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PROFISSÃO MESTRE ® novembro 2012 E m 2002, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) iniciou um trabalho em parceria com movimentos internacio- nais para estruturação do uso e definição do que são Recursos Educacionais Abertos, conhecidos pela sigla REA, em português, e OER, internacionalmente (do inglês open educational resources ). O compartilhamen- to de recursos para aumentar o acesso ao conheci- mento não é novidade e existe na educação há bas- tante tempo, desde a era analógica. No entanto, o uso das tecnologias digitais despertou o interesse pelo potencial multiplicado de uso desses recursos. A Unesco assim define REA: “materiais de en- sino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão sob domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo que se- jam utilizados ou adaptados por terceiros”. No en- tanto, por serem gratuitos, ainda dependem de tra- balho voluntário ou da participação de instituições sem fins lucrativos, o que multiplicou os vários movi- mentos internacionais para o desenvolvimento de REA, como a Comunidade REA- Brasil ( www.rea.net.br ), criada em 2008 e formada por edu- cadores, cientistas, enge- nheiros, profissionais de tecnologias da informação e comunicação, jornalis- tas e advogados, entre outros profissionais. Fabio Venturini TICS REUTILIZE, REVISE, REMIXE E REDISTRIBUA Desenvolvimento tecnológico digital aumenta as possibilidades de uso de recursos educacionais abertos 26 PROFISSÃO MESTRE ® novembro 2012

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Em 2002, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) iniciou um trabalho em parceria com movimentos internacio-

nais para estruturação do uso e definição do que são Recursos Educacionais Abertos, conhecidos pela sigla REA, em português, e OER, internacionalmente (do inglês open educational resources). O compartilhamen-to de recursos para aumentar o acesso ao conheci-mento não é novidade e existe na educação há bas-tante tempo, desde a era analógica. No entanto, o uso das tecnologias digitais despertou o interesse pelo potencial multiplicado de uso desses recursos.

A Unesco assim define REA: “materiais de en-sino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão sob domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo que se-jam utilizados ou adaptados por terceiros”. No en-

tanto, por serem gratuitos, ainda dependem de tra-balho voluntário ou da participação de instituições

sem fins lucrativos, o que multiplicou os vários movi-mentos internacionais para o desenvolvimento de

REA, como a Comunidade REA-Brasil (www.rea.net.br), criada

em 2008 e formada por edu-cadores, cientistas, enge-nheiros, profissionais de tecnologias da informação e comunicação, jornalis-tas e advogados, entre outros profissionais.

Fabio VenturiniTICS

REUTILIZE, REVISE, REMIXE

E REDISTRIBUADesenvolvimento tecnológico digital aumenta as possibilidades de uso de recursos educacionais abertos

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“Nos últimos dez anos, o mo-vimento REA tem ganhado notá-vel aceitação e propagação interna-cional. Na América Latina é mais recente, porém está crescendo e tornando-se uma referência educa-cional contemporânea, adicionan-do perspectivas à educação aberta”, afirma a pesquisadora e consulto-ra Andreia Inamorato Santos, re-presentante no Brasil do projeto europeu OportUnidad, que visa dis-seminar os conceitos de recursos e práticas educacionais abertas.

O que é “aberto”Segundo Andreia, ainda se confun-dem conceitos e práticas de REA, ob-jetos educacionais e educação aber-ta. Grosso modo, de acordo com a pesquisadora, a educação aberta é uma forma de eliminar barreiras fi-nanceiras e burocráticas – além da exigência de qualificações anteriores para, por exemplo, ampliar o acesso à educação. “Os recursos educacio-nais abertos estão nesse contexto por serem mais uma forma de fazer edu-cação aberta, mas podem estar tam-bém em outros contextos”, explica.

Os objetos educacionais, por sua vez, são distribuídos pelos mesmos canais que os REA, mas não têm li-cença aberta. “Alguns estão publi-cados na web com todos os direitos reservados. O que difere os REA de qualquer outro recurso educacional é a licença aberta, a possibilidade de tradução, readaptação, remixagem e redistribuição sem infringir direitos autorais”, afirma a pesquisadora.

