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1 Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR A teatralização e a representação do Papa humilde 1 Vanessa da Silva 2 Resumo: Teatralização e representações, fazem parte de um novo imaginário popular que se concretiza na identidade do sujeito pós-moderno. Nesse sentido, na atualidade, as imagens midiáticas publicitárias e, até mesmo, as coberturas telejornalísticas são permeadas, prioritariamente, por representações hiper-reais que buscam a valorização de cenas sociais e a investidura de máscaras que tentam condicionar diversas ordens sociais, ressaltando as ações cotidianas. Sob essa perspectiva, pautado na análise da cobertura da visita do Sumo pontífice da Igreja Católica, Papa Francisco, a partir do recorte de duas edições do Jornal Nacional, este artigo investiga, por meio da metodologia da Análise de Conteúdo e das teorias da teatralização e construção de personagens, postuladas por Goffman (1985) as sedimentações das imagens baseadas na constituição do personagem hiperreal como base na máscara na simplicidade e humildade. Palavras-chave: Comunicação; Telejornalismo; Jornal Nacional; Representação Social. Abstract: Theatricality, dramatization and representations, form part of a new popular imagination that unfolds in the identity of the postmodern subject. Accordingly, at present, the advertising and media images, even the TV news coverage are permeated preferably by hyper-real representations seeking the recovery of social representations and endowment masks trying to determine various social orders that highlight the everyday actions. From this perspective, based on the analysis of the coverage of the visit of the Supreme Pontiff of the Catholic Church, Pope Francisco, from clipping two editions of Jornal Nacional, this paper investigates, through the methodology of content analysis and theories of theatricality and character building postulated by Goffman (1985) the sedimentation of the images based on the constitution of the hyperreal character mask based on the simplicity and humility. With the analyzes showed that the representations are built based on the expressions conveyed on the facade and in scenarios. Keywords: Communication; TV Journalism; Jornal Nacional; Social Representation. 1 Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestranda no programa de Pós-Graduação em Comunicação pela mesma instituição. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].

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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI

24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

A teatralização e a representação do Papa humilde1

Vanessa da Silva2

Resumo: Teatralização e representações, fazem parte de um novo imaginário popular

que se concretiza na identidade do sujeito pós-moderno. Nesse sentido, na atualidade, as

imagens midiáticas publicitárias e, até mesmo, as coberturas telejornalísticas são

permeadas, prioritariamente, por representações hiper-reais que buscam a valorização

de cenas sociais e a investidura de máscaras que tentam condicionar diversas ordens

sociais, ressaltando as ações cotidianas. Sob essa perspectiva, pautado na análise da

cobertura da visita do Sumo pontífice da Igreja Católica, Papa Francisco, a partir do

recorte de duas edições do Jornal Nacional, este artigo investiga, por meio da

metodologia da Análise de Conteúdo e das teorias da teatralização e construção de

personagens, postuladas por Goffman (1985) as sedimentações das imagens baseadas na

constituição do personagem hiperreal como base na máscara na simplicidade e

humildade.

Palavras-chave: Comunicação; Telejornalismo; Jornal Nacional; Representação

Social.

Abstract: Theatricality, dramatization and representations, form part of a new popular

imagination that unfolds in the identity of the postmodern subject. Accordingly, at

present, the advertising and media images, even the TV news coverage are permeated

preferably by hyper-real representations seeking the recovery of social representations

and endowment masks trying to determine various social orders that highlight the

everyday actions. From this perspective, based on the analysis of the coverage of the

visit of the Supreme Pontiff of the Catholic Church, Pope Francisco, from clipping two

editions of Jornal Nacional, this paper investigates, through the methodology of content

analysis and theories of theatricality and character building postulated by Goffman

(1985) the sedimentation of the images based on the constitution of the hyperreal

character mask based on the simplicity and humility. With the analyzes showed that the

representations are built based on the expressions conveyed on the facade and in

scenarios.

Keywords: Communication; TV Journalism; Jornal Nacional; Social Representation.

1 Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional

de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual de

Londrina (UEL). Mestranda no programa de Pós-Graduação em Comunicação pela mesma instituição.

Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].

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Considerações iniciais

Ao refletir acerca do imaginário social na atualidade, depara-se, inúmeras

vezes, com uma relação de estranhamento e disparidades do que é e como se constrói a

identidade dos sujeitos. Assim sendo, vive-se em uma época constituída pela confusão e

perda identitária, em que a construção social se ancora por realidades indefinidas e

variáveis, cabendo aos sujeitos uma busca incessante por referências identitárias que se

aproximem do seu cotidiano.

Nesse sentido, os meios de comunicação assumem a perspectiva de

reestabelecimento do imaginário social e surgem com novas ofertas identitárias, que

buscam suprir os desejos e aproximar as pessoas. Apresentam-se cenas hiperreais que

geram verdadeiras teatralizações, criando personagens e mascaramentos sociais,

exemplos identitários a quem se deve seguir. Procura-se, portanto, por meio da tradução

da realidade sociocultural, aproximar-se da população, gerando identificação e

aceitação.

O homem, um produto social, se constitui por meio de uma dialética, em

que interfere e constrói sua sociedade e, no entanto, é interpelado por ela. Há, pois, um

movimento de idolatria aos heróis contemporâneos, que são constituídos, em especial

pela televisão, com características que dialogam com o contexto social, cativam e

seduzem pela similaridade com as cenas reais e expõem e dramatizam a vida e o lado

humano de cada pessoa.

Dessa maneira, a investigação do processo de construção de um

personagem é de extrema relevância para se compreender as novas configurações

sociais que se formam na pós-modernidade. Busca-se, portanto, neste trabalho,

compreender como programas telejornalísticos tecem e manifestam representações

sociais, formando máscaras com caraterísticas humanas e consideradas comuns e, por

vezes, promovendo hiper-realidades. Para tanto, utiliza-se como procedimento teórico

metodológico a Análise de Conteúdo, metodologia de pesquisa que pode avaliar um

grande número de informações definidas de acordo com as relações explícitas e

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implícitas que se pretende fazer com o objeto de estudo. A categorização é feita por

meio dos conceitos chaves do teórico de representação social, GOFFMAN (1985).

Em suma, tece-se análises acerca do comportamento do telejornal de

maior abrangência do Brasil, o Jornal Nacional (JN), referente à cobertura da visita do

Sumo Pontífice da Igreja Católica, Papa Francisco, durante a Jornada Mundial da

Juventude no Brasil. O recorte é o das duas edições -22 e 25 de julho de 2013 -, haja

vista que dedicaram maior tempo e maior número de reportagens à visita do religioso.

A formação de novos sujeitos e a representação na televisão

Nos últimos decênios, frente ao desenvolvimento dos Meios de

Comunicação de Massa, muito se tem discutido a respeito das interferências

comunicativas na construção social da realidade e na constituição da identidade dos

sujeitos. Assim sendo, muitos são os estudos que se debruçam acerca dessa

problemática, dedicando-se e sistematizando meios comunicativos e objetos de estudos

variados, no entanto, empreendendo uma conclusão em comum: com base nas

transformações sociais, econômicas e históricas, a mídia assumiu características de

instituição econômica, e na busca por lucro, desenvolveu recursos para encantar e

paralisar seu público, conquistando representatividade nas ações coletivas e individuais

e, modificando as noções de sociedade. Dessa maneira, o capitalismo e a globalização

tornaram-se elementos basilares nas transformações do mundo e, por decorrência, da

sociedade, sendo possível, por meio deles, explicar o encantamento que as mídias

exercem.

Anthony Giddens (1991, p.15-16), concebe a modernidade como uma

descontinuidade no período histórico até então vivenciado, com a imposição de novas

ordens sociais, que envolvem transformações mais profundas na experiência do viver

em sociedade. As relações sociais são imersas sob rápido ritmo de mudança, com a

produção de novas tecnologias, consequência do desenvolvimento da industrialização e

com o processo de globalização, em que as conexões de tempo e espaço foram

diminuídas a medida que as relações sociais se intensificam em escala mundial.

