resumo obrigações

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Aula 11 - EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES Prof. Rafael de Menezes Uma obrigação é um fenômeno jurídico que ocorre a todo o momento, que nasce e se extingue a todo instante. Enquanto estamos aqui conversando, existem inúmeras obrigações, contratos, atos ilícitos, etc., sendo realizados/ocorrendo lá fora na rua. Vocês hoje, por exemplo, celebraram algum contrato, assumiram alguma obrigação, compraram alguma coisa, tomaram algo emprestado, usaram o telefone? Acredito que sim, então vocês hoje fizeram acontecer uma obrigação jurídica. Veremos nesta 2ª unidade do curso de Direito Civil 2 os vários modos pelos quais as obrigações se extinguem, e o primeiro e principal desses modos é o pagamento. 1 - Pagamento: é a principal forma de extinção das obrigações. O pagamento é muito comum e ocorre com grande freqüência na sociedade, pois toda obrigação nasce para ser satisfeita. A imensa maioria das obrigações são cumpridas/pagas, de modo que o devedor fica liberado. Só uma minoria das obrigações é que não são satisfeitas, pelo que o devedor poderá ser judicialmente processado pelo credor. Conceito: num conceito mais simples, pagamento é a morte natural da obrigação, ou a realização real da obrigação, mas nem sempre em dinheiro (ex: A paga a B para pintar um quadro, de modo que a obrigação de B será fazer o quadro, o pagamento de B será realizar o serviço). O leigo tende a achar que todo pagamento é em dinheiro,

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Aula 11 - EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Prof. Rafael de Menezes 

            Uma obrigação é um fenômeno jurídico que ocorre a todo o momento, que nasce e se extingue a todo instante. Enquanto estamos aqui conversando, existem inúmeras obrigações, contratos, atos ilícitos, etc., sendo realizados/ocorrendo lá fora na rua. Vocês hoje, por exemplo, celebraram algum contrato, assumiram alguma obrigação, compraram alguma coisa, tomaram algo emprestado, usaram o telefone? Acredito que sim, então vocês hoje fizeram acontecer uma obrigação jurídica.

            Veremos nesta 2ª unidade do curso de Direito Civil 2 os vários modos pelos quais as obrigações se extinguem, e o primeiro e principal desses modos é o pagamento.

            1 - Pagamento: é a principal forma de extinção das obrigações. O pagamento é muito comum e ocorre com grande freqüência na sociedade, pois toda obrigação nasce para ser satisfeita. A imensa maioria das obrigações são cumpridas/pagas, de modo que o devedor fica liberado. Só uma minoria das obrigações é que não são satisfeitas, pelo que o devedor poderá ser judicialmente processado pelo credor.

            Conceito: num conceito mais simples, pagamento é a morte natural da obrigação, ou a realização real da obrigação, mas nem sempre em dinheiro (ex: A paga a B para pintar um quadro, de modo que a obrigação de B será fazer o quadro, o pagamento de B será realizar o serviço). O leigo tende a achar que todo pagamento é em dinheiro, mas nem sempre, pois em linguagem jurídica pagar é executar a obrigação, seja essa obrigação de dar uma coisa, de fazer um serviço ou de se abster de alguma conduta (não-fazer).

            Num conceito mais completo, pagamento é o ato jurídico formal, unilateral, que corresponde à execução voluntária e exata por parte do devedor da prestação devida ao credor, no tempo, modo e lugar previstos no título constitutivo. Vamos comentar este conceito:

            - formal: o pagamento é formal pois a prova do pagamento é o recibo; tal recibo em direito é chamado de quitação, e deve atender às formalidade do art. 320. Muitas vezes, em pequenos contratos, nós não pedimos recibo pra não perder tempo,  é um

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hábito que nós temos e vocês sabem que o costume é também uma fonte do direito.  Falaremos mais da quitação adiante.

            - unilateral: pois é de iniciativa do devedor, que é o sujeito passivo da obrigação.

            - voluntário e exato: lembrem-se sempre disso, pagamento é voluntário e exato; se o devedor só paga após ser judicialmente executado, tecnicamente isto não é pagamento pois foi feito sob intervenção judicial, ao penhorar/tomar bens do devedor; além de voluntário, o pagamento deve ser exato, então se A deve cinquenta a B e paga com um livro, tecnicamente isto não foi pagamento. De qualquer modo, em ambos os casos, mesmo pagando sob força judicial, ou pagando coisa diferente da devida, se o credor aceitou e se satisfez, isto é o que importa. Mas tecnicamente, em linguagem jurídica,  pagamento é aquele voluntário e exato.

            - prestação: é o objeto da obrigação, e vocês já sabem que tal prestação é uma conduta humana, pode ser um dar, um fazer ou um omitir-se (não-fazer). Pagar é cumprir esta prestação.

            - tempo, modo e lugar: o pagamento precisa atender a estas regras previstas no contrato na lei ou na sentença que fez nascer a obrigação, respeitando a data, o lugar e a maneira de pagar.  

Regras do pagamento: 1) satisfação voluntária e rigorosa da prestação (dar uma coisa, fazer um serviço, ou abster-se de uma conduta) porque o pagamento é exato; 2) o credor não pode ser obrigado a receber prestação diferente, ainda que mais valiosa (art. 313); o credor pode aceitar receber prestação diferente, mas não pode ser forçado a aceitar (356); 3) o credor não pode ser obrigado a receber por partes uma dívida que deve ser paga por inteiro (314); esta regra tem duas exceções, no art. 962, que dispõe sobre o concurso de credores, assunto do final do semestre, e no art. 1.997, que dispõe sobre pagamento pelos herdeiros de dívida do falecido, assunto de Civil 7.

