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0 Conjuntura Local Previdência no rumo certo (Zeina Latif – 23/02/2017) ...................................................... 1 Os dois Brasis (Marcos Lisboa – 19/02/2017) ..................................................................... 2 Nenhuma economia se sustenta em ambiente de descrédito institucional (Ronaldo Caiado – 11/02/2017) ................................................................................................................... 3 Lições Erradas (Márcio Garcia – 22/02/2017) .................................................................... 5 A crise fiscal e os desafios do plano nacional de educação (Paulo Oliveira – 23/02/2017) 6 Uma janela de oportunidades se abre (Luiz Carlos Mendonça de Barros – 20/02/2017).. 8 Para melhorar o aprendizado nas escolas (Naercio Menezes Filho – 17/02/2017) ......... 10 REUNIÃO DE CONJUNTURA 27/02/2017

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Page 1: REUNIÃO DE CONJUNTURA 27/02/2017 Conjuntura Local · 1 Previdência no rumo certo (Zeina Latif – 23/02/2017) Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo

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Conjuntura Local

Previdência no rumo certo (Zeina Latif – 23/02/2017) ...................................................... 1

Os dois Brasis (Marcos Lisboa – 19/02/2017) ..................................................................... 2

Nenhuma economia se sustenta em ambiente de descrédito institucional (Ronaldo

Caiado – 11/02/2017) ................................................................................................................... 3

Lições Erradas (Márcio Garcia – 22/02/2017) .................................................................... 5

A crise fiscal e os desafios do plano nacional de educação (Paulo Oliveira – 23/02/2017) 6

Uma janela de oportunidades se abre (Luiz Carlos Mendonça de Barros – 20/02/2017) .. 8

Para melhorar o aprendizado nas escolas (Naercio Menezes Filho – 17/02/2017) ......... 10

REUNIÃO DE CONJUNTURA

27/02/2017

Page 2: REUNIÃO DE CONJUNTURA 27/02/2017 Conjuntura Local · 1 Previdência no rumo certo (Zeina Latif – 23/02/2017) Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo

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Previdência no rumo certo (Zeina Latif – 23/02/2017)

Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e economista-

chefe da XP Investimentos. Trabalhou no Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro

Real e HSBC.

* * *

O Brasil está envelhecendo e as regras da previdência se tornaram insustentáveis.

Teremos de trabalhar mais ou a renda na aposentadoria estará comprometida. O Brasil

está bastante atrasado na agenda de reforma da Previdência, que vem sendo

perseguida por muitos países nas últimas décadas.

Não há reforma perfeita. Porém, a sociedade como um todo será ganhadora. A

alternativa é a falência do sistema, com graves consequências sobre a inflação e as

políticas públicas, que morreriam de inanição.

Demandas por ajustes na proposta do governo são legítimas. Não se pode

perder de vista, no entanto, alguns princípios a serem atendidos.

Primeiro, é necessário estabilizar, em um horizonte não muito distante, o gasto

da previdência como proporção do PIB, atualmente em 8% na esfera federal; cifra hoje

comparável a países com população mais velha e que dobrará nas próximas décadas.

Segundo, é necessário eliminar distorções distributivas das regras atuais. A previdência

dá tratamento especial para grupos que deveriam ter tratamento igual.

Terceiro, a previdência deveria ser uma fonte de recursos perene que acompanhe

a mudança de padrão de consumo na velhice. É natural que o valor da aposentadoria

seja sensivelmente inferior à renda do trabalho, pois os gastos do aposentado tendem

a ser menores do que o da pessoa na ativa. Se o indivíduo quiser manter a renda,

deverá poupar mais por meio de outros instrumentos. Os gastos com saúde mais

elevados na velhice deveriam ser foco de políticas de saúde pública, e não da

previdência.

A proposta de reforma da previdência tem muitos méritos, pois consegue avançar

nesses princípios.

A regra de transição de 15/20 anos proposta pode parecer dura, mas não chega a

ser ambiciosa do ponto de vista técnico à luz do fim do bônus demográfico. A

expectativa é que as despesas previdenciárias se estabilizem como proporção do PIB

apenas em 20 anos. Até lá, a regra do teto (estabelece que gastos públicos não podem

crescer mais que a inflação) disciplinará os gastos públicos federais e estimulará a

eliminação de políticas públicas ineficientes e injustas.

