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Rev. Bras. Fisiot. Voi. 3, No. I (1998) ©Associação Brasileira de Fisioterapia Fisiopatologia da Reparação Cutânea: Atuação da Fisioterapia G. Gonçalves* e N.A. Parizotto Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, Rod. Washington Luis, km 235, C.P. 676, 13569.905 São Carlos- SP Recebido: 05.05.97; Aceito: 05.06.98 Resumo: Os processos ulcerosos cutâneos crônicos são fatores de grande importância e interesse para os profissionais da saúde. Além de serem processos patológicos que evoluem a grande percentual de morbidade e mortalidade, são situações de dificil e angustiante manejo para seus portadores, familiares e acompanhantes, além dos próprios responsáveis pelo estado de saúde desses indivíduos. Neste sentido, o presente artigo de revisão apresenta levantamento de trabalhos científicos publicados em periódicos e livros acerca da aplicação de recursos fisioterápicos na reparação tecidual. Envolvidos nesta terapêutica encontram-se conhe- cimentos da fisiologia cicatricial das lesões cutâneas, influências locais e sistêmicas que podem atrasar o processo de reparo, fisiopatologia das lesões crônicas, cuidados decorrentes destas e recursos terapêuticos utilizados para estimulação da reparação tecidual. Ao se planejar possíveis tratamentos para feridas de origens traumática, circulatória ou neuropática é necessário melhorar das condições fisiológicas da área atingida e regiões adjacentes, interromper o componente de inflamação recorrente destas e aceleração do processo de cicatrização. O presente trabalho é portanto uma tentativa de contribuição ao resgate de infonnações aplicadas sobre o assunto de grande interesse não só ao clínico que depara-se com estas alterações fisiopatológicas, mas também aos acadêmicos de Fisioterapia e profissionais da área. Palavras-Chave: reparação tecidual, cicatrização, fisiopatologia, feridas, úlceras, fisioterapia Abstract: Chronic cutaneous ulcers are of great interest and importance to health practitioners. This is beca use, as well as begin pathological processes which involve a high degree of morbidity and mortality, they also cause difficulties and anxiety for the patients, their relatives and the health professionals involved. Thus, this article presents a survey of scientific work published in journals and books about the application of physiotherapeutic approaches for tissue repair. This covers physiology of cutaneous lesion scarring, local and systemic influences which may delay the repair process, physiopathology of the chronic lesion, specific care o f these lesions and therapeutic approaches used to stimulate repair. In arder to plan possible treatments for traumatic, circulatory or neurological wounds, it is necessary to improve the physiological conditions of the affected area and adjacent regions, interrupting the inflammation component and accelerating the repair process. This review is therefore attempt to summarise the information on this subject which is o f great interest, not only to the clinicians who deal with these physiopathological alterations, but also to the physiotherapy academics and other professionals in the area. Keywords: tissue repair, wounds, physiopatology, physiotherapy, ulcers 5 Introdução Mesmo sendo fomentados anseios coletivos e indi- viduais máximos, até o presente momento não existem terapias profiláticas ou curativas afirmativamente defini ti- v as no tratamento das úlceras cutâneas. Isto em decorrência da complexidade de fatores envolvidos não no processo de lesão e reparo tecidual, como na utilização de determi- nada medicação ou terapia. Cresce, portanto, não somente na área da fisioterapia, a necessidade de se conhecer, pesquisar e comprovar méto- dos de terapia que ajudem a melhorar e normalizar a cica- * Glauca Gonçalves: Rua Dr. Luverci Pereira de Souza, 1151, Cidade Universitária, !3084-031 Campinas- SP; Te! (019)2395022.

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Page 1: Rev. Bras. Fisiot. V oi. 3, No. I (1998) 5 · Fisiopatologia da Reparação Cutânea: Atuação da Fisioterapia G. Gonçalves* e N.A. Parizotto Departamento de Fisioterapia, Universidade

Rev. Bras. Fisiot. V oi. 3, No. I (1998) ©Associação Brasileira de Fisioterapia

Fisiopatologia da Reparação Cutânea: Atuação da Fisioterapia

G. Gonçalves* e N.A. Parizotto

Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, Rod. Washington Luis, km 235, C.P. 676, 13569.905 São Carlos- SP

Recebido: 05.05.97; Aceito: 05.06.98

Resumo: Os processos ulcerosos cutâneos crônicos são fatores de grande importância e interesse para os profissionais da saúde. Além de serem processos patológicos que evoluem a grande percentual de morbidade e mortalidade, são situações de dificil e angustiante manejo para seus portadores, familiares e acompanhantes, além dos próprios responsáveis pelo estado de saúde desses indivíduos. Neste sentido, o presente artigo de revisão apresenta levantamento de trabalhos científicos publicados em periódicos e livros acerca da aplicação de recursos fisioterápicos na reparação tecidual. Envolvidos nesta terapêutica encontram-se conhe­cimentos da fisiologia cicatricial das lesões cutâneas, influências locais e sistêmicas que podem atrasar o processo de reparo, fisiopatologia das lesões crônicas, cuidados decorrentes destas e recursos terapêuticos utilizados para estimulação da reparação tecidual. Ao se planejar possíveis tratamentos para feridas de origens traumática, circulatória ou neuropática é necessário melhorar das condições fisiológicas da área atingida e regiões adjacentes, interromper o componente de inflamação recorrente destas e aceleração do processo de cicatrização. O presente trabalho é portanto uma tentativa de contribuição ao resgate de infonnações aplicadas sobre o assunto de grande interesse não só ao clínico que depara-se com estas alterações fisiopatológicas, mas também aos acadêmicos de Fisioterapia e profissionais da área.

