retrospectiva da crise mundial 2011 e 2012

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Imagem 1/30: RETROSPECTIVA - A crise continuou à espreita ao longo de 2012 --e não deve nos deixar tão cedo. Algumas cenas repetidas e outras um tanto quanto inusitadas sacudiram os países que vão mal e também os que vão de mal a pior. O grande destaque continua sendo o velho continente, a Europa. Veja a seguir os fatos que marcaram a crise econômica em 2012

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Retrospectiva da crise mundial em 2011 e 2012. Fatos marcantes destes 2 períodos, destacado com textos e fotos.

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Page 1: Retrospectiva da crise mundial 2011 e 2012

Imagem 1/30: RETROSPECTIVA - A crise continuou à espreita ao longo de 2012 --e não deve nos deixar tão cedo. Algumas cenas repetidas e outras um tanto quanto inusitadas sacudiram os países que vão mal e também os que vão de mal a pior. O grande destaque continua sendo o velho continente, a Europa. Veja a seguir os fatos que marcaram a crise econômica em 2012

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Imagem 2/30: POVO NAS RUAS - A população foi às ruas na Europa para protestar contra o aumento de impostos, o corte de despesas do governo e o desemprego, uma combinação que ficou conhecida como "austeridade". Na foto à esquerda, manifestação em Portugal que adaptou o hit de Michel Teló para "Ai, não nos calam, ai, não, não nos calam". À direita, jovens protestam em Salônica, na Grécia Mais

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Imagem 3/30: CAOS - Muitos protestos terminaram em caos: manifestantes em confronto com a polícia, gás lacrimogêneo contra bombas caseiras, presos e feridos. À esquerda em cima, manifestantes e policiais se enfrentaram durante manifestação contra a visita da chanceler alemã, Angela Merkel, a Atenas. Embaixo, policiais prendem manifestante durante greve geral em Valência, na Espanha. À direita, policial é coberto por chamas de bombas caseiras lançadas por manifestantes em frente ao Parlamento grego, em Atenas Mais

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Imagem 4/30: PELADOS - Alguns manifestantes resolveram tirar a roupa para chamar mais atenção para seus protestos. É o caso da "Bela Adormecida" espanhola (à esquerda, em cima), de um grupo de bombeiros de uma pequena localidade do norte do país (à esquerda, abaixo), e do jovem à direita, que protestou contra a visita da chanceler alemã, Angela Merkel, a Atenas, na Grécia Mais

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Imagem 5/30: PARADAS - Greves gerais conseguiram parar ônibus, trens, carros e todo tipo de serviço pela Europa; até um cabaré em Paris ficou sem dançarinas pela primeira vez desde 1951. À esquerda, mensagem em estação de metrô de Lisboa avisa sobre greve em Portugal. No centro, estudante passa por lixo acumulado em universidade em Salônica, na Grécia, durante greve de lixeiros e demais funcionários. À direita, dançarina do célebre cabaré parisiense Crazy Horse, que enfrentou em greve por questões salariais Mais

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Imagem 6/30: DESEMPREGO RECORDE - O desemprego nos países da zona do euro bateu recorde após recorde. Em outubro, chegou a 11,7% da população, deixando quase 19 milhões de pessoas sem trabalho, no maior contingente de desempregados da história do bloco. A Espanha e a Grécia são os locais mais afetados: uma em cada quatro pessoas não tem trabalho nesses países. No desespero em busca de um emprego, alguns europeus começaram a mentir em seus currículos. Detalhe: para parecerem menos qualificados Mais

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Imagem 7/30: GRÉCIA ENDIVIDADA E DIVIDIDA - Os gregos foram às urnas pela primeira vez desde a explosão da crise da dívida, em 2009, para eleger um novo Parlamento. Nas eleições de 6 de maio, nada feito: nenhum partido conseguiu maioria para governar. Voltaram a votar em 17 de junho e, após demoradas negociações políticas, Antonis Samaras (foto à direita), líder do partido conservador Nova Democracia, foi empossado como primeiro-ministro, liderando uma coalizão de três partidos Mais

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Imagem 8/30: TAPA NA CARA - Em um capítulo à parte na disputada corrida eleitoral grega, o deputado neonazista Ilias Kasidiaris (na foto à direita) chamou a atenção por agredir duas deputadas de esquerda durante um debate eleitoral transmitido ao vivo pela TV. Primeiro, ele jogou um copo d'água na deputada Rena Dourou, do partido de esquerda Syriza, e depois deu três tapas no rosto da deputada Liana Kanelli, do Partido Comunista Mais

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Imagem 9/30: PÂNICO - Os mercados financeiros tremeram, com medo que um novo governo grego pudesse voltar atrás nos acordos feitos em troca do socorro financeiro internacional. Isso levaria a Grécia a dar um calote, e até mesmo sair da zona do euro. O povo, também assustado, sacou dinheiro e estocou comida. Casas de apostas britânicas até suspenderam jogos sobre a saída grega do euro após uma disparada nas apostas. À esquerda, Bolsa de Valores de Atenas. À direita, o Parlamento grego Mais

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Imagem 10/30: O MAIOR CALOTE DA HISTÓRIA - Em meio aos protestos, a Grécia aprovou uma série de medidas contra a crise, incluindo aumento de impostos e cortes de salários, pensões e empregos. Também conseguiu renegociar sua dívida com os credores do setor privado. Sem melhor opção, a maioria deles aceitou perder mais de metade de seus investimentos em um calote organizado de cerca de R$ 250 bilhões Mais

