que defini as razões para este artigo, inclusive que viabilizei aos leitores situarem-se em uma das antropologias filosóficas (modelos de homem) e teorias pedagógicas (modelos educativos), apresentei o quadro sugestivo de tendências epistemológicas, teóricas e metodológicas na pesquisa em educação, aplicáveis, pelo princípio da simetria, em outras áreas do saber, e desenhei, no parágrafo anterior, o quadro que entendo coerente com os conceitos de universalidade, singularidade e imparcialidade que devem permear o ensino e a pesquisa na universidade, entendo que posso passar aos exemplos que testemunhei e vivenciei no mundo acadêmico e na imprensa, principalmente a escrita e a

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televisiva, que demonstrarão o comprometimento da universalidade, singularidade e imparcialidade abordadas, na prática, provocando uma reflexão sobre o tema.

Principio mencionando três situações distintas, uma em cada instituição de ensino superior, que obviamente ocorreram comigo, e adotando a ética exigida e necessária, não identificarei a localidade, a instituição, a disciplina, o docente e o curso em específico, esclarecendo que se trata de cursos de pós-graduação stricto sensu, todavia mencionarei, respectivamente, as unidades federadas e os anos: DF, 1998; MS, 2001 e SP, 2006.

Na primeira, participando de uma aula em que a abordagem referia-se à teoria da desescolarização, de Ivan Illich (naturalista/anarquista/antiinstitucional e antiescolar), da mesma antropologia filosófica e teoria pedagógica de Reimer, Goodman, Bordieu, Passeron, Baudelot, Establet e Piveteau, e em dado momento Illich faz uma analogia com um texto sagrado hebraico que, submetida a uma análise rigorosa, não procede. Trata-se de um texto retirado do contexto, e que, portanto, gera um pretexto. A reação do docente e de alguns mestrandos à minha refutação foi exacerbada. O docente, inclusive, e de forma infeliz, declarou que eu estava situando-me em um contexto especificamente teológico, o que não era o caso, pois a discussão era acadêmica secular e assim devia pautar-se. A analogia de Illich não passava pelo crivo da metodologia científica: síncrese, análise e síntese, pois se aventurou em adentrar em um terreno que não dominava e, afinal, Illich domina todos os ramos do saber e detém a última palavra sobre a matéria? A partir daí evitei entrar em discussões futuras. Algum tempo depois, questionaram-me: “Milton, você não diz mais nada?”, a que respondi: “Para quê? Para vocês eu sou um ET”, ou seja, um alienado da ordem acadêmica vigente naquela instituição.

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A segunda situação, também em sala de aula, dado momento, circunstancialmente, o docente se refere a uma acadêmica de um curso de graduação de outro campus da instituição que lhe ofereceu um exemplar das Escrituras Sagradas Hebraicas, a que prontamente recusou, inclusive usando de ironia. Surpreso pela atitude, indaguei: “Já leu?”, a que respondeu imediatamente: “Nunca li e nem pretendo ler”. Manifestei minha indignação, pois como pode alguém, no mundo acadêmico, criticar algo do qual não tem conhecimento de causa? Já teria sua opinião formada assumindo previamente a de outros? A abordagem, principalmente na academia, deve nortear-se pelo estudo diligente, exame rigoroso e pesquisa adequada, com a imparcialidade exigida, mesmo, obviamente, que cada um tenha sua antropocosmovisão.

Na terceira situação, mais recentemente, o docente fazia sua exposição didática sobre a matéria objeto de estudo e mencionou uma outra analogia, também pertinente a um texto sagrado hebraico, só que, desta vez, socializando a “informação recebida de outro docente”, citando comparativamente, em termos de relevância, um animal bovino e uma mulher, em que o primeiro seria mais importante que a segunda. Indaguei: “O senhor poderia citar-me o texto em que se encontra tal afirmação? Pois conheço razoavelmente as Escrituras Sagradas Hebraicas, tendo-as lido algumas vezes, inclusive com o auxílio de dicionários especializados, cadeias temáticas, comentários especializados etc. e nunca vi semelhante afirmação”. Ele disse-me que traria o texto, mas nunca o trouxe e não o trará, pois simplesmente o mesmo não existe nas Escrituras Sagradas Hebraicas e quanto a isso não tenho a menor dúvida. Constatei, com clareza, que se tratava de escárnio, ironia, portanto, normalmente sem consistência acadêmica, propondo-se, quando muito, a servir de um dos momentos de desconcentração da aula, como a piada do dia, por exemplo, e diga-se de passagem, de mau gosto. Os demais mestrandos e

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doutorandos ficaram observando a situação. Insisto: É preciso muita cautela para o que se vai dizer, principalmente no mundo acadêmico.

Relatadas as situações vivenciadas, agora apresento uma testemunhada, como mais um exemplo da ausência da universalidade, singularidade e imparcialidade no ensino e na pesquisa na universidade. O fato é recente, e como já foi feito, novamente só mencionarei a unidade federada e o ano: MT, 2006. Um Servidor Público, graduado em Licenciatura Plena em Letras, que apresenta seu trabalho de conclusão de curso (TCC), pós-graduação lato sensu na área da administração pública, e que explora a relevância da moral e da ética nas relações de trabalho, fundamentando-se na afirmação de que pessoas autenticamente religiosas, independentemente da confissão, excluídas as que adotam a violência verbal ou física para impor suas convicções, comportam-se, com certa constância, com mais rigor no trato com a propriedade alheia, ou mais precisamente, com a coisa pública. Enfatize-se mais uma vez: as autenticamente religiosas, do que não se infere que as não religiosas também não se comportem de igual maneira, mas o compromisso com as convicções religiosas exige uma postura mais rigorosa na qual não há espaço para a hipocrisia, a incoerência entre o que diz serem suas convicções e o que faz no cotidiano. Parte da Banca Examinadora reagiu duramente, considerando o trabalho descontextualizado em relação ao “mundo real”, ou seja, não há espaço para tais argumentações, bastar fazer o “politicamente correto”, não há necessidade nem é cabível se recorrer à argumentação de cunho confessional para se evidenciar que um cidadão compromissado com suas convicções religiosas, em tese, se comportará como tal, dando maior ênfase à moral e à ética no trato com a coisa pública, por exemplo. É uma hipótese descartável. Por pouco o pós-graduando não foi reprovado.

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Para não ficar somente no terreno das situações vivenciadas e testemunhadas, o que, para um trabalho acadêmico não é admissível, até seria incoerente com o que me propus realizar, agora passo a fazer uso de referências pesquisadas, a maioria exploradas em salas de aulas (mestrado e doutorado) ou durante minha pesquisa para a obtenção do título de mestre em educação, corroborando minhas afirmações, que obviamente não impedirão o contraditório, aliás, bastante salutar, necessário, imprescindível, sem o qual a academia seria inútil. Pautar-me-ei pelo enfoque da exclusão quase total, conforme as situações exemplificadas, da possibilidade da discussão acadêmica envolvendo a asserção de que só o material, o concreto, o “seguro e indiscutivelmente observável, palpável, que pode ser comprovado em laboratório” (o “Big Bang” foi?), normalmente, podem ser objetos de estudos, de debates, de pesquisas, mas demonstrarei que, no afã de consolidar e ampliar tal postura, erros crassos são cometidos, eivados de preconceitos, análises conspiratórias e contradições visíveis. Para boa parte da comunidade acadêmica, especialmente o segmento docente, as ciências naturais e exatas “decidem” os rumos do mundo globalizado, as humanas e sociais contribuem, com algumas ressalvas, e seus representantes colaboram no sentido de que uma opção teológica sem perder de vista a secular, mesmo pautada em evidências, é retrógrada, irracional, passível de indiferença ou escárnio, ironia. A este respeito, Morris (1985), assim se manifesta:

Não obstante, embora tanto a criação quanto a evolução tenham importantes implicações religiosas, morais e sociais, cada uma delas também pode ser usada para correlacionar e predizer dados científicos. Os seis capítulos seguintes mostrarão que o modelo científico da criação consegue fazê-lo melhor do que o da

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evolução. Ainda há problemas, e mais pesquisa precisa ser realizada para resolvê-los, mas os problemas do modelo da evolução são muito mais sérios. Como resultado, hoje em dia há milhares de cientistas reconhecidos, qualificados, que se tornaram criacionistas, a despeito da doutrinação evolucionista que recebida na escola, e da intimidação evolucionista que agora enfrentam nos círculos do intelectualismo organizado. Em um sentido muito real, o criacionismo é mais científico do que o evolucionismo, e o evolucionismo é muito mais religioso do que o criacionismo (MORRIS, 1995, p.16, grifo do autor).

Primeiramente, faremos algumas inferências à Ciência, e como tal, englobando os diversos ramos do conhecimento. Para muitos, o instrumento mais confiável, o que produz a tendência de se generalizar a aplicação de teorias, e por si só descarta ou coloca em segundo plano “outras possibilidades”. O senso comum, por exemplo, já se expressa como tal: “comum”, normalmente não faz parte do rol da elite, no caso, a pensante, a intelectualizada, seja ela de direita ou de esquerda. Centro, nem pensar, mais adequada para os que “ficam em cima do muro”. Mas, o que afirma Santos (1995):

Já tive ocasião de referir que o fundamento do estatuto privilegiado da racionalidade científica não é em si mesmo científico. Sabemos hoje que a ciência moderna nos ensina pouco sobre a nossa maneira de estar no mundo e que esse pouco, por mais que se amplie, será sempre exíguo porque a exigüidade está inscrita na forma de conhecimento que ele constitui. A ciência moderna produz conhecimentos e desconhecimentos. Se faz do cientista um ignorante especializado faz do cidadão comum um ignorante generalizado.

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Ao contrário, a ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional; só a configuração de todas elas é racional. Tenta, pois, dialogar com outras formas de conhecimento deixando-se penetrar por elas. A mais importante de todas é o conhecimento do senso comum, o conhecimento vulgar e prático com que no quotidiano orientamos as nossa ações e damos sentido à nossa vida. A ciência moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e falso. A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a relação com o mundo. É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico. Essa dimensão aflora em algumas das características do conhecimento do senso comum (p. 56-57).