Palavras-Chave: reparação tecidual, cicatrização, fisiopatologia, feridas, úlceras, fisioterapia

Abstract: Chronic cutaneous ulcers are o f great interest and importance to health practitioners. This is beca use, as well as begin pathological processes which involve a high degree of morbidity and mortality, they also cause difficulties and anxiety for the patients, their relatives and the health professionals involved. Thus, this article presents a survey of scientific work published in journals and books about the application of physiotherapeutic approaches for tissue repair. This covers physiology of cutaneous lesion scarring, local and systemic influences which may delay the repair process, physiopathology o f the chronic lesion, specific care o f these lesions and therapeutic approaches used to stimulate repair. In arder to plan possible treatments for traumatic, circulatory or neurological wounds, it is necessary to improve the physiological conditions o f the affected area and adjacent regions, interrupting the inflammation component and accelerating the repair process. This review is therefore attempt to summarise the information on this subject which is o f great interest, not only to the clinicians who deal with these physiopathological alterations, but also to the physiotherapy academics and other professionals in the area.

Keywords: tissue repair, wounds, physiopatology, physiotherapy, ulcers

5

Introdução

Mesmo sendo fomentados anseios coletivos e indi­viduais máximos, até o presente momento não existem terapias profiláticas ou curativas afirmativamente defini ti­v as no tratamento das úlceras cutâneas. Isto em decorrência

da complexidade de fatores envolvidos não só no processo de lesão e reparo tecidual, como na utilização de determi­nada medicação ou terapia.

Cresce, portanto, não somente na área da fisioterapia, a necessidade de se conhecer, pesquisar e comprovar méto­dos de terapia que ajudem a melhorar e normalizar a cica-

* Glauca Gonçalves: Rua Dr. Luverci Pereira de Souza, 1151, Cidade Universitária, !3084-031 Campinas- SP; Te! (019)2395022.

Page 2: Rev. Bras. Fisiot. V oi. 3, No. I (1998) 5 · Fisiopatologia da Reparação Cutânea: Atuação da Fisioterapia G. Gonçalves* e N.A. Parizotto Departamento de Fisioterapia, Universidade

6 Gonçalves & Parizotlo Rev. Bras. Fisiot.

trização de lesões cutâneas crônicas, auxiliando o indivíduo acometido na busca de condições e expectativas de con­

vivência melhores. Neste sentido este artigo apresenta levantamento de

publicações científicas apresentadas sob forma de livro ou

artigo publicado em periódicos científicos sobre o processo

de regeneração/cicatrização das lesões cutâneas, influên­

cias locais e sistêmicas que podem atrasá-lo, fisiopatologia das lesões crônicas, cuidados decorrentes destas, além dos

recursos terapêuticos utilizados para estimulação da reparação tecidual. Inicia-se pelas etapas que envolvem o processo de reparo, caminha para influências sistêmicas e

locais incidentes sobre o mesmo e dirige-se à caracterização

das feridas crônicas e sua classificação, além de associar esses processos de evolução patológica ou não à terapêutica

da fisioterapia.

Processo de cicatrização cutânea

Nos tecidos vivos, perante a existência de trauma­

tismo tecidual, há o desencadeamento de um complicado e embricado conjunto de eventos vasculares, celulares e bio­

químicos que objetivam substituir as células motias ou

imperfeitas por células saudáveis, ocorrendo assim um processo de reconstrução tecidual chamado de reparação. Thomaz et a!. 1 (1996) definem a reparação tecidual como substituição das células atingidas por outras do mesmo tipo

e com a mesma função, provenientes da proliferação de elementos parenquimatosos ainda viáveis do foco de lesão, podendo resultar em restituição quase perfeita da estrutura

original. O reparo teci dual é um processo complexo que aborda

a regeneração e a formação de cicatriz fibrosa após a

ocorrência da lesão, sendo este organizado em várias fases nas quais participam eventos diversos e interligados. O dano envolve perda da continuidade da pele, podendo abranger epiderme, derme, músculo ou osso. Regeneração

e fibrose participam do reparo, considerando respecti­

vamente reepitelização/regeneração e restituição do tecido

parenquimatoso por tecido fibroso fermanente não espe -cializado, ou seja, a cicatriz fibrosa .

Durante o processo organizacional envolvido na re­

construção tissular, observam-se os seguintes componentes importantes para efetivação do processo: coagulação, infla­

mação, fibroplasia, deposição matricial, angiogênese,

epitelização e contração. A reparação teci dual classi­camente é dividida em quatro fases, descritas a seguir 3 .

Hemostasia

Logo após o trauma ocorre vasoconstrição reflexa imediata como prevenção de perda sangüínea ou de líquidos

corporais, formação de um tampão hemostático primário pelas plaquetas, seguida de ativação dos processos bio­

químicos da cascata de coagulação e liberação de me-

diadores solúveis responsáveis pelo início dos estágios

subsequentes3•4

. Nesta etapa, dependendo do tipo de lesão

é necessária remoção de substâncias ou partículas contami -

nantes e tecido desvitalizado, os quais inibem o reparo, por

meio de limpeza local 5.

