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Jornal laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba. 13 à 19 de maio de 2002

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Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, produzido e editado pelos alunos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Universidade de Uberaba

As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores

Edição: Alunos do curso de Comunicação Social • • • Supervisão de Edição: Celi Camargo ([email protected]) • • • Projeto Gráfico: André Azevedo ([email protected]) • • •Diretor do Curso de Comunicação Social: Edvaldo Pereira Lima ([email protected]) • • • Coordenadora da habilitação em Jornalismo: Alzira Borges da Silva ([email protected]) • • •Coordenadora da habilitação em Publicidade e Propaganda: Érika Galvão Hinkle ([email protected]) • • • Professores Orientadores: Norah Shallyamar Gamboa Vela ([email protected]),Vicente Higino de Moura ([email protected]) e Edmundo Heráclito ([email protected]) • • • Técnica do Laboratório de Fotografia: Neuza das Graças da Silva • • • Suporte de Informática: CláudioMaia Leopoldo ([email protected]) • • • Reitor: Marcelo Palmério • • • Ombudsman da Universidade de Uberaba: Newton Mamede • • • Jornalista e Assessor de Imprensa: Ricardo Aidar • • •Impressão: Jornal da Manhã • • • Fale conosco: Universidade de Uberaba - Comunicação Social - Bloco L - Av. Nenê Sabino, 1801 - Uberaba/MG - CEP 38055-500 • Tel: (34)3319-8952 • http:/www.revelacaoonline.uniube.br

Stanislaw Ponte Preta, grande humoristabrasileiro das décadas de 50 e 60, do séculopassado, escreveu uma crônica sob o mesmotítulo acima e chamava a atenção para o fato dehaver tanta gente “pendurada” em agiotas que,ao ler esse título, sentia um sobressalto e pensavaque o termo importância se referisse a “valormonetário”, e título fosse qualquer documentoque comprovasse a “prisão” do devedor aoagiota, ou seja, “nota promissória” ou qualqueroutra “ameaça” ao devedor. A expressão usadapelo autor se referia à importância do título deuma obra literária.

Aqui, também, faço a mesma ressalva eexplico que importância do título não significavalor registrado em nota promissória, ou valordo cheque.

O título aqui considerado é o de pós-graduação,principalmente stricto-sensu, que qualificaprofessores universitários. E importância é ovalor que um título desse assume para aqualificação de uma universidade, tanto o valorlegal, perante o Ministério da Educação, quantoo de status, perante a sociedade.

Sabe-se que não é necessário que todos osprofessores de uma universidade sejam mestresou doutores. Mas também é necessário que hajaum percentual mínimo de docentes com essestítulos, condição sem a qual uma universidadefica irregular e ameaçada. Foi isso que levou aUniversidade de Uberaba a promover umareforma em seu quadro docente, nos últimoscinco anos, com a elevação do contingente demestres e doutores, e com a promoção e oincentivo de cursos de pós-graduação para osdocentes que deles necessitam. E, assim, nossaInstituição atende às exigências legais.

Um aspecto, porém, que precisa ser muitobem considerado e questionado, e que podeparecer uma contradição a essas exigênciaslegais, é este: não é a titulação pós-graduadaque garante a competência de um professor.Competência em todos os sentidos: de conteúdo,de espírito científico, de didática e de interaçãocom o aluno.

Se o governo exige um percentual deprofessores com os títulos de mestre e de doutor,para uma universidade, é porque esses títulosdevem significar elevada qualificação para oensino, para o exercício do magistério. Maisainda: esses títulos devem ser coerentes comelevado saber e elevada competência dos

professores, em todos os sentidos mencionadosacima. Isto é, professores de qualificaçãoelevada (mestres e doutores) devem ter altacompetência para ensinar, para ministrar aulasaos alunos dos cursos de graduação. Se sãodotados de elevado saber, o ensino que elespraticam deve, também, ser de elevadaqualidade. E os alunos, por sua vez, tendorecebido ensino de alta qualidade, também terãoessa qualidade elevada em sua aprendizagem.E a universidade que os abriga será, então, deelevado conceito.

Ora, é verdade que isso não acontececabalmente. Muitos mestres e doutoresprocuram essa ascensão de títulos apenas parase distanciarem das salas de aula e para sededicarem à pesquisa. É óbvio que umauniversidade não é só ensino, muito menos sóensino de graduação. A pesquisa é a grande marcade uma universidade, conforme venho afirmandoinsistentemente. Mas doutores e mestres quepromovem a elevada qualidade do ensino sãoaqueles que ensinam, ou seja, os que ministramaulas aos alunos dos cursos de graduação. (Estouempregando o termo ensino em sentidotradicional, embora não seja muito adequado aosmodernos propósitos pedagógicos).

E mais: uma pós-graduação em mestrado edoutorado não é um passe de mágica. Nãosignifica que, ao receber a titulação oficial, otitulado passe a ser um “deus da sabedoria”completamente apto a lecionar. A importânciado título é de caráter sobretudo legal e oficial.Essa “importância” não opera a transformaçãoimediata do cidadão em um professor altamentequalificado, intelectual, científica edidaticamente. Ser um professor de fato, emcompetência integral e coerente, não dependeapenas de cursos e de títulos de pós-graduação.Não é a enumeração desses títulos em currículose em capas de livros ou de apostilas que confere“importância” e real competência a umprofessor. Títulos não são a essência de umprofissional do magistério, de um educador.

A exigência de títulos de pós-graduaçãosomente faz sentido se esses títulos chegaremàs salas de aula. Se eles significarem, de fato,formação integral de professores-educadores.Aí, sim, os títulos terão real importância.

Newton Luís Mamede é Ombudsmanda Universidade de Uberaba

Newton Luís Mamede

A “importânciado título”

AÊhistóriaÊdoÊtempo;aÊforçaÊdaÊvidaÊ

Ralfer Zaidan5º período de Jornalismo

É incrível o poder das pessoas. Incal-culável ainda, a força que um ser possuiquando deseja alcançar um destino ou ob-jetivo. Fica para trás o medo, a desconfi-ança e a inveja. O homem se veste numamalha de compreensão e é capaz de voar.

E voa alto. Vai além das nuvens da ima-ginação e inunda o coração de ansiedade.É a vontade de vencer. E não existe coisamelhor do que um dia bem realizado. Époder descansar mais leve e ter a certezaque o compromisso foi cumprido.

Existem obstáculos. São nesses desafi-os, que descobrimos a força interior queexiste em cada um de nós. Um poder queàs vezes, não sabemos que somos possui-dores. Ter certeza que o ontem abriu por-tas para o hoje, faz parte da satisfação in-terior de cada ser. É cruzando destinos, queo homem ainda vive. Acorda todos os diase agradece por mais um período de exis-tência alcançada.

Quando existe o perigo, o homem seacaba em medo e revolta. O ser mais inte-ligente da natureza, agora teme a morte. Ocorpo estremece e o cérebro não aceita es-tímulos. Tudo fica paralisado e o choque éinevitável.

Mas, quando é o final? Por mais queestejamos preparados, nunca saberemos aocerto até onde conseguiremos chegar. Ima-ginemos então, uma longa distância a serpercorrida. A juventude dos pensamentos,é que levará o bicho homem pela estrada.E enquanto as pessoas continuarem so-nhando e acreditando em algo, o mundoexistirá. Nesta diária viagem que fazemos,somos apenas passageiros. Em algum lu-gar e tempo, teremos que descer. Só assim,o mundo parte para a sua eterna jornada.

Quando a partida é prematura, força-da, a dor fica ainda mais intensa em nos-sos corações. Não tomemos ar de revol-ta. Acreditemos então, no conforto doCriador. A jornada de trabalho durante odia e a viagem para a universidade aoentardecer, torna-se uma rotina desafia-dora para muitos e concluída por poucos.Meros vencedores.

E a vida? Essa por sua vez, fica parasempre nos corações daqueles que foramamados. O momento mais exato para a re-flexão interior, é agora. Uma compreensãointerna dos sentimentos fará com que acre-ditemos na força do viver. E o amanhã, con-tinua sendo o nosso mistério.

Condolências às famílias que foram en-volvidas no trágico acidente dos universi-tários de Sacramento.

reprodução

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Cassia Rocha4º periodo de Jornalismo

Uma das semanas mais movimentadasnos dois campi da Universidade de Uberabacomeça no próximo domingo, dia 19, coma abertura oficial da XIII Semana deSeminários. A programação especial deabertura, batizada de Domingo no Campus,vai proporcionarpara a comuni-dade acadêmica etoda a populaçãouberabense, apartir das 9h, umaprogramação di-versificada queinclui o recital do pianista Arthur MoreiraLima, às 11h30 no Campus II.