            Quem deve pagar? O devedor, mas nada impede que um terceiro pague, afinal o credor quer receber. Se o devedor quer impedir que um terceiro pague sua dívida deve se antecipar e pagar logo ao credor. Em geral para o credor não importa quem seja o solvens, quem esteja pagando. Solvens é o pagador, seja ele o devedor ou não, e o accipiens é quem recebe o pagamento, seja ele o credor ou não. Se a obrigação for personalíssima (ex: A

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contrata o cantor B para fazer um show), o solvens só pode ser o devedor. Mas se a obrigação não for personalíssima, o credor vai aceitar o pagamento de qualquer pessoa. Para evitar especulações ou constrangimentos, a lei trata diferente o terceiro que paga por interesse jurídico do terceiro que paga sem interesse jurídico, apenas por pena ou para humilhar. Assim, o terceiro que paga com interesse jurídico (ex: fiador, avalista, herdeiro) vai se sub-rogar nos direitos do credor (349, veremos sub-rogação em breve). O terceiro que paga sem interesse jurídico (ex: o pai, o inimigo, etc) vai poder cobrar do devedor original, mas sem eventuais privilégios ou vantagens (ex: hipoteca, penhor, 305). Em suma, o terceiro interessado tem reembolso e sub-rogação nos eventuais privilégios, já o terceiro juridicamente desinteressado só tem direito ao reembolso.

            A quem se deve pagar? Ao credor, ou a seu representante, sob pena do pagamento ser feito outra vez, pois quem paga mal paga duas vezes (308). Se o credor é menor ou louco, pague a seu pai ou curador, sob pena de anulabilidade (310). Credor putativo: é aquele que parece o credor mas não o é (ex: A deve a B, mas B morre e deixa um testamento nomeando C seu herdeiro, então A paga a C, mas depois o Juiz anula o testamento, A não vai precisar pagar novamente pois pagou a um credor putativo; C é que vai ter que devolver o dinheiro ao verdadeiro herdeiro de B, 309). Idem no caso do 311, pois se considera um representante do credor aquele que está com o recibo, embora depois se prove que tal accipiens furtou o recibo do credor; neste caso o devedor não vai pagar outra vez, o credor deverá buscar o pagamento do accipiens falso.

            Como se prova o pagamento? Já dissemos, com o recibo/quitação. Quitação vem do latim “quietare”, que significa aquietar, acalmar, tranqüilizar. Quitação é o documento escrito em que o credor reconhece ter recebido o pagamento e exonera o devedor da obrigação. A quitação tem vários requisitos no art. 320, mas em muitos casos da vida prática a quitação é informal/verbal e decorre dos costumes (ex: compra e venda em banca de revista/bombom). Se o credor não quiser fazer a quitação, o devedor poderá não pagar (319). Mas pagar não é só uma obrigação do devedor, pagar é também um direito, pois o devedor tem o direito de ficar livre das suas obrigações, é até um alívio para muita gente pagar seus débitos. Assim, o devedor pode consignar/depositar o pagamento se o credor não quiser dar a quitação, e o Juiz fará a quitação no lugar do credor. Veremos em

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breve pagamento em consignação. Espécies de quitação: 1) pela entrega do recibo, é a mais comum; 2) pela devolução do título de crédito (324), assunto que vocês vão estudar em Direito Empresarial/Comercial.

Ônus da prova: quem deve provar que houve pagamento? Se a obrigação é positiva, ou seja, de dar e de fazer, o ônus da prova é do devedor, assim se você é devedor, guarde bem seu recibo. Se a obrigação é negativa o ônus da prova é do credor, cabe ao credor provar que o devedor descumpriu o dever de abstenção, pois não é razoável exigir que o devedor prove que se omitiu, e mais fácil exigir que o credor prove que o devedor deixou de se omitir, fazendo o que não podia, descumprindo aquela obrigação negativa.

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 – PAGAMENTO (continuação)

Lugar: onde o pagamento deve ser feito? No local de livre escolha das partes, afinal no Direito Civil predomina a autonomia da vontade (art. 78). Se o contrato/sentença for omisso, o lugar do pagamento será no domicílio do devedor (327 e pú). Tratando-se de imóvel, o local da coisa determina o lugar do pagamento (328). A doutrina classifica as dívidas em quesível (querable) e portável (portable): nesta, cabe ao devedor ir pagar no domicílio do credor, sob pena de juros e multa ( = mora, assunto do final do semestre, 395). Já na dívida querable cabe ao credor ir exigir o pagamento no domicílio do devedor, a iniciativa é do credor, sob pena de mora do credor (394, 400, bom, veremos mora mais adiante).

Tempo: quando deve ser feito o pagamento? No vencimento previsto no título, e se não houver vencimento é porque o credor pode exigir o pagamento imediatamente. É a chamada satisfação imediata do art. 331. Mas deve-se sempre tolerar um prazo moral, que é aquele prazo razoável, do bom-senso, para dar ao devedor um tempo mínimo de se organizar, sacar o dinheiro no banco, esperar a mercadoria chegar do exterior, etc. O vencimento é uma data que favorece o devedor, então o devedor pode pagar antes do vencimento, mas o credor só pode exigir a partir do vencimento, sob as penas do 939. A lei todavia permite, excepcionalmente, cobrança antes do vencimento caso o devedor esteja em dificuldade financeira, nos casos do art. 333.

