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HOFBAUER E PASSERAT, DUAS LEITURAS DE UMA MESMA REGRA.

José Leandro Peters1

RESUMO: O século XIX foi marcado pela expansão da Congregação do Santíssimo

Redentor pela Europa, quando verificou-se divergências na forma de atuação de dois grupos

religiosos da Congregação: os holandeses e os alemães. A partir de 1820 percebe-se duas

leituras da proposta de Santo Afonso Ligório que determinaram formas distintas de ação

missionária na Congregação Redentorista. O grupo originário dos ensinamentos de São

Clemente Maria Hofbauer concebeu a sua ação religiosa com um cunho muito missionário e

esteve na base de formação do grupo dos redentoristas da Baviera, os alemães , que se

destinaram às regiões brasileiras de São Paulo e Goiás. Por outro lado, a religiosidade,

segundo a interpretação de Passerat deveria ser muito mais interiorizada se distanciando de

ações missionárias com linguagem popular. Esse pensamento teria originado a forma de

atuação dos padres redentoristas holandeses que rumaram para a região de Minas Gerais e

assumiram o santuário da Igreja de Nossa Senhora da Glória em Juiz de Fora. Segundo os

estudos brasileiros sobre o tema, as duas formas de encarar a religiosidade dos brasileiros

seriam fruto, respectivamente, dos sentimentos de satisfação e insatisfação com a estada no

Brasil. No entanto, compreendo que as percepções que os dois grupos de redentoristas

possuem dos resultados das missões no Brasil são o resultado de um processo um pouco mais

complexo que envolve principalmente a formação distinta de ambos e não somente a

insatisfação com a estada no Brasil. Tendo por base os conceitos da chamada “História

Cultural das Religiões” procurarei ao longo do trabalho refletir sobre o assunto acima

relatado.

PALAVRAS-CHAVE: Hofbauer; Passerat; Congregação Redentorista; apropriações;

religiosidade luso-brasileira.

1- Apontamentos historiográficos:

O processo de chegada e atuação dos padres da Congregação do Santíssimo Redentor

no Brasil a partir do ano de 1894 não é um assunto que foi alvo de um debate prolongado

entre os historiadores. Poucos são os estudos que promovem reflexões sobre esse momento

histórico; alguns artigos, algumas notas isoladas encontradas em obras que abordam

indiretamente o tema e a história oficial da Congregação Redentorista no Brasil, estudada por

Augustin Wernet no início da década de 19902. Essa escassez bibliográfica conduz a um

conhecimento limitado da atuação dos padres redentoristas na Brasil. Pelo caráter da obra de

Wernet e pelas informações que ela carrega, reconhece-se o seu grande valor, no entanto se

1 Doutorando em História pelo Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de

Fora, professor substituto do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Sudeste de Minas Gerais – Campus

Juiz de Fora. Email: [email protected]. 2 WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1995. 3 volumes.

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faz necessário hoje, sob a luz de novos debates teórico-metodológicos, uma revisão de alguns

apontamentos feitos pelo autor em 1995.

A história da Congregação do Santíssimo Redentor tem o seu início em 09 de

novembro de 1732, quando Afonso de Ligório funda, na região de Nápoles, a Congregação de

São Salvador, que no momento em que tem a aprovação de suas regras em Roma tem o nome

alterado para Congregação do Santíssimo Redentor, visto que Roma considerava a já

existência de uma Congregação de São Salvador. Segundo os relatos sobre a vida de Santo

Afonso de Ligório, ele fundou sua congregação por perceber a situação de total miséria

espiritual e sacramental que se encontravam os indivíduos que habitavam os campos e

povoados. Portanto, o fundamento primeiro da Congregação de Ligório era assistir

espiritualmente as almas abandonadas nesses pequenos povoados;

Aquele que é chamado à Congregação do Santíssimo Redentor, não será jamais um

verdadeiro continuador de Jesus Cristo e não se fará jamais santo se não cumprir o fim de

sua vocação e não tiver o espírito do instituto, que é salvar as almas e as almas mais

destituídas de socorros espirituais, como são a gente do campo3.

Os teólogos que, ao longo dos séculos XIX e XX, lançaram seus olhares sobre a

congregação, fundada por Ligório no século XVIII, a descreveram como portadora de um

ideal ultramontano e reformista, que prezava pela obediência à regra e aos preceitos romanos.

No entanto, a Congregação Redentorista foi fundada com o intuito catequético e acabou por

dar origens a ramos de atuação distintos dentro do mesmo grupo.