Durante toda manhã, vários cursosestarão desenvolvendo atividadesespecíficas voltadas para a comunidade. Ocurso de Educação Física, por exemplo, estáresponsável pela prática de rapel e de bunge-jump. Já o de Fonoaudiologia, irá trabalharcom audiometria, testando a capacidade deaudição das pessoas interessadas; aBiomedicina fará exames para detectar aDiabetes, e assim por diante. Enfim, todosos cursos estarão envolvidos.

O mestre em Ciências e ValoresHumanos, Hugo Prata, mebro da ComissãoCientífica responsável pela organização dosSeminários explicou que o objetivo doDomingo no Campus é promover ainteração entre a populçação uberabense ea universidade. Os professores do ensinomédio, por exemplo, estarão em contatocom os professores daUniversidade para a trocade experiências. “Esteintercâmbio é importante,pois o que não podeacontecer é trabalharmosnum sentido desejando um tipo de aluno e ocurso médio formar um outro tipo de aluno.É necessário que se tenha um contato paratrabalhar um objetivo comum”, explicou.

Na segunda-feira a programaçãocomeça logo pela manhã com palestras queacontecem simultaneamente em váriospontos do campus, divididas de acordo comos cursos do período matutino. A tarde, aspalestras prosseguem, atendendo aos cursosdo vespertino e a noite, por conseguinte as

palestras serão direcionadas aos alunos docurso noturno. Ao todo, estima-se queaconteçam cerca de 450 palestras durantetoda a semana de seminários que terminana sexta-feira. Para cada curso, sãodestinadas cerca de quatro palestras diárias,proferidas por profissionais renomados,indicados pelo próprio curso.

Hugo Prata ressalta que na semana deseminários a insti-tuição deseja pro-por ao aluno temasextra-curricularese palestrantes quetragam, novidades.“Os temas que sãodo di-a-dia, o aluno

recebe na sala de aula”, enfatiza. Se o alunonão for atraído por espontânea vontade, ainstituição de encarrega de garantir a presençadele nas palestras, pois eles são obrigados aatingir, no mínimo 12 horas de frequência nosseminários.

“O desejo da professora Elsie Barbosa,vice-reitora da Universidade, é trabalharpara que as palestras sejam cada vez maisinteressantes e para que aluno seconscientize da importância desteevento.Queremos com isto, que a semanade seminários não se transforme em algomassacrante e obrigatório, mas sim maisdemocrático em que o aluno assista o quequiser e se quiser”, defendeu.

Atrações culturaisAlém das palestras, durante a Semana

de Seminários acontecem atividadesparalelas. Nesta XIII edição, a programação

prevê exposições como amostra individual de ArtesPlásticas, do artista auto-didata e professor daUniversidade, DalmoCassimiro, que ficará na

Biblioteca Central do Campus II, de 20 a25; exposiçaõ denominada “Aguas eFotografias, que ficará no mesmo período,no Centro Cultural Cecília Palmério,Campus I; o Festival Universitário doMinuto, no dia 23 às 19h30 no auditório doCentro Cultural Cecília Palmério; e o desfile“As Divas do Cinema”, no dia 23, às 20hna quadra coberta do Campus II.

A participação do público é gratuita.Hugo Prata defende a idéia da criação de

eventos como este para que a comunidadefaça parte da Universidade pois poucaspessoas de Uberaba a conhecem e grandeparte da economia da cidade depende dosuniversitários. A instituição tem 7.300estudantes, deste total cerca de 5.000 são defor a. “A quantidade de pessoas quedependem dos estudantes é grande: são donosde bares, de pensões, motoristas de taxi entreoutros . Em época de férias as pessoas quevivem dessa renda ficam apavoradas pois omovimento acaba”, exemplifica.

A instituição tem mais de 1.000funcionários e mais de 1.000 professoresque vêm de fora e que gasta todo o seudinheiro aqui na cidade . No geral, oCampus tem uma população de quase10.000 mil habitantes, que vive com rendaprópria e a cidade se beneficia disso. HugoPrata acha que Uberaba deveria prestigiarmais a Universidade, porque a instituiçãoleva seu nome para muitas outras regiões.

Semana de Seminários inicia comDomingo no CampusUniversidade de Uberaba recebe Arthur Moreira Lima e convida toda a comunidade

No dia 22, paralela à Semana deSeminarios, um professor de cada curso degraduação tem encontro marcado com aComissão de Auto-Avaliação Institucionalda Universidade de Uberaba. A partir das14h será ministrado um mini-curso pelaprofessora Edna da Silva, coordenadora doDepartamento de Avaliação Institucional dauniversidade Anhanguera (São Paulo).

Durante toda a tarde, os professores vãoreceber instruções sobre os processos deavaliação institucional exigidos pelo MEC(Ministério da Educação). De acordo com oprofessor Ricardo Prata Soares, integrante daComissão de Auto-avaliação, asuniversidades são submetidas a esta análisepara atender ao processo de recredenciamento.

Segundo ele, a Universidade de Uberabavai adotar como metodologia para a suaauto-avaliação um questionário aberto àcomunidade (professores, funcionários e

alunos) abordando questões referentes àvida acadêmica. “Pretendemos colher aopinião da comunidade sobre váriasquestões, desde laboratórios, bibliotecas,disciplinas, professores, diretores, políticaadministrativa. Tudo será avaliado”,explicou.

O questionário será disponibilizado viainternet, e a pessoa que respondê-lo nãoprecisará se identificar. “Num primeiromomento, os instrumentos de pesquisa eavaliação devem aparecer como microopinião pública, onde o papel da pesquisa érevelar o estado atual de avaliação de nossaconvivência e interação. Em 2003,esperamos que este processo possacontinuar de forma natural, ou seja,institucional”, disse Ricardo Prata,salientando que esta é uma avaliaçãocontínua que visa a melhoria daUniversidade.

Curso prepara docentes

para avaliação

“A instituição desejapropor ao aluno temasextra-curriculares e palestrantesque tragam novidades”

A participação dopúblico é gratuita

Professores receberão instruções sobre osprocedimentos insticucionais exigidos pelo MEC

O pianista Arthur Moreira Lima fará recital noCampus na manhã de domingo

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Leonardo Boloni7º período de JornalismoAlessandra Mendonça6º período de Jornalismo

Neste mês de maio, nacidade de Uberaba, quembrilha nas passarelas pesamais de 50 arrobas. Depoisdo anúncio do leiloeiro, ascortinas se abrem e entra naarena um belo exemplar daraça zebuína. Os holofotes sedirecionam para o animal,atraindo as atenções esuscitando lances cada vezmais altos da platéia,composta por fazendeiros, que entre umuísque e outro, avaliam a postura do animale o lote a ser negociado.

Até o grande dia, quando serácomercializado, o boi ou a vaca passa poruma série de preparativos e avaliações. Sãoquesitos fundamentais que começam coma hereditariedade do animal passando pelotratamento que é dispensado pelo seu dono,e concluindo com um bom currículo depremiações em exposições anteriores, para

assim, garantir uma boavenda. “O animal tem quepreencher todos osrequisitos ideais para opadrão da raça, sejam asqualidades genéticas, raciaise econômicas, podendo serconsiderado um animal deelite. São animais quegeralmente conquistam oscampeonatos, e a cadaprêmio conquistado, elevaseu valor decomercialização”, explica omédico veterinário, criadore um dos jurados da ABCZ- Associação Brasileira de

Criadores de Zebu, Arnaldo Manoel deSouza Machado Borges.

Antes de chegar à pista, é feita umaprévia para avaliar a genética, o pedigree ea origem do animal. Nesta mesma avaliação,os organizadores buscam uma uniformidadedo lote, observando a pelagem, a idade e aqualidade. “Durante o julgamento, além dodesempenho e postura na pista, outro fatorque eleva o valor do animal é a cria ao pé(vaca acompanhada do bezerro), pois ela dá

garantia da qualidade do animal comomatriz”, diz o jurado.

Os lances podem chegar até centenas demilhares de reais, como foi o caso da vacaMoça TE, comercializada por R$ 700 mil,divididos em 14 parcelas de R$ 50 mil. Dos35 leilões realizados, foram movimentados,aproximadamente,R$ 32,9 milhõesconforme infor-mações divulgadasno site da ABCZ.

Os cuidadosdispensados paramanter um animalcomo este, que vale uma fortuna, vão desdeo carinho, à dedicação quase que exclusiva.O tratamento também implica em noites emclaro, quando a cria manifesta qualquersintoma de doença. A responsabilidade dequem cuida pode ser comparada com a dequem transporta uma maleta cheia dedinheiro. Pessoa com tal perfil, não énenhum executivo, mas sim o tratador, oempregado da fazenda do dono do gado. Aele, cabe as tarefas de dar banhos, tosar,servir uma alimentação balanceada, emanter um cuidado rigoroso com a saúde.O trato com os cascos é feito por umprofissional a parte, o casqueador.