Inflamação

É multimediada inicialmente pelos fatores humorais

que promovem do primeiro ao terceiro dia: i) aumento da

permeabilidade de arteríolas, capilares e vênulas à albu­

mina, globulina e fibrinogênio (promovido pela histamina);

ii) estimulação à fonnação de RNA e colágeno pelos fi­

broblastos (mediada pela serotonina); e iii) alterações en­

dotcliais aumentando aderência das plaquetas c leucócitos

e crescimento dos fibroblastos (em função da ação de

norcpincfrina e prostaglandinas) 6.

Em um segundo momento da inflamação, o fator

celular é responsável pelo processo de substituição teci dual,

sendo atraídos para o local da lesão primeiramente eritróci -

tos, plaquetas c leucócitos polimorfonuclearcs, que são

responsáveis pela etapa fagocitária, degradando colágeno c

clastina, liberando produtos que funcionam como fatores

direcionais na cicatrização. Logo a seguir, mastócitos, I in­

fócitos e eosinófilos se integram ao processo, englobando

os componentes necessários à efetivação do controle da

infecção pelos neutrófilos e macrófagos, assim como a

limpeza da área de lesão pelos macrófagos, preparando a

ferida para fase de proliferação, estimulando também a

angiogênese, objetivando aumento da nutrição tccidual .

Fase proliferativa

Neste estágio é ressaltada a impotiância dos fibroblas­

tos, por produzirem o colágcno que é a substância respon­

sável pela força e integridade do tecido, o qual sustenta uma

recente e frágil rede de capilares que mantém a base da

formação do tecido de granulação, de aparência vermelha

c heterogênea, havendo crescimento de capilares ao redor

da lesão4. Durante a fase humoral, a fibrina do coágulo

serve como um substrato para a proliferação dos fibroblas­

tos. O depósito concomitante de fibras de reticulina e de

colágeno intercelulares reforça de maneira importante a

lesão, para adquirir na segunda lesão quase igual resistência

de tração dos tecidos não atingidos. O colágeno se compõe

a partir da hidroxilação ao nível do ribossoma, requerendo

para isto oxigênio, alfa cetoglutarato, ácido ascórbico e

ferro. Deste modo, qualquer deficiência nestes precursores

da cicatrização alteram a formação do tecido de granulação

c proliferação de vasos de neoformação c de fibroblastos,

os quais normalmente mantêm sua ação pelo período de 3

a 24 dias.

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Vol. 3. No. I, 1998 Reparação cutânea c fisioterapia 7

Fase de remodelagem

É a fase mais longa da cicatrização de feridas do tecido

frouxo, podendo durar meses ou anos. Durante este período

o tecido de granulação retrocede, o colágeno depositado se

remodela e uma cicatriz madura se forma, a partir de um

aumento dos elementos constitutivos extracelulares, princi­

palmente colágeno, comprimindo de maneira mecânica as

paredes neo-formadas e delicadas dos capilares sangüíneos,

estrangulando-os, diminuindo assim o número de fibroblas­

tos ativos e a fonnação de novos vasos. Com o tempo,

ocone entrecruzamento de diferentes padrões das fibras de

colágeno, sendo este responsável pela força e integridade

do reparo2.

Na pele íntegra coexistem síntese e degradação de

colágeno; na lesada, ocotTem alterações nessas taxas. O

colágeno é sintetizado, fonna ligações cruzadas e depois é

depositado na região cicatricial, de onde é removido,

moldando a reparação, sem cicatrização excessiva. O fi­

broblasto é considerado uma célula reguladora devido à sua

dupla função de síntese c reabsorção do colágeno, já que

procura manter equilíbrio quantitativo e qualitativo desta ' 3 protema .

O reparo pode ser classificado, pelo tipo de

fechamento da ferida, já que esta característica determina a

quantidade de tecido conectivo ou fibrótico necessário para

o reparo da lesão. O tipo de fechamento da lesão envolve

também a identificação da presença ou não de infecção.

Reparação por primeira intenção é conseguida ou cirurgi -

camente ou por aproximação das extremidades do feri -

mento, diminuindo a probabilidade de ocorrência de

defeitos de fechamento c ocorrência de infecção. Por

segunda intenção, como no caso das úlceras, a lesão é

mantida aberta, com a porção lesional sendo preenchida

mais lentamente por maior quantidade de tecido de granu­

!ação e colagenização, aumentando o risco de haver in­

fecção local, sendo ao final o foco lesional substituído por

cicatriz fibrosa2.