As afirmações de Santos são bastante claras, objetivas,

e entendo que dispensam comentários, pois explicitam a relação entre a Ciência e o senso comum, mais que isso, entre os que se primam exclusivamente pela primeira (Ciência moderna), e os que constroem o senso comum, como também, por imparcialidade, devo frisar a existência, em pequeno número, dos que buscam conciliar ambos, tanto quanto possível (Ciência pós-moderna), e o autor demonstra ser um deles. Aranha e Martins (1993), por sua vez, declaram:

O que observamos no sucessivo alternar de teorias que se completam ou se desmentem, ou que são ultrapassadas, é que a ciência não é um

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conhecimento “certo”, “infalível”, nem as teorias são o “reflexo” do real. Na controvérsia entre os filósofos da ciência, a teoria científica aparece como construção da razão, como hipótese de trabalho, como função pragmática que torna possível a previsão e a ação, como descrição de relações entre elementos sem referência ao conteúdo dos fenômenos. Interessa-nos aqui mostrar que a discussão dos fundamentos da ciência é atual e que esta se faz por meio de um longo processo que não é linear, mas cheio de contradições (p. 158).

Observe-se que Aranha e Martins, em outras palavras,

caminham na mesma direção de Souza, ou seja, a Ciência tem suas limitações, o que, de certa maneira é consenso, em tese, mas que, no cotidiano acadêmico não se apresenta essencialmente como tal, e não é preciso ir longe para ilustrar com o modelo evolucionista (não digo teoria e muito menos teoria científica, embora reconheça que haja alguma cientificidade), do biólogo e naturalista inglês Charles Darwin, consubstanciado em sua obra A Origem das Espécies, tida como paradigma irrefutável pela quase totalidade da comunidade científica mundial, objeto de diversas inserções pela Rede Globo de Televisão, no Programa “Fantástico”, aos domingos, e de reportagens em várias edições da Revista VEJA e Superinteressante, e que constantemente alegam ter achado o “elo perdido”, contudo sem conseguirem explicar com rigor e de forma definitiva, por exemplo, o mecanismo da visão humana, que dada sua complexidade e singularidade, ainda é considerado um dos maiores enigmas, dentre outros, para os adeptos do evolucionismo darwinista.

Observo que se faz a biologização, a coisificação do homem e percebo que o evolucionismo darwinista também tem sua trindade: o tempo, o acaso e a seleção natural, um deus

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triuno, e também “milagreiro”. Vejo aqui, de forma acadêmica, despido do denominacionalismo confessional, a oportunidade de evidenciar o conflito entre evolucionistas (darwinistas científicos e sociais) e os criacionistas (adeptos do design inteligente, ou seja, de um projeto anterior, obviamente de autoria sobrenatural, que culminou na execução da realidade concreta), em que os primeiros refutam intransigente e definitivamente, recusando-se a debater cientificamente tais modelos, coadjuvados pela imprensa secular, principalmente a escrita e a televisiva, mesmo não discutindo o autor, mas as características prévias da obra, adotando uma postura unilateral inflexível, absoluta e de escárnio, ironia, ignorando o que Souza (1995) e Aranha e Martins (1993), por exemplo, afirmaram nas citações.

A razão principal do repúdio ao modelo criacionista já está clara, mas vale a pena recordar que a questão principal refere-se ao modus vivendi e ao modus operandi do expoente do cristianismo, Cristo, incompatível, segundo os adeptos do evolucionismo, com o mundo natural, a ordem vigente e, pior ainda, com a conduta dos seus discípulos, principalmente os modernos, em que pese sua procedência, recordando que as regras também estão sujeitas às exceções, situação agravada na analogia superficial do teor do velho e novo testamentos das Escrituras Sagradas Hebraicas, afrontando-se os princípios que regem a exegese e a hermenêutica aplicáveis para sua interpretação mais acurada, ignorando-se ou deturpando-se, por desconhecimento ou de forma premeditada, elementos como: tempo, espaço, cultura, língua, objetivo maior, contexto histórico, características dos autores, inclusive quanto ao estilo, ao conteúdo e objetivo de cada livro etc. Exemplifico agora com algumas afirmações de Popper (existencialista/ neopositivista do Círculo de Viena/adepto da teoria reprodutora tecnológica), preocupado em se contrapor a Marx e sua opção,

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segundo ele, pela teoria moral historicista (POPPER, 1996), citando Macmurray (1938):

Parece haver muitos que admitiriam boa parte disso, insistindo que a mensagem do cristianismo é para os humildes, mas que mesmo assim acreditam que essa mensagem é historicista. Um exemplo destacado dessa visão é J. Macmurray, que, em The Clue to History, encontra a essência dos ensinamentos cristãos na profecia histórica e que vê em seu fundador o descobridor de uma lei dialética da “natureza humana”. Macmurray afirma que, de acordo com essa lei, a história política tem inevitavelmente que resultar na “comunidade socialista mundial”. As leis fundamentais da natureza humana não podem ser desobedecidas... Os mansos herdarão a terra. Esse historicismo, porém, ao substituir a esperança pela certeza, leva necessariamente ao futurismo moral. “A lei não pode ser desobedecida”. Portanto, podemos ter certeza, sobre bases psicológicas, de que qualquer coisa que façamos irá levar ao mesmo resultado; que mesmo o fascismo tem necessariamente que levar, no fim, àquela comunidade; de modo que o resultado final não dependa de nossa decisão moral e que não precisamos nos preocupar com nossas responsabilidades. Se nos dizem que podemos estar certos, sobre bases científicas, de que “os últimos serão os primeiros”, o que mais é isso se não a substituição da consciência pela profecia histórica? Essa teoria não chega perigosamente perto (certamente contra as intenções do seu autor) da advertência: “seja sensato e leve a sério o que o fundador do cristianismo lhe diz, porque ele foi um grande psicólogo da natureza humana e um grande profeta da história; junte-se aos mansos a tempo, porque de acordo com as inexoráveis leis

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científicas da natureza humana, não existe caminho mais seguro para terminar por cima”! Essa chave da história implica o culto do sucesso, implica que os mansos estarão justificados porque serão os vencedores. Ela transcreve o marxismo e especialmente aquilo que eu descrevi como a teoria moral historicista de Marx para a linguagem de uma psicologia da natureza humana e da profecia religiosa. É uma interpretação que, por implicação, vê como o maior feito do cristianismo o fato de que seu fundador foi um precursor de Hegel -- e superior a ele, admite-se (POPPER, 1996, p. 229 e 230).

Por um lado, quando Popper diz que: a) “Parece haver muitos que admitiriam boa parte disso, insistindo que a mensagem do cristianismo é para os humildes, mas que mesmo assim acreditam que essa mensagem é historicista”, pronuncia-se com consistência em parte do que evidencia, pois humildade, por exemplo. No contexto da fala de Cristo não se refere aos “humildes” no sentido de poder aquisitivo, até porque homens de grande poder aquisitivo também eram seus discípulos (José de Arimatéia e Nicodemos, por exemplo, que também eram da elite intelectual e pertenciam ao senado hebreu) e tampouco de que são ignorantes e passivos (confunde-se também “mansidão” com passividade), aceitando tudo o que lhes é imposto, o que é uma afronta aos doutos apóstolo dos gentios, Paulo e João, o denominado discípulo amado, citados por Chauí, como autores de uma filosofia ímpar. Acrescento que esses apóstolos foram corajosos oponentes a Nero e Domiciano, Imperadores Romanos sanguinários, Paulo foi sentenciado, à morte por decapitação e o João, à prisão perpétua na Ilha de Patmos, sujeito a trabalhos forçados, além de milhares de outros mártires cristãos que foram executados justamente por não aceitarem a violação da consciência, o

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direito de exercerem livremente suas convicções, rejeitando o paradoxo da reação violenta. Desafiaram Roma Pagã e mais tarde Roma papal, agora associada com o Estado, que deveria ser laico, processo iniciado com a pseudo conversão do Imperador Constantino (Império Romano do Ocidente) e seu decreto dominical editado em 7 de março de 321 (d.C), quando já manifesta, também, sua preocupação com o capital e o trabalho, in verbis:

Devem os magistrados e as pessoas residentes nas cidades repousar, e todas as oficinas ser fechadas no venerável dia do Sol. No campo, entretanto, as pessoas ocupadas na agricultura podem livre e licitamente continuar suas ocupações; porque acontece muitas vezes que nenhum outro dia se lhe assemelha para a semeadura de sementes ou para a plantação de vinhas; tememos que, pela negligência do momento apropriado para tais operações, as bênçãos celestiais sejam perdidas (Promulgada aos 7 dias de março, sendo Crispo e Constantino cônsules pela segunda vez cada um) – Codex Justinianus, liv. 3, tit. 12 e 13; traduzido em PHILIP SCHAFFF, D. D., History of the Christian Church (vol 7 da edição, 1902). (Vol. III, p. 380).

Já que a “humildade” e a “mansidão” dos discípulos de Cristo resistia a séculos de perseguições sanguinárias, pela coragem e exemplo coerente das convicções assumidas, a melhor estratégia era “conciliar” interesses pagãos e cristãos, para que houvesse harmonia no Império, associando-se política de Estado, obviamente permeada por interesses econômicos, com a da Igreja Oficial, que estava construindo suas tradições, que gradualmente se tornaram mais relevantes e praticadas que os princípios do cristianismo que diz representar, como os protestantes apostatados e, à exemplo dos judeus, que fizeram o

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mesmo em relação à Torah (Lei)), para praticar o conjunto de regras do Talmud (tradições).

Verifica-se então que o Imperador Constantino estabeleceu um dia de repouso semanal (dies Solis = dia do Sol, o primeiro dia da semana, portanto o domingo) comum para pagãos e cristãos, estes os que renunciaram à pureza do cristianismo apostólico e passaram a praticar as tradições impostas pela Igreja oficial, que incluía tal observância, corroborada em decisão eclesiástica no Concílio de Laodicéia (336 d.C.), fato também evidenciado por Marx (1971) em uma outra abordagem, esta pertinente à voracidade do capitalismo inglês, que buscava no protestantismo apostatado a justificativa para suas barbáries, como se enuncia a seguir, em nota de rodapé (104):

Nos distritos rurais ingleses, às vezes um trabalhador é condenado à prisão por ter profanado o domingo, trabalhando no jardinzinho de sua casa. O mesmo trabalhador é punido por violação de contrato, se falta ao trabalho, aos domingos, nas usinas metalúrgicas, nas fábricas de papel ou de vidro, mesmo que seja por convicção religiosa. O Parlamento ortodoxo não têm ouvidos para a profanação religiosa dos domingos, se é praticada com o fim de expandir o capital [...] (MARX, 1971, p. 300).

