revirei nº3 - jul./dez. 2015

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R e V ir EI REVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL N o 3 - JUL/DEZ - 2015 VENDO E REVENDO Dois textos para pensar sobre o planejamento: datas comemoravas e o papel do professor. virando o mundo O jogo livre em uma experiência espanhola. Fique de olho! Indicações de livros, filmes e contos. ENTREVISTA Um rico diálogo com Rosa Basta sobre a rona na Educação Infanl.

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Page 1: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

ReVirEIREVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL

No 3 - JUL/DEZ - 2015

VENDO E REVENDO Dois textos para pensar sobre o planejamento: datas comemorativas e o

papel do professor.

v i r a n d o o mundo O jogo livre em uma experiência

espanhola.

Fique de olho!Indicações de livros,

filmes e contos.ENTREVISTAUm rico diálogo com Rosa Batista sobre a rotina na Educação

Infantil.

Page 2: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

EXPEDIENTECoordenação: Catarina Moro

Edição e diagramação:

Ana Júlia Rodrigues

Colaboradores: Etienne

B. L. Barbosa, Franciele

Ferreira França, Gioconda

Gigghi, Marina Feldman.

Ilustrações: Daniel

Garson Cabral

NEPIE - Núcleo de Pesquisas e

Estudos em Educação Infantil

Setor de Educação - UFPR

UFPR - Universidade Federal do

Paraná

RevirEIRevista Virtual de

Educação Infantil

Dicas para sua leitura: use o modo de tela cheia e aproveite para clicar nos links.

No aeroporto o menino perguntou:

- E se o avião tropicar num passarinho?

O pai ficou torto e não respondeu.

O menino perguntou de novo:

- E se o avião tropicar num passarinho triste?

A mãe teve ternuras e pensou:

Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia? Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso?

Ao sair do sufoco o pai refletiu:Com certeza, a

liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.E ficou sendo.Manoel de Barros

Page 3: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

1

Acaba de sair o terceiro número da ReVirEI. Nesse número trazemos temas distintos

como o planejamento, a avaliação, o trabalho com a fotografia com as crianças, entre

outros. Contamos com o apoio de muitos e queridos colaboradores aos quais somos

sempre gratas. Rosa Batista participou da Entrevista, na qual trata sobre a rotina na

Educação Infantil, para que ela não seja rotineira. A seção Vendo&Revendo expõe

ideias relacionadas ao planejamento: o papel do professor, de um lado e o trabalho ou

não sobre as datas comemorativas, de outro. No Saberes do Cotidiano acompanhamos

dois relatos: o das professoras Patrícia e Roberta, do CMEI OsnyDacol, e o das pedagogas

Julice, também professora da UDESC, e Josiane. Fique por Dentro comenta o

livro de Rosy Greca “A canção para criança”; enquanto Virei o Baú instiga nossa

curiosidade sobre a história da nossa instituição ou rede. Nas seções O que diz a lei? e O que propõe a política! (reviramos o título dessa seção para que tivesse mais

apropriação ao seu conteúdo) está tematizada a avaliação em educação infantil e os

planos - nacional, estadual e municipal - de educação e também a ANEI. Virando o Mundo se refere o trabalho e as ideias espanholas que recolocam a importância do

jogo livre no planejamento e no currículo da educação infantil. As subseções da Fique

de olho mostram um pouco do que se tem feito e daquilo que podemos acessar para

ampliar nossos olhares, escutas e fazeres em diferentes frentes relativas ao cuidado e a

educação das crianças pequenas. Fechando esse número da Revista, na seção Vi(r)agens e Vir-ações Poéticas, um trecho da poesia do fantástico Gianni Rodari, autor italiano que

revira,reaviva, reinventa a relação da criança com o texto. A todos os participantes

dessa Edição nosso agradecimento pela parceria e pelo trabalho aqui dedicado. Depois

da ReVirEI número 3, estamos já antenados para o número seguinte.

CATARINA MORO

Dúvidas? Pedidos? Sugestões? Críticas? Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected]

Editorial

Page 4: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

2 Nossos Colaboradores

Josiane Chiminelli é pedagoga, especialista em Leitura e Literatura,

professora concursada do município de Gaspar. Atualmente atua como

Diretora de Educação Infantil na Secretaria Municipal de Educação da Gaspar.

A Julice Dias é doutora em Educação e professora do Departamento de

Pedagogia e do PPGE da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.

Trabalha com formação de professores e assessoria as Prefeituras do Estado

de Santa Catarina, com ênfase na educação de crianças de 0 5 anos.

A Patrícia Teixeira atua na educação infantil há 9 anos. É formada em

Pedagogia pela UFPR e pós-graduada em Educação Especial. Adora viajar e

registrar os momentos vividos através da fotografia. O que mais a emociona

é viajar pelo universo infantil!

A Roberta Portela é professora de Educação Infantil há 10 anos, tem como

formação o magistério pelo Instituto de Educação do Paraná e atualmente

cursa Pedagogia. Ela nos conta que: “A educação infantil é algo que me

encanta por sua riqueza e simplicidade!”

Todas elas contribuiram com seus

saberes para o nosso Saberes do Cotidiano.

a equipe

A Catarina Moro, a Ana Júlia Rodrigues, a Marina Feldman, a Gioconda Ghiggi, a

Franciele França e a Etienne Barbosa, todas apaixonadas pelas crianças e defensoras de

uma Educação Infantil de qualidade, reviram ideias em todas as edições para construir

uma RevirEI rica, bonita e interessante!

Page 5: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

3

A Angela Coutinho é pedagoga e estudiosa dos bebês. É professora e

coordenadora do curso de Pedagogia da UFPR, pesquisadora do NEPIE e

membro do FEIPAR/MIEIB. Da sua infância guarda as lembranças das andanças

de bicicleta, que até hoje a inspiram a pensar esse tempo de vida como um

tempo de liberdade, o que também marca a sua militância pelos direitos das

crianças a uma infância plena e a uma educação infantil de qualidade.

Nossos Colaboradores

A Heloísa Saito é professora do Departamento de Teoria e Prática da

Educação da Universidade Estadual de Maringá. Mestre em educação

pela mesma universidade e doutora em educação pela Universidade de

São Paulo. Pesquisadora do CIEI-USP e GENTEE-UEM. É coordenadora do

subprojeto PIBID Pedagogia sede do foco Educação Infantil e membro do

FEIPAR/MIEIB.

Nessa Edição

Elas duas contribuiram para o nosso Vendo e Revendo desta edição.

O Daniel Cabral é ilustrador de livros infantis há muitos anos e já ilustrou mais

de uma centena de livros. No seu trabalho tem o prazer de acompanhar a

leitura de uma história, de um poema ou de uma letra de música buscando

“imagens desse lugar tão elástico que é nossa imaginação, um lugar muito

distante e muito próximo ao mesmo tempo, um lugar só meu e ao mesmo

tempo de todo mundo, onde o possível e o impossível caminham de mãos

dadas”. Tem dois livros publicados, Arapuca e O balão. Nessa edição da

RevirEI estão algumas ilustrações que fazem parte desses livros.

Ticiane B. Marassi é pedagoga e doutora em educação pela UFSC.

Pesquisadora Tecnologista em Informações e Avaliações Educacionais no

INEP, pesquisa e executa avaliações em larga escala para a educação básica.

Nessa edição, ela contibuiu com a O que dizem as políticas?

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CAPA E SUMÁRIO: ILUSTRAÇÃO DE DANIEL CABRAL, DO LIVRO ARAPUCA, EDITORA POSITIVO.

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5

14

423224

444648

106 FIQUE DE OLHO: Notícias da

UFPR e indicações culturais para enriquecer a sua prática.

O QUE PROPÕE A POLÍTICA:

Saiba mais sobre a Avaliação

Nacional da Educação Infantil.

O QUE DIZ A LEI: Os planos

de educação e a avaliação da

Educação Infantil.

SABERES DO COTIDIANO:

as instituições de Gaspar-SC e

uma experiência de fotografia.

ENTREVISTA: Rosa Batista

dialoga conosco sobre a rotina

na Educação Infantil.

VENDO E REVENDO: Dois

textos para pensarmos no

planejamento.

VIRANDO O MUNDO: O jogo

livre e o planejamento sob um

olhar espanhol.

FIQUE POR DENTRO: Resenha

do livro “A Canção para

Crianças”, de Rosy Greca.

VIREI O BAÚ: A constiuição

da rede municipal de Educação

Infantil de Curitiba.

Page 8: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

6Fi

qu

e d

e O

lhO

... ...nos livros(para ler com os pequenos)

ORIELucia Hiratsuka (textos e ilustrações)

Com lindas ilustrações, este livro conta as aventuras da menina Orie e seus pais barqueiros pelos rios do Japão. A autora

já publicou vários livros para crianças, recebendo diversos prêmios, como o Jabuti de ilustração. Editora ZAHAR. Conheça

mais sobre o trabalho dela no: www.luciahiratsuka.com.br. Aqui você tambem encontra um depoimento da autora.

MARIA GRALHA E ZÉ PINHÃO EM BUSCA DO PEIXE DE SETE CORESAudrey Farah

Depois da história que Vó do Mato contou, Maria Gralha chama seus amigos - Zé Pinhão, o Lobo Guará, o Quati, o Canário, sua cobra de estimação e a Perereca - para viverem uma grande aventura: encontrar o peixe de sete cores. Um livro com belas ilustrações em 3D de

Luiz Rettamozo e Mateus Rettamozo. Editora Arte.

DOBRAS DE LEITURAPeter O`Sagae

Para seguir em frente e mais a fundo na literatura infantil, sugerimos uma visita no blog Dobras de Leitura. Neste espaço, Peter O’Sagae apresenta e comenta diversos livros para os pequenos.Ele é doutor em letras pela USP, tradutor, professor de literatura infantil e pesquisa as relações entre palavra e imagem.