Influências Sistêmicas e Locais sobre o Reparo das Feridas

Influências sistêmicas

Ainda sob este aspecto, podem ser observadas algu­

mas circunstâncias freqüentemente presentes em pacientes

com problemas de cicatrização cutânea 1, tais como:

a) diminuição da tensão tecidual de oxigênio,

angiogênese c rcepitelização; podendo ser causada por anc­

mia, volcmia inadequada (problemas renais) e/ou má-per­

fusão tecidual (aumento da resistência vascular periférica);

b) má-nutrição, promovendo diminuição de ami­

noácios, carboidratos, lipídcos, sais minerais, vitaminas

essenciais para acúmulo de fonte energética, proliferação

celular, desenvolvimento de força tênsil da ferida, síntese

de colágeno e ligação entre as cadeias recém-formadas;

c) síntese protéica diminuída, afetando a proliferação

de tíbroblastos, a síntese de colágeno e a remodelagem

cicatricial; d) imunodepressão e declínio da função neutrofilica,

oconendo maior risco de infecções;

e) incidência de doenças crônicas tais como diabetes

melittus, doenças vasculares periféricas, câncer, artrite reu­

matóide, insuficiência renal e disfunção hepática.

JJ~fluências locais

Durante o processo de reparação tecidual, pode-se ter

influência de determinados fatores que propiciam prolon­

gamento da resposta inflamatória no local da ferida e con­

seqüentemente retardo da regeneração ou cicatrização da

lesão, tais como as características específicas da ferida,

incluindo tamanho, localização, profundidade, condições

teci duais (ocorrência de tecido necrótico, pressão e tensão

locais aumentadas) e o tipo de tecido envolvido (músculo,

tendão e/ou osso). São considerados elementos lentifi­

cadores: a) presença de infecção, fistulas, abcessos, sinus e/ou

corpos estranhos;

b) isquemia, alterações da viscosidade e perfusão

sangüíneas; c) alterações na drenagem do tecido lesado;

d) traumas repetidos e recorrentes, causando sítio de

lesão que pode retomar à fase inflamatória;

e) manejo inapropriado da ferida, como utilização de

substâncias potentes e tóxicas aos fibroblastos e linfócitos

humanos, como anti-sépticos (p.e.: hipoclorito de sódio,

povidinc-iodine, rifocina), desidrata~ão e quedas de tem­

peratura durante a troca de curativos .

A infecção é entendida como a invasão e multipli­

cação de microorganismos em tecido do corpo, podendo em

determinadas situações resultar em lesão celular local

através de competição por nutrientes, toxinas bacterianas,

replicação intracelular ou mesmo da resposta do hospedeiro

à invasão microbiana, atingindo também suas próprias célu­

las (em caso de inflamação exagerada e/ou prolongada). Se

a infecção ocorre em tecido lesado, podem ser observados

retardo no reparo pelo aumento da fase inflamatória, lesão

tccidual adicional e, conseqüentemente, aumento do

tamanho da ferida e da cicatriz final.

É portanto de suma importância a promoção da assep­

sia c anti-sepsia adequadas, com substâncias que não agri­

dam ainda mais o tecido já lesado, mas sim o protejam e o

hidratcm adequadamente. Como recurso terapêutico altcr­

nativo, a antibioticoterapia profilática pode reduzir a con­

taminação e a patogenicidade microbiana no local da ferida.

Neste sentido, é defendido como parte importante do

processo de cicatrização das úlceras crônicas, o cuidado

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com as mesmas, utilizando-se para tal os curativos com papaína e hidrocolóides em situação de feridas não infec­tadas, e quando infectadas, curativos com carvão ativado e

. d 8 9 sais e prata ' . É discutida e contra-indicada, no processo de limpeza

da lesão ulcerosa, a utilização de povidine-iodine, ácido acético, peróxido de hidrogênio e solução de Dakin (hipo­clorito de sódio) por serem tóxicos aos fibroblastos e !in­fócitos humanos, inibindo assim a síntese de colágeno e a c - d ·d d I - I0-14 10rmaçao o teci o e granu açao

Feridas Crônicas

Em situações onde a formação tecidual é inteiTompida ou destruída por danos repetidos ou quando um ou mais elementos químicos ou celulares do processo de cicatri­zação estão deficientes, a lesão pode se tomar ctônica. Com freqüência, porém não sempre, esses eventos são caracteri -zados por inflamação crônica ou recomeçada. O reparo então só é alcançado a partir do controle da enfermidade de base e do fator lentifícador do reparo tissular. Entre as feridas cutâneas crônicas podem ser destacadas como si­tuações de dificil controle, considerável prevalência c grande desconforto para o indivíduo, as úlceras de decúbito, as de membro inferior de ordem circulatória e a ferida neuropática.

Úlceras de decúbito

As úlceras de decúbito estão normalmente associadas com as altas taxas de morbidade e mortalidade em pacientes idosos e/ou por longo período acamados. Quatro elementos contribuem para sua formação: pressão, força de corte, fricção e umidade. Outros fatores também aumentam o risco de aparecimento dessas úlceras incluindo a imobili -dade, as alterações cutâneás relacionadas com idade, má nutrição e alteração cognitiva 15

.

Em levantamento de opções para técnicas de trata­mento e prevenção, são usualmente utilizadas como medi­das profiláticas as mudanças de decúbito periódicas a cada 2 h e o uso de superficies especiais para leito e cadeira. Na intervenção curativa, o tratamento convencional é preconi­zado em orientações a familiares e pessoal de apoio; reduz­indo a área de contato pressionada; debridamcnto; compressas oclusivas; utilização de medicamentos locais e

d . . ' . d . d" d 16 17 proce 1mento Cirurgico quan o m ICa o · .

