resumos de direito da união europeia i

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  • 8/10/2019 Resumos de Direito da Unio Europeia I

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    Direito Comunitrio I

    Professor Doutor Jonatas Machado Pgina 1

    Captulo I: Histria da integrao europeia

    1.

    O contexto histrico-cultural

    Os fundamentos da Europa apresentam uma matriz predominantemente greco-romana e judaico-crist, a partir dos quais temsido procurada a unidade cultural europeia: durante a Cristandade Medieval, a Igreja Catlica assimilou as categorias da filosofia

    grega e acolheu o imaginrio institucional e jurdico do Imprio Romano. Este Imprio perdurou na Europa Ocidental e na siaMenor. Mas a Europa rev-se igualmente no Sacro Imprio Romano-Germnico, nos Descobrimentos, no Renascimento, naReforma Protestante, na emergncia dos Estados modernos, subsequente Paz de Vesteflia, e na secularizao da soberaniapoltica e do direito, incluindo o direito internacional.Igualmente relevante, no percurso histrico e cultural da Europa, foi o desenvolvimento dos ideais de tolerncia religiosa,liberdade conscincia, democracia e Estado de direito que estiveram na base da emergncia revolucionria doconstitucionalismo liberal moderno. Igualmente marcante foi a emergncia da questo social e o desenvolvimento dos ideaissocialistas e comunistas.O desenvolvimento histrico comum da Europa foi marcado por muitos e sangrentos conflitos, que culminaram nos maisviolentos confrontos que a humanidade j conheceu: as guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45.

    2. A criao das comunidades europeias

    No fim da II Guerra Mundial, o problema da reconstruo, estabilizao e defesa da Europa colocou-se com especial acuidade.Alis, a tentativa de criar um quadro poltico, econmico, social e cultural para a Europa preponderou a partir da ocorrnciadeste conflito.Os EUA deram um grande contributo na vitria das foras nazis e envolveram-se, depois, na reconstruo da Europa(estabilizao poltica da Repblica Federal da Alemanha, garantia da defesa militar face ao bloco comunista, Plano Marshall dereconstruo econmica, etc.). Para o efeito, ficou claro que era necessria a paz entre a Alemanha e a Frana, o que viria a serconfirmado num discurso de Churchill em 1946, o qual acabou por reconduzir ao surgimento do Conselho da Europa, em 1949,uma organizao internacional de vocao paneuropeia, embora tenha sido tambm uma influncia decisiva na construo dascomunidades europeias.De resto, no ps-guerra assiste-se a uma proliferao de organizaes de base regional europeia: Organizao para a cooperao econmica europeia (OCEE) em 1948; Organizao do tratado do atlntico norte (NATO) em 1949;

    Unio da Europa ocidental (UEO) em 1960; Organizao para a cooperao e desenvolvimento econmico (OCDE) em 1960; Organizao para a segurana e cooperao europeia (OSCE) em 1995.

    2.1.Os tratados fundadores

    Os tratados fundadores das comunidades constituem instrumentos convencionais multilaterais de direito internacional, doponto de vista, tanto da respectiva validade, como do procedimento de negociao, ajuste, aprovao e ratificao. A suavalidade jurdico-internacional incontroversa, na medida em que exprimem de forma regular o consentimento das partes eno atenta contra nenhuma norma imperativa de direito internacional ( ius cogens). Revestem ainda a especificidade de teremcriado um ordenamento jurdico autnomo. Existindo lacunas, so preenchidas pelos princpios gerais de direito e no pelosprincpios gerais de direito internacional ou pelo direito consuetudinrio. No entanto, nas matrias no reguladas pelos

    tratados, as relaes entre os Estados continuam a reger-se pelo direito internacional. Nas matrias reguladas pelo direitocomunitrio a jurisprudncia favorece e apoia a teoria segundo a qual a aplicao do direito internacional inadmissvel teoriade excluso total.

    2.1.1.

    O Tratado de ParisO Projecto europeu assentou em dois tratados fundadores: o primeiro o Tratado de Roma, de 18 de Abril de 1951, em vigordesde 1952, atravs do qual se instituiu a Comunidade Europeia do Carvo e do Ao (CECA). Contratantes: Frana, a R.F.A., aItlia, a Blgica, a Holanda e o Luxemburgo. Pressupunha uma Alta Autoridade. Teve como objectivo a estabilizao da Europano ps-guerra, pois a colocao destas duas matrias-primas, indispensveis num conflito militar, sob o controlo de umaautoridade independente tornaria a guerra mais difcil e contribuiria para um desenvolvimento econmico mais harmonioso.Caducou em 20 de Julho de 2002. A partir dessa data, a regulamentao do carvo e do ao reconduz-se ao sistema mais amplodo Tratado de Roma.

    2.1.2.

    O Tratado de Roma

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    O Tratado de Roma, de 25 de Maro de 1957, instituiu a Comunidade Econmica Europeia (CEE): previa-se a um processo deintegrao por fases, comeando na criao de uma unio aduaneira e progredindo para o estabelecimento de um mercadonico, assente na livre circulao de mercadorias, pessoas, servios e capitais e no direito de estabelecimento. Seguiu-se umafase ulterior de unio econmica e monetria, onde se pretendia o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividadeseconmicas na comunidade.O mesmo tratado procedeu criao da Comunidade Europeia da Energia Atmica (CEEA), no pressuposto da generalizao da

    energia nuclear como base do desenvolvimento econmico.Numa Conveno anexa ao Tratado de Roma estabeleceu-se o Tribunal de Justia (TJCE) e o Parlamento Europeu (PE), comorgos comuns s trs comunidades, e o Comit Econmico e Social, como rgo comum da CEE e da CEEA. Em 1965 procedeu-se fuso (tratado de fuso) de executivos, atravs de um conselho e uma Comisso comuns, e criou-se um estatuto nico paraos funcionrios e agentes da Comunidade.Os tratados CEE e CEEA foram celebrados com uma durao ilimitada, sem previso da retirada dos Estados. Relativamente reviso dos Tratados, estabeleceu-se que a mesma podia ocorrer, sob parecer favorvel do Conselho e aps consulta aoParlamento, atravs de uma Conferncia Inter-Governamental e subsequente ratificao pelos Estados, num processo tpico dedireito internacional dos tratados.

    2.1.3.

    Reformas posterioresA evoluo posterior assenta, basicamente, em dois aspectos fundamentais: aperfeioamento institucional e alargamento.

    Mas o aprofundamento da integrao europeia passou pela adopo de outros instrumentos internacionais.

    2.1.4.

    Acto nico EuropeuO primeiro foi o Acto nico Europeu (AUE) 1986-1987: estabeleceu um fundamento convencional autnomo para acooperao poltica europeia. Com este instrumento previa-se um sistema de consultas mtuas e a formao de linhas polticas

    de referencia para todos os Estados-membros, admitindo-se ainda a possibilidade de extenso deste sistema a uma poltica desegurana comum; criou-se um Tribunal de Primeira Instncia para aliviar o sobrecarregado Tribunal de Justia.

    2.1.5.

    O Tratado de MasstrichtO Tratado de Masstricht sobre a Unio Europeia (TUE - 1992) veio operar a reviso dos tratados. Para alm do seu objectivo decriao de um mercado nico, ele representa uma viragem decisiva no processo de construo europeia; veio alargar acooperao entre os Estados-membros para alm do sistema das comunidades europeias, reconduzindo tudo isso ao conceitomais amplo de EU.

    2.1.5.1. Moeda nicaO projecto da CEE apontava par a criao de uma Unio Econmica e Monetria e de uma moeda nica. Este projecto viria arealizar-se em vrias fases:

    - A primeira fase, em 1990, garantiu a livre circulao de capitais;- A segunda fase passou pela convergncia das polticas econmicas dos Estados-membros;- A terceira fase, em 1999, envolveu a criao de uma moeda nica atravs de um sistema de gesto monetria centralizada,criando-se assim o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), composto pelo Banco Central Europeu e pelos Bancos Centraisnacionais;- A quarta fase, em 2000, com a entrada em circulao do Euro.Entre ns a adeso moeda nica teve como consequncia a necessidade de alterar a CRP de modo a adaptar o sistemafinanceiro ao Sistema Europeu de Bancos Centrais, os quais ficaram encarregados pela emisso da moeda novo art. 102.

    2.1.5.2.

    Cidadania europeiaNo contexto da criao do Tratado da EU, assume relevo especial o conceito de cidadania europeia (art. 17 CE): assenta nodireito de livre circulao e residncia, no direito de sufrgio activo e passivo nas eleies municipais e para o PE, no direito

    proteco diplomtica fora da EU por qualquer Estado membro e no direito de petio e de queixa perante os rgos da EU (PEe Provedor de Justia)estas peties e queixas podem ser apresentadas individualmente ou colectivamente, por residente ou

    Activao de um sistema financeiro com base emrecursos prprios (1970), estabelecimento dosistema de cooperao poltica (1970), a instituiodo Tribunal de Contas (1977), consagrao dosufrgio universal directo para o ParlamentoEuropeu (1979).

    A comunidade europeia cresceu muito para alm dosEstados fundadores da CEE: adeso da Dinamarca,Irlanda e Reino Unido (1972); Grcia (1981); Espanhae Portugal (1986); ustria, Finlndia e Sucia (1997).

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    pessoa sediada estatutariamente num Estado-membro. A cidadania europeia fundamenta um estatuto de igualdade jurdica,assente no princpio da proibio de discriminao em razo da nacionalidade, sem prejuzo da existncia de excepes.

    2.1.5.3.

    Consolidao do acervo comunitrioO tratado da EU veio consolidar o acervo comunitrio adquirido, mediante o alargamento de competncias da Unio Europeia,nos domnios da educao, da formao profissional, da cultura, da sade pblica, da proteco dos consumidores, das redes

    transeuropeias e da poltica industrial.

    2.1.5.4.

    Aprofundamento dos trs pilaresO tratado da EU procurou dar mais um passo no sentido da unio poltica. O objectivo final consistiu em erguer a UE sobre trspilares: o primeiro, relativo s comunidades, servio pela unificao parcial no plano institucional, pela elevao do Tribunal deContas a rgo principal e comum e pelo alargamento do controlo jurisdicional (foi acolhida a nova designao de CEE quepassou a CE); o segundo dizia respeito chamada Poltica Externa e de Segurana Comum (PESC), integrando o Comit Poltico eo Senhor PESC; o terceiro, de cooperao em matria de cooperao policial e judiciria em matria penal assentava noComit K4 e tem como domnios de cooperao:

    1)

    Poltica de asilo;2)

    O controlo das fronteiras exteriores;3)

    A poltica de imigrao;

    4)

    A luta contra a toxicodependncia;5)

    A luta contra a fraude;6)

    A cooperao judiciria em matria civil e penal;7)

    A cooperao aduaneira;8) A cooperao policial.

