revel 8 a semantica a pragmatica e os seus misterios

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    PIRES DE OLIVEIRA, Roberta; BASSO, Renato Miguel.A Semntica, a pragmtica e os seus mistrios.

    Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL. V. 5, n. 8, maro de 2007. ISSN 1678-8931

    [www.revel.inf.br].

    ASEMNTICA, A PRAGMTICA E OS SEUS MISTRIOS

    Roberta Pires de Oliveira1

    Renato Miguel Basso2

    [email protected]

    [email protected]

    RESUMO: O presente ensaio analisa a distino entre semntica e pragmtica considerando otipo de argumentos e entidades que cada disciplina mobiliza em suas explicaes.Argumentaremos que a pragmtica, em suas teorizaes, lana mo de algum conceito deaposta, seja ao apelar para a cooperao do falante, seja ao utilizar explicaes como ainteno do falante /era...; a semntica, por sua vez, no utiliza nenhuma noo de aposta esuas explicaes envolvem o conceito de proposio, que remete, mas no coincide, comcondies de verdade e sentido literal. Essa maneira de apresentar a distino entre semntica epragmtica pode ser chamada de interna, pois se sustenta nos argumentos que os pesquisadoresutilizam em suas pesquisas, encaixadas, por eles mesmos, numa ou noutra dessas disciplinas.Autores que tratam dessa mesma distino caracterizando o que a semntica e a pragmtica

    devem estudar situam-se em posies externas s disciplinas, e normativizam sobre elas, porqueestabelecem o que deve ser uma e outra. Apropriando-nos de uma idia de Michel Lahud(1977), diremos que os mistrios da pragmtica (ou seja, o que ela toma como pressuposto, masno define) remetem filosofia da mente e da ao; diremos tambm que a semntica tem comomistrio o conceito de proposio, provavelmente tratado pela filosofia da lgica. Seusmistrios so, pois, outros.PALAVRAS-CHAVES: semntica, pragmtica, proposio, inteno, teoria da ao

    Com teorias tanto filosficas quanto cientficas pode-seexplicar os conceitos tericos usados, no pela sua

    definio, mas atravs de seu uso na explicao dos

    fenmenos.Robert Stalnaker

    1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).2 Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de SoPaulo (Fapesp).

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    1.INTRODUO

    Pareceu-nos oportuno, no s porque o tema deste nmero da Revel

    semntica/pragmtica, mas porque essa parece ser uma discusso muito atual nos

    crculos internacionais, tentar entender melhor o que faz a barra separando essasdisciplinas e as razes de um nmero nico para elas. O faz a barra? Ser que ela indica,

    como nos escritos de Chomsky3 em que sempre lemos crebro/mente, uma

    inseparabilidade entre as disciplinas, e, ao mesmo tempo, uma distino qualitativa,

    uma irredutibilidade? Se sim, qual seria a inseparabilidade e a irredutibilidade? Estaria a

    semntica para o crebro, assim como a pragmtica estaria para a mente? A analogia

    nos parece de fato promissora, porque, como bem sabem os gerativistas e estudiosos, no

    modelo chomskiano a pragmtica no pode ser apreendida por uma cincia natural,

    porque envolve precisamente a vontade do falante que , por princpio, livre. Apragmtica se insere, portanto, nas humanidades. A semntica, por sua vez, ainda nesse

    modelo, sintaxe porque passvel de ser calculada pelo sistema computacional e pode,

    portanto, receber um tratamento naturalista. fcil notar que a questo da barra

    separando essas disciplinas se abre para horizontes alm da lingstica: a filosofia da

    mente, a epistemologia...

    Nosso objetivo no , no entanto, uma soluo para o dilema do que constitui ou

    no a semntica e a pragmtica, mas antes uma reflexo sobre essa distino a partir da

    anlise do que os pesquisadores fazem e de como eles prprios situam a sua pesquisa,

    na tentativa de entender melhor o que as caracteriza. Nesse processo de constituio do

    objeto e da disciplina que o comporta participam tambm os textos em que a distino

    explicitamente enfrentada, textos que, em sua maioria, tm carter normativo, no

    sentido de que, embora ancorados na prpria experincia do autor, que inclui a leitura

    de outros pesquisadores, buscam um trao definidor da disciplina. A perspectiva que

    oferecemos procura o que h em comum por trs das caracterizaes de pragmtica

    dadas por alguns desses autores, levando em conta os conceitos e explicaes que os

    pesquisadores em pragmtica e em semntica mobilizam. Nesse sentido, nossa

    abordagem descritivista.4

    3 So muitos os escritos de Chomsky em que aparece a barra separando mente e crebro; neste ensaioestamos tomando como contraponto para a nossa discusso Chomsky (2002).4 Um teste para este ensaio so os artigos que constituem esse nmero da Revel: a delimitao que aofinal chegamos deve permitir enquadr-los em um ou outro campo, tendo em vista quais conceitos soempregados nas explicaes dos fenmenos.

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    Assistimos, ao longo da histria recente dessas disciplinas no apenas vrias

    tentativas de apreender em que consistiriam os seus domnios, mas inmeras discusses,

    inclusive sobre o que exatamente constitui o objeto de uma ou outra, j que parece nem

    mesmo haver clareza sobre se de fato se trata de objetos tericos essencialmente

    distintos. Duas imagens podem servir de ilustrao tanto da postura normativa, quemencionamos antes, quanto da falta de clareza sobre a existncia de objetos distintos: a

    da lata de lixo e a da torta semitica.

    A metfora da lata de lixo foi inicialmente evocada por Bar-Hillel (1971), mas a

    interpretao que encontramos dessa metfora na literatura posterior frequentemente

    equivocada, dando a impresso de que Bar-Hillel estava propondo que as disciplinas

    mais duras, como a sintaxe e a semntica, pudessem de fato salvar fenmenos que

    estavam na lata de lixo. Pode-se entender com essa afirmao que no h um objeto

    distinto para a pragmtica. No entanto, Bar-Hillel utiliza a metfora na direo opostapara criticar os vrios autores que, naquele momento da semntica gerativa (dcada de

    70)5, estavam retirando da lata de lixo fenmenos pragmticos para atribuir-lhes uma

    explicao sinttico-semntica. Na perspectiva desses autores, mas no na de Bar-Hillel,

    pragmtica cabem os fenmenos que no podem ser explicados por teorias mais duras,

    como a semntica e a sintaxe; por isso, ela o depsito do no-explicado. Mas uma vez

    que seja possvel enquadrar o fenmeno, o que em geral significa formaliz-lo, ele deixa

    de ser pragmtico, e retirado da lata de lixo. Nessa perspectiva, pode ser at mesmo

    que, ao fim e ao cabo, no existam problemas pragmticos: a lata de lixo est esperando

    ser esvaziada por teorias mais poderosas que possam ver, justamente nos fenmenos

    que se apresentam a ns como caticos, uma regularidade antes despercebida. O que

    significaria uma reduo da pragmtica (da mente) sintaxe-semntica (ao crebro).

    Bar-Hillel defende que preciso muito mais cuidado ao forar pedaos e peas

    que se encontram na lata de lixo pragmtico na sua teoria sinttico-semntica favorita

    (p. 405)6, porque os fenmenos que se tentava formalizar pertenciam efetivamente

    pragmtica. Tratava-se da decomposio de verbos como to remind em causar a

    lembrana: na tentativa de apreend-lo sinttica e semanticamente, os autores

    acabavam por atribuir agramaticalidade a sentenas cuja aceitabilidade, segundo Bar-

    5 Momento em que se discutia a possibilidade de decompor matar em causar a morte e do qualparticiparam, entre outros, Jerry Fodor, um dos autores que Bar-Hillel aponta como realizando umreducionismo indevido da pragmtica sintaxe-semntica.6 Be more careful with forcing bits and pieces you find in the pragmatic wastebasket into your favoritesyntactico-semantic theory (p. 405).

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    Hillel, poderia ser recuperada contextualmente. O autor procura mostrar que algumas

    das restries ao uso desse verbo so fatores conversacionais; o que nos impede de

    proferir O Joo me lembra ele mesmo o fato de que no h uma razo para proferir

    essa sentena, j que ela diz o bvio e trivialmente verdadeira. claro que, em

    contextos particulares, esse proferimento pode ser adequado. Bar-Hillel est, pois,reivindicando a existncia de fenmenos pragmticos que simplesmente no podem ser

    reduzidos sintaxe-semntica. Restou-nos, no entanto, a metfora da lata de lixo na

    interpretao dos autores que ele criticava.