COZINHANDO NO QUINTALRenata Meirelles

Fazer comidinha com folhas, sementes,

lama... a brincadeira favorita de muitas

crianças retratada com belas imagens.

As fotos dos pratos das crianças são

acompanhadas de informações sobre os

ingredientes e o modo de preparo. O livro

é resultado do projeto Território do Brincar.

Editora Terceiro Nome.

...na internet

Page 9: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

7ORIELucia Hiratsuka (textos e ilustrações)

Com lindas ilustrações, este livro conta as aventuras da menina Orie e seus pais barqueiros pelos rios do Japão. A autora

já publicou vários livros para crianças, recebendo diversos prêmios, como o Jabuti de ilustração. Editora ZAHAR. Conheça

mais sobre o trabalho dela no: www.luciahiratsuka.com.br. Aqui você tambem encontra um depoimento da autora.

MARIA GRALHA E ZÉ PINHÃO EM BUSCA DO PEIXE DE SETE CORESAudrey Farah

Depois da história que Vó do Mato contou, Maria Gralha chama seus amigos - Zé Pinhão, o Lobo Guará, o Quati, o Canário, sua cobra de estimação e a Perereca - para viverem uma grande aventura: encontrar o peixe de sete cores. Um livro com belas ilustrações em 3D de

Luiz Rettamozo e Mateus Rettamozo. Editora Arte.

PALAVRA CANTADACANTIGAS DE RODA

O DVD contém diversos clipes produzidos a partir das músicas do CD Cantiga de Roda (de 1996). São diversas cantigas folclóricas, mostrando o rico e importante repertório cultural do Brasil. Cada clipe do

DVD foi feito por um artista.palavracantada.com.br

CORA CORALINA TODAS AS VIDAS

Uma mistura de realidade e ficção: um documentário sobre os principais períodos da vida de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas, a poeta Cora Coralina. Filme dirigido por Renato Barbieiri, com participação especial de Camila Salles, que interpreta a sua trisavó aos 5 anos de idade. Confira o

trailer.

...nos filmes

GIOCONDA GHIGGI

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8Fi

qu

e d

e O

lhO

......no que acontece

NOTÍCIAS DO NEPIE/UFPR

O Seminário Nacional sobre Avaliação de Contexto

realizado em agosto deste ano foi organizado pela equipe do projeto

“Formação da Rede de Infantil: avaliação de contexto” desenvolvido em

parceria entre a UFPR, a UFRJ, UFMG, Udesc, MEC e as pesquisadoras

italianas Anna Bondioli e Donatella Savio. A pesquisa dedicou-se ao

desenvolvimento de metodologia de avaliação de contexto da educação

infantil em uma perspectiva formativa e participativa. E, ao final do

evento, os participantes aprovaram uma moção de apoio a Publicação

da Portaria que Institui a ANEI – Avaliação Nacional da Educação Infantil,

apresentada pelo INEP no encontro. Na seção “O que dizem as Políticas?” tem mais ifnromações sobre a ANEI!

Page 11: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

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O NEPIE promoveu e organizou no

fim do mês de novembro o I Colóquio

História da Educação, Infância e

Cultura Material: Estudos produzidos

por grupos de pesquisa da UDESC, UFPR e

UNICAMP. Pensado como um grande encontro

entre professores e alunos que compõem os

três grupos de pesquisa, o evento teve como

objetivo estreitar a comunicação e ampliar as

discussões sobre temáticas de investigação

da História da Educação, ao socializar os

trabalhos produzidos no interior dos grupos.

O encontro reuniu estudantes e professores

do grupo coordenado pela professora Gizele de Souza

(também coordenadora do NEPIE/UFPR), do grupo da professora Vera

Lucia Gaspar da Silva provindo da UDESC e também do grupo tutelado

pela professora Heloisa Helena Pimenta Rocha sediado na UNICAMP. O

evento contou ainda com o lançamento de um E-book, organizado por

três doutorandas pertencentes aos grupos de pesquisa, o qual é composto

pelos textos produzidos pelos demais orientandos e pelas professoras para

apresentação durante o colóquio. O destaque a ser dado é a participação

da professora Cynthia Greive Veiga, importante pesquisadora da área de

História da Educação, convidada a proferir uma conferência sobre a

temática geral do encontro. Não deixe de acessar o e-book!

Clique aqui!

E também em todas as

outras palavras em azul

espalhadas pela revista!

Page 12: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

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A experiência educativa de uma pedagogia mais humanista nos fala diretamente sobre

a importância do jogo livre no planejamento e no currículo da educação infantil. No

diálogo com as imagens, este artigo nos traz esta reflexão a partir da prática de uma

instituição de Barcelona - Espanha. Apresentamos uma série de imagens extraídas

da Escola Bressol Municipal El Gargot, na qual se torna visível esta transformação

dos espaços, valorizando os momentos de cuidado e oferecendo às crianças uma

continuidade em suas brincadeiras e atividades. Fotografias: Elisabet Tapias

Tradução: Ana Júlia Rodrigues Revisão: Catarina Moro e Daniele Vieira

As instituições de educação

infantil estão muito focadas na

conduta instrumental, ou seja, em

atividades de

a p r e n d i z a g e m

coletiva e

de execução

individual, na

qual todo o grupo

realiza a mesma

tarefa – variando,

quando muito,

o momento, a

duração e o nível

de exigência.

É preciso

mudar essa

motivação para

uma organização

dos espaços que permita o jogo

livre, para que as crianças possam

aprender da forma como realmente

Observar a transformação cotidiana do jogo livre

Teresa Godall

Vira

ndo

o m

undo

Page 13: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

11necessitam.

A pedagogia mais humanista

acredita no bem-estar e na interação

entre os sistemas: o contexto, o adulto,

os materiais e a infância, com sua

curiosidade e iniciativas genuínas!

Esta curiosidade é o que gera

os jogos de relação e os de encontro

com o outro. O que vemos é que o

jogo e a atividade espontânea são

tão necessários como os momentos

de cuidado! E apesar desta evidência,

a escola muda pouco, ou muito

lentamente.

Propomos simplesmente

organizar os materiais para regular

a relação individualizada. Enquanto

uns jogam espontaneamente, outros

podem ser atendidos individualmente.

Haverá mudança nas nossas

rotinas se pudermos observar e

identificar os detalhes das ações

espontâneas dos pequenos. Estas

ações não são sempre ordenadas.

Por isso devemos distinguir quando o

material é abandonado. O que exige

uma reorganização para que possa

ser valorizado de novo com alguma

atividade intencional ou intensa.

Uma ordenação excessiva rompe

a continuidade do jogo das maiorias

das crianças, porque assim elas têm

que recomeçar tudo de novo. Ordenar

e guardar materiais torna o jogo

superficial. Colocar

ordem não significa

guardar, mas sim

reordenar e preparar

o material de um

modo sugestivo. Desta

forma, as crianças são

convidadas para a ação

e a curiosidade e o

adulto pode participar

quando elas pedirem

sua atenção.

Page 14: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

12

O valor da continuidade das

atividades das crianças e dos adultos

A organização cotidiana

permite a continuidade da atividade

espontânea das crianças, oferecendo-

lhes livre acesso a materiais e espaços

com características e possibilidades

de manipulação e para o jogo.

Sabemos que, com liberdade e

uma boa distribuição dos materiais

selecionados, as crianças se mostram

mais criativas, aventurando-se em

insuspeitáveis propostas criativas e

complexas. São igualmente válidos

os jogos baseados

na criatividade,

outros, entretanto,

se inclinam

a ações mais

repetitivas. Um

aporta a necessária

criatividade diante

dos tempos que

se aproximam

e o outro, uma segurança efetiva,

também igualmente importante em

um mundo repleto de incertezas.

O estudo de David e Apell

(2009) sobre a organização da vida

das crianças em uma instituição

concebida pela pediatra Emmi

Pikler nos apresenta o perfil de um

profissional que assume o cuidado

de cada criança como a atividade

principal. Constrói-se assim

uma rotina afetiva, contínua e

Vira

ndo

o m

undo

Page 15: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

13

privilegiada, baseada

em uma estrutura

organizada e iniciada pelo adulto.

O profissional assume o papel de

transmitir os valores sociais e culturais

durante os momentos de cuidado.

Frequentemente esta qualidade

da relação cotidiana preocupa os

profissionais, já que o resto do grupo

pode ficar desatendido se os jogos

e as brincadeiras não tiverem sido

organizados de uma maneira regular

e contínua.

Page 16: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

14V

END

O &

RE

END

O

VENDO

Vendo e Revendo:planejamento

Esse texto tem o objetivo de

apresentar algumas questões para

provocar o debate e a reflexão sobre

as datas comemorativas nas propostas

pedagógicas e no cotidiano das

instituições de educação infantil. Esta

forma de organizar o trabalho tem uma

história na área: durante algum tempo e/

ou em algumas instituições, o modo de

organização do trabalho se dava mediante

as datas comemorativas.

Contudo, atualmente temos alguns

indicativos do porquê não organizar o

trabalho pedagógico tomando por base

essas festividades. São eles:

- elas seguem um calendário marcado

principalmente por comemorações

religiosas, vinculadas quase que

exclusivamente a uma única religião;

- a proposta normalmente parte

exclusivamente dos adultos;

- e não há continuidade entre as

atividades propostas.

Qual a relevância das datas

comemorativas para as crianças? É

possível considerar a atuação das crianças

no planejamento e desenvolvimento

das situações que envolvam as datas

comemorativas? Que implicações - éticas,

políticas e estéticas - há no tratamento a

estas datas? Para as famílias, é fundamental

que as datas sejam trabalhadas? Por quê?