    O Acordo de Schengen (1985) assumiu um grande relevo neste sentido pois, embora se trate de um acordo extra-comunitrio, omesmo tem por base a formulao de uma poltica nica de atribuio de vistos, o combate imigrao clandestina, a criaode um ficheiro informtico Schengen, a coordenao da concesso de asilo e a cooperao aduaneira, policial e judiciria. Estetratado acabou por ser incorporado no quadro da EU atravs de um protocolo anexo ao Tratado de Amesterdo.Existia um quadro institucional nico para os trs pilares, com algumas notas especficas quanto ao segundo e ao terceiro: oConselho Europeu definia orientaes gerais e posies comuns por unanimidade ou maioria qualificada, competia aindaproceder definio de posies comuns nos domnios da cooperao intergovernamental; o Comit de Representantes

    Permanentes tambm intervinha nos trs pilares; o PE participava no segundo e terceiro pilares atravs de informaes,consultas e recomendaes.Porm, com os ulteriores aprofundamentos da UE, a separao entre os trs pilares esbateu-se substancialmente, tendo osrgos comunitrios vindo assumir um peso decisivo no processo de deciso respeitante ao segundo e terceiro pilares.

    2.1.6. Tratado de AmesterdoO ratado de Amesterdo (TA) foi aprovado em 1997 e entrou em vigor em 1999, tendo vindo a alterar o Tratado da EU e ostratados das trs comunidades. Com o TA pretendeu-se assegurar a manuteno e o desenvolvimento da Unio, a suaconformao como espao de liberdade, de segurana e justia e o reforo de alguns princpios estruturantes (direitosfundamentais, princpio da igualdade, princpio democrtico, princpio do estado de direito e o princpio do respeito pelasidentidades nacionais. Alis violaes graves e persistentes destes princpios poderiam resultar, se assim fosse decidido peloConselho Europeu por unanimidade, em suspenses do direito de voto de um Estado.

    Inovaes: comunitarizao de algumas matrias do terceiro pilar (vistos, asilo e imigrao, passaram do terceiro para oprimeiro pilar pela sua introduo no TCE); incorporao do adquirido de Schengen no quadro da EU. Ainda assim, aosparticulares no foi reconhecido o direito de impugnar directamente normas respeitantes ao terceiro pilar, podendo, quandomuito, valer-se do mecanismo do reenvio prejudicial. O TA veio introduzir tambm alteraes importantes na estruturainstitucional, como por exemplo, o alargamento e a reestruturao do procedimento de deciso conjunta, o alargamento dasdecises do Conselho por maioria qualificada e a inexistncia de fixao definitiva dos membros da Comisso.A edificao da EU e da CE tem dado mostras de uma grande flexibilidade, com a coexistncia no quadro comunitrio geral deformas e graus diferenciados de integrao, como sejam a EU de patentes, o regime de Schengen e a Zona Euro.

    2.1.7.

    O Tratado de NiceMais recentemente aprovado foi o Tratado de Nice (TN) por uma Conferncia Inter-governamental inaugurada em 15 deFevereiro de 2000, na presidncia portuguesa do conselho, e encerrada em 7 de Dezembro de 200 em Nice, na presidncia

    francesa. O mesmo altera o tratado da EU, os tratados que instituem as comunidades e alguns actos relativos a esses Tratados. Asua entrada em vigor deu-se em 1 de Fevereiro de 2003

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    2.1.7.1.

    Objectivos fundamentaisOs principais objectivos: preparao da EU para novas adeses (alargamento) e a reforma institucional. Igualmente importantefoi a disciplina da cooperao reforadaentre os vrios estados da UE: esta forma de cooperao no pode recair sobre reas decompetncia exclusiva da Comunidade, embora possa incidir sobre o primeiro e terceiro pilares e sobre o segundo pilar por viado art. 23 EU; ela no pode discriminar cidados europeus nem restringir o comrcio intra-comunitrio; dever alm disto seraberta a todos os estados.

    2.1.7.2.

    Alargamento e reforma institucionalEm 2004 viria a consumar-se o alargamento da EU s repblicas Checa e Eslovaca, Estnia, Letnia, Litunia, Hungria, Polnia,Eslovnia, Chipre e Malta. A Bulgria e a Romnia s aderem em 2007. A perspectiva deste alargamento esteve na base dealgumas das mais importantes reformas institucionais introduzidas pelo TN, apelidadas por alguns de mini -reformainstitucional, que manifestam um reforo do peso dos Estados com maior densidade geogrfica. Alteraes significativas: limitao do nmero de comissrios; foi reforada a colegialidade da Comisso; reponderao dosvotos no Conselho; alargamento das matrias objecto de maioria qualificada; reforo do procedimento de co-deciso entre o PEe o Conselho; igualmente modificada a composio do PE, do Tribunal de Contas, do Comit de Regies e do ConselhoEconmico e Social; jurisdio europeia.O TN deixou, no entanto, algumas respostas em branco: eventual criao do Ministrio Pblico europeu (magistraturaautnoma); disciplina jurdica dos partidos polticos europeus; reorganizao e simplificao dos Tratados; aprovao de uma

    Carta de Direitos Fundamentais dotada de valor jurdico-vinculativo.

    2.2.

    A constitucionalizao da integrao europeia

    medida que se sucediam os tratados no processo de integrao europeia, foram aumentando as reas de actuao da EU eeste facto fez com que o direito comunitrio aumentasse as suas reas de tenso com o direito constitucional.O fundamento do direito comunitrio reside no direito internacional, na medida em que as instituies que criam, aplicam eadjudicam aquele direito tm o seu fundamento numa sucesso de tratados internacionais. Destes depende pois a validade detodo o direito comunitrio criado e aplicado pelas instituies. Todavia, alguma doutrina tem vindo a sustentar a verificao deuma transformao na natureza do fundamento ltimo do direito comunitrio no sentido da sua constitucionalizao.Estes desenvolvimentos figuram-se controvertidos do ponto de vista histrico-institucional e jurdico-poltico, j que, de acordocom um uso corrente no direito pblico da generalidade dos Estados europeus, o termo constituio surge em regra ligado

    expresso ltima da soberania de uma comunidade poltica independente. Enquanto uns sustentam que a UE, por exercerprerrogativas de soberania, tem forosamente de ter uma Constituio, outros duvidam que a dita constitucionalizao dostratados constitutivos tenha atingido um estado de plenitude constituinte que implique a alterao do locus da soberania ecriao de uma nova Grundnorm.Um dos domnios em que esta questo se faz sentir prende-se com a problemtica da reviso dos tratados, sendo que ajurisprudncia comunitria tem dado uma resposta negativa questo colocada acerca de poderes de reviso dos tratados porEstados-membros atravs de declaraes, acordos com estados terceiros, devendo seguir-se as normas neles previstas para asua reviso. Em todo caso, isto no significa que a soberania internacional dos Estados-membros foi desactivada,transformando-os em Estados federados. A verdade que o avano do direito da UE tem aumentado as preocupaes demuitos estados-membros com a sua identidade nacional.

    2.2.1.

    Projecto do Tratado Constitucional Europeu

    Em 2001, os Chefes de Estado e de Governo da UE decidiram convocar uma Conveno Sobre o Futuro da Europa, cujostrabalhos preparatrios decorreram entre 2002 e 2003. Foi ento que ganhou consistncia o objectivo de criar uma Constituiopara a UE, capaz de reforar a respectiva legitimidade, unidade de aco e credibilidade internacional. O Projecto de TratadoConstitucional europeu foi assinado em Roma em 2004.Apesar de ser um tratado internacional, o mesmo dotou-se de uma relevncia constitucional ostensiva, j que a expressoconstituio era claramente assumida, juntamente com o objectivo de criar um instrumento dotado de auto-primazianormativa. Igualmente relevante neste contexto era a expressa adopo da Carta de Direitos Fundamentais da UE. Alm disso,os regulamentos passaram a ser designados por leis e as directivas por lei-quadro. Na estrutura institucional destacava-se aexistncia de um Presidente do Conselho Europeu e de um Ministrio dos Negcios Estrangeiros. Paralelamente, procurava-sereforar o princpio democrtico no seio da UE, nas suas dimenses parlamentar, directa e participativa. O PTCE estabeleceuainda que a UE seria sucessora da CE e da CEEA, ao mesmo tempo que abolia a estrutura dos trs pilares, alicerando-a numnico pilar.O PTCE foi abandonado depois do duplo no em 2005, nos referendos na Frana e na Holanda. Todavia, ficaram as dvidassobre os motivos dessas decises. O certo que o mesmo nunca viria a entrar em vigor.

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    Estes acontecimentos motivaram um perodo de reflexo, a que se seguiu uma tentativa de recuperar o Tratado a tempo daseleies para o PE de 2009, atravs de uma nova conferncia inter-governamental, com a responsabilidade de reformular otratado.

    2.2.2.

    Tratado de Lisboa

    Foi assinado em 13 de Outubro de 2007 e entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009. Este tratado remete para o PTCE, tantona sua gnese como no seu contedo.Quanto ao seu contedo, o TL funciona como uma soluo de compromisso: por um lado, ele mantm algumas dascaractersticas do PCTE, assinalando-se uma clara continuidade entre um e outro; por outro lado, ele introduz algumasalteraes no equilbrio institucional que aquele propunha.Ele procedeu a alteraes no TUE e no TCE, passando este ltimo a designar-se por Tratado sobre o Funcionamento da UnioEuropeia (TFUE). O TL mitiga substancialmente as pretenses constitucionais, assinalando um regresso ao mtodo de integraogradualista tradicional, todavia, no claro que essas pretenses sejam postas completamente de parte. A Carta dos DF,embora no constando formalmente no TL, expressamente elevada mesma dignidade normativa do TUE e do TFUE, isto semprejuzo da existncia de normas protocolares que restringem substancialmente a sua vigncia relativamente Polnia e aoReino Unido.Do ponto de vista institucional, acolheu-se a figura do Presidente do Conselho Europeu, mas substitui-se o Ministro dos

    Negcios Estrangeiros por um Alto Representante, que tambm Vice-Presidente da Comisso. Manteve-se a abolio dos trspilares, procedeu-se a um alargamento das competncias da UE e manteve-se o esforo da democracia parlamentar, directa erepresentativa, proposto pelo PTCE. Tambm o PE viu reforadas as suas competncias legislativas, oramentais e de controlo.O objectivo da livre concorrncia apresentado de forma mais mitigada e menos genrica, procurando apaziguar os receios deexcessos de liberalizao econmica da Europa. s autoridades estaduais deixada uma maior margem de discricionaridade naprestao, execuo e organizao de servios no econmicos de interesse geral. O TL inclui, no processo de reviso, arealizao de uma conveno, semelhana do que sucedia com o PTCE, por estes motivos, alguns continuam a ver no TL umaconstituio disfarada.