    Na analogia da torta semitica (cf. Levinson (2000), entre outros), o objeto

    nico, a torta, ou seja, toda e qualquer semiose, e a cada disciplina cabe um pedao da

    torta. Assim, cada uma das disciplinas se ocupar de aspectos distintos de um mesmo

    fato, a semiose, sem constituir propriamente falando fatos distintos. Num caso como

    esse, a distino entre semntica e pragmtica aleatria, porque convencional e, porisso mesmo, pode ser normativa: a quem cabe que pedao dessa torta passa a ser

    definido por algum critrio externo. Como bem lembra Ilari (2000), at um certo

    momento o pedao maior da torta, nos crculos nacionais, cabia pragmtica, porque

    era mais fashion fazer pragmtica do que semntica. Se cada um pode fatiar o seu

    pedao da torta como bem quiser e assim definir o seu objeto de estudo, o

    estabelecimento da distino que nos interessa tem um carter claramente normativo,

    porque o pesquisador tem a faca na mo para cortar como desejar a torta semitica. Essa

    pode ser uma estratgia muito efetiva quando se quer situar a prpria pesquisa,

    esclarecendo o prprio campo de trabalho, e no h nada de condenvel nela. O ponto a

    ser notado que se a situao for realmente essa, no h nada de especfico semntica

    ou pragmtica.

    Neste ensaio, a tese a ser defendida se ope tanto viso da lata de lixo quanto

    da torta semitica. Na direo de Bar-Hillel, argumentaremos que h especificidades

    que caracterizam uma e outra disciplina, que podem ser apreendidas a partir de uma

    perspectiva descritivista; isto , analisando a prtica dos pesquisadores, possvel

    detectar explicaes distintas que remetem a diferentes campos do saber; o que,

    mostraremos, permite afirmar que os objetos de estudos so essencialmente distintos;

    no se trata, pois, de um mesmo objeto descrito de modos diferentes. Se assim, no

    possvel reduzir a pragmtica semntica (e vice-versa), e sua delimitao no ,

    portanto, arbitrria. A nosso ver, a existncia de objetos distintos, alvos da semntica e

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    da pragmtica, crucial para dizer com propriedade se ou no possvel traar um

    limite entre essas duas disciplinas que no seja arbitrrio ou simplesmente normativo.

    Na prxima seo, apresentaremos algumas das posies sobre a distino

    encontradas ao longo da literatura, entremeadas por anlises de textos em que a

    distino no objeto de estudos, mas pressuposta. O objetivo tentar captar asdiferentes intuies que esto por trs das delimitaes entre semntica e pragmtica. A

    seo 3 uma recapitulao e esclarecimento da posio que resta do cotejamento dos

    autores, e, por fim, a seo 4 uma espcie de amarrao dos pontos sob um outro

    ponto de vista, constitudo a partir de uma certa leitura de Lahud (1977).

    2.ALGUMAS PROPOSTAS DE DISTINO

    A distino entre semntica e pragmtica foi tematizada por vrios autores, quer

    porque a distino em si era o objeto de estudo (ver, por exemplo, Szab (2005)), quer

    porque ela era necessria para que o pesquisador pudesse estabelecer o seu campo de

    trabalho. Sem sombra de dvidas, a distino fundadora, que por isso mesmo acaba por

    ser sempre retomada, a de Morris (1946) que, mostraremos, no descreve o estado da

    arte; , portanto, inadequada para definir, no momento atual, os limites entre semntica

    e pragmtica:

    Um cachorro responde pelo tipo de comportamento (I) envolvido numacaada de raposas (D) a um certo som (S); um viajante se prepara paravisitar apropriadamente (I) a regio geogrfica (D) tendo em vista a carta (S)que recebeu de um amigo. Em tais casos S o signo veculo (e um signo emvirtude do seu funcionamento), D o designatum e I o interpretante de umintrprete. A caracterizao mais efetiva de um signo a seguinte: S umsigno de D para I na medida em que I captura D em virtude da presena deS. Ento na semiose algo captura alguma outra coisa por intermdio de, ie.,por meio de uma terceira coisa. Semiose consequentemente capturar-por-meio de. Os mediadores so os signos veculos; o capturar so osinterpretantes; os agentes do processo so os intrpretes; o que socapturados so os designata.7

    Como senso comum, para Morris, a semiose uma relao tridica entre

    intrpretes, signos e designata. em relao a essas trs dimenses que Morris define

    os trs ramos do estudo geral dos signos, que, se se atentar para o trecho acima, so

    independentes: a sintaxe o estudo das relaes entre os signos, a semntica o estudo

    7 As citaes de Morris foram retiradas do texto de Szab (2005).

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    da relao entre signos e seus designata e a pragmtica o estudo da relao entre

    signos e seus intrpretes. No h, estritamente falando, nada que impea uma

    pragmtica sem a semntica, ou uma semntica sem sintaxe. bom lembrar que Morris

    escreve num momento em que ainda no h, diferentemente do que ocorre nos dias de

    hoje, uma sintaxe das lnguas naturais, uma semntica das lnguas naturais e umapragmtica das lnguas naturais. De fato, no havia, naquele momento, uma lingstica

    instituda, em particular nos crculos anglo-saxnicos, em que Morris circulava.

    Embora parea muito natural, essa tripartio comporta traos incmodos que

    no permitem, como dissemos, apreender a prtica dos lingistas atuais. Em particular,

    a independncia dos nveis parece s ser vivel porque a perspectiva de Morris

    normativa (ele simplesmente diz onde esses limites esto). O domnio da semntica,

    nessa perspectiva, muito restrito, porque ela trata apenas da relao entre os signos e

    os seus designata, definido frouxamente como um designatum no uma coisa, masuma espcie de objeto ou uma classe de objetos que levada em considerao em

    virtude da presena do sinal. Esto assim excludas da semntica todas as expresses

    que no capturam algo no mundo, como as preposies, os afixos, os quantificadores, os

    conectivos lgicos, que indicam relaes entre signos, mas no designam (no sentido

    dado pelo autor).

    Teorias semnticas contemporneas trabalham tendo como pano de fundo uma

    relao muito mais sofisticada entre signos e denotaes; hoje em dia, como pode ser

    atestado pela leitura do manual de Heim & Kratzer (1998), entre outros, as denotaes

    so funes, objetos matemticos, que ligam uma linguagem sintaticamente bem

    formada a um modelo de mundo. Veja que, ento, a semntica depende da sintaxe.

    Assim, advrbios como infelizmente que indicam a relao do intrprete com o

    designata esto fora do campo da semntica morrisiana; mas esto dentro do escopo da

    semntica contempornea, porque podemos entend-los como uma funo que atua

    sobre uma proposio gerando uma nova proposio. O campo da semntica atual

    mais amplo, porque a noo de referncia, melhor seria dizer extenso, mais

    abstrata do que a de designata.

    Os indiciais, como eu, aqui, esto tambm fora do mbito da semntica, j

    que no estabelecem uma relao direta entre signo e designata, mas s o fazem via

    intrpretes. No h, no entanto, um nvel signo-designata-intrpretes na diviso de

    Morris; o que significa que no possvel encaixar o seu estudo em quaisquer dessas

    disciplinas. Os diticos constituem, de fato, um caso problemtico, no sentido de definir

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    se seu estatuto semntico ou pragmtico ou ambos. Se, por exemplo, tomamos o

    manual de semntica de Heim & Kratzer (1998), veremos que a nica passagem sobre

    dixis entende que esse conceito desnecessrio, porque ele pode ser subsumido pelo

    conceito de anfora. As autoras argumentam que a separao clssica entre diticos e

    anforas no necessria porque em ambos os casos temos uma funo de atribuio devalor para a varivel que ser contextual8. semntica cabe a descrio da funo, e,

    uma vez atribudo um valor para a varivel, o estabelecimento das relaes semnticas

    que da advm; mas a atribuio do valor pragmtica.

    Em contraste com a semntica, a pragmtica de Morris por demais ampla e

    amorfa: pragmtica (afirma Morris) diz respeito aos aspectos biticos da semiose, isto

    , a todos os fenmenos psicolgicos, biolgicos, sociolgicos que ocorrem no

    funcionamento do signo. No de estranhar que na definio de Levinson (1983) a

    sociolingstica e a psicolingstica sejam englobadas como pragmtica; com a ressalvade que essa , segundo Levinson, a vertente europia da pragmtica. Em certo sentido,

    at mesmo a troca de informaes de um organismo com o meio semiose. Na

    atualidade, os estudos em pragmtica, ao menos os que se filiam lingstica anglo-

    saxnica, se restringem a fenmenos lingsticos ou a fenmenos que pertencem apenas

    semiose lingstica. Alm disso, nos dias atuais, parece j estar estabelecido que a

    pragmtica se distingue da sociolingstica e da psicolingstica.

