resumo pacelli - versão atualizada

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CURSO DE PROCESSO PENAL Eugênio Pacelli de Oliveira. Páginas ___ a ___. Elaborado por: Alessandra de Abreu Minadakis Barbosa. Atualizado e ampliado: Adriana Borba – 6ª edição. Capítulo 1 – O Processo Penal Brasileiro. 1.1 O Código de Processo Penal. Nossa primeira legislação processual penal codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, de 1832. Em 1941 entrou em vigor o “atual” Código de Processo Penal, que teve por inspiração a legislação italiana da década de 30, pleno regime fascista. Até a Constituição de 1988, apesar de ter sofrido grandes alterações, especialmente na década de 70, o princípio fundamental que norteava o CPP era o da presunção de culpabilidade. Daí se retiram suas mais relevantes características, como uma preocupação quase que exclusiva com a tutela da segurança pública em detrimento da liberdade individual, a legitimação de práticas autoritárias e abusivas pelo Poder Público na busca da vontade real (a ampliação ilimitada da liberdade de iniciativa probatória do juiz descaracterizou o perfil acusatório da atividade jurisdicional), e a valoração do interrogatório do réu como meio de prova, realizado em ritmo inquisitivo, sem intervenção das partes. 1.2 A Constituição Federal de 1988 e o processo constitucional. Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira 1 Resumo do livro “Curso de Processo Penal” – 6ª edição. Autor: Eugênio Pacelli de Oliveira. Realizado pelo Grupo MPF Concurso, em junho de 2005, e atualizado em junho de 2006 pelo Grupo

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CURSO DE PROCESSO PENAL

Eugênio Pacelli de Oliveira.

Páginas ___ a ___.

Elaborado por: Alessandra de Abreu Minadakis Barbosa.

Atualizado e ampliado: Adriana Borba – 6ª edição.

Capítulo 1 – O Processo Penal Brasileiro.

1.1 O Código de Processo Penal.

Nossa primeira legislação processual penal codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, de 1832.

Em 1941 entrou em vigor o “atual” Código de Processo Penal, que teve por inspiração a legislação italiana da década de 30, pleno regime fascista.

Até a Constituição de 1988, apesar de ter sofrido grandes alterações, especialmente na década de 70, o princípio fundamental que norteava o CPP era o da presunção de culpabilidade. Daí se retiram suas mais relevantes características, como uma preocupação quase que exclusiva com a tutela da segurança pública em detrimento da liberdade individual, a legitimação de práticas autoritárias e abusivas pelo Poder Público na busca da vontade real (a ampliação ilimitada da liberdade de iniciativa probatória do juiz descaracterizou o perfil acusatório da atividade jurisdicional), e a valoração do interrogatório do réu como meio de prova, realizado em ritmo inquisitivo, sem intervenção das partes.

1.2 A Constituição Federal de 1988 e o processo constitucional.

A Constituição de 1988 instituiu um sistema de amplas garantias individuais, transformando o processo em um instrumento de garantias do indivíduo em face do Estado, atento para a desigualdade material entre as partes. Um processo justo, construído sob os rigores da lei, da ética e do Direito, a ser realizado sob instrução contraditória, perante o juiz natural da causa, com participação efetiva da defesa técnica, como única forma de construção válida do convencimento judicial, sempre motivado.

O MP passou a ser instituição independente, estruturado em carreira, com ingresso mediante concurso público, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, e não dos interesses exclusivos da função acusatória, devendo atuar com imparcialidade.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira1

Resumo do livro “Curso de Processo Penal” – 6ª edição.Autor: Eugênio Pacelli de Oliveira.Realizado pelo Grupo MPF Concurso, em junho de 2005, e atualizado em junho de 2006 pelo Grupo Resumos MPF, sob a coordenação de Alessandra de Abreu Minadakis Barbosa.

1.3 O sistema acusatório brasileiro.

Algumas dificuldades têm sido observadas na estruturação de um modelo efetivamente acusatório.

Em primeiro lugar há a questão da mutatio libelli do art. 384 do CPP, admitida pelos tribunais, que permite uma alteração substancial da peça acusatória, a partir de fatos e/ou circunstâncias que o juiz julgue provados na instrução criminal. Assim, uma nova acusação é formulada pelo próprio juiz, que antecipa a valoração que estará fazendo do material probatório.

Acertadamente o STF decidiu pela impossibilidade do juiz requisitar de ofício novas diligências probatórias, quando o MP se manifestar pelo arquivamento do inquérito.

No campo da distribuição do ônus da prova tem-se admitido ampla liberdade de iniciativa probatória ao juiz, justificada pelo princípio da verdade real, como se houvesse verdade judicial que não fosse uma verdade processual. Referido princípio tem sido manipulado para justificar a substituição do MP pelo juiz no que se refere ao ônus probatório.

Apenas uma leitura constitucional do processo penal, coma afirmação do princípio do juiz natural e de sua indispensável imparcialidade, pode afastar tais inconvenientes.

A igualdade das partes só será alcançada quando não se permitir mais ao juiz uma atuação substitutiva da função ministerial no que se refere ao ônus processual probatório.

O interrogatório do réu constitui meio de defesa, e não de prova, não podendo, por força do art. 5°, LXIII, da CF, seu silêncio ou não-comparecimento gerar prejuízos. Inclusive, o não-comparecimento do réu à sessão de julgamento do Tribunal do Júri deve ser admitido como estratégia de defesa. O interrogatório foi também redimensionado pela Lei 10792/2003.

1.4 Sistemas processuais incidentes: O modelo brasileiro.

A doutrina brasileira entende que o modelo brasileiro de sistema processual é de natureza mista, isto é, com feições acusatórias e inquisitoriais, no que se refere à definição da atuação do Juiz Criminal. Parte destes autores defende a natureza mista do sistema brasileiro, baseados na existência do inquérito policial; outros justificam a natureza mista, apontando determinados poderes atribuídos ao juiz pelo CPP.

O autor discorda da natureza mista no sistema processual brasileiro, adotando apenas a natureza acusatória. Quanto à alegação da existência do inquérito tornaria o sistema misto, refuta o autor tal fundamentação, sob o argumento que, a definição de um sistema processual deve limitar-se apenas a fase processual, ou seja, da atuação do juiz no processo, e inquérito policial não é processo.

Quanto aos poderes atribuídos aos juízes pelo CPP, esclarece o autor que a atuação judicial na fase de inquérito há de ser para fins exclusivos de tutela das liberdades públicas e que a iniciativa probatória do juiz brasileiro, na fase processual, deve limitar-se ao esclarecimento de dúvidas, salvo no caso da inocência do acusado onde poderiam ser produzidas provas ex officio.

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Capítulo 2 – Leis e processo penal no tempo e no espaço

As alterações trazidas pela EC 45/2004, que esclareceu os critérios adotados em relação ao grau de positividade de normas previstas em tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos e a imposição a nível constitucional, a submissão do Brasil a jurisdições internacionais, levaram o autor a acrescentar este capítulo nesta nova edição.

2.1 Tratados e convenções internacionais

A primeira questão se faz presente no parágrafo 3º, do art. 5º, da Constituição Federal, com redação dada pela EC 45, a dispor: “ os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Entende o autor que a referida norma impõe certas condições para que tratados e convenções internacionais tenham status de emendas constitucionais, a saber, tratar sobre direitos humanos e que sejam aprovadas em dois turnos, por 3/5 dos membros em cada Casa do Congresso Nacional, condições essas que se não forem atendidas em conjunto, não produz efeito de transformarem tratados e convenções internacionais em emendas constitucionais. Prevalecendo, nestes casos, de não preenchimento das condições, a jurisprudência do STF, que confere às normas de direito internacional o status de lei federal.

2.2 A jurisdição dos tribunais penais internacionais

A segunda e relevante questão também trazida pela EC 45/2004, está disposta no parágrafo 4º, do art. 5º, da Constituição Federal: “ o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

Embora expressa admissão da jurisdição do Tribunal Penal Internacional de Roma, impende observar que a aludida sujeição é subsidiária, tanto no que se refere aos processos já julgados no país, quanto a processos em andamento. E mesmo que o TPI tenha instaurado um procedimento, o Brasil não está impedido de adotar as mesmas providências. No próprio preâmbulo do Estatuto está estabelecido que o TPI deverá ser complementar as jurisdições penais nacionais.

O Estatuto também estabelece momentos de sua não atuação, em seu art. 17, ou seja, quando o referido caso não será admitido no TPI, serão hipóteses da não atuação do TPI: quando o Estado já estiver processando ou investigando o mesmo caso, quando a investigação já estiver terminado e o Estado tenha decidido não promover a ação penal, e ainda quando o indivíduo já tenha sido condenado ou absolvido pelo mesmo fato. Nos casos acima citado a jurisdição do TPI prevalecerá diante do colapso total do sistema judiciário local, incapacidade objetiva de punição, quando o processamento ou investigação dos acusados tiver sendo realizado com delongas inaceitáveis e ainda, quando o julgamento local estiver sendo realizado com o objetivo de

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assegurar a impunidade dos autores. Entende o autor que as hipóteses de aplicação do TPI são vagas e de difícil constatação, por exemplo, como se constatar que o Estado-parte tem por objetivo assegurar a impunidade dos autores?

E, por fim, os crimes que se encontram sob a jurisdição do TPI estão relacionados no art. 5º do Estatuto de Roma, abrangendo os crimes de genocídio, dos crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes de agressão, especificados nos art. 6º, 7º, 8º e seguintes.

Para que se possa pensar na aplicação da jurisdição do TPI deve existir tipificação expressa e taxativa no ordenamento jurídico do país de origem e que, conforme art. 11 do Estatuto, os fatos tenham sido praticados após a vigência do mesmo.

2.3 Leis processuais no espaço e no tempo.

No final do governo FHC foi editada a Lei n° 10.628, de 24.12.2002, que tem por objetivo estender o foro privativo para ex-ocupante das funções públicas para as quais são previstas as aludidas prerrogativas, alterando o art. 84 do CPP. Referida lei é “obviamente inconstitucional”, contudo o STF não reconheceu ainda a inconstitucionalidade desta lei. Caso essa interpretação prevaleça, por se tratar de norma de conteúdo processual, relativa à competência, sua aplicação é imediata.1

Após a Constituição da República, o CPP adotou, também, as normas previstas em tratados e convenções internacionais, e agora, após a EC 45/2004, como vimos anteriormente de forma mais enfática.

Nosso Código de Processo Penal não se aplica, senão subsidiariamente, às infrações políticas (crimes de responsabilidade) e ao Direito Penal Militar. Para essas matérias há legislação específica, em atenção à especificidade da jurisdição (política e militar).

Quanto à aplicação da lei processual penal no espaço, aplica-se o princípio da territorialidade, incluindo na definição de território o “território por extensão” (art. 5°, § 1°, CP).

Já no que se refere às leis processuais no tempo, aplicam-se de imediato, desde a sua vigência, respeitando a validade dos atos praticados sob o império da legislação anterior, incluindo seus respectivos efeitos e/ou conseqüências jurídicas.

Tratando-se de normas de conteúdo misto, contendo disposições de direito penal e de direito processual penal, a regra é a irretroatividade da norma penal desfavorável ao acusado, que deve prevalecer sobre os comandos de natureza processual. Se, porém, mais favorável, aplica-se desde logo. Não se deve admitir a separação da parte penal da processual, pois daí resultaria uma terceira legislação.

Havendo dúvidas em relação à benignidade, deve-se rejeitar sua aplicação imediata.

O art. 3° do CPP prevê a possibilidade de aplicação de interpretação extensiva, analógica e da analogia, todas as modalidades de interpretação situadas no processo de auto-integração das leis e do direito. Porém, em se tratando de normas incriminadoras, não se pode falar em aplicação da analogia ou de qualquer processo extensivo de interpretação.

1 Ocorre que, com a conclusão no julgamento da ADIn 2797 (15.9.05) - Informativo/STF 401 -, o Tribunal declarou, por maioria, a inconstitucionalidade - formal e material - da L. 10628/02.

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Capítulo 3 – Princípios fundamentais.

Princípios funcionam como normas fundantes do sistema processual, no cumprimento da tarefa de proteção aos direitos fundamentais. Sendo assim, é o Direito Processual Penal essencialmente um Direito de fundo constitucional. Quanto aos princípios constitucionais, deve-se reconhecer uma amplitude de suas vinculações normativas, pela maior abstração de seus comandos, de modo a se permitir o estabelecimento de critérios minimamente objetivos que possam resolver possíveis e inevitáveis conflitos entre direitos fundamentais.

Diante de determinadas situações, a equação a ser resolvida será representada pela fórmula: direitos fundamentais (dimensão coletiva) X direitos fundamentais (dimensão individual).

Enquanto sistema jurídico de aplicação do direito penal, o processo penal, estruturado em sólidas bases constitucionais, possui princípios absolutamente inafastáveis, que se destinam a cumprir a árdua missão de proteção e tutela dos direitos individuais.

3.1 O justo processo: devido processo legal.

3.1.1 Juiz natural.

Inicialmente concebido sobre a idéia da vedação de tribunal de exceção (direito anglo-saxão), acrescido, posteriormente, da exigência da regra de competência previamente estabelecida ao fato (direito norte-americano), no direito brasileiro o princípio do direito natural foi adotado nessas suas duas vertentes fundamentais.

A Constituição de 1988 fixou a competência pelo critério da especialização quanto à matéria e com atenção à relevância de certas funções públicas (foros privativos). Estabelece, assim, a competência ratione materiae, especializada, e a competência ratione personae, em razão da função. Daí a flagrante inconstitucionalidade da Lei n° 10.628/2002, por pretender instituir juiz natural pela via da legislação ordinária.

O Princípio do Juiz Natural é inafastável por legislação infraconstitucional, em razão da distribuição da competência estar estabelecida na própria CF.

3.1.2 Direito ao silêncio e não auto-incriminação.

Esse princípio não só permite que o acusado ou aprisionado permaneça em silêncio durante toda a investigação e mesmo em Juízo, como impede que seja ele compelido a produzir ou contribuir com a formação da prova contrária ao seu interesse. Nesta última hipótese, a participação ao réu apenas pode ser exigida em casos excepcionalíssimos, em que haja expressamente previsão na lei e não afete os direitos fundamentais da pessoa.

O direito ao silêncio defluiu do art. 5°, LXIII, da CF, e implicou na revogação dos arts. 186 e 198 do CPP. A Lei n° 10.792/2003 veio para consolidar o

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que já era realidade na doutrina: o tratamento do interrogatório como meio de defesa, assegurando-se ao acusado o direito a entrevistar-se com seu advogado antes do referido ato processual (art. 185, § 2°); o direito a permanecer calado e não responder perguntas a ele endereçadas, sem que se possa extrair do silêncio qualquer valoração em prejuízo da defesa (art. 186, caput e parágrafo único). Inclusive a condução coercitiva do art. 260 deve se ter por revogada, por manifesta incompatibilidade com a garantia do silêncio.

O inculpado pode, ainda, recusar-se a participar da “reconstituição do crime” (art. 7°), fundado na garantia do direito ao silêncio e da não-incriminação, na tutela da intimidade, privacidade e dignidade, e na garantia do estado de inocência.

3.1.3 Contraditório.

O contraditório não apenas representa a garantia ao direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à contrariedade, como também que a oportunidade da resposta possa se realizar na mesma intensidade e extensão.

Constitui verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua não-observância é passível até de nulidade absoluta, quando em prejuízo do acusado. Isto porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e eqüitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal.

Por isso, bem-vinda a Súmula 707 do STF, que dispõe: “ Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.

3.1.4 Ampla defesa.

A ampla defesa se realiza por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva e por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado.

O interrogatório é meio de defesa, incluído na denominada autodefesa, que consiste no desenvolvimento de qualquer ato ou forma de atuação em prol dos interesses da defesa. Como direito, encontra-se no âmbito da disponibilidade do réu, cabendo a ele o juízo de oportunidade e conveniência do exercício de tal direito.

Diferentemente ocorre com a defesa técnica, corolário principal do princípio geral da ampla defesa, na qual é exigida a participação efetiva de um defensor em todos os atos do processo (art. 261). Por isso decidiu a Suprema Corte que a manifestação da defesa, patrocinada por defensor público ou dativo, quando limitada ao pedido de condenação ao mínimo legal é causa de nulidade do processo, pela ausência de defesa efetiva. Infelizmente, o STF não adota o mesmo ponto de vista quando se trata de defensor constituído, reconhecendo apenas hipótese de nulidade relativa.

O princípio deve abarcar, ainda, o direito de aproveitamento, pelo réu, até mesmo de provas obtidas por meios ilícitos.

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A preocupação com o efetivo exercício da ampla defesa levou o STF a elaborar duas novas súmulas: a 705 (A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta.) e a 707 (Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.).

A primeira privilegia o conhecimento técnico do defensor. Que a nova orientação se estenda ao juízo de cautelaridade que se emite quando da decretação da prisão antes do trânsito em julgado. A segunda inova ao considerar insuficiente a nomeação do defensor dativo para responder ao recurso interposto contra a rejeição da denúncia.

3.1.5 Estado ou situação jurídica de inocência.

O princípio da inocência impõe ao Estado a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento (o réu não pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação), e outra de caráter probatório (estabelece que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação, restando à defesa a demonstração da eventual presença de fato caracterizador de excludente de ilicitude e culpabilidade).

O estado de inocência proíbe a antecipação dos resultados finais do processo, inadmitindo toda privação de liberdade antes do trânsito em julgado que não tenha natureza cautelar, com a imposição de ordem judicial devidamente motivada. Mesmo para o indiciamento é possível reclamar a presença de justa causa.

3.1.6 Vedação de revisão pro societate.

Princípio de origem constitucional, mas que passou a receber tratamento legislativo expresso com a integração ao ordenamento jurídico brasileiro (Decreto n° 678/92) do Pacto de São José da Costa Rica, resultante da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8°, 4), impede que alguém seja julgado mais de uma vez por fato do qual já tenha sido absolvido, por decisão (mesmo que errada) transitada em julgado.

Fundamenta-se na necessidade de se preservar o cidadão, atuando também como garantia de maior acuidade e zelo dos órgãos estatais no desempenho das suas funções. Atua como norma de controle das atividades do poder público.

Não se aplica, porém, em hipóteses em que a conduta posterior do acusado, ou em seu favor, tenha sido a única causa do afastamento da pretensão punitiva, quando praticada criminosamente e quando comprovadamente tenha dela resultado a alteração de situação de fato ou de direito juridicamente relevante, sem que se possa atribuir qualquer responsabilidade ao Estado.2

Para o autor, na hipótese de um seqüestro e manutenção em cárcere de testemunhas oculares da autoria de determinado crime, uma eventual sentença absolutória passada em julgado não pode ser objeto de anulação do processo e 2 O STF já rejeitou a aplicação do princípio em processo cuja extinção de punibilidade arrimava-se em falsa certidão de óbito.

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reabertura da persecução, pois se verifica ausência de serviço público estatal, na medida em que o Estado não teria cuidado de proteger as testemunhas do crime.

A Primeira Turma do STF entendeu que a decisão de arquivamento por atipicidade proferida por juiz absolutamente incompetente não poderia ser objeto de novo questionamento, ao argumento de possível violação ao princípio da reformatio in pejus indireta. (HC n. 83346/SP, em 17.05.2005). O fato é que quando se julga a conduta atípica há manifestação inequívoca do Judiciário, com profundos efeitos em relação ao fato narrado, por isso, entende o autor, ser ponderável a orientação da suprema Corte.

3.1.7 Inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente

Apesar de não estar incluído nas edições anteriores como princípio fundante do processo penal, o autor reconhece a natureza principiológioca da vedação das provas obtidas ilicitamente e posterga para o estudo das provas uma maior investida neste assunto.

Entende o autor que, em uma ordem jurídica fundada no reconhecimento, afirmação e proteção dos direitos fundamentais, não há como recursar a estrutura fundante do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente, sobretudo porque destinado a proteger os jurisdicionados contra investidas arbitrárias do poder público.

Capítulo 4 – A fase pré-processual: a investigação criminal.

A polícia judiciária é o órgão a quem a lei defere a competência para a investigação da existência e autoria dos crimes.

A fase de investigação tem natureza administrativa. Busca a formação do opinio delicti do responsável. Nesta fase o juiz deve permanecer absolutamente alheio, somente intervindo para tutelar violações ou ameaças de lesões a direitos e garantias individuais das partes, ou para resguardar a efetividade da função jurisdicional.

A formação do convencimento do encarregado da acusação pode decorrer de atividades de outras autoridades administrativas ou mesmo de atuação particular, tornando dispensável o inquérito policial.

O Código denomina “peças de informações” todo e qualquer conjunto indiciário resultante das atividades desenvolvidas fora do inquérito policial.

4.1 Inquérito policial.

Tratando-se de ação penal pública, o inquérito policial deve ser instaurado de ofício pela autoridade policial, a partir do conhecimento da existência do cometimento do fato delituoso.

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A notícia crime ou notitia criminis pode ser oferecida por qualquer do povo (art. 5°, § 3°, do CPP).3

Na ação pública condicionada à manifestação (representação) do interessado (ofendido ou alguém que o represente) ou requisição do Ministro da Justiça, o inquérito policial somente poderá ser instaurado a partir do respectivo requerimento ou requisição (§ 4° do art. 5° do CPP).

Também na ação penal privada, de legitimação do particular ou legitimado (art. 5°, § 5°, do CPP).

A autoridade policial pode recusar-se a instaurar o inquérito quando o requerimento não apresentar o conjunto indiciário mínimo à abertura das investigações ou faltar quaisquer dos elementos constitutivos do crime. Caberá recurso ao órgão competente na estrutura administrativa da polícia (art. 5°, § 2°, do CPP).

Tratando-se de requisição do MP, a autoridade policial é obrigada à adoção das providências requisitadas.

O art. 5°, II, do CPP, autoriza o próprio juiz a requisitar inquérito policial. Todavia, esse dispositivo não está em consonância com a atual ordem constitucional.

A Lei n° 9.430/96 condiciona o encaminhamento, ao MP, de procedimento administrativo instaurado na Receita Federal, ao respectivo encerramento, em última instância administrativa (art. 83). Todavia, referida lei não instituiu condição de procedibilidade da ação penal pública, de modo que o MP poderá requisitar cópias de quaisquer procedimentos administrativos em tramitação, para, se for o caso, propor a ação penal.

4.1.1 Procedimento.

O prazo para conclusão do inquérito policial é de dez dias, quando preso o indiciado, ou trinta, quando solto. Na Justiça Federal, é de quinze dias para o réu preso e trinta para o solto (Lei n° 5.010/66).

A Lei n° 10.409/2002, que cuida do procedimento em matéria processual relativa aos crimes de tóxicos, prevê o prazo de quinze dias para o réu preso e trinta para o solto, sujeito à duplicação mediante representação da autoridade policial (ou requisição do MP, acrescenta o autor).

Nos crimes contra a economia popular o prazo é de dez dias, estando solto ou preso o indiciado (Lei n° 1.521/51).

O prazo de encerramento de inquérito só tem relevância se réu preso. Caso contrário, deve o juiz prorrogar o vencimento tantas vezes necessário (art. 10, § 3°, do CPP).

Quanto ao advogado, se a investigação assim o exigir, é aceitável a restrição do acesso aos autos ao advogado, quando for a hipótese de realização de provas de natureza cautelar.

3 A Lei n° 10.466/2002 ampliou o leque de atribuições investigativas da Polícia Federal, para nelas incluir seqüestro, cárcere privado, extorsão mediante seqüestro, desde que o agente tenha sido movido por motivação política ou em razão do exercício de função pública da vítima; formação de cartel; violação a direitos humanos decorrentes de infrações previstas em tratado ou convenção internacional; furto, roubo ou receptação de cargas, bens e valores, transportados em operação interestadual ou internacional, envolvendo quadrilhas ou bandos com atuação em mais de um Estado.

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4.1.2 Arquivamento.

Encerradas as investigações, a polícia judiciária não poderá emitir qualquer juízo de valor, que não meramente opinativo, constante do relatório de encerramento do procedimento, acerca dos fatos e do direito a eles aplicável.

Os autos serão encaminhados ao MP que poderá adotar as seguintes providências:

a) oferecer denúncia;

b) Devolver à autoridade policial para realização de novas diligências;

c) Requerer o arquivamento do inquérito.

Nesse último caso, pode o juiz concordar com o pedido, que constitui arquivamento direto, com eficácia preclusiva típica de coisa julgada formal. A reabertura das investigações, nesse caso, dar-se-á só com o surgimento de novas provas.

Quanto à qualidade da decisão judicial que determina o arquivamento do inquérito, nem todos lhe reconhecem a natureza de decisão judicial, tratando-lhe como despacho (o autor entende que é decisão).

O arquivamento do inquérito gera direito subjetivo ao investigado, em face da Administração Pública, pois sua reabertura está condicionada ao surgimento de novas provas.

Da decisão de arquivamento não cabe recurso, por parte do MP (de outro membro) ou de outro interessado, pois o juízo negativo do MP somente poderia ser confrontado por outro emanado de órgãos especificamente previstos em lei, como o Procurador-Geral de Justiça (âmbito estadual) e as Câmaras de Coordenação e Recurso (MPF). Também não poderá recorrer o assistente, pois essa figura somente terá lugar no curso da ação penal (art. 268).

Pode o juiz, ainda, discordar da manifestação ministerial, caso em que encaminhará os autos à chefia da instituição (art. 28).

Caso o Procurador-Geral de Justiça entenda ser caso de denúncia, ele mesmo deverá oferecê-la ou designará outro membro para, em seu nome, apresentá-la. Vendo necessidade, determinará o retorno dos autos à autoridade policial para nova colheita de provas. Mesmo nesse caso deverá ser designado novo membro do parquet, preservando-se a independência funcional do primeiro.

O órgão designado age por delegação (longa manus) do procurador-geral, motivo pelo qual devem ser fixados expressamente os limites da delegação. Quanto ao mais, atuará com inteira liberdade.

Se, por outro lado, o Procurador-Geral adere à manifestação do órgão do parquet de primeira instância, o juiz é obrigado a determinar o arquivamento do inquérito.

Diferente ocorre no âmbito do MPF. Compete à Câmara de Coordenação e Revisão Criminal manifestar-se sobre o arquivamento, à exceção das hipóteses de competência originária do Procurador-Geral (art. 62 da LC n° 75/93).4 4 A LC 75/93, ao estabelecer atribuições do Procurador-Geral da República para as ações penais originárias da competência do STJ, quebra inteiramente a simetria de funções executadas pelo MPF perante o Judiciário Federal. Enquanto o PR atua perante o Juiz Federal, o PRR perante os TRFs e o PGR junto ao STF, por que os subprocuradores-

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A decisão de arquivamento do inquérito ou das peças de informação deve ser sempre explícita, para o fim de tornar indiscutível a matéria, a tanto não se prestando o simples recebimento da denúncia em relação apenas aos indiciados incluídos pelo MP na peça acusatória. Quando houver indiciado não incluído naquela, cumpre ao magistrado renovar a vista ao órgão do parquet para manifestação expressa sobre a exclusão, não se admitindo arquivamento implícito.

Se o MP entender inexistir a apontada co-autoria e/ou participação e não aditar a inicial, deve o juiz dar prosseguimento ao processo, remetendo cópia do expediente ao órgão de revisão do MP, para que não haja prejuízo à persecução.

O STF entende que não pode haver retratação do pedido de arquivamento anteriormente manifestado, mesmo antes da manifestação judicial, quando ausentes novas provas. (STF – Inq. N. 2028/BA, em 28.04.2004).

4.1.2.1 Arquivamento indireto.

Pode o MP manifestar-se no sentido da incompetência do Juízo perante o qual oficia, recusando atribuição para a apreciação do fato investigado. Nesse caso, deverá requerer ao juiz seja declinada a competência, com posterior remessa ao juízo competente.

Concordando o juiz, nenhum problema há. Do contrário, surge um conflito entre órgão do MP e órgão da jurisdição. O STF elaborou construção teórica a partir de parecer do Dr. Cláudio Lemos Fonteles, criando o arquivamento indireto ou pedido indireto de arquivamento. O juiz deveria receber a manifestação do MP como se de arquivamento se tratasse, remetendo os autos ao órgão de controle revisional no respectivo MP e por conseqüência estará também subordinado à decisão de última instância do parquet (Procurador Geral do Estado e Câmaras de Coordenação e Revisão) tal como se dá no arquivamento “direto”.

4.1.2.2 Conflito de atribuições no âmbito do Ministério Público.

Por conflito de atribuições deve-se entender a divergência estabelecida entre membros do MP, acerca da responsabilidade ativa para a persecução penal, em razão da matéria ou das regras processuais que definem a distribuição das atribuições ministeriais, a partir do cometimento de fato supostamente definido como crime.

Se o conflito de atribuições se estabelece entre órgãos do MP do mesmo Estado, caberá ao respectivo Procurador-Geral de Justiça, ou à Câmara de Coordenação e Revisão, com recurso para o PGR, se no âmbito do MPF.

Se o conflito for entre procurador da república e promotor de justiça, poder-se-ia aplicar o art. 102, f, da CF, atribuindo ao STF a solução, ou o art. 105, I, d, da CF, fixando a competência no STJ. Para o autor, correta esta última, que inclusive já encontrou colhida na Suprema Corte.

Entretanto, recentemente, o plenário do STF, alterou tal entendimento, fundamentando, ao que parece na seguinte distinção: quando o conflito é virtual, isto é,

gerais da República não atuariam originariamente nas ações penais perante o STJ, fazendo-o somente por delegação do PGR?

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira11

potencial, ainda não concretizado, a competência seria do STJ; quando, ao contrário, ambos os juízes se manifestassem, expressamente, no mesmo sentido, ou seja, quanto a competência de um e de outro para apreciação da futura demanda, caberia ao STF a solução da questão, apontando-se portanto conflito entre a União e Estado-membro (art.102, I,f, CF), personificado nos respectivos Ministérios Públicos.

Mesmo após esse novo entendimento do STF, o autor continua entendendo que conflito entre MP federal e MP estadual deve ser resolvido pelo STJ, quando se tratar de matéria a ser submetida ao Judiciário. E isso porque, uma vez proposta a ação, eventual divergência entre juízes acerca da competência jurisdicional seria resolvida pelo mesmo STJ.

4.1.3 Inquérito policial e extinção da punibilidade.

Na hipótese de prescrição pela pena em abstrato ou de quaisquer outras causas extintivas da punibilidade. O MP não deve requerer o arquivamento do inquérito ou das peças de informação, mas, sim, o reconhecimento judicial expresso da extinção da punibilidade.

A Lei n° 9.249/95, art. 34, prevê a extinção de punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, quando o pagamento integral do débito ocorrer antes do recebimento da denúncia.

A Lei n° 9.964/2000 criou a inacreditável figura da suspensão da pretensão punitiva relativamente aos crimes previstos nos arts. 1° e 2° da Lei n° 8.137/90 e 95 da Lei n° 8.212/91 (este último revogado pela Lei n° 9.983/2000), enquanto a pessoa jurídica (ou física) relacionada com o agente estiver incluída no REFIS – Plano de Recuperação Fiscal. Ao final do parcelamento, decretar-se-á extinta a punibilidade pelo pagamento integral do crédito fiscal.

Recentemente, a Lei n° 10.684/2003 estendeu tal suspensão da pretensão punitiva a quaisquer débitos relativos aos crimes previstos nos arts. 1° e 2° da Lei n° 8.137/90, e nos arts. 168-A e 337-A do CP, enquanto durar o parcelamento (independentemente de inscrição no REFIS). No curso do prazo de suspensão não correrá o prazo prescricional.

A Procuradoria-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade do art. 9° da Lei n° 10.684/03, na qual sustenta a existência de vícios de ordem formal (não-observância de legislação complementar, por se tratar de normas gerais de direito tributário, e por tratar-se de legislação decorrente de conversão de medida provisória), e de vício de fundo material, consistente na violação aos princípios da igualdade, da moralidade e da cidadania.

Referida lei, e outras do gênero, fazem do MP mero agente de cobrança da Fazenda Pública, com a ameaça de sanção penal. Além do mais, uma leitura mais flexível da Lei n° 10.684-03 permite a conclusão que a suspensão da pretensão punitiva deve ocorrer até mesmo durante o curso da ação penal, quando possível a aplicação de quaisquer dos regimes de débitos fiscais.

Na técnica processual, pretensão punitiva refere-se à imputação penal a ser deduzida em juízo. Assim, a expressão indica que estará suspensa a ação penal já instaurada e a potencialmente dedutível. Porém, nada obstará a autoridade policial de ultimar as investigações em curso, sobretudo no que respeita à coleta de prova urgente, não podendo, todavia, formalizar o indiciamento do suposto autor

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do fato, quando realizado o parcelamento junto ao respectivo órgão público. Deverá abster-se, ainda, de adotar ou requerer quaisquer medidas atentatórias à liberdade ou à dignidade de quem se vê em condições prováveis de não ser julgado pelo aludido fato.

Outras hipóteses de extinção da punibilidade pelo pagamento do débito ocorrerão em relação ao disposto nos arts. 168-A e 337-A do CP. Nesses casos, quando ausente a aplicação do art. 9° da Lei n° 10.684-03, permanecerá a exigência de quitação antes do início da ação fiscal (§ 2°, art. 168-A, CP), e de confissão do débito antes da ação fiscal (§ 1°, art. 337-A, CP).5

4.2 Investigações administrativas.

Embora a Constituição assegure caber às polícias judiciárias a investigação das infrações penais (art. 144), esta não lhe dá exclusividade.

O MP, por exemplo, tem legitimação para a apuração de infrações penais, nos termos do art. 129, VI e VIII, da CF, regulamentado pela LC n° 75/93 (arts. 7° e 8°). Também o art. 38 da mesma lei confere ao parquet a atribuição para requisitar inquérito e investigações. Esse entendimento era reconhecido pelo STF, que vem alterando sua orientação.

Curioso, porém, é que o mesmo Supremo afirmou (decisão liminar em ADIn) que a Lei n° 9.034/95 (que cuida da repressão das organizações criminosas), no ponto em que institui funções investigatórias aos juízes (art. 3°), nada teria de inconstitucional.

Se a última palavra acerca da existência de um fato criminoso é atribuída constitucionalmente ao MP, se a instituição ministerial pode rejeitar in totum o conteúdo das investigações policiais e determinar que outras sejam realizadas, se pode constitucionalmente exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, CF), por que não pode investigar pessoalmente.

Diante da atual posição da Suprema Corte de não reconhecer iniciativa investigatória ao MP, questiona-se as conseqüências jurídicas que poderão advir de diligências realizadas e ainda por realizar pelos membros do parquet.

A primeira seria o trancamento de procedimentos administrativos investigatórios em curso, quando, então, o interessado poderia se recusar a comparecer e/ou participar da investigação.

Quanto à influência da diligência já realizada em futura ação penal, sabe-se que, em regra, eventuais irregularidades praticadas na fase pré-processual não contaminam a ação penal. Se, no entanto, o MP se valeu de material indiciário recolhido diretamente por ele para o oferecimento da denúncia, esta poderia ser rejeitada por ausência de justa causa? Julgamento em curso no STF, suspenso em face do pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa, tem indicado que sim.

Outra questão: se a prova colhida diretamente pelo MP encontra-se em desconformidade com o Direito, não seria ela ilícita e, por conseqüência, não contaminaria as investigações futuras?

Em tema de produção ilícita de provas, o que se quer proteger não é apenas a ética do procedimento, mas, sobretudo, a violação a diretos fundamentais. Por isso a Constituição faz ressalva expressa da cláusula da jurisdição, a impor que determinadas 5 Sequer é preciso o pagamento.

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franquias – violação de liberdades públicas – dependam exclusivamente de ordem judicial.

Aceita-se que autoridades administrativas como as fazendárias (Receita) e as financeiras (Banco Central), realizem diligências no exercício do poder de polícia estatal, quando em menor risco a violação a direitos fundamentais. Se essas autoridades, funcionalmente administrativas, podem exercer determinadas intervenções no âmbito dos interesses dos administrados, sem que se fale em violação a direitos fundamentais, o MP, que é, do ponto de vista funcional, agente político, não pode constituir, se da mesma natureza que aquelas, maior gravame aos citados direitos.

Assim, embora irregular a diligência (admitindo-se a tese), não se poderá falar em prova obtida ilicitamente. Mesmo porque, da leitura que atualmente se faz na Suprema Corte, extrai-se que o MP não poderá apenas instaurar e presidir procedimento tipicamente policial, podendo requisitar documentos (art. 129, VII, CF, e art. 7°, II, LC n° 75/93, e art. 26, Lei n° 8.625/93), quando em curso regular procedimento investigatório (inquérito policial) ou judicial (ação penal).

Recentemente o STF referendou e validou sindicância civil instaurada e dirigida pelo MP, na qual, para fins de instrução de ação civil pública, se diligenciou na busca de apuração de ilícitos praticados contra menores em determinada instituição. Referido material, inquérito civil público, serviu de base também à instauração de ações penais. O argumento apontado no julgado foi que o ECA autoriza o MP a instaurar sindicâncias para apuração de infrações às normas de proteção à infância e ao adolescente (art. 201, VII, ECA).

Porém, a LC autoriza o MPU a instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos, e, ainda, realizar inspeções e diligências investigatórias (arts. 7° e 8°). Não é só a tutela da criança e do adolescente que se instituiu necessidade da proteção a direitos fundamentais.

Quanto à participação do MP na fase de investigações, o STJ reconhece, inclusive, a inexistência de suspeição ou impedimento para oferecimento de denúncia, conforme Súmula n° 234.

O STF reconhecia, ainda, ao MP, a possibilidade de quebra de sigilo bancário, entendimento alterado recentemente.

As autoridades administrativas, em geral, têm competência para a apuração de infrações penais, desde que as respectivas investigações estejam relacionadas com o exercício regular de suas atribuições.

A LC n° 105/2001 autoriza as autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, a examinarem documentos, livros e registros de instituições financeiras, desde que haja procedimento administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e seja tal exame absolutamente indispensável, como único meio de se obter as informações necessárias ao desenvolvimento das investigações (art. 6°). A respectiva Administração deverá manter e guardar sigilo dos dados obtidos (art. 6°, parágrafo único).

A nova Lei de Falências, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência (Lei 11.101/2005), acabou de vez com o chamado inquérito judicial falimentar, ao determinar no art. 187, que o MP uma vez intimado da sentença que tenha decretado a falência ou concedida a recuperação judicial, ou ainda, homologado o plano de recuperação extrajudicial, oferecerá desde logo a denúncia, ou, se entender necessário, requisitará a abertura de inquérito policial.

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As leis orgânicas do MP (LC n° 75/93 e Lei n° 8.625/93) e da magistratura (LC n° 35/79) prevêem que, constatado indício de prática de infração penal por qualquer deles, a autoridade policial, civil ou militar, deverá remeter imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, ao Procurador-Geral da República ou ao tribunal ou órgão especial do tribunal, conforme o caso.

Primeiramente, cabe ressaltar que a Constituição atribui às polícias judiciárias, ainda que não com exclusividade, a apuração de infrações penais, sem quaisquer ressalvas (art. 144). Logo, nenhuma das citadas leis pode afastar a legitimação, ainda que concorrente, das autoridades policiais.

Principalmente no que tange à LC n° 35/79, não há como recusar a impossibilidade constitucional de se deferir à autoridade judiciária a titularidade para a própria investigação, e não somente para a presidência do inquérito.

A solução da questão reside na identificação do juiz natural, bem como do órgão do MP que exerça ali suas atribuições.

Assim, se a autoridade pública tem por foro privativo o STF, caberá ao Procurador-Geral da República a apreciação inicial dos elementos indiciários que apontam naquele sentido, devendo os autos do inquérito policial ter tramitação perante aquela Corte, a quem caberá conceder a prorrogação dos prazos de sua conclusão, bem como exercer o controle de tutela das liberdades públicas. O mesmo se competente o STJ, TRFs ou TJs.

Em todas as hipóteses a investigação será realizada pela autoridade policial da circunscrição a que couber a distribuição, na comarca onde se localiza a sede do tribunal competente.6

A imunidade parlamentar, em sentido formal, não impede a instauração de inquérito policial, independentemente de qualquer licença, desde que estas medidas pré-processuais de persecução penal sejam adotadas no âmbito de procedimento investigatório em curso perante o órgão judiciário competente.

Tratando-se, porém, de foro privativo decorrente de prerrogativa de função, é vedado à autoridade policial o indiciamento formal de quaisquer pessoas – agentes políticos – em razão de cujo cargo determinou-se a competência jurisdicional.

Por fim, quanto ao poder de investigação das CPI, o art. 58, § 3°, da Constituição da República prevê que as mesmas terão poderes investigativos próprios das autoridades judiciárias. A Lei n° 10.001/2000 determina que os procedimentos criminais instaurados a partir de relatórios das CPI terão prioridade sobre os demais, à exceção do habeas corpus, do habeas data e do mandado de segurança. A autoridade a quem for mandado aludido relatório deverá comunicar semestralmente o andamento das investigações.

Páginas: ___ a ____

Elaborado por: André Carlos de Amorim Pimentel Filho, Concursero e Rita de Cássia Belinasi Solano.

Atualizado e ampliado por: Isabelly Delny ([email protected])6 A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de definir como “crimes comuns” todas as infrações penais, inclusive os delitos eleitorais e contravenções penais.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira15

Esse resumo é uma atualização de um outro resumo feito pelos nossos colegas, a quem desde já agradecemos.

O que não foi alterado na edição mais atual do livro do Pacelli também não foi modificado no antigo resumo.

Espero contribuir da melhor forma para o sucesso de todos. Um abraço. Desculpem os erros, foram cometidos com a intenção de acertar.

Capítulo 5 – Da Ação Penal

5.1 – Ação e processo

Os estudos acerca da ação e do processo remontam ao século XIX, sobretudo a partir da obra de Oskar Von Bülow, em 1868, com o clássico Teoria das exceções processuais e dos pressupostos processuais.

Sobre a teoria do processo, neste capítulo, não avançaremos mais que o necessário para a compreensão do seu desenvolvimento histórico e de sua atual configuração.

5.1.1 – Teorias da ação.

Ao tempo da concepção privatística do direito, em que a ciência processual não havia conquistado a sua autonomia, a ação não poderia ser outra coisa senão a imanência (aspecto saliente) do próprio direito privado.

A teoria imanentista não admitia qualquer autonomia entre direito material e direito processual.

No campo das teorias da ação, o reconhecimento da autonomia do direito de ação, já sustentada na obra de Bülow, ocorreu de modo mais sistematizado na teoria abstrata, iniciada por Degenkolb, e na teoria do direito potestativo, elaborada principalmente por Chiovenda, na Itália, em 1903 (nota minha: autores de processo civil, como Dinamarco, dizem que a teoria do direito potestativo é uma teoria autônoma e concretista).

Para a teoria abstrata, a existência ou não do direito material é absolutamente irrelevante para explicar o direito à ação.

As teorias abstratas, que são aquelas de maior aceitação na doutrina, responderiam com vantagens algumas das indagações não resolvidas pelas outras, tal como ocorre nas ações declaratórias negativas (como explicar a existência do direito à ação e a inexistência de uma relação jurídica material, e de um direito, por conseguinte, à luz da teoria imanentista ou à luz das teorias da ação como direito autônomo, porém concreto?!).

A teoria concreta do direito de ação, desenvolvida especificamente por Adolph Wach, na Alemanha, em 1885, propugnava, em essência, que o direito à ação somente existiria quando procedente instaurada.

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É de se registrar a valiosa contribuição de Chiovenda, cuja teoria, em síntese, reconhece para o autor de uma ação um poder de provocação de jurisdição e também de submeter quem quer que seja ao processo, pelo simples exercício da potestade. Daí se chamar teoria postestativa da ação (ver nota acima).

5.1.2 – Teorias do processo.

O maior mérito de Bülow, além da conquista definitiva da autonomia entre direito entre direito de ação e o direito processual, foi o de consolidar o réu como titular de direitos no processo.

Provocada a jurisdição, por meio da ação, instaura-se o processo, e, a partir dele, a chamada relação jurídica processual, que estaria completa com a citação e o ingresso do réu.

Do ponto de vista operacional, a teoria do processo como relação jurídica é bastante proveitosa, permitindo visualização mais cômoda do interior do processo e facilitando a disposição das partes em relação ao seu objeto, isto é, ao pedido ou pretensão.

Nada obstante, pensamos que a teoria do processo como situação jurídica, desenvolvida por James Goldschmit no início do século XX, responde com vantagens as várias indagações que podem ser feitas à teoria da relação jurídica.

Não negamos, porém, a adequação do conceito de relação jurídica, sobretudo com referência à posição do autor em face do Estado, em que se verifica efetivamente o exercício do direito à provocação da jurisdição, ou mais especificamente, do direito de ação.

5.1.3 – Pretensão e lide.

Não há quem, já iniciado os estudos de processo, não conheça a clássica concepção de Carnelutti, segundo a qual a lide seria um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.

A transposição do referido conceito para processo penal oferece inegavelmente algumas dificuldades, a começar pela noção de conflito de interesses.

Dizer que pode existir um conflito entre interesse público ligado à segurança pública e o interesse da liberdade pode ser verdadeiro ou falso, dependendo da forma como se examina a questão.

O interesse na preservação da liberdade individual também é um interesse público.

Até a idéia de interesse não parece adequada ao processo penal, tendo em vista que esse, o interesse, normalmente é revestido em favor do titular do direito material.

Não bastasse, o réu poderia até estar de acordo com a imposição da pena, com o que não haveria qualquer resistência ao pedido condenatório.

Passaríamos assim à teoria que define a lide como pretensão insatisfeita, independentemente da resistência do réu.

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Neste caso o conceito seria ainda menos relevante no processo penal, dado que, nesse, toda a pretensão punitiva há, necessariamente, de ser conduzida ao Judiciário, ou seja, a pretensão punitiva é sempre insatisfeita. É desnecessário ressaltar o processo conciliatório previsto na lei 9099, também ali se afirma o poder judiciário.

Não vemos, então, qualquer razão para a utilização da expressão lide penal, a menos que queiramos alterar substancialmente uma conceituação já consolidada.

Aqui, no processo penal, trabalha-se com o que se convencionou chamar de pretensão punitiva. E por pretensão estamos a nos referir à exigência de subordinação do interesse alheio ao próprio.

Fala-se, mais, em direito de punir, pertencente exclusivamente ao Estado, que, nas ações penais privadas, permitiria a substituição processual pelo ofendido.

Rejeitamos inteiramente semelhante proposição.

Como se sabe, a regra é a persecução penal a cargo do Estado, por meio da ação penal pública, somente admitindo-se a iniciativa exclusivamente privada para crimes cuja publicidade, a partir da discussão judicial, seja particularmente gravosa aos interesses do ofendido. O fundamento do strepitus judicii não nos convence, embora seja preferido pela maioria esmagadora da doutrina.

O propalado jus puniendi somente se realiza no campo material, ou seja, no poder estatal de impor restrições de condutas à coletividade, ou, de outro modo, de produzir normas incriminadoras. No âmbito processual não há nenhum direito, mas sim dever.

5.2 – Condições da ação.

As condições da ação, no processo penal brasileiro, condicionam o conhecimento e o julgamento da pretensão veiculada na demanda.

Certamente a exigência conceitual de se fixar os contornos da distinção entre direito de petição, histórica e constitucionalmente assegurado aos cidadãos em face do Estado, e o direito de ação, cuja elaboração teórica remonta ao século passado, teve decisiva contribuição de Liebman no que se refere às condições da ação. Essas atuariam, então, como uma necessária mitigação do direito, abstratamente assegurado a todos, à provocação da jurisdição, independentemente da obtenção de qualquer resultado favorável (teorias do direito abstrato de ação). Constituiriam-se em condicionamentos ao direito ao julgamento da pretensão de direito material, isto é, julgamento do mérito.

Por mérito na ação penal condenatória há de entender-se: a existência de um fato (materialidade); ser este fato imputável ao acusado (autoria); constituir-se este fato numa ação típica, antijurídica e culpável. Para que seja possível o exame de tais questões é preciso a superação das outras (condições da ação).

5.2.1 – Interesse de agir.

De modo geral, na teoria do processo, afirma-se que o interesse de agir encontrar-se-ia intimamente ligado à necessidade da escolha jurisdicional para a composição do conflito entre quem alega um direito e quem obsta seu exercício.

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Se assim se dá no processo civil, o mesmo não ocorre no processo penal, em que, a partir da processualização da persecução penal, não se pode pensar em sanção senão após o devido processo legal. É claro que nas ações penais não condenatórias o interesse de agir pode ser perfeitamente aplicável ao processo penal com a mesma configuração que lhe dá a Teoria Geral do Processo.

Tanto quanto no processo civil, desloca-se para o interesse de agir também a preocupação com a efetividade do processo. É dizer, sob a perspectiva de sua efetividade, o processo deve se mostrar, desde a sua instauração, aptos a realizar os diversos escopos da jurisdição, isto é, revelar-se útil. Por isto fala-se em interesse-utilidade.

No campo penal tal concepção é bastante proveitosa, sobretudo no que respeita às hipóteses de reconhecida e incontestável probabilidade de aplicação futura da prescrição retroativa.

Entendemos perfeitamente cabível o requerimento de arquivamento de inquérito ou peças de investigação por ausência do interesse-utilidade.

Há autores que também fazem menção ao interesse-adequação, que seria o ajustamento entre a providência judicial requerida à solução do conflito subjacente ao pedido. No processo penal condenatório essa adequação não tem qualquer utilidade.

5.2.2 – Legitimidade.

À exceção do HC e da revisão criminal, o processo penal brasileiro, impõe, como regra, a exigência que somente determinadas pessoas possam promover a ação penal.

Como regra, tal atividade é privativa do Estado, por meio do MP (art. 129, CF), reservando-se a determinadas pessoas, em situações específicas, o direito à atividade subsidiária, em caso de inércia estatal, e à iniciativa exclusiva de particular.

É preciso que se faça, desde logo, uma distinção: embora uno e indivisível, não quer dizer que qualquer órgão do MP pode validamente postular a aplicação da lei penal. A distribuição de atribuições do parquet tem sede na própria CF, e é feita, tal como ocorre em relação ao juiz natural, segundo a matéria e segundo a prerrogativa de função do agente. Assim, a legitimação ativa para instauração de ação penal perante a JF é do MPF. Mesmo no âmbito dos tribunais, há a imposição de uma legitimidade ativa, decorrente da atribuição constitucional a determinados órgãos do MP. Assim, por exemplo, somente o MPF tem legitimidade para oficiar nos Tribunais Superiores e, em conseqüência, interpor recurso das respectivas decisões, conforme já acentuou o STF no informativo n. 237.

Afora isto, no campo processual penal, tendo em vista que o tema da autoria diz respeito ao mérito da ação, somente oferece relevância em relação ao pólo ativo. Isto não se aplica às ações penais não condenatórias. Nas quais, sobretudo em relação as ações mandamentais(HC e MS) é necessário apontar com exatidão a autoridade que figurará no pólo passivo.

É bem de ver, ainda, que a legitimidade ad causam não pode ser tratada nos termos do processo civil, já que o MP – em regra o legitimado ativo – não pode ser considerado o titular da relação jurídica de direito material suscitada no juízo penal.

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5.2.3 – Possibilidade jurídica do pedido.

Normalmente a doutrina processual penal se refere à possibilidade jurídica do pedido como sendo a previsão no ordenamento jurídico da providência que se quer ver atendida. Ausente ela, o caso seria de carência da ação penal.

Entretanto, pelo menos na ação penal condenatória, é bem de ver que ainda que se requeira a condenação do acusado à pena de morte, por exemplo, nada impede que a ação penal se desenvolva regularmente, porque ao juiz se permite a correta adequação do fato à norma penal correspondente, com a aplicação da sanção efetivamente cominada (art. 383, CPP).

Por isto, não se podendo extinguir o processo pela impossibilidade jurídica do pedido aviado, não se pode, também, aceitar tal hipótese como condição da ação penal condenatória.

Questão diversa e mais complexa diz respeito às hipóteses de atipicidade dos fatos imputados ao acusado, quando, então, se cuida da causa de pedir.

Não nos parece, neste caso, ser hipótese de carência de ação.

Em nosso juízo, em tais situações, ocorre verdadeiro julgamento antecipado do processo. Defere-se ao magistrado, em juízo antecipatório, a possibilidade de se rejeitar de plano a pretensão punitiva por ausência de conseqüência jurídico-penal dos fatos narrados, solucionando, desde logo, o mérito do processo.

Não nos parece possível, assim, falar em carência da ação, sobretudo porque a eficácia preclusiva de tal decisão – de rejeição da denúncia (art. 43, I, CPP) – é típica de coisa julgada material, impedindo a rediscussão da matéria – limitada exclusivamente aos fatos e circunstâncias tal como efetivamente descritos na inicial – em qualquer outro processo. É de ver a jurisprudência do STF (HC 66.625/SP).

5.2.4 – Condições de procedibilidade.

Em determinadas situações a lei exige o preenchimento de determinadas e específicas condições para o exercício da ação penal.

Nas ações penais públicas condicionadas, o MP somente poderá ingressar com a ação se já oferecida a representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça.

No âmbito das ações de iniciativa do ofendido, são também condições de procedibilidade, a decisão judicial de anulação do casamento passada em julgado para o ajuizamento da pretensão punitiva decorrente da prática de crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236, CP).

A lei 11.101/05, a nova LF, mantém antiga exigência de decretação da sentença como condição de procedibilidade para o ajuizamento da ação. Embora o art 180 da nova LF afirme que referido ato judicial (declaratório da falência, concessivo de recuperação judicial ou homologatório da recuperação extrajudicial) constitui condição objetiva de punibilidade, não vemos o menor inconveniente em sustentar também a classificação de condição de procedibilidade, nos termos do art. 180 da referida lei.

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A doutrina, de modo geral, cuida das condições de procedibilidade como condições específicas da ação penal.

Acompanhamos a doutrina de Afrânio Jardim, parece-nos que as chamadas condições de procedibilidade podem ser perfeitamente conduzidas à categoria de possibilidade jurídica do pedido, e aí efetivamente como condições da ação.

Questão que cada dia se apresenta mais atual diz respeito às conseqüências da Lei 9.430/96, que, no âmbito da Administração Fazendária Federal, exige o exaurimento das vias recursais administrativas para a remessa de uma eventual notitia criminis de crime contra a ordem tributária ao MPF. A suprema Corte, atualmente, exige a constituição em definitivo, do crédito tributário para o exercício da ação penal referente aos crimes dessa natureza.

Embora, à época, parte da doutrina tenha se inclinado a ali vislumbrar uma condição de procedibilidade para a ação penal, o fato é que, evidentemente, semelhante argumentação não poderia ir adiante, como não foi. E isto por uma razão muito simples: a liberdade da opinio delicti do MP tem assento na CF. Assim, não se poderia pensar em uma subordinação do parquet à valoração jurídico-penal emanada da Receita Federal.

Por essa razão, a Suprema Corte decidiu pela inexistência de qualquer condição de procedibilidade na citada lei 9.430/96, reduzindo sua interpretação no âmbito daquela administração (recentemente o STF entendeu que nos crimes do art. 1º da Lei 8137/90 a decisão final na instância administrativa é condição de punibilidade (sic) posto que esses crimes são materiais – salvo engano Info 333. A posição do Fontelles a respeito é de que a comunicação não obsta a atuação do MP, sendo a decisão final no processo administrativo prejudicial heterogênea).

O que deve ocorrer com uma ação penal já em curso quando a Administração proclama não ser devido o tributo ou mesmo não existir o crédito tributário?

A posição do STJ parece encaminhar-se no sentido de preservar a autonomia da valoração penal feita pelo MP. Reconheceu-se, ao fim e ao cabo, a independência entre as instâncias administrativas e judiciais.

Todavia, permanece a questão (o que deve ocorrer com a ação penal...).

Pensamos que a solução de tal indagação passa, por primeiro, pela necessidade de exame de cada situação em concreto.

A decisão da Administração não bastará para afastar a conduta fraudulenta vislumbrada pelo parquet, ainda que deva, necessariamente, ostentar alguma conseqüência jurídica. Ao MP caberá então levar em consideração o conteúdo da decisão administrativa em relação ao falso eventualmente comprovado, sob o aspecto da finalidade, sobretudo. A solução poderá apontar, assim, por exemplo, para a desclassificação (falsidade ideológica ou documental, se potencialmente relevante), ou até mesmo para o afastamento da ilicitude em razão da possível presença da causa de justificação.

O que não nos parece possível é simplesmente afastar, a priori, tanto o MP quanto o Judiciário do conhecimento dos fatos que, em tese, a juízo de quem tem atribuição e competência constitucionais para fazê-lo, possam configurar delitos contra a ordem tributária.

Ainda em relação a essa questão, mas sob perspectiva diversa, discute-se também se faltaria condição objetiva de punibilidade, no âmbito do direito penal, ou se, no campo do direito processual faltaria justa causa para a ação penal tendo por objeto crime

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contra a ordem tributária, diante das ponderações acerca da possível inexistência de crédito tributário.

Nesse sentido encontra-se recente decisão do STF, no julgamento do HC 81.611/DF.

Ainda que não contrarie a anterior posição a respeito do tema, a conseqüência prática é a mesma: o não exercício da ação enquanto não solucionada a questão na via administrativa.

Pode-se objetar que a solução mais adequada seria a suspensão do processo penal, se demonstrada a relevância da questão, a ser revelada, por exemplo, com a decisão judicial (cível) de suspensão de exigibilidade do tributo. Aplicar-se-ia, portanto, o disposto no art. 93 do CPP, que cuida da chamada questão prejudicial heterogênea. A suspensão teria prazo certo (art. 116, I, CPP).

A nosso juízo a questão não passa pelo exame de qualquer condição objetiva de punibilidade, já que atinente à própria tipicidade da conduta (redução do tributo), e nem tampouco pela ausência de justa causa. Essa, como veremos, diz respeito à existência de suporte mínimo de prova para a instauração da ação penal.

E, como julgamos Ter demonstrado, nem sempre o reconhecimento da inexistência do crédito tributário afastará a presença de uma conduta fraudulenta, tendente a reduzir ou suprimir tributos, ao menos no que respeita a sua tipicidade.

O que não se pode afastar ou subtrair ao MP é a valoração jurídico-penal de fato que ostente dimensão delituosa.

5.2.5 – A justa causa.

Além das já conhecidas condições da ação – genéricas e específicas -, Afrânio Silva Jardim enumera uma outra, que seria, ao seu aviso, a Quarta condição da ação: a justa causa.

Sustenta o processualista que o só ajuizamento da ação condenatória já seria o suficiente para atingir o estado de dignidade do acusado. Por isso, a peça acusatória deveria vir acompanhada de suporte mínimo de prova, sem os quais a acusação careceria de admissibilidade.

Também admite a justa causa como condição da ação, não como espécie distinta, porquanto ligada à existência de um legítimo interesse na instauração da ação, apto a condicionar a admissibilidade do julgamento de mérito – interesse de agir, pois -, Rogério Lauria Tucci.

Em sentido contrário José Barcelos de Souza argumenta, dentre outras considerações, no sentido da inexistência de dispositivo legal a exigir tal providência, além do fato de que a matéria relativa à existência de prova estaria ligada ao mérito da ação penal e não a uma condição de sua admissibilidade.

A nosso ver, a questão de se exigir lastro mínimo de prova pode ser apreciada também sob a perspectiva do direito à ampla defesa. Exigir do Estado que a imputação feita na inicial demonstre, de plano, a pertinência do pedido, nada mais é do que ampliar o campo onde irá se desenvolver a defesa do acusado, já ciente, então, do caminho percorrido na formação da opinio delicti.

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Mas é possível ainda analisar sob perspectiva inteiramente diversa e rejeitar a justa causa como condição da ação.

Admitir a rejeição da peça acusatória sob tal fundamento (justa causa) iria, unicamente, em favor dos interesses persecutórios, dado que permitiria o novo ingresso em juízo, após nova coleta de material probatório. Ora, se a acusação não tem provas e nem as declina na inicial, não deveria propor a ação.

Pensamos que, seja como Quarta condição da ação, seja inserida no contexto do interesse de agir, a justa causa, enquanto lastro mínimo de prova, a demonstrar a viabilidade da pretensão deduzida, pode e deve ser incluída entre as condições da ação penal.

Do ponto de vista do exercício do poder público, não se deve, com efeito, admitir o desenvolvimento de atividade jurisdicional inútil.

Seja como for, tanto doutrina como jurisprudência vêm admitindo a justa causa também como condição da ação (como específica ou genérica), já que, nos termos do art. 648, I, CPP, defere-se HC para trancamento da ação penal ou da investigação por ausência de justa causa.

No STF decidiu-se que o reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal, reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal (info. 317/03).

Até mesmo para impedir o indiciamento no curso do inquérito policial parece-nos possível o manejo da ausência de justa causa, quando absolutamente inexistentes indícios probatórios (neste sentido STF, Inq. 2.041/MG).

Hipótese expressa de rejeição da denúncia por ausência de justa causa vem agora na Lei 10.409/02, que regula o procedimento no crime de tráfico de drogas (Art. 39, II).

5.3 – Pressupostos processuais.

5.3.1 – Pressupostos de existência.

Pressuposto de existência do processo é, a nosso juízo, tão somente o órgão investido de jurisdição, podendo-se até admitir a inclusão também da exigência de demanda (ato de pedir em juízo).

Sustentando que o vício de incompetência absoluta é causa de nulidade e não de inexistência, decisão do pleno do STF (HC 80.263-0/SP).

5.3.2 – Pressupostos de validade.

Dizem respeito ora ao juiz e às partes, e por isso subjetivos, ora ao próprio objeto da ação penal (pretensão), caso em que se fala em pressupostos objetivos.

Em relação aos primeiros: a) quanto ao juiz: competência e imparcialidade; b) quanto às partes: b.1) capacidade processual (é a capacidade de estar em juízo); b.2)

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capacidade postulatória (representação de advogado, exceto no HC, revisão criminal, recursos e incidentes de execução, nos quais a lei dispensa a atuação de advogado).

Quanto aos segundos (requisitos objetivos): a) citação válida (há autores que sustentam que a ausência de citação causa inexistência e não nulidade); b) observância dos requisitos legais atinentes à denúncia e à queixa.

Não falta também quem inclua entre eles a inexistência de coisa julgada e litispendência.

5.4 – Ação Penal Pública Incondicionada

5.4.1. Ação penal popular e crime de responsabilidade

A lei 1079/50 dispõe sobre os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República, pelos Ministros de Estado, pelos Ministros do Supremo, pelo PGR e pelos Governadores e seus secretários.

Referida legislação prevê que todo cidadão tem legitimidade ativa para o oferecimento de denúncia, a ser encaminhada posteriormente aos órgãos de jurisdição política onde houver de ser realizado julgamento.

A competência poderá ser do Senado Federal, na forma do artigo 52, I e II, CF, observando-se em relação ao Presidente e aos Ministros de Estado, a competência da Câmara para a admissibilidade e formalização da acusação (art. 51, I e 86, CF e art. 20 e seguintes da Lei 1079/50).

Em relação aos Governadores e Secretários a competência para o processo e julgamento é atribuída às Assembléias Legislativas (art. 75, Lei 1079/50).

No plano municipal, o decreto-lei 201/67 autoriza qualquer eleitor a propor a ação de cassação do Prefeito, em denúncia a ser encaminhada à Câmara dos Vereadores, competente para o julgamento em razão da prática de infrações político-administrativas previstas no art. 4º da mencionada lei (art. 5º, I, DL 201/67).

Em todas as situações antes mencionadas o que se estará exercitando é a chamada jurisdição política, ainda quando a competência para julgamento é atribuída a órgão do poder Judiciário. Tais infrações, embora historicamente tratadas por crime de responsabilidade, não constituem, a rigor, infrações penais, abarcadas pelo Direito Penal.

Releva notar que a sanção prevista para os chamados crimes de responsabilidade limita-se a impor a pena de perda de cargo e a proibição de seu exercício por prazo certo, não guardando pertinência com a natureza da sanção criminal.

Os crimes de responsabilidade, quando não tipificados também como crimes comuns, não têm a dimensão coletiva e difusa própria dos interesses do direito Penal, no que se refere aos bens selecionados para a necessária tutela. Relembre-se, como exemplo, o fato definido no art. 9º, item 7, da Lei 1079/50, que estabelece ser crime de responsabilidade do Presidente da República o proceder de modo incompatível com a dignidade, honra e o decoro do cargo. Percebe-se aqui que a semelhante tipificação não ostenta nem sequer atributos mínimos daquela própria do D. Penal, na medida em que deixa exclusivamente ao juízo político do Senado a fixação dos critérios para atender o decoro.

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Com isto, não se pode incluir as ações instauradas para apurar essas infrações entre as ações penais propriamente ditas, tratando-se, na verdade, de procedimentos realizados no âmbito da jurisdição política.

Por isso, não nos parece sustentável o argumento no sentido de que, a partir da CF de 88, a persecução dos crimes de responsabilidade seria também privativa do MP (art. 129, I, CF).

Todavia, no julgamento da Pet. 1954 o pleno do STF recusou a legitimidade popular para as ações de impeachment contra Ministros de Estado, ao fundamento de se tratar de questão de natureza penal (e não político-funcional), encaminhando os autos para a PGR, nos termos do art. 129, I, CF.

5.4.2 – Obrigatoriedade.

Do dever legal da persecução penal resulta, como regra, que o MP é obrigado a promover a ação penal, se diante do fato que, a seu juízo, configure um ilícito penal. Daí a regra básica da ação penal pública incondicionada, o denominado princípio da obrigatoriedade.

Não se reserva ao parquet qualquer juízo de discricionariedade, isto é, não se atribui a ele qualquer liberdade de opção acerca da conveniência ou oportunidade da iniciativa penal, quando constatada a presença de conduta delituosa, e desde que satisfeitas as condições da ação penal.

E da definição jurídico-conceitual de crime põe-se o primeiro problema relativo à obrigatoriedade da ação penal. Estaria o órgão do MP compelido à propositura da ação penal, ainda quando entendesse presente algumas causas excludentes da ilicitude, ou seja, as causas de justificação da conduta?

O art. 411 do CPP autoriza o juiz, na fase de pronúncia, a absolver sumariamente o acusado quando convencido da existência de quaisquer causas excludentes da ilicitude e de culpabilidade.

A razão da aludida regra de exceção funda-se na consideração da inconveniência e mesmo da inutilidade prática de se submeter o autor a tais fatos (lícitos ou não culpáveis) ao constrangimento inevitável do processo perante o júri.

A nosso aviso, indo um pouco mais além, se o próprio órgão de acusação reconhece a robustez da prova nesse sentido, sobretudo porque colhida na fase de investigação, na qual a defesa não contribui, o caminho que mais adequadamente se lhe abre é o do requerimento de arquivamento do inquérito, já que obrigado à iniciativa penal apenas quando diante de fato criminoso.

Para aqueles que não incluem a culpabilidade entre os elementos do crime nada haveria a justificar tal opção do parquet nas hipóteses de excludente de culpabilidade.

A questão está longe de ser pacificada, diante das seguintes ponderações pela exigibilidade da denúncia:

a) a coleta de material probatório na fase de investigação, por mais completa que seja, não se realiza perante o juiz, daí porque o seu exame por ocasião do requerimento de arquivo não oferece a mesma amplitude da fase judicial de absolvição sumária;

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b) o pedido de arquivamento poderia atingir também o interesse do ofendido e de seus sucessores, que, em tese, no curso da ação penal, poderiam contribuir decisivamente na produção das provas de inexistência das excludentes;

c) poder-se-ia, partindo das primeiras argumentações dizer que somente a prova judicial poderia afastar a competência do Tribunal do Júri;

d) a decisão judicial de arquivamento do inquérito não tem a mesma eficácia preclusiva daquela de absolvição sumária, permitindo nova iniciativa persecutória se motivada na existência de prova nova.

Parece-nos que nenhuma delas é suficiente para infirmar o cabimento do requerimento de arquivamento pelo MP quando a prova da existência das excludentes apresentar-se de modo indiscutível e incontestável.

Tal seria, p.e., a hipótese de morte de assaltante, na posse de arma de fogo, ocorrida por ocasião da invasão noturna da residência, evidenciando-se, às escâncaras, a legítima defesa do morador. Em semelhante situação o processo penal seria inútil.

E mais, inútil e perigoso, tendo em vista que o júri é composto por representantes do povo que não decidem motivadamente.

Entendimento contrário obrigaria o órgão do MP, mesmo convencido desde o início da inocência do agente, a oferecer denúncia contra este, imputando-lhe a prática de fato que sabe não criminoso. A hipótese configuraria inegável violação ao princípio constitucional da independência funcional do MP, a menos que se sustente que, na própria denúncia, o MP poderia fazer referência expressa à existência de legítima defesa, arrolando testemunhas no interesse da defesa, o que convenhamos, é um absurdo insustentável.

5.4.3. Indisponibilidade e outras regras processuais.

No que diz respeito à ação pública, várias regras decorrem do princípio da obrigatoriedade. É o que ocorre com o chamado princípio da indisponibilidade, traduzido na impossibilidade do MP dispor da ação penal a que era inicialmente obrigado. Parece-nos, em tais hipóteses, que a apontada regra não vai além de conseqüência fundamental do princípio da obrigatoriedade, que estaria irremediavelmente atingido se se permitisse ao MP, obrigado a propor a ação penal, dela desistir após a propositura. A única distinção que se pode observar entre obrigatoriedade e indisponibilidade seria em relação ao momento processual do respectivo exercício, sendo o primeiro aplicável antes da ação penal e o segundo a partir dela.

Ainda no que se refere à ação pública, o que a doutrina chama de princípio da oficialidade, consistente na atribuição a órgãos do Estado da legitimação para persecução penal, também não vai além da aplicação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. Se há obrigatoriedade da ação, somente o Estado pode responder por ela. Inimaginável uma ordem jurídica que obrigue o particular a promover a ação penal contra quem quer que seja.

No campo da oficialidade, menciona-se, ainda, as regras da autoritariedade e da oficiosidade, a primeira dizendo respeito ao exercício das funções persecutórias por autoridades estatais e a Segunda explicitando o dever de procedimento de ofício das apontadas autoridades. Todas essas regras encontram sua raiz comum no p. da obrigatororiedade.

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Outra classificações doutrinárias não apresentam qualquer validade científica, na medida em que não vão além da simples e mera redução etimológica de determinadas normas.

Fala-se, p.e., no princípio da intranscendência da ação penal, explicado como vedação de se pretender a aplicação da sanção penal a quem não seja o autor do fato. Ora, referida regra é unicamente a tradução do art. 5º XLV, CF.

5.4.4. Critério de definição da legitimação ativa.

Ao dispor que a ação penal é privativa do MP a CF nada mais fez que delinear os contornos do nosso modelo acusatório público (pq deixada nas mãos do Estado, como regra, a persecução criminal), autorizando a possibilidade de a lei estabelecer exceções à regra geral.

O critério de atribuição de legitimação ativa para a ação penal decorre de lei. Por isso, atualmente, a ação penal é pública, salvo expressa disposição legal (art. 100, CP). Serão de ação pública incondicionada, os crimes previstos na lei 8.069/90, quando praticados contra criança e adolescente, bem como os da lei 11.101/05( nova lei de falência) e da lei 10.741/03( estatuto do idoso).

5.4.5. Discricionariedade regrada.

A Lei 9.099/95 instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A lei 10.259/01 criou estes juizados no âmbito da J. Federal.

Conforme veremos mais amplamente, a menor potencialidade ofensiva de uma infração penal não é prerrogativa de nenhum rito ou de nenhuma jurisdição – no que se refere à aplicação do instituto de transação penal.

Prevendo a transação penal exclusivamente para a ação penal pública e orientando-se preferencialmente para a conciliação, a apontada legislação instituiu no país uma nova modalidade de processo penal, qual seja, o modelo consensual de processo, voltado não para a imposição de pena, mas antes para uma solução consensualizada.

A doutrina logo tratou de classificar o modelo processual como instituidor de suposta discricionariedade regrada, que viria assim, mitigar o princípio da obrigatoriedade. O MP não mais se veria obrigado à propositura da ação, podendo, antes, promover a solução da questão penal pela via conciliatória, por meio da chamada transação penal (art. 76, Lei 9099/95).

Entretanto, não nos parece que assim tenha efetivamente ocorrido.

Por mais que a doutrina citada, sobretudo Ada Pellegrini, tenha se esforçado na tentativa de visualizar a existência de uma discricionariedade regrada, o fato é que nenhum deles admite possa o membro do parquet escolher livremente qual a solução mais adequada ou conveniente à administração da jurisdição.

E assim é porque:

a) não existem diversas soluções igualmente possíveis;

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b) a lei é taxativa ao enumerar os requisitos cabíveis para a transação penal, não deixando qualquer margem à discricionariedade do responsável pela ação penal;

c) até a exigência constante do inciso III do § 2º do art. 76 autoriza a adoção de critérios objetivos, fora do alcance do juízo de discrição, dado que a só superação das demais exigências (incisos I e II) é indicativa do preenchimento também dos requisitos referentes à personalidade e conduta social.

Observe-se, ainda, que em se tratando de contravenções e de apenação máxima inferior a dois anos, é praticamente impossível que os motivos e circunstâncias de fato inviabilizem a transação penal. A única exceção possível seria a lei de 4898/65( abuso de autoridade). Mesmo nesse caso, a definição de menor potencial ofensivo deve ficar a cargo do legislador e não das conveniências de cada caso. Assim, escolhido o critério da pena cominada –pena máxima-, não há como não reconhecer o enquadramento, ali, de quaisquer crimes que tenham semelhante apenação.

Impõe-se observar que a própria expressão regrada, acrescida ao termo discricionariedade, afasta o alcance do conceito de discrição tal como concebido pelo D. Administrativo.

Cuida-se, portanto, do mesmo princípio da obrigatoriedade, agora da transação, quando presentes as condições da ação, os pressupostos processuais e os requisitos específicos para a transação (art. 76).

É de se observar que em recente decisão o E. STF, embora reconhecendo não se tratar de discricionariedade, exige que o MP participe da transação penal, isto é, não poderia o juiz, que não tem iniciativa penal, propor a transação. Na hipótese de recusa do MP à propositura da transação penal, a solução aventada pelo mencionado julgado seria a aplicação subsidiária do art. 28 do CPP (art. 62 da LC do MPF).

5.5 – Ação Penal Pública Condicionada

Casos há em que outra ordem de interesses, que não relativos ao interesse público na persecução criminal, mas também relevantes, devem ser tutelados pelo ordenamento processual.

Trata-se da proteção da vítima de determinados crimes contra os deletérios efeitos que, eventualmente, podem vir a ser causados pela só divulgação pública do fato. Por isso, em razão do que a doutrina convencionou chamar de strepitus iudicii (escândalo do processo), reserva-se a ela o juízo de oportunidade e conveniência da instauração da ação penal. Há outra explicação: se o ofendido não se dispuser a confirmar a lesão em juízo, a ação penal dificilmente chegará a bom termo.

Tal medida de discricionariedade consiste no condicionamento da instauração da ação penal à manifestação explícita do ofendido.

Aludida manifestação, embora necessária tanto para a instauração da ação penal (art. 24, CPP) quanto do inquérito (art. 5º, §4º) não há que obedecer a qualquer regramento formal. Pode ser oferecida sem maiores formalidades, verbalmente ou por escrito, bastando a demonstração clara do interesse do ofendido em ver apurada a autoria e a materialidade do fato, dele exigindo-se, apenas, e se for possível, a narração do fato (Art. 5º, §1º, CPP).

A esta autorização a lei penal dá o nome de representação. O requerimento de instauração de inquérito é o que basta para a caracterização da representação.

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Há casos ainda em que surge interesses em razão da qualificação do ofendido. É o caso, p. e., dos crimes contra a honra cometidos contra Presidente e Chefes de Estado.

Nessas situações o juízo de oportunidade e conveniência da instauração da ação penal, diante das repercussões políticas que podem ocorrer a partir da divulgação do fato, fica à discricionariedade do Ministro da Justiça, consoante o disposto no art. 145, §ú, CP. Há previsão similar, em relação a outras autoridades, na Lei de Imprensa (art. 40, I c/c art. 23, Lei 5.250/67). Fala-se então em requisição e não mais em representação.

Pode ainda ocorrer que o interesse a ser tutelado não diga respeito ao strepitus iudicii, mas unicamente a relações de direito internacional, tal como se dá com referência ao que estabelece o art. 7º, §3º, b, CP.

Há também hipóteses em que o interesse protegido é relacionado com a própria constatação da lesividade da conduta (p.e, arts. 147 e 151).

Por fim, a lei 9.099/95 criou uma nova modalidade de ação penal condicionada à representação (art. 88).

Embora condicionada, a ação permanece pública, isto é, não só a legitimação ativa é reservada ao MP mais também o juízo de propositura da ação. Assim, se o MP entende, ao contrário da vítima, que o fato é atípico, se deferido seu requerimento do arquivamento do IP, não poderá a vítima opor qualquer obstáculo à postura ministerial.

5.5.1. Prazo decadencial da representação.

O prazo é decadencial, não podendo, assim, ser interrompido ou suspenso.

O que se exige é que haja representação dentro do prazo. A partir da representação é irrelevante a demora da propositura da ação penal, respeitando-se a prescrição.

Em regra o prazo é de 6 meses (art. 38, CPP). Entretanto, a Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) prevê o prazo de 3 meses, contados da data da publicação ou da transmissão, podendo tal prazo ser interrompido pelo exercício judicial do direito de resposta ou pedido de retificação ou pelo pedido judicial de declaração de inidoneidade do responsável, até o seu julgamento (art. 41, §2º, L. 5.250/67).

No que se refere à requisição do MJ, é bem de ver que a lei (art. 38, CPP) não prevê prazo para seu oferecimento, sendo ela possível enquanto não prescrita a pretensão punitiva.

5.5.2. Capacidade ou legitimação para representar

Primeiramente deixe-se claro, como será melhor explicado mais à frente, que, com as modificações introduzidas no tema maioridade pelo novo Código Civil, Pacelli entende que, completados dezoito anos, cabe somente ao ofendido o oferecimento de representação.

No caso de morte ou ausência, judicialmente reconhecida, do ofendido, o direito de representação passará ao Cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nesta ordem (art. 24, § 1º., e art. 36, por interpretação analógica, ambos do CPP).

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Tratando-se de ofendido menor de dezoito anos ou incapaz, a representação haverá de ser oferecida pelo seu representante legal (responsáveis pelo poder familiar, nova designação dada ao antigo pátrio poder, consoante os termos do art. 1630 e seguintes do novo Código civil, tutela ou curatela), se houver qualquer pessoa que o tenha sob sua guarda, definitiva ou temporária (se impossibilitado aquele, hipótese que pode ocorrer, por exemplo, no curso dos conhecidos intercâmbios culturais), ou responsabilidade, e ainda que essa decorra do exercício informal, provisório, concorrente ou exclusivo do poder familiar.

Na hipótese de conflito de interesses entre o menor e o seu representante legal, ou ainda, se inexistente este e quaisquer das pessoas antes mencionadas, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, deverá designar um curador especial ao ofendido.

5.5.3 Retratação

Dispõe ainda o CPP que a representação será irretratável após o oferecimento da denúncia (art. 25, CPP). É que, tratando-se de simples autorização, deixada ao juízo de discricionariedade do ofendido ou seu representante legal, nada obsta que se altere a opção deste em relação à conveniência e oportunidade de instauração da ação penal. Esta poderá dar-se informalmente, por escrito ou verbal, reduzida a termo.

OBS: Discute-se, ainda, se, na hipótese de representação oferecida em razão da prática de crime contra a honra de servidor público (art. 145, § único, do Código Penal), quando seria relacionado com o exercício das funções, também seria cabível a retratação.

Pacelli entende que, inobstante o interesse da própria Administração, a solução mais adequada é a que permite a retratação, posto que o interesse público é apenas mediato e reflexo, posto que se este fosse prevalecente certamente a lei imporia a ação penal pública incondicionada ou excluiria a possibilidade de retratação.

Isto se reafirma pela recente súmula 714 do STF, que permite ao funcionário público a propositura de ação penal (privada) contra o autor independente do posicionamento do MP. Mesmo que pelo arquivamento (STF – AGRINQ 726/RJ – Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Finalmente, e embora não seja previsto expressamente no art. 25 do CPP, Pacelli não vê como não aplicar a possibilidade de retratação também a requisição exercida pelo Ministro da Justiça.

5.5.4. Legitimação concorrente ou alternativa?

A súmula n. 714 do STF reza que: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.

Pacelli diz que concorrente significa a existência de concurso entre legitimados. No entanto, não é esse o entendimento do STF que em recente decisão esclareceu que, se o ofendido em sua honra (o servidor público), apresentar representação ao MP,

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optando pela ação penal pública condicionada a representação, estaria preclusa a instauração da ação privada, estando o MP definitivamente investido na legitimidade para a causa (Inq. 1939/BA – 3.3.2004).

Assim o autor acredita que se trate de uma legitimação alternativa e não concorrente e isso porque:

a) sendo condicionada à representação, o MP jamais estaria legitimado a agir ex officio.

b) Assim, caberia ao ofendido optar entre a representação , ou oferecer a queixa.

Para que fosse efetivamente concorrente o ofendido deveria poder discordar da manifestação do MP – no sentido de arquivamento - e ingressa com a ação privada.

5.6. Ação Penal Privada

Nas ações penais privativas do ofendido o MP intervém somente como “custos legis”, zelando pela correta aplicação da lei penal.

A justificativa da existência deste tipo de ação, com o afastamento do MP da titularidade não pode ser justificado por uma suposta exclusividade do interesse individual, posto que a natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal só permite a existência de tipos penais que ataquem condutas reprovadas pela comunidade e como “ultima ratio”, quando outras formas de intervenção não se mostraram comprovadamente eficazes.

A própria existência do instituto de assistência à acusação (CPP, art. 268) já permitiria o ingresso do ofendido na ação penal de modo a controlar o exercício da função pública, não se sustentando a necessidade de uma ação privativa da vítima.

Igualmente o “strepitus iudicii”, a publicidade muitas vezes indesejada advinda da instauração da persecução penal, não poderia surgir como fundamento, posto que já existente quando se admite o perdão e a perempção. Mesmo que se diga que nessas hipóteses a vontade da vítima atinge um dos fins do processo, qual seja o apaziguamento dos ofendidos, tal solução não explicaria ainda a extinção da punibilidade pela perempção pela morte da pessoa física (art. 60, II, CPP) ou extinção da pessoa jurídica sem deixar sucessores.

Pacelli entende, portanto, que o que justificaria a existência da ação penal privada seria o interesse não-penal de que é titular o ofendido em todas essas ações. A subordinação, em certos casos, ao juízo do MP, pode prejudicar o ofendido, seja pela espera do “Parquet” propor para poder entrar como assistente, seja pelo arquivamento, de inegável influência no juízo cível.

De todo modo, ainda assim, a justificativa da ação privada se encaminharia também para a titularidade da responsabilizaçao civil do autor, já que a resposta penal não se reveste em proveito da vítima.

5.6.1 Legitimação Ativa

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A regra geral é que a legitimação ativa para a ação penal privada seja atribuída ao ofendido, quando capaz, a quem caberá avaliar a discricionariedade da instauração da ação penal. Sendo incapaz, dar-se-á na forma do artigo 30 do CPP.

Se o ofendido for maior de 18 anos e menor de 21 anos, diz o artigo 34 do CPP que ação penal poderá ser instaurada pelo ofendido ou por seu representante legal, em verdadeira legitimação concorrente, nada impedindo a formação de litisconsórcio.

O artigo 2.034 do CC não teria alterado tal disposição, posto que expressamente preservou as regras de maturidade de natureza penal, processual ou administrativa quanto às disposições penais.

Vale ressaltar que, embora a revogação do art. 194 do CPP, dispensando a nomeação de curador no interrogatório do réu menor, parece ir em sentido contrário, o melhor entendimento é que a modificação legislativa deu razão à súmula 352 do STF, dispensando a nomeação de curador pela obrigatória presença de advogado (nova redação do art. 185 do CPP).

Porém Pacelli entende que o problema é outro: quando o CPP se refere ao representante legal do maior de 18 anos, ele se remete a instituto inexistente na sistemática atual do nosso ordenamento e isso não está preservado pelo art. 2034 do nCC. Portanto, a legitimação do maior de 18 anos é hoje exclusiva tanto para o exercício do direito de queixa quanto para a renúncia e o perdão. Semelhante entendimento melhor se consolida coma as novas disposições da lei 10792/03, no ponto em que se revogou a exigência de nomeação do curador ao réu menor de 21 anos para fins de interrogatório.

Esta capacidade processual não se confunde com a capacidade postulatória, que é privativa de advogado, com procuração nos termos do artigo 44 do CPP (ressalte-se a expressa referência ao fato criminoso).

Sendo o ofendido pobre nomear-se-á dativo onde não houver Defensoria Pública organizada (art. 32, § 1º, CPP).

No caso de morte ou ausência, há legitimação anômala para aqueles referidos no art. 31 do CPP, devendo ser obedecida a ordem de preferência. Entretanto, qualquer delas poderá prosseguir caso o querelante que sucedeu desista ou abandone a instância (art. 36, CPP). Lembre-se que caso o ofendido abandone dar-se-á a perempção.

5.6.2 Disponibilidade

Apresenta-se na ação penal privada através dos seguintes institutos:

5.6.2.1 Renúncia

É a abdicação ou recusa do direito de propor a ação penal por manifestação de vontade no prazo previsto em lei, configurando causa de extinção da punibilidade (art. 107, V, do Código Penal).

Pode ser expressa, por meio de declaração assinada pelo ofendido ou seu representante legal ou representante com poderes especiais (art. 50, CPP) ou tácita, através de ato incompatível com a vontade de exercer a ação penal (art. 104 do CP), admitindo qualquer meio de prova para a demonstração (art. 57, CPP).

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OBS: Note-se que como regra geral o recebimento de indenização pelo dano causado pelo crime não configura renúncia tácita (art. 104 do CP), salvo nas infrações de menor potencial ofensivo (art. 74 da Lei 9.099/95), inclusive aqui, como novidade em nosso ordenamento, admitindo-se também do direito de representação.

Note-se que, com a construção de Pacelli sobre a influência das regras no nCC sobre o CPP, muito perdeu a importância a construção jurisprudencial de autonomia entre o direito de ação do ofendido e do seu representante legal constante na súmula 594 do STF, posto que excludentes ambos os direitos.

Resumindo: a) se o ofendido é menor de 18 anos, só seu representante legal pode propor APPrivada, renunciar e conceder perdão; b) ao completar 18 anos poderá praticar tais atos se não tiver operado a decadência ou sido efetuado o ato por seu representante legal, assumindo o prazo no restante que sobrar.

5.6.2.2 Perempção e desistência

Esta se dá quando, após a propositura da ação penal, o querelante manifesta desinteresse pelo prosseguimento, independente de qualquer justificativa. As hipóteses encontram-se previstas no artigo 60 do CPP, sendo a única questão importante o posicionamento de Pacelli de que somente as faltas às audiências instrutórias, pela influência no deslinde da causa, que podem causar a perempção, sendo irrelevante o não comparecimento às audiências conciliatórias (também STF – HC n. 71219/PA).

5.6.2.3 Perdão

Ao contrário da renúncia, o perdão é ato bilateral, cuja eficácia depende, assim, da aceitação do querelado ou de quem tenha poderes para representá-lo, na hipótese de sua incapacidade (art. 53 do CPP).

No entanto, na prática, em caso de não aceitação do perdão por parte do querelado, basta ao querelante abandonar a ação em curso para que ela seja colhida pela perempção. A exigência do perdão talvez se deva para que o ofendido tenha alguma satisfação de cunho moral, já que, do ponto de vista jurídico a aceitação não implica assunção de culpa e, por isso, de responsabilidade civil.

O perdão pode ser tácito ou expresso, dentro ou fora do Juízo, devendo o querelado ser intimado, quando declarado nos autos, para, no prazo de três dias, manifestar-se sobre o mesmo, constando da intimação, necessariamente, que o seu silêncio, no referido prazo, implicará aceitação (art. 58, CPP). O perdão tácito, nos termos do disposto no artigo 106, § 1º., do CP, é o que resulta da prática de qualquer ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação penal. A aceitação do perdão, quando feita fora do processo, deve constar de declaração assinada pelo querelado ou por procurador com poderes especiais (art. 50 e 59, CPP).

Embora não conste regra expressa, acompanha Pacelli a doutrina de Tourinho Filho, no sentido de ser perfeitamente válida e possível a aceitação tácita do perdão, ainda que fora do processo.

Tudo que se disse sobre a legitimidade do maior de 18 anos se aplica também aqui, portanto embora não tenha sido expressamente revogada a regra do artigo 53 do

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CPP quanto à nomeação de curador especial ao réu sem representante legal, esta não se aplica mais a ele. Por certo, quando ambos forem incapazes civis sem representante, tanto a concessão quanto a aceitação dependem de curador (art. 33 e 53 do CPP).

O perdão e a renúncia guardam muitas semelhanças, tais como a extensão aos demais autores do fato, salvo quanto ao acusado que não tenha aceitado o perdão; necessidade de procuradores com poderes especiais para apresentá-los; se feito por um dos ofendidos não prejudica os demais (art. 106, II, CP); e admitem quaisquer meios de prova quando tácitos.

A diferença é que a renúncia se dá antes da ação penal e o perdão é posterior até o trânsito em julgado da sentença condenatória (art 106, §2º. CP).

5.6.3 Indivisibilidade

Por indivisibilidade da ação penal deve-se entender a impossibilidade de se fracionar a persecução penal, isto é, de se escolher ou optar pela punição de apenas um ou alguns dos autores do fato, deixando-se os demais, por qualquer motivo, excluídos da imputação delituosa.

De modo geral, a doutrina e jurisprudência majoritárias entendem que atuação do MP na APPrivada, ao velar pela indivisibilidade, deve se limitar a pugnar pelos efeitos da renúncia, expressa ou tácita, ao demais querelados, posto que qualquer aditamento representaria forma transversa de se exercer titularidade em APPrivada.

Porém Pacelli, seguindo Mirabete, se insurge contra tal posicionamento quando a situação em concreto mostrar ser difícil descobrir qual dos indiciados realmente encontrava-se envolvido no delito. Aqui caberia ao MP, como responsável pela defesa da ordem jurídica, aditar a queixa. A legitimidade “ad causam” continuaria com o ofendido (tanto que é vedado ao MP recorrer de sentença absolutória e Mantém-se os institutos antes estudados), porém evita-se que se considere como renúncia tácita algo que realmente não o é.

OBS: Este tema da indivisibilidade não se aplica evidentemente às ações penais públicas, pautadas pelo princípio da obrigatoriedade. Assim, sendo o órgão da acusação obrigado a fazê-lo em relação a todos os autores do fato, desnecessário o recurso à regra da indivisibilidade. (também STJ, Resp n. 388.473/PR, rel Min. Paulo Medina).

5.6.4 Decadência

Tal como ocorre com as APPúblicas, também as ações privadas têm prazo certo para seu exercício, sob pena do perecimento do direito a elas.

Prevê o CPP, como regra comum à generalidade das ações privadas, o prazo de seis meses imparalisáveis para o exercício do direito de queixa, contados a partir da data em que o legitimado vem a conhecer a autoria do fato (art. 38, CPP).

Obs: Há prazos distintos em leis especiais, e alguns crimes de imprensa contidos na Lei n. 5.250/67 (art. 41, § 1º.), para os quais é previsto o prazo de três meses, com a particularidade, excepcional, de possibilidade de interrupção, conforme se encontra no mesmo dispositivo (art. 41, § 2º).

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É importante também assinalar que o que efetivamente importa no âmbito da decadência é a manifestação de vontade persecutória por parte do querelante. Assim, mesmo que a queixa seja oferecida perante juízo incompetente, relativa ou absolutamente, estará superada a decadência, se observado o prazo previsto em lei.

Registre-se, aqui, a revogação do crime de adultério pela Lei n. 11.106/05, com o que não se há mais de falar no especialíssimo prazo do art. 240 do CP.

5.6.5 Crimes contra os costumes

Nos termos do art. 225 do CP, os crimes contra os costumes seriam processados por meio de APPrivada, à exceção dos parágrafos 1º. e 2º. do dispositivo (APPública Condicionada quando pobres a vítima e seus familiares e APPública incondicionada quando com abuso de poder familiar ou da qualidade de tutor, curador ou do varão que tiver contraído núpcias com a mãe da vítima).

Posteriormente, com a reforma da parte geral do CP em 1.984, a redação do artigo 101, ao atribuir a APPública aos crimes complexos, abarcou os delitos de estupro e atentado violento ao pudor com violência real (física), entendimento consagrado na súmula 608 do STF, mas não moral (grave ameaça) devido à especialidade da norma contida no artigo 225 do CP.

Acrescente-se, inclusive, segundo o entendimento do STF (HC n. 82206/SP, Rel Min. Nelson Jobim), sequer o artigo 88 da lei 9.099/90, que exige representação nos crimes na ação penal quanto aos crimes onde ocorra lesão leve e/ou culposa afasta a súmula citada, posto que tais crimes sempre causam lesões relevantes (ainda que psíquicas).

Porém Pacelli entende que com o atual entendimento do STF de que mesmo o estupro e o atentado violento ao pudor simples devem ser considerados hediondos tornou teratológica a posição de não se estender a APPública aos crimes contra os costumes com violência moral.

A recente Lei n. 11.106/2005, lamentavelmente, não alterou a APPrivada para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando praticados com grave ameaça. O fato é que hediondos ou não são delitos de extrema gravidade, não se podendo compreender a opção pela disponibilidade da respectiva ação penal.