Enriquecimento sem causa e pagamento indevido:

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Enriquecer sem causa é enriquecer repentinamente sem motivo justo, sem trabalhar, sem herdar. Uma das hipóteses de enriquecimento sem causa é através do pagamento indevido, por isso estes dois assuntos devem ser estudados em conjunto.

Ocorre pagamento indevido quando o devedor paga a alguém que não é o credor, ou seja, o accipiens não é o credor, e o devedor agiu por engano. Quem recebe pagamento indevido enriquece sem causa (ex: A deve a José da Silva, mas paga a outro José da Silva, homônimo do verdadeiro credor; A efetuou pagamento indevido e vai ter que pagar de novo ao verdadeiro credor, pois quem paga mal paga duas vezes;  A obviamente vai exigir o dinheiro de volta do outro José da Silva que enriqueceu sem causa, mas o verdadeiro credor não precisa esperar, ele não tem nada a ver com isso).

Ocorre enriquecimento sem causa quando alguém aufere um aumento patrimonial, em prejuízo de outrém, sem justa causa. Há outros casos de enriquecimento sem causa além das hipóteses de pagamento indevido, ex: 578, 1255, pú do 1817, etc. Estudaremos esses exemplos oportunamente, ao longo do extenso curso de Direito Civil.

Dois efeitos do pagamento indevido:

1 – aquele que enriqueceu sem causa fica obrigado a devolver o indevidamente auferido, não só por uma questão  moral (= direito natural), mas também por uma questão de ordem civil (876, 884) e tributária, afinal como explicar à Receita Federal um súbito aumento de patrimônio? O objetivo dessa devolução é reequilibrar os patrimônios do devedor e do falso credor, alterados sem fundamento jurídico, sem causa justa.

            2 – se o falso credor não quiser voluntariamente devolver o pagamento, surge o segundo efeito que é o direito do devedor de propor ação de repetição do indébito (repetitio indebiti) contra tal accipiens.  Esta ação tem este nome pois, em linguagem jurídica, “repetir” significa “devolver” e “indébito” é aquilo que não é devido. Então a ação é para o falso credor devolver aquilo que não lhe era devido.  Tal ação prescreve em três anos (206, § 3º, IV).

            Também se aplicam as regras do pagamento indevido quando se paga mais do que se deve. Porém não cabe a repetição quando o “solvens” agiu por liberalidade (ex: doação, 877) ou em

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cumprimento de obrigação natural (ex: gorjeta, dívida de jogo, dívida prescrita, 882, 814) ou quando o “solvens” deu alguma coisa para obter fim ilícito, afinal ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (ex: pagou ao pistoleiro errado para cometer um homicídio, não cabe devolução, 883).

            E se o objeto do pagamento indevido já tiver sido alienado pelo falso credor a um terceiro? Bem, se tal objeto era coisa móvel, tal alienação vale por uma questão de segurança das relações jurídicas e porque em geral os móveis são menos valiosos do que os imóveis. De qualquer modo o falso credor vai responder pelo equivalente em dinheiro.

            Mas se o objeto do pagamento indevido for um imóvel que o falso credor já tenha alienado a um terceiro, tal alienação só valerá se feita onerosamente (venda sim, doação não) e o terceiro estiver de boa-fé. Caso contrário o solvens poderá perseguir o imóvel e recuperá-lo do terceiro (879).

 

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES 

1 – Pagamento (já visto) 

2 - IMPUTAÇÃO DE PAGAMENTO: o normal é entre duas pessoas haver apenas uma obrigação, mas pode acontecer de alguém ter mais de uma dívida com o mesmo credor. Assim, se A deve a B cem reais decorrentes de um empréstimo e outros cem reais decorrentes de um ato ilícito (ex: A bateu no carro de B), quando A vai pagar apenas uma destas dívidas precisa dizer a B qual está quitando. Imputar o pagamento é determinar em qual dívida o pagamento está incidindo. Num conceito mais técnico, imputação de pagamento é a operação pela qual o devedor de mais de uma dívida vencida da mesma natureza a um só credor, indica qual das dívidas está pagando por ser tal pagamento inferior ao total das dívidas (352). É preciso que haja mais de uma dívida, todas vencidas, da mesma natureza (ex: obrigação de dar dinheiro) e o pagamento ser menor do que a soma das dívidas. Cabe ao devedor fazer a imputação, dizer qual dívida está quitando, e o devedor deve

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ser orientado por seu advogado para quitar logo a dívida de juro maior e a dívida com garantia (ex: hipoteca, penhor, fiança, porque aí o devedor libera a coisa dada em garantia/o devedor libera o fiador). Se o devedor não imputar, o credor poderá fazê-lo (353), devendo o credor ser orientado por seu advogado para pedir a quitação na dívida de juro menor e na dívida quirografária ( = dívida sem garantia).  Lembrem-se que pelo art. 314 o credor não está obrigado a receber pagamento parcial, mas na prática pode ser melhor o credor aceitar alguma coisa e depois brigar pelo restante. Se o devedor e o credor não fizerem a imputação, a lei fará na dívida de maior valor, conforme art. 355 ( = imputação legal).  