As respostas a essas questões podem

dar pistas sobre a importância, ou não,

de considerar as datas comemorativas

nos planejamentos. Também devem ser

observados os princípios do artigo 6º das

Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação infantil (2009): “I – Éticos:

da autonomia, da responsabilidade,

da solidariedade e do respeito ao bem

comum, ao meio ambiente e às diferentes

culturas, identidades e singularidades.

II – Políticos: dos direitos de cidadania,

do exercício da criticidade e do respeito

à ordem democrática. III – Estéticos:

AS DATAS COMEMORATIVAS E AS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS NAS

INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTILAngela Scalabrin Coutinho

Page 17: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

15

REVENDO

da sensibilidade, da criatividade, da

ludicidade e da liberdade de expressão

nas diferentes manifestações artísticas e

culturais” (BRASIL, 2009, p. 2).

Nessa perspectiva, como garantir

o respeito ao bem comum, quando

comemoramos, por exemplo, o dia dos

pais com crianças que não partilham dessa

figura familiar, ou a páscoa com quem não

tem crenças religiosas que a concebam? Ou

ainda, quando se propõe “lembrancinhas”

que homogeneízam papéis e ritos sociais

que são heterogêneos?

Quanto ao exercício da criticidade, os

mesmos exemplos utilizados acima, e

vários outros, servem para a reflexão.

Presente para o dia dos pais, para a páscoa,

para o dia das crianças, para o natal... e

assim reproduzimos aquilo que a mídia

e a sociedade capitalista tão bem fazem:

instigamos as crianças a consumir. E o

que dizer das comemorações que fazem

vistas grossas às verdadeiras condições

históricas sociais do que se comemora,

como: Dia do Índio, Dia do Trabalhador,

dentre tantos outros.

Ao se tratar da educação e cuidado

de crianças de 0 até 6 anos, sabe-se da

imprevisibilidade dos desdobramentos

das propostas: por vezes conseguimos

tratar de assuntos de forma mais profunda

e crítica e em outros momentos isto

não se faz possível. Portanto, se essas

“comemorações” forem feitas de forma

desarticulada de uma proposta de longo

prazo, provavelmente não terão significado

para as crianças. Assim, também não terão

significados o desenho pintado, o cartaz

confeccionado ou qualquer outro produto

resultante da proposta do/a professor/a.

Ou seja, trabalhar o Dia do índio, a Semana

da Árvore, da Pátria, etc, terá muito mais

sentido para os adultos do que para as

crianças, as quais passarão todo o tempo

da educação infantil vivendo de forma

repetitiva as mesmas propostas.

Por fim, chegamos ao princípio estético

da criatividade. Ao remeter ao que

geralmente se produz com as crianças

nas datas comemorativas, identificamos

o quanto essas propostas podem ser

ilus

traç

ão d

e da

niel

cab

ral,

arap

uca,

edi

tora

pos

itiv

o

Page 18: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

16VENDOlimitadoras da criatividade humana. Fazer

camisa de papéis coloridos com uma

frase da criança, porta lápis, flanela com a

“mãozinha” para entregar ao pai (quando

tem a sua presença), corações e rosas de

papel, ou um avental ou pano de prato

para as mães (quando também se tem a

sua presença)... Alguém perguntou o que

as crianças acham disso? Ou ainda: quem

indicou que elas gostariam de dar esses

presentes?

Se a resposta for “as famílias esperam!”,

então será necessário identificar tudo o que

as famílias esperam e que as instituições

não julgam interessante. Verificamos com

isso que há práticas possíveis e outras não,

e que mediante o diálogo constante com

as famílias é possível ouvi-las e argumentar

sobre nossas escolhas. Veremos também

que temos que ter, enquanto profissionais,

clareza dos objetivos da educação que

queremos realizar. Além de ponderar

que diante das produções teóricas e dos

conhecimentos produzidos na instituição

já é possível perceber que os modelos

homogêneos não cabem mais à educação.

Trabalhamos com atores sociais, que

diferem quanto a sua religião, sua etnia,

classe social, bem como, trazem marcas de

seu gênero e cultura, então como entregar

camisas com gravatas - ainda que de papel

- a todas as crianças para que as levem a

seus pais?

POR ONDE PODEMOS CAMINHAR?

Embora não se defenda um planejamento

baseado em datas comemorativas

seria um tanto ilusório pensar que uma

instituição educativa poderá passar alheia

as datas que constituem a

vida dos sujeitos. As crianças

provavelmente trarão em seus

repertórios informações e

demandas voltadas às datas

comemorativas e por isto,

elas não poderão ser negadas.

A questão é: de que modo

podem ser selecionadas e que

encaminhamentos podem ser

dados às datas consideradas no

planejamento?

ilustração de daniel cabral, arapuca, editora positivo

Page 19: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

17

REVENDO

Para buscar pistas para esta questão

há de se partir da história da instituição,

da comunidade onde ela se encontra

e ponderar se as datas selecionadas

são importantes para o pertencimento

cultural da instituição e para aproximá-la

da comunidade. Há de se ter também um

olhar atento e uma escuta aguçada das

crianças, bem como a análise no coletivo

dos registros de cada grupo, pois só assim

se poderá compreender o sentido que

terá uma festa de carnaval na instituição

ou a produção de algum presente no dia

dos pais, etc.

Outro elemento a ter atenção é a

fragmentação que pode caracterizar as

propostas com datas comemorativas, pois

há um entorno que alimenta o desejo de

tratar do assunto no período previsto. Ou

seja, tratar do folclore só em agosto,; ou

dos povos indígenas só em abril, quando

eles são assunto na TV, nas revistas, nos

jornais. Sem contar os assuntos que são

esporádicos, como Olimpíadas ou Copa

do Mundo. Também não faz sentido

presentear os pais no mês de agosto ou

as mães no mês de maio e não ter outra

forma de comunicação com eles durante

os outros momentos do ano.

O fato é que desconsiderar os

acontecimentos torna-se impossível,

contudo ao optar por desenvolver um

planejamento baseado em alguma data,

deve-se partir dos princípios apresentados

no início deste texto, bem como

compreender a instituição como uma

“comunidade de aprendizes” (BRUNER,

1986 apud GANDINI; GOLDHABER, 2003,

p. 154). Nela, a troca de informações e o

diálogo entre os/as profissionais a partir

das observações e registros das crianças

impulsionam o desenvolvimento de um

trabalho pedagógico de qualidade, no

qual as dimensões humanas são a égide

de uma Pedagogia da Infância.

Para saber mais:BONOMI, Antonio. O relacionamento

entre educadores e pais. In: BONDIOLI,

Anna; MANTOVANI, Susanna. Manual

de educação infantil de 0 a 3 anos. Trad.

Rosana Severino Di Leone e Alba OlmiPorto

Alegre: ArtMed, 1999, p. 161-172.

BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17

DE DEZEMBRO DE 2009. Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil, 2009.

GANDINI, Lella; GOLDHABER, Jeanne.

Duas reflexões sobre a documentação.

In: GANDINI, Lella; EDWARDS, Carolyn.

Bambini: a abordagem italiana à educação

infantil. Trad. Daniel Etcheverry Burguño.

Porto Alegre: ArtMed, p. 150-169, 2003.

Page 20: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

18VENDO

“Um olhar que não esteja naturalizado pela mesmice da rotina.”

“Práticas que não limitem a criatividade humana.”

Page 21: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

19

REVENDO

“Um trabalho pedagógico de qualidade, no qual as dimensões

humanas são a égide de uma Pedagogia da Infância.”

“Olhar para a especificidade da criança pequena.”

“Um olhar que não esteja naturalizado pela mesmice da rotina.”

“Cultivar a sensibilidade.”

Page 22: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

20

VENDO

PLANEJAR... aparentemente uma

palavra fácil de compreender, mas uma

ação complexa de se efetivar! Apesar da

complexidade, devemos entender que

é possível atingir patamares esperados

por meio do ato de planejar. Quando

pensamos nessa tarefa, devemos sempre

ter em mente um objetivo a ser alcançado

e uma proposta de percurso para se atingir

tal objetivo.

O planejamento é uma postura

que permite uma maior organização

das diferentes proposições educativas

e que subsidia uma prática pedagógica

mais consciente e direcionada para

que a mediação docente se efetive da

melhor maneira possível para alcançar

a aprendizagem e o desenvolvimento

humano. Em última instância, o ato de

planejar é uma escolha que pode ou não

contribuir para uma formação humana

emancipatória.

Partimos do princípio de que a

prática pedagógica é condição para o

processo de humanização e que por

isso necessita ser organizada de modo

adequado e cuidadoso para que a criança

se aproprie da cultura elaborada ao

longo da história da humanidade por

meio da mediação do mais experiente,

no caso o professor (VIGOTSKI, 2001).

Subsidiados nessa defesa, defendemos

que discutir sobre o planejamento impõe

a necessidade do professor se enxergar

como alguém relevante para o processo

de ensino e aprendizagem, como alguém

que direcionará uma ação que é educativa

e sistematizada.

Para que isso se efetive de modo

profícuo, sustentamos a ideia de que refletir

acerca do planejamento para a educação

infantil exige do professor um olhar para

a especificidade da criança pequena. Um

olhar que entenda a criança como um

ser em desenvolvimento e que a perceba

como um sujeito histórico e social que

pode aprender desde que tenha situações

para agir e refletir, produzindo assim

cultura. Um olhar que perceba a criança

no espaço educativo como alguém que

merece nosso respeito e profissionalismo.

Um olhar que não esteja naturalizado pela

mesmice da rotina imposta sem reflexão

sobre o cotidiano das instituições de

educação infantil. Um olhar que consiga

articular o cuidar e o educar. Um olhar

Vendo e Revendo: planejamento

O ato de planejar na educação infantil: conhecimentos e sensibilidade

Heloisa Toshie Irie Saito

VEN

DO

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21

REVENDO

que consiga entender que cada criança é

única e ao mesmo tempo diversa... Enfim,

um olhar que seja sensível e pensante

(WEFFORT, 1995)!