Augustin Wernet, ao escrever a história dos redentoristas no Brasil, afirmou que a

congregação como um todo possui sua história marcada pela divisão em três períodos: o

primeiro, que chamado de período cisalpino (1732 – 1793), o segundo, denominado período

transalpino (1793 – 1853) e o terceiro, o período romano (1853 em diante). O período

transalpino é o que mais me interessa nesse momento, pois permite perceber a composição da

forma de ação desses religiosos. Wernet menciona que esse período foi marcado pela

expansão dos redentoristas pela Europa oriental e central, quando, “o centro de vitalidade da

Congregação estava fora da Itália”4. Penso ser esse um trecho importante para a compreensão

da singularidade de atuação dos redentoristas, porque foi o momento em que eles entraram em

contato com um catolicismo chamado por Wernet de popular, e o assimilaram a sua forma de

atuação.

3 UNIÃO DOS REDENTORISTAS DO BRASIL. Espiritualidade Redentorista. Volume 01. Aparecida, SP:

Editora Santuário, 1991. P. 15. 4 WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1995. Volume O1, p. 40.

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Elementos típicos desse catolicismo popular foram: linguagem e estilo dos sermões

acessíveis ao povo; uma profunda devoção mariana; o cultivo e a promoção de formas

tradicionais de religiosidade como romarias e festas populares; a presença de elementos

externos emocionais e sentimentais de religiosidade; cerimônias pomposas e edificantes,

que tocavam o coração e a alma e não apenas a razão; a valorização da experiência, da

simplicidade e da sabedoria em oposição a religião sofisticada e intelectualizada dos

filósofos e teólogos e o amor e a estima do povo simples e camponês5.

Essa forma de expressão do catolicismo foi incorporada na tradição redentorista,

principalmente a alemã. Wernet identifica como outro momento importante na formação

religiosa do grupo a atuação no Santuário de Nossa Senhora de Altötting, na Baviera.

O Santuário de Altötting data do século XV, e no final do século XIX era visitado

anualmente por 300.000 romeiros. A imagem milagrosa existe desde o ano de 1300. Junto

a imagem, conservam-se, em urnas de ouro, os corações dos reis bávaros da dinastia de

Wittelsbach e do General Tilly, líder católico na Guerra dos Trinta Anos. Altötting,

portanto, é o Santuário ‘Nacional’ de Baviera6.

Nesse Santuário, os redentoristas não ficavam isolados por muros em grandes

momentos de retiro espiritual. Eles entravam em contato direto com os romeiros no

atendimento pastoral, principalmente entre os anos de 1841 e 1873. Ali foram pregadas

missões e retiros para sacerdotes, leigos e estudantes universitários. “Uns 50 padres

receberam sua formação espiritual, filosófica e teológica em Altötting, entre os quais, vários

dos que vieram para o Brasil”7. Essa vivência religiosa dos redentoristas no contato direto

com formas de devoção popular e uma relativa ausência de isolamento, por meio de muros de

conventos ou das leis da comunidade religiosa que impedissem o contato direto com fiéis,

permitiram um aprofundamento no conhecimento dessa religiosidade e uma atuação

diferenciada, marcada, ao mesmo tempo, pelo respeito e valorização de um catolicismo

hierárquico e submisso a Roma e à consideração dos elementos religiosos de origem popular.

Esse contato religioso dos padres redentoristas os levou a comparar o Santuário de Aparecida

com o Santuário de Baviera, considerando Aparecida como a Altötting brasileira8.

É nesse sentido que Wernet diferencia a atuação de dois grupos redentoristas no

Brasil, os alemães e os holandeses. Segundo ele, os padres alemães, que se destinaram a

administração do Santuário de Aparecida, buscavam um contato maior com o povo, sem se

isolarem, já os holandeses, que se alojaram na cidade de Juiz de Fora, não tinham tal

5 Idem, pp. 41 e 42. 6 Idem, p. 42. 7 Idem, p. 43. 8 Idem, p. 44.

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aproximação. O autor menciona que até mesmo a disposição para o trabalho missionário no

Brasil era diferente nos dois grupos: enquanto os alemães vieram para Brasil e se

identificaram com o país, os holandeses retornavam para seu país de origem descrentes no

trabalho missionário em terras brasílicas. As diferenças entre os holandeses e alemães

começavam na hora de decidir a partida para o nosso país; as razões eram diferentes. Os

alemães só vinham para o Brasil depois que manifestavam o desejo de vir, enquanto os

holandeses atravessavam o Atlântico mais por obediência aos superiores do que entusiasmo

missionário9. A vida no Brasil para esses holandeses, prossegue Wermet, era realmente

insuportável e a visão deles sobre o resultado das missões era extremamente negativa, pois

acreditavam que elas não modificavam a mentalidade dos brasileiros. Por outro lado, os

alemães eram otimistas e seus escritos deixam transparecer um tom esperançoso e confiante

quanto ao trabalho desenvolvido no Brasil.