    Morris parece sugerir que pode haver uma pragmtica que no depende da

    semntica, isto , da relao entre os signos e sua referncia, porque ela diz respeito

    apenas relao dos signos com os intrpretes. A pragmtica no precisaria, portanto,

    de uma relao de referncia entre signo e designata. Esta parece ser a proposta atual de

    Chomsky (2002) que, tambm de um ponto de vista normativo, descarta a possibilidade

    de uma teoria da referncia, precisamente porque, dentro do quadro terico que ele

    traa, no pode haver uma relao nomolgica (seja de leis estabelecidas causalmente

    entre signos e objetos no mundo, seja de leis convencionais) entre signos e referentes, j

    que tal relao implicaria uma restrio liberdade do falante que, a princpio, pode

    usar o signo para se referir ao que ele desejar. Referir-se a algo um uso e enquanto tal

    do domnio da pragmtica que, como j apontamos, segundo Chomsky no passvel de

    um estudo cientfico. Assim, no h uma relao causal entre gua e gua, nem

    8 Neste manual, as autoras adotam a perspectiva de Stalnaker (1972), na qual contexto entendido comofundo conversacional compartilhado, isto , um conjunto de mundos possveis que so compatveis com asituao de interlocuo.

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    tampouco uma relao de conveno; nada impede o falante de usar gua para se

    referir a qualquer coisa; se despejarmos um saquinho de ch numa caixa dgua,

    teremos na verdade ch e no gua, mas podemos nos referir ao lquido como gua.

    De qualquer forma, se for o caso de que no possvel uma teoria (no sentido forte do

    termo) da referncia, ento a pragmtica no precisa da semntica, no sentido de Morris,que, por sua vez, tambm independe da pragmtica, j que no pode estar ancorada no

    uso (que assistemtico). Estamos, portanto, diante de disciplinas autnomas9.

    Chomsky, no entanto, parece estar se colocando, mais uma vez, a problemtica

    das condies necessrias e suficientes para haver linguagem: uma relao sistemtica

    entre signo e designata condio necessria linguagem? Sua resposta parece ser

    negativa. Mas h, por um lado, argumentos fortes para manter a posio contrria,

    mesmo que abandonando a idia de uma relao de causalidade ou de

    convencionalidade entre signos e referentes. Essa , por exemplo, a posio deDavidson (1986) para quem a linguagem no convencional e nem h uma relao

    causal simples entre signos e objetos (embora, haja uma relao de correspondncia

    holstica10); porm, ter uma lngua implica em ter sistematicidades dentro do sistema.11

    Assim, posso usar gua para me referir ao que eu desejar, mas gua tem um lugar

    sistemtico na teoria semntica do falante e essa sistematicidade entra nos jogos de

    aposta que caracterizam a interpretao. O falante disse gua que, eu aposto, significa

    na fala dele o mesmo que gua significa na minha fala. E gua na minha fala

    significa a contribuio que ela d em todas as sentenas em que ela ocorre. A

    referncia ocorre no confronto da semiose, na triangulao entre falante, ouvinte e

    objeto (mundo).

    No nenhuma novidade que abordar o problema da relao entre signos e

    referentes entrar em guas tumultuosas, mas esclarec-la pode ajudar a entender os

    limites da semntica. Para os nossos propsitos no interessa levar esse debate a fundo,

    porque, do nosso ponto de vista, a questo a ser colocada sobre a distino entre

    9

    bom lembrar que a posio de Chomsky deriva diretamente do que ele considera como cientfico:ser cientfico ser sistematizado por regras nomolgico-dedutivas, e nada mais cientfico. Osfenmenos que envolvem referncia claramente no o so. Isso, contudo, no quer dizer que eles sejamautomaticamente a-sistematizveis. Como veremos mais adiante no texto, os fenmenos referenciaispodem ser caracterizados como abdues e serem regidos por raciocnios no-monotnicos. A nicarazo para Chomsky dizer que esses fenmenos no so cientficos sua viso (conservadora) do que cincia.10 Davidson defende o holismo semntico, fortemente criticado por Fodor (ver em particular Fodor &LePore (1992)), que defende uma relao causal entre signos e referentes.11 Sobre a sistematicidade ver 1984 [1970]; ver tambm os argumentos de Davidson (1984 [1977], 1990)sobre triangulao (o eu, o outro e o objeto).

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    semntica e pragmtica : como os estudos em pragmtica se do? Como os

    pesquisadores praticam a semntica? Como se faz pesquisa, hoje em dia, em pragmtica

    e em semntica? Se adotarmos como padro o texto recente de Levinson (2000),

    veremos que sua anlise pragmtica ancora-se na semntica, que fornece, para usar uma

    terminologia que pode ser enganadora, o significado da sentena a partir do qual se d oraciocnio inferencial. H, pois, uma relao de dependncia da semntica, mas

    Levinson no considera que a semntica o inputda pragmtica, porque ela tambm

    depende da pragmtica. No h como determinar a proposio expressa por uma

    sentena, tarefa da semntica, sem a relao de referncia (via conveno ou via relao

    causal) que se estabelece no uso (pragmtica). Ou seja, a referncia pragmtica e ela

    pressuposta pela semntica. A mesma posio pode ser lida em Heim & Kratzer (1998).

    Ao mesmo tempo em que a aposta da sistematicidade entre palavras e objetos

    sustenta a determinao da proposio, cujo estudo pertence semntica, ela ponto departida para outras apostas. No h nada que impea o falante de usar cachorro para se

    referir ao seu gatinho ou ao que ele quiser, mas nesse caso a aposta de que h

    sistematicidade se mantm e outros fatores so mobilizados precisamente porque

    preciso manter a assuno da sistematicidade e a aposta de que a sistematicidade do

    intrprete a mesma do falante.12 possvel sustentar, como faz Chomsky, que a

    relao de referncia no faz parte da semntica, uma vez que ela ocorre na inter-

    relao entre signos e designata via intrpretes, mas no h semntica sem alguma

    pressuposio de remisso para fora do sistema, nem que essa remisso ocorra como

    resultado do prprio funcionamento do sistema, como parece indicar Davidson. O

    problema que para Chomsky no possvel haver esse espao para a entrada do no-

    lingstico, uma vez que a semntica parte da sintaxe. Como, ento, o sistema

    semntico pode funcionar? Uma sada manter que h modularidade, como fazem

    Heim & Kratzer (1998), e considerar a semntica um mdulo independente da sintaxe,

    porque o mdulo semntico tem acesso a informaes externas.13 A outra, consiste em

    entender que no h modularidade, mas processamentos interdependentes: a pragmtica

    ocorre antes e depois da semntica.14

    12 Se, numa situao comunicativa, algum usa cachorro para se referir a um gato, o intrprete tem duassadas, supondo que em sua lngua cachorro se refere a cachorro: o falante no atribui s palavras omesmo sentido que eu; o falante atribui o mesmo sentido e est provocando uma implicatura.13 Como senso comum na literatura, o gerativismo endossa a viso, levada a cabo por Fodor (1975), deque a mente modular.14 Os trabalhos recentes de Chierchia (2004) e Fox (2004 e 2006) apontam tambm para a interferncia dapragmtica no processamento sinttico.

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    A concluso parece ser que, diferentemente do que postulava Morris, os

    pesquisadores atuais concordam que ao menos a pragmtica depende da semntica, ou

    seja, no possvel definir a pragmtica como a relao entre signos e intrpretes. A

    idia de que a semntica depende da pragmtica parece menos difundida, antes por uma

    m compreenso do contexto, porque muitos autores acabam afirmando que a semntica dependente do contexto sem se dar conta de que sua posio ento de que ela

    depende da pragmtica.

    Em um contexto muito distinto, seu concurso de titulao, Ilari (2000 [1997])

    tambm se debrua sobre o problema da distino entre semntica e pragmtica. Ilari

    entende que a diferena bsica no est na relao dos signos com suas referncias e

    entre eles e os interlocutores, o que est de acordo com a discusso anterior, mas no

    prprio objeto de anlise: semntica cabe a anlise dos fenmenos calculveis, ao

    passo que fenmenos no calculveis ficam no domnio da pragmtica. possvel lernessa distino algo muito prximo do movimento de Chomsky (2002), para quem a

    diferena bsica entre ser passvel de um tratamento naturalista, ou no, ser, ou no,

    calculvel, no sentido de ser ou no previsvel, nomolgico, isto , ter carter de lei

    natural (causal): a pragmtica, porque depende da vontade (do livre-arbtrio, em

    Chomsky) do falante, imprevisvel e por isso no pode ser estudada cientificamente.

