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RESUMO PARA POLÍTICA PÚBLICA EFEITOS DA CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA SOBRE O DESMATAMENTO NOVO ESTUDO INDICA QUE INSTALAÇÃO DE USINAS NA REGIÃO NEM SEMPRE ESTIMULA O DESMATAMENTO Existe hoje no Brasil um intenso debate a respeito da construção de usinas hidrelétricas (UHEs) na região amazônica. A instalação de barragens muitas vezes causa desequilíbrio ambiental e social às regiões afetadas, em virtude de desmatamento, de deslocamento de populações e de alagamento de áreas florestais e de propriedades. Por outro lado, a energia gerada por UHEs é parte essencial da matriz energética do Brasil, produzindo atualmente mais de 60% da eletricidade consumida no país. O combate ao desmatamento no Brasil é foco constante de políticas públicas e, por isso, a implementação de obras de infraestrutura na região amazônica levanta uma importante questão: a chegada de UHEs estimula o desflorestamento? Não necessariamente. Análise conduzida por pesquisadores do Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio/ Climate Policy Initiative (NAPC/ CPI) 1 , através do projeto INPUT e em cooperação com o BNDES, mostra resultados bastante diversos para 10 usinas com início de construção entre 2003 e 2011 na Amazônia Legal, região que tem sido foco das políticas de combate e prevenção do desmatamento 2 (Figura 1). Enquanto algumas UHEs estimularam desmatamento nas áreas próximas à sua construção, outras evitaram desmatamento que aconteceria naquelas localidades caso as usinas não tivessem sido instaladas. Os resultados do estudo revelam a importância de tomadores de decisão analisarem as especificidades de cada usina, a fim de averiguarem as causas por trás de comportamentos distintos desse tipo de obra e de maneira a garantir a formulação de políticas públicas que aliem desenvolvimento econômico à proteção ambiental. 3 1 Para ler o estudo completo, acesse: http://www.inputbrasil.org/publicacoes/estudo-efeitos-locais-de-hidreletricas-no-brasil/ 2 Dois outros critérios fizeram parte da análise sobre desmatamento: a UHE deve ter obtido financiamento do BNDES e deve estar localizada a mais de 100 quilômetros de distância de qualquer outra UHE. 3 Pesquisadores do NAPC/ CPI também avaliaram os efeitos socioeconômicos locais da construção de UHEs no Brasil: http://www. inputbrasil.org/publicacoes/efeitos-socioeconomicos-locais-da-construcao-de-hidreletricas-no-brasil 1

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RESUMO PARA POLÍTICA PÚBLICAEFEITOS DA CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA SOBRE O DESMATAMENTONOVO ESTUDO INDICA QUE INSTALAÇÃO DE USINAS NA REGIÃO NEM SEMPRE ESTIMULA O DESMATAMENTO

Existe hoje no Brasil um intenso debate a respeito da construção de usinas hidrelétricas (UHEs) na região amazônica. A instalação de barragens muitas vezes causa desequilíbrio ambiental e social às regiões afetadas, em virtude de desmatamento, de deslocamento de populações e de alagamento de áreas florestais e de propriedades. Por outro lado, a energia gerada por UHEs é parte essencial da matriz energética do Brasil, produzindo atualmente mais de 60% da eletricidade consumida no país.

O combate ao desmatamento no Brasil é foco constante de políticas públicas e, por isso, a implementação de obras de infraestrutura na região amazônica levanta uma importante questão: a chegada de UHEs estimula o desflorestamento? Não necessariamente. Análise conduzida por pesquisadores do Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio/ Climate Policy Initiative (NAPC/ CPI)1, através do projeto INPUT e em cooperação com o BNDES, mostra resultados bastante diversos para 10 usinas com início de construção entre 2003 e 2011 na Amazônia Legal, região que tem sido foco das políticas de combate e prevenção do desmatamento2 (Figura 1). Enquanto algumas UHEs estimularam desmatamento nas áreas próximas à sua construção, outras evitaram desmatamento que aconteceria naquelas localidades caso as usinas não tivessem sido instaladas.