3 – PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO

Este é o terceiro dos modos de extinção das obrigações que nós estamos estudando. É através da consignação que o devedor vai exercer o seu direito de pagar, afinal já dissemos que pagar não é só um dever, é um direito também, concordam? Imaginem que o locador morreu e o inquilino desconhece seu herdeiro, deve então consignar o aluguel para evitar a mora e o despejo. Consignar onde? Em Juízo, e o Juiz vai procurar o sucessor do credor. A parte operacional da consignação em pagamento vocês vão estudar em processo civil, mas conhecendo o direito, o processo fica fácil de aprender (335, III – credor desconhecido). Outro exemplo, imaginem que alguém morre e deixa a mulher como beneficiária do seguro de vida, só que o falecido tinha uma esposa e uma companheira, então a seguradora vai pagar a qual das duas? Paga em Juízo, numa conta a disposição do Juiz, o Juiz dá uma sentença à seguradora, que servirá de quitação, enquanto as duas mulheres seguem no processo disputando o dinheiro (793, 335, IV).  É prudente a seguradora fazer isso até para não correr risco de pagar à mulher errada e efetuar pagamento indevido.

Conceito: pagamento por consignação consiste no depósito judicial da coisa devida, realizada pelo devedor nas hipóteses do art. 335 do CC. Este artigo é taxativo (= exaustivo), não é exemplificativo, de modo que não há outras possibilidades de consignação. Outro detalhe importante: só existe consignação nas obrigações de dar, pois não se pode depositar um serviço (obrigação de fazer) ou uma omissão (obrigação de não-fazer), mas apenas coisas, em geral dinheiro. Admite-se também depósito de imóveis, gado, colheita, etc (341), e o Juiz vai ter que arranjar um depositário para cuidar dessas coisas até o credor aparecer (343).

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Quando o depósito é de pecúnia (dinheiro) coloca-se em banco oficial: Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, em conta à disposição do Juiz.

Percebam que na ação de consignação o autor é o devedor, o credor é o réu e a quitação vem com a sentença. A sentença dirá se a consignação equivale ao pagamento, se o devedor teve razão ao consignar e se a obrigação está extinta. Excepcionalmente admite-se o credor como autor da ação quando mais de uma pessoa se diz credor, então qualquer deles pede ao devedor que consigne o pagamento, enquanto os credores discutem em Juízo (345).

Em algumas consignações o credor está certo de não querer receber pois o devedor quer pagar menos do que deve, e vocês sabem que o credor não está obrigado a receber por partes. Então o devedor consigna com base no inc. I do 335, alegando que o credor se recusa a receber, mas existe uma “justa causa” para isso no 314. Isso acontece na prática quando o devedor usa o cheque especial, atrasa o cartão de crédito, etc. e depois quer pagar sem incluir os juros contratados. Ora, quando o devedor precisou de crédito o banco emprestou, então na hora de pagar é preciso cumprir o contrato, concordam?

No Código de Processo existe uma consignação extra-judicial, para dívidas em dinheiro, que podem ser feitas diretamente no banco, sem precisar de advogado ou Juiz. Vocês verão isso lá em Processo Civil.

Efeitos do pagamento por consignação: 1) liberatório: libera/exonera o devedor da obrigação; 2) extintivo: a consignação extingue a obrigação (334).

4 – Pagamento por sub-rogação

            Sub-rogar é substituir o credor, de modo que o pagamento por sub-rogação assemelha-se à cessão de crédito por se tratar da substituição da pessoa do credor (348; veremos cessão de crédito mais adiante).

            Conceito: ocorre a sub-rogação quando a dívida de alguém é paga por um terceiro que adquire o crédito e satisfaz o credor, mas não extingue a dívida e nem libera o devedor, que passa a dever a esse terceiro. Ex: A deve cem a B, mas C resolve pagar essa dívida, então B vai se satisfazer e A vai passar a dever a C.

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Via de regra não há prejuízo para o devedor que passa a dever a outrem.

Como vocês já sabem, a lei permite que qualquer pessoa pague a dívida dos outros, então se o devedor quer evitar isso, deve se antecipar e cumprir logo suas obrigações.  O terceiro que paga essa dívida pode ou não ter interesse jurídico, vimos isso algumas aulas atrás, lembram?

Se o terceiro solvens tem interesse jurídico vai se sub-rogar nos direitos do credor primitivo, ou seja, vai adquirir todas as eventuais vantagens, privilégios, garantias e preferências do credor primitivo, além de, é óbvio, exigir o reembolso. Ex: A deve cem a B com uma garantia de fiança ou hipoteca; se C pagar essa dívida terá direito a cobrar os cem de A, mas só terá direito à garantia da fiança ou da hipoteca caso C possua interesse jurídico (346, III). Veremos fiança e hipoteca, respectivamente, em Civil 3 e Civil 5. Caso C não possua interesse jurídico só terá direito ao reembolso (305). A lei trata diferente para evitar especulações e constrangimentos, depois revisem a aula 11.

Efeitos da sub-rogação: 1) satisfativo em relação ao credor primitivo. O credor primitivo vai se satisfazer com o pagamento feito pelo terceiro, mas a obrigação permanece para o devedor; a sub-rogação não extingue a dívida; 2) translativo: o novo credor vai receber todas as vantagens e direitos do credor primitivo, desde que o pagamento tenha sido feito por sub-rogação (349).

Espécies de sub-rogação: 1) legal: decorrente da lei, nas hipóteses do art. 346; a lei determina independente da vontade das partes; 2) convencional: depende de acordo escrito entre as partes, quando o terceiro solvens faz acordo com o credor primitivo e fica com o direito de sub-rogação mesmo sem interesse jurídico e mesmo sem a anuência do devedor. Através de acordo escrito se transferem todas as vantagens do credor primitivo para o solvens, igual a uma cessão de crédito (347 e 348). 