Há avanços na remoção de distorções distributivas, pela eliminação de

aposentadorias precoces e de acúmulo de benefícios e redução de regimes especiais,

regras que beneficiam os mais ricos. Os mais pobres serão preservados, pois

continuarão recebendo o salário mínimo e se aposentando por idade (35% dos

beneficiários).

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Igualar a idade de aposentadoria de homens e mulheres é importante iniciativa,

em função da maior expectativa de vida das mulheres (em 2013, a sobrevida das

mulheres com 65 anos era de 20 anos, contra 16 dos homens).

Outro avanço será reduzir a taxa de reposição (razão entre benefício

previdenciário e renda na ativa) dos mais ricos. Os mais pobres, que ganham salário

mínimo, manterão taxa de 100%. No grupo mais rico, que aposenta por tempo de

contribuição (19% dos beneficiários), quem trabalha menos, receberá menos. Pela

proposta, uma pessoa com 25 anos de contribuição teria taxa de reposição de 76%.

Nada que destoe da experiência mundial.

Há quem defenda um tempo menor de contribuição para receber o benefício

pleno em relação ao proposto, de 49 anos. O espaço para flexibilização, no entanto,

não parece muito grande por conta do impacto nas contas públicas.

Feitas essas considerações, valem algumas recomendações.

Seria importante políticas sociais focalizadas e alguma flexibilidade do sistema

para corrigir distorções que poderão aparecer ao longo dos anos, sem necessidade de

mudanças constitucionais.

Será necessário também avançar na reforma trabalhista, reduzindo o custo e o

risco na contratação de mão de obra, para elevar a empregabilidade de todos nós.

O custo político de uma reforma previdenciária é elevado. O País não pode desperdiçar

a janela de oportunidade atual. A proposta vai na direção correta. Que ajustes venham

a aprimorá-la, e não a desconfigurá-la.

Os dois Brasis (Marcos Lisboa – 19/02/2017)

Marcos de Barros Lisboa é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi

secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e hoje é

Presidente do Insper.

* * *

Nem tudo vai mal. Alguns Estados têm controlado o crescimento do gasto ao

mesmo tempo em que aperfeiçoam as políticas públicas. Os bons exemplos

surpreendem.

Os Estados sofrem com o crescimento da folha de pagamentos, de ativos,

aposentados e pensionistas, e o custo dos incentivos fiscais.

Alagoas e Maranhão historicamente apresentam preocupantes indicadores

econômicos e sociais. Em meio à crise que afeta o país, no entanto, esses Estados têm

implantado reformas e controle dos gastos enquanto aperfeiçoam a política pública,

como na segurança, em Alagoas, e no controle de desvios tributários, no Maranhão.

O mesmo ocorre no Ceará, Espírito Santo, Goiás e Paraná. Todos esses Estados

pagam a folha de pagamentos em dia.

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A crise do Rio Grande do Sul é das mais graves entre os Estados. Recentemente,

porém, o governo adotou medidas de ajuste, em contraste com outros em situação

semelhante.

Os bons exemplos vão além do ajuste. A política pública não deve ser avaliada

pelo montante de recursos, mas sim pela qualidade dos serviços, como educação e

saúde, e há casos de avanços relevantes nesses Estados.

Os resultados no ensino fundamental em Sobral, no Ceará, constrangem as

cidades mais ricas, e o governo dissemina seu exemplo no Estado. O Espírito Santo

apresentou notável melhora no Pisa, que mede a qualidade de educação. Goiás inova

na saúde e o Paraná, no ambiente de negócios.

As corporações reagem ao ajuste, como ocorreu no Paraná, que começou essa

agenda no fim de 2014. A crise da segurança no Espírito Santo mostra até onde podem

ir alguns grupos para obter aumentos salariais.

Há um Brasil velho que acredita que pode transferir a conta para Brasília, como

na criatividade esperta dos juros simples para recalcular as dívidas do Estados.

Alguns defendem, inclusive, ceder às corporações esquecendo que o resultado

pode ser uma crise social ainda maior, como nos Estados que não conseguem sequer

pagar a folha de pagamentos.

Esse filme não é novo. O nacional desenvolvimentismo do General Geisel, o

descontrole das contas públicas e os atalhos tentados pelos governos seguintes

resultaram em uma década perdida, elevada inflação e aumento da desigualdade de

renda.