    Captulo III: Organizao da Unio Europeia

    1. Relevo substantivo da estrutura institucional

    O estudo da estrutura institucional da UE reveste-se do maior relevo substantivo, porque os princpios polticos e constitucionaisfundamentais so sempre indissociveis dos respectivos corolrios institucionais.A estrutura institucional da UE afecta o modo como o direito europeu deve ser encarado: como expresso de um equilbrioinstitucional, como dilogo permanente entre os rgos polticos e jurisdicionais europeus, como concepo de natureza eexerccio de soberania estadual.A UE apresenta uma estrutura institucional autnoma que no tem como nico objectivo um maior aumento da eficcia doprocesso de deciso, mas tem tambm preocupaes de natureza constitucional, relacionadas com o exerccio conjunto desoberania estadual, a expresso da vontade poltica democrtica europeia e da solidariedade entre os povos e Estadoseuropeus.

    2.

    Modelos de integrao

    A anlise do direito da UE remete para a considerao de dois modelos bsicos de integrao e por referncia a estes doismodelos que deve ser equacionada a relao entre a UE e os Estados-membros.

    2.1.Funcionalismo e cooperao intergovernamental

    O primeiro modelo assenta na compreenso do direito comunitrio a partir de um sistema de funcionalismo/cooperaointergovernamental, atravs da criao de uma OI.Este caracteriza-se pela primazia dada aos factores tcnicos e econmicos e cooperao intergovernamental de tipofuncional/sectorial.Para os defensores do status quodos Estados-Nao este seria o modelo de integrao mais adequado para as comunidadeseuropeias. At a doutrina indica que esta perspectiva funcionalista de integrao econmica atravs do mercado tem tido avirtualidade de aprofundar a cooperao poltica e a construo jurdica em reas que extravasam largamente o domnioeconmico. Apesar disso, o mesmo depara com algumas dificuldades de relevo:

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    - Em primeiro lugar, uma integrao tcnico-econmica em larga escala exige, mais cedo ou mais tarde, uma maior integraoinstitucional, poltica e jurdica;- Em segundo lugar, diante das enormes disparidades entre as possibilidades tcnico-econmicas de cooperao dos vriosEstados-membros, cedo se sente a necessidade de introduzir medidas correctivas de tipo federal;- Em ltimo lugar, a regulao do comrcio entre Estados-membros favorecer sempre a expanso dos poderes da UE.

    2.2.

    Supranacionalismo e federalismo

    Este modelo aponta para uma integrao de natureza supranacional com vocao federal. Este caracteriza-se pela primazia dopoltico sobre o econmico, pela imitao de modelos existentes (EUA, RFA), pelo exerccio em comum de prerrogativas desoberania estadual, pelo reforo dos poderes das instituies supranacionais, pelo exerccio do poder constituinte e para aconsequente supranacionalizao da competncia das competncias e da legitimidade poltica democrtica.Este modelo tem deparado com uma forte resistncia dos chamados Estados-Nao, alegando-se a inexistncia de um povoeuropeu que possa chamar a si a titularidade do poder constituinte. No obstante, este modelo de integrao conheceu um novo alento com a entrada em circulao do euro e com a convocaode uma Conveno Constitucional para a reforma poltica institucional da Europa.Apesar disso, parece prematuro pensar na UE como sendo uma estrutura federal dotada de soberania interna e externa:- Em primeiro lugar, os estados permanecem os senhores dos Tratados e os titulares ltimos das prerrogativas de soberania

    que transferiram para as comunidades;- Em segundo lugar, embora se afirme a primazia do direito comunitrio sobre o direito nacional, ela o resultado de umaconcesso constitucional dos Estados-membros, no exprimindo ainda a primazia absoluta de um poder federal sobre ospoderes federados, como sucede nos EUA ou RFA.No obstante, j evidente a presena de elementos tpicos de uma estrutura federal:

    1)

    A unio de entidades polticas autnomas;2)

    A enumerao dos poderes normativos da UE e o carcter residual das competncias nacionais;3)

    A aplicabilidade directa das normas comunitrias dentro dos limites territoriais da UE;4) A existncia dos poderes legislativo, executivo e judicial a nvel da UE;5)

    A supremacia dos actos da UE, na sua esfera de competncia, sobre todos os actos nacionais de sentido contrrio.

    3.

    Repartio de competncias

    Um dos problemas fundamentais que se colocam numa estrutura de tipo federal, ou supranacional, prende-se com a repartiode competncias entre os estados e essa estrutura, por um lado, e a repartio de competncias entre os vrios rgos dessaestrutura.No primeiro caso, deparamo-nos com um exemplo claro de constitucionalismo multi-nvel, em que est em causa atransferncia de competncias nacionais para a UE, atravs da criao de um direito constitucional europeu, derivado dosdireitos constitucionais nacionais. Esta caracterstica distingue a UE de qualquer outra OI. neste ambiente constitucional que devem ser identificados e interpretados os princpios que regem o exerccio dasprerrogativas de soberania pelos Estados e pela UE. Os Tratados, ao mesmo tempo que identificam os valores e os princpiosque servem de base UE, definem as respectivas atribuies e competncias.

    3.1.

    Atribuies e competncias dos Estados e da UE

    A UE prossegue os objectivos que lhe foram definidos pelos Tratados, pelos meios adequados. Importa clarificar as suasatribuies e competncias. Em primeiro lugar, deve considerar-se os critrios que presidem repartio das competnciasentre os Estados-membros e a UE. A delimitao das competncias da UE est sujeita ao princpio da atribuio. O exerccio dascompetncias da UE est sujeito aos princpios da subsidiariedade e da proporcionalidade (art. 5 TUE).

    3.1.1. Princpios de repartio de competncias

    3.1.1.1.

    Princpio das atribuies limitadas

    As competncias da UE esto sujeitas ao princpio das atribuies limitadas. Este princpio, tambm designado princpio daespecialidade das competncias, ou princpio da atribuio, obriga a que s sejam consideradas competncias da UE as que

    resultam da especificao da transferncia de poderes soberanosart. 5/1 TUE.As competncias que no sejam expressamente atribudas UE pelos Tratados permanecem na titularidade dos Estados-membros (art. 4/1 e 5/2 TUE). Isto significa que, em princpio, a UE exerce apenas as competncias que lhe forem atribudas

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    pelos tratados institutivos, actuando dentro dos respectivos limites, no podendo criar novas competncias ou extravasar oslimites das que lhe esto atribudas.A violao deste princpio pode vir a desencadear um controlo ultra vires dos actos comunitrios pelas jurisdiesconstitucionais especialmente ciosas dessas prerrogativas.

    3.1.1.2. Princpios da subsidiariedade

    O princpio da subsidiariedade tem um grande relevo para a compreenso da transferncia das competncias dos Estados-membros para a UEart. 5/1 TUE.O seu domnio de aplicao diz respeito s matrias de competncia concorrente, no se aplicando, portanto, em matria decompetncia exclusiva da UE ou dos Estados. Alm disso, o seu alcance deve ser determinado com o apoio complementar doprincpio da proporcionalidade.A razo de ser deste princpio tem que ver com a preservao das prerrogativas de soberania dos Estados, bem como com ocombate ao centralismo e a preservao das identidades regionais e locais. Este princpio vincula todas as instituies da UE,incluindo as instituies jurisdicionais.O princpio da subsidiariedade, concretizado no art. 5/3 TUE, estabelece dois pressupostos cumulativos para justificar ainterveno da UE:- O primeiro, consiste na falta de eficincia da actuao dos Estados-membros, ao nvel centrar, regional ou local;

    - O segundo, requer o valor acrescentado da actuao da UE, tendo em conta a dimenso ou os efeitos da aco considerada.

    3.1.1.3.

    Princpio da proporcionalidade

    Na delimitao da transferncia de competncias dos Estados-membros para a UE vigora tambm o princpio daproporcionalidade (art. 5 TUE). Este indissocivel do princpio da subsidiariedade, vinculando tambm todas as instituies daUE. Este princpio assenta numa anlise da relao entre fins e meios, exigindo a legitimidade dos fins e a adequao,necessidade e proporcionalidade em sentido estrito dos meios relativamente aos fins.Os fins so dados pelo direito europeu originrio e, sendo a transferncia de poderes para a UE um meio para atingir asfinalidades substantivas dos tratados, o princpio da proporcionalidade impe a limitao material e formal das medidas da UEao estritamente necessrio prossecuo de objectivos dos tratados (art. 5/4 TUE).O requisito da adequao manifesta-se na exigncia de eficcia da aco da UE na realizao do efeito pretendido. Por sua vez, o

    requisito da necessidade requer que a adopo da medida adequada seja menos onerosa, quer em termos financeiros, quer doponto de vista da ingerncia na soberania dos Estados e, por isso, o princpio da proporcionalidade aponta para a adopo damedida europeia menos detalhada possvel, de forma a permitir uma margem de manobra to grande quanto possvel aosEstados.Uma correcta aplicao do princpio da subsidiariedade e da proporcionalidade requer a promoo de amplas consultas epublicao de textos a elas relativos antes da apresentao de propostas com iniciativas comunitrias, acompanhada dapublicitao dos respectivos textos.

    3.1.1.4.

    Poderes implcitos

    Sem prejuzo do princpio da atribuio limitada de competncias comunitrias, no est excluda a considerao de poderesimplcitos (implied powers). Trata-se de uma figura que tem sido usada no direito constitucional como mecanismo de

    flexibilizao e adaptao dos poderes poltico e legislativo, permitindo a adaptao e sobrevivncia de uma dada comunidadepoltica em contextos de alterao do ambiente poltico, econmico, social e cultural, evitando que a mesma fique paralisadapela rigidez das formas constitucionais.Desta forma, permite-se a actuao em domnios da actividade prximos das atribuies da UE, mas que no estoexpressamente previstos nas normas de competncias, quando isso se mostre necessrio prossecuo de objectivosfuncionais. Estes poderes emergiram da clusula da flexibilidadeart. 352 TFUE.Apesar de tudo, a admisso destes poderes implcitos no isenta de controvrsia. Em todo o caso, justifica-se plenamente oacolhimento de uma medida razovel de competncias implcitas (competncias no escritas mas logicamente necessrias aoexerccio das competncias por atribuio). A doutrina d como exemplo a assuno de competncias externas em matrias emque UE foram atribudas competncias internas. Tambm o TFUE manifestou-se aberto teoria dos poderes implcitos.Alguns autores procuram ir mais alm defendendo a adopo dos chamados poderes inerentes ( inherent powers), deduzidos dasnecessidades concretas da organizao e baseados na premissa de que as aces que no so expressamente precludidas pelos

    tratados so admitidas quando inerentes a uma organizao supranacional. Este ltimo entendimento , todavia, bastanteduvidoso, pois a UE no dispe de um direito de autodeterminao funcional e competencial. Mas a realidade que o facto deos objectivos e os poderes a ela confiados serem, por vezes, vagos e indeterminados, nem sempre permite uma distino clara

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    entre poderes inerentes e poderes implicitamente atribudos. Ora, a inexistncia dos primeiros acaba por levar expanso dospoderes implcitos.

    3.1.1.5.