    Ilari, numa posio que nos parece mais saudvel, porque menos normativa, no

    relega a pragmtica ao no-cientfico, mas endossa a hiptese de que nela esto os

    fenmenos imprevisveis, deixando aberta a possibilidade da cincia estudar fenmenos

    imprevisveis15.

    preciso ressaltar que a distino que Ilari est traando diz respeito natureza

    dos objetos (como tambm em Chomsky) e no possibilidade de engendrarmos uma

    linguagem formal que possa mimetizar esses objetos, evitando assim uma confuso

    muito comum e nefasta entre ser formal e ser formalizvel, entendendo-se por

    formalizvel algo que passvel de ser traduzido para uma linguagem lgica. No

    parece haver dvidas de que a pragmtica to passvel de ser formalizada quanto a

    sintaxe ou a semntica; o que no significa que seu objeto seja formal. Em que consiste

    essa diferena? Para Ilari, h, no domnio da pragmtica, a interveno do

    impondervel, a presena do raciocnio no-lgico, ou seja, nem a deduo, nem a

    induo, mas a abduo, em que entram no clculo, por exemplo, o gosto e a

    15 O que de fato o caso nas cincias duras atuais, como a fsica e a teoria do caos, por exemplo.

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    subjetividade do falante.16 Mais uma vez, estamos, de fato, muito prximos a Chomsky,

    porque a natureza do objeto semntico e do pragmtico distinta: o objeto semntico

    previsvel (um clculo que vale sempre), ao passo que o pragmtico s pode ser

    calculado a posteriori, isto , podemos explicar o clculo depois que o fizemos, mas

    no h como saber de antemo o resultado, porque ele depende de fatoresimponderveis (de uma combinao de muitos fatores).

    As implicaturas conversacionais griceanas so o exemplo prototpico para Ilari

    de um fenmeno pragmtico; enquanto que fenmenos como dixis, pressuposio e

    mesmo atos de fala, que foram considerados pragmticos, so entendidos como

    semnticos, porque so previsveis. Por exemplo, ao proferir Prometo X o falante

    sempre se compromete com a realizao de X: assim, de Prometo X podemos inferir

    Me comprometo com a realizao de X.17 No possvel, no entanto, prever se ao

    proferir (1) o falante est ou no implicando (2), pode ser que esteja e pode ser que noesteja:

    (1) Maria saiu.(2) Podemos ir embora.

    A inferncia de (1) para (2) s possvel se, dado um tanto de conhecimento

    compartilhado por falante e ouvinte (um contexto), o ouvinte fizer uma aposta de que

    essa a inteno do falante. O sistema por si s no pode gerar essa inferncia. Podemos,

    depois de interpretar a inteno do falante, com o auxlio de hipteses advindas desse

    fundo compartilhado (e que so, portanto, nicas), explicar como se deu o nosso

    raciocnio para chegar at o que o falante quis dizer; mas o ponto que no podemos

    saber de antemo se o falante quer dizer (2) ao proferir (1). Assim, no h como prever

    que (2) uma inferncia de (1). Contraste com as sentenas abaixo:

    (3) Joo parou de bater na mulher.

    (4) Joo batia na mulher.

    16 A referncia aqui certamente a reflexo de Parret (1997), para quem o raciocnio pragmtico ojulgamento esttico, no sentido kantiano.17 Como veremos adiante, na seo seguinte, esse raciocnio no vale para os atos de fala indireto.

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    A inferncia de (3) para (4) parece ser previsvel e pode-se imaginar que ela poderia,

    inclusive, ser tratada como uma questo de lxico, como aponta Ilari18: a locuo parar

    de X carrega a pressuposio de que j se fazia algo antes; isto , ela exige um contexto

    em que informao compartilhada que Joo fazia algo antes.19 Vamos, mais adiante,

    nos deter na pressuposio, porque seu lugar na semntica ou na pragmtica tem sidomuito debatido e a questo no parece ter uma resoluo simples.

    A proposta de partio em Ilari toca num ponto que certamente norteia a prtica

    dos pesquisadores, mas apresenta uma srie de problemas, se quisermos us-la para

    avaliar o que os pesquisadores fazem hoje em dia. Em primeiro lugar, Ilari no distingue

    as implicaturas conversacionais generalizadas das particularizadas, como faz Grice

    (1975). A hiptese de que as implicaturas no so previsveis se aplica muito bem s

    particularizadas, exemplificada acima no par (1) e (2), mas no s generalizadas.

    muito previsvel que da sentena em (5) se infira a sentena em (6):

    (5) Alguns alunos tiraram 10 na prova.(6) Nem todos os alunos tiraram 10 na prova.

    Esse , de fato, um caso to previsvel que mesmo lingistas, sem formao em

    pragmtica, tm dificuldade em enxergar que a sentena em (6) uma inferncia (e no

    um acarretamento).20 Sabemos, no entanto, que (6) no acarretada por (5), tanto que

    ela pode ser cancelada, como ocorre em (7):

    (7) Alguns alunos tiraram 10 na prova. De fato, todos tiraram 10.

    O funcionamento dessa implicatura, que, a partir dos trabalhos de Horn (1972), ganhou

    o nome de implicatura escalar, no apenas previsvel, mas, num certo sentido,

    calculvel: todos e alguns formam uma escala de acarretamento, na medida em que

    todos acarreta alguns, mas no vice-versa. A implicatura ocorre porque o falante

    pode escolher entre as duas alternativas, isto , ele pode proferir todos os alunos

    18 Mais adiante veremos que essa questo no simples.19 Embora seja comum entender que parar de V pressupe que o sujeito da sentena fazia V, precisoque a pressuposio seja mais fraca, uma vez que possvel focalizar o V, apresentando-o comoinformao nova:- O que Joo parou de fazer?- Joo parou de FUMAR.20 Nesse artigo, para evitar confuses vamos reservar o termo inferncia para os raciocnios no-monotnicos e acarretamento para indicar as inferncias lgicas.

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    tiraram 10 na prova ou alguns alunos tiraram 10 na prova. Ora, supondo que ele

    cooperativo e quer dar o mximo de informao, se ele soubesse que todos os alunos

    tiraram 10 na prova, ele teria que ter dito isso, porque essa a afirmao mais

    informativa. Como ele no disse isso porque ele no pode fazer tal afirmao sem

    violar a mxima da qualidade (diga somente aquilo para o que voc tem evidncia);logo ele no tem evidncia de que foram todos os alunos que tiraram 1021. Por isso ele

    profere uma afirmao mais fraca, e desse proferimento seu ouvinte est licenciado a

    inferir que a outra alternativa no verdadeira.

    Assim, parece-nos que se adotamos a proposta de Ilari nos encontramos na

    seguinte situao: ou bem dizemos que a pragmtica pode ser previsvel e a precisamos

    de um outro conceito de formal para poder separ-la da semntica, ou bem restringimos

    o conceito de pragmtica s implicaturas particularizadas, deixando semntica as

    implicaturas escalares. Nesse caso, estaramos novamente diante da metfora da lata delixo: mais um fenmeno antes incalculvel, se mostrou calculvel. Mas, se atentarmos

    para o procedimento dos pesquisadores, veremos que embora eles aceitem que as

    implicaturas escalares so calculveis, previsveis, eles no entendem que elas sejam

    semnticas (cf. Chierchia (2004), Kratzer & Shimoyama (2002), Fox (2004, 2006),

    entre outros).

    possvel, no entanto, entender que calculvel no se equipara a previsvel, mas

    a no apagvel, a no cancelvel. Fenmenos pragmticos podem ser previsveis, mas

    eles podem ser sempre cancelveis. Fenmenos semnticos so os resultados de

    dedues lgicas (acarretamentos) e por isso so sempre previsveis e no cancelveis,

    j que no possvel cancelar uma deduo. Nessa direo, conseguimos entender que

    tanto (2) quanto (6) so fenmenos pragmticos, na medida em que so cancelveis.

    Levinson (2000) aponta essa como sendo a propriedade essencial das implicaturas e dos

    fenmenos pragmticos: elas se ancoram em inferncias no-monotnicas22, isto , em

    raciocnios que podem ser refeitos ou desfeitos. Por exemplo, o seguinte raciocnio no

    vlido:

    21 Na verdade, o problema aqui um pouco mais complexo. O falante, sendo cooperativo, pode escolherusar alguns ao invs de todos por, pelo menos, duas razes distintas: ou ele no tem evidncia (portodas as provas que ele j corrigiu, em mdia) para usar todos, ou ele sabe que no um caso deemprego de todos. No primeiro caso, so as crenas do falante que esto em jogo, e no segundo o queele de fato sabe (e que pode ser ostentado, externalizado). Note-se que no pargrafo acima,propositalmente, essas duas razes vm misturadas, como exemplo do quo prximas elas podem ser. Dequalquer modo, o falante expressa sua opinio (fatual ou hipottica) ao fazer uma escolha.22 Segundo Czar Mortari, a quem agradecemos a conversa sobre no-monotonicidade, h lgicas ditasno-monotnicas, porque conseguem mimetizar o cancelamento do raciocnio.

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    (8) a. Aves voam.b. Pingim uma ave.c. Pingim voa.