A vida dosTratadoresEles possuem a

mesma genética deseus ancestrais,porém, neste caso,a hereditariedadepouco importaquando se trata de tratadores de animais. Oporte deles, geralmente parecidos, sãodaqueles que, com o tempo, demostram asdurezas do trabalho braçal; tem calos nasmãos e expressões marcadas pelo tempo.Mas são os escolhidos para tratarem destacriação valiosa e acompanhá-la no momento

de exposição.O trabalho é rigoroso. Limpam a área

onde o boi está, catando seu esterco, tratamda alimentação, dão banho e os conduzempara as pistas de julgamento. Na verdade,devem estar preparados para ficar deprontidão. “Aqui a gente tem que trabalhar

dia e noite. A partirdo momento quevocê entrou noparque, não temhora certa praparar”, conta LuizPereira Guedes 46anos. Para seu

colega de trabalho, Jorge Antônio Cardoso,33, o momento que exige mais do tratadoré durante a apresentação no julgamento.

Além disto, precisam ficar atentos aqualquer alteração no comportamento quepossa indicar uma possível doença. Os anosde experiência ensinaram os tratadores aobservar os animais. “Eles ficam tristes enão comem bem, aí a gente já sabe que algoestá errado”, diagnostica Luiz Guedes, quelida com gado desde os 14 anos de idade.Às vezes ele faz o papel de veterinário,quando percebe um sinal que indiqueproblema de saúde no animal, toma suasprovidências. Até coca-cola ele dá quando

o gado está“empanzinado”.“O animal tem quemelhorar empouco tempo, emtorno de uma hora,caso contrário,tenho que chamaro veterinário”.

Os tratadores também sentem quandoalgo de errado acontece. É o caso de LuizGuedes que presenciou a morte de umabezerra após ela ter ingerido um parafusoque estava da palha de arroz. “Fica ruim,né, a gente trabalha em cima disso e quandoacontece, é chato. Às vezes fico mais

Na terra do Zebu,quem temchifre é reiTratadores garantem maiores lucros aos criadores

Medalha, medalha, medalha...

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Tratador descança dividindo espaço com bois

O tratador Luiz Guedes dispensa muita atenção ao gado sob sua responsabilidade

A responsabilidade de quemcuida do gado pode ser comparadacom a de quem transporta umamaleta cheia de dinheiro

“Aqui a gente tem que trabalhardia e noite. A partir do momentoque você entrou no parque, nãotem hora certa pra parar”

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sentido que o patrão, pois dediquei meutrabalho, vi nascer, crescer e aí o bezerromorre por outro motivo”, lamenta.

Um problema comum para todos é olongo período que passam longe de seusfamiliares. Quando saem de casa, a maiorianão sabe quando volta. Ao longo do ano,alguns acompanham o gado em 10exposições, em média, por diversas partesdo Brasil. “Se o patrão avisar, jogo as tralhasno caminhão e vou embora, levando o gadona carroceria. Sinto falta de casa, da mulhere dos filhos, nada melhor do que o lar dagente”, completa Luiz Guedes.

Acomodações e descansoNa hora de dormir, alguns se deitam em

barracas dispostas próximas ao gado eoutros, em redes ou nas estruturasconstruídas sob os caibros dos pavilhões,os “tatuzinhos”. Um raro momento em quepodem ficar em uma posição superior aosanimais. Mesmo assim, alguns tratadores,que dormem acima do gado, reclamam queos longos chifres do guzerá acabam pegandono fundo destes “tatuzinhos”, incomodandoseus momentos de descanso.

Apesar da movimentação de pessoas nospavilhões e do som dos shows, elesconseguem dormir. “O trabalho cansa tanto,que dormimos mesmo com toda estabarulheira”, diz o tratador José Pereira, 37,que revesa com o irmão o trabalho e ohorário de descanso.

A esperança dese tornarem criadoresQuando questionados sobre a

possibilidade de um dia possuirem seu

Banhos fazem parte dos preparativos para o leilão

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“Acho que o sonho detodo tratador é um diater sua própria criação”

próprio rebanho, a maioria sonha. LuizGuedes recebe um salário de R$ 450,00 como qual mantém sua esposa e seus cincofilhos. Para ajudar, o patrão oferece umplano de saúde e dá uma porcentagem dasvendas nos leilões. Ele cuida de 11 cabeças

no parque. Com a venda de quatro cabeças,pode ganhar aproximandamente R$ 200,00a mais. “Trabalho dia e noite tentandomelhorar a vida e possuir alguma coisa”.Embora ele esteja com uma idade avançadaafirma: “a esperança é a última que morre”.

José Pereira ganha R$ 500,00 por mês.Ele não é casado, mora com a família nacidade de Sales de Oliveira (SP). De acordocom ele, o dinheiro que recebe “dá pralevar”. Juntamentecom seu irmão, tratamde 15 cabeças de gadoexpostas no parque.Ele tem experiência de10 anos na área e dizque o trabalho é bom,“Até a hora queaguentar a gente vai,né”. Ele procura ser realista, sabe que nuncapoderá tratar de seu próprio rebanho. Masnão deixa de sonhar. “Quem não gostariade ser um fazendeiro?”, disse, sorrindo. LuizGuedes completa: “Acho que o sonho detodo tratador é um dia ter criação própria”.

Jorge Antônio pode-se considerar umprivilegiado. Sozinho, cuida de 10 animaisna Expozebu. Ganha melhor que os outros,cerca de R$ 800,00. Sustenta a mulher e ostrês filhos que moram na roça, na região deLinhares (ES). “Por isso, o dinheiro ésuficiente”, completa. Ele ainda recebealgumas bonificações pelo seu trabalho.Existe uma comissão de R$ 100,00 seganhar o primeiro prêmio na pista. Caso faça

de um animal um grande campeão daexposição, ganha R$ 500,00.

Mas percebe-se um certo conformismoem meio a indignação, como deixa claroLuiz Guedes: “Prefiro nem levar em conta;como o salário em geral é este, não merevolto. Se for parar para pensar nisso, dávontade de brigar por algo melhor. Mas sei,que se sair do trabalho, tem dez esperandominha vaga. Então é desse jeito, antes pingar

do que faltar”, resume.Já Adair Silvestre,

27, foi contratado paratrabalhar apenasdurante esta exposição.Para cuidar de 12cabeças, recebeR$12,00 por dia, comtodas as suas despesas

pagas. Do seu trabalho sustenta seis pessoas:esposa e quatro filhos. Está disposto a fazero que mandar. Nos outros períodos do ano,costuma fazer bicos pela cidade.

Ele não se preocupa muito com osvalores comerciais que podem atingir umanimal deste porte. “ Não estou por dentrodo preço”, diz. Mas arrisca uma opinião emrelação a esta disparidade: “justo não é não.Eu acho que a gente poderia ganhar umpouquinho mais”. Mas se conforma, ediferentemente dos outros, procura nãosonhar alto, “Não tenho nenhuma cabeça deboi, prefiro levar essa vida assim mesmo.Ser fazendeiro deve dar muita dor decabeça”, supõe o trabalhador.

Jorge Antôniorecebe tratamentovip. Desta vez oboi ficou pra trás

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André Azevedo1º período de Jornalismo

“O passado dos homens e do mundo évivido também no cotidiano de todos”

Maria do Carmo Brant de Carvalho

Em meados do século XIX, CapitãoManoel Prata – amigo de Major Eustáquio,o fundador de Uberaba – mandou construira casa na esquina da praça Rui Barbosa coma rua Santo Antônio. Lá foram morar suafilha Anthonia Mathilde Prata, a Antoninha,juntamente com o marido Wencesláu Pereirade Oliveira, o Vença, agente executivo(cargo que hoje corresponde ao de prefeito)de Uberaba por dois mandatos. Vença eAntoninha tiveram nove filhos. A filha AnnaMathilde, a Quituca, casou-se com ArthurMachado. O filho João Eusébio Prata, o BemPrata, chegou a ser agente executivo nadécada de 30. Mas eles estão fora dessahistória. A filha Antonia Mathilde, a Tonica,casou-se com Zacarias Borges de Araújo etiveram dois filhos: Lauro Borges eZacarias, o Borgico. Vão morar na casa vizinha, na rua Santo Antônio. Voltaremos a

falar deles. Maria Castorina, a Cotinha,casou-se com Carlos Baptista Machado masmorre antes dos pais. Não se sabe a causa. Trêsfilhas, listadas na árvore genealógica da famíliaapenas pelos apelidos – Olivia, Bembem e Julia–, não se casaram, não geraram descendentes,continuaram a morar na casa e, como serámostrado, terão fim trágico.