Há, também, um Brasil novo que propõe enfrentar os problemas com

responsabilidade fiscal e melhor gestão pública, medida pela qualidade dos serviços,

além de aperfeiçoar as regras contábeis para garantir maior transparência das contas

públicas, o que colabora com o debate democrático.

A depender da travessia em 2017, talvez o debate em 2018 seja entre o Brasil

velho e o Brasil novo, que surge onde menos se espera.

Nenhuma economia se sustenta em ambiente de descrédito institucional (Ronaldo Caiado – 11/02/2017)

Ronaldo Caiado é Senador da República pelo estado de Goiás, foi Deputado federal por

cinco mandatos e já disputou a Presidência da República. Atualmente é Presidente do

DEM-GO e vice-presidente nacional do Democratas. Atualmente, ocupa a liderança do

Democratas no Senado Federal e da Minoria no Congresso Nacional.

* * *

As múltiplas facetas da crise brasileira –política, econômica, social, gerencial–

convergem e se unificam em torno de um único ente: o Estado. A crise é dele e

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decorre, sobretudo, do deficit moral que ostenta. Não é condição recente, mas, sem

dúvida, agravou-se enormemente no período em que teve o PT a conduzi-lo.

A hipertrofia agravou a ineficácia e o custo, favorecendo, por tabela, a corrupção.

O que era latente tornou-se patente. As instituições estão, como nunca antes,

desacreditadas perante a população. Os fatos recentes levaram esse quadro de

deterioração ao paroxismo. Assistimos em 2016 ao impeachment da presidente da

República e ao afastamento e à prisão do presidente da Câmara dos Deputados, ambos

acusados de delinquir no exercício do cargo.

Não bastasse, diversos outros agentes públicos (PT em maioria) e empresários ou

estão presos ou são réus ou estão denunciados. Ou as três coisas juntas.

No Judiciário, não são poucas as denúncias de venda de sentenças, com punição

desproporcional à gravidade do delito (aposentadoria com preservação dos proventos),

e salários que ultrapassam muitas vezes o teto constitucional.

Nenhum dos poderes escapa ao striptease moral em curso. O resultado é a crise

institucional que presenciamos, sem precedentes.

O ano começou com duas crises agudas na área da segurança: uma, dentro dos

presídios –em Manaus, Boa Vista, Natal–, e outra fora, nas ruas, no Espírito Santo. O

saldo de mortes, na soma dos dois casos, ultrapassa duas centenas de pessoas.

Índice de guerra civil. Em ambos os casos, ressaltam a impotência e a omissão

das forças repressivas, o braço armado do Estado. A polícia não agiu nos presídios,

optando por assistir à matança entre os presos. E, no Espírito Santo, a PM ausentou-se

das ruas.

Em três dias, 113 mortos. Somente no quarto dia, as forças federais se

apresentaram, quando os danos já eram colossais.

Para que se tenha uma ideia da magnitude dessa tragédia, basta lembrar que,

segundo números da Comissão da Verdade, morreram, ao longo dos 21 anos do

regime militar –e na grande maioria dos casos em enfrentamento armado–, 434

pessoas, à média de 21 pessoas por ano. A crise capixaba matou mais de 30 por dia.

Segundo o Mapa da Violência, levantamento sistemático do número de vítimas

da criminalidade no Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências

Sociais (Flacso), a média anual, de uma década para cá, é de 60 mil mortos por ano,

contabilizados apenas os que morrem no local do crime.

Só para efeito de comparação, os mortos civis na guerra da Síria, de 2008 até

2015, segundo levantamento do Observatório Sírio para Direitos Humanos, somam

71.781 civis.

É óbvio que é preciso mudar praticamente tudo em matéria de segurança

pública. Mas é também óbvio que não se fará isso -não na plenitude necessária-

dissociado de uma reforma em profundidade do Estado. Reforma moral e estrutural.

O gigantismo estatal gerou um monstro, que hoje tiraniza a sociedade; em vez de

servi-la, serve-se dela, impondo-lhe uma das mais altas cargas tributárias do planeta. A

corrupção é um subproduto, que se soma à monumental ineficácia dos serviços e

condena as instituições ao mais profundo desprezo por parte da sociedade. Não há

democracia que resista a isso por muito tempo.

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A insurreição policial capixaba e os crimes da Lava Jato resumem, mas não

esgotam, o quadro terminal da tragédia cívica brasileira. Nenhuma economia, ainda

que conduzida com eficiência técnica, se sustenta em um ambiente de descrédito

institucional.