Os interesses políticos e capitalistas e suas armas

conflitam com os princípios mais elementares do cristianismo. Popper, citando Macmurray, fala em “comunidade socialista mundial” e associa o ideário marxista ao cristianismo (reporto-me a isso nas Considerações Finais), e para escândalo de muitos, afirmo que há semelhanças quanto à historicidade como método de interpretação do Cânon Sagrado, mas há conflitos quanto aos meios para se chegar aos fins, ou seja, para

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o cristianismo autêntico, “os fins não justificam os meios”, pois a revolução armada é incompatível com o cristianismo (Gandhi, que não era cristão, mas evidenciava os ensinos de Cristo, e pregava o respeito a todo tipo de religiosidade, à convivência pacífica entre pessoas de profissões de fé diferentes, sendo esta a causa principal de seu assassinato, libertou a Índia do domínio britânico sem apelar para tanto) e, diga-se de passagem, as cruzadas contra os mulçumanos para a retomada da “Terra Santa” foi decisão da Igreja Oficial mancomunada com os Estados da época.

Por outro lado, quando Popper nega a historicidade como critério basilar na compreensão e interpretação do conteúdo das Escrituras Sagradas Hebraicas, como já mencionei, contesto-o, e quanto a isso reconheço em Marx a validade da análise histórica, do processo histórico. Popper, contrapondo-se a Macmurray, também afirma que: b) “Portanto, podemos ter certeza, sobre bases psicológicas, de que qualquer coisa que façamos irá levar ao mesmo resultado; que mesmo o fascismo tem necessariamente que levar, no fim, àquela comunidade; de modo que o resultado final não depende de nossa decisão moral e que não precisamos nos preocuparmos com nossas responsabilidades”, contestação que procede, considerando que bases psicológicas, ações desordenadas e a ideologia fascista não fundamentam o cristianismo, pelo contrário, este a abomina, aliás, quanto a última, este a precede em centenas de anos, de acordo com a sua fonte, o que não exclui a interpretação histórica, por Popper repudiada, compreensivelmente, pois seu paradigma conflita com o de Marx (existencialista/comunista, adepto da teoria transformadora comunista, como teoria pedagógica), embora ambos estão inseridos no mesmo eixo (existencialista/ artificialista), mas divergem substancialmente quanto ao modelo de homem.

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Popper, ao mencionar a transcrição do marxismo e especialmente na teoria moral historicista de Marx, na realidade, está estabelecendo uma relação entre o marxismo e o tomismo, e registre-se que Tomás de Aquino, na obra Suma Teológica, utiliza-se da filosofia aristotélica para apresentar as evidências da existência de Deus, o que inclui a ordem moral, impossível de ser herdada dos animais, pois estes são irracionais. Alegar que Cristo foi precursor de Hegel, é tributar a este uma dimensão exacerbada e equivocada, pois o cristianismo é universal, mas possui uma singularidade incomparável.

Complementando meus argumentos que corroboram a improcedência de muitas abordagens referentes à teologia hebraica e cristã, confundindo os leitores menos rigorosos na síncrese, análise e síntese exigidas, apresento a citação abaixo, extraída da Revista Jurídica Discente da UNIVAG, uma coletânea de artigos escritos por acadêmicos do Curso de Ciências Jurídicas (Direito), com o apoio dos respectivos professores orientadores, constante nas Referências:

A revelação das Escrituras não apenas está em algumas partes em oposição direta à moralidade do cristianismo moderno, como também é contraditória em si, a revelação na criação. Dentre as várias contradições que existem nas Escrituras citamos as mais importantes para ilustrar esta idéia: Gênesis 20, 12 que diz: “Sara, mulher de Abraão, é sua meia-irmã, filha do pai dele, embora não de sua mãe”. Mas no Levítico (18,9; 20,17) e no Deuteronômio (27,22), diz que a relação sexual de um homem com sua meia-irmã é absolutamente proibida e um grande pecado. (Revista Jurídica Discente do UNIVAG, p. 20).

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Verifico em tal afirmação, equívocos expressivos, que não deveriam constar em uma publicação acadêmica, mas que não são exceções, pelo contrário, se constituem em regras, considerando a superficialidade adotada, principalmente pelo uso de citações igualmente improcedentes, e por quê? As contradições das Escrituras, na realidade, são aparentes, mas em seu todo orgânico, não existem. O leitor apressado não leva em consideração as exigências metodológicas para sua leitura e não usa as produções especializadas de apoio, para compreendê-las. Cometem-se erros ao ler obras comuns, que dizer da leitura do livro mais antigo do mundo, com conteúdos históricos, poéticos, proféticos etc., escrito por aproximadamente quarenta autores, com formações distintas e estilos peculiares, em um espaço de tempo de aproximadamente mil e seiscentos anos, nas línguas hebraica (pequenas partes em aramaico) e grega, traduzidas em mais de mil línguas e dialetos, algumas delas com conteúdos comprometidos em relação ao original?

Quando o autor menciona a união de Abraão e sua meia-irmã, Sara, como um exemplo de contradição, pois havia a proibição de uniões deste tipo, ele omite três realidades distintas: 1ª) Abraão não era hebreu, era caldeu (babilônio), mudou-se de Ur, na Caldéia para a chamada Canaã, procedia de uma civilização em sua essência pagã, portanto não praticava o judaísmo e nem o cristianismo, pois ambos não existiam, e tal prática para aqueles povos semíticos era comum; 2ª) Abraão e seus descendentes, principalmente Israel e seus filhos, deram origem ao povo hebreu, séculos depois (aproximadamente mil e quinhentos anos antes de Cristo), e a revelação da ordem moral foi gradual, consubstanciando-se, mais tarde, no decálogo divino e na legislação mosaica escrita, parte dela cerimonial e temporária, e parte dela introduzida para a transição entre o “que era” (herança do cativeiro egípcio) e o “que seria” (estabelecimento na chamada terra prometida); 3ª) o livre

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arbítrio, concedido aos seres humanos, no caso a cada hebreu, implicava tomada de decisões que não significavam necessária e obrigatoriamente a vontade divina, e não se deve confundir tolerância com aprovação, aliás muito bem exemplificada na esfera doméstica, onde muitas vezes os pais toleram determinadas atitudes dos filhos, obviamente dentro de limites estabelecidos, que pessoalmente não aprovam, mas não violam a consciência dos mesmos e não impõem seu modus vivendi.

Um outro lapso do autor foi utilizar uma tradução das Escrituras Sagradas Hebraicas, que inclui livros apócrifos (citou I Enoque 58:5), que não constam no Cânon Sagrado Hebraico, uma evidência de que a tradução também ficou comprometida. Poderia estender-me mais sobre a citação feita, mas creio que o comentado é suficiente para subsidiar o que me propus fazer.

Finalmente, para ilustrar com alguns textos sagrados hebraicos, e não há como ignorá-los por mais que os críticos procurem invalidá-los, pois ainda que considerem sua procedência no máximo em duzentos anos antes de Cristo (Manuscritos do Mar Morto, conforme as Referências), estes trazem revelações que a Ciência só veio conhecer muito tempo depois, tais como: 1. esfericidade da Terra (Jó 1:7 e 2:2 e Is. 40:22); 2. “sustentação” da Terra (Jó 26:6); 3. pressão atmosférica (Jó 28:25), além de vários outros com revelações históricas muito anteriores às descobertas arqueológicas, que aliás, as confirmaram, como a existência dos hititas e sua tecnologia com o ferro; de Sargom, rei assírio; da ascensão e queda de reinos antigos (Babilônia, Medo-Persa, Grécia e Roma), como também revelações sobre os ciclos temporários da posse da terra (jubileu), o código sanitário hebraico, o regime alimentar, a longevidade e a qualidade de vida do povo hebreu, incomparável em relação a outros povos antigos etc.

Tais revelações históricas levaram pensadores dos mais variados ramos do conhecimento humano a assumirem uma

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postura de investigação sem preconceitos das Escrituras Sagradas Hebraicas, como por exemplo: Leonardo da Vinci, Geórgias Agrícola, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Francis Bacon, Blaise Pascal, Robert Boyle, Isaac Newton, Gottfried Wilhelm Leibnitz, Caroline Herschel, Bartolomeu de Gusmão, Maria Gaetana Agnesi, Georges Cuvier, Maria Mitchell, Gregor Mendel, Louis Pasteur, George Washington Carver, William Ramsay, Carlos Chagas Filho e Wernher von Braun, citados por Rodrigo P. Silva, na obra “Eles criam em Deus – Biografias de cientistas e sua fé criacionista”, constante das Referências, alguns talvez desconhecidos para os leitores, outros que os surpreendem, e diga-se de passagem, não se confundam as Escrituras Sagradas Hebraicas com a Tradição da Igreja, pois naquelas, em momento algum se afirma que a Terra não é esférica ou que é o centro do sistema solar (geocentrismo), pelo contrário, a antecipa como já foi mencionado. A Igreja Oficial, pela Tradição, obrigou Galileu Galilei a se retratar, sob pena de se submeter à “Santa Inquisição”. A esfericidade da Terra era conhecida por Cristóvão Colombo, que acreditava chegar às Índias pela circunavegação. É por esta (aplicação da Tradição da Igreja Oficial), e outras razões, que tais Escrituras são tidas como indignas de serem pesquisadas pelos que não procuram por si mesmos, examiná-las com profundidade, no máximo entendem ser o papel exclusivo dos teólogos e arqueólogos.

7. Considerações Finais

Entendo que subsidiei os leitores para observarem a existência de citações improcedentes, de interpretações superficiais e equivocadas, pertinentes à teologia hebraica e cristã e a sua aplicação, principalmente porque seus autores não buscaram os conhecimentos na fonte, com o rigor e a isenção

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exigidos, o que inclui procedimentos metodológicos adequados.

Concordo plenamente que o ensino, a pesquisa e a extensão na universidade não podem ser dissociados, aliás é pressuposto constitucional federal (Art. 207, CF, 1988 c/ a EC 11/96), porque envolve o conhecimento multidisciplinar, transversal, interdependente, todavia devem ser desenvolvidos com consistência teórica, embasamento científico e objetividade, partindo do simples para o complexo, do concreto para o abstrato e do próximo para o distante, não se omitindo quanto às matérias de conteúdo aparentemente considerado exclusivamente subjetivo, ou atribuindo-lhes uma dimensão restrita, arbitrária, que não justifique uma investigação transparente, sem preconceitos. Com tal perfil. O ensino e a pesquisa na universidade serão sim, universais, singulares e imparciais.