Para explicar essa atuação divergente entre os dois grupos de uma mesma

congregação, Wernet levanta uma série de hipóteses:

Embora os redentoristas alemães pertençam ao ramo transalpino, podemos apontar

algumas diferenças: origem urbana e de classe média contra camponesa e rural;

missionário no Brasil em nome da obediência e missionário por escolha pessoal e por

entusiasmo generalizado; vocações jovens e educação em seminários fechados em

oposição à vocações tardias e educação e formação em ambiente normal; missionários

populares bem sucedidos vivendo em condições em oposição ao bávaros que se dedicavam

à pastoral normal em paróquias da Baviera e da Áustria; uma religiosidade de estilo de

Passerat versus uma religiosidade hoffbaueriana; um procedimento preocupado com a

sobrevivência econômica e superação de adversidades versus uma postura despreocupada

com as adversidades do futuro e a situação econômica a enfrentar e, sem querer ser

exaustivo, menos confiança no país e no povo desconhecido por parte dos holandeses e

uma grande confiança por parte dos alemães que trouxeram até estudantes para terminar

no Brasil seus estudos. E, finalmente, uma equipe de fundadores de mais idade, que veio

para ficar, conseguindo liderança, enquanto, do lado holandês houve maior troca de

pessoal em cargos de liderança, sendo muitos deles enviados, mas chamados de volta para

a Holanda.10

Embora considere vários elementos como explicativos para as formas distintas de

apropriação da regra redentorista, Wernet insiste que as principais seriam a origem dos

indivíduos; enquanto os alemães seriam originários de classes campesinas ou menos

favorecidas, os holandeses seriam filhos das classes urbanas e burguesas. O que, segundo o

autor, conduziu a olhares distintos para o catolicismo brasileiro e reforçou também os

sentimentos de satisfação/insatisfação com o catolicismo brasileiro e a recepção da atuação

missionária redentorista. Não desconsidero que esses elementos possam ter sido importantes

9 Idem. 10 Idem, p. 54.

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para a constituição da visão redentorista sobre o Brasil e seu povo, no entanto acredito que

Wernet, desenvolveu pouco uma ideia que ele mesmo considerou como um dos motores dessa

diferente atuação; as leituras distintas das regras redentoristas promovidas por São Clemente

Maria Hofbauer e José Armando Passerat.

Hofbauer e Passerat, duas apropriações distintas:

Como dito acima, acredito que a forma distinta de atuação das diferentes comunidades

redentoristas no Brasil (São Paulo, Goiás e Juiz de Fora) são o resultado de interpretações

distintas das regras que regem a Congregação, muito mais que o binômio satisfação /

insatisfação com a estada no Brasil, por parte dos religiosos que aqui chegaram a partir de

1894. Quando analisamos a história da Congregação Redentorista nos séculos XVIII e XIX,

ainda no continente europeu, percebemos que não há uma única forma de se interpretar as

regras de Santo Afonso de Ligório, fundador da Congregação. As interpretações propostas por

Hofbauer e Passerat nas últimas décadas do XVIII e na primeira metade do XIX, bem como a

sucessão de ambos na condição de superiores dos Transalpinos, acabaram por determinar duas

frentes de atuação distintas entre os redentoristas.

Hofbauer foi formado no catolicismo popular do tempo barroco

certas formas de exteriorizar sua religiosidade demonstram que ele foi marcado por esse

catolicismo desde a juventude; por exemplo, até a idade avançada distribuía santinhos e

benzia rosários, quando exprimia sua alegria pela afluência de povo aos lugares de

romaria, especialmente aos santuários marianos. (...) O que cai na vista é o seu esforço em

fazer do culto divino uma festa para todos os sentidos. Aqui entram as músicas

orquestradas e o coral, a decoração com flores e velas. O povo não é atraido apenas pela

palavra, disse em Varsóvia; para poder ouvir, é necessário ver primeiro. E o povo afluía

em torrentes para vivenciar um impressionante espetáculo religioso.11

Depois da admissão à Congregação Redentorista em 1795 Hofbauer foi designado

Vigário-Geral para todos os territórios transalpinos. A ele cabia a função de fundar conventos

e admitir membros na Congregação. Ao exercer sua função de Sacerdote e Vigário-Geral,