Normalmente (cerca de 90%) as úlceras de decúbito têm seu aparecimento abaixo da cintura, primeiramente na região sacra!, tuberosidade isquiática, trocanter maior, cal­câneo e maléolo latera1 19

. São formadas a partir de uma pressão constante, a qual induz à isquemia, causando hiperemia reativa. Outro fator determinante e importante é a fricção, que promove bolhas no interior da derme e erosões superficiais. A umidade decorrente da urina induz à maceração cutânea e edema, deixando a epiderme mais

susceptível à abrasão e conseqüentemente ao aparecimento da lesão20

.

As úlceras de decúbito são divididas e classificadas de acordo com o dano tecidual em quatro estágios 15

:

• Grau I: pele intacta com eritema, sendo lesão pre­cursara da ulceração cutânea;

• Grau li: perda parcial da continuidade cutânea en­volvendo epiderme e/ou derme, estando a úlcera superficial, apresentando-se clinicamente como abrasão, corte ou cratera rasa;

• Grau III: perda total da continuidade cutânea envol­vendo dano ou necrose de tecido subcutâneo que pode ser estendido por fáscia adjacente. Apresenta­se como cratera funda com ou sem abrangência de tecido vizinho;

• Grau IV: perda total da continuidade cutânea com destruição extensa, necrose tecidual, dano museu­lar, ósseo ou de estruturas de suporte como tendão e cápsula articular.

Em detenninadas situações onde há possibilidade de aparecimento da úlcera por pressão, o indivíduo é sub­metido à analise do risco real de ocorrência da mesma através da Escala de Nmton, em que são observadas con­dição fisica e mental, grau de atividade fisica ( deambu­)ação, utilização de órteses de apoio ou acaso encontra-se no leito), mobilidade e controle de esfincter da bexiga 20

Em razão da necessidade de se aplicar tratamento curativo, intensivo e eficaz, deve-se realizar avaliação minuciosa do grau, local e extensão da lesão e fatores de risco existentes. Preconiza-se que após anamnese completa deva-se aplicar o seguinte protocolo básico de tratamen­to 15

:

a) debridamento: em situação em que material ne­erótico é observado, sendo indicado com objetivo de di­minuir a quantidade de bactérias presentes no foco de lesão, tendo o cuidado de não se retirar tecido de granulação. Pode ser utilizado como apoio, sulfadiazine de prata para aumen­tar o tecido de granulação e com ação bactericida respecti -vamente, devendo ser descontinuado na etapa proliferativa;

b) aplicação de curativos oclusivos hidrocolóides principalmente em lesões de grau li, havendo sempre ob­servação das mesmas, evitando maceração e infecção do local;

c) intervenção cirúrgica: indicada para tratamento de úlceras de grau lli e IV com intuito de limpeza, podendo estender-se até o tecido ósseo, sendo na maioria das vezes considerado procedimento necessário, porém bastante in­vasivo;

d) curativos úmidos com solução salina ou solução de lactato (Ringer) indicados quando a ferida está limpa, ne­cessitando de meio úmido para migração superficial das células epiteliais objetivando fonnação de tecido de granu­I ação.

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Vol. 3. No. I, 1998 Reparação cutânea e fisioterapia 9

Úlceras de membro inferior

As úlceras de extremidades de membro inferior são

um dos problemas mais desafiadores para profissionais da saúde, assim como para pacientes e familiares. Para os

indivíduos acometidos, estas úlceras originam e fomentam

dor, incômodo, frustração além de gasto financeiro; e

quando se consegue a cura, esta é demorada, requerendo

manejo adequado tanto do paciente quanto dos que o acom­

panham.

As úlceras de membro inferior apresentam-se em

diferentes locais com formas e peculiaridades distintas, e

normalmente o sexo feminino é mais acometido que o

masculino, com idade acima de 40 anos. Estatisticamente,

80 a 90% das mesmas têm origem venosa, enquanto 5 a I 0%

são decorrentes de patologia arterial e o restante conseqüên­

c ia de neuropatias ou combinações de outras moléstias e/ou

acidentes 17.

Úlceras venosas

As úlceras venosas decotTem da interação do inade­

quado suprimento vascular do membro inferior e da força

da gravidade. Nestes casos, observa-se incapacidade das veias em mover a coluna sangüínea corporal de volta ao coração contra a força da gravidade. Isto se deve à di­

ficuldade de ação dos três sistemas venosos existentes

(profundo, superficial e comunicante) e suas respectivas

valvas semilunares.

A grande maioria das disfunções v alvares são adquiri -das, como por exemplo a trombose. Quando as valvas nas

veias comunicantes se tornam pouco úteis, o fluxo

sangüíneo abaixo das mesmas reflete de volta ao sistema superficial criando a chamada "hipertensão venosa", que traumatiza o tecido mole, em decorrência do fluxo turbu­

lento. Esta situação hipertensiva se manifesta mais

comumente na região da articulação do tornozelo, onde a pressão hidrostática no tecido aumenta, desencadeando va­soconstrição reflexa, a qual promove uma diminuição da

perfusão tissular, podendo evoluir a isquemia epidér­

mica17•18

.