OBS: Observe-se que, não obstante prever a Lei n. 8.069/90 (ECA) que os crimes ali previstos, quando praticados contra a criança e o adolescente, seriam objeto de APPública incondicionada (art. 227) isto não modificada o regramento acima disposto sobre crime contra os costumes, sendo, portanto, de ação privada estupro ou atentado violento ao pudor com mera violência presumida (art. 224, CP).

5.7 Ação Privada Personalíssima

Ainda na linha da discricionariedade, para determinados delitos a nossa legislação reserva exclusivamente ao ofendido o juízo de conveniência acerca da propositura da ação penal, não sendo facultada a ninguém a substituição processual em caso de morte ou ausência do interessado.

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É o que ocorre nas hipóteses dos crimes contra o casamento definidos no art. 236, CP.

Registre-se, o desaparecimento, do nosso ordenamento jurídico, do crime de adultério, com a revogação do art. 240, pela Lei n. 11.106/2005.

5.8 Ação Privada Subsidiária da Pública

A ação pena privada subsidiária da pública nada mais é que o reconhecimento explícito da existência do interesse também privado na imposição da sanção penal ao autor do fato criminoso.

Pressuposto do exercício de tal direito é precisamente a desídia do MP, isto é a ausência de manifestação tempestiva de ato de ofício. Portanto o não oferecimento de denúncia no prazo legal desde que acompanhado da pugnação por novas diligências da autoridade policial ou do arquivamento.

Ressalte-se que é ação penal PÚBLICA, regida pela obrigatoriedade, somente com possibilidade de propositura por parte do ofendido. O MP deverá intervir em todos os termos do processo, fornecer prova, interpor recurso e retomar como parte principal em caso de negligência do querelante (art. 29, CPP).

Deverá ainda incluir novos fatos e/ou autores ou partícipes se entender tal ampliação temática necessária.

Em suma, o ofendido ou seu representante legal (menoridade ou incapacidade) ou aqueles do CPP, art. 31 (em caso de morte ou ausência) poderão ingressar em Juízo a partir do esgotamento do prazo do MP (em regra quinze dias quando solto e cinco dias com réu preso).

OBS: Lembre-se que há prazos especiais em legislação especial, tal como na lei de imprensa, onde o prazo começa ao fim dos dez dias para propor a denúncia (Lei 5250/67, art. 40, § 1º.) e legitimações especiais, como a das associações nos crimes contra o consumidor nos termos do art. 80 da lei 8078/90.

5.9 Denúncia e Queixa

Segundo o disposto no artigo 41 do CPP, a denúncia ou queixa “... conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas”.

As exigências relativas à “... exposição do fato, com todas as suas circunstâncias...” atendem à necessidade de se permitir, desde logo, o exercício da ampla defesa. Conhecendo com precisão todos os limites da imputação, poderá o acusado a ela se contrapor o mais amplamente possível, desde, então, a delimitação temática da peça acusatória, em que se irá fixar o conteúdo da questão penal.

5.9.1 Crimes Coletivos e individualização de conduta

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira36

O que deve ser observado, pois, é a exigência de individualização da conduta, até mesmo porque, segundo o disposto no art. 29 do Código Penal, os autores e partícipes incidem nas penas cominadas ao crime na exata medida das respectivas culpabilidades.

5.9.2 Acusação genérica e acusação geral

Não é incomum, sobretudo no âmbito da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, encontrarem-se decisões rejeitando a denúncia nos crimes societários, isto é, nos crimes contra a ordem tributária (lei 8.137/90), financeira (lei 7.492/86) ou previdenciária (agora na parte especial do CP por força da lei 9.983/2000), por inépcia da inicial, em razão de suposta imputação genérica.

É preciso, porém, distinguir o que vem a ser acusação genérica e acusação geral.

Quando se diz que todos os sócios de determinada sociedade, no exercício de sua gerência e administração, com poderes de mando e decisão, em data certa, teriam “... deixado de recolher...” (leia “caput” do art. 168-A do CP), está perfeitamente delimitado o objeto da questão penal, bem como a respectiva autoria. Não há, em tais situações, qualquer dificuldade para o exercício da defesa ou para a correta capitulação do fato imputado aos agentes. A hipótese não seria de acusação genérica, mas GERAL. Acaso seja provado que um ou outro jamais exerceu qualquer função de gerência ou administração na sociedade, ou que exerceu sem qualquer poder decisória, a solução será a absolvição, mas nunca de inépcia. É nesse sentido a decisão da Suprema Corte no julgamento do HC n. 85579 (info STF n. 389/2005).

Questão diversa poderá ocorrer quando a acusação, depois de narrar a ocorrência de vários fatos típicos, ou mesmo vários condutas de um núcleo de um único tipo penal, imputá-las, GENERICAMENTE, a todos os integrantes da sociedade, sem dizer quem fez o que. Aqui, pela dificuldade para o exercício da defesa e para a individualização das penas, a solução seria a inépcia da inicial, posto que não especificadas as medidas da autoria e participação, assim como incerta a realização dos fatos.

Somente sob tal perspectiva pode ser admitida a orientação jurisprudencial no sentido de que, em crimes de autoria coletiva, é admitida a imputação geral aos acusados, reservando-se a fase instrutória a delimitação precisa de cada uma delas (HC n. 22.265/BA – STF – DJ, I, 17.2.2003).

5.9.3 Aditamento

O aditamento da peça acusatória pode ocorrer tanto para fins de inclusão de co-autores ou partícipes quanto para a inclusão de fatos novos.

No que se refere às ações penais públicas, nenhuma dificuldade, já que, enquanto não prescrito o crime, a denúncia poderá ser aditada.

Observe-se, ainda, que o prazo decadencial para o exercício da ação penal privada somente tem início na data em que o ofendido ou legitimado vem a saber quem é o autor do fato. Por isso, se a autoria somente é revelada na fase de ação já em curso,

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não haveria qualquer impedimento ao aditamento da queixa para a inclusão do co-autor ou partícipe, se no prazo.

No que se refere ao aditamento para a inclusão de fatos novos, não há impedimento algum ao aditamento, desde que se trate de fato cuja persecução deva se feita por meio de ação privada e desde que não tenha operado, em relação ao mesmo, a decadência do direito de ação.

Por fim, é de se anotar que a queixa poderá ser aditada pelo Ministério Público, no prazo de três dias (art. 46, § 2º, CPP), conforme prevê expressamente o art. 45 do CPP, para fins de inclusão de dados “não essenciais”, mas importantes, para o julgamento da causa, não incluídos aqui, claro, fatos novos cuja persecução só seja possível por meio de ação privada.

Porém na APPrivada subsidiária da Pública o MP tem ampla margem para aditamento, tanto de fatos quanto de autores/partícipes, sendo seu limite, segundo Pacelli, a conveniência, no caso concreto, de reabrir a fase de instrução criminal invés de instaurar nova ação penal.

OBS: Registre-se, ainda, que a Lei de Imprensa prevê o prazo de dez dias para o aditamento da queixa pelo MP.

5.9.4 Litisconsórcio

A formação do litisconsórcio poderá resultar da aplicação das regras processuais relativas à conexão e continência, conforme art. 79, CPP, em relação a ações penais já instauradas e em curso, ou mesmo, em tese, por meio de ingresso conjunto da acusação.

A matéria relativa à conexão e à continência será tratada mais adiante, no capítulo referente à competência (6.8.2).

5.9.5 Prazo

Em regra, o prazo para o oferecimento da denúncia ou queixa é de quinze dias, estando solto o acusado, ou de cinco dias, quando se tratar de réu preso (art. 46, CPP).

O prazo é de natureza processual, excluindo-se o dia de começo e incluindo-se o do seu término, e começa a correr da data em que o órgão da acusação recebe os autos do inquérito ou peças de informação devidamente concluídos, lembrando que, estando o réu preso, o prazo de conclusão das investigações é, em regra (com a exceções de que já vimos), de dez dias (J. Estadual); de quinze, prorrogáveis (Justiça Federal).

Tratando-se de réu solto, se no prazo legal entender o órgão do MP ser necessária à adoção de novas diligências, o novo prazo somente terá início quando os autos retornarem com as investigações concluídas.

Entretanto, no caso de réu preso, o prazo para o oferecimento da denúncia não poderá, em regra, ser prorrogado por meio de requerimento de novas diligências. E assim é porque a estipulação de prazos feita na lei processual constitui garantia individual de quem ainda não foi condenado por sentença transitada em julgado.

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OBS: A lei 10.409 prevê o prazo de dez dias para o oferecimento da denúncia, estando preso ou solto o acusado (art. 37) nos crimes de tráfico de drogas.

5.9.6 Capitulação

O acusado se defende dos fatos e não da classificação que faz dele o órgão da acusação. O CPP inclui, porém, entre os requisitos da denúncia ou queixa a classificação do crime (art. 41).

A exigência visa atender duas ordens de interesses: 1) Competência jurisdicional (inicialmente, para fins de distribuição); 2) Ampla defesa (vedando acusação sem lastro jurídico; permitir ao acusado o conhecimento da pretensão punitiva, o mais completamente possível).

O equívoco (e não a ausência) na capitulação ou tipificação não é causa de inépcia da denúncia ou queixa, principalmente por prever a lei a emendatio libelli (art. 383, CPP).

5.9.7 Rejeição

As duas primeiras hipóteses do art. 43 do CPP (I. Quando o fato narrado evidentemente não constituir crime; II. Quando estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa) – cuidam de questões relativas ao próprio mérito da ação penal, pois se atípico o fato ou extinta a sua punibilidade, estará sendo afetada, ou afastada, a própria pretensão punitiva.

A decisão que as reconhece (atipicidade ou extinção da punibilidade) ostenta eficácia preclusiva típica de coisa julgada material, vez que impede a reabertura da discussão naquele e em qualquer outro processo (Info 218).

O próprio parágrafo único do art. 43, a contrario sensu, determina tais efeitos preclusivos à decisão que rejeita a denúncia por atipicidade (“Nos casos do n. III (condições da ação), a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição”).

Assim, diante da suficiência da prova (na causa extintiva de punibilidade) ou da desnecessidade de sua produção, à vista da descrição precisa dos fatos feitas na inicial (caso de atipicidade), ocorre verdadeiro julgamento antecipado do processo, do mesmo modo que no processo civil (art. 330, I, CPC), embora no CPP não exista fase procedimental com esta denominação.

A expressão “fato narrado que evidentemente não constitui crime” está a se referir a fato certo e determinado, pressupondo sua veracidade, em que a prova da sua existência (materialidade), bem como da respectiva autoria, seja absolutamente irrelevante para o julgamento da causa pelo juiz.

O que estará precluso, a salvo de nova apreciação, é tão-somente o fato narrado, e por isso, tal como narrado.

Decisão que rejeitar denúncia que narra incesto de José contra sua irmã Maria, não impede a rediscussão acerca do fato, quando a nova imputação afirmar, por exemplo,

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que houve violência ou grave ameaça (elementares do crime de estupro não contidas na primeira hipótese), logo, não abrangidas pela decisão judicial.

Aliás, nem sequer a relação de parentesco entre José e Maria estaria acobertada pela decisão de rejeição da denúncia, ainda que incluída na narração do fato. Primeiro porque a decisão judicial de rejeição da denúncia não afirma a existência do parentesco, limitando-se a admitir a possibilidade de sua ocorrência. Segundo porque nova acusação na qual se negasse a existência do parentesco entre ambos, mas a prática de outro fato de natureza diversa do primeiro, constituiria causa de pedir totalmente diversa da primeira, impedindo a extensão de qualquer dos efeitos da coisa julgada.

Segundo Barbosa Moreira “a preclusão das questões logicamente subordinantes apenas prevalece em feitos onde a lide seja a mesma já decidida, ou tenha solução dependente da que se deu à lide já decidida”.

É preciso distinguir: uma coisa é a decisão de rejeição da denúncia por atipicidade manifesta, outra é a sentença absolutória que tenha o mesmo fundamento. Na sentença, a coisa julgada irá atingir a realidade histórica; na rejeição do art. 43, I, apenas o fato tal como narrado.

Quanto à rejeição da denúncia por ilegitimidade de parte ou pela ausência de qualquer outra condição exigida pela lei (condições de procedibilidade), impende ressaltar que, ainda que equivocadamente recebida a peça acusatória, poderá o juiz posteriormente extinguir o processo sem o julgamento do mérito, na forma do disposto no art. 267, IV, do CPC, perfeitamente aplicável por analogia.

Se assim não for admitido, há outra solução, mais longa: juiz, valendo-se do disposto no art. 564, II, do CPP, anula todos os atos até então praticados, incluindo o recebimento da denúncia, para rejeitá-la por ilegitimidade de parte.

Outra questão importante diz respeito ao controle judicial do recebimento da denúncia. Um fato narrado, por exemplo, que se procede mediante queixa, a capitulação equivocada, como se crime de ação pública fosse, poderá conduzir à ilegitimidade de parte, devendo o juiz, desde logo, adequar o fato narrado às conseqüências de direito, para o fim de rejeitar a inicial por ilegitimidade ativa.

Por fim, atento ao princípio da ampla defesa, caberia a rejeição da denúncia por inépcia (art. 43, III), na exata medida em que a denúncia que não atendesse aos requisitos do art. 41 do CPP impediria o amplo exercício da defesa. O prejuízo deverá ser aferido cuidadosamente em cada situação concreta.

A Lei 10.409/2002 (novos procedimentos para os crimes de tráfico de drogas) traz duas novidades em tema de rejeição da denúncia: por inépcia (prevista expressamente), por ausência de pressupostos processuais ou condição para o exercício da ação penal (art. 39, I), e, ainda quando não houver justa causa para a acusação (art. 39, II).

Pelo inciso II consagrou-se a justa causa como verdadeira condição da ação, no sentido da ausência de lastro probatório mínimo para a instauração da ação.

Se interposto recurso em sentido estrito da rejeição da peça acusatória, o réu deverá ser intimado para apresentação de contra-razões, conforme Súmula 707 do STF. Não é necessária a prévia citação (esta seria medida inicial para o comparecimento do réu ao interrogatório – art. 352, VI, CPP), basta a intimação (art. 370, CPP).

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5.9.8 Omissões

As omissões da denúncia ou queixa ou da representação poderão ser suprida a todo tempo, antes da sentença final – art. 569, CPP.

Omissões são dados não essenciais não constantes na denúncia ou queixa, passíveis apenas de esclarecimentos quanto à matéria de fato e de direito, e desde que não impliquem a modificação da imputação, o que ocorreria, por exemplo, se se permitisse a inclusão de fatos e co-autores e partícipes novos, somente possível por meio do aditamento ou da mutatio libelli.

A jurisprudência dos tribunais vem admitindo o aproveitamento da ação pública condicionada à representação, esta feita por que não tinha tal capacidade, desde que haja ratificação de quem a tenha, antes da decisão final.

Retificação de eventuais equívocos constantes de mandado outorgado ao advogado para o exercício de queixa ou representação também é exemplo de suprimento tempestivo de omissão.

5.10 Extinção da punibilidade

Segundo Pacelli o tema da extinção da punibilidade é mais adequado ao Direito Penal. Tem como reflexos processuais penais o fato de poder o juiz, em qualquer fase do processo, reconhecê-la presente (art. 61, CPP), podendo fazê-lo de ofício, ou mediante provocação do MP, querelante ou réu. Se por iniciativa dos interessados, o procedimento será autuado em apartado – (parágrafo único do art. 61, CPP).

Cuidando-se de morte do agente, somente à vista da certidão de óbito, e depois da oitiva do MP, é que poderá ser declarada a extinção da punibilidade (art. 62, CPP).

Os casos previstos para a extinção da punibilidade, que implicam a perda superveniente da pretensão punitiva, fundados em razões de exclusivamente de política criminal, vêm, em regra, arrolados no art. 107 (prescrição, decadência, perempção, renúncia, perdão, morte do agente etc) do CP e em outros dispositivos como: art. 168-A, § 2º, do CP; art. 34, da Lei 9.249/95; art. 337-A, § 1º, CP.

A Lei 9.964/2000 prevê a suspensão da própria pretensão punitiva, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente de tais delitos previdenciários estiver incluída no Refis – Programa de Recuperação Fiscal, e desde que a inclusão tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia. E a Lei 10.684/2003 estendeu a suspensão para todo débito que se encontrar em qualquer regime de parcelamento. Ao final do parcelamento, quitado o principal e os acessórios, estará extinta a punibilidade (art. 9º da Lei 10.684/2003). Enquanto estiver suspensa a pretensão punitiva, não correrá prescrição (art. 9º, I).

Tais dispositivos visam dar tratamento diferenciado entre grandes sonegadores e pequenos devedores, em geral em decorrência de dificuldades econômicas da empresa.

Capítulo 6 – Ação Civil Ex Delicti

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6.1 Generalidades

A lesão causada pelo crime, no caso de afetar o patrimônio (moral e econômico) de determinada, dará ensejo a intervenções judiciais distintas da resposta penal. Quando a repercussão da infração houver de atingir também o campo da responsabilidade civil, terá lugar a chamada ação civil ex delicti, que outra coisa não é senão o procedimento judicial voltado à recomposição do dano civil causado pelo crime.

Entende-se por independência entre o juízo penal e o juízo cível a possibilidade de obtenção de decisões judiciais diversas sobre um mesmo e único fato, o que somente pode ser admitido, ao menos em termos absolutos, em um sistema de separação total de instâncias.

No Brasil adota-se o sistema de independência relativa ou mitigada, em razão da existência de uma subordinação temática de uma instância a outra, especificamente em relação a determinadas questões.

A via judicial escolhida poderá ser tanto a execução da sentença penal condenatória – art. 584, II, do CPC, ou processo de conhecimento, devendo ser encaminhados ambos os pedidos ao Juízo Cível, conforme art. 63, do CPP. Ambas ações fundam-se no delito (ex delicti), submetidas às regras de subordinação temática, isto é, à eficácia de decisões do juízo criminal.

As disposições relativas à ação civil ex delicti previstas no CPP, art. 63 ao art. 68, mantêm sua vigência, diante da regra do art. 2.043, do NCC.

O Código Civil de 2002 conservou a essência de todas as disposições referidas pelo CPP à legislação civil.

O art. 935 repete o que dizia o art. 1525 do CC/1916, ou seja, que não mais se discutirá no cível a decisão criminal que reconheça a existência do fato e sua autoria.

Do mesmo modo os antigos artigos 1.519, 160 e 1.521 são correspondentes aos atuais artigos 929, 188 e 932 da Lei 10.406/2002.

Questão polêmica diz respeito ao disposto no novo art. 933 do CC, que estabelece a responsabilidade objetiva dos responsáveis por atos de empregados, serviçais e prepostos; filhos menores; hóspedes, moradores e educandos, tal como previsto no art. 932, I, II, III e IV, do CC.

6.2 Prejudicialidade

Diz o parágrafo único do art. 64, do CPP: “... intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela”.

A ratio essendi do apontado dispositivo legal é a busca de uma única solução para ambas instâncias diante do julgamento do mesmo fato e da mesma causa de pedir. Deve-se dar preferência ao modelo processual penal, pois é de menores restrições à prova, e onde o grau de certeza a ser obtido na reconstrução dos fatos é elaborado a partir de provas materialmente comprovadas.

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No DPP a verdade processual é obtida a partir de critérios mais rigorosos, não se admitindo como suficiente à comprovação de uma alegação, por exemplo, a simples ausência de impugnação tempestiva a ela, como ocorre no processo civil (art. 302, CPC).

Nos termos do art. 64, parágrafo único, do CPP, uma vez proposta a ação no juízo criminal, o juiz do cível poderá suspender o curso desta até a solução final da ação penal. Entretanto, a teor do disposto no art. 265, IV, § 5º, do CPC (posterior), a suspensão não poderá ultrapassar o prazo de um ano.

E mais, o vocábulo poderá do art. 64 p. único, do CPP confere verdadeiro poder discricionário ao juiz do cível, pois somente a partir do exame do estágio de desenvolvimento procedimental de um e outro processo (a ação cível e penal) é que se poderá avaliar a conveniência de se suspender o processo no Cível. Assim, quando já estiver encerrada a instrução na ação civil, não haverá, segundo nos parece, qualquer razão para a suspensão do processo se, por exemplo, estiver ainda no início o procedimento criminal.

Se ambas as ações estiverem em fase procedimentais igualmente desenvolvidas ou ainda quando a ação civil estiver mais adiantada, mas só concluída a sua fase instrutória, a suspensão do processo civil se revelará extremamente oportuna e conveniente, a suspensão do processo civil, a fim de se evitar posterior ajuizamento de ações rescisórias se inviável o reconhecimento dos efeitos da decisão criminal na via recursal civil.

No que se refere especificamente às questões atinentes ao estado das pessoas, excepcionalmente se defere à instância civil certo poder subordinante em relação à criminal Nestes casos o juiz criminal deverá obrigatoriamente suspender o processo penal (art. 92, do CPP), suspendendo-se também a prescrição da ação penal (art. 116, I, do CP).

6.3 Objeto

Quando o dano causado é de natureza econômica o objeto da ação civil pode se identificar em um pedido de simples restituição do bem subtraído ou apropriado indevidamente, ou, quando maior o dano, de ressarcimento, abrangendo além do dano emergente os lucros cessantes.

Quando o dano atingir patrimônio moral do ofendido, ou seja, aqueles valores atinentes à dignidade, individualidade e à personalidade da vítima, expressões culturais da própria comunidade social, dar-se-á a reparação civil do ilícito, como ocorre, por exemplo, nas ações de danos morais.

Ainda, segundo a doutrina o vocábulo indenização se prestaria a definir a modalidade de recomposição patrimonial do dano causado por ato ilícito do Estado (desapropriações etc).

Contudo a legislação e a própria CF não obedecem às definições antes apontadas, tratando por indenização qualquer pedido de natureza ressarcitória ou reparatória (ex.: art. 5º, V, CF e art. 68, CPP). O CC também não respeita a classificação (1º Capítulo do Título IX – Da obrigação de indenizar – refere-se a quaisquer de suas modalidades).

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O pedido de restituição de bem, embora cabível no juízo cível, pode ser aviado na instância criminal por simples incidente de restituição de coisas apreendidas (art. 118 e ss. CPP).

6.4 Legitimação

Ofendido ou seu representante legal, no caso de incapacidade.

Se pretensão de natureza civil, com repercussões de índole patrimonial, a legitimação, a falta do ofendido ou seu representante legal é atribuída aos seus herdeiros (art. 63, CPP), não se limitando ao rol do art. 31 do CPP.

6.5 Subordinação temática e eficácia preclusiva

6.5.1 Nas decisões condenatórias

O sistema processual brasileiro no que respeita à vinculação de instâncias adota o modelo da independência relativa ou mitigada.

O legislador adotou os critérios de eficiência ou suficiência probatória e da extensão material do julgado para a determinação da subordinação temática.

Assim, uma vez comprovada no juízo criminal a existência do fato, bem como a sua autoria, tais questões não poderão ser mais discutidas no cível (art. 935, CC).

Trata-se de decisão com eficácia preclusiva subordinante, pois impede a reabertura da discussão, em homenagem à unidade da jurisdição.

Registre-se, porém, parece-nos perfeitamente possível a alegação, no cível, da concorrência de culpa no evento danoso, ainda que tal questão não tenha sido abordada no juízo criminal, ou, se abordada, não tenha se mostrado suficiente a afastar a responsabilidade penal.

O que não nos parece sujeito a novas indagações no cível diz respeito ao elemento subjetivo da ação delituosa, isto é, a decisão acerca do dolo ou culpa imputados ao autor, sobretudo por se tratar de matéria indissociável da decisão relativa à própria autoria.

6.5.2 Nas decisões absolutórias

Ainda valendo-se dos critérios da suficiência probatória e da extensão material do julgado, prevê o CPP que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito (art. 65). São as causas de justificação da conduta ou excludentes da ilicitude.

Entretanto, não nos parece acertado pretender a mesma solução quando a hipótese for de legítima defesa ou estado de necessidade putativos. Embora haja absolvição do acusado, com fundamento no art. 386, V, não é possível interpretar

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extensivamente a regra do art. 65, do CPP (que não faz referência às descriminantes putativas entre as hipóteses abrangidas pela coisa julgada).

Embora seja vedada a reabertura da discussão acerca da matéria então decidida (excludentes reais), a responsabilidade civil não estará afastada quando houver expressa previsão legal neste sentido, ou seja, prevendo a recomposição do dano mesmo nas hipóteses de legítima defesa, estado de necessidade etc. Ex.: arts. 929 e 930 do CC (responsabilidade do agente causador do dano à coisa).

Quando a sentença absolutória penal reconhecer provada, categoricamente (parte dispositiva – 386, I), a inexistência do fato, não se poderá mais, também, discutir tal questão no cível, estando definitivamente afastada a RC – art. 66, CPP.

6.5.3 A questão da negativa de autoria

Algumas decisões de nossos tribunais fazem referência à denominada negativa de autoria como sendo suficiente para o impedimento da instauração da ação civil ex delicti (Info 295 do STF), sem explicar a questão da definição legal da negativa de autoria.

Parece-nos, contudo, que tal entendimento contraria frontalmente as regras processuais relativas aos provimentos judiciais absolutórios previstos no CPP.

Entendemos que a questão se revolve no nível da insuficiência de prova da autoria – e não da suficiência da prova quanto a não ser o réu o autor do fato. Daí porque perfeitamente possível a reabertura da discussão na instância cível (art. 386, IV: o juiz absolverá se não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal).

A redação do inc. IV é diferente daquela do inc. I. Inexiste disposição legal prevendo a absolvição por estar provada a negativa de autoria, como ocorre com a inexistência do fato. E no que respeita às decisões absolutórias, o ordenamento optou por um regramento rígido, prevendo expressamente em que situações poderiam ocorrer (interpretação do arts. 386, quando se enumera a regra geral das decisões absolutórias e do art. 411, no qual se estabelece a absolvição sumária no Júri – em um e outro caso a parte dispositiva da decisão é expressamente prevista, sendo vedada a analogia).

6.6 Responsabilidade civil de terceiros

Determinadas pessoas, em razão do parentesco ou do mau desempenho de atividade laborativa, respondem, no cível, pelo risco assumido com a escolha de mandatário empregado ou prestador de serviços (art. 932, III, do CC), bem como do exercício do poder familiar (art. 1630 e ss, CC) ou da assistência devida aos descendentes e tutelados e curatelados (arts. 932, I e II, CC).

O CPP, em seu art. 64, diz que a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.

Saliente-se que, na hipótese de execução da sentença penal condenatória, o título executório é dirigido apenas ao condenado.

Já em relação à ação de conhecimento proposta contra o autor do fato e o responsável civil, parte da doutrina sustenta a impossibilidade de extensão de efeitos erga

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omnes da decisão criminal condenatória ao responsável civil, ao fundamento de violação ao contraditório e amplitude de defesa.

A argumentação não convence. Primeiro porque o nosso ordenamento jurídico não autoriza qualquer modalidade de intervenção de terceiros no processo penal, a não ser a assistência (que, aliás, não é modalidade de intervenção de terceiros). Isso porque o conteúdo do processo penal, no que respeita unicamente à imposição de sanção penal, não reflete qualquer interesse jurídico para o responsável civil, vedada a formação de litisconsórcio passivo, pois a pena não passará da pessoa do acusado e somente dele (art. 5º, XLV, CF).

Em segundo lugar, o exame e apreciação das questões ligadas à autoria e à materialidade não se inserem no campo da fundamentação de semelhante modalidade de RC. A teoria da responsabilidade civil, por vezes (arts. 927, 933, 935, CC), centra-se objetivamente no risco, e não mais na culpa.

Entretanto, se a ação de responsabilidade civil for intentada antes da ação penal, ou seja, sem que haja condenação penal já passada em julgado, pensamos que o terceiro, responsável civil, não estaria impedido de discutir toda a matéria relativa ao fato e à autoria, diante de sua posição litisconsorcial, e diante da ausência, ainda, de subordinação temática à instância penal.

Embora a responsabilidade do terceiro se situe no vínculo contratual ou legal, o fato é que ela somente existirá se pressuposta a responsabilização do autor do fato, seu empregado, preposto ou serviçal. Por isso, acreditamos que o horizonte da discussão judicial poder ser ampliado também em relação a ele, quando estiverem em disputa apenas os interesses privados decorrentes da recomposição civil do dano causado pelo crime.

Em outras palavras: quando se tratar de ação civil reparatória proposta contra o autor do fato e o seu responsável civil, e, inexistindo ação penal em curso (ou, se arquivado o inquérito ou absolvido o réu por ausência de provas etc), ou, se em curso, ainda não sentenciada, com decisão passada em julgado, é de admitir-se possa o terceiro (responsável civil) impugnar a própria existência do fato e sua autoria. Isso, no âmbito, é claro, do processo civil. E tal ocorre menos em razão de possível violação à ampla defesa – que também será exercitada – que em razão do litisconsórcio formado entre ambos (responsável civil e autor do fato), cuja conseqüência, por força de lei, estenderá aos dois os efeitos da sentença.

No juízo criminal, porém, as questões relativas à autoria e materialidade evidenciam interesses de natureza pública, na medida em que, uma vez capitulada a conduta como delituosa, a intervenção estatal deve caracterizar-se como ultima ratio. Daí porque, acrescida da necessidade de se preservar a unidade da jurisdição, não poderão mais ser discutidas, quando estiverem passadas em julgado.

Por fim, é de se lembrar, mais, que a impossibilidade de reabertura da discussão acerca da autoria e da materialidade pode também ser explicada como restrição à prova no juízo cível, conforme anota Tourinho Filho. Pois, na instância cível, existem restrições à prova de natureza até mesmo substancial, como ocorre com a certeza obtida a partir da só ausência de impugnação do fato articulados na inicial (art. 302, CPC), com a vedação do testemunho de menores de dezesseis anos (art. 405, III, do CPC), e até mesmo com os efeitos da confissão (arts. 348 e ss, CPC). A impossibilidade de rediscussão de tais questões seria, então, mais uma das já existentes restrições à prova.

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6.7 A legitimação do Ministério Público

Art. 68, do CPP: legitimação ativa do MP para a propositura da ação civil decorrente do delito – e para a execução do julgado penal – quando o titular do direito à reparação do dano for pobre.

A CF/1988, com a previsão da Defensoria Pública, como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da orientação jurídica e da defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 134, CF), a razão de ser da legitimação do MP (pobreza do titular) evidentemente deixou de existir.

Solução das mais interessantes veio do STF que, em decisões recentes, vem sustentando a tese de uma inconstitucionalidade progressiva, preconizada sobretudo pelo eminente Min. Sepúlveda Pertence. Assim, sustenta que o art. 68 do CPP manteria sua vigência até o regular funcionamento nos estados dos órgãos de defesa jurídica.

Do ponto de vista rigorosamente jurídico, a solução não convence, até porque o que seria progressivo seria a revogação e não a inconstitucionalidade, dado que a norma constitucional é posterior à legal. Também porque toda norma constitucional ostenta eficácia jurídica (José Afonso da Silva).

A solução do STF busca a acomodação dos diversos interesses em disputa, revelando-se de ordem eminentemente política, à qual não pode ela, em certa medida, jamais renunciar.

Páginas: ___ a ____

Elaborado por: Concursero, Cristiana Nepomuceno, Daniel de Carvalho Guimarães e Eliana Mendes.

Atualizado e ampliado por Artur Ferreira dos Santos ([email protected])

Capítulo 7: Jurisdição e Competência.

7.1 Jurisdição e repartição de competência.

A jurisdição é una, no sentido de tratar-se de intervenção do estado junto aos jurisdicionados, aplicando o direito ao caso concreto. Todos os atos e decisões judiciais qualquer que seja a competência do juiz ou tribunal, são manifestações do poder estatal aptas a produzirem determinados e específicos efeitos jurídicos.

Sob o enfoque exclusivamente jurídico, abstraído as finalidades metajurídicas, o processo penal como instrumento da jurisdição, viabiliza a aplicação da lei Penal, possibilitando a pretensão punitiva via legitimação do Ministério Publico ou excepcionalmente por iniciativa particular na ação penal privada e na subsidiaria da publica.

A jurisdição Penal, monopólio do estado tem a função de aplicação do direito Penal, na exata medida e proporção previamente indicadas em lei.

Para realizar essa tarefa complexa e em estrito respeito aos critérios adotados na constituição, a jurisdição é repartida em competências-derivadas da carta magna

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(notem que o autor dar enfoque especial à repartição de acordo com a constituição), com objetivo de operacionalizar a administração da justiça.

Percebe-se claramente que existem distribuições de competências derivadas da constituição e protegida pelo principio do juiz natural (art. 5º LIII, CF).

Essa distribuição da jurisdição a diferentes órgãos do poder publica atende a regras de racionalização da função publica, otimizando a atividade. (vejam o caráter pratico concreto da repartição de competência).

Surge então, para atender a essa finalidade pratica da distribuição, a especialização do poder judiciário em razão de cada matéria, delimitando em um primeiro momento a jurisdição penal encarregada da matéria criminal.

Essa jurisdição penal passa a ser repartida em órgão mais especializado ainda, em vistas a especificidade de cada matéria penal. (é a repartição da repartição).

Diferem-se o julgamento de acordo com a titularidade do bem, o valor ou interesse publico atingido, ou em relação à natureza do delito.

Em relação à titularidade do bem, apresentam-se a jurisdição penal chamada de comum, Federal ou Estadual, escolhidas em razão da matéria.

Em razão do Valor ou interesse jurídico atingido tem-se o tribunal do júri, e a jurisdição especial da justiça eleitoral e militar fundadas também em razão da matéria.

Salienta o autor que embora a doutrina e a jurisprudência adotem uma terminologia ainda mais restritiva em relação à jurisdição militar e eleitoral (fala-se em justiça especializada em aparente oposição a justiça comum federal e estadual) o critério determinante da separação dos poderes jurisdicionais foi o da especialização em razão da matéria.

Sustenta sua afirmação, atribuindo à especialização um enfoque pratico na melhora do serviço jurisdicional dela resultante e aludindo que tal fenômeno ocorre em todos os ramos do direito e atividades profissionais (direito administrativo, constitucional, penal, na pediatria, oftalmologia etc.).

Afirmar que a terminologia JUSTIÇA ESPECIALIZADA, referida a justiça penal militar e a eleitoral, tem o objetivo de realçar mais ainda o caráter específico, próprios e especiais, desses ramos.

Por fim em razão do agente é prevista a jurisdição colegiada ou competência originaria, estabelecido em razão das relevantes funções exercidas pelo autor, ou seja, foro privativo ratione personae.

Em todas as situações impõe-se a observância do juiz natural entendido como órgão da jurisdição cuja competência, estabelecida anteriormente ao fato, e derivada de fontes constitucionais.

Estaremos assim nos referindo à competência absoluta, diante da rigidez e estatura da fonte normativa de onde derivam, ou seja, a constituição da republica.

7.2 Juiz Natural e Competência Absoluta: Competência de Jurisdição.

O juiz natural é verdadeira garantia individual para o acusado.

O autor afirma que o juiz natural tb se aplica na Justiça estadual, pois embora se trate de competência residual (a constituição não é expressa) é definida pela regra da

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exclusão constitucional, sendo absoluta, portanto sendo que seu afastamento somente ocorrerá por força de normas ou princípios constitucionais, quando firmada em razão da matéria.

O fato de prevalecer à competência da justiça federal, na hipótese de reunião obrigatória de processos da competência federal e estadual ocorre mais em razão do critério constitucional de distribuição de competência (a federal é expressa e a estadual por exclusão) do que em razão da regra do juiz natural. A competência residual estadual é regra de aplicação subsidiaria, condicionada ao afastamento prévio e anterior da competência expressa.

Como se vê, o juiz natural instituído ratione materiae e ratione personae, configura competência absoluta, somente se admitindo sua flexibilização por normas da mesma estatura constitucionais.

Por fim, sendo o fundamento do juiz natural à vedação de juízo ou tribunal de exceção e na regra do juiz constitucionalmente competente em razão da matéria e da prerrogativa da função, não viola este principio a designação de dois ou mais juizes para atuarem em conjunto, tão pouco as modificações de competência realizadas dentro de uma mesma jurisdição, quando prevista em regras na lei de organização judiciária.

Deve-se identificar o juiz natural na qualidade da jurisdição e não na pessoa do juiz.

7.3 .Prerrogativa de Função (Ratione Personae).

Em atenção à relevância de determinadas cargos ou funções publicas e as possíveis graves implicações políticas que poderiam resultar das decisões judiciais, fixou-se os foros privativos.

Optou-se pela eleição de órgão colegiado para realizar o julgamento, em razão da maior independência das influencias externas bem como pela formação profissional e experiência dos julgadores.

Na verdade por ser uma escolha política discricionária do constituinte o regramento legal não é tão seguro para a ideal sistematização da matéria.

Ressalte-se o fato de que toda a matéria relativa à competência por prerrogativa da função esta regulada na constituição federal, restando à legislação ordinária a matéria em razão do lugar da infração.

Destarte, encontra-se revogado não só os artigos 86 e 87, como também o art. 84, vale dizer, a lei 10628 de 2002, represtinou a regra do art. 84, embora com novas disposições (tratando da vergonhosa tentativa do restabelecimento do foro por prerrogativa da função nos molde da sumula 394 dentre outras impropriedades.).

O autor registra a flagrante inconstitucionalidade da lei 10628/2002 ao criar regra referente ao juiz natural por meio de lei ordinária, incluir conteúdo ratione personae misturando com ratione loci no mesmo dispositivo. O tema será abordado mais adiante.

7.3.1 - Crimes Comuns e Crimes de Responsabilidade.

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Os crimes de responsabilidades não são infrações penais. São infrações políticas. São submetidos a julgamentos perante a jurisdição política, tendo como sanção a perda do cargo ou função publica ou vedação de exercício futuro, em decorrência do mal desempenho de atividade publica.

A responsabilidade política a objetividade jurídica visa tutelar a função púbica, mas do que a comunidade social representada pelo político.

Sendo assim, norteado pelo critério político os princípios aplicáveis para o julgamento dos crimes de responsabilidade são totalmente incompatíveis com a principiologia do direito penal, dos delitos comuns, portanto.

Nesse sentido o STF, reconhece para fins de fixação do foro por prerrogativa de função, a dicotomia entre os crimes comuns e os crimes de responsabilidade, incluindo na primeira todas as infrações de natureza penal, inclusive eleitorais.

O autor cita como exemplo as infrações previstas na lei 1079/50 relativa aos crimes de responsabilidade do presidente da republica e outras autoridades bem como o Dec. lei 201/67 relativo aos prefeitos municipais, ressaltando que os delitos previstos no art. 1º desse decreto, são crimes comuns, sendo por isso que a extinção do mandato do prefeito não impede o processo pela pratica desses crimes. Vide Sumula 703.

Sumula 703 “a extinção do mandato de prefeito não impede a instauração do processo pela pratica dos crimes previstos no art. 1º do Dec. 201/1967.”.

Aduza-se ao tema os artigos 29-A, parágrafo 2º da CF, que estabelece crimes de responsabilidades dos Prefeitos e do Presidente da Câmara, bem como o art. 85 parágrafo único em relação aos crimes Praticados pelo Presidente da República.

A emenda constitucional n 45/04, estabeleceu a previsão de julgamento, pelo Senado Federal dos Membros do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Publico e do Advogado-Geral, nos crimes da União, nos crimes de responsabilidades, entretanto não há ainda previsão legal das citadas infrações (crimes de responsabilidade) para as referidas autoridades.

Renove-se o atual posicionamento do STF, no sentido de se tratar de ação verdadeiramente penal, impedindo seu manejo popular, consoante previsto na Lei 1079/50.

7.3.2 Critério da Simetria.

Pacelli sistematiza a relevância da função publica protegida pela norma do foro privativo evidenciando o critério da simetria para fundamentar a aplicação. Senão vejamos;

a) A competência do Supremo Tribunal Federal:

Todos os membros de primeiro escalão dos diversos poderes serão julgados nos crimes comuns pelo STF. Membros do congresso, Presidente e vice Presidente e Ministro de Estados e os Ministros do STF.

Seguindo essa linha simétrica da relevância das funções ao STF compete o mais alto comando das forças armadas, dos membros do Tribunal de Contas da união e

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os chefes de missão diplomática de caráter permanente. Verifica-se a posição de destaque constitucional das forças armadas e tribunais de contas.

O STF, ainda pelo critério da simetria julga nos crimes comuns o Procurador Geral da republica, os membros dos tribunais superiores. O primeiro, PGR, em razão da dignidade das funções e ao status de poder público independente, e o segundo pela inconveniência de ser julgado pelos próprios pares.

Mencione-se que o Advogado Geral da União o chefe da Casa Civil e a Controladoria Geral da União adquiriram foto privativo no STF em razão do status de Ministros de Estado, pela Lei 10683/03. Na mesma linha e via legislativos o cargo de Presidente do Banco Central e mais recentemente a lei 11036 de 22/12/2004 estendeu o mesmo status a vários cargos de secretaria.

Existem impugnações questionando a constitucionalidade das equiparações.

Pacelli diz que não há vicio em relação ao cargo de Chefe da Casa Civil (afirma o status de ministro) e do Advogado Geral da União.

O autor afirma que talvez o cargo de Presidente do Banco Central pelo status e submissão funcional ao Presidente da Republica bem como sua posição estratégica, possa se aceitar a constitucionalidade da privatividade do foro.

Existe a ADI n 3289 e 3290 levando a questão ao plenário do STF, ambas relatadas por Gilmar Ferreira Mendes. Há ainda o IQ n 2206, em referencia especifica ao foro do presidente do Banco Central, suspenso aguardando o julgamento das ADI.

Em relação às inúmeras secretarias o autor espera que o STF reconheça a manifesta inconstitucionalidade por serem órgãos exclusivamente administrativos.

Não se pode admitir que a Administração Federal detenha o poder de identificar a relevância das funções merecedora de tratamento privilegiado na CF. As opções constitucionais para o foro privativo da-se pela relevância das funções e os Ministros representam um longa manus da Presidência da Republica.

Depois da publicação do livro, trazemos a colação decisão das referidas ADI tendo como relator Gilmar Ferreira Mendes, onde se ratifica a posição de Pacelli.

“A medida provisória 2216-37, elevou ao status de ministro o Advogado Geral da União e o Corregedor Geral da União, tornando o STF competente para o julgamento. “Ação direta de inconstitucionalidade contra a Medida Provisória nº. 207, de 13 de agosto de 2004 (convertida na Lei nº. 11.036/2004), que alterou disposições das Leis 10.683/03 e 9.650/98, para equiparar o cargo de natureza especial de Presidente do Banco Central ao cargo de Ministro de Estado. Prerrogativa de foro para o Presidente do Banco Central. Ofensa aos arts. 2º; 52, III, d; 62, § 1º, I, b, § 9º; 69 e 192; todos da Constituição Federal. Natureza política da função de Presidente do Banco Central que autoriza a transferência de competência. Sistemas republicanos comparados possuem regulamentação equivalente para preservar garantias de independência e imparcialidade. Inexistência, no texto constitucional de 1988, de argumento normativo contrário à regulamentação infraconstitucional impugnada. Não-caracterização de modelo linear ou simétrico de competências por prerrogativa de foro e ausência de proibição de sua extensão a Presidente e Ex-presidentes de Banco Central. Sistemas singulares criados com o objetivo de garantir independência para cargos importantes da República: Advogado-Geral da União, Comandantes das Forças Armadas, Chefes de Missões Diplomáticas. Não-violação do princípio da separação de poderes, inclusive por causa da participação do Senado Federal na aprovação dos indicados ao cargo de Presidente e Diretores do Banco Central (art. 52, III, d, da CF/88). Prerrogativa de foro como reforço à

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independência das funções de poder na República adotada por razões de política constitucional. Situação em que se justifica a diferenciação de tratamento entre agentes políticos em virtude do interesse público evidente. Garantia da prerrogativa de foro que se coaduna com a sociedade hipercomplexa e pluralista, a qual não admite um código unitarizante dos vários sistemas sociais. “Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 3.289 e ADI 3.290, Rel.min. Gilmar Mendes, DJ 24/02/06)”.

Impende salientar que a EC 45/04 estabeleceu foto privativo, no senado Federal, para os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, apenas para o julgamento de crimes de responsabilidade, e não nos crimes comuns, permanecendo as mesmas disposições constitucionais.

Pacelli acha possível a Corte brasileira admitirem prerrogativas de foro, na segunda estância, para os Membros dos conselhos, que não possuem, alegando serem membros do judiciário (Art. 92 I-A) e não do Ministério Publico. O autor discorda desse posicionamento fundamentando no silencio (expressivo) do constituinte em relação aos crimes comuns.

b) A competência do Superior Tribunal de Justiça:

Em relação ao STJ, o critério da simetria não apresenta as mesmas características seguras, mas pode-se considerar como regra preponderante,

Em linha abaixo para jurisdição do STF, temos foro privativo do Art. 105 I “a”.

Os membros do MP da União possuem tratamento paritário aos membros do Poder Judiciário da União. Art. 105 in fine.

Exceção total a regra da simetria, por exclusivo critério de conveniência publica, encontra-se na reserva de jurisdição dos conselheiros ou membros dos tribunais de Contas dos municípios, onde houver. Art. 105, I, “a” da CF. OBS. Já foi questão de prova aberta do MPF.

c) Competência dos Tribunais regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais de Justiça.

Traçando-se nova linha mais baixa da jurisdição do STJ, temos a competência jurisdicional dos tribunais regionais federais e dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito federal, dos Tribunais Regionais Eleitorais, que possuem competência para julgar os membros do Poder judiciário a eles vinculados ou equiparados 9simetria no judiciário, ocorre entre um juiz do trabalho e um federal) art. 108, I, ”a” e art. 96, III da CF.

Se eleitoral o crime caberá ao TRE, por força da ressalva expressa do art. 96. III, in fine e no art 108, I,”a”, in fine.

Para o Ministério Público a simetria somente é aplicada ao MP da união. Assim os Membros do MP da união (MPF, MPT, MPM) serão processados e julgados pelo TRF, salvo se eleitoral (art. 108 I “a”).

Pacelli faz uma observação. Literalmente ao disposto no art. 108. I, a caberia ao TRF o julgamento dos membros do MPDFT, já que integram o MPU, mas em razão de não haver razão para tratamento distinto em relação aos juizes de direito do DF que são

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julgados no TJ, (ART 96 III) também no Tj deveriam ser julgados os membros do MPDFT que atuam perante eles na primeira instancia.

Os artigos 107, parágrafo 3º e 125, parágrafo 6º, tratam do funcionamento descentralizado do TRF e dos TJ, por meio de câmaras regionais. As aludidas câmaras poderão se responsabilizar pelo julgamento por prerrogativa da função de acordo com seus respectivos regimentos.

7.3.3 Critério da regionalização.

Critério da regionalização é e fixação da jurisdição em atenção à origem da autoridade submetida ao foto privativo.

A exemplo, os membro dos MPs estaduais que em regra são julgados pelo TJ art. 96, III, exceção dos crimes eleitorais.

Critério também utilizado aos membros do judiciário de primeira instancia (estadual, federal e trabalho) e do MPF.

7.3.3.1 Deputados Estaduais e Prefeitos.

Deputados estaduais e prefeitos desde que não sejam crimes federais ou eleitorais serão julgados pelo TJ respectivo.

Para os deputados estaduais, por força do art. 27 parágrafo 1º que prevê igual tratamento aos referidos parlamentares em relação à inviolabilidade e imunidades art. 25 CF, que explicita o principio federativo, inclusive os dolosos contra vida.

Limita-se essa privatividade se estende aos TRF quando o delito for federal. Por força da simetria prevista no 109, IV da CF c/c o disposto no art. 27 da CF, já que não existe foro privativo em primeira instancia na justiça federal.

Assim a sumula 702. do STF. “A Competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual: nos demais casos, a competência originaria caberá ao respectivo tribunais de segundo grau.”

7.3.3.2 A extensão dos foros privativos nas Constituições Estaduais.

Muito debatida é a questão da definição no âmbito do poder constituinte estadual na matéria relativa à instituição do foro por prerrogativa da função.

Primeiramente deve-se identificar o juiz natural, ou seja, o juiz constitucional, não podendo as CE modificar a distribuição de competência jurisdicional postas na CF.

Daí a sumula 721 do STF “A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.”.

Uma vez fixada a competência pela CF, somente ela pode prever ressalvas à distribuição.

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Veja que embora a Súmula 702 se refira a prefeito, aplica-se aos deputados estaduais, em razão do critério da simetria no tratamento de funções relevantes do poder.

Pacelli chama atenção para o confronto entra o verbete da sumula 702 com a 721.

A 702 reconhece a competência dos tribunais de 2º grau (TRE e TRF), para julgamento dos prefeitos e, em extensão interpretativa, dos deputados estaduais quando se tratar de crime federal ou eleitoral. Já a sumula 721 estabelece que a competência do tribunal do júri prevalece sobre o foro previsto exclusivamente pela constituição estadual.

A duvida é a seguinte, para compatibilizar as sumulas deve-se entender que se o foro privativo for previsto exclusivamente na constituição Estadual, deverá prevalecer o juiz natural da constituição federal apenas na competência do tribunal do júri ou também a do juiz federal e do Eleitoral de primeira instancia?

Ou seja, somente a competência por tribunal do júri excepcionaria o foro previsto na Constituição do Estado para determinada autoridade local?

A relevância da indagação reside no fato de que se trata de casos em que a prerrogativa esta prevista unicamente na Constituição Estadual. Já Os prefeitos e Deputados estaduais, súmula 702, possuem previsão constitucional.

Primeira solução, As autoridades com foro privativo nas constituições estaduais merecem o mesmo tratamento reservado aos prefeitos e deputados estaduais, à exceção única do tribunal do júri (TJ competente para julgar prefeito e deputados estaduais nos dolosos contra vida, entendimento pacificado).

Segunda solução devem ser os prefeitos e deputados, julgado no foro privativo estabelecido na Constituição Estadual apenas nos crimes estaduais, excepcionada a competência do tribunal do júri, também estadual. Nos crimes federais, eleitorais ou militares, competência de primeira instancia da respectiva jurisdição, tal como tribunal do júri, isso porque assim como a tribunal do júri, o juiz federal e as outras autoridades possuem juiz natural de natureza constitucional.

Para o autor não é licito, as Constituições Estaduais instituírem foros privativos. Haja vista pó sistema federativo, as repartições de competência apontam em sentindo contrario.

Uma vez fixada a distribuição de competência pela Constituição, não se deveria aceitar o exercício de semelhante tarefa por parte do constituinte estadual.

O STF tem entendimento oposto ao do autor. Entendeu a Suprema corte na ADI. 2587/GO. Rel. Mauricio Correa (vencido) que é constitucional o artigo da Constituição Estadual de Goiás que estabelece foro privativo por prerrogativa de função aos Procuradores do Estado e da Assembléia legislativa e aos Defensores Públicos, negando aos delegados de policia.

Com essa decisão não resta duvida. È constitucional a previsão de foro por prerrogativa, em constituições Estaduais, para vereadores e secretários de estado, que, aliais, têm correspondência no modelo federal, limitados aos crimes estaduais.

Ressalte-se a exceção da privatividade em Constituição estadual, da previsão dos crimes federais, eleitorais, e do Júri em razão do assento constitucional expresso.

Portanto, a regra a ser seguida, é a estrita obediência aos critérios constitucionais do juiz natural, devendo ser interpretado restritivamente as normais estaduais que desafiarem a CF.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira54

Daí, Pacelli sustentar que o entendimento jurisprudencial sinalizado na sumula n. 721 deve ser no sentido de abranger todo juiz natural cuja competência esteja expressa na constituição.

Contudo, afirma o autor, que o STF afastou esse entendimento, para admitir a simetria da jurisdição também à justiça federal para o secretario de estado que praticasse crime federal, tal como o prefeito, entende que nesse caso deveria ser julgado pelo Tribunal Regional Federal, pelo critério da simetria.

O autor discorda do STF, entretanto diz ser compreensível, na medida em que se reconhece a afirmação da jurisdição federal, ainda que se abstraindo do órgão de primeiro grau.

Para o autor tratou-se do principio do juiz natural, como o da jurisdição natural, o que não é desarrazoado tendo em vista o Tribunal do júri (a ressalva da sumula 721) constitui uma jurisdição especialíssima.

7.3.4 Prerrogativa de função e natureza do crime

Fixadas a jurisdição privativa em razão da função, cabe relacioná-la com a natureza da infração e verificar se existem exceções.

Ressalte-se unicamente, a dicotomia adotada pelo STF entre crimes comuns e crimes de responsabilidade me tema de foro privativo por prerrogativa.

Sendo assim, são crimes comuns para efeito de foro por prerrogativa todas as infrações penais que não sejam de responsabilidades.

Daí e a exemplo. Os Deputados Federais serem julgados no STF nos crimes comuns (art. 102, I) seja eleitoral, doloso contra vida e mesmo militar, pois se trata de critério político altamente questionável, mas em razão da função e não da matéria.

Nos demais casão as exceções existentes encontram-se plasmada na CF de forme especifica.

O autor repete a afirmação do verbete da sumula 721, afirmando que não só a competência do tribunal do júri, mas qualquer competência fixada na CF, que instrumentaliza o principio do juiz natural.

Os foros privativos do STF (102 CF) e do STJ (105 CF) não comportam exceções. São regras rígidas.

Já o foro privativo do TRF e do TJ, a CF traz ressalvas expressas, em razão da natureza da infração às pessoas nos crimes comuns serão julgadas naqueles tribunais e nos crimes eleitoras nos tribunais eleitorais. Art., 96, III e 108. I.”a”. Competência do tribunal eleitoral e não do juiz eleitoral pela simetria, isto é, julgamento pelo órgão colegiado.

A prerrogativa de função em relação aos Prefeitos e deputados estaduais ainda é menos rígida, somente se aplicando quando se tratar de crimes estaduais, ficando ressalvada a competência da justiça federal nos crimes federais, da justiça eleitoral e há justiça militar da união. (crimes militares).

Resumindo.

No STF e no STJ o foro privativo é fixo independentemente da natureza da função.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira55

No TRF E TJ, foro privativo móvel. Em relação aos crimes eleitorais, quando será competente o Tribunal regional Eleitoral.

TJ Deputados Estaduais e prefeitos, para crime de competência Estadual. Se crime Federal ou eleitoral: TRF e TER respectivamente.

7.3.5. Competência originaria

Tratando-se de foro privativo por prerrogativa de função a competência é fixada originariamente, suprimindo a primeira instancia.

Não há de se falar em duplo grau de jurisdição, cabendo somente os dois recursos extraordinários ou também Hábeas Corpus, como ação de impugnação.

Em relação à aplicação dos dispositivos processuais infraconstitucionais, notadamente o lugar da infração a regra é a prevista no art. 70 do CPP, sendo o lugar da infração ou nos casos de tentativa, pelo lugar em que se praticou o ultimo ato de execução.

Entretanto a doutrina e os tribunais vêm rejeitando sistematicamente tal critério, quando se trata de prerrogativa da função.

Consolidou-se o entendimento no qual a competência será do tribunal a qual esta vinculada a autoridade.

Para o STF e STJ, que possuem uma única sede local sem problemas.

Para os TRF, TJ, e TRE a coisa não e tão simples visto que o foro pro prerrogativa se fundamenta na necessidade da atuação colegiada em atenção a maior experiência dos julgadores, não havendo razão para julgar um prefeito que praticou um doloso contra a vida em outra cidade que não a sua, ser julgado pelo tribunal.

A única vinculação para esse fato seria política, que nada tem haver com atuação jurisdicional.

Mas o que Prevalece é a regra do tribunal a que estiver regionalmente vinculada à autoridade.

7.3.5.2 O exercício efetivo do cargo.

A lei 10628/2002 restabeleceu a vigência do revogado art. 84 do CPP

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

Parágrafo 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

Parágrafo 2º A Ação de improbidade, de que trata a Lei 8429/92, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foto em razão do exercício da função pública observada o disposto no parágrafo 1º.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira56

No julgamento da ADIN 2797, foi declarado a inconstitucionalidade da lei.

Falta a publicação do acórdão.

A publicação do livro não acompanhou o julgamento.

DECISÃO: O TRIBUNAL, POR MAIORIA, JULGOU PROCEDENTE A AÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº. 10.628, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2002, QUE ACRESCEU OS §§ 1º E 2º AO ARTIGO 84 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, VENCIDOS OS SENHORES MINISTROS EROS GRAU, GILMAR MENDES E A PRESIDENTE. AUSENTE, JUSTIFICADAMENTE, NESTE JULGAMENTO, O SENHOR MINISTRA NELSON JOBIM (PRESIDENTE). PRESIDIU O JULGAMENTO A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-PRESIDENTE). PLENÁRIO, 15.09.2005.

O autor afirma que o caput do art. 84 é tautológico, pois dispõe sobre o óbvio. O que esta prevista na constituição, não poderia dispor de forma diversa.

Para Pacelli o único objetivo do art. 84 a dar uma aparência de coerência e de validade das disposições dos parágrafos seguintes.

O parágrafo 2º trata de improbidade administrativa, matéria inadequada, pois não tem conteúdo nem forma penal.

O parágrafo 1º ressuscita parcialmente a sumula 394, querendo estender o foro por prerrogativa de função para momento posterior ao exercício do cargo para os crimes funcionais, praticados através de atos administrativos e por agentes públicos. No âmbito das atribuições inerentes ao cargo.

Não se pretendeu transformar em tipos penais os atos de Improbidade Administrativa, e sim atingir os atos ilícitos que também são cumulativamente crimes funcionais.

O autor indaga, se o foro por prerrogativa tem como objetivo impedir eventuais pressões sobre o órgão singulares quando do julgamento em razão da relevância da função, trazendo-o para órgão colegiado, porque razão manter quando a autoridade não mais esta na função?

Dentre todos os absurdos da lei, para Pacelli o maior, é a instituição de foro privativo por lei ordinária, tema eminentemente constitucional.

A doutrina e jurisprudência são unânimes sobre o fato de ser matéria constitucional o tema jurisdição.

Só há imposição de juiz natural por fontes constitucionais.

O parágrafo 1º ofende a garantia constitucional ao principio do juiz natural na medida em que afastaria o duplo grau de jurisdição.

Para Pacelli, o envolvimento de um Ministro e a possibilidade de atingir Fernando Henrique, então presidente já saindo do cargo e provável réu em ações de improbidade, foi fator decisivo para o surgimento da lei. O advogado Geral da União, Gilmar Ferreira Mendes, hoje ministro do STF, também figura com réu em ação de improbidade.

Ambos dispositivos foram declarados inconstitucionais.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira57

7.3.5.3 Foro privativo e procedimento.

Regula-se pela lei 8038/90 o procedimento para o julgamento dos crimes de competência originaria.

Para Pacelli a Lei 8038 revogou parcialmente o rito previsto no decreto 201/97 para os crimes do art. 1º, que são na verdade crimes comuns (STF) e não de responsabilidade como afirmado na lei.

O incidente de exceção da verdade também é atingido pela prerrogativa de foro, cabendo o tribunal apreciar somente o incidente da exceção e não a ação penal pela ou em nome de autoridade.

7.3.5.4 Prerrogativa da função, concurso de agentes e concurso de crimes.

Os crimes conexos e/ou continentes praticados em concurso de agentes por pessoas que possuam foro por prerrogativa apresentam certa perplexidade.

Prevalece sempre à jurisdição que estiver no patamar superior, assim crime cometido em concurso por governador (competência STJ) e deputado federal (competência STF) ambos os tribunais têm jurisdição nacional, mas o STF esta no plano superior portando julga a causa. Inteligência do Art. 78, III do CPP.

A regra do foro privativo em razão da função tem em vista a relevância da parcela do poder público exercida, daí aplicar-se a simetria funcional, a partir de critérios fictícios de equivalência de poder.

Daí ser o foro privativo originário do Governador de estado o STJ por estar no mesmo plano simétrico de poder, não havendo inconveniente em julgá-lo no crime conexo com deputado federal no STF órgão Maximo da hierarquia constitucional.

Nos crimes dolosos contra a vida em concurso de agentes entre deputado e outra pessoa sem foro outra solução deverá ser seguida.

Pacelli afirma que esse tema deve ser analisado sobre dois interesses igualmente constitucionais: O principio do Juiz natural e o da unidade de jurisdição, traduzido na coerência das decisões.

Quando houver pluralidade de ações e de agentes, ou seja, conexão com base no Art. 76, CPP pode-se sustentar a separação obrigatória, ainda que inconveniente para colheita de provas e procedimento.

No entanto se for hipótese de continência art. 77, I, do CPP por se tratar de um único crime o STF tem posicionamento forte o sentido de separação obrigatória em atenção à regra de garantia individual o julgamento pelo tribunal do júri, remetendo o deputado para seu foro privativo o STF.

Pacelli concorda, mas aprofunda o fundamento, aduzindo como razão preponderante a singularidade do julgamento pelo tribunal do júri representado pelo julgamento popular.

Para dar mais coerência a sue raciocínio o autor demonstra que a competência do juiz federal assim a como a do tribunal do júri tem assento constitucional e nem por isso o concurso entre um Deputado federal e uma pessoa sem foro privativo quando

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cometem crime federal, há a separação obrigatória para fins de preservar o juiz natural, como no Tribunal do Júri.

A sumula 704 do STF é no sentido de que a atração da competência do foro privativo de um dos réus não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal.

Para Pacelli, ser julgado pelos pares em crimes dolosos é uma exigência constitucional que não pode ser superada pela exigência constitucional da hierarquia de jurisdição.

No concurso entre foros privativos no TRF e no TJ, (juiz federal e juiz de direito) por continência na pratica do mesmo fato, deve prevalecer o TRF por ter sua competência de forma expressa na constituição.

Saliente-se o fato de que tanto a justiça federal como a estadual possuem sua competência fixada constitucionalmente, sendo ambos são juiz natural para os crimes federais e estaduais. A opção pela reunião exige a necessidade de preservar a unidade da jurisdição e coerência das decisões.

O autor traz como exemplo a decisão do STF que manteve a competência do Tj para julgar um juiz estadual em crime contra o INSS, onde os outros réus foram julgados por juiz federal. O juiz estadual tem foro privativo com base no 96, III, da CF.

Pacelli, afirma que não há ofensa ao duplo grau de jurisdição na reunião dos processos para julgam, então no órgão colegiado para o réu que não possua foro privativo, pois é o próprio tribunal quem coleta o material probatório e aprecia a questão de direito. Vide Súmula 704.

7.4 Imunidades Materiais e Imunidades Formais ou Processuais.

As imunidades matérias excluem a criminalidade e/ou punibilidade, excluindo a existência do crime.

A CF estabelece para deputados e senadores a inviolabilidade de opinião, palavras ou votos tutelando o regular exercício do mandato parlamentar. A fim de dar liberdade de atuação nas relevantes funções, por isso só incide sobre a palavra, opiniões e votos quando efetivamente ligadas ao exercício do cargo.

Subsistem até mesmo em estado de sítio.

Os deputados estaduais e vereadores possuem imunidades limitadas aos seus estados e municípios respectivamente bem como só em matéria relativa aos assuntos pertinentes ao cargo.

Os agentes diplomáticos os membros de sua família e servidores da embaixada gozam de imunidade material.

Os agentes consulares e seus familiares e seus empregados gozam de imunidade relativa, limitada as infrações praticadas no exercício de suas funções.

As razões de tais imunidades estão ligadas à política internacional e são estabelecidas em favor do estado acreditante.

A imunidade forma ou processuais dizem respeito às condições de punibilidade.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira59

A Emenda Constitucional 35, não exige a licença para processar o parlamentar, havendo possibilidade de suspensão do processo por deliberação da casa respectiva e da prescrição.

Para o poder Executivo, o Presidente tem imunidade formal, pois não pode ser processado por atos estranhos a sua atividade, importando verdadeiro suspensão da ação penal até o final do mandato.

Exige ainda para o presidente licença previa da Câmara dos deputados por 2/3 para inicio da ação penal.

Por força do principio federativo o mesmo tratamento é dado aos governadores e parlamentares estaduais (quanto aos deputados federais).

7.5 Competência em Razão da Matéria (Ratione Materiae)

Registrou-se que a distribuição constitucional de competência visa atender a otimização da jurisdição, com criação de justiça especializada em determinadas matérias.

Normalmente, fala-se em justiça especializada para Justiça Militar, Eleitoral no âmbito criminal e Trabalhista, em matéria não penal. Fala-se em justiça comum quando se alude à justiça federal e estadual.

Entretanto, qualquer distinção somente é explicada em razão das diferentes matérias atribuídas à competência de cada uma das justiças.

A especialização se da nos sentido de todas são efetivamente especializadas em determinadas matérias.

Assim, a Justiça Federal criminal, especializadas em crimes federais, não obstante receba nome de justiça comum.

A especialização, repita-se apenas no sentido de repartição de constitucional de jurisdição, pelo critério matéria.

7.5.1 Competência da Justiça federal.

Baseia-se em critério em questões que possam afetar os interesses federais e /ou nacionais.

Os interesses Federais manifestam-se pela proteção da administração publica Federal, estabelecendo a constituição que compete à justiça federal o julgamento das infrações penais praticados em detrimento de bens e interesses da união ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Art. 109 IV.

Todas as infrações penais (exceção das contravenções) que atingirem o rol dos 109, IV serão da competência federal.

Quanto ao serviço, há de se verificar se o criem foi cometido contra o funcionário no exercício das suas funções ou em razão dela. Havendo leão mesmo que indireta ao interesse da união e seus entes, competência federal.

Os delitos da lei 10.826/03 Estatuto do Desarmamento, são de competência da justiça estadual, embora a regulamentação e fiscalização seja afeta a órgão federais Sinarm e Policia Federal, em razão do afetarem diretamente bem jurídicos de extrema

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira60

relevância, tais como a vida, a integridade física, a integridade psíquica e a paz e incolumidade publica.

Se fosse federal todo crime praticado contra bem jurídico fiscalizado pela administração federal, todos os crimes contra fauna seriam da competência federal. O que não é verdade.

Nos crimes de uso de documento falso perante órgão da administração federal, o que deve ser avaliado é o resultado final da conduta, ou seja, o crime efetivamente consumado. Vide sumula 107 do STJ.

Entretanto, o STF, recentemente reconheceu a competência da justiça federal para julgar crimes falsidade documental envolvendo documentos federais, ainda que apresentados junto à instituição financeira estadual, o que contraria a jurisprudência do STJ RE 411690/PR.

Verifica-se que a questão relativa à competência no campo entre estadual e federal navega a sabor do caso concreto e do órgão julgador.

De maneira geral, havendo norma autorizando a gestão, Administração ou fiscalização de qualquer atividade ou serviço por órgão da administração publica federal, estará caracterizado o interesse público federal.

Exemplo. Destinação de verbas públicas federais a municípios e estados, mediante convenio para finalidade especifica, indica interesse da união.

O autor discorda do STF no tocante a competência estadual quando se tratar de crime cobrança de honorários médicos em tratamento pago pelos SUS, alegando que e medico esta no exercício de função gerenciada por órgão federal.

O interesse nacional, que justifique a competência federal manifesta-se em decorrência a referencia expressa na lei. A exemplo em relação aos organismos geneticamente modificados, o STF afirmou a competência da justiça federal ADIN 3035.

7.5.1.1 A casuística constitucional.

A competência da justiça federal é Taxativa e exaustiva, não permitindo ampliação legislativa.

O STJ decidiu cancelar a sumula 91, que afirmava a competência da justiça federal para o processo e julgamento dos crimes contar a fauna.

Agora a competência somente se revela se forem praticados em área exclusivamente submetidos à proteção federal.

a) Crimes políticos.

São os pouquíssimos delitos previstos na lei 7170/83.

O STF reconhece a existência dos crimes políticos, HC 74.782-5/RJ 13.5.1997.

b) Crimes previstos em tratados ou convenções internacionais

Para afirmação dessa competência necessária a presença de uma relação de internacionalidade, em que a conduta e o resultado realizem–se entre dois ou mais estados.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira61

A exemplo à competência da justiça Federal para julgamento do trafico internacional de drogas, do trafico de crianças e de mulheres para o exterior.

A emenda constitucional 45/04 modificou a competência federal relativa a crimes previstos em tratados internacionais.

O atual Inciso V-A do art. 109 prevê a competência Federal para julgamento de “causas relativas a direitos humanos a que se refere o parágrafo 5º do citado artigo”

O autor afirma que não se estabeleceu a competência exclusiva da justiça federal para julgamento dos crimes contra os direitos humanos, e sim e ao contrario reafirmou-se a regra da competência estadual, ficando a federal a depender do atendimento a requisitos específicos.

Não é preciso a internacionalização do delito contra os direitos humanos.

Os requisitos a serem exigidos para a intervenção do procurador geral da república, é a grave violação a direitos humanos. Deve-se verificar o grau de violação da conduta aliado a sua repercussão em relação à efetiva possibilidade de intervenção da administração e autoridades federais para a repressão e prevenção de tais delitos.

Exige-se, pois, grave violação a direitos humanos bem como o tangenciamento no âmbito das relações internacionais, dos deveres assumidos pelo Estado brasileiro.

O deslocamento ou modificação de competência deve ser suscitado e não resolvido pelo Procurador Geral da República.

Pacelli entende que em qualquer fase do inquérito ou do processo até mesmo em grau de recurso, pode haver o deslocamento.

O STJ terá a competência para resolver sobre o deslocamento, por ser da competência do STJ a solução do conflito entre Justiça Federal e Justiça Estadual.

Pensa-se da constitucionalidade do deslocamento ao argumento de diminuição do status de igualdade dos Procuradores Gerais de Justiça dos Estados em relação ao procurador da República.

Outro argumento pela inconstitucionalidade seria a diminuição das funções da própria justiça estadual.

Pacelli acha sólidos os argumentos, mas entende ser possível contornar a situação, sem deixar de reconhecer transtornos e inconveniência no procedimento para alguns casos.

Para ele não seria aplicável a fatos anteriores a Emenda 45.

Ainda segundo o autor quando se tratar de grave violação a direitos humano e necessário a intervenção para cumprir obrigações firmadas pelo estado, seria caso de competência originaria em razão da matéria e não de deslocamento.

Enquanto que para os demais tratados exige-se a internacionalização da conduta, para a grave violação não seria exigida esse requisito.

Acredita o autor que com o reconhecimento de competência federal em razão da matéria, preserva-se o tratamento igualitário das instituições envolvidas (MP. Poder judiciário federal e estadual) sem afirmação de supremacia.

Na definição de crimes contra direitos humanos, necessário a incriminação tem que encontra ressonância em tratados internacionais subscritos pelos pais.

Exemplos citados pelo autor. Tratados pactos internacionais de Direitos Civis e Políticos, Pacto de São José da Costa Rica, Convenção contra Tortura, Convenção

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira62

Internacional dos Direitos da Criança, Crimes de genocídio, trafico de pessoas, tratado de violência sobre a mulher etc.

c) Crimes contra organização do trabalho, sistema financeiro e a ordem econômica.

Art. 109 VI “Os crimes contra a organização do trabalho, e nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e ordem econômico-financeira sistema financeira”.

Pela leitura o que depende de lei para configuração do interesse nacional seriam os crimes contra o sistema financeiro nacional e contra orem econômico-financeira.

Poe essa leitura os crimes contra organização do trabalho seriam da competência federal.

Curiosamente o STJ e o STF possuem entendimento em sentido contraio, serão da competência da justiça estadual os crimes previstos no art. 197 a 207 do CPB.

Para nossos tribunais somente caberá competência da justiça federal aquelas infrações que afetarem o interesse coletivo dos trabalhadores. Aos individuais, competência da Justiça Estadual.

A lei 7492 define os crimes contra o sistema financeiro nacional e prece no art. 26 à atuação do MPF.

A lei 8.176 definiu os crimes contra ordem econômica e prevê como competência federal no seu art. 2 a conduta de usurpação e produzir bens ou explorar matéria prima pertencente à união.

O autor diz que o delito previsto no art. 1º da lei 8176 deve ser da competência federal em virtude do interesse envolvido (petróleo e derivados) embora não haja previsão expressa.

Graça seria divergência no STF sobre a competência nesses casos (petróleo). Pela incompetência federal temos o RE 454.734/SP e informativo 406 do STF contra temos a decisão da mesma turma reconhecendo a competência federal RE. 454.739.

d) Crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves.

Sem dificuldade quanto ao interesse federal, pois tais serviços são atribuídos a órgãos federais.

Navios são embarcações de grande porte aptas a realizar viagens marítimas, consoante entendimento jurisprudencial.

No tocante a aeronaves, o autor afirma que a jurisprudência apresenta a tendência a incluir na competência federal quaisquer infrações penais cometidas a bordo de qualquer aeronave STJ HC 6083/SP.

O melhor entendimento para Pacelli é o de limitar a competência federal em relação a delitos praticados no interior de aeronaves que estejam realizando transporte aéreo entre aeroportos efetivamente fiscalizados pela Administração publica federal.

e) Disputa sobre direito indígenas

Para competência da Justiça Federal necessário a existência a presença de disputa de direitos indígenas.

A morte de um índio, se haver sido por causa de disputa de interesses indígena será da justiça federal.

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f) Crimes de ingresso e permanência irregular no país.

A lei 6815/80 que regula a matéria estatue poucos crimes, preferindo sanções administrativas.

No art. 125 prevê o crime de “introdução ou ocultação clandestina ou irregular de estrangeiro” inciso XII e o de “declaração falsa em documentação de registro, de assentamentos ou de passaporte de estrangeiro” inciso XIII, com penas de detenção e de reclusão respectivamente.

g) Hipótese de concorrência de competência.

O artigo 27 da lei 6368/76 que trata do trafico de drogas, prevê a competência estadual e atribuição do MP Estadual quando ausente sede de justiça federal no local da infração. Com recurso para o TRF.

O juiz estadual age por delegação constitucional, como se jurisdição federal se tratasse.

Não há qualquer ofensa ao juiz natural, somente podendo a competência ser afastada em caso de conexão e continência com crime federal.

7.6. Competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral

Quanto à repartição da justiça especializada em razão da matéria, temos a Eleitoral e a Militar.

A definição constitucional diz que são da competência da justiça eleitoral os crimes definidos em lei como eleitorais e da justiça militar os crimes qualificados com tal pela legislação.

O autor acrescenta os seguintes pontos;

A emenda 45/04, a lei estadual deverá adequar à justiça militar nos estados, instituídas em primeiro grau pelos juizes de direito e Conselhos de Justiça (colegiado presidido por juiz de direito) e, em segundo grau pelo Tribunal de justiça ou tribunal de justiça Militar onde houver efetivo superior a 20 mil homens. (art. 125 parágrafo 3).

Aos juizes de direito Militar, caberá julgar os crimes militares contra civil e ao Conselho de justiça os demais crimes militares.

Os crimes dolosos contra vida, quando a vitima for civil será julgado pelo tribunal do júri art. 125 parágrafo 4º.

A justiça Militar Federal julga tanto civis como militares.

A lei 9299 estabelece tanto para justiça militar estadual como a federal o julgamento dos crimes dolosos contra vida praticados contra civil pelo tribunal do júri.

7.7 A Competência Territorial

Fixado o juiz natural ou a competência de jurisdição, busca-se na legislação ordinária, infraconstitucional. O juízo competente territorialmente.

As regras levam em consideração tutela concreta do processo.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira64

As regras de competência em razão da matéria se preocupam com o juiz da causa e a competência territorial se preocupa com o processo mais adequado.

Busca-se a reconstrução da verdade processual.

7.7.1 Competência Relativa e Competência Absoluta.

A competência absoluta é aquela que não pode ser flexibilizada sem prejuízo de ofensa ao juiz natural, pondo em risco a própria jurisdição.

Há o interesse eminentemente público, indisponível e inafastável.

Interesse metaprocessual, que ultrapassa as fronteiras do interesse dos envolvidos.

Portanto uma competência é Absoluta quando estiver em risco a própria jurisdição como poder público, como constitucionalmente responsável pela tutela da questão penal.

Já a competência relativa pode ser flexibilizada de forma mais simples, dependendo do exame do caso concreto e do interesse das partes envolvidas.

Quem deve aferir a qualidade da instrução e do conjunto probatório é precisamente o acusado e o órgão de acusação.

O processo penal permite ao juiz que decline ex oficio de sua competência relativa.

O principio do livre convencimento motivado e da busca da verdade material, autoriza a iniciativa probatória, portanto perfeitamente possível à declinatória de foro ex oficia.

7.7.2 Critérios de determinação da competência infraconstitucional.

7.7.2.1 O lugar.

O CPP adotou a teoria do resultado, como lugar da infração.

Indaga-se se a razão preponderante para fixar a competência pelo lugar deve-se a questão probatória porque o CPP adotou a teoria do resultado?

Pacelli responde afirmando que deve ser por causa da perpetuação da jurisdição. O legislador quis evitar a ubiqüidade em razão da possibilidade de dupla territorialidade.

A jurisprudência vem abrandando, excepcionalmente, o rigor da teoria do resultado. Para admitir a competência do juízo onde se praticou a ação delituosa, ainda que outro tenha sido o local da consumação, diante da necessidade da qualidade probatória.

Vide sumula 521 do STF que utiliza a regra do resultado e a 48 do STJ onde se utiliza o local da infração, relativas ao crime de cheque sem provisão de fundo e do e estelionato com uso de cheque falsificado respectivamente.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira65

Já nos crimes a distancia, o juízo competente é o do ultimo ato de execução quando este for no território nacional ou onde se consumou ou deveria se consumar quando a execução da-se em outro país.

Nos crimes plurilocais onde parte do iter criminis e realizado em mais de um lugar, aplica-se a regra do resultado.

Nos delitos tentados para os crimes plurilocais, aplica-se a competência pelo local dos últimos atos praticados.

7.7.2.2 A natureza da infração.

Segundo critério para apontar a competência para o julgamento de determinada ação penal.

Repartisse a competência, conforme normas de organização judiciária por varas especializadas.

Ressalve-se que o Tribunal do Júri e o Juizado especial Criminal não são regulados pela lei de organização judiciária e configuram competência de jurisdição, firmada em razão da matéria.

Essa afirmação implica em reconhecer a impossibilidade validade às decisões de outros órgãos jurisdicionais relativo ao tribunal do júri.

Já os Juizados, em razão do rito ou procedimento, cuja violação poderá significar ofensa ao devido processo legal.

O autor observa que os Juizados Especiais a rigor nem se poderia falar em jurisdição, pois poderá ser modificada simplesmente por razões banais, como pela complexidade da prova, ausência de citação etc.

O que define a competência dos Juizados é muito mais o conteúdo de direito material que propriamente o procedimento.

O que não pode ser afastado do acusado não são a competência mais a possibilidade do chamado processo consensual.

Portanto a competência dos Juizados é muito mais Territorial quede jurisdição, embora não apresente as características da territorialidade.

O procedimento dos juizados pode ser amplamente aplicado em matéria eleitoral.

Em conclusão a competência dos Juizados como sendo absoluta deve ser analisada em termos, como violação ao devido processo legal.

Para o autor as regras de organização judiciária não são de competência absoluta como afirmam parcela da doutrina.

Pacelli afirma que somente constituição pode definir regras relativas à competência absoluta, em razão da função ou da matéria.

Com esse raciocínio se a matéria é da competência constitucional do juiz de direito, o vicio de incompetência baseado em lei de organização judiciária é relativo.

7.7.2.3. O domicilio ou residência do réu.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira66

Somente determinará a competência pelo domicilio do réu quando não for conhecido o local da infração. Ou sendo conhecido tratar-se de ação penal privada.

Objetiva-se proteger a pessoa da vitima e a celeridade processual, em razão do exíguo prazo decadencial.

Aplica-se a prevenção se o réu tiver mais de uma residência ou ignorado seu paradeiro.

7.7.2.4 A prevenção.

Constitui critério subsidiário de determinação da competência.

Sendo competência territorial e, portanto relativa sua inobservância é nulidade relativa Sumula 706 STF.

Exige-se a presença de dois ou mais juizes igualmente competentes.

Neste caso a competência será fixada pela antecedência pratica de qualquer ato de conteúdo decisório.

Tanto faz na fase de inquérito (com qualquer medida jurisdicional decisória) ou durante o inicio da ação penal com o recebimento da denuncia.

7.7.2.5 A distribuição.

A antecedência da distribuição do inquérito ou qualquer diligencia anterior a denuncia ou queixa fixara a competência, quando houver mais de um juiz competente na circunscrição judiciária.

7.8 Modificação da Competência e Perpetutio Jurisdicionis.

Registre-se a excepcionalidade de hipótese de modificação de competência-de jurisdição-agora prevista na CF no parágrafo 5 do art. 109, com o deslocamento da competência estadual para a federal.

A perpetuatio jurisdiciones, atende a interesses da reta aplicação da lei penal, possibilitando uma persecução penal mais ágil e livre de obstáculos.

Tem afinidade com o principio da identidade física do juiz que visa a preservar o conhecimento judicial da causa pelo juiz a quem realizou a instrução probatória, embora tal princípio não seja acolhido pelo direito processual brasileiro.

As exceções à Perpetuatio devem ser expressas em lei e atender a critério racionais inseridos no contexto do devido processo legal.

Hipótese expressa e a regro do art. 81 onde o juiz permanece competente para julgar todas as infrações ali reunidas.

Outra hipótese diz respeito à criação de novas varas e/ou juizes criminais por lei de organização judiciária.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira67

Parte da doutrina diz que nesse caso aplica-se o artigo 87 do CPC, falando-se que a perpetuatio tem acolhida expressa no art. 83 do CPP (Mirabete).

Pacelli diz que não é tão simples assim.

Quando se tratar de competência territorial possível, quando se tratar de competência material, isto é constitucional, impossível.

É possível a alteração da competência quando se tratar de varas especializadas em determinadas matérias no âmbito do mesmo juiz natural.

7.8.1 Desclassificação.

Um dos requisitos da inicial penal seja queixa ou denuncia é a classificação do delito.

O juízo de valor ou capitulação feita pelo MP ou queixoso não vincula o juiz.

Discordando o juiz a corrigi a inicial (emendatio libelo 383 do CPP), pois o réu defende do fato imputado, e não da classificação.

A jurisprudência dos nossos tribunais só aceita a desclassificação quando da fase decisória, sob a alegação de se trata sobre o mérito do caso penal.

Pacelli não aceita tal entendimento.

Afirma que o juízo que se faz acerca do fato é sua adequação ao tipo penal correspondente na lei, é de pura abstração, e não sobre a realidade concreta efetiva, por isso do mesmo modo que é permitido ao juiz rejeitar a denuncia, parece possível à desclassificação, quando nada para aplicação de medida favorável ao réu.

Iremos nos referir a desclassificação própria que é aquela que importa modificação de competência.

A modificação da competência como resultado da simples correção do tipo classificado na inicial ao fato nela narrado nas comarcas em que existem varas especializadas vem sendo tratada como declinação da competência.

Trata-se na verdade de desclassificação própria, pois o juiz não altera o fato tal como narrado e sim a classificação do delito para outro que não de sua competência. (art. 74 parágrafo 2 do CPP).

O parágrafo 3 do art. 74 do CPP reza que o juiz que na pronuncia desclassificar o delito para competência do juiz singular, deverá remeter o processo ao juiz competente. (art. 410 do CPP).

Quando a desclassificação for feita no tribunal do júri após o recebimento da denuncia, caberá ao juiz presidente proferir a sentença. Na forma do Art. 492, parágrafo 2 do CPP, se não resultar de mudança de jurisdição, como por exemplo, desclassificação para o crime militar, nesse caso remete-se o processo para a Justiça militar. STF RHC n. 80.718/RS 22.3.2001.

Existe o mesmo pensamento para os Juizados especiais, STJ - RHC n 7601/AC 3.9.1998. Ocorre que como o autor afirmou linhas atrás só haverá nulidade absoluta se houver ofensa ao devido processo legal, pela inobservância do procedimento da 9099/95.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira68

O legislador, na desclassificação para o juiz presidente procurou aproveitar os atos processuais e preservar a competência do júri.

Já no ART. 81 do CPP temos hipóteses de reunião por continência ou conexão, e não um único processo como no art. 74.

Reside acesa controvérsia sobre a possibilidade do caput do Art. 81 ser aplicado tanto a processos reunidos, como em qualquer tribunal, inclusive o Tribunal do Júri.

Para Pacelli, pode ser aplicado aos processos reunidos inclusive nos tribunais, mas não no Tribunal do Júri. Vejamos.

Reunidos os processos por conexão ou continência, se o juiz proferir sentença absolutória no processo que é o competente pelo foro prevalente, prossegue normalmente no julgamento dos demais.

Se desclassificar duas situações.

A uma, se for desclassificação de processo não afeto ao júri, o juiz deve julgar aproveitando a instrução criminal, evitando procrastinação.

A duas, se for desclassificação operada pelo júri, deve ser aplicada à regra do art. 74 parágrafo 3º, analogicamente, devendo o julgamento de todos os processos serem atribuídos ao presidente do Tribunal do Júri, para aproveitamento da instrução e preservação da competência.

Assim na desclassificação, o ART 81 só será aplicado no juízo singular e nos tribunais, não se estendendo ao júri.

Quando for decisão absolutória, o Tribunal do júri continua julgando os demais processos, uma vez que se julgou o mérito.

O parágrafo único do art. 81 refere-se expressamente a processo cuja competência tenha sido inicialmente atribuída ao Júri, aplicando-se o parágrafo 3º do Art. 74.

Se houver impronuncia, absolvição sumaria ou desclassificação, ou seja, hipótese de afastamento da competência do júri remete-se os processos ao juiz competente. ART 410 do CPP.

7.8.2 Conexão

Entre dois fatos de natureza penal pode haver liames subjetivos ou objetivos. Hipóteses concretas de aproximação entre um e outro evento.

A doutrina fala de conexão intersubjetiva (art. 76 I, a material ou teleológica (art 76 II) e, por fim, á conexão instrumental ou probatória (art 76, III)).

A intersubjetiva, entre sujeitos.

A material ou teleológica, em razão da finalidade ou motivação da prática, tendo em vista criem anterior podendo ou não haver pluralidade de sujeitos.

A probatória, tratando-se de influencia da prova de um crime na apuração de outro.

Pacelli afirma que as conexões material ou teleológica e a probatória, podem ser proveitosas já a intersubjetiva é para ele inteiramente inadequada. Pois não ocorre

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira69

entre sujeitos e sim entre diversas circunstâncias objetivas e subjetivas que reúnam tais pessoas.

A conexão intersubjetiva subdividiu-se em três.

A Intersubjetiva por simultaneidade (mesmo tempo, e lugar) por concurso (em concursos de liames subjetivos embora em lugares e tempos diferentes) e por reciprocidade (varias pessoas umas contra as outras).

Como visto a única nota comum a todas as conexões é a pluralidade de condutas, isto é trata-se da pratica de duas ou mais infrações.

7.8.3 Continência.

O CPP adota conceito totalmente inadequado de continência.

Não Existe na continência processual Penal qualquer relação de continente para conteúdo, nem identidade de partes.

Há apenas como no CPC identidades de causa de pedir.

São casso de continência, o concurso formal de crimes o erro na execução e o resultado diverso do pretendido.

Em todas essas situações haverá unidade de conduta, embora possa ocorrer concurso de crimes em razão do resultado lesivo a bem jurídico.

7.8.4 Unidade de processo e de julgamento.

A unidade de processos e de julgamento buscando a utilidade probatória é o grande efeito da conexão e da continência.

Fora do campo processual, no âmbito do direito material, mais precisamente da punibilidade, na conexão por concurso, somente o julgamento em conjunto permitirá individualizar a participação de cada individuo em todos os fatos delituosos.

Na hipótese do Art. 77, I a reunião do processo é imprescindível para impedir a divergência judicial sobre um único pragma delitivo.

A reunião dos processos conexos/ continentes determina a unidade de processos, com instrução e julgamento simultâneo, possibilitando o mais completo aproveitamento dos atos processuais realizados.

Trata-se de questão ligada à competência territorial, relativa, portanto.

Não por outra razão essa reunião só pode ser feita até a prolação da sentença.

O Art. Do CPP dispõe que caso um dos processos já estiver sentenciado a unidade se dará para efeito de soma e unificação da pena.

Impõe-se, portanto que estando em curso processos conexos ou continentes perante juízos distintos cumpre as partes oporem exceção do juízo que não irá prevalecer.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira70

Ainda que preclusas para as partes, o Art. 82 autoriza ao juiz de foro prevalecente que avoque, junto aos demais juizes os processos, isto até a prolação da sentença.

7.8.5 Eleição do juízo prevalente.

È o juízo de domínio da jurisdição quando em concurso com outras, por força da conexão ou continência.

O Art. 78 estabelece os casos de modificação de competência.

a) Júri e justiça comum federal ou estadual prevalecem a do Júri por ser competência de jurisdição, regra de juiz natural, de índole constitucional.

b) concurso entre jurisdições de mesma categoria prevalecerá por ordem sucessiva o juízo do lugar da infração da pena mais grave cominada, o juízo onde houver ocorrido o maior numera de infrações quando penas iguais e pela prevenção.

Observe-se que no concurso entre justiça federal e estadual, prevalece a federal por estar na constituição de forma expressa e a estadual residualmente. Sumula 122 STJ.

c) concurso entre jurisdições diversas prevalece a de maior graduação.

Observe-se que a única graduação que se pode considerar atualmente é a de instancia e que a competência originaria das Tribunas decorre de fontes constitucionais, portanto são regras de jurisdição e não de graduação de competência.

d) No concurso entre jurisdição comeu e especial prevalecerá a última.

Jurisdição comum é a federal e estadual enquanto que especial é a Eleitoral. A justiça Militar pode ser considerada especial.

Os processos d justiça Militar diante de sua absoluta especialização e especialidade não se reúnem processos com outro de qualquer jurisdição.

Tanto a justiça eleitoral com a Federal tem matiz constitucional e a regra processual parece estar afastando competência de fonte constitucional, dando prevalência à justiça eleitoral, Ocorre que o principio constitucional da unidade da jurisdição fundamenta tal fato.

O STF, porém adotou distinção entre conexão continência aceitando a prevalência da justiça eleitoral sobre a federal e a estadual para conexão entre crimes eleitorais e comuns.

Quando um mesmo fato é praticado por mais de uma pessoa, sobretudo, prevalece a preocupação coma unidade e coerência das decisões.

No concurso entre a jurisdição de tribunais, em razão da prerrogativa da função, prevalece a corte de maior hierarquia.

Se houver concurso entre jurisdição eleitoral e tribunal do júri, Pacceli entende que a solução mais adequada é a separação dos processos, diante das características inteiramente distintas. Saliente-se que se houver continência pela pratica do mesmo crime doloso, serão julgados pelo tribunal do Júri, até porque homicídio não constitui criem eleitoral.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira71

7.8.6 Separação de processos conexos e /ou continentes.

Existem ainda causas obrigatórias e outras facultativas de separação de processos.

Haverá separação obrigatória no concurso entre jurisdição penal e do juizado da criança e adolescente, pois uma trata de pena e outra de ato infracional.

Separação obrigatória entre criem Militar e crime comum. Sumula 90 do STJ.

Os parágrafos 1 e 2º do artigo 79 prevê hipótese obrigatória quando um dos acusados e acometido de doença mental após a pratica do crime e quando um dos co-réus encontra-se foragido antes do julgamento de crime inafiançável da competência de júri, alem da recusa do jurado por parte do réu.

Será facultativa na hipótese do art. 80 quando o juiz achar conveniente fundamentadamente para fins de preserva a marcha processual.

7.8.7 prorrogação da competência.

Prorroga-se a competência quando órgão jurisdicional inicialmente incompetente adquire competência em virtude de aplicação de regras processuais que impõem à reunião dos processos.

Exemplo o Art. 81, quando o juiz ou tribunal ao desclassificar a infração que era competente continua com competência para julgar os conexos que não eram de sua competência.

Páginas: ___ a ____

Elaborado por: Daniel de Carvalho Guimarães, Flávia Cristina Tavares Tôrres, Flávio Pessanha, Giovanna Mayer, Luciana (Lu mugg) e Marcel Trovão.

Atualizado e ampliado por Mariana Gama.

CAPÍTULO 8 – Das Questões e Processos Incidentes.

8.1 – Das Questões Prejudiciais.

As questões prejudiciais são diferentes dos chamados processos incidentes.

Os processos incidentes dizem respeito a determinados procedimentos nos quais se discutirão:

a) questões tipicamente preliminares: (exceções de suspeição, incompatibilidade ou impedimento, exceções de incompetência do juízo, de litispendência, de ilegitimidade de parte e de coisa julgada, bem como conflito de jurisdição) que, por se referirem a pressupostos de constituição e desenvolvimento dos processos, devem ser resolvidas antes do exame da ação penal;

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira72

b) questões de natureza acautelatórias de cunho patrimonial: sem maiores interferências na solução do caso penal (restituição de coisas apreendidas, medidas assecuratórias – seqüestro, arresto e inscrição de hipoteca);

c) questões tipicamente probatórias: seja no âmbito da aferição da culpabilidade (incidente de insanidade mental), seja no da materialidade do delito (incidente de falsidade documental)

Tais incidentes são apensados aos autos da ação penal e, em regra, reclamam o pronunciamento prévio do juízo, não suspendendo o curso da ação penal (art. 111 e 116, §2º, do CPP).

Já as questões prejudiciais de que cuidam os arts. 92 e seguintes do CPP, não têm processamento em apartado à ação penal, não se tratando sequer de competência do juízo criminal. A matéria por elas argüida é prejudicial ao julgamento da ação penal, por constituir pressuposto (fundamento de origem) da própria definição da existência do crime, isto é, integrando, como elementar, o tipo penal imputado ao réu. E tais elementares são objeto de apreciação da competência jurisdicional cível, porque integrantes de relações jurídicas de natureza essencialmente civil.