Portanto, “diferentes áreas do globo são postas em interconexão, ondas de

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transformação social penetram (...) virtualmente toda a superfície da Terra” e o que seria

impensável para as sociedades pré-modernas acontece: há intrínseca ligação entre o

local e o global, de maneira que a vida cotidiana passa a ser definida pelos

acontecimentos mundiais.

É inegável, deste modo, que o desenvolvimento das sociedades modernas

está intimamente conectado ao aumento da mediação e de novas formas de se

comunicar. Assim, a medida em que o mundo se une por meio das informações

veiculadas pela mídia, há um bombardeio de identidades3, isso porque a sociedade não é

um todo delimitado e unificado, e sim uma estrutura deslocada e com inúmeros centros

de poder imersos sob a lógica do capital. Como acredita Giddens (2002), com o

"esvaziamento" do tempo aliado às possibilidades midiáticas, os indivíduos podem

experimentar novas sensações e experiências e escolher entre os vários mundos que lhe

são oferecidos. Nesse sentido, a noção de identidade social torna-se distinta da existente

em outros momentos históricos; está agora, em diálogo ao meio da representação e das

possibilidades.

Uma concepção de identidade que retrata com fidelidade o momento

vivido é a defendida por Enernest Lacau (1990). Para o estudioso, a sociedade moderna

esbarra a todo momento com as disparidades e produz diferentes posições e

antagonismos sociais, resultando em incontáveis sujeitos e identidades. Nesse sentido, a

pós-modernidade, segundo Stuart Hall (2004), marca uma “crise das identidades”,

desestabilizando sujeitos que se encontravam ancorados por realidades estáveis e bem

definidas de seus imaginários, e agora veem a obrigatoriedade de buscar por novos

caminhos e descobertas, em um momento em que as referências identitárias encontram-

se em declínio.

De acordo com Hall (2004, p. 75), com o processo de modernização, há

um distanciamento das noções de identidades vistas, até então, como essenciais para o

meio social; o indíviduo apoia-se em outras bases que não as das tradições,

desenvolvendo identidades hibrídas. As noções de identidade nacional, por exemplo, se

desintegram no crescimento da homogenização cultural e “quanto mais a vida se torna

3 As identidades são elementos de promoção e identificação das diferenças e constroem-se segundo

processos de valores e formações sociais circuncidadas na sociedade.

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mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens (...) mais as identidades se

tornam desvinculadas- desalojadas- de tempos, lugares, histórias e tradições

específicos”. Cria-se, de acordo com o estudioso, os chamados sujeitos pós-modernos,

indivíduos sem identidade definida ou fixa, o que resulta em uma fragilidade nas

relações sociais com o distanciamento de seus imaginários e de valores representativos

na pré-modernidade como a família, e a amizade.

Os novos sujeitos, aqueles que, teriam mais liberdade de escolhas,

acabam por desejar intensamente as relações e valores que não se fazem mais presente

em suas realidades sociais e em busca de um firmamento identitário e da aceitação, que

não mais se consolidam, viram eternos escravos da teatralização de pápeis sociais,

ficando encarcerados, o que Marcos Filho (1994) denomina “cárcere mental”. Para

Goffman (1985, p.14), a vida e as relações sociais são galgadas por meio da constante

teatralização dos sentimentos e das vivências. A teatralização é vital e inerente ao

homem, pois é por meio dela que se instaura a socialização e os movimentos de

aceitação e convencimento. Representa-se para que outros a partir dos objetivos de

convenção social, o vejam e o aceitem; dissimula-se para fazer parte de determinados

grupos. “Quando uma pessoa chega à presença de outras, existe em geral, alguma razão

que a leva a atuar de forma a transmitir a elas a impressão que lhe interessa transmitir”.