5 – Dação em pagamento

É dar alguma coisa em pagamento, diferente da coisa devida. Os romanos chamavam de datio in solutum. Dação vem assim do verbo dar. Por favor, não é “da ação” em pagamento, mas “dação” mesmo, do verbo dar.

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Conceito: é o acordo liberatório em que o credor concorda em receber do devedor prestação diversa da ajustada (356). Não pode haver imposição do devedor em pagar algo diferente do devido (313), afinal quem deve dinheiro só paga com um objeto se o credor aceitar. Ex: devo dinheiro e pago com uma TV, um livro, uma casa, etc.

Requisitos da dação: 1) consentimento, concordância, anuência do credor; 2) prestação diversa da ajustada, então não se trata de obrigação alternativa, pois nesta a obrigação nasce com duas opções de pagamento; na dação é só depois que as partes trocam o objeto do pagamento.

Efeitos da dação: 1) satisfatório em relação ao credor, mesmo recebendo outra coisa, pois o credor pode preferir receber coisa diversa do que receber com atraso ou nada receber; 2) liberatório em relação ao devedor, pois a dívida se extingue e o devedor se exonera da obrigação.  Estes dois efeitos são os mesmos do pagamento natural.

Evicção: imaginem que A deve 100 e paga com um objeto furtado, que não era dele, então o verdadeiro dono vai exigir a devolução da coisa e a obrigação vai renascer (359). Ser “evicto” é ser afastado da coisa recebida em pagamento.  Ocorre a evicção quando alguém perde a propriedade da coisa em virtude de decisão judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre essa coisa.  Veremos evicção em Civil 3.

6 – Novação: está em desuso e é rara, por isso não vamos estudá-la. Saibam apenas que se trata da extinção de uma obrigação por outra diferente, destinada a substituí-la. Com a novação se extingue uma dívida e se cria uma nova dívida entre as mesmas partes, enfim não se muda muita coisa, continua a existir uma obrigação entre as mesmas partes.  É mais prático fazer uma dação em pagamento ou uma cessão de crédito.

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (continuação) 

7 – COMPENSAÇÃO: é um modo de extinção das obrigações que deve ser estimulado pois representa a lei do menor esforço, por uma questão de lógica e de simplicidade.

      Conceito: a compensação extingue as obrigações do mesmo gênero das pessoas que são, reciprocamente, credoras e

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devedoras entre si, até onde as dívidas se compensem. Ex: A deve cem a B decorrente de um empréstimo e B deve cem a A porque bateu no carro de A, então um não vai cobrar do outro, a compensação vai extinguir as duas obrigações mediante um pagamento fictício (art. 368). A compensação exige pluralidade de obrigações, não existindo compensação numa obrigação única, como uma compra e venda, onde o comprador deve o preço e o vendedor deve a coisa. A compensação pode ser parcial caso a outra dívida seja inferior,  o que vai representar mais uma exceção ao art.  314, afinal a compensação deve ser estimulada.

Espécies: a) compensação legal: ocorre por força da lei, mesmo que uma das partes se oponha, sempre que as dívidas forem líquidas ( = valor certo), vencidas e homogêneas  (= mesma espécie e qualidade, 369); b) compensação judicial: determinada pelo Juiz no caso concreto, ao entender que deve haver compensação por uma questão de economia processual, por uma questão de praticidade, dando o Juiz seus motivos/fundamentos na sentença; c) compensação convencional: decorre do acordo de vontades, decorre da transação entre as partes, e no direito civil a liberdade das partes é grande, as partes podem dispor de seus bens com ampla liberdade, é a chamada autonomia privada. Dívidas de qualquer tipo podem ser compensadas, sejam ilíquidas, heterogenias ou não vencidas, ninguém tem nada a ver com isso, nem Promotor, nem Juiz, nem Delegado, afinal cada um sabe o que faz com seu patrimônio. Mas, repito, depende de acordo, não pode haver imposição de uma parte sobre outra.

Vedações: algumas obrigações, pela sua natureza, não podem ser compensadas, pois elas fogem ao direito patrimonial privado. São aquelas obrigações de caráter alimentar e tributário. Então se meu filho bate com meu carro eu não posso deixar de sustentá-lo (ex: deixar de pagar a faculdade alguns meses) para compensar o prejuízo, afinal os alimentos são indispensáveis por uma questão de sobrevivência. Idem se meu carro cai num buraco na rua, eu não posso deixar de pagar imposto de renda para compensar com o governo o prejuízo pela não conservação das ruas, afinal o interesse público do governo em receber tributos é maior do que o interesse particular do cidadão que teve seu carro avariado. Por isso já foi revogado o art. 374 do novo CC.  

Efeitos da compensação: os mesmos do pagamento: extingue a obrigação, satisfaz o credor e libera o devedor.  

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8 – CONFUSÃO: esta confusão aqui, do direito das obrigações, é diferente da confusão dos direitos reais, do art. 1272, que corresponde à mistura de líquidos, e que estudaremos em Civil 4. A confusão que nos interessa hoje é mais um modo de extinção das obrigações semelhante ao pagamento por impossibilidade lógica de permanecer o vínculo. Art 381, ex: A é inquilino de seu pai B, mas o pai morre e A herda o apartamento, extinguindo a obrigação de pagar aluguel face à confusão, pois B vai reunir as qualidades de credor e devedor, afinal ninguém pode ser devedor ou credor de si mesmo. A confusão exige identidade de pessoas e de patrimônios, de modo que o dono de uma pessoa jurídica pode dever a sua empresa, e vice-versa.  