A casa do lado direito, na rua SantoAntônio, pertenceua Zacarias e Tonicaque moravam comos filhos Lauro eBorgico. Na casa dolado esquerdo, àpraça Rui Barbosa,o porão era divididoem dois, abrigando,de um lado, o açougue de Don’Anna Felicce,mãe de Genário Felicce, que gostava de tocarviolino; o outro lado era a bicicletaria deVitorio Varoto. Don’Anna também sofrerápelo outro filho, o irmão de Genário.

José Carlos Machado Borges, 91,conhecido como Juquita Machado, lembra-

se do sucesso da bicicletaria de VitorioVaroto. “Ele ganhou muito dinheiroconsertando bicicleta. Não sei de onde saíatanta bicicleta”, diz. O prédio imediatamenteposterior era o antigo teatro São Luiz. JuquitaMachado conta que nunca se esqueceu desseprédio porque sempre que subia o morro epassava à porta via o buraco de bala naparede. “Gabriel Anconi, um amigo dafamília, jornalista, vizinho de minha avó, deu

um tiro numjardineiro umavez. Os Anconieram muito vio-lentos”, lembra. Acasa mais abaixofoi de JoaquimRodrigues deBarcelos, o Major

Quincota, mas ele também está fora de nossatriste história. Da casa da esquina, JuquitaMachado lembra-se vagamente, pois eracriança ainda quando passava à porta para irà Igreja. Ele imagina que foi demolida emmeados da década de 10, depois dasdesgraças que atingiram as famílias. Desde

então, nada foi construído lá. O século XXmal alvorecia e as nuvens da peste já haviamrondado a esquina da praça Rui Barbosa.

Escarrar e cuspirA tuberculose foi uma moléstia que

apavorou o imaginário popular à partir dofinal do século XVIII. Poetas românticoscomo Álvares de Azevedo, Cruz e Souza,Castro Alves, Cesário Verde, entre outros, aidealizavam como doença de intelectuais:morrer desse mal era tido como um charmemórbido. Entretanto, no final do século XIXa moléstia transmitida pelo bacilo de Kochfoi qualificada como “mal social”, ou “pestebranca”, pois a epidemia devorava apopulação em proporções assustadoras. Aviolência e rapidez dos sintomas fez com queganhasse o apelido de “galopante”. Segundoo estudo Memória da tuberculose,coordenado pela pesquisadora Tania MariaDias Fernandes e disponibilizado no site dafundação Oswaldo Cruz, (www.fiocruz.br/coc/catalogo-tuberculose) a Liga Brasileiracontra a Tuberculose, fundada em 1900,chegou a realizar intenso trabalho depropaganda para tentar minimizá-la, massomente com a reforma sanitária de CarlosChagas, em 1920, é que foi criada a Inspetoriade Profilaxia da Tuberculose. Era muito tardepara Olivia, Bembem e Julia.

Em pesquisa desenvolvida no programade pós-doutorado em História Social doMuseu Paulista da Universidade de SãoPaulo, Tania Andrade Lima explica que ohábito de escarrar e cuspir em público eraconsiderado um comportamento refinado naalta sociedade do século XIX. Asescarradeiras ou cuspideiras, de porcelanafina, vidro ou metais nobres, foram muitoutilizadas. Nas casas, eram deixadas àdisposição das visitas no chão da sala e nogabinete de fumantes. Aquela raspada ruidosana garganta seguida de pressão nas bochechaspara o lançamento do jato triunfal na

José Carlos Machado Borges, o Juquita Machado, autor da árvore genealógica dos Borges,é notório na cidade por sua memória prodigiosa aos 91 anos

André Azevedo

Tragédia das filhas de Wenceslau Pereirade Oliveira foi abafada pela alta sociedade

reprodução

Juquita Machado imagina que acasa foi demolida em meados dadécada de 10, depois das desgraçasque atingiram as famílias

Maria Castorina, a Cotinha, e seu marido CarlosBaptista Machado. Filha legítima de Wencesláu,seu nome foi suprimido em livro da história

reprodução (arquivo Juquita Machado)

ESCOMBROS DA MEMÓRIA COLETIVA

História havia sido condenadaao esquecimentoCasa demolida guardava lembranças de famílias que sofreramcom a moléstia que atormentou o imaginário do século XIX

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escarradeira da sala, no meio de um agradávelbate-papo entre senhoras, era não apenassocialmente tolerado, mas sobretudo umademonstração de elegância.

“Associando o hábito de escarrar a umdos problemas de saúde mais freqüentes àépoca — a tuberculose —, é bastanteprovável que esta prática tenha contribuídofortemente para a rápida disseminação dobacilo de Koch no século passado” escreve apesquisadora no artigo Humores e odores:ordem corporal e ordem social no Rio deJaneiro, século XIX. Em ambientes fechados,sem ventilação, gotículas dos escarros ficamem suspensão e favorecem a contaminação.

De fato, em 1934,anos depois do iníciodas reformas de Cha-gas, foi publicado umedital no Rio deJaneiro onde se proibiaterminantemente o atode cuspir e escarrar:“Tornando-se necessário conjurar esforçossubsidiários no sentido de diminuir asprobabilidades e contaminação pelo terrívelflagelo que a Tuberculose constitui (...) Faz-se público a seguinte determinação: Éproibido escarrar no chão, quer na viapública, quer nos edifícios municipais (...)ou em qualquer veículo que transite nessacidade, bem como em hotéis, casas de pensãoou pasto, nos cafés e em todos osestabelecimentos comerciais abertos aopúblico”. Muito tarde para Lauro Borges eseu irmão, Borgico. Homens elegantes queeram, certamente não se furtavam à fineza

de dar aquela escarradinha entre os colóquiosfamiliares na sala de dona Antoninha.Escarradinhas fatais, como veremos.

Vomitando sangueO principal sintoma da tuberculose é a

tosse, no início seca e depois com secreção.Em estágios avançados o doente costumatossir sangue. A febre é moderada e costumaaparecer à tarde. O tuberculoso também sofrede anorexia, dor no peito, suores noturnos eforte sensação de cansaço. Os leitores doRevelação serão poupados de fotos detuberculosos, pois a condição terminal élamentavelmente repulsiva. O doente

a s s e m e l h a - s eàquelas caveirascobertas de pelepodre que ficam searrastando e ge-mendo nos pioresfilmes de horror.Juquita Machado

não conheceu pessoalmente as filhas deWencesláu, mas lembra-se do caso. “Erammoças fortes e de repente – é uma mortemuito violenta – começaram a vomitarsangue e páf!”, diz.

O drama da família de Wencesláu eTonica foi completamente abafado nasociedade. Há apenas uma sutil referência naimprensa da época sobre a agonia familiarcom a tuberculose de Olivia, Bebem e Julia:um texto de Hildebrando Pontes republicadono Almanaque Uberabense de 1911, escritopor ocasião da morte de Wencesláu. Mas issoserá falado mais adiante.

Algum tempo depois dessa tragédia nacasa da esquina, os vizinhos da rua SantoAntônio passaram a tossir seco... Eram LauroBorges, então um jovem advogado ejornalista, e o irmão Borgico. Lauro formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pelafaculdade de Direito de São Paulo e escreviaregularmente na Gazeta de Uberaba, deTobias Rosa. Com seu primo, Dr. Alaor PrataSoares, fundou e dirigiu o jornal O Tempopor cinco anos. Jovem ainda, tinha fama deser brilhante. Para a angústia de Tonica, a mãe,(Zacarias, o pai,havia morrido em1897) aquelas tossesassemelhavam-secada vez mais comos sintomas daqueladoença que nãoousavam sequerdizer o nome; a “insidiosa molés-tia”. Assuspeitas foram confirmadas quando osrapazes, entre uma escarrada e outra, tossiramsangue. A mãe, desesperada, decidiu levá-losà Suíça para que respirassem o ar dasmontanhas – na época, acreditava-se que oclima montanhês, aliado ao repouso e à boaalimentação, proporcionasse cura espon-

tânea. Juquita Machado lembra que, noBrasil, a cidade de Campos do Jordão abrigavasanatórios procurados por tuberculosos de todoo país. Em Memória da tuberculose, o médicoRaphael de Paula Souza relata em depoimento:“Alguns morriam logo que chegavam naestação de Campos do Jordão. (...) Morriamali no próprio pátio onde se descia, ali naestação. Isso era freqüente. Era coisa diária,uma coisa trágica”.

Juquita Machado guarda histórias dosofrimento de Tonica, que é sua tia-avó. “Elaperdeu uma das asas do nariz por causa dageada na Suíça. Depois colocou um enxerto,mas ficou escuro, de modo que a gente olhavae via a diferença”, conta. Lauro Borges foidevorado pela tuberculose e morreu na Europaaos 26 anos em 31 de janeiro de 1913. Paraacompanhar a agonia do outro filho, Tonicadecidiu permanecer no velho continente. Lápassou o natal e ano novo. Enquanto isso, ocorpo de Lauro ficou depositado em um caixãode chumbo. O tempo foi passando e uma outrabomba relógio na vida da sofrida mãe estavaprestes a explodir...