Estas lesões estão normalmente localizadas acima do maléolo mediai, apresentando bordas irregulares, com pre­

sença de quantidade considerável de exsudato, não expondo estruturas subjacentes e tecido de granulação na base. A dor

é moderada, piorando em posição ort~stática e melhorando com elevação do membro. O diagnóstico pode ser feito clinicamente, pela presença de mudanças no aspecto do

local e/ou estase sangüínea. Deve ser considerado o des­

carte da existência de insuficiência arterial, sendo que dite­rentemente da úlcera venosa, a arterial tende a ser coberta

com tecido de granulação negro e rígido.

Úlceras arteriais

As úlceras arteriais, também conhecidas como úlceras isquêmicas, são decorrentes de insuficiência arterial, atin­gindo geralmente pacientes com idade acima de 50 anos e ocasionalmente em indivíduos jovens portadores de diabe­tes melittus e/ou hiperlipidemia. A insuficiência arterial resulta geralmente de oclusões de vasos principais, em situações por exemplo de vasculite, arteriosclerose e trom­bose. O suprimento sangüíneo cutâneo não é adequado para manter a demanda do metabolismo tissular local, resultando em interrupção da superfície cutânea. É mais comum no sexo masculino e em indivíduos fumantes com alterações nutricionais 17

.

Estas úlceras freqüentemente envolvem a área pré-ti­bial, dorso de artelhos e pé, tendendo a serem mais dolo­rosas do que as venosas. A elevação do membro agrava a dor das úlceras isquêmicas por ação da força da gravidade contra o fluxo arterial. Deste modo, a posição ortostática e o caminhar diminuem o desconforto, podendo apresentar porém episódio de claudicação intermitente, sendo o mesmo aliviado com descanso.

Comumente estas lesões apresentam-se de forma ir­regular, com bordas não padronizadas, úmidas, macias e bem definidas. As bases mostram-se encobertas por ex­sudato amarelo pálido purulento, com tecido necrótico amarelo esverdeado e pedaços de pele de aspecto gan -grenoso em seu interior com ausência de tecido de granu­!ação. Os tendões freqüentemente estão aparentes, com edema ao redor das margens, estando a pele seca, que­bradiça e fria. O pulso próximo à ferida pode apresentar-se fraco ou ausente.

Úlceras diabéticas

A maioria das úlceras diabéticas decorrem da combi­nação da situação de isquemia e neuropatia, estando sempre uma das duas prevalecendo. Úlceras basicamente isquêmi­cas são mais raras, porém a neuropatia periférica é fator de alto risco para o possível portador de úlcera. São sintomas e achados físicos importantes da neuropatia a degeneração de músculos intrínsecos dos pés, alteração das interações ósseas (artelhos em forma de martelo e pé cavo, por exem­pio) e ponto de pressão anormal na cabeça do primeiro e quinto metatarso.

As úlceras típicas de neuropatia ocotTem na superfície plantar do pé em áreas de pressão máxima, assim como artelhos e cabeça dos metatarsos. Normalmente apresen­tam-se profundas e infectadas. O membro isquêmico é frio, com pele fria, brilhante e atrófica. Comumente a úlcera em si não dói, entretanto o paciente refere sensação de quei­mação c parestesia na extremidade, assim como ausência de sensação ténnica, tátil superficial e profunda e proprio­cepção.

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lO Gonçalves & Parizotto Rev. Bras. Fisiot.

Especificamente no paciente diabético foram detec­tadas algumas alterações cicatriciais importantes que im­pedem a concretização adequada do processo reparador. São basicamente 1:

a) disfunção neutrofilica, havendo redução da quimio­taxia, da aderência, fagocitose e extermínio intracelular de bactérias pelos neutrófilos, resultando em susceptibilidade cinco vezes maior do paciente diabético à infecção da ferida, com conseqüente atraso no reparo;

b) proliferação de fibroblastos e síntese de colágeno deprimidas;

c) crescimento capilar deficiente, levando ao com­prometimento da fase proliferativa (formação do tecido de granulação) com atraso na remodelagem (substituição do tecido de granulação por cicatriz fibrosa e contração da mesma), podendo resultar em cicatriz com força tênsil diminuída;

d) comprometimento na perfusão teci dual e sub­seqüente tensão tecidual de oxigênio (Pt02) devido às com­plicações macro e microvasculares;

e) comprometimento sensorial promovendo maior in­cidência de traumas sob lesão já existente;

f) idade, observando-se uma redução na vasculari­zação e facilidade ao trauma devido ao aumento da fragili­dade cutânea;

g) doenças secundárias, tais como artrite reumatóide (e tratamento com anti-inflamatórios) e carcinomas (quando drogas afetam as células de multiplicação);

h) fatores psicológicos, sendo que a ansiedade diminui a eficiência do sistema imunológico.

A profilaxia é a terapêutica mais eficaz contra as úlceras neuropáticas. Um programa de cuidados é impera­ti v o, o paciente deve checar seus pés diariamente, obser­vando a presença de eritema, edema e calosidade, os quais indicam pontos de pressão excessiva 21

. Injeção de silicone fluido em região alvo propensa ao desenvolvimento de úlcera por pressão em indivíduos diabéticos tem demons­trado diminuir as forças mecânicas sobre a superfície plan­tar, por promover a existência de prótese de relativa estabilidade entre pele e osso 22

.