    Cooperao leal

    O princpio da cooperao leal, ou da lealdade europeia, assume uma especial funo ao permitir a interaco adequada nas

    relaes entre os Estados-membros e a UE (art. 4 TUE). Ele aplica-se, alm disso, na relao que as instituies europeiasestabelecem umas com as outras (art. 13/2 TUE). Este princpio tem como referncias axiolgicas o princpio da boa f, quedeve caracterizar as relaes entre os Estados no mbito do direito internacional, e o princpio da lealdade federal.No direito da UE, ele pretende facilitar a interaco que se estabelece entre Estados soberanos numa estrutura com algumascaractersticas do tipo federal, implicando deveres recprocos de respeito, assistncia e cooperao. Tem como base o respeitopela identidade nacional e o princpio da igualdade e reciprocidade entre os Estados. Este princpio traduz-se no dever de a UEapoiar todos os Estados no cumprimento das misses decorrentes dos Tratados, bem como no dever estadual de cumprir essasmisses, tomando todas as medidas gerais ou especficas adequadas.

    3.1.1.6.

    Cooperao diferenciada

    O ideal da UE a prossecuo dos respectivos objectivos pela Unio no seu conjunto, num acervo de igualdade de direitos e

    deveres dos Estados-membros que os candidatos adeso tambm devem aceitar. Todavia, na prtica nem todos os Estadostm condies polticas, econmicas ou sociais para estarem igualmente envolvidos no processo de integrao europeia e, porisso, evidente que se torna necessrio introduzir mecanismos de maior flexibilidade. Da que, entre os princpios que regem aatribuio de competncias dos Estados para a UE, encontremos o princpio da cooperao diferenciada.Por via deste princpio, de aplicao residual, a integrao europeia conhece alguma flexibilidade, permitindo solues jurdicasdiferenciadas: nuns casos isso traduz-se na procura de nveis mais elevados e profundos de cooperao, de acordo com umapostura mais activa (opting in); noutros, admitem-se derrogaes aplicao das normas da UE, de acordo com uma posturamais passiva (opting out).

    3.1.1.6.1.

    Cooperaes reforadas

    As cooperaes reforadas (art. 20 TUE) so faculdades concedidas aos Estados-membros de procederem um aprofundamento

    da cooperao dentro do quadro normativo e institucional dos Tratados; permite, desta forma, a evoluo gradual da estruturainstitucional e funcional da UE. Para a respectiva activao tero que ser respeitados os limites materiais, positivos e negativos,formais e procedimentais impostos pelos art. 20 TUE e 326 e 334 TFUE.

    a)

    mbito material

    Limites negativos: dever de respeitar os tratados, de no prejudicar o mercado interno, de no pr em causa a coesoeconmica e social e de respeitar os direitos e obrigaes dos Estados-membros no participantes, no dificultando o seuexerccio.

    Limites positivos: devem limitar-se s reas de competncias no exclusivas da UE, devendo estar ao servio dos objectivos einteresses da integrao.

    Expressamente admitidas so as cooperaes reforadas no domnio da poltica externa e de segurana comum (art. 329/2TFUE) e, dentro deste domnio, admite-se a criao de um novo tipo de cooperao reforada, designada por cooperaoestruturada permanente (art. 42/6 TUE) e abrange os Estados-membros com capacidades militares elevadas que tenhamassumido compromissos mais fortes para a realizao de misses mais exigentes.Mesmo com estes limites, as cooperaes reforadas pretendem ser uma soluo ultima ratio, a adoptar apenas quando detodo no seja possvel a prossecuo dos objectivos pela Unio globalmente considerada, dentro de um prazo razovel.

    b)

    Procedimento de autorizaoDo ponto de vista procedimental est prevista uma tramitao com vrias fases:- Os Estados que a pretendem devem dirigir um pedido Comisso, especificando o mbito de aplicao e os objectivos dacooperao pretendida (no caso de uma cooperao reforada no domnio da poltica externa e segurana comum, o pedido

    dirigido ao Conselho que o transmite ao Alto Representante para que este d o seu parecerart. 329/2 TUE);- Estabelece-se uma clusula barreira, exigindo pelos menos 9 Estados-membros, com o objectivo de conseguir a participao domaior nmero possvel (art. 328/1 TFUE);

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    - A comisso decide formular ou no uma proposta de cooperao reforada, devendo apresentar aos Estados as razes da suarecusa;- Na observncia dos parmetros materiais, a deciso de autorizao tomada pelo Conselho, sob proposta da comisso e apsaprovao do PE (art. 329/1 TFUE);- Na deliberao podem participar todos os Estados-membros, embora s participem na votao os que pretendem integrar acooperao reforada (art. 20 TUE).

    c)

    Regime de cooperaes reforadasNeste regime h que salientar alguns aspectos:- O primeiro prende-se com a abertura a todos os Estados-membros: no momento de autorizao e em qualquer momentoulterior, as cooperaes reforadas tm que estar abertas a todos os Estados-membros (art. 328 TFUE)princpio da igualdadeentre os Estados; no entanto, um Estado que decida, num momento ulterior, participar na cooperao reforada deve respeitar,no apenas as respectivas condies de participao, mas tambm os actos adoptados no respectivo mbito;- O segundo aspecto diz respeito adopo e ao alcance dos actos adoptados no mbito da cooperao reforada: todos podemparticipar na deliberao, mas apenas os Estados participantes tm direito de voto (art. 20/3 TUE e art. 330/1 TFUE). Nodomnio do processo de deciso introduzem-se, ainda, algumas clusulas-ponte, inaplicveis quando estejam em causa questesmilitares ou de defesaart. 333/1 TFUE e art. 20/4 TUE.- o terceiro aspecto est relacionado com o financiamento da cooperao reforada: em princpio, este ficar unicamente a

    cargo dos estados participantes, no entanto, aps consulta do PE, o Conselho pode decidir, por unanimidade de todos os seusmembros, que as despesas da cooperao reforada sero suportadas por todos.- Finalmente, a coerncia das aces adoptadas e da cooperao reforada com as polticas da UE garantida pela comisso epelo Conselho (art. 3340 TFUE).

    d)

    Adeso a uma cooperao reforadaOs estados podem aderir a uma cooperao reforada que j esteja institudaart. 331 TFUE.No caso das cooperaes reforadas em geral, o Estado deve notificar a sua inteno Comisso, a qual vai verificar ocumprimento das condies e decidir no prazo de quatro meses a contar desde a recepo da notificao. Em caso de decisopositiva, como a participao implica a aceitao dos actos j adoptados, pode haver lugar a um regime transitrio. Em caso dedecidir negativamente, deve identificar as condies que devem ser preenchidas e determinar um prazo para a nova apreciaodo pedido. Se a Comisso entender que as condies de participao ainda no foram satisfeitas pode haver um novo pedido,

    dirigido ao Conselho (art. 331/1 TFUE).No caso de cooperaes reforadas sobre polticas externas e de segurana comum, a notificao da inteno de participao dirigida ao Conselho e ao Alto Representante. Este chamado a pronunciar-se, cabendo a deciso final ao Conselho, porunanimidade dos participantes na cooperao reforada, depois de verificado o cumprimento das condies de participao.Tambm aqui pode ser determinado um prazo para que os estados satisfaam essas condiesart. 331/2 TFUE.

    3.1.1.6.2.

    Derrogaes integrao

    Em princpio, o estatuto de membro da UE obriga a aceitao da generalidade dos direitos e obrigaes previstos nos Tratadosque integram o acervo comunitrio. Todavia, para alm das cooperaes reforadas, existe igualmente a possibilidade doenfraquecimento da cooperao nalgumas reas, atravs de clusulas derrogatrias. Estas impedem a aplicao dedeterminados direitos e deveres aos Estados criados pelo direito da UE e tm subjacente o princpio de respeito pelos interesses

    nacionais no processo de integrao. Elas facilitam o alargamento, dando a possibilidade aos estados de procederem aadaptaes polticas, jurdicas e econmicas necessrias ao pleno exerccio dos deveres e direitos inerentes ao estatuto demembro da UE.As derrogaes podem ser:

    a)

    Derrogaes temporrias: so aquelas que prevem expressamente um termo resolutivo;b)

    Derrogaes permanentes: no prevem um termo resolutivo, mas no significa que sejam eternas;c) Derrogaes voluntrias: so aquelas que podem ser solicitadas pelos estados no momento da adeso ou

    posteriormente; trata-se aqui de vlvulas de escape que permitem aos estados evitar nveis mais elevados deintegrao europeia; dada a possibilidade de os estados solicitarem o termo dessa derrogao;

    d)

    Derrogaes obrigatrias: so aquelas aplicadas objectivamente aos estados que no preencham um determinadoconjunto de requisitos; neste caso, no basta um acto subjectivo de vontade do Estado para por fim derrogao.

    3.1.1.7.

    Respeito pelas identidades nacionais

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    Outro princpio muito importante prende-se com a proteco das identidades nacionais art. 4/4 TUE. Este princpio confereaos estados um direito subjectivo de proteco em face da UE e dos demais estados. Ele aponta para uma compreensomaterial dos states rights, conformada pela proteco da identidade histrica e cultural, da identidade constitucional e da

    estadualidade interna.O respeito pelas identidades nacionais consagra uma obrigao de ponderao das identidades nacionais nos processos dedeciso poltica, legislativa, administrativa e jurisdicional da UE. Neste sentido, este princpio no pode ser visto como uma

    proibio de interferncias da UE nas identidades nacionais.Um exemplo da aplicao deste princpio diz respeito posio adoptada pelo conselho europeu sobre a relao entre a Irlandae o Tratado de Lisboa; outro exemplo pode encontrar-se na Declarao da Polnia sobre a Carta dos Direitos fundamentais daUE.

    3.1.1.8.

    Respeito pela estadualidade

    Outro princpio delimitador das competncias da UE o respeito pelas dimenses da estadualidade.A UE uma organizao supranacional constituda por estados soberanos e, por este motivo, deve proteger as funesessenciais de cada estado (integridade territorial, manuteno da ordem pblica, salvaguarda da segurana nacional, etc.) art.4/2 TUE.Problemtico saber se o respeito pela estadualidade se estende a todas as funes que os estados, unilateralmente, decidirem

    definir como essencialmente estaduais. Em todo o caso, o grau mximo de respeito pela estadualidade manifesta-se na previsoexpressa do direito dos estados se retirarem da UEart.50 TUE.

    3.1.2.

    Tipos de competncias

    Aplicando os princpios anteriormente mencionados, surgem diferentes tipos de competncias: matrias de competnciaexclusiva da UE, de competncia partilhada, de competncia paralela e de competncia exclusiva dos Estados.

    3.1.2.1. Competncia exclusiva da UESegundo esta competncia, existem matrias em que s a UE pode legislar e adoptar actos juridicamente vinculativos. Estareserva de competncias pode ser relativa, ou seja, os estados podem ser habilitados ou autorizados a intervir nestes domniospela UE, enquanto gestores do interesse comum, devendo faz-lo em articulao com os rgos da UE. Quando os estados no

    tiverem a habilitao ou autorizao para agirem nestas matrias de competncia exclusiva da UE, a sua violao origina umaaco por incumprimento, cabendo-lhes apenas a funo complementar, de natureza executiva (art. 2/1 TFUE).Nestas matrias os estados no podem tomar iniciativa atravs de acto legislativo ou regulamentar, cabendo-lhes apenasintervenes secundrias e subordinadas.Presentemente, o art. 3/1 TFUE atribui expressamente competncia exclusiva nos domnios da:

    a) Unio aduaneira;b)

    Regras de concorrncia necessrias ao mercado interno;c)

    Poltica monetria para os estados da zona euro;d)

    Conservao dos recursos biolgicos no mbito da politica comum de pescas;e) Poltica comercial comum.