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Imagem 11/30: O RESGATE - Em troca de tanto sacrifício, a recompensa: a Grécia conseguiu convencer o chamado Eurogrupo --formado pelos ministros das Finanças dos 17 países da zona do euro, mais o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI)-- a liberar pacotes de ajuda econômica ao país e evitar que ele quebre. Na foto, o ministro das Finanças grego, Yannis Stournaras, e a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, em reunião em Bruxelas (Bélgica) Mais

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Imagem 12/30: AO VENCEDOR, AS BATATAS; AOS ESTRANGEIROS, NADA - Em meio à crise, alguns gregos encomendaram batatas por e-mail, diretamente dos produtores rurais, por quase um terço do valor cobrado nos supermercados (foto à esquerda). Em outra ação no país, militantes do partido de extrema direita Aurora Dourada distribuíram comida em frente ao Parlamento como forma de protesto contra a crise (à direita). Porém apenas cidadãos gregos recebiam os alimentos Mais

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Imagem 13/30: ESPANHA GANHA OS HOLOFOTES - A Espanha afundou-se mais na crise em 2012, disputando os holofotes com a Grécia. O governo espanhol aprovou uma reforma financeira e criou um "banco podre", para concentrar os calotes e fechar instituições inviáveis. Também pediu ajuda de até 100 bilhões de euros dos países da zona do euro para recapitalizar seus bancos em crise, e evitou chamar isso de "resgate". Preferiu o termo "empréstimo" Mais

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Imagem 14/30: DEPOIS DE BANCOS, REGIÕES - Nove das 17 regiões autônomas espanholas pediram ajuda a um fundo de liquidez criado em julho pelo governo e ativado ao final de setembro: Catalunha, Valência, Andaluzia, Castela-Mancha, Múrcia, ilhas Canárias, ilhas Baleares, Astúrias e Cantábria. O governo decidiu prorrogar o instrumento em 2013. À esquerda, anúncio do banco Bankia na zona rural de Sevilha, na Andaluzia. À direita, praia nas ilhas Canárias Mais

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Imagem 15/30: DESPEJOS E SUICÍDIOS - Mais de 500 famílias são despejadas de suas casas a cada dia na Espanha, porque não conseguem pagar o aluguel ou as prestações do financiamento imobiliário. A situação extrema levou a casos de suicídio. Em pouco mais de um mês, quatro pessoas se mataram pelo mesmo motivo. Em resposta à forte pressão social, o governo espanhol congelou por dois anos os despejos de proprietários endividados Mais

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Imagem 16/30: CLÁSSICO DA CRISE - Nem no futebol a Grécia conseguiu fugir da "austeridade" alemã. Nas quartas de final da Eurocopa, a Alemanha goleou por 4 x 2 e eliminou os gregos. A partida ganhou repercussão fora dos gramados: de um lado, a poderosa Alemanha da chanceler Angela Merkel, que foi ao estádio para dar uma forcinha à seleção (à direita); do outro, a Grécia, cuja sobrevivência na Euro era tida como uma zebra maior do que sua permanência no euro, a moeda comum europeia Mais

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Imagem 17/30: OLIMPÍADA E JUBILEU - A Olimpíada de Londres (acima) deu um empurrãozinho à economia britânica, que cresceu 1% entre julho e setembro, mais forte aumento trimestral da economia do país em cinco anos. A família real (abaixo) também ajudou: analistas afirmam que o feriado decretado em homenagem ao Jubileu de Diamante da rainha Elizabeth 2ª auxiliou no crescimento do Reino Unido Mais

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Imagem 18/30: OBAMA E O ABISMO FISCAL - Barack Obama (foto) conseguiu se reeleger para a Casa Branca, e seu novo desafio é negociar um acordo com a oposição republicana para evitar o "abismo fiscal" --cortes de gastos e aumentos de impostos no valor de US$ 600 bilhões, que começam a valer em 2013. Sem acordo antes de 31 de dezembro, os EUA podem cair nesse abismo, entrar em recessão e agitar os mercados do mundo todo Mais

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Imagem 19/30: AGÊNCIAS DE RISCO - As agências de classificação de risco rebaixaram sem dó as notas de países e empresas: França, Espanha, Grécia, Citigroup, Santander, Sony, Panasonic, só para citar alguns. Nem o banco mais antigo do mundo, o italiano Monte dei Paschi di Siena, escapou do corte. Em contrapartida, a Justiça da Austrália condenou uma agência por ter dado uma classificação "enganosa" a um fundo durante a crise de 2008, levando prefeituras a ter perdas. O caso abre as portas para reivindicações de até US$ 200 bilhões no mundo todo Mais

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Imagem 20/30: TSUNAMI MONETÁRIO - Vários Bancos Centrais decidiram injetar dinheiro para tentar estimular a economia de seus países. Foram 530 bilhões de euros do Banco Central Europeu, 50 bi de libras na Inglaterra, 220 bi de yuans na China, US$ 130 bi no Japão, US$ 40 bi nos EUA. Com isso, aumentou a entrada de dólares no Brasil, o que reduziu o valor da moeda (prejudicando as exportações), o que levou a presidente Dilma Rousseff (à direita) a criticar o "tsunami monetário" até mesmo na abertura da Assembleia Geral da ONU Mais