Na busca pela construção da identidade, há desse modo, o uso de

máscaras e uma personificação do ser humano, age-se como atores de teatro, que todos

os anos encarnam dezenas de papéis. Sob essa perspectiva, o homem emprega técnicas

de sustentação para convocar os espectadores a acreditar na fachada de seus papéis e

para convencer, embuindo-se de artifícios, verdadeiras roupas que ajudam a caracterizar

e fazer crer no representado. Para pertencer a um grupo, o indivíduo mascara e age

dramatizando e encenando, expressando características que acredite convencer e

transpor determinado papel, utilizando, portanto, de sua aparência, linguagem corporal e

falada, vestuário e gênero para sustentar para si e para os demais suas verdades

mascaradas.

Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus

observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-

lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os

atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as

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consequências implicitamente pretendidas por ele e que, de modo geral, as

coisas são o que parecem ser. (GOFFMAN,1985, p.25).

O homem, ao mascarar para desempenhar um papel social, nem sempre

consegue um distanciamento natural das camuflagens físicas e psicológicas embutidas

em sua atuação, não abandonando, como os atores, seu personagem a cada apresentação

e sim agregando a cada momento de conveniência um novo papel social. Contudo, é

importante ressaltar, sob esse viés, que o significado das máscaras não é apenas o de

esconder imperfeições, impressionar ou ser aceito pelo outro. A constituição do atuar

está, por muitas vezes, ligada a realização do humano, que a partir da atuação social,

mostra como deseja viver e deseja ser. Cria-se, pois, um palco de encenações, em que se

“apresenta coisas que são simulações.” Dessa forma, há a transformação da vida e

“presume-se que a vida apresenta cenas reais e, às vezes, bem ensaiadas.” (GOFFMAN,

1985, p. 09).

Nesse sentido, um dos maiores palcos em que se formam as atuações e

representações sociais, são os meios de comunicação, que, por vezes, apresentam

“faces”, fachadas que sustentam um indivíduo. Os veículos e, em especial a televisão,

criam suas cenas com base nas mais diversas máscaras, muitas vezes, compondo uma

segunda vida ao indivíduo apresentado e recriando o eu, tornando seus telespectadores

reféns de uma vida de fachada, baseada apenas na tentativa de impressionar, de obter

um status social. Vivencia-se uma “prisão da vida social”,

A televisão e o jornalismo constitui-se como um local de mediação em

que se estabelecem as relações com a realidade e com o imaginário do homem, se

situando como uma nova perspectiva de reestruturação dos laços e do social. No

entanto, as relações sociais estabelecidas são muito distintas das até então existentes. A

televisão, traz a valorização dos vínculos sociais por meio da virtualidade, constituindo

a teatralização e a criação de personagens, por exemplo, na imagem dos apresentadores

de telejornais e nos personagens das novelas, algo que desperta sentimentos de

proximidade e familiaridade, preenchendo o vazio desses sujeitos sem identidade.

O meio televisivo é transformado, em troca de capital, em uma indústria,

que trabalha a favor do imaginário do telespectador, mostrando o que ele deseja ver e

alimentando suas fantasias sem comprometimento com a realidade, cria-se uma

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indústria de desejos. Para Filho (1994), a televisão fabrica mundos, em que a imagem é

mostrada com o fim de agradar, pois parece modificar a realidade do homem que vive o

cotidiano de maneira repetitiva e enfadonha.

Nesta perspectiva, até mesmo o telejornalismo, que deveria ser objetivo e

o mais imparcial possível, se transfigura em verdades parciais, sendo mais importante

que a informação e a notícia objetiva, a recriação exacerbada de emoções, sentimentos e

personagens mascarados, para que o sujeito tenha a sensação de humanização e assista

ao programa. As informações culminam em construções noticiosas que encantam e, em

muitos momentos, tornam-se espetaculares com a formação de um mundo de aparências

e realidades nem sempre existentes, as hiper-realidades.

Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus

apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isto a informação sofre um

tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização,

padronização, simplificação e negação do subjetivismo. Além do mais, ela é

um meio de manipulação ideológica de grupos de poder social e uma forma

de poder político. (MARCONDES FILHO, 1994, p.13)

A estética televisiva é arquitetada, pois, por meio da dominação social

com base no fetichismo mercadológico. A realidade é reinventada e nada mais é do que

uma fabricação dos desejos e objetivos populares, construída, segundo Edson Fernandes

e Eduardo Santos (2002), na ressignificação dos sonhos, anseios e fantasias. O

espetáculo forja, dessa forma, o real, mas impressiona e hipnotiza, uma vez que se passa

no plano midiático, isto é, a dor alcançada no espetáculo não pode ser sentida. É pela

sedução que o espetáculo enlaça o sujeito.

São fabricadas, realidades e representações que parecem trazer o

pertencimento do homem a sociedade, tendo algumas imagens mais expressão que a

própria realidade. De acordo com Juremir Machado (2007), as imagens hipereais,

especialmente no telejornalismo, constroem cenários próximos as tramas diárias e

fazem com que o telespectador seja imerso em cenas que se confundem entre o real e o

irreal, trazendo uma perspectiva de projeção e identificação com o outro. O sujeito crê

que na visualização da face de seu “semelhante” alcança sua legitimidade e a vivencia e

experimentação do mundo.

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O Papa Francisco e a mídia

Desde sua eleição como Sumo Pontífice, em 13 de março de 2013, Jorge

Mario Bergolio, ganhou grande destaque entre a mídia, que dedicou cobertura especial

ao evento. O então arcebispo de Buenos Aires foi eleito após um ato inédito: a histórica

renúncia e a aposentadoria do Papa Bento XVI, tornando-se o primeiro chefe do Estado

do estado do Vaticano nascido no Continente Americano e o primeiro Papa jesuíta.

Ainda no contexto de sua primeira apresentação na Basílica de São

Pedro, o pontífice teve notoriedade em especial na televisão, ao apresentar-se aos seus

fiéis com o nome religioso de Francisco, algo que remetia a São Francisco de Assis,

mártir da simplicidade e que dedicou a vida aos menos favorecidos. Sob essa

perspectiva, e sabendo que a Igreja Católica passava por denúncias de corrupção e

abusos sexuais, a mídia começou a noticiar tudo o que se referia ao Vaticano e ao novo

papado, dando indícios e formando opiniões de que o novo sacerdote traria mudanças e

prezaria pelos mais pobres.

Durante todas as transmissões com notícias do religioso, as redes

televisivas tentavam configurar um papa do povo. Esse cenário concretizou-se também

na visita do papado ao Brasil, para participar da Jornada Mundial da Juventude, em que

todos os meios de comunicação e, até mesmo nos telejornais, mostraram-no como um

ser humilde e que transcendia os valores materiais, parecendo ser um verdadeiro pai

para toda a população marginalizada.

A construção da máscara papal no JN

O telejornal situa-se como importante veículo de informação, capaz de

interferir nas perspectivas de mundo e identidades populares. Assim sendo, pode ser

considerado como um “veículo de indícios”, que transmite informações sobre um

personagem, criando situações e “tornando os outros capazes de conhecer

antecipadamente o que dele podem esperar”, fazendo com que os telespectadores

apliquem indicações sobre o ator a partir da conduta apresentada pelo telejornal.

(GOFFMAN, 1985, p.11)

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Constrói-se um palco de significações e teatralizações diárias, em que o

veículo apresenta, por vezes, a realidade e por vezes simulações. Nesse sentido, no

palco do telejornalismo, o Jornal Nacional personifica e instaura máscaras ao ator Jorge

Mario Bergolio, que se exibe sob a aparência do Sumo Pontífice Papa Francisco, um

ator mascarado e projetado para atingir outros atores. Desse modo, como acredita

Goffman (1985), a capacidade de um indivíduo de gerar determinada impressão,

envolve a expressão que ele transmite e que ele emite, ou seja, símbolos verbais e não

verbais ligados ao imaginário do ator que se deseja convencer- no caso da análise, o

telespectador- e que ajudam a descrever e formar as características do ator

personificado.