Fisioterapia Aplicada à Aceleração do Processo Cicatricial

Como tratamento clínico referente às úlceras venosas, com intuito de remediar a disfunção da bomba valvar e o aumento da pressão venosa, é recomendada elevação e compressão do membro, assim como são orientados como tratamento fisioterápico períodos de descanso do membro acometido com posterior elevação do mesmo e exercícios ativos de dorsiflexão, flexão plantar, circundução de tor­nozelo e posterior elevação do membro 23

.

Bandagens elásticas e não-elásticas compressivas estão disponíveis para tal procedimento, criando com-

pressão uniforme e encorajando a reepitelização. Comu­mente 30 a 40 mmHg são suficientes e benéficos no controle do edema e descontinuidade cutânea. Pode ser utilizada também a bota de Unna impregnada com óxido de zinco, a qual promove suporte fisico para fomento da função da bomba muscular, devendo ser trocada uma ou duas vezes por semana.

É importante lembrar que embora o curativo da úlcera seja freqüentemente realizado pela equipe de enfermagem, o fisioterapeuta deve ser capaz de executar este procedi -mento estéril, especialmente se os indivíduos tratados estiverem sendo atendidos no setor de fisioterapia, salien­tando-se porém que os procedimentos padrões são defini -d d d d

. . . 18 os em ca a centro e aten 1mento respectivamente

Já para tratamento da úlcera arterial, preconiza-se evitar compressão do membro, medicamentos tópicos sen­sibilizadores, exercício vigoroso da extremidade e ativi­dade excessiva muscular do membro. É recomendado descanso na cama com a cabeceira da mesma elevada de 5 a 7 graus, produzindo aumento na tensão de oxigênio e temperatura cutânea no membro isquêmico, debridamento conservativo da ferida e hidroterapia 17

Como condutas preventivas ao aparecimento destas lesões ulcerativas neuropáticas, são aconselhadas obser­vação e inspeção diária da área acometida buscando indícios de edema, hiperemia, bolhas ou cmies e utilização de calçados apropriados que aliviem os pontos de maior pressão durante a marcha. Já como procedimentos cura­tivos, tem-se o descanso em estágio inflamatório inicial; elevação do membro em casos agudos de ulceração e con­fecção de bota gessada que promova o alívio de ponto de pressão sobre a lesão.

É de suma importância para indicação do tratamento fisioterápico, evolução e prognóstico, observação das feri­das e preenchimento de respectivo protocolo de registro de dados, sendo estes área acometida, profundidade da mesma, sua localização e classificação, tempo de instalação da lesão e tratamento utilizado até o momento em formulário apro­priado para levantamento de informações acerca do paciente, no qual abordam-se os aspectos já mencionados, sua origem, situação momentânea da mesma, medicamen­tos c curativos utilizados, sinais e achados fisicos presentes c evolução da ferida. Deste modo, obtém-se informações anteriores c atuais importantes no diagnóstico c prognóstico da lesão9

.

Ainda em relação às lesões de origem neuropática, é preconizada avaliação inical sensorial e muscular das áreas acometidas, realizada a primeira por meio de 6 filamentos de nylon com diferentes espessuras e conseqüente mapeamento das áreas sensíveis ou não c a segunda através de escala de Oxford para graduação de força muscular (de grau O a 5). Considerando as lesões ulccrativas não infec­tadas, são utilizadas sob orientação/confecção do fisio­terapeuta férulas com adequado acolchoamento no período

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V oi. 3. No. I, 1998 Reparação cutânea e fisioterapia li

de imobilização, aplicações de ultra-som, corrente tàrádica, radiação infravermelha como objetivo de melhora do trofismo da área atingida, diminuição do processo infla -

. . - d d 24-27 matono e promoçao o processo e reparo . Ainda são sugeridas, dentre a gama de procedimentos

possíveis de serem realizados durante o tratamento das úlceras plantares, prescrição fisioterápica de imobilização e repouso do membro atingido (por meio de férulas ou cadeira de rodas) e de utilização de órteses para auxílio da marcha (tais como bengalas ou andadores); fabricação de calçados apropriados em estágio inicial da doença; controle da infecção local28

.

Neste sentido, atualmente existem recursos fisioterápicos eficientes na melhora da nutrição teci dual das áreas acometidas e vizinhas às ulcerações, assim como no próprio processo de cicatrização destas, sendo citadas:

• crioterapia e radiação ultra-violeta (ale?ado pelos autores como atuantes na cicatrização) 2

;

• terapia com ultra-som 30•31

;

• eletroestimulação com pulso monofásico de alta f .. ' . 32· requenc1a '

• laser de baixa intensidade 47•52

•56

O frio aplicado por meio de suas diversas técnicas (gelo em panquecas, spray ou pacotes frios de gcl) é tido como um inibidor da cicatrização quando aplicado em tempos curtos. Não existem conhecimentos suficientes so­bre os efeitos do frio aplicados por longos períodos como 20 a 40 min33

. Por esse motivo, acreditamos ser razoável não utilizar esse método terapêutico com objetivos de cica­trização, até que se esclareça seu mecanismo correto de atuação.

O ultra-som é um recurso que tem obtido bons resul­tados como terapia para cicatrização cutânea. Vários trabal­hos relatam evidências da ação do ultra-som com trequência de 1 MHz sobre as diversas fases do processo inflamatório34

. O que se pode observar na fase inflamatória inicial da reparação é uma aceleração do processo, aumen­tando a liberação de fatores de crescimento pela dcsgranu-I - d . . 35 1 36 • c 37 o açao os mastocJtos , p aquetas e macrotagos . ultra-som terapêutico atua como um acelerador do processo inflamatório, portanto não é anti-inflamatório como muitos propõem.