Lições Erradas (Márcio Garcia – 22/02/2017)

Márcio Garcia é Formado em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio

de Janeiro (UFRJ), PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-

Rio.

* * *

Se o ano no Brasil só começa depois do carnaval, este ano promete muito, pois

os dois primeiros meses têm sido prenhes de ação. Mas, ao que tudo indica, nada

ainda comparável com o que poderá vir com as delações da Odebrecht, que parecem

ameaçar grande parte do mundo político brasileiro.

Neste momento, a incerteza é enorme, e não se pode afirmar com convicção que

a melhora registrada na economia desde o impeachment, sobretudo com a queda da

inflação e dos juros, terá condições de prosperar, trazendo de volta o investimento

produtivo, o crescimento, e a redução do desemprego. Seguindo a tendência dos

mercados internacionais, o mercado local antecipou o bom cenário, com a bolsa se

valorizando e o dólar caindo. Mas o investimento em capital físico continua esperando

a dissipação da espessa névoa que envolve o mundo político.

Sejam quais forem os desdobramentos da Operação Lava-Jato, é importante que

se tirem as lições corretas. Certamente, é fundamental reformar completamente nossas

instituições políticas, antes que os jovens, que não viveram as agruras da ditadura, e

descrentes com nossa democracia, comecem a flertar com miragens de soluções

totalitárias, hoje tão em voga no mundo.

Não menos importantes são as lições para a política econômica do desastre

orquestrado pela canhestra experiência batizada de Nova Matriz Econômica. A principal

lição, não pode haver dúvida, é que o dirigismo estatal voluntarista não conduz ao

crescimento sustentado, mas ao colapso econômico enlameado na corrupção.

Infelizmente, tal ensinamento não parece ter ainda devidamente permeado, nem a

opinião pública, nem o discurso das elites dirigentes.

Veja-se, por exemplo, a negociação ora em curso das dívidas estaduais,

notadamente, no Rio de Janeiro. Apesar da alarmante deterioração das condições de

segurança, saúde e educação, entre outras, muitos continuam contra a privatização da

companhia de água e esgoto, Cedae. Mais ainda, o PSDB, que comandou no país um

bem-sucedido programa de desestatização, votou contra na Assembleia Legislativa!

Outro exemplo são as dificuldades que a Petrobras vem enfrentando para

executar seu indispensável programa de desinvestimento e focar em seu negócio

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principal. Parece haver um apego atávico ao Estado grande, mesmo com todas as

demonstrações de que tal caminho não deu certo.

Ao mesmo tempo em que parece causar comoção a saída do Estado de várias

atividades que poderiam ser perfeitamente desempenhadas, com maior eficiência, pelo

setor privado, continuamos a patinar em áreas nas quais o Estado deveria estar

presente de forma muito mais efetiva, como educação, segurança e saúde.

Todo início de ano letivo, como agora, impressiona o volume de reportagens

sobre escolas que não conseguem iniciar as aulas. Especialistas, muitos neste espaço,

mostram que o problema não é de falta de recursos, mas de gestão incompetente (e

corrupta). É o que também se vê em notícias sobre equipamentos comprados para

hospitais públicos que estragam em depósitos mal cuidados. Mas entra ano, sai ano, o

problema persiste, com honrosas exceções.

Muitas vezes, nas entrelinhas das críticas às medidas imprescindíveis de

contenção do crescimento dos gastos públicos está a noção de que a restrição

orçamentária do governo não é para valer. De tal percepção se aproveitam grupos

organizados com alto poder de pressão para obterem vantagens que não podem ser

generalizadas. Várias carreiras de Estado têm se beneficiado de tal mecanismo. A

disparidade de vantagens dentro do setor público e suas autarquias é muito grande.

Por vezes, o salário inicial em algumas carreiras supera o salário de professores titulares

da mesma área, em universidades federais.

Muitos empresários que auferiram largas benesses até recentemente agora se

queixam das novas políticas do BNDES, ou pressionam pela continuação de elevados

índices de conteúdo nacional que, à guisa de proteger o emprego da indústria, logram

sobretudo manter seus elevados lucros, indevidamente onerando a população.