Assim sendo, no JN, já na primeira reportagem do dia 22, alguns

mecanismos de construção do personagem são evidenciados, como as imagens do VT, a

cabeça da matéria e o off da repórter Mônica Teixeira, referentes a reportagem que

anunciara a chegada do Papa Francisco ao Brasil. O telejornal emprega técnicas

jornalísticas que ajudam a selecionar e sustentar a “fachada” “que já foi estabelecida

para este papel”, neste caso, a de que um religioso deve configurar-se pela simplicidade,

humildade, ajuda e lugar comum com seus fiéis. Desse modo,

(...) deve-se observar que uma determinada fachada social tende a se tornar

institucionalizada em termos das expectativas estereotipadas abstratas às

quais dá lugar e tende a receber um sentido e uma estabilidade à parte das

tarefas específicas realizadas em seu nome. A fachada torna-se uma

“representação coletiva” e um fato, por direito próprio. (GOFFMAN,1985,

p.34).

Expõe-se, portanto, pela construção imagética do pontífice, o que se

espera de um religioso, a simplicidade e proximidade com seus fiéis. A representação

do papa Francisco fixa-se como uma pessoa que não deixa de sorrir, um homem

afetuoso e cordial que acena para todos e que trata igualmente os moradores da favela e

da área nobre da cidade. Além disso, constitui-se um ator que não se envaidece com a

idolatria dos fiéis e os trata igualmente, mesmo com representações que lembram as

aparições dos astros de Hollywod, concretizadas pelas cenas de gritos que se unem e

formam um coro chamando o religioso, pelas bandeiras com o rosto do santo padre e

pela correria e desespero dos fiéis em torno do carro em que o religioso era

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transportado. A junção das imagens e do off da repórter exibe o religioso preso a um

congestionamento e cercado por fiéis, mas ainda assim, de janelas abertas e saudando os

outros católicos.

Off Mônica Teixeira: (...) o Santo padre embarcou em um carro fechado,

preferiu um modelo sem luxo. E já no trajeto de quase 20 km até o centro da

cidade, surpreendeu! Andou o tempo todo com os vidros abertos, acenou para

moradores das favelas que cercam a linha vermelha e distribuiu simpatia. O

destino era a Catedral Metropolitana do Rio e apesar das interdições nas ruas

do centro da cidade, a comitiva acabou no meio de um congestionamento

cheio de ônibus na Avenida Presidente Vargas. E o imprevisto se tornou uma

oportunidade para centenas de fiéis: era a chance de se aproximar do carro do

papa parado no trânsito. Nem o tumulto tirou a tranquilidade de Francisco,

que retribuiu o carinho pela janela. Apertou todas as mãos que pode e o bebê

ganhou um beijo.

Nesse sentido, a maioria das reportagens do dia 25 também instauram a

fachada. Há nos VTs, a “fachada pessoal”, transformada no que Goffman (1985, p.31)

caracteriza como “aparência”, ou seja, o que nos mostra o status do ator, que na imagem

do papa é ilustrada por uma característica de um religioso: a preocupação com a vida

das pessoas. As imagens da segunda reportagem do dia 25 visam, como a maioria das

do dia 22, a construção do sumo pontífice com base na simplicidade de seu discurso e

de sua maneira de viver, no entanto, há uma particularidade comum a grande parte da

população, a luta diária de um chefe de família para suprir as necessidades e para

melhorar a vida de seus familiares, no caso do religioso, a manutenção da Igreja e o bem

estar de seus fiéis. Isso se materializa no comentário de uma fiel que ressalta a

importância do religioso como alguém que denuncia injustiças, que denuncia os abusos

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de poder e incentiva o tratamento de todos como irmãos. Além disso, há a identificação

com o papa por meio de sua preocupação de pai, no off na repórter Illzi Scamparini:

Off Ilzi Scanparini: Antes um aceno para os que ficaram debaixo da chuva.

Depois Jorge Bergólio dirigiu-se aos cinco mil jovens argentinos com o afeto

e a intimidade de um padre de paróquia. Agradeceu aos que estavam dentro e

fora da Igreja. 30 mil disse um pontífice bem informado.