Em 28 de junho de 1914, o arquiduqueFrancisco Ferdinando, sucessor do Império

Austro-Húngaro, esua esposa são assas-sinados durante visitaa Sarajevo, naBósnia-Herzegóvina.Borgico não apresen-tava melhoras e conti-nuava em tratamento

na Suíça. A mãe cada vez mais aflita...No dia 3 de agosto de 1914, o mundo

entra em guerra. O Reino Unido alia-se àFrança; a Turquia, do lado dos alemães, atacaos portos russos no mar Negro; o Japão,interessado nos domínios germânicos noExtremo Oriente, engrossa o bloco contra aAlemanha: é a Primeira Guerra Mundial. Em

22 de agosto de 1914, Borgico falece naSuíça consumido pela tuberculose. SegundoEliane Marquez, uma versão dessa históriaque ainda circula em relatos orais conta queTonica teve grande dificuldade para voltar àUberaba com os corpos dos filhos por causada agitação no Atlântico. Não se sabe direitocomo conseguiu. A pedido da reportagem doRevelação, a aluna de História da Universidadede Uberaba, Cristiane Ferreira, foi aocemitério municipal conferir, no jazigo dafamília, as datas de morte de Lauro Borges eBorgico. Os registros conferem com os relatosde memória de Juquita Machado, assim comoa hipótese relatada por Eliane Marquez, deque Tonica pode ter tido problemas pararetornar: Lauro Borges faleceu de fato em 31de janeiro de 1913; Borgico em 22 de agostode 1914. Tonica, que viu as irmãs e os filhosconsumidos pela tuberculose, só veio a falecerem 30 de abril de 1941.

Vamos voltar alguns anos e observar acasa da esquina. Desolada com a morte dasfilhas, desconsolada com a morte do maridoem 1910, Antoninha decidiu vender a casa.Há relatos sugerindo que o poder públicodedetizou os cômodos, mas mesmo assimninguém quis comprá-la. Juquita Machadodiz que é o “medo do micróbio”. Em outraversão, diz-se que uma família chegou acomprar a casa e também morreram todos detuberculose. Mas esta reportagem nãoencontrou nenhum indício ou relato detalhadosobre essa suposta família. Juquita Machadolembra-se que um filho de Don’Anna, irmãode Genário, o que gostava de tocar violino,também morreu de tuberculose. A casa daesquina foi finalmente demolida, pro-vavelmente na primeira década do século. Eaí está, então, o primeiro fenômeno que tornanosso mistério definitivamente intrigante:nunca mais nada foi construído no terrenodesde a década de 10.

O hábito de escarrar e cuspirem público era considerado umcomportamento refinado naalta sociedade do século XIX

Arquivo Eliane Marquez

Foto do largo da Matriz em 1916 é um dos três registros encontrados que indicariam a existência da casa

Algum tempo depois dessatragédia na casa da esquina,os vizinhos da rua Santo Antôniopassaram tossir seco...

Liga Brasileira contra a Tuberculose, fundadaem 1900, a realizou intenso trabalho depropaganda para tentar minimizá-la

reprodução

continua

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Terreno baldio no centrão da cidadeHoje, no terreno da esquina da praça Rui

Barbosa com a rua Santo Antônio, entre oedifício Éden e um laboratório médico,funciona um estacionamento. Desde a décadade 10, nunca foi feito qualquer tipo deconstrução nessa esquina. Eliane Marquez,lembra que, em sua infância, o terreno chegoua abrigar por uns tempos uma espécie deparquinho com brinquedos e carrossel, masnenhuma construção. Um uberabense de 77anos lembra-se de histórias que viveu noterreno baldio quando era criança.Desconfiado, preferiu entretanto não seidentificar. “Não quero falar meu nome. Umavez dei uma entrevistana TV – aquelasenquetes de opinião –e meti o pau! Aí a turmame viu e ficou ligandolá em casa enchendo osaco!”, brinca.

Ele diz que, desdeque se entende porgente, aquele terreno permanece vazio. “De70 anos pra cá nunca foi construído nada.Por muito tempo foi terreno baldio, cheiode capim, não tinha nem fechamento”. Nasprimeiras décadas do século passado ojardim da praça Rui Barbosa era repleto depalmeiras. “Eu era menino e guardavafolhas de palmeira no terreno baldio prabrincar depois na porta da catedral. Ummontava na folha e o outro puxava.Brincadeira sadia. Quem acabou com aspalmeiras foi aquele Wadir Nassif, prefeitona época da ditadura do Getúlio”, disse.

O uberabense Afrânio Luiz de Azevedoorgulha-se da boa memória e da saúdeexibida aos 83 anos. “Sou de 5 de abril de1919. Nunca fiz extravagância. Só bebipinga uma vez na vida e fiquei tonto”, disse.Seu Afrânio já prestou muitos serviços narua Santo Antônio. “Eu que forneci as pedrasde tapiocanga para casa de MariquinhaMachado Borges e do Coronel Geraldino,[presidente da câmara dos vereadores e agenteexecutivo em 1924, substituindo Leopoldinode Oliveira]”, diz. Nos seus 83 anos, afirmaque nunca viu qualquer construção naqueleterreno da esquina.

Atualmente, nessa obsessão tarada porestacionamentos, compreende-se – àcontragosto – que um terreno baldiosurrealista, localizado no ponto central dacidade, seja explorado economicamente

num negócio de guardar carros. A sanha porvagas é tão doentia que, vez ou outra,ouvem-se rumores de proprietáriospretendendo destruir o patrimônio históricopara instalar estacionamentos. Se asociedade e o poder público não ficarem deolho, a memória de Uberaba pode ir ao chãoa qualquer momento. Mas essa fúria maníacapor vagas para carro, pretexto utilizado háquinze ou vinte anos, não explica o terrenobaldio que atravessou o século.

Alguns dos entrevistados imaginam quea especulação imobiliária por si só congelouo terreno em todo o século XX. Algunstaxistas no centro da cidade – é impres-

sionante como essessujeitos sabem de tudo– afirmam que o lote foicomprado pelo fazen-deiro Osório Adriano edeixado como herança àfamília. Mas outraspessoas lembram que,nessa história, pousa o

espectro da superstição e do imagináriopopular. Há outro mistério que deixa o casoainda mais charmoso: apesar das dezenas defotografias retratando a praça Rui Barbosada época, não há fotos dessa casa. Mas issoserá explicado mais adiante.

História estava quase perdidaPoucas pessoas na cidade conheciam esta

história com detalhes. Eliane Marquez afirmaque o caso sobrevivia apenas na tradição oral.Não existia qualquer relato por escrito. Porisso, estava quase perdida com a passagemdas gerações. O historiador e pesquisador doArquivo Público, Pedro Coutinho, afirmouque já ouviu falar da história, mas semdetalhes. Fontes das famílias que preferiramnão ser identificadas ajudaram a construirgrande parte desse quebra-cabeça.

Ao entrevistar as pessoas na praça dosCorreios, na praça Rui Barbosa e nocalçadão da rua Arthur Machado, percebe-se que poucos conhecem a história, e mesmoassim de forma bastante imprecisa. VeraLúcia Chaves de Olivera, 49, moradora docentro da cidade, já ouviu falar, de formamuito superficial, de uma antiga história decerta família que morou na praça e morreude tuberculose. O uberabense Benedito Joséda Silva, 75, também já ouviu algo parecido,também de forma muito difusa e genérica.Célia Regina, 55, voluntária do VENCER

– grupo de apoio às famílias de doentes decâncer –, lembra que seus avós contavam ahistória para passar medo nela quandocriança. “Se a gente não queria tomarremédio, eles falavam: toma, senão vaiacontecer igual à família da casa da RuiBarbosa”, lembra.

Maria da Silva, catadora de papel nocentro da cidade, nunca ouviu falar dahistória. “Eu sei é do caso dos meninos quenasceram peludo e com a formatura igualmacaco. Tem um tempo já que aconteceu.Eles moravam lá naMata do Ipê. Não seise ainda estão lá. Essados tuberculosos eunão conheço”, diz.

Provavelmente portratar-se de família daalta sociedade uberabense, a imprensa emesmo os livros de história relegaram nãosó a história, mas as próprias pessoas aoesquecimento. De fato, em depoimento àMemória da Tuberculose, o médico AldoVillas Boas relata que a tuberculose era umtabu. “Nenhuma família admitia ter um casode tuberculose, embora todas tivessem”, diz.