Como bem escreveu meu colega Rogério Werneck (O Globo, 27/1/2017), há,

entre nós, a percepção de que "o segredo da prosperidade é estabelecer sólidas

relações com o Estado. Vender para o Estado, comprar do Estado, financiar o Estado,

ser financiado pelo Estado, apropriar-se de patrimônio do Estado, receber doações do

Estado, transferir passivos para o Estado, repassar riscos para o Estado e conseguir

favores do Estado". Seria muito triste se deixássemos de aproveitar a oportunidade que

se apresenta de mudar isso.

A crise fiscal e os desafios do plano nacional de educação (Paulo Oliveira – 23/02/2017)

Paulo Rocha Oliveira é diretor-presidente da IDados e senior lecturer na IESE Business

School.

* * *

Quanto um país gasta em educação é uma pergunta empírica que, em tese, não

deveria ser objeto de grande controvérsia. Quanto deve gastar é algo que só pode ser

respondido politicamente, e que no momento encontra-se definido no Plano Nacional

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de Educação - o PNE, que tem força de lei. Quanto um país pode gastar é um misto de

condições objetivas com desejos.

A crise econômica que o país enfrenta coloca na pauta a discussão desta última

pergunta. Um estudo realizado pelo IDados a pedido da Confederação Nacional dos

Municípios pode ajudar a fundamentar um debate mais bem informado sobre o tema.

O estudo ilustra como modelos empíricos, amplamente utilizados em estudos

econômicos e no mundo dos negócios, também podem ajudar na tomada de decisões

de políticas públicas. O presente artigo discute a utilidade e complementariedade de

diferentes modelos, e, consequentemente, a necessidade de diálogo e debate entre

eles.

O estudo do IDados indica que a implementação do PNE poderia chegar a um

valor entre 13 a 16% do PIB, dependendo do cenário escolhido - algo em torno de 40%

de todos os recursos públicos disponíveis no pais. O estudo também mostra outros

detalhes da implementação do plano. Por exemplo, o gasto total com crianças de até 6

anos seria de 1,6% do PIB e com o ensino fundamental seria de 5,8% do PIB. Os gastos

com salários e encargos dos aproximadamente 2 milhões de professores e demais

pessoal passariam dos atuais 3,3% para quase 12% do PIB. Esses valores absolutos, por

si sugerem a necessidade de um debate sobre o tema. A crise fiscal torna o debate

imperativo e urgente.

Os resultados desse estudo diferem de estudos anteriores, especialmente do

Fineduca, que usa o modelo chamado CAQi (Custo Aluno Qualidade) e do Ipea, que

usa o CAQ-PNE. No estudo do Ipea os gastos não chegariam a 6% do PIB, muito

próximo do que se gasta hoje no setor, já o estudo do Fineduca chega a pouco mais de

10%. Todos os estudos referem-se a gastos públicos.

Por que os números diferem? Qual dos estudos dá uma ideia mais aproximada da

realidade?

A primeira diferença reside na pergunta feita. Os estudos do Fineduca e do Ipea

se baseiam no que se chama de modelos normativos. A pergunta é: quanto custaria

oferecer uma educação de qualidade? Outras diferenças se encontram na definição dos

parâmetros de qualidade e nos critérios para atribuir custos aos diversos componentes

do modelo. Esses estudos podem ser úteis para estimar a viabilidade de determinadas

políticas ou investimentos, ou mesmo para estabelecer padrões e parâmetros básicos

para o funcionamento das escolas, embora, como já apontado no estudo de Coleman

há mais de 50 anos, a relação entre insumos e resultados, em educação, está longe de

ser conhecida.

O estudo do IDados pertence à família dos modelos descritivos, e tem como

objetivo responder a pergunta feita pelos prefeitos: quanto custaria hoje, com a

estrutura de custos existente nos Estados e municípios, prover educação com os

parâmetros de qualidade estabelecidos pelo PNE? Para isso foi feito um levantamento

dos custos hoje declarados ao Siope - Sistema de Informações sobre Orçamentos

Públicos em Educação. Para projetar os custos foram utilizados dados do IBGE e

projeções da inflação e do crescimento do PIB baseadas em fontes usuais conhecidas.