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Imagem 21/30: CORTAR NA PRÓPRIA CARNE - Em meio a uma crise tão intensa, todo mundo teve de ceder um pouco, ainda que à força. A França aprovou um corte de 30% nos salários do presidente e dos ministros e aumentou os impostos para os mais ricos --chegando a 75% para receitas acima de 1 milhão de euros. A Espanha limou 30% de seus vereadores e fechou estatais. Até o salário do rei Juan Carlos da Espanha (à direita), que era de R$ 730 mil por ano, foi cortado em cerca de R$ 52 mil. A Itália disse que pretende acabar com o fim da isenção fiscal da Igreja Católica. E Portugal suspendeu os feriados até 2018 Mais

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Imagem 22/30: PODEROSOS À MESA - Representantes das 20 principais economias do mundo se reuniram em Los Cabos, no México, em junho, para uma reunião de praxe, cujo foco central foi... a crise na Europa. Após dois dias de debate, a presidente Dilma Rousseff resumiu em uma frase a conclusão do encontro: o G20 não tem "fórmula mágica" para a crise europeia. Na foto, ativistas com máscaras de líderes do G20 protestam antes da reunião Mais

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Imagem 23/30: SAI SARKOZY, ENTRA HOLLANDE - O socialista François Hollande (à esquerda, em montagem) foi eleito o novo presidente da França ao derrotar Nicolas Sarkozy (à direita, com sua mulher, Carla Bruni). Pesou para a derrota de Sarkozy sua forte aliança com a Alemanha para lidar com a crise europeia, adotando cortes rigorosos. Prometendo crescimento e emprego, Hollande recuperou o governo para a esquerda Mais

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Imagem 24/30: FUNDO ANTICRISE E BARGANHA NO FMI - O Fundo Monetário Internacional (FMI) passou o chapéu e conseguiu angariar US$ 456 bilhões para um fundo de prevenção e solução de crises --incluindo US$ 10 bilhões do Brasil. Em troca, os países emergentes --Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul-- pleitearam uma reforma no FMI e mais poder de voto no organismo Mais

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Imagem 25/30: LADO B - A crise na Europa gerou alguns efeitos pouco comentados.O aumento do desemprego feminino e o consumo de produtos mais baratos e menos nutritivos fizeram aumentar a obesidade entre as mulheres na Espanha. No Reino Unido, o número de animais de estimação abandonados quase dobrou, chegando a cem por dia. E a indústria do sexo minguou na Grécia: três de cada quatro sex shops fecharam, caiu pela metade o número de expositores na maior feira do setor erótico no país e menos de cem pessoas aguardavam a abertura do evento Mais

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Imagem 26/30: ROBIN HOOD ESPANHOL - Um prefeito espanhol virou herói por participar de furtos a supermercados e doar os produtos roubados aos pobres. Juan Manuel Sanchez Gordillo (centro), 59, parlamentar regional e prefeito de Marinaleda --município com 2.645 habitantes, na região da Andaluzia, sul da Espanha--, disse que a comida roubada foi dada às famílias mais atingidas pela crise econômica espanhola. Ele liderou uma marcha de três semanas por cerca de 300 km, debaixo do sol de verão, em protesto contra os cortes do governo Mais

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Imagem 27/30: SÓ O PAPA SALVA - O Conselho Europeu fez uma brincadeira e anunciou que convocaria uma cúpula da zona do euro para resolver a crise da dívida, um encontro que seria realizado em 1º de abril, ou Dia da Mentira, com a participação do papa. "A presença de Sua Santidade, o papa, oferece uma oportunidade para orar por intervenção divina para salvar o euro." O comunicado falso foi divulgado pela assessoria de imprensa de Herman Van Rompuy, presidente do órgão responsável pela expansão da União Europeia. seguindo a tradição de brincadeiras nessa data Mais

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Imagem 28/30: VISIONÁRIO - O holandês Jurre Hermans, 11, propôs uma solução para a crise europeia: os gregos deveriam trocar os euros por dracmas, a moeda usada na Grécia antes de 2001. Os euros com o governo poderiam ser usados para pagar as dívidas e os dracmas seriam dados para a população. "Os bancos dão todos os euros para o governo grego. Todos os euros juntos formam uma panqueca ou uma pizza. Então, o governo grego pode voltar a pagar todas as suas dívidas, e todo mundo que tem uma parte da dívida ganharia um pedaço da pizza." Ele ganhou uma menção especial no prêmio de economia Wolfson Economics Mais

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Imagem 29/30: SENTA QUE LÁ VEM CRISE - Se você acha que a crise global já atrapalhou demais o mundo, e já está cansado de ouvir falar sobre ela, é melhor repensar seus limites: a crise deve continuar pelo menos até 2018, segundo o economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), Olivier Blanchard. "Ainda não é uma década perdida ... Mas com certeza levará pelo menos uma década desde o começo da crise [em 2008] para a economia global voltar a uma forma decente", disse Mais

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Imagem 30/30: PASSATEMPO - Se preferir, faça como o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble, durante um debate parlamentar crucial sobre a Grécia: jogue Sudoku (jogo de lógica), em vez de prestar atenção Mais

O Sul é o Norte

Retrospectiva 2011/ O ano em que o mundo virou

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O mundo de cabeça para baixo é uma imagem que já embalou sonhos e pesadelos, zilhões de vezes serviu para expressar o estupefato com mudanças, foi recheio de fábulas ou, simplesmente, ideia de malucos. O céu no asfalto, o teto como capacho e a espuma das ondas quebrando no ar foram, por sinal, figuras usadas décadas atrás por um notório maluco beleza, o músico Raul Seixas, numa de suas canções. Mas nem é preciso encarnar o saudoso Raulzito para eleger a alegoria da vida pelo avesso como a síntese perfeita deste ano que está chegando ao fim. A Terra parece ter dado cambalhotas em 2011.