Em História de Uberaba, de JoséMendonça (Academia de Letras doTriângulo Mineiro, 1974. p. 221), estãoregistrados apenas quatro filhos deWencesláu: João Eusébio, Joaquim, Ana e

Antônia. Não há sequer referência às filhasmortas. Entretanto, no livro de árvoregenealógica Do Silva ao Prata, de DeliaMaria Prata Ferreira, (1990, p. 95), as filhasOlivia, Bembem e Julia estão registradasnos sub itens 2.7, 2.8 e 2.9, referente aos filhosdo casal Wencesláu e Antônia, dessa formamesmo, ou seja, apenas no primeiro nome ou,no caso de Bembem, no apelido. Em Históriade Uberaba nota-se também a omissão de maisdois filhos: Maria Castorina, a Cotinha; eWenceslau, o Lauzinho. Cotinha está

registrada no sub item2.6, que também traz afoto reproduzida na pág.6 do Revelação.

No AlmanaqueUberabense de 1911,editado pela Livraria

Século XX (p. 152-158), disponível noArquivo Público Municipal, encontra-se umartigo publicado em reverência à memóriade Wencesláu, falecido no ano anterior. Oestilo é um nariz-de-cera delicioso, namelhor tradição das letras barrocas. O textodiscorre uma bonita biografia de nossopersonagem. Descobre-se que Wencesláu eraprofessor e fundou, atendendo a convite doengenheiro Fernando Vaz de Mello, o colégioVaz de Mello, o primeiro estabelecimento deensino de Uberaba, segundo o relato doAlmanaque.

Em uma das raras fotos da praça Rui Barbosa onde o ângulo engloba a esquina das ruas SantoAntônio com Olegário Maciel, nota-se a falha do terreno baldio no meio dos outros prédios

Esquina foi evitada nos enquadramentos de fotos que retrataram a praça em todos os períodos cronológicos da cidade. Terreno está sempre aquém ou além do corte das fotos

Desde a década de 10,nunca foi feito qualquertipo de construção noterreno da esquina

“Nenhuma família admitiater um caso de tuberculose,embora todas tivessem”

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Arquivo Público

fotos: arquivo Eliane Marquez

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Em artigo assinado por HidelbrandoPontes, nessa mesma edição do AlmanaqueUberabense, a relação de Wencesláu comos alunos é assim descrita: “Com quecaricias, intuição e methodo não fazia ellegravar no cerebro juvenil dos nossospatricios lições de arithmetica, portuguez,francez e latim (...). Wencesláu tambémescreveu para o Gazeta de Uberaba e foicorrespondente durante muitos anos doCorreio Mercantil, do Rio de Janeiro.

E então os detalhes que queremos: “Aquicontrahiu nupcias com a exma. sra. d.Antonia Mathilde de Oliveira, filha legítimado Capitão Manoel Joaquim da Silva Prata,em 28 de setembro de 1856, tendo desseconsorcio nove filhos, dos quaes sobrevivemquatro (...) (grifo nosso). Cotinha, portanto,já havia morrido antes do pai. Não se sabe sefoi também tuberculose.

No texto de Hidelbrando Pontes,encontramos, finalmente, depois de umaode à figura de Wencesláu, uma referênciaà tragédia que levou a família ao desespero:

“Bom cidadão, espírito culto, almagenerosa, dois annos depois eil-o pelos laçosdo matrimonio ligado a uma distincta moçade conceituadissima familia desta terra.

Decorrem-se os anos, vemol-o rodeiadode seus herdeiros para os quaes o seu bellocoração de mineiro nato é um precioso vaso,a transbordar incessantemente os maissublimes exemplos de honestidade ebondade. Mas a sorte amara entendeuescolhel-o para seu divertimento, roubando-lhe a curtos intervalosmaior parte dessesfragmentos de suaalma e leval-os paramuito longe... além.

Esses golpes brus-cos, tão naturaes, masinconformaveis, dei-xaram nas suas vene-radas faces profundos sulcos visiveismesmo através do eterno sorriso errantedos seus lábios.” (grifo nosso)

Coitado de Wenceslau e Antoninha.Devem ter sofrido demais. Na primeiraedição do Almanaque Uberabense, em1895, estão listados os nomes e endereçosde todos os estabelecimentos comerciais dacidade na época. Na praça Rui Barbosa, queentão chamava-se largo da Matriz, constamnessa listagem, entre outros escritórios, oconsultório médico do Dr. José Joaquim O.Teixeira e a “pharmacia” Sampaio &Zeferino. Na edição de 1911 do Almanaquefoi publicado um anúncio de um remédiocontra a tuberculose, o PHOSPHO-THIOCOL granulado de Gioffoni.“Restaurador pulmonar de grande valor, oPHOSPHO-THIOCOL de Gioffoni tonificao organismo de modo a resistir á invasãodo bacilo de Koch e extermina este quandojá há contaminação. Adorável ao paladar,pode ser usado puro ou no leite, cujo sabornão altera (...)”. Portanto, em um exercíciode reconstituição do cotidiano histórico,permitiríamos imaginar dona Antoninha

caminhando aflita até o consultório do Dr.Teixeira, que receitava o PHOSPHO-THIOCOL granulado de Gioffoni, que eraentão comprado na pharmacia Sampaio &Zeferino, tudo no largo da Matriz.

Mas outro fenômeno concorre para que ahistória permaneça no esquecimento: não há,nos principais arquivos de Uberaba ou nosguardados pessoais de descendentes, nenhumafoto da casa. Além disso, em toda a história

da cidade, há pouquís-simas fotos daquelaesquina, como serádemonstrado a seguir.

Não existemfotos da casaEliane Marquez

possui um grandearquivo de fotografias históricas da cidade.A pedido da reportagem do Revelação,selecionou dezenas de reproduções da praçado final do século XIX e primeira metadedo século XX, certa de que encontraria acasa em questão. Nada feito. Admitiu quenão tinha a foto. Uma fotografia retratandouma parada de alunos maristas em 1916(foto na pág. 7) parece ter, ao fundo, oespectro da casa. Mas não dá para tercerteza, porque está muito embaçada eembaralhada. Flávio Arduini Canassa,historiador e pesquisador do ArquivoPúblico Municipal, procurou no respeitávelacervo da instituição, mas não encontrou.A única foto disponível em que talvez a casaesteja presente, bem lá no fundo e de formamuito difusa, é uma reprodução da mesmafoto da professora Eliane Marquez. Na salade pesquisa coletiva do Arquivo encontra-se, afixado à parede, uma fotografia do largoda Matriz, tirada em 1894, onde a casaparece estar ao fundo, mas de forma bastantedifusa e espectral.

O escritor e professor na Universidadede Uberaba, Hugo Prata, tem em suas mãos

uma coleção da revista Lavoura &Comércio com exemplares a partir de 1918.Há dezenas de fotografias de várias épocasda praça. Mas nada da casa. JuquitaMachado tem a alma de arquivista e guardaconsigo fotografias colecionadas nos seus91 anos de vida. Também não tem foto dacasa. Na coleção do Almanaque Uberabensedisponível do Arquivo Público há muitasfotos da praça: a casa não aparece emnenhuma. A Biblioteca Central daUniversidade de Uberaba tem livros, tesese monografias sobre a cidade. Algumasobras apresentam diversas reproduções dofinal do século XIX e começo de XX. Nadada casa. As estudantesde Arquitetura daUniversidade deUberaba, Lilia Lucenae Fernanda Castro,estão concluindo umprojeto de iniciaçãocientífica cujo tema éa revitalização docentro histórico de Uberaba. Centradas napraça Rui Barbosa, pesquisaram emdiversos arquivos. Encontraram fartomaterial, mas nada da casa.

O fotógrafo Ricardo Prieto é proprietáriode um dos arquivos mais representativos dacidade. Possui originais e reproduções dediversos períodos dos 182 anos de Uberaba.Todas as mansões e prédios já demolidosda praça estão lá retratados. O antigo prédioda Câmara Municipal, a casa do MajorQuincota, o antigo teatro São Luís, abicicletaria de Varoto e o açougue deDon’Anna... mas nada da mansão dostuberculosos.