9 – REMISSÃO: escreve-se com dois “s”, ao contrário de remição, instituto da execução contra devedor que vocês vão estudar em processo civil. A remissão (com dois “s”) é o popular perdão da dívida. Conceito: remissão é a liberação do devedor pela autoridade do credor que, voluntariamente, dispensa o crédito, perdoa o débito e extingue a obrigação (385). Mas como pagar é um direito do devedor, se ele não aceitar a remissão deve consignar o pagamento. Mas em geral a remissão é aceita e se assemelha a uma doação.

Espécies de remissão: pode ser total ou parcial (parte da dívida ou dispensa dos juros); pode ser expressa (por escrito) ou tácita (ex: devolução do título de crédito); pode ser gratuita (mais comum) ou onerosa (nesta remissão o credor perdoa a dívida mas pede algo em troca, o que se assemelha a uma transação, veremos transação em breve).

Ressalto que remissão é gesto nobre de pessoas solventes, ou seja, quem está em dificuldades financeiras não pode perdoar seus devedores, afinal estará prejudicando seus próprios credores (385, in fine). Assim se A é insolvente (tem muitos credores) não pode perdoar seus devedores para não caracterizar uma fraude contra seus credores, como prevê o art. 158.  Trata-se inclusive de uma presunção absoluta de fraude a remissão de dívida feita pelo insolvente, como vocês estudaram no semestre passado

10 – TRANSAÇÃO 

            Trata-se na verdade de um contrato, o Código Civil trata como contrato, mas para alguns autores a transação é modo de extinção das obrigações. Eu entendo que é um contrato, mas no

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próximo semestre vocês terão muito assunto para estudar, pois Civil 3 é a cadeira mais extensa do curso de Direito Civil. Assim, vamos logo conhecer aqui a transação que corresponde a um acordo, a uma conciliação para extinguir a obrigação. O Juiz inclusive deve incentivar a transação entre as partes, conforme art. 125, IV, do Código de Processo. Conforme ditado popular, “é melhor acordo ruim do que briga boa”. Vocês conhecem a expressão “intransigente”? Pois intransigente é aquele que não faz transação, que não faz concessões.

            Conceito da doutrina: transação é a solução contratual da lide; conceito da lei: transação é o contrato pelo qual as partes terminam ou previnem um litígio mediante concessões mútuas, art. 840. É essencial que na transação existam concessões mútuas, ou seja, cada uma das partes perde e ganha um pouco. As concessões podem ser desproporcionais, ou seja, uma parte pode se quiser perder mais do que a outra, mas as concessões têm que ser mútuas. Se uma das partes perde tudo e esta parte é o credor existe remissão da dívida (vide item 9), mas não transação.  Igualmente, se o devedor perde tudo existe pagamento, mas não transação.

É curioso que se uma das cláusulas do contrato de transação for nula, o contrato todo será anulado, pois a nulidade de uma cláusula quebra esse equilíbrio das concessões que as partes buscaram (848). Diz-se que a transação é por isso indivisível.

Aplicação: a transação não se aplica a todas as obrigações, mas apenas às obrigações de caráter patrimonial privado (841), que são justamente estas obrigações que nós encontramos aqui no Direito Civil. Todavia, tolera-se transação em outras áreas, como no Direito de Família, quando as partes transacionam sobre pensão alimentícia; ou no Direito do Trabalho quando as partes transacionam sobre salários atrasados; ou no Direito Penal quando o Ministério Público transaciona com o réu, e o réu reconhece a culpa em troca de uma pena menor; ou no Direito Administrativo quando o Governo transaciona com o contribuinte para receber impostos. Enfim, a transação é típica do Direito Civil, mas pelas suas vantagens admite-se cada vez mais em outras áreas.

Falando de Direito Penal, devo dizer que a transação civil sobre fato que constitui crime não extingue a ação penal. Ex: se A agride B e quebra seu braço, vai responder penalmente por lesão corporal e civilmente pelos danos causados a B com tratamento

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médico, tempo que ficou sem trabalhar, danos morais se for o caso, etc. Se A e B fazem uma transação civil, não impede o Promotor de continuar processando A criminalmente para receber uma pena de prisão (846). Vocês verão em responsabilidade civil a relação entre a Justiça Penal e a Civil quando um mesmo fato interessa a ambas (935).

Espécies: a) preventiva: visa evitar uma ação judicial, ou seja, as partes fazem um acordo antes de submeter a lide ao Judiciário; pode ser feita por instrumento particular, ou seja, por contrato escrito e assinado pelas partes, testemunhas e advogados, se houver; b) terminativa ou judicial: é a transação feita na Justiça, após iniciado o processo, quando o acordo é homologado pelo Juiz. Vamos encontrar estas duas espécies no art. 842.

A vantagem da transação judicial é que ela não pode ser mais discutida, pois foi feita perante o Juiz, tornando-se coisa julgada. Já a transação preventiva, embora também segura, sempre pode ser questionada em Juízo, alegando uma das partes que foi coagida, que se enganou, etc. (849) Eu repudio a banalização destes argumentos pois já disse a vocês que a transação é um contrato, e contrato é para ser cumprido por uma questão de segurança na sociedade.  País nenhum se desenvolveu sem respeitar dois institutos de Direito Civil: contratos e propriedade.

Efeito: a transação extingue a obrigação decorrente daquela controvérsia entre as partes.  

11 – ARBITRAGEM 

            Nosso CC chama a arbitragem de compromisso  e existe uma lei específica sobre arbitragem de nº 9.307/96, conhecida como Lei Marco Maciel, pela influência deste político pernambucano na sua aprovação. Trata-se de um tema moderno e maravilhoso para uma monografia de final de curso.