    (8c) no se segue da verdade de (8a) e (8b). Sentenas genricas, como (8a),

    precisamente porque afirmam uma generalidade, do espao para a exceo, e se

    constituem assim em exemplos prototpicos de raciocnios no-monotnicos. H

    tentativas de apreender semanticamente a existncia de excees. Nesse caso, a prpria

    semntica de uma sentena genrica j deve conter a informao de que h casos

    excepcionais. esse o caminho dos pesquisadores que consideram que em (8a) h um

    operador modal no explcito, o operador GEN. Mas, uma vez atribuda tal semntica,

    no h cancelamento, j que nesse caso a semntica nos diz que (8c) no se seguenecessariamente de (8a) e (8b), porque (8a) faz uma afirmao apenas sobre os mundos

    mais prximos ao mundo real, deixando em aberto a possibilidade de casos em que a

    generalizao no vlida. O cancelamento s ocorre se entendermos que (8a) uma

    sentena universal que no admite exceo e, nesse caso, o raciocnio de (8a) e (8b)

    para (8c) tem que ser suspenso.

    No isso o que ocorre com as implicaturas escalares, porque no h como dar

    um tratamento semntico a elas, j que o raciocnio que sustenta as implicaturas

    escalares depende crucialmente de uma passagem que no pode ser justificada apenas

    recorrendo-se estrutura lgica (ou semntica); h uma passagem em que a opinio do

    intrprete entra no clculo, subjetivando-o, impondo-lhe o seu gosto e a sua

    sagacidade para interpretar a opo do falante. Todos e alguns pertencem ao mesmo

    domnio (quantificadores), tm a mesma freqncia de uso, o mesmo nmero de slabas,

    sendo a nica diferena entre eles a informatividade: todo acarreta algum e ,

    portanto, mais informativo. Se o falante escolheu um termo e no o outro, seu

    interlocutor tem direito de tirar certas concluses dessa escolha, concluses nem sempre

    corretas. O mximo que o ouvinte pode inferir da escolha que o falante no tem

    evidncias de que no foram todos os alunos que tiraram 10; a passagem para o caso

    que no todos tiraram 10, para (6) acima, requer um ato de f por parte do intrprete;

    essa aposta do intrprete crucial para as implicaturas e simplesmente est ausente do

    raciocnio semntico. A interveno do ato de f precisamente o que caracteriza o

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    pragmtico, na medida em que ele pode sempre se mostrar equivocado: no h como ter

    certeza de um ato de f e podemos sempre rever a nossa posio.

    Uma outra posio, hoje em dia muito corrente, ainda que clssica, aponta o

    contexto como o divisor de guas que separa semntica e pragmtica: a pragmtica

    mobiliza o contexto nas suas explicaes; enquanto a semntica no depende docontexto. Essa distino tematizada por Stalnaker (1972). Neste modelo, so

    delegadas pragmtica duas tarefas: a explicao de como os fatores do contexto

    entram na determinao da proposio e como os atos lingsticos so performados.

    H, assim, dois tipos de problemtica pragmtica: uma ao redor do conceito de atos de

    fala, tomados no sentido amplo de entender como as implicaturas ocorrem, e outra que

    diz respeito a como o contexto determina a proposio.

    A semntica, nessa viso, o estudo da proposio, e por isso ela independente

    da lngua. muito comum encontrarmos nas definies de semntica uma indicao deque sua tarefa determinar as condies de verdade da sentena.23 Mas este um

    raciocnio equivocado, ao menos se nos balizarmos pelo quadro traado por Stalnaker,

    porque se assim fosse no caberia semntica definir a diferena entre

    (9) Joo veio.(10) At o Joo veio.

    Afinal, as condies de verdade dessas sentenas so as mesmas. No entanto, apenas em

    (10) h a pressuposio de uma escala e o posicionamento de Joo no ponto mais baixo

    dessa escala, o que permite a inferncia de que todos vieram (se o falante est afirmando

    que (at) o menos esperado veio, ento est livre para inferir que todos os demais

    vieram). A questo : a proposio expressa por (9) e (10) a mesma? Pode-se

    argumentar que no, se entendermos que o significado as condies de verdade mais

    as condies de admissibilidade, isto , a proposio carrega informaes sobre os

    contextos em que ela admissvel. Neste quadro, o semanticista no estuda as

    condies de verdade de uma sentena, embora essa possa ser (e frequentemente ) uma

    maneira de chegar proposio, afinal a proposio que determina as condies de

    verdade da sentena. O semanticista estuda a proposio.

    23 Por exemplo, Gazdar (apudPires de Oliveira (2004)) define a pragmtica como o sentido menos ascondies de verdade, que seriam, ento, da alada da semntica.

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    Pode-se estudar as proposies desconsiderando a lngua em que ela veiculada,

    embora parte do trabalho do semanticista seja explicitar as regras que permitem fazer a

    correspondncia entre sentenas e proposies. E essa correspondncia, ao menos no

    caso das lnguas naturais, mediada pelo contexto: isso , recorremos ao contexto para

    a determinao da proposio. Considere, por exemplo, a sentena abaixo:

    (11) Ele bonito.

    O problema que no sabemos o que (11) significa, qual proposio a sentena

    expressa, se no pudermos atribuir um valor varivel expressa por ele; o mximo

    que podemos afirmar que (11) pressupe que h um nico indivduo do gnero

    masculino saliente no contexto (sua condio de admissibilidade). Mas sem sabermos

    de quem estamos falando no podemos determinar a proposio e consequentementeno podemos atribuir-lhe um valor de verdade. Alm disso, no possvel determinar a

    priori qual valor ser atribudo varivel; o intrprete usa de bom gosto nessa

    determinao e no h nada que impea que a sentena seja usada, com sucesso, para

    falar sobre uma mulher (o que certamente ir disparar implicaturas). por isso que a

    determinao do referente pragmtica: o intrprete faz uma aposta sobre o valor da

    varivel. Mas uma vez atribudo esse valor, obtemos a proposio que o intrprete

    acredita que est sendo veiculada e estamos, ento, no reino da semntica.

    Assim, a determinao do valor da varivel, mas no a proposio, contextual.

    Suponha que no contexto esteja a informao de que estamos falando sobre o Robert

    Redford; por exemplo, o falante acabou de proferir Ontem eu assisti um filme com o

    Robert Redfort. Nesse caso, esse o indivduo contextualmente saliente e ser o

    candidato mais plausvel para ser o valor de ele. Se assim for, ento o falante veicula,

    atravs de (11), a proposio:

    (12) Robert Redford bonito.

    Como a varivel ganhou esse valor uma questo para a pragmtica. semntica cabe

    apenas a explicitao das condies para termos uma proposio e, uma vez

    determinada a proposio, as relaes com outras proposies. Pode muito bem ser o

    caso que o falante no estava falando sobre o Robert Redford, mas sobre um outro

    indivduo que, no momento da fala, estava passando por ali e o intrprete no conseguiu

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    sacar que era esse o referente. Duas lies: 1. uma mesma sentena pode, ento,

    expressar diferentes proposies, e sentenas diferentes podem expressar uma mesma

    proposio, como o caso dos sinnimos, mas tambm das sentenas (11) e (12) na

    interpretao do ouvinte; 2. pode haver equvocos, que podem ou no ser desfeitos; o

    falante poderia, ao longo da conversa, corrigir a interpretao: eu no quis dizer oRobert Redford, mas aquele carinha ali.

    Uma vez determinada a proposio ela cotejada com o mundo e avaliada se

    falsa ou verdadeira, mas agora entramos mais uma vez no reino da pragmtica, porque o

    ouvinte est agora avaliando a proposio no mundo. Stalnaker diferencia contexto e

    mundo: o contexto o conjunto de mundos ao qual pertencem s proposies tomadas

    como verdadeiras24, que entra na determinao da proposio que, cotejada ao mundo,

    recebe um valor de verdade e engendra um novo contexto. Eis o esquema:

    3.CERTEZAS E APOSTAS

    O que temos at aqui, como uma espcie de balano das posies apresentadas

    acima, pode ser visto como trs critrios para discernir o pragmtico: a calculabilidade

    (Ilari, Chomsky); a presena do contexto (Stalnaker); e a no-monotonicidade ou

    cancelabilidade do raciocnio (Levinson). Essas trs posies so certamente mais

    complexas e sofisticadas do que a apresentao que fizemos aqui, mas cremos que as

    idias centrais esto corretamente colocadas.

    24 So as chamadas pressuposies pragmticas.

    Contexto Mundo

    Sentena proposio Valor de Verdade

    Contexto

    Semntica

    Pragmtica Pragmtica

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    Para lembrar algo que dissemos na introduo, se no tivermos um objeto

    pragmtico (poder-se-ia dizer, ontologicamente ou constitutivamente pragmtico) e um

    semntico, escolher entre os trs critrios acima seria apenas uma questo de

    argumentao e persuaso: ora, sem uma distino fundamental entre objeto semntico

    e pragmtico, o que resta um fenmeno que pode ser descrito ora semantica orapragmaticamente. Como estamos num plano de descrio de fenmeno e no de

    fenmenos diferenciados, a escolha por uma descrio pragmtica e/ou semntica cabe

    ao pesquisador no mbito de sua pesquisa, nos horizontes de seus interesses, ou seja, ela

    arbitrria e, portanto, pode ser normativa na medida em que enquadrar um dado

    trabalho automaticamente enquadra os outros, e assim fechamos um crculo j traado

    na introduo.