Pacelli reconhece que existem questões prejudiciais homogêneas e heterogêneas, conforme a matéria sobre a qual versam.

As primeiras (questões prejudiciais homogêneas) são resolvidas no próprio Juízo Criminal, das quais é exemplo a apreciação do crime de receptação, cujo tipo penal apresenta como elementar o fato de ser produto de crime a coisa ali mencionada. Em outras palavras, a solução do crime de receptação exige o exame prévio do furto ou roubo anterior da coisa.

No entender de Pacelli, nada impede que o juiz da causa prejudicada (o da receptação, no exemplo) resolva como lhe parecer de direito uma (o furto ou roubo) e outra (receptação) questão, mesmo quando não for territorialmente competente para o julgamento de ambas. Haveria o risco de quebra do princípio da unidade da jurisdição, a partir de eventuais desfechos distintos para um único e mesmo fato, porém minimizado pela adoção das regras de conexão (instrumental ou probatória) e definição da competência, constantes dos arts. 76, III e 78, do CPP.

Em relação às questões prejudiciais heterogêneas, as propriamente ditas, previstas nos arts. 92 e 93, do CPP, a respectiva solução judicial compete à jurisdição cível, daí porque inviável o recurso às regras de conexão, por exemplo.

As prejudiciais heterogêneas podem ser obrigatórias ou facultativas.

a) Obrigatória (art. 92): quando o juiz repute séria e fundada a solução de controvérsia que envolva o estado civil das pessoas, essa afasta absoluta e completamente a competência da instância criminal, devendo ser resolvidas unicamente na jurisdição cível. A questão, frise-se, deve ser pressuposto de configuração da existência do próprio delito e não uma simples agravante ou causa de aumento de penal. Ex.: discussão acerca de inexistência ou nulidade do casamento antecedente, se fundamento para o crime de bigamia; acerca da validade do casamento, no crime de adultério.

Nesse caso, o juiz deverá, de ofício ou a requerimento das partes, suspender a ação penal, até a solução final e definitiva da questão no Juízo Cível, devendo o MP (se pública a respectiva ação penal) promover a ação civil relativa à questão prejudicial ou nela prosseguir, quando já iniciada.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira73

Como previsto no art. 116, I, do CPP, o prazo prescricional também restará suspenso.

b) Facultativa: quando a existência de infração penal depender de decisão relativa à determinada relação jurídica de natureza civil, diversa daquela referente ao estado civil das pessoas. Nesse caso, a suspensão da ação penal dependerá do juízo de conveniência e oportunidade do juiz da causa penal, daí seu caráter facultativo.

Os requisitos para a suspensão são: 1) a pré-existência de uma ação no juízo cível para a solução da questão; e 2) a matéria há de ser de difícil solução e deve versar sobre direito cuja prova não seja limitada pela lei civil. .

Optando pela suspensão, o juiz marcará prazo para o término da ação cível, podendo prorrogá-lo por tempo razoável, ao final do qual, caso ainda não sentenciado o processo, retomará o curso da ação penal, resolvendo toda a matéria da acusação e da defesa (art. 93, §1º, do CPP).

Do despacho que denegar a suspensão, não caberá recurso. (art. 93, §2º).

8.2 – Dos Processos Incidentes.

8.2.1 – Das exceções

As exceções são procedimentos incidentais no seio dos quais serão resolvidas as chamadas questões preliminares, cujo objeto consistirá: a) uma questão preliminar (a reclamar solução prévia); b) uma questão acautelatória (dos interesses patrimoniais do processo); ou c) uma questão probatória (imputabilidade do agente ou constatação da materialidade do delito).

As questões relativas às exceções poderão ser reconhecidas pelo juiz de ofício, e à exceção da incompetência relativa, poderão ser alegadas pelas partes a qualquer tempo.

Pacelli reconhece que há vários pontos de contato entre os conceitos de questão preliminar e questão prejudicial: a) a questão prejudicial deve ser também apreciada preliminarmente; b) a questão preliminar carrega uma carga de prejudicialidade em relação ao mérito, ao menos no plano da lógica, já que uma (preliminar) é antecedente à outra (mérito).

No entanto, as questões prejudiciais dizem respeito ao próprio mérito do fato criminoso, constituindo verdadeiros pressupostos da existência do crime, enquanto que as preliminares cuidam de questões relativas à validade do processo, portanto, da regularidade da tutela jurisdicional em determinado processo.

As exceções podem ser dilatórias ou peremptórias, constituindo, em ambas as espécies matéria de defesa indireta, que não se dirige diretamente ao mérito.

As dilatórias são aquelas cuja solução não põe termo ao processo principal (a ação penal), implicando apenas a dilação do julgamento final, como ocorre com a exceção de incompetência do juízo, de suspeição, impedimento ou incompatibilidade.

As peremptórias são aquelas que, uma vez acolhidas, encerram a relação processual principal, pondo fim à ação penal em curso, como é o caso da exceção de coisa julgada, litispendência e ilegitimidade de parte. Note-se que nesse último caso, de

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira74

ilegitimidade, nova ação penal poderá ser proposta pela parte legítima, ao contrário do que ocorre nas demais hipóteses (litispendência e coisa julgada), já que ou já existe um processo definitivamente encerrado acerca daquele fato delituoso ou ainda está em trâmite.

Pacelli entende ser de pouquíssima relevância, em regra, o tema do pedido na ação penal condenatória, visto que, ainda que o autor se equivoque quanto à condenação ou mesmo requeira a absolvição do réu (art. 385, CPP), não está impedido o juiz de apreciar a ação penal. A exceção está na ação penal privada, na qual se exige que o querelante formule pedido de condenação nas alegações finais, sob pena de perempção (art. 60, III, do CPP).

8.2.1.1 – Exceção de Suspeição, Impedimento ou Incompatibilidade

Pacelli critica a postura do legislador do CPP, ao conceder precedência de exame à exceção de suspeição e ao tratar em capítulos diferentes, como se distintas fossem, as exceções de suspeição e as demais de impedimento e de incompatibilidade, pois entende que todas refletem, com a mesma intensidade e em conjunto, o valor constitucional constante da cláusula do devido processo legal, que é a imparcialidade da jurisdição.

Impedimento é distinto de suspeição. Enquanto o primeiro se refere a fatos e/ou circunstâncias atinentes ao próprio processo (art. 252 e 253, do CPP), a segunda configura a existência de situações da realidade externa ao processo levado ao conhecimento do juiz (inimizade capital ou amizade íntima, art. 254, I; quando ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente estiver respondendo a outro processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia, art. 254, II, etc).

Já as incompatibilidades previstas no art. 112, do CPP compreendem todas as demais situações que possam interferir na imparcialidade do julgador, chamadas na prática de razões de foro íntimo.

Embora as exceções devam ser argüidas pelas partes na primeira oportunidade em que falarem nos autos, o fato é que, tratando de questão ligada ao devido processo legal, no que toca à imparcialidade da jurisdição, matéria a toda evidência de ordem pública, tais exceções (suspeição, impedimento ou incompatibilidade) poderão ser reconhecidas mesmo após o trânsito em julgado da ação condenatória (exceto quando absolutória a decisão, tendo em vista a vedação da revisão pro societate), se comprovada a violação da imparcialidade do órgão julgador. Julgada procedente a exceção, todos os atos do processo serão anulados.

Segundo o art. 107, do CPP, não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos ato do inquérito, o que não as impedirá de declararem-se suspeitas quando for o caso, já que a autoridade policial não exerce atividade jurisdicional, que vem a ser objeto da tutela das apontadas exceções.

A suspeição dos jurados, no Tribunal do Júri, deverá ser argüida oralmente, na respectiva sessão, decidindo o presidente do tribunal de imediato, se, negada pelo argüido (recusado), não for comprovada desde logo (art. 106).

8.2.1.2 – Exceção de incompetência

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira75

A incompetência definida no CPP para fins de exceção é a territorial, relativa, em contraposição à constitucional, absoluta, decorrente do princípio do juízo natural e reconhecida a qualquer tempo, limitado o seu reconhecimento à coisa julgada pro reo. Em vista disso, Pacelli afirma que a fixação da competência territorial se dará em função do interesse das partes litigantes, prevalecente em relação ao interesse público.

O CPP permite, por seu art. 109, que a incompetência relativa seja argüida ex officio pelo juiz, o que Pacelli considera razoável, e ainda, em qualquer fase do processo. Com essa última parte Pacelli não concorda, pois, em sua visão da prática judiciária, a possibilidade de reconhecimento de incompetência após a realização da instrução criminal contrastaria com o real o objetivo da norma, que é atender às preocupações com a qualidade da prova a ser produzida. Tal ausência de marco temporal limite poderia acabar por comprometer a própria qualidade da jurisdição penal, que se deve realizar em tempo mais breve possível, desde que respeitadas as garantias constitucionais do acusado.

Poderá ser oposta verbalmente ou por escrito, no prazo da defesa prévia, após o interrogatório do acusado, sob pena de preclusão, instituto este que não atinge o juiz.Ouvido o MP, se for aceita a declinatória, o juiz remeterá os autos ao juiz competente, pelo qual poderão ser ratificados os atos processuais não decisórios. Se recusada, o juiz dará prosseguimento ao processo, registrando por escrito a exceção oposta verbalmente.

Da decisão que aceitar a declinatória, reconhecendo-se a incompetência, caberá recurso em sentido estrito, com fundamento no art. 581, III, CPP.

Quando recusada a exceção, a regra é o não-cabimento de qualquer recurso nominado – isto é, previsto expressamente na lei -, podendo Ter cabimento, todavia, o habeas corpus, com fundamento no disposto no art. 648, III, do CPP.

8.2.1.3 – Demais exceções

Pacelli faz algumas observações:

a) A ilegitimidade de parte é a ativa, no que se refere à titularidade, estatal ou privada, do exercício da ação penal. Não está sujeita à preclusão, podendo ser argüida em qualquer fase do processo, mesmo o após o trânsito em julgado, quando condenatória a decisão, por ser tratar de questão atinente ao devido processo legal, de índole constitucional (poderá ser alegada via matéria de defesa ou como exceção).

b) Abarcada também pela exceção de ilegitimidade está a alegação de ilegitimidade ad processum, a capacidade de estar ou integrar validamente uma relação processual. Ex.: acusado menor de dezoito anos.

c) Por litispendência, há de se entender a repetição de causa já instaurada anteriormente, envolvendo as mesmas partes e o mesmo fato delituoso, que vem a ser a causa petendi.

d) O que faz coisa julgada é o fato real objeto da imputação feito na inicial, independentemente de sua classificação jurídica, ou seja, o que passa em julgado é a realidade história e não a realidade imputada ou descrita na acusação.

e) Havendo mais de uma exceção, todas deverão constar de um único articulado ou petição.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira76

8.3 – Do conflito de jurisdição

O CPP trata como conflito de jurisdição tanto o conflito de competência (entre juízos de uma mesma jurisdição) quanto o conflito de jurisdições diferentes.

O conflito pode ser positivo, quando dois ou mais órgãos do Judiciário, juízes ou tribunais, considerarem-se competentes para o processo e julgamento do mesmo fato criminoso, e negativo, quando se afirmarem incompetentes para o conhecimento da causa penal (art. 114, I).

Poderá também ocorrer o conflito quando surgir entre as citadas autoridades judiciárias qualquer controvérsia acerca da unidade de juízo, reunião ou separação de processos (art. 114, II), acerca da aplicação das regras de unidade ou reunião de processos por conexão e continência (art. 78), de separação de processos, obrigatória ou facultativa (arts. 79 a 82) etc.

A própria CR/88 prevê regras de conflito de competência:

a) STJ X quaisquer tribunais superiores: STF

b) Entre Tribunais Superiores: STF

c) Tribunais Superiores X quaisquer Tribunais: STF

d) Entre quaisquer Tribunais: STJ

e) Tribunal X Juiz a ele não vinculado: STJ

f) Entre Juízes vinculados a Tribunais diferentes: STJ

g) Entre Juízes vinculados ao mesmo Tribunal: Esse Tribunal

Sobre a letra f há interessante exemplo narrado por Paceli: juiz de Direito, exercendo competência delegada da Justiça Federal decide caso de crime de tráfico internacional de drogas, quando o lugar da infração não for sede de vara federal. O conflito poderia surgir, no que tange à competência recursal, se o TJ ao qual estiver vinculado o magistrado decidir acerca da não existência do tráfico internacional, instaurando controvérsia entre este e o TRF da correspondente seção judiciária. Solução: conflito de competência para o STJ (CF, 105, I, d).

Questão relevantíssima!

Proferida uma decisão em primeira instância por juiz incompetente em razão da matéria, apenas ao respectivo tribunal a quem se encontra vinculado o Juízo é dada a revisão do julgado com a anulação do processo e posterior remessa ao juiz competente. Não é possível, em hipótese alguma, que a anulação da sentença seja feita pelo órgão de Segunda instância de outra jurisdição, ainda que originariamente competente. Eventuais desacertos praticados em uma ou outra jurisdição somente podem ser coartados, pela via de conflito de jurisdição, quando ainda não decidida a causa em primeira instância ou quando for a hipótese de conflito relativo à competência recursal originária.

Razões: a) a CR/88 não atribui aos Tribunais de Segunda instância o poder de avocatória em relação a outro tribunal de mesma hierarquia, tal como ocorre, por exemplo, com o STF e o STJ; b) inexiste fonte constitucional que autorizes a um TRF, por exemplo, a exercer controle jurisdicional de atos judiciais praticados por juízes a ele não vinculados.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira77

Outra questão relevante!

- Conflito de competência entre Turma Recursal de Juizado Especial Criminal e Tribunal de Alçada.

Dado processo, instaurado perante o Juizado Criminal, recebeu sentença condenatória, da qual foi interposto recurso para a respectiva Turma Recursal, a qual resolveu anular o processo, ao entendimento de que a competência era do Juízo Comum. Recebidos os autos pelo Juiz de Direito, foi proferida nova decisão condenatória, da qual, mais uma vez, interpôs-se recurso, encaminhado ao TA do Estado. A Corte, no entanto, declinou de sua competência para a Turma Recursal, ao fundamento de que se tratava de matéria de competência originária dos Juizados.

A Turma Recursal, então, suscitou conflito de competência, pois não lhe competiria apreciar recurso contra decisão de Juiz de Direito proferida no Juízo Comum. O STJ solucionou o conflito pela competência da Turma Recursal, pois se cuidava de infração penal de menor potencial ofensivo.

Em primeiro lugar, Pacelli entende que a posição adotada pelo TA foi equivocada pois teria que apreciar tão-somente a sua competência recursal, na medida em que o objeto do recurso era a sentença proferida por Juiz de Direito, e não de decisão proferida pelo Juizado Criminal. Assim, independentemente de se saber de quem era a competência de primeira instância (isto é, se do Juizado ou se da Justiça Comum), o fato é que, inicialmente cumpria-lhe conhecer o recurso e, a partir daí, anular ou reformar o julgado, e não declinar de imediato de sua competência.

Em segundo lugar, Pacelli argumenta que a solução trazida pelo STJ é equivocada:

a) nos termos do art. 98, I, in fine, da CR/88, e do art. 82, da Lei nº 9.099/95, a competência das Turmas Recursais dos JESPs é limitada ao julgamento dos recursos interpostos contra decisões dos próprios JESPs.

b) Nos termos do art. 108 e 125, §1º, a competência recursal para o julgamento de decisões proferidas pela Justiça Comum de primeira instância é dos TJs e Tas.

c) Um órgão do Judiciário (Turma Recursal) que não detém a hierarquia jurisdicional sobre outro (Juiz de Direito) não pode julgar as suas decisões.

Voltando ao conflito de competência, pode ser requerido por ambas as partes, pelo órgão do MP em ações penais privadas, pelos próprios juízes e tribunais, sob a forma de representação. Requisitadas e prestadas as informações pelas autoridades judiciárias em conflito, e depois de ouvido o MP, o tribunal resolverá o incidente.

Apesar de o CPP prever o instituto da avocatória, por meio do qual o STF exerceria controle de jurisdição (art. 117), a CR/88 estabelece procedimento distinto, sob a denominação de reclamação, conforme art. 102, I, l, atribuindo igual poder ao STJ (art. 105, I, f), devidamente regulamentado pela Lei nº 8.038/90.

8.4. Da Restituição de Coisas Apreendidas

Tal incidente destina-se, via de regra, a solucionar questões de natureza civil, no entanto, também alcança matéria penal no que respeita à origem e destinação do bem

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apreendido no curso da persecução penal, como nos casos enumerados pelo art. 91, do CP.

O CPP determina que todos os bens que servirem como matéria de prova deverão ser apreendidos pela autoridade policial, seja durante o inquérito policial (art. 6º), seja por ordem judicial expressa, via mandado de busca e apreensão (art. 240 e seguintes).

Pacelli estabelece uma distinção: dentre as coisas apreendidas algumas delas poderão ser objeto na sentença penal, no que se refere à sua origem e destinação, pois, nos termos do art. 91, do CP, um dos seus efeitos é “a perda em favor da União a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito e b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. O mencionado dispositivo ressalva expressamente o direito do lesado e do terceiro de boa-fé, o que não poderia ser de outra forma, particularmente no que se refere ao bem produto de crime.

Em relação aos demais bens, não produtos de crime, deverão permanecer apreendidos enquanto interessarem ao processo e ao seu conteúdo probatório (art. 118, do CPP).

O pedido de restituição eventualmente formulado poderá ser apreciado até mesmo pela autoridade policial se for inequívoca a propriedade da coisa pelo requerente. Se duvidoso o direito, o pedido será autuado em apartado, perante o juiz criminal competente para apreciação da ação penal relativa à apreensão.

Do mesmo modo, somente o juízo criminal poderá resolver o pedido de restituição quando as coisas tiverem sido apreendidas quando em poder de terceiros de boa-fé, abrindo-se prazo de dois dias aos interessados (o requerente e o terceiro) para a comprovação da propriedade (art. 120, §2º, CPP). Nessas hipóteses será ouvido o MP.

Quando, diferentemente, a prova for de difícil elucidação, incompatível com o rito célere do incidente de restituição, o Juízo Criminal remeterá as partes para o Juízo Cível, declinando de sua competência para o deslinde do caso, ordenando, porém, o depósito da coisa em mãos de depositário ou do próprio terceiro que a detinha (art. 120, §4º, CPP).

A decisão que indefere o pedido de restituição, qualquer que seja o seu fundamento, será atacável, segundo o entendimento de Pacelli, mediante recurso de apelação, por força de seu caráter definitivo (art. 593, II, CPP), que resolve o mérito do incidente.

Na hipótese de apreensão de coisas adquiridas com os proveitos da infração, aplica-se o art. 133, do CPP, com a venda do bem em leilão, após o trânsito em julgado de sentença condenatória, recolhendo-se o valor apurado ao Tesouro Nacional, depois de haver descontado o que couber ao lesado ou ao terceiro de boa-fé. Não havendo interessados, o juiz decretará a perda dos bens em favor da União, na forma do art. 122.

8.5. DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS

Tais medidas têm caráter cautelar e patrimonial, cujo objetivo é, fundamentalmente, o ressarcimento ou reparação civil do dano causado pela infração penal. Enquanto a ação ex delicti, regulada nos arts. 63 e seguintes do CPP cuida do

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processo de conhecimento (por meio de ação ordinária proposta perante o Juízo Cível) e do processo de execução (execução da sentença penal condenatória), pelos quais se pretende a recomposição civil do dano causado pela infração penal, as medidas assecuratórias buscam proteger a efetividade daqueles procedimentos, ostentando, portanto, natureza acautelatória.

No entanto, cabe salientar que nem sempre o interesse patrimonial por trás dessas medidas será particularizado, destinando-se também à satisfação de interesse público, como ocorre nos crimes de tráfico de drogas, por exemplo, em que a lei determina o perdimento de quaisquer bens ou valores que constituam proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (art. 91, II, b, CP).

Por fim, Pacelli assevera que o CPP faz referência ao instituto do seqüestro tanto de bens móveis quanto imóveis, cometendo, no que tange aos móveis quando insuficiente ou inexistentes (art. 137 do CPP, deslize técnico, pois nesse caso, tratar-se-ia de legítimo arresto. Enquanto o seqüestro, completa Pacelli, “é a retenção da coisa litigiosa, por ordem judicial, quando presente dúvida acerca de sua propriedade ou origem, o arresto consiste na retenção de quaisquer bens, para fins de garantia de solvabilidade do devedor”).

8.5.1. Seqüestro

Definição: É um processo incidente, de natureza acautelatória (exame de urgência da medida – periculum in mora – art. 131, I CPP). Será cabível o seqüestro dos bens móveis e imóveis adquiridos pelo indiciado ou pelo acusado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido objeto de alienação a terceiros. Todavia, se se tratar de bem móvel que constitua, ele próprio, o produto da infração, a medida cabível será a busca e a apreensão (CPC, art. 240, b), não sendo cabível pedido de restituição (CPP art. 118), por ser produto sujeito à pena de perdimento (CP, art. 91). O seqüestro dirige-se à coisa litigiosa, que poderá pertencer até mesmo a terceiros, estranhos ao crime. Imóveis: deve ser levado à inscrição no CRI (CPP, art. 128). Móveis: suscetíveis de penhora, se não tiver imóveis ou forem insuficientes p/ garantir a responsabilidade civil (art. 137, §1º/CPP) - p/ Pacelli é caso de arresto.

Requisitos: a) Existência de fato criminoso; b) indícios veementes da proveniência ilícita dos bens; c) perigo da demora (este último, para Pacelli, decorre do fato de a medida ter natureza acautelatória, implicitamente contido no art. 131, I, CPP).

Iniciativa: a) de ofício pelo juiz – em razão do interesse público – matéria ligada ao mérito, submetida ao amplo conhecimento judicial; b) a requerimento do MP ou do ofendido; c) por representação da autoridade policial.

Momento: a) no curso da ação penal; b) na fase investigatória – MP ou querelante tem 60 dias para oferecer denúncia ou queixa, sob pena de levantamento da medida.

Rito procedimental: a) processamento em apartado; b) o seqüestro poderá ser levantado desde que terceiro preste caução suficiente (CPP, art. 131, II); c) possibilidade de oferecimento de embargos (acusado e terceiro de boa-fé, como decorrência do princípio do devido processo legal. CF, art. 5º, LVI – ampla defesa e contraditório);

Fundamentação vinculada dos embargos: a) do acusado: não ter sido o imóvel adquirido com os proventos da infração (art. 130, I/CPP); b) de terceiro: aquisição a título

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oneroso e boa-fé (art. 130, II/CPP) – pode levantar o seqüestro, antes da decisão final, se prestar caução suficiente (art. 131, II/CPP)

Julgamento dos embargos: a) somente poderão ser julgados após o trânsito em julgado da sentença da ação penal; b) sentença absolutória ou extinção da punibilidade: levantamento do seqüestro (a extinção da punibilidade e a sentença absolutória por falta de provas não afetam o direito do lesado à recomposição civil no Juízo Cível – Ação Civil ex delicti); c) sentença condenatória: após o trânsito em julgado, os bens serão levados a leilão. O valor apurado vai para o Tesouro Nacional, após dedução do que couber ao lesado ou ao terceiro de boa-fé.

8.5.2. Especialização de Hipoteca

Objetivo: processo incidente para garantir a solvabilidade do devedor na liquidação de obrigação ou responsabilidade civil decorrente da infração penal.

Objeto: patrimônio do acusado, independente da origem ou fonte da aquisição da propriedade, podendo recair sobre quaisquer imóveis, desde que suficientes para garantir futura recomposição dos danos mais custas e despesas processuais.

Momento/Legitimidade: pode ser requerida pelo ofendido (privado ou público) em qualquer fase do processo – p/ Pacelli – pode ser antes da ação penal, pois na denúncia já estarão presentes os requisitos de autoria e materialidade.

Requisitos: a) certeza do fato criminoso (materialidade); b) indícios da autoria (só atinge quem tem relação com o fato criminoso). (Difere-se do seqüestro porque neste a exigência é de indícios veementes de proveniência ilícita do bem, sem a necessidade da mesma constatação em relação à autoria).

Procedimento: a) estimativa do valor aproximado da responsabilidade civil; b) apontar imóvel de valor correspondente para fins de hipoteca; c) juiz arbitrará valor provisório da responsabilidade civil (futura e possível); d) juiz determinará avaliação do imóvel indicado (perito ou avaliador judicial); e) imóvel levado à inscrição, exceto se prestada caução equivalente e idônea pelo acusado (art. 135, §6º/CPP)

Finalização: a) sentença condenatória: autos remetidos ao Juízo Cível, para liquidação da execução (art. 63/CPP); b) sentença absolutória ou extintiva da punibilidade: cancelamento da hipoteca.

8.5.3. Arresto

Objetivo: Processo incidente, também para garantir a responsabilidade civil.

Hipóteses: a) Seqüestro Prévio de Bem Imóvel: preparatória da Especialização/Inscrição da Hipoteca (art. 136/CPP), revogável em 15 dias se não for inscrita a hipoteca; b) Seqüestro de Bens Móveis: bens suscetíveis de penhora, se o acusado não possuir bens imóveis ou se estes forem insuficientes para a garantia (art. 137, §1º/CPP). Se forem coisas fungíveis ou deterioráveis: serão levadas à avaliação e leilão, com depósito judicial do valor apurado (art. 120, §5º/CPP). Segundo Pacelli esta modalidade é tratada pelo CPP como seqüestro.

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Arresto X Seqüestro: No seqüestro “propriamente dito” (CPP, art. 125 – imóvel adquirido com proventos da infração), transitada em julgado a sentença condenatória, os bens serão levados à praça (bens sujeitos à pena de perdimento). No arresto, condenado definitivamente o acusado, o incidente é remetido à instância civil, para a apuração da respectiva responsabilidade.

8.5.4. Medidas Assecuratórias Previstas na Lei 9.613/98

Lei 9.613/98 – Crimes de lavagem e ocultação de bens, direitos e valores.

Medidas assecuratórias: a) seqüestro; b) apreensão de bens, direitos e valores (= art. 240/CPP) – por ordem judicial expressa e específica – produtos da infração penal. Não cabe sobre bens sobre os quais não se suspeita tratar-se de produto do crime, como ocorre na especialização da hipoteca.

Instauração (art. 4°): a) de ofício; b) a requerimento do MP; c) por representação da autoridade policial.

Requisitos: a) indícios de autoria e da materialidade; b) Inquérito Policial ou Ação Penal em curso (se antes da ação – prazo de 120 dias para denúncia).

Rito procedimental: o mesmo previsto nos arts. 125 a 144/CPP, relacionados ao Seqüestro e à Apreensão. Ambos (seqüestro e apreensão) deverão ser levantados no prazo de 120 dias, contados a partir da conclusão da diligência, se não for iniciada a ação penal.

Restituição de coisa apreendida: a) se propriedade de terceiros; b) prova da licitude da origem dos bens, direitos e valores.

Risco de perecimento da coisa ou necessidade de sua conservação: – nomeado administrador remunerado pelo juiz (arts. 5º e 6º).

Efeitos da Sentença Condenatória: a) perda em favor da União, dos bens objeto do crime previsto na Lei 9.613/98, ressalvado direito do lesado e do terceiro de boa-fé; b) interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza, diretor, membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas elencadas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade.

8.6. Do Incidente de Falsidade.

Objetivo: Processo incidente que tem por objeto a argüição de falsidade de documento constante dos autos, que puder interferir na apreciação da imputação legal e que não seja objeto material do delito (necessariamente periciado). Pode ser de ofício (art. 147) ou a requerimento da parte, desde que Procurador com poderes especiais (art. 146).

Reconhecida a falsidade por decisão irrecorrível (art. 145, IV/CPP) – documento desentranhado e remetido, junto com autos do processo incidente, ao MP.

Crítica: P/ Pacelli o instituto é DISPENSÁVEL (inutilidade, por não fazer coisa julgada – art. 148/CPP) – pode ser rediscutido e até ensejar ação revisional (art. 621, II e III/CPP).

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8.7. Da Insanidade Mental do Acusado

Objetivo/Requisitos: constatação de moléstia mental do acusado ou indiciado, em procedimento apartado, tanto na fase investigatória, quanto no curso da ação penal, quando houver dúvida séria e fundada sobre condições mentais do acusado.

Iniciativa: a) de ofício; b) a requerimento do MP; c) a requerimento do defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado; d) a requerimento da autoridade policial, se na fase do Inquérito Policial. Para Pacelli o rol não taxativo, em virtude do interesse público.

Resultados do laudo médico: perícia a ser realizada no prazo prorrogável de 45 dias: a) acusado ou indiciado já inimputável ao tempo da infração: o processo terá curso normal, nomeando-se-lhe curador – aplicação de medida de segurança (art. 96 e segs./CP); b) doença mental superveniente à infração penal (art. 152/CPP): se já em curso a ação penal, o processo continua suspenso (suspensão anteriormente decretada, com base no art. 149, §2º/CPP), até restabelecimento do acusado, sem prejuízo dos atos reputados urgentes – art. 152/CPP) – princípio da ampla defesa. A paralisação do processo veda a adoção de medidas que impliquem antecipação de culpa ou dos resultados finais do processo – princípio da inocência

Crítica: Internação do acusado (art. 152, § 1º/CPP). Para Pacelli o art. 152, §1º, deveria ser revogado, por incompatibilidade entre o princípio constitucional da inocência e a internação por prazo indeterminado. Há privação da liberdade de quem não foi sentenciado definitivamente tem caráter de custódia e depende de ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente – art. 5º, LXI – CF/88.

Capítulo 9 – Da Prova

9.1 Teoria da Prova

Objetivo da prova judiciária: reconstrução dos fatos investigados, buscando a verdade dos fatos, para a reconstrução da realidade histórica.

História do Direito: Métodos de obtenção da verdade real: a) Ordálias e Juízos de Deus na Idade Média, em que o acusado era submetido a determinada provação física, cuja superação era a sua prova de inocência. b) Prova racional para a reconstrução judicial dos fatos delituosos (a partir do Século XVIII): b.1) satisfação do interesse de segurança pública; b.2) proteção dos interesses do acusado, como sujeito do processo.

Verdade judicial: O processo deverá produzir uma certeza do tipo jurídica, que pode ou não corresponder à verdade da realidade histórica, mas cuja pretensão é a de estabilização das situações eventualmente conflituosas que vêm a ser o objeto da jurisdição penal.

Princípios e regras aplicáveis à produção de provas:

Contraditório e ampla defesa: O contraditório e a ampla defesa constituem a base da estrutura do devido processo legal, em que, ao lado do princípio da inocência, autorizam a afirmação no sentido de ser o processo penal um instrumento de garantia do indivíduo diante do Estado.

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Até a década de 70 o entendimento sobre o contraditório limitava-se à garantia de participação das partes no processo, como direito à informação oportuna de toda prova ou alegação feita nos autos, bem como a possibilidade de reação a elas. A partir dos ensinamentos de Élio Fazzalari, passou-se a incluir também o critério da igualdade ou da par conditio (paridade de armas) – participação garantida, em simétrica paridade. Contraditório = Informação + Possibilidade de Reação + Par conditio.

Já a ampla defesa é a efetiva participação, implicando a contribuição efetiva do réu no resultado final do processo, admitindo, inclusive, provas obtidas ilicitamente, se favoráveis ao acusado. A inadmissibilidade da prova ilícita é dirigida contra o Estado para a proteção dos direitos individuais de quem pode, em tese, ser atingido pela atividade investigatória. A ampla defesa abrange:

- Defesa técnica (defensor habilitado nos quadros da OAB para todos os atos do processo, exceto interrogatório, pelo CPP).

Ampla Defesa - Autodefesa (sobretudo no interrogatório)

- Defesa efetiva (não se admite ausência de manifestação da defesa nos momentos processuais mais relevantes).

9.1.1 O Mito e o Dogma da Verdade Real

A busca pela verdade real e a gravidade das questões penais seriam suficientes para permitir uma busca mais ampla e mais intensa da verdade, ainda que lesivas aos direitos e garantias fundamentais, sobretudo na sistemática do CPP de 1941. Maior mal: disseminação da cultura inquisitiva – legitimar desvios das autoridades públicas e justificar ampla iniciativa probatória reservada ao juiz.

CPP 1941: permitia a iniciativa acusatória do juiz, além de reservar a este amplos poderes de prova, inclusive como atividade substitutiva da atuação do MP. Inquisitório.

CF 1988: Sistema de feição acusatória/sistema de garantias individuais..

Inquisitório

Os métodos de prova dependem do modelo processual adotado

Acusatório

Para Pacelli a iniciativa probatória do juiz deve ser limitada, não se admitindo a atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (a partir de 1988), em função da igualdade, da par conditio, do contraditório, da ampla defesa, da imparcialidade, convicção e atuação do juiz

Verdade judicial: sempre processual (certeza exclusivamente jurídica)

sempre reconstruída

Processo penal: não admite a verdade formal, decorrente da presunção legal

exige-se sempre a materialização da prova – verdade material

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9.1.2 A Distribuição do Ônus da Prova e A Iniciativa Probatória do Juiz

Valor fundante do sistema de provas – princípio constitucional da inocência – transferência de todo o ônus probatório para a acusação. Acusação deve provar a existência de um crime e sua autoria.

Exames de tipicidade e ilicitude: não dizem respeito a matéria de prova. É mero juízo de abstração, de valoração do fato em relação à norma penal.

Prova do dolo (genérico) e dos elementos subjetivos do tipo (dolo específico): obtida por via do conhecimento dedutivo, via da racionalidade (porque se localiza no mundo das intenções) – indícios (art. 239/CPP)

Culpabilidade e imputabilidade: prova da maioridade penal (18 anos) e da capacidade mental. Presunção legal: maiores de 18 anos serem efetivamente capazes. Exame de sanidade mental (art. 149/CPP) – se houver indícios de ser o acusado portador de alguma enfermidade

Cabe à acusação: a) prova da materialidade do fato; b) prova da autoria

Não cabe à acusação: demonstrar inexistência de excludente de ilicitude ou de culpabilidade (Art. 156/CPP – prova da alegação incumbe a quem a fizer).

Juiz: iniciativa probatória limitada pelo sistema acusatório, em face do princípio da imparcialidade de sua atuação concreta, impedindo a postura acusatória

Para Pacelli e Tourinho Filho – “juiz não pode desigualar as forças produtoras de prova no processo, sob pena de violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, reunidos ambos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e faculdades processuais”

Iniciativa probatória iniciativa acusatória: a iniciativa acusatória está presente quando o juiz empreender atividade probatória de iniciativa do MP. Essa atividade probatória de iniciativa da acusação deve ser substitutiva ou supletiva imposta como ônus processual do MP – art. 156/CPP). Exemplos (Pacelli): juiz não pode requerer exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios (art. 564, III, b/CPP) – ônus do MP. Por outro lado, provas não requeridas pela defesa poderão ser requeridas de ofício pelo juiz, quando vislumbrada a possibilidade de demonstração da inocência do réu. O juiz pode também requerer prova para dirimir dúvida sobre prova já produzida (não na ausência de prova).

9.1.3 O Livre Convencimento Motivado e A Íntima Convicção

Sistemas de julgamento – métodos de valoração das provas => preocupação com controle da atividade judicante; com o subjetivismo e com possíveis arbitrariedades.

9.1.3.1 A Prova Tarifada ou Sistema de Provas Legais

Surgiu como forma de limitar os poderes do juiz no sistema inquisitivo (secs. XXIII – XVII). Aqui o legislador é quem procedia à valoração prévia, dando a cada uma delas um valor fixo e imutável. Inconveniente: para a condenação era necessária a

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obtenção de um certo número de pontos que, quando não obtidos, a prova era obtida a partir da tortura.

9.1.3.2 O Livre Convencimento Motivado: Persuasão Racional

Liberdade de convencimento do juiz, sem critério de valoração prévia da prova, mas fundamentada, explicitada, declinando as razões do convencimento com base em argumentação racional. Regra de julgamento somente aplicável às decisões de juiz singular. Tribunal do Júri – princípio da íntima convicção

9.1.3.3 Hierarquia e Especificidade de Provas

Função das provas no processo: “reconstrução da realidade histórica sobre a qual se pronunciará a certeza quanto à verdade dos fatos, para fins de formação da coisa julgada.”

Para a construção da verdade judicial é possível a exigência de meios de prova específicos para constatação de determinados fatos – regra da especificidade da prova (ex.: art. 564, III, b/CPP). Não é conseqüência necessária a hierarquia das provas. (Pacelli)

Restrição a meios de prova: justificada pela proteção de valores reconhecidos pela ordem jurídica. Pode ocorrer quanto ao meio de obtenção da prova (vedação de provas obtidas ilicitamente) e quanto ao grau de convencimento resultante do meio de prova utilizado (art. 155/CPP – observância de restrições à prova relativa ao estado das pessoas)

Restrições e especificidades são garantias ao acusado: são critérios específicos quanto ao grau de convencimento e de certeza a ser obtido em relação a determinadas infrações penais. Quando decorrentes de lei, não há incompatibilidade com o sistema do livre convencimento motivado – o juiz é livre na apreciação da prova válida.

Hierarquia de provas: – prevalência de uma prova em relação à outra, quando ambas igualmente admitidas. Para Pacelli e jurisprudência – não existe. Não é possível afirmar, a priori, a supremacia de uma prova em relação à outra, por sua superioridade. Todos os meios de prova podem ou não ter aptidão para demonstrar a veracidade do que se propõem. Na prova técnica há maior preocupação com a idoneidade da prova, para o fim a que se destina. Especificidade de provas Hierarquia de provas. Ex.: prova pericial X prova testemunhal – questão técnica – prova testemunhal não é suficiente, por si só.

Exceção: Para Pacelli, não são aceitos quaisquer meios de prova para provar a verdade dos fatos em duas situações: nos casos do art. 155/CPP (prova do estado das pessoas) e do art. 564, III, b/CPP.

9.1.4 Direito e Restrições à Prova

Direito à prova: tanto do réu quanto da acusação. Estende-se a todas as fases: obtenção, introdução e produção no processo e na valoração da prova, na fase decisória. A eventual desconsideração da prova na motivação da sentença é error in judicando (de

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julgamento) e não error in procedendo (de procedimento) e pode ensejar reforma da decisão, mas não a sua anulação.

Juiz pode examinar a pertinência da prova requerida (rejeitar diligências meramente protelatórias) e excluir as provas obtidas ilicitamente, sobretudo no Tribunal do Júri, que devem ser desentranhadas antes do ingresso na fase da valoração (por causa da regra da íntima convicção)

Momento de produção de provas: a qualquer tempo (incluindo a fase recursal e até em 2ª instância, dependendo de iniciativa judicial – art. 616/CPP) – respeitado sempre o contraditório – exceção: art. 406/CPP – vedada a juntada de documentos por ocasião das alegações finais nos processos do Tribunal do Júri.

9.1.4.1 A Inadmissibilidade das Provas Ilícitas (Art. 5º, LVI – CF/88)

Função da norma: Controle da regularidade da atividade estatal persecutória (função eminentemente pedagógica e tutela de direitos e garantias individuais, preservação da qualidade das provas no processo). Direitos individuais protegidos – direito à intimidade, à privacidade, à imagem (art. 5º, X – CF/88), direito à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI – CF/88). No âmbito da igualdade processual, visa impedir a produção probatória irregular pelos agentes estatais.

Qualidade da prova: o reconhecimento da ilicitude impede aproveitamento de métodos de obtenção da prova cuja idoneidade já é previamente questionada. Ex.: confissão mediante tortura, ou mediante hipnose, soro da verdade etc)

Espaço probatório no processo penal é mais amplo que no processo civil. Vedação da prova pode ser determinada em relação ao meio escolhido ou em relação ao resultado obtido. Não significa a admissibilidade de todos os meios de prova, desde que não estejam expressamente proibidos. Assim, p.ex., a interceptação telefônica pode ser lícita, quando autorizada judicialmente, e ilícita, quando não autorizada.

a) As gravações ambientais

Definição: conversa verbal situada no âmbito da privacidade (espaço para manifestação da intimidade) e da intimidade (conjunto de convicções, sensações e estados de ânimo pessoais) dos interlocutores. Ocorre no meio ambiente, por meio de gravadores, câmeras de vídeo, etc. Quando um dos interlocutores promove a gravação sem o conhecimento do outro, a ilicitude não ocorrerá, efetivamente, do fato da gravação, mas da divulgação de seu conteúdo. Em alguns casos, a gravação feita por um dos interlocutores será apta a excluir a ilicitude. Para que seja válida, e necessário que esteja presente a justa causa (justificação da conduta tipificada penalmente).

Confissão de prática de crime gravada: inadmissível (P/ Pacelli – por violação do direito ao silêncio e porque confissão só pode ser valorada quando realizada perante o juiz).

Espécies: a) clandestina: desconhecida por um ou por todos os interlocutores; evidentemente ilegal; prova obtida ilicitamente, inadmissível no processo. b) autorizada: com a ciência e concordância dos interlocutores, ou se decorrente de ordem judicial.

Jurisprudência: a) STF: admite gravações em que preso atribui responsabilidade pela prática de certo crime a determinada pessoa – quem tem o dever de depor não pode alegar direito à intimidade (STF, HC 69.818 e HC 69.204-4-SP). b)

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STJ: aceita gravações de conversa feitas por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro – princípio da proporcionalidade (STJ, HC 4654-RS e RHC 5944-PR).

Lei 9.034/95 (alterada pela Lei 10.217/2001): crimes de organizações criminosas: autoriza captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial (além da possibilidade de infiltração de agentes de polícia ou de inteligência em tarefas de investigação, mediante autorização judicial) – arts. 1º e 2º.

Lei 10.409/02: também em relação aos crimes de tráfico internacional de drogas (art. 33, §1º).

Crítica: Pacelli critica as gravações feitas por meio da infiltração de agentes de polícia ou de inteligência, em função da ausência de delimitação legal da atuação permitida ao agente infiltrado.

b) As interceptações telefônicas e de dados

Interpretação gramatical: 1ª leitura dos incisos X, XI e XII do art. 5º da CF/88 (interpretação gramatical): a) direito à intimidade, privacidade, honra e imagem, sigilo de correspondência e comunicações telegráficas e de dados – intangíveis, absolutos, vedada em qualquer hipótese a sua violação; b) sigilo das comunicações telefônicas e inviolabilidade do domicílio – flexibilizados, por ordem judicial. Crítica: para Pacelli é uma interpretação fora do sistema constitucional de garantias individuais e sem coerência lógica. Na ordem constitucional brasileira não existem direitos absolutos; tutela normativa é abstrata; no plano concreto pode haver confronto de direitos – juízo de proporcionalidade na interpretação do direito.

Proporcionalidade: a inviolabilidade do domicílio, da correspondência, das comunicações, etc pode ser limitada, por não ser absoluta, sempre que respectivo exercício do direito puder atingir valores igualmente protegidos na Constituição e desde que haja previsão legal. Art. 240, §1º, f/CPP – justifica quebra do sigilo de correspondência mediante autorização judicial.

Lei 9.296/96: regulamenta hipóteses de interceptações telefônicas e de fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática (uso combinado do computador e meios de comunicação – ex.: internet). É constitucional. Arts. 1º a 8º prevêem as hipóteses e forma de interceptação autorizada. Procedimento: ordem judicial fundamentada e indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão, bem como que a prova do crime não possa ser feita por outros meios (art. 2º). Momento: a interceptação poderá ser decretada na fase de investigação ou no curso da ação penal, sob segredo de justiça. Prazo máximo: 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias (quantas vezes forem necessárias).

Lei 10.409/02: regulamenta novos procedimentos em matéria de tóxicos e entorpecentes. Possibilidade de quebra de sigilo telefônico e de dados (fiscais, patrimoniais, bancários, etc). Para Pacelli a possibilidade do juiz realizar diligências pessoalmente (Cap. II da Lei 9.034/95 e art. 34 da Lei 10.409/02), em nosso modelo acusatório, é inconstitucional, por atribuir ao juiz funções eminentemente investigatórias.

Dados telefônicos: a quebra do sigilo dos registros dos telefonemas dados e recebidos por determinado aparelho (que não configura hipótese de receptação) também reclama autorização judicial.

c) Sigilo bancário

Quebra de sigilo bancário mediante autorização judicial – matéria pacífica

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PROBLEMA: legislações que autorizam a quebra do sigilo bancário por autoridades públicas sem autorização judicial

Para Pacelli – pela inexistência de qualquer direito absoluto, não há critérios constitucionais vinculando o legislador infraconstitucional de maneira a somente se permitir, em lei, a quebra da intimidade e/ou privacidade por via do pronunciamento judicial. A restrição imposta pelo art. 5º, XI e XII da CF/88 somente se aplicaria àquelas hipóteses expressamente previstas: inviolabilidade do domicílio e das comunicações telefônicas. Demais hipóteses – flexibilização por outras autoridades do poder público é possível, desde que respeitados os requisitos: da indispensabilidade da medida, do sigilo quanto ao procedimento e da finalidade pública reservada à providência.

Leis Constitucionais: a) LC 105/2001: autoriza autoridades fazendárias a quebrarem o sigilo bancário e a troca de informações sigilosas entre instituições financeiras e o Banco Central; quebra de sigilo bancário também pelas CPIs e pelo Poder Legislativo Federal (sendo lei complementar, atende-se à exigência do art. 192 – CF/88). (verificar se STF já se manifestou definitivamente sobre a constitucionalidade da LC 105/01 – não o havia feito em 01/06/2006); b) LC 75/93: MPU – art. 8º assegura aos membros a prerrogativa de requisitar informações e documentos de entidades privadas, acesso a banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública e negativa de oposição ao Ministério Público da exceção de sigilo. Para Pacelli a superveniência da LC 105/2001 facilita a defesa da tese de possibilidade de quebra de sigilo bancário pelo MP sem autorização judicial, desde que presentes os requisitos. O STF e a doutrina majoritária não aceitam a possibilidade de quebra de sigilo bancário diretamente pelo MP (STF, RECR 215301-CE). No caso de rastreamento de verbas públicas as informações podem ser obtidas diretamente da instituição financeira (STF, MS 21729-4) (não se cuida, no caso, de quebra de sigilo acerca de depósitos, etc., mas de rastreamento de verbas públicas).

CPI’s estaduais: a elas foi atribuído pelo STF poder investigativo semelhante às CPI do Congresso Nacional (princípio do paralelismo), que afastou, porém, a possibilidade de eventuais Comissões municipais intentarem a medida. O fundamento foi, além da observância ao modelo federativo, no reconhecimento de existência concreta do Poder Judiciário estadual, o que permitira atribuir aos parlamentares estaduais os mesmos poderes investigatórios concedidos à autoridade judiciária (estadual), para fins de determinação de quebra de sigilo bancário. Para Pacelli a decisão é acertada, mas deve ser baseada em outro fundamento: na ampla limitação legiferante dos municípios (restrita às questões de interesse local), e, também a inexistência de foros privativos, na CF, para os vereadores.

d) A CPI e a cláusula da reserva da jurisdição

CF, art. 58, § 3º: CPIs têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Para Pacelli há impropriedade da redação, porque autoridades judiciais não têm poderes investigatórios, mas sim competência constitucional para a tutela dos direitos e garantias individuais.

Limitações à atividade das CPIs: a) decisões fundamentadas; b) cláusulas constitucionais de reserva de jurisdição (Ex.: inviolabilidade do domicílio, exceto se flagrante delito ou ordem judicial – art. 5º XI; ordem de prisão, exceto se flagrante delito ou ordem escrita de autoridade judiciária - art. 5º, LXVI; violação de comunicações telefônicas – somente com ordem judicial – art. 5º, XII). Reserva de jurisdição = regra de exceção expressa, em relação às autoridades judiciárias

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CPI não pode: a) violar domicílio; b) mandar prender; c) violação de comunicações telefônicas (interceptação telefônica). (STF, MS 23642-DF – Informativo STF 212).

CPI pode: a) quebra de sigilo de dados telefônicos; b) quebra de sigilo bancário; c) quebra de sigilo fiscal.

9.1.4.2 A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada

Definição: A teoria dos fruits of the possonous tree tem origem na jurisprudência norte-americana. É conseqüência lógica da inadmissibilidade de uso de provas ilícitas. É a teoria da ilicitude por derivação: é inadmissível a prova, ainda que lícita, se obtida a partir de informações extraídas pela via da ilicitude, ou seja, prova lícita derivada de prova ilícita (obtida ilicitamente) não é admitida no processo (STF, HC 74116-SP e HC 76.641-SP).

Problema: definição de derivação no plano prático. Prova tem que efetivamente derivar de prova ilícita. Assim, se for possível concluir que o conhecimento da prova se daria sem o auxílio da informação ilicitamente obtida, essa prova pode ser admitida. Necessário exame cuidadoso de cada situação concreta para avaliar a derivação da ilicitude.

Inquérito: Para Pacelli ainda que ilícita a prova, não há razão para se determinar o trancamento do inquérito, pois nem toda atividade investigatória subseqüente estaria contaminada. A ilicitude da prova acabaria se tornando cláusula de permanente imunidade em relação ao fato. Por isso, nem sempre a prova ilícita causará a ilicitude de todas as provas a ela subseqüentes.

MP e procedimentos administrativos investigatórios: o STF não reconhece ao MP a possibilidade de presidir procedimentos administrativos investigatórios. Crítica do Pacelli: se outras autoridades funcionalmente administrativas (autoridades fazendárias e financeiras) podem exercer determinadas atividades intervenções no âmbito dos interesses dos administrados, sem que se possa falar em violação a direitos fundamentais. Ora, se essas autoridades podem fazer tais intervenções, também podem o MP que do ponto de vista funcional é agente político. Assim, ainda que se fale em “diligência eventualmente irregular”, não se poderá falar em prova obtida ilicitamente ou na conseqüência da ilicitude da prova.

9.1.4.3 Encontro Fortuito de Provas

Definição: Encontro fortuito ou casual de provas. Ocorre quando a prova de determinada infração é obtida a partir da busca regularmente autorizada para a investigação de outro crime. Tal teoria encontra-se ligada à inadmissibilidade de provas obtidas ilicitamente, pela função de controle ou pedagogia da atividade policial persecutória, sendo, porém, aplicável até certo limite.

Limites: Deve existir o controle judicial, em favor da proteção do direito à intimidade/privacidade e o impedimento do abuso de autoridade. As diligências devem se dar exclusivamente no propósito a que se destinam, devendo a prova obtida que não se relaciona com o propósito do mandado ser considerada ilícita. Será ilegal no aspecto em que para determinada finalidade a diligência não estaria autorizada. Ex. na busca e

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apreensão (CPP art. 243, II) para busca de animais silvestres, será ilícita a prova de outras infrações obtidas em gavetas e armários que não estejam relacionados com o mandado. A prova será lícita se na investigação criminal obtém-se prova relacionada a outro crime, no exercício regular do mandado, sem que se configure violação à intimidade, tal prova é válida pois não se prestaria a teoria do encontro fortuito.

Casuística: o STF conheceu a licitude de prova de outro crime, diverso daquele investigado, obtido por meio de interceptação telefônica autorizada, de início, para a apuração de crime punido com reclusão. Argumentou-se que a conexão entre os fatos e os crimes justificaria a licitude e o aproveitamento da prova (HC n. 83.515/RS – Inf. 361). Para Pacelli não se trata de conexão, mas sim de aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada.

9.1.4.4 A Prova Ilegítima: A Prova Emprestada

Prova ilícita X ilegítima: a prova ilícita distingue-se da prova ilegítima. Prova ilícita é a que viola o Direito Material e a ilegítima viola norma de Direito Processual. Sua importância importa para os momentos de obtenção, introdução e produção e valoração da prova.

Prova emprestada: melhor exemplo de prova ilegítima. É aquela obtida a partir de outra produzida em processo distinto. Trata-se de prova inteiramente lícita, mas ilegítima, por ser inadmissível sua valoração por manifesta violação do princípio do contraditório. Obs. O direito ao contraditório não constitui norma de Direito Processual, pois toda garantia relativa ao due process of law tem conteúdo eminentemente material, ainda que se efetive e se exerça no processo.

9.1.4.5 O Aproveitamento da Prova, com Exclusão da Ilicitude

O que é inadmissível é a prova ilícita. Havendo situações reconhecidas pelo Direito como suficientes a afastar a ilicitude, as provas então e assim produzidas serão validamente aproveitadas no processo penal.

a) Excludentes da ilicitude. O CP art. 23 prevê situações em que a ilicitude geral da conduta é afastada, são as justificações da conduta, são motivações para a prática da ação típica. Afastam a ilicitude da obtenção da prova. Fundamento é o critério da proporcionalidade (entre o mal causado na infração praticada e a possível condenação do inocente).

b) Flagrante Delito. A CF estabelece a inviolabilidade de domicílio, salvo para prestar socorro ou em situação de flagrante delito. Nestes casos a CF autoriza o ingresso em residência em razão do risco aos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica, mesmo que se trate de delito praticado pelo proprietário no interior de sua residência. A prova assim obtida será lícita. A inviolabilidade de domicílio somente existirá na medida e nos limites em que o seu titular estiver no exercício de seu legítimo direito. Em uma situação de flagrante delito (de qualquer delito), o ingresso no domicílio é expressamente autorizado pela norma constitucional (Ex. Lei 6368/76, art. 12). Fora da inviolabilidade de domicílio, pode ocorrer a obtenção de prova do delito durante a prática do crime. Este é o caso das gravações ambientais em que há captura de som/imagem por alguém, acidental ou voluntariamente. Tais provas são admissíveis no processo porque obtidas durante a

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prática de delito, não sendo oponível os direitos (intimidade, privacidade, imagem etc.) pois há violação de direitos e não seu exercício, nenhuma prova de direito poderá proteger a ação delituosa. Exemplo é a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, que pode ser validamente utilizada quando realizada durante o flagrante delito.

Tratando-se de crime permanente, enquanto durar, as diligências adotadas para sua apuração não configurarão ilicitude (STF, HC n. 75338-8/RJ – STJ, RHC n. 12.266/SP). Há a distinção entre prova obtida durante o flagrante delito e prova produzida antes do delito, que é o caso da interceptação telefônica feita ilegalmente, sem autorização judicial, é prova que resultou de prática anterior de uma ação criminosa (Lei 9296/96 art. 10) e por isso não estará excluída sua ilicitude. Semelhante prova poderá vir a ser aproveitada, mas por razão e fundamentos distintos: gravidade do caso concreto, critérios de razoabilidade e proporcionalidade, presença de excludente legal de ilicitude (caso de estado de necessidade).

9.1.4.6 O Aproveitamento da Prova Ilícita: Proporcionalidade e Razoabilidade

A tutela de interesses e direitos, que decorre dos direitos e garantias fundamentais, tem por destinatário toda a coletividade, de forma que poderá ocorrer conflito de interesses em razão de sua incompatibilidade, como é o caso do direito à informação e à imagem.

O critério hermenêutico empregado para resolver conflitos entre princípios constitucionais de igual relevância baseia-se na ponderação de bens, que se dá no caso concreto, através da proporcionalidade, pela proteção mais adequada possível a um dos direitos em risco e com a menor gravosidade ao outro direito.

A idéia de proporcionalidade já se verificava no discurso de Beccaria, no Direito Administrativo pela limitação do excesso do poder, no controle de constitucionalidade das leis, e na jurisprudência alemã e européia para fins de permitir excepcionalmente o aproveitamento de provas obtidas ilicitamente. Na França e Inglaterra a proporcionalidade é positivada e as provas obtidas ilicitamente são utilizadas no processo, punindo-se os responsáveis por sua produção. Trata-se de norma criticável por incentivar a prática de ilegalidades pelo próprio interesse da acusação.

A vedação à admissibilidade de provas ilícitas, adotada por nós e com sede no Direito norte-americano, pode ser excepcionada pelo critério de razoabilidade. Razoabilidade e proporcionalidade são sinônimas no que se refere à admissão de provas ilícitas. A inadmissibilidade de provas ilícitas se considerada garantia absoluta poderia gerar desproporção, por outro lado não há como se fixar critérios objetivos para o aproveitamento da prova ilícita.

Se a vedação das provas ilícitas tem por objetivo, pelo menos um deles, e dos mais relevantes, o controle da atividade estatal persecutória, que é responsável pela produção da prova, a existência de um critério fixo e objetivo para aproveitamento da prova ilícita já estimularia a prática da ilegalidade, quando se soubesse, previamente, a possibilidade do aproveitamento da prova.

A prova da inocência do réu deve sempre ser aproveitada, em qualquer circunstância. Seu fundamento é objetivo: o estado de necessidade (excludente da ilicitude) e a garantia individual não oponível ao seu titular. No caso da prova favorável à acusação, tal deve ser objeto de preocupações, sendo seu aproveitamento admissível

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nas hipóteses em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística (CF art. 5.º, LVI – controle da atividade estatal responsável pela produção da prova) da norma de inadmissibilidade, e não se verificando estímulo na prática de ilegalidade pelos agentes produtores da prova, torna-se passível da aplicação da regra da proporcionalidade. Exemplo disto é a situação em que os órgãos responsáveis pela produção de provas não age com práticas abusivas, mas sim o particular, desse modo não se constata ação abusiva nem estímulo a elas para o órgão responsável pela produção de provas. Do mesmo modo há de se considerar se as lesões causadas por uma lesão criminal é imensamente maior que aquela decorrente da violação de domicílio.

Embora Marinoni entenda que não exista distinção entre a prova ilícita produzida pelo particular e a produzida pelo Estado, a proporcionalidade deve se dar entre princípios constitucionais de mesma grandeza (Para Robert Alexy os princípios operam como mandados de otimização, cuja aplicabilidade poderá ocorrer segundo graus de efetividade), tendo a vedação à prova ilícita como principal escopo o próprio Estado, deverá a prova ilícita produzida pelo Estado ser descartada de plano (Direito Penal deve operar onde os demais ramos do Direito não tenham se revelado suficiente: intervenção penal mínima), mas não a produzida pelo particular. A prova do particular deverá ser submetida a um juízo de razoabilidade e sujeitar-se o particular à responsabilização por seus atos.

O recolhimento de placenta sem autorização da gestante, em caso recente no STF (info 257) submeteu-se a aplicação da proporcionalidade na produção da prova, pois (1) não há lei que autorize exame de DNA contra a vontade do titular do material recolhido, (2) não há lei que preveja a possibilidade de prévia autorização judicial para a criação de meios de prova não previstos na legislação, e (3) o meio de prova utilizado é ilegal em relação aos possíveis réus. Era prova inicialmente inadmissível, mas aceita em favor da acusação devido a critério de proporcionalidade.

Há inclusive previsões em lei que autorizam intervenções corporais na produção da prova, mesmo em desfavor do réu.

O STJ vem admitindo pela proporcionalidade a gravação de conversas por um dos interlocutores sem a autorização do outro. Nestes casos há que se observar se é (1) prova obtida em situação de flagrante delito, na qual sequer há ilicitude da prova, ou (2) violação do direito ao silêncio por se tratar de confissão extrajudicial, sem as exigências legais, portanto inadmissíveis no processo.

9.2 Meios de Prova

9.2.1 Do Interrogatório

Definição: O interrogatório se dá depois de instaurada a ação penal, com o recebimento de queixa ou denúncia. Não deve ser tratado como meio de prova, mas como meio de defesa com valor probatório, por se inserir no princípio da ampla defesa. Há conseqüências deste entendimento: (1) reconhecimento da titularidade do acusado e seu defensor sobre o juízo de conveniência e oportunidade de prestar ou não o depoimento, ficando afastada a possibilidade de condução coercitiva do réu para fins de interrogatório (revogado o CPP art. 260, initio), com a ressalva de ser possível a condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas, (2) sanção de nulidade absoluta do processo se realizado sem que se desse ao réu a oportunidade de se submeter ao

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interrogatório, por violação da ampla defesa, no que ser refere à manifestação da autodefesa (embora o STF entenda ser nulidade relativa, sujeita à preclusão).

Citação por edital: Deve-se considerar que o réu revel, citado por edital, teve o direito à oportunidade do interrogatório, e novo interrogatório é uma faculdade do tribunal (CPP art. 616), não sendo portanto passível de nulidade absoluta. A nova redação do CPP art. 185 não confere ao acusado o direito de ser ouvido a qualquer momento, mas segundo o devido procedimento legal, sendo a falta injustificada considerada como manifestação do direito ao silêncio.

Direito ao silêncio: O réu não pode ser coagido a comparecer perante o juiz, a não ser quando se tratar de réu preso, pois não pode manifestar livremente sua vontade. Assim, o direito a ser citado para o interrogatório se violado, terá como conseqüência a nulidade absoluta; o mesmo também se aplica à intimação para alegações finais. O pacto de San José informa também o direito de ser ouvido. Assim, o eventual não comparecimento na data designada pelo juízo, enquanto não justificado, pode e deve ser entendido como manifestação do direito ao silêncio, afinal, ninguém pode ser coagido a comparecer perante juiz, a não ser quando se tratar de réu preso, eis que o réu não pode manifestar livremente a sua vontade.

Alegações finais: Diferente entendimento tem o STF para a ausência de oferecimento das alegações finais quando há defensor constituído, não se reconhecendo a nulidade absoluta, o que no parecer de Pacelli é equivocado. Todavia, a posição do STF é unânime em aceitar que o réu tem direito à intimação para as alegações finais, resultando em nulidade absoluta a sua não-observância.

Citação por edital: Nos termos do atual art. 366/CPP, tendo havido a citação por edital, o curso do processo e o prazo prescricional serão suspensos.

A regra da pas de nullité sans grief:. O Pacto de San José informa também o direito de ser ouvido. Outros dispositivos do CPP reforçam a conveniência do direito de ser ouvido: 196, 502, 616. Todavia, a ausência de interrogatório ou de sua oportunidade poderá não causar prejuízo efetivo ao réu, como se dá na absolvição do acusado. Neste caso não se reconhecerá a nulidade, mesmo absoluta, se não houve prejuízo relevante causado.

Outras conseqüências do interrogatório como meio de defesa: (1) dever do Estado de nomear um defensor para a prática do aludido ato, principalmente a partir da L 10793, e em razão do novo CPP art. 185 que determina que o interrogatório será realizado na presença de defensor, constituído ou nomeado (dativo ou ad hoc). (2) o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor, por violação ao princípio da ampla defesa - defesa técnica. (3) audiência prévia entre acusado e defensor. (4) o silêncio e o não comparecimento não podem implicar sanções processuais, por se tratar de direito, nem podem impor a revelia (dispensa de intimações para os atos subseqüentes, nem a restauração da prisão do réu que se encontra em liberdade provisória). (5) interrogatório não é ato privativo do juiz.

9.2.1.1 Direito ao Silêncio e Não Auto Incriminação

Definição: Consiste na versão nacional do privilege against self-incrimination (anglo-americano), também chamado de nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a se descobrir) e direito a permanecer calado. O princípio atua na integridade física do réu na medida em que autoriza expressamente a não participação dele na formação da culpa,

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afastando a cultura de “quem cala consente”. O silêncio é uma intervenção passiva do acusado, manifestação defensiva não impugnativa, por ser o ônus da prova exclusivos do MP/querelante. Diz-se passiva pela ausência de impugnação expressa. Manifestação oral durante o interrogatório é autodefesa ativa.

Crítica art. 451/CPP: Assim, parece a Pacelli ser inconstitucional a exigência de presença do acusado nos processos do Tribunal do Júri quando se tratar de crime inafiançável, CPP art. 451 (O STJ é divergente e o STF se equivoca). O Júri decide por convicção íntima, podendo neste caso o silêncio se operar contra o réu.

Lei n. 10.792/03: consolida o entendimento vigente: (1) esclarecimento ao acusado de seu direito de permanecer calado (pelo leading case Miranda). (2) vedação de valoração do silêncio em prejuízo do réu, pois um direito não pode ter seu exercício sancionado.

Direito ao silêncio parcial: Réu que se dispõe a participar ativamente do interrogatório e diante de questão decide o silêncio. Não se verificam no direito anglo-americano e alemão. O CPP art. 186 afirma o direito ao silêncio e o de não responder as perguntas que lhe forem formuladas, o silêncio não importará confissão e não será interpretado em prejuízo da defesa. Assim, o silêncio em relação a algumas perguntas não pode ser valorado em prejuízo da defesa, mas se há escolha de perguntas ou se não se consegue respondê-las satisfatoriamente, pode o juiz reconhecer a inconsistência do conjunto da autodefesa.

Procedimento de acareação: (CPP art. 229) é meio de prova que tem por fim demonstrar e esclarecer eventuais contradições e buscar a mais próxima da verdade. É discutível tal procedimento por possibilitar a confrontação entre o réu que não está obrigado a dizer a verdade e testemunha que tem o compromisso legal da verdade. A valoração do depoimento prestado em prejuízo aos interesses do réu, na fase do julgamento da causa é que poderá ocorrer, não a acareação entre teses defensivas e acusatórias.

A aplicação direito ao silêncio é exigência que se impõe às autoridades policiais e judiciais, mediante dever de informar o acusado. Precedente norte-americano: Miranda vs. Arizona. A informação objetiva evitar métodos de práticas extorsivas de confissão.

9.2.1.2 Intervenções Corporais

Direito comparado: Há no direito comparado previsões de intervenções corporais com finalidades probatórias, devendo haver previsão expressa em lei e controle judicial da prova. Há também previsão do princípio da não auto-incriminação.

Direito pátrio: No Brasil, as poucas previsões existentes acerca das intervenções corporais vêm sendo denegadas pelo STF com fundamento no princípio da não auto-incriminação, como é o caso do bafômetro. As formas de ingerência corporal têm sede no art. 174/CPP e Lei n. 9503/97, art. 277.

Admissibilidade: Nosso entendimento é que são admissíveis intervenções corporais que não puderem causar qualquer tipo de risco à integridade física ou mental da pessoa, à sua dignidade humana ou à capacidade de autodeterminação, e quando houver previsão em lei. O Direito Penal é a mais radical intervenção estatal que tem por fim a proteção de direitos fundamentais, o que autoriza intervenções corporais nos moldes já expostos por nós, desde que não haja ofensa a princípios constitucionais.

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O que deve ser protegido é a integridade física e mental do acusado, a sua capacidade de autodeterminação, não se admitindo exames como o soro da verdade, inclusive em proteção à dignidade da pessoa humana. Não é admissível tratamento vexatório ou ofensivo à honra, pelo princípio da inocência, não devendo existir a diligência de reprodução simulada/reconstituição de fatos (CPP art. 7.º).

Por outro lado não há óbice que o fornecimento de padrões gráficos ofendam a não auto-incriminação ou o silêncio. O STF parece estar modificando o seu entendimento para este sentido quando autorizou exame de DNA em material colhido de gestante sem sua autorização pessoal, consistindo em verdadeira intervenção corporal não consentida efetuada em suposta vítima. Não se trata, portanto, de flexibilização do nemo tenetur se detegere. Neste caso o STF valeu-se do critério de proporcionalidade, prevalecendo o direito a ver reconhecida a maternidade e paternidade, entendimento que apoiamos. O próprio CC art. 15 veda apenas o constrangimento à submissão, com risco de vida, à tratamento médico ou intervenção cirúrgica.

Neste contexto, objetos materiais e substâncias orgânicas pertencentes ao acusado poderão ser usadas validamente como objeto de prova se disponibilizados por ele ou se involuntariamente posto ao alcance de terceiros e fora da disponibilidade do agente.

Quanto ao exame de DNA o STF entendeu não ser possível a submissão compulsória ao exame, com dois votos vencidos.

Princípio da não auto-incriminação: deve cumprir duas funções: a) a de exigir uma decisão judicial fundada em provas materiais e não em meras presunções, estabelecidas a partir do depoimento do acusado; b) e também a de proteger a integridade física e psíquica do réu. Assim, o direito ao silêncio é uma exceção à regra da obrigatoriedade de depor.

Identificação criminal datiloscópica e fotográfica: A identificação datiloscópica e fotográfica estão previstas na Lei n. 10.054/00. Havendo dúvida sobre a identificação civil, é válida a identificação datiloscópica. A identificação fotográfica é válida ainda quando identificado civilmente, desde que mantido o sigilo sobre as fotografias. Pacelli critica o art. 20/CC que prevê a possibilidade de utilização da imagem da pessoa (réu) quando necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Para ele, esta é uma medida excepcional que deve ser justificada por ordem judicial.

Intervenções quando admitidas: não admitem recusa por não haver ofensa a garantias, e visto que é impossível a coação do agir, neste caso pode ocorrer a valoração desta recusa, operando-se presunção acerca da existência de fato desde que justificada racionalmente. É o que ocorre no CC art. 232.

9.2.1.3 Procedimento

Interrogatório: O interrogatório é direito do acusado, inserido na ampla defesa, resultando nulidade absoluta do processo quando negada essa oportunidade ao réu. Entretanto qualquer prova nova que puder demonstrar a inocência do réu poderá ingressar nos autos a qualquer momento, e em se tratando do CPP art. 406 § 2.º, deverá ser observado o contraditório. Nos casos do CPP art. 196, 502 e 616, a princípio se trata de faculdade do juiz, mas diante de razão justificada é direito subjetivo do réu. Condução coercitiva: A condução coercitiva do acusado para fins exclusivos do interrogatório não é mais admitida, pois o interrogatório é direito do réu, cabendo a ele exercer ou não a

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autodefesa ativa, já que o direito ao silêncio não implica a auto-acusação.. Todavia, quando e acaso justificada a ausência do acusado no interrogatório na data designada pelo juiz, a hipótese será de direito subjetivo, devendo o juiz designar novo interrogatório.

Interrogatório on-line: CPP art. 185, § 1.º – não se admite o interrogatório on line, uma vez que o art. 185 § 1.º remete aos termos do CPP, que é precisamente o art. 185, caput. Assim o interrogatório se dará no estabelecimento prisional ou na sede do juízo, nesta ordem. O contato direito entre juiz e acusado é a mais completa realização do exercício do direito de ser ouvido pelo juiz da causa, conforme determina o Pacto de São José da Costa Rica e o art. 185/CPP. O interrogatório via on-line (ou videoconferência) somente poderá ser considerado válido se presente o consenso entre acusação, defesa e magistrado, porquanto, em tais situações, há de se reconhecer, em tese, a ausência de qualquer prejuízo ao réu, atendendo à razão da Lei n. 10.92/03.

Curador de réu menor de 21 anos: A redução da menoridade civil não apresentava maiores reflexos no que diz respeito à nomeação de curador ao réu menor de 21 e maior de 18. Com a revogação do CPP art. 194, não há mais necessidade de nomeação de curador ao réu menor nem para interrogatório nem para outros atos processuais.

CPP 188 – embora condicionada a apreciação do juiz, agora é possível a participação da defesa e da acusação no interrogatório.

CPP 189 – dispositivo redundante. O réu tem o direito a esclarecer fatos e indicar provas, negando ou não a imputação.

9.2.2 Da Confissão

Para informações adicionais veja-se a Delação Premiada (15.6.4.a).

Momento: A confissão do réu pode ser feita fora de interrogatório, quando tomada por termo nos autos. V. CPP art. 199. Antes de proceder a interrogatório o réu deve ser informado de seu direito de permanecer calado. O CPP art. 198 não foi recepcionado pela CF e pelo CPP art. 186.

Valor: Hoje as provas produzidas na fase pré-processual se destinam ao convencimento do MP, não do juiz, devendo ser repetidas na fase instrutória da ação penal. A confissão não tem valor se não for confirmada perante o juiz. É necessário confrontar o conteúdo da confissão com os demais elementos da prova (art. 197). O confronto da confissão com outros elementos objetivos evitar a auto-acusação falsa, que ocorre por motivos afetivos ou interesses econômicos.

Divisibilidade e retratabilidade: A confissão é divisível e retratável. O acusado pode se arrepender e o juiz pelo seu livre convencimento valer-se apenas de parte da confissão.

9.2.3 Prova Testemunhal

A noção de verdade poderá não ser unívoca. Verdade em termos humanos é sempre relativa. A própria memória se sujeita ao tempo, e a verdade nada mais é que uma representação que o homem faz da realidade. Há que se considerar o discernimento da testemunha, sua formação moral, cultural e intelectual. Necessário, portanto, o conhecimento dessa fragilidade em tese da prova testemunhal.

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9.2.3.1 Capacidade para testemunhar

Ao contrário do Processo Civil, qualquer pessoa poderá depor no Processo Penal, inclusive menores, crianças e incapazes. CPP art. 202. há capacidade geral para ser testemunha, por razão da verdade material dos fatos. Caberá ao juiz examinar a pertinência e idoneidade de cada testemunho (valoração).

9.2.3.2 O compromisso de dizer a verdade

O compromisso de dizer a verdade tem sede no art. 206 do CPP, como regra de direito, e complementado pelo art. 342 do CP. O CPP art. 203 tem cunho apenas moral (“honra”, “promessa”), e sua não efetuação não tem relevância jurídica.

9.2.3.3 Dispensa do dever de depor

Em decorrência de relações de parentesco o CPP art. 206 prevê a dispensa do dever de depor ou do compromisso de dizer a verdade. Entende-se que havendo a dispensa do dever de depor, mas querendo prestar o depoimento, não subsiste o compromisso do art. 203, visto que tem apenas caráter moral esta norma. Deve-se ter em conta a parte final do CPP art. 206, que nos parece correto quando o único meio de obtenção de prova depender do depoimento de quem tenha presenciado os fatos. Então ocorrerá o dever de depor e de dizer a verdade.

9.2.3.4 Proibição do testemunho

O CPP art. 207 elenca as pessoas proibidas de depor em razão de funções profissionais de que se exige o dever de segredo. O dever de segredo deve resultar de lei ou de outra modalidade de norma de validade geral, atingindo religiões, advogados, médicos, psicólogos, etc. Quando da confissão surgir fundado receio de prática de crimes futuros, não se poderá exigir silêncio absoluto da testemunha, salvo quanto a casos passados.

Importante observar a inviolabilidade do sigilo da fonte para a imprensa e parlamentares (CF art. 5.º, XIV, e 53, § 6.º).

9.2.3.5 Testemunhas, declarantes, informantes

Informante ou declarante é o nome que se dá aos dispensados pelo CPP art. 203. A leitura do CPP não autoriza tal conclusão, pois se trata de testemunha efetivamente. O objetivo é afastar o CP art. 342 aos desobrigados de dizer a verdade pelo art. 203, 208 e 206.

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É praticamente impossível responsabilizar criminalmente o parente do art. 206 quando exigido, pois poderia atuar em estado de necessidade ou por outras formas de exclusão de ilicitude ou culpabilidade. O mesmo pode ser aplicável às pessoas contraditadas (CPP art. 214). Quanto às pessoas do art. 207, estas poderão depor, na qualidade de testemunha, sob o dever de dizer a verdade (sem que se exija o compromisso do art. 203), quando desobrigadas pelo interessado.

9.2.3.6 Regras Procedimentais Gerais

O oferecimento e o recebimento da denúncia e da queixa, com a designação da data de interrogatório do réu, dão início ao processo penal.

Junto com a peça acusatória é preciso que venha o rol de testemunhas. Essas testemunhas, que são arroladas pelas partes, são chamadas de numerárias. Abaixo há uma pequena sistematização do número de testemunhas:

Crimes apenados com reclusão – oito testemunhas

Crimes apenados com detenção – cinco testemunhas

Contravenções não sujeitas ao JECrim. – cinco testemunhas

Juizados – cinco testemunhas

Tribunal do Júri – cinco testemunhas

Tráfico de drogas – oito testemunhas, pois a nova Lei de Tóxicos não previu a quantidade de testemunhas a serem arroladas e inaplicável o artigo 22 da Lei 6.368/76. Pacelli justifica seu ponto de vista porque os crimes aí previstos são punidos com reclusão e porque houve a ampliação do rito procedimento pela nova Lei.

Importante ressaltar que esse limite relaciona-se a cada fato imputado.

Testemunhas referidas: O juiz também pode determinar a oitiva de testemunhas, quando julgar conveniente para o deslinde do processo. A estas testemunhas dá-se o nome de referidas. Não integram o limite citado acima, o mesmo ocorrendo com aquelas que nada souberem acerca dos fatos.

Precatória: Pode haver a oitiva de testemunhas por meio de carta precatória. A expedição da carta precatória não suspenderá o prazo de instrução. Somente se expedida com prazo certo para o seu cumprimento é que obstará o julgamento. Caso não seja esta a hipótese, a causa poderá ser julgada mesmo sem a devolução da carta precatória. O Supremo Tribunal Federal entende que basta a intimação da expedição da carta precatória no juízo deprecante. Não cabe, portanto, a intimação, no juízo deprecado, da data da realização da audiência. “Não obstante, se no local do juízo deprecado houver intimações por meio da imprensa, deverá constar expressamente o nome do advogado do réu, sob pena de nulidade”. (p. 357)

Não comparecimento: Caso a testemunha não compareça ao seu depoimento, poderá ser conduzida coercitivamente, além de sofrer a imposição de multa e ser processada por crime de desobediência. Há uma exceção a essa obrigatoriedade de comparecimento: se a testemunha não residir na sede da Comarca, não precisará comparecer em juízo.

Contradita: Pode haver a contradita às testemunhas. Mesmo que o juiz reconheça a contradita, deverá tomar o depoimento da testemunha, colhendo o seu

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compromisso de dizer a verdade, salvo se tratar das pessoas proibidas de depor, parentes ou incapazes.

Prerrogativas: Algumas autoridades possuem prerrogativas para que o depoimento ocorra com dia e horas marcados. Há autoridade que pode depor por escrito. CPP, art. 221.

Militares e funcionários públicos: Os militares são requisitados junto à autoridade superior; os funcionários públicos são intimados por mandado, com comunicação ao chefe da repartição pública. CPP, 221, §§ 2º e 3º.

9.2.3.7. Proteção à testemunha: Lei n. 9.807, de 13 de julho de 1999.

Medidas previstas: Entre as medidas previstas pela Lei estão a mudança de nome e registros das pessoas protegidas; segurança na residência, inclusive com controle de telecomunicações; suspensão temporária das atividades, sem prejuízo dos vencimentos, quando servidor público.

Prazo: A proteção terá duração de dois anos, prorrogáveis.

Perdão judicial: Caso a testemunha seja um réu, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, conceder perdão judicial, desde que o acusado seja primário e tenha colaborado voluntariamente com as investigações e com o processo e desde que esta colaboração surta efeito em relação à recuperação do produto do crime, a identificação dos demais autores e à localização da vítima (não é preciso a cumulatividade entre os requisitos). Há, ainda, a possibilidade de redução da pena.

9.2.4 Da Prova Pericial

Nosso sistema não adota a prova tarifada, ou seja, não há hierarquia de provas e sim, o livre convencimento do juiz.

A prova pericial é uma prova técnica; portanto, só pode ser feita por pessoas habilitadas para tanto. O próprio Poder Público possui peritos. São os chamados peritos oficiais. A perícia será sempre realizada por dois deles, com exceção no caso de exame de constatação da natureza da substância entorpecente (art. 28, §1º, da Lei nº 10.409/02), oportunidade em que o laudo provisório poderá ser elaborado por pessoa idônea, com habilitação técnica para tanto. Somente nos lugares em que não há peritos oficiais é que o juiz pode nomear duas pessoas, com diploma de curso superior, para elaboração do laudo.

Para o autor, não há qualquer incompatibilidade entre a inexistência de prova tarifada e a exigência de perícia em certos crimes, pois o nosso processo penal é garantista. Há, portanto, uma distinção entre a especificidade da prova para a compreensão de determinados fatos e a hierarquia entre as provas. Reconhece-se, apenas, “a incapacidade de determinados meios nominados (previstos expressamente na lei) para gerar uma certeza mais segura, em relação a fatos específicos” (p. 359). Quando, portanto, a lei exigir determinada prova (exame de corpo de delito, por exemplo), não será possível o suprimento de uma possível ausência até mesmo com a confissão. A possibilidade do corpo de delito indireto não afasta a regra da especificidade, porque esse

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tipo de prova só é possível quando inexistentes ou desaparecidos os vestígios deixados pela infração.

Há, todavia, quem sustente a revogação do art. 158 do CPP sob o fundamento que se estaria afastando o livre convencimento do juiz (Mirabete). Pacelli discorda sob certo aspecto da crítica, sob o argumento que “a exigência de prova técnica somente haverá de ser feita quando a existência de determinado elemento do crime só puder ser provada por meio de conhecimento técnico” (p. 360). Assim, havendo um fato cuja existência pode ser comprovado pelo conhecimento vulgar, poderá haver a utilização de outro meio de prova. Não é preciso prezar pela revogação do artigo 158 do CPP, mas por sua interpretação conforme a Constituição.

9.2.4.1 O Exame de Corpo de Delito

Quando a infração deixar vestígios, a sua materialidade deverá ser comprovada por corpo de delito; não deixando, o exame será indireto. Convém analisar melhor o que é este exame indireto. É o exame realizado por peritos, todavia a partir de depoimentos ou exames de documentos. Nesse ponto, o artigo 167 do CPP não traz uma espécie de exame de corpo de delito indireto e sim, caso de prova testemunhal.

O juiz não está adstrito ao laudo apresentado, podendo, inclusive, rejeitá-lo. No caso de lesão corporal grave será necessária a realização de exame pericial complementar para saber se houve a incapacidade por mais de trinta dias. Se o laudo inicial trouxer a incapacidade permanente não será, por óbvio, necessária a elaboração de novo laudo.

9.2.4.2 Outras Perícias

A prova pericial pode ocorre sobre o corpo do delito ou sobre as circunstâncias (balística) e local do crime. Interessante ressaltar que quando o crime for praticado com rompimento de obstáculo é também necessária a prova pericial. Quando a perícia for de laboratório, os peritos deverão guardar material suficiente para a eventualidade de nova perícia (art. 170 do CPP), privilegiando o contraditório.

9.2.4.3 Prova Pericial e Contraditório

As provas produzidas na fase de investigação devem ser repetidas após o recebimento da denúncia. Em razão da natureza cautelar das provas produzidas durante a investigação, muitas vezes a participação da defesa não é possível, tampouco a sua produção diante do juiz, pois a atuação do juiz na fase do inquérito só é permitida para a tutela das liberdades públicas, dos direitos individuais e o controle da efetividade do processo. O contraditório, nesses casos, será diferido.

O autor defende que o nosso sistema de produção de prova pericial é inconveniente, pois a defesa deveria participar, sempre que possível, desde o início da produção da prova. O dito contraditório diferido avalia apenas questões procedimentais e não materiais, quando não se puder realizar a repetição da prova.

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Uma vez produzida a prova pericial (durante a investigação), o contraditório somente será realizado no curso da ação penal quando então se permitirá, ao menos, o exame acerca da idoneidade dos profissionais responsáveis pela perícia e das conclusões por elas alcançadas. Nesse campo, o objeto da prova, na maior parte das vezes, será a qualidade técnica do laudo e, particularmente, o cumprimento das normas legais a ele pertinentes.

Nos crimes de falsidade documental, o desaparecimento do corpo de delito não só inviabilizará o novo exame pericial, como também afastará por completo a própria prova da materialidade do delito, impondo-se a absolvição.

9.2.5 Das Perguntas Ao Ofendido

O ofendido não é testemunha. Segundo Tourinho Filho não há crime de falso testemunho em relação ao ofendido, possuindo ele, inclusive, o direito ao silêncio. O autor discorda da posição em relação ao direito ao silêncio do ofendido, pois “quando o ofendido atribui a alguém a prática de um crime, pensamos que ele tem o dever de depor sempre que intimado, já que, ao final, poderá vir a ser apurada a sua responsabilidade penal pela falsa imputação de crime” (p. 364).

9.2.6 Do Reconhecimento de Pessoas e Coisas

É procedimento destinado à identificação de pessoas, envolvidas com o fato delituoso, e de coisas, cuja prova de existência seja relevante para apurar responsabilidades. Em razão da sigilosidade, não é possível ser realizada em juízo e, portanto, não pode haver a invocação da ampla defesa.

O reconhecimento fotográfico é permitido, todavia com um valor probatório menor, cabendo somente em casos excepcionais. É possível o reconhecimento via vídeo.

9.2.7 Da Acareação

A acareação possui função intimidatória, pois geralmente só se presta a revelar o temor que uma testemunha tem em relação à outra. A lei chega a prever a possibilidade de acareação entre o acusado e as testemunhas, o que é sem sentido. O pior é que o acusado tem a possibilidade de ficar em silêncio, não sendo obrigado a participar da acareação.

Segundo o autor, a acareação só poderá ocorrer entre testemunhas e entre testemunhas e o ofendido ou entre o ofendido.

O procedimento de acareação pode ocorrer na fase de investigação como na fase de instrução criminal.

9.2.8 Dos Documentos

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Respeitado o princípio do contraditório, será sempre possível a juntada de documentos, com as exceções previstas em lei (procedimento do Júri).

Documento é qualquer manifestação materializada em que seja possível a compreensão de seu conteúdo.

Os documentos em língua estrangeira só valerão com tradutor. O autor considera essa exigência como mais um caso de especificidade da prova no processo penal.

É válido o documento, reconhecido em cartório, que narra algum fato? Aplica-se, por analogia, o art. 364 e 368, parag. único, do CPC, considerando tais documentos como meramente afirmativos. Não pode ser equiparado à prova testemunhal.

9.2.9 Dos Indícios

O indício não é meio de prova. É apenas um raciocínio para a valoração de um fato ou uma circunstância. A prova por indícios terá grande valia para se comprovar os elementos subjetivos do tipo. No entanto, para comprovar a autoria ou materialidade os indícios terão pouco valor probatório. O próprio CPP fala em circunstâncias e não em fatos.

É, segundo Carnelutti, uma prova crítica (contrapõe-se à prova histórica – depoimentos, documentos). Segundo Barbosa Moreira, o indício é, ao mesmo tempo, ponto de partida e ponto de chegada. “Não, ainda, o ponto final; mas um ponto, sem dúvida, a que o juiz chega mediante o exame e a valoração do documento ou do depoimento da testemunha” (p. 368).

9.2.10 Da Busca e Apreensão

A busca e apreensão é medida cautelar, visando ao acautelamento de material probatório, de coisa, de animais e até de pessoas. É uma medida cautelar e excepcional, por quebrar a inviolabilidade do acusado ou de terceiros. Por isso, somente quando fundadas as razões quanto à urgência e necessidade da medida é que se poderá conceder a busca e apreensão.

A busca poderá ser domiciliar ou pessoal. A busca domiciliar abrange qualquer compartimento habitado, quartos de hotéis, etc. O automóvel não se inclui na definição legal de domicílio, a não ser quando estiver no interior deste.

Para a busca e apreensão são indispensáveis: a) ordem judicial escrita e fundamentada (art. 5º, XI, CF); b) indicação precisa do local, dos motivos e das finalidades da diligência (art. 243/CPP); c) o cumprimento da diligência durante o dia, salvo se consentida durante à noite, pelo morador; d) o uso de força e de arrombamento só será possível se houver resistência ou ausência do morador (CPP, art. 245, §§ 3º e 4º).

Nos termos do art. 243, §2º, do CPP, não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito. Aqui o limite é o direito à ampla defesa. Todavia, quando se tratar de outro meio de prova, que não o documento, e que não esteja relacionado diretamente com o material de defesa, será possível a busca e apreensão, sobretudo quando se cuidar do próprio

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corpo de delito, bem como de instrumentos utilizados na prática do crime e os produtos dele derivados.

Segundo o autor, a busca pessoal não depende de autorização judicial. A redação do artigo 244 do CPP atende a natureza excepcional da medida, não merecendo reparos. Quando houver busca domiciliar é possível a busca pessoal, pois a pessoa se encontra em local cuja inviolabilidade já foi quebrada.

Páginas: ___ a ____

Elaborado por: Luciana (Lu mugg), Marcos Davidovich, Marina e Marília.

Atualizado e ampliado por Bianca ([email protected])

Capítulo 10: Sujeitos do Processo

9.1 Partes e Relação Processual

A expressão parte, no sentido técnico, refere-se tanto àquela pessoa que pede algo em Juízo quanto àquela em face de quem é feito o pedido. Numa linguagem mais simples, as partes seriam o autor (que pede) e o réu (de quem ou em face de quem se pede).

Ao contrário do processo civil, no processo penal condenatório o autor da ação não exerce direito em face do Estado, mas somente o dever que resulta do fato, previsto em lei, de ser ele o legitimado para a persecução penal. Assim como “o Estado deve jurisdição a quem não está autorizado por lei a resolver o conflito de outra maneira, deve ele também a persecução penal em juízo a quem teve retirada a sua iniciativa e legitimação para fazê-lo, ou seja, a vítima” (p. 362). O direito a ver movimentada a jurisdição, para fins de aplicação da lei penal, e o direito de atuação em juízo estão reunidos na pessoa de quem, via de regra, não integra a relação processual.

A previsão do instituto da assistência da acusação diminui um pouco o modelo acusatório (público), mas a atuação da vítima continuará a ser supletiva a do Ministério Público (por isso a expressão assistência), que, aliás, será ouvido sobre a conveniência, oportunidade e cabimento da assistência (art. 272, C.P.P.).

Não se pode transpor o conceito de lide da teoria geral do processo para o processo penal. O primeiro motivo é que nem sempre haverá uma pretensão resistida do réu, pois toda a imposição de pena deve ser realizada no processo, mesmo diante da confissão. Outro motivo é a inadequação do conceito de interesse, pois a condenação do réu não resultará em proveito da vítima, nem do Estado. O interesse da persecução penal é público (da comunidade). Na relação processual penal não há o exercício do ius puniendi estatal, que só é encontrado na criação de tipos penais.

O Ministério Público é parte imparcial no processo, pois interessa a condenação do culpado e a absolvição do inocente. Cabe ressaltar que a parte pré-processual desenvolve-se sem a participação da defesa. É pertinente dizer, portanto, que há alguma parcialidade do MP neste período.

Uma vez instaurada a relação processual penal, estabelecido o contraditório e a ampla defesa o MP é inteiramente livre para a reapreciação dos fatos, seja sob o

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aspecto de direito, seja sobre a questão fática, não se podendo identificar em tal atuação tratar-se de exercício de direito de punir, mas unicamente do exercício do dever da ação penal, diante do convencimento firmado a partir do conjunto probatório colhido na fase investigatória.

O princípio da obrigatoriedade para Pacelli possui a seguinte extensão: “presentes e bastantes elementos de convicção da existência do fato criminoso, o Estado, via Ministério Público, deve à comunidade e à vítima a instauração da persecução penal” (p. 364).

10.1.1 Parte (no sentido) formal e parte (no sentido) material

Há quem resista à idéia de uma parte que não seja parcial. Todavia, o fato de o Ministério Público atuar com imparcialidade não tira a sua qualificação processual de parte. A questão deve ser resolvida sob perspectiva unicamente processual.

Parte formal é a posição processual de parte, independentemente do conteúdo de direito material a ser objeto dos requerimentos e alegações do MP. Parte material é a pessoa que atua com parcialidade, existindo coincidência entre a sua manifestação e a sua posição no processo.

Em uma palavra, parte material é quando há coincidência entre a sua manifestação (de direito material) na causa e sua posição no processo (requerimento de condenação por quem é autor), e é formal quando independe de tal coincidência, como, por exemplo, art. 385 do C.P.P., quando o MP, mesmo sendo autor da ação requer a absolvição do acusado.

10.2 Do Juiz

10.2.1 Imparcialidade

Há distinção entre o sistema acusatório (o nosso) e o sistema adversary (EUA), principalmente no tocante à preocupação com a imparcialidade do juiz.

A questão da competência revela a preocupação com a qualidade da jurisdição. Aspectos subjetivos ligados ao juiz dizem respeito à qualidade da decisão. Nestes casos há impedimento, incompatibilidade e suspeição do juiz.

As hipóteses de impedimentos ligam-se a fatos e circunstâncias, objetivas e subjetivas, encontradas, via de regra, dentro do processo no qual o juiz está impedido de exercer jurisdição. São exemplos: art. 252, I e II do CPP. A hipótese do inciso III deste artigo destina-se a dar efetividade ao duplo grau de jurisdição. Neste caso, há impedimento apenas nos casos de decisão e não de movimentação processual. O recebimento de denúncia, por exemplo, não será causa de impedimento. No entanto, se for de rejeição haverá o impedimento.

No caso do inciso IV, como parte, a hipótese se daria no curso de ação penal privada, tanto na qualidade de querelante quanto na de querelado. Como diretamente interessado, seria o caso em que as pessoas mencionadas no inciso pudessem ser

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titulares de um interesse de natureza não penal em face do acusado, como, por exemplo, recomposição civil do dano.

No caso do art. 253, ocorre o impedimento, pois diante da possível influência que o parentesco poderá gerar no espírito dos julgadores, tratando-se de matéria que afeta a imparcialidade.

Nos procedimentos do tribunal do júri também há impedimento, no caso do art. 462 do CPP.

As hipóteses de suspeição são fatos ou circunstâncias objetivas que poderão influenciar o ânimo do juiz e que são encontradas externamente ao processo. Estão previstas no art. 254 do CPP. Em todas as situações de suspeição há uma situação objetiva – isto é, um fato bem delineado – a depender de outra situação de natureza subjetiva, suficiente para tornar suspeito o juiz.

Embora a maioria das hipóteses não exija maiores considerações, em todas elas, a existência de situação objetiva (fato bem delineado) e de situação subjetiva, suficiente para tornar o juiz suspeito.

A questão da amizade e inimizade não é de direito penal ou processual penal. É um dado da realidade a ser examinado no caso concreto, no âmbito dos costumes e do ambiente cultural de cada comunidade.

