retrato, o mover-se
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uns escritos de linauro neto, esse livreto publicado pelo selo candeeirocafe em outubro de 2011TRANSCRIPT
O verso
O verso desce torto
a esquina da desilusão
bate à porta do desespero
e canta uma canção de melancolia:
"Tudo passa, tudo passará...
o que não é pó é vaidade!
A palavra que não é palavra
é liberdade...".
Liberta-te
A inocência nos tira a culpa
mas a carne dilacerada o rubro sangue expulsa
expulsa
expulsa
expulsa
A flor negra alma se entrega
abandona casa e lembrança
e vai
na busca do infindável
eis a vida, eis a morte
flor negra, liberta-te. Vai!
Síntese
Da inércia.
Do estar parado
e continuar parado.
Do sonhar acordado
novo tempo vivido,
nenhum suor derramado,
nenhum sangue derramado.
Do esperar a luta,
cansar da luta,
aceitar a derrota.
Do não aprofundar-se.
Do não conhecer-se.
Não saber quem,
o que é,
se é.
Do não construir-se.
Vagar Monótono
A monotonia espanca meus ouvidos,
meu eterno vagar monótono
do nascer já morrendo e esperar!
como aquele que a cada dia
acostuma-se a uma dose de veneno,
a um morrer monótono.
A ciranda
Uma ciranda
sem canto
de
crianças perdidas
No ar
aparência estática
na roda
esperança morta
Uma ciranda
que não para
que não dorme
que não vive
que não morre
e gira e gira
e gira
na escuridão
numa floresta
no nada
O Divã
A sala vazia. no ar corre desvairado
– de portas e janelas trancadas –
um cheiro
de amarelo queimado
No chão uma lembrança
do passado que
solta
as correntes, volta
sonho morto
Num canto, o divã
reto seco amargo
E, obrigado a tragar
a sala
que agora me asfixiava iluminada
por uma verdade intocável
A sala vazia
de porta, sonho morto
e janelas trancadas.
A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo
é o fundamento mesmo da minha personalidade
Cecilia Meireles
Perfeição
A forma mais perfeita de minha tristeza,
a consciência mais estreita e inútil!
o desejo de morte, se já não estamos mortos,
e essa atmosfera impregnada, infectada de vida,
é nada!
Meus vícios são o que sou e não sei,
a liberdade é a escolha de ser inútil ou morrer
e nada mais sei
(e a dor, e a ser a dor)
Amar a decadência humana,
sentir a realidade que sangra e tem pena de si.
A depressão já me é natural
e o teu mundo colorido é tão sujo quanto é,
aos teus olhos, o coito anal.
Moral miserável. Desgraça humanitária!
É nada! O que espera que eu faça?
Eu paro, e se eu paro, tu paras, o mundo para...
e tudo fica como já é!
Menos o homem em sua parasitariedade
que morre em sua própria inutilidade destrutiva.
A forma mais perfeita de minha tristeza,
porque vivo e não vejo razão!
Mantenha longe de mim essas tuas geléias teológicas!
Odeio essa circunferência teatral, essa cadeia ilógica,
essa inércia existencial em que estou preso
e essa dor,
que me parece alegria.
Não Quero
o que um dia não me foi prometido,
o que, assustadoramente,
alguma hora, deixara de ser perfeito.
Estas páginas,
a última palavra que não foi dita.
Todas as manhãs, eu não quero.
Queria até pensar no que não teria sentido algum
estar
pensando.
O que seria brusco o bastante.
Queria nunca ter ouvido ninguém
e ser o resultado do que nunca fora pensado.
Por que me pesa continuar a ser eu diante de ti?
E que o que eu digo de peso não seja a estupidez da autoflagelação!
Pois não quero! nem ser a simplicidade d
o “não tem mais jeito d’eu ser feliz, não!”
nem a plena consciência da dinâmica.
Pois não! Quero!
Não quero,
mas aceito
minhas mãos que sempre foram geladas,
meus olhos que sempre foram meu corpo,
e minhas lembranças –
deveria dizer melancolicamente?
– que sempre foram
o exato ponto que converge
toda a minha vontade de não-ser.
O Quarto
Meu lençol está sujo,
meu travesseiro de sangue, meu sapato lama.
Já dissertei sobre a lama.
Essa balada em círculos impregna minha vontade.
Vou agora e só agora me repartir numa metade maior que a outra.