    Certamente h fenmenos que podem ser caracterizados como no calculveis

    segundo Ilari, e tambm certamente h fenmenos cuja caracterizao depende de umamaneira peculiar do contexto, como aponta Stalnaker, e certamente h fenmenos

    cancelveis, no sentido utilizado por Levinson. Assim, no nos parece descabido

    considerar que h fenmenos pragmticos, no mnimo porque assim que esses autores

    entendem suas posies; eles no acreditam que sua delimitao arbitrria, mas, ao

    contrrio, que ela alcana o fenmeno, individualizando sua essencialidade. Se assim

    for, os critrios que estamos discutindo nada mais seriam do que caractersticas desses

    fenmenos pragmticos eles no explicam os fenmenos pragmticos, mas dizem

    como eles so e o fazem de uma maneira no arbitrria. Estamos, pois, advogando que o

    pragmtico no se caracteriza por nenhuma dessas caractersticas tomadas isoladamente,

    mas pela sua combinao: o pragmtico no-calculvel, contextual e cancelvel,

    porque ele da esfera da aposta, ele depende de um julgamento do intrprete no

    contexto, que, por ser esttico (interpretar uma arte, lembra Davidson), pode sempre

    se mostrar equivocado. J o semntico, embora dependente desse julgamento em

    contexto, porque a caracterizao da proposio s possvel a partir dele, se d na sua

    independncia, porque seu objeto de estudos a proposio que se caracteriza por

    carregar no apenas as informaes sobre as condies de verdade, mas tambm sobre

    as condies de admissibilidade (sobre o contexto em que ela feliz).

    Tomemos dois exemplos: um que confirma o modelo descrito acima, outro, que

    o problematiza. Como dissemos, nossa inteno no resolver a distino, mas

    esclarec-la.

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    Suponha que dois sujeitos, A e B, estejam trancados em um quarto com apenas

    uma janela, que est fechada, e que o dia est excepcionalmente quente. Para tornar a

    situao ainda mais desagradvel, a porta est fechada e tem que permanecer assim

    porque eles esto falando sobre algo secreto. Essas informaes so compartilhadas e

    constituem o conjunto contexto. Considere que A diz para B:

    (13) Puxa, est quente hoje, n?

    Uma situao como essa um prottipo de exemplo de como pensar os atos de

    fala indiretos: como raciocnio mais recorrente, A no quer informar a B que est

    quente. Ora, se assim for, as palavras de A tem outra funo, querem dizer outra coisa a

    B, e essa coisa , provavelmente, Por favor, abra a janela, Voc no quer abrir a

    janela, etc., dado que essa a nica alternativa possvel para circular o ar e tornar oambiente mais agradvel.

    At aqui, tudo bem, estamos no caso clssico do ato de fala indireto, uma

    implicatura conversacional particularizada. Mas explicar o que ocorre no trivial. O

    intrprete tem que entender o que as palavras que A proferiu significam. Para tanto, ele

    j precisa fazer uma aposta: aposto que A usa as palavras para dizer o mesmo que eu.

    Aposto que hoje o dia em que A e B esto e assim por diante. Esses passos so

    necessrios para se determinar a proposio.

    Embora nossa confiana no mtuo entendimento das palavras seja muito grande,

    preciso ter em mente que, no limite, mesmo essas apostas to bsicas so cancelveis,

    afinal sempre o caso que o falante pode estar atribuindo s palavras significados

    diferentes daqueles que o intrprete atribui a elas. Pense-se no exemplo famoso de

    Davidson estou com artrite na coxa; muito provvel que o falante no usa artrite

    com o mesmo sentido que ns. Alm disso, essa atribuio de significado dependente

    do contexto, como diz Stalnaker, porque o intrprete considera na determinao da

    proposio as informaes compartilhadas (o que ele acredita que o falante acredita que

    ele acredita e assim por diante) que permitem atualizar a proposio. Finalmente, essa

    atribuio no calculvel no sentido de Ilari, j que ela uma aposta do intrprete.

    O mesmo vale para o raciocnio que o intrprete faz depois que ele determina

    a proposio que ele acredita que o falante est veiculando. O que quer que seja que A

    quer dizer para B com as palavras Puxa, est quente hoje, n? tambm algo

    cancelvel (o falante pode sempre consertar o equvoco: no, eu no queria que voc

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    abrisse a janela, mas simplesmente relatar a minha opinio sobre as condies

    metereolgicas, at porque precisamos manter essa conversa em sigilo absoluto), no-

    calculvel ou imprevisvel (o intrprete aposta que o falante est indicando que a

    janela deveria ser aberta, mas, nessa mesma situao, as mesmas palavras atribudas

    mesma interpretao podem suscitar uma outra aposta) e, finalmente, dependente docontexto, no sentido de que preciso cotejar a proposio com o mundo para obter um

    valor de verdade. Esse cotejamento necessrio para o clculo inferencial (se for

    compartilhado que a sentena falsa, proferir o falso leva a implicaturas; se for

    consenso que ela sempre verdade, idem).

    No estamos preocupados em desenvolver o raciocnio completo que permite ao

    intrprete determinar tanto a proposio quanto inferir o ato de fala performado pelo

    falante atravs do confronto da proposio com o mundo. Descrever o processo de

    interpretao excede os limites desse artigo. Interessa-nos mostrar que ele est imerso,por assim dizer, no pragmtico, precisamente porque ele tem essas trs caractersticas

    (contextual, cancelvel e no previsvel), que s podem ser evocadas na presena de um

    sujeito que interpreta, uma subjetividade que faz uma aposta, uma aposta que deve ser

    feita para que se possa fazer semntica, mas que vai alm dela.

    Vejamos o exemplo trabalhado mais detalhadamente:

    a) A e B sabem que est quente hoje;b) A e B sabem as condies em que esto (e sabem que o outro sabe que ele

    sabe...);

    c) A diz Puxa, est quente hoje, n?;d) B aposta que A est usando as palavras com sentido prximo ao que B usa;e) B aposta que A est se referindo ao dia em que eles esto;f) B aposta que A est veiculando a proposio: Est quente no dia em que estou

    proferindo essa sentena;

    g) B atualiza, ento, o conjunto contexto, expulsando os mundos em que no dia doproferimento da sentena est frio (note, no entanto, que dado o item a) essa j

    era uma informao pressuposta, o que d ensejo para raciocnios de

    implicaturas);

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    h) B aposta que A no est sendo redundante25, no est dando uma informaoque ambos sabem que ambos j sabem;

    i) Se assim e dado que ambos sabem que est quente, sob as palavras de A deveter alguma coisa a mais;

    j) Tendo tudo isso em mente, B faz, mais uma vez, uma espcie de aposta sobre oque A tem em mente ou tem como inteno quando diz Puxa, est quente hoje,

    n?;

    k) Devido ao mundo em que esto, uma aposta interessante que B pode fazer abrir a janela ou perguntar para A, Voc quer que eu abra a janela?.

    Pode ser ento que A responda, No, obrigado, e essa resposta nos mostra que

    a aposta de B, provavelmente na passagem em j), no estava correta, e foi cancelada;

    mostra tambm que no toda situao como a descrita acima que permite que dealgum dizer Puxa, est quente hoje, n? chegue-se concluso que devemos abrir a

    janela, essa aposta no sempre previsvel. Como se trata de aposta, do item d) em

    diante, sempre possvel (em princpio) cancelar. Note que o pragmtico envolve o

    semntico, que se restringe ao proposicional (e s inferncias da advindas). Se a aposta

    em d) est correta, ento determinada a proposio, pode-se inferir que no dia em

    questo no est frio.26

    O segundo caso, aquele que problematiza nossa proposta, a pressuposio.

    Como j dissemos, as pressuposies causaram (e causam) muita polmica e talvez seja

    o caso, como parece indicar Stalnaker, que haja pressuposies semnticas e

    pressuposies pragmticas. Considere a sentena abaixo:

    25 Note que estamos considerando que B aposta que A no est sendo redundante, mas ele poderia fazeruma outra aposta: A est sendo redundante, o que daria ensejo a outras implicaturas,26 Raciocnio similar pode ser feito para explicar a implicatura escalar. Suponha que A e B esto ansiososcom a festa que preparam, com a expectativa de que todos os convidados compaream. Numa certa alturada noite, antes que o lcool fizesse todo o efeito que pudesse fazer, A vai checar com B se todo mundoveio mesmo para festa e B diz:

    (1) Alguns convidados vieram

    E essa resposta entristece A. A tem razo de estar triste. Sabemos que todos acarreta alguns, mas quealguns no exclui todos. Assim, A est triste devido a uma aposta que ele faz ao ouvir a afirmao deB: se B cooperativo e me d toda a informao que pode (que cr e/ou sabe ser verdadeira) e usaalguns ao invs de todos, porque no se pode usar todos, logo, pensa A, tenho razo para ficartriste, j que B est implicando que nem todos os convidados vieram. Imediatamente aps responder a A,B se lembra de uns convidados que estavam conversando no quintal da casa e diz prontamente: No! Naverdade, todos vieram. Para alvio de A, sua aposta estava errada isso mostra que ela cancelvel, no sempre previsvel e depende do contexto.