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Não é surpresa, portanto, que os diferentes modelos produzam resultados

diferentes. Mas isso não retira a importância e utilidade de ambos - apenas que seus

usos são diferentes. No entanto, alguns dos dados levantados nos dois estudos

sugerem cautela com os modelos normativos. Por exemplo, em 2014, que foi o ano

base utilizado no estudo do IDados, os custos da educação na expressiva maioria dos

entes federados já era superior aos custos apresentados pelo modelo CAQi, o que

levanta uma questão a respeito da propriedade dos valores estipulados pelo CAQi. Ou,

dito de outra forma, se os gastos já eram superiores ao previsto pelo CAQi, por que a

qualidade estaria tão longe do desejado? Ainda que o nível de ineficiência atual fosse

elevado, a discrepância de valores dificilmente seria suficiente para explicar a diferença

do nível e qualidade dos insumos.

A importância de preservar os investimentos em educação no momento de uma

crise financeira de proporções inéditas sugere a necessidade de um debate nacional a

respeito dos dados apresentados e, confirmada sua credibilidade, reavaliar a viabilidade

do PNE e as alternativas. Ignorar a inexequibilidade do Plano é condenar os municípios

a realizar gastos acima de suas possibilidades, comprometendo cada vez mais suas

finanças. A ideia de selecionar quais metas do Plano devem ser cumpridas é tão realista

quanto sair de casa pensando em quais leis do trânsito vamos obedecer.

A educação no Brasil tem jeito e pode ser consertada. Não existe um caminho

único para fazer isso, mas existem princípios básicos que, se forem seguidos,

aumentam significativamente as chances de sucesso. Sucesso significa, de um lado,

reduzir a desigualdade social e usar como critério para qualquer política o impacto que

ela pode ter no desempenho das crianças oriundas dos meios socioeconômicos mais

desfavorecidos.

De outro lado, sucesso significa aumentar a contribuição do capital humano para

promover o crescimento econômico do país, ou seja, a capacidade de gerar empregos

para quando essas crianças se tornarem adultas. Assim como no mundo dos negócios,

é a análise das evidências que deve apontar os caminhos, assegurando que estamos

sempre ancorados na realidade e possibilitando a tomada de decisões cada vez mais

efetivas.

Uma janela de oportunidades se abre (Luiz Carlos Mendonça de Barros – 20/02/2017)

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da

Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

* * *

Fui formado, ao longo de mais de quatro décadas, analista do futuro. Neste

período sempre optei, quando tinha um razoável grau de certezas nas minhas

hipóteses de trabalho, por correr riscos nas minhas previsões. Seguia um conselho

sábio de Keynes para quem um economista deve estar sempre à frente dos fatos.

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Mudei muito pouco esta minha forma de pensar, mesmo agora em que chego à

maturidade profissional. Isto me coloca muitas vezes em uma posição isolada e que

exige realmente muita alta confiança para seguir adiante. Por exemplo, em abril de

2015, quando o governo Dilma começou a afundar participei de um programa na

Globo News levando uma mensagem clara de que não chegaríamos ao caos na

economia. Citava o caráter ciclotímico da sociedade brasileira em momentos de crise

como a que vivíamos, mas expressei minha convicção de que nunca nos jogaríamos no

abismo.

A partir deste momento passei a ser catalogado de otimista assumido por vários

colegas de profissão. Um deles chegou a me acusar de ser ingênuo e descolado da

realidade dos fatos. Não havíamos passado ainda pelo impedimento de Dilma Rousseff

e o governo Temer era ainda um ponto fora da curva. Os fatos que se seguiram até os

dias de hoje mostraram que estava certo na minha avaliação sobre o futuro.

Posteriormente, com a montagem do governo Temer passei a falar - e a escrever

- que teríamos uma recuperação cíclica à nossa frente. A qualidade da equipe

econômica liderada pelo ministro da Fazenda era a âncora principal desta minha

afirmação. Sofri como um cão, pois a economia afundava cada vez mais e meu

otimismo com o futuro parecia um delírio ingênuo. Um profissional que trabalhou

comigo na Quest Investimentos chegou a comentar, com amigos, que eu precisava de

uma reciclagem profissional. Além de ingênuo tinha ficado ultrapassado. Vivíamos

tempos em que as expectativas com o futuro chegaram ao ponto mais baixo desta

década, com o índice Bovespa a 38 mil pontos, o dólar a mais de R$ 4 e o índice CDS a

mais de 500 pontos.