Para o desenvolvimento desse olhar,

dessa postura profissional, acreditamos

ser necessário ao professor que atua na

educação infantil:

• conhecer e compreender as crianças de

0 a 6 anos: o professor que planeja um

trabalho pedagógico para a especificidade

da educação infantil deve saber acerca

do desenvolvimento infantil do grupo

no qual atua para melhor entender

suas necessidades. Assim, ele consegue

planejar ações que realmente contribuam

para o processo de reflexão das crianças,

oportunizando, um adequado processo de

aprendizagem e desenvolvimento.

• conhecer a história e os documentos

legais pertinentes da área de atuação:

para desenvolver uma atuação

mais consciente se faz necessário

o professor entender a história de

constituição do nível de ensino

em que atua e as compreensões

que nortearam a ação docente

no decorrer da história. Também

precisa conhecer os documentos

que direcionam a prática pedagógica

e as legislações que respaldam a

ação com as crianças de até 6 anos

de idade.

• saber o que trabalhará com as crianças:

de nada adianta conhecer acerca do

desenvolvimento infantil, a historicidade

e os documentos legais voltados para

a educação infantil se o professor não

tiver clara a compreensão de quais

aprendizagens ele deverá proporcionar

para as crianças. Isso significa que

o professor deve compreender as

diferentes áreas do currículo desse

nível de ensino e, além disso, necessita

ampliar seu conhecimento por meio de

estudos constantes acerca delas, pois

só desenvolvemos no outro aquilo que

possuímos!

• conhecer propostas metodológicas de

sucesso no espaço da educação infantil:

saber que é possível desenvolver práticas

ilustração de daniel cabral, arapuca, editora positivo

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22

VENDOdiferenciadas que permitem a emancipação

das crianças por meio de uma educação

planejada e que existem experiências de

sucesso é algo que instiga o desejo do

professor de buscar alternativas diferentes

para ressignificar suas práticas. De modo

que ele se perceba como alguém capaz de

instigar e possibilitar aprendizagens.

• desenvolver um repertório cultural:

para o professor poder trazer ao espaço

da educação infantil propostas que

emancipem, é fundamental que tenha

para si uma cultura ampliada que lhe

permita pensar em formas diferenciadas

de expressão artística e que lhe garanta

apreciar o belo, o mais elaborado. Caso

contrário suas proposições sempre ficarão

à mercê do que aparentemente é bom e

divulgado pela mídia como sendo positivo.

• compreender a avaliação como

um processo de ressignificação do

planejamento: defendemos que as

diferentes propostas realizadas com

as crianças só se ampliam a partir do

momento que os professores possuem

oportunidades para refletir sobre elas. É

nesse sentido que defendemos a avaliação

como uma maneira de redimensionar

a atuação docente, pois ela deve se

constituir como um momento em que o

professor analisa sua atuação e a de sua

turma, bem como a compreensão que

foi elaborada por suas crianças. Somente

então é possível propor ou não novas

reflexões acerca do trabalho desenvolvido.

A partir de tais compreensões é

possível que o professor construa para si

o entendimento de que o planejamento

é algo crucial no espaço da educação

infantil. E de que ele garante a efetivação

de uma prática pedagógica emancipadora

a partir do momento que desenvolve

apropriações da cultura constituída ao

longo da história da humanidade através

de uma ação planejada, consciente e

que possibilita diferentes mediações por

parte do professor. Vale ressaltar que

o planejamento só servirá para isso se,

enquanto profissionais, tivermos um

ilustração de daniel cabral, arapuca, editora positivo

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23

REVENDO

comprometimento social com as crianças

da educação infantil e acreditarmos na

ideia de que por meio de nossas ações

conseguimos propor uma prática que

priorize a necessária articulação entre o

cuidar e o educar por meio dos dois eixos

norteadores (interações e brincadeiras).

Além de acreditarmos em uma prática que

permita a emancipação humana através de

uma proposição que desenvolva diferentes

linguagens, leituras e compreensões do

mundo.

Somado a isso: é preciso cultivar

a sensibilidade! Sensibilidade no olhar,

sensibilidade nas ações, sensibilidade nas

relações humanas! É urgente enxergarmos

as crianças a partir de um sentimento

de proximidade! Somente conseguimos

planejar ações de qualidade quando nos

colocamos no lugar do outro e avaliamos

se determinada proposta nos causaria

benefícios. Isso significa considerar a

criança como alguém importante no

espaço educativo. Em outras palavras, é

ter empatia!

Diversos conhecimentos e

sensibilidade são características

prementes num professor, pois auxiliam

enormemente para a constituição de um

planejamento de qualidade bem como

para sua efetivação e sua avaliação.

Ostetto (2000, p. 177) afirma que: “[...]

Planejamento pedagógico é atitude crítica

do educador diante de seu trabalho.

[...] permite ao educador repensar,

revisando, buscando novos significados

para sua prática pedagógica”. Assim,

se o professor da educação infantil

possuir tais características conseguirá

atribuir essa dimensão crítica ao seu

planejamento, tornando-o instrumento de

emancipação humana e de reflexão para o

aprimoramento de sua ação pedagógica.

Para saber mais:OSTETTO, L. Planejamento na educação

infantil: mais que a atividade, a criança

em foco. In: OSTETTO, L. (org.) Encontros

e encantamentos na Educação infantil:

partilhando experiências de estágio.

Campinas, SP: Papirus, 2000.

VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e

desenvolvimento intelectual na idade

escolar. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA,

A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem,

desenvolvimento e aprendizagem. São

Paulo: Ícone, 2001. p. 103-119.

WEFFORT, M. F. Educando o olhar da

observação. In: WEFFORT, M. F. (Org.)

Observação - Registro - Reflexão:

instrumentos metodológicos I. São Paulo:

Espaço Pedagógico, 1995.

Page 26: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

24ENT

REVIST

AROSA BATISTA: sujeitos crianças e a rotina

texto: marina feldman ilustrações: francesco tonucci

Como foi essa sua descoberta da “lei da

rotina”?

Na década de 1990 eu era professora

da pré-escola e já vivia na minha prática

cotidiana um embate com essa lógica

organizacional do tempo e do espaço,

porque percebia uma semelhança com

a lógica organizacional da escola, onde

os alunos realizam as mesmas atividades

ao mesmo tempo e no mesmo lugar, a

professora é o centro e as crianças são

alunos receptores de conteúdo. Era

preciso problematizar essa proximidade da

Educação Infantil com o modelo escolar:

o processo de seriação, sequenciação,

hierarquização e uniformização.

Ao mesmo tempo, no NUPEIN, iniciamos

estudos referentes a especificidade da

educação infantil, a indissociabilidade

entre educar-cuidar, a criança como sujeito

de direito e a infância como categoria

social, heterogênea, produtora

de cultura. Entendíamos que era

necessário pesquisar os modos como

se organiza o cotidiano da educação

infantil.

Já no início da pesquisa começamos a

perceber que não era possível olhar só

pros adultos. Se a gente estava dizendo

que a criança é um sujeito de direitos

que produz uma cultura infantil,

então era preciso olhar para elas para

compreender os modos como usam o

tempo – espaço da creche.

A pesquisa foi realizada numa

creche de Florianópolis, num grupo de

Quando a gente conhece a Rosa Batista pode ver logo que, além de catarinense, ela

é professora de Educação Infantil até a alma. Está no jeito que ela fala, no modo que

pensa e em seu olhar bem atento para as instituições… Mas, além disso, ela também

já foi professora da UFSC e é pesquisadora do NUPEIN – Núcleo de Estudos e Pesquisa

da Educação na Pequena Infância. Hoje em dia está fazendo um Pós-Doutorado

sobre a História da Educação Infantil, mas com a RevirEI ela conversou mesmo sobre

o que percebeu quando fazia sua pesquisa de mestrado. Na época, o estudo sobre a

rotina estava apenas começando a surgir, os pesquisadores do NUPEIN discutiam o

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e começavam a se aproximar

da sociologia da infância. Aí… Bom, vamos deixar a própria Rosa nos contar?

TONUCCI - FRATO, 40 anos com olhos de criança - Artmed

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25crianças de 3 e 4 anos, que permaneciam

na creche 10 a 12 horas diárias, com uma

professora e uma auxiliar. A professora

também vivia um conflito em relação a

rotina estabelecida, pois estava fazendo o

exercício de ouvir as crianças e respeitá-las

nas suas temporalidades, mas ao mesmo

tempo se sentia impotente diante daquela

lógica de organização. Ouvir as crianças

demandava muito mais tempo.

Outra questão que incomodava a

professora era que se fazia tudo no

mesmo tempo e no mesmo lugar. E a

professora dizia: eu sei que nem todas

as crianças estão com sono ou com fome

neste horário, mas eu não posso fazer

de outro jeito. Se as minhas crianças não

dormirem elas vão acordar os outros, que

estão nas outras salas. Essa professora

vivia um conflito entre a ideia do direito da

criança e a lógica imposta pela instituição,

atrelada muito mais ao controle do que a

atenção às crianças.

É nesse sentido que muitos professores

me perguntam: Rosa, mas onde é que

eu vou pra mudar a lei da rotina? Em

todas as instituições que eu trabalhei é

a mesma rotina e a gente não consegue

mudar, porque isso já está estabelecido.

A lógica organizacional dos tempos e

espaços estabelecida na forma de rotinas

não pode ser modificada a partir de

uma vontade individual, mas a partir de

um projeto da instituição que precisa

compreender a criança a partir de outra

perspectiva e a instituição como lugar

de experiências infantis diversificadas,

pautadas nas linguagens, na brincadeira e

nas interações.