Ou alguém esperava ver ventanias democráticas, multidões de jovens dançando pelas praças, ditaduras ruindo e tiranos poderosos sendo chutados por ruas poeirentas nos domínios do Islã? Que profeta, vidente, intelectual ou especialista foi capaz de prever a Primavera Árabe? Por vários cantos deste mundo invertido, o povo não se contentou em desfilar em protesto. Ficou. Em vez de passeatas, a ocupação. Em outros momentos, o planeta deu mesmo foi a impressão de estar de pernas para o ar: o oceano provocou acidente atômico, cinzas dominaram os ares, a intolerância bateu a modernidade e humilhados se vingaram de inocentes.

Em 2011, terroristas viraram caça, o capitalismo foi se aproximando de Cuba e, por um triz, os Estados Unidos não se tornaram um país inadimplente. A velha Europa capotou. E coube às antes desacreditadas nações emergentes o papel de contraponto às economias decadentes do Hemisfério Norte. O Sul norteou e foi o motor da expansão global. Quem, afinal, poderia imaginar que um dia veria uma instituição arrogante como o FMI ouvindo lições e pedindo um dinheirinho extra a um governante latino-americano? Pois a presidenta Dilma Rousseff presenciou essa cena de camarote – e, sem dramas, rebarbou o achaque inoportuno dos fiscais das finanças globais.

No canto brasileiro do mundo, o ano também foi pródigo em surpresas. Por aqui houve uma oposição que não se opôs e um governo que não vacilou em se livrar de autoridades enroscadas em malfeitos. Teve juízes sob julgamento da opinião pública e traficantes em fuga de morros cariocas onde o cidadão sagrou-se rei. No Brasil se combateu inflação baixando juros. Craques da bola esnobaram a Europa, atletas se recusaram

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a abandonar o país e estrelas planetárias escolheram os palcos locais para seus mega-shows. Quem sabe, para os brasileiros, 2011 passará para a história como o ano em que o futuro, enfim, começou a chegar.  

O assassino de Realengo

O Brasil foi apresentado à face mais cruel do bullying diante das 12 vítimas de um colégio carioca, mortas por um ex-aluno

Wilson Aquino

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PREMEDITADOWellington treinou tiros dias antes de protagonizar a tragédia

Sete de abril de 2011. Nesta data, os brasileiros ficaram estarrecidos diante de uma tragédia até então inimaginável em território nacional. Um jovem entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, matou 12 estudantes e feriu à bala outros 12, antes de se matar com um tiro na cabeça.

O atirador se chamava Wellington Menezes de Oliveira, tinha 23 anos e era ex-aluno da instituição. Oliveira agiu sozinho. Ele queria se vingar do bullying que teria sofrido na escola. O episódio fez o Brasil parar para pensar, e agir contra essa prática – mais comum do que se supunha entre estudantes.

O bullying é toda atitude agressiva, física ou moral, feita de forma repetida, entre iguais. “De 7 de abril para cá, as pessoas ficaram extremamente mobilizadas para questões de violência nas escolas”, conta a professora Mércia Cabral de Oliveira, da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro. O Congresso Nacional também se mexeu e instalou uma Frente Parlamentar Mista de Combate ao Bullying e Outras Formas de Violência. Oito meses depois, a Tasso da Silveira está sendo reformada e as famílias das vítimas se uniram em torno da dor – fundaram a associação “Anjos de Realengo” para preservar a memória dos alunos e evitar que a tragédia seja esquecida. 

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Corrupção desmascarada

Ao demitir seis ministros acusados de corrupção, a presidenta Dilma faz uma faxina ética poucas vezes vista na política brasileira

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Claudio Dantas Sequeira

VOZ DAS RUASJovem grita em marcha anticorrupção em Brasília:

a popularidade da presidenta aumentou depois da faxina

Nunca se viu na política brasileira um fenômeno parecido. Ao longo de seis meses de 2011, foram afastados seis ministros envolvidos em algum tipo de falcatrua (Nelson Jobim, da Defesa, também caiu, mas por dar declarações que desagradaram à presidenta Dilma Rousseff). Embora evite falar em faxina ética, Dilma administrou com sucesso o que poderia se tornar uma crise institucional e mostrou autonomia ao afastar executivos que herdou do governo Lula. Da meia dúzia de ministros caídos, todos pertenceram ao gabinete anterior e foram mantidos no cargo por sugestão do ex-presidente. Ao cortar na própria carne, a presidenta contou, na maioria dos casos, com a participação ativa dos meios de comunicação. Quase todos os ministros caíram em meio ao pesado bombardeio de denúncias, muitas delas feitas por ISTOÉ (leia quadro). A ação rápida da presidenta ajudou a aumentar sua popularidade. Desde a posse, seus índices de aprovação dispararam. “Dilma enviou à sociedade o recado de que não vai fechar os olhos para a corrupção, como outros presidentes fizeram”, diz o cientista político David Fleischer, da UnB.