Os resultados do estudo revelam a importância de tomadores de decisão analisarem as especificidades de cada usina, a fim de averiguarem as causas por trás de comportamentos distintos desse tipo de obra e de maneira a garantir a formulação de políticas públicas que aliem desenvolvimento econômico à proteção ambiental.3

1 Para ler o estudo completo, acesse: http://www.inputbrasil.org/publicacoes/estudo-efeitos-locais-de-hidreletricas-no-brasil/

2 Dois outros critérios fizeram parte da análise sobre desmatamento: a UHE deve ter obtido financiamento do BNDES e deve estar localizada a mais de 100 quilômetros de distância de qualquer outra UHE.

3 Pesquisadores do NAPC/ CPI também avaliaram os efeitos socioeconômicos locais da construção de UHEs no Brasil: http://www.inputbrasil.org/publicacoes/efeitos-socioeconomicos-locais-da-construcao-de-hidreletricas-no-brasil

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Nota: A Figura 1 mostra a localização das UHEs estudadas, indicando as que causaram desmatamento e as que evitaram desmatamento, e o desmatamento acumulado entre 2001 e 2014. Observa-se que as UHEs estão situadas em áreas de concentração de derrubada de floresta, ao longo do chamado “Arco do desmatamento”, mas não necessariamente foram responsáveis por ele. Para uma melhor compreensão dos impactos gerados pelas usinas, portanto, é necessário levar em conta como se deu o desmatamento antes de sua instalação.

Figura 1: UHEs construídas entre 2003 e 2011 na Amazônia Legal

� �

Ferreira Gomes

Sto. A. do Jari

Belo Monte

Estreito

Santo Antônio

Grupo 1 - UHEs que estimularam desmatamento

Grupo 2 - UHEs que evitaram desmatamento que teria sido causado em sua ausência

UHE de Belo Monte

Desmatamento acumulado entre 2001 e 2014

Jirau Teles PiresDardanelos

Colíder

São Salvador

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O estudo do NAPC/ CPI identificou dois diferentes padrões formados pela construção das UHEs na região amazônica: enquanto algumas usinas estimularam o desmatamento, em outras localidades a ausência delas teria provocado ainda mais desmatamento. Isso mostra que a discussão sobre hidrelétricas não pode ser reduzida a avaliações gerais sobre o impacto dessas obras sobre o desflorestamento, pois há bastante variação nos casos estudados. Assim, a diferença de resultados no desmatamento em consequência da construção das usinas sugere que há nuances que precisam ser incorporadas ao processo de licenciamento dos projetos e, de forma mais ampla, nas políticas públicas relacionadas ao tema. Somente com a compreensão mais profunda dos mecanismos associados à implantação das UHEs será possível indicar as potencialidades e os riscos relacionados aos projetos.

Os resultados dos dois grupos estão resumidos a seguir. O desmatamento analisado inclui supressão de vegetação autorizada por órgãos competentes para a obra e desmatamento ilegal.

PRINCIPAIS RESULTADOS

• No período entre o início da construção das hidrelétricas e 2013, houve perda de pouco mais de um milhão de hectares de floresta em até 100 quilômetros do entorno das usinas. Destes, 222 mil hectares se devem à construção das usinas. Ou seja, em geral, a contribuição das 10 hidrelétricas para o desmatamento é relativamente menor do que a de outros fatores somados: 22% da área total desmatada em seus entornos se devem à sua instalação.

• Os resultados são bastante desiguais. Enquanto a construção de algumas hidrelétricas estimulou o desflorestamento, o desmatamento em determinadas regiões teria sido ainda maior caso usinas não tivessem sido construídas ali. No entorno das usinas de Santo Antônio e Jirau, a perda de floresta foi mais de duas vezes maior do que teria ocorrido caso não tivessem sido instaladas. Já a UHE de Teles Pires reduziu em 40% o desflorestamento que teria acontecido na ausência de sua construção.

ANÁLISE PARA TOMADORES DE DECISÃO

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Grupo 1: UHEs de Santo Antônio e Jirau, Estreito, São Salvador e Colíder

A análise das UHEs de Santo Antônio e Jirau, Estreito, São Salvador e Colíder indica que mais de 192 mil hectares de floresta foram derrubados no total, em um raio de entorno de até 100 quilômetros, em virtude da construção dessas usinas.