Hofbauer externava sua visão de mundo e sua leitura da religiosidade redentorista. Propôs

uma atuação sacerdotal que estivesse de acordo com as suas convicções religiosas, as quais

não buscavam romper por completo com os princípios da piedade popular. As propaladas

externalidades que marcavam essa piedade e eram tão criticadas pelo catolicismo

1111 WEISS, Otto. Encontros com São Clemente (1751-1820). Aparecida, SP: Editora Santuário, 2011. Pp 35 e

37.

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ultramontano do século XIX, eram vistas por Hofbauer como qualidades e não como

problemas.

Segundo seus biógrafos, Hofbauer fugia das regras de oratória e buscava em seus

sermões uma linguagem acessível àqueles que o ouviam:

Ele é o Pe. Abraão de Santa Clara ressuscitado, tem um estilo comum de pregação, é um

pregador como se pregava nos tempos da maior beatice, é um pregador para o povo bem

simples... Seus exemplos, parábolas e expressões tirados da classe humilde não se prestam

para ouvintes cultos12. Ele pregava de maneira totalmente dogmática e no mais alto grau

de simplicidade, tanto assim que até uma criança podia compreender; e contudo nela

estava contido a sabedoria mais sublime. De mais a mais, tem uma tão comovente bondade

na expressão e no semblante que a gente se vê obrigado a lhe querer bem13.

Além da linguagem popular, sua vida como pregador e sacerdote, fora dos muros de

conventos, em constantes missões religiosas no continente europeu foi marcada pelo

acolhimento não dos necessitados materialmente, mas como também daqueles que tinham

necessidades espirituais. Conforme aponta Otto Weiss a imagem construída em torno de

Hofbauer levou a sua compreensão como um sacerdote fiel aos preceitos de Roma, como o

“pai da Contrarreforma Católica do século XIX”, o fundador do ultramontanismo na Áustria e

um destemido lutador pela “recatolização do mundo”, um “batalhador da Fé com feição

inquisitorial” e um intolerante frente à outra confissão14. Contudo deve-se relativizar essa

visão. Baseando-se no texto de Louis Vereecke Recht, Weiss afirma que é necessário

compreender o caráter ecumênico de Hofbauer e amenizar a visão ultramontana construída ao

entorno da sua figura a partir das diversas obras escritas sobre os redentoristas e sobre o

próprio Hofbauer ao longo do século XIX e XX. Na visão de Weeis e Recht:

A espiritualidade de São Clemente é uma espiritualidade ecumênica. Tanto lhe importava

nos católicos uma fé esclarecida e inequívoca, quanto respeitava a fé dos outros. Era isso

também que distinguia o seu relacionamento com os protestantes. Não queria demover de

sua fé os que estavam convencidos dela. Somente lá onde alguém queria converter-se ao

catolicismo, mas era impedido de dar esse passo por preconceitos irrisórios, ele ajudava a

remover esses empecilhos. Tudo o mais ele deixava para a graça de Deus15.

Ambos os autores parecem concordar que há em Hofbauer uma grande liberdade no

conceito e no tratamento das questões religiosas, que o permite adaptar o conteúdo doutrinário

12 Monumenta Hofbauriana XIII, 39. Citado por: WEISS, Otto. Encontros com São Clemente (1751-1820).

Aparecida, SP: Editora Santuário, 2011. Pp 62. 13 Sophie Johanna Schlosser, Weiner Tagebuch 1814/15, Leipzig 1922, Monumenta Houfberiana XII, 269.

Citado por: WEISS, Otto. Encontros com São Clemente (1751-1820). Aparecida, SP: Editora Santuário, 2011.

Pp 62. 14 WEISS, Otto. Encontros com São Clemente (1751-1820). Aparecida, SP: Editora Santuário, 2011. Pp 62. 15 Idem, p. 66.

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de acordo com o tempo e as circunstâncias. Diferentemente da compreensão que a imagem

construída de Hofbauer passa de sua figura, um sacerdote fechado e contrário aos princípios

religiosos que fugissem à religião sacramental do ultramontanismo, a pesquisa de Weiss

permite compreender São Clemente como um homem aberto às diversas manifestações de

religiosidade, um sacerdote que não compreendia a ação salvífica de Deus como reclusa aos

muros da Igreja romana. Na visão de Weiss, Hofbauer defendia que o indivíduo que se acha

inocente e possui fé tende a ser salvo.