Os vários tipos de licenciamen-to dos materiais educacionais, es-pecialmente as atribuições Creative Commons (ver quadro na pag. 28) per-mitiram usar materiais educacionais de modo mais eficaz com os recursos tecnológicos disponíveis. A maior li-berdade concedida por um autor é a reutilização do material, revisão (mu-danças para acomodar a contextos),

remixagem (misturar a outras fontes para gerar algo novo) e redistribuição (devolver à rede, tornando o usuário também provedor de conteúdo).

Embora incomum, esse tipo de licença tem ganhado espaço na in-ternet. Em julho deste ano, o Banco Mundial adotou a licença Creative Commons CC BY para todo o conteú-do de seu site, com o repositório Open Knowledge (https://openknowledge.worldbank.org/), que oferece mais de 2 mil livros, artigos, relatórios e pes-quisas. A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo também dis-ponibiliza todo o conteúdo do seu si-te (http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/) sob licença Creative Commons, incluindo materiais didáticos diversos.

Com uso mais restrito, o Banco Internacional de Objetos Educacionais (http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/) e a Rede Interativa Virtual de Educação – Rived (http://rived.mec.gov.br/), ambos vinculados ao Ministério da Educação (MEC), dispo-nibilizam objetos educacionais, sem-pre com a atenção de verificar a licen-ça antes de qualquer mudança ou uso para não infringir direitos autorais.

RepositóriosPor serem produzidos por profissio-nais da educação, normalmente vin-culados a instituições sem fins lu-crativos, o movimento REA pratica o que a consultora Andreia chama de “pedagogia de aprendizagem dis-tribuída”. “Os materiais são dis-tribuídos em canais na web, como blogs, comunidades de comparti-lhamento de vídeos e sites. Existem cursos inteiros disponíveis na rede, os chamados massive online courses, da sigla MOC. Para acessar é neces-sário saber procurar e usar o recur-so. Porém, ainda precisamos de mais repositórios, e [há a necessidade] de pensar como usar melhor a web 2.0 na criação e distribuição de REA”, avalia a pesquisadora.

A maioria dos repositórios está em inglês. O Saylor.org (www.saylor.org) é um portal de educação aberta que oferece cursos e seminários em várias áreas do conhecimento, todos com qualidade de conteúdo contro-lada por docentes e emissão de certi-ficado de conclusão. Já o Connexions (www.cnx.org) é um repositório que permite ao usuário copiar e redistri-buir conteúdo, já com licença.

A Openlearn University, do Reino Unido, trabalha com REA em duas plataformas baseadas em Moodle (sistema de gestão da aprendizagem de código aberto). O Learningspace (http://openlearn.open.ac.uk/) per-mite reutilizar o conteúdo den-tro da plataforma. Os materiais são produzidos e revistos por professo-res da instituição e não podem ser alterados, para que assim se facili-te o controle da qualidade. No caso do Labspace (http://labspace.open.ac.uk/), os materiais são totalmen-te abertos. “A qualidade é controlada pelos próprios usuários, até porque as pessoas têm receio de distribuir algo de baixa qualidade com o seu nome”, explica Andreia.

O ITunes U é um aplicativo gra-tuito na AppleStore para usuários de iPhone e iPad, com cursos e materiais de mais de 400 universidades, como Stanford, Berkeley, Massachussets Institute of Technology e Yale, en-tre outras. Para quem não possui os aparelhos da Apple, essas institui-ções dos Estados Unidos mantêm materiais de REA em seus websites.

Outros repositórios internacio-nais são o Academic Earth (www.academicearth.org), site com pa-lestras e aulas disponibilizadas por várias universidades; o Open Culture (www.openculture.com), portal com cursos de idiomas e de diferentes áreas profissionais; e o Opencourseware Consortium (www.ocwconsortium.org), comu-nidade formada por centenas de

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cação informal, com jovens em idade pré-universitária, por exemplo, que acessam materiais de instituições de ensino superior para conseguir subsí-dios que ajudem na hora de decidir a sua graduação.