Diante do exposto, indago: é possível ignorar ou banir do ensino e da pesquisa, sob o ponto de vista acadêmico, o modelo criacionista, por exemplo, sem se deter na religiosidade do povo hebreu, a possibilidade do debate, da investigação, como forma de eliminar o preconceito, a superficialidade e a parcialidade? Creio que sim. Há muito tempo venho pesquisando a matéria, para não incorrer nos erros de muitos. Opto por convicções consistentes, racionais. Posso afirmar que Marx, por exemplo, guardadas as devidas proporções e banida a análise conspiratória, desejava um mundo mais justo, mais humano, diametralmente oposto ao vigente, onde impera o capitalismo desalmado, humilhante, que reduz o homem a escravo do capital e do trabalho, ou do consumo. Acredito que a nova ordem prevista nas Escrituras Sagradas Hebraico/Cristãs, aqui mesmo na Terra, de forma material, superará as expectativas do mais apaixonado marxista, obviamente não por sua ótica, mas se temos o mesmo ideal, nos dediquemos ao consenso, tanto quanto possível. Vale a pena

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refletir no objetivo maior, ainda que os caminhos sejam distintos, e cada um fez e faz a sua opção, mas uma prevalecerá e tal objetivo será atingido, melhor que o esperado.

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AVALIAÇÃO COGNITIVA E CRIATIVIDADE: ESTUDOS DE CASO DE CRIANCAS COM

DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM

Tatiane Lebre Dias Sônia Regina Fiorim Enumo

Claudia Patrocínio Pedroza Canal

RESUMO: Há baixas expectativas de desempenho cognitivo e criativo em alunos com dificuldade de aprendizagem (DA), situação esta agravada pelos problemas de definição e avaliação dessas áreas. Nesse sentido analisou-se a contribuição de dois procedimentos de avaliação cognitiva – tradicional e assistida, em 4 alunos das séries iniciais de uma escola publica de Vitória/ES, sendo que dois alunos foram submetidos a um programa de promoção da criatividade. As diferenças entre os alunos mostraram o efeito do programa e a adequação desses procedimentos na avaliação e intervenção nas áreas cognitiva e da criatividade nesses alunos.

PALAVRAS-CHAVE: Criatividade, Dificuldade de Aprendizagem, Avaliação. ABSTRACT: Have decreases expectations of cognitive and creative performance in students with learning difficulty (LD), situation this aggravated by the definition problems and assessment of these areas. In this direction it was analyzed contribution of two procedures of cognitive assessment - traditional and assisted, in 4 students of the public school of Vitória/ES, being that two students had been submitted to a program of promotion of the creativity. The differences between the students had shown to the effect of the program and the adequacy of these procedures in the assessment and intervention in the areas cognitive and of the creativity in these students.

Key words: Creativity; Learning Difficulty; Assessment

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O contexto educacional brasileiro enfrenta no mínimo dois grandes problemas. O primeiro relaciona-se aos baixos resultados nas avaliações de desempenho dos alunos em áreas básicas do ensino, como Português, Matemática e Ciências feitas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP, 2003). O outro diz respeito ao pequeno atendimento do grande contingente de alunos com necessidades educativas especiais (NEE)1: 5,99% da população com NEE freqüentam creche ou escola; 4,55% das crianças com NEE em idade escolar freqüentam o Ensino Fundamental; e 2,59% daquelas com NEE em idade pré-escolar estão na pré-escola, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2003).

Embora exista uma prestação de serviço a esses alunos, Batista e Enumo (2004) destacam as dificuldades encontradas na inclusão escolar dessas crianças, a começar do processo de diagnóstico dos casos de dificuldade de aprendizagem até a falta de capacitação profissional dos professores para atender pedagógica e psicologicamente essa população.

Em especial, a ausência de diagnóstico preciso em relação à dificuldade de aprendizagem (DA) revela que o problema se encontra na avaliação. Evidencia-se, pois a necessidade de desenvolver e aperfeiçoar o processo de avaliação dessas crianças, tendo em vista sua integração e o atendimento educacional. Nesse sentido, tem sido grande o esforço dos pesquisadores para ampliar o conhecimento sobre as dificuldades de aprendizagem e para buscar meios de

1 De acordo com a Secretaria de Educação Especial (MEC, 1994), a pessoa portadora de necessidades especiais “[...] apresenta, em caráter permanente ou temporário, algum tipo de deficiência física, sensorial, cognitiva, múltipla, condutas típicas ou altas habilidades, necessitando, por isso, de recursos especializados para desenvolver mais amplamente o seu potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades, No contexto escolar, costumam ser chamadas de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais” (p. 22-23).

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diagnosticar e intervir junto às crianças com DA (FONSECA, 1995, 1998; GARCIA, 1998).

Face às inúmeras definições de DA, Fonseca (1995) e Garcia (1998) constataram que tem sido consensualmente adotada a definição proposta pelo National Joint Committee on Learning Disabilites (NJCLD) do Estados Unidos da América, entidade que entende a dificuldade de aprendizagem como:

[...] um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos que se manifestam por dificuldades significativas na aquisição e uso da escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Esses transtornos são intrínsecos ao indivíduo, supondo-se devido à disfunção do sistema nervoso central, e podem ocorrer ao longo do ciclo vital. Podem existir, junto com as dificuldades de aprendizagem, problemas nas condutas de auto-regulação, percepção social e interação social, mas não constituem por si próprias, uma dificuldade de aprendizagem. Ainda que as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições incapacitantes (por exemplo, deficiência sensorial, retardamento mental, transtornos emocionais graves) ou com influências extrínsecas (tais como as diferenças culturais, instrução inapropriada ou insuficiente), não são resultado dessas condições ou influências (apud FONSECA, 1995, p. 71).

As tentativas de avanços no campo conceitual da DA, no sentido de se adotar uma definição consensual, diminuindo a heterogeneidade conceitual, conduzem a importantes avanços para a área. Essa busca de clarificação expande-se também para o processo de avaliação da DA.

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No contexto de avaliação da DA observam-se dois pensamentos bastante divergentes quanto ao uso dos testes de QI. O primeiro deles considera as limitações dos testes de QI, uma vez que estes não identificam a natureza precisa da DA. Nessa perspectiva, Siegel (1989) considera que os testes de QI fornecem informações sobre habilidades cognitivas, de modo que o baixo desempenho apresentado por crianças nesses testes não significa que não possam aprender a ler ou escrever. Ainda, Graham e Harris (1989) salientam que o julgamento do profissional deve apoiar-se numa avaliação multifacetada e na constatação de que os valores de QI são usados inapropriadamente, como um “bode expiatório” para a superidentificação e uma identificação errônea da dificuldade de aprendizagem.

Na outra extremidade, Torgesen (1989) considera o uso do QI relevante para a definição de DA. Com base nos resultados de pesquisa com crianças que apresentam dificuldades na área de leitura, salienta que a separação de grupos por QI permite demonstrar as vantagens de certos procedimentos educacionais que são menos benéficos para crianças com baixo nível geral de inteligência.

Almeida (1996), por sua vez, considera impossível o diagnóstico e a prevenção de problemas e dificuldades individuais sem a aplicação de instrumentos de medida adequados, inclusive na área da dificuldade de aprendizagem. Para esse autor, os testes de inteligência continuam sendo medidas preditivas de sucesso do indivíduo na escola, sendo que a margem de erro na tomada de decisões baseadas em resultados dos testes é menor que na tomada de decisões feitas sem sua utilização.

Além da problemática apresentada quanto à definição e avaliação da DA, o que mais chama a atenção é a percepção do desempenho por parte dos pais, professores e da própria criança, o qual, geralmente, é associado a baixas expectativas

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de êxito escolar. Assim, fica evidente que, para essas crianças, é reservada pouca margem de sucesso em termos de potencial para aprender, ou mesmo de talento a ser desenvolvido. Desse modo, pode-se questionar se crianças com DA têm comportamentos criativos, e, ainda, da possibilidade de promover, nessas crianças, a criatividade.

Assim como ocorre na área da DA, a definição e a avaliação da criatividade são tarefas complexas, pelo fato de se situarem num campo multidimensional. Apesar de haver diferenças nas definições de criatividade, os avanços das investigações nessa área favoreceram a criação de quatro categorias presentes nas definições atuais (CUNHA, 1977; EYSENCK, 1999; KNELLER, 1998; NOVAES, 1972; WECHSLER, 1998), a saber: 1) a pessoa que cria (temperamento, hábitos, valores, atitudes emocionais, por exemplo); 2) os processos mentais ou o processo criador (motivação, percepção, pensamento criador, comunicação, entre outros); 3) as influências ambientais e culturais (condicionamento educativo e cultural); e 4) o produto ou produto criador (invenções, teorias e obras artísticas).

A existência dessas categorias na definição de criatividade favoreceu um desenvolvimento teórico sobre a temática, permitindo, por um lado, uma compreensão melhor do que seja a criatividade e, por outro, tornando-a mais abrangente e dinâmica, uma vez que novos elementos foram a ela incorporados, por exemplo, a importância do ambiente tanto no desenvolvimento quanto no bloqueio da criatividade. Nesse sentido, salienta-se a importância do ambiente escolar, principalmente para a forma como a escola usa potencialmente a informação visando ao desenvolvimento criativo de seus alunos e as características do nível de idade na orientação do talento criativo (TORRANCE, 1962).

No que se refere à avaliação da criatividade, este tem sido um tema de constante preocupação aos pesquisadores da

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área. Alencar (1996), ao realizar uma revisão das medidas da criatividade, listou os seguintes instrumentos disponíveis nessa área: testes de pensamento divergente; inventários de atitudes e interesses, de personalidade e biográficos; nomeação por professores, pares e supervisores; julgamento de produto; auto-registro de atividades e realizações criativas. Dentre as medidas de avaliação e desenvolvimento das habilidades criativas, destaca-se, no país, os programas de treinamento da criatividade e os efeitos positivos desses programas em diferentes populações (ALENCAR, 1975; PEREIRA, 1996; WECHSLER, 1987).