A fase proliferativa se inicia precocemente, se apli­cado ultra-som na fase anterior (inflamatória). Há evidên­cias de que a exposição do ultra-som nesta etapa do processo provoca a redução da sua duração, atuando no sentido do início precoce da fase de remodelação. Para isso, a contração da cicatriz é um importante passo que parece ser acelerada pela libera~ão de fatores de crescimento es­timulada pelo ultra-som 3

. As doses utilizadas nestas etapas estão na faixa de O, 1 a 0,2 W /em 2 de intensidade espacial e temporal médias, usando modo contínuo, ou doses maiores (0,6 a 0,8 W/cm2) se utilizado na forma pulsada com ciclo de trabalho de 20%.

O que se pode definir como efeitos já confirmados do ultra-som terapêutico sobre o processo inflamatório e a reparação tecidual é a possibilidade de potenciar ou inibir a atividade inflamatória dependendo da geração de radicais livres nos tecidos39

. Ou por ação direta ou por meio da circulação sanguínea, existe mediação do ultra-som sobre a inflamação, alterações na migração e função leucocitárias, aumento na angiogênese, na síntese e maturação de colágeno e também na formação de tecido cicatricial.

No que diz respeito à ação da eletroestimulação na cicatrização de úlceras, há uma série de estudos não contro­lados que alegam efeitos benéficos da corrente direta (gal­vanização), aumentando a velocidade da cicatrização. No entanto, não se pode trabalhar na perspectiva destes estudos conduzidos de maneira inadequada quanto ao aspecto me­todológico. Outro fator importante é a falta de aceitação deste tipo de tratamento pelo fato de haver desconforto sensorial do paciente no momento da aplicação e os riscos de queimadura são elevados.

Quando se analisa a eletroestimulação galvânica pul­sada de alta voltagem, cuja aplicação não impõe risco de irritações ou queimaduras ao paciente, se observa resul­tados favoráveis sobre a cicatrização. Dentre as enfermi­dades tratadas com resultados positivos estão úlceras de d ·c 404142 'l d - · llcrentes graus ' ' e u ceras e pressao em pacientes com trauma raque-medular 43

. Algumas questões são levan­tadas em vários dos trabalhos: a polaridade, parâmetros de corrente, localização dos eletrodos e alguns cuidados im­portantes.

Com relação à polaridade, o polo negativo parece conseguir o maior número de efeitos c com maior eficiência em relação ao positivo. Os parâmetros dos trabalhos que obtiveram melhores resultados são bastante heterogêneos, variando a densidade de corrente entre 0,004 a 0,246 mA/cnl, assim como a ,Broporção de estimulação observada com tais parâmetros 4

. A localização de eletro­dos é tido como aspecto fundamental a ser observado. O eletrodo ativo deve ser 25% do tamanho do eletrodo disper­sivo, quando se utiliza corrente pulsada galvânica de alta voltagem. O eletrodo positivo deve estar colocado proxi­malmente à lesão e o negativo distalmente, e este último deve se localizar preferencialmente próximo à região a ser tratada.

Em relação a utilização da laserterapia de baixa inten­sidade, estudos recentes têm demonstrado bons resultados como terapêutica de fácil e rápida aplicação, não-invasiva e efetiva 45

-52

.

Roig et a!. 53 ( 1990) em tratamento de úlcera de

decúbito em região sacra! de lesionado medular com laser HeNe, observaram a diminuição do tempo de reabilitação e melhora do trofismo da zona afetada e da dor, sem oconência de recidiva.

Em nosso meio, Fuirini 54 (1993) aborda a utilização de laser HeNe em cicatrização de úlceras cutâneas crônicas

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12 Gonçalves & Parizotto Rev. Bras. Fisiot.

como tratamento de eficácia superior aos procedimentos fisioterápicos convencionais assim como os principais c ui­dados na preparação da úlcera para posterior aplicação da laserterapia, porém não é um estudo controlado.

Em outro estudo realizado por Arantes et al. 55 ( 1992)

com pacientes portadores de úlcera de membro inferior, verificaram-se que os melhores resultados num menor tempo de tratamento sem recidivas e com diminuição ou ausência de complicações foram obtidos com tratamento clínico associado com laserterapia de baixa intensidade. Baxter56 (1994) também acredita na importância da laserterapia de baixa intensidade no tratamento das feridas abetias no campo clínico, sustentada por pesquisas padroni­zadas com parâmetros confiáveis e observáveis.

O que se pode observar é que atualmente não há um tratamento definitivo para estas lesões cutâneas. Podemos contar atualmente com diferentes alternativas terapêuticas, cada uma delas colocada como possível aceleradora do reparo tecidual, mas não há um trabalho comparativo en­volvendo todas elas. Mesmo dentro de um determinado método de terapia, ajustes dosimétricos detalhados são necessários para extrair o maior potencial terapêutico destes métodos. Para isso, acreditamos que muitos trabalhos de investigação são necessários para conseguirmos nos certi­ficar da promoção de alívio no sofrimento dos pacientes acometidos por estas enfermidades.

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