Ainda que cessada a afinidade, permanecerá o impedimento.(art. 255).

A suspeição provocada (ato praticado no processo para tornar o juiz suspeito) não o torna suspeito.

A incompatibilidade reclama o exame detido de uma situação concreta, pois não há previsão de nenhum fato ou circunstância. Em relação as incompatibilidades, não há previsão expressa de nenhum fato, circunstância ou condição especial do agente ou de quaisquer dos sujeitos do processo para o fim de identificação de incompatibilidades do juiz com o julgamento a causa. Não há elaboração da casuística legal das incompatibilidades. Incluem-se as questões de foro íntimo e o fato de o juiz ter atuado como testemunha em determinado caso, quando não era ainda juiz. Há, ainda, a alteração de ânimo do juiz.

O autor critica o fato de que apenas a suspeição e o suborno sejam causas de nulidade absoluta do processo, por inexistir uma gradação da gravidade da imparcialidade.

10.2.2 Poderes gerais e iniciativa probatória

O juiz deve prezar pela regularidade do processo.

Em relação ao nosso sistema há autores que dizem que ele é inquisitorial, tendo em vista a gerência da prova no processo penal. Pacelli concorda com a observação, sem acompanhar a conclusão, pois mesmo no sistema adversary, em que se controla apenas a legalidade da prova, já há um certo grau de gestão probatória e nem por isso o sistema é inquisitorial. O grande problema, segundo o autor, é a iniciativa probatória do juiz. O CPP lido à luz da CF/88 dá poderes probatórios para o juiz apenas quando houver a existência de dúvida razoável sobre ponto relevante do processo. A atuação do juiz não pode ser subsidiária ou supletiva à atuação do MP.

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Pacelli diz que existe atividade inquisitorial do juiz no art. 3º da Lei 9.034/95. Esta lei cuida dos crimes resultantes de organização criminosa, e em que se permite a participação ativa do juiz na coleta e formação do material probatório na fase de investigação.(OBS.: Esta lei foi declarada inconstitucional pelo STF, em ADIN, no início deste ano). Segundo Pacelli, esta lei é inconstitucional, já que relativa à atividade acusatória, cuja tutela é constitucionalmente atribuída ao MP. e à autoridade policial.

10.2.3 Juiz natural

O princípio do juiz natural nada mais é que a aplicação das normas relativas à vedação do juiz ou do tribunal de exceção e da exigência de competência material do juiz. O princípio do juiz natural liga-se à especialização da jurisdição e não à competência territorial. A competência que esta sendo referida é aquela decorrente da especialização da jurisdição, ou seja, aquela fixada em razão da matéria ou em atenção á função exercida pelo acusado, a reclamar o julgamento por órgão de jurisdição colegiada. Pressupõe, ainda, a imparcialidade e a independência do juiz.

10.2.4 Princípio da identidade física do juiz?

Lamentavelmente, não há a aplicação do princípio da identidade física do juiz, pois se privilegia a celeridade do processo penal. É de se lembrar que no processo penal há um maior contato do juiz com a prova. Daí a lamentação do autor.

O C.P.P. dispõe o contrário. O art. 502, parágrafo único, diz que o juiz poderá determinar que se proceda, novamente, ao interrogatório do réu ou à inquirição de testemunhas do ofendido, se não houver presidido a esses atos na instrução criminal. Não há, como se vê, a aplicação do princípio.

Obs: O atual projeto de lei de Reforma do C.P.P. corrige este defeito, introduzindo a regra.

10.3 Do Ministério Público

A origem do MP remonta ao século XVIII, na França, resultante da ampliação dos poderes da intervenção estatal no campo penal, visando a impedir a vingança privada. Possui nítida influência do iluminismo.

No Brasil, a instituição de um modelo essencialmente acusatório ocorreu somente em 1988, com a redefinição do papel do MP. Para o exercício de suas incumbências, o constituinte instituiu uma série de princípios: independência funcional, unidade e indivisibilidade.

10.3.1 A imparcialidade

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O MP não é órgão de acusação, mas órgão legitimado para a acusação nas ações penais públicas, por possuir a defesa da ordem jurídica. Por isso, é imparcial diante da e na jurisdição penal.

A obrigatoriedade é a vinculação do MP ao seu convencimento acerca dos fatos investigados. É, portanto, a ausência de discricionariedade quando presentes a materialidade do fato e a autoria.

O MP não é obrigado a estabelecer o contraditório e a ampla defesa em procedimentos administrativos por ele instaurados, uma vez que a fase de investigação deve realizar-se com maior brevidade possível e com o sigilo necessário à coleta do material probatório.

O atuar imparcial do MP está relacionado com a inteira liberdade que se lhe reconhece na apreciação dos fatos e do direito a eles aplicável. O MP é livre e deve ser livre na formação de seu convencimento, sem que seja vinculado a qualquer valoração ou consideração prévia.

10.3.2 Suspeição, impedimentos e incompatibilidade: conseqüência

O artigo 258 do CPP determina que afetada a imparcialidade do órgão ministerial, ele poderá ser afastado do processo. Aplica-se o mesmo regime aplicado aos juízes no que lhes couber (ex: art. 253 do C.P.P.). O procedimento de impugnação de suspeição, impedimento e incompatibilidade do MP está previsto no art. 104 do CPP.

Se não há problemas quanto a violação à regra da imparcialidade, o mesmo não ocorre em relação às conseqüências jurídicas que podem resultar do apontado vício.

Estamos nos referindo aos casos de impedimento, suspeição e incompatibilidade comprovadas após o trânsito em julgado da sentença penal. Se ocorre durante o processo, o incidente será resolvido antes do julgamento da causa.

A controvérsia poderá surgir em relação a decisão final condenatória que não caiba mais recurso. Ex: art. 104 C.P.P. Segundo Pacelli, embora incabível recurso nominado, há possibilidade que a matéria seja objeto de impugnação por apelação, como decisão interlocutória que é. Também nos afirma ser cabível o Habeas Corpus, sob o fundamento da existência de coação ilegal, por falta de justa causa (art. 648, I, C.P.P.) decorrente do vício ocorrido na formação da opinio delicti. A hipótese, seria de nulidade relativa a depender de provocação tempestiva da parte. Por isso, somente seria possível enquanto ainda não julgada definitivamente a ação penal. Neste caso, incabível falar-se em anulação do processo por esse fundamento, ainda mais se a sentença for absolutória.

O juiz, ao contrário do que ocorre em relação ao defensor, não pode exigir e nem determinar, de oficio, a substituição do membro ministerial que estiver oficiando nos autos. Tal não seria possível por absoluta falta de previsão legal e pela independência funcional do MP também em relação ao juiz.

10.3.3. O Promotor Natural

O MP apresenta os seguintes princípios institucionais: unidade, indivisibilidade e independência funcional.

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Unidade: integralidade do órgão ministerial. Embora uno o MP, as suas atribuições são distribuídas entre órgãos distintos, segundo a missão constitucional de cada um deles.

Indivisibilidade: tem reflexos diretamente no interior da relação processual penal, no sentido de permitir que qualquer integrante do respectivo parquet possa validamente participar do processo em curso, sem necessidade de novas e especificas designações. O MP pode ser presentado por quaisquer de seus integrantes. Na representação a atuação do órgão é feita por quem não o integra. Na presentação, feita por determinado membro, é a própria instituição que está atuando diretamente.

O principio da independência funcional não guarda relação de prejudicialidade insuperável com o da unidade. A unidade está ligada com a impossibilidade de fracionamento do MP, enquanto organização institucional do Poder Público. Não se opõe à independência funcional, particularizada na tutela da liberdade de convencimento e de atuação dos membros do parquet.

O principio do promotor natural se assenta na mesma base do juiz natural: a vedação da instituição do órgão de exceção, ou seja, cuja designação não tenha se originado a partir de critérios rigidamente impessoais.

A independência funcional impediria o afastamento imotivado dos seus membros; somente a lei poderia prever casos de novas designações e/ou substituições dos membros do MP, resultando ilegais, por violação do principio do promotor natural, todas as demais que não tivessem origem legal.

Na jurisprudência do STF e do STJ: duas questões básicas a serem resolvidas na construção da teoria do promotor natural:

a)até onde iria a aplicação do principio da independência funcional? O MP tem independência no que respeita à liberdade de convencimento, de fato e de direito, sobre qualquer matéria a ele atribuída e quanto às conseqüências jurídicas a serem extraídas e efetivadas em relação a ela.

Em caso de rejeição do requerimento de arquivamento de inquérito, em havendo a remessa do inquérito ao Procurador de Justiça ou Câmara de Coordenação e Revisão do MPU, e em havendo designação de outro promotor, poderia este se recusar a oferecer a peça acusatória? Não. O novo membro designado atuaria em nome da instituição, e para o fim exclusivo de promover a iniciativa da ação penal pública, que é dever constitucional do MP e não de qualquer um de seus órgãos isoladamente. Mesmo nestas situações, o órgão designado não estará impedido de, ao final, manifestar-se pela absolvição do acusado, como lhe entender de direito, tendo em vista a limitação natural da atuação delegada.

A independência funcional, segundo Rogério Rodriguez Fernandez Filho, se aproximaria mais do conceito de autonomia, no ponto em que revelaria a manifestação livre do órgão singular, enquanto o de unidade se ligaria à soberania, não no sentido de interatividade, mas de poder de coordenação.

b) inamovibilidade dos órgãos do MP, como garantia institucional prevista na CF. Quando por exemplo, da designação de novos membros puder resultar o afastamento total ou parcial do exercício das funções originariamente atribuídas a outro, estará sendo também afetada a garantia da inamovibilidade, entendida como o direito ao exercício das funções atribuídas ou inerentes ao cargo.

Assim, em síntese: a exigência do promotor natural esta relacionada com a necessidade de preservação da independência funcional e da inamovibilidade dos

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membros do parquet, a impedir toda e qualquer substituição e/ou designação que não atendam a critérios fundados em motivações estritamente impessoais, e desde que em situações devidamente previstas em lei, como é o caso das férias, licenças, suspeições, impedimentos, rodízio na distribuição de tarefas etc. Promotor Natural é a vedação do promotor de exceção.

A doutrina do promotor natural, portanto, sobretudo no que respeita ao aspecto da vedação do promotor de exceção, fundamenta-se no principio da independência funcional e da inamovibilidade funcional dos membros do MP, exatamente para que a instituição não se reduza a um único órgão da hierarquia administrativa, impondo-se, por isso mesmo, como garantia individual. É nesse ponto que o aludido princípio vai encontrar maior afinidade com o juiz natural.

Quais seriam as conseqüências à violação ao principio do promotor natural? O problema somente se fará presente a partir do transito em julgado de sentença penal condenatória, pois: a) se ainda em curso o processo, a matéria será apreciada ate em sede de apelação ou hábeas corpus; b) se já passada em julgado a sentença absolutória, nada poderá ser feito em razão da vedação da revisão pro societate.

A violação ao principio do promotor natural acarreta nulidade absoluta, é que a vedação do acusador de exceção integra o rol de garantias constitucionais, constitutivas do devido processo legal, ainda que não expressamente alinhada em nenhum dos incisos do artigo 5o da CF.

Promotor Natural e atribuições constitucionais do parquet: tendo um juiz de direito declinado de sua competência para o juiz federal, poderia este receber a peça acusatória subscrita por promotor de justiça, sem remeter os autos ao procurador da republica que oficia perante o juízo federal? Não, por manifesta violação ao principio do promotor natural, tendo em vista que esse é o órgão cuja legitimação para a causa decorre de atribuições previstas na própria Constituição, tal como ocorre com a competência do juiz natural.

Por fim, diante do principio do promotor natural e da atual configuração constitucional do MP, torna-se absolutamente impensável a figura do promotor ad hoc, isto é, a nomeação de advogado para o exercício temporário e precário das funções ministeriais, em razão de eventual ausência do órgão oficiante, como ainda previsto no art. 448 do CPP, em relação aos procedimentos do tribunal do júri. As funções do parquet, porque instituídas pela própria CF, e, assim, atribuídas a verdadeiros agentes políticos, somente podem ser exercidas por membro integrante da carreira, após ingresso por meio de concurso público.

10.3.4 Atividades investigatórias

Pacelli afirma que o Ministério Público, como órgão constitucionalmente legitimado para a ação penal pública e, nessa medida, destinatário de todos os procedimentos de investigação criminal, detém prerrogativas e poderes necessários para o fim de determinar diligências investigatórias para a apuração de fatos delituosos. Contudo, o autor faz ressalva à posição atual da Suprema Corte, remetendo o leitor ao estudo das “investigações administrativas”.

10.4 Do acusado

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O autor inicia o tópico estabelecendo a diferenciação entre legitimatio ad processum (ou capacidade de estar em juízo) – refere-se à capacidade para todo e qualquer processo – e legitimatio ad causam – diz respeito à capacidade para determinado e específico processo.

Com relação ao menor de 18 anos, afirma-se que, por ser penalmente inimputável, não detém capacidade ou legitimação ad processum. Já com relação ao maior de 18 e menor de vinte e um anos, Pacelli entende ter havido revogação implícita do art. 262 do CPP, por força da Lei 10.792/03, que revogou expressamente o art. 194 do CPP, “no qual se exigia a nomeação de curador para o réu menor de vinte e um, e maior de dezoito anos”.

Diz-se revogação implícita porque, ao contrário do art. 194 do CPP, o art. 262 do mesmo diploma legal não foi expressamente revogado. Contudo, Pacelli aponta manifesta incompatibilidade normativa entre o art. 262 e as novas regras do processo penal. É que, no contexto de tais “novas regras”, o interrogatório se afigura, essencialmente, como meio de defesa do acusado, sendo exigida a nomeação de defensor (art. 185, CPP). Desse modo, seria incongruente dispensar-se a nomeação de curador para o interrogatório (já que obrigatória a defesa técnica) e mantê-la para os demais atos processuais, os quais também exigem a participação de defensor técnico.

No que concerne ao absolutamente incapaz, cuja incapacidade resulte de inimputabilidade decorrente de doença ou retardamento mental, Pacelli assevera que pode ele integrar validamente a relação processual penal, sendo devidamente representado por um curador, que pode ser aquele que já exerce a curatela legal ou, não havendo esse, outra pessoa a ser nomeada pelo juiz. Importante destacar que a legitimação dessa figura (absolutamente incapaz em decorrência de alienação mental) é decorrência do fato de poder ele ser submetido à medida de segurança, que só pode ser aplicada por meio de um processo.

Ainda sobre o absolutamente incapaz, Pacelli afirma que, se a decisão for absolutória por qualquer razão que não seja aquela prevista no art. 386, V, do CPP, não caberá a imposição de medida de segurança, em razão do princípio da inocência e da então comprovada não-culpabilidade. Todavia, no caso de absolvição com base no aludido dispositivo legal (art. 386, V, CPP), desde que comprovada a prática de ato típico e ilícito, cabível será a aplicação de medida de segurança, já que, diante da ausência de culpabilidade do acusado, não será possível a imposição de pena.

Registra o autor que a impossibilidade concreta de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome não impedirá a instauração e desenvolvimento da ação penal, desde que seja possível a sua identificação física (art. 259, CPP).

Por fim, faz-se menção à possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais a partir da lei 9.605/1998.

10.5 Do defensor

Da redação do art. 261 do CPP, depreende-se que todo ato processual deve ser realizado na presença de um defensor, devidamente habilitado nos quadros da OAB, seja ele constituído, nomeado exclusivamente para ato específico (ad hoc) ou dativo. É o que se entende por defesa técnica. Atenção para a Lei 10.792/03 que, incluindo parágrafo único ao art. 261 do CPP, exigiu manifestação fundamentada quando a defesa técnica for

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realizada por defensor público ou dativo. Pacelli entende como salutar a exigência, destacando que somente pode ser aplicada nas fases procedimentais em que haja debate sobre questões de fato e de direito. Ressalta, contudo, que, muitas das vezes, a efetividade da defesa depende da atuação do réu.

O autor entende que não se poderá impor a sanção de nulidade absoluta do processo por ausência de manifestação fundamentada do defensor dativo ou público. Afirma que o caso seria de nulidade relativa, pois caberia ao réu demonstrar o prejuízo decorrente da má atuação da defesa técnica. Exemplo: defensor que deixa de arrolar testemunhas indicadas pelo acusado.

Todavia, em fases procedimentais mais relevantes, como alegações finais, v. g., Pacelli apregoa que a ausência de fundamentação – seja do defensor dativo, público ou constituído – acarreta nulidade absoluta do processo, por violação ao princípio da ampla defesa. Nessas hipóteses, a ausência de fundamentação equivale à ausência da própria defesa técnica.

Na mesma esteira, afirma que a ausência de defensor em interrogatório redunda em nulidade absoluta, também por violação ao princípio da ampla defesa.

Na hipótese de o juiz entender insuficiente, deficiente ou inexistente a defesa realizada pelo defensor dativo, deverá nomear outro, com a ressalva de que o acusado poderá, a todo tempo, nomear advogado de sua confiança (art. 263, art. 422 e art. 449, parágrafo único). Porém, se se tratar de defensor constituído, não poderá o juiz adotar a mesma providência, vez que o defensor não foi por ele nomeado. Em casos que tais, poderá, quando muito, designar defensor ad hoc para a prática de determinado e específico ato processual, "em substituição àquele anteriormente (mal ou não realizado)". Exemplo: art. 497, V, CPP.

Abordando o entendimento jurisprudencial manifestado na Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal (“no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu"), Pacelli aduz que a questão da deficiência da defesa é das mais complexas, já que, em princípio, quem poderá aferir de sua insuficiência é a mesma pessoa de quem se espera a alegação de nulidade, i.e., o defensor, através de recurso voluntário. Improvável, assim, que ele (o defensor) se disponha a demonstrar a sua atuação deficiente. Assim, entende o doutrinador que a Súmula 523 deve ser entendida como a possibilidade de o Judiciário reconhecer a deficiência da atuação do defensor e determinar, ex officio, sua substituição ou retificação. Tal interpretação, segundo o autor, melhor atende ao postulado da ampla defesa.

Ainda nessa seara, Pacelli compara dois posicionamentos do STF. Critica a posição manifestada no HC n. 80.251, Jobim, 29.8.2000, em que a ausência de alegações finais por parte de defesa constituída ensejaria nulidade relativa; e aplaude o posicionamento manifestado no HC n. 86.672, Marco Aurélio, 14.10.2003, no qual se vislumbrou hipótese de nulidade absoluta em processo no qual o advogado constituído pela parte confessara a imputação.

Destaca o autor que, tanto a confissão, como a ausência de oferecimento de alegações finais podem ser entendidas como estratégias de defesa para posterior postulação de nulidade. Nesse caso, cabe ao juiz, em uma e outra situação, nomear ao réu defensor ad hoc.

Ao tratar da chamada defesa efetiva, Pacelli afirma que esta se consubstancia em garantia constitucional e que não se confunde com o simples pedido de condenação à pena mínima. Assim, conceitua: “Por defesa efetiva se deve entender e exigir a efetiva

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atuação do defensor em prol dos interesses do acusado, o que poderá ser aferido diante de cada caso concreto, sopesando-se as provas carreadas aos autos pela acusação e possibilidade real de sua confrontação pela defesa.” Sobre defesa efetiva, ver STJ, HC n. 21.938/RJ, Scartezzini)

A autodefesa, segundo Pacelli, “se realiza por meio de toda a atividade desenvolvida pelo próprio acusado, em prol de seus interesses, e, mais especificamente, consoante anota a doutrina, por ocasião do interrogatório.” Assevera, sobre o mesmo ponto, que a autodefesa não implica limitação à defesa técnica, tanto que esta poderá seguir caminho diverso daquela.

Em arremate, reafirma-se que, por imposição legal, deve ser nomeado defensor para o interrogatório, o que afasta a natureza inquisitorial do referido ato processual. Assim, deve ser visto com cautela o art. 265, parágrafo único, do CPP, o qual assevera que ato algum do processo será adiado por falta de comparecimento do defensor. Nessa esteira, Pacelli defende que se a ausência não é justificada, deve o juiz nomear, sem maior questionamento, defensor ad hoc para prosseguir no feito. Todavia, quando a ausência do defensor decorrer de obstáculo insuperável, é recomendável que o juiz, antes de determinar o prosseguimento da causa, verifique se a designação de defensor ad hoc (que não tem conhecimento da matéria discutida) poderá enfraquecer a defesa do acusado, a ponto de torná-la deficiente ou mesmo inexistente. Poderá ocorrer, nesse caso, a anulação do processo, por violação ao princípio da ampla defesa. Aplicável, ainda, a Súmula 523 do STF.

10.6 Da assistência

Como se sabe, a maior parte das infrações penais tende a produzir efeitos em outras áreas do ordenamento jurídico. Com efeito, “a conduta penalmente ilícita, enquanto ação já desvalorada pelo Direito Penal, não pode estar autorizada ou permitida por qualquer outra norma de Direito, diante do caráter fragmentário e subsidiário daquele ordenamento (penal).” (TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2001, p. 123)

Assim, determinadas infrações poderão gerar, além da sanção penal, outras formas de reação do Direito, de natureza patrimonial, p. ex., a partir da violação a determinados bens jurídicos de particulares perfeitamente individualizados.

Por certo, para as vítimas de tais delitos surge o direito à recomposição do patrimônio – material ou moral – atingido. Daí o seu inequívoco interesse na condenação do acusado na ação penal, eis que, como cediço, a sentença penal condenatória constitui título executivo judicial (CPC, art. 584, II). Justifica-se, assim, a possibilidade de intervenção da vítima na obtenção do citado título, bem como na obtenção da condenação, se já em curso a ação civil para recomposição do dano pela via do processo de conhecimento. Ressalta-se, desde logo, que o interesse do assistente não é de fundo exclusivamente patrimonial.

10.6.1 Legitimação

A intervenção a que se aludiu chama-se assistência, que tem por legitimado o ofendido, ou seu representante legal, se menor de dezoito anos, ou, no caso de sua ausência ou morte, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31 do CPP.

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Importante lembrar que a legitimação para a assistência não dispensa a capacidade postulatória. Ou seja, o assistente deverá ser representado por advogado, se não for ele mesmo habilitado.

Pacelli aponta divergência doutrinária quanto à possibilidade de legitimação de pessoa de direito público como assistente da acusação e deixa registrada sua opinião: para ele, nada impede a participação assistencial de pessoa jurídica de direito público na ação penal pública, quando se revelarem distintos os interesses perseguidos pelo Ministério Público e pelo assistente. Exemplo apresentado: Município que tem interesse na condenação de servido público acusado de peculato ou de desvio de verbas públicas.

Por fim, destaca que não se admite a assistência de co-réu no mesmo processo (art. 270, CPP). Entende o autor ser desnecessária a ressalva, já que co-réu é parte no processo e não terceiro interessado.

10.6.2 O assistente como custos legis

O interesse jurídico de satisfação do dano civil não é o único a justificar sua intervenção na ação penal. Seu interesse pode residir na própria aplicabilidade da sanção penal. Nesse sentido, p. ex., o ordenamento jurídico assegura à vítima do crime o direito à iniciativa processual penal, na hipótese de inércia do Ministério Público (a chamada ação privada subsidiária da pública).

Pacelli informa que parece inteiramente divorciado da nossa ordenação o entendimento segundo o qual o único interesse da vítima na ação penal pública é a obtenção de título executivo para satisfação do direito civil reparatório.

Para o autor, a justificação para a escolha do ofendido e sucessores como os únicos habilitados à atuação junto à acusação somente encontrará resposta segura no princípio da igualdade processual. Sobre o ponto, assevera: “É que, com a participação de um terceiro na ação penal pública, auxiliando o órgão acusatório, não há como negar o desequilíbrio da relação processual, tendo em vista que, de um lado, estariam atuando duas partes – Estado e ofendido – com afetação à regra da par conditio, ou paridade de armas.”

Justifica-se, ainda, a escolha do ofendido como legitimado para a assistência da acusação pelo fato de que ele já é titular de interesse jurídico relevante, não penal, em face do réu, independentemente da existência ou não da persecução penal. Assim, a se considerar que o ofendido pode manejar ação civil contra o réu, pelos mesmos fatos, não há motivo para negar sua participação também no processo penal.

Finaliza o autor, ressaltando que o interesse jurídico, na qualidade de custos legis, é apenas do particular, não sendo possibilitado a pessoa jurídica de direito público.

10.6.3 Faculdades processuais

Na qualidade de terceiro juridicamente interessado, ao assistente são reconhecidas determinadas faculdades processuais, a serem exercidas em prol de seus interesses na condenação do réu.

Pacelli inicia o tópico estabelecendo um reparo em relação ao art. 268 do CPP, na parte que afirma que o assistente poderá intervir em todos os termos da ação penal.

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Para ele, “a realidade não é bem essa”, vez que o assistente não é o titular da acusação e nem tem os mesmos poderes e faculdades do MP. Com efeito, o assistente exerce atividade meramente supletiva daquela atribuída ao Parquet, tanto que seu ingresso nos autos só é possível após a instauração da demanda, com o recebimento da denúncia.

Nesse contexto, Pacelli traça uma série de faculdades e restrições ao assistente, como, por exemplo:

a) Na hipótese de rejeição da denúncia, o assistente não tem legitimidade recursal, salvo quando a decisão se fundar em qualquer das causas extintivas da punibilidade;

b) O assistente não pode aditar a denúncia, nem arrolar testemunhas;

c) Nos procedimentos do Tribunal do Júri, o assistente pode aditar o libelo e, nessa hipótese, pode indicar testemunhas não arroladas pelo MP, desde que não ultrapassado o número máximo permitido. Sobre o ponto, Pacelli afirma que “no aditamento ao libelo, a faculdade processual que se reconhece ao assistente é a de promover acréscimos à atividade acusatória e não a sua alteração substancial, o que equivaleria à alteração da própria titularidade da ação penal.”;

d) Pode o assistente, no curso da ação penal, propor meios de prova, inquirir testemunhas, apresentar arrazoados, bem como participar dos debates orais;

e) Uma vez proferida a decisão, na hipótese de inércia do MP, o assistente tem legitimidade recursal para impugnar a sentença absolutória, bem como as decisões de impronúncia ou extintiva da punibilidade (art. 271, CPP);

f) O assistente não tem poderes para recorrer de sentença concessiva de habeas corpus (Súmula 208, STF).

No curso da ação penal poderá o assistente propor meios de prova, inquirir as testemunhas, apresentar arrazoados, bem como participar dos debates orais, atuando livremente em todo o desenrolar do procedimento penal.

Proferida a decisão, terá legitimidade recursal para na hipótese de inércia do MP impugnar a sentença absolutória (art. 386 e 598), bem como as decisões de impronúncia (art. 409) ou extintiva de punibilidade (art. 581, VIII, c/colher art. 584, §2º), tudo nos termos de que dispõe o art. 271 do CPP.

Pacelli elenca dois requisitos para a intervenção recursal do assistente: I) inércia do Ministério Público e II) natureza da decisão a ser impugnada. Destaca, ainda, que, se houver recurso do MP, ao assistente caberá apenas oferecer também as suas razões.

Na hipótese de inércia do Parquet, e desde que se cuide das matérias mencionadas no art. 271 do CPP, o campo de atuação do assistente será o mais amplo possível, podendo opor embargos de declaração, recurso em sentido estrito, apelação, recurso especial e extraordinário (Súmula 210, STF).

Havendo recurso parcial do MP, isto é, apenas de parte da sentença, poderá o assistente recorrer da parte irrecorrida, desde que absolutória ou extintiva da punibilidade.

Segundo a Súmula 208 do STF, não se reconhece poderes do assistente para recorrer de sentença concessiva de HC. Esta privação ocorre porque o HC é ação de impugnação reservada aos interesses exclusivos da defesa, não havendo que se falar em assistência da acusação, sobretudo porque a autoridade dita coatora nem é o MP.

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Por fim, quanto ao prazo do recurso do assistente, tem-se que é o mesmo daquele reservado ao MP, quando ele já estiver habilitado no processo. Como a atividade do assistente é supletiva, seu prazo somente se inicia após o encerramento do prazo do titular da ação, o Ministério Público. Nos casos em que o assistente não estiver habilitado, seu recurso deverá ser interposto no prazo de 15 (quinze) dias (art. 598, CPP).

10.6.4 Recurso de sentença penal condenatória

Pacelli afirma que a questão da legitimidade do assistente para recorrer de sentença condenatória, para fins exclusivos de obtenção de aumento de pena, é fonte de divergência doutrinária.

A parcela da doutrina que não entende possível o recurso do assistente trabalha com a idéia de que o único interesse do assistente na ação penal é de natureza patrimonial, para fins de obtenção de título executivo judicial. Como já se destacou, Pacelli refuta esse entendimento.

Todavia, mesmo reconhecendo que o interesse do assistente não seja somente de natureza patrimonial (pode exercer também a função de custos legis), Pacelli admite ter modificado seu entendimento. Na primeira edição de sua obra, sustentava a possibilidade de o assistente recorrer inclusive para fins de aumento da pena aplicada, isso com fundamento na função de custos legis que o ordenamento lhe confere. Atualmente, o autor não reconhece ao assistente a possibilidade de recorrer com o fim de aumento da pena, uma vez que, no caso da assistência, “não se poderá presumir qualquer inércia por parte do órgão do Ministério Público pelo simples fato de não ter ele interposto recurso contra a decisão condenatória.”

Afinal de contas, o MP também é o titular do juízo valorativo acerca do eventual acerto da decisão.

Por último, Pacelli não reconhece a possibilidade de recurso para agravação da pena quando o assistente for pessoa jurídica de direito público.

10.6.5 Procedimento

A intervenção do assistente pode ser admitida a partir do recebimento da denúncia e enquanto não passar em julgado a sentença (art. 269, CPP). O assistente recebe a causa no estado em que ela se encontrar quando de seu ingresso na demanda.

Não cabe assistência em sede de execução penal.

A assistência deverá ser conduzida por advogado regularmente habilitado.

O Ministério Público deverá ser ouvido sobre o requerimento de habilitação do assistente, não cabendo recurso nominado da decisão que o indeferir (art. 273, CPP).

Pacelli acentua que, conquanto a intervenção do assistente deva ser entendida como direito subjetivo do ofendido e demais legitimados, há casos em que o deferimento do pedido de assistência poderá causar prejuízo à tramitação do processo (hipótese de pluralidade de ofendidos, p. ex.). Nesses casos, deve o juiz, zelando pela regularidade da tutela jurisdicional, indeferir as habilitações pretendidas. Cabe mandado de segurança contra esse indeferimento.

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10.7 Peritos, intérpretes e funcionários da justiça

Além das partes propriamente ditas, do assistente e do juiz, outras pessoas, em maior ou menor escala, são chamadas a intervir no processo. É o caso dos funcionários da justiça, dos peritos e dos intérpretes.

Segundo o art. 274 do CPP, aos serventuários da justiça são aplicáveis, no que couber, as prescrições sobre suspeição dos juízes. Por meio desse dispositivo legal, vislumbra-se a impessoalidade do serviço público. Para Pacelli, as cautelas exigidas na aferição dessa impessoalidade devem levar em conta a intensidade da participação de cada serventuário e/ou funcionário no processo. Assim, para ele, apenas a atividade do escrivão poderia merecer a preocupação do legislador, no que respeita à possibilidade de alguma interferência na imparcialidade do julgamento.

Quanto à atuação dos peritos, Pacelli destaca que, sejam eles oficiais ou não, estão todos eles submetidos à disciplina judiciária (art. 275, CPP), em razão de estarem exercendo função pública, jungida ao princípio da legalidade. A atividade por eles desenvolvida é eminentemente técnica, destinada à formação do convencimento do juiz na apreciação da prova.

De acordo com o art. 280 do CPP, “é extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre a suspeição dos juízes”. Pacelli acrescenta que seriam aplicáveis aos peritos (e intérpretes) não só as disposições atinentes à suspeição dos juízes, mas também as referentes aos impedimentos e incompatibilidades.

Peritos e intérpretes podem responder pelo crime de falsa perícia (art. 342, CP).

O art. 279 do CPP aponta os impedimentos específicos do perito: hipótese de ter o perito prestado depoimento no processo ou emitido parecer técnico anteriormente sobre o objeto da perícia; ausência de habilitação técnica ou incapacidade profissional em razão de menoridade ou analfabetismo.

Os intérpretes são equiparados aos peritos (art. 281, CPP), recebendo, portanto, idêntico tratamento.

Capítulo 11 – Da Prisão

11.1 Princípio da Inocência e Cautelaridade

O autor inicia o capítulo fazendo referência ao modo como o CPP de 1941 tratava do tema prisão, sob o título “Da prisão e da liberdade provisória”, que partia da seguinte premissa: a prisão em flagrante delito autorizava o juízo de antecipação da responsabilidade penal (autoria, tipicidade, culpabilidade e existência do fato), com força suficiente para a manutenção da custódia do aprisionado como decorrência única da situação flagrancial.” Por isso a atribuição do predicado provisória para a liberdade e não para a prisão. Noutro dizer, provisória porque provavelmente a condenação, ao final do processo, viria pôr fim àquela situação de liberdade tolerada. Assim, no sistema de 1941, a fundamentação da custódia assentava-se somente na lei e não em uma razão cautelar específica.

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É claro que havia exceções desde aquela época, como, por exemplo, na hipótese do caput do art. 310 e de crimes afiançáveis. Prestada a fiança, o aprisionado poderia gozar de uma liberdade denominada previamente provisória.

Com o advento da Constituição Republicana de 1988, duas conseqüências imediatas foram sentidas no sistema prisional, a saber: a instituição do princípio da presunção de inocência e a garantia de que toda prisão seja efetivamente fundamentada e por ordem escrita de autoridade judiciária competente. E assim é porque o reconhecimento da situação jurídica de inocente (art. 5º, LVII) impõe a necessidade de fundamentação judicial para toda e qualquer privação da liberdade, posto que só o Judiciário poderá determinar a prisão de um inocente. E, mais, que essa fundamentação seja construída em bases cautelares, isto é, que a prisão seja decretada como acautelamento dos interesses da jurisdição penal, com a marca da indispensabilidade e da necessidade da medida.

Em tempo, Pacelli faz um esclarecimento: toda prisão antes do trânsito em julgado deve ser considerada uma prisão provisória. Provisória unicamente no sentido de não se tratar de uma prisão-pena, ou seja, aquela decorrente de prisão definitiva, embora se saiba que não existe prisão por tempo indeterminado em nosso ordenamento jurídico.

O autor faz, ainda, uma observação de que o termo provisória refere-se a toda prisão antes do trânsito em julgado da sentença em contraposição à prisão definitiva, decorrente da sentença condenatória irrecorrível. Aduz, outrossim, que a prisão antes de passada em julgado a sentença é também cautelar, ou seja, tem uma função de instrumentalidade, de acautelamento de determinados e específicos interesses de ordem pública. Assim, a prisão que não decorra de sentença passada em julgado, será, sempre, cautelar e também provisória.

A exigência de que toda prisão seja fundamentada encontra uma única exceção: a prisão em flagrante, devido à urgência da intervenção prisional, tanto que qualquer do povo pode realizá-la. Porém, indispensável é a fundamentação para a sua manutenção.

A nossa constituição não fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela, como valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou da persecução penal.

Por se tratar de prisão de quem deve ser obrigatoriamente considerado inocente, à falta de sentença penal condenatória passada em julgado, é preciso e mesmo indispensável que a privação da liberdade seja devidamente fundamentada pelo juiz e que essa fundamentação esteja relacionada com a proteção de determinados e específicos valores igualmente relevantes.

O autor ressalta que a reserva da jurisdição, ou seja, a atribuição expressa a ordem escrita de autoridade judicial justifica-se já que, em um Estado Democrático de Direito, incumbe ao Poder Judiciário a missão de tutela dos direitos e garantias individuais, mormente quando em conflito valores protegidos constitucionalmente, tais como o interesse público na preservação da segurança de todos os membros da comunidade (segurança pública, direito penal, sistema penitenciário etc.) e a garantia da liberdade individual do acusado. A privação da liberdade de quem é reconhecido pela ordem jurídica como inocente, portanto, somente é possível quando se tratar de prisões cautelares, acautelatórias do processo e das funções da jurisdição penal.

11.1.1 Necessidade e proporcionalidade

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Embora não prevista expressamente pela nossa legislação, há que se aplicar o princípio da proporcionalidade na fixação das prisões cautelares, haja vista que como medida cautelar que é, deve atentar para os resultados finais do processo. Por tal razão é que se afirma a impossibilidade de se decretar prisão preventiva em casos de crimes culposos e contravenções, mesmo que presentes os pressupostos fáticos do art. 312 do CPP, pois, em tais casos, a condenação final dificilmente será a sanção privativa de liberdade. Assim, não seria proporcional que, antes do trânsito em julgado da sentença, o acusado tivesse sua liberdade privada se, depois de passada em julgado a condenação, a sanção aplicada fosse uma pena alternativa. A prisão provisória perderia seu caráter de acautelamento do resultado final do processo, de instrumentalidade.

A proporcionalidade da prisão cautelar, portanto, é a medida de sua legitimação, a sua ratio essendi, possível apenas como instrumento de garantia de eficácia da persecução penal.

Por igual razão (proporcionalidade), entende o autor não ser, em regra, cabível prisão preventiva em crimes punidos com detenção (fora das exceções previstas no art. 313 CPP), haja vista que a execução da pena destes crimes se faz em regime semi-aberto e aberto. Afirma, ainda, o autor, que expressão da proporcionalidade, na ótica do CPP de 1941, é a afiançabilidade de crimes punidos de forma mais branda, bem como o fato de ser permitida fiança para crimes em que a pena mínima cominada não seja superior a dois anos, o que está na linha de proporcionalidade com o sursis do art. 77 do CP.

Saliente-se que a análise que se faz tem olhos na legislação de 1941, sem apreciarmos as inúmeras alterações processadas no nosso ordenamento processual penal ao longo de setenta anos de vigência.

11.1.2 Necessidade e despenalização.

Em razão das alterações no nosso ordenamento, com a introdução de diversas medidas de conteúdo despenalizador (ou descarcerizador), tais como a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n.º 9.099/95) e as penas alternativas (introduzidas no CP pela Lei n.º 9.714/98), a necessidade da prisão provisória deve ser aferida em cada caso concreto, dada a possibilidade concreta de desproporcionalidade entre o processo cautelar e o processo principal. O autor esclarece que não defende a abolição da prisão provisória por ditas leis, apenas aponta que, por ocasião de sua decretação, imperioso que se considere a natureza do crime e a efetiva viabilidade de imposição de sanção privativa de liberdade ao final do processo, diante destes novos institutos.

11.2 O Ato Prisional: Generalidades

Neste item, Pacelli elenca algumas situações e procedimentos específicos do ato prisional, destacando-se:

a) em relação à inviolabilidade de domicílio (art. 283), é de se ter em conta o previsto no art. 5º, XI, da CF, ressalta que: 1) a prisão, com mandado judicial, somente poderá ser realizada de dia, isto é, até as 18 horas (quando se pode considerar, como regra, o final do expediente de trabalho e assim o horário noturno, reservado ao descanso

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e ao sossego do morador; 2) à noite, se não consentir o morador, a prisão somente poderá ser realizada em situação de flagrante delito em curso, naquele momento, no interior da residência. Do contrário, se à noite, não sendo a hipótese de flagrante e sim de prisão por mandado judicial, o executor do mandado deverá guardar todas as saídas do local, e tão logo amanheça o dia, o que se pode considerar a partir das 6:00 h, arrombar as portas da casa, na presença de duas testemunhas, se, intimado o morador (seja ele ou não a pessoa a ser aprisionada), este não autorizar o seu ingresso (art. 293 CPP);

b) hipótese de o morador se recusar a entregar a pessoa, de maneira a caracterizar possível prática de favorecimento (art. 348 CP): o executor do mandado poderá conduzi-la à autoridade policial para lavratura do flagrante (parágrafo único do art. 293);

c) as prisões, sejam em flagrante, sejam por mandado, deverão ser efetuadas sem emprego de força, salvo o necessário para vencer eventual resistência ou eventual tentativa de fuga (art. 284 CPP). Quando a violência for oferecida por terceiros: deverá ser lavrado o respectivo auto (de resistência), na presença de duas testemunhas (art. 292). O autor não considera o emprego de armas para evitar a fuga um meio indispensável para vencer a resistência, podendo caracterizar, dependendo do caso, crime doloso contra a vida;

d) na prisão por mandado judicial, deverá o executor apresentar o instrumento (mandado) ao conduzido, entregar-lhe uma cópia, com indicação do dia, hora e local da diligência e, caso não queira ou não saiba assinar, o fato será registrado em declaração escrita, na presença de testemunhas (art. 286 e 291 CPP);

e) Deverá ser entregue cópia do mandado ao carcereiro ou quem cumpra esta função, para efetivo recolhimento à prisão (art. 288 CPP);

f) Pacelli considera que o art. 287 (o qual diz que, em se tratando de crime inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado) foi revogado tacitamente por duas razões, a saber: pela exigência constitucional de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária e devido à manifesta incompatibilidade com todo o sistema de garantias constitutivo do devido processo legal, cuja violação poderá alimentar abusos e atuações contrárias ao direito por parte das autoridades policiais. Considera, pois, o autor que a exibição do mandado é requisito essencial para a prática do ato;

g) a prisão poderá ser feita por meio de precatória (art. 289 CPP);

h) se houver urgência, a prisão poderá ser requisitada pelo juiz por telegrama (parágrafo único do art. 289);

i) quando houver perseguição, seja em flagrante delito, seja em cumprimento de mandado judicial, o agente poderá efetuar a prisão em qualquer lugar em que for alcançado o perseguido, ocasião que deverá apresentá-lo à autoridade local (art. 290);

j) considera-se presente a perseguição, sobretudo para fins de preservação do flagrante, quando o agente policial (ou terceiro), tendo avistado o acusado, persegui-lo sem interrupção da diligência. A interrupção é caracterizada pela desistência da perseguição. Enquanto a polícia estiver no encalço da pessoa, todavia, ainda que não mais avistando-a – o que ocorrerá quando a perseguição se fizer de cidade a cidade, e assim, progressivamente –, não estará interrompida a busca (art. 290, I, a, do CPP).

Por isso, se o agente policial, sabendo, por ínicios ou informações fidedignas, que o perseguido tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, sair em seu encalço, será suficiente para caracterizar a perseguição (art. 290, §1º, b).

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11.2.1 Prisão especial

O art. 295 do CPP trata das prisões especiais, cabíveis somente quanto às prisões cautelares, ou seja, antes do trânsito em julgado da sentença, não se referindo, portanto, às prisões definitivas. Referidas prisões especiais são destinadas a determinadas pessoas, seja em razão das funções públicas por ele exercidas, da formação escolar por elas alcançada, e, finalmente, em razão do exercício de atividades religiosas.

O autor considera que tais prisões revelam, à exceção de algumas situações, como quando fundada no exercício de determinadas funções públicas, relacionadas à persecução penal, um tratamento absurdamente desigual a determinadas pessoas, sobretudo quando baseado no grau de escolaridade.

Afirma o autor que a previsão de prisões especiais representa uma confissão estatal expressa no sentido de que os nossos estabelecimentos prisionais devem mesmo ser reservados para as classes sociais menos favorecidas (econômica, financeira e até intelectualmente), demonstrando a seletividade do sistema penal. A respeito, afirma que o aparato estatal persecutório – agentes de polícia, Ministério Público, magistratura, penitenciárias, cadeias – é propositadamente seletivo, voltando-se mais aos autores do que aos fatos por eles praticados. È seletivo também no sentido de afirmar a exclusão social, visando atingir e proteger apenas determinados e específicos interesses, de determinados e específicos grupos ou camadas sociais.

O autor pondera que o princípio da isonomia seria respeitado não com a simples extinção das prisões especiais, mas com a melhoria dos estabelecimentos destinados aos presos provisórios (estabelecimentos melhores e adequados).

Ressalta que há leis específicas cuidando de reservar ou mesmo ampliar semelhantes prerrogativas, tais como: as Leis n.º 8.625/93 e LC 75/93, que cuidam da legislação orgânica do Ministério Público, respectivamente do Estados e do MPU; a LC 35/79, Lei Orgânica da Magistratura, vedações de prisões antes do trânsito em julgados a parlamentares do Congresso Nacional (art. 53, CF) e ao Presidente da República (art. 85, § 3º, CF).

Aduz, por fim, o autor, que a prescrição do art. 300 do CPP (que dispõe que o presos provisórios ficarão separados das pessoas que estiverem definitivamente condenadas) é diariamente violada em nossa realidade prisional, pois há inúmeros presos em cadeias e delegacias públicas, definitivamente condenadas, aguardando vagas em penitenciárias.

11.3 Da Prisão em Flagrante

11.3.1 Considerações gerais

Em considerações gerais, Pacelli afirma que o CPP de 1941 tem feições autoritárias, até mesmo em função de seu paradigma, o CPP italiano, elaborado em regime fascista. Nesse contexto, afirma que, no campo das restrições à liberdade individual, predomina no CPP/41 um certo “espírito policialesco”, fundado sempre na

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presunção da culpabilidade do acusado, quando não na presunção de fuga. Exemplifica com as redações originais dos arts. 312 e 596 do CPP. Nesse contexto, afirma o autor que não é motivo de surpresa a ampliação das situações legais de flagrante delito.

Mas o mencionado no art. 302 prevê também como situação de flagrante quando alguém acaba de cometer a infração penal (II), em que, embora já desaparecida a ardência e crepitação, pode-se colher elementos ainda sensíveis da existência do fato criminosos, bem como sua autoria.

Passa-se, então, à definição das hipóteses em que se poderia impor a prisão em flagrante, analisando-se a letra do art. 302 do CPP. Aliás, sobre esse dispositivo, Pacelli afirma que sua redação contempla situações em que não se pode falar de ardência, crepitação ou flagrância, termos correntemente utilizados em doutrina para a definição de flagrante. Em verdade, segundo afirma o autor, apenas a situação prevista no inc. I do referido dispositivo legal se caracterizaria uma situação de ardência, “de visibilidade incontestável da prática do fato delituoso”.

As situações previstas nos incisos I e II do art. 302 do CPP (estar cometendo a infração penal ou acabar de cometê-la) caracterizam, segundo a doutrina, flagrante próprio.

Pacelli critica a redação dos incisos III e IV do art. 302 do CPP.

Quanto à hipótese do inciso III, chamada pela doutrina de flagrante impróprio ou quase-flagrante, afirma o autor que o que deve ser decisivo “é a imediatidade da perseguição” para o fim de caracterizar a situação flagrancial. Após asseverar que a perseguição pode ser levada a efeito por qualquer do povo, Pacelli aduz que não há critério legal para definir o “logo após” mencionado no art. 302, devendo ser analisada a questão diante do caso concreto. No que toca ao período “situação que faça presumir ser ele o autor da infração”, somente os dados da experiência do que ordinariamente acontece poderão fornecer material hermenêutico para a aplicação da norma.

O logo depois (IV),não pode ser diferente do logo após (III), significando ambos a relação de imediatidade entre o início da perseguição, no flagrante impróprio, e o encontro com o acusado, no flagrante presumido. A diferença residiria no fato de um (impróprio) haveria perseguição, e, no outro (presumido), o que ocorreria é o encontro.

No que concerne ao inciso IV – flagrante presumido – Pacelli entende que poderia estar perfeitamente incluída no conceito de flagrante impróprio, até mesmo porque fundamentado, tal como aquele, em verdadeira presunção. Sobre o ponto, observe-se a conclusão do doutrinador: “Parece-nos, contudo, que bastaria a inclusão da expressão é encontrado também na definição do flagrante impróprio, para que ambas as situações estivessem devidamente reguladas. Assim, estaria em flagrante delito quem fosse perseguido ou encontrado, logo após, em situação que faça presumir ser autor da infração”.

Em todas as hipóteses, porém, a conseqüência jurídica será a mesma: o recolhimento imediato à prisão.

11.3.2 Flagrante esperado e flagrante provocado (ou preparado)

O autor inicia traçando um ponto em comum entre o flagrante esperado e o preparado, que é a intervenção de terceiros antes da prática do crime. Após, aponta que a

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distinção é que o flagrante esperado é considerado plenamente válido, enquanto o preparado não.

Analisando a situação do flagrante preparado ou provocado, Pacelli critica os argumentos normalmente utilizados por doutrina e jurisprudência para rejeição do flagrante preparado, quais sejam: 1) haveria a intervenção decisiva de um terceiro a preparar ou a provocar a prática da ação criminosa e, assim, do próprio flagrante; 2) dessa preparação, resultaria uma situação de impossibilidade de consumação da infração, aproximando-se do crime impossível.

Antes, exemplifica uma hipótese de flagrante preparado: um empregador, suspeitando da subtração continuada de dinheiro de sua empresa, aciona a polícia, e junto com essa, preparariam uma situação na qual seria facilitada a subtração, ao mesmo tempo em que seria impossibilitada a sua consumação, pela ação policial, ali de prontidão.

Primeiramente, rechaça o argumento de que a provocação do agente seria suficiente para afastar a existência do crime e o respectivo flagrante, por força do viciamento premeditado da vontade do agente. Para tanto, vale-se do instituto da participação dolosa existente em nosso Direito, segundo a qual a conduta do partícipe é precisamente no sentido de provocar a atuação do agente (autor), respondendo ambos, autor e partícipe, na medida de sua culpabilidade.

Ora, se assim é, não vemos como afastar a responsabilidade penal do autor que age por provocação de terceiro, pelo menos sob o argumento da influência no ânimo e contaminação da vontade do agente, porque tais elementos também estão presentes na participação por determinação.

Quanto ao argumento da impossibilidade da consumação do delito, o autor também rejeita, pois não vislumbra diferença entre o flagrante preparado e o esperado neste particular.

Nessa esteira, dá sua definição do que entende por flagrante esperado e, em seguida, exemplifica: No flagrante esperado, não há intervenção de terceiros na prática do crime, mas informação de sua existência. Ocorreria, por exemplo, quando alguém, que por qualquer motivo tivesse conhecimento da prática futura de um crime, transmitisse tal informação às autoridades policiais, que então se deslocariam para o local da infração, postando-se de prontidão para evitar a sua consumação ou o seu exaurimento.

Destaca, pois, o autor que ambas as hipóteses, de espera e de preparação, são hábeis a evitar a consumação do crime, fundada na eficiente atuação policial. Questiona, então, porque da validade de um (esperado) e invalidade de outro (preparado). Chega, assim, à seguinte conclusão: não existe real diferença entre o flagrante preparado e o flagrante esperado, no que respeita à eficiência da atuação policial para o fim de impedir a consumação do delito. Assim, de duas, uma; ou se aceitam ambas as hipóteses como de flagrante válido, como parece mais acertado, ou as duas devem ser igualmente recusadas, por coerência na respectiva fundamentação.

Aponta o autor que nossos Tribunais, embora não reconheçam tratar-se de flagrante preparado, têm admitido a validade de prisões efetuadas em meio a reportagens televisivas, em que um policial, se fazendo passar por interessado na aquisição de determinado serviço, no momento em que o negócio é fechado, realiza a prisão em flagrante.

Pacelli cita, ainda, outras espécies de flagrante. Flagrante forjado, em que não existe qualquer situação de flagrante e nem a prática de qualquer infração. Ocorre, via de regra, quando os agentes policiais plantam, isto é, forjam a prova de um crime atual para

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incriminar determinada pessoa. Evidentemente, a única conseqüência jurídica que se pode extrair de semelhante manobra é a punição de seus idealizadores e executores, por manifesta violação do direito.

A segunda espécie é semelhante ao flagrante provocado, mas diferencia-se, pois, não partiria da existência de crimes anteriores e nem da suspeita da respectiva autoria. A preparação do flagrante teria por destinatário pessoa previamente escolhida pelo agente provocador, mediante a criação de situação extremamente favorável à prática o delito e com promessas convincentes quanto à impunidade, com vistas a imputar à pessoa as conseqüências que resultam da responsabilidade penal. Aqui, no âmbito processual, haveria flagrante delito, mas na seara penal, questionável seria a responsabilização do executor, mormente no que tange à definição de sua culpabilidade.

11.3.3 Flagrante diferido (controlado)

Trata-se de modalidade de flagrante veiculada na Lei n. 9.034/95, que cuida dos crimes praticados por organizações criminosas.

Permite-se, no acompanhamento de ações criminosas praticadas por grupos organizados (de alta complexidade), a possibilidade de retardamento da ação policial, “para observação e acompanhamento das condutas tidas como integrantes de ações organizadas”. Em tais situações, a ação policial será diferida, i.e., adiada, para que a medida final se concretize no momento mais eficaz, do ponto de vista da formação da prova e fornecimento de informações (art. 2º).

Pacelli obtempera que tal figura flagrancial insere-se no contexto de preocupação com a chamada macrocriminalidade, na qual, via de regra, os agentes se utilizam de meios e técnicas mais sofisticadas para as respectivas ações.

Nesse contexto, menciona, ainda, o autor, a Lei 10.217/01, que, alterando o disposto nos arts. 1º e 2º da Lei 9.034/95, permitiu a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial, nas investigações dos aludidos crimes.

Referida lei criou também a possibilidade de infiltração de agentes de polícia ou inteligência em tarefas de investigação, sempre, porém, mediante autorização judicial. Contudo, Pacelli acredita ser de difícil operacionalização tal infiltração.

Por fim, noticia o autor a Lei 10.409/02, que prevê a possibilidade do flagrante diferido, ou a não atuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que entrem em território brasileiro, dele saiam ou nele transitem... (art. 33, II), em caso de tráfico internacional de drogas.

11.3.4 Missões/funções da prisão em flagrante

A primeira e mais relevante função que se atribui a prisão em flagrante, segundo o autor, é a de procurar evitar, o quanto possível, que a ação criminosa possa gerar todos os seus efeitos. Pretende-se, assim, com a prisão em flagrante, impedir a consumação do delito (art. 302, I) ou seu exaurimento (art. 302, II, III e IV).

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Por essa razão, permite-se a qualquer do povo a realização da prisão em flagrante e, ainda, a violação de domicílio, sem mandado judicial e mesmo à noite, quando presente situação de flagrante delito.

Ademais, a prisão em flagrante revela-se extremamente útil e proveitosa no que se refere à qualidade e idoneidade da prova colhida imediatamente após a prática do delito.

A prisão em flagrante cumpre importantíssima missão, cuidando da diminuição os efeitos da ação criminosa, quando não do seu completo afastamento (dos efeitos), bem como da coleta imediata da prova, para o cabal esclarecimento dos fatos. Feito isso, esgota sua função, impondo-se ao juiz seja devidamente fundamentada a manutenção da prisão realizada em situação de flagrante delito.

11.3.5 Prisão em flagrante e situações especiais

Trata o tópico de situações em que a prisão em flagrante segue rumo diverso daquele tratado no CPP, por força de ressalvas expressas na legislação e até na Constituição da República. Isso ocorre “ora em consideração à função pública exercida pelo agente do crime, ora em consideração à própria conduta do agente, e, por fim, em atenção à menor gravidade da infração”. Resume-se, a seguir, tais situações:

a) Membros do Congresso Nacional – somente poderão ser presos se em flagrante delito, e pela prática de crime inafiançável, devendo ser apresentados imediatamente à respectiva Casa, que deliberará acerca da manutenção da prisão e da formação de culpa;

b) Presidente da República – segundo o art. 86, § 3º, da CF, enquanto não sobrevier sentença penal condenatória, nas infrações comuns, não está ele sujeito à prisão;

c) Magistrados e membros do Ministério Público – somente poderão ser presos por ordem escrita e fundamentada do Tribunal competente, ou em flagrante delito de crime considerado inafiançável, devendo o fato ser comunicado imediatamente ao órgão superior da instituição, que, nesse caso, deverá se manifestar acerca da manutenção da prisão;

d) Agentes diplomáticos e familiares – não será possível a imposição de qualquer prisão – imunidade material. Somente respondem penalmente perante o Estado acreditante.

e) Agentes consulares – sua imunidade se restringe aos crimes praticados no exercício de atos de ofício. Assim, excluídas tais hipóteses, será possível tanto a prisão em flagrante como a prisão preventiva.

Exemplo em que se considera o comportamento do agente: art. 301 do Código de Trânsito Brasileiro (não se imporá o flagrante nem a fiança use o condutor pronto e integral socorro à vítima de acidente de trânsito).

Exemplo em que se considera a menor gravidade da infração penal: art. 69, parágrafo único, Lei n. 9.099/95 (não se imporá flagrante nem a fiança nas infrações penais sujeitas à competência dos Juizados Especiais Criminais).

11.4 Da Prisão Preventiva

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A prisão preventiva “revela sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade do processo.” Tal modalidade de prisão somente se justifica na medida em que puder realizar a proteção da persecução penal, em todo o seu iter procedimental, e, mais, quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade.

Em razão de sua gravidade, e como decorrência do sistema de garantias individuais constitucionais, somente poderá ser decretada a prisão preventiva por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI, CF). Além da fundamentação, deve o juiz ater-se ao princípio da legalidade, somente decretando a preventiva em casos previstos em lei.

Contudo, Pacelli adverte que, por ser permitida a prisão preventiva desde o início da persecução penal até o encerramento da instrução criminal, as hipóteses de prisão preventiva “contemplam praticamente todas as circunstâncias e/ou situações da realidade, em que o legislador vislumbra a possibilidade de risco ao processo.” Exceção: prisão temporária, no curso da investigação.

Em conseqüência, toda privação de liberdade, no curso de uma ação penal, haverá de encontrar sua justificação na mesma motivação necessária para a decretação da prisão preventiva. Exemplifica o autor que as prisões decretadas por ocasião da decisão de pronúncia e da sentença condenatória somente serão possíveis quando demonstrada a função cautelar de cada uma delas.

Por fim, duas observações: como toda medida cautelar, a prisão preventiva tem a sua duração condicionada à existência temporal de sua fundamentação, o que o autor denomina de cláusula da imprevisão (art. 316, CPP); a revogação da preventiva não implica concessão da liberdade provisória, pois, tão logo seja revogada a prisão, o preso tem integralmente restituída sua liberdade, sem imposição de quaisquer restrições de direito.

11.4.1. Requisitos Fáticos: Situações Legais de Risco à Persecução Penal

O art. 312 do CPP enumera as hipóteses autorizadoras de decretação da prisão preventiva, quais sejam:

a) como garantia da ordem pública ou econômica;

b) por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Os requisitos relativos à prova da existência do crime e indício suficiente de autoria constituem o que se poderia chamar de fumus delicti ou aparência do delito. A aparência do delito deve estar presente em toda e qualquer prisão provisória (ou cautelar) como verdadeiro pressuposto da decretação da medida acautelatória.

Por essa razão, a existência de provas de ter o agente praticado o fato em legítima defesa, estado de necessidade ou qualquer outra excludente de ilicitude (art. 23 do CP) afasta a possibilidade de decretação da prisão preventiva (art. 314 do CPP).

Os requisitos relativos à conveniência da instrução criminal e a seguridade da aplicação da lei penal são evidentemente instrumentais, porque se dirigem à tutela do

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processo, funcionando como medida cautelar para garantia da efetividade do processo principal.

A conveniência da instrução criminal há de ser entendida como a prisão decretada em razão de perturbação ao regular andamento do processo, o que ocorrerá, por exemplo, quando o acusado ou qualquer outra pessoa em seu nome, estiver intimidando testemunhas, peritos, o próprio ofendido, ou ainda provocando qualquer incidente do qual resulte prejuízo manifesto para a instrução criminal.

Assegurar a aplicação da lei penal significa risco real de fuga do acusado, risco de não-aplicação da lei na hipótese de decisão condenatória. A prisão preventiva nestes casos, há de se fundar em dados concretos da realidade, não podendo revelar-se fruto de mera especulação teórica dos agentes públicos, como, por exemplo, com base na riqueza do réu que, por si só, não é suficiente para ensejar um decreto prisional.

Assim, deve-se firmar que a conveniência da instrução criminal e o assegurar a aplicação da lei penal são evidentemente instrumentais ligados à proteção do processo penal, já a prisão preventiva para garantia da ordem pública e da ordem econômica tem outros fundamentos.

Pacelli assevera que a referência expressa à garantia da ordem econômica seja absolutamente inadequada não resistindo a qualquer análise mais aprofundada que faça sobre elas; ressalvando, inclusive, que tal modalidade de prisão foi incluída no art. 312 do CPP, por obra da Lei 8.884/94 (Lei Antitruste) que trata dos ilícitos administrativos e civis, contrários à ordem econômica. Do mesmo modo, o art. 30 da Lei 7.492/86 (Lei do Colarinho Branco) prevê a decretação da prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada.

Continua o autor: a magnitude da lesão não seria amenizada e nem diminuídos os seus efeitos com a simples prisão preventiva de seu suposto autor. Se o risco é contra a ordem econômica a medida cautelar que nos parece mais adequada é o seqüestro e a indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração. Parece-nos que dessa maneira é que se poderia melhor tutelar a ordem financeira, em que há sempre o risco de perdas econômicas generalizadas.

Se por outro lado, o fato de encontrar-se em liberdade o acusado puder significar risco à ordem econômica, pela possibilidade de repetição das condutas e, assim, de ampliação dos danos, a questão poderia facilmente se deslocar para a proteção da ordem pública, já prevista na lei 8884/94. Mesmo aqui, o seqüestro e a indisponibilidade de bens e valores dos responsáveis ainda nos pareceria medida mais eficiente, ao menos sob tal perspectiva (da proteção da ordem econômica).

Tema dos mais controvertidos nos tribunais e mesmo na doutrina é a prisão para garantia de ordem pública, que não se destinando a proteger o processo, enquanto instrumento de aplicação da lei penal, dirige-se à proteção da comunidade como um todo, pressupondo que ela seria duramente atingida pelo não-aprisionamento de autores de crimes causadores de comoção social. Seja como for, a expressão garantia da ordem pública é de dificílima definição por prestar-se a justificar um perigoso controle da vida social, arrimando-se na noção de ordem e de pública, sem qualquer referência ao que seja efetivamente, a contrario sensu, a desordem.

No Brasil, a jurisprudência tem se mostrado um pouco vacilante, embora já dê sinais de ter optado pelo entendimento, segundo o qual, da noção de ordem pública deverá extrair-se o risco ponderável da repetição da ação delituosa objeto do processo.

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Houve tempo em que se defendia a prisão preventiva com o fim de proteger a integridade física do acusado, como se não fosse do Estado a responsabilidade pela atividade não jurisdicional de segurança pública.

Argumento contrário à prisão como garantia da ordem pública, encontra-se estampado na violação do princípio do estado de inocência, sob a seguinte assertiva: quer seja pela garantia da ordem pública em razão do risco de novas infrações, quer seja pela intranqüilidade causada pelo crime, de uma maneira ou de outra, estar-se-ia antecipando a culpabilidade.

Pondera Pacelli nos seguintes termos: Parece-nos, entretanto, que, sempre excepcionalmente, o princípio do estado de inocência haverá de ser flexibilizado, quando em risco valores constitucionais igualmente relevantes. Não estamos nos referindo à segurança pública como mera abstração, ou como valor a ser sopesado sem critérios empíricos, mas à sua necessária concretização, diante de hipóteses excepcionalíssimas.

Arremata o autor: (...) A prisão preventiva para garantia da ordem pública somente deve ocorrer em hipóteses de crimes gravíssimos, quer quanto à pena, quer quanto aos meios de execução utilizados, e somente quando seja possível constatar uma situação de comprovada intranqüilidade coletiva no seio da comunidade.

Para aferição do que seja realmente um clamor público, o julgador deverá levar em consideração os deletérios efeitos da manipulação da opinião pública, normalmente freqüente em tais situações, quando o assunto diz respeito aos males – que são muitos – da criminalidade, cujas razões nunca são tratadas seriamente em tais “reportagens”.

11.4.2. Requisitos Normativos: Definição dos Crimes Passíveis de Decretação de Prisão Preventiva

Dispõe o art. 313 do CPP que a regra geral é a permissão da prisão preventiva para os crimes dolosos punidos com reclusão, e desde que presentes alguns dos fundamentos previstos no art. 312 do CPP.

Para os crimes punidos com pena de detenção, a prisão somente será decretada, presentes alguns dos fundamentos do art. 312 e se: a) houver dúvida quanto à identidade do acusado ou indiciado; b) tratar-se de réu vadio (expressão esta, segundo Pacelli, inteiramente vazia de conteúdo nos dias de hoje); c) tratar-se de réu ou indiciado já condenado por outro crime doloso, por sentença penal devidamente passada em julgado (art. 64, inc. I, do CP). Mesmo nesse caso, se a condenação for anterior aos últimos 05 (cinco) anos, não será possível a decretação da prisão preventiva.

Pacelli termina este ponto com a seguinte observação:

Mas, como nunca é demais lembrar, deixe-se assentado que a presença dos requisitos normativos (art. 313 do CPP) que acabamos de mencionar não são suficientes para a decretação da prisão preventiva; é preciso também que se esteja diante de quaisquer das situações previstas no art. 312 do CPP, às quais denominamos aqui por requisitos de fato.

11.4.3. Prazo: A Construção Jurisprudencial

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Ao contrário de algumas legislações, o C.P.P. não prevê prazo expresso para a duração da prisão preventiva. A única exceção em nossa legislação encontra-se na lei 9034/95, que cuida das ações praticadas por organizações criminosas cujo art. 8º estabelece o prazo de 81 dias para o encerramento da instrução criminal, quando preso o acusado.

Na realidade, a fixação legal do mencionado prazo, de 81 dias, quando se tratar de réu preso, tem sua origem em construção jurisprudencial, firmada ao longo desses anos, em consideração aos prazos legais fixados para a prática dos atos processuais no processo penal.

Nossa jurisprudência elaborou entendimento segundo o qual, cuidando-se de réu preso provisoriamente no curso da ação penal, esta deveria estar concluída nos prazos previstos em lei, sob pena de caracterização de constrangimento ilegal. A hipótese, então, estaria a ensejar o HC, com fundamento no art. 648, II, do CPP, cujo comando considera ilegal a coação quando alguém estiver preso por mais tempo que determina a lei.

Considerou-se o prazo de 81 dias levando-se em conta desde os prazos para encerramento do inquérito policial até o prazo para a prolação da sentença, nos termos do art. 800, I, § 3°, do CPP.

Posteriormente, passou-se ao entendimento de que o prazo de 81 dias deveria ser observado até o final da instrução criminal, entendendo-se, por essa, no processo comum ordinário a fase do art. 499 do CPP que trata das diligências finais.

É este o entendimento dominante consoante anota DELMANTO JR. (As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração), tendo o STJ sumulado a questão nos seguintes termos:

Encerrada a instrução criminal fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo. (Súmula 52)

No mesmo sentido a Súmula 21, referindo-se, porém, à decisão de pronúncia, nos procedimentos do júri, para o fim de superar a alegação de excesso de prazo.

O prazo de 81 dias refere-se à somatória dos prazos apenas no rito comum, ordinário para os crimes punidos com reclusão, sendo perfeitamente válida a argumentação no sentido de que em se tratando de outro rito processual; referido prazo deveria ser alterado e adequado aos limites da lei.

Seja como for, normalmente é seguida a regra dos 81 dias, independentemente do rito, não faltando tribunais estaduais que inclusive ampliam o aludido prazo.

A contagem do prazo teria início com a prisão do acusado seja ela preventiva seja ela decorrente de flagrante delito, mantida em razão da existência de razões da preventiva. É que a partir da prisão terá inicio a contagem de prazo para o encerramento do inquérito policial (10 dias na Justiça Estadual, 15 dias prorrogáveis por mais 15 dias, na Justiça Federal) e assim sucessivamente (oferecimento da denúncia e início da instrução criminal.

Eventuais atrasos na conclusão da instrução, se não imputáveis à defesa, não deverão Ter o condão de ampliar o aludido prazo.

PACELLI cita DELMANTO JR, em obra que considera obrigatória (As modalidades de prisão provisória) firmando que o entendimento dominante é no sentido da contagem global. Contagem global significa a possibilidade de manutenção da prisão, ainda que superado determinado prazo processual pela acusação, durante a instrução, ao

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entendimento de que, em tese, seria possível a compensação do prazo então superado, nas etapas seguintes.

PACELLI diz que, em tese tal ponto de vista pode até ser aceito, mas como exceção, nunca como regra.

Resumindo: a regra é a estrita observância dos prazos processuais, somente admitindo-se a sua não-observância em situações excepcionais (complexidade da investigação ou o risco potencial decorrente da soltura dos acusados), em que se exija uma reflexão hermenêutica para além dos limites dogmáticos, na linha da necessidade de afirmação de princípios constitucionais de igual relevância.

11.4.4. Prisão Preventiva Ex Officio

Nos termos do art. 311 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada quando presentes os requisitos legais (normativos e fáticos) tanto a requerimento do MP ou do querelante, por representação da autoridade policial, quanto de ofício pelo juiz.

PACELLI assevera que a normatização constitucional afastou o juiz das funções investigatórias, de modo a preservar ao máximo a sua imparcialidade. Para essas funções de investigação, foram instituídos o MP (art. 127 da CF) e a Polícia Judiciária (art. 144 da CF).

Conclui dizendo que: a) a prisão preventiva na fase investigatória somente pode ser decretada a requerimento dos responsáveis pela investigação e legitimados à persecução em juízo; b) no curso da ação penal será possível a decretação de ofício da prisão preventiva, já que, uma vez em curso a atividade jurisdicional, pode e deve o juiz velar pelo seu desenvolvimento regular e finalístico.

11.4.5. Vedação Legal à Prisão Preventiva

Nos termos do disposto do caput do art. 236 do Código Eleitoral (lei 4737/65), é vedada a prisão e a detenção de qualquer eleitor, no período de 05 dias antes e 48 horas depois do encerramento das eleições, salvo em flagrante delito, em virtude de sentença penal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.

Em relação a violação de salvo-conduto, esta, por si só, já poderia constituir infração penal e daí flagrante delito, seja por abuso de autoridade, seja por constrangimento ilegal. Com relação a prisão decorrente de sentença penal condenatória por crime inafiançável, há de ser exigido o trânsito em julgado, já que a prisão não seria propriamente cautelar.

O §1º do art. 236 prevê que os membros da mesa receptora e fiscais do partido bem como os candidatos, gozarão dos mesmos benefícios.

Embora o código eleitoral não se refira a prisão temporária, cumpre assinalar a desnecessidade de qualquer referência expressa, para estender também a ela a vedação contida no citado art. 236 do código eleitoral. Isso porque, tanto a prisão preventiva quanto a temporária são prisões de natureza cautelares, devendo, no ponto, receber o mesmo tratamento. Também, porque, ao tempo do código eleitoral, não existia ainda a prisão temporária, sendo impossível qualquer referência legislativa.

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11.5. Prisão Temporária (Lei 7.960/89)

A prisão temporária dirige-se exclusivamente à tutela das investigações policiais, daí porque não se pode pensar na sua aplicação quando já instaurada a ação penal.

Não pode ser decretada de ofício, somente podendo ser decretada em face de representação da autoridade policial ou de requerimento do MP. Isso porque se destina à proteção das investigações policiais, cujo destinatário é o MP o legislador lembrou que a ordem constitucional de 88 impõe um modelo processual de feições acusatórias, na qual não se reserva ao magistrado o papel de acusador e muito menos de investigador.

A prisão temporária tem prazo certo e expressamente previsto na lei, que somente em caso de extrema e comprovada necessidade poderá ser prorrogado e por uma única vez, findo o qual o aprisionado deverá ser posto em liberdade, salvo se já decretada a sua prisão preventiva.

O prazo máximo da temporária é de 5 dias, prorrogáveis uma única vez, se demonstrada a extrema necessidade; se crime hediondo o prazo será de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, se demonstrada, da mesma forma, extrema necessidade.

PACELLI diz que a prisão temporária somente poderá ser decretada se presentes os requisitos cautelares (indícios de autoria e prova da materialidade), quando for imprescindível para as investigações policiais e quando se tratar de um dos crimes arrolados no inciso III do art. 1° da Lei 7960/89:

homicídio doloso;

seqüestro ou cárcere privado;

roubo;

extorsão;

extorsão mediante seqüestro;

estupro;

atentado violento ao pudor;

rapto violento;

epidemia com resultado morte;

envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte;

quadrilha ou bando;

genocídio;

trafico de drogas;

crimes contra o sistema financeiro (Lei 7492/86);

Para os demais crimes, acima não mencionados, a única prisão cautelar possível é a preventiva, nunca a temporária.

PACELLI ressalva que o prazo de prisão temporária não está incluído nos 81 dias para encerramento da instrução criminal, uma vez que tal prisão somente se justifica

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para determinados crimes mais gravemente apenados, a demonstrar maior complexidade na apuração e individuação das condutas e dos fatos. Assim, decorrido o prazo de 5 dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva.

Com isso, o prazo de encerramento do inquérito de 10 dias estando preso o acusado e de 15 dias prorrogáveis por mais 15 na Justiça Federal, somente tem início a partir da decretação da preventiva, não incluindo em tal contagem o prazo da prisão temporária.

Conclui-se daí que o prazo do inquérito policial somente começa a correr a partir da decretação da prisão preventiva.

Tratando-se de crime considerado hediondo a prisão poderá estender-se por até 60 dias se houver prorrogação.(art. 2º, §3º da lei 8072/90), finda ainda seria cabível a prisão provisória.

A Lei 9034/95 (crime organizado) estabelece prazo de 81 dias para encerramento da instrução criminal sem, contudo, expressar a espécie de prisão a partir da qual seria contado tal prazo; assim, por critérios de interpretação lógica, o entendimento do autor é no sentido de que não se inclui o prazo da temporária na definição de encerramento da instrução criminal, também em relação à Lei 9.034/95.

11.6.Prisão Cautelar: Sentença Condenatória e Decisão de Pronúncia

PACELLI posiciona-se no sentido de que não é possível a imposição da prisão como mera decorrência de decisão de pronúncia ou de sentença condenatória. Em contrapartida admiti a possibilidade da decretação ou manutenção da prisão, desde que fundamentada nas razões da preventiva, como se dela (prisão preventiva) efetivamente se tratasse.

11.7. Prisão Administrativa?

Não há no cenário brasileiro, atualmente, qualquer prisão administrativa a não ser no Direito Militar.

Capítulo 12. Da Liberdade Provisória

A partir da CF/88 o princípio da inocência tornou-se efetivamente uma realidade normativa com toda carta de positividade que vem expressa no art. 5°, § 1°, da CF, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. A privação de liberdade deve ser sempre exceção, dependente de ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente e com base exclusivamente em razões de natureza cautelar.

Do mesmo modo, por implicar em restrição de direitos, a liberdade provisória, com ou sem fiança, deve se fundamentar, igualmente, em razões cautelares.

PACELLI diz: Entendemos que a liberdade provisória, seja com ou sem fiança, somente tem cabimento a partir da prisão em flagrante, e encontra nessa a sua

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legitimação e isto porque a situação de flagrante, em si, contém uma carga probatória justificadora da aplicação de outras medidas cautelares, podendo-se, inclusive, dizer que a liberdade provisória substitui a prisão em flagrante, conforme se vê na doutrina.

Pergunta PACELLI: Por que não caberia concessão ou imposição de liberdade provisória por ocasião da sentença condenatória recorrível?

Porque se a prisão, em se tratando de réu preso, decretada, anteriormente, como preventiva, a inexistência posterior de suas razões, acarretaria a revogação da preventiva e não a concessão de liberdade provisória; agora se a prisão anterior fosse decorrente da manutenção do flagrante, o desaparecimento posterior das razões da preventiva que, por sua vez, impediram a imediata aplicação da liberdade provisória, não faria desaparecer o flagrante, sendo assim, mesmo cabível a liberdade provisória, esta decorreria em razão do flagrante. Portanto, a liberdade provisória, com ou sem fiança, por implicar uma restrição de direitos é também uma medida cautelar imposta pelo Estado ao suposto autor do crime, em virtude de ter sido ele preso em flagrante, o que pode, mesmo em tese, justificar um ponderável receio de risco de fuga, diante da inegável força probante que, via de regra, emerge da situação flagrancial.

12.1. A Liberdade Provisória Como Medida Cautelar

Desde 1977, a legislação processual fez uma opção claríssima em tema de prisão: o preso em flagrante somente terá mantida a sua prisão se, e somente se, pelo exame do auto de prisão em flagrante, se puder verificar a ocorrência de razões que determinem sua decretação de sua prisão preventiva, tal como previsto no art. 312 do C.P.P. Conseqüência: a prisão provisória, como medida cautelar que é, nos termos dos artigos 312 e 313 do CPP, era e é uma restituição de liberdade, logo após cumpridas as funções do flagrante, tendo em vista a inexistência de sentença condenatória definitiva.

A partir da CF de 88, o princípio da inocência tornou-se efetivamente uma realidade normativa, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Com isso, a privação da liberdade deve ser sempre exceção, daí porque depende de ordem escrita e fundamentada e com base exclusivamente em razões de natureza cautelar.

A liberdade provisória também implica em restrição de direitos, e a restrição de quem ainda não foi condenado. Por configurar uma restrição de direitos deve se fundamentar igualmente as razões cautelares. Por isso entendemos que a liberdade provisória só tem cabimento a partir da prisão em flagrante.

Por que não caberia a concessão ou a imposição de liberdade provisória por ocasião de sentença condenatória recorrível? Pela simples razão de que: a) se a prisão anterior foi decretada como preventiva, a inexistência posterior de duas razões – fundamento básico para a concessão de liberdade provisória – não acarretaria a concessão de liberdade provisória, mas sim a revogação da preventiva; b) se a prisão anterior fosse em decorrência da manutenção do flagrante , o desaparecimento posterior das razões da preventiva, não faria desaparecer a situação flagrancial. Assim, conforme já sustentamos, mesmo cabível àquele momento a liberdade provisória, ela decorreria inevitavelmente da prisão em flagrante.

Com isso, parece inadequada a controvérsia sobre ser a liberdade provisória, direito subjetivo do preso ou faculdade do juiz.

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Por tratar-se de medida cautelar, é possível entender o predicado provisória que acompanha o vocábulo liberdade. O que é provisória é a medida cautelar que leva esse nome, não a liberdade enquanto atributo do homem livre, enquanto direito reconhecido em todos os documentos internacionais do mundo ocidental de nossos tempos que cuidam do homem e dos direitos humanos.

12.2.Balizamentos Constitucionais: Regimes de Liberdade Provisória e Inafiançabilidade

O fato de não ser permitida para determinados crimes, a liberdade com fiança, daí serem inafiançáveis, não poderá significar nunca a impossibilidade da aplicação da liberdade provisória sem fiança, tal como admitida no próprio art 5°, LXVI, da CF, porque tal implicaria a interpretação da norma constitucional a partir da legislação ordinária, o que é absolutamente inadmissível e mesmo impensável. É o que ocorre em relação aos crimes de racismo e aos crimes de tortura, considerados inafiançáveis.

O problema todo somente existe em razão do fato de, atualmente, o regime de liberdade provisória sem fiança ser imensamente mais favorável e menos oneroso que o regime de liberdade provisória com fiança. Nada mais. Enquanto na liberdade provisória com fiança, além da prestação desta, são também exigidos o comparecimento obrigatório a todos os atos do processo e ainda a comunicação prévia de mudança de endereço e requerimento de autorização judicial para ausência de sua residência por prazo superior a oito dias; na liberdade sem fiança exige-se tão-somente o comparecimento a todos os atos do processo.

12.3.Modalidades de Liberdade Provisória

12.3.1.Liberdade Sem Fiança

Sempre que o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante ter o agente praticado o fato em legítima defesa, estado de necessidade etc (art. 310, parágrafo único, do CPP), não estarão presentes os requisitos para a preventiva, por ausência de fumus delicti ou aparência do delito, podendo-se tranqüilamente pensar-se na aplicação do parágrafo único. A essa modalidade de liberdade, do art. 310 do CPP, a doutrina convencionou dar o nome de LIBERDADE VINCULADA (sem fiança).

A LIBERDADE PROVISÓRIA VINCULADA deve ser concedida a partir da prisão em flagrante, e em substituição a essa, desde que não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva.

O exame acerca da existência de razões da prisão preventiva deve ser feito pelo auto de prisão em flagrante, tal como se acha disposto, no art. 310, § único do CPP, não se podendo exigir que a prova da inexistência das mencionadas razões seja atribuída ao aprisionado.

Assim: (...) preso em flagrante estaria já demonstrada a necessidade da prisão cabendo ao acusado fazer a contraprova?

Cabe ao Estado o ônus processual da prova da necessidade da manutenção da prisão, porque no flagrante delito não se pode mais, ao menos diante da nova ordem constitucional, reconhecer a legitimação para qualquer juízo de antecipação da

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culpabilidade, único o suficiente a fundamentar a continuidade do encarceramento flagrancial, sem a prova da sua necessidade. Ademais as prisões cautelares devem ser fundamentadas pelo Poder Judiciário; logo, cumpridas as funções do flagrante, como justificar a manutenção do cárcere, senão por ordem escrita e fundamentada?

12.3.2.Liberdade Provisória Com Fiança

Com a chegada da nova liberdade provisória do art. 310, § único, do CPP, cabível até mesmo quando o crime era considerado inafiançável e cuja exigência era unicamente o comparecimento a todos os atos do processo, a fiança, compreensivelmente entrou em declínio.

Do ponto de vista teórico, não havia e não há mesmo nenhuma vantagem na liberdade provisória com fiança, diante do regime do parágrafo único do art. 310 do CPP, quando cabíveis ambos.

Entretanto, no plano prático, pode-se apresentar pelo menos quatro grandes vantagens, vejamos:

a)nas infrações punidas com detenção ou prisão simples, a própria autoridade policial poderá arbitrar o valor da fiança, o que impedirá o recolhimento à prisão.

b)Quando somente a autoridade judicial puder arbitrar e conceder a fiança (art. 322, parágrafo único), o procedimento para seu deferimento não prevê a manifestação do MP.

c)Se afiançável e desde que prestada essa, dificilmente se recusará a possibilidade de recurso em liberdade, quando superveniente de dpc recorrível, nos termos do art. 594 do C.P.P. nesse caso, face ao princípio da proporcionalidade raramente se reconhecerá a presença de alguma das razões para a prisão preventiva.

d)A fiança. Quando cabível, pode ser prestada a qualquer tempo, enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória.assim, não será cabível a prisão provisória quando pendente recurso especial ou extraordinário, conforme vem admitindo o STF.

Com relação aos crimes contra economia popular e contra a ordem tributária, nos termos do art. 325, § 2°, do CPP, não se aplica o disposto no art. 310 e parágrafo. A exigência de fiança para tais crimes decorre do fato de gerarem maior proveito financeiro aos seus autores e somente por isso se justifica. Entretanto, se vedada a concessão da liberdade do art. 350 para aquele aprisionado que se apresenta em juízo como sendo pobre ou incapaz de pagar a fiança, sem prejuízo de sua subsistência, sob o único fundamento do maior proveito econômico-financeiro, estaremos diante de antecipação da culpabilidade.

Quanto à fixação do valor da fiança PACELLI afirma que é tarefa para matemáticos e para matemáticos atualizados e, como se sabe, não mais existe o BTN e nem mais a mesma moeda, pois já estamos na era do real. Assim, ao menos por essa razão, o melhor seria mesmo ficarmos, também aqui, com a regra do art. 310, parágrafo único.

No que se refere ao procedimento e à natureza da fiança, observamos que:

a)a fiança consiste em depósito em dinheiro, pedras, objetos etc, conforme art. 330 do C.P.P. e poderá ser prestada por qualquer pessoa.

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b)descumpridas as condições fixadas será ela julgada quebrada, cuja conseqüência é a perda da metade dos eu valor e a obrigação, por parte do réu, de recolher-se à prisão (artigos 327,328, 341 e 343 do C.P.P.)

c)se ao final, condenado o réu não se apresentar à prisão, será decretado o perdimento da fiança, que será utilizada para o pagamento das custas e despesas processuais, recolhendo-se o restante ao Tesouro Nacional (artigos 344/345).

d)absolvido o acusado, ou extinto o processo por qualquer motivo, o valor da fiança será integralmente devolvido (art. 337), salvo no caso de prescrição, quando serão descontadas as custas e despesas processuais (art. 336, parágrafo único do C.P.P.).

12.3.3.Liberdade Provisória Sem Vinculação (art. 321, do CPP) ou Restituição da Liberdade

Nas hipóteses do art. 321 do CPP, PACELLI entende que a restituição da liberdade não se configura como liberdade provisória, já que não se trata de nenhuma medida restritiva de direito, nem apresenta caráter cautelar tal liberdade.

12.3.4.Relaxamento da Prisão

Nos termos do art. 5°, LXV, da CF, a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.

A expressão relaxamento quer significar unicamente uma via de controle da legalidade da prisão, independentemente da modalidade, não se restringindo à hipótese de flagrante delito, embora a sua aplicação prática, via de regra, se dê em relação a essa.

O art. 649 do C.P.P. autoriza a concessão ex officio do HC, com fundamento na ilegalidade da coação, algumas hipóteses encontram-se no também no art. 648.

Ao contrário do relaxamento, a revogação da prisão preventiva deverá ter por fundamento a falta de motivo para que subsista, nos termos do art. 316 do CPP.

E uma vez relaxada a prisão, a conseqüência imediata será a soltura do preso, sem a imposição a ele de quaisquer restrições de direitos, uma vez que não se cuida de concessão de liberdade provisória, mas de anulação de ato praticado com violação à lei. A liberdade deverá ser plenamente restituída, tal como ocorre na revogação da preventiva, por ausência dos motivos que justificaram a sua decretação.

12.4. Inafiançabilidade e Crimes de Racismo e de Tortura

Nos termos da CF, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível como também a lei considerará crimes inafiançáveis a prática da tortura.

Embora inafiançáveis é possível a concessão da liberdade provisória nos termos do art. 310, § único, do CPP, para os crimes de racismo e de tortura, conforme entendimento de nossos tribunais superiores – STJ: RHC 5691/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves.

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Quanto aos crimes de tortura é bem de ver, arremata PACELLI, que a Lei 9.455/97, posterior à lei 8.072/90 (crimes hediondos), dedicou a tais delitos tratamento mais favorável que aquele reservado aos crimes hediondos, tanto no que se refere ao regime de cumprimento da pena, permitindo a progressão para os crimes de tortura, como na questão relativa à liberdade provisória. Enquanto a lei dos crimes hediondos veda a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, a lei de tortura, editada sete anos depois, preferiu referir-se unicamente à inafiançabilidade, conhecendo perfeitamente a diferença de significado e de conseqüências jurídicas.

12.5.As Novas Prisões Preventivas Obrigatórias Crimes Hediondos, Organizações Criminosas e Crimes de Lavagem

A Lei 8.072/90 restaurou o regime de prisão preventiva obrigatória, a impossibilidade da liberdade provisória, com ou sem fiança, para o aprisionado em flagrante, mas permite que o juiz, em caso de sentença condenatória, autorize o recurso em liberdade, desde que fundamentadamente.

Entendeu a jurisprudência que esta contradição deveria ser entendida no sentido de que aquele que se encontrasse em liberdade ao tempo da sentença seria possível recorrer, sem recolher-se à prisão; agora, se preso estivesse, não se aplicaria tal regra.

PACELLI ressalva que: a vedação da liberdade provisória agravada com a inversão da regra geral constitucional que impõe a exigência de fundamentação de toda restrição de direitos (pela citada lei, o juiz teria que fundamentar a liberdade, e não a prisão) parece-nos inegavelmente inconstitucional.

Atualmente, já há jurisprudência no sentido de se permitir a concessão da liberdade provisória, mesmo quando se tratar de delitos classificados como hediondos, se demonstrada a absoluta desnecessidade da prisão, conforme se vê em julgamento realizado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJ/RS: HC 70.005.680.384.

12. 6. Execução Provisória

O STF aceita sem maiores problemas a execução provisória da sentença penal condenatória não passada em julgado, quando na pendência de recurso especial e extraordinário, partindo do pressuposto que ambos não têm efeito suspensivo, e admitem a execução provisória (Lei n.º 8.038/90).

Trata-se de opção clara de política criminal e de política judiciária, porque rejeita a aplicação de uma norma constitucional (o princípio da inocência) baseada numa legislação ordinária.

Crítica: uma vez executada, o provimento do recurso ou concessão de habeas corpus nada poderão fazer em relação ao tempo de encarceramento provisório. Só pode encontrar justificativa na probabilidade de sua manutenção, tratando-se de antecipação de culpabilidade, incompatível com a situação de inocência do acusado.

Em infrações afiançáveis, o STF permite a prestação de fiança enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, admitindo que, uma vez prestada, pode o

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acusado aguardar em liberdade o julgamento do recurso. Este posicionamento para Pacelli é inatácavel.

Páginas: ___ a ____

Elaborado por: Renata Ovidia, Oreia Seca, Ricardo Kern, Rita de Cássia Belinasi Solano e Washington (Xoxó).

Atualizado e ampliado por Beatrice Sanchotene.

Capítulo 13 – Das Citações e Intimações

13.1 – Das citações

A citação é modalidade de ato processual que tem o objetivo de chamar o acusado ao processo para fins de conhecimento da demanda instaurada e, ao mesmo tempo, permitir o exercício da ampla defesa e das demais garantias individuais.

13.1.1 – Espécies de citação

a) Citação por mandado

É a regra no caso dela ser realizada na mesma comarca ou local que o juiz da causa exerce sua jurisdição.

Requisitos intrínsecos: deverão constar todas as informações relativas à demanda.

Requisitos extrínsecos: o oficial de justiça deve ler o mandado para o acusado e entregar a contrafé, o que será certificado nos autos, ainda que o réu se recuse a recebê-la.

b) Citação por precatória

É realizada por carta precatória quando do acusado residir fora do território onde o juiz exerce a jurisdição.

Após designar a data para o interrogatório, será expedida a carta de tudo intimando-se as partes.

Se é solicitada a juiz de outro país chama-se carta rogatória.

Constitui modalidade de citação pessoal, exigindo os mesmos requisitos da citação por mandado. Se o oficial de justiça verificar que o acusado está se ocultando para não ser citado, a carta é devolvida para que o juiz deprecante realize a citação por edital.

Se o acusado não mais se encontra naquele território de jurisdição a precatória será remetida ao Juízo sob cuja jurisdição estiver, é o que se denomina carta precatória itinerante.

c) Citação por edital

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Também conhecida por citação ficta, vez que parte do pressuposto que é possível ao réu tomar conhecimento da existência de uma acusação penal.

Se o réu, após citado por edital, não comparecer ao interrogatório e nem constituir advogado para a defesa de seus interesses, fica suspenso o processo e o prazo prescricional.

A primeira modalidade é a citação fundada no desconhecimento quanto ao local em que se encontra o réu. O oficial de justiça certifica que o réu está em local incerto e não sabido. Certificada a situação, o juiz determina a citação editalícia com prazo de quinze dias (prazo processual, entre a publicação e o dia do interrogatório).

Há decisões em que se dispensa a consulta prévia à Justiça Eleitoral e ao Ministério do Trabalho, mas, para Pacelli quando não se souber desde o início quaisquer informações onde se encontra o réu, é indispensável a consulta aos órgãos públicos disponíveis.

Quando se verificar que o acusado está se ocultando para não receber a citação, o prazo do edital é de cinco dias. Não há citação por hora certa no processo penal.

Será também por edital, quando inacessível, em virtude de epidemia, de guerra ou por outro motivo de força maior, o local onde estiver o réu (prazo judicial, entre quinze e noventa dias) e quando incerta a pessoa que tiver de ser citada (prazo de trinta dias). A única possibilidade desta última hipótese seria o caso de pessoa conhecida pública e notoriamente, embora desconhecida sua real identidade civil.

Se houver órgão de publicação oficial, ou verba para publicação particular, será publicado uma única vez edital, com o prazo, identificação do acusado, dia e local do interrogatório, e imputação, além do prazo do edital. Se não houver imprensa ou verba no local do Juízo, basta a afixação do edital na sede do Foro judiciário.

d) Citação do militar e do funcionário público

A citação do militar será feita por meio de requisição ao superior hierárquico do citando, que deverá conter as mesmas informações constantes do mandado de citação.

O funcionário público civil deverá ser citado pessoalmente, embora o CPP faça referência à notificação. O chefe é que deverá ser notificado para preservar a continuidade do serviço público. Para Pacelli, deve ser informada apenas a existência de compromisso, sem referência à imputação, para que se preserve o direito à intimidade e privacidade do acusado.

e) Citação por meio de carta rogatória

Estando o acusado no estrangeiro ou em sede de legações estrangeiras, a citação será por meio de carta rogatória. O pedido será encaminhado pelo juiz ou tribunal ao Ministro da Justiça para encaminhamento, por via diplomática, às autoridades estrangeiras competentes. Mas só se o endereço for conhecido, não se sabendo o paradeiro, segue-se a regra comum das citações por edital.

f) Citações e intimações por meio de carta de ordem

Por carta de ordem deve-se entender a determinação, por parte do tribunal, superior ou não, de cumprimento de ato ou diligência processual a serem realizados por órgãos da jurisdição da instância inferior, no curso de procedimento da competência originária daqueles.

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Ocorre quando quem houver de ser citado não residir no local da sede da jurisdição do Tribunal.

13.1.2 Citação do réu preso

A Lei n.º 10.792/03 alterou a redação do art. 360 do CPP para esclarecer que a citação do réu será sempre pessoal, por mandado ou precatória, não sendo mais possível a citação por edital (aceita anteriormente, nos termos da Súmula 351 do STF, que só considerava nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que o juiz exerce a jurisdição). Não se aceita mais que o réu preso seja simplesmente requisitado. Ele deverá ser citado pessoalmente e depois requisitado junto à autoridade policial para o acompanhamento do interrogatório.