Pensando nisso, queria ler uma

frase tirada de um texto seu e te mostrar

uma imagem. “Nessa perspectiva, educar

tem como objetivo frear a imaginação, a

fantasia, controlar o movimento, regular

as múltiplas manifestações infantis,

uniformizar suas temporalidades, desejos

e sonhos.”

TONUCCI - FRATO, 40 anos com olhos de criança - Artmed

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26A imagem mostra o que se passa no

pensamento das crianças, mas quando

o cotidiano está organizado na lógica da

atividade ela só pode fazer uma coisa

de cada vez. As crianças criam enredos,

imaginam e fantasiam, brincam a

partir do que conhecem. Quando uma

criança desenha ela inventa, recria,

troca ideias com seus pares sobre a

sua produção, amplia seus repertórios

e isso exige muito mais tempo. A

fantasia, a imaginação e a brincadeira

são dimensões que exigem outra

temporalidade e outra espacialidade.

A temporalidade que ainda está

estabelecida é aquela do produto. Era

muito comum o cotidiano ser planejado por

datas comemorativas. Então, você tinha

15 crianças que desenhavam o mesmo

Papai Noel, as vezes com as mesmas cores.

Nessa lógica temporal, 40 minutos é o

suficiente. A lógica da atividade é também

uma estratégia de controle. Se você define

o tempo da atividade, tem mais condições

de prever o que vem depois. Essa forma

de organizar o cotidiano acaba por reduzir

as possibilidades. O tempo da criação, da

imaginação, da fantasia e da experiência

é mais alargado, envolve interação entre

as crianças, entre elas e os adultos,

continuidades e descontinuidades,

simultaneidade e imprevisibilidade.

Fala mais pra gente dessa diferença

entre lidar com o sujeito-criança e o

sujeito-aluno, e das potencialidades de

repensarmos essa relação.

Ainda ouvimos profissionais falarem dos

seus aluninhos. O que isso significa? A

palavra não muda nada? Quando a criança

é colocada na condição de aluno, ela precisa

se portar com determinadas atitudes

e comportamentos que são esperados

pelos adultos. Pode ser uma estratégia

de controle, uma vez que o bom aluno é

sempre aquele que é ordeiro, que termina

as atividades na hora certa, que acata

as regras, que não chora, não faz birra...

Isso é tão sério que nos leva a dizer que

crianças de cinco

anos de idade já são

grandes. Criança de

5 anos não chora

mais. Como você tá

fazendo isso, você já

é grande! Mas são

crianças que estão

no mundo há cinco

anos.

Na perspectiva

da “alunancia” a

gente fica muito

mais próximo da

homogeneidade,

pois pretende-se

ENTREV

ISTA

TONUCCI - Com olhos de criança - Artmed

Page 29: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

27que os alunos se comportem a partir da

uniformidade. A partir do momento em

que você toma como referência a infância,

as crianças de carne e osso que possuem

experiências diversas, a possibilidade de

viver a heterogeneidade se amplia. Às

vezes, o professor precisa tomar distância

desse cotidiano pra olhar e ver aquilo que

já é tão conhecido e rotineiro que já não

vê, não sente. Não é fácil! Aparentemente

é tão organizado dentro dessa lógica que

mudar isso significa pensar no caos.

Pois é, parece que funciona tão bem

assim.

Há sempre uma rotina, mas as ações e

reações das crianças

frente ao que lhes é

proposto indicam

o descompasso de

intencionalidades,

sentidos, desejos e

necessidades que

se manifestam em

movimentos de

ruptura, resistência

e acomodação. A

linearidade que

caracteriza a rotina

não se realiza

harmonicamente

como pretendido,

pois as crianças não são tão previsíveis.

Elas criam situações inesperadas e, por

vezes, inusitadas. As crianças, vivem

experiências temporais diversas porque

seus tempos próprios não são instituídos,

mas vividos e, dependendo do contexto

em que se encontram, conseguem vivê-

los de forma mais ou menos intensa.

E acabam acontecendo muito mais

coisas no âmbito educativo do que a dita

“atividade pedagógica”...

Parece, ainda, que o auge do dia é

“atividade pedagógica”. Em outros

momentos do cotidiano, como no espaço

do parque, existem relações de controle

dos adultos sobre as crianças que não são

consideradas educativas. Assim como

essa lógica temporal e espacial também

não é. Mas o modo como se organiza os

espaços, os tempos e o que se propõe para

as crianças pode educar para submissão,

mas também para emancipação. Como

as crianças reagem frente a isso? Não são

poucos os professores que terminam o dia

de trabalho com as crianças exaustos em

decorrência do esforço em controlar as

crianças. É uma tarefa difícil tentar colocar

as crianças no ritmo da rotina.

Acho que isso tem a ver com esta outra

imagem do Tonucci.

TONUCCI - Com olhos de criança - Artmed

Page 30: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

28É, porque sempre há uma vigilância

permanente. Não que não tenha que

haver atenção, proteção e cuidado. Mas a

vigilância está muito mais no sentido do

controle. A imagem reflete um modelo de

organização do cotidiano fundamentado

na perspectiva da fragilidade das

crianças. As crianças são vistas como

objeto de tutela que precisa ser guiado,

conduzido e vigiado pelo sujeito mais

experiente.

Partimos do pressuposto de que

são sujeitos que não conseguem se

organizar e que precisam o tempo

todo ser organizados pelos adultos. Se

três crianças estão brincando, o adulto diz

que elas estão sozinhas. Será que elas não

se protegem umas às outras? Precisam

sempre de um adulto para vigiá-las? Temos

que pensar, que sim num espaço seguro,

planejado, organizado e condizente com

suas necessidades e possibilidades das

crianças. Que os adultos estejam sempre

atentos às ações e reações das crianças,

mas que elas sejam respeitadas nos

momentos em que desejam ficar entre

seus pares, sem a vigilância “desconfiada”

dos adultos.

Agora, vamos falar um pouco sobre

as crianças bem pequenas. Se por um

lado temos a escolarização precoce, por

outro temos uma rotina de cuidado que

também é muito padronizada.

Veja que quanto menos idade tem a

criança, mais difícil pra ela viver a rotina

instituída. Um bebê chora e não dorme na

mesma hora que todos dormem. Só que,

ao passo que ele está indo todos os dias

pra essa instituição, e que há uma rotina

que os professores vão instituindo, com

2, 3 anos essa criança já está dormindo,

comendo e brincando na mesma hora que

os outros. Essa é a lógica institucional,

fazer com que todos se adaptem àquela

organização. A criança se adapta à creche

e não o contrário. Nós vemos ainda

resquícios de uma pedagogia médico-

higiênica em relação às crianças de 0 a

3 anos, e uma perspectiva muito mais

instrucional para as crianças de 4 e 5.

E a impressão que dá é que no meio disso

tudo praticamente não sobre tempo.

Os professores também cansam dentro

dessa lógica. Porque essa forma de

organização do cotidiano também vai

sustentando algumas práticas que não são

solidárias. Eu sou responsável pelo meu

grupo de crianças, você é responsável pelo

seu. Muitas vezes os professores reclamam

que gostariam de viver práticas mais

solidária entre eles, para que pudessem

ajudar um ao outro.

ENTREV

ISTA

Page 31: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

29Numa organização pautada na

perspectiva da homogeneidade, sobra

muito pouco tempo para os professores

e para as crianças. Isso que você estava

falando: quando vê o dia já acabou. Se

eu estou contando uma história para 15

crianças eu parto do pressuposto de que

todas estão ouvindo aquela história e não

qualifico duas crianças que estão sentadas

juntas, lendo outro livro de histórias. O que

eu qualifico é aquele momento em que eu

me coloco como professor, em que sou

o centro. As crianças precisam começar

a comer na mesma hora e terminar na

mesma hora para não atrapalhar a próxima

atividade. É uma relação que reduz as

possibilidades de interações e experiências

com alimentação, além de constituir uma

educação muito mais para submissão do

que para ampliação dos sujeitos-crianças.

A partir disso, como é possível repensar

o planejamento?

Eu acho que pra repensar o

planejamento e o currículo, a gente tem

que levar em conta a observação e a

atenção às crianças e pensar que esse

espaço precisa se constituir como lócus

de experiência, de vivência da infância.

Agora, eu acho que pensar o planejamento

das instituições infantis requer, primeiro,

ter mais confiança nas crianças, de que

elas são capazes de organizarem espaços

e tempos. Talvez isso já esteja muito dito,

mas é preciso continuar dizendo: é preciso

ouvir as crianças, mas é preciso saber

ouvir as crianças. O que vai muito além do

chavão de planejar a partir do interesse da

criança.

Nesse período da pesquisa eu fui

percebendo uma característica das

crianças que é a simultaneidade. Elas

fazem muitas coisas ao mesmo tempo.

Eu acho que temos que lidar com isso,

não como algo que representa um atraso

ou uma desorganização, mas como uma

lógica característica desse período de

vida. E também a provisoriedade: as

crianças começam uma brincadeira, a

gente acha que aquela brincadeira é muito

interessante, mas dois minutos depois ela

não está mais brincando daquilo. Portanto,

pensar o planejamento nessa perspectiva

exige compreender que as crianças têm

uma forma de organização que é diferente

da nossa, nem pior nem melhor. Se a

ilustr

ação d

e dan

iel ca

bral,o

balão

, edito

ra pos

itivo

Page 32: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

30brincadeira é, por excelência, uma das

atividades principais das crianças, eu não

consigo imaginar o planejamento que não

a tenha como eixo central.

Então, eu preciso pensar: qual é o espaço

mesmo que ela tem pra produzir cultura?

Vai ser nas produções de desenhos,

pintura? Nas brincadeiras? Mesmo

que no planejamento se organize os

tais cantinhos, o que acontece? As

crianças usam simultaneamente estes

espaços, elas não ficam só no cantinho

da leitura, porque em vários lugares

há possibilidade de leitura. Elas vão

trazendo objetos de um lugar para

o outro, vão criando outros

ambientes. É importante que

a organização dos espaços

expresse os saberes e fazeres

da criança.