Uma vez que se observa a complexidade do processo de avaliação desses dois constructos teóricos, novas abordagens buscam responder às questões sobre o tipo de avaliação que pode melhor demonstrar o funcionamento do aprendiz. Nesse aspecto, uma nova abordagem de avaliação denominada “avaliação dinâmica”, “assistida” ou “interativa” surgiu visando a detectar potencialidades cognitivas, especialmente em indivíduos portadores de necessidades educativas especiais (FERRIOLLI at al 2001, FONSECA; CUNHA; ENUMO 2002, HAYWOOD; TZURIEL 2002, SANTA MARIA; ESCOLANO; GERA 1998, STERNBERG; GRIGORENKO 2002).

O paradigma da avaliação assistida baseia-se na teoria de Vygotsky, psicólogo russo (1896-1934) que introduziu o conceito de testagem dinâmica na Psicologia Moderna. Um dos fatores principais dessa abordagem centra-se na interação entre o mediador e a criança, tomando por base suas proposições a respeito da concepção de desenvolvimento potencial, a partir da definição de zona de desenvolvimento proximal, concebida como:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução

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independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiro mais capazes (VYGOTSKY, 1991, p. 97).

Como explica Tzuriel (2000), a avaliação assistida “[...] refere-se a uma avaliação do pensamento, da percepção, da aprendizagem e da solução de problema por um processo de ensino ativo dirigido para uma modificação do funcionamento cognitivo” (p. 180). Nessa perspectiva, o objetivo da avaliação assistida é identificar o desempenho potencial. Assim, durante o processo de avaliação, inclui-se a assistência do examinador ou mediador, feita por meio do fornecimento de pistas, instrução passo-a-passo, demonstração, sugestão etc (LINHARES, 1995, 1998).

De acordo com a revisão de Linhares (1995, 1998), as provas assistidas são organizadas em fases, sendo: a) fase inicial, sem ajuda (SAJ), em que o examinador se mantém neutro, oferecendo apenas as instruções iniciais, sem auxílio adicional; b) fase de assistência (ASS), que compreende a assistência propriamente dita, em que o examinador oferece novas instruções, visando a melhorar as condições da tarefa e a observar se há melhoria no desempenho; c) fase de manutenção (MAN), na qual a ajuda é suspensa, retornando-se à condição inicial, na qual o examinando realiza a tarefa sozinho; e d) transferência (TRF) (fase opcional) em que se procura obter uma estimativa de generalização de aprendizagem, principalmente no que se refere às estratégias de solução de problema. A fase de assistência pode ser organizada de duas maneiras, com gradiente de intervenção, no qual é estabelecida uma série limitada e hierarquizada de pistas e níveis de ajuda de acordo com as necessidades do examinando, e sem gradiente

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de intervenção, sendo oferecida ajuda de modo intensivo, não-estruturado.

Como se nota, a avaliação assistida difere grandemente da avaliação tradicional, uma vez que esta opta por isolar a criança de seu contexto, enfatizar o produto da aprendizagem e o que a criança sabe fazer por si mesma, ressaltar mais os resultados da aprendizagem do que as estratégias cognitivas e metacognitivas usadas pela criança (LUNT, 1994).

A partir dessas perspectivas, observa-se que as duas abordagens de avaliação (assistida e tradicional) têm, subjacentes às suas orientações teórico-metodológicas, diferentes concepções do funcionamento intelectual.

Com base no exposto acima, o presente trabalho verificou a aplicabilidade desses dois procedimentos de avaliação (assistida e tradicional) através de estudos de casos de crianças com dificuldade de aprendizagem submetidas a intervenção na área da criatividade.

Método Participantes

Participaram 34 alunos com DA, freqüentando a 2ª e 3ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública de Vitória, ES, sendo 20 meninas e 14 meninos (idade média: 9 anos e 4 meses). Aleatoriamente, esses 34 alunos forma divididos em grupo experimental (GE, n = 17; 9 meninas e 8 meninos) e controle (GC, n = 17; 11 meninas e 6 meninos), sendo GE submetido a um programa de promoção da criatividade.

Desses 34 alunos, foram selecionados 4 alunos, sendo dois do GE (um menino, aluno nº 7, 2ª série, 8 anos e 5 meses; uma menina, aluna nº 16, 3ª série, 9 anos e 1 mês) e dois alunos do GC (um menino, aluno nº 18, 2ª série, 8 anos e 6 meses; uma menina, aluna nº 34, 3ª série, 9 anos e 4 meses). O critério para selecionar os alunos foi o resultado “limítrofe” no WISC

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(inteligência geral) no pré-teste obtido somente por dois alunos, sendo um de cada grupo, e o resultado “superior e acima da média” no Raven (raciocínio analógico) no pré e pós-teste, obtido por um aluno do GE e um aluno do GC.

A coleta de dados e a intervenção foram feitas na própria escola, escolhida por apresentar o maior número de alunos com DA, segundo a Secretaria Municipal de Educação de Vitória (1999). A seleção dos 34 alunos foi realizada a partir dos resultados no Teste de Desempenho Escolar – TDE, que avaliou as habilidades de leitura, escrita e aritmética e no WISC, que avaliou a inteligência geral. Com base nesses resultados realizou-se tratamento estatístico para selecionar os alunos. Instrumentos

Os instrumentos da avaliação tradicional foram: a) Teste de Desempenho Escolar – TDE (STEIN, 1994), instrumento psicométrico brasileiro que avalia as capacidades básicas para o desempenho escolar, nas áreas da escrita, aritmética e leitura. Para as séries avaliadas, tem-se a seguinte classificação para a pontuação de acertos: 2ª série (inferior: ≤86; média: 87-105; superior: ≥106), 3ª série (inferior: ≤101; média: 102-112; superior: ≥113). Esse instrumento foi utilizado para composição da amostra e no pré e pós-teste; b) WISC (WECHSLER, 1964), que visa avaliar o nível intelectual de indivíduos de 5 a 15 anos e 11 meses; foi aplicado em 10 subtestes, divididos em verbal e execução, sendo utilizado para composição da amostra e no pré e pós-teste; c) Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial (MPC) (ANGELINI at al, 1999), avalia a habilidade de estabelecer relações analógicas em crianças entre 5 e 11 anos de idade; d) Testes Torrance de Pensamento Criativo – Torrance Tests of Creative Thinking (TORRANCE, 1990), visam a avaliar habilidades criativas de fluência, flexibilidade e originalidade, em duas formas: Verbal e Figurativa.

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O instrumento para a avaliação assistida foi o Jogo de Perguntas de Busca com Figuras Diversas – PBFD -, elaborado por Gera e Linhares (1998) a partir do Game of Twenty Questions (MOSHER; HORNSBY, 1966) e do Jogo de Perguntas de Busca com Figuras Geométricas (LINHARES, 1991, 1996). O PBFD é constituído por 168 desenhos de figuras coloridas, organizadas em 21 arranjos de 8 figuras casas, sendo os arranjos: a) figuras geométricas, b) flores, c) homens, d) cachorros, e) sorvetes, f) meios de transportes, g) casas e h) talheres (GERA, 2001). O jogo visa a investigar as estratégias utilizadas pelas crianças na elaboração de questões de busca de informação com restrição de alternativas em situação de resolução de problemas. A criança deverá adivinhar qual a figura de cada arranjo o examinador selecionou como figura-alvo, por meio de formulação de perguntas de busca e por raciocínio de exclusão de alternativa, podendo o examinador responder apenas sim ou não. O jogo está dividido em quatro fases: fase inicial sem ajuda (SAJ – 4 arranjos) – sem ajuda do examinador, de modo a avaliar o desempenho real; fase de assistência (ASS – 8 arranjos) – recebe-se ajuda do examinador, visando avaliar o desempenho potencial; fase de manutenção (MAN - 4 arranjos) – suspende-se a ajuda a fim de se saber se as estratégias de perguntas e o raciocínio de exclusão se mantêm; fase de transferência (TRF – 4 arranjos) – avalia a generalização da aprendizagem quanto ao uso de estratégias de perguntas de busca com raciocínio de exclusão. No jogo, as perguntas podem ser do tipo: relevante (específica um dos atributos dos estímulos, ex: O cachorro está com orelha para cima?), irrelevante (menciona atributos desnecessários, ex: É grande? Após ter perguntado se era pequeno), repetida (repete pergunta já formulada), incorreta (menciona um atributo inespecífico, ex: Qual é a cor?).

A intervenção foi realizada através do Programa de promoção da criatividade, que teve por objetivo: a) promover o

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desenvolvimento de habilidades do pensamento criativo (exemplo: uso da imaginação, da fantasia); b) promover o desenvolvimento de habilidades cognitivas no âmbito geral (exemplo: analogias e semelhanças, soluções de problemas); c) desenvolver atitudes afetivo-motivacionais, e d) assegurar a promoção de um ambiente diferenciado do contexto escolar. O programa foi composto por 25 atividades, selecionadas a partir de sugestões contidas nos trabalhos de Alencar (2000), Virgolim Fleith e Pereira (1999) e Wechsler (1998), sendo desenvolvidas em grupo ou individualmente. Procedimento

A pesquisa foi realizada nas seguintes etapas: 1) pré-teste: Após seleção da amostra através dos resultados do TDE e do WISC, foram aplicadas as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial em grupo de 8 alunos, pela pesquisadora. Posteriormente, realizou-se a avaliação da criatividade através dos Testes Torrance de Pensamento Criativo, aplicado em 2 sessões em grupo de 10 alunos. E, por último, aplicou-se o instrumento assistido o PBFD, individualmente, sendo as sessões filmadas e posteriormente transcritas; 2) intervenção: aplicou-se o programa de promoção da criatividade em 25 sessões, executadas três vezes por semana, com tempo médio de 60 minutos, sendo uma sessão no turno matutino (8-9 horas da manhã) com 9 alunos (4 meninos), no vespertino (14-15 horas) com 8 alunos (4 meninos). As sessões foram filmadas; 3) pós-teste: os alunos foram reavaliados seguindo a mesma ordem e procedimento de aplicação dos instrumentos tradicional (TDE, WISC, Raven, Testes Torrance de Pensamento Criativo) e assistido (PBFD).

Resultados

As avaliações tradicional e assistida têm diferentes pressupostos teóricos, assim como concepções diferenciadas

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sobre o desempenho das crianças nos testes. Para visualizar essas diferenças, serão apresentados os resultados individualizados de 4 alunos nas avaliações (tradicional e assistida).