13.1.3 Citação do incapaz e do menor

É feita pessoalmente. Se a incapacidade já for conhecida, a citação será feita na pessoa do curador designado. Uma vez comprovada a incapacidade após a instauração da ação penal, deverão ser anulados quaisquer efeitos resultantes do não atendimento oportuno ao ato de citação.

Em relação ao menor, a nomeação do curador é feita após o ato de citação, por ocasião do interrogatório, devendo ser observada a questão da superveniência do novo Código Civil, analisado em outro local do livro.

13.1.4 Revelia e suspensão do processo e do prazo prescricional

A Lei n.º 9.271/96, modificou o art. 366 do CPP que agora prevê a suspensão do processo com a correspondente suspensão do prazo prescricional sempre que o acusado, citado por edital, não comparecer ao interrogatório e nem constituir advogado para a defesa de seus interesses. Pela redação anterior, quando citado o réu por edital, o seu não comparecimento no interrogatório permitia o prosseguimento do processo à sua revelia, sendo então nomeado um defensor (dativo) para o acompanhamento da ação.

Em processo penal a revelia se verifica a partir da ausência do acusado por ocasião de qualquer ato relevante do processo, ou em razão da mudança de residência, sem comunicação do novo endereço, ou de forma injustificada, e tem, como única conseqüência, a sua não intimação para a prática dos atos subseqüentes, exceção feita à intimação da sentença que sempre será feita realizada.

Pacelli não vê como se possa aplicar por ocasião do interrogatório do réu, quando este opta pela não comparecimento, por se tratar de direito do réu não responder ao interrogatório.

A suspensão do prazo prescricional não necessita ser declarada pelo juiz, vez que decorre de lei expressa e é conseqüência da suspensão do processo. Caso haja necessidade de prática de atos de natureza urgente, o juiz poderá determinar a antecipação de provas, devendo estar presentes o Ministério Público e um defensor

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dativo. Comparecendo o acusado, será ele tido por pessoalmente citado. O juiz também pode, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP.

O prazo de suspensão deve encontrar limite prescricional máximo estabelecido no art. 109 do Código Penal assim considerada a pena máxima em abstrato para o crime, não devendo haver distinção entre o caso de não existir ação em curso, e estar a mesma suspensa.

O STF, sob o fundamento de que a suspensão de prazo de prescrição envolve matéria de Direito Material, entende que a nova regra só poderá ser aplicada a fatos praticados após a vigência da Lei 9.271/96, em razão da alteração prejudicial trazida com a suspensão do prazo prescricional. Pacelli não concorda, vez que considera a nova regra é mais benéfica que a anterior. Só seria prejudicial se houvesse a suspensão do prazo prescricional com o prosseguimento regular do processo, ou a suspensão do processo, com o curso normal do prazo prescricional. Para ele, a prescrição só pode ser interpretada como direito do autor a partir da constatação da inércia ou insuficiência dos órgãos responsáveis pela apuração e persecução penal.

a) Crimes de lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98) e citação por edital

Segundo o art. 2º, §2º desta lei, no processo por crime previsto nesta lei, não se aplica o disposto no art. 366 do CPP. Assim, para o procedimento desta Lei, o juiz deverá nomear defensor dativo ao acusado que não comparecer ou não constituir advogado, prosseguindo-se o processo. Trata-se de tratamento desigual, que atende às particularidades pertinentes aos delitos da chamada criminalidade macroeconômica, em que o grau de organização e de recursos materiais torna muito mais difícil e complexa a punibilidade.

13.2. Das intimações

Intimação é o ato pelo qual se dá conhecimento da prática dos demais atos processuais realizados (fora o interrogatório), bem como da necessidade ou possibilidade da participação, tanto das partes quanto das pessoas (terceiros) que, eventualmente, devam ou possam a eles estar presentes.

Quanto aos terceiros (testemunhas, peritos, intérpretes, assistentes técnicos dos peritos) e ao acusado a intimação deve ser pessoalmente via mandado. Já a intimação dos advogados constituídos pelo réu ou pelo querelante, e dos advogados dos assistentes de acusação, será feita pela imprensa (onde houver). Caso não haja poderá ser feita diretamente pelo escrivão, por mandado ou por via postal.

Quanto ao defensor dativo, a intimação deverá ser pessoal, via mandado, e seus prazos serão contados em dobro (art. 5º, §5º da Lei 1060/50 e art. 44, I da LC n. 80/94 – defensoria pública), para práticas de atos futuros para os quais tenha sido intimado, e não dos atos em que esteja presente, como manifestações orais. Quanto ao parquet, as leis orgânicas (Lei 8.625/93 e LC 75/93) prevêem a intimação pessoal e nos autos e não por meio de mandado, devendo, portanto, os autos serem remetidos ao Ministério Público para a realização da intimação.

Estando todos os interessados reunidos por ocasião da realização da audiência, pode haver intimação de prática de ato processual futuro.

Há entendimento tanto do STF, quanto do STJ de que, em se tratando de oitiva de testemunha por meio de carta precatória, basta a intimação da expedição da carta,

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sendo desnecessária a intimação da data da audiência no juízo deprecado. A medida, para Pacelli, é restritiva do direito à ampla defesa.

Capítulo 14 – Dos Atos Processuais e dos Atos Judiciais

14.1 Dos atos processuais

Os atos processuais seguem as mesmas classificações dos atos jurídicos: em atos processuais (a vontade se encontra presente) e em fatos processuais (a constituição, a modificação ou a extinção dos direitos decorrem de eventos com aptidão para gerar efeitos jurídicos, independentemente da intervenção da vontade).

Em relação à natureza dividem-se em atos processuais postulatórios, instrutórios e decisórios.

Atos postulatórios – referem-se aos requerimentos feitos pelas partes, notadamente o autor, uma vez que a defesa, a rigor, não postula, mas sim contesta e refuta as imputações e alegações feitas na inicial.

Atos instrutórios – toda a atividade probatória desenvolvida pelas partes, o que se dá, normalmente, na fase de instrução criminal. As alegações finais apresentam características tanto de atos instrutórios (quando viabilizam o exame de novas provas) quanto de atos postulatórios (quando, nas ações penais privadas, se exige o requerimento de condenação do querelado). Mas a rigor o prazo para oferecimento das alegações finais não integra a instrução criminal para fins da Súmula 52 (constrangimento por excesso de prazo).

Atos decisórios – são privativos do juiz, em regra após a fase instrutória, mas pode ocorrer na fase pré-processual e até antes daquela fase, como no caso de reconhecimento de causa extintiva da punibilidade.

Os atos processuais são realizados a qualquer tempo e hora, independentemente de férias ou feriado, à exceção das sessões de julgamento, cujo início não será designado para essas datas, podendo, porém continuar as sessões iniciadas em dia útil.

A Lei n. 9.800/99 permitiu às partes a utilização de sistemas de transmissão de dados para a prática de atos processuais, os originais, nesse caso, devem ser entregues até cinco dias da data da recepção do material ou do encerramento do prazo previsto para a diligência (se houver).

A regra é a publicidade dos atos processuais, entretanto, é excepcionada quando sua prática puser em risco a perturbação da ordem no local ou a preservação da dignidade do acusado.

14.1.1 Dos prazos processuais

Por prazo deve-se entender o interregno de tempo estabelecido em lei ou pelo juiz para a prática de determinado ato processual, a ser delimitado entre um termo inicial e um termo final. O art. 798 do CPP dispõe que todos os prazos correrão em cartório, mas tanto o contraditório, com sua exigência de participação em igualdade (a par conditio)

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quanto o princípio da ampla defesa impõem o afastamento desta regra. Igualdade porque o órgão de acusação tem amplo acesso aos autos, segundo suas leis orgânicas. Também o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94 – art. 7º, XV) garante ao advogado o acesso direto aos autos.

Também não há como pretender que havendo pluralidade de acusados e defensores deva o prazo ser o mesmo. Para Pacelli, cada defensor, pelo critério de igualdade material, deverá ter o mesmo prazo oferecido à acusação, em separado e fora do cartório.

O prazo será contínuo, não sendo interrompida a contagem, salvo se houver impedimento do juiz (moléstia), ou do Juízo onde se exerce a jurisdição (fechamento do fórum), força maior, ou obstáculo judicial oposto pela parte contrária.

Os prazos são peremptórios, não se podendo prorrogá-los, salvo as exceções previstas em lei, como no caso do prazo terminar em dia em que não haja expediente forense. Por dia em que não há expediente além dos domingos e feriados deve-se incluir o sábado (Súmula 310 do STF).

Quanto à contagem do prazos há que se distinguir a data em que os prazos correm, daquela em que eles são contados. Os prazos começam a correr, salvo expressa ressalva, da data da intimação, da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, ou do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou despacho. No entanto, a contagem é feita excluído o dia de começo e incluindo o dia do vencimento. Tanto o início quanto o final da contagem devem realizar-se em dias úteis.

Assim, feita a intimação na sexta-feira o prazo começa a correr neste dia, mas a contagem começa da segunda ou no primeiro dia útil subseqüente. Mirabete sustenta que não só o início da contagem deve ser em dia útil, mas que também o dia da intimação somente deveria ser considerado quando esta fosse realizada em dia útil, aplicando-se, por analogia, o art. 240, parágrafo único do CPC. Pacelli não concorda, por existir regra expressa no CPP.

Em relação ao prazo de intimação feita por precatória, havia o entendimento minoritário de que o prazo teria início com sua juntada aos autos (analogia com o CPC). Entretanto, a súmula 710 do STF pacificou a matéria ao dispor que, no processo penal, contam-se os prazos da data de intimação e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem. Há a exceção do procedimento no tráfico de drogas, uma vez que a Lei n. 10.409/02 prevê o início do prazo para resposta escrita do réu a partir da juntada do mandado.

O art. 800 do CPP dispõe que as sentenças e as decisões interlocutórias mistas serão proferidas no prazo de dez dias, enquanto as interlocutórias simples em cinco dias, e os despachos em um dia.

Os prazos para o MP serão contados do termo de vista, salvo para interposição de recurso. Neste último caso, para Pacelli, a data a ser considerada é a data da intimação pessoal nos autos, e não do ingresso dos autos na sede do MP. Todavia recente decisão do Pleno do STF alterou este entendimento, para considerar que o prazo recursal deve ser contado a partir do ingresso dos autos no MP, e não da data de seu efetivo encaminhamento ao membro do parquet.

A condenação do acusado implica sua responsabilidade pelo pagamento das custas ao final do processo. Nas ações penais privadas cabe às partes o depósito antecipado das custas, sob pena de não se realizar as diligências, salvo quando se tratar de réu pobre, quando o Estado deve prestar assistência judiciária.

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14.2 Dos atos judiciais

Há atos em que o juiz simplesmente determina o seguimento do feito, sem se deter no exame de qualquer questão controvertida. São os atos de impulso processual, designados por despachos. Há aqueles em que o juiz é chamado para resolver ponto ou questão sob os quais paire controvérsia relevante sobre matéria exclusivamente processual ou sobre a própria pretensão de direito material, são as decisões judiciais.

14.2.1 Decisões interlocutórias

Segundo Grinover et alli (Recursos no processo penal), há três categorias que coincidem com as do processo civil: a sentença definitiva de mérito, absolvendo ou condenando; a decisão interlocutória (simples), decidindo questões incidentes, de índole processual; e os despachos, cuidando de mero expediente.

Os despachos de mero expediente são irrecorríveis, cabendo apenas a utilização do instrumento da correição, para o fim de controle do error in procedendo, erro em relação a questões procedimentais, das quais poderá resultar prejuízo efetivo para o andamento do feito.

As decisões interlocutórias simples, em regra, são irrecorríveis, não ocorrendo a preclusão das questões que podem ser rediscutidas na apelação ou, dependendo da gravidade, pode caber habeas corpus ou mandado de segurança. São exemplos a decisão de recebimento da denúncia ou queixa, indeferimento de habilitação do assistente. Quando submetidas a prazos preclusivos, são passíveis de impugnação via recurso em sentido estrito. Resolvem questões processuais e não extinguem o processo.

A decisão interlocutória mista encerra ora a própria relação processual, ora uma fase procedimental bem delineada, como a decisão de pronúncia. A decisão de rejeição da denúncia poderá ser classificada como interlocutória mista. Trata-se de uma classificação que diz mais respeito às conseqüências jurídicas da decisão para a relação processual. Serão interlocutórias quaisquer decisões que não julguem o mérito da pretensão penal ou que julguem procedentes as exceções processuais (salvo a de suspeição, que é irrecorrível).

Das decisões interlocutórias simples (quando cabível recurso) e das decisões interlocutórias mistas cabem recurso em sentido estrito.

Crítica a essa classificação: como considerar interlocutória uma decisão que julga extinta a punibilidade, onde indiscutivelmente há decisão ou solução de mérito? Essa classificação, no entanto, permite uma distinção entre a decisão extintiva da punibilidade e as sentenças propriamente ditas, que apreciam o mérito (e não apenas resolvem o mérito) absolvendo ou condenando.

Tourinho chama as decisões extintivas da punibilidade de terminativas de mérito, pois embora não apreciem o fato concreto, põem termo ao processo com julgamento de mérito.

Há outras classificações. Grinover et alli, classificam os atos judiciais segundo extingam ou não o processo e, depois, segundo a extinção se dê com ou sem julgamento de mérito. Para esses autores a decisão que extingue a punibilidade seria definitiva ou

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com força de definitiva. Essa classificação não permite a identificação do recurso cabível contra a decisão.

14.2.2 Decisões com força de definitivas

As decisões com força de definitiva são as que se submetem ao controle das apelações, porque são decisões que encerram o processo ou o procedimento, com o julgamento do mérito.

A decisão que extingue o processo e aprecia o mérito da pretensão punitiva é a sentença, que pode ser absolutória, condenatória ou ainda absolutória imprópria, quando impõe medida de segurança. Decisão com força de definitiva poriam fim a determinados procedimentos ou processos incidentes, como o de restituição de coisa apreendida, levantamento de seqüestro etc. Haverá a apreciação do mérito do processo incidente e não da ação penal.

Tais procedimentos têm por objeto matéria distinta e desconectada do mérito da ação penal principal, o que não ocorre com o incidente de falsidade, as exceções de litispendência, coisa julgada ou ilegitimidade de parte, para os quais o recurso cabível é o recurso em sentido estrito. Essas últimas são decisões interlocutórias, simples ou mistas.

14.2.3 Sentenças

Por meio da sentença o juiz julga definitivamente o mérito da pretensão penal, resolvendo-o em todas as suas etapas: a imputação da existência de um fato (materialidade), imputação da autoria desse fato, e o juízo de adequação ou valoração jurídico-penal da conduta. A decisão dará por apreciada em toda extensão e profundidade a matéria relativa ao caso penal.

As sentenças extinguem o processo com julgamento do mérito da pretensão punitiva, ainda que não tenha apreciado todos os seus aspectos. É possível que a sentença até deixe de apreciar a materialidade e autoria da ação por entender que o fato é atípico (com base no art. 386, III do CPP). Enquanto a decisão que rejeita a denúncia pela atipicidade somente impede a rediscussão do fato como ali narrado, a sentença absolutória faz coisa julgada ao fato efetivamente ocorrido (e não ao fato narrado). A primeira é decisão interlocutória mista, ainda que com efeitos preclusivos típicos de coisa julgada material. Já a segunda, sentença definitiva, será impugnada via apelação.

As sentenças ou são condenatórias ou absolutórias, podendo ser absolutória imprópria, com a imposição de medida de segurança. Esta última é absolutória pela ausência de culpabilidade do acusado.

A decisão que concede ou nega habeas corpus (proteção da liberdade ou do direito de ir e vir), não implica necessariamente a extinção do procedimento investigatório ou da ação penal em curso. Mesmo quando tem essa conseqüência, jamais julga o mérito da ação penal. Normalmente a concessão de habeas corpus baseia-se na atipicidade da conduta, na ausência mínima de suporte probatório, ou por já encontrar extinta a punibilidade. Tratam-se, portanto de decisões interlocutórias mistas, extintivas do processo, sem a apreciação ou julgamento do mérito, embora com eficácia preclusiva típica da coisa julgada material. Como tem o mesmo enquadramento, tem a mesma via recursal: recurso em sentido estrito.

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Já a decisão de absolvição sumária, pela qual se afasta a competência do Tribunal do Júri, é uma sentença com exame indispensável tanto da existência e autoria do fato, quanto do seu enquadramento penal, fundada em provas cabais e induvidosas, colhidas em contraditório. A coisa julgada daí advinda é inegavelmente material, impedindo novas investidas acusatórias sobre o mesmo fato. No entanto, para o nosso CPP, o recurso cabível é o recurso em sentido estrito, talvez por ser proferida durante o iter procedimental, havendo, com ela, um encerramento prematuro e antecipado do processo.

14.2.3.1 A correlação entre sentença e pedido

No processo penal o pedido é sempre genérico, no sentido de com ele se viabilizar a correta aplicação da lei. O juiz criminal está vinculado apenas à imputação dos fatos, atribuindo-lhes a conseqüência jurídica que lhe parecer adequada, em relação à classificação e à pena e à sua quantidade. No processo penal, cabe ao autor delimitar apenas a causa petendi, não sendo necessário, como no processo civil, delimitar a providência que lhe parece necessária. O pedido no processo penal seria o de condenação. O réu não poderá jamais ser condenado pela prática de fato não constante da denúncia ou queixa, ou por fato diverso daquele ali mencionado, sem que antes se proceda à correção da inicial.

Para Pacelli sequer o pedido expresso de condenação é indispensável à aptidão da inicial, por não estar previsto no art. 41 do CPP. Mesmo nas ações privadas o que se exige é o pedido de condenação por ocasião das alegações finais.

O princípio da correlação no processo penal há de se arrimar na causa petendi, na causa penal trazida a juízo, consistente na imputação da prática de determinada conduta, comissiva ou omissiva, que configure específica modalidade delituosa.

14.2.3.2 Emendatio libelli

Ao Estado interessa tanto a absolvição do inocente quanto a condenação do culpado, o que deve ser buscado é a correta aplicação da lei penal no caso concreto. A emendatio libelli é a expressão mais eloqüente desse compromisso com a preservação da ordem jurídica.

A conseqüência jurídica extraída pelo autor da ação penal dos fatos narrados na denúncia ou queixa não vincula o juiz da causa. A emendatio é a correção da inicial para o fim de adequar o fato narrado e efetivamente provado ao tipo penal previsto na lei.

Conforme está previsto no art. 383 do CPP, o juiz poderá dar ao fato definição jurídica (=capitulação ou classificação) diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que tenha que aplicar pena mais grave. Não se exige a adoção de qualquer outra providência, uma vez que o réu se defende não da capitulação, mas da imputação da prática de conduta criminosa.

Pode ser adotada em qualquer grau de jurisdição, limitada apenas, no segundo grau, pela proibição da reformatio in pejus. Não havendo recurso do MP, mesmo que o Tribunal corrija a capitulação do crime, não poderá nunca aplicar pena mais grave.

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14.2.3.3 Mutatio libelli

Trata-se de uma das mais autoritárias manifestações do nosso ordenamento processual penal. Está prevista no art. 384 do CPP. Na mutatio libelli, há uma nova definição do próprio fato. Uma vez realizada a instrução criminal, se o juiz entender provada existência de outro fato não contido (nem implicitamente) na denúncia ou na queixa, poderá ele mesmo alterar a inicial, para o fim de incluir a circunstância que entendeu provada.

Trata-se de expediente autoritário na medida em que permite a iniciativa postulatória do órgão da jurisdição penal, o que colide de frente com o nosso atual modelo acusatório, que reserva a titularidade da ação penal pública ao MP, com privatividade. O que se está admitindo é a instauração de nova ação penal, pela via do aditamento. Este aditamento afasta a possibilidade de prescrição que poderia ocorrer com aditamento pelo parquet.

A inclusão de fato novo não pode significar a mudança completa da acusação. O fato novo deve se agregar ao núcleo da conduta imputada, como acréscimo, como ocorre ao se acrescentar a violência ao furto, chegando à definição de roubo, mas a subtração da coisa permanece.

Excepcionalmente pode haver modificação do fato implicitamente contido na denúncia. Como no caso do crime de furto, depois da mutatio, pode apresentar o delito de apropriação indébita, mantendo-se o núcleo da ação sobre a coisa certa e determinada. Isto porque a retenção está implicitamente contida, enquanto que a subtração está explícita.

O procedimento da mutatio é também autoritário por antecipar o convencimento judicial. Tem um caráter inquisitorial, com a probabilidade de o juiz examinar a prova superveniente já impregnado com o convencimento anterior (da prova de existência de fato novo).

A regra da mutatio tem a vantagem de representar a garantia contra a atividade persecutória do Estado, atuando nos limites objetivos da coisa julgada. Isto porque confirma uma teoria construída a partir do pressuposto do fato da realidade, como fundamento da verdade e da certeza jurídica no âmbito penal.

O caput do art. 384 prevê que a alteração pode ser efetuada pelo juiz, desde que a pena resultante da nova definição jurídica do novo fato seja igual ou inferior àquela do tipo penal indicado na inicial. Aplica-se tanto à ação privada quanto à pública. O juiz na ação privada estará fazendo imputação de fato cuja iniciativa é do querelante, o que Pacelli considera absurdo, evidenciado ainda mais em razão da alteração da legitimidade ativa privada.

Quando a pena for mais grave, aplica-se o parágrafo único do art. 384. O juiz baixa os autos para o MP aditar a denúncia ou queixa, em se tratando de ação privada subsidiária da queixa. Somente será possível em casos de ações penais públicas.

No caso de ação privada, se após a instrução o juiz entender que da presença de circunstância elementar não contida na queixa puder resultar crime de ação pública, nada impede que os autos sejam enviados ao MP, para apresentação de aditamento, equivalente, no caso, ao oferecimento da denúncia. Deve, no entanto, ser reaberta toda a fase probatória.

Nos casos em que é cabível a mutatio, se o órgão do MP se recusar a oferecer o aditamento, o juiz simplesmente julga o processo nos termos da imputação feita,

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podendo daí resultar até a absolvição do réu, pela ausência de imputação típica. Poderá, ainda, segundo Pacelli, o magistrado valer-se do disposto no art. 28, CPP (e art. 62 da LC 75/93, no caso do MPF)

A regra do art. 384 (caput ou parágrafo único), só se aplica em primeira instância, sob pena de se admitir que o Tribunal conhecesse de matéria não submetida à apreciação no primeiro grau, implicando supressão de instância. Nesse sentido, a súmula 453 do STF.

14.2.3.3 Motivação e dispositivo das sentenças

Nas sentenças absolutórias, embora o CPP, em seu art. 386, mencione causa, na verdade, cuida-se do fundamento da decisão. Com base nessas causas ou motivos, a decisão de absolvição faz com que fiquem deduzidas e repelidas todas as alegações, quanto àquele fato específico, que a acusação poderia incluir ou acrescentar para o acolhimento da pretensão punitiva.

Algumas das causas de absolvição têm efeitos vinculantes no juízo cível, como é o caso da prova da inexistência do fato (386, I), existência de causas de justificação ou excludentes da ilicitude (V), embora algumas não sejam suficientes para repelir a responsabilidade civil.

A decisão de absolvição, para efeitos penais, passada em julgado, tem como efeito a preclusão de toda e qualquer via impugnativa de seu conteúdo, impedindo a instauração de nova ação penal, de mesmo fundamento de fato.

Quando o juiz absolve porque está provado não ser o réu o autor do fato o correto é enquadrar no inciso IV do art. 386 (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração).

As causas da sentença absolutória são:

a) estar provada a inexistência do fato

Essa circunstância tem importante efeito no juízo cível, impedindo a responsabilidade civil. Deve existir prova categórica da inexistência material do fato narrado na denúncia. Aqui há uma demonstração de certeza do juiz.

b) inexistência de prova acerca da existência do fato, de ter réu concorrido para a infração ou de prova suficiente para a condenação.

Aqui o juiz absolve com base na incerteza quanto à comprovação de determinados fatos, à autoria e à materialidade. Não impede que o fato seja objeto de nova cognição pelo juízo cível.

Quanto à atipicidade, às causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, é importante ressaltar que, embora o fato seja atípico para o direito penal, nada impede a punição civil e administrativa pelo resíduo. As implicações da absolvição por exclusão da antijuridicidade ou culpabilidade já foram analisadas anteriormente.

No processo penal, um dos efeitos da absolvição, além daqueles próprios da coisa julgada, é a imposição ao juiz da imediata soltura do réu preso.

O juiz pode condenar a despeito de pedido de absolvição feito pelo MP em fase de alegações finais, vez que compete ao juiz a correta aplicação da lei, independentemente da atuação das partes. Esse entendimento não é compartilhado por

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Paulo Rangel que entende ser tal permissivo incompatível com o sistema acusatório consagrado na CF.

O juiz pode reconhecer atenuantes não alegadas. No que se refere às agravantes não alegadas, o autor considera inaceitável que o juiz aplique de ofício as previstas no art. 62 do CPB, porque são agravantes de fato. As agravantes de situação jurídica, como é o caso da reincidência, podem ser aplicada independentemente de alegação.

As agravantes do art. 61, II, ou são constitutivas ou são qualificadoras de tipos penais e não podem ser reconhecidas de ofício. Idêntico tratamento é dado às qualificadoras e as causas de aumento de pena da parte especial.

14.2.3.5 Intimação da sentença

A intimação pessoal da sentença deve ser feita em qualquer hipótese em decorrência do principio constitucional da ampla defesa, estando revogado o inciso II, do art. 392 que permite a intimação por intermédio do defensor.

Não sendo o réu encontrado, independentemente da natureza da infração e de ser o defensor constituído ou não, a intimação do réu deve ser feita por edital.

O defensor deverá ser sempre intimado da sentença pessoalmente ou por meio de edital se não for encontrado.

Em se tratando do procedimento do júri, a sentença de pronúncia (que não é tecnicamente sentença), a intimação deverá ser sempre feita pessoalmente ao réu quando se tratar de crimes inafiançáveis.

O prazo recursal, inclusive para embargos declaratórios flui da ultima intimação (acusado ou do defensor).

Toda prisão, incluindo a manutenção da prisão, deve ser motivada pela autoridade em bases cautelares, não se admitindo a custódia ou privação da liberdade como simples e mera decorrência de decisão condenatória. Desta forma, não se admite seja lançado o nome do réu no rol dos culpados, enquanto não passar em julgado a sentença condenatória.

14.2.4 Coisa julgada em matéria penal

Coisa julgada não é um efeito. É uma qualidade que se agrega à sentença contra a qual não caiba mais recurso.

A sentença condenatória pode ser rescindida a qualquer tempo, inclusive depois da morte do réu.

A coisa julgada que imuniza a sentença absolutória cumpre função de controle, impondo aos órgãos estatais (polícia e MP) redobradas cautelas no exercício de suas funções.

O arquivamento do IP a pedido do MP é feito por decisão (e não despacho) que adquire o status de coisa julgada formal, embora seja possível a reabertura das investigações no mesmo processo quando diante de novo acervo probatório.

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A decisão que conclui pela atipicidade do fato faz coisa julgada material, impedindo qualquer discussão acerca dos fatos. O mesmo acontece com a decisão que pronuncia a prescrição.

Os limites subjetivos da coisa julgada penal são já sabidos, quais sejam: a pena não passará da pessoa do condenado. Quanto aos limites objetivos, importa dizer que a atividade persecutória penal deve se desenvolver sob rígidos padrões de eficiência diante do risco de afetação do patrimônio moral de quem se acha submetido à acusação da pratica de infração penal. Partindo da premissa de que a coisa julgada na sentença absolutória constitui garantia do indivíduo contra o Estado, o autor formula a tese de que o que faz coisa julgada é a realidade histórica como conteúdo da coisa julgada penal absolutória.

Outro importante fundamento apontado pelo autor é o fato do CPP prever a mutatio libeli (art. 384) acrescida da possibilidade de aditamento da denúncia, possibilitando ao MP alterar a imputação durante toda a persecução penal, de sorte que o que faz coisa julgada é o fato como efetivamente realizado, independentemente do acerto ou equívoco da imputação. Em suma: o que faz coisa julgada é realidade histórica. Ainda que fato narrado na denúncia, sobre o qual se desenvolveu toda a atividade probatória, não se subsuma efetivamente àquela realidade histórica, uma vez proferida sentença definitiva, nunca mais se poderá instaurar nova persecução penal sob o mesmo fundamento, ou seja, sobre mesmo fato.

O que fará coisa julgada não é unicamente o núcleo central da conduta imputada ao réu. Abarcará a conduta central, bem como quaisquer que tenha sido, na realidade, as suas circunstâncias e/ou circunstâncias elementares. Quando alguém é absolvido a imputação de furto, ficará impedida qualquer persecução por prática de fato que leve à transferência de propriedade, como a apropriação indébita, roubo, a ameaça para a prática da subtração. Enfim, tudo ficará acobertado pelo manto da coisa julgada como desdobramento lógico dedutivo do julgamento (preclusão lógica).

A vedação da revisão em favor do Estado assenta-se na necessidade de controle da atividade estatal persecutória, na necessidade de segurança jurídica individual e coletiva.

A possibilidade de prosseguimento do processo arquivado com fundamento em certidão de óbito falsificada, admitida que foi pelo STF, encontra respaldo porque (I) não teria havido sentença absolutória, como se exige para a formação da coisa julgada penal e como dispõe expressamente o Pacto de São José da Costa Rica e (II) não teria havido negligência, nem ausência do serviço que pudesse ser imputada ao Estado, como ocorreria na ação penal na qual o acusado seqüestrasse testemunhas do crime, logrando obter a absolvição.

Capítulo 15 - Dos Procedimentos

15.1 Processo e Procedimento

Processo seria o instrumento por meio do qual se manifesta a jurisdição, devendo ser encarado sob o prisma se sua finalidade: o provimento judicial final, com a solução da controvérsia e a concretização da atuação do direito.

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O processo seria o gênero, enquanto os diversos procedimentos seriam as espécies, muito embora se deva registrar a teoria de Elio Fazzalari que inverte essa noção ao afirmar que o processo não é gênero, mas tão-somente uma espécie de procedimento cuja nota distintiva seria o fato de ser realizado em contraditório. Essa teoria poderia autorizar os Estados membros a legislar sobre processo com fundamento no art. 24, XI, da CF.

O procedimento seria forma de desenvolvimento do processo, delimitando os caminhos a serem seguidos na apuração judicial do caso penal. É o rito processual. Ritualística seria a mera seqüência dos atos processuais.

Cumpre ressaltar que no processo penal há procedimentos condenatórios, que são a regra, inseridos nas ações penais ditas condenatórias, e procedimentos não condenatórios, regulando ações autônomas, em que se cuida de pretensões não condenatórias, não punitivas, como é o caso da ação de habeas corpus e da revisão criminal.

15.2 Procedimento comum

O processo penal tem início com o oferecimento da denúncia e da queixa. Embora até então não se possa falar em relação processual, porque ainda não citado o réu, o fato é que é de processo mesmo que se cuida, pois ali já estará provocada a jurisdição, reclamando-se a atuação do juiz, seja para receber, seja para rejeitar a peça acusatória.

É possível até que o juiz, sem rejeitar ou receber a inicial, proceda de modo distinto, encerrando no nascedouro a pretensão punitiva, com solução (e não apreciação ou julgamento) de mérito, quando presente quaisquer das causas extintivas da punibilidade. Assim também quando o juiz reconhecer ser o fato manifestamente atípico.

A distinção dos procedimentos varia conforme a natureza do delito, a respectiva apenação, e, às vezes, conforme o órgão encarregado do julgamento, como ocorre nos crimes de competência originária dos Tribunais. No Tribunal do Júri, teríamos dupla fundamentação: em razão da natureza e em razão do órgão da jurisdição. A regra geral é, no entanto, estabelecida segundo se trate de reclusão ou detenção.

O CPP previa também uma espécie de rito sumário para as contravenções. Previa o início da ação penal por meio de portaria da autoridade policial ou judiciária. O mesmo rito foi revogado pela CF/88, que atribui ao MP a titularidade exclusividade para as ações penais públicas. Para Pacelli, não há como aproveitar nem mesmo parcialmente o rito do artigo 531 do CPP. O melhor caminho seria a aplicação do rito sumário cabível para os crimes punidos com detenção.

15.2.1 Procedimento comum (ordinário) de competência do juiz singular: crimes punidos com reclusão.

O autor limita-se a descrever o iter procedimental descrito no CPP.

Recebida a denúncia é designada, desde logo, a data para a interrogatório do réu. A chamada fase instrutória dá-se do recebimento da denúncia e designação do interrogatório ao encerramento da oitiva das testemunhas de defesa.

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Entretanto é prevista ainda uma fase de diligências finais, a serem requeridas pelas partes, em 24 horas, e cuja necessidade ou conveniência se origine de fatos apurados na instrução. Aqui, o prazo da instrução criminal se estenderá até a fase do artigo 499. Com isso, nesse tipo de procedimento, o excesso de prazo de prisão, para fins de impetração de habeas corpus, somente ocorrerá após o encerramento da citada fase. É o entendimento da jurisprudência.

Encerrado o interrogatório, o juiz designará defensor dativo ao acusado que não tenha constituído advogado, abrindo-se o prazo de 3 dias para defesa prévia.

Se o réu, intimado para o interrogatório por meio de edital a ele não comparecer nem constituir defensor, o processo será suspenso, suspendendo-se o prazo prescricional ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva (esta não é decorrência automática da sentença). Caso citado pessoalmente e não compareça, deve ser-lhe nomeado defensor dativo, entretanto, como já manifestado pelo autor, o não comparecimento do réu ao interrogatório não pode gerar por si só a revelia e seus efeitos (não intimação para os demais atos, por exemplo) porque o comparecimento ao ato é uma faculdade do réu, cujo não-exercício não poderá gerar quaisquer conseqüências.

O réu deve arrolar as testemunhas na fase da defesa prévia, sob pena de incorrer em preclusão, não podendo fazê-lo posteriormente. O princípio inquisitivo possibilita a iniciativa do juiz em busca da verdade real. O autor, no entanto, entende que a iniciativa do juiz está limitada à produção de prova tendente à absolvição do réu. Jamais em busca de provas para a condenação.

A defesa prévia constitui-se na primeira intervenção da chamada defesa técnica. É somente nessa ocasião que sedará início ao processo realizado em contraditório, coma abertura para o exercício da ampla defesa. As chamadas exceções processuais, dilatórias (que apenas prolongam a marcha processual: incompetência, suspeição, com exceção de incompetência relativa, embora permita o acolhimento de ofício, deverá ser ofertada pela parte sob pena de preclusão) e peremptórias (que objetivam extinguir o processo; estão umbilicalmente ligadas ao mérito da pretensão punitiva: coisa julgada, litispendência) podem (e algumas devem) ser opostas exatamente no prazo dessa primeira intervenção técnica.

Algumas exceções que cuida de matérias umbilicalmente ligadas ao mérito da pretensão punitiva então ajuizada, sobretudo as peremptórias, como a coisa julgada, a ilegitimidade de parte e a litispendência, embora devam ser opostas no prazo da defesa prévia poderão, na realidade, ser reconhecidas a qualquer tempo. É que se tratam de verdadeiras prejudiciais ao mérito. Prejudiciais não no sentido do artigo 90 e ss. do CPP, mas no sentido de solucionarem, quando apreciadas, toda a matéria contida na ação penal.

Se, todavia, não tiver sido oposta tempestivamente a exceção, bem como se o juiz reconhecer, após a defesa prévia de que se trata de fato atípico, Pacelli entende que, mesmo o processo penal não admitindo julgamento antecipado do mérito, sendo exceção as causas extintivas da punibilidade que podem ser reconhecidas a qualquer tempo, ambas as questões devem ser resolvidas desde logo. E pela mesma via: a do reconhecimento, de ofício, da nulidade do ato processual no qual se recebeu a denúncia, pois o juiz, em nosso sistema de nulidades tem poderes para reconhecer até mesmo o vício passível de nulidade relativa.

Estaria o juiz inteiramente livre para proferir nova decisão sobre a peça acusatória, para o fim de poder rejeitá-la, à conta de ausência de pressupostos processuais, no caso de coisa julgada ou litispendência, ou na hipótese de atipicidade.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira152

Superadas ou não opostas quaisquer das exceções, seria a oitiva das testemunhas de acusação e de defesa. No caso de réu preso, as diligências deverão estar concluídas em 40 dias, sendo 20 para as de acusação e 20 para as de defesa. Não sendo encontrada alguma testemunha, as partes poderão promover a sua substituição.

No procedimento do júri não é possível a juntada de documentos na fase do art. 406, embora possam fazê-lo em momento posterior.

A desistência de testemunha arrolada por uma parte não está condicionada à concordância da outra. Se a outra parte também quiser o depoimento da testemunha, deverá arrolá-la.

Na fase do art. 499 do CPP não se tem reabertura da instrução. Ali somente podem ser deferidas provas para esclarecimento de questões surgidas de fatos e circunstâncias surgidas durante a instrução.

Na fase de alegações finais (art. 500) não se aplica a previsão de que o prazo correria em cartório porque ofensiva ao princípio da ampla defesa .

Havendo co-réus com defensores diferentes, deverá o juiz conceder prazo de três dias para alegações finais para cada um deles, separadamente.

A fase das alegações finais é muito importante, primeiro porque é nessa fase que se deve argüir as nulidade relativas. Também, pois é aqui que se expõe, mais profunda e amplamente, as teses de direito, bem como o confronto entre o material probatório produzido pela acusação e aquele produzido pela defesa. Por isso, a falta de oportunidade para o oferecimento das alegações finais é passível de nulidade absoluta, conforme se reconhece, sem divergência, na doutrina e jurisprudência,

O STF entende que o advogado constituído que deixar de apresentar alegações finais, apesar de intimado, não haverá nulidade. O autor entende que mesmo nesse caso (defensor constituído), o juiz deverá velar pelo direito de defesa do réu nomeando-lhe defensor unicamente para a prática do ato (alegações finais), sob pena de nulidade.

Oferecidas as alegações finais, o juiz proferirá sentença em 10 dias, salvo se antes, julgar conveniente a produção de novas diligências, as quais determinará de ofício.

Resumo do procedimento comum:

recebimento da peça inicial com designação de citação e data para interrogatório;

interrogatório;

defesa prévia;

oitiva das testemunhas de acusação;

oitiva das testemunhas de defesa;

diligências finais;

alegações finais;

sentença, precedida ou não de diligências de ofício.

15.2.2 Procedimento sumário comum (porque não é especial) para crimes punidos com detenção

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira153

Os Juizados Especiais Criminais não esgotou nem afastou a aplicação do processo sumário. Esse será aplicado quando não se puder realizar a citação pessoal no JECrim.

Aplica-se aos crimes punidos com detenção.

O procedimento a ser seguido repete aquele aplicável aos crimes punidos com reclusão, até a fase de oitiva de testemunhas. No sumário, poderão as partes arrolar no máximo 5 testemunhas.

A partir daí o juiz, depois de sanar eventuais nulidades, designará a audiência de julgamento para um dos oito dias seguintes à oitiva das testemunhas de acusação. Nesta, após a inquirição das testemunhas de defesa, as partes poderão oferecer verbalmente as alegações finais no prazo de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, começando com a acusação (seguido do assistente) e depois a defesa.

Poderá o juiz determinar outra diligência que julgar importante, para o completo esclarecimento de dúvidas, nos 5 dias subseqüentes à audiência. Após a manifestação oral o juiz, na própria audiência ou em até 5 dias, proferir a sentença.

As etapas do sumário são as seguintes:

a) recebimento da inicial com designação de citação e data do interrogatório;

b) interrogatório do réu;

c) defesa prévia;

d) oitiva das testemunhas de acusação;

e) audiência de instrução e julgamento, onde serão ouvidas as testemunhas de defesa, oferecidas oralmente as alegações e proferida a sentença (ou esta, em 5dias).

15.3 Da suspensão do processo

A primeira hipótese de suspensão, cabível quaisquer procedimentos (salvo o da lei 9613/98 – lei de lavagem de dinheiro, bens e valores) é a do 366 do CPP, segundo a qual, citado o réu por edital, não comparecendo e nem constituindo advogado, serão suspensos o processo e o prazo prescricional.

No procedimento do Júri, poderá ocorrer também o que a doutrina mais tradicional chamava de crise de instância, que vem a ser a paralisação do processo enquanto o réu não for intimado pessoalmente da decisão de pronúncia, nos crimes inafiançáveis.

Na Lei 9.099/95, temos também afigura da suspensão condicional do processo, prevista no art .89 da Lei 9.099/95, ou sursis processual, muito semelhante com o sursis do art. 77 do CP. Entretanto, nesse não haverá paralisação total do processo, tendo em vista a imposição de determinadas restrições de direitos que é feita ao réu, a exigir dele determinados comportamentos, enquanto que no sursis processual, o que estará suspenso é o curso regular do processo.

Com a vigência da Lei 10.259/01, deu-se início a uma polêmica doutrinária e jurisprudencial acerca da ampliação do limite da pena para dois anos. IMPORTANTE: O STJ chegou a acolher essa tese, entretanto, em sede de embargos declaratórios opostos pelo Ministério Público, refluiu do entendimento. Em resumo: não houve alteração do

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limite de penas para aplicação do sursis processual. Isso é muitíssimo importante!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!.

O sursis processual poderá ser proposto pelo MP, junto com o oferecimento da denúncia. Não há qualquer problema no oferecimento da proposta quando já estiver em curso a ação penal, desde que não esteja já sentenciada, salvo se a sentença venha a ser anulada pelo Tribunal.

Curiosamente, tornou-se bastante comum, nos tribunais de segunda instância, a devolução dos autos à comarca de origem para que ali se fizesse ou permitisse a aplicação do art. 89 da Lei 9.099/95, com a conseqüente suspensão do processo, mesmo após já proferida a sentença condenatória e interposto o correspondente recurso. Isso poderia gerar alguns problemas como dever-se anular a sentença anterior, além, das possíveis negativas do juiz de primeira instância e do réu em negarem-se, respectivamente a conceder e a aceitar a suspensão.

Não se poderia pensar ser possível ao tribunal impor a suspensão condicional do processo sem a anulação da sentença já proferida, pois permaneceria válida a sentença condenatória e, o que é pior, teria o intuito principal do sursis processual, a saber, evitar o desperdício da atividade jurisdicional jogado no lixo...

Pacelli defende uma leitura mais flexível desta restrição, aceitando a suspensão mesmo após o encerramento da instrução, desde que ainda não sentenciado o processo, na medida em que é o próprio CPP que permite a reabertura da instrução, quando o juiz julgar conveniente (art. 502).

Outro problema surge quando da qualificação dada ao sursis processual.

Se tida como direito subjetivo da parte, a não aplicação do artigo 89, se e quando presentes os requisitos legais, poderá gerar nulidade do processo, como é óbvio. Se, ao contrário, for qualificada como poder discricionário do MP, a inércia deste será tida apenas como recusa de proposta de suspensão.

Pacelli entende ser direito subjetivo do réu, passando a delimitar o campo de sua manifestação e as providências que poderão ser adotadas na hipótese de não reconhecimento deste direito.

O não oferecimento da proposta pelo MP ou pelo juiz de ofício, quando não fundamentadas permitirá ao réu o uso de habeas corpus ou mandado de segurança. Trata-se, contudo, de matéria sujeita à preclusão (passível de nulidade relativa - precedente do STF, HC 77216-8) devendo ser alegado antes do início da fase de instrução.

Mas, ainda que se reconheça, como é o caso do Pacelli, que a suspensão do processo pode ser determinada a qualquer momento, desde que antes da sentença, uma eventual recusa dela ou indeferimento do pedido nesse sentido, quando feito com a ação já em curso, poderá trazer todos os inconvenientes mencionados se a impugnação da referida decisão não possibilitar o conhecimento da matéria pelo tribunal desde logo, isto é, antes da prolação da sentença. É dizer, nessa hipótese, impugnada a decisão (seja via habeas corpus, seja por meio de MS) se o tribunal somente vier a conhecer da questão após a prolação da sentença definitiva de condenação poderão vir a tumultuar o curso da ação penal. Tornar-se-ia imperativa a concessão de medida liminar.

Não há recurso nominado contra a falta de proposta de suspensão, de sorte que o acusado deverá lançar mão das ações autônomas de impugnações como o MS ou o HC.

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A decisão do tribunal só poderia corrigir a decisão judicial e não a recusa do MP, já que esse não pode ser obrigado, pelo Judiciário a manifestar tal ou qual posicionamento. O que se poderia é o disposto no 28 do CPP (ou o art. 62, da LC 75/93, no âmbito federal).

Quando houver desclassificação do delito inicialmente imputado para crime cuja pena mínima seja inferior ou igual a 1 ano, nada obstaria aplicação do artigo 89 da Lei 9.099/95. Se não houver concordância entre a acusação, defesa e magistrado, a recusa ou rejeição da suspensão deverá ser cortada imediatamente.

Por fim, mesmo que proposta pelo MP e aceita pelo réu, não estará o juiz obrigado a suspender o processo se não entender cabível, afinal, embora se cuide de direito subjetivo do réu, pode o Judiciário emitir juízo de valor acerca da existência desse direito. E de tal decisão, a única alternativa recursal nominada seria, por analogia, o recurso em sentido estrito (art. 581, I, CPP) além, do HC e do MS.

Todos esses entendimentos não se encontram com o entendimento do STF, uma vez que a Suprema Corte não coaduna com o pensamento da suspensão como direito subjetivo. Exige, ele, o oferecimento da proposta pelo MP.

O sursis processual tem cabimento em qualquer procedimento, salvo na Justiça Militar.

Cumpre examinar também a hipótese se suspensão condicional em processo em que o réu se encontra fora da sede do Juízo em que tem curso a ação penal, em que algumas peculiaridades estarão presentes, haja vista Ter sido deprecada a citação e mesmo a audiência de conciliação.

Se a denúncia não foi recebida, o juiz deprecado, mesmo após a aceitação do acordo pelo réu, deve devolver os autos ao juiz originariamente competente, para que ali se realizem os atos de recebimento da denúncia e suspensão do processo, haja vista ostentarem conteúdo decisório. Na hipótese de recusa à suspensão, não poderá o juiz deprecado simplesmente recebera denúncia e proceder ao interrogatório, diante de sua incompetência.

Entretanto, a eventual incompetência relativa do deprecado poderá não trazer maiores inconvenientes. Já no caso de incompetência absoluta (matéria ou prerrogativa de função), tanto o ato de recebimento da peça acusatória quanto o do interrogatório eventualmente realizados serão irremediavelmente nulos.

Caso já recebida a denúncia pelo Juízo de origem, nada impede que o juiz deprecado, diante da recusa das condições oferecidas, proceda ao interrogatório, na forma e na medida em que for deprecado o ato. Poderá até mesmo ser delegado ao Juízo deprecado a fixação de algumas condições a serem cumpridas, caso em que se poderá falar em uma espécie de antecipação da homologação pelo Juízo originariamente competente.

No caso de suspensão do processo, o autor não aceita a fixação de cestas básicas como condições para o sursis processual, apesar de reconhecer a nobreza do intuito é contra legem. Argumenta que a única sanção pecuniária cabível na espécie é aquela que se destina à reparação do dano da vítima.

Nos crimes ambientais há outras condições a serem cumpridas pelo acusado: exigência de reparação do dano, maior elasticidade na prorrogação do prazo de prova.

Não bastassem esses argumentos, a lei não permite a suspensão do processo depois de encerrada a instrução.

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Durante a suspensão não correrá o prazo prescricional (art. 89, § 6º, Lei 9.099/95).

15.3.1 Suspensão do processo: direito ou discricionariedade

Do ponto de vista de uma teoria do processo, ou pelo menos de sua configuração mais operacional, é muito mais cômodo falar em discricionariedade do MP, no que se refere ao oferecimento da proposta de suspensão do processo.

Pacelli entende que a Lei 9.099/95, ao estabelecer expressa e rigidamente as condições para a suspensão condicional, não reservou qualquer juízo de conveniência ou de oportunidade ao órgão do MP.

O STF não aceita a imposição da suspensão do processo por ato exclusivo do juiz, reconhecendo a titularidade do MP para semelhante iniciativa. Mesmo assim, reconheceu ser direito subjetivo do acusado.

Todavia o STJ (3ª Seção) tem jurisprudência firme no sentido de que a suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do réu, mas mera faculdade do órgão acusatório. Pacelli não concorda com esse entendimento.

Para ele o procedimento atinente à suspensão do processo é radicalmente distinto da transação penal. Para a aplicação da transação a presença do MP é indispensável, pois iniciativa postulatória de quem detém a titularidade para a ação penal.

Já o sursis processual além de não ser procedimento específico, deve realizar-se após o recebimento da denúncia. Além do que, ao contrário da transação (em que o MP escolhe a sanção), no sursis processual é a lei que dispõe sobre as condições, deferindo ao juiz unicamente a possibilidade de imposição de outras.

Não há que se falar, assim, em discricionariedade do MP. Lembre-se que o juiz pode proceder nos termos art. 28 do CPP se o parquet recusar-se a oferecer a proposta.

Por outro lado, da decisão judicial que negar a suspensão proposta pelo MP e aceita pelo réu, caberá recurso em sentido estrito, por analogia com o art. 581, I, CPP, ou mesmo HC ou MS.

15.3.2. Revogação e cumprimento da suspensão

A Lei 9099/95 prevê as hipóteses de revogação obrigatória e revogação facultativa da suspensão do processo, tal como ocorre com o sursis do art. 77 do CP.

a) Revogação obrigatória: o juiz revogará a suspensão sempre que o beneficiário dela vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano (art. 89, § 3°).

b) Revogação facultativa: o juiz poderá revogar a suspensão sempre que o acusado vier a ser processado por contravenção ou se descumprir quaisquer das condições a ele impostas.

Vale registrar que a mera existência de ação penal, por crime, na revogação obrigatória, e por contravenção, na facultativa, revoga o benefício. Como adverte Pacelli, não há que se falar em princípio da inocência, porque o sursis processual é medida de política criminal e pode, validamente, fixar os seus contornos de acordo com o juízo

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provisório acerca do comportamento que se espera de quem se achar submetido a processo penal.

Cumpridas a exigências deverá o juiz julgar extinta a punibilidade, fazendo coisa julgada material, por tratar-se de solução do mérito da pretensão penal, sem nem ter havido condenação. Contudo, isso não impedirá que no juízo cível o ofendido apure eventual responsabilidade civil remanescente, podendo ser apurada nos mesmos autos, se já houver assistente habilitado. Neste último caso, nada impede que o juiz determine a oitiva do assistente, ainda que não esteja subordinado à sua aquiescência, para fins de fixação dos limites da reparação do dano, até mesmo para que se resolva ali mesmo a questão relativa à eventual recomposição civil do dano causado pela infração penal.

5.3.3. Ação privada

Segundo a Lei 9099/95, tal como se dá com a transação penal, não é cabível suspensão do processo para a ação penal privada em face da ausência de previsão legal e pelo fato de existir uma serie de medidas tendentes à disponibilidade da pretensão punitiva (renúncia, perempção, perdão etc).

Para o Pacelli, porém, não haveria prejuízo para quaisquer dos interessados, e não há nenhum obstáculo legal, pois a reparação do dano, como regra, não implica a renúncia ao direito de queixa, nos termos do art. 104, parágrafo único, do CP. A Lei 9099/95 somente fala da hipótese de renúncia ao direito de queixa na hipótese do art. 74. Já, em relação à suspensão do processo, a reparação do dano não impediria as demais exigências. Cuidando-se, pois, de norma não incriminadora, a aplicação dela in bonan partem revela-se perfeitamente possível.

Em relação à alegação de já existir nas ações privadas a disponibilidade da pretensão punitiva, o argumento não parece decisivo para Pacelli, pois a proposta pela suspensão se inseriria no âmbito da mesma disponibilidade, e porque não há motivo para não se estender às ações privadas a adoção de medidas despenalizadoras, como é o caso do art. 89, CPP, quando deixadas à escolha do seu autor e não como imposição do Estado. Nesse caso, aplica-se a analogia, não havendo o que se falar em direito subjetivo do querelado. Cabe ao querelante o juízo de conveniência e oportunidade e ao MP o papel de custos legis.

Já no caso de transação penal, não seria possível sua aplicação à ação privada. Isso justamente por força do art. 74 da Lei 9.099/95, em que se estabelece que a recomposição civil do dano implica a renúncia ao direito de queixa. Ora, nesse caso, reparado o dano (como exigência da transação), nada mais há que se exigir do querelado em sede de jurisdição penal. Entretanto, no caso de impossibilidade real de reparação do dano, não há óbice para a aplicação da transação às ações penais privadas.

15.3.4. Cabimento: concurso de crimes, tentativa, causa de aumento e de diminuição

Um dos requisitos para a suspensão é que o acusado esteja sendo processado no momento em que é feita a proposta, sendo a conseqüência imediata a impossibilidade quando se tratar de concurso de crimes, pois em tais situações o réu sempre estará sendo processado por mais de um crime (isto se torna mais evidente no concurso material).

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Porém, a posição adotada pelo STF e STJ (Súmula 243) e por Pacelli , leva em consideração a pena abstratamente cominada nos referidos concursos. De forma que, mesmo quando se tratar de concurso de crimes, desde que a pena mínima cominada, aplicando-se a soma dos crimes (no concurso material) e o acréscimo decorrente do concurso formal e do crime continuado, não seja superior, abstratamente, a um ano, será possível e cabível a aplicação do art 89 da Lei 9099/95, com a suspensão do processo (STF, HC 8.026/RS – STJ HC 5141/SP). Vale registrar que esse assunto já se encontra sumulado no STJ (súmula 243).

Para Pacelli, em relação às causas de diminuição e de aumento de pena, bem como a existência de qualificadoras, podem e devem ser consideradas para fins de aplicação da suspensão condicional do processo. Já em relação às circunstâncias agravantes e atenuantes, porque dependentes do exame particularizado no caso concreto, tal não ocorre. A jurisprudência do STF e STJ são neste sentido.

Em relação à hipótese da tentativa e causas de aumento e diminuição de pena, Pacelli entende que o percentual a ser considerado deve ser sempre o mínimo (da diminuição ou do aumento), pois o exame da suspensão é feito em dados abstratos. Este posicionamento é contrário ao da Ada Pellegrini e outros.

15.4. Do procedimento do Tribunal do Júri

15.4.1. Anotações introdutórias

Inicialmente o Tribunal do Júri foi instituído para julgar os delitos de imprensa, mas atualmente julga os crimes dolosos contra a vida.

O Tribunal do Júri é composto pelo Juiz-Presidente (juiz togado, membro do Poder Judiciário) e pelo Conselho de Sentença (sete jurados leigos, pessoas do povo escolhidas por sorteio). Ao Juiz-Presidente caberá a direção e condução de todo o procedimento a lavratura da sentença final.

O art. 5º, XXXVIII, da CF/88, assegura ao Tribunal do Júri:

a) a plenitude de defesa: embora possa parecer uma repetição do que já está assegurado na CF, Pacelli entende que tal garantia deve ser recebida com um providencial reforço hermenêutico para uma interpretação contextualizada do procedimento do Tribunal do júri, sobretudo no que respeita à possibilidade da mutatio libelli autorizada no art. 408, § 4º, do CPP. Ali, como veremos, permite-se que a decisão de pronúncia possa alterar a imputação feita na denúncia, até mesmo para a inclusão de qualificadora não contida implicitamente na referida peça acusatória, sem, porém, a adoção das providências previstas no art. 384, parágrafo único, do CPP (exigência de aditamento pelo Ministério Público e reabertura de prazo para a defesa acerca da nova imputação).

Como se percebe na leitura do mencionado dispositivo (art. 408, § 4°), se da nova classificação dada ao fato puder resultar a incompetência do Tribunal do Júri, deverá ser observado o disposto no art. 410 do CPP, em que se prevê a reabertura de prazo para a defesa. Se, porém, a nova classificação dada ao fato não alterasse a competência do Tribunal do Júri, mas tão somente a quantidade de pena a ser imposta, poderia, então, o juiz da pronúncia incluir a citada qualificadora, reservando-se a fase de julgamento perante o Conselho de Sentença para o exercício da defesa em relação à qualificadora.

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b) o sigilo das votações: é diverso do sistema anglo-americano, no qual se permite que o convencimento judicial final seja construído com a participação, efetiva e atuante, de todos os integrantes do Conselho de Sentença. E mais, ali se permite que os jurados se manifestem livremente ou pela condenação (culpado) ou pela absolvição (inocente). No Brasil, os jurados deverão responder aos quesitos a eles apresentados, de cuja resposta o Juiz-Presidente explicitará o conteúdo da decisão e formará o convencimento judicial final. O sigilo das votações impõe o dever de silêncio entre os jurados (regra da incomunicabilidade).

c) a soberania dos veredictos: Pacelli afirma que essa soberania deve ser entendida em termos, tendo em vista ser possível a revisão de suas conclusões por outro órgão jurisdicional, sobretudo por meio da revisão criminal (art. 621, CPP). Aponta como os seguintes argumentos para tanto: a revisão criminal é excepcional e funciona como uma ação rescisória (falibilidade das decisões judiciais) e, do ponto de vista de um Estado de Direito e de um processo penal garantista como é e pretende ser o nosso, revela-se mesmo inconveniente e mesmo perigoso o trancamento absoluto das vias impugnativas das decisões condenatórias.

d) a competência para os crimes dolosos contra a vida: observa, Pacelli, que a competência para o julgamento destes crimes não é a única assegurada ao aludido tribunal. Na hipótese de conexão entre crime doloso contra a vida e outros crimes (de competência originária de juiz singular), prevalecerá a do primeiro. O Tribunal do júri, então, julga também outras infrações penais, tudo a depender de previsão legislativa expressa.

15.4.2. Sumário de culpa e juízo de acusação

O procedimento do Tribunal do Júri é bifásico, ou seja, possui duas fases. A primeira seria destinada à formação da culpa, enquanto a segunda ao julgamento propriamente dito, ou da acusação em plenário.

É que o julgamento dos crimes da competência do Tribunal do Júri é atribuído a pessoas não integrantes do Poder Judiciário, escolhidas aleatoriamente nas diferentes camadas sociais da comunidade, de quem, via de regra, não se espera qualquer conhecimento técnico sobre a matéria.

Desta forma, preservando a imparcialidade das decisões, a lei prevê que a matéria submetida a julgamento pelo Conselho de Sentença seja encaminhada do modo mais simplificado possível.

Como não se exige, ao menos rigorosamente, que os jurados fundamentem racionalmente suas decisões, pela via argumentativa, valendo, em relação aos mesmos, a regra da íntima convicção e não a do livre convencimento motivado, essas são manifestadas por meio de respostas a quesitos específicos.

Para isso, é também necessário que todas as questões relevantes e pertinentes sejam encaminhadas de modo o mais claro possível. Daí a exigência da apresentação do libelo acusatório, que seria a peça inicial de acusação para apreciação em plenário, a ser elaborado nos exatos moldes em que for construída a decisão de pronúncia. Essa, a pronúncia, nada mais é (ou deveria ser) que a decisão do Judiciário acerca da possível existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. E por isso a exigência no sentido de que aquele, o libelo acusatório, seja elaborado por artigos, com

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a indicação precisa dos fatos e circunstâncias a serem efetivamente apreciados pelos jurados.

A fase denominada sumário de culpa ou judicium accusationis é reservada para a decisão acerca da possível existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Tal fase é direcionada para a definição da competência do Júri, com o que se examinará ali a existência, provável ou possível, de um crime doloso contra a vida. Diz-se provável ou possível porque, nessa fase, o juiz deve emitir apenas juízo de probabilidade, tendo em vista que caberá ao Tribunal do júri dar a última palavra sobre a existência e sobre a natureza do crime. Trata-se, então, de juízo de admissibilidade.

Vale registrar que o sumário de culpa desenvolve-se perante o juiz singular. Nas grandes comarcas as duas fases podem ser dirigidas para juízes diferentes isto é, o juiz sumariante para o sumário de culpa (primeira fase) e o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri para a fase de julgamento (art. 412).

O procedimento é quase o mesmo daquele previsto para os crimes punidos com reclusão (art. 395-405; 498-502). A diferença é que para o procedimento do júri, não há previsão da fase do art. 499, reservada às diligências finas naquele procedimento. Assim, após o encerramento da fase instrutória, com a oitiva das testemunhas de defesa, passa-se diretamente às alegações finais. Nessa fase, não se permite, excepcionalmente, a juntada de documentos.

Resumidamente:

a) recebimento da denúncia ou queixa, com designação de data e citação para interrogatório;

b) interrogatório do réu;

c) defesa prévia: oportunidade de alegação acerca de matéria de direito, prazo preclusivo para o oferecimento do rol de testemunhas e das exceções processuais, embora algumas dessas possam ser conhecidas a qualquer tempo;

d) oitiva das testemunhas de acusação;

e) oitiva das testemunhas de defesa;

f) alegações finais.

Feito isso, passa-se à fase decisória do sumário de culpa, na qual se poderá chegar às seguintes conclusões:

a) absolvição sumária: existência de provas concretas do fato morte, causado por alguém, mas também de ter sido referida conduta praticada em quaisquer das situações que caracterizem as chamadas causas excludentes da ilicitude do fato ou da culpabilidade do autor;

b) desclassificação: convencimento judicial (do juiz sumariante ou do juiz singular que presidir a fase do sumário de culpa) no sentido de existência de crime diverso, que não se inclui na competência do Tribunal do júri;

c) impronúncia: inexistência de prova suficiente para demonstrar a existência de crime, ou mesmo de indícios de sua autoria;

d) pronúncia: suficiência de provas da existência de um fato que pode, em tese, ser caracterizado com crime doloso contra a vida, bem como de indícios relevantes da respectiva autoria.

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15.4.2.1. Absolvição sumária

Prevê o art. 411, do CPP, que o juiz (encarregado do sumário de culpa) poderá absolver sumariamente o acusado, quando julgar comprovada a presença de quaisquer das causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade previstas nos mencionados dispositivos legais (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 2, §1º).

Cabe ao Judiciário, e mais especificamente ao juiz encarregado do sumário de culpa, a apreciação prévia de algumas questões ligadas à efetiva existência de crime doloso contra a vida.

Como a regra deve ser a manutenção da competência do Júri, as hipóteses de absolvição sumária reclamam expressa previsão em lei e o firme convencimento do julgador, pois a aludida decisão terá de se arrimar no grau de certeza demonstrado pelo juiz, seja quanto à matéria de fato, seja quanto às questões de direito envolvidas.

Pacelli não concorda com alguns autores que defendem a tese segundo o qual o juiz poderia também absolver sumariamente o réu quando julgasse suficientemente provada a inexistência do fato ou quando provado ter sido outro o autor do crime. Fundamentos:

a) a primeira razão é que a absolvição sumária é medida excepcional e, por isso deve ter previsão expressa em lei;

b) a segunda razão, e já especificamente em relação à hipótese de prova de ser outro o autor do crime, cumpre lembrar que essa não constitui sequer causa geral de absolvição, consoante o art. 386, do CPP. A prova de inexistência do fato, embora suficiente para caracterizar uma das causas gerais de absolvição, nos demais procedimentos, além de não ser prevista como hipótese de absolvição sumária se enquadraria melhor na decisão de impronúncia, em que se prevê o não convencimento do juiz quanto à existência do fato (art. 409).

Vale registrar que a absolvição sumária somente produzirá efeitos se confirmada em segunda instância, já que esta decisão submete-se à regra do reexame necessário. O reexame não impedirá a imediata soltura do acusado que se encontrar preso.

No caso de reunião de processos por conexão e continência, a decisão de absolvição sumária não autoriza o juiz a prosseguir no julgamento das demais infrações. Somente se confirmada a absolvição sumária é que o juiz singular terá afirmada a sua competência para continuar nos demais processos (art. 81, parágrafo único). Se reformada a decisão e pronunciado o réu, a competência para o julgamento de todos os processos ali reunidos seria do Tribunal do Júri (art. 78, I, CPP).

15.4.2.2 Desclassificação

O art. 410 do CPP dispõe que quando o juiz se convencer, em discordância com a denúncia ou queixa, da existência de crime doloso contra a vida, e não for competente para julgá-lo, remeterá o processo ao juiz que o seja. Em qualquer caso será reaberto prazo para defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, depois de encerrada a inquirição, de acordo com os arts. 499 e seguintes. Essa é a chamada desclassificação própria, via da qual o juiz reconhece a existência de crime diverso dos crimes dolosos contra a vida.

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Tratando-se de mais de um processo, reunidos em razão de conexão ou continência, se vier o juiz a desclassificar a infração ou impronunciar o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juiz competente.

Entretanto, se da decisão de desclassificação tiver sido interposto o recurso em sentido estrito, somente após resolvida a questão é que se poderá prosseguir no julgamento dos demais processos, do mesmo modo que ocorre com a absolvição sumária. Todavia, nada impedirá que o juiz singular discorde da posição daquele que declinou de sua competência, a menos que a questão já tenha sido solucionada pela segunda instância. Não sendo o caso, deverá ele suscitar conflito negativo de competência.

Quando, porém, a desclassificação for decidida no próprio Tribunal do Júri (e não pelo juiz sumariante), a lei prevê soluções um pouco diferentes, dependendo de se tratar de um único processo ou de vários processos reunidos por conexão e/ou continência.

Para Pacelli, seja no caso de um único processo, seja na hipótese de vários processos reunidos, quando a desclassificação do crime doloso contra a vida partir do próprio tribunal do júri, a competência será sempre do juiz-presidente, para o completo aproveitamento dos atos processuais já realizados.

No entanto, quando o caso for de desclassificação imprópria, a competência do Tribunal do Júri permanecerá, isto é tanto o crime imputado inicialmente como aquele apurado pela desclassificação seriam dolosos contra a vida.

Páginas: ___ a ____

Elaborado por: Renata Ovidia, Oreia Seca, Ricardo Kern, Rita de Cássia Belinasi Solano e Washington (Xoxó).

Atualizado e ampliado por Brenda Rigon.

15.4.2.3 Impronúncia

Quando o juiz sumariante, após a instrução, não vê demonstrada sequer a existência do fato alegado na denúncia, ou, ainda, não demonstrada a existência e elementos indicativos da autoria do aludido fato, a decisão haverá de ser de impronúncia ou de improcedência da peça acusatória (denúncia ou queixa).

Segundo Pacelli, não se pode incluir a decisão de impronúncia entre as sentenças propriamente ditas. Trata-se, ao contrário, de decisão interlocutória mista, porque encerra o processo, sem, porém, julgar a pretensão punitiva, ou seja, sem implicar a condenação ou a absolvição do acusado. O recurso cabível, então, será o recurso em sentido estrito.

O art. 409, parágrafo único do CPP, dispõe que a decisão de impronúncia não impede nova investida acusatória (denúncia), desde que ainda não extinta a punibilidade e desde que presentes novas provas. Pacelli critica fortemente esse artigo. Afirma o autor que tal artigo configura verdadeira e inaceitável violação do princípio da vedação da revisão pro societate. Isso porque a impronúncia é proferida somente após o esgotamento de instrução probatória, realizada em contraditório e com a ampla participação de todos os interessados.

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Sobre a possibilidade de afastamento da competência do Tribunal do Júri pelo juiz singular, Pacelli indaga sobre a possibilidade desse juiz, na fase da pronúncia (logo, na decisão de impronúncia), julgar improcedente a denúncia quando entendesse ausentes o dolo e a culpa na ação causadora da morte da vítima, uma vez que a redação do artigo 409 fala em “não se convencer da existência de crime” (e não de fato). Em seu entendimento, o juiz jamais poderia, nesse caso, impronunciar ou mesmo absolver o acusado porquanto a matéria atinente ao elemento subjetivo da ação (dolo e culpa) deve ser reservada preferencialmente ao Tribunal do Júri. Salienta que mesmo na hipótese de absolvição sumária não se nega a existência do dolo ou da vontade de realizar a ação. Reconhece-se, porém, ao lado dela, a existência de motivações e finalidades juridicamente relevantes na prática da ação, cuja prova, estreme de dúvidas, justificaria o afastamento daquele tribunal. Explicita, ainda, que tal situação é diversa da decisão que desclassifica o delito de doloso para culposo, uma vez que esta última não afasta a criminalidade do fato, permitindo, obrigatoriamente, seu reexame pelo juiz a quem forem remetidos os autos.

Quando a decisão de improcedência da acusação é obtida em grau de recurso, isto é, por meio de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia em primeira instância, a doutrina se refere à despronúncia, cuja conseqüência jurídica, entretanto, por óbvio, é a mesma (da impronúncia).

15.4.2.4 Pronúncia

Pronuncia-se alguém quando ao exame do material probatório levado aos autos se pode verificar a demonstração da provável existência de um crime doloso contra a vida, bem como da respectiva e suposta autoria. É preciso ter em conta que a decisão de pronúncia somente deve revelar um juízo de probabilidade e não de certeza. Em relação à materialidade, a prova há de ser segura quanto ao fato, e em relação à autoria, bastará a presença de elementos indicativos.

É costume doutrinário e jurisprudencial o entendimento de que na fase da pronúncia, o juiz deveria e deve ser orientar pelo princípio do in dúbio pro societate. Na essência, é assim mesmo que ocorre, porém, Pacelli acredita que por outras razões. Para o autor, o fato de que diante da dúvida o juiz deve remeter os autos ao Tribunal do Júri não se deve ao in dúbio pro societate, uma vez que em seu entendimento não há como aceitar semelhante princípio em uma ordem processual garantista. Em sua opinião, tal ocorre porque a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri, conforme exigência e garantia constitucional e é em virtude disso que só excepcionalmente tal competência poderá ser afastada. Na fase de pronúncia o que se faz é unicamente o encaminhamento regular do processo ao órgão jurisdicional competente, pela inexistência das hipóteses de absolvição sumária e de desclassificação, que são decisões que exigem a afirmação judicial de certeza total quanto aos fatos e quanto à autoria, sendo, portanto, excepcionais.

Pronunciado que seja o réu, deverá o juiz declarar o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu (art. 408, §1º).

No que diz com a exigência de prisão como mera decorrência da pronúncia, o autor entende que toda prisão antes do trânsito em julgado deve ostentar natureza acautelatória, a ser decretada na medida de sua indispensabilidade. Não será possível, então, a decretação da prisão (se solto o acusado) pelo só fato da pronúncia. Será

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preciso a afirmação judicial da existência de razões cautelares para que se possa determinar o recolhimento do réu à prisão.

Prevê, ainda, o art. 408, § 4º do CPP, que o juiz não ficará adstrito à classificação do crime, ainda que fique o réu sujeito à pena mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no art. 410 do CPP (desclassificação própria). No caso do art. 408, §4º, trata-se de desclassificação imprópria, onde se mantém a competência do Tribunal do Júri, por se tratar, ainda, de crime doloso contra a vida.

Pacelli entende que o art. 408, §4º, ao dispensar a participação do MP para o oferecimento de aditamento, como também a reabertura do prazo para defesa, ofende os princípios acusatório e da ampla defesa. Assim, deve o juiz, quando desclassificar o crime impropriamente, e de acordo com o que preceitua o art. 384 (mutatio libelli), abrir prazo para o aditamento do MP e para a defesa do acusado.

A pronúncia não tem eficácia de coisa julgada, no ponto em que não vincula o Tribunal do Júri, que poderá até mesmo desclassificar o crime para outro não incluído na sua competência. Mas, não obstante, se sujeita aos efeitos da preclusão. Assim é que, uma vez trancada a via recursal cabível, não poderá ser alterado o seu conteúdo, à exceção da superveniência de fato novo, como seria o caso da morte da vítima posterior à pronúncia, no qual se enquadrava o fato como crime de homicídio na forma tentada.

Por outro lado, se o juiz entender que existem nos autos elementos probatórios a revelar a culpabilidade de outras pessoas, não incluídas na denúncia, deverá ele remeter os autos ao MP para aditamento da peça acusatória. Diante do aditamento, todas as diligências do sumário deverão ser repetidas para que se concretize em relação aos acusados o contraditório e a ampla defesa. Não concordando o parquet como entendimento judicial, o único caminho é o do art. 28 do CPP.

Com relação à intimação da pronúncia, o processo não seguirá enquanto não intimado o réu referida decisão. Se o crime for inafiançável, a intimação deverá ser pessoal. Se afiançável, e estando o réu em local incerto e não sabido, a intimação poderá ser feita por edital. Em qualquer caso, porém, a intimação deve ser feita sempre a ele e ao seu defensor, independentemente do crime.

Tratando-se de crime inafiançável e não sendo o réu encontrado, ocorrerá a chamada crise de instância, com prejuízo para o curso do procedimento (art. 414, CPP).

15.4.3. Da fase do julgamento

15.4.3.1 Do libelo e da contrariedade

Encerrada a instrução ou o sumário de culpa e pronunciado o réu, passa-se à fase do julgamento (judicium causae), cujo objetivo inicial é encaminhar as questões de fato e de direito ao júri popular, para a solução do caso penal. Somente após o trânsito em julgado da pronúncia é que o procedimento prosseguirá, lembrando que em se tratando de crime inafiançável a intimação da pronúncia deverá ser feita sempre pessoalmente.

A decisão de pronúncia, em que previamente se admitiu a presença de um crime da competência do Júri, é que delimitará o campo temático a ser apurado. A exceção fica por conta das circunstâncias agravantes e das causas de aumento de pena. Essas, como não podem ser incluídas na decisão de pronúncia, para evitar a influência

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desse ato judicial na formação do convencimento dos jurados e por se tratar de matéria atinente a aplicação da pena, deverão constar necessariamente do libelo. Quanto o mais, o libelo deve reproduzir a pronúncia.

O libelo acusatório equivale à denúncia nos procedimentos comuns e especiais. Como o libelo se destina ao conhecimento dos jurados, deve ser elaborado de modo simples e objetivo. Por isso, a lei diz que o libelo conterá a exposição do fato criminoso por artigos, isto é, articuladamente.

Exige-se, ainda, que dele conste a indicação das circunstâncias agravantes, expressamente definidas na lei penal, e de todos os fatos e circunstâncias que devam influir na fixação da pena. Registre-se a possibilidade de inclusão de nova circunstância agravante não articulada no libelo, cuja prova resulta da instrução probatória realizada em plenário. Nesse caso, o juiz formulará o respectivo quesito, apenas e tão-somente se o requerer o acusador.

Havendo mais de um réu, haverá um libelo para cada um deles. A acusação poderá arrolar até 5 testemunhas, juntar documentos, bem como requerer diligências.

Recusado o libelo, o MP só terá uma via impugnativa, que é a correição parcial, por se tratar de error in procedendo e por não haver recurso nominado para isto.

Recebido o libelo, dele será notificado o acusado e seu defensor, que terá o prazo de 5 dias para o oferecimento da contrariedade. Não havendo defensor constituído, o juiz nomeará um dativo.

A contrariedade seria uma modalidade de defesa prévia, cuja utilidade essencial reside na oportunidade de apresentação do rol de testemunhas (cinco), de juntada de documentos e de requerimento de diligências, tal como ocorre em relação à acusação. Aliás, tal prazo é preclusivo. Não se mostra conveniente a antecipação das teses defensivas nesta fase, razão pela qual, via de regra, a defesa reserva tal oportunidade par ao julgamento em plenário.

Em relação às testemunhas, observe-se que a parte poderá valer-se da cláusula de imprescindibilidade, por meio da qual se impediria o prosseguimento do julgamento quando a testemunha não comparecesse. Apenas quando não encontrada no endereço fornecido é que a sessão não seria adiada. A oitiva das testemunhas residentes fora da comarca será feita na forma de justificação, por carta precatória.

Após as diligências probatórias feitas pelas partes será marcado dia para julgamento.

15.4.3.2 Do desaforamento

Segundo o art. 424 do CPP, se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal (de segunda instância), a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, ouvido o Procurador-Geral, poderá desaforar o julgamento para comarca próxima, onde não subsistam tais motivos.

Igual procedimento poderá ser adotado na hipótese de demora no julgamento, por prazo superior a 1 ano (contado do recebimento do libelo), quando não imputável às partes. Nesse caso, dependerá de requerimento do réu ou do MP.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira166

Tal decisão importa em modificação de competência e envolve juízos distintos, ambos de primeira instância (por isso pertence ao tribunal de hierarquia jurisdicional competente). Importante salientar que o que é desaforado é o foro do julgamento e não aquele onde se desenvolve o sumário de culpa.

Importante ressaltar, ainda, o entendimento consubstanciado na Súmula n. 712 do STF, segunda a qual a decisão que determina o desaforamento é nula se não houver audiência da defesa.

15.4.3.3 Jurados: recusas, imparcialidade

Aplicam-se ao jurados o compromisso de imparcialidade. Assim, valem em relação a eles as regras de impedimento, suspeição e incompatibilidade.

Os apontados vícios devem ser reconhecidos de ofício pelos jurados. Se não forem, as partes poderão fazê-lo oralmente. A exclusão dos jurados por impedimento, suspeição ou incompatibilidade não impedirá que eles sejam computados para a constituição do número legal.

A lei permite que a acusação e a defesa recusem determinados jurados. Cuida-se da chamada recusa imotivada ou peremptória, para as quais não se exige qualquer justificativa. As partes poderão recusar imotivadamente até 3 jurados.

Segundo o disposto no art. 461, se os réus forem dois ou mais, poderão incumbir das recusas um só defensor; não convindo nisto e se não coincidirem as recusas, dar-se-á a separação dos julgamentos, prosseguindo-se somente no do réu que houver aceito o jurado, salvo se este, recusado por um réu e aceito por outro, for também recusado pela acusação.

15.4.3.4 Dos quesitos

Como se trata da apresentação de todo o caso penal aos jurados, impõe-se que os quesitos abranjam toda a matéria alegada pela defesa, em qualquer fase, além, é óbvio, da imputação constante do libelo.

Por isso, Pacelli entende que a tese exposta pelo acusado por ocasião do interrogatório judicial, em qualquer fase, deverá merecer um quesito específico, ainda que em aparente conflito com as teses apresentadas pela defesa técnica.

A ordem dos quesitos, segundo o art. 484, seria a seguinte:

a) quesitos relativos à materialidade e à autoria;

b) letalidade ou tentativa;

c) teses da defesa, menos quanto às causas de diminuição de pena e às circunstâncias atenuantes. Havendo causa excludente da ilicitude, logo em seguida deve haver quesito sobre excesso doloso ou culposo;

d) qualificadoras;

e) causas de aumento de pena;

f) causas de diminuição da pena (exceto quanto à tentativa). Há uma tendência da jurisprudência de considerar que o quesito relativo à causa de diminuição de pena

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira167

deve ficar junto com os demais quesitos da defesa e, alguns, com que não concorda Pacelli, entendem que deve ficar antes do quesito relativos às qualificadoras. Nesse sentido, o STF entende que o quesito do homicídio privilegiado deve ficar com os demais quesitos de defesa, antes das qualificadoras;

g) circunstâncias agravantes;

h) circunstâncias atenuantes alegadas;

i) quesito genérico sobre a presença de circunstâncias atenuantes, mesmo que tenha a defesa argüido a presença de alguma atenuante especificamente. Se os jurados reconhecerem que há atenuantes, sem que nenhuma tenha sido alegada, ou que há outras atenuantes, além das que foram alegadas, o juiz deverá formular quesitos, apresentando aos jurados aquelas circunstâncias atenuantes que entenda mais adequadas ao caso.

Evidentemente, na apuração das respostas dos quesitos, poderá ocorrer relação de prejudicialidade entre uma e aquela que lhe é subseqüente. Assim, quando a resposta relativa à existência do fato for negativa, o Juiz-Presidente dará por encerrada a votação (art. 490).

15.4.3.5 Da sessão de julgamento

A sessão de julgamento se instalará quando presentes no mínimo 15 jurados. Nada obstante, se não estiver completo o número de 21 jurados, o juiz deverá proceder ao sorteio dos suplentes, até perfazer aquele número.

Aberta a sessão, o presidente, resolvidas as escusas, anunciará o processo a ser submetido a julgamento, seguindo-se o pregão das partes e das testemunhas.

O assistente não habilitado deverá requerer a sua intervenção com antecedência de pelo menos 3 dias.

Não comparecendo o MP, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido. Se a ação tiver sido iniciada por queixa (privada subsidiária), o não comparecimento do querelante implicará o seu afastamento, assumindo o MP (art. 452).

Não comparecendo qualquer testemunha, o julgamento poderá ser realizado normalmente, exceto se a parte declarar a sua imprescindibilidade (art. 455). Em qualquer hipótese, o juiz poderá (e deverá, no caso de testemunha imprescindível) suspender os trabalhos e determinar a sua condução coercitiva (art. 218 e §1º do art. 455).

Se o ausente for o defensor, o julgamento será adiado uma única vez, nomeando-se novo defensor.

* CUIDAR! O autor afirma (5ª. edição) que se o réu for menor de 21 anos e maior de 18, ser-lhe-á nomeado curador, contudo, remete o leitor ao item 10.4 do livro e, nesse item, afirma que a revogação do art. 194 do CPP pela Lei n. 10.792/03 implica também a revogação de todas as disposições de igual conteúdo, no ponto em que se alinha a incapacidade civil com a incapacidade processual penal. Assim, muito embora a nova menoridade civil não afete a menoridade penal, entende o autor que o art. 262 do CPP foi implicitamente revogado, não sendo mais necessária a nomeação de curador ao réu menor de 21 anos e maior de 18 anos.

Formado o conselho, o juiz tomará dos jurados o compromisso da imparcialidade, prosseguindo o procedimento com o interrogatório do acusado. Os

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jurados, em razão da regra da incomunicabilidade, não poderão manifestar a sua opinião sobre o caso nem entre si e nem entre terceiros.

Não há suspensão da sessão, a não ser pelo tempo necessário à alimentação e ao repouso dos jurados. Qualquer quebra da concentração dos atos processuais, fora desses casos, implicará a anulação da sessão, devendo ter início nova sessão.

Após o compromisso, é lido o relatório do processo e, depois, passa-se à inquirição de testemunhas, começando com as arroladas pela acusação. A ordem de inquirição, então, será a seguinte: juiz, acusador, assistente e advogado do réu. Os jurados, querendo, também podem participar da inquirição. Nosso sistema, diferentemente do cross examination (exame cruzado, por quem não arrolou a testemunha) e do direct examination (pela parte que arrolou), somente autoriza a inquirição de testemunhas por intermédio ou pela mediação do juiz.

Em seguida, são ouvidas as testemunhas da defesa, na seguinte ordem: juiz, defensor, MP (ou querelante), assistente e os jurados que quiserem (art. 468).

Em caso de divergência relevante entre os depoimentos, deverá ser feita a acareação entre as testemunhas, procedendo-se na forma do art. 229 e seguintes do CPP.

Encerrados os depoimentos, a acusação lerá o libelo, apontando os dispositivos legais em que entende incurso o acusado, e produzirá a acusação, pelo prazo de 2 ou de 3 horas (se houver mais de um réu). Havendo assistente, ele falará depois do MP. No caso de ação privada subsidiária da pública, o querelante ou acusador particular falara primeiro e, em seguida, o MP. O prazo de 2 ou de 3 horas à acusação, nesse caso, é dividido entre os interessados.

Produzida a acusação, falará em igual prazo a defesa. A acusação poderá oferecer, ainda, a réplica, e a defesa, logo após, a tréplica, ambas no prazo de meia hora ou de uma hora (pluralidade de réus).

Na sessão de julgamento não será permitida a juntada de documentos e nem a leitura de quaisquer peças, escritos ou documentos, a não se que se tenha comunicado à parte contrária, com antecedência mínima de 3 dias.

Concluídos os debates, e estando os jurados habilitados ao julgamento, o juiz lerá os quesitos. Nessa oportunidade, as partes poderão fazer objeções e requerimentos.

A votação dos quesitos será feita, se possível, em local separado, na presença da acusação e da defesa. Depois da votação, o juiz lavrará a sentença, atentando para as circunstâncias agravantes e atenuantes reconhecidas pelo júri. Na hipótese de absolvição, o réu será posto imediatamente em liberdade, independentemente de se tratar de crime inafiançável, encontrando-se revogada a ressalva prevista no art. 492, II, a.

Se da decisão dos jurados resultar desclassificação própria, caberá ao juiz-presidente proferir a sentença. No que respeita à decisão propriamente dita (de desclassificação), o juiz-presidente não poderá discordar da decisão, no ponto em que a mesma afirma não se tratar de crime doloso contra a vida. A competência para semelhante conclusão é mesmo do júri popular. Assim, o autor entende que se o tribunal afastar o dolo, o juiz-presidente não poderá reconhecê-lo na nova definição jurídica que der ao fato.

Ainda no caso de desclassificação, a resposta positiva aos quesitos de materialidade e autoria não impedirá a absolvição do acusado, quando do julgamento do fato pelo juiz-presidente.

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15.5. Dos Juizados Especiais Criminais

14.5.1 Considerações Gerais

A lei 9099/95, cumprindo o comando do art. 98, I, da CF, instituiu os Juizados Especiais Criminais, com competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações de menor potencial ofensivo.

Agora, ao lado do modelo condenatório, podemos falar em um modelo consensual de Justiça e processo penal, por meio do qual a escolha da sanção contará com a participação do acusado, desde que com a intervenção indispensável de um advogado.

O primeiro passo para amenizar os riscos que a informalidade do procedimento instituído pela Lei 9.099/98 pode trazer é, no entender do autor, a interpretação restritiva a ser dada aos institutos da transação e da execução penal. E o STF já se manifestou nessa linha de entendimento ao proibir a conversão da pena de multa ou da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, proibição essa que foi posteriormente positivada pela Lei n. 9.268/96, que alterou o art. 51 do Código Penal, artigo esse que estabelece que a pena de multa passara a constituir dívida de valor, a ser objeto de execução fiscal, como se fosse dívida fiscal.

15.5.2 Infrações de menor potencial ofensivo

Segundo o disposto no art. 61 da lei 9099/95, consideram-se infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine a pena máxima não superior a 1 ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Pacelli entende que o grau de ofensividade da conduta deve ser aferido pelo grau de reprovabilidade que lhe reserva a lei, ou seja: pelo tempo da pena cominada e pelo regime penitenciário a ela destinado. Numa palavra: pela quantidade e pela qualidade da pena. Mas, jamais pelo rito previsto para a infração. Por isso, sustenta Pacelli que as regras mais favoráveis da Lei 9099/95 podem ser aplicadas para qualquer infração penal cuja pena máxima não seja superior a um ano, independentemente de seu rito (no mesmo sentido: STJ – RHC 7185/SP). O autor explica, contudo, que isso não quer dizer que todas infrações cuja pena máxima não ultrapassar 1 ano sejam de competência do Juizado Especial, uma vez que isso não se dá por força da ressalva expressa da parte final do art. 61 quanto aos procedimentos especiais. Nada impede, contudo que essas infrações, de rito especial, possam abrigar a transação penal, se os interessados estiverem de acordo. Não é por outra razão que a Lei prevê a remessa ao juízo comum, para adoção do rito cabível, sempre que o réu não for encontrado para citação pessoal e não é isso que faz com que a infração deixe de ser considerada de menor potencial ofensivo.

Pacelli entende que a competência dos juizados não é absoluta e explica que os que entendem de forma contrária somente estarão corretos se entenderem que a transação penal, bem como a composição civil, com efeitos penais, somente possam ser

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aplicados nos juizados especiais. Por esse raciocínio, a ausência de oportunidade ao réu do usufruto do processo conciliatório violaria as garantias do devido processo legal.

É de se notar que embora prevista constitucionalmente a criação dos juizados, com a exigência de rito procedimental mais célere, ali não se estabeleceu:

a) nenhuma privatividade dos juizados para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo;

b) e nem qualquer competência material, rigorosamente falando, isto é, em razão do direito material, que pudesse exigir a criação de uma Justiça especializada. O que é especializado nos juizados é o rito procedimental e a possibilidade de transação penal.

O que deve ser exigido, enquanto garantia individual do acusado, é a aplicação dos institutos despenalizadores dos juizados, ou, numa palavra, a oportunidade de atuação do processo consensual, antes do processo condenatório, quando se estiver diante de infração de menor potencial ofensivo.

A competência dos juizados especiais, portanto, tem a grande vantagem de ser um órgão jurisdicional previamente estruturado para a aplicação das medidas previstas na lei 9099/95; não significa, porém, que seja a única jurisdição a tanto legitimada. Assim, a Lei 10.259/2001, que instituiu os juizados especiais federais, embora tenha ampliado o conceito de menor potencial ofensivo, aumentando de um para dois anos a pena máxima do crime, não deve ser recebida como uma revogação das ressalvas postas no art. 61, em relação aos procedimentos especiais.

No caso também de eventual conexão entre infrações consideradas de menor potencial ofensivo, da competência do juizado especial criminal, e outras da competência do juízo comum ou do tribunal do júri, as aludidas infrações serão julgadas fora dos juizados. E nem por isso se deve rejeitar, de plano, a aplicação, quando e para quem for cabível, da transação penal.

Quanto aos recursos, e aqui se localizariam os verdadeiros problemas, na hipótese de aplicação dos benefícios da Lei 9.099/95 fora dos juizados, entende Pacelli ser possível a manutenção da hierarquia de jurisdição, deles (recursos) devendo conhecer o tribunal com competência recursal sobre o juízo. Nesse caso, o recurso cabível seria aquele previsto na própria Lei 9.099/95 (art. 76, §4º), embora diferente o órgão revisor.

Discorrendo sobre a lei dos juizados especiais federais, afirma Pacelli que o conceito de infração de menor potencial ofensivo foi ampliado para 2 anos. Afinal, se o grau de menor ofensividade não pode decorrer da mera diferença de rito, muito menos ainda poderá depender da competência de jurisdição.

Portanto, a partir da vigência da lei 10.259/2001, passam a ser consideradas de menor potencial ofensivo todas as infrações penais cuja pena máxima não seja superior a dois anos, ou exclusivamente de multa, ou, ainda, de multa e privativa de liberdade não superior a dois anos. A última hipótese, a da pena cumulada, privativa de liberdade em multa, parece também incluída no art 2º da referida lei, porque a pena de multa, quando cumulada, tem mais em vista as espécies de dano causado pela infração que propriamente o grau de sua ofensividade.

Pacelli entende, ainda, que o art. 2º da Lei 10.259/2001 (Estatuto do Idoso) não pode gerar as mesmas conseqüências trazidas com a Lei n. 10.259/01, uma vez que o fato de se atribuir às infrações previstas naquela lei os procedimentos previstos nos Juizados Especiais não implica, nem de longe, que, a partir de sua edição seriam

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considerados crimes de menor potencial ofensivo todas as infrações penais cujo máximo da pena privativa de liberdade prevista não ultrapasse 4 anos. Nesse caso específico, do Estatuto do Idoso, a regulação é absolutamente especial em relação às demais, tanto no que respeita ao universo próprio dos participantes das relações sociais, individuais e coletivas, que envolvem os idosos – vítimas e agentes dos crimes -, quanto ao tratamento jurídico que abrange tais situações.

POR ISSO, E POR ENTENDER QUE O CASO NÃO É DE INCOMPATIBILIDADE TOTAL ENTRE O ART. 61 E O ART. 2º, ENTENDE PACELLI QUE AS INFRAÇÕES PENAIS CUJA PENA NÃO SEJA SUPERIOR A DOIS ANOS, MAS QUE TENHAM PROCEDIMENTO ESPECIAL, PERMANECEM EXCLUÍDAS DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS.

Exemplo típico da aplicação dos benefícios da Lei n. 9.099/95 fora da jurisdição dos Juizados Especiais ocorreria para os chamados crimes eleitorais, uma vez que inúmeros são os tipos penais eleitorais que se enquadram perfeitamente no conceito de menor potencialidade lesiva, e a maioria esmagadora deles seguem o rito previsto no Código Eleitoral, que pode ser considerado procedimento especial. Pacelli entende que se aplicam as normas mais benéficas da Lei n. 9.099/95, sobretudo no que se refere à possibilidade de transação penal. De outro lado, possível também a suspensão condicional na jurisdição eleitoral, já que o art. 90-4 só faz restrição em relação à jurisdição militar (restrição essa que, segundo o entendimento do STF e da doutrina não atinge os fatos praticados antes da Lei n. 9.839/99, que incluiu o art. 90-A na citada Lei 9.099/90).

14.5.3 A transação penal: direito subjetivo ou discricionariedade

Segundo Pacelli “No modelo processual conciliatório, a Justiça penal deve orientar-se pela oralidade, informalidade e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa da liberdade (art. 62).”

A obrigatoriedade da ação penal está ligada ao exercício de um processo penal orientado para a imposição da pena privativa de liberdade, não obstante as recentes medidas despenalizadoras. A obrigatoriedade seria, assim, no sentido da propositura da ação penal, no curso, pois, de um processo de feição exclusivamente condenatória.

No caso do processo penal conciliatório a prioridade da Justiça penal é a não-imposição da pena privativa da liberdade, é claro que o principal papel reservado ao Ministério Público não poderá ser mais o mesmo.

Já no processo penal condenatório, o Estado deve ao ofendido e a toda coletividade nele reunida, a ação penal, cuja iniciativa tenha sido a ele reservada com exclusividade (Ação Penal Pública). Por isso, quando o Estado não se desincumbe a tempo e modo de sua tarefa, defere-se ao ofendido, e a seus sucessores legais, a legitimatio ad causam, via da ação privada subsidiária da pública.

A Lei n. 9.099/95 prevê a hipóteses expressas em que a imposição de pena privativa da liberdade não será a melhor solução para caso penal. Por isso, estabelece situações nas quais, preenchendo o acusado determinados requisitos, elaborados a partir da consideração da natureza do crime, da apenação e das condições pessoais do agente, o primeiro passo a ser seguido pelo Estado-acusação será a propositura da transação penal.