Essa imagem aqui também

fala sobre isso.

Pois é, o espaço diz, às

vezes, muito mais dos adultos

do que das crianças que estão

ali. O que se privilegia na

decoração dos ambientes?

Na organização dos espaços?

Os espaços revelam o que

as crianças dizem, pensam,

vivem? A estética expressa o

universo infantil? As crianças têm acesso

aos objetos, brinquedos, livros e podem

circular pelos ambientes com autonomia?

As crianças participam da organização

dos espaços? Pensar o planejamento

na Educação Infantil inclui pensar nesse

sujeito que produz e reproduz cultura. Para

tanto é necessário diversificar e ampliar as

relações sociais e culturais, as relações com

a natureza, as manifestações das diversas

linguagens, em espaços também diversos,

que promovam essas relações a partir das

crianças. Precisamos romper com a ideia

de que a criança é expectadora da estética

dos adultos, como mostra a imagem.

ENTREV

ISTA

TONUCCI - FRATO, 40 anos com olhos de criança - Artmed

Page 33: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

31Para finalizar, conta pra gente: o que

você gostaria de ver quando entra em um

CMEI?

Primeiro eu gostaria de encontrar

mais solidariedade entre os profissionais,

mais compartilhamento de ideias acerca

das crianças, dos projetos; encontrar

uma lógica organizacional que respeite os

tempos das crianças para brincar imaginar,

sonhar, fantasiar.

Viver esse processo de humanização,

entre os adultos e as crianças, de uma

forma mais solidária; que os adultos

aprendam a consultar as crianças,

organizar o cotidiano temporal e espacial

a partir do respeito a elas; que as decisões

sobre o que fazer nesse espaço sejam

compartilhadas entre adultos e crianças.

Portanto, se queremos trabalhar a partir

da criança como sujeito de direitos,

precisamos ter o cuidado para desconstruir

a lógica da linearidade, fragmentação,

hierarquização, homogeneidade e da

centralidade do professor no processo

educacional-pedagógico

Se lidar com a incerteza nos conduz

pelo caminho das buscas, como desfazer

o que já estava feito, quando ainda não

sabemos bem o que pôr no lugar? Nesse

sentido, precisamos aprender a lidar com

rupturas, conflitos, incertezas e medos,

sem sucumbir. Avançar em direção ao

incerto, ao imprevisível, ao inesperado,

sem perder de vista o sujeito-criança, que

tem direito ao cuidado e à educação de

qualidade, a um universo rico de fantasia,

imaginação, brincadeira, aventura,

a f e t i v i d a d e ,

amorosidade,

bem-estar... A

um processo de

h u m a n i za çã o

digno de

ser vivido.

Artigos do Autor Disponíveis ONLINE

Cotidiano da Educação Infantil: espaço

acolhedor de emancipação das crianças.

A rotina no dia-a-dia da creche:

entre o proposto e o vivido.

O caráter educativo da creche: um

estudo e caso a partir da rotina.

com quem ela dialoga? O espaço da creche: que lugar é esse?

Notas sobre a experiência e o saber da

experiência.

O espaço físico como um dos elementos

fundamentais para uma pedagogia da

educação infantil.

(CLIQUE)

ROSA BATISTA

Page 34: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

32

Desde 2002, a Rede Municipal

de Educação de Gaspar (SC), tem

construído um patrimônio relacional

no que diz respeito à organização do

trabalho pedagógico com crianças de

0 a 5 anos e à formação continuada

em serviço das professoras que atuam

em creches e pré-escolas públicas.

A primeira pauta que a Rede tomou

como unidade referência para instaurar a

formação continuada foi o estudo amplo e

detalhado das diferentes formas de organizar

o currículo na Educação Infantil. Paralelo a isso,

em encontros sistemáticos com professoras

e diretoras de Centros de Desenvolvimento

Infantil da Rede (CDIs), foram também

realizados estudos em torno das rotinas diárias,

dos espaços e ambientes das instituições.

Este estudo manifestou a necessidade

de reconfigurar o ambiente da creche e

pré-escola, trazendo equilíbrio entre a

produção dos adultos e a produção das

crianças. Demandou também o estudo

e a compreensão da indissociabilidade

entre planejamento, observação,

registro e documentação.

Tudo isto num movimento cíclico de

planejar-fazer-rever-replanejar. Ou seja,

nos encontros de formação as professoras

e diretoras traziam seus planos, seus

registros e as propostas de atividades que

ofereciam às crianças. Então, ancoradas em

bases conceituais da Pedagogia da Infância

e das Diretrizes Curriculares Nacionais

para Educação Infantil (DCNEI), refletiam

criticamente sobre que faziam, buscando

responder com argumentação pedagógica o

porquê faziam daquele e não de outro jeito.

SABER

ES DO

COTIDIA

NOO dia a dia educativo como laboratório de construções:a experiência curricular da educação infantil no município de Gaspar

Na parte 1 desta seção, a Julice, pedagoga e professora da UDESC, e a Josiane, diretora

de Educação Infantil na secretaria de educação de Gaspar (SC), nos contam sobre um

percurso intenso de discussões curriculares que este município vive desde 2002 junto aos

docentes da educação infantil do municipio. Essa experiência traz uma perspectiva sobre os

desdobramentos da formação continuada em serviço em que há comprometimento com a

qualidade da Educação Infantil e traz novas perspectivas no trabalho com as crianças.

1

Julice Dias e Josiane Chiminelli

Page 35: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

33Ao mesmo tempo, colocávamos na

roda de conversa formativa proposições

de trabalho pedagógico mais coerentes

com os princípios éticos, políticos e

estéticos estabelecidos pelas DCNEI.

Uma das primeiras decisões tomadas

coletivamente foi organizar o trabalho

pedagógico por projetos, construir rotinas

heterogêneas e organizar o espaço em cantos

temáticos e áreas de interesse.Em se tratando

dos projetos, a Rede tem adotado duas

tipologias distintas: os projetos de construção

são aqueles que resultam num produto final,

como, por exemplo, a construção de uma

casa na árvore. Em geral são trabalhados com

as crianças de até 3 anos, com a parceria de

turmas de crianças maiores ou dos familiares.

Outra tipologia refere-se aos projetos de

investigação, realizados com as crianças

com mais de 3 anos, eles se voltam para a

pesquisa em torno de uma curiosidade, de

uma indagação, de um percurso já vivido

e que suscitou interesse do grupo, de uma

criança, da professora ou dos familiares.

A experiência com os projetos e a recriação

constante dos espaços demandou às

professoras da Rede e ao percurso formativo,

o aprofundamento do conhecimento e do

hábito do trabalho com a documentação

pedagógica. Na Rede, tem-se investido

sistematicamente na conexão de sentido

entre as variadas formas de registro

(manuscritos, aúdio, vídeo, produções das

crianças, entre outros) do que as crianças

dizem, fazem, pensam, sentem, constroem,

brincam e seus modos de interação para e

com as propostas engendradas pelos adultos.

Todo esse aparato pedagógico tem

exigido espírito de equipe na construção,

exercício e consolidação de um

Page 36: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

34planejamento coletivo, bem como na

centralidade das interações e brincadeiras

como eixos do trabalho pedagógico.

A Rede entende que o protagonismo no dia

a dia educativo não deve ser só da criança.

Em uma pedagogia relacional, o adulto

também precisa assumir seu protagonismo

na medida em que precisa ser autor da

prática pedagógica. Visto que sem isso não

consegue criar tempos, espaços, materiais,

brinquedos, interações, brincadeiras e

experiências desafiadoras que possam

ampliar o repertório cultural das crianças

no que tange ao conhecimento científico,

tecnológico, ambiental, cultural e artístico.

Assim, outro aspecto reiteradamente

trabalhado na formação é a visibilidade do

que se faz. Nesse sentido, os espaços das

instituições são repletos de produções das

crianças, que contam com sensibilidade

estética dos adultos. As rotinas diárias estão

visíveis nos espaços das salas referência, os

registros que compõem a documentação

pedagógica, os planejamentos individuais e

coletivos também. As paredes das instituições

falam, expõem narrativas do cotidiano

vivido, na teia relacional entre adultos,

crianças, conhecimento, cultura, famílias.

Esse percurso completa 13 anos de trabalho

intenso, sistemático e complexo de formação

continuada e retrata o quanto é possível

buscar conexão e coerência interna entre o

que se diz e o que

se faz. Também

tem mostrado

o quanto a

profissionalização

da professora de

Educação Infantil

e a superação de

alguns paradigmas

e m b l e m á t i c o s

nessa trajetória são passíveis

de serem resolvidos, desde

que se tenha trabalho rigoroso

de acompanhamento e

supervisão do que se faz

no interior das instituições.

Isto exige muita negociação,

sentimento de pertença à Rede,

paciência e tolerância com as

aprendizagens humanas. Implica

também no equilíbrio entre

rigorosidade e amorosidade com

o que se faz, com o ato político

da profissão, com o respeito e o

zelo pelo percurso aprendente das crianças.

Nosso maior compromisso tem sido

oferecer às crianças condições para que

possam viver, na creche e na pré-escola,

seus modos diferentes de viver as infâncias,

explorando e inventando muitas linguagens

em variados ambientes desafiadores,

convidativos, repletos de vida e cultura.

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Tudo começou através da leitura de

imagens e da escuta atenta das crianças.

Elas falaram muito sobre fotografia e

pediram para tirar fotos e manusear as

câmeras fotográficas. As professoras

Roberta e Patrícia registraram as

vozes das crianças e desenvolveram

junto com elas este projeto que

durou aproximadamente três meses.