Primeiramente, foram selecionados o aluno nº 7 GE e o aluno nº 34 GC, que obtiveram no TDE classificação inferior e, no WISC, obtiveram igualmente classificação limítrofe, sendo os únicos alunos da amostra a apresentarem essa classificação. No Raven (MTC), esses alunos tiveram uma classificação média para a capacidade de raciocinar por analogia, aproximando-se dos demais alunos dos seus grupos (Tabela 1).

Na avaliação assistida realizada pelo PBFD, no pré-teste, ambos os alunos obtiveram perfil de desempenho ganhador, isto é, durante a avaliação beneficiaram-se da assistência da examinadora em relação ao uso de estratégia eficiente de formulação de questões na resolução de problema.

O desempenho similar dos alunos nos resultados das avaliações, até o momento, passa a se diferenciar na capacidade de generalização dessa aprendizagem: enquanto o aluno nº 7 (GE) apresentou um perfil não-transferidor, o aluno 34 (GC) foi transferidor. De modo geral, observa-se que o aluno 34 (GC), após receber ajuda, melhorou seu desempenho, a ponto de efetuar a generalização de aprendizagem. O aluno 7 (GE) também melhorou seu desempenho, comparando aos resultados iniciais; porém, no que se refere à generalização da aprendizagem, ainda apresentou dificuldades. Neste caso, fica evidente a necessidade que esse aluno tem de maior ajuda no processo de aprendizagem.

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TABELA 1 – Resultados de quatro alunos do GE e GC, nas avaliações tradicional (TDE, WISC, Raven e Torrance) e assistida (PBFD) na fase de manutenção e transferência, no pré e no pós-teste Nº G TDE WISC Raven Torrance

Verbal

Torrance

Figurativo

PBFD

MAN

PBFD

TRF

Pré Pós Pré Pós Pré Pós Pré Pós Pré Pós Pré Pós Pré Pós

7 E I I L M M M 56 58 15 22 G G N

T

NT

34 C I I L M M M 24 24 34 19 G AE T NT

16 E I I M Ms S S 44 56 25 45 G AE T T

18 C M I M Ms A A 21 42 18 25 N

M

G N

T

T

G= Grupo; I= inferior; M= médio; L= limítrofe; MS= médio superior; S= superior; A= Acima da Média; G= ganhador; NM= não-mantenedor; AE= alto-escore; T= transferidor; NT= não-transferidor.

Durante a aplicação do Programa de Promoção da Criatividade no GE, o aluno nº 7 apresentou dificuldade na área cognitiva, principalmente na habilidade de síntese. Na área afetiva, teve dificuldade na habilidade de organização, ou seja, para associar diferentes valores, resolver conflitos, o que afeta habilidades como comparar, relacionar e sintetizar valores. Na área criativa, apresentou dificuldade nas habilidades de fluência e originalidade, não realizando qualquer atividade considerada original por parte dos colegas e da aplicadora. Apresentou comportamento ‘retraído’ e algumas vezes ‘lento’ em relação à execução das atividades.

Nos Testes Torrance de Pensamento Criativo, na Forma Verbal, observa-se que, entre o pré e o pós-teste, o aluno 7 (GE), teve um pequeno aumento no total de respostas (fluência, flexibilidade e origninalidade); enquanto o aluno 34 (GC) manteve a mesma quantidade de respostas. Na Forma

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Figurativa do Teste Torrance, o aluno 7 (GE) aumentou a quantidade de respostas (fluência e originalidade), e contrariamente, o aluno 34 (GE) diminuiu expressivamente a quantidade de respostas (Tabela 1). Em outras palavras, o aluno 7 (GE) melhorou o desempenho em criatividade comparado ao aluno 34 (GC), que piorou o desempenho, no caso da Forma Figurativa dos Testes Torrance.

Após a aplicação do programa de promoção da criatividade no GE e o período de escolarização para os dois grupos, nota-se diferenças no desempenho desses dois alunos. Eles não melhoraram na área acadêmica, continuando com a classificação inferior no TDE. No WISC, melhoraram o desempenho, passando de limítrofe para classificação média. E, no Raven, mantiveram a classificação média. Com base nesses resultados, isoladamente, pode-se dizer que o período de escolarização teve efeito sobre o desempenho cognitivo geral, porém, não contribuiu para melhorar o desempenho nas habilidades acadêmicas. Do mesmo modo, pode-se considerar que, para o aluno nº 7, o Programa de Promoção da Criatividade teve poucos efeitos, embora tenha se observado um pequeno aumento na quantidade de respostas dos Testes Torrance de Pensamento Criativo nas Formas Verbal e Figurativa (Tabela 1).

No pós-teste, na avaliação assistida, o aluno 34 (GC) melhorou expressivamente seu desempenho, apresentando perfil alto-escore, enquanto o aluno 7 (GE) manteve o mesmo perfil ganhador. Em relação à generalização da aprendizagem, o aluno 7 (GE) manteve o mesmo perfil não-transferidor e o aluno 34 (GC) passou a ter perfil não-transferidor.

Os resultados da avaliação assistida revelaram as diferenças individuais entre os alunos, evidenciando que o aluno 7 (GE) manteve o mesmo perfil após intervenção, além da dificuldade para generalizar a aprendizagem. Já o aluno 34 (GC), que apresentou expressiva melhora no desempenho entre

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o pré e o pós-teste, também mostrou dificuldades na generalização da aprendizagem. Por outro lado, a intervenção teve pouco efeito no desempenho do aluno do GE, revelando que este necessita de uma intervenção mais específica, isto é, maior assistência. Para ambos os alunos, observa-se que o período de escolarização não produziu efeitos sobre o processo de aprendizagem desses alunos.

Os outros dois alunos selecionados foram: o aluno nº 16 do GE e o aluno nº 18 do GC. Esses alunos apresentaram desempenho médio e inferior no TDE: o aluno 16 (GE) obteve classificação inferior, enquanto o aluno 18 (GC) teve classificação média. No WISC, ambos obtiveram classificação média. No Raven (MPC), ambos os alunos apresentaram melhor desempenho, obtendo, o aluno 16 (GE) classificação superior e o aluno 18 (GC) classificação acima da média (Tabela 1).

Entretanto, os dados da avaliação assistida revelaram diferenças entre os alunos: enquanto o aluno 16 (GE) apresentou perfil ganhador, mostrando-se capaz de se beneficiar da assistência durante a realização da prova, o aluno 18 (GC) apresentou perfil baixo-escore, ou seja, pouco se beneficiou da ajuda da examinadora. Esses dados acompanham o desempenho no que se refere à generalização da aprendizagem: o aluno 16 (GE) obteve perfil transferidor e o aluno 18 (GC) foi não-transferidor. Em termos de potencial de aprendizagem, os resultados foram mais favoráveis ao aluno 16 (GE), e revelaram que o aluno 18 (GC) necessita de maior auxilio em situação de aprendizagem.

Durante a aplicação do Programa de Promoção da Criatividade, o aluno 16 (GE) apresentou bom desempenho nas áreas cognitiva, afetiva e criativa, sendo, por vezes, sua atividade considerada como a mais original, por parte do grupo e da aplicadora. Apresentou sempre comportamento facilitador quanto à disciplina, disposição, compreensão e execução da

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atividade, também, a conclusão das atividades foi considerada satisfatória.

Nos Testes Torrance de Pensamento Criativo, entre o pré e o pós-teste, os dois alunos aumentaram a quantidade de respostas nas Formas Verbal (fluência, flexibilidade e originalidade) e Figurativa (fluência e originalidade). Enquanto para o aluno 16 (GE) esse aumento foi maior na Forma Figurativa, o aluno 18 (GC) dobrou a quantidade de respostas na Forma Verbal. No pré-teste, o aluno 16 (GE) comparado ao aluno 18 (GC) já apresentava maior quantidade de respostas para as duas Formas, diferença esta que se manteve no pós-teste.

Decorrido o período de intervenção no GE e de escolarização para todos os alunos, verificou-se que o aluno 16 (GE) manteve a classificação inferior, no TDE, enquanto o aluno 18 (GC) passou de média para inferior. No WISC, ambos os alunos melhoraram o desempenho, passando a apresentar classificação médio-superior. No Raven (MPC), os dois alunos mantiveram o resultado obtido na primeira avaliação, tendo o aluno 16 (GE) classificação superior e o aluno 18 (GC) classificação acima da média (Tabela 1).

Assim como nos dois casos anteriores, novamente, no pós-teste, a avaliação assistida revelou diferenças individuais. O aluno 16 (GE) melhorou expressivamente o desempenho, passando a apresentar perfil de desempenho alto-escore no PBFD, isto é, apresentando, desde o início do jogo, estratégias eficientes de formulação de questões para resolução do problema; e também o aluno 18 (GC) melhorou seu desempenho, passando do perfil baixo-escore para ganhador, ou seja, passou a se beneficiar da ajuda da examinadora. Essa melhora de desempenho também esteve presente na avaliação da generalização da aprendizagem, continuando o aluno 16 (GE) com perfil transferidor e o aluno 18 (GC) passando de não-transferidor para transferidor. E, em relação à avaliação da

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transferência complexa, ambos os alunos obtiveram perfil transferidor (Tabela 1).

Por meio da avaliação assistida, pôde-se verificar que o aluno 16 (GE) e o 18 (GC) melhoraram o desempenho expressivamente, evidenciando os efeitos do programa de intervenção e do período de escolarização, respectivamente.

Considerações Finais

A partir dos resultados individualizados de quatro alunos com dificuldade de aprendizagem, submetidos a dois procedimentos de avaliação (tradicional e assistida), tendo dois alunos participado de um programa de promoção da criatividade, algumas reflexões se fazem pertinentes.

Em primeiro lugar, ao se comparar os dois procedimentos de avaliação observa-se que as diferenças individuais no desempenho dos alunos foram melhor identificadas por meio da avaliação assistida. De modo geral, a melhora verificada nos alunos para formulação de perguntas de busca (PBFD), principalmente, na fase de manutenção no pós-teste, também foi constatada por King (1991) ao observar que o treino na estratégia de questão-guiada para a solução de problemas pode facilitar os processos e os resultados. De acordo com o autor, esse sucesso ocorre, na maioria das vezes, pelo controle satisfatório de interação entre parceiros, mais especificamente pela indução de pergunta apropriada, questionamento efetivo e resposta.