Outros perfis de usuários incluem: pessoas aposentadas que desejam se manter ativas e em contato com ou-tras pessoas; profissionais de ambos os sexos e de diversas áreas, interessa-dos em formação continuada; mulhe-res que precisaram se afastar do tra-balho por longos períodos para ter e cuidar de filhos; pessoas com necessi-dades especiais e mobilidade restrita e, especificamente no que verificou-

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Um recurso educacional aberto “ideal” possui as atribuições dos “4Rs” (Reutilizar, Revisar, Remixar e Redistribuir). Contudo, nem sempre um au-tor quer ceder todos os direitos. Nesses casos é possível distribuir o mate-rial com licenças específicas, como a licença geral pública GNU (muito usa-da em softwares) e a copyleft.

As licenças mais usuais e conhecidas são as atribuições Creative Commons (CC). Com o preenchimento de um formulário na página www.cre-ativecommons.org.br, o usuário escolhe o tipo de licença e gera um código em html das opções escolhidas, o que facilita a distribuição dos recursos pe-la web com uma linguagem internacionalmente conhecida e ajuda os moto-res de busca especializados a identificarem o material como REA. As atribui-ções com a marca CC são:

CC BY: a mais aberta de todas, permite que outros distribuam, remixem, adaptem e construam sobre a obra, mesmo comercialmente, desde que se dê crédito ao criador do original. CC BY-SA (Compartilha Igual): permite a remixagem e a construção sobre a obra (inclusive para fins comerciais), contanto que se atribua o crédito ao au-tor e se licenciem as criações derivadas sob as mesmas condições. É utilizada pela Wikipedia, por exemplo.CC BY-ND (Sem Derivados): permite a redistribuição comercial e não comer-cial, desde que a obra permaneça inalterada e com o crédito para o autor.CC BY-NC (Não Comercial): permite remixagem, adaptação e criação de obras não comerciais a partir do original. As derivações devem citar o crédito do autor, mas não precisam ser licenciadas nos mesmos termos.CC BY-NC-SA (Não Comercial Compartilha Igual): permite a remixagem, adaptação e construção de novas obras, contanto que se atribua o crédi-to ao autor do original e se licenciem os derivados sob os mesmos termos.CC BY-NC-ND (Não Comercial Sem Derivados): a mais restritiva das seis, ve-ta o uso comercial e permite apenas download e compartilhamento, desde que se dê o crédito ao autor, sem alteração de qualquer natureza na obra.

instituições de ensino de todo o mundo.

Neste ambiente, pelo menos duas instituições brasileiras dispo-nibilizam materiais em língua por-tuguesa: a Fundação Getulio Vargas, que também oferece cursos pelo en-dereço www5.fgv.br/fgvonline, e a Universidade Estadual de Campinas, que colocou todo o material de al-gumas disciplinas no portal do Opencourseware Consortium.

UsuáriosDe acordo com Andreia, há pelo me-nos dois contextos de uso dos recur-sos abertos. O mais comum é na edu-

As licenças Creative Commons

-se na Inglaterra, pessoas do sistema prisional, em programas de educação de presos.

Já no contexto da educação for-mal, os REA contribuem para a re-tenção de estudantes no sistema edu-cacional, com inclusão de atividades em carga horária extra, lição de casa e outras atividades diferenciadas do que se conhece tradicionalmente na educação formal.

Outra aplicação interessante é o uso dos REA pelos docentes, tanto na elaboração de aulas quanto na bus-ca de recursos diferenciados e inter-câmbio com práticas pedagógicas de outros professores, com contribuição direta na formação continuada de do-centes.

No entanto, para a pesquisado-ra, instituições que desejam produ-zir, usar e redistribuir REA devem in-cluir esse trabalho na remuneração. “Precisamos motivar também finan-ceiramente o professor a usar REA, o que leva tempo e dá trabalho. É inte-ressante que as instituições de ensi-no contabilizem esse tempo e o traba-lho intelectual para produção de REA nos salários e nos planos de carreira”, recomenda.

O que achou desta reportagem? Mande elogios, críticas e sugestões pa-ra [email protected]

Para a pesquisadora Andreia Inamorato Santos, instituições que desejam produzir, usar e redistribuir REA devem incluir esse trabalho na remuneração do professor

Divulgação/Interdidática