Mais recentemente esta minha posição em relação ao Brasil passou a ser

dominante nos mercados financeiros e na mídia especializada. Também, depois de uma

alta de mais de 70% no índice Bovespa, uma valorização de mais de 30% de nossa

moeda e a volta de nosso CDS para o nível de outras economias emergentes, não se

podia esperar outra coisa.

Mas, fiel a meu papel de especulador do futuro, quero agora deixar o curto prazo

de lado e chamar a atenção do leitor do Valor para um outro fenômeno que pode

ocorrer nos últimos anos da década que vivemos. Uma janela de oportunidades se abre

para nós brasileiros e poderemos almejar bem mais do que simplesmente uma

recuperação cíclica de nossa economia. Creio que teremos a possibilidade de entrar em

um novo ciclo de crescimento sustentado na nova década que vai se iniciar.

Para tal teremos, entretanto, que trilhar um caminho bem mais árduo do que o

percorrido pelo governo Temer até agora. Os desafios daqui para frente serão

estruturais e, para superá-los, uma agenda de reformas microeconômicas e políticas

terá que ser perseguida. A boa notícia é que já existem, guardados em várias gavetas

do poder em Brasília, os rascunhos da grande maioria delas. Este acervo foi acumulado

ao longo dos anos pelo debate sempre muito vigoroso, tanto na academia como na

mídia, que ocorre no Brasil. Faz parte dele também o trabalho de vários órgãos do

governo no período Fernando Henrique e, em alguns poucos momentos de lucidez, no

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primeiro mandato do governo Lula. Necessitamos apenas de um comando político

para colocá-las em prática.

O governo Temer já vem perseguindo uma série destas reformas e, com a

recuperação mais à frente da economia, poderá ir ainda mais longe. Os exemplos desta

agenda estão disponíveis a todos que seguem a cobertura da imprensa. A mais recente

foi a do ensino médio sancionada pelo presidente na última semana. As novas normas

refletem o trabalho do falecido ministro da Educação de Fernando Henrique, Paulo

Renato Souza, e que ficaram esquecidas por mais de quinze anos.

Enfrentaremos este ano o grande desafio das mudanças nas regras da

Previdência pública e as mudanças de nossa vetusta legislação trabalhista. Mas para o

Brasil dar um salto quântico como economia de mercado competitiva será preciso

muito mais. Por isto a importância da decisão do ministro Meirelles de criar no

Ministério da Fazenda uma secretaria especial para coordenar os esforços para a

implementação de agenda de reformas microeconômicas.

Vencemos em 2015 a síndrome da queda no precipício que foi defendida por

muitos analistas e, neste início de 2017, estamos deixando para trás o pânico de que a

recessão não tem fundo do poço. Quero trazer hoje ao leitor do Valor minha previsão

de que a partir de 2018, com a eleição presidencial, o Brasil tem condições de entrar

em um novo período de crescimento sustentado. Talvez ainda hoje esta minha posição

seja mais fruto de uma intuição de analista do que uma análise de fatos concretos. Os

desafios no campo da política são ainda muito fortes e voláteis. Mas temos que isolá-

los para reduzir o ruído que eles criam sobre a economia. E Keynes nos ensina que esta

deve ser a forma de tratar do futuro quando o acaso tem uma força muito grande.

Para melhorar o aprendizado nas escolas (Naercio Menezes Filho – 17/02/2017)

Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de

Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e membro da Academia

Brasileira de Ciências.

* * *

As crianças brasileiras que nascem em famílias mais pobres enfrentarão

dificuldades de toda a sorte ao longo da vida. Isso faz com que grande parte dos

jovens desista do caminho tradicional (escola-faculdade-trabalho formal) e acabe

transitando para sempre entre emprego informal-desemprego-inatividade, ou mesmo

se envolvendo em atividades criminosas. Esse processo é cruel com esses jovens,

diminui a produtividade do país, gera insegurança na sociedade e onera os cofres

públicos. Assim, o nosso principal desafio é (e sempre foi) aumentar o capital humano

dos jovens que nascem em famílias mais pobres antes que eles desistam. Mas como

fazer isso?

Page 12: REUNIÃO DE CONJUNTURA 27/02/2017 Conjuntura Local · 1 Previdência no rumo certo (Zeina Latif – 23/02/2017) Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo

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O melhor caminho é investir em políticas públicas corretas na infância e nas

escolas públicas. Isso faria com que o Estado gastasse bem menos depois, quando

essas crianças se tornam jovens, adultos e idosos. Mas o Brasil já gasta bastante com

educação. Como fazer com que o gasto público em educação tenha o máximo retorno

para a sociedade?