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A nova cara do protesto

Em todo o mundo, floresceu uma nova forma de manifestação: o acampamento. De Wall Street a São Paulo, as barracas na praça simbolizaram a insatisfação com o modelo econômico mundial

Rachel Costa

GLOBALIZADOOs protestos se espalharam pelo mundo. Em sentido horário,

acampados em Nova York, Madri, Alemanha, São Paulo e Canadá

Primeiro surgiram as barricadas e as passeatas. Depois, os piquetes e as marchas. Tudo isso, porém, parece agora ultrapassado. A nova ordem é montar acampamento. Foi em 2011, quando bandeiras deram lugar a barracas e a inércia venceu o movimento, que o mundo criou uma nova forma de protesto. Estudantes, trabalhadores, profissionais liberais, jovens em sua maioria, tomaram conta das praças mundo afora para protestar contra o sistema econômico, que beneficiaria

uma minoria, e contra o sistema político, no qual não se veem representados. Estima-se que neste ano contestações tenham ocorrido em países onde vivem três bilhões dos sete bilhões de pessoas do planeta.

A inspiração veio do mundo árabe, que viu na ocupação sem trégua da praça Tahrir o caminho para depor o ditador Hosni Mubarak. Foi na Espanha, porém, que o movimento “Ocupe” deu os primeiros frutos. Em um país de democracia consolidada, mas castigado pela crise, com quase metade da juventude sem trabalho, os cidadãos decidiram acampar por seus direitos. Assim, no dia 15 de maio, um belo domingo da primavera europeia, véspera das eleições gerais no país, milhares de espanhóis marcharam rumo à praça Puerto del Sol, marco zero da capital Madri. Seria só mais uma passeata, não fosse um detalhe: findo o dia, os manifestantes não retornaram para suas casas. Eles permaneceram na rua, embalados pelas palavras de ordem “não temos casa, ficamos na praça” – em alusão à dificuldade da população em pagar hipotecas e aluguéis devido à má situação econômica da Espanha.

Em pouco tempo, o local tornou-se um acampamento urbano, no qual centenas de barracas coloridas se misturavam a cartazes de protesto. “A rua é de graça”, “se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”, “nossos sonhos não cabem em suas urnas” eram algumas das frases escritas em cartolinas.

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Eles se autointitularam “Os Indignados” e nas manifestações em praça pública ganharam a adesão de espanhóis em mais uma dezena de cidades do país. “Os governos resgataram o sistema financeiro, mas o cidadão ficou endividado”, diz Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do Instituto de Estudos Europeus, na Itália. “Isso põe em questão o papel do sistema político: afinal, a função do Estado seria proteger o povo ou o mercado?”

O modelo ganhou outras praças e se espalhou de forma viral neste mundo globalizado. Dez dias depois da invasão espanhola, os gregos postaram-se diante do Parlamento, onde protestaram por mais de um mês. Foi quando os acampamentos tomaram conta de Israel, também com reclamações contra os políticos corruptos, a falta de empregos e o alto custo de vida. Até que, em 17 de setembro, o movimento chegou a Nova York. Com o apoio de veteranos das ocupações da Grécia, Norte da África e Espanha, o desconhecido parque Zucotti, no coração financeiro da cidade, foi tomado pelas barracas do “Ocupe Wall Street”.

Na América, o protesto ganhou o slogan “Nós somos os 99%” – inspirado em dados que mostravam como a desigualdade havia se acentuado nos EUA entre 1997 e 2007, com apenas 1% da população concentrando os benefícios econômicos em detrimento do restante. Muitas das críticas aos “Ocupe” centravam-se no fato de que eles não tinham consistência ideológica ou interlocutores bem definidos. Mas aí está outra característica deste movimento que marcou 2011.

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Os acampados levantam a bandeira da democracia direta, transformando o protesto em uma espécie de laboratório para uma comunidade sem lideranças. É o faça você mesmo na política. Bebendo direto na fonte da Ágora grega, as ocupações – só nos EUA houve mais de 60 em todas as regiões do país – imprimiram uma organização democrática na qual cada um deve levar suas ideias às assembleias diretamente e defendê-las diante dos demais, sem representantes, sem votos, sem urna, sem governo.

Logo, vieram outros acampamentos. Uma convocatória mundial, feita nas redes sociais, conclamou os manifestantes a ir às ruas no dia 15 de outubro. Brotaram barracas em todo o globo. No Brasil, sob o viaduto do Chá, em São Paulo, e na Cinelândia, no Rio de Janeiro (ambos importantes centros de protesto no fim da ditadura brasileira), o clamor por democracia direta se misturou às demandas locais – como manifestações contrárias à usina de Belo Monte e à reforma do código florestal. Paris, Londres, Vancouver e Berlim foram apenas alguns dos centros urbanos ocupados.

No início de novembro eram contabilizados mais de mil acampamentos. “Nessa nova forma de protesto os manifestantes abrem mão de suas vidas para ficar ali, parados, acampados em praça pública”, define o filósofo brasileiro Vladmir Safatle, que acompanhou os acampamentos brasileiros. “É preciso muita força de vontade para resistir nessas condições.”