As diferenças individuais, também verificadas na avaliação assistida (PBFD), na fase de transferência entre o pré e o pós-teste, mostraram que o aluno nº 7 (GE) não melhorou o desempenho, enquanto o aluno nº 34 (GC) baixou o desempenho. De modo singular, esses dados evidenciam a necessidade de mediação desses alunos no que se refere à

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capacidade de generalização da aprendizagem quanto à eficiência na elaboração de perguntas de busca.

Brownell, Mellard e Deshler (1993), ao investigarem a transferência da aprendizagem em alunos com DA, observaram que o processo de avaliação deve empregar diferentes condições instrucionais, visando a examinar o desempenho desses alunos na transferência.

Em pesquisas com população brasileira, Dias e Enumo (2004), Escolano (2000) e Ferriolli (2000) também observaram que diferenças individuais foram mais bem identificadas pela avaliação assistida, e que o efeito da intervenção é maior para os alunos com melhores recursos potenciais.

Uma segunda reflexão decorre do efeito do período de escolarização e do Programa de Promoção da Criatividade para aqueles alunos que já apresentam bom desempenho. Esse dado pode ser observado nos resultados da avaliação tradicional, nos testes de avaliação da área cognitiva (WISC e Raven) entre o pré e o pós-teste, sendo que no WISC, os alunos melhoram o desempenho, enquanto que, no Raven, mantiveram o bom desempenho.

De modo geral, pode-se notar a suscetibilidade de alunos com DA a programas de intervenção. De acordo com Licht (1988), a intervenção, assim como os métodos instrucionais são necessários tanto para investigar processos cognitivos suscetíveis à instrução em crianças com DA, quanto para testar hipóteses sobre processos não suscetíveis a instruções.

Além da intervenção, o período de escolarização, ou seja, o ambiente escolar se mostrou uma variável importante no desempenho desses alunos. Esse dado corrobora o pensamento de Torrance (1962) no que se refere ao uso da informação pela escola no desenvolvimento da criatividade.

Assim como a intervenção e o período de escolarização, não se deve ignorar a variável ambiente familiar, embora esta

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não tenha sido foco de investigação neste trabalho. Entretanto, os possíveis efeitos das variáveis do ambiente familiar sobre o desempenho acadêmico são destacados nas análises de Rutter (1985) e Marturano (1997) e também sobre a criatividade por Alencar (1995).

Uma última reflexão refere-se ao fato de que, mesmo os alunos que mantiveram ou melhoraram o desempenho na área cognitiva, contrariamente, na área acadêmica, a escolarização parece ter produzido pouco efeito sobre o desempenho nas habilidades acadêmicas. Como se observa nos resultados do TDE, entre o pré e o pós-teste, três alunos mantiveram o desempenho inferior, enquanto um aluno passou da classificação média para inferior.

No pós-teste, com os alunos cursando uma outra série escolar, de modo que foram avaliados com base no escore referente a essas novas séries escolares, os dados mostram a continuidade da dificuldade acadêmica desses alunos. Diante disso, cabe questionar sobre como o período de escolarização pode ter afetado o desempenho cognitivo dos alunos, mas não o desempenho acadêmico.

A partir das reflexões acima, o que o presente estudo tem a evidenciar é a importância que a avaliação tem nesse contexto, vindo a beneficiar não somente o aluno, mas também os professores e o próprio planejamento curricular.

A proposta de uma avaliação assistida que leve em consideração o potencial do indivíduo tem mostrado, pelas pesquisas, o quanto crianças com diferentes problemas têm se beneficiado desse tipo de abordagem (ENUMO 2005, HAYWOOD; TZURIEL 2002, TZURIEL 2001; LINHARES 1998, SANTA MARIA; LINHARES 1999).

O uso combinado de duas abordagens de avaliação (tradicional e assistida), com diferentes pressupostos teóricos subjacentes, pode, a princípio, parecer contraditório; mas, somente assim foi possível verificar a importância de ambas

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como instrumentos que permitem compreender melhor o aluno com DA. Esse aluno pôde ser visto em diferentes perspectivas, isto é, foi possível avaliar o que aprendeu até o momento, o desempenho real comparado ao de seus pares (avaliação tradicional), bem como identificar seu modo de funcionamento cognitivo (avaliação assistida). Desse modo, tentou-se mostrar que essas avaliações, usadas em conjunto, fornecem informações relevantes para o entendimento do potencial humano, como defendem Linhares (1995, 1998) e Tzuriel (2001).

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RESENHA

A TRAJETÓRIA DE UM LEGADO: REFLEXÃO E ARTICULAÇÃO

SAVIANI, Dermeval (Org). O legado educacional do século XIX. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

Arlene da Silva Gonçalves Margarita Victoria Rodríguez

O interesse em investigar o passado é uma necessidade que o historiador tem em compreender os caminhos que dão sentido aos acontecimentos do presente, levando-o a questionar e a comparar as rupturas e continuidades em espaço e tempos tão diferentes, e às vezes, tão semelhantes. Optar por uma abordagem da história, que põe em evidência as semelhanças dos objetos estudados, não se trata apenas de mera descrição das políticas ou das instituições educacionais de um determinado período, mas de resgatar e demonstrar as diferenças e multiplicidades, destacando suas especificidades, e estabelecendo as possíveis relações entre esses objetos e a totalidade histórica educacional.

Portanto, o pesquisador que se propõe a investigar a escolarização no Brasil, a organização das escolas, seus currículos, processos de aprendizagem, métodos e formação de professores contribui de forma relevante para a compreensão das reformas educacionais e sobre a história da formação docente.

Nesse sentido, o livro O Legado Educacional do Século XIX, organizado por Dermeval Saviani, com textos de Rosa Fátima de Souza, Vera Teresa Valdemarin e Jane Soares de Almeida, reúne artigos expostos no Seminário de Pesquisadores, realizado em agosto de 1997, na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara UNESP, sobre o Ensino

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Simultâneo, Método Intuitivo e a Educação Feminina. A obra visa em primeiro lugar contribuir para a compreensão das questões educacionais contemporâneas, na perspectiva histórica. Em segundo lugar, procura aprofundar estudos sobre temas educacionais, refinando conceitos e apontando um quadro geral de referências onde é situada está análise.

Os três artigos que compõem este livro abordam historicamente as formas que adotou a educação escolar brasileira durante o século XIX, apontando como características marcantes o modo de colonização e do desenvolvimento econômico no contexto capitalista, que influenciou o modo de entender a educação e as instituições percebidas como o meio mais eficaz de qualificação do trabalhador.

No primeiro artigo Espaço da Educação e da Civilização: origem dos Grupos Escolares no Brasil, elaborado por Souza, teve como objetivo demonstrar como se configurou este modelo de escola primária, durante o século XIX em alguns países da Europa, nos Estados Unidos e sua respectiva implantação no Brasil. Para tanto, analisa o processo de institucionalização da escola graduada, ressaltando que o seu nascimento foi uma resposta a procura de vagas e de instrução, própria do século XIX, na qual a educação popular era essencial para a formação do cidadão Republicano.

A autora explica que em 1892 o Estado de São Paulo implementou a primeira reforma educativa de caráter republicano abrangendo o ensino primário, secundário e normal, sendo objeto de mudanças curriculares e de método de ensino. Nesse contexto surgiram os Grupos Escolares, cuja denominação foi empregada em substituição ao das Escolas “Centrais”. Esta modalidade de escola primária foi implantada no Brasil em 1893, conforme o regulamento da instrução pública no Estado de São Paulo, representando uma das inovações educacionais mais importantes daquela época, a padronização do ensino, a divisão do trabalho docente, a

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classificação dos alunos e a necessidade de prédios próprios. Esta forma de organização escolar tinha como objetivo a modernização da educação com vistas a elevar o país ao patamar das nações mais desenvolvidas.

Este modelo de escola primária foi adotado nos demais estados brasileiros,

Sob o signo da modernização, o processo de difusão da educação popular coincide no Brasil com a implantação de um novo modelo de organização escolar difundido em todos os países ocidentais (p.50).

Sua expansão para outros Estados da Federação foi influenciada pela reforma do sistema escolar paulista, acompanhando o movimento de renovação e modernização do ensino público, comprometido com os ideais republicanos de erradicação do analfabetismo e universalização da instrução popular.

Apesar de surgir como instituição moderna e de excelência no ensino público, essa expansão foi marcada por deficiências administrativas e falta de financiamento adequado, agravados por políticas de escassos investimentos na área educacional, fazendo com que as escolas não atingissem o caráter moderno preconizado. Finalmente a autora destaca que os Grupos Escolares foram extintos em meados da década de 1970, deixando como herança os princípios básicos de organização administrativa e pedagógica do ensino fundamental.

O segundo texto, Método Intuitivo: os sentidos como janelas e portas que se abrem para um mundo interpretado, de Valdemarin, a autora investiga as relações estabelecidas entre método de conhecimento e método de ensino, no contexto da renovação pedagógica ocorrida no século XIX, procurando concentrar sua análise nas diretrizes e nos princípios que

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norteiam o método intuitivo, detalhando por meio de instrumentos conceituais e analíticos, alguns aspectos da relação que se estabelece entre concepções teóricas e procedimentos didáticos ou entre filosofia e seus desdobramentos educacionais.

Sendo assim, o texto apresenta as características que assumiu o método de ensino intuitivo, adotado na segunda metade do século XIX, nas escolas européias, americanas e brasileiras, elucidado nos manuais didáticos, organizados para orientar a prática de professores na educação de crianças em faces iniciais de escolarização, procurando compreender alguns aspectos do trabalho escolar, priorizando a influência de paradigmas epistemológicos nos procedimentos didáticos, com a finalidade de discutir o papel exercido pela escola no desenvolvimento do raciocínio e no estabelecimento do saber escolar.

Com efeito, na metade do século passado surge um movimento de renovação pedagógica pretendendo mudar o caráter abstrato e pouco utilitário da instrução, sugerindo novo método de ensino, concreto, racional e ativo, chamado de ensino pelo aspecto, lições de coisas ou ensino intuitivo. A autora afirma que:

Aliando observação e trabalho numa mesma atividade, o método pretende direcionar o desenvolvimento da criança de modo que a observação gere o raciocínio e o trabalho e prepare para o futuro produtor, tornando indissociáveis pensar e construir (p. 69).