Além disso, outro estímulo que forma a fachada é a “maneira”;

“estímulos que funcionam no momento para nos informar sobre o papel de interação

que o autor espera desempenhar na situação que se aproxima”. Nesse sentido, a maneira

humilde do sacerdote na quarta reportagem do dia 25, surgindo como uma esperança de

um líder e um herói que busca um mundo melhor e também encoraja a todos para que

sejam responsáveis por ele, parece abrir espaço para que o ator siga o comando de toda

a população, é dada voz ao imaginário popular. As reportagens expõem a composição

imagética e ressaltam o papel de humanização, de lugar comum e hipereal, pois alterna

planos de tomada gerais, manifestando, a amplitude do acontecimento e o grande

número de pessoas que ali estavam, mas do mesmo modo, exibe a população como

igualmente importante, também protagonistas do acontecimento- visto que o plano geral

é aquele em que o ambiente é o próprio personagem.

Para Goffman (1985, p.29), algumas partes ajudam a padronizar a

fachada. Nesse sentido, o JN unifica a fachada do homem simples a partir do “cenário”,

constituído como os elementos, os suportes de palco que ajudam a construir o ator e sua

representação. Observa-se, novamente a configuração de um homem que além de

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mostrar-se singelo e modesto, é também herói do povo, que se aproxima e passeia pelas

ruas do Rio de Janeiro em um papa móvel - cenário- sem blindagem e sem vidros nas

laterais, não importando-se com o perigo a que poderia estar submetido. Nota-se, desse

modo, que todas as reportagens do dia 22, estabelecem relações com um ídolo humilde

que é idolatrado pelos fiéis, pois divide sua glória com os membros da comunidade,

localizando-se acima, no papa móvel, mas abaixando-se e chegando ao chão para saudar

a todos.

A sonora da fiel expressa a idolatria por alguém que se acredita

alcançável.

Sonora: Foi um presente de Deus! E eu consegui estar perto dele e constatar

que ele é realmente esse pastor humilde e amigo do povo e que veio pra

resgatar mais fiéis pra Igreja Católica.

Goffman (1985) assevera, acerca do encontro e as experimentações- as

interações face a face, que é a influência que indivíduos tem sobre os outros quando em

situações de presença física- são de extrema importância para a formação do jogo

dramatúrgico. Como esse tipo de experiência é cada vez mais rara atualmente, o

telejornal constrói a imagem do papa como um ser que pertence as massas, instaurando

cenas hipereais. Na hiperealidade o que se busca é identificar com o semelhante, ter

“uma contemplação de si mesmo em outro, em princípio, semelhante ou igual ao

contemplador. Todos devem poder se imaginar no lugar do objeto de sua admiração. O

outro é “eu” que deu certo graças às circunstâncias” (MACHADO, 2007, p. 31-32).

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A primeira reportagem do dia 25, que se inicia com o off do repórter

Pedro Bassan: “um dia em que as maiores ondas de Copacabana não vieram do mar.

Ondas de fé chegando muito longe”, elucida claramente essa construção, que mostra a

importância das experimentações face a face e a comoção geral da população por poder

encontrá-lo e vê-lo de perto. Dessa maneira, sonoras e imagens em close, aproximam a

multidão de fiéis, representantes de mais de 170 países, dos telespectadores que também

se comoviam em casa. E quase que parecendo não acreditar, sob um tom de alegria e

emotividade, os fãs descrevem a emoção de se fazer parte da vida e ver de perto o

pontífice. Para Pereira (2008), a televisão, por meio de seus personagens, preenchem as

necessidades de uma população carente de identidade, trabalhando imagens como a da

moralidade e a do comportamento para completar as lacunas do que não se vê na

atualidade.

O JN estabelece nas edições do dia 23 e 25, uma representação pautada

por meio do imaginário social coletivo, com a constituição de um ator com o qual o

público possa se identificar, produzindo-o de acordo com o que o mercado pede.

(BACZKO,1985) Pela imagem do “outro parecido” espelhada no cristal líquido da

televisão, há estruturada uma intimidade banal, em que o telespectador assume a

imagem como sua. Ao retratar o Papa Francisco como um personagem que mesmo na

situação de herói, vence dificuldades banais e comuns, é humilde e simples e tem

esperança de que o mundo seja um lugar melhor, o programa quer que as pessoas,

inicialmente, se identifiquem, para depois se projetar na figura papal.