            Conceito: arbitragem é o acordo pela qual as partes, por não chegarem à transação, concordam em ter sua lide submetida à decisão de um árbitro, de um “juiz particular”, afastando tal lide da Justiça Estatal. Através da arbitragem as partes pedem a um terceiro que aprecie a lide, e tal decisão deverá ser cumprida pelas partes, como se fosse uma sentença judicial. Ressalto que na transação, através de mediação, as partes escolhem a solução da

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lide, enquanto na arbitragem as partes escolhem o árbitro, mas não escolhem a decisão.

            Esta lei 9.307 foi alvo de muitas controvérsias, até que o Supremo, em 2002, julgou sua constitucionalidade, e desde então a arbitragem vem crescendo em todo o país e contribuindo para desafogar a Justiça.

            Vantagens da arbitragem:

a) celeridade: maior rapidez na solução da lide, tendo em vista a conhecida sobrecarga do Judiciário e os entraves da legislação processual;

b) custo menor: quando se ganha tempo também se ganha dinheiro;

c) sigilo: o processo arbitral não é público como o processo judicial, onde as decisões são divulgadas na internet e no Diário Oficial, provocando desgaste emocional;

d) escolha do árbitro: não se pode escolher o Juiz, pois depende sempre das regras de competência e da distribuição no Fórum, porém se pode escolher o árbitro, que deve ser uma pessoa idônea, preparada, conhecida das partes, especialista na área do litígio (ex: engenheiro, médico, contador); isto é uma questão crucial pois o Juiz não entende de medicina, engenharia, contabilidade, etc, e precisa sempre nomear um perito para lhe ajudar a julgar processos nestas áreas;

e) impossibilidade de recurso: a decisão do árbitro é irrecorrível, e se a parte sucumbente não cumpri-la, a parte vencedora vai executá-la perante o Juiz; só aqui é que o Juiz entra, para executar a decisão arbitral com a força do Estado, caso o sucumbente voluntariamente não acate; já na Justiça Estatal existem inúmeros recursos (cerca de trinta), graus de jurisdição (cerca de oito), entraves burocráticos e formalidades desnecessárias previstas no arcaico Código de Processo Civil; f) paz social: a solução rápida da arbitragem traz paz social e elimina as incertezas entre particulares que atrapalhem a realização de negócios e  a circulação de dinheiro na sociedade;

g) alivia a Justiça: a utilização da arbitragem deixa o Judiciário com mais tempo para agir nas questões onde a presença do Estado é

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indispensável, como nas questões penais, administrativas e tributárias.

            Desvantagens da arbitragem: ela só faz sentido para casos sofisticados e de valor elevado;  é preciso pagar os honorários do árbitro e as despesas do Tribunal; tem que ser conduzida por árbitros com conhecimento e tribunais com estrutura para fazer perícias e produzir provas; caso contrário a solução será injusta com o agravante que não cabe apelação. 

            Aplicação da arbitragem: no Direito Internacional, na solução de divergências obrigacionais entre empresas multinacionais, ou na solução de disputas entre países soberanos (ex: dúvidas sobre a fronteira entre dois países);  no Direito Civil em matéria patrimonial (852, ex: direito de vizinhança, contratos, direito da informática, direito autoral, responsabilidade civil, etc).  Na Espanha inclusive, conforme publicado no Jornal do Magistrado da AMB, edição de outubro de 2003, funciona uma corte arbitral com mais de mil anos, na cidade de Valencia. É um tribunal privado que julga problemas com o uso de água entre os agricultores numa região árida,  e os árbitros são os próprios agricultores.

            Espécies: a) cláusula compromissória (853): as partes celebram um contrato e dispõem numa cláusula que, se houver algum litígio futuro entre elas, a lide será submetida à arbitragem e não à Justiça; esta cláusula é mera precaução; b) compromisso arbitral (851): já existe litígio entre as partes e elas resolvem submeter a questão a um árbitro e não a um Juiz para solucionar a controvérsia.

            Atualmente já há vários escritórios de advocacia especialistas em arbitragem. Alguns Juízes são contra a arbitragem por achar que vão perder poder, mas eu discordo, acho que é pura vaidade destes colegas, e nós devemos aceitar tudo que venha para desafogar a Justiça e beneficiar a população, estimulando mais negócios e comércio. Depois acessem  www.iccwbo.org e www.ccbc.org.br e leiam a lei 9.307/96.

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES 

Cessão de Crédito e Assunção de Débito 

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1 – Cessão de crédito: é a venda de um direito de crédito; é a transferência ativa da obrigação que o credor faz a outrem de seus direitos; corresponde à sucessão ativa da relação obrigacional.

            Em direito a sucessão pode ocorrer inter vivos ou mortis causa. A sucessão mortis causa nós vamos estudar em Civil 7, que é a herança. A cessão de crédito corresponde à sucessão entre vivos no direito obrigacional.  A cessão de crédito também não se confunde com a cessão de contrato que é a cessão de direitos e deveres daquela relação jurídica, e não apenas de um crédito.

            Quando estudamos pagamento por sub-rogação vimos que a cessão de crédito é uma de suas espécies (348), mas na sub-rogação a dívida mantem o valor, já a cessão de crédito pode envolver valores diversos tendo em vista  a liberdade entre as partes (ex: A deve cem a B para pagar daqui a seis meses, C então se oferece para adquirir este crédito contra A por oitenta pagando a B a vista; C age na esperança de ter um lucro ao receber os cem de A no futuro; isto acontece no comércio no desconto de cheques “pré-datados”).