A repressão em Wall Street, na madrugada do dia 15 de novembro, porém, selou o destino dos acampados mundo afora. Dos mais de 50 acampamentos contabilizados nos EUA, por exemplo, metade foi removida. Pelo menos 26, no entanto, resistiam até a semana passada. Sem as barracas, os manifestantes têm buscado formas mais tradicionais de se organizar. A multidão do parque Zucotti, por exemplo, agora tem uma sala empresarial que serve de “cérebro” para o

movimento, contrariando a regra de não haver lideranças. Mesmo desalojados, os “occupies” prometem continuar em atividade no próximo ano. Resta saber até onde podem chegar. História eles já fizeram.

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Um MST que não põe medo

Os programas sociais, a melhoria de renda dos brasileiros e os avanços da agricultura reduziram a tensão no campo

Pedro Marcondes de Moura

No mês passado, dezenas de líderes do Movimento dos Sem Terra (MST) publicaram um manifesto rompendo com a organização por ela haver se tornado demasiado governista, distante de suas lutas históricas. O racha na cúpula comprova a mudança drástica sofrida por esse movimento e constatada por ISTOÉ em setembro. Fundado em 1984, o MST fez história no País. Angariou legiões de simpatizantes, organizou excluídos, pôs na parede latifúndios improdutivos e ameaçou revolucionar o campo. Em 2011, no entanto, mostrou que hoje não passa de uma pálida imagem do que já foi. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de famílias acampadas ligadas ao movimento diminuiu seis vezes em uma década. Durante o governo Lula, a queda foi ainda mais abrupta: de 32.738 famílias para 1.204. Boa parte dos acampamentos dos sem-terra agora são apenas amontoados de barracos vazios, habitados unicamente nos fins de semana para atividades de mobilização do MST. A luta pela terra virou uma atividade secundária. Essa perda de importância, no entanto, não se

refletiu no acesso a verbas públicas. Apesar de o MST não existir juridicamente, os repasses à organização, por meio de entidades e cooperativas, triplicaram, segundo a ONG Contas Abertas. O momento econômico influi diretamente no declínio do MST. Os programas sociais de transferência de renda, o aumento da produtividade das lavouras e os empregos gerados pelos avanços do agronegócio reduziram os bolsões de miséria no campo, principal fonte de captação de novos militantes. Nas cidades, o número de carteiras assinadas também bate recorde. Sem contar que a própria ideia da reforma agrária como modelo de desenvolvimento saiu da pauta do governo federal. Não faz parte sequer da principal bandeira de erradicação da pobreza extrema do País, o Brasil Sem Miséria.

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Nada mexe mais com a cabeça de um cervejeiro que o preço da cerveja. Aumento de impostos, boatos sobre compras de cervejarias e até mesmo um terremoto afetaram a cerveja de um jeito ou de outro. Veja os destaques!

Cerveja chega a ter oito vezes mais impostos

Por uma conta que pouca gente entende, os impostos das cervejas podem chegar a aumentar até mesmo 720% de um ano para outro. Tudo graças a tabela usada pela Receita Federal. Leia mais…

Terremoto afeta fábrica da Sapporo no Japão

O terremoto no Japão no início desse ano foi uma tragédia que abalou até mesmo o mundo da cerveja. Ver a cena de tanques e mais tanques de fermentação caídos certamente mexeu com as pessoas. Leia mais…

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Compradores olham carros de luxo em um shopping em Nova Delhi. Os países do Bric, incluindo a Índia, dominam "novos poderes"

Eu passei recentemente algumas semanas em um dos países-problema da Eurolândia –um ensolarado país do sul cuja dívida é maior do que seu produto e cujos títulos ninguém quer. O país era dirigido por um ex-cantor exibicionista que arrumava algum tempo para governar entre seus namoricos. É um lugar, como eu descobri, que tem crise escrita em cada faceta da vida cotidiana: na população elegante caminhando ao entardecer nas ruas lotadas de carros novos, nas roupas de grife, nas butiques sedutoras. As pessoas pareciam abatidas por reverem seus planos de férias em Istambul ou nos Alpes.

O líder bilionário, com seu rosto retocado por plástica, parecia estar contendo uma grande gargalhada diante da agonia da Eurolândia. Ele se esforçava para parecer sério. Famílias riam, namorados permaneciam juntos, almoços com deleites abundantes entravam tardes preguiçosas adentro. Tanta melancolia era impressionante. Eu fiquei em pânico, convencido de que a Itália estava à beira de um destino medonho. Possivelmente, ao que parece, a Itália continuaria sendo a Itália.

O lance a respeito de um mundo interconectado de 7 bilhões de pessoas, dentre as quais uma pequena fração é italiana, é que a criação de políticas cada vez mais parece um exercício fracassado de tentar acompanhar o ritmo e regulamentar as forças provocadas pela liberdade delas.

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Eu ouvi estimativas de que até um terço da atividade econômica global atualmente não é registrada pelas estatísticas oficiais. Certamente os lojistas italianos ainda ignoram suas caixas registradoras decorativas, instaladas por insistência dos fiscais de impostos, preferindo rabiscar os recibos em pedaços de papel –ou nem mesmo escrevê-los. Mesmo levando em consideração a riqueza acumulada da Europa e seu efeito amortecedor nos tempos difíceis, a diferença entre a conversa de crise e a escassa evidência física dela é grande. Definitivamente estes não são os anos 30.