    Nestes domnios os estados foram, em princpio, definitivamente desapropriados das suas competncias. A nica excepo aeste princpio pode correr no caso de radical inoperncia por parte das instncias da UE.

    3.1.2.2. Competncias partilhadasExistem, tambm, matrias de competncia concorrente, ou seja, matrias em que tanto os Estados como a UE socompetentesart.2/1 TFUE.Matrias de competncia partilhada (art.4/2 TFUE):

    a)

    Mercado interno;b) Aspectos da poltica social relativos ao TFUE;c)

    Coeso econmica, social e territorial;d)

    Agricultura e pescas;e)

    Ambiente;f) Defesa dos consumidores;g)

    Transportes:

    h)

    Redes transeuropeias;i)

    Energia;j) Espao de liberdade, segurana e justia;

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    k)

    Problemas comuns de segurana em matria de sade pblica, relacionados com TFUE.Os Estados exercem a respectiva competncia na medida em que a UE no tenha exercido a sua.Apesar de se admitir a actuao da UE e dos Estados-membros, h que ter em conta a exigncia de vinculao pelos fins dosTratados e a regra da preempo das competncias nacionais pela competncia comunitria, ou seja: o exerccio decompetncias por parte os Estados-membros no pode pr em causa as disposies e os objectivos dos tratados, devendosubordinar-se ainda aos princpios gerais do direito da UE, principalmente no que toca ao princpio da cooperao leal; medida

    que se exerce a competncia da UE, os estados-membros so gradualmente desapropriados da sua competncia, at aperderem definitivamente, passando a ter uma actuao meramente complementar e executiva, subordinada UE. Neste caso,pode chegar a surgir uma verdadeira reserva de competncias por parte da UE, necessitando de habilitao expressa os Estadosque nela queiram intervir.

    3.1.2.3.

    Competncias paralelasExistem matria em que as competncias da UE e dos Estados so paralelas, ou seja, admite-se uma actuao paritria econcertada das instituies comunitrias e nacionais, sem qualquer excluso ou preempo. Assim sucede, por exemplo, nodomnio da investigao e do desenvolvimento tecnolgico e do espao ou a cooperao e ajuda humanitria art. 4/3/4 TFUE.

    3.1.2.4.

    Competncias de coordenao e complementaoO aprofundamento do processo de integrao europeia requer um esforo de coordenao em vrios domnios, principalmente

    no que toca s polticas economias. Nestes domnios o Conselho pode definir disposies gerais, mas no tocante aos Estados dazona euro prev-se a definio de disposies especficas. Para alm daquelas, tambm podem ser definidas, pela UE, directrizese iniciativas no sentido de coordenao de polticas de emprego e sociais (art. 5 TFUE).Prev-se o desenvolvimento de iniciativas de apoio, coordenao e complementao da aco dos Estados-membros, no sentidode servirem finalidades europeias, nos domnios:

    a)

    Proteco e melhoria da sade humana;b)

    Industria;c)

    Cultura;d) Educao, formao profissional, juventude e desporto;e)

    Proteco civil;f)

    Cooperao administrativa.Uma vez adoptadas as orientaes, directrizes e iniciativas europeias, os estados devem segui-las de acordo com o princpio da

    boa f.

    3.1.2.5.

    Competncias exclusivas dos EstadosA UE uma associao de estados soberanos, reconhecendo-se assim a existncia de prerrogativas de soberania justificativas daexistncia de matrias de competncia exclusiva dos Estados. Mesmo estas, porm, podem eventualmente ser complementadaspela aco da UE, no sentido de as colocar ao servio de finalidades europeias.Estas matrias correspondem aos domnios da nacionalidade, fiscalidade directa, defesa da ordem pblica, segurana nacional.No entanto, mesmo as competncias exclusivas dos Estados membros devem ser exercidas no respeito pelo direito da UE(principalmente, quando esteja em causa a cidadania europeia, liberdade de circulao, etc.).O problema a tentativa unilateral dos estados para estabelecerem as matrias que consideram reservadas, de acordo com assuas prprias teorias e fins do estado. Neste sentido, deve salientar-se que os tratados no deixam de representar uma restrio competncia das competncias dos Estados-membros da UE.

    3.2.Atribuies e competncias dos rgos da UE

    3.2.1.

    Princpios de repartio de competncias

    Os tratados da UE cumprem uma funo de indiscutvel relevo constitucional, na medida em que so instrumentos normativosatravs dos quais se pretende esclarecer, organizar, regular e limitar o exerccio de prerrogativas de autoridade pblica. Osprincpios de repartio de competncias entre as instituies e rgos da UE so princpios de direito constitucional da UE.Entre eles destacamos o princpio da competncia orgnica limitada e o da paridade institucional.

    3.2.1.1. Competncia orgnica limitadaTambm relativamente aos rgos da UE tem cabimento o princpio da atribuio limitada de competncias, que implica uma

    competncia orgnica limitada. De acordo com este princpio, os tratados procedem especificao das competncias,procedimentos e formas dos rgos da Unioart. 13/2 TUE.

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    De acordo com o princpio da competncia orgnica limitada, deve sempre existir um fundamento orgnico, procedimental eformal para a actuao das instituies da UE. Estabelece-se, assim, o princpio da tipicidade orgnica, segundo o qual os rgoscomunitrios s podem actuar se para isso estiverem habilitados por uma norma de competncia. Alm disso, os procedimentose as formas dessa actuao tm de observar as normas que tipificam as correspondentes regras. Daqui decorrem duasimportantes implicaes:- Por um lado, estabelecido o princpio da tipicidade dos procedimentos (exemplo, quando se requer uma maioria qualificada,

    ou uma proposta da Comisso, etc.);- Por outro lado, o direito da UE consagra o princpio da tipicidade das formas (exemplo, quando se determina a adopo deuma directiva, ou de um Regulamento, etc.).A violao destes princpios tem como consequncia a ilegalidade procedimental e formal do acto.

    3.2.1.2.

    Paridade institucionalDentro dos rgos da UE deve distinguir-se entre instituies e rgos. Esta distino permite assinalar a existncia de duascategorias de rgos da UE: a primeira trata-se de um quadro institucional essencial para a promoo das finalidades dosTratados; a segunda trata-se de rgos de natureza secundria e complementar.As instituies so, basicamente, os rgos fundamentais da UE (o Parlamento Europeu, Conselho Europeu, o Conselho, aComisso e o Tribunal de Justia da Unio Europeia, o Banco Central e o Tribunal de Contas (art. 13 TUE). Nas relaes queentre estes se estabelecem vigora o princpio da paridade institucional e equilbrio institucional, com as suas dimenses de igual

    dignidade institucional e equilbrio institucional, o qual indissocivel, tambm, dos princpios da tipicidade de competncias eda cooperao leal entre os rgosart. 13/2 TUE.Isto significa que: as instituies comunitrias executam directamente os tratados, pelo que nenhuma das instituies da Uniose pode sobrepor s outras, ou interferir no exerccio das respectivas prerrogativas. Deste princpio decorre a existncia demeios processuais para a defesa jurisdicional das prerrogativas das instituies da UE relativamente a intromisses de outras.

    4. Instituies europeias

    4.1.Consideraes gerais4.1.1.

    Amplitude das responsabilidades funcionais

    As instituies europeias desempenham um papel decisivo no processo de deciso da UE e na dinamizao e promoo das suas

    finalidades. Elas exercem as suas funes autonomamente, de acordo com as atribuies e competncias que lhe so tipificadasno Tratados, e numa posio de paridade. Alm disso, as suas responsabilidades funcionais abrangem todas as reas daactividade da UE.No mbito do mercado interno, a actividade dos rgos da UE assume uma natureza preponderantemente jurdica esupranacional. J no mbito da poltica externa e de segurana e cooperao policial e judiciria, a mesma assume, em maiormedida, uma colorao poltica e intergovernamental. amplitude das responsabilidades funcionais das instituies da UE no alheio o objectivo de assegurar uma maiorlegitimidade das mesmas, bem como a vontade de, a prazo, consolidar e integrar toda a actividade da UE nos mais diversosdomnios.

    4.1.2.

    Representao e participao democrtica

    O objectivo de um governo democrtico escala europeia consiste em identificar as necessidades e os interesses dos indivduos,dos grupos, das regies e dos Estados e harmoniz-los numa ptica de promoo do bem comum, atravs de processos dedeciso representativos, deliberativos e compromissrios. Quando aquelas necessidades se traduzem em direitos fundamentais,o objectivo a concordncia prtica e a mxima efectividade, ponderando-os com os bens da UE e dos Estados.No contexto europeu, a democracia tem sido construda de vrias maneiras:

    1)

    Reforo da legitimidade democrtica do PE;2) Reforo dos poderes de deciso normativa e de controlo do PE;3)

    Ampliao e consolidao dos direitos de cidadania europeia;4)

    Reforo dos direitos de iniciativa popular dos cidados europeus;5)

    Maior participao de representantes de sectores econmicos e sociais e regies;6) Reforo do debate aberto e da participao na preparao das decises;7)

    Garantia de transparncia e prestao de contas no funcionamento de todas as intuies;

    8)

    Aumento dos poderes dos parlamentos nacionais.

    4.1.3. Separao e interdependncia de poderes

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    A estrutura institucional da UE manifesta a trilogia clssica das funes constitucionais legislativa, executiva e judicial. Noentanto, ela reflecte um entendimento sui generisdo princpio a separao de poderes, tanto do ponto de vista vertical como doponto de vista horizontal. Desde logo, assinala-se a interdependncia pessoal entre instituies comunitrias e nacionais,diferentemente do que sucede uma estrutura propriamente federal. Assim, por exemplo, no Conselho Europeu, rgo polticoda UE, tm acesso os chefes de estado e de governo dos estados-membros.

    O poder legislativo cabe conjuntamente ao Conselho, Comisso e ao Parlamento Europeu, de acordo com o processolegislativo ordinrio e o processo legislativo especialart. 293 ss. TFUE.O poder executivo exercido pelo Conselho Europeu, pelo Conselho, pela Comisso e pelos Estados-membros.O poder jurisdicional pertence ao Tribunal de Justia, incluindo o Tribunal de Primeira Instncia, e ao Tribunal de Contas.No quadro institucional da UE frequente a transferncia de competncia multi-nvel e o desdobramento funcional nas relaesentre as vrias instituies e rgos e entre estes e os Estados-membros. Mais do que a separao de poderes no sentidotradicional, encontramos uma estrutura de coordenao, colaborao e interdependncia.