Referindo-se à Reforma Protestante e ao espaço que as religiões protestantes vinham

ganhando no mundo e a conseqüente perda de fiéis vivenciada pela Igreja Católica, Hofbauer

teria afirmado que a extensão e força da reforma não eram frutos de uma simples ação contra

a Igreja Católica e sim o resultado da ação da própria Igreja. Para ele, o que as pessoas

esperavam era uma religião que falasse ao coração, o que eles encontravam no protestantismo

e não na Igreja Católica.

“Não pega bem” atribuir intolerância a Hofbauer, errado seria, também, questionar a sua

convicção religiosa. Hofbauer havia traçado uma linha nítida para sua vida e sua Fé, mas

justamente por isso respeitava também a convicção dos adeptos de outra crença; isto não

exclui, mas inclui que ele não poderia ter a tolerância demonstrada com os protestantes

convictos e naturalmente também com os que ele tinha como tais, em contraposição com os

“católicos liberais”16.

Hofbauer não teve uma grande produção bibliográfica, ele foi um homem da prática e

nela considerava cada um na sua individualidade. Os princípios defendidos e colocados em

prática por Hofbauer estão em conformidade com a atuação dos redentoristas alemães na

região de São Paulo e Goiás, aqueles aos quais Wernet atribui uma satisfação pelo trabalho

missionário no Brasil, compreendendo que a abertura para o contato com o outro era o

resultado de como encaravam a estada no país, ou seja, pelo binômio satisfação / insatisfação.

Para Wernet a satisfação com a qual os alemães encaravam a atuação missionária no Brasil os

conduziu a missões mais frutíferas. No entanto, é possível pensar sobre outro viés as

diferentes atuações dos dois grupos de religiosos redentoristas em nosso país. A forma como

os redentoristas germânicos encaravam a religiosidade luso-brasileira, marcada por princípios

sacramentais pouco satisfatórios aos olhos de uma política ultramontana, não é o resultado de

uma satisfação pela estada no Brasil, mas sim da pertença desses religiosos germânicos a um

grupo de redentoristas tendentes às propostas de Hofbauer. Enquanto os religiosos holandeses

16 Idem, p. 69

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que rumaram para Juiz de fora seguiam a religiosidade defendida e pregada por José Amando

Passerat.

Passerat sucedeu Hofbauer na posição de Superior Geral dos redentoristas e tinha uma

visão religiosa distinta de seu predecessor. Ele defendia os princípios da religiosidade

ultramontana, ou seja, era favorável a uma valorização dos sacramentos em detrimento das

externalidades que marcavam o catolicismo popular. Se colocava assim em uma frente oposta

a Hofbauer. Enquanto o último valorizava as imagens, as músicas, tudo aquilo que levasse o

fiel a ser tocado pela religião, Passerat defendia que a religião deveria ser mais internalizada,

valorizando-se os sacramentos e a obediência às diretrizes romanas. Segundo Weiss,

Hofbauer criticava Passerat e dizia que ele deveria orar menos e trabalhar mais, enquanto

Passerat dizia que Hofbauer deveria se importar mais com o cultivo da vida interior e da

fidelidade à regra em detrimento de seu intenso ativismo pastoral17. As diferenças de posições

estão relacionadas, portanto, a concepções distintas da vida e conduta numa comunidade

conventual.

Passerat era um religioso que se refugiava da sociedade e procurava a clausura dos

muros internos das igrejas. Não procurava aprimorar a língua nativa dos lugares onde atuava,

sempre conservou o sotaque nativo francês. Diferentemente de Hofbauer que aplicava o

principio da individualidade ao exercer o sacerdócio, valorizando as singularidades do tempo

e das circunstâncias, Passerat valorizava a norma, exigindo que as regras redentoristas, bem

como os princípios do catolicismo ultramontano fossem aplicados a risca. Passerat defendia o

princípio da “obediência cega” à regra, o que acabou por gerar uma divisão interna na

Congregação do Santíssimo Redentor; um grupo tendente aos princípios defendidos por

Hofbauer, do qual, como já afirmado acima derivaram os padres redentoristas alemães que

rumaram para as regiões de São Paulo e Goiás, os quais se mostraram receptíveis às

manifestações religiosas dessas regiões. Ao invés de romperem com tais formas de

apropriação do catolicismo, as assimilaram e até mesmo as aprimoraram, mesmo vivenciando

um período que valorizava o catolicismo ultramontano, buscando romper com manifestações

religiosas do catolicismo luso-brasileiro, baseadas no princípio da devoção-promessa e

afirmar o catolicismo sacramental, objetivando um catolicismo mais contido, baseado no

respeito aos sacramentos.