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Os Juizados Especiais Criminais serão orientados, sempre que possível, para a não-imposição de pena privativa da liberdade (art. 62). Opção situada no campo da política criminal, essa sim discricionária, em princípio.

Para Pacelli, é incorreta a expressão discricionariedade regrada, pois é a lei que estabelece, minudente e completamente, as hipóteses em que não se deverá aplicar, senão como última alternativa, o modelo condenatório e ao Ministério Público se reserva a atribuição, relevantíssima, de implementação política. Não, porém, com reserva de discricionariedade quanto ao cabimento ou não da transação.

A transação penal é direito subjetivo do réu. A discricionariedade que se reserva ao Ministério Público é unicamente quanto à pena a ser proposta na transação; restritiva de direitos ou multa, nos termos do art. 76 da Lei n. 9.099/95, devendo ser ressaltado que é obrigatória a presença do Ministério Público.

Não entendendo o órgão do parquet ser o caso de transação, por ausência dos requisitos, por exemplo, a solução será a remessa dos autos ao órgão superior com competência de revisão, como é o caso do Procurador-Geral de Justiça (art. 28, CPP), no âmbito da Justiça Estadual, e da Câmara de Coordenação e Revisão (art. 62, Lei Complementar n. 75/93), na Justiça Federal.

Se o juiz entender que a hipótese era efetivamente de transação penal, por preencher o acusado todos os requisitos previstos em lei e por se tratar de infração penal para a qual seja ela cabível, a denúncia deveria ser rejeitada por falta de justa causa, ou mesmo por falta de interesse de agir.

A recusa ao oferecimento de transação penal pode consubstanciar lesão a direito individual (no caso), a ser levada e submetida ao controle judicial.

Pacelli entende que Lei n. 9.099/95 não equivale ao “plea bargaining” norte-americano, em que se reconhece ao órgão da persecução a livre escolha da medida a ser tomada. O Direito brasileiro, ao contrário, instituiu uma série de medidas mais benéficas ao acusado e, independentemente de suas justificativas, reconheceu na pessoa do acusado a titularidade para o exercício de tais direitos. “A questão que se põe, então, é como será feito o citado controle judicial quando da recusa de propositura da transação penal”.

Tal controle, para o autor, é feito através da rejeição da denúncia oferecida (por recusada pelo parquet a transação) por ausência de justa causa ou de interesse de agir, mantendo-se, assim, em mãos do Judiciário o controle da legalidade dos atos praticados pelos órgãos estatais, inclusive em relação aos seus próprios atos.”

14.5.4 Competência e atos processuais

Nos Juizados Criminais a competência territorial é firmada pelo lugar em que for praticada a infração penal.

Defende Pacelli a aplicação da teoria da ubiqüidade no âmbito dos JEC´s, segundo a qual se considera lugar da infração tanto onde ocorreu a ação ou omissão como onde se produziu ou deveria se produzir o resultado, conforme o disposto no art. 6º do Código Penal.

“No caso de continência (art. 77, CPP), mas sobretudo nas hipóteses de conexão (art. 76, CPP), a aplicação do disposto no art. 78 do CPP poderá gerar algumas

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dúvidas. É que, nos termos do mesmo art. 78, inciso IV, no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá a desta última.”

Nos Juizados Criminais, ao menos no que diz respeito à conceituação das espécies de jurisdição, não se exerce jurisdição especial, uma vez que seu objeto é o Direito Penal comum, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a jurisdição eleitoral e a jurisdição militar.

Assim, quando presente o concurso de infrações, a reunião de processos se dará fora dos Juizados, segundo os critérios do citado art. 78 do CPP. Porém, nestes casos, aplicam-se as normas mais favoráveis previstas na Lei n. 9.099/95, adotando-se, se for o caso, a unidade apenas de Juízo, e não do processo. “Assim, reunidos diversos e diferentes procedimentos (e crimes), nada obstará, no mesmo juízo, a adoção da transação penal, se for o caso, para o processo originariamente da competência dos Juizados.“

Ainda nos Juizados adota-se o princípio do pás de nulité sans grief, “segundo o qual a validade do ato pode ser aferida pelo cumprimento de sua finalidade, não se declarando a nulidade que não tenha causado prejuízo (art. 65, § 1º)”.

A citação do réu deve ser sempre pessoal, na sede do Juizado, ou por mandado. Do mandado deverá constar a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, sob pena de, na ausência deste, ser-lhe nomeado um defensor dativo. Não há a possibilidade de citação por edital. Não se encontrando o réu, o juiz deve remeter o processo para o juízo comum, para a adoção do procedimento cabível (art. 66, parágrafo único).

Quanto ao princípio do juiz natural em relação aos Juizados, o mesmo se dá com referência ao conteúdo de direito material da Lei n. 9.099/95, isto é, pela possibilidade ou garantia da transação penal e pela renúncia da instância penal pela composição civil do dano, dependendo da natureza da ação penal (art. 74, Lei n. 9.099/95); não se trata de garantia constitucional do foro dos Juizados).”

Quanto às intimações, poderão ser feitas por meio de correspondência, com aviso de recebimento pessoal (art. 67), ou e, segundo Pacelli, “por qualquer outro meio em que fique demonstrada inequivocamente a ciência do conteúdo do ato intimatório.”

Nos Juizados Criminais é dispensável a intimação pessoal das partes, inclusive do MP e dos defensores nomeados, especificamente para o julgamento da apelação pelas Turmas Recursais, bastando-se a intimação pela imprensa, por força do disposto no art. 82, §4º, da Lei n. 9.099/95. Nesse sentido, decisão do Plenário do STF (HC 76915/RS).

15.5.5 O Rito

a) Fase preliminar

O processo conciliatório inicia-se com uma fase designada por preliminar, na qual, a partir da informação da existência de uma possível infração penal, a autoridade policial, após lavrar termo circunstanciado da ocorrência, deverá conduzir o suposto autor e a alegada vítima ao Juizado, providenciando, desde logo e se necessário, as requisições dos exames periciais necessários à constatação dos danos, bem como de quaisquer circunstâncias e elementares cuja existência dela dependa (art. 69).

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Não se deverá impor ao acusado a prisão em flagrante, bastando que o suposto autor compareça imediatamente ao Juizado ou a ele se comprometa a comparecer posteriormente.

A medida é salutar e demonstra um juízo já antecipado de proporcionalidade em tema de prisão cautelar. É que se o provimento final dos processos submetidos aos Juizados não deverá impor pena privativa de liberdade, afigurar-se-ia desproporcional à sua finalidade o recolhimento ao cárcere nessa fase. Igualmente importante: não se exigirá o pagamento de fiança.

Para Pacelli, a submissão do acusado à obrigação de comparecimento “tratar-se-ia, ao que parece, de uma espécie daquilo que a doutrina chama de liberdade provisória vinculada, nos moldes daquela prevista no art. 310, parágrafo único do CPP.”

Porém, o eventual não-cumprimento do ajuste, ou seja, do comparecimento ao Juizado, não pode resultar na imposição de prisão, pelo menos do mesmo que freqüentemente se quer fazer na hipótese do parágrafo único do art. 310.

A um, pois no Juizado não existe a possibilidade de restauração da prisão em flagrante, porque esta é inexistente naquele foro. A dois, porque para as infrações de menor potencial ofensivo não será cabível, como regra geral, a decretação da prisão preventiva, nos termos do que se encontra no art. 313 do CPP. A três, mesmo quando cabível a preventiva, não poderia ser exclusivamente o não-comparecimento do réu o motivo da prisão, mas sim o risco concreto à aplicação da lei penal.

A audiência preliminar tem como objetivo maior a composição civil dos danos causados pela infração penal, e a transação penal, com a imposição de pena diversa da restritiva de direitos.

Havendo a composição civil dos danos, as conseqüências serão as que se seguem:

1 - A sentença homologatória do acordo será irrecorrível e constituirá título executivo no Cível (art. 74).

2 - No caso de ação penal privada ou ação penal pública, condicionada à representação do ofendido, o acordo homologado implicará a renúncia ao direito de queixa e ao direito de representação, respectivamente, extinguindo-se a punibilidade do fato (art. 74, parágrafo único).

Novidade: a referência expressa feita à possibilidade de renúncia do direito de representação é novidade no processo penal brasileiro.

O disposto no art. 74 da Lei n. 9.099/95, contudo, não revoga o disposto no art. 104, parágrafo único, do Código Penal, que prevê que a composição civil dos danos não implica a renúncia ao direito de queixa.

3 - Se o crime for de ação pública incondicionada a composição civil dos danos não tem qualquer efeito em relação à persecução penal, valendo, porém, como título executivo no cível.

Não havendo a citada composição civil dos danos, passa-se então à fase de conciliação penal propriamente dita.

b) Transação penal

A Lei n. 9.099/95, em seu art. 76, prevê a transação penal para as ações penais públicas, condicionadas e incondicionadas, excluindo os crimes de ação privada, exclusão essa que se deve à incompatibilidade lógica entre o regime de transação penal e

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a recomposição civil dos danos (art. 74), ressalvada a hipótese de impossibilidade real da reparação do dano.

Assim, “na hipótese de impossibilidade concreta de reparação do dano, nada obstaria a transação penal nas ações privadas, do ponto de vista de um direito penal despenalizador”. No sentido da possibilidade de transação em ação penal privada, há decisão do STJ, na qual, entretanto, não se analisou o apontado obstáculo (RHC, n. 8.213).

Quanto às ações públicas, cuidando-se de ação condicionada à representação, somente a partir dessa é que o Ministério Público poderá propor a transação penal.

Se de ação pública se tratar, o Ministério Público, desde que convencido da materialidade e da autoria do crime, DEVERÁ propor a transação penal, desde que presentes as hipóteses do art. 76 da Lei n. 9.099/95:

I - não ter sido o autor anteriormente condenado à pena privativa da liberdade, pela prática de crime, por sentença definitiva. A condenação anterior em primeira instância, para Pacelli, pode ser levada a essa conta e não como vedação absoluta, uma vez que, na dicção do CPP, sentença definitiva não é a mesma coisa que sentença passada em julgado. A condenação anterior por contravenção não impede a transação;

II - não ter o agente se beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco anos), do mesmo direito (ou benefício);

III - não ostentar o réu antecedentes desabonadores nem serem desfavoráveis os motivos e circunstâncias do crime, bem como assim o indicarem a sua conduta social e a sua personalidade.

No que toca à inviabilidade da transação pela existência de maus antecedentes, importante ressaltar que a existência de processo penal instaurado contra o acusado não foi prevista expressamente como causa impeditiva da transação, cabendo, assim, ao Juizado, o exame cuidadoso de cada caso concreto.

Normas especiais específicas: 1] Nos crimes ambientais, p.ex., uma das condições para a aplicação da transação penal é a prévia composição do dano ambiental, conforme previsto no art. 27 da Lei n. 9.605/98. 2] Cabe transação penal nos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante e de participação em competição não autorizada, conforme previsto na Lei n. 9.503/97, independentemente de sua apenação.

Mesmo que o Ministério Público proponha a transação penal, pode o juiz, desde logo, e de plano, a rejeitar, “quando, por exemplo, entender que o fato não constitui crime. A transação, antes de qualquer outra consideração, deve ter em vista a infração penal punível.”

Aceitando o réu a propositura de transação penal, para o que, necessariamente, deverá contar com a presença e a participação de advogado, que deverá esclarecê-lo acerca dos efeitos e conseqüências do aludido ato jurídico, o juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa.

A pena imposta na transação NÃO implica reconhecimento de culpa e nem gera quaisquer outros efeitos penais que não o fato de impedir o exercício do mesmo direito pelo prazo de 5 anos (art. 76, §4º). A transação significa unicamente a conciliação e o acordo acerca da inconveniência do processo penal condenatório.

Da decisão que defere a transação penal poderá ser interposta apelação, no prazo de dez dias, para a Turma Recursal do Juizado (art. 76, § 5º).

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Na hipótese de indeferimento da transação, por entender o juiz faltar algum dos requisitos para a sua aplicação, ou mesmo que o fato não constitui crime, Pacelli entende que o recurso cabível deveria ser o recurso em sentido estrito (art. 581, I, CPP, por analogia), por tratar-se de decisão que não julga e nem resolve o mérito, além de não encerrar a competência do Juizado Criminal, exceção, feita, por óbvio àquela referente ao reconhecimento da atipicidade do fato narrado no Termo de Ocorrência, pois nesse caso, o Juizado não estará rejeitando a denúncia ou a queixa, mas a proposta de transação penal.

O autor, contudo, explicita que na sistemática dos Juizados Criminais, o recurso deverá ser interposto para as Turmas Recursais dos Juizados e a única previsão de recurso a ser julgado por aquele órgão é o de apelação, cabível até mesmo para a decisão que rejeita a denúncia ou queixa oferecida no Juizado (art. 82). Por isso, a analogia e a interpretação sistemática, orientadas pela estruturação orgânica dos Juizados, estão a recomendar o cabimento da apelação.

Assim, no indeferimento de transação proposta e aceita, cabível também a utilização até mesmo de habeas corpus (pela possibilidade de oferecimento de denúncia pelo MP) ou de mandado de segurança, uma vez que o autor entende que a transação penal é direito subjetivo do réu, quando presentes os requisitos legais. A possibilidade de utilização do habeas corpus se justifica, pois o indeferimento da transação dá lugar ao processo de natureza condenatória, em que caberia, ao menos em tese, a imposição e a posterior conversão da pena privativa de liberdade (HC n. 82.697-1/SP, STF).

Se após a rejeição, pelo juiz, da proposta de transação feita (pelo MP) e aceita (pelo réu), o órgão ministerial, aceitar a decisão e oferecer a denúncia oral e a defesa tiver interposto o recurso de apelação, deverá o juiz aguardar o julgamento do apelo antes de dar seguimento ao processo (arts. 78 e segs), sob pena de, em sendo provido aquele, verem-se anulados todos os atos processuais então praticados. “Não bastasse, tanto o art. 82, da Lei n. 9.099/95 (de modo implícito), quanto o art. 603 do CPP, aplicável por analogia, recomendam a subida do recurso de apelação nos próprios autos originais.”

c) Procedimento sumaríssimo

Recusada a transação, ou, por qualquer outro motivo, se não tiver sido aplicada a pena privativa da liberdade, os autos irão ao Ministério Público, para o imediato oferecimento da denúncia (art. 77), ou para o ofendido, se privada a ação penal (art. 77, § 3º).

A peça acusatória será oferecida oralmente, prescindindo até mesmo do exame de corpo de delito, quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente (§ 1º). Ressalte-se, contudo, que a materialização da prova é indispensável, quando se tratar de infrações que deixam vestígios, se não tiverem estes desaparecido.

Se o caso oferecer complexidade incompatível com a celeridade do Juizado Criminal, deverá o Ministério Público requerer o encaminhamento dos autos ao juízo comum (art. 77, § 2º). Na hipótese de discordância entre o juiz e o órgão do parquet quanto à complexidade da causa, para fins de remessa ao juízo comum, a solução será a aplicação do art. 28 do CPP (e art. 62, Lei Complementar n. 75/93, no âmbito do Ministério Público da União), contudo, se já oferecida a denúncia ou a queixa, o juiz poderá declinar de sua competência para o juízo comum, sempre que entender que a causa exige maior complexidade na sua instrução probatória.

No procedimento sumaríssimo, o recebimento da peça acusatória ocorrerá após a resposta do réu (art. 81).

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Proposta a ação, com a redução a termo da denúncia ou queixa orais, o juiz designará data para audiência de instrução e julgamento, dela cientificando todos os presentes. Quem não tiver ali comparecido, não participando, assim, da fase preliminar, será devidamente intimado da data da audiência (art. 67). Se o ausente for o acusado, deverá ser procedida a sua citação (arts. 66 e 68).

O réu deverá apresentar as suas testemunhas na data designada, independentemente de intimação, salvo de essa (intimação) for por ele requerida com antecedência mínima de cinco dias (art. 78, §1º). As demais, arroladas pela acusação, serão intimadas na forma do art. 67.

Embora a lei não preveja expressamente um número máximo de testemunhas, entende o autor que se aplica o mesmo número previsto no procedimento sumário de crimes punidos com detenção, ou seja, no máximo cinco testemunhas.

Se o juiz entender que o fato não constitui crime, deverá ele, de plano, sem citar o acusado, rejeitar a peça acusatória. Nessa hipótese, o recurso cabível será o de apelação (art. 82) para a Turma Recursal do Juizado, embora não se trate, por óbvio, de decisão de mérito.

Pode haver renovação de proposta conciliatória após o oferecimento da denúncia. Não obtida a conciliação, será ouvida a defesa, para o oferecimento de sua resposta aos termos da acusação.

Após se procederá ao interrogatório do réu, quando presente, não havendo previsão legal da possibilidade de intervenção das partes no referido ato, devendo ser aplicadas as disposições do CPP (art. 185 e segs) no que forem pertinentes.

A seguir, o juiz facultará às partes a apresentação de razões orais, proferindo, após, a sua decisão. O prazo máximo para as alegações orais das partes regula-se, por analogia, pelo art. 539 do CPP.

Todas as provas devem ser realizadas em audiência (art. 81, §1º) e os exames periciais e médicos, produzidos sem a participação do acusado devem ser submetidos ao contraditório, quanto à idoneidade do exame e às conseqüências do seu conteúdo.

A sentença deverá mencionar necessariamente a motivação do convencimento judicial, sendo dispensado o relatório (§ 3º).

O recurso de apelação, a ser oferecido no prazo de 10 dias, deverá conter tanto a petição de interposição como as razões de recurso e o pedido expresso de modificação do julgado, sob pena de não-conhecimento (art. 82, §1º). O recorrido terá igual prazo para apresentar a sua resposta. Pacelli entende, contudo, que a apelação interposta pelo réu pode ser conhecida mesmo sem a apresentação das razões, uma vez que, no seu entender, essa é uma exigência do princípio da ampla defesa, com o que, manifestado o inconformismo com a decisão, não se justificaria o não conhecimento do recurso.

O Ministério Público deve oferecer de razões desde logo, “seja como dever funcional, seja para o fim de permitir, em outra perspectiva, o exercício da ampla defesa pelo réu, já que, proferida sentença absolutória ou a ele favorável em outro aspecto, deverá o mesmo conhecer e se contrapor às alegações que busquem modificar o aludido ato judicial.“

As Turmas Recursais, compostas por três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado (art. 82), julgarão o recurso de apelação. Tais Turmas somente têm hierarquia jurisdicional inferior em relação à Suprema Corte (art. 102, III, CF), com o que não se pode pensar em submeter suas decisões, quaisquer que

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sejam as modalidades, ao Tribunal de Justiça do Estado ou Tribunal Regional Federal, se Estadual, ou Federal o Juizado.

Caberão embargos declaratórios, no prazo de cinco dias, da sentença e do acórdão das Turmas Recursais, sempre que houver dúvida, obscuridade, contradição ou omissão nos respectivos julgados (art. 83). O referido recurso poderá ser oposto por escrito ou verbalmente. Quanto opostos contra sentença, os embargos suspenderão o prazo para o recurso de apelação (art. 83, § 2º).

Por fim, os erros materiais dos julgados podem ser corrigidos de ofício.

d) Execução

Para Pacelli “não há possibilidade de se converter em pena privativa da liberdade as sanções de multa e de restrição de direitos firmadas por ocasião da transação penal”.

Isso não apenas em virtude da ausência de previsão legal ou mesmo da nova redação do art. 51 do Código Penal, no qual se estabelece que a pena de multa constituirá dívida de valor, a ser executada pelo mesmo rito da execução fiscal. Sobre tal execução, Pacelli entende que a competência tanto é dos próprios Juizados Criminais, cabendo ao Ministério Público o seu ajuizamento, pois embora transformada em dívida de valor, não se pode recusar a natureza penal de tal multa.

Questão importante e que merece ser salientada diz respeito à possibilidade ou impossibilidade de ajuizamento de uma nova demanda, em caso de descumprimento do acordo, agora sob a perspectiva de um processo penal condenatório, e não mais conciliatório.

Pacelli explica que a Segunda Turma do STF entendeu que, embora impossível a transformação de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, é possível que o Ministério Público ajuize nova ação, de conteúdo condenatório, tendo em vista o descumprimento do ajuste firmado na transação penal (HC 79.572/GO). Insurge-se, contudo, quanto a tal entendimento do Pretório Excelso, uma vez que, em seu entender, ao permitir o ajuizamento de nova ação se está desrespeitando uma decisão judicial homologatória (e constitutiva) já passado em julgado.

O autor ressalta, ainda, que tal decisão refere-se à possibilidade de ajuizamento de ação penal após o descumprimento de transação relativa à pena restritiva de direitos e não à pena de multa. No caso de pena de multa, em seu ver, é irrecusável a impossibilidade de nova ação (art. 51 CP).

15.6 Processo e Procedimentos Especiais

15.6.1 Dos processos de competência originária

A Lei 8.038, de 28 de maio de 1990 regulamenta o procedimento a ser seguido nos crimes de competência originária dos Tribunais Superiores e também nos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, por força da Lei 8.658, de 26 de maio de 1993.

Por competência originária deve-se entender o julgamento dos crimes nos quais os seus acusados tenham privatividade de foro, decorrente de prerrogativa de função assegurada constitucionalmente.

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Conforme disposto no artigo 2º da Lei 8.038/90, os tribunais têm competência também para regulamentar determinadas matérias relativas ao julgamento de ação penal de sua competência originária. Exemplo: nada impede que o julgamento de prefeitos, nos Tribunais de Justiça, seja reservado, pelo respectivo Regimento Interno, a alguns de seus órgãos colegiados, não se exigindo o processo e julgamento pelo plenário do tribunal, como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal.

A fase investigatória, e, sobretudo o inquérito policial, deve ter tramitação perante o próprio órgão da jurisdição, competente para o processo e julgamento da futura ação penal.

No caso de inquérito policial, em que a tramitação ocorre necessariamente perante o Judiciário, por força de lei, os pedidos de prorrogação do prazo de conclusão do procedimento, bem como todas as providências de natureza cautelar necessárias ao bom andamento das investigações, devem ser de iniciativa do Tribunal competente. Assim ocorrerá em relação aos mandados de busca e apreensão, à decretação de prisão preventiva, quando couber, ao relaxamento de prisão à concessão de liberdade provisória, quando necessária etc.

Alguns agentes políticos não podem ser presos preventivamente, e outros nem mesmo em flagrante, salvo quando afiançável.

O rito procedimental da ação penal originária inicia-se com a remessa dos autos da investigação ao Ministério Público, que terá o prazo de 15 dias para o oferecimento da denúncia ou para requerer o arquivamento do inquérito ou das peças informativas (art. 1º). Tratando-se de réu preso, o prazo será de cinco dias, seguindo o procedimento previsto no Código de Processo Penal.

A instrução, a ser presidida pelo juiz relator, escolhido segundo dispuser o Regimento Interno, inicia-se com a apresentação da denúncia ou da queixa ao Tribunal.

O Tribunal, antes de receber a queixa ou a denúncia, deve notificar o acusado, para que ofereça a resposta, ou contestação, no prazo de quinze dias, tal como ocorre nos procedimentos dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos.

Entende o autor ser perfeitamente aplicável às ações penais originárias o disposto no artigo 366 do CPP, quando se tratar de réu, citado por edital, que não compareça perante o Tribunal e nem constitua defensor, uma vez que deve ser preservada a possibilidade de efetiva defesa do acusado citado por edital.

Apresentada a resposta, e contendo ela documentos juntados pelo réu, sobre estes terá vista o órgão da acusação e em seguida, o tribunal, e não só o relator, deverá se manifestar sobre o recebimento ou sobre a rejeição da denúncia podendo ser desde logo julgada improcedente a acusação se a decisão não depender de outras provas.

Para o ato de recebimento da peça acusatória, o tribunal designará dia, podendo as partes se manifestar oralmente pelo prazo de quinze minutos.

Quando se tratar de rejeição da denúncia, parece ao autor que o juízo que sobre a matéria se estende é simplesmente de viabilidade da ação, salvo quando já estiver com ela resolvida a questão relativa à tipicidade do fato, à presença de causas extintivas da punibilidade, e, enfim, a qualquer questão tipicamente de mérito.

O CPP, quando cuidou da improcedência da denúncia ou queixa, referiu-se à decisão de impronúncia (art. 409), não atribuindo a ela a conseqüência da coisa julgada material. Ali, a inconstitucionalidade da medida seria evidente em razão de se tratar de decisão judicial proferida em procedimento realizado sob contraditório das partes. Assim, a vedação da revisão pro societate deveria, e deve, para o autor, impedir nova

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persecução penal pelo mesmo fato. Já aqui, onde a improcedência da acusação pode ser feita antes da realização da fase instrutória, a questão reclama tratamento distinto. Se a decisão de improcedência se fundar em ausência de provas, e não em atipicidade ou qualquer outra causa extintiva da punibilidade, não vê o autor como se possa sustentar o trancamento em definitivo da questão, como se a hipótese fosse de coisa julgada material. Quando a acusação se propuser a demonstrar a autoria do fato por meio de prova testemunhal, a decisão do tribunal que julgar improcedente a acusação não poderá ser admitida, ou, quando o for, não poderá ter, por conseqüência, a eficácia preclusiva de coisa julgada material, porquanto não se cuidará de sentença absolutória, nem por analogia.

Qualquer que seja a decisão – exceto a de recebimento da peça acusatória, contra a qual se poderá manejar apenas o habeas corpus – o único recurso cabível, em tese, seria o recurso especial e/ou o recurso extraordinário, uma vez que, em se tratando de ação penal de competência originária, não existe o duplo grau de jurisdição. O controle dos atos judiciais ali realizados não poderá ser realizado na via ordinária. Daí, somente possível, e quando cabível, o manejo dos recursos extraordinários, isto é, o recurso especial e o recurso extraordinário.

Recebida a peça acusatória, segue-se o interrogatório do acusado, para o que será determinada a sua citação, nos termos do artigo 7º da Lei 8.038/90 e, em seguida, será aberto o prazo de 5 dias para a defesa prévia (art. 8º), após o que, para a oitiva das testemunhas, deve ser observado o rito comum dos crimes punidos com reclusão.

Ouvidas as testemunhas, será facultado às partes o requerimento de diligências finais, também no prazo de 5 dias.

Feito isso, as partes poderão oferecer, no prazo de quinze dias, as suas alegações finais escritas, após o que, não determinada de ofício a realização de quaisquer diligencias, se designará dia para o julgamento do processo (art. 11), quando, após a manifestação oral das partes pelo prazo de uma hora, se procederá ao julgamento (art. 12).

15.6.2 Crimes contra a honra

Nos crimes contra a honra, aí incluído o delito de difamação, não mencionado expressamente, mas aplicável por exigência da própria natureza do referido crime, o rito a ser adotado é quase o mesmo daquele, comum, previsto para os crimes punidos com reclusão, que se situa entre os artigos 394 e 405 e do artigo 448 a 502 do CP, havendo, contudo, uma diferença.

O artigo 520 exige que o juiz, antes de receber a denúncia ou queixa, ofereça às partes a oportunidade de reconciliação, para o que deverá ouvi-las em separado, sem a presença de seus respectivos advogados. O autor entende que essa possibilidade revela, ainda mais uma vez, o espírito inquisitivo do nosso CPP, permitindo que o juiz atue como tutor dos interesses das partes, ou tutor da conveniência dos interesses do foro.

Entende o autor não ser possível a reconciliação ou a tentativa de reconciliação sem a presença dos respectivos advogados. A conciliação, ou tentativa de conciliação, deve ser feita na presença dos advogados, do querelante e do querelado, para que esses, cientes o mais amplamente possível das circunstâncias do fato e das condições pessoais

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dos envolvidos, possam contribuir para uma solução que melhor atenda aos interesses de todos.

No caso de acertada a reconciliação, o querelante deverá assinar um termo de desistência da queixa, cuja conseqüência será a extinção da punibilidade. Não se realizando a mesma, o processo seguirá o seu curso normal, com o recebimento da queixa e as demais etapas do procedimento dos crimes punidos com reclusão.

Na hipótese de o querelado pretender provar a veracidade da afirmação tida como desonrosa, deverá fazê-lo por meio da chamada exceção da verdade, exceção esta que não é procedimental, mas excludente da ilicitude. Sendo assim, não haveria necessidade alguma do oferecimento dela em separado, para autuação em apenso, como ocorre com as demais exceções processuais.

Todavia, parece ao autor, conveniente que assim se proceda, quando se tratar de querelado que goze de prerrogativa de função, nos crimes comuns, uma vez que, nesse caso, caberá ao Tribunal competente para julgá-lo nos crimes comuns o julgamento da exceção da verdade, porquanto o conteúdo desta (exceção) pode, inegavelmente, conter a afirmação de fato que constitua, por si só, infração penal.

Dando cumprimento ao artigo 85 do Código de Processo Penal, os autos da exceção seriam remetidos ao tribunal competente por prerrogativa de função, permanecendo os autos da ação penal no juízo de origem (da queixa).

Oferecida a exceção, o querelante, autor da ação penal, poderá contestá-la no prazo de dois dias, podendo inquirir as testemunhas arroladas na queixa, ou outras indicadas naquela oportunidade, desde que não seja ultrapassado o número máximo de oito testemunhas.

Havendo o pedido de explicações de que trata o artigo 144 do Código Penal, sobre ele não se proferirá decisão alguma, sobre serem as explicações dadas satisfatórias ou não. Na verdade, o pedido de explicações tem o objetivo de esclarecer, para o querelante, o real conteúdo da afirmação por ele reputada desonrosa. Não se satisfazendo com elas, ele adotará as providencias que lhe parecerem cabíveis.

As explicações poderão servir até de matéria de defesa por parte do querelado, quando instaurada a ação penal, na medida em que se prestarem a esclarecer a inexistência de intenção caluniosa, ou mesmo em relação à natureza e à própria existência dos fatos então afirmados. Por isso, a apreciação de seu conteúdo, a valoração de seus efeitos e conseqüências na órbita do patrimônio moral do querelado, será da competência do Juiz criminal, por ocasião da prolação da sentença.

15.6.3 Crimes de responsabilidade de funcionários públicos

A expressão responsabilidade não está se referindo àquelas infrações políticas previstas na Constituição Federal para determinadas autoridades públicas. Trata-se de crime comum.

O rito é quase o mesmo daquele previsto para os crimes punidos com pena de reclusão, com algumas alterações. Assim, é prevista uma fase preliminar, por meio da qual o juiz, antes de receber a denúncia ou a queixa, mandará notificar o réu para que este apresente a sua resposta no prazo de 15 dias, podendo desde logo juntar documentos e justificações (provas colhidas antecipadamente).

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O CPP utilizou a expressão notificação porque a citação é determinada após o recebimento da denúncia ou da queixa. A citação somente será determinada quando e se for recebida a peça acusatória.

É importante assinalar que este procedimento somente será cabível para os crimes definidos no Código Penal sob a rubrica “Dos crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em geral”. Para os demais, mesmo quando praticados por servidor público, ou quando praticados por particulares contra a Administração Pública, o rito será o comum, previsto para cada crime.

Por outro lado, o artigo 513 do CPP parece prever uma condição de procedibilidade, ou condição específica da ação, exigindo que a denúncia ou queixa esteja já acompanhada de documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito, ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, isso porque ao tempo da edição do CPP havia uma preocupação com a iniciativa penal instaurada contra servidores públicos, por crimes praticados contra a Administração. Diante do transtorno que uma ação penal dessa natureza pode causar no desenvolvimento da atividade administrativa, entendeu o legislador de exigir um suporte mínimo de prova para o ajuizamento da demanda.

Entretanto, a jurisprudência sempre entendeu que a exigência estaria superada quando a apuração de possível delito for realizada por meio de inquérito policial, ocasião em que o inculpado (futuro acusado na ação penal) não seria surpreendido com o oferecimento da ação penal e poderia, o quanto possível, oferecer, desde logo, as provas da inexistência do crime.

Se, pela resposta do acusado, o juiz entender inexistente o crime, ou improcedente a ação, deverá rejeitar a denúncia ou a queixa.

Vicente Greco Filho, entre outros, entende que essa decisão equivaleria ao julgamento do próprio mérito da ação penal, com eficácia de coisa julgada material. Pacelli, diversamente, entende não se tratar de sentença, porque não se teria permitido à acusação a produção efetiva de provas, sobretudo a prova testemunhal e a pericial, em que, por exemplo, se poderia confirmar a autoria de falsidade, quando presente.

A justificação (oitiva antecipada de testemunha, fora do juízo criminal) mencionada no artigo 513, que poderia instruir tanto a peça acusatória como a resposta do réu, não é procedimento probatório realizado em contraditório, ou, quando nada, não é realizado diante do juiz criminal, que seria o juiz da causa.

Não bastasse, por maiores que sejam os cuidados destinados ao ato de rejeição da denúncia ou da queixa nesses casos, o fato é que se trata de rejeição da peça acusatória e não de sentença absolutória.

Recebida a inicial, será determinada a citação do réu para interrogatório e o prosseguimento do feito nos termos do artigo 394 e seguintes, adotando-se o rito dos crimes punidos com reclusão.

15.6.4 Crimes de tráfico de drogas

A Lei 6.368/76 previa procedimento especial para as respectivas apurações, sem prejuízo da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, quando necessário.

A Lei 10.409/2002, que seria a nova legislação sobre tráfico ilícito de entorpecentes, recebeu mais de trinta vetos aos seus quase sessenta artigos e, dentre

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esses vetos, os mais importantes dizem respeito à matéria penal contida no projeto, em que se previa a aplicação de medidas restritivas de direito aos usuários de droga, estabelecendo para estes um tratamento inteiramente distinto daquele reservado aos agentes responsáveis pelo tráfico. Com isso, permanecem em vigor os crimes capitulados na Lei 6.368/76, bem como alguns outros dispositivos, não incompatíveis com a superveniente Lei 10.409/2002.

O autor entende que não tem sentido a alegação de que, tendo em vista o artigo 27 da lei estabelecer que o procedimento relativo aos processos por crimes definidos nesta lei... seriam regidos pelo disposto naquele Capítulo, todo o novo procedimento ali estatuído não teria aplicabilidade, diante do veto aos tipos penais trazidos com a nova legislação.

O artigo 27 referiu-se aos crimes ali previstos pela simples razão de que ali também se regulamentava a nova matéria penal relativa aos crimes de tráfico de drogas. Dizer que uma vez vetados os novos tipos, o novo procedimento não poderia ser aplicado, é equívoco ainda superior a dizer que os tipos penais da Lei 6.368/76 teriam sido revogados, pelo veto às novas incriminações.

Vetados os novos tipos penais previstos na Lei 10.409/2002, permanecem vigentes os crimes definidos na legislação anterior (Lei 6.6368/76); e, mais, o procedimento previsto na nova lei refere-se e é aplicável ao crimes de tóxicos que estiverem vigentes, porque essa vigência era o pressuposto da expressão “aos crimes definidos nesta lei”, tal como disposto no artigo 27.

A nova legislação traz inúmeras inovações em tema de providencias investigativas, além de alterar também o rito procedimental, tanto da fase pré-processual quanto da fase processual propriamente dita.

a) Da investigação

Havendo prisão em flagrante ou mesmo prisão preventiva, o prazo de encerramento do inquérito será de 15 dias. Tratando-se de réu solto, isto é, não havendo o flagrante, o prazo será de 30 dias. Encerrado este prazo, novas diligências poderão ser empreendidas, devendo, porém, ser juntadas aos autos até o dia anterior ao designado para a audiência de instrução e julgamento (art. 31, parágrafo único).

É exigida, para a lavratura do flagrante, a elaboração de um laudo de constatação, como prova técnica provisória, a ser subscrito por pelo menos um perito, ou, na sua falta, por pessoa idônea, com conhecimento técnico sobre a matéria (art. 28, §1º), perito este que não ficará impedido de participar da perícia definitiva (art. 28, §2º).

Ao contrário do que dispunha o artigo 22, §1º, da Lei 6.368/76, a nova legislação não exige o laudo provisório para o oferecimento da denúncia. Entretanto, nada impede que o Ministério Público aguarde a sua elaboração para a formação da opinio delicti, da qual, aliás, é o único titular, nos crimes de ação pública.

A nova lei prevê hipótese de redução da pena ou de sobrestamento do processo em relação a quem delatar a existência de organização criminosa, da qual (delação) decorra a prisão de um ou mais de seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou, de qualquer modo, contribuir para os interesses da Justiça. A medida deverá ser objeto de acordo expressamente firmado entre o Ministério Público e o indiciado (ou acusado), devendo ser realizada antes mesmo da instauração da ação penal (artigo 32, § 2º).

Esclarece o autor que, para que se possa entender o significado do sobrestamento do processo a que alude o artigo 32, §2º é indispensável a consulta ao

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caput do mencionado dispositivo legal, que mereceu o veto presidencial. Não se cuida, assim, de suspensão do processo, mas de paralisação.

Referido caput do artigo 32 previa a hipótese de requerimento de arquivamento do inquérito ou o seu sobrestamento, quando as condições pessoais do agente, as circunstâncias do fato, a eventual insignificância da participação dele ou a sua inimputabilidade, comprovada por prova pericial, estivessem a não indicar a persecução penal. Previa também que semelhante pedido, de arquivamento ou sobrestamento, poderia ser feito pelo Ministério Público e pelo defensor.

O veto, nesse ponto, era mesmo inevitável, uma vez que não se pode permitir ao defensor qualquer manifestação acerca da conveniência ou da oportunidade da ação penal, nem subtrair tal matéria ao exame do Ministério Público, órgão constitucionalmente legitimado.

Entende o autor que a única possibilidade de convivência entre uma decisão de arquivamento de inquérito e o seu sobrestamento, como ficou a redação do artigo 32, § 2º, no ponto em que seja necessário distinguir um do outro, é atribuir à segunda hipótese (do sobrestamento) o sentido de paralisação do procedimento investigatório. Paralisação no sentido de ser vedado aos órgãos do Estado o desempenho de qualquer atividade persecutória em relação à pessoa beneficiada com a medida, com efeito de extinção da punibilidade, pela inevitável e futura prescrição, tendo em vista inexistir prazo previsto para o tal sobrestamento.

A medida aproxima-se da suspensão da pretensão punitiva, prevista na Lei 9.964/2000, para os crimes tributários, cujos débitos estejam em regime de benefício fiscal (Refis).

Pacelli entende que, do ponto de vista do processo penal, tal como a outra, é aceitável, se houver boa vontade. Do ponto de vista do Direito Penal, um disparate, somente aceitável à conta de suposta intervenção de política criminal.

A hipótese de redução da pena antes da ação (artigo 32, § 2º) é inexeqüível para o autor, porquanto inexistente sentença condenatória, e, de outro lado, se exeqüível (a se atribuírem efeitos idênticos ao acordo entre Ministério Público e indiciado), será absolutamente inconstitucional, porque não se pode admitir uma modalidade de transação penal em que a pena imposta seja justamente a privativa da liberdade, ainda que supostamente reduzida, afinal, pena reduzida é pena aplicada ou aplicável. A redução poderia, quando muito, ser acordada para redução futura, na hipótese de condenação judicial, após regular tramitação do processo, submetido a contraditório, ampla defesa e as demais garantias processuais.

Quando, ao contrário, a delação premiada for realizada depois do oferecimento da denúncia, mostrando-se eficaz (indicação de integrantes, localização do produto, droga ou substância), o juiz, por proposta do Ministério Público, poderá deixar de aplicar a pena, ou reduzi-la, de um sexto a dois terços, justificando sua decisão (artigo 32, § 3º)

No caso de redução na sentença, a hipótese será de verdadeira aplicação da pena, tarefa que se reserva exclusivamente ao Judiciário. A exigência de requerimento do Ministério Público é, pois, absolutamente irrelevante. Trata-se unicamente de atuação do direito, o que, por si só, inviabiliza a sua subordinação à aquiescência do órgão acusador.

Quanto à delação premiada, o autor faz uma pequena anotação, dizendo que alguns doutrinadores vêm entendendo tratar-se de medida de duvidosa legitimidade.

A delação premiada é prevista nas seguintes leis: artigo 159 do Código Penal (redação dada pela Lei 8.072/90); na Lei 9.034/95 (art. 6º); na Lei 9.080/95, que alterou o

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artigo 25 da Lei 7.492/86 e art. 16 da Lei 8.137/90; na Lei 9.613/98, que cuida dos crimes de lavagem de bens, dinheiro e valores; na Lei 9.807/99, que trata do Programa Nacional de Proteção às Vítimas e Testemunhas; e também na Lei 10.409/2002, em relação aos crimes de tráfico de drogas.

Em relação às críticas feitas sob o viés da ética, entende Pacelli que, a delação da existência do crime só ao pode ser imposta como dever porque nosso ordenamento constitucional assegura o direito ao silêncio.

Todos nós, não agentes de crimes, ou quando não agentes de crime, temos o dever de depor sobre fatos delituosos que tenhamos conhecimento (art. 206, CPP). O Estado impõe a obrigação de uma espécie de delação de tais crimes, e, mais, sem qualquer premiação, ao contrário, sob pena de falso testemunho. Então, como se percebe, a crítica feita à delação premiada só tem sentido em relação a um suposto dever moral devido aos integrantes da organização criminosa.

Semelhante argumentação é insustentável, seja quando dirigida a uma suposta inconstitucionalidade, seja quando dirigida a um também suposto déficit ético dela, ou, por fim, a uma suposta ausência de legitimidade. Apenas do ponto de vista de uma política-criminal, sob a perspectiva da efetividade das medidas, no que se refere principalmente ao cumprimento das missões preventivas das normas incriminadoras, é que se poderia criticar a adoção do instituto da delação premiada.

A possibilidade de redução da pena e de concessão de perdão judicial, quando previstas em algumas das citadas leis, não podem ser lidas unicamente como preço da impunidade. Primeiro, porque dependente de cada caso concreto, quando se examinará as condições pessoais do agente, a natureza de sua participação, o resultado de seu arrependimento, e, por fim, a adeqüabilidade da medida a ser escolhida. E, sobretudo, porque, se assim não fosse, não haveria razão para se justificar a exigência de individualização da pena – medida de sua culpabilidade – e nem mesmo a desistência voluntária, o arrependimento eficaz e o arrependimento posterior previstos nos artigos 15 e 16 do Código Penal. O agente seria duplamente punido. Punido pela prática do crime e punido por não poder dele redimir-se, com maior proveito prático (retorno ao convívio social), isto é, não só no plano de sua consciência moral.

A confissão é também premiada como circunstância atenuante, conforme disposto no artigo 65, III, d, do Código Penal.

Prevê ainda, a nova legislação, em qualquer fase da persecução penal, os procedimentos investigatórios previstos na Lei 9.034/95 (que cuida das organizações criminosas), incluindo expressamente a possibilidade de I) infiltração de policiais em quadrilhas, grupos, organizações ou bandos, com o objetivo de colher informações; II) a não-atuação policial sobre os envolvidos nas operações de tráfico internacional de drogas (artigo 33, I e II). Em ambos os casos, exige-se a autorização judicial expressa (artigo 33, caput) e a possibilidade concreta de eficácia da operação (artigo 33, parágrafo único).

Não vê o autor maiores problemas na autorização judicial para as gravações ambientais nas Leis 10.217/2001 e 10.409/2002. Já em relação à infiltração de agentes de polícia ou de inteligência, a questão não é tão simples. Não pelas já conhecidas dificuldades de se identificar com precisão o que seja uma ação criminal resultante de organizações criminosas, mas, sobretudo, pela ausência de delimitação legal da atuação permitida ao agente infiltrado. Como é o próprio Estado que estará inserido nas ações criminosas, é preciso que se estabeleçam os limites de tal inserção, para que se saiba, com um mínimo de certeza possível, a fronteira que irá separar a ação lícita da ação ilícita.

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Semelhante modalidade investigatória não é da tradição do direito brasileiro, o que, por si só, não inviabilizaria a iniciativa. Mas a ausência de tradição poderá ser sentida, por ocasião da aplicabilidade do recente instituto, quando se fará necessário saber quais as ações policiais estariam acobertadas pela autorização judicial.

Uma primeira dificuldade: estaria incluída na autorização de infiltração a utilização pelo agente, de toda a sorte de obtenção de provas possíveis (gravações, captações de som, etc.)? E, se estiver incluída na decisão judicial, não se poderia objetar que o juízo cautelar acerca da necessidade de tais meios de prova deve ser feito a partir de cada caso concreto, e não unicamente pela evidência de uma organização criminosa? E, mais: quais as ações praticadas pelo agente infiltrado poderão ser justificadas pelo Direito: a mera participação na burocracia da organização ou até mesmo condutas integrantes de determinados tipos penais?

Parece ao autor ser conveniente aguardar nova iniciativa do Legislativo, mais esclarecedora e mais detalhada, para sua necessária adequação ao contexto das garantias individuais postas na Constituição Federal.

Há ainda a possibilidade de decretação judicial da quebra do sigilo de dados (bancários, fiscais, patrimoniais, etc.) e do sigilo telefônico dos envolvidos, bem como a vigilância sobre contas bancárias e sistemas informatizados de instituições financeiras, sempre a requerimento do Ministério Público e/ou mediante representação da autoridade policial, e desde que presentes indícios de autoria da prática criminosa (artigo 34).

A aludida lei faz referência ao disposto no Capítulo II da Lei 9.034/95, em que se confere poderes investigatórios à autoridade judicial, o que parece ao autor, frontalmente contrário ao nosso sistema acusatório de processo. Nosso ordenamento e o princípio da imparcialidade do juiz (natural) impõem que ao juiz se reserve apenas a função de controle da atividade persecutória e não ela mesma. Na fase pré-processual o juiz somente pode atuar na tutela das liberdades públicas e na tutela da efetividade do processo (decretação de medidas cautelares), mas nunca como órgão da investigação criminal, função essa cometida à polícia judiciária e ao Ministério Público (artigo 129 e 144 da Constituição Federal).

b) Da denúncia

O Ministério Público terá o prazo de dez dias para oferecimento da denúncia, preso ou solto o acusado, na qual poderá arrolar até cinco testemunhas.

A Lei 10.409/02 prevê a possibilidade de deixar, justificadamente, de propor ação penal contra os agentes ou partícipes de delitos. Se a hipótese é de, por exemplo, prescrição, atipicidade ou qualquer outra causa de extinção da punibilidade, o caso não é de deixar de propor a ação, mas de requerimento de declaração judicial das referidas causas de extinção da punibilidade. Se não houver provas de autoria ou mesmo de materialidade, a solução será o arquivamento.

Para o autor, os vetos presidenciais à Lei acabou por obscurecer a compreensão de várias de suas disposições, isto, por encontrarem-se ligadas a outras, já vetadas.

Assim, o inciso IV, do artigo 37, se aplicaria quando da também aplicação do caput do artigo 32, em que se pretendia o sobrestamento do feito em atenção às condições pessoais do agente, o grau de sua participação e as circunstâncias do fato. Vetado o caput do artigo 32, restaria ainda a possibilidade de aplicação conjunta com o previsto no § 2º do artigo 32, em relação ao sobrestamento do processo, na delação premiada e eficaz, antes do início da ação penal. Se a questão é de política criminal, nada

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a objetar. No plano processual, a novidade é total: paralisação do feito, à espera da prescrição, já que não se prevê a hipótese como causa extintiva da punibilidade.

Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 horas, ordenará a citação do réu, para oferecimento de resposta escrita, após o que designará a data de interrogatório, para os próximos 05 dias subseqüentes, se preso o acusado, ou nos próximos 30 dias, quando solto (artigo 38). A novidade: o réu será citado para a apresentar resposta por escrito, no prazo de dez dias, antes do recebimento da denúncia.

O autor vê aqui um problema, pois, em se tratando de réu preso, o juiz deverá marcar o interrogatório para os cinco dais seguintes, mas o prazo de resposta é de dez dias!

No caso de réu solto, o prazo de trinta dias parece comportar a fase preliminar prevista para a apresentação da resposta escrita, mas, em se tratando de réu preso, o prazo de cinco dias não seria suficiente.

Para compatibilizar os prazos mencionados, entende o autor que o procedimento preliminar previsto para a apresentação de resposta escrita independerá da realização do interrogatório.

Assim, o réu poderá ser interrogado antes mesmo da apresentação de sua resposta escrita, na qual poderá ele argüir toda matéria de fato e de direito cabíveis. E isso poderá se revelar bastante útil na medida em que, tratando-se de réu pobre, o juiz poderá, desde logo, nomear defensor para a apresentação da defesa escrita. Se o réu estiver preso, o procedimento poderá ser abreviado, sem o inconveniente do artigo 38, §3º (nomeação de defensor para a apresentação da resposta, quando não for essa apresentada no prazo legal).

O prazo de resposta é de dez dias contados da data da juntada do mandado de citação, ou da publicação do edital. A novidade é a adoção de regra típica do processo civil quanto à contagem do prazo, ou seja, da juntada do mandado, e não da efetiva citação.

No caso de citação por edital, cujo prazo será de 15 dias (art. 361, CPP), se o réu não comparecer e nem constituir defensor, aplicar-se o disposto no art. 366 do CPP (art. 38, §6º).

Apresentada a resposta, na qual o réu deverá arrolar testemunhas (artigo 38, §1º), em número de 05, o juiz dela abrirá vista ao Ministério Público, no prazo de 05 dias, podendo, após, determinar, de ofício ou a requerimento das partes, a realização de diligencias, no prazo de 10 dias (§ 4º e § 5º).

c) Instrução e julgamento

No prazo de cinco dias, o juiz proferirá decisão de recebimento ou não da denúncia, designando, se for o caso, a data para a realização de audiência de instrução criminal, da qual serão intimados o acusado e o Ministério Público.

O artigo 40 faz referência à intimação do assistente, se for o caso. A hipótese, para o autor, seria possível no caso de concurso de crimes, pela conexão ou continência.

Consta também do artigo 40 que, na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas... deixando em aberto a possibilidade de se entender que o referido ato (de interrogatório) deveria ser realizado na própria audiência de instrução. Entende o autor que o interrogatório deve ser realizado antes do recebimento da denúncia, na fase de resposta preliminar (artigo 38, caput).

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Na impede que o juiz proceda a novo interrogatório, em assim querendo, sobretudo quando se tratar de juiz que não realizou o referido ato (interrogatório); todavia, essa não é uma exigência da Lei, entendimento esse, compatível com a regra do artigo 502 do Código de Processo Penal.

Na audiência, após a inquirição das testemunhas, será dada a palavra ao Ministério Público e depois ao defensor, pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez. em seguida, proferirá sentença, salvo se não se julgar habilitado, quando então deverá fazê-lo no prazo de dez dias (artigo 41, parágrafo único).

d) Prisão

Havendo prisão em flagrante, e não se tratando de crime previsto no artigo 12, tráfico de drogas, será cabível a aplicação da liberdade provisória prevista no artigo 310, parágrafo único.

Se o crime for o do artigo 12, há previsão expressa da vedação de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, segundo o disposto na Lei 9.072/90. Referida vedação, parece ao autor, inteiramente inconstitucional. Permitindo a liberdade provisória também para crimes hediondos, desde que demonstrada a absoluta desnecessidade da prisão ver TJ/RS HC 70.005.680.384. Relª. Desª. Elba Aparecida Nicolli Bastos, j. 13.02.2003.

Segundo o disposto no artigo 35 da Lei 6.368/76, o réu condenado por infração dos artigos 12 e 13 não poderá apelar sem se recolher à prisão. A recente Lei 10.409/2002, ao regular o procedimento em matéria de crimes de tráfico de drogas, não parece atingir as disposições do artigo 35, o que não implica afirmar a vigência do aludido dispositivo.

Há divergência sobre a possível revogação do artigo 35 da Lei 6.368/76 pelo disposto no artigo 2º da Lei 8.072/90 que dispõe que em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade, norma expressamente referida ao tráfico ilícito de drogas.

A Lei 8.072/90, além de mais favorável, merece interpretação ainda mais flexível, porque, na ordem constitucional atual, toda prisão deve ter natureza cautelar e deve partir de ordem escrita e fundamentada d autoridade judiciária (artigo 5º, LXI). O que deve ser fundamentada é a prisão e não a possibilidade de recurso em liberdade.

Se, entretanto, já tiver ocorrido prisão preventiva, devidamente fundamentada, no curso da ação, não será necessária nova fundamentação, salvo quando a hipótese da preventiva for logicamente incompatível com o recurso em liberdade. Exemplo: preventiva decretada por conveniência da instrução criminal. Encerrada a instrução, somente nova ordem judicial fundamentada poderia justificar o novo encarceramento.

Para Pacelli, atualmente, tratando-se de crime de tráfico, deve ser aplicado o disposto no artigo 2º da Lei 8.072/90, com as ponderações aqui feitas.

Nos termos do artigo 24, não atingido pelas novas disposições da Lei 10.409/2002, por ausência de incompatibilidade, tratando de réu menor de vinte e um anos, e sendo afiançável a infração, a autoridade policial, ad referendum do juiz, poderá determinar o seu recolhimento domiciliar. Entende o autor, que, na ordem constitucional vigente, toda prisão deve ser sempre cautelar. Assim, se o menor não puder prestar fiança, mas não estiverem presentes as razões da preventiva, a única solução passível será a concessão de liberdade provisória do artigo 310, parágrafo único.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira189

O recolhimento domiciliar seria uma alternativa, como substitutiva da prisão preventiva, embora a aplicação de um (recolhimento domiciliar) possa parecer incompatível com a presença de outra (razões da preventiva).

Contudo, tendo em vista as condições pessoais do agente, sobretudo a sua menoridade, a única medida recomendável seria o recolhimento domiciliar, para o fim de evitar um encarceramento notoriamente daninho e perigoso à formação do menor.

Poderá haver decretação de prisão temporária, quando se tratar de crime previsto no artigo 12 da Lei 6.368/76. O prazo das investigações poderá se estender até por setenta e cinco dias, se prorrogada a temporária e decretada a preventiva do réu, após a prisão temporária. O prazo de setenta e cinco dias seria obtido pela soma de temporária, mais trinta (prorrogação da temporária) e mais quinze dias do prazo previsto para conclusão das investigações, no caso de réu preso (artigo 29, Lei 10.409/2002).

e) Competência

A competência para o processo e julgamento dos crimes previstos na Lei 6.368/76 (com as alterações previstas na Lei 10.409/2002) é, em regra, da Justiça Estadual.

Tratando-se, de tráfico internacional de drogas, a competência passa a ser da Justiça Federal, por força do previsto no artigo 109, V, da Constituição Federal.

Há, contudo, uma hipótese em que o juízo estadual exercerá jurisdição federal, por delegação (artigo 109, § 3º da Constituição Federal). Tal se dará no caso de crime de tráfico internacional de drogas, se o lugar em que tiver sido praticado for município que não seja sede de vara da Justiça Federal (artigo 27, Lei 6.368/76, não revogado pela Lei 10.409/2002). O recurso seguirá para o Tribunal Regional Federal.

Nesta hipótese, tanto o juiz de direito como o promotor de justiça estarão exercendo jurisdição (o primeiro) e atribuição (o segundo) federais, com o que eventuais dissídios entre competência, envolvendo aquele juízo (o estadual, no exercício federal) e juiz federal situado na Seção Judiciária do respectivo Estado, terão por objeto a competência meramente territorial relativa, portanto. É como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (HC 70.627/PA, DJU 18.11.94).

Exemplo: no caso de conexão entre crimes da competência originária da Justiça Estadual e crime de tráfico internacional de drogas, realizado em local que não seja sede da Justiça Federal, deverão ser aplicadas normalmente as regras de fixação do foro de atração, previstas no artigo 78 do Código de Processo Penal. Assim, se o crime de tráfico internacional de drogas for o mais gravemente apenado, a competência para o processo e julgamento de ambos será do juiz de direito que estiver no exercício da jurisdição federal.

Outro exemplo: no mesmo caso mencionado, se a conexão se der entre um crime originariamente da competência da Justiça Federal e o mesmo crime internacional de drogas, realizado em local que não seja sede da Justiça Federal, o foro de atração, e assim, a competência, será do juiz de direito que estiver no exercício da jurisdição federal, se esse crime (o tráfico internacional) houver de determinar o foro prevalecente (artigo 28 da Lei 6.368/76e artigo 78 do Código de Processo Penal).

O promotor de justiça estará exercendo as atribuições do Ministério Público Federal. Embora em relação ao parquet não exista autorização constitucional expressa, como ocorre em relação ao Judiciário (artigo 109, § 3º), entende o autor, ser cabível a aplicação da analogia, exclusivamente para o fim de se receber, na interpretação constitucional, a norma legal contida no artigo 27 da Lei 6.368/76.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira190

Como a competência em razão da matéria já é preservada pela delegação prevista expressamente na Constituição Federal (artigo 109, § 3º), eventuais dissensos, se localização no âmbito da competência territorial.

f) Medidas acautelatórias patrimoniais

Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, assim como os maquinismos, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos na Lei 6.368/76, serão objeto de apreensão, ficando sob custódia da polícia judiciária (artigo 46 da Lei 10.409/2002).

É indispensável a comprovação da efetiva utilização dos referidos bens na prática dos crimes ali mencionados.

No caso de a apreensão recair sobre dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, será feita a sua conversão em moeda nacional e, em seguida, depositado o montante em conta judicial específica (artigo 46, § 3º, Lei 10.409/2002).

Tais bens e valores estão sujeitos à pena de perdimento, na hipótese de decisão condenatória (artigo 48, Lei 10.409/2002).

Nas hipóteses de adoção das medidas assecuratórias previstas no artigo 118 e seguintes do Código de Processo Penal, há alterações:

a) o levantamento do seqüestro ou hipoteca de bens ocorrerá (a nova lei fala em suspensão, com o mesmo significado) se a denúncia não for recebida dentro de cento e oitenta dias contados a partir de seu oferecimento;

b) o pedido de restituição não será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado em juízo;

c) a nova lei prevê medidas acautelatórias inominadas, sempre que necessário à conservação do produto ou vens e à guarda de valores (artigo 45).

Importante salientar que o STF, no julgamento do AC 82MC/MG, em 3.2.2003, deixou assentado não ser exigida a continuidade ou permanência na utilização de bens no tráfico de entorpecentes para o seu confisco. E, mais, que existe a possibilidade de alienação desses bens, com fundamento no art. 243 da CF.

15.6.5 Crimes Eleitorais e Processo Eleitoral

a) processo eleitoral

Muito embora no processo eleitoral o interesse juridicamente eleitoral seja eminentemente público, reconhece-se capacidade e legitimação ativa também para os partidos políticos, coligações partidárias e aos candidatos, concorrentemente à legitimação do Ministério Público. Trata-se, pois, de verdadeira legitimação concorrente, uma vez que quaisquer dos interessados, incluindo o MP, podem ingressar no processo jurisdicional eleitoral, independentemente do outro.

b) crimes eleitorais

As ações penais relativas aos crimes eleitorais são, em regra, públicas incondicionadas. Pacelli explica que menciona ser “em regra” pois o Código Eleitoral se refere apenas às infrações penas previstas no referido Código. E, embora haja outras infrações previstas em legislação não codificada, até hoje não se reservou à iniciativa privada a persecução para quaisquer delas.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira191

Assim, mesmo para os crimes contra a honra, quando praticados na propaganda eleitoral (elementar dos tipos previstos nos arts. 324, 325 e 326), as ações penais serão públicas incondicionadas. O que, entretanto, não impede que futura lei venha estabelecer a privatividade do particular para determinadas infrações penais eleitorais.

O autor entende possível, contudo, o cabimento da ação privada subsidiária da pública, tendo em vista que essa ação tem previsão constitucional (art. 4º, LIX, CF), posterior, portanto, ao Código Eleitoral.

O inquérito policial deve ser instaurado de ofício, tal como ocorre nos crimes comuns e, no caso de crimes eleitorais contra a honra, se o interessado não se insurgir contra a ofensa não se poderá constatar a potencialidade lesiva do fato, no campo, então, da tipicidade material.

O Código Eleitoral permite ao MP a requisição de maiores esclarecimentos, de documentos ou de outros elementos de convicção junto a autoridades ou funcionários, independentemente do inquérito policial (art. 356, §2º, CE).

A denúncia deve ser oferecida no prazo de 10 dias (art. 357, CE), não esclarecendo o Código se tal prazo deve ser contado da mesma forma independentemente de encontrar-se solto ou preso o acusado. Pacelli entende que tal prazo deve ser obedecido apenas quando se encontra solto o réu, pois a investigação não prevê qualquer procedimento investigativo formal, limitando-se a mencionar a comunicação da infração, que poderá ser feita por qualquer cidadão (art. 356, CE), esclarecendo que essa comunicação deve ser dirigida ao juiz eleitoral, para posterior encaminhamento ao MP.

Pacelli entende, assim, que se o réu estiver preso o prazo para oferecimento da denúncia deve ser de 05 dias, do mesmo modo que ocorre em relação às demais infrações penais, nos termos do art. 46 do CPP. Analogia que, em sua opinião, é perfeitamente cabível, até mesmo em virtude de norma expressa (art. 364, CE).

Se o órgão do MP entender que é o caso de arquivamento, o art. 357, §1º do CE prevê, a maneira do art. 28 do CPP, que os autos deverão ser encaminhados ao Procurador Regional Eleitoral, que faria as vezes do Procurador-Geral de Justiça, nos Estados, e da Câmara de Coordenação e Revisão, no MPF. Explique-se que o encaminhamento é feito ao Procurador “Regional” Eleitoral porque, ao contrário do que ocorre com os Procuradores Regionais da República, que atuam perante os TRF´s, há apenas um único Procurador Regional Eleitoral em cada Estado. Assim, cabe a ele, por delegação legal, implícita, do Procurador-Geral Eleitoral (art. 75, I, LC 75/93), emitir juízo de valor acerca do pedido de arquivamento de inquérito ou peças de informação, quando da discordância manifestada pelo Juiz Eleitoral. A o CE determina a obrigação de arquivamento a partir da manifestação do Procurador Regional Eleitoral.

E nas ações penais originárias, que são aquelas ações processadas diretamente nos TRE´s, em razão de foro privativo, eventual requerimento de arquivamento do feito pelo PRE não se submeterá também à Câmara de Coordenação e Revisão, mas, sim, ao Procurador-Geral Eleitoral, quando recusado o pedido de arquivamento pelo respectivo TRE.

Isso porque o MPE não se confunde, funcional e estruturalmente, como o MPF, bastando mencionar o exercício das funções de 1ª instância pelos Promotores de Justiça dos Estados e não pelos Procuradores da República e também pela diferença no tratamento das questões institucionais entre ambas as chefias.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira192

Não há, assim, previsão de atuação da Câmara de Coordenação e Revisão como órgão do Ministério Público Eleitoral.

A denúncia pode ser rejeitada nos mesmos moldes e pelas mesmas razões previstas no art. 43 do CPP (art. 358, CE). Recebida a denúncia, será designada data para o depoimento pessoal do acusado, seguindo-se o prazo de 10 dias para a apresentação de defesa escrita, a qual deverá já arrolar o rol de testemunhas (art. 359, CE).

A Lei refere ao depoimento pessoal do acusado, e não ao interrogatório, uma vez que à época da sua edição ainda não havia o interrogatório. Contudo, tal deve ser interpretado como meio de defesa, permitindo-se a participação dos interessados, tal como agora ocorre no interrogatório do Direito Processual Penal comum.

Encerrada a instrução, abre-se vista às partes pelo prazo de 05 dias para alegações finais, devendo o juiz sentenciar em 10 dias (art. 361, CE), contados da conclusão dos autos.

O prazo para recurso (inominado) da decisão definitiva de mérito é de 10 dias. O tratamento é semelhante àquele destinado à apelação, embora distintos os prazos e a forma de interposição, uma vez que o recurso deve fazer-se acompanhar, desde logo, de suas razões. Não se aplica, assim, no entender do autor, o art. 600, §4º, CPP.

Tratando-se de decisão interlocutória, cabe SER, por analogia autorizada pelo art. 64 do CE, desde que no prazo de 03 dias (art. 258, CE).

Sobre a execução provisória prevista no art. 363 do CE, explique-se o que se admite é a possibilidade de manutenção de eventual prisão cautelar, tal como ocorre com o art. 594, CPP.

Cabem, ainda, embargos declaratórios, no prazo de 3 dias (art. 258, CE).

Nos termos do art. 357 do CE, é vedada a prisão preventiva (e temporária) de qualquer cidadão, no período de 5 dias antes e até 48 horas depois das eleições. Referido prazo, em se tratando de candidatos, mesários de mesas receptoras e fiscais de partidos, é ampliado para 15 dias.

15.6.6 Crimes Falimentares

A Lei 11.101/2005, que instituiu a Nova Lei de Falências, com vigência a partir do dia 09/06/2005, traz novo rito processual para os crimes falimentares. Há nela novos tipos penais, não previstos no revogado Dec-Lei 7661/45, que cuidava da antiga lei de falências.

Todas as modalidades previstas na nova Lei são dolosas, sendo a maioria absoluta punida com pena de reclusão, à exceção apenas do delito de omissão de documentos contábeis obrigatórios (art. 178), se o fato não constituir crime mais grave, para o qual é prevista pena de detenção e multa, valendo, portanto, a regra da subsidiariedade.

O rito escolhido pelo legislador foi o sumário.

A nova lei resolve de modo definitivo quaisquer dúvidas ainda pendentes sobre eventuais incompatibilidades entre o rito do CPP e as disposições processuais penais da antiga lei de falências e institui novidade por todos esperada, como exigência do modelo acusatório brasileiro, consistente na extinção, por revogação, do antigo inquérito judicial

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira193

falimentar, que permitia, embora sob contraditório, a condução de investigações, antes, portanto, da fase judicial, pelo Juiz da Falência. Agora, havendo necessidade, é requisitada pelo MP a instauração de inquérito policial para investigação dos crimes falimentares. O art. 187, §2º da nova lei dispõe que, quando o juiz da falência tiver notícia do possível cometimento de crimes falimentares, deverá ele reportar-se ao MP.

Com a nova legislação, o procedimento passa a ser o seguinte:

1) a ação penal, qualquer que seja o delito falimentar, é sempre pública incondicionada, sendo competente para dela conhecer apenas o juiz criminal do local (competência territorial) no qual houver sido decretada a falência ou concedida a recuperação judicial, ou, ainda, homologado o plano de recuperação extrajudicial.

2) A sentença que decreta a falência concede a recuperação judicial ou homologa a recuperação extrajudicial é condição objetiva de punibilidade dos crimes falimentares (art. 180), logo, a ação penal não pode ser instaurada até a aludida decisão judicial.

3) A prescrição somente passa a correr do dia da decisão judicial, ou seja, com a realização da condição de punibilidade.

4) O MP poderá, ou não, aguardar a apresentação do Relatório do Administrador Judicial, quando estiver solto o acusado. Na hipótese de prisão provisória e cautelar na fase pré-processual, o MP deverá ingressar com a ação, sem o relatório (art. 186), e desde que convencido, evidentemente, da suficiência do material indiciário (art. 187, §1º).

5) Se o MP não propuser a ação penal nos prazos legais (5 dias se preso o acusado e 15 dias, se solto), será cabível a ação privada subsidiária da pública, tendo por legitimado qualquer credor habilitado ou o administrador judicial, desde que observado o prazo decadencial de 6 meses. Manifestando-se o MP, no prazo legal, pelo arquivamento do inquérito ou peças de informação, não se abre oportunidade à ação subsidiária.

6) Pacelli entende possível a assistência (art. 268 e segs, CPP), tendo por legitimados os credores diretamente atingidos pelas condutas delituosas sob persecução penal.

7) O rito a ser obedecido é o previsto no art. 539, cabível para os crimes punidos com detenção, com as seguintes etapas:

a) recebimento da denúncia ou queixa, com designação de data e citação para interrogatório;

b) interrogatório do réu;

c) defesa prévia: oportunidade de alegação acerca da matéria de direito, prazo preclusivo para o oferecimento do rol de testemunha e das exceções processuais, embora algumas dessas possam ser conhecidas a qualquer tempo;

d) oitiva das testemunhas de acusação;

e) audiência de instrução e julgamento, na qual, concentradamente, são ouvidas as testemunhas de defesa, oferecidas as alegações finais e proferida a sentença. Eventualmente, se assim entender necessário o juiz, serão realizadas diligências finais, determinadas de ofício para um dos 5 dias subseqüentes à audiência, proferindo-se, em seguida, no prazo de 5 dias, a sentença.

Por fim, Pacelli sustenta a impossibilidade de aplicação do novo rito aos crimes praticados anteriormente à Lei 11.101/05, uma vez que a legislação anterior determinava

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira194

a aplicação do rito comum para os aludidos crimes, rito esse que era inegavelmente mais favorável aos acusados, na medida em que maior o seu espectro probatório e mais amplo o espaço para o exercício do direito de defesa. As novas regras processuais, portanto, são mais gravosas e por isso o autor entende que as novas disposições processuais são inaplicáveis aos fatos que lhe são anteriores.

15.7 Procedimentos e conexão e/ou continência

Nos casos em que houver a unidade de processo (artigo 79), para fins de unidade de julgamento, hipóteses específicas da conexão (artigo 76) e da continência (artigo 77), poderá surgir algumas perplexidades quanto ao procedimento a ser adotado, no caso de previsão de espécies distintas para os distintos crimes reunidos por conexão e/ou por continência.

Talvez uma regra geral possa ser fixada: no concurso de crimes, conexos ou continentes, deverá sempre ser adotado o procedimento em que seja prevista a maior possibilidade de defesa, ou a mais ampla defesa. O procedimento a ser adotado, quando diversos os ritos dos crimes reunidos, deveria ser aquele previsto para os crimes punidos com reclusão, ou seja, o procedimento comum, da competência dos juízes singulares (artigos 394 a 405 e artigo 498 a 502 do Código de Processo Penal).

A exceção seria a hipótese de concurso de crimes conexos ou continentes, em que um deles fosse da competência do Tribunal do Júri. Nessas situações deverá sempre prevalecer a competência do Tribunal do Júri.

O limite de testemunhas a serem arroladas deve se referir ao fato e não à peça acusatória. Evidentemente, tratando-se de processo da competência do Tribunal do Júri, poderá ocorrer, excepcionalmente, a necessidade de redução do número de testemunhas, de oito para cinco, na hipótese de concurso de crimes conexos, em atenção às especificidades daquela jurisdição.

Tratando-se de crime de tráfico de drogas, a Lei 6.368/76 prevê (artigo 28) que, havendo conexão ou continência com outros delitos, o processo será o previsto para a infração mais grave, ressalvados os casos de competência do Júri e das jurisdições especiais. Referido dispositivo não foi atingido pela Lei 11.409/2002.

Entende o autor que, a melhor solução para o caso de conexão do crime de tráfico de drogas com outro cujo procedimento seja mais amplo, como ocorre com o procedimento comum dos crimes punidos com reclusão, seria a reunião dos processos para julgamento, e para a unidade de Juízo e não para a unidade de processo.

Melhor estariam atendidas as exigências da ampla defesa, com a adoção do procedimento previsto para cada crime, mantida a necessidade de reunião dos processos, não para formação de um único, sob um único rito, mas reunidos no mesmo Juízo, para o aproveitamento de toda a atividade probatória produzida.

Páginas: ___ a ____

Elaborado por: Maíra Queiroz, SimoneHB, Silvana S. Lahutte e Victor Pugachev.

Atualizado e ampliado por Mariana Férrer ([email protected]).

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira195

Capítulo 15 – Nulidades

O processo penal cumpre as suas missões constitucionais também por meio dos procedimentos, nos quais os atos processuais praticados pelos sujeitos do processo (e terceiros) se desdobram seqüencialmente rumo à decisão final.

Os ritos processuais (ou procedimentais) seguem itinerários previamente definidos, com o objetivo de organizar a participação dos sujeitos processuais na construção do provimento jurisdicional final, de modo a se permitir contribuição efetiva e igualdade de condições na tutela dos respectivos interesses.

As formas processuais existem e atuam na medida de sua finalidade específica.

A matéria relativa a “nulidades” há de ser interpretada á luz do princípio da instrumentalidade das formas (pás de nullité sans grief), segundo o qual para o reconhecimento e declaração da nulidade do ato processual há de ser aferida a sua capacidade de produção de prejuízos aos interesses das partes e/ou regular exercício da jurisdição (art. 563,CPP).

A declaração de nulidade seria a conseqüência da prática irregular do ato processual, em razão de:

não observância da forma prescrita em lei;

desvio de finalidade.

Pacelli cita Grinover, Gomes Filho e Fernandes (As nulidades no processo penal, 1997, p.18): a nulidade não é da essência do ato, é sua conseqüência.

Por isso, em qualquer processo,quer se trate de nulidade absoluta ou relativa, o ato deverá ser anulado por decisão expressa do órgão judicante.

A distinção clássica dos vícios dos atos jurídicos classifica-os em nulos, anuláveis e inexistentes. Pacelli sistematiza em inexistentes e nulos, podendo, dentro dos últimos, tratar-se de nulidade absoluta ou relativa.

Segue Pacelli ponderando que a distinção entre atos nulos e inexistentes, muito embora não apresente dificuldades do ponto de vista conceitual, traz indagações quando analisados os pressupostos processuais, em razão dos critérios para caracterizar um ou outro vício.

15.1. Atos Inexistentes

O que seria ato inexistente? Partindo do ponto de vista da aptidão para gerar efeitos, o ato existiria, enquanto praticado por alguém, mas é como se inexistente fosse, em razão da impossibilidade de gerar ou produzir efeitos.

O tema da inexistência está ligado à questão dos pressupostos de existência do processo, enquanto que as nulidades dizem respeito aos pressupostos de validade.

No que concerne à competência, Pacelli acha que em razão da unidade da jurisdição, não há como elaborar qualquer teoria que inclua a competência jurisdicional como pressuposto de existência do processo. O equívoco praticado pelo juiz, particularmente no que toca à competência, não descaracteriza a juridicidade da função, tendo-se em conta que a distribuição de competência, constitucional e legal, atende

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necessidades operacionais. Desde que regularmente provocado o recebimento da denúncia ou da queixa, o seguimento da ação penal perante quem se ache investido da função jurisdicional, dá por existente o processo, ainda que nulos os seus atos.

Posto isto, os atos nulos e inexistentes podem ser diferenciados pela sua aptidão para gerar efeitos: enquanto os nulos produzem efeitos até serem anulados, implicando conseqüências jurídicas até mesmo após o reconhecimento de sua nulidade, os inexistentes não produzem qualquer feito.

Enquanto os nulos podem ser convalidados ou repetidos (com aproveitamento de alguns efeitos), os inexistentes não admitem convalidação (seria a própria instituição do ato).

Exemplos de atos inexistentes: decisões proferidas por quem não se ache investido da função jurisdicional; sentença ou decisão sem assinatura do juiz (neste caso, o ato inexistente pode estar dentro de um processo regular e válido).

15.2. Nulidade Absoluta e Relativa

A nulidade é conseqüência da não-observância da forma prevista em lei para a prática de ato processual e está efetivamente ligada à questão do prejuízo, efetivo ou potencial. A inobservância da forma prescrita em lei só terá relevância na exata medida em que possa impedir a realização do justo processo (contribuição efetiva dos interessados, em igualdade de condições, na prolação do provimento judicial final).

A primeira distinção que se pode fazer entre nulidades relativas e absolutas começa a partir dos interesses envolvidos na irregularidade. O predicado “relativa’ quer significar que a nulidade encontra-se em relação ao interesse da parte no processo.

Embora as formas prescritas possam interessar à função jurisdicional, determinados atos processuais interessam exclusivamente às partes. Nestes casos, a utilidade de seu exercício (ou não-exercício) é deixada ao critério das partes. O Estado, em princípio, não impõe a renovação de ato cuja essência ou defeito não tenham afetado interesse das partes. Pacelli aponta que, caso contrário, estar-se-ia, na contramão da evolução da teoria do processo, consagrando as formas procedimentais – em sede de nulidades, vige o princípio da instrumentalidade das formas.

Por dependerem de valoração das partes, as nulidades relativas estão sujeitas a prazo preclusivo, quando não alegadas a tempo e modo. Se o interessado não alegou prejuízo, presume-se que ele não existiu, seguindo-se com o processo, sem recuo à fase ultrapassada.

Em algumas hipóteses as nulidades relativas podem ser alegadas de ofício.

Exemplo: reconhecimento da incompetência relativa pelo juiz, previsto no art. 109, CPP, intervenção do juiz na qualidade da defesa (pode dar novo defensor dativo para substituir o nomeado anteriormente, ou designar defensor ad hoc, para aditar defesa deficiente – ver arts. 261 e 497, V, CPP).

No caso das nulidades absolutas, o eixo da análise da existência da nulidade a identificação do prejuízo é alterado radicalmente. Quando o vício esbarra em questões de fundo essenciais à configuração do devido processo penal (com vistas à proteção das garantias individuais inseridas no modelo processual atual), não há margem de disponibilidade.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira197

Os vícios processuais que resultam em nulidade absoluta referem-se ao processo penal enquanto função jurisdicional. Pressupõe-se que tais vícios afetam o interesse de todo qualquer acusado, a todo tempo, pondo em risco a própria qualidade da função judicante e da prestação jurisdicional. Configuram vícios passíveis de nulidade absoluta as violações aos princípios fundamentais do processo penal, a exemplo do juiz natural, contraditório e ampla defesa, imparcialidade do juiz, exigência de motivação das sentenças judiciais.

Pacelli aponta que não se trata de violação só aqueles princípios expressamente acolhidos na Constituição. Outros podem ser inferidos do sistema de garantias constitucionais, e que integram o novo modelo processual penal brasileiro.

Exemplo: a instituição do juiz natural e a reserva da função acusatória ao MP permite inferir que foi reformulado o sistema inquisitorial do CPP de 1941; hoje, pode se falar em adoção do sistema acusatório (juiz afastado das funções investigatórias e iniciativa de proposição da ação penal).

Haverá nulidade absoluta se a atividade estatal do MP e/ou magistratura ultrapassar os limites fixados na Constituição (a exemplo da prática pelo juiz de atos investigatórios na fase pré-processual).

Como se trata de interesse eminentemente público, deve ser reconhecida a nulidade absoluta, ainda que já submetida aos efeitos da coisa julgada, podendo ser reconhecida a nulidade em sede de habeas corpus (se for o caso de restrição á liberdade individual), caso o vício possa ser reconhecido de plano.

Diz-se que o prejuízo é presumido quando das nulidades absolutas.

Pacelli discorda: nas nulidades relativas, a existência da nulidade e suas conseqüências (o prejuízo) devem ser demonstradas pela parte; quanto às nulidades absolutas não há presunção e sim afirmação ou pressuposição do prejuízo, não há inversão do ônus da prova, há previsão abstrata na lei, que não pode ser objeto de indagação probatória. O que pode ser objeto de prova é a existência ou não da violação á lei. Uma vez demonstrado, o prejuízo é conseqüência inevitável.

15.3. Nulidades: Efeito Devolutivo dos Recursos e Vedação da Reformatio In Pejus

Algumas particularidades das nulidades reconhecíveis na sentença de primeiro grau, seja por error in procedendo, ou error in judicando:

1. Em se tratando de sentença absolutória, mesmo as nulidades absolutas não podem ser reconhecidas ex officio, quando em prejuízo da defesa, se não alegadas em recurso da acusação. Ver súmula 160, STF: É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.

Pacelli explica: apesar de parecer contraditório, já que as nulidades absolutas são justificadas pelo interesse público, o devido processo legal tem por escopo as garantias individuais do acusado, promovendo o necessário equilíbrio entre defesa e acusação. Para o alcance dessa finalidade, deverá, enquanto possível, impedir que a atividade judicante funcione como acréscimo ou correção da má atuação do órgão estatal, responsável pela função acusatória.

O reconhecimento da nulidade não alegada pela acusação gera situação de desigualdade entre os litigantes, em prejuízo da instrumentalidade do processo vista sob

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a perspectiva do estado Democrático de Direito, enquanto garantia do réu frente ao Estado.

Também prejudicaria a ampla defesa, pois impede a participação do acusado no debate acerca da nulidade, já que a questão não foi ventilada no recurso da acusação.

Insta salientar que a atividade judicante de segunda instância deve se limitar á extensão dos recursos da acusação.

2. Vedação da reformatio in pejus

Guarda maior relação com a matéria relativa a recursos. Todavia, quando não se obtém a reforma e sim a anulação da decisão, variadas e importantes conseqüências podem daí advir, relacionadas com o sistema das nulidades.

Em recurso exclusivo da defesa:

A mais importante delas: com fundamento no art. 617, CPP, é jurisprudência consolidada do STF e STJ a subordinação da nova decisão à decisão anulada, para impedir o agravamento da pena ser fixada na nova decisão, quando em recurso unicamente da defesa. É a chamada reformatio in pejus indireta.

Indireta porque não resulta do órgão de segunda instância, mas da nova decisão proferida pelo juiz da causa, após o reconhecimento da nulidade pela instância superior.

Com efeito, tendo sido provido o recurso para reconhecer a nulidade não há que se falar em reformatio in pejus quanto à decisão de segunda instância. Ocorreria (e ocorrerá) se, afastada a nulidade, for confirmada ou repetida a condenação, com imposição de pena mais grave.

Segundo Pacelli, o problema é de fácil visualização. Explica:

a) se o vício resultante da nulidade se refere á incompetência relativa

O novo juiz estará vinculado ao máximo da pena fixada na decisão anulada, sem que tivesse concorrido para a nulidade. Restringe a atividade judicante.

Para Pacelli, a proibição da reforma para pior, direta ou indireta, tem finalidade clara: a garantia da ampla defesa, evitando que o condenado fique intimidado com o exercício do duplo grau de jurisdição, sob a ameaça potencial de ver piorada sua situação.

O autor não vê maiores problemas no caso da incompetência relativa, aplicando a solução dada pela doutrina e jurisprudência, e quando se tratar de recurso exclusivo da defesa.

b) se o vício resultante da nulidade se refere á incompetência absoluta

Aqui, agrega-se à discussão um componente constitucional: o princípio do juiz natural, que é garantia do indivíduo diante do Estado e exigência da qualidade da jurisdição (“qualidade” entendida nos seguintes termos: os critérios de distribuição constitucional da competência jurisdicional penal, fundados ora na especialização em relação à matéria, ora levando em conta as funções públicas exercidas pelo acusado, reclamando, neste caso, jurisdição colegiada e, no mínimo, de segunda instância).

Para Pacelli, não é razoável que o juiz natural, cuja competência decorre da Constituição, esteja subordinado aos limites de uma decisão absolutamente nula, ainda que tal nulidade tenha sido reconhecida em recurso exclusivamente da defesa. Lembre-se, ainda, que as nulidades absolutas podem ser reconhecidas de ofício.

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Acresce o autor que a limitação à reforma para pior quando do reconhecimento da incompetência relativa decorre da norma infraconstitucional (art. 617, CPP) e dirigi-se contra a violação de critério legal igualmente ordinário: a fixação da competência territorial. No caso de vício decorrente de incompetência absoluta, a subordinação à quantidade de pena imposta na primeira decisão dirige-se ao juiz natural, não no que concerne à prevalência da sua jurisdição (garantida com o reconhecimento da nulidade) e sim no que respeita ao livre convencimento e livre exercício da sua tarefa judicante.

Conclui Pacelli que é impossível falar, no caso de nulidade por incompetência absoluta, em vedação de reforma para pior indireta, sob pena de fazer prevalecer norma ordinária (art. 617, CPP) sobre princípio de fonte constitucional.

Em recurso da acusação

Indaga-se a respeito da possibilidade de reformatio in pejus para a acusação, sobretudo quando MP ou querelante recorrem da decisão condenatória, pleiteando agravamento de pena.

No que respeita à existência de nulidade absoluta não alegada em recurso exclusivo da acusação, é perfeitamente possível o reconhecimento pelo Tribunal (desde que favorável à defesa; caso a decisão seja absolutória, aplica-se a Súmula 160, STF).

Nesse caso, para a acusação, tanto será possível reformatio in pejus direta ou indireta:

a) na direta:

O Tribunal pode conhecer do recurso da acusação manejado para o fim exclusivo de agravamento da pena, para diminuí-la por erro na dosimetria. Inexiste vedação legal à modificação do julgado em favor da defesa (última parte do 617, CPP fala em vedação da reforma para pior “quando somente o réu houver apelado da sentença”).

Pacelli lembra que sempre é possível corrigir o erro por meio do habeas corpus ex officio. Ademais, se é possível a revisão criminal após passada em julgado a decisão condenatória, não há porque não permitir a correção desde logo.

b) na indireta:

O tribunal pode reconhecer a nulidade absoluta não alegada (por defesa e acusação), em razão da gravidade do vício e do interesse público a ela imanente, não havendo qualquer limitação à nova decisão a ser proferida em primeira instância: poderá o juiz tanto absolver o acusado, quanto condená-lo a pena mais grave.

A vedação da reformatio in pejus não se aplica ao Tribunal do Júri. Se anulado o julgamento, o júri é livre para apreciar a matéria de fato e de direito. Somente se as respostas aos quesitos forem as mesmas, o Juiz-Presidente não poderá agravar a pena.

Portanto, em sede de nulidades absolutas, à exceção da nulidade por vício de incompetência absoluta, a regra geral é a vinculação da nova decisão ao máximo da pena aplicada na sentença anulada, quando se tratar de nulidade reconhecida em recurso exclusivo da defesa.

15.4. A Regra do Interesse nas Nulidades

As nulidades devem ser analisadas sobre o prisma do prejuízo: nenhum ato pode ser declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou defesa

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(art. 563, CPP) e não pode ser alegada se a nulidade se referir à formalidade cuja observância só à parte contrária interesse (art. 565, parte final, CPP).

Pacelli ressalta que o MP tem legitimidade para argüir nulidade que interesse unicamente à defesa. Justifica: do ponto de vista do direito material, o MP deve zelar pela correta aplicação da lei penal. O parquet é absolutamente imparcial.

A defesa, por sua vez, não pode argüir nulidade que aproveite unicamente à acusação. Tratando-se de atividade defensiva, o conteúdo deve ser sempre parcial. Ainda que o réu se declare culpado, o defensor deve apresentar teses contrárias à acusação.

Pacelli pondera que a apreciação do interesse na declaração da nulidade só se aplica as relativas: como o vício pode não trazer nenhum prejuízo, se reserva ao interessado a conveniência e oportunidade da argüição. Por isso, a primeira parte do art. 565, CPP (evita que a parte dê causa a nulidade com o intuito de retrocesso na marcha processual).

Quanto às absolutas, não se reserva à parte o juízo de conveniência e oportunidade quanto à sua existência ou reconhecimento, porque dizem respeito a vícios gravíssimos, atinentes à não-observância de princípios constitucionais. Interessam a todos, são de interesse público. Não precluem nem se submetem à coisa julgada.

15.5. A Instrumentalidade das Formas

A matéria relativa às nulidades deve ser guiada pelas necessidades de preservação dos interesses tutelados pela jurisdição penal. As formas processuais e procedimentais existem em benefício dos litigantes.

A nulidade seria a conseqüência jurídica da violação de forma prescrita na lei para a realização de determinado ato processual.

Todavia, não há como deixar de reconhecer, sob a perspectiva do processo (como instrumento da jurisdição e não o procedimento, seqüência de tos) que todos os atos têm finalidade específica: em última análise, a aplicação do direito cabível à hipótese concreta.

O processo é meio e não fim (embora em relação ao processo penal as garantias processuais estejam previstas na Constituição, configurando verdadeiro direito material). Por isso fala-se em instrumentalidade das formas (para realçar a função instrumental do processo).

O que deve ser preservado é o conteúdo do ato, e não sua forma. Por isso não se reconhece a nulidade da qual não resulte prejuízo (art. 563, pedra de toque do sistema das nulidades) e deve ser considerada sanada se tiver alcançado seu fim, sem prejuízo aos litigantes (art. 572, II, CPP).

Quando se3 fala em prejuízo, é preciso distinguir quais nulidades implicam em prejuízos relevantes e outras que não ultrapassam a abstração legislativa. Relevantes são os que derivam dos atos processuais nulos e que tenham aptidão para influir na apuração da verdade ou do convencimento. Nos termos do art. 566, CPP não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

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Pacelli critica a expressão “verdade substancial” – é desnecessária, pois as questões de fato são sempre ligadas á verdade processualmente comprovada. Diz que o que deve ser analisado é a capacidade de influir na decisão da causa.

Avança alertando que todo o cuidado é pouco: muito embora o juiz deva motivar seu convencimento, a prova resultante de ato nulo pode influir no ânimo do julgador, com conseqüências danosas para o prejudicado e para a jurisdição penal. Nestes casos, motivaria seu convencimento a partir de outras provas (insuficientes), quando se convenceu a partir das nulas.

15.6. Causalidade: Derivação das Nulidades

A nulidade do ato se estende aos que forem dele dependentes ou conseqüentes. É a regra da causalidade, estabelecida no art. 577, §1º do CPP.

Impõe-se, então, que o ato subseqüente seja dependente do anterior, no sentido de ter sua existência subordinada à existência e validade do primeiro, ou que dele seja conseqüência, enquanto seu efeito ou resultado.

Cita os exemplos de Mirabete: se a escolha dos jurados é nula, os atos que lhe forem posteriores serão igualmente nulos. Se a audiência de instrução é nula, não há nulidade das audiências subseqüentes que dela não dependam.

Pacelli ressalva o caso da inversão da ordem de oitiva de testemunhas de acusação e defesa, ou aditamento da denúncia após a prova testemunhal (RSTJ 32/421-2). No caso de aditamento de denúncia, diz que não se trata de nulidade em razão de vício processual, mas da necessidade de reabertura da fase instrutória em razão de novas imputações.

Outro exemplo de contaminação: provas derivadas de outras cuja ilicitude seja reconhecida (aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada ou fruits of the poisonous tree).

Como exemplos de nulidade como conseqüência de outra nulidade podem ser citados: decisão de segundo grau que concede HC impetrado contra recebimento de denúncia por ausência de justa causa – todos os atos posteriores ao recebimento da peça acusatória serão reputados igualmente nulos, como conseqüência da rejeição da denúncia.

A regra da causalidade (que dita a contaminação de todos os atos processuais dependentes ou conseqüentes do ato nulo) tem tratamento diferenciado quando se tratar de vício ou nulidade decorrente de incompetência do juízo. Nos termos do art. 567, CPP, a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente. Uma vez aceita a declinatória (concordância do juiz para o qual foi remetido o processo) e ouvido o MP, o processo prossegue com a ratificação dos atos anteriores (art. 109, CPP).

Duas observações se impõem:

1) em se tratado de incompetência absoluta, não há divergências: não se aplica o art. 567, CPP, devendo os autos ser enviados ao promotor natural, com atribuição constitucional sobre a matéria, para nova formação da opinio delicti;

2) apenas os atos não decisórios serão ratificados.

O que seriam “atos não decisórios”?

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Os de mero impulso processual. Os decisórios resolvem questões de mérito (sentenças) ou essencialmente processuais (decisões interlocutórias).

Pacelli diz que não há maiores dificuldades. Só haveria problema no que toca ao recebimento da denúncia, já que a regra impõe que todos os atos decisórios posteriores ao ato nulo não teriam validade.

Não há como se recusar conteúdo decisório à manifestação que recebe a peça acusatória. Ainda que em juízo perfunctório e delibativo, há apreciação acerca da viabilidade da ação penal (justa causa), de suas condições, da tipicidade (aparente) e competência do juízo. Os tribunais relutam em aceitar a tese, certamente com receio das conseqüências da impossibilidade de ratificação dos atos posteriores.

Para Pacelli, é efetivamente ato decisório e demandaria novo pronunciamento acerca do seu conteúdo pelo juiz a quem fossem submetidos os autos após a declinatória de foro, até mesmo nos casos de incompetência relativa. Para o autor, ao contrário da regra geral em relação às nulidades, o art. 567, CPP permite a ratificação de atos não decisórios, ainda que praticados posteriormente ao ato nulo, no caso da nulidade ter por fundamento a incompetência do juízo. Autoriza a ratificação dos atos instrutórios posteriores, mesmo com a nulidade do ato de recebimento da denúncia.

Outro argumento para justificar a necessidade de manifestação sobre a denúncia: se o juiz pode discordar da manifestação do seu antecessor, suscitando conflito negativo de competência, Pacelli questiona por que não permitir que ele exerça a sua jurisdição na sua inteireza, apreciando todas as questões processuais atinentes ao recebimento da denúncia? Para ele, a resposta do CPP é clara: para evitar o quanto possível a perda da atividade processual já realizada, priorizando a celeridade processual.

Para o autor, o juiz, caso entenda que deve receber a denúncia, poderia validamente ratificar os atos instrutórios já realizados, com arrimo no 567, CPP, sobretudo porque o processo penal brasileiro não contempla o princípio da identidade física do juiz.

Último argumento: se o recebimento da denúncia não é ato decisório, e por isso não seria anulado, deveria ser ratificado (art. 108, §1º, CPP). Pacelli questiona: e se o juiz a quem forem remetidos os autos entender que o fato é atípico e não receber a denúncia?

Segundo o entendimento de que a denúncia não seria ato decisório, mais confortável e majoritário nas instâncias superiores, recebida a acusatória pelo “novo” julgador, em caso de incompetência relativa, o processo seguiria seu curso normal com aproveitamento dos atos não decisórios. A ratificação a que alude o art. 108, §1º do CPP seria automática. Pacelli acha que caracterizar como “automática” afeta o livre exercício da jurisdição, além de ser paradoxal. Explica: se a ratificação é automática, em decorrência da simples concordância do juiz quanto á sua competência, por que a referência a ela?