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    (14) Joo chegou tarde tambm.

    No muito simples estabelecer a pressuposio disparada por tambm e h aqui uma

    estreita relao com foco, com o segmento acentuado prosodicamente. So duas aspressuposies possveis: algum mais alm do Joo chegou tarde e Joo fez alguma

    outra coisa alm de chegar tarde. O fato de que a determinao da pressuposio

    depende do contexto no a torna pragmtica, j que a proposio carrega a informao

    que h uma pressuposio e o foco vai indicar onde est a informao posta. A

    satisfao da pressuposio pragmtica, mas ela uma instruo que est na

    proposio. Se assim for, veiculamos proposies diferentes nos dois casos acima e a

    pressuposio disparada por tambm deve ser suficientemente flexvel para poder

    acomodar essas diferentes possibilidades. Logo, a dependncia contextual dapressuposio parece ser semelhante dependncia dos diticos.

    Vimos acima que Ilari considera que as pressuposies so previsveis, o que o

    leva a consider-las semnticas. Mas vimos que as implicaturas escalares so tambm

    previsveis, mas so pragmticas porque cancelveis. Seriam as pressuposies

    cancelveis? Essa no uma questo trivial. H, aparentemente, dois casos que podem

    levar a acreditar que as pressuposies so cancelveis. Suponha que a sentena abaixo

    proferida por Maria num contexto em que se est discutindo a eleio de Maluf para a

    Cmara dos Deputados e que informao compartilhada que a Maria jamais votaria no

    Maluf:

    (15) Eu no lamento ter votado no Maluf.

    Como se sabe, lamentar um verbo factivo que pressupe que houve o evento descrito

    pela orao infinitiva. No contexto, essa pressuposio falsa e da sentena em (15) se

    infere que o falante no lamenta porque ele no votou no Maluf (se ele tivesse votado,

    ele estaria arrependido). Pode-se descrever essa situao como cancelamento da

    pressuposio, mas tambm possvel ver a uma negao metalingstica, em que se

    nega a pressuposio.27 Negar a pressuposio no cancel-la.

    27 Em geral, entende-se que a negao metalingstica envolve a meno e no o uso de uma palavra,como em Maria no bonita, linda. H, contudo, autores que entendem que h vrias maneiras de se

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    Um dos ns mais difceis que uma teoria da pressuposio enfrenta o problema

    da projeo: h contextos em que as pressuposies so projetadas ( o caso da

    negao), e h contextos em que elas no so sempre projetadas, o que pode ser

    entendido como uma forma de cancelamento28. Considere a sentena em (14) na

    interpretao em que ela pressupe que algum alm do Joo chegou na hora. Nodiscurso em (16), essa pressuposio no se projeta, isto , (16) no pressupe que

    algum alm de Joo chegou na hora, porque essa informao dada pela sentena

    anterior:

    (16) Maria chegou na hora e Joo chegou na hora tambm.

    Na proposta da semntica dinmica, em particular no modelo de Heim (1982), o

    significado de uma sentena o seu potencial de mudana contextual29, nos moldesapresentados no diagrama acima que fecha a seo anterior. Ao mesmo tempo, o

    significado de uma sentena so as suas condies de verdade e as suas condies de

    admissibilidade. A sentena em (14) exige um contexto que acarrete que algum alm

    de Joo chegou atrasado, essa mesma exigncia ocorre tambm quando ela est inserida

    na conjuno, como em (16), mas neste caso, a pressuposio no se projeta para a

    sentena complexa porque a sentena Maria chegou na hora fornece essa informao,

    ela o contexto para a interpretao de Joo chegou na hora tambm; se assim,

    quando Joo chegou na hora tambm interpretado s h, no conjunto contexto,

    mundos em que Maria chegou na hora; logo a pressuposio satisfeita localmente e

    no se projeta para a sentena como um todo.

    Na sentena em (17), a descrio definida o rei da Frana exige um contexto

    em que h um nico rei da Frana. Veja, no entanto, que interpretar (17) no nos

    compromete com a existncia do rei da Frana:

    (17) Se h rei da Frana, o rei da Frana careca.

    negar metalingisticamente, uma negar a pressuposio: se voc tomou como verdadeiro que eu voteino Maluf, estou veiculando que essa pressuposio falsa.28 Gazdar (1979) e Soames (1989) (apud Pires de Oliveira, 2004) propuseram que as pressuposiespodem ser canceladas, mas essa posio se mostrou insuficiente para explicar vrios casos.29 Para uma descrio pormenorizada do modelo de Heim ver Pires de Oliveira (2004).

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    Veja que na proposta de Ilari as pressuposies so previsveis, mas se este o caso,

    ento (17) deveria pressupor que h um e um nico rei da Frana.30 Haveria aqui

    cancelamento? Se houver cancelamento estamos diante de um fenmeno pragmtico.

    Mas possvel entender que no h cancelamento dentro do modelo que estvamos

    apresentando. O antecedente de um condicional indicativo tem como condio deadmissibilidade que o contexto seja compatvel com a proposio expressa pelo

    antecedente e com a sua negao. Ou seja, o conjunto contexto contm mundos em que

    h rei da Frana e mundos em que no h rei da Frana. O conseqente exige como

    contexto apenas mundos em que h rei. Essa exigncia satisfeita localmente, apenas

    para o processamento da proposio expressa pelo conseqente, mas no se projeta para

    o contexto geral.

    Na proposta que esboamos, a pressuposio parte do contedo semntico

    porque ela indica os contextos em que a sentena feliz. Nesse sentido, elas no socancelveis, mas podem ou no ser satisfeitas e se projetarem ou no. Tanto a satisfao

    ou no dessa exigncia quanto sua projeo so pragmticas, porque dependentes do

    contexto. Mas se entendermos que pressuposio a informao compartilhada pelo

    falante e pelo ouvinte, o fundo conversacional compartilhado, sem que essa instruo

    esteja dada na proposio, estamos diante de pressuposies pragmticas. Por exemplo,

    em geral tomamos como pressuposto (pragmtico) que a Terra gira em torno do Sol,

    que h gravidade, que o Brasil um pas da Amrica Latina... O estabelecimento desse

    conjunto uma aposta: eu aposto que o meu ouvinte acredita, como eu, que h um

    mundo, que as pessoas so racionais...

    Os exemplos acima exemplificam as estratgias da pragmtica e da semntica. O

    domnio da pragmtica aquele que se ampara em apostas que, por sua vez, esto

    respaldas por algum princpio de convivncia, vamos dizer assim, tacitamente

    assumido pelos interlocutores; seja esse o princpio da cooperao como em Grice, seja

    o princpio de caridade de Davidson, que impe como condio necessria para a

    comunicao que os interlocutores atribuam um ao outro uma racionalidade parecida,

    ou algum outro princpio. No estamos aqui interessados em discutir as diferentes

    abordagens pragmticas, mas em ressaltarmos o que caracteriza o pragmtico: a

    presena inevitvel de uma aposta que pode se mostrar equivocada e por isso

    30 por isso que no podemos tratar a informao de que h uma pressuposio em parar de no lxico.Se assim o fizermos teremos problemas com sentenas como:

    (1) Se Joo um dia bateu na mulher, ele j parou de bater.Em que a pressuposio de que Joo batia no se projeta para a sentena complexa.

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    cancelvel; uma aposta que est presente antes e depois da semntica. Mas nem s de

    apostas vive a lngua, podemos dizer jocosamente. No jogo que caracteriza nossa mtua

    interao lingstica, h tambm muitas certezas, que compem o domnio do

    semntico. As pressuposies semnticas so exemplos de certezas.

    Ao longo dos trabalhos de quem faz semntica e pragmtica, e aqui pensamos,respectivamente, em Heim & Krazter (1998) e Levinson (2000), que nos serviram de

    guias, as explicaes que encontramos em um e outro podem ser feitas segundo as

    apostas ou segundo as certezas que os falantes tm. Ao lidar com certezas, os tipos de

    expedientes explicativos invocados so perfeitamente caracterizados como relaes

    lgicas, e encontramos aqui axiomas a partir de um lxico definido aprioristicamente,

    precisamente porque a sua determinao depende tambm de uma aposta, que

    excluda do semntico. Uma vez acordado que quente significa quente e assim por

    diante, e estabelecidas as regras de composio e inferncias, a mquina semnticafunciona cegamente na gerao da proposio. Ao lidar com as apostas, manipulamos

    concomitantemente um elemento que no pode ser capturado com o ferramental

    utilizado para lidar com as certezas: a intencionalidade que os interlocutores atribuem

    uns aos outros durante uma interao.