Sob essa perspectiva, percebe-se, na realização dramática do

acontecimento, sinais que acentuam e confirmam a imagem de um ator que cativa

mesmo entre aqueles que não compartilham a religião católica, indicando um ator do

povo, que é sucessivamente exibido pela simplicidade e acolhimento. Os sinais são

constituídos, portanto, pelas cenas de emoção e que buscam a comoção social,

promovendo movimentos de identificação com o Papa. Ainda no dia 22, a emotividade

do texto da repórter e dos fiéis, parece querer revelar o sentimento, o anseio e a

felicidade das pessoas que conseguiram se aproximar do papa. Imagens como a da mãe

que chora e fala emocionada sobre a benção dada pelo religioso a seu bebê, concretizam

este cenário.

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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI

24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

Em suma, o JN parece buscar uma influência, “uma harmonia suficiente

para que a interação seja mantida” e para que os telespectadores ajam de acordo com o

que se foi planejado, acreditando na representação de homem comum, se identificando,

assistindo o telejornal e gerando audiência. Tenta-se, pois, apresentar um mesmo

“movimento” que desenvolve-se em uma série de situações e reportagens, tecendo uma

padrão de ação de uma relação de lugar comum e representações simples, para que se

estabeleça um relacionamento social com seu público. (GOFFMAN, 1985, p. 24).

Considerações Finais

A partir das análises deste trabalho, pode-se verificar que a

teatralização, a dramaturgia e a representatividade apresenta-se em todo lugar da vida

social, sendo construída e arraigada no imaginário popular até mesmo nos telejornais

diários. Assim, com a investigação, pode-se perceber que o Jornal Nacional na

cobertura da visita do Papa Francisco, perpetrou a imagem de um religioso a partir da

simplicidade e humildade, muitas vezes tentando com que seu público pudesse se

identificar.

Desse modo, por meio de construções teatrais e dramáticas, utilizou-se de

artifícios de expressões transmitidas e emitidas, de fachadas, pela aparência e maneira,

de cenários e de interações face a face, observa-se que o telejornal tentou emocionar

seus telespectadores, compondo uma figura paterna, cativante, simples e que preza pelo

bem de todos. Além disso, as imagens tentam ganhar o público de casa pelas cenas de

forte carga emocional.

As análises, juntamente com os apontamentos teóricos, demonstram,

portanto, uma construção de um teatro moderno, em que se prioriza a constituição de

sentidos pautada em imagens com grandes sensações de humanidade e que buscam a

comoção e os sentimentos. As edições priorizam o elemento humano, em que ao leitor

cabe atentar-se a todos os elementos que compõem as reportagens para compreendê-las.

É importante ressaltar, no entanto, que não se tentou, nesta análise,

empreender que os sujeitos são passivos e aceitam de forma consensual as máscaras e

personificações apresentadas, pois isso não é possível prever. Tentou-se, entretanto,

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provar e identificar as intenções do telejornal, mostrando como o Jornal Nacional,

construiu em suas edições acerca da vista papal, uma máscara do Papa simples e

humilde.

Referencias

BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi: Anthropos –

Homem, v. 5. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.

FERNANDES, Santos; SANTOS, Edson. TV Espetáculo– a estética indefinida da

tecnocultura. Revista Brasileira de Marketing, Vol. 1, p. 8 – 25, 2002.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São

Paulo: Editora UNESP, 1991.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Tradução Plínio Dentzien. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed. , 2002.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 7 ed. Petrópolis:

Vozes, 1996.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade / Stuart Hall; tradução

Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro – 9. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2004

MACHADO, Juremir. Depois do espetáculo (reflexões sobre a tese 4 de Guy Debord.

In: GUTFREIND, Cristiane Freitas e MACHADO, Juremir. Guy Debord: antes e

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MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: A vida pelo vídeo. São Paulo: Scipione, 1994.