As UHEs de Santo Antônio e Jirau encabeçam o grupo das usinas que contribuíram para um maior desmatamento durante suas construções. Das 10 usinas estudadas, foram elas as que mais provocaram derrubada de floresta. A análise indica que a supressão de vegetação no entorno dessas hidrelétricas foi mais de duas vezes superior ao que teria ocorrido caso as duas UHEs não tivessem sido construídas. O desmatamento total em um raio de entorno de até 100 quilômetros das usinas foi de 208 mil hectares durante os seis anos após o início da sua construção. Destes, 112 mil hectares podem ser atribuídos à construção das usinas.

Os pesquisadores do NAPC/ CPI suspeitam que o desmatamento provocado por essas hidrelétricas pode ter ocorrido por conta de sua proximidade com o centro urbano (Porto Velho), o que teria gerado um fluxo migratório maior. No entanto, os resultados da pesquisa não permitem comprovar essa hipótese.

Já em Estreito, dos cerca de 119 mil hectares de desmatamento observado, mais de 30% ocorreram devido à instalação da usina. A barragem de São Salvador também foi responsável por mais de 30% do desmatamento, dos 92 mil hectares de supressão de vegetação observada. Por fim, cerca de 11 mil hectares de floresta foram cortados em virtude da construção da hidrelétrica de Colíder, representando 12% do desmatamento total.

Grupo 2: UHEs de Teles Pires, Ferreira Gomes, Santo Antônio do Jari e Dardanelos

Ao contrário do que ocorreu com as hidrelétricas citadas anteriormente, a análise das usinas de Teles Pires, Ferreira Gomes, Santo Antônio do Jari e Dardanelos revela que, no total, mais de 51 mil hectares de floresta teriam sido desmatados na ausência dessas UHEs, em um raio de entorno de até 100 quilômetros.

Neste grupo, a UHE de Teles Pires se destaca: uma área significativamente maior teria sido desmatada caso a usina não tivesse sido construída. A estimativa é de que, no total, mais de 30 mil hectares de florestas deixaram de ser derrubados em decorrência da construção da hidrelétrica, em um raio de entorno de até 100 quilômetros. Ou seja, a UHE de Teles Pires reduziu em 40% o desflorestamento que teria acontecido caso não tivesse sido instalada.

As demais UHEs neste grupo também tiveram um saldo positivo no desmatamento. A hidrelétrica de Ferreira Gomes evitou cerca de 12 mil hectares de desmatamento, uma redução de 26% sobre o que teria ocorrido em sua ausência; a de Santo Antônio do Jari

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evitou mais de 2 mil hectares (redução de 7%); e a de Dardanelos, cerca de 3 mil hectares (redução de 2%).

As hidrelétricas do grupo 2 podem ter apresentado saldo positivo no desmatamento em virtude de um aumento de controle e fiscalização das áreas no entorno das barragens pelo poder público, acompanhando sua instalação. Isso talvez tenha coibido a ação de grileiros e posseiros naqueles territórios, o que provocaria a destruição de uma área muito maior de floresta. Entretanto, apenas uma análise detalhada das usinas poderá comprovar essa suposição.

A Figura 2, a seguir, compara os resultados dos grupos 1 e 2, apresentando a média anual do desmatamento estimado e observado no entorno de até 100 quilômetros de cada uma das hidrelétricas.

Figura 2: Desmatamento estimado e observado por UHE no entorno de até 100 quilômetros

0 5 10 15 20 25 30

Teles Pires

Ferreira Gomes

Santo Antônio do Jari

Dardanelos

Colíder

São Salvador

Estreito

Santo Antônio e Jirau

Contribuição da UHE para o desmatamento observado (%)

54

34

32

12

-2

-7

-26

-40

UHEs

mil hectares

desmatamento estimado na ausência da UHE

desmatamento total observado

Os números refletem a média anual do desmatamento observado

e estimado após o início da construção de cada UHE.

Números negativos indicam que a UHE contribuiu para evitar

desmatamento e que o desmatamento observado teria sido maior do que o de fato ocorreu caso a UHE não

tivesse sido construída.