Sendo assim todas as atividades devem originar o aprimoramento da observação e da inteligência da criança.

A autora explica também que, o princípio fundamental sobre o qual ele se assenta e do qual decorrem as atividades de ensino é a preposição de que a aprendizagem tem seu início nos

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sentidos, que operam sobre os dados do mundo para conhecê-lo e transformá-lo pelo trabalho e que a linguagem é a expressão deste conhecimento (idem p. 75).

O artigo destaca ainda a importância desse método de ensino intuitivo no ensino brasileiro, ressaltando sua contribuição para a criação de um novo modelo pedagógico, porém delimitado pela carência existente nas escolas, pela falta de material didático, ausência de professores habilitados e falta de direcionamento político para educação popular. No entanto sua difusão e aplicação colaboraram para definir a prática educacional como uma atividade intencional e dirigida, restringida pelas condições existentes.

Por fim, o artigo Vestígios para uma reinterpretação do magistério feminino em Portugal e Brasil (século XIX-XX), escrito por Almeida, analisa de forma comparativa a feminização do magistério no Brasil e em Portugal, a inserção das mulheres no magistério primário, tornando-o um campo de trabalho predominantemente feminino. Destaca, ainda, a diferença salarial entre homens e mulheres e as conseqüências dessa emancipação feminina e o importante papel que a imprensa periódica, principalmente a escrita e dirigida por mulheres, teve na divulgação dos direitos e dos anseios femininos.

Na segunda metade do século XIX, surgiram manifestações femininas reivindicando educação, instrução e privilégios sociais, como trabalho, profissão e direito ao voto, afirma a autora que: “Os tempos republicanos e o final do século mostravam uma mudança gradativa das mentalidades femininas” (p. 172).

No campo educacional a feminização do magistério primário ocorreu em Portugal e no Brasil no fim do século XIX, por ocasião de sua expansão em termos quantitativos, tanto pela freqüência das moças nas escolas normais, como pela sua ocupação no magistério. A autora explica que, essa

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introdução não foi aceita pelos homens que exerciam essa profissão, porque temiam perder seu emprego. Mas em ambos os países a visão moralista que questionava a presença de professores masculinos ensinando meninas, possibilitou a abertura do espaço profissional para as mulheres no ensino. A presença das mulheres possibilitou incorporar à profissão mudanças na carreira e no imaginário social acerca da profissão, visto que os ideais republicanos, que preconizavam um povo instruído e a crença no poder da educação para o crescimento do país, repercutiu diretamente na política educacional e na criação de mais escolas que, aos poucos, foram sendo ocupadas pelo sexo feminino.

Enfim, o texto salienta que a luta das mulheres para se inserirem no campo do magistério, promoveu mudanças na profissão, nas relações de poder, modificando ainda, a concepção da sociedade e do Estado a respeito desta participação e que, a partir dessas mudanças, novos caminhos se abriram e as mulheres permaneceram ocupando espaço profissional até representarem grande maioria.

Como se vê, os três artigos que compõem a obra em questão têm em comum o fato de demonstrar que as mudanças ocorridas no campo da educação que aconteceram no final do século XIX, tiveram em primeiro lugar as influências exercidas pelas idéias estrangeiras. Por outro lado, destacam que nesse período diante ao desenvolvimento industrial e as novas técnicas de trabalho, em que o operariado precisava se qualificar, o Brasil passou por transformações educacionais a fim de atender as exigências populacionais e o crescimento econômico. É nesse sentido que a escola transforma-se num espaço que visa promover a formação democrática, própria do ideário liberal, visando assegurar e garantir a igualdade de oportunidade de escolarização a todos os cidadãos.

Por fim se considera de suma importância a leitura desta obra, porque contribui para o conhecimento histórico da origem

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e consolidação da escola pública brasileira e portuguesa, e a influência das teorias pedagógicas e filosóficas estrangeiras, desde o ponto de vista metodológico e organizacional, até o processo de feminização do trabalho docente.

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SOBRE OS AUTORES

Aguinel Messias de Lima. Mestre em Educação e Meio Ambiente. Professor da Rede Estadual de Ensino Médio, Escola “Onze de Março”. Cáceres – Mato Grosso. [email protected]. Alceu Zoia. Mestre em Educação pela UFMT, doutorando em Educação pela UFG, Professor de filosofia da UNEMAT. E-mail: [email protected]

Ana Maria de Souza Lima. Mestranda em Movimentos Sociais, Educação Popular e Políticas. Pesquisadora do GPMSE/UFMT. Artisentis da Universidade Popular Comunitária (UPC). Professora das disciplinas pedagógicas do Curso de Pedagogia da UNIVAG. E-mail: [email protected]

Arlene da Silva Gonçalves. Mestranda em Educação pela UCDB.

Claudia Patrocínio Pedroza Canal. Doutoranda do Programa de Pos-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Edna Aparecida Lisboa Soares. Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela Puc Minas. E-mail: [email protected] Elizeth Gonzaga dos Santos Lima. Doutoranda pela FE/UNICAMP. Professora da Faculdade de Educação /UNEMAT/Cáceres. [email protected]

Flávio Rovani de Andrade. Mestre em Educação pela USP, Professor de filosofia na Rede Estadual de Ensino de São Paulo.

José Manuel Ruiz Calleja. Doutor em Ciências Pedagógicas. Mestre em Educação Superior. Professor e Pesquisador da Universidade de Pinar del Río, Cuba.

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Luiz Antônio Ribeiro. Doutorando em Estudos Lingüísticos pela PUC/MG. E-mail: [email protected] Margarita Victoria Rodríguez. Doutora em Educação, Professora do Programa de Mestrado em Educação da UCDB. Marilce da Costa Campos Rodrigues. Mestre em Educação, Professora das Redes Públicas Municipais de Cuiabá e Várzea Grande. [email protected]

Messias Dieb. Doutorando em Educação pela UFC. Trabalha com a temática das representações sociais e a formação dos professores da Educação Infantil. Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Contato: <[email protected]> Milton Chicalé Correia. Mestre em Educação pela UFMS, doutorando em Educação pela UNESP, Coordenador Regional do Campus da UNEMAT de Alto Araguaia – MT. E-mails: [email protected] ou [email protected]

Neodir Paulo Travessin. Mestre em Educação pela UFRGS, doutorando em Educação pela UFRGS, Professor de Filosofia da UNEMAT. E-mail: [email protected]. Sônia Regina Fiorim Enumo. Doutora, Docente do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Tatiane Lebre Dias. Doutora em Psicologia, Docente do Departamento de Pedagogia – Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT).

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS – REVISTA FAED

As colaborações devem ser apresentadas em duas vias

impressas em português e em disquete (Microsoft Office) que deve trazer uma etiqueta identificando o(s) autor (es), o título do artigo, telefone para contato e e-mail. Podem, ainda, ser enviadas via correio eletrônico no endereço: revistafaed. [email protected]

Os artigos deverão ter no mínimo dez e no máximo vinte e cinco laudas; as comunicações e resenhas até sete laudas. Serão publicados somente trabalhos selecionados e aprovados por Consultores Ad Hoc. Configuração da página: tamanho do papel (A4 – 21 cm X 29,7 cm); margens esquerda e superior 3cm, margens direita e inferior 2cm; todas as páginas deverão ser numeradas com algarismos arábicos no canto direito superior. Tipo de Letra: O texto deverá ser digitado em fonte Times New Roman, corpo 12. As citações longas, notas de rodapé, resumo, palavras-chave, abstract e key word, corpo 11 e espaço simples. Adentramento: os parágrafos deverão ter adentramento de 1,5cm e citações com mais de três linhas com recuo de 4 cm da margem esquerda. Espacejamento: no corpo do texto 1,5 entre linhas e nas citações longas, nas notas, resumo e abstract espaço simples. Os títulos das seções (se houver) devem ser separados do texto que os precedem ou sucedem por espaço duplo. Quadros, gráficos, mapas, etc. devem ser apresentados em folhas separadas do texto (no qual devem ser indicados os locais em que serão inseridos), devendo ser numerados, titulados corretamente e apresentar indicação das fontes que lhes correspondem. Sempre que possível, deverão estar confeccionados para sua reprodução direta. Disposição do texto:

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Título: centralizado, em maiúsculo e negrito, com asterisco indicando sua origem (se houver) no rodapé. Subtítulo em minúsculo e negrito e na margem esquerda da página. Nome(s) do(s) autor(es): completo(s) na ordem direta do nome, e na segunda linha abaixo do título, com alinhamento à direita, indicando em nota de rodapé a titulação, cargo que ocupa e instituição a que pertence e endereço eletrônico. Resumo: deve iniciar a um espaço duplo, abaixo do(s) nome(s) do(s) autor(es), sem adentramento, após a palavra RESUMO em maiúscula, seguida de dois pontos, o qual deverá ter no máximo dez linhas. Palavras-chave: A expressão PALAVRA-CHAVE em maiúscula, seguida de dois pontos, a um espaço duplo abaixo do resumo e dois espaços duplos acima do início do abstract, sem adentramento. Utilizar no máximo cinco palavras-chave, separadas por ponto e vírgula. Abstract: a expressão ABSTRACT, em maiúsculo a um espaço duplo abaixo das palavras-chave, seguindo as mesmas orientações do resumo. Referência de citações: deve conter o sobrenome do autor e, entre parênteses, ano de publicação da obra, seguido de vírgula e número da página. Referências bibliográficas: a expressão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS em letras maiúsculas, sem adentramento, a um espaço duplo após o final do texto. A primeira obra deve vir a um espaço duplo abaixo da expressão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. As referências devem seguir a NBR 6023/02 da ABNT. Exemplos: Um autor: QUEIROZ, E. O crime do padre amaro. 25. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. 277p. Dois ou três autores: VIGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

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Mais de três autores: CASTORINA, J. A. et al. Piaget-Vigotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 1995.

Serão fornecidos gratuitamente ao autor principal de cada artigo, dois exemplares do número da Revista Educação e Diversidade em que seu artigo foi publicado. A Revista não se obriga a devolver os originais das colaborações. Os trabalhos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.

O(s) autor(es) deverão encaminhar uma autorização assinada para a publicação das colaborações na Revista Educação e Diversidade.

Endereço para envio via correio: Universidade do Estado de Mato Grosso Faculdade de Educação - FAED Av. Tancredo Neves, 1095 Cavalhada III – Cáceres/MT CEP: 78200000

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