    4.1.4.

    Estatuto internacional da UE

    A UE uma entidade com personalidade jurdica internacional. A mesma substitui-se e sucede antiga CE (art. 1, 3, TUE). Asua natureza jurdica tem caractersticas nicas, dada a sua compatibilidade com os diferentes graus de integrao poltica e

    jurdica existentes no seu seio. Presentemente, e desde o Tratado de Lisboa, a UE tem caractersticas institucionais e normativassupranacionais que a colocam a meio caminho entre uma OI clssica, de natureza intergovernamental, e um Estado federal.Os estados-membros garantem-lhe um estatuto de imunidades e privilgios, ao mesmo tempo que lhe reconhecem capacidadejurdica de direito privado na ordem jurdica interna.A UE dispe do poder de negociar, ajustar e celebrar convenes internacionais (ius tractum) com os estados que a reconheame com outras OIs, como de resto hoje comum generalidade de OIs. No entanto, os tratados celebrados pela UE aproximam-se mais dos tratados celebrados entre os Estados, do que os celebrados pelas OIs. Do mesmo modo, a UE dispe do direito de legao (ius legacionis) activo e passivo, podendo nomear e acreditar embaixadores.A mesma goza, igualmente, do direito de integrar OI, incorrendo em responsabilidade internacional (apesar de estaconsiderao ser difcil, j que ela no um Estado).A UE autodefine-se como servindo a rigorosa observncia do direito internacional, incluindo os princpios da Carta das NaesUnidas (art. 3/5 TUE).

    4.2.

    rgos polticos do Tratado

    A UE apresenta hoje uma estrutura institucional autnoma, elemento garantidor da coerncia poltica e da eficincia doprocesso de deciso. No planto institucional, o Tratado de Lisboa procurou criar condies para uma maior funcionalidade eeficincia e reforar a democraticidade da UE. Assim, a distino formal entre os trs pilares da Comunidade Europeia deixou deexistir, no entanto, materialmente, a mesma continua a existir, sendo fcil observar que se trata de trs domnios distintossujeitos a lgicas diferentes, embora relacionados entre si.O quadro institucional da UE constitudo pelos seguintes rgos: o Parlamento Europeu; o Conselho Europeu; o Conselho; aComisso Europeia; o Tribunal de Justia da Unio Europeia; o Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas. O mesmo visapromover os seus valores, prosseguir os seus objectivos, servir os seus interesses, os dos seus cidados e os dos EstadosMembros, bem como assegurar a coerncia, eficincia e a continuidade das polticas e das aces da UEart. 13 TUE.

    As instituies distinguem-se dos restantes rgos e agncias da UE, funcionando como uma espcie de rgos constitucionaisde soberania da UE. Cada instituio actua dentro dos limites das atribuies que lhe so conferidas pelos Tratados, de acor docom os procedimentos, condies e finalidades que estes estabeleam.

    4.2.1.

    Parlamento europeu

    O PE o rgo democrtico-representativo por excelncia dos cidados europeus art. 10/1/2 e art. 13/1 TUE. As bases doseu regime jurdico encontram-se definidas nos art. 14 TUE e 223 ss TFUE. Porm, ele apenas uma pea de uma teoriacomplexa de democracia desenvolvida tendo em conta as realidades e necessidades institucionais e funcionais da UE.

    4.2.1.1.

    HistriaInicialmente designado pelos tratados por Assembleia, o PE comeou por ser um rgo de representao meramente indirecta,integrando representantes nomeados pelso Estados-membros de entre os seus deputados nacionais, de acordo com um

    procedimento estabelecido por cada Estado. Esta forma de representao indirecta pretendia ser temporria, pois o objectivoinicial era o de evoluir para a eleio directa do PE.

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    Na gradual afirmao do PE como rgo democrtico representativo europeu deve sublinhar-se o relevo assumido pelosseguintes aspectos:

    1)

    Adopo, por iniciativa prpria, da designao de Parlamento Europeu, em 1962;2)

    Introduo do sufrgio universal directo, por um Acto do Conselho de 1976, em vigor desde 1978;3)

    Reconhecimento da existncia de partidos polticos europeus como factor de integrao (art. 10 TUE e 224 TFUE);4) Alargamento sucessivo de competncias do PE, custa dos poderes de outras instituies europeias e dos Estados-

    membros.Estes desenvolvimentos tm contribudo para uma maior autonomia institucional do PE a par da criao de uma classe polticaeuropeia.

    4.2.1.2.

    Significado jurdico-poltico4.2.1.2.1.

    Funo de representaoEsta funo corresponde a uma realidade complexa. Ela tem:

    i. Uma dimenso democrtica, na medida em que representa os povos europeus;ii.

    Uma dimenso demogrfica, na medida em que essa representao pretende ter correspondncia com a realidadedemogrfica dos estados-membros;

    iii.

    Uma dimenso poltica, na medida em que se reflectem as diferentes tendncias poltico-ideolgicas e presentesna Europa;

    iv.

    Uma dimenso cultural, exprimindo-se igualmente no multilinguismo do seu funcionamento e na expressa daidentidades nacionais.

    4.2.1.2.2.

    Funo de integraoPor um lado, ele procura constituir um frum de discusso e deliberao em torno dos diversos problemas com que a UE sedepara e que assumam uma dimenso transnacional.Por outro lado, ele procura levar a cabo essa discusso e deliberao a partir da incluso de diferentes pontos de vista dosdiferentes estados e povos, dos cidados europeus e dos diferentes grupos de interesses polticos, econmicos e ideolgicosque integram a sociedade civil europeia.

    4.2.1.3.

    EleioO PE composto pelos representantes dos cidados da UE, exercendo os poderes que lhe so atribudos pelos Tratados. Os

    mesmos so eleitos por sufrgio universal, directo, livre e secreto, por um mandato de 5 anos art. 14/3 TUE.O processo de eleio baseia-se em princpios comuns a todos os Estados-membros art. 223 TFUE. Entre ns, a eleio dosdeputados do PE feita com base num circulo eleitoral nico, tendo capacidade eleitoral os cidados portugueses recenseadosno territrio nacional, incluindo os residentes nos Estados-membros da UE que no opte por votar no Estado de residncia, e oscidados da UE no nacionais que se encontrem recenseados em Portugal, sem prejuzo das inelegibilidades eincompatibilidades previstas na lei.Ao PR compete marcar a data das eleies e as listas de candidatos so apresentadas junto ao TC.

    4.2.1.4.

    ComposioA composio do PE remete para a considerao dos deputados, individualmente considerados, dos grupos polticos e dospartidos polticos.

    4.2.1.4.1.

    DeputadosPresentemente, o PE composto por um mximo de 750 Deputados, mais o Presidente. A converso de votos em mandatosobedece a um critrio de proporcionalidade degressiva: o limiar mnimo de representao fixado 6 deputados europeus porestado-membro, ao passo que o mximo de 96 deputadosart. 14/2 TUE.Este sistema tem sido considerado incompatvel com uma verdadeira representao paramentar dos cidados, poralegadamente no respeitar o princpio da igualdade de sufrgio e o seu corolrio do igual resultado dos votos. No entanto, omesmo parece adequar-se razoavelmente representao democrtica com caractersticas federais. Por outro lado, ela apenas uma das estratgicas de concretizao do princpio democrtico.Os deputados do PE tm um estatuto prprio, decorrente do Regimento do PE, que lhes garante privilgios e imunidades. Ofacto de os privilgios serem previstos no interesse pblico comunitrio justifica o poder dado s instituies de levantaremimunidade. Mas isso no significa que as imunidades e privilgios no sejam concedidos directamente aos seus funcionrios,outros agentes e membros do PE. A deciso do PE que levante a imunidade de um dos seus membros pode ser impugnada

    judicialmente.

    4.2.1.4.2. Grupos polticos

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    Os deputados desenvolvem o seu trabalho dividindo-se em diferentes grupos polticos, de acordo com critrios polticos eideolgicos. Os grupos polticos uninacionais so expressamente proibidos.

    4.2.1.4.3.

    Partidos polticosPrev-se a existncia de partidos polticos a nvel europeu, orientados para a integrao dos povos europeus, a formao deuma conscincia poltica europeia e para a formao da vontade popular dos cidados da UE art. 10/4 TUE. Os estatutos dos

    partidos europeus so definidos pelo PE e pelo Conselho, mediante procedimento legislativo ordinrio art. 224 TFUE. Oobjectivo consiste em transferir, gradualmente, a formao da opinio pblica e da vontade poltica para um plano europeu. Noentanto, ele ainda no se traduziu na constituio de um sistema partidrio escala europeia.

    4.2.1.5.

    FuncionamentoO PE realiza uma sesso anual, podendo reunir-se por direito prprio na segunda tera-feira de Maro (art. 229 TFUE) constitui uma manifestao do reforo do papel do PE. No est excluda a realizao de sesses extraordinrias, a pedido damaioria dos Deputados, do Conselho ou da Comisso.

    4.2.1.5.1.

    OrganizaoO PE desenvolve a sua actividade em Plenrio e atravs de comisses parlamentares (as reunies, em princpio, so pblicas). OPE aprova o seu regimento por maioriaart. 232 TFUE.

    4.2.1.5.2.

    Funes e competnciasa)

    Funo legislativaCom as sucessivas reformas, tem-se verificado um reforo da participao do PE nos procedimentos da produo normativa.O PE exerce a funo legislativa, juntamente com o Conselho art. 14/1 TUE. Apesar de tudo, no vigora ainda plenamente naUE o princpio do parlamentarismo caracterstico dos sistemas constitucionais democrticos, com a inerente existncia de umareserva absoluta de competncia legislativa exclusiva assente na chamada teoria da essencialidade.Do mesmo modo, ainda no vigora uma prerrogativa geral de iniciativa legislativa, tal como tpico na generalidade dosparlamentos. Apesar de tudo, o PE pode, por maioria, solicitar Comisso que lhe apresente propostas adequadas sobrequestes carecidas de acto de execuo dos tratados. Caso esta no apresente uma proposta a Comisso deve justificar art.225 TFUE.No tendo um direito geral de iniciativa legislativa, o PE pode pelo menos provocar a Comisso e for-la a um processo pblico

    de reason-giving no caso de optar pela inaco(a sano aqui ser meramente poltica).Concluindo: o PE tem competncia para participar nos procedimentos de produo normativa, seja atravs do exerccio depoderes consultivos, seja do exerccio partilhado do poder legislativo. As deliberaes do PE so adoptadas por maioria dosvotos expressos, cabendo ao regimento estabelecer o qurumart. 231 TFUE. O TL veio reforar significativamente os poderesdo PE no domnio desta funo, equiparando o PE ao Conselho no processo de co-deciso, que passou a ser o processolegislativo ordinrio; por outro lado, alargou os domnios de competncia legislativa.

    b)

    ConsultaO PE desempenha importantes funes consultivas, nomeadamente nas decises no legislativas do Conselho, naturalmentesem direito de voto. Ele emite, ainda, parecer conforme, no domnio da uniformizao do procedimento eleitoral em todos osEstados, o qual pode aparecer inserido num verdadeiro procedimento normativoart. 294 TFUE.

    c)

    Nomeao e eleioO PE competncias electivas e de nomeao importantes: cabe-lhe eleger, de entre os seus membros, o seu Presidente e a suaMesa (art. 14/4TUE), eleger o Presidente da Comisso e de voto de aprovao do colgio de comissrios antes da suanomeao, e ainda, aps a sua eleio, cabe-lhe eleger o Provedor de Justia por um mandato correspondente legislatura (art.228/2 TFUE).

    d) Controlo e fiscalizaoOs poderes de controlo do PE constituem uma expresso dos princpios da separao e controlo recproco dos poderes, por umlado, e do princpio da juridicidade e legalidade de toda a actuao dos rgos da UE:

    e) Deveres de informaoA fim de possibilitar ao PE o exerccio da sua funo de controlo e fiscalizao, estabelecem-se importantes deveres de

    informao. Este dever pode traduzir-se num dever de informao regular sobre questes polticas, como sucede relativamenteao Alto Representante no mbito da evoluo poltica simples prestaes de informaes, na declarao do TC sobre afiabilidade das contas.