    Algum pode apontar aqui dois equvocos que j procuramos desfazer ao longo

    de nossa exposio: o primeiro deles seria identificar, na presente exposio, a

    pragmtica com o estudo das intenes dos falantes; no cremos ser esse o caso. A

    pragmtica que vemos, pelo menos em Levinson e naqueles por ele resenhados, estuda,

    antes, as apostas de interpretao que desenham uma inteno do falante que se coloca

    no e pelo prprio ato de fala (na comunicao). A pragmtica estuda a atribuio de

    intencionalidades (e as apostas do falante de que o intrprete vai fazer tal e qual

    atribuio), e os raciocnios que o falante acredita que seu interlocutor capaz de

    realizar, dada uma ancoragem numa aposta fundamental (seja ela o princpio de

    cooperao ou o princpio de caridade). Estamos no reino dos espelhos, em que vejo no

    outro o meu reflexo e aposto que ele v em mim o seu prprio reflexo.

    O segundo equvoco consistiria em entender que nossa afirmao de que as

    explicaes pragmticas lanam mo da atribuio de intencionalidade ao falante ignora

    a intencionalidade semntica, segundo a qual coisas muito basilares so garantidas,

    como, por exemplo, todos ns atribuirmos (e devemos) atribuir, para garantir uma

    interao, um valor similar (sentido e referncia) para as palavras. Sendo assim, dizer

    que a pragmtica dependente de uma intencionalidade no pode ser algo que a

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    diferencie da semntica, justamente devido intencionalidade semntica, que reveste

    o semntico. Mas, como procuramos deixar claro, a semntica se faz uma vez que se

    atribui um sentido s palavras; essa atribuio , obviamente, uma aposta. Uma vez feita

    a aposta (primordial), o sistema funciona nomologicamente.

    Se a seo anterior se fechou com um diagrama, essa se encerra numa analogia.Imersos num grande nmero de rudos, advindos das mais diversas fontes, que so

    justamente os fatores que influenciam nossas apostas, destacamos do rudo sonoro que

    nosso semelhante emite, a aposta de que esse um som interpretvel, o ensejo para

    estruturarmos um pensamento que atribumos ao falante e supor que seu ato de fala tem

    outras motivaes alm de provocar em mim o pensamento que ele pretende evocar;

    evocar esse pensamento enseja outros pensamentos. Podemos pensar que a pragmtica

    envolve a semntica nesse sentido especfico: aposto para chegar proposio

    (pragmtica), da proposio (semntica) fao outras apostas (pragmtica).

    4.SEMNTICA, PRAGMTICA E SEUS RESPECTIVOS MISTRIOS

    Num texto hoje em dia pouco (re)lido, Lahud (1977) mostra que boa parte do

    pensamento sobre linguagem se deu (e talvez ainda se d) sob o pano de fundo de uma

    certa concepo de signo, segundo a qual ele entendido como composto por duas

    partes essencialmente distintas, o significante (a materialidade lingstica) e o

    significado. Essa maneira de entender o signo coloca, de imediato, duas questes ou

    mistrios: o mistrio da significao, ou seja, como possvel que substncias distintas

    (linguagem e exterior linguagem) se unam; e o mistrio da comunicao, ou seja, o

    que garante que os falantes de uma mesma comunidade estabeleam de maneira mais ou

    menos idntica as relaes entre linguagem e exterior linguagem. Historicamente, nos

    diz Lahud, essas questes receberam diferentes respostas. possvel entender os

    modelos tericos mais contemporneos, o estruturalismo e o gerativismo, representados

    por Saussure e Chomsky, respectivamente, como ancorados em uma certa maneira de

    resolver esses mistrios, que consiste, mais um vez, em lan-los para outras instncias

    do conhecimento. Em Chomsky, a relao entre significante e significado explicada

    pela presena da sintaxe, que, ao fim e ao cabo, explicada por uma instncia externa,

    uma certa biologia. a biologia que explica (ou dilui) os mistrios. Saussure lega esses

    mistrios sociologia, porque o conceito de lngua que ele trabalha se ancora num

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    conceito de fato social, cuja determinao est nas mos da sociologia. Cabe

    sociologia explicar o fato social da lngua.

    Uma leitura possvel do texto de Lahud aponta que, para poder trabalhar, o

    cientista que faz determinada questo precisa se ancorar em conceitos que so

    pressupostos, dados como inquestionveis, o seu fundo conversacional, e cuja definioestaria a cargo de uma outra disciplina. Embora no caso da distino entre semntica e

    pragmtica no haja um consenso na lingstica to forte quanto a compreenso da

    dupla face do signo (intermediada ou no pela sintaxe), a no ser a certeza de que h as

    duas disciplinas (no parece haver autores, ao menos na tradio anglo-saxnica, que

    defendam a existncia apenas da pragmtica ou apenas da semntica), possvel

    transpor a hiptese epistemolgica de Lahud de que h sempre um no-dito, remetido a

    outro domnio do saber, que anteparo para a construo de uma dada teoria. Esse

    movimento de remisso de conceitos a outros campos est tambm presente nadistino entre semntica e pragmtica, dando-lhe suporte.

    Ao considerar que a semntica se interessa pelas condies de possibilidade da

    proposio e pelas relaes que ela estabelece com outras proposies, deixamos

    filosofia da lgica a definio de proposio. Se de fato o caso que a pragmtica se

    interessa por apostas feitas mediante a atribuio de intenes, deixamos filosofia da

    mente e da ao uma definio de inteno. A semntica e a pragmtica, como de resto

    toda disciplina cientfica, se fazem considerando noes que lhe so externas, e o que

    nos interessa notar aqui que os exteriores da semntica e da pragmtica so distintos.

    Se nossa discusso est correta, uma conseqncia que os limites entre

    semntica e pragmtica nada tem de vagueza ou indeterminao, eles so muito claros:

    a semntica lida com a proposio, a pragmtica com o ato de determinar e interpretar

    proposies. Esse modo de traar a distino permite entender o papel diferenciado do

    contexto na pragmtica e na semntica, o lugar do calculvel (previsvel) na semntica e

    na pragmtica (os clculos so de natureza distintas) e a possibilidade do cancelamento

    na pragmtica e da no satisfao na semntica. Permite ainda entender que a

    intencionalidade baliza a ao interpretativa, quer na sua face semntica quer na sua

    face pragmtica.

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    RESUMO: O presente ensaio analisa a distino entre semntica e pragmtica considerando otipo de argumentos e entidades que cada disciplina mobiliza em suas explicaes.Argumentaremos que a pragmtica, em suas teorizaes, lana mo de algum conceito deaposta, seja ao apelar para a cooperao do falante, seja ao utilizar explicaes como ainteno do falante /era...; a semntica, por sua vez, no utiliza nenhuma noo de aposta esuas explicaes envolvem o conceito de proposio, que remete, mas no coincide, comcondies de verdade e sentido literal. Essa maneira de apresentar a distino entre semntica epragmtica pode ser chamada de interna, pois se sustenta nos argumentos que os pesquisadoresutilizam em suas pesquisas, encaixadas, por eles mesmos, numa ou noutra dessas disciplinas.Autores que tratam dessa mesma distino caracterizando o que a semntica e a pragmticadevem estudar situam-se em posies externas s disciplinas, e normativizam sobre elas, porque

    estabelecem o que deve ser uma e outra. Apropriando-nos de uma idia de Michel Lahud(1977), diremos que os mistrios da pragmtica (ou seja, o que ela toma como pressuposto, masno define) remetem filosofia da mente e da ao; diremos tambm que a semntica tem comomistrio o conceito de proposio, provavelmente tratado pela filosofia da lgica. Seusmistrios so, pois, outros.PALAVRAS-CHAVES: semntica, pragmtica, proposio, inteno, teoria da ao

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    ABSTRACT: This essay analyses the distinction between semantics and pragmatics, taken intoaccount the type of arguments and entities that each of the disciplines adopts in the explanationsand description of the phenomena. We argue that pragmatics relies upon the notion of a bet,be it introduced as an appeal to the notion of speakers cooperation or as an explanatoryresource of the speakers intention. These notions are foreign to semantics, the explanations ofwhich rely upon the concept of a proposition, closely linked to the notions of truth conditionsand literal meaning, though not coincident. Our way of conceiving the distinction may be called

    internal, in contrast to normative views, because it derives its conclusion from the way thearguments authors use in their researches are mobilized, and does not aim at prescribing whatshould be done in semantics or in pragmatics. Based on Lahuds (1977) epistemological insight,we conclude that the mysteries of pragmatics, the knowledge it presupposes, are to be found inphilosophy of mind and action, whereas the mysteries of semantics are in philosophy of logic.KEYWORDS: semantics, pragmatics, proposition, intention, action theory.

    Recebido no dia 02 de dezembro de 2006.

    Artigo aceito para publicao no dia 26 de fevereiro de 2007.