Analisando com mais atenção os cortesnas fotografias, Prieto notou um fenômenoque o deixou curioso. No seu arquivo –assim como notado em todos os arquivosconsultados pela reportagem do Revelação– três cantos da praça Rui Barbosa foramexaustivamente fotografados em todas asépocas. Há dezenas de fotos retratando aesquina do cruzamento com as ruas SãoSebastião e Tristão de Castro – prédio doantigo conservatório e a Vila Real; a esquina

da rua Manoel Borges – Câmara Municipale Hotel Chaves (antigo prédio do NotreDame de Paris); e o cruzamento com aVigário Silva, a alguns metros do Lavourae Comércio. Mas a quarta esquina, ocruzamento com a rua Santo Antônio, quasenunca aparece no panorama de qualquerfoto. A esquina está sempre a alguns metrosalém ou aquém do corte das fotos. As maisassombrosas são as dezenas de fotos daigreja Matriz (veja exemplos na pág. 8), quequase sempre englobam a esquina da ruaSão Sebastião, à direita, mas em raríssimasposes incluem a esquina da rua SantoAntônio, à esquerda. Os cortes estão sempre

a alguns metros dessaesquina. Ricardo Prietoadmitiu que nuncahavia percebido essefenômeno e declarou-se surpreso com aconstatação. “De fato,aquele ângulo foitotalmente esquecido

pelos fotógrafos da cidade”, afirmou.A única foto em seu arquivo que pode

ser um registro parcial da casa é aquelapublicada na capa do Revelação ereproduzida abaixo. A foto provavelmentefoi tirada na década de 10. Pelo estado daparede, imaginaríamos que já estavaabandonada. O pequeno prédio cinza escurono centro é o teatro São Luís, atual cine-teatro São Luiz. A casa mais acima é abicicletaria de Vitorio Varoto e açougue deDon’Anna Felicce. Comparando a partir doponto de vista do fotógrafo, que certamenteposicionou-se no alto da igreja Matriz,parece provável que essa construção deparede descascada e janelas escuras no cantodireito da foto trata-se da casa em questão.

Ao pegar pela primeira vez em sua vidaessa foto, Juquita Machado voltou no tempoe subiu novamente pela calçada do largo daMatriz, cumprimentou Major Quincota àporta de casa, olhou para o buraco de balana parede do teatro São Luiz, ouviu GenárioFelicce tocando seu violino, reconheceu alateral da casa da esquina, sentiu seu coraçãobatendo e afirmou: “esta é a casa”.

Todos os prédios da praça foram exaustivamentefotografados. Menos a casa de Wencesláu

Juquita Machado voltou no tempo e caminhou no cenário desta foto do início do século XX

Não há, nos principaisarquivos de Uberaba ounos guardados pessoaisde descendentes,nenhuma foto da casa

A única foto que podeser um registro parcialé aquela publicada nacapa do Revelação ereproduzida abaixo

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arquivo Eliane Marquez

arquivo Ricardo Prieto

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Margarida Ribeiro7º período de Jornalismo

Celibato é um assunto que vira e mexeestá fazendo parte dos temas polêmicos. Ecomo não poderia ser diferente, surgem muitasopiniões e questionamentos do tipo: quesentido tem o celibato na vida de uma pessoa?Ou ainda, porque padre não pode casar-se?Existem também indagações fundamentadasno primeiro livro da Bíblia, em que diz que ohomem e a mulher devem ser fecundos e semultiplicarem (Gênesis 1, 28). Colocaçõespertinentes como estas, costumamacompanhar as conversas sobre a questão.

Para conhecer o sentido real destapequena palavra adjetivada de váriosmodos, recorremos aos escritos das ediçõespaulinas sobre temas de espiritualidade, quesão fiéis aos conteúdos da tradição cristã. Adescoberta foi que, o celibato no século IIera vivido por crentes celibatários,chamados de ascetas, e mulheres, chamadasde virgens, que vivem este estado em honraa Jesus Cristo.

No século III, háafirmativa de que ocelibato e o matrimônio,por sua natureza, são doisestados indiferentes e queo que conta é o amorneles vivido. É possívelser irrepreensível também no matrimônio; noentanto a virgindade é um dom indescritível.Naquele século, o celibato era interpretadocomo testemunho de virgindade, comoviveram os profetas Elias, Eliseu, João Batista,os apóstolos João e Paulo.

No séc. IV é consolidado na vidasacerdotal. Neste período o celibatoencontrou o seu estatuto definitivo naespiritualidade e na vida cristã. Asobrigações do celibato foram solenementesancionadas pelo Concílio de Trento(Assembléia de autoridades católicasconvidadas que tratam assuntos dogmáticos,doutrinários ou disciplinares), e por fiminseridas no Código de Direito Canônico(cân. 277). (Código de Direito Canônico -coleção de leis que regem a Igreja Católica).

Hoje, voltam-se a ler o celibato ematrimônio, ligando-os um ao outro, porqueum explica o outro e reciprocamenterecebem o seu valor.

O celibato cristão é vocação,

desprendimento, amor a Cristo, domconcedido para utilidade da Igreja, apesarde ser duramente criticado por algumaspessoas. Até mesmo provocando reaçõesque vão desde incredulidade em relação àsua possibilidade até o desprezo aberto.

Mesmo diante de pontos de vista quedivergem, a Arquidiocese de Uberaba contacom 56 padres diocesanos, dois arcebispos,vários padres religiosos, somando quase 70ministros de Deus que se dispuseram a viverconforme o modo de vida de Cristo.

Sentido profundo do CelibatoO arcebispo emérito de Uberaba dom

Benedito de Ulhoa Vieira, explica que osignificado de celibato é o contrário dasexpressões que saem nas televisões e nosjornais. Não é dogma. Dogma é umaverdade de fé que não se discute. O celibatoé uma questão de disciplina eclesiástica.

No início do cristianismo não havia essalei do celibato para os sacerdotes e os bispos.Havia sim, uma disposição pessoal dos

religiosos. Depois, nodecorrer dos séculos, aIgreja põe essa norma devida, que é uma leidifícil, mas que tem suasraízes sublimes, vindasdo evangelho. Emprimeiro lugar, a

imitação de Jesus Cristo que não foi casado.Dom Benedito esclarece que para o

padre que participa da vida da Igreja e queé o representante de Jesus, convém que eleseja o mais próximo possível daquilo queJesus foi. Recorda do documento oficial daIgreja, escrito em 1967 pelo papa João VI arespeito deste assunto. “O celibato não abafaa psique humana, nós continuamoshumanos, homens viris, continuamos coma nossa afetividade; o que acontece é umamor maior”. Alguém pode questionar: queamor maior é esse, do qual fala o papa?

Dom Benedito tem a explicação. Elecomenta que o homem que escolhe umamulher para casar-se, deve segundo a lei doevangelho, dar todo amor de sua vida a essamulher e ao filhos que vierem depois.“Como diz o apóstolo Paulo, ele tem quedividir-se entre a mulher e Deus”.

No caso do celibato sacerdotal ereligioso é uma consagração total da vida.Às vezes se ouve: o padre não pode casar.

“Eu acho essa definição horrorosa. O celibatonão é não casar. É muito maior. É umaatitude de um amor profundo a Deus. Porcausa de Deus, a pessoa que se consagrou aele pelo celibato se dedica então ao povodesem-pedidamente de uma fa-mília. Setivesse uma família e filho comopoderia dar o tempo integral aDeus. Estar a disposiçãodos doentes, dascrianças, dos jovens ede todos?”, indagadom Benedito.

O bispo de-clara que ocelibato não éfalta de amor, masé amor maior e,que não há divisãoda psicologia com oafeto do consagrado.Continuam com astendências normais.“Consagramos tudo isto aDeus por um amor maior,que é de querer só Deusem nossa vida, e porcausa de Deus nosdedicamos ao próximo”

Muitas coisas às vezes acontecem nahistória da Igreja e são lamentáveis. “Nósnão podemos tomar as exceções como umaregra. Na vida sacerdotal existem casoslamentáveis, dolorosos, no passado e nopresente, mas felizmente digo, que essescasos são excepcionais, o número de padresque morrem com odor de santidade éconhecido pelo povo como homens santos enós temos a consolação até de dizer não sópadres, mas, bispos”. Ele cita um bispo antigoaqui em Uberaba, domAntonio Lustosa. Foibispo de Uberaba, depoisterminou a vida comoarcebispo de Fortaleza.Ele está em processo decanonização. Outroexemplo de santidademencionado é dom Gabriel Couto, que foibispo em Jundiai SP, e também tem processode canonização. “Todos esses bispos forampadres, antes de serem bispos”.

Dom Angélico Sândalo Bernardino,Bispo de Blumenau (SC) e responsável peloSetor de Vocações e Ministérios daConfederação Nacional dos Bispos doBrasil (CNBB), escreveu para o boletimnº648 da CNBB dizendo que o celibato édom concedido por Deus à pessoa que seentrega de modo absorvente, radical, decorpo e alma à causa do Reino. É explosãode amor. Jesus foi celibatário não porobrigação e, sim, por livre opção daentrega total de sua vida ao Reino do Pai!No evangelho de Mateus (19,1-9), depoisda controvérsia sobre o divórcio, Jesus sereporta ao celibato, como dom,afirmando: “existem os que não se casampor causa do Reino dos céus! Quem puderentender, entenda!”.

O bispo Benedito Ulhoa, fala que a

Igreja latina escolhe seus padres, entrehomens que vivem em celibato e pretendemmanter o celibato. “Ninguém pode serforçado, obrigado, a ser celibatário, a nãose casar, para ser padre”.