A Itália, um país rico, sobreviveu ao incompetente Silvio Berlusconi da mesma forma que a Bélgica permanece bem, apesar de sua incapacidade de formar um governo. À medida que o mundo passa da marca de 7 bilhões de habitantes, há mais pessoas obesas do que famintas no planeta. Muitos dos obesos são pobres. Gerações anteriores só podiam sonhar com esses problemas. Um número imenso de pessoas saiu da pobreza na última década. O crescimento da

população está diminuindo. As piores previsões de fome, pestilência e atmosfera envenenada provaram ser exageradas. China, Índia e Brasil não são os únicos países sentindo que a maré da história está fluindo em sua direção.

Itália vive protestos contra medidas de austeridade13 fotos

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17.nov.2011 Estudantes protestam em Milão, na Itália, contra o que chamaram de "governo dos banqueiros", liderado pelo economista Mario Monti Leia mais Reuters

Quão ruins as coisas realmente estão? Depende de onde você estiver sentado. O mundo parece particularmente imprevisível porque o que é retratado como uma crise financeira em Frankfurt e Nova York é, mais profundamente, uma crise de transição.A confiança secou na parte do mundo que costumava dirigi-lo, enquanto os emergentes cada vez mais ricos –antiocidentais em graus variados, mas ainda incertos sobre que novos princípios abraçar– ainda não estão prontos para assumir o controle. No século passado, a transferência do poder do Reino Unido para os Estados Unidos teve a qualidade suave de uma transação entre primos. Os Estados Unidos e a China estão amarrados pelo quadril e aprenderam como conduzir os negócios. Mas permanecem rivais culturais.

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Retrospectiva 2011

Que morte mais marcou o ano?

"Nós estamos acostumados a um pequeno grupo de democracias de mentalidade semelhante dando as ordens, mas essas democracias atualmente têm cada vez menos influência sobre a política mundial", disse Charles Kupchan, um professor de assuntos internacionais da Universidade de Georgetown, em Washington. "Nós estamos caminhando para um mundo de ninguém, um mundo de múltiplas modernidades, interdependente e globalizado, mas sem um modelo ou centro político dominante."

Não é de estranhar a revolta mal-humorada que toma conta de grande parte do Ocidente (excluindo o prudente Canadá). Para os habitantes da Eurolândia (os 17 países que compartilham

o euro como moeda), é um momento de repercussões inesperadas. Nicolas Sarkozy, o presidente da França, atualmente diz que foi um "erro" aceitar o ingresso da Grécia no euro. Os franceses deveriam saber. A moeda comum foi em grande parte ideia deles. Era um meio de amarrar a Alemanha à Europa; e que melhor forma da Europa coroar sua declaração política do que incluir na irmandade da moeda comum o berço de sua civilização, a Grécia?

A Acrópole parecia muito maior na época do que o setor público inchado da Grécia ou sua ética de trabalho relaxada. O risco foi desdenhado. É claro que a Grécia poderia pegar carona no mesmo vagão econômico da Alemanha! É claro que não havia risco em enterrar empréstimos tóxicos em títulos hipotecários! A capacidade humana de desprezar os fatos e acreditar que porcos têm asas é insondável.

A Eurolândia, com sua moeda única e soberanias múltiplas, agora precisa pedir ajuda à China, cujos US$ 3,2 trilhões em reservas de moeda estrangeira poderiam reforçar um fundo de resgate já reforçado. Isso dificilmente poderia ser um símbolo mais direto do deslocamento de poder. Um amigo com interesses imobiliários em Vancouver me disse que nunca houve um momento tão próspero. Os chineses estão comprando tudo o que podem. A China é o lugar onde enriquecer; o Ocidente é o local onde buscar a proteção do estado de direito. A primeira pergunta que os compradores chineses fazem em Vancouver ou Londres é: alguém pode tomar isso de mim? O Ocidente ainda oferece a proteção contra as arbitrariedades do Estado de partido único, mas sua autoconfiança está abalada.

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Que som de onda é esse? É a maré de empregos desaparecendo para nunca mais retornarem. O que é aquilo que nunca dorme? As montanhas de dívidas acumuladas ao longo da última década. Que confusão é essa nas ruas? As legiões do movimento Ocupe, enfurecidas com a impunidade dos poderosos. Que som de rachadura é esse? A agonia da Eurolândia pega no meio do caminho entre uma federação e nações.

O grande tormento atual envolve integração –como promover a cooperação quando aqueles à mesa têm visões tão díspares a respeito da governança. Isso é patente no caso do euro e também verdadeiro, apesar de menos óbvio, na esfera global do G-20. Mais integração é necessária, mas quando as pessoas ficam furiosas elas se tornam tribais: o imperativo objetivo encontra a resistência emocional, seja na forma do Tea Party (Festa do Chá, movimento republicano que faz referência à Festa do Chá de Boston, um protesto antitaxação no século 18) ou de Geert Wilders, o político de extrema-direita holandês.