Assim, o projeto de fotografia

desenvolvido pelas professoras com

uma turma de Pré em um Centro

Municipal de Educação Infantil (CMEI)

de Curitiba surgiu a partir da ideia

de oferecer novas possibilidades de

expressão para as crianças. A fotografia

como linguagem foi o ponto de partida

para que as professoras desenvolvessem

um planejamento que desse liberdade às

crianças durante o processo criativo e que

permitiu que elas fossem autoras de seu

próprio percurso na arte de fotografar,

expressando suas ideias e sentimentos.

Este projeto também criou novas e

ricas oportunidades para que as crianças

diversificassem seus repertórios sobre

o mundo que as rodeia a partir de

novos enfoques e enquadramentos.

Na primeira parte do projeto as crianças

circularam pelos diferentes espaços da

instituição e fotografaram naqueles lugares

aquilo que mais chamava sua atenção. Em

seguida, conversaram sobre o processo de

fotografar e sobre o que aqueles lugares,

pessoas e objetos representavam. Foi um

momento em que as professoras puderam

compreender o que as crianças já sabiam

sobre a fotografia e, assim, desenvolver

o projeto e propor o diálogo a partir disso.

Na continuação o grupo recebeu

a visita de uma fotógrafa profissional.

Ela conversou com eles e mostrou

alguns de seus equipamentos: lentes,

rebatedores, tripé e livros. Além disso

as professoras trouxeram uma câmera

antiga de filme para mostrar às crianças.

Sempre com muito diálogo e escuta atenta.

A próxima etapa envolveu uma

discussão sobre o que as crianças entendiam

por “belo” e “feio”. Elas circularam pela

instituição em grupos pequenos, cada um

com uma câmera digital ou celular. Depois

SABER

ES DO

COTIDIA

NOO mundo através do nosso olhar

Um projeto de fotografia que levou em conta a autonomia das crianças e permitiu que

elas explorassem individualmente e com seus pares diversas formas de se comunicar

através das imagens. Escrito por Ana Júlia Rodrigues e pelas professoras Roberta

Portela e Patrícia Arantes a partir desta experiência vivida por elas com as crianças.

2

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também sortearam alguns sentimentos:

“amor”, “amizade”, “tristeza”, “raiva”,

e os dramatizaram através do faz de

conta, explorando a linguagem corporal e

fotografando. As professoras relatam que

as crianças estavam muito interessadas e

envolvidas durante todo o projeto e que

puderam perceber como as suas falas sobre

o espaço e a forma como fotografavam

foram mudando ao longo do tempo.

Elas ainda tiveram outros dois grandes

momentos para fotografar. O primeiro deles

foi com a releitura de poemas: elas puderam

montar o cenário e dramatizar o poema,

escolhendo o que iriam fotografar e também

registrando os seus colegas. Os poemas

escolhidos foram “O Colar de Carolina”, “Ou

Isto ou Aquilo” e “Bolhas”, todos de Cecília

Meireles. O segundo momento foi mais livre

e cada criança foi individualmente

desafiada a fotografar o que e

quem quisesse dentro da instituição

e no espaço ao redor: surgiram

fotos das mais diversas, da pista de skate

ao ponto de ônibus na frente do CMEI.

O encerramento foi feito com a

montagem de uma exposição das fotografias:

as crianças escolheram quais fotos queriam,

como as organizariam na exposição e em

qual espaço da instituição ela seria montada.

Se este projeto proporcionou a

ampliação do repertório das crianças

através da fotografia, ele também permitiu

que as professoras reconhecessem

as individualidades dos pequenos e

aprofundassem a sua compreensão

sobre o papel mediador do professor. Ele

significou, tanto para professoras quanto

crianças, uma ampliação cultural por meio

das aprendizagens

vividas e do contato

com a fotografia.

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Fotografando e papeando... Conversas e fotos das crianças

O abraço é belo porque ele mostra o amor.Thaila

Belo para mim é a grama verdinha.

Leonardo Henrique

Cada um faz uma pose!Gabriel

Eu quero aprender muito sobre fotografia para

tirar bastante foto legal.Hendriws

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Belo para mim é o ceu azul.Enzo Felipe

Para mim, bela é a chuva

Victor Hugo

Eu quero tirar uma foto daquela casa

azul na frente da nossa janela!Kauane

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40O

qu

e di

z a

lei?

A implantação da Avaliação da Educação Infantil

Planos nacionais, estaduais e municipais Catarina Moro

A partir de 2014, com a revisão

do Plano Nacional de Educação (PNE),

todos os planos dos estados e municípios

passaram a ser discutidos e revistos. O

mês de julho de 2015 era a data máxima

para a aprovação das leis estaduais e

municipais referentes à homologação dos

novos planos. É importante lembrar que os

planos – municipal, estadual ou nacional –

tratam da oferta educacional a todos os

cidadãos, não se atendo exclusivamente

às redes públicas.

Ou seja, a oferta educacional do

segmento privado está considerada

nos planos, uma vez que instituições

particulares e conveniadas ofertam

educação a uma parte da população e

compõem as estatísticas tanto do censo

escolar quanto dos índices demográficos

e sócio-econômicos.

Em 2014, foi votado o PNE – Lei nº

13.005/14 – no qual consta uma estratégia

(1.6, da Meta 1) referente a :“implantação

da avaliação da Educação Infantil, a ser

realizada a cada dois anos, com base em

parâmetros nacionais de qualidade, a fim

de aferir a infraestrutura física, o quadro

de pessoal, as condições de gestão, os

recursos pedagógicos, a situação de

acessibilidade, além de outros indicadores

necessários e relevantes.”

Tal explicitação tem, a princípio,

duas implicações:

- demarcar uma concepção de avaliação

que reconhece a importância de avaliar

a oferta formativa/educativa às crianças

e não avaliar o desempenho das crianças

independentemente ou não articulado ao

que a elas é disponibilizado;

- e a de convocar responsabilidades, por

meio de órgãos públicos – MEC, INEP –

para assumir tal tarefa.

No estado do Paraná, em 2015, se

instituiu o Plano Estadual de Educação

(PEE - PR), por intermédio da Lei nº

18.492/15. No PEE-PR encontramos uma

replicação da estratégia 1.15, da Meta

1 proposta no PNE, segundo a qual o

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Estado irá acompanhar, em regime de

colcaboração, a implantação da avaliação

da Educação Infantil.

Assim, o estado marca seu

papel como sendo o de acompanhar a

implantação da avaliação da Educação

Infantil, em colaboração com a União e

os municípios. Certamente, é de extrema

importância para a maioria dos municípios

paranaenses compreender como se dará

esse acompanhamento. Sobretudo se

poderá significar algo além de fiscalização

e ausência de colaboração efetiva, para

que assim se implemente de fato, em

âmbito municipal, alguma ação relativa à

avaliação da oferta de Educação Infantil.

No Plano Municipal de Educação

(PME) de Curitiba, Lei nº 14.681/15, o tema

mereceu alguns detalhamentos, tendo se

desdobrado em três estratégias: 1.7, 1.8 e

1.9, da Meta 1. Nas estratégias explicita-

se o compromisso de: implementar, até o

2º ano de vigência do PME:

- “a avaliação institucional da educação

infantil, a ser realizada pelo menos a cada

2 (dois) anos, com base em parâmetros

nacionais e/ou municipais de qualidade

para essa etapa de educação”;

-“rejeitar a adoção de políticas

públicas de avaliação, em larga escala,

do desempenho da criança de 0 (zero)

a 6 (seis) anos de idade, por meio de

questionários, testes, provas e quaisquer

outros instrumentos”;

- e a partir do 1º ano de vigência

do plano, iniciar a discussão sobre “o

estabelecimento de uma avaliação de

sistema, abrangendo toda a educação

infantil do município.”

É importante conhecer e ficar de olho na

implementação dos planos

em nossos municípios

para que, deste

modo, possamos

participar e

lutar por mais

qualidade na

E d u c a ç ã o

Infantil.

DANIEL CABRAL: O BALÃO, EDITORA POSITIVO

Page 44: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

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Há muito a área de Educação

Infantil tem discutido os direitos

educacionais de crianças de 0 a 5

anos de idade. A necessidade de

garantir a qualidade da educação

oferecida nessa etapa de ensino está

demonstrada no Plano Nacional de

Educação (LEI 13.005/2014), no qual

estão previstos padrões nacionais

de qualidade e sua aferição por

meio de uma avaliação nacional. A

avaliação, conforme previsto no PNE,

precisa ocorrer em 2016 e compor

um conjunto de indicadores sobre a

qualidade da educação básica.

A proposta de Avaliação Nacional

da Educação Infantil (ANEI), desenvolvida

pelo Inep em parceira com várias entidades

e especialistas em âmbito nacional,

diferentemente do que se executa em

outras etapas da Educação Básica, visa o

acompanhamento e aferição da qualidade

dos serviços prestados às crianças de 0 a 5

anos, que se traduza na garantia dos seus

direitos básicos.

A ANEI visa a aferição das

características do atendimento oferecido

às crianças nas redes públicas do País,

nas instituições que ofereçam vagas em

educação infantil e possuam financiamento

público. A fim de compor maiores estratos

de análise, seriam avaliadas instituições

da rede privada, em caráter amostral.

Está ausente desta proposta

de avaliação externa a medida

do desenvolvimento da criança.

Compreende-se que uma

avaliação de educação infantil

que respeite a concepção da

área não deve contemplar uma

ANEIPor uma Avaliação Nacional da Educação Infantil

Ticiane Bombassaro Marassi

O q

ue p

ropõ

e a

Polí

tica

!

DANIEL CABRAL: O BALÃO, EDITORA POSITIVO

Page 45: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

43dimensão que resulte em diagnóstico

da aprendizagem ou da aquisição de

habilidades pela criança. Considera-se

que a avaliação do desenvolvimento infantil

deva ser gerenciada pela instituição

e definida a partir de uma concepção

de desenvolvimento integrado. Sendo

assim processual e acontecendo de forma

sistemática e contínua.