De outra sorte, se a ratificação não for automática, o juiz pode não concordar com o conteúdo dos atos não decisórios já realizados e determinar sua repetição. Nesse caso, a solução seria idêntica a que Pacelli propõe, do ponto de vista prático (o autor parte de um pressuposto teórico distinto, segundo o qual o recebimento da denúncia seria ato decisório, impondo-se a reapreciação das questões processuais quando do recebimento da peça acusatória).

Para Pacelli, a Súmula 709 do STF muda o entendimento jurisprudencial anterior – se o vício é de nulidade, seja por incompetência absoluta ou relativa do juízo, o provimento do recurso não implica o recebimento da peça acusatória. Assim, cabe ao juiz a quem forem os autos remetidos manifestar-se, também, sobre o recebimento da denúncia ou da queixa.

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O entendimento sustentado tem reflexos em relação ao prazo interruptivo da prescrição, no que se refere ao recebimento da denúncia. Para Pacelli, mesmo em se tratando de incompetência relativa, o reconhecimento da nulidade da decisão que recebeu a denúncia impedirá a interrupção do prazo prescricional, na linha da jurisprudência dos tribunais superiores.

É bem verdade que o entendimento jurisprudencial apontado refere-se à nulidade de decisão de recebimento da denúncia por vício de incompetência absoluta (em razão da matéria ou prerrogativa de função) e não se estende à competência territorial. Ver STF HC n. 76748/MT e HC n. 69047/RJ e STJ RHC n 6488/GO). Pacelli defende a aplicação do entendimento nos casos de competência relativa, pois a questão de fundo é a mesma: o recebimento da denúncia, que como ato decisório, deverá ser anulado.

Quando a queixa nas ações penais privadas for proposta perante juiz relativa ou absolutamente incompetente, nada obstante o entendimento acima explicitado, Pacelli entende que embora também nulo o ato de recebimento da peça acusatória, a decadência não se consuma pela manifestação expressa da vontade do ofendido de promover a persecução penal. Ademais, não há para a decadência previsão de ato interruptivo do seu curso com a apresentação da queixa, como ocorre como disposto no art. 117, I, do Código Penal, em relação à interrupção da prescrição.

15.6.1. Nulidade e incompetência absoluta

Segundo o disposto na Constituição (art. 5º, LIII), ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Em se tratando de normas constitucionais assecuratórias de direitos individuais, deve ter interpretação ampliativa (nunca restritiva) e se encaixa perfeitamente no sistema de distribuição de competências constitucionais que, para Pacelli, atende a critérios de especialização (sobretudo quanto à matéria) e denota a preocupação do constituinte com a qualidade do exercício da função judicante e a garantia do jurisdicionado de ser julgado na instância criminal pelo juiz mais qualificado para o caso.

A garantia se estende, também, à fase de conhecimento, não se limitando apenas ao direito a ser julgado por juiz competente. Embora no processo penal brasileiro não exista o princípio da identidade física do juiz, pode-se e deve-se admitir a existência de vinculação material entre o juiz do processo e o juiz da sentença, para a afirmação do princípio do juiz natural.

Assim, pode-se afirmar que processo que se desenvolve perante juiz materialmente ou absolutamente incompetente é irremediavelmente nulo, não só desde o recebimento, mas sim desde o oferecimento da denúncia. De tais afirmações, extrai-se outro princípio ligado às funções acusatórias: o do promotor natural.

Tal como se dá em relação ao juiz natural, a matéria penal é também repartida em atribuições para os diferentes órgãos do Ministério Público: crimes federais para o Ministério Público Federal; estaduais, para o Ministério Público Estadual; militares federais, para o Ministério Público Militar da União etc.

Assim, no quadro das nulidades do processo penal, permite-se a visualização da nulidade da própria peça acusatória (por ilegitimidade ativa), quando oferecida por órgão do parquet que não seja titular das funções constitucionais acusatórias.

Se o vício for de incompetência absoluta, o processo é nulo desde o início e não será caso de aplicação do art. 567, CPP, não sendo possível falar em ratificação de

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quaisquer atos processuais, ainda que não decisórios. Reconhecida a nulidades nesses casos, o processo deve ser remetido ao Ministério Público oficiante perante o juiz competente, para reformulação da opinio delicti. O novo juiz não pode, jamais, ratificar automaticamente o recebimento da denúncia oferecida por órgão ministerial sem atribuição constitucional para a causa (ver STF HC n. 77024/SC e HC 68269/DF).

Cumpre salientar que se houver modificação da competência absoluta no curso de um processo por motivo superveniente de foro por prerrogativa de função (exercício de mandato, assunção de cargo público) não há que se falar em “ratificação” de quaisquer atos. Os aludidos atos teriam sido praticados pelas autoridades competentes, legitimadas, seja pela competência (juiz), seja pela atribuição (MP), ao tempo e espaço das respectivas práticas. O novo foro se limitaria a dar prosseguimento ao processo, no estado em que se encontrar.

O vício de incompetência não é hipótese de inexistência do processo, ainda que se cuide de mau exercício ou de exercício inadequado por ausência de competência jurisdicional. Como outrora dito, a competência é mera distribuição operacional da função jurisdicional e a jurisdição sempre existirá, ainda que material ou territorialmente incompetente. Pacelli pondera que o reconhecimento da nulidade absoluta é suficiente para gerar conseqüências pretendidas com a tese da inexistência.

Para o autor, a aplicação da tese da nulidade tem outra vantagem: explica a razão de se impedir nova persecução penal pelo mesmo fato, quando alguém for absolvido por sentença passada em julgado, mesmo proferida por juiz absolutamente incompetente. È que os atos nulos geram efeitos e os inexistentes, não.

15.7. Convalidação

As nulidades relativas se submetem a prazo preclusivo, quando não argüidas no tempo (art. 571, CPP) e modo previstos, tendo em vista a presunção legal de que, em assim sendo, não teria havido prejuízo para a parte. A preclusão, portanto, é a regra de convalidação dos atos processuais nulos.

Nos termos do art. 568, CPP, a eventual nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser sanada a todo tempo, mediante ratificação dos atos processuais. O dispositivo, que se dirige à hipótese de irregularidade na representação judicial (capacidade postulatória) ou àquela decorrente de incapacidade (defeitos na representação do menor e incapaz), vem sendo aplicado nas ações públicas condicionadas à representação quando a autorização para a instauração é apresentada por quem não poderia ofertá-la.

Quanto á oportunidade para a argüição, a regra geral é a manifestação por ocasião das alegações finais, em relação às nulidades ocorridas até aquela fase (art. 571, I, II e IV, CPP).

Após a prolação da sentença, as nulidades relativas (e as absolutas, quando excepcionalmente devem ser argüidas para serem reconhecidas), devem ser alegadas nas razões de recurso ou na seção de julgamento, se não foram oferecidas nos termos do inciso VII do 571.

Considera-se também sanada a nulidade por vício ou mesmo ausência de citação, intimação, notificação, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o fim único de arguí-la. Caso o juiz reconheça que a irregularidade pode prejudicar direito da parte, deve ordenar a

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suspensão ou adiamento do ato. Pacelli ressalta que a possibilidade de prejuízo deve ser examinada cuidadosamente, na exata proporção do ato a ser realizado (entende, por exemplo, que o rigor deve ser maior em relação à citação).

O autor lembra, ainda, que o Pacto de São José da Costa Rica afirma que é direito do acusado ser ouvido com as devidas garantias e dentro de prazo razoável, bem como de tempo e meios adequados para a preparação da defesa. Por exemplo, verificando o juiz que o acusado tomou ciência da citação no mesmo dia para o interrogatório (que é meio de defesa e não de prova), deve adiá-lo, sob pena de nulidade.

15.8. A Casuística do CPP

Pacelli faz o exame das que podem ostentar maior relevância, no rol definido no art. 564, CPP:

I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz

Pacelli entende que também os casos de impedimento (arts. 252 e 253 do CPP) e de incompatibilidades (art. 112, CPP) configuram vícios passíveis de nulidade, sempre que afetarem a imparcialidade do julgador, que é requisito de validade do processo e da própria jurisdição penal. Trata-se de nulidade absoluta, que pode ser reconhecida após o trânsito em julgado da sentença. Pacelli remete o leitor ao Capítulo dos Sujeitos do Processo.

No que concerne à incompetência do juízo, apenas a absoluta é causa de nulidade absoluta, pela violação ao juiz natural.

II - por ilegitimidade de parte

É causa de nulidade absoluta a violação à regra da titularidade da ação penal, tanto na ação pública, quanto na privada. Pacelli ressalta que mesmo no âmbito do MP pode haver caso de ilegitimidade, quando da denúncia oferecida por órgão sem atribuições constitucionais para tal (por exemplo, atuação de membros do MP Federal em matéria penal estadual).

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

b) o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167;

A ressalva feita ao 167 é desnecessária – o próprio artigo admite a produção da prova testemunhal se os vestígios tiverem desaparecido.

O dispositivo tem em mira os casos em que os vestígios deixados não tenham desaparecido, impondo-se a o exame de corpo de delito.

Pacelli acha que nem sempre a melhor solução é a anulação. Para o autor, descabe a anulação do julgado ante a inexistência do corpo de delito se a sentença penal for absolutória e recurso for do Ministério Público. Primeiro porque o ônus da prova e da materialidade incumbe ao MP. Caso não comprovadas pela inércia da atuação ministerial e tendo o juiz se convencido da inexistência de provas suficientes para a condenação, a manutenção da absolvição é imperativa. Em segundo lugar, não tendo o MP cumprido a contento a sua missão constitucional, ao juiz não cabe suplementar a atividade exclusivamente acusatória, tendo em vista a configuração atual do modelo acusatório do processo.

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A iniciativa probatória deferida ao juiz é a necessária ao esclarecimento de dúvidas sobre pontos relevantes e controvertidos da prova (é o que se extrai do 156, CPP). Não havendo dúvida, mas apenas insuficiência da atividade probatória do MP, o caso é de manutenção da decisão absolutória e não de declarar a nulidade do processo.

O processo penal é instrumento de garantia do indivíduo perante o Estado, sobretudo presente a possibilidade de atuação desigual entre as partes. Para Pacelli, permitir a anulação da decisão absolutória, nestes casos, seria agir em dupla via acusatória (por intermédio do parquet e do Judiciário).

c) a nomeação de defensor ao réu presente, que não o tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 (vinte e um) anos;

A ausência de defesa técnica acarreta nulidade absoluta do processo.

O autor remete aos comentários feitos às Súmulas 523 do STF, quando trata do tema relativo ao acusado e seu defensor, no capítulo dos Sujeitos do Processo, e à Súmula 352, que trata da nomeação de curador ao menor.

Quanto à ausência de defensor no interrogatório, Pacelli remete aos comentários feitos no Capítulo “Das Provas”, registrando a necessidade de nomeação de defensor ao acusado. Se se tratar de acusado menor, a obrigação decorre do 262, CPP.

A ausência de nomeação de defensor no interrogatório é causa de nulidade relativa (réu deve demonstrar o prejuízo).

Sobre a influência do Novo Código Civil no conceito de menoridade, remete aos itens 4.6.1 e 4.6.2.1.

d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;

Preocupação específica do legislador com a função persecutória, desnecessária no entender de Pacelli (pois, para ele, a balança da desigualdade pende sempre para o lado estatal).

Embora não se possa falar em princípio da “ampla acusação”, a proteção dos interesses acusatórios no desenvolvimento da ação penal é imposição do princípio constitucional do contraditório. Ademais, o art. 564, III, “e” tem o mesmo conteúdo e eficiência.

Refere-se, também, a ação privada subsidiária da pública – ação pública, onde se permite a iniciativa (oferecimento da peça acusatória) e uma certa titularidade, provisórias, no casa da inércia ministerial.

É caso de nulidade absoluta (trata-se da não-participação de uma das partes no processo).

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;

Quanto à citação, o CPP previu hipótese de convalidação do ato irregular (ou de sua ausência): comparecimento do réu ao interrogatório (art. 570). Em não havendo comparecimento espontâneo, ocorrerá nulidade absoluta e insanável, por violação ao devido processo legal na quase totalidade das suas dimensões (ampla defesa, contraditório, igualdade de forças, paridade de armas).

A referência ao interrogatório é indicação de que o ato é meio de defesa, sendo possível sua realização mesmo após a prolação da sentença, nos termos do art. 616,

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CPP. A não-renovação do ato quando o réu não tiver comparecido por motivo justificado é causa de nulidade absoluta, por cerceamento de defesa. Se não compareceu exercendo seu direito ao silêncio, não é caso de repetição nem de nulidade.

No que concerne à falta de intimação ou supressão de prazos para as partes, sobretudo para a defesa, dão azo à nulidade absoluta (violação ao princípio da ampla defesa). Pela impossibilidade da revisão pro societate, não cabe anular o processo com sentença absolutória passada em julgado.

À exceção das hipóteses de requisitos de validade do processo ou até mesmo de condições da ação, as outras situações podem ser encaixadas nas hipóteses já analisadas. A casuística antes apontada reúne hipóteses de atos nulos e de inexistência de determinados atos, cuja conseqüência, em regra, será a mesma: a invalidade ou ausência de quaisquer efeitos jurídicos.

Capítulo 16 – Dos Recursos

16.1. Teoria dos Recursos

Toda teoria há de ser geral em relação a seu objeto. No âmbito da atividade jurisdicional, há duas perspectivas com as quais se pode elaborar uma teoria dos recursos.

A primeira: interesse público do Estado no controle dos atos jurisdicionais (preocupação com a qualidade e a regularidade da atividade jurisdicional). Nessa primeira perspectiva, a revisão legal das decisões judiciais (tal como nos atos administrativos) seria condição de sua eficácia. Segundo Pacelli, nessa hipótese não se fala em recurso mas sim em reexame necessário, ou revisão obrigatória.

A segunda: interesse dos jurisdicionados de revisão das decisões judiciais, sob justificação distinta: a amplitude da defesa.

O reconhecimento das nulidades, ilegalidades ou injustiças das decisões judiciais deveria ser sempre preocupação de todos (inclusive do órgão estatal), bem assim deve atender às expectativas de solucionar os conflitos que lhe são postos. A jurisdição deve dizer o direito no caso concreto. Pode ser que não resolva o conflito, mas nunca por ausência da função jurisdicional (quando isso acontecer, não mais se estará falando em Estado de Direito).

Considerações a respeito do estabelecimento do sistema recursal:

Quanto maior o número de recursos, maior a possibilidade de um amplo exercício do direito ao processo, do direito á proteção da Justiça, da tutela ao direito.

Em contrapartida, a atividade jurisdicional se torna morosa e com risco de ineficiência.

Em decorrência da tensão entre esses interesses igualmente relevantes, e aparente inconciliáveis, surgiu a norma do art. 103-A da CF/88 (EC nº 45/04), dispondo que “o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e

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indireta, na esfera federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista em lei.”

Pacelli comenta que embora o dispositivo refira-se a vinculação dos órgãos públicos, atinge igualmente os particulares, na medida em que, assim como as leis, também serão aplicadas aos casos levados à Justiça. Ademais, da mesma forma que as leis, as súmulas vinculantes têm prazo certo de exigibilidade (data da publicação).

O autor ver com certa apreensão a aplicação da súmula vinculante no âmbito do Processo Penal. No entanto, entende que, desde que não deixem de ser consideradas as condições pessoais de cada réu, é possível a referida aplicação.

Vide parágrafos 1°, 2º e 3º do dispositivo em comento, citados pelo autor.

Ressalta o autor que, nos termos do art. 8º da EC nº 45, as atuais súmulas do STF somente se tornarão vinculantes após sua confirmação por 2/3 dos membros e publicação na imprensa oficial.

Retomando o comentário acerca dos interesses amplo exercício do direito ao processo e celeridade, Pacelli afirma que o sopesamento destes interesses é mais relevante, diante dos valores postos em disputa. Para Pacelli, a liberdade individual deve prevalecer sobre a busca da Justiça célere e ágil, sendo conveniente estabelecer-se em lei, de preferência na Constituição, os limites de revisão das decisões judiciais.

No art. 5º, LV garante-se aos litigantes, contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Para Pacelli, a exigência constitucional não deixa dúvidas: toda pessoa submetida a um processo penal tem o direito de obter nova decisão sobre a matéria de seu interesse, em substituição à decisão impugnada pela via recursal.

A substituição será total, ainda que a decisão seja mantida parcialmente. A expressão “reforma” tem mais o sentido vernacular de alteração, do que sentido jurídico. A decisão prolatada em recurso sempre substituirá a reformada ou mantida, nos limites em que se deu a impugnação recursal, vez que se trata de novo julgamento.

É possível que através do recurso se pretenda a anulação e não a reforma da decisão. Nesse caso, o que ocorrerá é a desconstituição da decisão impugnada, a reclamar renovação do ato na mesma instância recorrida. De outro lado, embora o acesso ás vias recursais seja um direito, a lei pode estabelecer condicionamento a esse direito.

O duplo grau de jurisdição integra o exercício da ampla defesa, como uma de suas manifestações (das mais importantes, para Pacelli).

Nada obstante, não é a única via garantia que se prevê para o controle da legalidade e justiça das decisões judiciais penais. Para demonstração da inocência, o ordenamento sequer impõe limites temporais, ante a previsão de revisão criminal e habeas corpus, ainda que transitada em julgado a sentença.

Todavia, estas são ações autônomas e não recursos (a legislação brasileira reserva o recurso exclusivamente para decisões que não transitaram em julgado).

16.1.1. Princípios

16.1.1.1. O duplo grau

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A exigência do duplo grau de jurisdição como garantia individual permite ao interessado a revisão do julgado contrário aos seus interesses, como direito a obtenção de nova decisão em substituição à primeira.

Rigorosamente, para que se possa falar em duplo grau a revisão deve ser feita por outro órgão da jurisdição, hierarquicamente superior na estrutura jurisdicional (não é o caso do juízo de retratação, no recurso em sentido estrito e no agravo de execução, e ainda nos embargos declaratórios, onde a substituição é feita pelo próprio órgão prolator da decisão impugnada).

A exigência de revisão por órgão colegiado, embora apresente o inconveniente de se permitir o reexame da matéria de fato por quem não participou da instrução criminal, possibilita que tanto a matéria de fato, quanto a de direito seja analisada por um número maior de julgadores, via de regra mais experientes. Para Pacelli, o proveito vale o risco. Sobretudo em ordenamento como o nosso que não prevê o princípio da identidade física do juiz (segundo a qual o juiz da instrução deveria ser o da decisão). E não é só: nas decisões fundadas exclusivamente em provas periciais ou documentais, o contato direto com a prova não é essencial para a formação do convencimento, não se fazendo presente o risco apontado.

A exigência do duplo grau não alcança a instância extraordinária (provocada pelos recursos especial e extraordinário). A justificação para a existência de tais recursos é distinta: tutelar, pela via difusa, a unidade da Constituição e da legislação federal. Desta forma, em ação de competência originária dos tribunais de segunda instância não se poderá alegar violação ao duplo grau de jurisdição, pela inexistência de recurso ordinário cabível. O órgão colegiado, neste caso, atua diretamente sobre as questões de fato e de direito, participando da instrução probatória e do julgamento. Sobretudo quando a competência é do Pleno, garante-se o reexame da matéria por mais de um juiz (pluralidade da decisão, pois). Ademais, o afastamento da exigência decorre da própria Constituição.

Excepcionalmente, STJ e STF exercem jurisdição ordinária recursal, ao julgarem causas em recurso ordinário (arts. 102, II, a e b e 105, II, a, b e c da CF/88). Em matéria penal: STF julga crimes políticos e ambos, as decisões denegatórias de habeas corpus da instância imediatamente inferior a cada um deles. Se concessiva a ordem, caberá, se for o caso, recurso especial ou extraordinário.

16.1.1.2. A voluntariedade dos recursos

Pacelli destaca a impropriedade da expressão “recurso de ofício”: para que houvesse “recurso” seria necessário atribuir iniciativa penal ao juiz, o que não ocorre mais no ordenamento brasileiro. O que há é o “reexame necessário”.

Essa distinção é rica em conseqüências: afastada a iniciativa penal do juiz, somente a presença de interesse público relevante justifica o reexame obrigatório de algumas decisões judiciais. Impõe-se interpretar o CPP no mesmo compasso dos princípios constitucionais do sistema processual da Carta de 1988.

Em 4 situações o legislador condicionou a validade da decisão judicial ao reexame necessário. O comum em todas é veicularem decisões contrárias aos interesses das funções acusatórias e/ou persecutórias. São elas:

1. decisão concessiva de HC (art. 574, I);

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2. decisão de absolvição sumária (art. 411) proferida por juiz singular em procedimentos do Tribunal do Júri;

3. decisão absolutória e de arquivamento de inquérito em processos de crime contra a economia popular (art. 7º da Lei 1521/50);

4. decisão que conceder reabilitação.

Para Pacelli, só a decisão de absolvição sumária nos procedimentos do Tribunal do Júri poderia configurar o interesse público, a justificar o controle obrigatório (a revisão) do ato judicial. Essa decisão é medida excepcional vez que, em princípio, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Justifica-se o reexame, já que cuidaria de afastamento de competência constitucionalmente prevista.

Não há como se aceitar a vigência das demais hipóteses no contexto normativo garantista, onde se reserva ao MP a titularidade da ação penal. Era compreensível no antigo CPP de 1941, quando o juiz poderia propor a ação penal.

Quanto à decisão concessiva de HC, muito embora o problema não se apresente com grande intensidade (concedida a ordem, o acusado deve ser posto em liberdade), não se sustenta com justificação racional, estando preso ao espírito autoritário do CPP de 41. Poder-se-ia alegar que a ausência de previsão legal para participação do MP nas ações de habeas corpus impediriam sua manifestação recursal, facilitando a posição do acusado.

Pacelli diz que mesmo assim não se justifica: em processo penal deve-se trabalhar sempre com a idéia de inocência do aprisionado, cuja restrição à liberdade somente se legitima a partir de razões cautelares para o encarceramento provisório. Cumpre aos órgãos estatais a demonstração da necessidade da prisão, devendo a eles competir a iniciativa de revisão da sentença concessiva da liberdade. Avança; como a ordem de concessão da liberdade deve ser sempre notificada à autoridade que ordenou a prisão ou que tiver o paciente (preso) à sua disposição, e comunicada incontinenti ao MP (art. 660, §5º do CPP), tanto no curso da ação penal quanto no inquérito policial poderá o MP interpor recurso em sentido estrito (art. 581, X, CPP), se entender necessário e cabível.

Quanto à decisão de absolutória e de arquivamento no processamento dos crimes contra a economia popular (previsto na Lei 1521/50), Pacelli está certo que a previsão do reexame foi revogada pela Constituição de 88. Primeiro, porque muito embora algumas disposições da referida lei ainda estejam vigendo, a matéria encontra-se regulada pela Lei 8137/90, que nada falou a respeito. Em segundo lugar, se a ação é proposta pelo MP, sendo o único legitimado a renovar o pedido de condenação na segunda instância. No caso de decisão de arquivamento, pressupõe pedido expresso do órgão de acusação. Pacelli questiona: reexame do que e por que então?

Quanto à última hipótese - decisão concessiva de reabilitação – a justificativa da inviabilidade se enquadraria nas razões já esposadas quanto à concessiva de HC e absolutória nos crimes contra economia popular. O MP, a quem em tese poderia interessar a não-reabilitação, é regularmente intimado da decisão, podendo, se for o caso, interpor recurso de apelação (a decisão é “com força de definitiva”). Pacelli não vê interesse no reexame da situação jurídica do reabilitado, com os rigores do duplo grau, se a própria condenação não é sujeito ao reexame.

Pacelli chama atenção que a jurisprudência majoritária dos tribunais é contra ao que ele sustenta, a exceção da permanência do reexame para a absolvição sumária, em que todos estão de acordo. Aponta que há jurisprudência discordante e que a questão implica em definição do modelo de processo: o do CPP de 41 ou o sistema constitucional.

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Mirabete arrola vários julgados se filiando a primeira posição (pela manutenção), a qual ele próprio se filia (Código de Processo Penal Comentado).

A conseqüência jurídica do não atendimento ao reexame necessário é gravíssima: a decisão não produzirá efeitos enquanto não confirmada, à exceção da imediata colocação do réu em liberdade, nos casos de absolvição sumária e concessão do habeas corpus.

Apreciadas as exceções, segue a regra: os recursos são voluntários e dependem da manifestação dos interessados para que haja a reforma ou anulação do julgado (segundo a dicção do art. 574, CPP).

16.1.1.3. A unirrecorribilidade

Como regra, para cada decisão haverá um recurso. O princípio visa a operacionalidade do sistema recursal, evitando acumulação de impugnações sob o mesmo fundamento.

Veja-se, por exemplo, o §4º do art. 593 do CPP: quando cabível apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra (a decisão judicial final pode conter disposições interlocutórias, a exemplo das previstas no art. 581, V – cassação de fiança, concessão de liberdade provisória, relaxamento de prisão). A apelação, nestes casos, deve incluir a matéria de conteúdo interlocutório da decisão.

Há exceções à unirrecorribilidade, vinculadas à natureza da decisão e coincidência, ou não, do órgão competente para a revisão.

1. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri cabe o “protesto por novo júri”, que equivale à anulação do primeiro julgamento, na medida em que nova decisão será proferida pelo mesmo Tribunal (altera-se o Conselho de Sentença).

Para tais crimes, também é cabível a apelação, cuja fundamentação e competência (reservada aos tribunais de segunda instância) é absolutamente distinta.

A parte poderia interpor ambos os recursos. O protesto por novo júri, entretanto, é prejudicial à apreciação da apelação, pois dele pode resultar a absolvição do acusado ou a drástica redução da pena (pode tornar sem objeto e conteúdo a apelação). O art. 607, §2º dispõe que o protesto invalidará outros recursos.

Caso a condenação do júri seja por mais de um crime, será possível a interposição de ambos os recursos, quando cabível o protesto em relação a um deles e apelação para o outro (art. 608, CPP). Neste caso, suspende-se a apreciação da apelação até a decisão do protesto.

2. Outra exceção à unirrecorribilidade diz respeito à interposição concomitante de recurso especial e extraordinário, quando presentes os requisitos para o cabimento de um e outro.

3. Tratando-se de sucumbência recíproca, poderá ocorrer a interposição de recursos distintos, manejados por partes distintas (ex: recurso ordinário manejado pela defesa – art. 102, II, a ou art. 105, II, a da CF/88 – e especial ou extraordinário pela acusação).

4. Embargos infringentes concomitante ao recurso extraordinário e/ou especial, quando há decisão unânime em relação à parte do julgado, e por maioria em relação à

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outra (embargável, pois). Nesse último caso, Grinover, Gomes Filho e Fernandes lembram que cada capítulo da sentença seria objeto de recurso distinto, não configurando exceção ao princípio da unirrecorribilidade. Pacelli discorda: “fosse assim, também a interposição de recurso especial e recurso extraordinário poderia configurar impugnação a capítulos distintos da decisão”, não caracterizando exceção ao princípio. Para o autor, devem ser levados em conta os motivos da justificação e existência do princípio (simplificação e operacionalização do sistema recursal).

Rigorosamente falando, apenas não constituiria exceção ao princípio a hipótese de interposição de recursos distintos, por partes também distintas do mesmo julgado.

A questão não tem relevância prática, já que não se veda a interposição concomitante das referidas impugnações recursais.

16.1.1.4. A fungibilidade dos recursos

É a possibilidade de conhecimento do recurso pelo órgão de revisão competente para o julgamento, independentemente do acerto na escolha da modalidade recursal. Justificativa: o processo é meio e não fim. As dificuldades na identificação do recurso não devem conduzir a sua rejeição, devendo ser examinado o caso concreto.

Segundo o art. 579, CPP, salvo a hipótese de má-fé, a parte não deve ser prejudicada pela interposição de um recurso pelo outro, devendo a autoridade mandar processar pelo rito cabível. A má-fé, questão eminentemente subjetiva, é de difícil comprovação judicial. A jurisprudência dos tribunais cuidou de estabelecer critério objetivo para o seu acolhimento: observância da tempestividade da impugnação legalmente cabível.

Na prática, pois, o campo de atuação do princípio é limitado diante das dificuldades de caracterizar a má-fé. Ainda quando resultante de erro mesmo, deve ser observada a tempestividade do recurso cabível. Pacelli não critica a fixação do critério objetivo: é aceitável e necessário. Para o autor, todavia, não se deve perder de vista o princípio, que tem previsão em lei. Junto com a definição do critério objetivo geral, deve existir um flexível, excepcional, para permitir a utilização em casos onde, muito embora intempestivo o recurso, puder ser demonstrada a boa-fé do recorrente, diante da complexidade da matéria.

Exemplo: agravo de execução da LEP (sem rito previsto) processa-se pelo rito do agravo de instrumento (CPC) ou do recurso em sentido estrito? A escolha implica em diferentes prazos.

16.1.1.5. A vedação da reformatio in pejus

Previsto no art. 617, CPP, o princípio veda a revisão do julgado que prejudique a situação do recorrente (reforma para pior). Para Pacelli, todas as justificativas para adoção do princípio podem ser resumidas em uma só: manifestação da ampla defesa, já que a possibilidade de reforma para pior seria um “inibidor” do exercício do direito de questionar o julgado. Por isso, afirma que o princípio está contido implicitamente na norma constitucional da ampla defesa.

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Como não há falar-se em “ampla acusação”, cabe a “reformatio in mellius”, para alterar favoravelmente a situação do réu, quando do recurso exclusivo da acusação. Interessa ao Estado e à sociedade tanto a condenação do culpado quanto à absolvição do inocente.

A reforma in mellius será sempre in pejus para a acusação. Não há norma legal proibindo a reforma para melhor (como há para vedar a in pejus) e descabe o argumento do respeito aos limites objetivos do recurso. Primeiro porque a principiologia infraconstitucional não pode ser oposta aos princípios constitucionais. Segundo porque o Estado tem o dever da correta aplicação da lei penal, a partir do convencimento judicial nesse sentido. Ademais, se há previsão de revisão do julgado em favor do acusado por meio do HC ou da revisão criminal, porque não permitir desde logo?

Quanto ao Júri, a soberania popular é obstáculo à vedação da reformatio in pejus, quando anulado o julgamento ou usado o protesto por novo júri. A nova decisão pode piorar, validamente, a situação do acusado (reconhecendo agravantes, qualificadoras, causas de aumento, não apreciadas ou rejeitadas no julgamento anterior). Caso a decisão do novo Júri seja igual, o Juiz-Presidente não pode agravar a situação do acusado na dosimetria da pena.

Quanto à proibição da reformatio in pejus indireta, é a vedação de superação da condenação anterior, quando do da anulação da sentença por qualquer vício (à exceção da incompetência absoluta e julgados do Tribunal do Júri). Remete o leitor ao item 15.3.

16.1.2. Regras: suplementariedade, complementariedade etc.

São arrolados por alguns autores entre os princípios aplicáveis aos recursos o da suplementariedade e o da complementariedade (Grinover, Gomes Filho, Fernandes. Recursos... cit., págs. 38/39), bem assim o da taxatividade.

A taxatividade, para Pacelli, é característica inerente a qualquer sistema recursal, dispensando maiores considerações. Pode ser bastante útil com relação as decisões interlocutórias, a partir da constatação de que algumas são passíveis de recurso e outras, não sujeitas à preclusão por ausência de argüição oportuna. Nesta seara, a taxatividade será regra particular e não princípio, merecendo registro.

Talvez por isso percebe-se que a taxatividade não pode constituir obstáculo à ampla defesa: tendo sido superado o antigo CPP por leis a ele posteriores que criaram novas decisões interlocutórias, que, tais como as mistas, estejam a reclamar impugnação pela mesma via (o recurso em sentido estrito, previsto no 581, CPP).

Complementariedade é a possibilidade de integração da impugnação já oferecida, se houver mudança na decisão judicial, seja para correção de erro material, seja em razão do acolhimento de outro recurso, em que seja possível o juízo de retratação. Renova-se, então, o prazo recursal para a apresentação de novo recurso, adequado às modificações operadas na decisão. A matéria sobre a qual não se estender a alteração do julgado não poderá sofre nova impugnação.

Suplementariedade é a possibilidade de renovação da iniciativa recursal já manifestada. Como regra, proferida a decisão e interposto o recurso contra a mesma, diz-se que haveria “preclusão consumativa das vias recursais”, com a conseqüente perda da faculdade processual já exercida, para vedar a interposição de novo recurso. Não se aplica, porém, quando cabível mais de um recurso contra a mesma decisão.

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Exemplo: nas condenações do Júri, quando cabível apelação para um crime e protesto por novo júri para outro, a interposição de um recurso não obsta a do outro (art. 608 manda suspender a apelação até que seja decidido o protesto) Pacelli entende que o mesmo raciocínio deve ser aplicado quando para a condenação por um só crime couber a apelação e o protesto (o caso, porém, será de invalidação - e não suspensão – da apelação, §2º, art. 607, CPP).

16.1.3. Disponibilidade

Como contrapartida ao princípio da voluntariedade dos recursos, a parte recorrente poderá desistir do recurso já interposto. Somente haverá a disponibilidade para desistir se a própria atuação no processo for disponível.

O CPP, no art. 576, veda que o Ministério Público desista do recurso interposto. A indisponibilidade é conseqüência do princípio geral da obrigatoriedade, que não se exaure com o oferecimento da denúncia, nem em qualquer outro ato do processo.

Isso não significa que o MP deve requere a condenação se estiver convencido do contrário. Mas se o processo for iniciado pelo MP, deve chegar a seu termo.

Da mesma forma, o MP não é obrigado a recorrer. Pode, inclusive, recorrer em favor do réu. Uma vez interposto o recurso, a opinio delicti deve ser encaminhada ao órgão recursal, por força do princípio da obrigatoriedade. Daí a vedação de desistência imposta ao MP.

No que se refere à desistência de recurso interposto pela parte, deve ser verificado eventual conflito entre a vontade do réu e o entendimento (de fato e de direito) do defensor. Neste caso, a decisão sobre a divergência deve pender para o lado do defensor, em razão da necessidade de preservação da defesa dos conhecimentos técnicos do causídico.

Na prática, a desistência pode ser benéfica: o início da execução da pena em regime penitenciário, por exemplo, pode ser vantajoso para o réu (pode usar alguns benefícios ali previstos).

Para Pacelli, somente o exame do caso concreto pode revelar as vantagens e/ou desvantagens, a depender das condições pessoais do réu e da possibilidade efetiva de provimento do recurso interposto.

Elaborado por: Maíra Queiroz, SimoneHB, Silvana S. Lahutte e Victor Pugachev.

Atualizado e ampliado por Mariana Férrer ([email protected]).

Capítulo 15 - Das Nulidades

As formas processuais existem e atuam na medida de sua finalidade específica.

A matéria relativa às nulidades deve ser interpretada com foco no princípio da instrumentalidade das formas, tradução do antigo pas de nullité sans grief, segundo o qual para o reconhecimento e declaração de nulidade de ato processual haverá de ser aferida

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a sua capacidade para a produção de prejuízos aos interesses das partes e/ou ao regular exercício da jurisdição (art. 563, CPP).

A declaração de nulidade seria, assim, a conseqüência jurídica da prática irregular de ato processual, seja pela não-observância da forma prescrita em lei, seja pelo desvio de finalidade surgido com a sua prática.

No processo penal, aliás, em qualquer processo, toda nulidade exige manifestação expressa do órgão judicante, independentemente do grau de sua irregularidade, não existindo processo nulo, antes da aplicação da nulidade, ou seja, antes do pronunciamento judicial que extingue os efeitos dos atos que compõem o procedimento, porque, se a nulidade é sanção, não pode ser concebida como se fosse inerente ao vício ou como se fosse automaticamente dele decorrente.

Pacelli classifica os irregulares como atos inexistentes e atos nulos, podendo os últimos conter nulidade absoluta ou nulidade relativa.

Para ele, a distinção entre os atos nulos e os atos inexistentes, quanto ao grau de irregularidade apresenta algumas indagações ao nível dos pressupostos processuais, em razão dos critérios normalmente utilizados para a caracterização de um e outro vicio.

15.1 Atos Inexistentes

Sob o ponto de vista de sua aptidão para a produção de efeitos no processo, o ato existiria, enquanto praticado por alguém, mas, em relação ao processo, seria como inexistente, pela sua impossibilidade de gerar ou produzir efeitos.

O tema da inexistência, como logo se percebe, encontra-se ligado à questão dos pressupostos de existência do processo, enquanto as nulidades diriam respeito aos requisitos de sua validade.

Para Pacelli, a unidade da jurisdição, como manifestação do Poder Público, impede a elaboração de qualquer teoria que pretenda incluir a competência jurisdicional como pressuposto da existência do processo.

Defende que o processo é o veículo da atuação do poder jurisdicional, independentemente do foro em que tiver tramitação e do acerto ou do equívoco praticado pelo agente do Poder Público (o juiz) no desempenho de suas funções, sobretudo e particularmente no que respeita à decisão acerca de sua competência. A competência não passa de divisão de tarefas, ainda que realizada na própria Constituição, por ocasião da distribuição da jurisdição em razão da matéria e em razão das prerrogativas de função. A distribuição, constitucional e legal, de competências atende a necessidades operacionais, não descaracterizando a juridicidade da função os eventuais equívocos praticados pelos órgãos que nela atuam.

Por isso, desde que regularmente provocado, o recebimento da denúncia ou queixa, bem assim o prosseguimento do curso da ação penal por meio de atos prolatados por quem se achar investido da função jurisdicional, dá por existente o processo, e com capacidade para a produção de determinados efeitos jurídicos, ainda que irremediavelmente nulos.

Eis então uma distinção corrente entre atos nulos e atos inexistentes. Estes, exatamente porque inexistentes (tal como ocorre com as decisões proferidas por quem não se achar investido de função jurisdicional), não produzem efeito algum, ao contrário dos atos nulos, que, não só produzem efeitos até serem anulados, como também

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implicam conseqüências jurídicas mesmo após o reconhecimento de sua nulidade. É até possível haver inexistência ou ato juridicamente inexistente também dentro de um processo regular e válido, como ocorrerá, por exemplo, na hipótese de sentença ou decisão sem a assinatura do juiz.

Os atos inexistentes não só não produzem efeitos, como também não poderão ser convalidados. E isso por uma razão simples e de ordem lógica. A convalidação nesse caso seria a própria instituição do ato, sem qualquer efeito pretérito. Em conclusão: faltam-lhes (aos atos inexistentes) elementos essenciais para a produção de quaisquer conseqüências jurídicas, o que não ocorrerá com os atos nulos, ora passíveis de convalidação, ora a exigir a sua repetição, com aproveitamento de algum de seus efeitos.

15.2 Nulidade Absoluta e Nulidade Relativa

Assim, a não-observância da forma prescrita em lei somente terá relevância na exata medida em que possa impedir a realização do justo processo, seja promovendo o desequilíbrio na participação e efetiva contribuição das partes, seja afetando o adequado exercício da função estatal jurisdicional.

A primeira distinção que se pode fazer entre as nulidades relativas e as nulidades absolutas começa a partir da definição dos interesses envolvidos na irregularidade.

O predicado “relativa” que acompanha a expressão nulidade quer significar exatamente isso: a nulidade encontra-se em relação ao interesse da parte, em determinado e específico processo.

Determinados atos processuais são instituídos, potencialmente, no interesse das partes. Isso significa que a aferição da utilidade de seu exercício ou do seu não-exercício é deixada à livre manifestação dos interessados, não cabendo ao Estado, em princípio, impor às partes a renovação de ato cuja ausência ou defeito não tenha afetado seu interesse, daí estarem sujeitas a prazo preclusivo, quando não alegadas a tempo e modo. Parte-se do pressuposto de que, não havendo alegação do interessado, a não-observância da forma prescrita em lei não teria resultado em qualquer prejuízo para as partes.

Embora reservada às partes a valoração dos efeitos decorrentes do vício do ato, não há como negar que, ao menos em algumas hipóteses, será possível o reconhecimento ex officio de nulidades relativas. O nosso CPP, por exemplo, permite o reconhecimento, pelo juiz, de sua incompetência relativa, o que implica a possibilidade de reconhecimento ex officio de nulidade relativa (art. 109, CPP).

Do mesmo modo, tratando-se de atividade desenvolvida pelo defensor do acusado, poderá o juiz intervir na qualidade da defesa, seja designando novo defensor dativo (em substituição àquele dado anteriormente), seja designando defensor ad hoc, para determinado ato processual, em aditamento à atuação deficiente do defensor constituído pelo réu (arts. 261 e 497, V, CPP).

Em tema de nulidades absolutas o eixo da análise altera-se radicalmente. Se, de um lado, é possível admitir-se uma certa margem de disponibilidade quanto à eficiência e suficiência da atuação das partes (sobretudo e particularmente da defesa), de outro, quando o vício esbarrar em questões de fundo, essenciais à configuração de nosso devido processo penal, não se pode nunca perder de vista a proteção das garantias constitucionais individuais inseridas em nosso atual modelo processual.

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Os vícios processuais que resultam em nulidade absoluta referem-se ao processo penal enquanto função jurisdicional, afetando não só o interesse de algum litigante, mas de todo e qualquer — presente, passado e futuro — acusado, em todo e qualquer processo. O que se põe em risco com a violação das formas em tais situações é a própria função judicante, com reflexos irreparáveis na qualidade da jurisdição prestada.

Configuram, portanto, vícios passíveis de nulidades absolutas as violações aos princípios fundamentais do processo penal, tais como o do juiz natural, o do contraditório e da ampla defesa, o da imparcialidade do juiz, a exigência de motivação das sentenças judiciais, etc., implicando todos eles a nulidade absoluta do processo.

A violação a outros princípios, inferidos do sistema de garantias constitucionais, mas não expressamente acolhidos na Constituição também poderá redundar em nulidade absoluta, pois ainda que não explicitados, integram a estrutura do novo modelo processual penal brasileiro, como decorrência lógica daqueles expressamente assegurados.

Um exemplo do que vem de se afirmar: a instituição do juiz natural e da reserva da função estatal acusatória ao Ministério Público tem como conseqüência a reformulação do sistema inquisitorial do CPP de 1941, de modo a poder falar-se na instituição de um modelo acusatório público, no qual fica o juiz afastado das funções investigatórias e da iniciativa de propositura da ação penal. Haverá nulidade absoluta quando a atividade estatal dos citados órgãos públicos ultrapassar os limites das funções a eles reservadas na Constituição da República. É o que ocorrerá nas hipóteses de atividades investigatórias desenvolvidas pelo juiz da causa na fase pré-processual. E nesse caso, haverá afetação de interesse eminentemente público, atinente à validade da função jurisdicional, isto é, da atividade essencial do Poder Público, daí resultando a nulidade absoluta do processo, ainda que já submetido aos efeitos da coisa julgada.

E mais. Como acontece em relação a qualquer outra modalidade de risco à liberdade individual, a nulidade absoluta poderá ser reconhecida e declarada até mesmo em sede de habeas corpus, quando o vício puder ser demonstrado de plano, como é o caso de incompetência absoluta em razão da matéria ou da função exercida pelo acusado.

Assim, diante da qualidade do interesse em disputa, as nulidades absolutas poderão ser reconhecidas ex officio e a qualquer tempo, ainda que já presente o trânsito em julgado da sentença.

Para Pacelli o que poderá ser objeto de prova é a existência ou não da violação à lei a irregularidade, uma vez demonstrada esta o prejuízo dela decorrente é sua conseqüência inevitável. Não se cuida, então de prejuízo presumido nas nulidades absolutas, como se costuma dizer, mas de previsão abstrata da lei a salvo de qualquer indagação probatória.

15.3 Nulidades: Efeito Devolutivo dos Recursos e Vedação da Reformatio In Pejus

Há aqui também uma exceção em tema de nulidades reconhecidas ou reconhecíveis na sentença de primeiro grau, seja por error in procedendo (erro judicial relativo à observância de regras procedimentais), seja por error in judicando (erro judicial em relação às questões de direito).

Em se tratando de recursos contra sentença absolutória, mesmo as nulidades absolutas não poderão ser reconhecidas ex officio quando em prejuízo da defesa, se não

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alegada no recurso da acusação, consoante se tem entendido sem maiores divergências, em posição consolidada na Súmula n. 160 do Supremo Tribunal Federal. Exatamente nesse sentido, recente decisão do STF, na qual se aplicou a Súmula n. 160 à hipótese de vício de incompetência absoluta, não alegado pelo recorrente (MP), em sentença absolutória. (STF — HC n. 80.263/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, 20.2.2003 — Informativo STF 298).

A questão para Pacelli tem outros desdobramentos. Defende ele que em função do sistema acusatório não pode o Juiz se somar ou corrigir a atuação do MP na função acusatória. Tal proceder também implicaria também prejuízo à ampla defesa, na medida em que não permitiria a participação do acusado no debate acerca da nulidade, tendo em vista a omissão do recurso da acusação em relação à matéria.

Por essa razão, em sede de recursos, é de se aplicar, com rigor, a máxima tantum devolutum quantum apellatum, a limitar a atividade judicante de segunda instância, no que se refere à extensão dos recursos da acusação.

Quando não se obtém a reforma do julgado, com a alteração da decisão de condenação ou de absolvição, de rejeição ou recebimento da denúncia, de extinção da punibilidade, etc., mas, ao revés, a sua anulação — ou o reconhecimento de nulidades —, várias e importantes conseqüências poderão daí advir, todas elas inseridas ou a serem inseridas no sistema das nulidades.

Talvez a mais importante delas esteja relacionada com os eventuais efeitos que se poderão atribuir à decisão então anulada e no que diz com a subordinação a ela da nova decisão.

Há jurisprudência consolidada no STF e STJ no sentido de se atribuir à decisão anulada o efeito de impedir o agravamento da pena a ser fixada na nova decisão, quando em recurso unicamente da defesa. O fundamento seria precisamente a proibição da reformatio in pejus do art. 617 do CPP, mas com nova roupagem: a reformatio in pejus indireta.

Fala-se em reforma indireta em razão de não resultar diretamente da decisão do órgão de segundo instância, mas da nova decisão proferida pelo juiz da causa, após o reconhecimento da nulidade da sentença. Nessa hipótese o recurso da defesa, no qual se alegou a existência da nulidade, teria sido provido, não havendo que se falar em decisão in pejus. O prejuízo somente ocorreria e ocorrerá a partir da nova decisão, quando, afastada a nulidade, for confirmada (ou repetida) a condenação, com imposição, porém, de sanção mais grave.

O problema daí decorrente é de fácil visualização.

Se o vício resultante da nulidade se referisse, por exemplo, à incompetência relativa do juiz, o novo juiz, ou seja, aquele originariamente competente, ao receber os autos para julgamento já estaria vinculado ao máximo da pena fixada na decisão anulada, sem que tivesse concorrido para a nulidade. Haveria, portanto, restrição à atividade judicante.

A adoção de semelhante entendimento atende às preocupações com a ampla defesa, na medida em que procura afastar eventuais embaraços no manejo dos recursos cabíveis, como a intimidação do condenado ao exercício do duplo grau de jurisdição, sob a ameaça, potencial, é claro, de ver piorada a sua situação. A proibição da reforma para pior, direta ou indireta, funcionaria como uma garantia do efetivo exercício da ampla defesa.

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Cuidando-se, porém, de incompetência absoluta, instituída em razão da matéria e da função exercida pelo acusado, Pacelli entende que a solução há de ser diferente, na linha de decisões da Suprema Corte (RE n. 87.394, RTJ n. 88/1.018; STJ —REsp. n. 66.08 1/SP; RHC n. 5.857-SP, DJU 12.8.1997). A discussão haverá de contemplar um dado novo, de origem constitucional e não contido no primeiro problema, a saber: o princípio do juiz natural, a ser examinado não só como garantia do indivíduo diante do Estado, mas também como exigência da qualidade da jurisdição (critérios de distribuição constitucional da competência jurisdicional penal, fundados ora na especialização em relação à matéria, ora com referência às funções públicas exercidas pelo acusado), sob a perspectiva do interesse público na correta aplicação da lei penal.

Para o autor não é razoável que o juiz natural possa estar subordinado aos limites da pena fixados em decisão absolutamente nula, ainda que tal nulidade somente tenha sido conhecida a partir de recurso da defesa.

E mais. A limitação feita ao juiz por ocasião da incompetência relativa decorre de norma infraconstitucional, qual seja aquela do art. 617 do CPP, e dirige-se contra violação de critério legal igualmente ordinário, isto é: a competência territorial. Não há, no caso, como conseqüência da limitação imposta ao juiz, afetação aos princípios constitucionais.

Todavia, na segunda hipótese, de vício decorrente de incompetência absoluta, a subordinação à quantidade de pena imposta na primeira decisão, dirige-se contra o princípio do juiz natural, não no que concerne à prevalência de sua jurisdição, já garantida com o reconhecimento da nulidade, mas no que respeita à liberdade de seu convencimento e do livre exercício de sua tarefa judicante. Não parecendo possível falar-se em vedação da reformatio in pejus indireta, sob pena de fazer-se prevalecer regra legislativa de natureza ordinária (art. 617, CPP) sobre princípio de fonte constitucional.

Para a acusação, tanto será possível a reformatio in pejus direta, quanto à reformatio in pejus indireta.

Na primeira hipótese (reforma direta), será possível ao tribunal conhecer do recurso da acusação, manejado para o fim exclusivo de agravamento da pena, para, por exemplo, diminuí-la, por erro na sua dosimetria. É que, respeitado o tantum devolutum quantum appellatum, o tribunal poderá conhecer em profundidade de toda a matéria impugnada, inexistindo vedação legal à modificação do julgado em favor da defesa.

Na segunda hipótese (reforma indireta), o tribunal poderá conhecer da nulidade absoluta não alegada (nem pela defesa, nem pela acusação), em razão da gravidade do vício e do interesse público a ela imanente, não havendo qualquer limitação no que respeita à nova decisão a ser proferida em primeira instância, ou seja: poderá o juiz tanto absolver o acusado, quanto condená-lo a pena mais leve.

A vedação da reformatio in pejus, porém, não se aplicará ao Tribunal do Júri, no que respeita à decisão dos jurados. Anulado o julgamento, o novo júri é livre para apreciar toda a matéria do fato e de direito. Se, contudo, as respostas aos quesitos forem as mesmas, o Juiz-Presidente não poderá agravar a pena.

15.4 A Regra do Interesse nas Nulidades

Reza o art. 563 do CPP nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, nos termos do art. 563 do CPP, coerente a norma contida no art. 565, parte final, quando estabelece que nenhuma das

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partes poderá argüir nulidade referente à formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

No entanto, não há como não reconhecer também ao Ministério Público a legitimidade para argüir a nulidade de ato cujo proveito seja unicamente da defesa, em face de ser o fiscal da lei.

Em tema de interesse na declaração da nulidade, estamos a falar das nulidades relativas e não das absolutas.

Prevalecendo nas nulidades relativas o interesse da parte efetivamente prejudicada; dispõe a primeira parte do art. 565 do CPP que nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido.

15.5 A Instrumentalidade das Formas

Por isso, se do ato nulo não tiver decorrido qualquer prejuízo para a atuação das partes ou da jurisdição, não haverá razão alguma para o reconhecimento e declaração da nulidade, nos exatos termos do art. 563, pedra de toque do sistema das nulidades.

Na mesma linha de desdobramento, não se reconhecerá a nulidade — ou considerar-se-á sanada — de ato praticado de outra forma, não prevista em lei, quando tiver ele alcançado o seu fim, sem prejuízo a nenhum dos litigantes, conforme se vê do disposto no art. 572, II, do CPP.

Em resumo: o que deve ser preservado é o conteúdo e não a forma do ato processual.

Há nulidades que implicam prejuízos relevantes e outras há que não ultrapassam a fronteira da abstração legislativa. Prejuízos relevantes são aqueles que derivam de atos processuais nulos, mas com aptidão para influir na apuração da verdade ou do convencimento judicial. Nos termos do art. 566, não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

O que deve ser analisado é a capacidade de influência do ato nulo na decisão da causa.

Nem toda violação ao contraditório, por exemplo, exigirá o reconhecimento da nulidade, quando o ato praticado ou a prova levada aos autos não ostentar qualquer potencialidade probatória, nem tiver sido, à luz do caso concreto, objeto de mensuração na decisão final.

15.6 Causalidade: Derivação das Nulidades

O art. 573, § 10, do CPP, que estabelece a regra da causalidade.

A questão da derivação da nulidade parece se resolver é mesmo no plano lógico.

Para que haja derivação, impõe-se, então, que o ato subseqüente seja dependente do anterior, no sentido de ter a sua existência subordinada à existência e validade do primeiro, ou que seja dele conseqüência, enquanto seu efeito ou resultado.

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Mirabete (Código de processo penal interpretado, 2001, p. 1187) cita o exemplo de contaminação dos atos processuais posteriores à escolha dos jurados quando houver nulidade em relação a este ato. Não configuraria hipótese de contaminação, todavia, eventual irregularidade ocorrida em audiência de instrução, em relação às audiências subseqüentes. Aqui não há, em regra, falar-se em derivação da nulidade, porque as audiências seguintes não dependeriam, nem seriam conseqüência da realização da primeira. Ressalve-se o caso de inversão da ordem de oitiva das testemunhas de acusação e defesa ou a hipótese de aditamento da denúncia após a prova testemunhal (RSTJ 32/421-2). Nesse último caso, porém, não nos parece tratar-se rigorosamente de nulidade em razão de vício processual, mas da necessidade de reabertura da fase instrutória em razão de novas imputações.

Outro exemplo de contaminação da nulidade ocorreria nas hipóteses de provas obtidas a partir de outras cuja ilicitude seja reconhecida, tal como se dá na aplicação da conhecida teoria dos frutos da árvore venenosa ou fruits of the poisonous tree.

Acerca da nulidade como conseqüência de nulidade anterior, poder-se-ia citar o exemplo de decisão de segundo grau concedendo habeas corpus impetrado contra o recebimento de denúncia por ausência de justa causa. Todos os atos processuais posteriores ao recebimento da peça acusatória seriam reputados igualmente nulos, como conseqüência da rejeição da denúncia.

A regra da causalidade, a ditar a contaminação dos atos processuais dependentes ou conseqüentes do ato nulo, recebe um tratamento diferenciado quando se tratar de vício e nulidade decorrentes de incompetência do juízo, conforme se vê da norma prevista no art. 567 do CPP.

Enquanto a regra geral, no que se refere à maioria dos vícios geradores de nulidades, determina a aplicação da contaminação de todos os atos dependentes e/ou conseqüentes, por obra e efeito da causalidade, o mesmo não ocorre em relação à nulidade decorrente de incompetência.

Nos termos do art. 567 do CPP, a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente. E, retrocedendo aos termos do art. 109 do mesmo CPP, uma vez aceita a declinatória (ou seja, concordando o juiz para o qual foram remetidos os autos com a sua competência) e ouvido o Ministério Público, o processo prosseguirá a partir da ratificação dos atos anteriores.

Eis então uma questão com certo grau de complexidade: como se dá, em que medida e o que vem a ser a ratificação dos atos anteriores.

Em primeiro lugar é de se observar que em se tratando de vício de incompetência absoluta não há atualmente maiores divergências: não se aplica o art. 567, devendo os autos ser remetidos ao promotor natural, com atribuições constitucionais para a matéria, para nova formação da opinio delicti.

Ao depois, é a própria lei quem já delimita com preclusão a matéria passível de ratificação, a saber: apenas os atos não decisórios poderão ser ratificados.

O único problema real que se pode apontar nesta seara diz respeito ao recebimento da denúncia. É que, pela regra da causalidade, os atos posteriores ao ato decisório nulo não teriam validade.

Pacelli entende não ser possível recusar o conteúdo decisório da manifestação judicial que recebe a peça acusatória, tendo em vista que há ali, ainda que em juízo perfunctório e delibativo, apreciação acerca da viabilidade da ação penal (justa causa), de

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suas condições (legitimidade, etc.), da tipicidade (aparente) e da própria competência do juízo. A jurisprudência dos tribunais superiores (STF — RT n. 616/374), entretanto, de modo geral, reluta em aceitar semelhante realidade, certamente com receio de eventuais conseqüências que poderiam advir da impossibilidade de ratificação do recebimento da denúncia. A posição, sem dúvida, é mais cômoda.

O autor, mesmo chegando a conclusões semelhantes as das Cortes superiores o faz por raciocínio/justificação diversa.

Para ele, o recebimento da denúncia é efetivamente ato decisório e demandaria novo pronunciamento acerca de seu conteúdo pelo juiz a quem fossem remetidos os autos, após a declinatória de foro, até mesmo nos casos de incompetência relativa.

Pensa, entretanto, que o art. 567, ao contrário da regra geral em relação às nulidades, permite a ratificação de atos não decisórios, ainda que praticados posteriormente ao ato nulo, isto é, autoriza a ratificação dos atos instrutórios, mesmo com a nulidade do ato de recebimento da denúncia. Isso quando se tratar exclusivamente de nulidade decorrente de incompetência do juízo. Não haveria, nesta hipótese, a contaminação da nulidade dos atos dependentes e conseqüentes como ocorre nas demais irregularidades. Dá também outro argumento: se é dado ao juiz a quem foram remetidos os autos discordar da manifestação de seu antecessor, no que se refere à competência para o julgamento do feito, caso em que haverá conflito negativo de competência, por que não permitir que ele exerça a sua jurisdição na sua inteireza, apreciando todas as questões processuais necessárias ao recebimento da denúncia?

A resposta do CPP nós já sabemos: para evitar-se o quanto possível a perda de atividade processual já realizada — o que não é um problema em si; o problema está na definição do que seja possível —, priorizando-se a celeridade processual. Prefere o autor seguir outra direção.

Para ele, se o juiz a quem foram remetidos os autos entender de receber a denúncia, poderia ele, validamente, com supedâneo no art. 567 do CPP, ratificar todos os atos instrutórios já realizados, sobretudo porque, infelizmente, o processo penal brasileiro ainda não contempla o princípio da identidade física do juiz. Em tal situação, como se percebe, o recebimento da denúncia equivaleria na prática à sua ratificação.

Outro argumento: se o recebimento da denúncia não é ato decisório, e por isso não seria anulado (art. 567, CPP), deveria ser ele ratificado, como consta do § 1º. do art. 108. E se o juiz a quem forem remetidos os autos não ratificar o seu recebimento, entendendo, por exemplo, que o fato seria atípico? A solução acaso não seria a mesma que vimos de sustentar?

Para Pacelli a nova Súmula n. 709 do STF deve ser recebida como uma modificação do entendimento jurisprudencial anterior, no ponto em que estabelece que: Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.

Se o vício é de nulidade por incompetência do juízo, quer se trate de incompetência relativa ou absoluta, o provimento do recurso não implicará o recebimento da peça acusatória, consoante o entendimento antes mencionado. Assim, caberá ao juiz a quem forem remetidos os autos manifestar-se também sobre o recebimento ou não da denúncia ou queixa.

De se ver, por fim, que o entendimento aqui sustentado tem sérias conseqüências também em relação ao prazo interruptivo da prescrição, no que se refere ao recebimento da denúncia. Para Pacelli, mesmo em se tratando de incompetência

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relativa, ou seja, de denúncia recebida por juiz relativamente incompetente, o reconhecimento da nulidade da decisão (que recebeu a denúncia) impedirá a interrupção do prazo prescricional, na linha, aliás, da jurisprudência dos tribunais superiores. Ressalte-se, porém, que o entendimento dos tribunais tem em vista a nulidade da decisão de recebimento da denúncia por vício de incompetência absoluta, em razão da matéria ou da prerrogativa de função, e não territorial como sustenta Pacelli. Ver, por exemplo: STF — IIC n. 76.748/MT, DJU 17.4.1998; HC n. 69.047/RJ, DJU 24.4.1992; STJ — RHC n. 6.488/GO, DJU 23.3.1998.

Mas para ele, a questão de fundo é a mesma: o recebimento da denúncia, como ato decisório que é deverá ser anulado.

Para ele isso não contraria o ponto de vista o que defende em relação ao oferecimento de queixa perante juiz incompetente (relativa ou absolutamente), nas ações penais privadas, pois ali, embora também nulo o ato de recebimento da peça acusatória, a decadência não se consuma tão-somente pela manifestação expressa da vontade do ofendido de promover a persecução penal. Além do mais, não há para a decadência previsão de ato interruptivo do seu curso, como ocorre como disposto no art. 117, I, do Código Penal, em relação à interrupção da prescrição.

15.6.1 Nulidade e incompetência absoluta

Diz a Constituição da República, em seu art. 5º, LIII, que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.

É, pois, perfeitamente compreensível que a aludida garantia se estenda também à fase de conhecimento da matéria, não se limitando ao direito a ser julgado pelo juiz competente.

Podendo-se afirmar que o processo que se desenvolver perante juiz materialmente ou absolutamente incompetente será irremediavelmente nulo, não desde o recebimento da denúncia, mas desde o seu oferecimento. E aqui já entraria em cena outro princípio, ligado às funções acusatórias do Estado: o princípio do promotor natural.

Com efeito, tal como se dá em relação ao juiz natural, a matéria penal é também repartida em atribuições aos diferentes órgãos do Ministério Público. Crimes federais ao Ministério Público Federal, crimes estaduais ao Ministério Público dos Estados, crimes militares federais ao Ministério Público Militar da União, etc.

Com isso, clareia-se sobremaneira o quadro das nulidades no processo penal, permitindo-se visualizar a nulidade da própria peça acusatória (por ilegitimidade ativa) quando oferecida por órgão do parquet que não seja o titular das atribuições constitucionais acusatórias.

Assim, quando o vício se referir à incompetência absoluta, não será o caso de aplicação do art. 567 do CPP, não se podendo falar em ratificação de quaisquer atos processuais ainda que não decisórios, tratando-se, na verdade, de processo nulo desde o início. Reconhecida a incompetência absoluta do juízo, os autos deverão ser encaminhados ao Ministério Público oficiante perante o juiz competente, para total reformulação da opinio delicti. O juiz (o novo) não poderia, jamais, ratificar automaticamente o recebimento da denúncia, oferecida por órgão ministerial não legitimado, isto é, sem atribuições constitucionais para a causa (STF — HC n.77.024/SC; HC n. 68.2691DF).

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De se ver, porém, que, na hipótese de modificação da competência absoluta, isto é, quando um processo estiver em curso e, por motivo de superveniente imposição de foro privativo por prerrogativa de função (exercício de mandato eletivo, assunção de cargo público etc), por exemplo, não haverá que se falar na necessidade de ratificação de quaisquer dos atos até então praticados. É que os aludidos atos teriam sido praticados pelas autoridades constitucionalmente a tanto legitimadas, seja pela competência (juiz), seja pela atribuição (MP), ao tempo e espaço das respectivas práticas.

O novo foro (privativo, então) se limitaria a dar prosseguimento ao processo, no estado em que o mesmo se encontrar.

15.7 Convalidação

A preclusão é a regra de convalidação, por excelência, dos atos processuais nulos. Serão eles convalidados desde que não alegados no prazo previsto em lei, consoante se verifica no rol de oportunidades temporais do art. 571 do CPP.

Nos termos do art. 568, por exemplo, a eventual nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser sanada a todo tempo, mediante ratificação dos atos processuais. O dispositivo, que se dirige diretamente à hipótese de irregularidade na representação judicial (capacidade postulatória) ou naquela decorrente de incapacidade (representante do menor e do incapaz), vem sendo aplicado também nas ações públicas condicionadas à representação, quando esta, a autorização para a instauração da ação, é apresentada por quem não poderia legalmente fazê-lo.

Quanto à oportunidade para a argüição do vício, a regra geral é a manifestação por ocasião das alegações finais (art. 571, I, II e VI) em relação às nulidades ocorridas até aquele momento processual. Após a prolação da sentença, as nulidades relativas (e as absolutas, nos casos excepcionais em que deverão ser argüidas para serem conhecidas) devem ser alegadas nas razões de recurso ou na seção de julgamento, se estas não tiverem sido oferecidas, nos termos do art. 571, VII.

Considera-se também sanada a nulidade por vício ou mesmo ausência de citação, de intimação ou de notificação, nos termos do art. 570 do CPP, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argüi-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte. Nesse caso, e de se ponderar, entretanto, sobretudo quando se tratar de vicio ou de ausência de citação, que a possibilidade de prejuízo à parte deve ser examinada cuidadosamente, na exata proporção da importância do ato a ser realizado.

Lembramos, no ponto, e, por exemplo, que o Pacto de São José da Costa Rica afirma ser direito do acusado ser ouvido com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, bem como de tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa (art. 80, I, 2, c). Assim e porque o interrogatório é meio de defesa, o juiz deverá sempre adiar o respectivo ato quando o acusado somente tiver tomado conhecimento da citação no mesmo dia da realização do aludido ato processual, sob pena de nulidade.

15.8 A Casuística do CPP

Art. 564 do CPP, que a nulidade ocorrerá nos seguintes casos:Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira

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“1 — por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;”

A se registrar apenas o que foi afirmado em relação às hipóteses de vícios incidentes sobre a imparcialidade do juiz. Embora a lei se refira unicamente a suspeição e ao suborno, entende Pacelli que também os casos de impedimentos (arts. 252 e 253, CPP) e de incompatibilidades (art. 112, CPP) configuram vícios passíveis de nulidade do processo, sempre que se puder constatar a afetação da imparcialidade do julgador. Esta, a imparcialidade, é requisito de validade do processo e da própria jurisdição penal. Trata-se de nulidade absoluta, podendo ser reconhecida até mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

“II — por ilegitimidade de parte;”

“III — por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

b) o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167;”

A ressalva feita ao art. 167 é até desnecessária, tendo em vista que é a própria lei (art. 167) que, expressamente, admite a produção de prova testemunhal quando, em infrações que deixam vestígios, estes tiverem desaparecido.

O apontado dispositivo tem em mira o caso em que os vestígios deixados pela infração não tenham ainda desaparecidos. Para Pacelli a anulação do processo nem sempre seria a melhor solução, cita o exemplo, de sentença penal absolutória, havendo recurso do Ministério Público, não vemos como se possa permitir a anulação do julgado, unicamente em razão de inexistência de exame de corpo de delito.

Em primeiro lugar, cumpre observar que o ônus da prova da materialidade e da autoria incumbe ao Ministério Público, órgão estatal responsável pela persecução penal. Não comprovadas estas, por inércia na atuação ministerial, e tendo o juiz de primeira instância se convencido da inexistência de provas suficientes para a condenação, a manutenção da absolvição parece imperativa.

Em segundo lugar, não tendo o Ministério Público cumprido a contento a sua função constitucional, pensamos não ser possível se deferir ao juiz o exercício supletivo de atividade exclusivamente acusatória.

“c) a nomeação de defensor ao réu presente, que não o tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 (vinte e um) anos;”

A ausência de nomeação de defensor ao interrogatório é causa de nulidade relativa, devendo o réu demonstrar o prejuízo daí decorrente.

“d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;”

Trata-se de nulidade absoluta, na medida em que impede a participação de uma das partes no processo.

“e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;”

Inexistindo o comparecimento espontâneo, ocorrerá nulidade absoluta e insanável do processo, por manifesta violação do devido processo legal, na quase totalidade de suas dimensões (ampla defesa, contraditório, a igualdade de forças e/ou paridade de armas etc.).

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Já a referência expressa à ausência do interrogatório é mais um reforço na direção da tese segundo a qual o referido ato processual constitui verdadeiro meio de defesa, sendo possível a sua realização até mesmo após a prolação da sentença, nos termos do art. 616 do CPP. A não-realização injustificada do interrogatório, isto é, a não-renovação do ato quando o réu não tiver comparecido a ele por motivo justificado, é causa de nulidade absoluta do processo, por cerceamento de defesa. Não tendo o réu comparecido ao interrogatório por vontade própria, no exercício de seu direito ao silêncio, não se exige a repetição do ato.

Do mesmo modo, a falta de intimação ou ainda a supressão de prazos para as partes serão também causa de nulidade absoluta do processo, sobretudo em relação à defesa, em face do princípio da ampla defesa.

“f); g); h); i); j); etc.”

Capítulo 16 - Dos Recursos

16.1 Teoria dos Recursos

Sob a perspectiva do interesse do Estado no controle dos atos (jurisdicionais) - preocupação com a qualidade e a regularidade da atividade - a revisão das decisões judiciais por outro órgão jurisdicional seria uma imposição legal, como condição de sua eficácia; sob o ângulo dos interesses dos jurisdicionados - das partes - os recursos se justificariam pela amplitude da defesa.

Nesse ponto, o nosso art. 5º, já repleto de garantias individuais de índole processual, não deixou por menos: no inciso LV.

A exigência constitucional (art. 5º, inciso LV: garante-se, aos litigantes, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes) não deixa margem a dúvidas: como regra, é direito de toda pessoa submetida a processo penal obter nova decisão sobre a matéria de seu interesse. E por nova decisão estamos a nos referir a uma decisão que substitua aquela impugnada na via recursal. A substituição será total, ainda que a decisão reformada seja mantida parcialmente. A decisão de segunda (ou de outra instância) sempre substituirá a reformada ou a mantida, nos limites em que se deu a impugnação recursal, pela razão de se tratar de novo julgamento. A parte da qual eventualmente não se tenha recorrido não será substituída, porque, em relação a ela, ter-se-iam estendidos os efeitos da eficácia preclusiva da coisa julgada.

É possível também que com o recurso se pretenda não a reforma da decisão, ou a sua substituição pelo órgão de instância superior, mas, sim, a sua anulação. Nesse caso, quando se tratar de alegação de nulidade do processo ou da decisão, o que ocorrerá é a sua desconstituição, a reclamar a renovação do ato na mesma instância recorrida.

Para Pacelli o duplo grau de jurisdição integra o exercício da ampla defesa, como uma de suas manifestações, e, mais, diríamos nós, uma de suas manifestações mais importantes, mas não é a única que se prevê para o controle de legalidade e de justiça das decisões judiciais penais.

Em relação à possibilidade de demonstração da inocência do acusado, nosso ordenamento sequer impõe limites temporais, tendo em vista a existência da ação de revisão criminal e mesmo do habeas corpus, manejáveis ainda que já passada em julgado

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira227

a sentença condenatória. Nesses casos, todavia, não se cuidará de recurso, mas de ações autônomas de impugnação, pois a legislação brasileira reserva àquele a função de impugnação, exclusivamente, de decisões ainda não transitadas em julgado.

16.1.1 Princípios

16.1.1.1 O duplo grau

A exigência do duplo grau de jurisdição, enquanto garantia individual, permite ao interessado a revisão do julgado contrário aos seus interesses, implicando o direito à obtenção de uma nova decisão em substituição à primeira.

Para que se possa falar rigorosamente em duplo grau é preciso que a revisão seja feita por outro órgão da jurisdição, hierarquicamente superior na estrutura jurisdicional. Não é o caso, por exemplo, do juízo de retratação que poderá ocorrer no recurso em sentido estrito e no agravo de execução, ou ainda a revisão decorrente dos embargos declaratórios.

É importante salientar, porém, que a exigência do duplo grau não alcança a instância extraordinária, isto é, aquela cuja provocação se dá por meio de recurso extraordinário e/ou recurso especial. A justificação de tais recursos é distinta daquela do duplo grau. A jurisdição do Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça, quando alcançadas pelos mencionados recursos, cumprem outra missão, qual seja a da tutela, pela via difusa, da unidade da Constituição e da legislação infraconstitucional, respectivamente.

Assim, em uma ação penal da competência originária dos tribunais de segunda instância, por exemplo, não se poderá alegar violação ao duplo grau de jurisdição, pela inexistência de recurso ordinário cabível. O referido órgão colegiado, nessas situações, estará atuando diretamente sobre as questões de fato e de direito, realizando, então, a instrução probatória e o julgamento. Estará garantido, portanto, o reexame da matéria por mais de um único juiz (a pluralidade da decisão, pois), sobretudo quando a competência para o julgamento for atribuída, no respectivo Regimento Interno, ao Plenário do Tribunal. De todo modo, o afastamento da exigência do duplo grau em tais casos decorreria da própria Constituição.

Excepcionalmente, também o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça exercerão jurisdição ordinária recursal, ao julgarem determinadas causas em recurso ordinário, tal como previsto no art. 102, II, a e b, e art. 105, II, a, b e c, da Constituição da República. Em matéria penal a hipótese seria a de julgamento de crimes políticos (STF), e de decisão denegatória de habeas corpus na instância imediatamente inferior a cada um deles. Se concessiva a ordem, somente serão cabíveis, e se for o caso, os recursos de natureza extraordinária (recurso especial e extraordinário).

1.6.1.1.2 A voluntariedade dos recursos

Em apenas quatro situações, o legislador do CPP condicionou a validade da decisão judicial ao reexame da matéria pelo órgão de hierarquia superior. O dado comum

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a todas elas é veicularem decisões contrárias aos interesses das funções acusatórias e/ou persecutórias.

São elas:

a) da decisão concessiva de habeas corpus (art. 574, I);

b) da decisão de absolvição sumária (art. 411) proferida por juiz singular em procedimentos do Tribunal do Júri (art. 574, II);

c) da decisão absolutória e de arquivamento de inquérito, em processos de crimes previstos na Lei 1.521/50 (crimes contra a economia popular), conforme previsto no art. 7º da citada lei;

d) da decisão que conceder a reabilitação (art. 746, CPP).

Para Pacelli, apenas a decisão de absolvição sumária nos procedimentos do Tribunal do Júri é que poderia enquadrar-se em um conceito mínimo de interesse público, a justificar o controle obrigatório (a revisão) do ato judicial, pois ela (decisão) é medida excepcional, tendo em vista que, em princípio, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A exigência de confirmação da decisão pelo órgão revisor é aceitável, já que se cuidaria do afastamento de competência constitucionalmente assegurada.

No que se refere então à decisão absolutória e de arquivamento de inquérito em processos relativos aos crimes previstos na Lei n. 1.521/50 (crimes contra a economia popular), Pacelli afirma não ter dúvidas quanto a sua revogação pela ordem constitucional de 1988, pois ainda que a referida lei mantenha vigentes algumas de suas disposições, o fato é que a matéria relativa aos crimes contra a economia popular encontra-se regulada na atual Lei n. 8.137/90, na qual não se previu qualquer exigência de reexame necessário. Em segundo lugar, e é o quanto basta, a referida decisão absolutória é proferida no curso de ação penal condenatória, proposta, em regra, pelo Ministério Público, sendo este o único legitimado a renovar o pedido de condenação perante a instância de segundo grau (o juiz não possui mais iniciativa para a ação penal devido a adoção do sistema acusatório). Sendo ele participante ativo do processo não há razão para o reexame necessário. E no caso de decisão de arquivamento, é de se notar que a mesma pressupõe requerimento expresso do próprio órgão da acusação.

Atente-se para o fato de que a jurisprudência majoritária dos tribunais é em sentido contrário ao que sustenta Pacelli, à exceção da permanência do reexame necessário da decisão de absolvição sumária, em que todos estão (e estamos) de acordo.

Por fim, é de se ver que a conseqüência jurídica do não atendimento ao reexame necessário é gravíssima; a decisão não produzirá efeitos, enquanto não confirmada em segunda instância, à exceção da imediata colocação do réu em liberdade, nos casos de absolvição sumária e do habeas corpus.

Apreciadas, então, as exceções, passemos então ao exame da regra geral: os recursos são voluntários, a depender da manifestação de vontade dos interessados na reforma ou na anulação do julgado (art. 574).

1.6.1.1.3 A unirrecorribilidade

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira229

Como regra, para cada decisão será cabível um único recurso. O princípio na verdade, busca atender às exigências de operacionalidade do sistema recursal, evitando a acumulação de impugnações sob o mesmo fundamento.

Assim, por exemplo, o art. 593 § 4º do CPP dispõe que quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra.

Referido dispositivo cuida da possibilidade de a decisão judicial final conter disposições tipicamente interlocutórias, como aquelas previstas no art. 581, V (cassação de fiança, concessão de liberdade provisória, relaxamento de prisão, etc.), ao lado do provimento de mérito, sujeito à apelação. Assim, a parte deverá interpor unicamente o recurso de apelação, no qual incluirá também a matéria objeto da decisão de conteúdo interlocutório.

Há, porém, exceções, vinculadas à natureza da decisão e da coincidência, ou não, do órgão competente para a revisão.

Nos crimes da competência do Tribunal do Júri, por exemplo, é cabível o protesto por novo júri e a apelação, podendo a parte poderia interpor ambos os recursos. Entretanto, o julgamento do protesto por novo júri como intuitivo, é manifestamente prejudicial à apreciação da apelação, já que, do novo julgamento pelo júri, poderá resultar a absolvição do acusado ou até mesmo a drástica redução da pena, de modo a tornar até mesmo sem objeto o conteúdo da apelação, se for o caso. Por isso, prevê o art. 607, § 2º que o protesto invalidará qualquer outro recurso interposto.

Quando, porém, se tratar de condenação no júri por mais de um crime, será possível a interposição de ambos os recursos, se cabível o protesto em relação a um deles e a apelação para o outro (art. 608, CPP). Nesse caso, a apreciação da apelação permanecerá suspensa até a decisão do novo julgamento do júri, cujo resultado poderá atingir a matéria contida na apelação.

Outra exceção à regra da unirrecorribilidade, com as mesmas características, diz respeito à interposição concomitante de recurso especial, para o Superior Tribunal de Justiça, e de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, quando presentes os requisitos de cabimento de um e outro.

Outra: tratando-se de sucumbência recíproca, poderá ocorrer a interposição de recursos distintos, manejados, porém, por partes também distintas, como ocorre, por exemplo, em relação à possibilidade de interposição concomitante de recurso ordinário (art. 102, II, a; art. 105, II, a, CF) pela defesa, e de recurso especial ou extraordinário, pela acusação.

16.1.1.4 A fungibilidade dos recursos

Trata-se da possibilidade do conhecimento dos recursos pelo órgão de revisão (competente para o seu julgamento), independentemente do acerto quanto à modalidade recursal prevista na lei.

Diz o art. 579 do CPP que, salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso pelo outro, devendo a autoridade judicial mandar processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível (parágrafo único).

Devido a subjetividade da má-fé, a jurisprudência dos tribunais (STF, RTJ 92/123) cuidou de estabelecer um critério objetivo para o acolhimento do princípio da

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fungibilidade: a observância, concreta, da tempestividade da impugnação oferecida. Aceita-se, sim, um recurso pelo outro, desde que observado o prazo do recurso legalmente cabível.

Pacelli defende que deveria se permitir a utilização do princípio da fungibilidade em casos específicos, mesmo quando interposto fora do prazo, quando puder ser demonstrada a boa-fé do recorrente, diante da eventual complexidade da matéria. Cita um exemplo: na hipótese de interposição de agravo de execução (art. 197, LEP), qual o rito procedimental cabível? O de agravo de instrumento do CPC por analogia (já que inexistente rito específico no CPP ou na LEP), ou o recurso em sentido estrito (art. 581, CPP)? A escolha de um ou de outro implicará a adoção de prazos diferentes.

1.6.1.1.5 A vedação da reformatio in pejus

O que vem expresso no art. 617 do CPP, em relação ao recurso de apelação, é também aplicável a todas as modalidades de impugnações recursais, constituindo o relevante princípio da proibição da reformatio in pejus.

Para Pacelli a vedação da reformatio in pejus outra coisa é uma das manifestações da ampla defesa. Aponta que aquele que vislumbrasse a possibilidade de piora de sua situação, pela só apreciação do recurso por ele interposto, certamente a tanto não se animaria, tendendo a se conformar com a sentença condenatória, mesmo quando inocente.

Nesse sentido, o que alguns autores denominam de reformatio in mellius, que consistiria na alteração favorável da situação do réu em recurso exclusivo da acusação, seria perfeitamente possível, pela ausência de qualquer obstáculo de índole constitucional.

Sob tal perspectiva, nada justifica a vedação da reformatio in mellius, que na verdade será sempre in pejus para a acusação (recorrente). Não há sequer norma legal expressa nesse sentido, como há em relação à reforma prejudicial ao acusado (art. 617). O argumento do respeito aos limites objetivos do recurso (vinculação do tribunal ao pedido expresso contido no recurso), por vezes utilizado, data venia, é insustentável.

Primeiro, porque reduzido a uma principiologia de natureza exclusivamente infraconstitucional, que não pode ser oposta aos princípios constitucionais aqui apontados. Segundo, porque o Estado, em uma ordem de Direito, por quaisquer de seus órgãos, e em qualquer fase ou momento processual, tem o dever da correta aplicação da lei penal, a partir do convencimento judicial nesse sentido. Em terceiro lugar, porque o próprio ordenamento permitiria a revisão do julgado em favor do acusado, em sede de habeas corpus de ofício ou até por meio de revisão criminal. Sendo assim não há razão para que não o permita desde logo.

De outro lado, em se tratando de procedimentos da competência do Tribunal do Júri, a soberania do júri popular constituirá obstáculo à vedação da reformatio in pejus. Por isso, na hipótese de realização de novo julgamento — se anulado o anterior, ou mesmo em decorrência da utilização do protesto por novo júri—, a nova decisão poderá piorar, validamente, a situação do réu, na hipótese, por exemplo, de reconhecimento de agravantes, causas de aumento ou mesmo qualificadoras não apreciadas ou rejeitadas no julgamento anterior.

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Todavia, se a decisão do novo júri for igual à primeira, no que concerne à definição do crime e de suas circunstâncias, não poderá o juiz-presidente agravar a situação do acusado, exclusivamente por ocasião da dosimetria (fixação) da pena.

Quanto à proibição da chamada reformatio in pejus indireta, via da qual, no caso de anulação da sentença, por qualquer vício (à exceção da incompetência absoluta, quando ela é incabível), a nova decisão não poderia superar a condenação imposta anteriormente, ressalvados os casos do Tribunal do Júri.

16.1.2 Regras: suplementariedade, complementariedade etc.

Alguns autores arrolam entre os princípios atinentes aos recursos o da suplementariedade e o da complementariedade (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES. Recursos..., cit., p. 38-39), bem como o da taxatividade.

A taxatividade, para Pacelli ganha importância com relação as decisões interlocutórias, umas passíveis de recurso e não sujeitas à preclusão por ausência de argüição oportuna. Para as interlocutórias a taxatividade será regra particular e não como princípio.

No entanto a questão da taxatividade dos recursos não pode constituir obstáculo ao exercício da ampla defesa, na medida em que se perceba e se constate a superação do antigo CPP por inúmeras leis a ele posteriores, e na quais foram criadas novas decisões interlocutórias, que, tais como as mistas, estejam a reclamar impugnação pela mesma via (do recurso em sentido estrito, art. 581, CPP).

Fala-se, de outro lado, em complementariedade dos recursos em relação à possibilidade de integração da impugnação já oferecida, se houver mudança na decisão judicial, seja para correção de erro material, seja em razão do acolhimento de outro recurso, em que seja possível o juízo de retratação. Nesse caso, o que ocorrerá é praticamente a renovação do prazo recursal para a apresentação de novo recurso, adequado às modificações operadas na nova decisão. A matéria sobre a qual não se estender a alteração do julgado não poderá ser objeto de nova impugnação, daí por que falar-se apenas em complementariedade.

Por suplementariedade ou suplementação dos recursos deve-se entender a possibilidade de renovação da iniciativa recursal já manifestada. E dizer: como regra, proferida a decisão e uma vez interposto o recurso contra a mesma, argumenta-se que teria havido preclusão consumativa das vias recursais, suficiente a acarretar a perda da faculdade processual já exercida (ou seja, a interposição de novo recurso). Entretanto, tal não ocorrerá quando, para a aludida decisão, for cabível mais de uma modalidade recursal.

16.1.3 Disponibilidade

Como contrapartida ao princípio da voluntariedade dos recursos, tem-se também que a parte recorrente poderá desistir do recurso já aviado, desde que haja disponibilidade quanto à atuação no processo, o que é vedado ao Ministério Público (art. 576), como mera conseqüência do princípio geral da obrigatoriedade.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira232

O MP não é obrigado a recorrer, podendo até recorrer em favor do réu. Mas, uma vez interposto o recurso, a opinio delicti deve ser encaminhada ao órgão recursal, por força da mesma obrigatoriedade.

Se houver conflito entre a vontade do réu e o entendimento (de fato e de direito) de seu defensor, normalmente, afirma-se que a decisão sobre a divergência deve pender para o lado do defensor, em razão de seus conhecimentos técnicos, e de modo a priorizar a manifestação defensiva.

Na prática, para Pacelli, a questão deve ser examinada no caso concreto, em relação ao réu preso, para permitir a ponderação acerca das vantagens e/ou desvantagens decorrentes de um início de execução penal (e, assim, da desistência do recurso interposto), a depender das condições pessoais do réu e das possibilidades concretas de provimento do recurso aviado. Já que poderá ocorrer que o início do efetivo cumprimento da pena em regime penitenciário se revelará mais vantajoso para o acusado. Assim, a desistência do recurso interposto permitiria o início da execução da pena, no curso da qual ele poderia fazer uso de alguns benefícios ali previstos.

Elaborado por: Maíra Queiroz, SimoneHB, Silvana S. Lahutte e Victor Pugachev.

Atualizado e ampliado por Mariana Férrer ([email protected]).

16.1.4. Efeitos dos Recursos

16.1.4.1. Efeito suspensivo

O provimento judicial final não nasce produzindo todos os efeitos nele contidos. Apenas se não interposto o recurso no prazo certo, sentença passará a gerar todos os seus efeitos, apresentando então eficácia plena.

Manifestada a impugnação, ficará temporariamente afastada a preclusão das questões então decididas. Entretanto, algumas dessas questões contidas na decisão, embora não preclusas, poderão gerar efeitos desde logo.

A definição da matéria a ser apreciada pelo órgão de revisão, bem como a sua capacidade para a produção de efeitos imediatos, autoriza uma primeira distinção em sede de recursos, em relação aos seus efeitos:

- efeito suspensivo: ocorre quando a matéria decidida não puder produzir qualquer efeito, tão-somente em razão da interposição do recurso (isto é, do afastamento da preclusão). O recurso prolongaria a suspensão dos efeitos que acompanha a decisão desde o seu início (suspensão vinculada à existência de prazo para a interposição de recurso);

- efeito devolutivo: refere-se à quantidade e qualidade da matéria devolvida ao conhecimento da instância recursal.

A apelação interposta contra sentença condenatória terá sempre o efeito suspensivo. Quando na própria sentença houver de ser decretada ou mantida a prisão, tal não decorrerá do fato da condenação em si, mas da adoção de medida cautelar.

O mesmo não ocorrerá quando se tratar de sentença absolutória, eis que o CPP 596 determina que o recurso contra ela interposto não terá efeito suspensivo.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira233

16.1.4.2. Efeito devolutivo

O efeito devolutivo refere-se à identificação da matéria devolvida ao conhecimento da instância recursal. Em princípio, o só fato da admissibilidade do recurso autoriza a conclusão no sentido da devolução, mínima que seja, das questões resolvidas na instância a quo.

Como os recursos são voluntários, caberá ao interessado delimitar a matéria a ser objeto de reapreciação. Daí o tantum devolutum quantum apellatum, ou seja, a matéria a ser conhecida (devolutum) em 2a instância dependerá da impugnação (apellatum).

Nesse caso, o efeito devolutivo será analisado:

quanto à sua extensão, quando se buscará demarcar as questões a serem reexaminadas. Quanto à extensão, o efeito devolutivo poderá revelar-se reduzido, dependendo da matéria impugnada.

quanto à sua profundidade, sendo que o âmbito de apreciação do recurso será o mais amplo possível.

Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar. (Barbosa Moreira).

Em processo penal, o exame em profundidade inclui até mesmo a repetição de provas já realizadas, inclusive novo interrogatório do réu (CPP 616, aplicável não só às apelações). A devolução da matéria encontraria limites quanto à sua extensão, e não em relação à profundidade.

E eventual risco de supressão de um grau de jurisdição se localizaria na extensão do recurso e não na profundidade do exame da matéria.

“Como não se concebe que a extensão da matéria impugnada seja maior que a da matéria decidida, o julgamento do tribunal nunca terá objeto mais extenso que o da sentença apelada” (Barbosa Moreira).

16.1.4.3. Efeito extensivo e iterativo

Em regra, os recursos são interpostos no interesse exclusivo de quem deles faz uso. Contudo, no concurso de agentes, sempre que a solução da questão penal tiver de ser uniforme para todos os envolvidos, ela poderá ser estendida a todos os autores e/ou partícipes (CPP 580). Tratar-se-ia, então, do que a parte da doutrina chama de efeito extensivo do recurso.

Observe-se que, a rigor, não se pode distinguir o efeito extensivo do efeito devolutivo. O que ocorre, na extensão do julgado, é mera aplicação da devolução do recurso, para abranger terceiros que não se interessaram em recorrer. Não se cuida de um efeito que reclame classificação autônoma na teoria dos recursos.

Efeito iterativo (= regressivo = diferido): é a devolução do recurso ao próprio órgão prolator da decisão impugnada, como ocorre no juízo de retratação do Recurso em

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Sentido Estrito (CPP 598, § único). Este “efeito iterativo”, assim como o extensivo, também é mera devolução da matéria ao mesmo órgão da jurisdição.

16.1.5. Classificação dos Recursos

Classificação segundo o grau da jurisdição a ser atingida:

- recursos ordinários: a via ordinária dos recursos insere-se no conceito do duplo grau. Para o seu acesso basta a observância dos requisitos gerais de admissibilidade dos recursos.

- recursos extraordinários: a via extraordinária atinge o 3o grau de acesso às instâncias recursais, que é mais limitado, de modo a se impedir uma eternização dos recursos. É o caso do Recurso Especial e Recurso Extraordinário.

Não é a situação hierárquica do órgão da jurisdição que definirá a qualidade do recurso (como ordinário ou extraordinário), eis que os Tribunais Superiores também exercem jurisdição ordinária.

Obs: a competência originária dos Tribunais Superiores para o julgamento de HC não se insere na presente classificação, haja vista que o HC não é uma espécie de recurso, mas uma ação autônoma de impugnação, a ser exercitada tanto antes como após o trânsito em julgado da ação penal condenatória.

Com relação à quantidade da matéria impugnada:

recursos totais (= integrais): dirigem-se à totalidade da decisão impugnada.

recursos parciais: não se dirigem à totalidade da decisão.

A doutrina ainda classifica os recursos em recursos voluntários e recursos de ofício. Contudo, não pode existir um recurso provocado exclusivamente pelo juiz que, no sistema acusatório, não tem iniciativa penal e, por isso mesmo, iniciativa recursal.

O que ocorre com o “recurso de ofício” é o condicionamento legal da eficácia da decisão ao seu reexame necessário (decorrente de lei, e não da iniciativa do juiz), por outro órgão da jurisdição, imediata e hierarquicamente superior.

16.1.6. Juízo de Admissibilidade dos Recursos

Há 2 fases inteiramente distintas na apreciação do recurso: o juízo de admissibilidade (em que se examina acerca do conhecimento do recurso) e o juízo de mérito (em que se examina o provimento, ou não, do recurso):

Juízo de admissibilidade:

- quando se conhece do recurso, ele é admitido, no sentido de preencher os requisitos legais para o seu exame pela instância recursal;

- o não conhecimento do recurso implicará a manutenção da decisão recorrida, em sua inteireza.

Juízo de mérito:

- o provimento do recurso significa o reconhecimento da procedência da impugnação, com a reforma ou a anulação do julgado anterior.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira235

No caso de reforma, a nova decisão substituirá inteiramente a anterior, ainda quando o provimento do recurso seja parcial. A decisão do tribunal configura nova solução da matéria, em substituição àquela, objeto do recurso.

Na hipótese de anulação, haverá desconstituição da decisão anterior, renovando-se a competência do juiz para novo julgamento.

Com isso, identificado o responsável pela decisão, estará definida a competência para uma eventual revisão criminal e para a impetração de HC. Nos termos da CF 102, I, j, compete ao STF o julgamento da revisão criminal de seus julgados. E a competência só poderá ser afirmada na hipótese de conhecimento do recurso ali aviado, quando aquele tribunal efetivamente apreciará o fato e o direito da questão penal. Caso não conhecido o recurso, a competência será do Tribunal que tiver proferido a decisão então impugnada por revisão criminal.

A lei estabelece alguns requisitos mínimos para o conhecimento do recurso pelo tribunal ad quem. Do mesmo modo que ocorre em relação aos pressupostos processuais e às condições da ação, a matéria relativa aos requisitos de admissibilidade dos recursos pode e deve ser conhecida de oficio. Ou seja, o juízo de admissibilidade do recurso é feito pelo próprio órgão recorrido (juízo de prelibação) e, também, pela instância recursal.

O juízo de prelibação, que funciona como um filtro quanto à pertinência e ao cabimento do recurso, não vincula o órgão ad quem.

E, mais. Mérito do recurso é diferente do mérito da ação penal, ainda que muitas vezes o seu objeto seja o mesmo.

O mérito do recurso é o pedido que nele se contém, através do qual se delimita a quantidade e qualidade da matéria a ser apreciada, quando, então, poderá não coincidir exatamente com o mérito da ação penal. Ex: recurso para agravamento da pena, em que o recorrente não se insurge contra o mérito da ação penal, mas contra a aplicação da pena.

16.1.6.1. Requisitos objetivos

Pressuposto (que, para Pacelli, é apenas o antecedente lógico necessário à própria existência do objeto, em cujo campo se poderá afirmar a validade ou invalidade das atividades nele desenvolvidas) de um recurso seria apenas a existência de uma decisão judicial.

Os requisitos do recurso seriam a oportunidade, a forma, o meio e demais condicionantes do exercício do direito ao recurso.