Ninguém ainda sabe como administrar um mundo globalizado ou torná-lo mais igual. Essa é a questão de nossos tempos, uma para a qual China, Índia, Brasil e outras novas potências terão que contribuir de modo mais substantivo do que têm feito. Os Estados Unidos, divididos internamente, não podem mais impor sua vontade, mas a viga mestra do mundo ainda é fornecida pela Pax Americana. A China está disposta a aceitar isso por ora, em nome da estabilidade necessária para seu desenvolvimento pleno até 2050. Há um anseio por uma nova ordem, mas não há uma prontidão para adoção de uma. Isso é traduzido em desconforto.

Os manifestantes em Nova York e Madri sabem contra o que estão lutando, mas é muito menos claro pelo que são a favor. A derrubada do capitalismo soa muito século 20, até mesmo século 19. Reformar o capitalismo, compensando seus aspectos mais brutos, também é notícia velha. Isso foi tentado na forma de um Estado de bem-estar social –e esses sistemas estão sob enorme pressão à medida que as pessoas passam a viver mais. Não, o foco real, apesar de mal articulado, do Ocupe é a reforma da globalização –particularmente a forma como a globalização favorece os ricos. Algumas ideias, como o imposto Tobin sobre transações financeiras globais, circulam há anos, mas são quase impossíveis de aplicar. O que restou, às vezes parece, é o aumento da sensação de estarmos juntos. Com a sociedade moderna e a Internet vem a dispersão das pessoas em universos dominados por telas. O movimento Ocupe também é uma reação a isso: um despertar para a possibilidade de união para promover mudanças.

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Protestos contra a crise em Wall Street e no mundo144 fotos

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30.nov.2011- Centenas de policiais iniciaram a retirada das barracas dos integrantes do movimento "Ocupe Los Angeles", nos EUA. Quase 500 policiais entraram no acampamento localizado em frente à prefeitura da cidade Leia mais Bret Hartman/Efe

Uma inspiração para o movimento veio do mundo árabe. Mas há uma diferença: os ocupantes da Praça Tahrir, das ruas de Benghazi e das avenidas de Túnis sabiam o que queriam: sociedades mais representativas. A estrada para essa meta já provou ser irregular. Um grande debate sobre como conciliar a fé islâmica com a modernidade está em andamento. Mas a direção está estabelecida. A confiança perdida pelo Ocidente não seguiu apenas na direção dos países Brics.

Uma parte dela foi tomada pelos árabes.

A humilhação é uma força poderosa. Por muito tempo ela minou o mundo árabe. A submissão aos otomanos foi seguida, após a Primeira Guerra Mundial, pela intrusão das potências ocidentais. Então veio o golpe mais debilitante: a derrota dos exércitos árabes por Israel em 1948 e seus sucessos subsequentes deste. Os refugiados palestinos ficaram amontoados em campos eternos; guerras repetidas apenas aumentaram o domínio do Estado judeu. Uma frase desdenhosa –"as ruas árabes"– passou a caracterizar a multidão indignada. Até que, nessas mesmas ruas em 2011, a base para um novo orgulho foi estabelecida, um não fixado em um símbolo de resistência a Israel –um Nasser, um Nassan Nasrallah– mas um forjado em um empreendimento compartilhado e transformador. De certo modo os árabes disseram um basta, por meio de sua Primavera, ao álibi de Israel.

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Após o estabelecimento de Israel, David Ben-Gurion estava pessimista sobre a possibilidade de paz. "Por que os árabes deveriam fazer as pazes?" ele disse. "Se eu fosse um líder árabe, eu nunca aceitaria Israel. Isso é natural: nós tomamos o território deles. Sim, Deus o prometeu para nós, mas o que eles têm com isso? Nosso Deus não é o deles. Nós viemos de Israel, é verdade, mas há 2 mil anos, e o que é que eles têm com isso? Ocorreu antissemitismo, nazismo, Hitler, Auschwitz, mas isso foi culpa deles? Eles só veem uma coisa: nós chegamos aqui e roubamos o território deles."

Ao longo de mais de seis décadas, essa avaliação pessimista provou ser correta. A vontade da ONU, como expressa na Resolução 181 de 29 de novembro de 1947 –pedindo o estabelecimento de dois Estados, um judeu e um árabe palestino– provou ser inviável. A fúria árabe nunca foi acalmada pela percepção de uma tentativa europeia de expiar os crimes nazistas na Palestina. A determinação dos judeus em manter um pedaço de terra entregue a eles por um mundo culpado de séculos de perseguição nunca cedeu. É difícil ser otimista diante de um confronto tão inflexível.

Mesmo assim, estas são duas lições do mundo atual: as coisas não são bem como parecem (na Itália e em outros lugares) e a mudança pode ocorrer de modo repentino. O nascimento abrupto do novo orgulho árabe é importante. Ele muda o foco. Os árabes que agora são agentes de suas próprias vidas, não são mais os árabes que precisam buscar em um inimigo a explicação para seus males. A humilhação leva a mais guerra: foi o que ocorreu na Europa, quando o Tratado de Versalhes de 1919 puniu a Alemanha. Apenas quando a Europa começou a se integrar é que a guerra no continente chegou ao fim.

As dificuldades da Europa têm provocado zombarias fáceis, mas seu modelo é uma inspiração e pode ser útil no novo mundo árabe. Como na Eurolândia, como na totalidade de um mundo globalizado, a integração é inevitável no Oriente Médio. A única pergunta é que preço adicional em sangue e tesouro será pago até ser atingida.

* Roger Cohen é colunista do "International Herald Tribune" e do "The New York Times".

Tradutor: George El Khouri Andolfato