Destinada à intervenção no

processo de desenvolvimento da criança,

a avaliação na educação infantil deve ser

realizada pelo professor responsável e é

de responsabilidade da instituição que

atende as crianças de 0 a 5 anos.

A ANEI possui também outro

objetivo: garantir que o atendimento às

crianças seja efetuado com a qualidade

determinada pelos parâmetros

nacionais. Avaliar a ampliação da oferta,

a acessibilidade, a gestão da instituição

e dos sistemas de ensino, os recursos

disponíveis e a formação docente pode

auxiliar os gestores e formuladores de

políticas educacionais a implementar

ações de saneamento de deficiências e de

incremento da qualidade nas instituições

sob sua responsabilidade.

Todos os esforços dedicados ao

aprimoramento nessas dimensões gera

indubitável impacto no desenvolvimento

infantil.

No site da Undime (União dos

Dirigentes Municipais de Educação),

podemos encontrar uma notícia e

o material da apresentação sobre a

ANEI.

Segue uma parte aqui:

Um momento histórico. Essa é a

análise que o diretor de Avaliação da

Educação Básica do INEP, Alexandre

André dos Santos, faz da proposta

de avaliação nacional da educação

infantil. Segundo ele, o INEP fez um

esforço considerável de pensar -

junto a outras esferas de governo,

Undime e organizações da sociedade

civil-, em um processo de avaliação

que considerasse as especificidades

inerentes a essa etapa educacional.

Após a elaboração da proposta,

o passo seguinte é a preparação

do instrumento normativo, o qual

dará forma e registro legal à ideia,

“agora é uma questão de nós e o

MEC elaborarmos a portaria”, disse

e completou: “Nosso objetivo é que

a primeira coleta já seja realizada em

2016”, afirmou.

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44F

IQ

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OA CANÇÃO PARA CRIANÇAS:

UMA CONTRIBUIÇÃO AO REENCANTAMENTO DA INFÂNCIA

RESENHA DO LIVRO

Rosy Greca

“Ri aos borbotões ao descobrir que a infância nunca morre na alma daquele que logra trazer à tona seus afetos infantis através do ato criativo”

O livro escolhido para ser explorado

nesta edição me levou para o

mundo da música, especificamente

para o universo das

canções para as

crianças. Mas não

desanime se você é

gente já crescida, ele

foi escrito para você.

Para você que

é perseguido

pelo bichinho da

curiosidade, para

você que se vê

rodeado de crianças

cotidianamente, para você que

considera a música como meio de

comunicação, mas também para

você que desconhece a importância

da inserção da música no trabalho com

as crianças.

Isso porque a autora propõe que

você seja aquele que

dentre tantos outros

possibilite e promova

o reencantamento no

olhar das crianças para

coisas simples. Com

sua escrita gostosa

e sensível, cheia de

pedacinhos de canções,

com uma discussão que

alterna e alia teoria e

experiências práticas, o

reencantamento volta ao nosso olhar. E

possuir esse olhar resulta na reação da

descoberta da qual a epígrafe escolhida

fala...

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45

Partindo de uma

inquietação em relação

às experiências infantis

contemporâneas, a

autora problematiza o

papel da arte na vida das

crianças, voltando-se especificamente

para a canção. Assim, apresenta aspectos

conceituais e uma perspectiva também

histórica sobre a infância e a ideia de

musicalização para as crianças. Traz

em seus escritos discussões acerca dos

elementos artísticos que compõem

as canções, seu uso nas escolas e nas

instituições de educação infantil e fala

um pouquinho de como são produzidas,

divulgadas e acessadas pelo público.

Em meio às muitas palavras, você

encontra, reencontra e conhece grandes

autores de canções infantis, se descobre

cantando músicas que lhe são familiares.

E numa linguagem leve, como numa

canção, passa se não a compreender,

a considerar o porquê da convivência

cotidiana das crianças com as canções

feitas e pensadas para elas.

Provoca, propõe, alerta, ilumina,

emociona e encanta! Tudo isso e mais um

pouco está salpicado no decorrer do livro

lido, relido e cantado, que dessa vez os

convido a ler e cantar...

Em um último verso de canção, deixo um

“lembrete” emprestado de Rosy Greca:

“A canção para crianças, arte que alia o

poder espiritual da música com a força

existencial da literatura, pode influenciar

de forma vital a criança em todos os

aspectos do seu desenvolvimento.”

(p.25).

Franciele Ferreira França

para ouvir melhor

Tatu Bolinha

Pinha Pinhão Pinheiro

Terra do Sempre

O Aviador

clique aqui

e não deixe

de explorar

o site!

ILUSTRAÇÃO PÁSSARO - DANIEL CABRAL: ARAPUCA, EDITORA POSITIVO

Page 48: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

46

A Educação Infantil é a primeira etapa

da Educação Básica e direito da criança

(LDB 9.394/96) . Essa afirmação legal, já

tão difundida entre nós, foi construída

por uma história de avanços, retrocessos,

movimentos sociais, debates acadêmicos

e políticos. Poderíamos escrever muitas

páginas sobre a constituição da Educação

Infantil no Brasil.

Todavia, convido você,

que trabalha com a

educação infantil, a

pensar sobre como

ela se constituiu e

como eram chamados

esses espaços que

ofereciam educação

e cuidado para a

criança pequena no

seu município.

Na busca por essa história, podemos

escolher diversos caminhos, como a

leitura de livros, documentos oficiais

(leis nacionais e municipais, ofícios,

publicações do Conselho Municipal de

Educação, etc.) e estudos diversos (teses,

artigos, dissertações). Historicamente,

o primeiro jardim de infância foi criado

em 1875, no Rio de Janeiro, pelo médico

Joaquim Menezes Vieira. Desde então é

possível acompanhar que o debate das

finalidades e organização de tal espaço

se mantém na pauta dos responsáveis

pelo ensino e pela

formulação das leis

há 140 anos.

Como aqui o

convite inicial foi

cada um pensar no

seu município, volto

então o meu olhar

para Curitiba, no

Paraná. Os jardins

de infância públicos

p a r a n a e n s e s

surgiram anexos aos Grupos Escolares e

Escolas Normais, sendo que o primeiro

foi associado ao Ginásio Paranaense e

inaugurado em 1906.

A historiografia aponta uma

VIREI O BAÚmemórias da educação infantil

PESQUISANDO E TECENDO A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL: um esforço conjunto e contínuo

VIR

EI O

BA

Ú

Segundo Jardim de Infância público de Curitiba, junto ao Grupo Escolar Xavier da Silva. Fonte: Relatório de Governo (1916).

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47diferenciação no que seria

função de um Jardim de Infância,

de uma Creche e de uma Escola

Maternal ao longo do período

de organização e constituição

desse atendimento voltado para

a criança pequena. O primeiro

era apresentado com uma

função mais educacional, enquanto os

outros dois compareciam com uma prática

de assistência ou de guarda. Contudo,

os estudos apontam que tal divisão não

era uma regra sem exceções, ocorrendo

iniciativas educativas e assistenciais de

forma intercalada, em ambos os casos.

Com o passar dos anos a configuração

e normatização desses espaços passaram

por reformas. Avançando um pouco,

encontramos o Anteprojeto da Lei

Orgânica do Paraná (1949), com a

indicação de que a educação escolar

pré-primária (3 a 7 anos) tivesse as

características da casa da criança (com

salas de estar, refeição, dormir, etc.).

A classe pré-primária englobava, a

princípio, somente o Jardim de Infância

e a Escola Maternal, sendo agregada

posteriormente a Creche (resolução 76).

Na década de 1960 foi extinto o curso

pré-primário mantendo-se, de forma

diferenciada, os jardins de infância,

creches, escolas maternais. Em 1977

foram inauguradas as 4 primeiras creches

municipais em Curitiba, com funcionários

contratados, sendo o concurso público

específico realizado em 1985. Atualmente

a creche comparece na documentação

oficial como o lugar ideal para aliar o

desenvolvimento físico, intelectual e

afetivo da criança.

Uma breve cronologia, mas que nos

instiga a conhecer um pouco mais da

história da educação infantil também em

outros locais. Para isso, precisamos de

sua ajuda. Boas reviradas em seus baús e

ótimos debates a todos!

QUER SABER MAIS?

Etienne B.L. Barbosa

clique aqui

Prescrições para os jardins-de-

infância paranaenses.

Educar a Infância

Políticas Públicas para a Educação

Infantil no Município de Curitiba

(1997-2004)

Instrução, o talher para o

banquete da civilização

Page 50: RevirEI Nº3 - Jul./Dez. 2015

Gianni Rodari

Vi(r)agens e Vir-Ações Poéticas

A poesia continua, clique aqui para ler em português a poesia completa

O PAÍS DOS MENTIROSOS

Era uma vez, lápros lados do Sei lá,

o país dos mentirosos.Naquele país, ninguém

dizia a verdade,não chamavam pelo seu nome

nem mesmo a chicória:a mentira era obrigatória.

Quando surgia o soltinha logo alguém pronto

a dizer: “Que belo pôr do sol!”À noite, se a lua

clareasse mais queum farol,

as pessoas reclamavam:“Mas que noite mais escura,

não se enxerga nada.”Se você ria, tinham dó:

“Coitado, que pena, que mal será que lhe acometeu?”

Se você chorava: “Que cara original,sempre alegre, sempre comemorando.

Deve ter os milhões na cabeça”.Chamavam de água ao vinho,

de cadeirinha a mesinhae a todas as palavras

invertiam bem direitinho.Fazer diferente não era permitido,

mas estavam tão habituadosque mesmo assim ficava tudo entendido.