A melhor maneira é desenhar políticas educacionais com base em evidências. É

preciso cortar programas que não funcionam e avançar nos que comprovadamente

aumentam o aprendizado dos alunos. No Brasil ainda há bastante resistência em avaliar

o efeito de programas educacionais usando as melhores técnicas disponíveis, tanto nas

secretarias de educação como no terceiro setor. Ainda estamos engatinhando por aqui.

Mas podemos aprender com o que está sendo feito em outros países.

Nos países desenvolvidos as avaliações usando experimentos aleatorizados, com

grupos de tratamento e controle, estão ganhando força. Um estudo recente, conduzido

pelo economista Roland Fryer, de Harvard, analisou 196 experimentos aleatórios na

área de educação em países desenvolvidos. Embora a situação da educação nesses

países seja diferente da brasileira, vale a pena saber o que funciona por lá. Até porque

muitos desses países também vêm enfrentando grandes dificuldades para elevar o

aprendizado dos seus jovens mais pobres. O que mostram esses experimentos?

Em primeiro lugar, parece que existe um período crítico na vida para o

desenvolvimento das habilidades relacionadas à leitura, o que não ocorre com a

matemática. Assim, programas de alfabetização têm que ser implementados na idade

certa, não podemos deixar passar essa janela de oportunidade. O segundo resultado é

que programas educacionais implementados na infância são os que têm maior

probabilidade de serem bem sucedidos. Esses programas tipicamente envolvem as

crianças na pré-escola, contam com educadores altamente especializados e costumam

custar caro. Mas o retorno futuro de programas bem desenhados sempre vale a pena.

Sabe-se há muito tempo que a família tem um papel primordial no aprendizado

das crianças. Seria possível melhorar o aprendizado das crianças melhorando as

condições familiares? Nos países em desenvolvimento, há evidências mostrando que

sim. Avaliações de programas como o "Bolsa-Família" e "Progresa", no México,

mostram efeitos significativos sobre a escolaridade dos jovens. Entretanto, nos países

desenvolvidos os programas desenhados para aliviar a pobreza, incentivar o trabalho

dos pais e até mudar o bairro de moradia das famílias para áreas menos violentas têm

tido resultados decepcionantes sobre o aprendizado, ainda segundo Fryer.

Políticas para aumentar a oferta de professores não certificados, como o famoso

"Teach for America", por exemplo, também parecem ter impactos bem reduzidos. Além

disso, programas de bônus para professores, que têm tido impacto relevante no

aprendizado em alguns países em desenvolvimento, não parecem ter tido o mesmo

efeito nos países desenvolvidos. Nesse caso, parece que o desenho específico de cada

programa é fundamental. Por fim, programas de formação continuada de professores

com conteúdo acadêmico e sem foco na sala de aula não conseguem melhorar o

aprendizado dos alunos. Essa é uma das principais fontes de desperdício de recursos

na educação.

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Por outro lado, programas de formação continuada com foco na sala de aula e

com treinamentos específicos têm impactos elevados, assim como os programas

intensivos de reforço escolar para crianças com dificuldades de aprendizado. Além

disso, reformas que mudam a gestão escolar, utilizando dados de avaliações frequentes

para monitorar o progresso dos alunos como base para formular políticas educacionais

têm tido alto impacto. Por fim, alunos que frequentam "escolas charter" operadas pelo

terceiro setor e com alto padrão de exigência também parecem aprender mais,

especialmente nas grandes cidades.

Enfim, com base nesses resultados o que os prefeitos deveriam fazer para

melhorar o aprendizado dos alunos nas suas cidades? Em primeiro lugar, oferecer pré-

escolas de qualidade para as crianças mais pobres. Essa deveria ser a prioridade zero.

Alfabetizar as crianças na idade certa. Aulas de reforço para crianças com dificuldades

de aprendizado. Monitorar em tempo real as faltas dos professores e funcionários.

Fechar programas de formação continuada que não funcionam. Fazer avaliações

semestrais nos alunos para detectar rapidamente as escolas e os professores em que o

aprendizado é mais lento. Focar novos programas nessas escolas. Com essas políticas

seria possível acabar com a repetência em todos níveis, que causa estigma, evasão e

aumento de gastos. Essa é a receita do sucesso.