Ficarei enchendo essa merda inútil de banalidades
(até quando precisarei disso?
mas me sinto tão, tão leve...
Dialeticamente,
empenho em minhas vontades de começo de ano
o desejo de morrer, para viver verdadeiramente.
Todos os sistemas são falsos!
Só tem sentido o que assume a sua própria inexistência;
e nem é sentido o que busco.
Tudo que pressupõe um entendimento é mentira!)
delírios-relógios se derretendo em minhas paredes brancas,
nas mãos de Werther, Homero.
Nas minhas, Goethe;
e a sensação de que as cores ainda são as mesmas.
Os fantasmas ainda são os mesmos.
A grade de minha cama está destruída.
Minhas roupas, jogadas ao chão.
Minha vodka russa, feita em Pernambuco, também
...
A marca que transpassa
na forma exata de minha fome
não quero nada, apenas o que me cabe,
a transformação,
o que antes era fim, agora é meio
e me faz, se é falta
e não há volta! E me drogo
numa apoteose egoísta de vida,
na decadência esteticamente violenta
de nunca querer o que é oferecido
e vomitar na cara da tranquilidade
gritando aos sete ventos que
minha guitarra já não é suficiente,
e grito! O grito limpo e desprezível dos revoltos
que não honram família alguma
e destroem
numa imagem não aconselhada o próprio corpo.
Amanhã vou acordar mais cedo
pra admirar por mais tempo a desgraça
morra por tentar comunicar-se,
que minha existência muda só pode enxergar a si mesma
e na maravilhosa ideia de um amor perfeito
é que me torturo todos os dias
derramando gotas de sangue sobre minhas antigas cartas
de amor! tanto amor....
Vem direto das ruas essa minha empáfia infantil
junto com a visão da desordem –
se sempre estive em desordem,
nisso, a arte é inútil.
Minha pele desfigurada jamais será a mesma,
e rio! Como parece tão selvagem,
se minha mente é dilacerada com muito mais fúria
todos os dias pela lembrança que existo.
Na porta da direita me vejo morto.
Na porta da esquerda, ainda agonizo antes de morrer.
E uma terceira via se resume no sonho que eu não me lembro
por ter bebido muito antes de dormir:
A realidade é tão ridícula!
Assim como suas conformidades e suas leis eternas,
e não importa para onde eu fuja
ainda estarei dentro de mim mesmo
nessa prisão imunda!
Mas aqui comigo, além dos cortes, a marca brilhante
que me fiz pra nunca me esquecer de minha ridicularidade;
mas não me convenço, olho aí
entre vocês, e só sinto nojo, ânsia de vômito
e ainda um pouco de humor para uma última
piada sarcástica
antes que essa minha ansiedade me valha uma bala na cabeça
ou uma vida romântica
ou uma vida nefasta
ou uma vida medíocre, ou triste
ou uma vida em que eu sinta sempre o que eu sinto agora
ou um nada, o exato ponto onde se converte toda minha vontade.
A Parede
De repente tudo cai –
é olhando por dentro das paredes de meu quarto
que vejo um grande bloco branco de madeira
sair de dentro do gesso encardido.
Ah! Ele se escondia detrás o mundo!
Os eletro-eletrônicos nunca gostaram de mim.
Meu pedaço de espuma, aqui no chão mesmo
e todas essas coisas jogadas, me dão um leve conforto.
Meu amplificador chiado, não disse?
E tudo me dando uma sensação caótica de liberdade.
Esse litro de Smirnoff foi a melhor aquisição que fiz em minha vida!
Vamos! Digam: Ele está bêbado!
Que minha consciência alterada finalmente alcança
um segundo de verdade.
Tenho o quadro de Van Gogh pregado na parede.
Tenho o meu quarto pregado na minha frente.
Frida Kahlo pregada em minha pele.
Uma música se pregando nas coisas.
E quem diria! Dalí tinha razão:
aquele relógio na parede está se derretendo.
Tudo se derretendo em minha volta, tudo aí, parado.
Tudo está sendo, tudo é, e nada, o que não passa?
A música toca, as coisas dançam.
Tudo se manifesta e se nega ao mesmo tempo.
A arte é inútil e é o único meio
de eu adquirir a sensibilidade necessária.
Não faria a mínima diferença se eu escrevesse isso
com tinta ou com sangue.
Estou com fome. E é aqui que começa