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    Este dever consubstancia-se em muitos casos na exigncia de prestao de relatrios: pode tratar-se de um relatrio pontual oude um relatrio com periodicidade definida (anualart. 284/3 TFUE e art. 287/4 TFUEou trianualart. 25 e 175 TFUE.Nalguns casos, existe um dever de apresentao de um relatrio sobre uma matria especfica, impendendo mais do que umrgo (art. 121/5 TFUE). A inversa tambm pode acontecer.Noutros casos, esse dever de apresentao de relatrios qualificado por uma exigncia especial (art. 151 e 159 TFUE).

    f)

    Interpelao e audioEste poder est intimamente relacionado com o dever de informao. Um e outro visam clarificar os termos da actuao dasdiferentes instituies e rgos, servindo os objectivos da transparncia, da coerncia e da eficcia da actuao da UE. Osmesmos tm vrios destinatrios (art. 230 TFUE e 235/2 TFUE).

    g)

    Poder de inquritoO poder de inqurito um poder relevante na funo de controlo e fiscalizao do PE. Ele concretiza o princpio do controlo daactividade poltico-administrativa por parte da publicidade crtica democrtica. O PE pode nomear comisses parlamentares deinqurito (art. 226 TFUE), por um quarto dos seus membros -> princpio da proteco de minorias. Estas comisses sotemporrias, extinguindo-se com a apresentao do respectivo relatrio. As mesmas tm como objectivo o controlo deinfraces ou de m administrao na aplicao do direito comunitrio, havendo sempre cuidado de no interferncia noexerccio do poder judicial quando o caso esteja pendente em tribunal.

    Nos termos do art. 226, as formas do exerccio do poder de inqurito so definidas pelo PE, por meio de regulamentosadoptados por iniciativa prpria, por via de processo legislativo especial, aps aprovao do Conselho e da Comisso.

    h)

    Apreciao de petiesO PE tem o poder de apreciar peties. O art. 20/2/d) TUEF, consagra o direito de petio junto do PE como um direito decidadania da Unio. Nos termos do art. 227 TFUE, a titularidade deste direito pertence no s aos cidados, mas tambm apessoas fsicas e colectivas residentes ou sediadas num Estado-membro.A questo deve dizer respeito aos domnios da actividade da Comunidade e ter uma ligao directa e pessoal com opeticionante.

    i)

    Moes de censuraUm importante poder prende-se com a aprovao de moes de censura actividade da Comisso art. 234 TFUE. Trata-se de

    um mecanismo de controlo subjectivo ou primrio, que incide sobre o rgo, a pretexto das suas actividades. Esta moo apresentada por iniciativa dos deputados do PE.

    j)

    PublicidadeA publicidade a regra na actividade parlamentar. O princpio da publicidade manifesta-se, nomeadamente, na obrigatoriedadede publicaes das actas, nos termos dos Tratados e do regimento do PE (art. 232 TFUE), na discusso do relatrio geral anualque a Comisso apresenta ao PE (art. 233 TFUE) e na votao de moes de censura Comisso (art. 234 TFUE).

    k)

    Funo oramentalO PE exerce, juntamente com o Conselho, a funo oramental art. 14/1 TUE. A ambos cabe a elaborao e a aprovao dooramento anual da UE, deliberando de acordo com o processo legislativo especial, seguindo os parmetros determinados paraesse efeito (art. 314 TFUE).

    Para alm disto, o PE realiza uma actividade de controlo oramental e financeiro da UE, atravs da apreciao de contas dasoperaes oramentais, do balano, do relatrio de avaliao das finanas da UE e do relatrio do TC. Cabe-lhe ainda darquitao Comisso sobre execuo do oramento, mediante recomendao do Conselho, podendo ser acompanhada decomentrios e observaes, relativos execuo oramental, que a Comisso dever levar em conta, estando obrigada areportar as medidas tomadas nesse mbitoart. 319/3 e 318 TFUE.As regras financeiras que definem as modalidades relativas elaborao e execuo do oramento e prestao e fiscalizaodas contas so fixadas pelo PE e o Conselho, mediante processo legislativo ordinrio, ouvido o TC (art. 322/1 TFUE).O poder de aprovao do oramento e de controlo da respectiva execuo atribui ao PE uma oportunidade de se pronunciarsobre o mrito poltico e administrativo da actuao e da UE e dos respectivos custos.

    4.2.1.5.3. Controlos intra-orgnicosO PE dispe de mecanismos de controlo interno. Estes prendem-se com a verificao dos cumprimentos das normas regimentais

    em domnios como o qurum, a publicao das actas, etc. (art. 231 e 232 TFUE) e das normas que estabelecem o estatuto e ascondies do exerccio da actividade dos seus membrosart. 223/2 TFUE.

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    4.2.1.5.4.

    Controlos inter-orgnicosUm outro mecanismo importante de controlo diz respeito legitimidade processual activa do PE para intentar aces judiciais.O TN veio conceder esta legitimidade ao PE para interpor aces junto do TJCE para o controlo da legalidade dos actos doConselho, do Conselho Europeu, da Comisso e do BCE (art. 263 TFUE), para alm da defesa das suas prprias prerrogativasinstitucionais. Trata-se de um mecanismo de controlo indirecto, na medida em que o controlo directo levado a cabo por umainstncia jurisdicional.

    O mesmo vale, igualmente, no controlo das omisses do PE, do Conselho, do Conselho Europeu ou da Comisso (art. 265TFUE). Deve ainda referir-se a competncia do PE para solicitar ao TJCE um controlo preventivo dos tratados internacionais quepossam no estar em conformidade com o direito originrio da CE art. 218/ 11 TFUE.Por outro lado, a jurisdio da UE fiscaliza a legalidade do actos do PE destinados a produzir efeitos jurdicos em relao aterceiros.

    4.2.2.

    O Conselho Europeu

    4.2.2.1. Consideraes geraisO Conselho Europeu hoje o principal rgo de direco poltica da UE art. 13/1 TUE. Ele desenvolveu-se como rgo decooperao poltica, de natureza intergovernamental, desempenhando um papel importante de expresso e articulao dosinteresses dos Estados-membros, apesar de inicialmente no ser parte das instituies comunitrias, o que s veio a acontecerpela primeira vez com o TL. Ele afirmou-se gradualmente, pois, como rgo de facto da UE.

    O Conselho Europeu integra os chefes de Estado excepto no caso da Frana) e de Governo dos Estados-membros da UE, o seuPresidente e o Presidente da Comisso. Nos seus trabalhos participa o Alto Representante da Unio Para os NegciosEstrangeiros e a Poltica de Seguranaart. 15/1 TUE.Alguns viram no reforo do seu papel a semente da desintegrao europeia, na medida em que alegadamente tende a valorizaros interesses nacionais mais poderosos acima dos interesses da UE. Todavia, um impulso poltico e uma legitimidade forterevelam-se essenciais subsistncia e actividade da UE.

    4.2.2.2.

    Atribuies e competnciasO Conselho Europeu um rgo essencialmente poltico, cujas funes so diversas.

    4.2.2.2.1.

    Funo de direco polticaO CE hoje o rgo responsvel por fornecer os impulsos necessrios ao desenvolvimento da UE e por definir as respectivas

    orientaes polticas gerais. Ele no exerce funo legislativa art. 15/1/3 TUE. Particularmente digno de nota a identificaodos interesses estratgicos da UE e o estabelecimento dos objectivos e orientaes no domnio da poltica externa e desegurana comumart. 26 TUE.

    4.2.2.2.2.

    Poder de decisoA elevao do CE a instituio formal da UE conferiu-lhe importantes poderes de deciso inerentes sua funo de direcopoltica. O mesmo tem hoje capacidade de produzir decises jurdicas vinculativas (principalmente, naqueles casos em que seprev que certas decises da competncia do Conselho possam ser remetidas para o CE). Assim sucede nos casos do art. 31/2TUE e dos arts. 82/3 e 83/3 TFUE.

    4.2.2.2.3.

    Funo de nomeaoO CE nomeia o Alto Representante da Unio Para os Negcios Estrangeiros e Poltica de Segurana, podendo por termo ao seu

    mandato de acordo com o mesmo procedimentoart. 18/1 TUE). Tambm nomeia as entidades do art. 283 TFUE.

    4.2.2.2.4.

    Funo de alterao dos TratadosO CE desempenha um papel de relevo na alterao dos tratados, no processo de reviso ordinrio, decidindo por maioriasimples a anlise das alteraes propostas ou a no convocao de uma Conveno, se as alteraes propostas no ojustificarem art. 48/2/3 TUE). No processo de reviso simplificado, o Conselho assume um papel central, podendo adoptaralteraes respeitantes Parte III do TFUEart. 48/6.

    4.2.2.3.

    Organizao e funcionamentoO CE rene ordinariamente duas vezes por semestre, por convocao do seu Presidente. O mesmo assistido por umSecretariado-Geral prprio art. 235/4 TFUE. Os membros do CE podem decidir ser assistidos por um ministro e, no caso doPresidente da Comisso, por um membro da Comisso, sempre que a ordem dos trabalhos o exija art. 15/3 TUE. O CE

    pronuncia-se, em regra, por consenso, de acordo com uma lgica intergovernamental. A absteno tem um efeito construtivo, eno de veto, na medida em que no pe em causa a unanimidade. No entanto, admite-se que os tratados prevejam a

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    possibilidade de votaoart. 15/4 TUE. Havendo lugar a votao, aplicam-se as regras previstas para o Conselho no art. 16/4TUE, bem como as do art. 238/2 TFUE sobre derrogao daquelas.Em matria de questes processuais e adopo de regulamento interno, delibera-se por maioria simples art. 235/3 TFUE. Asdeliberaes do CE no esto sujeitas ao princpio da publicidade, soluo que se justifica luz da natureza poltica das suasdecises.

    4.2.2.4.

    Presidente do Conselho Europeu4.2.2.4.1.