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UHE DE BELO MONTE

A perda da cobertura florestal na área de entorno da usina de Belo Monte se deu de forma muito diferente das demais no período anterior ao início das obras de construção da hidrelétrica, em 2011. Em especial, entre 2007 e 2009 houve um aumento acentuado de desmatamento no entorno de onde a UHE seria instalada que não se assemelha a nenhum outro na região no mesmo período. Isso faz com que Belo Monte não possua um bom grupo de comparação, limitando a aplicação da metodologia usada nesse estudo para essa usina em particular.

CONCLUSÃO

A análise sobre a instalação de hidrelétricas na região amazônica ajuda a preencher lacunas sobre o assunto, frequentemente cercado por polarizações que focam em exemplos extremos. No entanto, os resultados do NAPC/ CPI sugerem que os efeitos não são iguais em todos os casos.

Os pesquisadores indicam que o risco de desmatamento existe, porém, com base nos dados apresentados, é necessário seguir adiante na análise para entender melhor o que motiva a derrubada de floresta.

Além da supressão de vegetação autorizada pelos órgãos competentes, as possíveis causas do desflorestamento em áreas próximas às usinas incluem deslocamento de populações, proximidade com centros urbanos e com áreas de assentamento, construção de estradas e expansão agropecuária estimulada pela abertura de hidrovias. Descumprimento da legislação ambiental na implantação das obras e medidas mitigatórias mais severas que outras também podem explicar porque algumas usinas estimularam maior perda florestal. No entanto, é necessário compreender as causas específicas de cada empreendimento para comprovar essas hipóteses e identificar medidas que possam mitigar os impactos sobre o desmatamento.

Foto: divulgação/ maio de 2014

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Metodologia

• O estudo utiliza um método econômico rigoroso que possibilita a comparação de áreas e a visualização de contrafactuais. Este método é conhecido como controle sintético para estudos de caso comparados (Abadie, 2010 e 2013). Para cada área no entorno de uma UHE, pesquisadores aplicam um algoritmo que gera uma área de comparação usando outras áreas com potencial hidroenergético, mas que não receberam barragens. A área de comparação é formada de modo a reproduzir a trajetória do desmatamento da área afetada no período anterior à construção da UHE. O efeito da UHE sobre o desmatamento é definido como a diferença entre a área afetada pela UHE e sua área de comparação.

Limitações

• A análise do NAPC/ CPI conseguiu medir com sucesso o impacto das hidrelétricas sobre o desmatamento na Amazônia. No entanto, ainda que os pesquisadores levantem suposições, o estudo não permite averiguar os mecanismos por trás do desmatamento provocado pelas usinas. A análise é insensível a certas realidades locais, que só poderiam ser capturadas com estudos de caso detalhados sobre uma ou outra usina.

• Por uma questão de disponibilidade de dados, o estudo limita-se a analisar os efeitos da construção das UHEs sobre cobertura florestal. Há outros indicadores ambientais relevantes, como biodiversidade e qualidade e quantidade de água a jusante. No entanto, não há dados sistemáticos que possibilitem o mesmo tipo de análise feito para cobertura florestal.

Fontes

• Dados de sensoriamento remoto de Hansen et al. (2013).

• Sistema de Informações Geográficas do Setor Elétrico - SIGEL, ANEEL.

NOTAS SOBRE OS DADOS

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Juliano Assunção Climate Policy Initiative (CPI) & Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio (NAPC/PUC-Rio), Departamento de Economia da PUC-Rio [email protected]

Dimitri Szerman Climate Policy Initiative (CPI) & Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio (NAPC/PUC-Rio) [email protected]

Francisco Costa Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE/FGV) [email protected]

AUTORES

O projeto Iniciativa para o Uso da Terra (INPUT) é composto por uma equipe de especialistas que trazem ideias inovadoras para conciliar a produção de alimentos com a proteção ambiental. O INPUT visa avaliar e influenciar a criação de uma nova geração de políticas voltadas para uma economia de baixo carbono no Brasil. O trabalho produzido pelo INPUT é financiado pela Children’s Investment Fund Foundation (CIFF), através do Climate Policy Initiative (CPI). Este estudo é também resultado de uma parceria entre o CPI e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que contribuiu com dados sobre as usinas hidrelétricas, bem como apoio e comentários da área técnica.

Comunicação Mariana Campos [email protected]

Janeiro/ 2017

www.inputbrasil.org

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