Requisitos objetivos de admissibilidade dos recursos são todos aqueles que, previstos em lei, não estejam relacionados diretamente com a identificação ou com uma particularidade específica do sujeito recorrente: cabimento, tempestividade, inexistência de fatos impeditivos e motivação.

a) cabimento: é a previsão legal da existência e também das condições de exercício de determinado recurso.

A maior parte da doutrina inclui, entre os requisitos de admissibilidade do recurso, a adequação, entendida com a identificação da espécie recursal cabível. Para Pacelli, porém, essa classificação parece inútil em uma ordem que prevê a fungibilidade

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dos recursos, como regra. Não será pelo equivoco no endereçamento do recurso que ele não será admitido, se interposto no prazo daquele efetivamente cabível.

Não se incluiria também no juízo de adequação o atendimento às especificidades de determinados recursos, como p. ex., em relação aos recursos de fundamentação vinculada (que seriam aqueles em que a impugnação deve se dirigir especificamente a determinadas questões, normalmente de direito, como p. ex. o RE e Resp. Mas poderá ocorrer também em relação às questões de fato, como se dá na apelação prevista no CPP 593, III, contra decisões do tribunal do júri).

Mas mesmo nos recursos de fundamentação vinculada, o que parece ocorrer não é um juízo de adequação, mas de simples cabimento do recurso. Ou seja, naquela situação, o recurso somente seria cabível para o fim de questionar, p. ex., a contrariedade da sentença do juiz-presidente à lei expressa ou à decisão dos jurados (CPP 593, III, b). Se o objeto do recurso fosse outro, o caso seria, segundo Pacelli, de não cabimento dele, e não de inadequação. A inadequação, quando for o único problema, pode ser afastada pela regra da fungibilidade.

O cabimento se afere pela previsão legal do recurso, nas condições em que ali estabelecido. Há decisões, como a maioria das interlocutórias simples, para as quais não é previsto qualquer recurso e nem aquele previsto para situações semelhantes, como é o caso do recurso em sentido estrito (cabível para algumas interlocutórias simples, e para as demais, mistas), já que a matéria poderá ser reexaminada na hipótese de apelação.

b) Tempestividade. A exigência de manifestação tempestiva dos recursos é corolário lógico dos efeitos preclusivos das decisões. Por isso, os recursos têm prazo certo, para o seu exercício. Prazo esse inevitavelmente previsto em lei e cujo afastamento (prorrogação) somente será possível nos casos previsto sem lei ou em situação equivalente, admitida pelo Direito. São os casos de força maior, caso fortuito, obstáculo judicial criado ou não pela outra parte, etc. Ex: CPP 575.

c) Inexistência de fatos impeditivos. Há casos em que a lei veda expressamente a admissibilidade e/ou o conhecimento do recurso, em atenção a determinadas situações objetivamente consideradas.

Como o recurso é voluntário, poderão ocorrer casos em que a vontade da parte se dirija exatamente me sentido contrário: pela não interposição do recurso. E tal poderá ocorrer antes (através da renúncia) ou depois (desistência) do oferecimento da impugnação recursal. Tanto a renúncia como a desistência terão a mesma eficácia: o não conhecimento do recurso. Na hipótese de desistência, o recurso poderá até mesmo ter sido já admitido na instância originária, quando se poderá falar em fato extintivo de sua admissibilidade pela segunda instância.

A renúncia há de ser expressa, pois, tratando-se de matéria ligada à ampla defesa, quaisquer restrições de direito devem ser bem caracterizadas. Obviamente, em se tratando de desistência, a manifestação de vontade também deverá ser expressa, em razão da já existência de recurso.

Com referência à possibilidade de divergência entre a vontade de recorrer do réu e de seu defensor caso em que se pode falar, com pertinência, em renuncia , há de prevalecer, como regra, a iniciativa recursal, porque inserida no contexto da ampla defesa. Só excepcionalmente, a partir do exame do caso concreto, é que o sopesamento das vantagens e desvantagens da realidade prática poderá indicar a prevalência do interesse do acusado em não recorrer.

Em relação ao MP, a obrigatoriedade da ação penal impõe também a indisponibilidade do recurso. O MP não pode renunciar nem desistir do recurso interposto

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(CPP 576). Não há que se falar em renúncia se o MP concorda com a decisão judicial ou deixa escoar o prazo sem apresentar recurso, porque a renúncia exige manifestação expressa.

Há ainda outros fatos que podem impedir/extinguir a admissibilidade do recuso, casos específicos da deserção e do recolhimento obrigatório à prisão (CPP 594 e 594). Para Pacelli, toda prisão antes do trânsito em julgado somente será possível na medida de sua cautelaridade. Deverá ser sempre uma prisão cautelar e por isso indispensável. Assim, não poderá ser imposta unicamente como efeito da sentença condenatória. Quanto à deserção e/ou o não conhecimento do recurso pelo não recolhimento à prisão ou pela fuga, a inconstitucionalidade da medida é patente, no ponto em que viola a ampla defesa constitucional, prestando-se unicamente a servir aos interesses punitivos, enquanto instrumento de coação estatal.

d) Motivação: a regra é que os recursos, além de delimitar a matéria impugnada, devem montar também a fundamentação da incorformidade.

Todavia, como o CPP 577 prevê a possibilidade de recurso até mesmo pelo réu pessoalmente, haverá caso sem que a motivação do recurso é dispensada. Ex: CPP 578, 601. A regra, no âmbito dos recursos da via ordinária, dispensa motivação para o respectivo conhecimento. Mas tal ocorre somente em relação aos recursos sem fundamentação vinculada ou da competência da jurisdição ordinária.

Para os recursos de fundamentação vinculada ou da competência da jurisdição extraordinária, a motivação constitui-se em um dos requisitos de cabimento do recurso. Nesse caso, a falta de motivação implicará o não conhecimento do recurso.

16.1.6.2. Requisitos subjetivos

São: legitimidade, interesse e suculência.

a) Legitimidade: o processo penal é bastante flexível no que se refere à legitimação para os recursos. Segundo o CPP 577, podem recorrer o MP, o querelante, o réu ou seu procurador ou defensor. A legitimação é a mais ampla possível, permitindo até que o procurador e/ou defensor recorram, em nome próprio, em favor do acusado.

Nas ações penais privadas, a doutrina e a jurisprudência concordam que o MP não tem legitimidade para recorrer em favor do querelante, pois a ação privada é disponível. Quanto à decisões condenatórias, nas ações privadas, todos admitem que o MP é legitimado par ao recurso, na qualidade de custos legis, podendo recorrer tanto para agravar a pena como para requerer a absolvição do querelado.

Também o ofendido (ou seu representante legal), nas ações penais públicas, poderá recorrer na qualidade de assistente. Se já estiver habilitado, prazo será o mesmo do MP; se não estiver, poderá apelar no prazo de 15 dias, contados do término do prazo do MP (CPP 598, § único).

A capacidade recursal do assistente limita-se às matérias contidas no CPP 584 § 1o (decisão de impronúncia e extinção de punibilidade), e CPP 598 (decisão proferida por juiz singular e Tribunal do Júri). Respeitada a matéria, a iniciativa recursal do assistente poderá ser exercida até na via extraordinária (Súmula 210 STF).

Ainda, qualquer do povo pode se insurgir contra a inclusão de jurados na lista geral (CPP 439). E a legislação esparsa também prevê que outras pessoas (além das mencionadas no CPP 577) poderão recorrer na ação penal. Ex: o art. 80 da Lei 8.078/90

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confere legitimação às associações dedicadas à tutela do consumidor para ingressarem como assistentes do MP, o que lhes atribui capacidade recursal.

b) Interesse e sucumbência. Nos termos do CPP 577, § único, “não se admitirá recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão”. Normalmente, a noção de interesse é extraída da definição de sucumbência.

Sucumbente é aquele cuja expectativa juridicamente relevante não tenha sido atendida na decisão judicial.

Para a acusação, qualquer decisão que não atenda a totalidade da expectativa possível de condenação pode ser encarada como prejudicial a ela; para a defesa, só a absolvição poderia afastar inteiramente a sucumbência do acusado.

Em relação à acusação, configuraria interesse de recorrer a pretensão recursal tendente ao aumento de pena, à modificação da tipificação do fato, ou de qualquer outra circunstancia legal que piore a situação do réu.

Entretanto, no campo das ações penais públicas, como o MP é órgão absolutamente imparcial incumbido da tutela da ordem jurídica e da fiscalização da observância das leis penais , não há, em relação a ele, qualquer restrição quanto ao manejo de recurso em favor do acusado, seja para diminuição de pena, seja para absolvição, enfim, para a melhoria da situação do réu.

Exame do interesse de recorrer da defesa, sob a perspectiva da sucumbência.

“... é vencida a parte quando a decisão não lhe tenha proporcionado, pelo prisma prático, tudo que ela poderia esperar, pressuposta a existência do feito”.

“... não legitima a interposição do recurso a simples discrepância entre as razoes de decidir e os argumentos invocados pela parte; ou, em outras palavras, que só se admite o recurso contra o dispositivo, e não contra a motivação” (Barbosa Moreira).

Em matéria processual penal, a questão acerca da limitação do interesse aos dispositivos da sentença, e não à respectiva motivação, oferece contornos interessantes, em razão de prever o CPP 386 que “... o juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva”. Quer dizer, a sentença absolutória menciona a motivação na própria parte dispositiva da sentença. Entretanto, a matéria não deixará de constituir motivação do julgado, sobretudo para a definição do interesse em recorrer.

Com efeito, se absolvido o réu por ausência de provas (CPP 386, IV), embora a decisão fundada na prova da inexistência do fato (CPP 386, I) fosse mais vantajosa a ela no campo patrimonial, não há como negar a ausência de interesse recursal. O fato de existir no ordenamento processual penal uma modalidade de sentença absolutória que afasta também a responsabilidade civil não implica a conclusão no sentido de que estaria configurado então um direito subjetivo a semelhante provimento judicial. Não. O interesse recursal há de ser aferido no âmbito das expectativas possíveis e realizáveis no processo penal, abstraídas quaisquer outras ordens de consideração, mesmo que juridicamente relevantes, como é o caso da responsabilização civil.

Por outro lado, quanto à modificação do dispositivo da sentença, Pacelli entende que o réu teria legitimo interesse me recorrer na hipótese de decisão extintiva da punibilidade. A extinção da punibilidade constitui a parte dispositiva da decisão e, por isso, a sua alteração para sentença de absolvição poderia trazer reflexos mais favoráveis aos interesses do acusado, no âmbito mesmo dos efeitos penais do processo.

Questões: no caso de sentença reconhecendo a extinção da punibilidade, poderia o tribunal reformá-la para, desde logo, condenar ou absolver o réu? Tal

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entendimento poderia implicar supressão de instância na medida em que o Juízo de primeira instância não teria se manifestado sobre questões tipicamente de mérito. Então, entendendo a Corte que não estaria presente a alegada causa extintiva, a solução seria a devolução dos autos à origem para a apreciação de todos os aspectos.

Poderia então o juiz da instância originária proferir sentença condenatória, ou estaria ele submetido à vedação da reformatio in pejus indireta, na hipótese de recuso exclusivo da defesa?

Pacelli entende que a melhor solução seria a aplicação do princípio da vedação da reformatio in pejus indireta. É que, embora o CPP 617 se refira às decisões apeláveis (sentenças), a justificação da norma é a mesma: a tutela do exercício da ampla defesa, evitando-se a inibição da utilização das vias recursais pela defesa. Por óbvio, caso presente recurso do MP, o problema inexistiria.

Como se vê, no exemplo dado, a admissibilidade da existência de interesse de recorrer (para alterar o dispositivo da sentença para absolutória) na prática não deixa de trazer alguns inconvenientes.

Mas se a decisão de extinção da punibilidade ocorrer em 2a instância, no julgamento do recurso da defesa contra sentença condenatória em 1o grau, Pacelli entende que o acusado teria legítimo interesse na busca de uma decisão absolutória, mais vantajosa que a decisão que simplesmente declara a ausência de pretensão punitiva.

O artifício apto a justificar a ausência de interesse nesse caso situa-se na questão da substituição da decisão de 1o grau pela de 2º. Não haveria, pois, condenação, já que a decisão do tribunal, no sentido da extinção da punibilidade, substituiria aquela. Teoricamente, a tese é razoável. Mas, na prática, a situação de condenação em 1a instância permaneceria aos olhos da comunidade e do direito penal. Afinal, quem garante que essa condenação anterior, afastada pela prescrição p. ex., não seria levada em silenciosa consideração num futuro processo penal?

16.2. Da Apelação

Segundo a classificação dos atos processuais em despachos, decisões interlocutórias (mistas e simples, decisões com força de definitiva e sentenças propriamente ditas, apenas estas duas últimas seriam apeláveis. E tanto as decisões com força de definitiva quanto às sentenças têm o efeito de extinguir o processo com julgamento de mérito. E mais, com a efetiva apreciação do mérito.

As sentenças, ao contrário das decisões com força de definitivas, julgam a própria pretensão punitiva, decidindo definidamente as questões relativas à existência de um fato, à delituosidade desse fato e sobre a respectiva autoria. Definem, enfim, se é caso de condenação ou absolvição, incluindo a chamada absolvição imprópria (através da qual se reconhecem a existência, a tipicidade e a ilicitude do fato, mas se afasta a culpabilidade do atente, terminando por impor medida de segurança ao acusado – CPP 386, parágrafo único, III).

As sentenças ao contrário de algumas interlocutórias (que excepcionalmente resolvem o mérito) julgam definitivamente a questão penal. Reservado às interlocutórias o recurso em sentido estrito, a apelação se dirigiria às sentenças de mérito e as decisões com força de definitivas.

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16.2.1. Cabimento

As decisões com força de definitivas (item 13.2.2), tal como as sentenças, apreciam o mérito, com uma diferença: aquelas julgam o mérito não da pretensão punitiva, mas de questões e/ou processos incidentes. Têm como características o fato de extinguirem o procedimento, com julgamento do respectivo mérito.

Como a sentença aprecia e julga o mérito da pretensão punitiva, a apelação é o recurso que permite a maior amplitude quanto a matéria impugnável, devolvendo ao tribunal toda a matéria de fato e de direito, segundo a aplicação do tantum devolutum quantum apellatum, isto é, nos limites da impugnação. Assim, a fundamentação das apelações é a mais ampla possível.

A distinção que deve ser feita é quanto às decisões proferidas por juiz singular (CPP 593, I), em que a fundamentação do recurso é ampla, podendo ser impugnados quaisquer aspectos da sentença, e aquelas proferidas pelo Tribunal do Júri (CPP 593, III), em que eventuais impugnações só podem constituir exceções, ligadas às particularidades do tribunal (por se tratar jurisdição popular, integrada por leigos). E, por isso, terão fundamentação vinculada às hipóteses legalmente admissíveis. Nesse sentido, a Súmula 713 do STF: “o efeito devolutivo da apelação contra as decisões do Júri é adstrito aos fundamentos de sua interposição”. Essas exceções consistem:

a) CPP 593, III, a: ocorre nulidade posterior à denúncia.

O procedimento do júri biparte-se em: fase do sumário de culpa, dirigida à decisão do juiz singular (= sumariante), por meio da qual será ou não admitida a competência do Tribunal do Júri (pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação); e outra fase reservada ao encaminhamento da matéria ao Tribunal do Júri.

Pode acontecer que, na 2a fase, após a pronúncia, algum vicio insanável venha a contaminar o procedimento de tal maneira que o julgamento do júri seja afetado. E como é de nulidade que se cuida, a conseqüência do provimento do recurso será a anulação do julgamento, para que outro se realize.

b) CPP 593, III, b: for a sentença do Juiz-Presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados.

Esta hipótese cuida do erro na prolação da sentença pelo Juiz-Presidente (e não da decisão dos jurados). Havendo erro na aplicação da pena, sem em descompasso com a decisão dos jurados (em relação a agravantes, qualificadoras, etc.), ou com a lei (regime penitenciário cabível, etc.), o tribunal poderá corrigir ele mesmo o equivoco.

c) CPP 593, III, c: houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança.

A questão do erro na aplicação da pena é objetiva, dizendo respeito à não observância dos critérios legais na sua dosimetria ou à operação de fixação dos limites a serem seguidos em cada fase de aplicação da pena.

Já a injustiça situa-se no campo da subjetividade na valoração das circunstâncias judiciais previstas no CP 59. O tribunal poderá também corrigir a injustiça, aplicando a pena cabível. Neste caso, trata-se de revisão de ato do Juiz-Presidente, o que não põe em risco a soberania popular do Júri, e, somente nessa perspectiva, revela-se

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aceitável, até porque todo ato judicial de controle pela via recursal é também a manifestação da subjetividade do julgador.

d) CPP 593, III, d: for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

Aqui se está questionando a própria decisão do júri, configurando verdadeira exceção à regra da soberania dos veredictos, pondo em cheque a rigidez da soberania das decisões do júri.

Este dispositivo deve ser interpretado como regra excepcionalíssima, cabível somente quando não houver, ao senso comum, material probatório suficiente para sustentar a decisão dos jurados. E, visando preservar uma já arranhada soberania dos veredictos, a lei prevê que nesse caso o tribunal deverá anular o julgamento, submetendo o acusado a novo júri (CPP 593, § 3o).

A lei impõe (CPP 59, § 3o) que não será admissível nova apelação pelo mesmo motivo, por qualquer das partes, independente de quem tenha sido o autor do primeiro recurso. Ora, se a razão da anulação foi exatamente a contrariedade manifesta entre o conjunto probatório e a decisão dos jurados, o novo julgamento não poderia mesmo ser novamente impugnado pelo mesmo motivo ou fundamento.

A vedação de nova apelação sob tal fundamento é aplicável até mesmo na hipótese de julgamento dos crimes conexos. Assim, ainda que a apelação se dirigisse apenas contra a decisão em relação a um dos crimes, não poderia ser utilizado o recurso, posteriormente, em relação ao outro crime. Na hipótese de modificação do julgado naquela parte, somente as demais impugnações do CPP 593, III, seriam cabíveis.

16.2.2. Efeitos

O efeito devolutivo da apelação é, em regra, o mais amplo possível, desde que assim demarcado no recurso. Quando, ao contrário, a parte pretender impugnar apenas parte do julgado (CPP 599), o efeito devolutivo se limitará à matéria impugnada.

Quanto ao efeito suspensivo, o principio da inocência é que lhe dá os contornos. Tratando-se de sentença absolutória, o réu deve ser posto imediatamente em liberdade (CPP 596), se preso estiver. Nenhuma razão cautelar justificaria a manutenção da custódia diante de uma sentença no sentido da inexistência do fumus delicti.

Se a sentença for condenatória, além do efeito devolutivo, a apelação terá também efeito suspensivo, uma vez que ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

No entanto, o CPP 594 está exatamente em sentido contrário. Segundo este dispositivo, o efeito será suspensivo se o réu for primário e de bons antecedentes; se afiançável a infração e desde que prestada essa; por fim, se condenado por crime de que se livre solto (CPP 321).

Fora desses casos, a regra seria a do recolhimento à prisão para poder apelar?

A partir do art. 5o, LXI da CF/88, com a exigência de que toda prisão decorra de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária, o CPP 594 passou a exigir uma releitura, para fins de sua adequação ao sistema de garantias individuais. Não se trata de sua revogação, pois, consoante o previsto na Súmula 9 do STJ, o princípio da inocência não implicou a revogação do CPP 594 (assim também entende o STF).

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Entretanto, para uma interpretação conforme a Constituição, impõe-se que o CPP 594 não seja acolhido na sua literalidade. A prisão que dele resulta não poderá ser produto da simples prolação de sentença condenatória, sob pena de se atribuir à referida norma o efeito de presunção de culpabilidade ou de periculosidade, ambas inadmitidas na nova ordem constitucional.

A prisão decorrente de sentença condenatória deverá ser fundamentada, devendo o juiz declinar as razões do encarceramento prematuro. Se o réu já se encontrar preso, porém, não será necessária nova fundamentação, se essa já tiver sido exposta por ocasião do anterior aprisionamento.

Conclui-se então que não pode haver prisão obrigatória decorrente do CPP 594, como regra. A regra será a liberdade, porque o recurso da apelação tem efeito suspensivo. Somente quando houver razões cautelares recomendando o encarceramento é que se poderá falar em prisão na fase do CPP 594.

Na legislação não codificada encontramos vedações expressas quanto a poder o réu apelar em liberdade. É o caso do art. 35 da Lei 6.368/76 (no ponto não atingido pela Lei 10.409/02) e do art. 9o da Lei 90.034/95. A lei 8.072/90 e a lei 9.613/98 prevêem a possibilidade de recurso em liberdade, desde que o juiz autorize fundamentadamente. Não incluiremos entre tais hipóteses aquela prevista no art. 31 da Lei 7.492/86, tendo em vista que ali a vedação do recurso em liberdade está condicionada à existência de razões da prisão preventiva: ora, presentes estas, o réu deve ser sempre mantido preso (ou determinada sua prisão), desde que cabível (CPP 313) a custódia cautelar.

Para Pacelli, todas elas padecem do mesmo vicio do disposto no CPP 594. Não se pode admitir que o prévio recolhimento ao cárcere constitua um dos requisitos de admissibilidade do recurso (CPP 594), à guisa de preparo, e nem que a fuga posterior à apelação implique a deserção do recurso (CPP 595). Aí a violação, para além do princípio da inocência, atingiria também o da ampla defesa, sobretudo no que respeita à exigência de duplo grau.

Pacelli entende absurdo admitir que em uma ordem democrática de direito a possibilidade de demonstração da inocência de alguém esteja condicionada à sua prisão prévia.

Ora, se a prisão foi regularmente decretada, cabe aos órgãos do Estado encarregados da persecução penal diligenciar a usa captura e não, comodamente, condicionar o apelo à apresentação ao cárcere.

O que Pacelli defende não é a impossibilidade de adoção de tais medidas. Mas que essas sejam devidamente fundamentadas pela autoridade judicial, não só porque isso seja uma exigência constitucional, mas também porque ano se pode deixar ao critério das autoridades policiais ou mesmo do MP a definição final do que pode ou não ser classificado de hediondo, de organização criminosa, de risco à segurança pública, à ordem pública ou de periculosidade dos agentes. A esses órgãos caberá a demonstração de tais fatos, bem como da necessidade da proteção dos interesses persecutórios. A definição, porém, de sua existência (da necessidade das cautelares, do risco etc) cabe exclusivamente ao Judiciário, porquanto, em disputa a restrição de direitos individuais fundamentais.

Segundo a Súmula 393 do STF, não é necessário o recolhimento à prisão para a instauração da ação de revisão criminal. Essa, que não é recurso, somente será possível após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Por esse entendimento, ainda que o réu, condenado, não tenha sido capturado, será possível o ajuizamento da ação de revisão criminal. Ora, não deixa de haver contradição entre a decisão que exige o

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recolhimento à prisão para recorrer (quando ainda não se trata do culpado), e aquela que não o exige para a revisão do julgado, quando já defensivamente condenado o réu. Pacelli fica, pois com a Súmula do STF.

Repetindo: o CPP foi elaborado sob realidade histórica e perspectivas inteiramente distintas daquelas sob a qual se construiu o sistema de garantias constitucionais na CF/88. Não há como pretender interpretar o CPP, sobretudo no que respeita ao tema de prisão e liberdade, sem a necessária filtragem constitucional. Ou se opta pelo CPP, ou pela CF com os proveitos do CPP apenas nos pontos em que não houver colidência com as normas constitucionais.

Entretanto, segundo a jurisprudência dos tribunais, incluindo dos Tribunais Superiores (STF), a exigência de recolhimento à prisão, quando decidida judicialmente, constitui hipótese de cabimento do recurso, impedindo o seu conhecimento pela deserção.

Pacelli ressalta que, ao contrário do exposto, no julgamento do RHC n° 83.810/RJ, sendo relator o Min. Joaquim Barbosa, adiado por motivo de pedido de vista pela Min. Ellen Gracie, até o momento, decidiu-se que a fuga do réu não impede o conhecimento da apelação. No processo em questão, o voto do relator foi acompanhado por três ministros até a presente data.

No que se refere aos demais efeitos da apelação, bem como a vedação de reformatio in pejus e da definição da matéria impugnável, vide item 16.1.1.5.

16.2.3. Procedimento

O prazo de interposição é de 5 dias, podendo a apelação ser interposta por petição ou termo nos autos (CPP 600).

Há o prazo de 8 dias para a apresentação das razões de apelação, após o recebimento da apelação (CPP 600), iniciando com o apelante e depois dele o apelado. Se se tratar de recurso em contravenção (de rito especial, não submetidas à competência dos Juizados Especiais e para as quais não se tenha utilizado dos institutos da Lei 9.099/95), o prazo para oferecimento das razões é de 3 dias. Havendo assistente, o prazo para razões será de 3 dias, após o do MP.

Embora o CPP se refira a prazos comuns, quando se tratar de 2 ou mais apelados (CPP 600, § 3o), Pacelli entende que o contraditório e a ampla defesa exigem que os prazos corram separadamente (item 13.1.1.).

Findo os prazos para oferecimento das razões, os autos serão remetidos à instância recursal, com ou sem elas (CPP 601). Não há exigência legal de oferecimento de razões para a admissibilidade do apelo, bastando a vontade inequívoca de recorrer.

Embora não haja vedação expressa, Pacelli pensa que em se tratando de recurso do MP contra decisão absolutória, a apresentação das razões deve ser exigida, seja com decorrência do adequado exercício da função persecutória, seja em atenção ao princípio da ampla defesa, eis que o réu deve conhecer a motivação da impugnação feita à sentença.

Nesse sentido, Tourinho Filho, com fundamentação distinta. Mas Pacelli discorda da fundamentação que é no sentido de tratar-se (o recurso sem as razões do MP) de modalidade de desistência do apelo embora esteja de acordo com as conseqüências. Para Pacelli, dizer que seria desistência do recurso não resolve, na

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medida em que o mesmo argumento poderia ser utilizado para a não apresentação das razões também pela defesa.

De outro lado, quando se tratar de recurso do MP em favor do réu, Pacelli acredita que o tratamento deverá ser deferente, podendo-se aceitar o apelo pela simples razão de se reconhecer tal faculdade para a defesa.

Ponderação acerca da distinção dada ao tema pela Lei 9.099/95: o art. 82 da Lei prevê que a apelação deve ser interposta no prazo de 10 dias, com as razões e o pedido do recorrente. Então, tratando-se de exigência expressa, não se vislumbram defeitos na aludida distinção.

Nos termos do CPP 600, § 4o, desde que expressamente declarado, o recorrente poderá oferecer suas razões diretamente no tribunal, onde deverá ser dado vista às partes.

Em relação à defesa, nenhuma dificuldade, já que o defensor pode atuar em qualquer grau de jurisdição, a não ser por vedação expressa na delegação de poderes (defensor constituído) ou na lei, quando e se houver (na hipótese da defensoria pública). Mas, e quanto ao MP?

A solução da questão inicia-se com o exame do pressuposto processual relativo à capacidade postulatória. Os órgãos do MP têm suas atribuições limitadas ao grau da instância do Poder Judiciário. Tanto o Promotor de Justiça quanto o Procurador da República somente podem postular (capacidade postulatória, pois) perante o Juiz de Direito e o Juiz Federal, respectivamente.

Então, como poderá o membro do MP que oficia perante o 1o grau, o recorrente, apresentar suas razões diretamente no tribunal, se ali ele não oficia? Por óbvio, não estamos nos referindo à possibilidade de o referido órgão remete-las por intermédio do juiz sentenciante: nesse caso, tratar-se-ia de oferecimento de razões em 1a instância.

Não é só. O membro do MP que atua em 2a instância exerce as suas funções na qualidade de custos legis, e não propriamente de parte.

Seja como parte ou como custos legis, o fato é que o órgão do MP que atua em 2o grau é outro que não aquele que ofereceu o recurso. Por isso, e tendo em vista sua independência funcional, não estará ele obrigado a sustentar a impugnação feita em 1a instância.

Por isso, e coerente com o entendimento acerca da exigência de apresentação de razões recursais pela acusação quando interposto o recurso (CPP 601), Pacelli pensa que o MP não poderá se valer do disposto no CPP 600, § 4o. Tourinho Filho, apesar de achar esquisita a adoção do procedimento pelo MP, entende ser o mesmo possível diante da inexistência de vedação na lei. Porém, Tourinho não atentou para a questão da incapacidade postulatória do órgão de 1a instância e nem para a independência funcional do órgão de 2a instância do MP.

Outra questão: se o membro do MP que atua em 2a instância deve oferecer seu parecer (custos legis) em toda causa relativa à matéria penal, como poderia sustentar que ele deveria apresentar razões de recurso para, logo em seguida, oferecê-las novamente em forma de parecer?

Por fim, quando a defesa apresentar suas razões diretamente no tribunal (CPP 600, § 4o), Pacelli entende que os autos deverão ser devolvidos ao órgão do MP que atua como parte na ação, para a apresentação das contra-razões ao recurso.

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Outrossim, Pacelli pensa ser incabível a aplicação, por analogia, do CPC 557, para permitir ao Relator do recurso a rejeição monocrática do apelo manifestamente inadmissível, eis que poderia violar a amplitude da defesa, pelo só fato de não se permitir desde logo a reapreciação da matéria por órgão colegiado. Se em tal situação ainda seria possível o manejo do agravo (CPC 557, § 1o), não menos verdadeira é a conclusão no sentido de que a analogia é um recurso de auto-integração das normas apenas quando ausente regulação sobre a matéria, o que não é a hipótese ora mencionada. Nesse sentido é a decisão do STJ.

Porém, outra turma do STJ aceitou a aplicação do CPC 557, § 1o-A por analogia, no caso em que a decisão apelada encontrava-se contra a jurisprudência dominante (agora sumulada) do STF. Ainda que manifestamente contrária à Súmula do STF, não parece adequado o uso da analogia. Em matéria criminal, em que o interesse jurídico em debate é eminentemente público e porque em risco a liberdade do réu, a analogia seria in malam partem.

16.3. Do Recurso em Sentido Estrito

O mencionado recurso foi elaborado para aplicação restrita aos casos assinalados em lei, eis que se cuida de recurso previsto para impugnação de apenas algumas decisões interlocutórias. Diz-se “algumas” porque, em regra, as interlocutórias são irrecorríveis, exceto quando encerram o processo ou determinada fase procedimental, como é o caso das interlocutórias mistas (item 13.2.1.). As interlocutórias simples não se submetem a recurso, podendo ser impugnadas por ocasião da apelação ou por meio de habeas corpus.

E como se trata de exceção, ao menos em relação às interlocutórias simples, não há como construir um sistema por meio do qual seja possível uma identificação precisa daquelas decisões recorríveis e das não recorríveis. O critério é de política legislativa.

Pacelli acredita, porém, que, tendo em vista que o sistema recursal do CPP é de 1941, nada impediria sua aplicação analógica para algumas interlocutórias previstas na legislação mais recente, como p. ex. a decisão que denega a suspensão ou que suspende o processo por aplicação do disposto no art. 89 da Lei 9.099/95. Em ambas as hipóteses (pro et contra a favor ou contra pois), tratar-se-ia de decisão interlocutória, ora restritiva de direito individual (se denegatória da suspensão), ora impeditiva do prosseguimento da ação penal (quando decretar a suspensão condicional), a recomendar a possibilidade de sua revisão pela instância recursal.

O importante é a separação entre as sentenças e as interlocutórias, a partir do conteúdo da matéria decidida.

- as sentenças julgam o mérito da pretensão punitiva. Cabe em relação a elas a apelação;

- as interlocutórias, mais que despachos de mera movimentação processual, resolvem questões processuais (as interlocutórias simples), sem implicar sua extinção. Excepcionalmente, quando fazem isso, são chamadas de interlocutórias mistas.

- pode ocorrer ainda que referidas decisões não extingam o processo, mas apenas uma fase delimitada do procedimento, como p. ex. a decisão de pronúncia. Nesse caso também são classificadas como interlocutórias (mistas porque, ao contrário das simples, põem termo a uma fase procedimental).

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Fizemos ainda a separação entre as interlocutórias mistas e as decisões com força de definitiva, porque estas, ao contrário daquelas, se submetem ao recurso de apelação (CPP 593, II). As decisões com força de definitivas também encerrariam o processo com julgamento do mérito não do mérito da pretensão punitiva, mas de procedimento incidente para o qual não seja previsto o RSE.

16.3.1. Cabimento

Iniciaremos o exame do cabimento RSE pelas suas exceções, ou seja, pela apreciação de seu cabimento para decisões que não podem ser rigorosamente chamadas de decisões interlocutórias, mas que apresentam efeitos semelhantes.

CPP 581, VI – que absolver o réu, nos casos do art. 411.

Trata-se de verdadeira sentença absolutória na qual são apreciadas a questão penal e a pretensão punitiva a ser proferida por juiz singular (ou sumariante) na 1a fase do procedimento do Tribunal do Júri. Com ela, fica definitivamente resolvida e julgada a questão penal e, assim, a pretensão punitiva.

A possível razão pela qual o recurso escolhido para a impugnação dessa decisão foi o RSE deve-se ao fato de tratar-se de decisão proferida no curso de um procedimento dirigido, originariamente, à competência do Tribunal do Júri. Haveria, com a absolvição sumária, um encerramento prematuro do processo. É nesse sentido que se poderia pensar em equiparar tal decisão com decisão de impronúncia, p. ex., cujo momento processual decisório é o mesmo.

CPP 581, X – que conceder ou negar a ordem de habeas corpus.

O habeas corpus não é um recurso, mas uma ação autônoma de impugnação de decisões judiciais. Pode fazer as vezes dos recursos quando impetrado antes do trânsito em julgado da decisão, mas o fato de poder ser manejado mesmo após transitada em julgado aquela é suficiente para caracterizar tal remédio como ação autônoma. Por conseguinte, nada mais adequado que pensarmos em sentença, acerca da decisão que concede ou não concede a ordem.

Contudo, os efeitos da decisão que concede a ordem, do ponto de vista da persecução penal em curso, são inteiramente semelhantes a uma decisão interlocutória. Mesmo quando o HC é concedido para trancar o inquérito ou a própria ação penal sob o fundamento de atipicidade do fato, a decisão equivaleria àquela prevista no CPP 43, I, que prevê a rejeição da denúncia. E dessa decisão que rejeita a denúncia o recurso cabível é o RSE, nos termos do CPP 581, I. Daí a semelhança.

Nas demais hipóteses de concessão da ordem de HC, o mais perto do mérito que se chega é quando do reconhecimento de causa extintiva da punibilidade. Também nestes casos não haveria decisão sobre absolvição ou condenação do acusado, ainda que extinto o processo com julgamento do mérito. Por isso, o tratamento reservado a ela é o de interlocutória. Aliás, do mesmo modo que se prevê para o reconhecimento da causa de extinção da punibilidade no curso da ação penal, o recurso cabível também será o RSE, nos termos do CPP 581, VIII.

CPP 581, VIII – que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade.

Em tais decisões não há propriamente julgamento do caso penal e por isso não se cuida de sentença. O que ocorre é a solução da pretensão punitiva (mas não o seu

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julgamento) por razões de política criminal. Por isso Pacelli incluiu esta decisão entre as interlocutórias mistas (item 13.2.1.)

A seguir, algumas hipóteses de cabimento do RSE para decisões tipicamente interlocutórias. Não é necessária a análise particularizada de cada caso, em razão do sentido unívoco de determinadas espécies.

CPP 581, I – que não receber a denúncia ou queixa.

Rejeitada a denúncia ou queixa, o provimento do recurso implicará desde logo o recebimento da inicial, salvo quando se tratar de nulidade do ato de rejeição (Súmula 709 STF)

Toda decisão que rejeita a peça acusatória será uma decisão interlocutória mista, ainda quando fundada na atipicidade do fato (CPP 43, I). Em tal caso haverá solução do mérito, mas não o seu julgamento.

Quando a decisão é de recebimento da denúncia, não há a previsão de recurso. Mas será cabível a impetração de HC diante de ameaça potencial à liberdade do acusado, com a só instauração da ação penal.

Na legislação não codificada há algumas exceções.

Nos termos do art. 44, § 2o, da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa), caberá apelação da decisão que rejeitar a denúncia, bem como RSE daquela que a receber.

Nos Juizados Especiais Criminais, caberá apelação da decisão de rejeição da denúncia ou queixa (art. 82 da Lei 9.099/95).

Há ainda decisões judiciais impondo a citação do réu para acompanhamento e participação em recurso interposto pela acusação contra a rejeição da denúncia. Para Pacelli, embora nada impeça a adoção da providência, nada há que a obrigue, em razão da inexistência, até então, da extensão da relação processual ao acusado.

Para o STF, a medida é exigível, nos termos da Súmula 707: “constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.

CPP 581, II – que concluir pela incompetência do juízo.

Trata-se de decisão que desclassifica o crime para outro que não se inclua na competência do Juízo, casos do CPP 74, § 2o; 81, § único; 410, todos reunidos na regra geral do CPP 109, podendo resultar também de reconhecimento tardio, ex officio pelo juiz, de sua incompetência originária.

No caso de afirmação da competência, não é cabível recurso nominado. Nada impede o manejo do HC sob o fundamento de que ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade judiciária competente (CF 5o, LIII).

CPP 581, III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição.

O acolhimento de algumas das exceções oponíveis poderá resultar na extinção do processo (exceções peremptórias), como p. ex. a de coisa julgada, ilegitimidade de parte e litispendência. Outras, na dilação do procedimento, casos da exceção de incompetência (não reconhecida ex officio), de impedimento, incompatibilidade ou de suspeição do juiz (exceções dilatórias).

A vedação do RSE para a decisão que julga procedente a exceção de suspeição refere-se ao impedimento do órgão do MP ou de outro terceiro para o qual a

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exceção seja cabível. Em relação ao juiz, a exceção (de suspeição, impedimento ou incompatibilidade) é julgada diretamente no Tribunal, não sendo cabível RSE.

CPP 581, V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revoga-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante.

Este dispositivo não contempla a hipótese de decisão que rejeita o pedido de liberdade provisória sem fiança (CPP 310, § único).

Poder-se-ia alegar que não foi incluída a hipótese de negação da liberdade do CPP 310, § único, em razão do fato de não existir a referida norma ao tempo da elaboração do CPP e que assim caberia a aplicação do CPP 581, V, por analogia. De todo modo, como se trata de restrição à liberdade, o melhor caminho nesse caso seria mesmo a impetração de HC, e não o manejo de RSE.

CPP 581, (...) [hipóteses de não aplicação, em razão da Lei de Execução Penal (LEP – Lei 7.210/84), que instituiu o recurso de agravo de execução].

Diversos dispositivos do CPP 581 (XI, XII, XVII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII), como casos de interposição de RSE, perderam aplicabilidade a partir da LEP, que instituiu o agrafo de execução para decisões proferidas no curso da execução penal.

Quando a decisão ocorrer por ocasião da sentença, o recurso cabível seria o de apelação (CPP 593, § 4o). Se proferida no curso da apelação, seria o agravo previsto no art. 197 da LEP.

Por fim, o disposto no CPP 581, XXIV, que cuida da conversão da pena de multa em privativa de liberdade, não tem mais aplicação, em face do disposto no CP 51.

16.3.2. Procedimento

O RSE será interposto no prazo de 5 dias, por petição ou termo nos autos (CPP 578 e 586) e subirá ao Tribunal nos próprios autos nos casos do CPP 583, ou por instrumento (por cópia das peças indicadas pelas partes e daquelas obrigatórias previstas no CPP 587, § único).

O recorrente não é obrigado a apresentar desde logo as razões, podendo fazê-lo no prazo de 2 dias após a interposição do recurso ou a partir da formação do instrumento, seguidos da abertura de vista (CPP 588).

Aliás, e por interpretação do disposto no CPP 589, que prevê que os autos serão encaminhados com ou sem as razões do recorrido, Pacelli entende que não se exige a apresentação de razões para o conhecimento do recurso, do mesmo modo que ocorre com a apelação. Conforme reconhece a jurisprudência, o que delimita a matéria recursal é a petição de interposição do recurso, e não suas razões.

Antes da subida dos autos ao tribunal, abre-se oportunidade ao juízo de retratação, que vem a ser a possibilidade de poder o próprio juiz prolator da decisão impugnada proceder à sua revisão (ou retratação). Se o juiz reformar a decisão, o recorrido, por simples petição, poderá oferecer novo recurso cabível, aí já sem a possibilidade de nova retratação (CPP 589, § único). Trata-se do efeito regressivo (= iterativo = diferido) do RSE, que permite a retratabilidade da decisão. Cuida-se de mero aspecto da devolução da matéria impugnada ou do efeito devolutivo inerente ao RSE.

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16.3.3. Efeitos

Como o RSE tem por objeto decisões interlocutórias, não tem efeito suspensivo como regra. Quando se tratar de absolvição sumária (CPP 411) ou extintiva da punibilidade, o réu será posto imediatamente em liberdade.

Somente terá efeito suspensivo quando a lei a tanto se referir, como é o caso do CPP 584. Em relação ao recurso interposto contra a decisão que denega a apelação, o efeito suspensivo do RSE somente se prestaria a impedir a execução provisória do julgado, o que não era possível também pelo art. 105 da LEP e, depois, pela CF/88. Na hipótese de sentença condenatória na qual fosse determinada a prisão por razões cautelares, o efeito suspensivo não impediria a prisão. E isso porque, se o próprio recurso de apelação não o impediria, como poderia fazê-lo um recurso interposto contra a sua inadmissibilidade?

Na hipótese de decisão de pronúncia, p. ex, o recurso somente suspenderá o julgamento (§ 2o). Na verdade, o processo será suspenso, já que o libelo somente será oferecido quando passada em julgado a decisão de pronúncia (CPP 416). Isso quer dizer que não será suspensa a ordem de prisão prevista no CPP 408.

No ponto, todas as observações expendidas em relação ao CPP 594 (item 16.2.2.) são pertinentes. Com um acréscimo: se na decisão condenatória do CPP 594 há exame do mérito da ação, a decisão de pronúncia não passa de juízo de admissibilidade da existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Por isso, com muito mais razão não se pode aceitar a prisão decorrente da pronúncia, e nem como requisito de admissibilidade do recurso (CPP 585).

16.4. Do Protesto Por Novo Júri

O protesto por novo júri atuaria como uma verdadeira anulação imotivada do julgamento anterior, quando se tratar de condenação igual ou superior a 20 anos.

Diante do princípio constitucional da soberania dos veredictos (CF 5o, XXXVIII, c), o protesto somente seria aceitável enquanto garantia individual. E por isso a previsão do CPP 607, caput, dispondo que o referido recurso é privativo da defesa.

E embora não se possa falar na vedação da reformatio in pejus para os procedimentos do Tribunal do Júri, a citada regra é perfeitamente aplicável às decisões do Juiz-Presidente. Assim, se do novo julgamento resultar o mesmo posicionamento do Conselho de Sentença, não poderá o Juiz-Presidente agravar a situação do réu por ocasião da aplicação da pena.

Somente será cabível o protesto por novo júri quando se tratar de condenação igual ou superior a 20 anos imposta para um único crime e desde que se trate de crime da competência do Tribunal do Júri. Desse modo, no concurso de crimes reunidos por conexão ou continência, deverá se desconsiderada a soma das penas aplicadas em razão dos demais.

Quando se tratar de concurso material (CP 69), não será levada em consideração a soma de delitos par ao fim do cabimento do recurso. Tratando-se, porém, de concurso formal (CP 70) e de crime continuado (CPP 71), a pena de 20 anos poderá ser obtida pelo acréscimo correspondente, consoante entendimento do STF.

Se houver a interposição de protesto por novo júri para o crime doloso contra a vida e de apelação para outro conexo, o julgamento da apelação deverá aguardar o

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daquele (CPP 608). Quando, porém, se tratar de um único crime para qual seja cabível tanto o protesto como a apelação, a utilização do protesto invalidará a interposição da apelação (CPP 607, § 2o).

Ao contrário do CPP 607, § 1o, caberá o protesto mesmo que a pena, igual ou superior a 20 anos, seja obtida em 2a instância por ocasião da apelação. É que a vedação perdeu sua aplicação com a revogação do CPP 606 pela Lei 263/48, exatamente o artigo mencionado no CPP 607, § 1o. Grinover, Gomes Filho e Fernandes sustentam a revogação, mencionando decisões do STJ e STF neste sentido. Há, contudo, entendimentos contrários (Mirabete).

Ora, se o protesto é cabível em razão da pena fixada pelo Juiz-Presidente, Pacelli não vê motivos para não admitir a sua aplicação quando resultante de modificação da dosimetria da condenação em 2a instância. Para tal ponto de vista, impõe-se a necessária consideração da revogação do CPP 606.

E como se cuidará de novo julgamento, os jurados serão outros (CPP 607, § 3o).

Por fim, o recurso deverá ser apresentado ao Juiz-Presidente por termo ou por petição, no prazo de 5 dias, observando-se, quanto à interposição, as disposições relativas à apelação.

Elaborado por: Maíra Queiroz, SimoneHB, Silvana S. Lahutte e Victor Pugachev.

Atualizado e ampliado por Mariana Férrer ([email protected]).

16.5 Embargos Infringentes ou de Nulidade

Caberão embargos infringentes ou de nulidade quando houver decisão não unânime e desfavorável ao réu, proferida em julgamento de recurso em sentido estrito e de apelação (art. 609, parágrafo único, do CPP).

Prazo para interposição: 10 dias. Apresentados diretamente ao Tribunal responsável pelo julgamento do recurso em sentido estrito e da apelação.

Requisitos básicos de admissibilidade:

1. decisão não unânime;

2. decisão desfavorável à defesa;

3. proferidas no julgamento de recurso em sentido estrito e de apelação.

O Ministério Público poderá interpor tais embargos na condição de “custos legis”, desde que em favor da defesa.

Caso haja decisão não unânime parcial, existindo unanimidade em relação a outras questões, poderá ser interposto embargo quanto àquele conteúdo, sendo igualmente possível a interposição de RESP e RE concomitantemente.

Até questões processuais podem ser matéria impugnável dos referidos embargos.

16.6 Embargos Declaratórios

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira251

São previstos em primeira e em segundo instância. Cabível contra sentença, quando nela houver obscuridade, ambigüidade, contradição ou omissão. (art. 382, do CPP). Pode-se utilizar tais embargos na segunda instância (art. 620, do CPP), usando-se as regras do CPC por analogia.

Prazo para interposição: 2 dias.

Requisitos:

1. obscuridade;

2. ambigüidade;

3. contradição; e,

4. omissão.

Pacelli entende que a oposição de embargos interrompe o prazo para outros recursos (art. 538, CPC), até porque a decisão poderá ser modificada se acolhidos os embargos (analogia supramencionada).

O mesmo sustenta, como visto acima, a possibilidade dos embargos declaratórios modificar o julgado, existindo ambigüidade, obscuridade, omissão ou contradição. Havendo omissão ou contradição, o acolhimento dos embargos poderá ou deverá alterar o conteúdo da decisão. Os embargos declaratórios podem ter efeitos infringentes, nos limites em que a decisão se preste a resolver a omissão ou a contradição.

É possível o aumento da pena por via de embargos declaratórios, desde que resultante do acolhimento destes, a partir da oposição de embargos pela acusação. Se interposto pela defesa, sendo-lhe desfavorável, aplica-se a regra de vedação da reformatio in pejus.

Todas as hipóteses de seu cabimento estariam a impedir a correta aplicação da lei penal, acaso não impugnada a decisão. O risco futuro é do reconhecimento da nulidade do julgado, por inexequibilidade.

A utilização dos embargos pode permitir o acesso às vias recusais extraordinárias, com o prequestionamento da matéria. Nesse caso, a impugnação se dirigiria à fundamentação da decisão e não ao seu dispositivo. Contudo, pode haver, por exemplo, contradição entre a fundamentação e o dispositivo da sentença, sendo causa de sua nulidade absoluta caso não corrigida pelos embargos.

16.7 Embargos de divergência

São cabíveis nos julgamentos de Recurso Extraordinário, no STF, e de Recurso Especial, no STJ, quando se comprovar que a decisão embargada contraria anterior entendimento sobre a matéria, sufragado por outra turma, seção ou órgão especial (art. 29, Lei n.º 8.038/90 – tal artigo se refere apenas ao RESP, porém o Pacelli – seguindo o entendimento de Ada Grinover – admite também para o RE).

Prazo para interposição: 15 dias. A divergência só ocorrerá em relação a questões de direito, tendo tais recursos o pressuposto da violação da legislação infraconstitucional ou da própria Constituição.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira252

16.8 Carta Testemunhável

Recurso de pouca utilização prática. Dirige-se contra a decisão que denega recurso interposto, ou que impede o seguimento daquele admitido (art. 639, I e II). Porém, só é cabível quando não houver outro recurso previsto em lei para atacar a decisão proferida.

Se dirige, portanto, contra a denegação do recurso em sentido estrito.

Pacelli afirma ser possível contra a decisão que indefere o protesto por novo júri, salientando que a expressão “recurso” mencionada no art. 639, I, não é restritiva. Acrescenta que surge um problema de ordem prática para o uso da Carta Testemunhável nesse caso, que seria a competência para o seu julgamento, recaindo sobre a mesma autoridade que tomou a decisão atacada. No caso de sua impossibilidade (da Carta Testemunhável), deve-se utilizar o hábeas corpus.

Prazo para interposição: 48 horas.

Não terá efeito suspensivo, devendo seguir o procedimento do art. 639 e seguintes do CPP, exceto nas instâncias superiores, quando seguirá o rito do recurso denegado (art. 645).

16.9 Agravo de Execução

Trata-se do agravo mencionado no art. 197 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). Não possui rito procedimental previsto, cabendo contra as decisões do juiz da execução penal. Parte da doutrina entende que deva seguir o procedimento do agravo de instrumento do CPC (Ada Grinover). Outros autores sustentam que deve seguir o do recurso em sentido estrito, por se revelar esse mais adequado às questões penais, aplicável a grande número de decisões interlocutórias. Há outros ainda que afirmam que deve ser utilizado o rito do agravo, adaptando-o às peculiaridades do processo penal, especialmente após a Lei n.º 9.139/95 (em relação ao agravo).

Pacelli diz que tal sugestão cria um novo procedimento sem previsão de texto legal, impedindo a elaboração de critérios específicos para a solução da questão. Posiciona-se no sentido de se adotar o procedimento do recurso em sentido estrito, que permite, com maior celeridade, o juízo de retratação do órgão jurisdicional a quo.

Seguindo no seu raciocínio, o prazo para a interposição seria de 5 dias, aplicando-se as disposições do art. 586 e seguintes do CPP, além das normas gerais previstas no art. 574 e seguintes deste Código. Salienta ainda que seu entendimento foi consolidado pela Súmula 700 do STF, in verbis: “É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz da execução penal” (24/09/2003).

Será cabível de todas as decisões proferidas pelo juiz da execução penal. Os incisos do art. 581 tiveram afastada a sua aplicação por força do agravo de execução.

No caso de decisão de juiz singular (do processo de conhecimento, não da execução), poderá ser ainda cabível o recurso em sentido estrito, se for o caso (art. 581, XI, CPP).

Legitimação: MP, o condenado, seu representante, seu cônjuge, parente ou descendente. Há ampla legitimação em razão de se tratar de incidente de execução.

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16.10 Correição Parcial

É utilizado contra ato do juiz, praticado com error in procedendo. Pode ser endereçado tanto contra ato específico praticado em determinado processo, como em relação a atos futuros, desde que demonstrada a viabilidade do temor de repetição da ilegalidade.

Seu procedimento é previsto, normalmente, em leis de organização judiciária, podendo variar de Estado para Estado, no entanto é comum a adoção do rito de agravo de instrumento, caso não haja previsão expressa em sentido contrário.

No âmbito da Justiça Federal, deverá ser interposto no prazo de 5 dias, para o Conselho da Justiça Federal, nos termos do citado art. 6º da Lei n.º 1.050/66.

Nos termos da EC n° 45/2004, compete ao Conselho da Justiça Federal, na forma prevista em lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal (art. 105, parágrafo único, II, da CF/88). E mais: atribuiu-se ao referido Conselho poderes correcionais, com efeito vinculante, ou seja, resolvido um incidente de correição, a decisão vincula todo o Poder Judiciário no âmbito da matéria julgada.

No entanto, faz-se mister a regulamentação da matéria por lei específica, conforme exigido pelo mencionado dispositivo, como acontece com qualquer norma que estabeleça o alinhamento automático de órgão livres e independentes funcionalmente.

16.11 Recurso Ordinário, Extraordinário e Especial

16.11.1 Recurso ordinário

Competência: STF e STJ.

Cabe ao STF julgar em Recurso Ordinário (art. 102, II, da CF):

a) o habeas corpus, decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

b) o crime político.

No caso do crime político, há autores que entendem não existir tais crimes no ordenamento pátrio, todavia o STF reconhece a subsistência dessa conceituação para alguns tipos penais da Lei n.º 7.170/83, ainda vigentes. Reconhece ainda ser cabível diretamente para sua Corte Suprema o Recurso Ordinário da decisão proferida pelo juiz federal, não se aplicando a apelação para o TRF.

Na esfera do STJ, o Recurso Ordinário será cabível para julgar “os hábeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória”.

É recurso para reapreciação da matéria veiculada em habeas corpus julgado nas instâncias inferiores, seja em processos de competência originária, como da competência recursal daqueles tribunais (TJ, TA e TRF).

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Com fundamento no art. 105, c, da CF, é possível a interposição de hábeas corpus substitutivo do recurso ordinário, endereçado ao STJ, segundo a jurisprudência.

Efeitos: seu efeito devolutivo é o mais amplo possível, podendo o tribunal conhecer de toda a matéria de fato e de direito impugnada.

Seu processamento é regulado pelos Regimentos Internos do STJ e STF, bem como pela Lei 8.038/90.

Prazo para interposição: 5 dias. Somente se denegatória a decisão.

Súmula 699 – STF: “O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei n.º 8.038/90, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei n.º 8.950/94 ao CPC”.

Da decisão final do julgamento pelo STJ, ainda poderá ser cabível o recurso extraordinário no STF quando se tratar de questão de direito, de fundo exclusivamente constitucional.

16.11.2 Recurso Especial

Cabível como controle difuso da legislação infraconstitucional, para o julgamento das causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios (art. 105, III, CF), quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

Súmula 400 – STF: “Decisão que deu razoável interpretação a lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza RE pela letra “a” do art. 101, III, da CF”.

O cabimento do recurso sob a alegação de contrariedade a tratado ou lei federal, ou negativa de vigência desses instrumentos normativos, não oferece as mesmas facilidades daquele previsto em relação à ação de revisão criminal (art. 621, I, CPP). Decisão que contraria lei federal é decisão cuja interpretação do direito aplicável ao cão concreto não tenha levado em consideração norma expressa sobre a matéria. Quando a decisão sustenta explicitamente a não aplicabilidade ou mesmo a revogação de texto legal, a hipótese estaria a caracterizar negativa de vigência.

A contrariedade à lei federal termina por se revelar apenas como uma contrariedade ao entendimento que tem o STJ sobre o conteúdo de determinada norma. Quando a decisão contrariar súmula dos tribunais superiores, não se poderá pensar em contrariedade à lei federal.

A negativa de vigência é um critério objetivo dessa espécie de cabimento de recurso especial. Ter-se-á negativa de vigência quando explicitamente for recusada a aplicabilidade de determinada lei, com fundamento em uma possível e alegada revogação de sua vigência por outra posterior.

b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;

Como se percebe, após a EC n° 45/2004, o STJ deixou de ser competente para o julgamento de Recurso Especial versando sobre lei local, o que passou a competir ao STF. Pacelli explica a alteração da seguinte forma: o confronto entre lei local e lei federal pode levar à afirmação da constitucionalidade da lei federal. Portanto, como o órgão

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competente para o reconhecimento de constitucionalidade de lei é o STF, atribui-se a essa jurisdição o controle da validade de lei local.

O autor ressalta que os atos de governo local têm natureza executiva e nem sempre se fundamentam em lei local, podendo buscar fundamento em lei federal, daí por que é possível a distinção.

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Cuida-se de controle típico de uniformização de jurisprudência. Para que se faça o confronto, é preciso também:

1. que as decisões paradigmáticas tenham esgotado as vias ordinárias de impugnação (se uma delas puder ainda ser impugnada por embargos infringentes, por exemplo, não se prestará ao confronto);

2. que as decisões tenham sido proferidas por tribunais diversos, ainda que do mesmo Estado (Alçada e Justiça); e,

3. que o entendimento apontado como divergente não tenha sido já superado na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Súmula 83 – STJ: “Não se conhece do RESP pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

4. A decisão ou decisões divergentes deverão ser comprovadas por certidão ou por meio de publicação em repertório de jurisprudência reconhecida pela Corte recorrida.

5. O conflito tem de ser entre a parte dispositiva da decisão e não entre os fundamentos de uma e outra (art. 26, parágrafo único, Lei n.º 8.038/90).

6. Esgotamento prévio da via ordinária.

Há a exigência de prequestionamento da matéria de direito, sendo esta a provocação das instâncias ordinárias (normalmente os tribunais de segundo grau) acerca da questão de direito controvertida. Quando a questão de direito controvertida somente se puser no julgamento em segunda instância, não se poderá, como parece óbvio, exigir que o recorrente tenha prequestionado a matéria perante aquele tribunal.

O Recurso especial deve ser recebido unicamente no seu efeito devolutivo, segundo o STF, assim dispondo também o §2º do art. 27 da Lei n.º 8.038/90, que regulamenta a matéria, estando autorizada a execução provisória da sentença penal condenatória, quando confirmada pelo tribunal de segundo grau.

Pacelli entende que a posição do STF viola frontalmente o princípio do constitucional da inocência, dado que autoriza a prisão de quem não pode ser considerado culpado sem qualquer fundamentação da autoridade judiciária competente. Autoriza-se a prisão de inocente sem a demonstração da presença dos requisitos da prisão cautelar (assunto visto no item 11.6).

Todavia, o mesmo salienta que a prisão pode perfeitamente ocorrer na pendência de recurso especial ou extraordinário, desde que seja fundamentada, não como mera decorrência automática do esgotamento da via ordinária de impugnação, mas como medida cautelar, acautelatória dos interesses da jurisdição.

O STF tem admitido a expedição de mandado de prisão, na pendência de recurso especial e de recurso extraordinário, até mesmo quando a sentença de primeiro grau, apesar de condenatória, condiciona o seu cumprimento ao seu trânsito em julgado, mesmo quando não houver recurso da acusação.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira256

Pacelli afirma haver violação da Súmula 160 do STF, que prevê a impossibilidade do reconhecimento de ofício de nulidade, contra o réu, não argüida pelo MP. De outro lado, se a questão não cuidasse de nulidade da sentença, por error in procedendo, mas de reforma, por error in judicando, a regra do “tantum devolutum quantum appellatum” impediria a modificação do julgado nesse ponto, já que não alegado pelo recorrente.

Deve obedecer a tramitação prevista no art. 26 e seguinte da Lei nº 8.038/90.

Prazo para interposição: 15 dias, devendo a parte responde-lo no mesmo prazo. (Juízo de admissibilidade do tribunal: cinco dias).

Se houver interposição simultânea de recurso especial e extraordinário, o julgamento deste deverá aguardar o daquele, podendo restar prejudicado o RE se o RESP for acolhido.

No caso de denegação, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias.

Caberá ainda embargos de divergência quando esta ocorrer no julgamento do RESP, no prazo de quinze dias.

16.11.3 Recurso Extraordinário

É o meio de controle difuso da constitucionalidade das leis. Impugna a decisão que:

a) contrariar a Constituição Federal;

b) declarar inconstitucional tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local em face da Constituição Federal.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal

Não pode ser usado em razão de violação indireta ou do sistema constitucional como um todo, sem uma particularização da norma, não cabendo RE por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade.

Pode haver controle de constitucionalidade no que se refere ao aspecto formal do ato normativo, caso, por exemplo, da criação de norma penal incriminadora mediante Medida Provisória. Segundo o STF, somente as normas penais não incriminadoras podem ser veiculadas mediante Medida Provisória.

O MPF será parte legítima para interpor RE das decisões da Justiça dos Estados nas representações de inconstitucionalidade, nos termos do art. 37, parágrafo único, da LC 75/93.

Ao contrário do RESP, o RE pode ser interposto contra decisão de juiz de primeiro grau, desde que se trate de causa decidida em única ou última instância, cabendo inclusive das decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais

Súmula 640 – STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada (Pacelli: matéria cível), ou por turma recursal de juizado especial cível ou criminal”.

O STF, em razão da previsão de decisão de tribunal para o RESP no STJ, se qualifica como a jurisdição competente para conhecer de hábeas corpus impetrado contra

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as Turmas Recursais dos Juizados, já que somente aquela Corte tem hierarquia jurisdicional em relação às mesmas.

A grande novidade trazida pela EC n° 45/2004 diz respeito ao previsto no art. 102, §3°, da CF/88, que dispõe o seguinte: “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”

Criou-se um novo requisito de admissibilidade, que depende de previsão em lei específica. Portanto, após o exame de admissibilidade estrito, o recurso ainda deve ser examinado à luz desse novo requisito, podendo não ser conhecido, por decisão de dois terços dos membros do STF, caso se considere que a questão constitucional não é suficientemente relevante.

16.12 Ações Autônomas

16.12.1 Mandado de Segurança

Regulamentação: Lei 1.533/51, cabível para a tutela de direito líquido e certo, não amparado por hábeas data ou hábeas corpus (art. 5º, LXIX, CF).

Trata-se de ação, não de recurso. Ação Mandamental, no sentido de ser destinada à obtenção de ordem judicial dirigida à autoridade apontada como coatora (ou violadora do alegado direito), via da qual se exige dessa determinado comportamento, comissivo ou omissivo, suficiente a fazer cessar a ilegalidade. Não se obtém a condenação do sujeito passivo, nem a constituição de situação nova, muito menos a declaração acerca da existência ou não de relação jurídica válida, é ordem judicial para imediato cumprimento (daí não ter efeito suspensivo), a corrigir o atuar dos agentes do poder público, de modo a adequá-los aos limites da lei, podendo ser concedida “ inaudita altera pars”.

Autoridade coatora é a responsável pela prática do ato, ainda que futuro (se iminente), com poderes para a sua revisão. Deve-se observar que nem sempre o que estará em disputa é a liberdade individual do réu, porque nesse caso se utilizará o habeas corpus.

Direito líquido e certo é aquele apto a ser exercido imediatamente pelo seu titular, independentemente da eventual complexidade quanto à solução de direito, ou seja, quanto à definição da norma legal aplicável ao caso concreto. A liquidez e a certeza dizem respeito à situação de fato, a não demandar instrução probatória, e à autorização do Direito quanto ao seu imediato exercício.

Exemplos de cabimento de MS em matéria penal:

a) decisão de indeferimento de habilitação de assistente (art. 268, CPP);

b) indeferimento de vista dos autos fora de cartório, em Juízo, ou mesmo na polícia, quando não for o caso de exigência de sigilo das investigações (art. 798, CPP);

c) procedimentos de seqüestro, arresto ou de restituição de bens apreendidos (art. 118 e seguintes do CPP);

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d) todas as situações em que, por não existir ameaça, nem potencial (caso de infração penal cuja pena cabível seja exclusivamente de multa), à liberdade individual, não seja cabível o hábeas corpus, e estiver configurada a prática de ilegalidade pelos agentes públicos.

O procedimento será o previsto na Lei n.º 1.533/50, aplicável à matéria cível. A autoridade é notificada para prestar informações e oferecer documentos no prazo de dez dias, seguindo-se a manifestação do MP e a decisão final.

Súmula 701 – STF: “no MS impetrado pelo MP contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo”.

16.12.2 Ação de Revisão Criminal

Permite que a decisão condenatória passada em julgado possa ser novamente questionada, seja a partir de novas provas, seja a partir da atualização da interpretação do direito pelos tribunais, seja, por fim, pela possibilidade de não ter sido prestada, no julgamento anterior, a melhor jurisdição.

Não é permitida à acusação, em razão da vedação da revisão pro societate.

Fundamentação vinculada – exigências a que deverá submeter-se o autor da ação de revisão criminal, no que toca às hipóteses de cabimento da ação.

Cabimento:

a) para alteração de decisão proferida pelo Tribunal do Júri.

Há argumentação contrária a essa possibilidade no tocante ao princípio da soberania dos veredictos, porque a competência é sempre de órgãos colegiados da jurisdição togada, ao contrário do que ocorre com o recurso de apelação, cujo efeito, no caso de anulação do julgamento, é outro julgamento pelo mesmo tribunal do júri.

Pacelli entende que a revisão é perfeitamente possível mesmo em relação às decisões do Júri. O princípio da soberania dos veredictos e mesmo a garantia do próprio Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida foram instituídos em favor dos interesses da defesa, e por isso são garantias constitucionais individuais.

A admissibilidade de uma revisão desses julgados em favor do condenado mantém-se na linha da preservação dos interesses da defesa, vedado que é, também ali, a reformatio in pejus (art. 626, parágrafo único, CPP), devendo ser recebida como mais uma garantia posta à disposição do cidadão. Preserva-se, então, a soberania dos veredictos, enquanto pena máxima a ser aplicada.

b) quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

A primeira hipótese diz respeito a posterior alteração do entendimento jurisprudencial sobre determinada questão jurídica. Poderá tratar-se da correta dosimetria da pena, da classificação correta do tipo penal, ou de qualquer outra circunstância que tenha influência na fixação da pena. A contrariedade aqui será ainda acerca da questão de direito (e não de provas) ainda que sobre os fatos.

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A segunda hipótese refere-se à contrariedade da decisão à evidência das provas, não estando a decisão apoiada em prova válida e consistente.

Segundo Pacelli, é possível que a decisão esteja lastreada em prova cuja inadmissibilidade não tenha sido percebida. Ademais, poderá a lei exigir prova técnica específica para a constatação do fato delituoso, que pode não ter sido observado pelo juiz. Finalmente, quando se tratar de condenação fundada em prova indiciária.

c) quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

d) quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

O fundamento é eminentemente de revisão de provas, quando se sustentará a existência de material probatório não apreciado no processo anterior.

Há afirmação no sentido de que o fato novo poderá incidir até mesmo sobre a operação de dosimetria da pena, e até mesmo na fixação das circunstâncias judiciais levadas em consideração, além das demais, é claro. A única exigência é no sentido de que se trate de novas provas.

Pode ser proposta em qualquer tempo, antes ou após a extinção da pena. Podendo só ser proposto uma única vez, salvo se fundado em novas provas (at. 622, parágrafo único).

Pacelli afirma que a vedação à reiteração do pedido independe da identidade das partes no pedido anterior. A vedação é para quaisquer dos legitimados, já que a medida é excepcional.

Legitimação: o próprio réu, seu procurador habilitado, e, no caso de sua morte (também no caso de ausência, segundo o Pacelli), pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Pacelli defende que não há necessidade de capacidade postulatória (advogado devidamente habilitado nos quadros da OAB) do requerente, embora se reconheça que, diante das exigências de fundamentação vinculada, para o manejo da ação, dificilmente se conhecerá de ação proposta por quem não tenha conhecimento técnico especializado.

Aceita também a legitimação do MP, afirmando que tal órgão é inteiramente imparcial em relação às questões penais, competindo a ele zelar pela defesa da ordem jurídica, tendo atribuição para impedir a privação de liberdade de quem esteja injustamente dela privado, seja por meio de hábeas corpus, seja pela via da revisão criminal.

Competência para o processo e julgamento: sempre de um órgão colegiado da jurisdição togada. Como se trata de revisão e não de recurso, caberá ao próprio tribunal prolator da decisão revivenda a competência para a referida ação.

Cabe ao STF e ao STJ processar e julgar das ações de revisão (será necessário analisar o conteúdo das respectivas decisões ali proferidas), quanto às condenações por eles proferidas. Nos casos de condenações de primeiro e segundo grau, a competência será dos tribunais de Justiça, de Alçada, Regionais Federais (art. 624, § 2º e §3º, do CPP).

Se a inicial não for rejeitada liminarmente, por deficiência de documentação instrutória (art. 625, § 5º), o novo material probatório, se não for o caso do art. 621, I, CPP, será examinado pelo MP, e, posteriormente, pelos demais membros julgadores do

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tribunal. Nada impede que o Relator determine produção de novas provas, inclusive testemunhais, se convencido da idoneidade do material trazido pelo requerente.

O conteúdo da nova decisão é o maior possível, sustentando Vicente Greco Filho que, havendo pedido de absolvição, não poderá o tribunal anular o processo, pois haveria também o risco de nova condenação.

Pacelli discorda desse posicionamento. Desde que mantida a vedação da reformatio in pejus no novo julgamento, a decisão de anulação do julgamento anterior pode ser entendida como mais favorável aos interesses do condenado (art. 626, parágrafo único). A nova decisão, no caso de procedência da revisão, poderá, então, alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou, por fim, anular o processo (art. 626, CPP).

O tribunal exerceria dois tipos distintos de juízo: o iudicium rescindens e o iudicium rescissorium. No primeiro, se julgado procedente o pedido de revisão, a conseqüência imediata seria a desconstituição da decisão anterior; em um segundo momento, o tribunal atuaria como iudicium rescissorium, julgando novamente a matéria, para o fim de absolver ou modificar a pena, com ou sem desclassificação jurídica do fato (art. 626, caput).

Quando se tratar de anulação da decisão anterior, o tribunal só exercerá o iudicium rescindens, devolvendo os autos para o juízo de origem, onde terá seguimento a ação penal, se não for ele mesmo o competente.

O requerente poderá cumular na ação de revisão criminal o pedido de indenização pelos prejuízos sofridos, na hipótese de erro judicial indenizável.

No plano processual, a restrição contida no §2º, b, do art. 630, vedação para a ação privada, não sustenta uma análise mínima de seu conteúdo. Na ação penal privada, embora a iniciativa seja reservada ao particular, a condenação nem por isso deixará de partir de órgãos do poder público. O erro, apto e suficiente a justificar a indenização, teria sido praticado pelo Estado, por meio do Poder Judiciário, cuidando dessa indenização o art. 630, CPP.

16.12.3 Habeas Corpus

Cuida-se de instrumento destinado a proteger a liberdade de locomoção, isto é, o direito de ir e vir. É uma ação autônoma, não obstante se encontrar entre os recursos no CPP. Sua tramitação pode ocorrer antes mesmo do início da ação penal, podendo ser impetrado antes e depois do trânsito em julgado da decisão restritiva de direitos.

Pacelli afirma que pode ser usado como substitutivo do recurso cabível, ou mesmo ser impetrado cumulativamente.

Toda matéria de prova nele suscitada deve acompanhar a petição que o veicula, podendo ser requisitada pelo juiz ou tribunal no caso de ausência por ocasião do ajuizamento da ação.

Será objeto do writ tanto a ameaça real, concretizada, como a ameaça potencial. Por ameaça potencial entende-se o simples início de qualquer atividade persecutória que tenha por objeto a apuração de fato imputado ou imputável à pessoa individualizada. A instauração de inquérito policial ou de procedimento investigatório será suficiente para configurar situação de ameaça potencial a liberdade de locomoção,

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quando dirigida a fato certo e a pessoa previamente determinada, e desde que, para conduta, seja prevista imposição de pena privativa da liberdade.

O STF teve oportunidade de rejeitar o cabimento de HC exatamente pelo fato de inexistência de possibilidade, nem eventual, de aplicação de pena privativa da liberdade, em razão da alteração do art. 51 do Código Penal, pela Lei nº 9.268/96, que proíbe a conversão da pena de multa aplicada à pena privativa da liberdade. É o que ocorre também nos Juizados Especiais Criminais (art. 85, Lei nº 9.099/95), vedada também ali a citada conversão.

Súmula 693 – STF: “Não cabe HC contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”.

Súmula 694 – STF: “Não cabe HC contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente u de função pública”.

Súmula 695 – STF: “Não cabe HC quando já extinta a pena privativa da liberdade”.

Conhecido e provido o HC, dependendo da matéria examinada, e decidida, poderá ocorrer o trancamento, ou seja, o encerramento do procedimento (inquérito) ou processo (ação penal).

Não se poderá usar o HC quando se tratar de privação da liberdade decorrente de punição disciplinar. A proibição se dirige aos procedimentos disciplinares militares, sendo tal limitação mais quanto ao conteúdo que ao cabimento da medida. Deve ser vedado o exame acerca da conveniência ou oportunidade da medida disciplinar adotada (se privativa da liberdade ou outra eventualmente cabível), mas jamais a apreciação da sua legalidade, que poderá ser objeto de controle até mesmo por Mandado de Segurança.

O habeas corpus também é cabível para modificar decisão de internação de menor e adolescente, por aplicação de medida sócio-educativa prevista no ECA (HC 85.503/SP – Informativo 393, de 29/06/2005).

Ademais, é cabível para discutir aspectos atinentes à exclusão de criminalidade (atipicidade, licitude e ausência de culpabilidade) e da pena (prescrição), mesmo tratando-se de processo suspenso por força do art. 89 da Lei n° 9.099/95 (HC 85.747/SP, em 21/06/2005).

Ressalta o autor que o fato da suspensão do processo, não impede o cabimento de habeas corpus, considerando a possibilidade ainda que remota de violação do direito à locomoção durante o cumprimento do sursis.

Será ilegal a coação:

a) quando não houver justa causa;

A justa causa pode receber tratamento semelhante ao das condições da ação – entendo por justa causa a ausência de suporte probatório mínimo – como também será possível incluí-la entre as questões de mérito da ação penal (ou do inquérito policial). No primeiro caso, a concessão do writ determinará o encerramento (trancamento) do processo, sem solução de mérito, irradiando efeitos típicos de coisa julgada formal, podendo, se reunidas provas suficientes para embasar uma imputação penal, ocorrer nova persecução. No segundo caso, quando o fato em apuração ou imputado (fase de inquérito e ação penal, respectivamente) se revelarem manifestamente atípicos, o juiz ou tribunal concederão a ordem para que sejam trancados o inquérito e a ação penal, tendo efeito de coisa julgada material.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira262

b) quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

A legislação penal traz os seguintes casos em que a fixação do prazo da prisão é expresso:

- Lei n° 7.960/89: prisão temporária com prazo máximo de 5 dias ou 30 dias, se hediondo o crime, podendo, ambos, ser prorrogados;

- Lei n° 9.034/95: prazo máximo de 81 dias para o encerramento da instrução nos crimes de organização criminosa;

- CPP: prazo máximo para encerramento das investigações em inquérito policial quando preso o acusado, em flagrante ou preventivamente.

A jurisprudência também criou prazos máximos para o encerramento da instrução criminal pelo somatório dos diversos prazos constantes dos procedimentos cabíveis para cada infração penal. Como regra, seria de 81 dias, podendo variar de acordo com o procedimento e com a possibilidade de prisão temporária anterior à preventiva.

A jurisprudência entende que a contagem dos prazos relativos à prisão deve ser feita de modo global e não separadamente, permitindo-se a compensação do tempo destinado aos atos futuros, para efeito de se admitir o prolongamento da prisão nas fases iniciais da instrução criminal.

Pacelli advoga que somente em casos excepcionalíssimos é que seria admissível uma contagem global dos prazos legais de persecução penal. A regra deve ser a observância estrita de cada prazo, já que em tema de restrição de direitos a interpretação da lei deve ser sempre restritiva.

c) quando quem ordenar a coação não tiver competência para faze-lo;

d) quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

e) quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei autoriza;

Também estariam incluídas as hipóteses de cabimento de liberdade provisória do art. 310 e seu parágrafo único, do CPP. No caso de requerimento de fiança recusado em primeira instância, o tribunal arbitrará valor a ser caucionado. Se a recusa da fiança for da autoridade policial, ao juiz caberá fazê-lo (art. 660, § 3º, CPP).

f) quando o processo for manifestamente nulo;

O fundamento é amplo, especialmente porque em tema de nulidade, o princípio da causalidade poderá determinar a anulação do processo desde a sua origem, terminando por atingir a prisão nele decretada.

A expressão processo manifestamente nulo não se refere unicamente às nulidades absolutas, mas até às relativas, dependendo da hipótese concreta, de atingimento ou não do ato determinante da prisão.

g) quando extinta a punibilidade;

Competência:

I – juízes (federais, estaduais, eleitorais, etc.);

II – tribunais de segunda instância (Tribunais de Justiça, de Alçada, Regionais Federais, Regionais Eleitorais);

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira263

Segundo o autor, mesmo após a EC n° 45/2004, não competem à Justiça do Trabalho o julgamento de habeas corpus. Com a alteração na redação do art. 114, incluiu-se a competência para “os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição.”

Antes da alteração, Pacelli se posicionava contrário à suposta competência dos Tribunais Regionais do Trabalho para o julgamento de habeas corpus impetrado contra a ordem de prisão do depositário infiel.

Afirma que o problema é que todo ato privativo de liberdade de alguém, em tese, poderá sempre implicar a prática de crime (arts. 146 a 148 do Código Penal e Lei nº 4.898/65, art. º, I – abuso de autoridade), o que ainda que reflexamente, permitiria a inclusão da conduta como sendo relativa à matéria criminal.

A Constituição não previa a competência da Justiça do Trabalho – em primeira ou segunda instância – para o julgamento de hábeas corpus, ao contrário do que ocorria com referência à Justiça comum, à Justiça Eleitoral (art. 121, §4º) e à Justiça Militar (art. 124).

O autor afirma que, com a alteração advinda da EC n° 45/2004, pretendeu-se atribuir competência prioritariamente ao Tribunal Regional do Trabalho (e, eventualmente, ao TST), unicamente para o julgamento de habeas corpus impetrados contra a determinação de prisão civil do depositário infiel.

Com efeito, a matéria sujeita à jurisdição trabalhista não inclui matéria penal. Em verdade, embora os juízes do trabalho possam decretar prisão por crimes de desacato, desobediência ou até mesmo de falso testemunho, a prisão seria sempre em flagrante delito, possível a qualquer pessoa do povo, pela simples razão de não competir aos juízes trabalhistas a expedição de ordem de prisão.

A competência dos tribunais de segunda instância é normalmente definida pelos critérios do foro privativo para crimes comuns do agente responsável pela coação, e pelo critério da hierarquia da jurisdição. O critério da hierarquia de jurisdição será aplicado somente quanto à definição da competência recursal dos tribunais. Já o critério do foro privativo dirá respeito à competência originária para o julgamento do HC.

Os Prefeitos e Deputados Estaduais devem ser julgados pelo Tribunal de Justiça, quando se tratar de crime estadual. Se a hipótese for de crime federal ou eleitoral, a competência será do Tribunal Regional Federal ou do Tribunal Regional Eleitoral, respectivamente.

III – Superior Tribunal de Justiça;

É fixada também em razão do foro privativo, para o julgamento de crimes comuns, quando será originária, e também em razão da hierarquia de jurisdição, hipótese em que será meramente recursal.

O art. 105, I, c, da Constituição Federal traça competência do STJ, ressalvando em seu final a competência da Justiça Eleitoral. Tal ressalva é, no mínimo, problemática, de acordo com os seguintes exemplos:

Um paciente – vítima da coação ou ameaça de coação – seja um Governador. Tal autoridade tem foro privativo no STJ até mesmo em relação aos crimes eleitorais, como já examinado. Como admitir a competência do TSE para julgar HC quando a coação (recebimento da denúncia, por exemplo) partir do STJ, se o TSE não tem hierarquia jurisdicional sobre o STJ? Ou, de outro modo: se a competência para julgar e condenar o Governador no crime eleitoral é do STJ, em instância originária e privativa,

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira264

como admitir que o TSE possa conceder HC à citada autoridade? A contradição é patente e manifesta.

Se compete ao STF o julgamento, nos crimes comuns, dos Ministros de Estado, do Comandante da Marinha, da Aeronáutica e do Exército, porque razão caberia ao STJ a competência para julgar HC contra atos por eles praticados, se tais atos podem configurar, em tese, infração penal? Aqui haveria de prevalecer o critério da prerrogativa de função, como, aliás, encontra-se previsto também no art. 102, I, d, da CF.

No plano recursal, cabe RO ao STJ em relação aos hábeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais ou dos Estados, quando denegatória a decisão (art. 105, II, a, CF), podendo haver a impetração de HC diretamente no STJ, como substitutivo do RO.

IV – Supremo Tribunal Federal

Súmula 691 – STF: “Não compete ao STF conhecer de hábeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em hábeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

Isso não impede que o STF, embora não conhecendo do habeas corpus, defira, de ofício, a ordem, quando manifesta a ilegalidade (HC 86.864 – Informativo 406, de 26/10/05).

O STF controlará o ato praticado pelo STJ, também pela via do HC, contudo não terá competência contra ato praticado por uma de suas turmas, exceto quando se tratar de crime sujeito à jurisdição do STF em uma única instância (art. 102, I, i, CF).

V – Juizados Especiais Criminais

As Turmas Recursais dos Juizados Especiais constituem a última instância daquela jurisdição, não havendo previsão quanto à competência para o julgamento de HC quando a coação originar-se das citadas Turmas, competindo, por jurisprudência própria, ao STF o seu julgamento.

Súmula 690 – STF: “Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais”.

Todavia não é possível a impetração quando se tratar de decisão monocrática proferida por juiz de Turma Recursal, porque ainda cabível recurso para o órgão colegiado (HC 83.112 - Informativo 324).

VI – Legitimação e procedimento

A impetração de HC pode ser feita por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, além do MP. Os juízes e tribunais poderão expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando no curso do processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal (art. 653, §2º). O juiz, querendo, poderá ouvir o paciente, determinando a sua imediata apresentação, se ele se encontrar preso.

Em regra, o MP somente deve ser intimado nos Tribunais. Pacelli entende que a necessidade de celeridade veda a adoção da analogia, de modo a estender a necessidade para o juízo de primeiro grau. Pensa, no entanto, que, dependendo do caso concreto e da gravidade da infração aparentemente praticada, deve o MP ser ouvido em 24 horas (art. 660, por analogia).

A jurisprudência tem se inclinado no sentido da concessão de liminar, apesar da não previsão legal, aplicando-se por analogia as disposições previstas para o MS.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira265

Na segunda instância e também nas instâncias superiores, sempre será ouvido o MP.

Resumo Curso de Processo Penal - 3ª - Pags. 869 a 914

Elaborado por: Zuie

Embargos infringentes ou de nulidade

São cabíveis contra decisões não unânimes desfavoráveis ao réu, proferidas no julgamento de RESE ou de apelação, inclusive sobre questões processuais. Possuem legitimidade para a oposição o réu e o MP como custos legis (desde que a decisão tenha sido desfavorável ao réu). O prazo é de 10 dias a contar da publicação do acórdão. Compete o julgamento ao Tribunal de segunda instância responsável pelo julgamento do RESE ou da apelação

O recurso apresenta três requisitos de admissibilidade: 1) existência de decisão não unânime, 2) decisão desfavorável à defesa, 3) decisão proferida no julgamento de RESE ou apelação

Se o caso for de decisão parcialmente desfavorável, nada impede a oposição, ao mesmo tempo, dos embargos (em relação à parte desfavorável não unânime) e, se o caso, a interposição de Resp e Rex (quanto à parte desfavorável unânime)

Embargos declaratórios

É admitida a sua interposição contra decisões de primeiro (art. 382, CPP) ou de segundo grau (art. 619, CPP), que possam se tornar inexequiveis por apresentarem vícios de obscuridade, de ambigüidade, de contradição ou de omissão. Em última análise, pois, o recurso visa propiciar a correta aplicação da lei penal. Mais, poderá ser instrumento de prequestionamento, quando se impugnar a fundamentação da decisão, propiciando o acesso às vias recursais extraordinárias (Súm. 356, STF)

É competente para o julgamento o mesmo juízo ou Tribunal prolator da decisão.

Segundo Pacelli, será seguido o procedimento traçado pelo art. 620 e pelas disposições do CPC (por analogia), seja em primeira, seja em segunda instância. Para ele, a oposição interrompe o prazo para outros recursos (art. 538, CPC, por analogia). Ainda, admite o doutrinador que, eventualmente, seja modificado o conteúdo da decisão omissa ou contraditória, inclusive para aumentar a pena (somente no caso de oposição pela acusação, sob pena de reformatio in pejus), contanto que a modificação se preste a resolver a omissão ou contradição.

Embargos de divergência

Tem cabimento quando a decisão que julgar Rex ou Resp contrariar anterior entendimento sobre a matéria, sufragado por outra Turma, seção ou órgão especial.

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira266

Pacelli estende o cabimento para os Rex, conquanto nada mencione o art. 29 da lei 8.038/90, em concordância com Grinover, Gomes Filho e Scarance Fernandes, segundo os quais a lei 8.950/94 revigorou o art. 546 do CPC.

Carta testemunhável

É cabível contra a decisão que denega recurso interposto ou que nega seguimento a recurso admitido, desde que não seja admissível a utilização de outra via recursal, no prazo de 48h. Não há efeito suspensivo. Seu procedimento está disposto nos arts. 639 e ss. do CPP, e, na instância superior, no art. 645 do CPP.

Segundo Pacelli, o termo recurso do art. 639, I, não tem sentido restritivo, e, por isso, nada impede a interposição contra decisão que indefere o protesto por novo júri. Contudo, adverte que o recurso terá caráter meramente revisional, porquanto deva ser direcionado ao próprio órgão que negara o protesto.

Agravo de execução

Pode ser interposto contra qualquer decisão do juiz da execução penal, pelo MP, pelo condenado ou seu representante, cônjuge, parente ou descendente.

Há divergência sobre a via procedimental, visto que a lei de execução penal é omissa sobre o assunto: para Grinover et al (livro Recursos no processo penal) o procedimento é o do agravo de instrumento, argumentando que o termo agravo da LEP referir-se-ia ao agravo de instrumento, previsto pelo anteprojeto de CPP, que tramitava na época da elaboração da LEP. Pacelli discorda, pois, segundo ele, a interposição direta ao Tribunal competente e as exigências formais são inconvenientes, principalmente aos interesses do acusado. Para ele, mais adequado ao processo penal é o procedimento do RESE, que permite maior celeridade ao juízo de retratação. É também o entendimento do STF, trazido pela súmula 700, que estipula prazo de interposição idêntico ao do RESE: 5 dias.

Capítulo 18 – Relações Internacionais Com Autoridade Estrangeira

A EC n° 45/2004 conferiu força normativa de natureza constitucional às normas previstas em tratados e convenções internacionais, quando aprovadas por três quintos de ambas as Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, e tendo como tema direitos humanos (art. 5°, §3°, CF/88).

Estabeleceu também a sujeição do Brasil à jurisdição dos Tribunais Penais Internacionais a cuja criação tenha aderido, após ratificação e promulgação pelas autoridades competentes (art. 5°, §4°, CF/88).

Sobre o tema referente às relações internacionais, destacam-se as seguintes normas:

- art. 780 CPP: regula matéria referente ao cumprimento de cartas rogatórias, bem o processamento de homologação de sentença penal estrangeira, tendo por

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira267

conseqüência, esta última, a imposição de medida de segurança e de reparação civil e de outros efeitos civis;

- Lei n° 6.815/80 – extradição.

Afirma o autor que a matéria referente à extradição tem fundo eminentemente constitucional, amparada pelo princípio da soberania nacional. Ademais, a soberania nacional é princípio fundamental afirmado no art. 1° da CF/88.

Por isso, deve-se acrescentar ao art. 781 do CPP, a vedação de homologação de sentenças estrangeiras contrárias à soberania nacional.

Conforme redação dada pela EC n° 45/2004, a competência para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatória passou para o STJ, não mais competindo ao STF como na redação anterior.

Cartas Rogatórias

Definição – solicitação entre países soberanos para o cumprimento de ato processual necessário ao andamento de ação judicial em curso em um outro (país).

Por isso, toda documentação apresentada para tal finalidade deverá ter tramitação pelas vias diplomáticas, com o que estará atestada sua autenticidade (art. 782, CPP).

Quando a carta rogatória houver de ser expedida no Brasil para cumprimento no estrangeiro, caberá ao Ministro da Justiça requerer seu cumprimento às autoridades estrangeiras, também pela via diplomática.

Quanto se tratar de hipótese inversa, ou seja, cumprimento de carta rogatória no Brasil, este ocorrerá por meio de concessão de exequatur pelo Presidente do STJ, após a verificação da regularidade da documentação (vide art. 784, §1°, do CPP). Ressalte-se que a tramitação pela via diplomática, mesmo no país de origem, e desde que regularmente vertida para o vernáculo pelas referidas autoridades (diplomáticas), dispensa a exigência de tradutor oficial ou juramentado.

Exarado o exequatur, isto é, o cumpra-se, a carta é remetida ao TRF, para posterior encaminhamento ao juiz federal do local do cumprimento (art. 109, X, CF/88).

Nos termos do art. 227 do RISTF, da decisão que conceder ou denegar exequatur, caberá agravo regimental. Já o art. 228 dispõe que cabem embargos em relação a qualquer ato referente à tramitação da carta rogatória (prazo – 10 dias). Segundo o autor, o RISTF deve permanecer vigente até que o STJ altere seu regimento.

O interessado residente no país deve ser intimado para, querendo, impugnar a pretensão estrangeira, o mesmo ocorrendo com o PGR. No entanto, a mencionada impugnação está limitada a questões atinentes a possíveis violações à soberania nacional, à ordem pública ou à ausência de autenticidade.

É preciso ainda que se trate de crime que, segundo a lei brasileira, não exclua a extradição (art. 784, CPP).

Cumprida a diligência, a carta é remetida ao STJ para encaminhamento ao país de origem pela via diplomática.

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Tratando-se de ação penal privada, segundo a lei brasileira, a tramitação da carta rogatória, após o exequatur, dependerá do interessado, a quem, inclusive, caberá o pagamento das custas e despesas processuais (art. 784, §3° do CPP).

Homologação de Sentenças Estrangeiras

A necessidade de homologação de sentenças estrangeiras tem por objetivo a preservação da soberania nacional, malgrado a necessidade de cooperação internacional no combate à criminalidade.

Assim, não se admitirá o cumprimento em território nacional de pena imposta em outro Estado. Primeiramente, por ausência de previsão legal. Com efeito, conforme art. 9° do CP, a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesma conseqüências, pode ser homologada no Brasil para: a) obrigar o condenado à reparação do dano, à restituição e a outros efeitos civis; b) sujeita-lo à medida de segurança.

Em segundo lugar, porque ninguém será processado ou sentenciado e nem preso ou mantido preso senão por ordem fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5°, LIII e LXI da CF/88). Assim, os atos executórios partindo de autoridade estrangeira confrontariam com o princípio da soberania nacional, podendo, em tese, afrontar limitações constitucionais. Por exemplo: a prisão de nacional por força de sentença estrangeira equivaleria à violação da norma constitucional que veda a extradição do brasileiro nato.

No caso do estrangeiro sua prisão somente pode ser cumprida no estrangeiro, o que somente é possível se houver tratado de extradição.

Ressalte-se que a aceitação da homologação de sentença estrangeira para fins de reparação civil está condicionada à previsão das mesmas conseqüências na legislação nacional.

No caso das medidas de segurança, por revelarem certa periculosidade, decorrente da prática de crimes por inimputáveis ou semi-imputáveis, é possível o cumprimento no Brasil. No entanto, na prática, quando houver tratado de extradição entre os países, deve-se adotar a extradição, tendo em vista a dificuldade de cumprimento de quaisquer penas no Brasil.

O procedimento de cumprimento de sentença estrangeira assemelha-se ao da carta rogatória, no que tange à observância das normas regimentais da jurisdição competente.

São requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira:

a) haver sido proferida por juiz competente (art. 78, II, do CPP, e art. 217, I, RISTF);

b) terem sido as partes citadas ou ter-se legalmente verificado a revelia (art. 788, II, CPP, e art. 217, II, RISTF);

c) ter passado em julgado e estar revestida de formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida (art. 788, III, CPP, e art. 217, III, RISTF);

d) estar autenticada pelo cônsul brasileira e acompanhada da tradução oficial (art. 788, IV e V, CPP, e art. 217, IV, RISTF).

Curso de Processo Penal, de Eugênio Pacelli de Oliveira269

Legitimados – PGR ou parte interessada (na reparação civil).

O requerido será citado, por oficial de justiça, por meio de carta de ordem, para contestar em 15 dias, sendo possível também a citação por edital (art. 220, RISTF).

Matéria da contestação: vícios na sentença ou na autenticidade dos documentos, cumprimento das exigências legais (art. 788, CPP) e violação à soberania, à ordem pública e aos bons costumes.

Da decisão do Presidente que denegar a homologação, cabe agravo regimental para o Plenário (art. 222, parágrafo único, RISTF).

Por fim, a execução da sentença homologada far-se-á por Carta de Sentença, no juízo competente (da Justiça Federal – art. 109, X, CF/88), observadas as normas brasileiras para o referido procedimento (art. 224, RISTF).

Ressalte-se que o CPP não fala em cabimento de Contestação, mas de Embargos, ao contrário do RISTF. No entanto, a redação do art. 102, I, h, da CF/88, dispunha ser possível ao RISTF atribuir o julgamento ao presidente. Dessa norma, somada à legislação processual junto aos tribunais superiores, especialmente a Lei n° 8.038/90, resultou o entendimento consolidado no sentido de prevalência das normas regimentais sobre o CPP, tendo em vista que aquelas estavam em maior sintonia com a legislação pertinente ao tema.

Por último, Pacelli defende que, para fins de reincidência, somente vale a sentença estrangeira devidamente homologada, pois somente a homologação é capaz de atestar sua validade extrínseca (requisito formal) e a validade de seu conteúdo. O autor ressalta, no entanto, a existência de entendimentos em contrário.

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