Conforme o mesmo bispo, os requisitosnecessários para os jovens que

desejam entrar para osacerdócio, que quer

oferecer a vida aDeus, na

integridade dasua pureza e doseu celibato,tem de ser umhomem deoração, quesabe abster-seaté mesmo de

prazeres lícitos”.

Exemplosde dedicaçãoPara ilustrar a

dedicação desses ho-mens que estão aserviço de Deus, domBenedito citou uma

passagem de sua vida, de quando esteve emretiro no Acre junto a outros padres alemães.Ele trabalhava com a comunidade ribeirinhae com os índios. Para ir de uma localidadea outra, levava cerca de oito dias. Segundodom Benedito, os padres alemãesdedicavam intensamente à missão ealegavam que, se pudessem, iriam para casaapenas de três em três anos. “A nossa vidatem que ser aqui, dedicada aos índios e àscomunidades da beirada do rio”, dizia osmissionários a dom Benedito.

Dedicação assim nãoé previlégio apenas doAcre, conforme res-saltou dom Benedito.Aqui em Uberaba hácelibatários que dei-xaram tudo, inclusive apossibilidade de possuir

grandes bens, para dedicarem-se à prestaçãode serviço por tempo integral ao povo. É ocaso de dom Antonio Alberto Guimarães,que nasceu numa fazenda no município deUberaba e hoje é bispo da diocese deCaetité, na Bahia. No período em querealizava missões, quando ainda não erabispo, dom Alberto a cada dia dormia numacasa, pois todos os dias estava em lugardiferente, cumprindo seu compromisso demissionário. Foi o que nos relatou. Comobispo ele também defendeu muitospequenos agricultores de grileiros quetentavam tomar suas terras.

De acordo com diversas publicaçõesdas mídias catól icas , mui tosmissionários foram martirizados naAmérica Latina por defenderem a causados menos favori tos. Se fôssemoselencar o nome dos celibatários, quemorreram porque defendiam a causa daspessoas pobres, com certeza seria bemgrande a lista.

Celibato:contra ou a favorcontra ou a favorcontra ou a favorcontra ou a favorcontra ou a favorCrise vivida pela igreja católica abre novamente adiscussão sobre a liberação do casamento para os padres

“Existem os que não secasam por causa do Reinodos céus! Quem puderentender, entenda!”

“Ninguém pode serforçado, obrigado, a sercelibatário, a não secasar, para ser padre”

arquivo

Para dom Benedito, celibato équestão de disciplina eclesiástica

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Wesley Jacinto7º período de Jornalismo

No dia 15 de maio, comemora-se o diado Assistente Social. Um profissional denível superior, formado no curso deSeviço Social, que adquire competênciapara interferir em diversas áreas ousegmentos ligados ao social, como saúde,educação, habitação, questão jurídica,previdência social, entre outras. Dentrodessas atuações, sua intervenção ocorreatravés da organização de projetos sociais,no sentido de dar ao usuário a idéia dedireito social, intermediando uma políticapública, que na verdade é um direitogarantido pelo cidadão. O aluno ouprofissional só não vai poder atuardurantes os estágios numa instituição quenão tenha o assistente social.

A profissão de serviço social iniciou-sea partir do desenvolvimento do capitalismo,no período da Revolução Industrial, parasuprir a necessidade de um trabalho voltadopara a classe trabalhadora. As diferençassociais impostas pelo capital dividia asociedade entre oprimida e opressora, ficandoa primeira com os proletariados e a outra comos donos do poder. No Brasil a profissãosurgiu em 1936, com a inauguração daprimeira escola em São Paulo.

A diretora do curso de Serviço Socialda Universidade de Uberaba, RosaneMartins, 30, é formada há quase dez anose está iniciando seu doutorado em ServiçoSocial pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP). Suaproposta de estudo é discutir a formaçãoprofissional do assistente social e quaissão as dimensões da subjetividade quepermeiam o processo de ensino eaprendizagem. Ela procura mostrar que aformação profissional necessita dasquestões teóricas e de embasamentocientífico. Além disso, as relações dodocente com o aluno devem ser permeadaspor questões subjetivas que ultrapassama ciência racional.

Como assistente social ela contou queteve oportunidade de trabalhar em váriasinstituições, duas delas públicas. Destaexperiência Rosane Martins pôdeverificar que o investimento nas açõesem benefício da população carente é

muito restrito, e o profissional tem queatuar com limitações impostas pelo localde serviço. “Diante disso pode serfrustante para quem lida nessa parte”,disse ela.

Quando trabalhava em um hospital,Rosane Martins presenciou histórias tristes,que lhe fizeram refletir sobre o significadoda vida e da condição humana. Uma delasfoi quando acompanhou o estado terminalde uma criança de 10 anos, vítima dequeimaduras. “ Quando cheguei e vi aquelacriança toda quei-mada, fiquei ator-doada”, relembra.Mesmo que a emoçãoinvada o profissionalgerando uma sensa-ção angustiante, aassistente social res-salta que é necessárioter equilíbrio para daro amaparo aos entes das vítimas.

O lamentável, segundo ressaltou, é quemuitas vezes, quando o assistente social éaclamado, o paciente já está em estadoterminal, neste ponto, não cabe mais otratamento preventivo e sim o curativo. Poroutro lado, ela disse que é gratificante parao profissional dar atenção ao paciente, ouvi-lo, entrevistar e trabalhar com ele noencaminhamento e no acolhimento pararesolver seus problemas.

Mercado de trabalhoSegundo Rosane Martins o grande

empregador do assistente social são asempresas públicas. Ela ressaltou que nesseslocais eles trabalham com as políticassociais, qualquer que sejam as áreas onde ogoverno federal implemente suas politicas.“Nós trabalhamos tanto na execucão dessaspoliticas, como na implementação e noplanejamento delas”, lembrou. Ela destacouque no setor privado o profissional trabalhajunto ao recursos humanos, na imple-

mentação da política daempresa, na sua orga-nização.

O curso de ServiçoSocial da Universidadede Uberaba buscaformar profissionaispara atuar nas maisdiferentes áreas demercado, sempre

visando a construção de um profissionalcom senso de criticidade. O curso foi criadoem 1998, iniciando com 11 alunos. Nesteano entraram mais 22 que junto aos demaissomam 64 alunos em todo curso, cujaduração é de quatro anos. “O que a gentepercebe é que o curso está começando a terseu reconhecimento na comunidade. Anteshavia um total desconhecimento sobre aprofissão e de sua existência naUniversidade de Uberba” afirmou Rosane.

DesafiosDe acordo com a diretora Rosane

Martins os desafios que os alunos vãoenfrentar no mercado de trabalho são vários,a começar pelo desconhecimento daprofissão. “Procuramos trabalhar com osalunos no sentido deles poderem ter umavisão crítica da realidade, e ao mesmo tempo,propor alternativas para enfrentar às diversasquestões que envolvem o social”, disseMartins. Ela mencionou que o curso tem seuprojeto pedagógico de acordo com asdiretrizes curriculares aprovadas pelo MEC(Ministério da Educação) sendo indicados operfil dos formandos, as competências ehabilidades, a organização do curso, entreoutros requisitos.

Muitas vezes o papel do assistente socialé confundido, achando que sua função ésomente oferecer algo às pessoas.Atualmente a postura adotada é diferente,pois o assistente social pode até utilizar osrecursos materiais com o objetivo de criarum vínculo com a família que necessita deatendimento. Mas o que eles queremmostrar é que além de atender àsnecessidades imediatas, são capazes detrabalhar com outros profissionais naelaboração de propostas em benefício dacoletividade. Rosane Martins terminoudizendo que, em relação aos problemassociais, nem sempre é possível resolver, poispercebe-se que estão se agravando aindamais.

ExpectativaA aluna Carine Mendes de Abreu, 22,

que se forma no final do ano, comentouque descobriu através do teste de vocaçãoprofissional que queria fazer o curso deServiço Social. Ela está otimista emrelação ao futuro. “O mercado está muitoaberto o que facilita o nosso acesso aotrabalho” falou. Ela complementou queaté mesmo no estágio que faz, no HospitalSão Francisco, a carência de profissionaisé grande.

“Tanto na teoria quanto na práticaexistem limites, mas a gente tem que serum profissional criativo capaz de elaborarpropostas e ao perceber as barreiras do dia-a-dia não recuar, mas ter ter estratégias deatuação para superar as dificuldades”,ressaltou a estudante.

Uma opção de trabalhoem favor do próximoA preocupação com o bem estar da população atrai a cada dia mais cadidatos ao Serviço Social

“Muitas vezes o papeldo assistente social éconfundido, achando quesua função é somenteoferecer algo às pessoas”

Rosane Martins procura trabalhar com os alunos a visão crítica da realidade

13 a 19 de maio de 2002

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