Já os redentoristas holandeses que se abrigaram e atuaram na região de Juiz de Fora,

Minas Gerais e Rio de Janeiro, eram tendentes ao grupo redentorista que defendia a visão

17 Idem

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9

religiosa de Passerat. Assim compreendo que a forma reservada desses religiosos no Brasil

não é fruto de uma insatisfação pela estada no país, embora não deixe de considerar que esse

pode ter sido um fator que agravou a forma como os redentoristas holandeses perceberam a

religiosidade brasileira, bem como os resultados das missões empreendidas no país, tidas

como pouco frutíferas. Se os redentoristas holandeses levavam uma vida marcada pelo

confinamento no interior dos muros da Igreja de Nossa Senhora da Glória em Juiz de Fora,

refletiam muito mais um alinhamento às convicções de Passerat do que a simples insatisfação

pela vinda para o Brasil. O fato desses mesmos religiosos não aprimorarem a língua

portuguesa e insistirem em utilizar a língua natal nas conversas entre eles, não é somente o

reflexo da insatisfação com a estada no Brasil como afirmou Wernet, mas sim aponta para o

fato de que eles estão seguindo as diretrizes do catolicismo pensado e afirmado por Passerat.

Se analisarmos a atuação distinta dos dois grupos de redentoristas presentes no Brasil

na última década do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, perceberemos que

aquele que estava em concordância com as aspirações da Igreja no momento não era o modelo

dos alemães de São Paulo e Goiás, mas sim o dos holandeses de Juiz de Fora, uma vez que

eram esses os que valorizavam o dito catolicismo sacramental, ultramontano, o desejo dos

bispos católicos ao convocarem a Congregação para o trabalho missionário no Brasil.

No mais se a atuação dos dois grupos de redentoristas fosse fruto de uma simples

satisfação/ insatisfação pela estada no país, talvez não se pudesse perceber o crescimento que

o grupo redentorista de Juiz de Fora teve nas primeiras décadas do século XX, ganhando

espaço em cidades importantes como Belo Horizonte e Rio de Janeiro. O fato de possuírem

uma atuação distinta, mais reclusa, mais tendente à regra conduziu a uma desvalorização

historiográfica do grupo de religiosos redentoristas da cidade de Juiz de Fora. Acredito que

como houve uma construção da imagem da Congregação Redentorista como possuidora do

ethos reformador, houve também a construção de uma imagem dos redentoristas que

habitaram a cidade de Juiz de Fora como insatisfeitos com o Brasil e o resultado de suas

missões no país e, portanto, desmotivados para o trabalho missionário.

Palavras finais:

Ao final desse trabalho concluí-se que as formas distintas de apropriação do

catolicismo brasileiro pelos religiosos da Congregação Redentorista precedem à chegada

destes ao Brasil e estão muito mais relacionadas a leituras distintas do catolicismo e da

apropriação das regras e sacramentos do que à origem social dos indivíduos. O debate entre

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Passerat e Hofbauer, deu origem a atuações distintas de dois grupos de religiosos

redentoristas. Os padres da Congregação no Brasil se colocavam nesse debate, uns tendendo a

uma aproximação maior da leitura oferecida por Passerat, outros se inspiraram na atuação de

Hofbauer, considerando as individualidades circunstanciais do tempo e do espaço. Não cabe a

nós julgá-las como mais correta ou menos correta, é preciso compreender sua historicidade

afim de compreender as diferentes apropriações do catolicismo brasileiro.

Referências Bibliográficas:

UNIÃO DOS REDENTORISTAS DO BRASIL. Espiritualidade Redentorista. Volume 01.

Aparecida, SP: Editora Santuário, 1991. P. 15.

UNIÃO DOS REDENTORISTAS DO BRASIL. Espiritualidade Redentorista. Volume 04.

Aparecida, SP: Editora Santuário, 1991. P. 15.

WEISS, Otto. Encontros com São Clemente (1751-1820). Aparecida, SP: Editora Santuário,

2011.

WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1995. 3

VOLUMES.