    Consideraes geraisUma importante inovao introduzida pelo TL consistiu na introduo da figura do Presidente do Conselho Europeu. Estapresidncia rotativa e limitada ao Conselho. Deste modo procurou dotar-se a UE de uma figura representativa facilmenteidentificvel pelos vrios actores internacionais. Igualmente importante a identificao dos cidados europeus com umrepresentante externo da UE.Esta figura do CE gerou alguma controvrsia entre aqueles que, por um lado, achavam que o PCE devia ser uma figura comgrande peso poltico, forte e de carisma notrio, capaz de ser reconhecido em qualquer estado, e entre aqueles que, por outrolado, consideravam que devia ser uma figura de mero organizador e dinamizador dos trabalhos do CE, no devendo limitar oespao poltico de actuao dos representantes polticos dos estados. Ter sido acolhida a segunda orientao, de pendorminimalista.

    4.2.2.4.2.

    Eleio, destituio e mandatoO PCE eleito pelo prprio rgo, por maioria qualificada. A destituio tambm possvel no caso de impedimento ou faltagrave art. 15/5 TUE. O mandato tem a durao de dois anos e meio, renovvel uma vez, sendo incompatvel com qualqueroutro mandato nacionalart. 15/5/6 TUE.

    4.2.2.4.3.

    Atribuies e competnciasEm face das atribuies e competncias do PCE art. 15/6 TUE parece poder dizer-se que a funo dinamizadora eorganizadora dos trabalhos da UE assume natureza dominante, ao passo que a funo representativa assume uma naturezarecessiva. Com efeito, so destacadas em primeiro lugar as competncias de presidncia e dinamizao dos trabalhos do CE e degarantia da preparao e continuidade dos mesmos. S ento que mencionada a funo representativa externa doPresidente, no mbito da poltica externa e de segurana comum. No dispondo de direito de voto no CE, o respectivoPresidente , afinal, uma figura destituda de qualquer poder efectivo.

    4.2.3. O Conselho

    4.2.3.1.

    Consideraes geraisO Conselho das comunidades e da UE assume um lugar central na dinmica do projecto europeu. Nele esto representadostodos os estados-membros. Tem como funo essencial assegurar a coordenao das polticas econmicas gerais dos estados-membros, dispondo de poder de deciso e exercendo competncias do tipo legislativo e regulamentar, e opera como rgo decharneira na articulao da UE com os estados-membros. Em si, o Conselho no politicamente responsvel diante do PE. Omesmo no pode ser alvo de moes de censura. No entanto, ele representa os governos dos estados-membros, sendo estesresponsveis perante os respectivos parlamentos e cidados.

    4.2.3.2.

    Atribuies e competnciasO Conselho exerce um leque variado de competncias: segundo o art. 16/1 TUE, exerce a funo legislativa e a funo

    oramental, conjuntamente com o PE, bem como funes de definio de polticas e de coordenao, nos termos estabelecidosnos Tratados.

    4.2.3.2.1.

    Funo legislativaO Conselho exerce a funo legislativa juntamente com o PE. Ambos assumem o papel principal na criao do direito secundrioda UE de execuo dos tratados. A funo legislativa levada a cabo mediante o processo legislativo ordinrio ou um processolegislativo especial. As disposies dos tratados que definem o processo que deve ser usado nas diferentes matrias.

    4.2.3.2.2.

    Funo oramentalO Conselho exerce a funo oramental juntamente com o PE. Ele aprecia o projecto proposta pela Comisso, devendo tomarposio fundamentada sobre ele, para posterior articulao com o PE, se necessrio mediante a interveno do Comit deConciliaoart. 314/2/3 TFUE.

    4.2.3.2.3.

    Funes de coordenao

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    Em virtude do Protocolo sobre disposies transitrias, que determinou a entrada em vigor do art. 16/4 e 238/3 TFUE em 1 deNovembro de 2014, estas questes devem ser consideradas em trs momentos diferentes.

    a)

    Ponderao de votos no Conselho Europeu e no ConselhoO art. 3 do protocolo relativo aplicao do art. 16/47 apresenta a ponderao de votos, relativamente s deliberaes do CEe do Conselho que exijam maioria qualificada. (ver art.)

    b)

    Antes de Novembro de 2014At o dia 31 de Outubro de 2014 vigora um regime transitrio previsto no art. 3 do protocolo: estabelece-se, assim, que nasvotaes em que seja obrigatrio deliberar sob proposta da Comisso, a maioria querer 255 votos, que exprimam uma posiofavorvel da maioria dos membros. Quando no haja lugar a proposta, os 255 votos devem exprimir a votao favorvel de, pelomenos, 2/3 dos membros. Admite-se que os estados possa solicitar verificao de que a votao corresponde, a pelo menos, 62% da populao total da UE. As propores mencionadas mantm-se nos casos em que nem todos os Estados participem davotao, tendo como referente esses Estados e as respectivas populaes.

    c)

    A partir de 1 de Novembro de 2014A partir de1 de Novembro de 2014, a maioria qualificada corresponde, cumulativamente a:

    i.

    Pelo menos 55% dos membros do Conselho;

    ii.

    No mnimo de 15 de membros;iii.

    Representando 65 % da populao da UE.Ela apresenta-se, desta forma, como uma dupla maioria qualificada. A minoria de bloqueio deve ser constituda por, pelomenos, quatro membros do Conselho.Quando nem todos participem na votao, decai a exigncia de um mnimo de 15 membros e exige-se a representao de 65 %dos estados que participem na votao. Neste caso, a minoria de bloqueio de 35 % da populao dos estados participantes,mais um (art. 238/3/a) TFUE). Assim , em qualquer dos casos, quando o Conselho delibere sob proposta da Comisso ou doAlto Representante.Se essa proposta no existir, ento, nos termos do art. 238/2 TFUE, a maioria deve ser de 72 % dos membros do Conselho,representativa de 65 % da populao da UE, ou, se no votarem todos, dos estados que participarem na votao (art. 238/2/b)TFUE).

    d)

    Entre Novembro de 2014 e Abril de 2017Ente 1de Novembro de 2014 e 31 de Maro de 2017, quando deva ser tomada uma deliberao por maioria qualificada,qualquer estado-membro pode pedir que a mesma seja tomada pela maioria qualificada prevista no art. 3 do protocolo e nopela dupla maioria qualificada introduzida a partir de 1 de Novembro de 2014.

    4.2.3.3.2. Maioria simplesNalgumas situaes admite-se que o Conselho decida por maioria simples, caso em que delibera pela maioria dos membros queo compem art. 238/1 TFUE. Assim sucede em matrias de organizao do Secretariado-geral, resoluo de questesprocessuais, etc.

    4.2.4. A Comisso Europeia

    4.2.4.1.

    Consideraes gerais

    A Comisso Europeia, designada Comisso, a instituio a UE art. 13/1 TUEjustamente considerada guardi da ordem daUnio. A mesma protege e prossegue o interesse geral da UE, tomando as iniciativas adequadas a esse efeito art. 17/1 TUE.Ela procura identificar e promover o bem comum da UE, de uma forma totalmente independente do interesse dos Estados art.173 TUE- e dos interesses dos privados.Em sentido amplo a expresso Comisso significa quer o Colgio de Comissrios propriamente dito, quer a instituio Comisso,com todas as suas Direces Gerais. O mandado da Comisso de 5 anosart. 17/3 TUE.

    4.2.4.2.

    Atribuies e competnciasA Comisso garante o funcionamento e o desenvolvimento do mercado comum, numa posio de independncia institucionalperante os estados-membros e tendo em conta unicamente o interesse geral da Unio. Alm disso, a Comisso responsvelpela representao externa das comunidades, cabendo-lhe negociar e ajustar convenes internacionais e aprovar peloConselho.

    4.2.4.2.1.

    Funo de iniciativa

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    Atravs dos seus poderes formais de iniciativa a Comisso actua como motor de integrao europeia. A comisso dispe de

    importantes poderes de iniciativa em vrios domnios: programao anual e plurianual da UE (art. 17/1), polticas da Unio,mercado interno, asilo e emigrao, etc.A sua iniciativa assume especial relevo no exerccio dos poderes legislativos, em que regra. A mesma mitigada apenas pelapossibilidade dada ao Conselho e aos cidados de convidarem a Comisso a fazer uma proposta.O princpio geral do exclusivo da iniciativa legislativa da Comisso compreensvel, pois com ele pretende-se que as iniciativas

    legislativas no seio da UE sejam motivadas por uma avaliao dos interesses globais da Unio e no apenas por uma avaliaonacional de interesses. Desse modo afirma-se a primazia do interesse geral europeu e a autonomia e a independncia daComisso relativamente aos estados-membros. Tambm se visa reforar a proteco das minorias perante o risco de umamaioria qualificada no Conselho.Os desvios proposta da Comisso requerem, em regra, a unanimidade dos membros do Conselho. Ainda assim, trata-se de umprincpio e no uma regra. A iniciativa legislativa pode caber aos estados, no domnio da cooperao policial e judiciria, e aoAlto Representante, no domnio da poltica externa e de segurana.Naturalmente que o poder de iniciativa da Comisso exercido em articulao com os estados e demais instituies e rgos daUE. A mesma tambm esta receptivas a sugestes de Estados, rgos da UE e mesmo de particulares.Alm disso, os poderes de iniciativa da Comisso esto sujeitos aos princpios da atribuio de competncias, dasubsidiariedade, da proporcionalidade e do financiamento.A funo iniciativa indissocivel do papel da Comisso na garantia de coerncia da aco interna e externa da UE (art. 21/3,

    22/2 e 27/3 TUE).

    4.2.4.2.2.

    Funo normativaEm princpio, os actos legislativos da UE s podem ser adoptados sob proposta da Comisso, salvo se expressamente os tratadosdispuserem de modo diferente (art. 17/2 TUE).No mbito normativo, a Comisso dispe de um poder significativo de deciso e conformao quanto ao momento, contedo,modo, forma e densidade das medidas normativas que venham a ser adoptadas pelo Conselho e pelo PE.Todavia, alm disso, a comisso exerce poderes normativos prprios e poderes normativos delegados: no primeiro caso, trata-sede poderes que lhe so atribudos directamente pelos Tratados. Assim sucede em matria de regulamentos sobre permannciano territrio de um trabalhador para alm da durao do contrato (art. 55/3/d) TFUE); no segundo caso, admite-se a existnciade actos legislativos de delegao de competncias normativas na Comisso (art. 290 TFUE). Estes actos de alcance geralpodem completar ou alterar elementos no essenciais dos actos legislativos, devendo estes fixar os objectivos, o contedo, o

    mbito da aplicao e o perodo de vigncia da delegao e poderes.Acresce que a delegao nunca pode versar sobre os elementos essenciais de um regime jurdico. Desse modo reservam-se osaspectos essenciais ao PE e ao Conselho, podendo a Comisso disciplinar aspectos no essenciais de um regime jurdico. Apossibilidade de delegao justifica-se, normalmente, por causa da excessiva morosidade