            Conceito: cessão de crédito é o negócio jurídico onde o credor de uma obrigação, chamado cedente, transfere a um terceiro, chamado cessionário, sua posição ativa na relação obrigacional, independentemente da autorização do devedor, que se chama cedido.

            Tal transferência pode ser onerosa ou gratuita, ou seja, o terceiro pode comprar o crédito ou simplesmente ganhá-lo (=

Anuência do devedor: como já disse, a cessão é a venda do doação)  do cedente. crédito, afinal o cedido continua devendo a mesma coisa, só muda o seu credor. O cessionário ( = novo credor) perante o cedido/devedor fica na mesma posição do cedente ( = credor velho).   A cessão dispensa a anuência do devedor que não pode impedi-la, salvo se o devedor se antecipar e pagar logo sua dívida ao credor primitivo. Todavia, o cedido ( = devedor) deve ser notificado da cessão, não para autorizá-la, mas para pagar ao cessionário ( = novo credor, 290).

            Justificativa: a cessão de crédito se justifica/se fundamenta para estimular a circulação de riquezas, através da troca de títulos de crédito (ex: cheques, duplicatas, notas promissórias, títulos que vocês vão estudar em Direito Comercial/Empresarial). Além do

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exemplo acima do desconto de cheques “pré-datados”, a cessão de crédito é muito comum entre bancos e até a nível internacional do Governo Federal, em defesa da moeda e da disciplina cambial.

            Forma da cessão: não exige formalidade entre o novo e o velho credor, pode até ser verbal, mas para ter efeito contra terceiros deve ser feita por escrito (288).  A escritura pública é aquela do art. 215, feita em Cartório de Notas. O contrato particular é feito por qualquer advogado.

            Que créditos podem ser objeto de cessão? Todos, salvo os créditos alimentícios (ex: pensão, salário), afinal tais créditos são inalienáveis e personalíssimos, estando ligados à sobrevivência das pessoas. A lei proíbe também a cessão de alguns créditos como o crédito penhorado (298 – vocês vão estudar penhora em processo civil) e o crédito do órfão pelo tutor (1749, III – tutela é assunto de Civil 6). O devedor pode também impedir a cessão desde que esteja expresso no contrato celebrado com o credor primitivo, caso contrário, como já disse, caso queira impedir a cessão o devedor terá que se antecipar e pagar logo. Vide art. 286.

            Espécies de cessão: 1) convencional: é a mais comum, e decorre do acordo de vontades como se fosse uma venda (onerosa) ou doação (gratuita) de alguma coisa, só que esta coisa é um crédito; 2) legal: imposta pela lei (ex: nosso conhecido 346; no 287 também é imposto pela lei a cessão dos acessórios da dívida como garantias, multas e juros);          3) judicial: determinada pelo Juiz no caso concreto, explicando os motivos  na sentença para resolver litígio entre as partes.

            A cessão pode também ser “pro soluto” ou “pro solvendo”; na pro soluto o cedente responde pela existência e legalidade do crédito, mas não responde pela solvência do devedor (ex: A cede um crédito a B e precisa garantir que esta dívida existe, não é ilícita, mas não garante que o devedor/cedido C vai pagar a dívida, trata-se de um risco que B assume). Na cessão pro solvendo o cedente responde também pela solvência do devedor, então se C não pagar a dívida (ex: o cheque não tinha fundos), o cessionário poderá executar o cedente. Mas primeiro deve o cessionário cobrar do cedido para depois cobrar do cedente.

            Quando a cessão é onerosa, o cedente sempre responde pro soluto, idem se a cessão foi gratuita e o cedente agiu de má-fé (ex: dar a terceiro um cheque sabidamente falsificado gera

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responsabilidade do cedente, mas se o cedente não sabia da ilegalidade não responde nem pro soluto, afinal foi doação mesmo - 295);  mas o cedente só responde pro solvendo se estiver expresso no contrato de cessão (296).  

2 – Assunção de dívida: é a transferência passiva da obrigação, enquanto a cessão é a transferência ativa. A assunção é rara e só ocorre se o credor expressamente concordar, afinal para o devedor faz pouca diferença trocar o credor ( = cessão de crédito), mas para o credor faz muita diferença trocar o devedor, pois o novo devedor pode ser insolvente, irresponsável, etc. (299  e 391). E mesmo que o novo devedor seja mais rico, o credor pode também se opor, afinal mais dinheiro não significa mais caráter, e muitos devedores ricos usam  os infindáveis recursos da lei processual para não pagar suas dívidas. Ressalto que o silêncio do credor na troca do devedor implica em recusa, afinal em direito nem sempre quem cala consente (pú do 299). Na assunção o novo devedor assume a dívida como se fosse própria, ao contrário da fiança onde o fiador responde por dívida alheia (veremos fiança em Civil 3).  

            Conceito: contrato onde um terceiro assume a posição do devedor, responsabilizando-se pela dívida e pela obrigação que permanece íntegra, com autorização expressa do credor.

            Observação: ao contrário do pú do 299, nós percebemos que “quem cala consente” no art. 303; trata-se de uma aceitação tácita do credor para a troca do devedor, afinal na hipoteca a garantia é a coisa (assunto de Civil 5).

INADIMPLEMENTO

             Inadimplemento é o não pagamento/cumprimento da obrigação, enquanto a mora é o atraso do devedor no pagamento ou do credor no recebimento; inadimplemento é só do devedor, mora pode ser de ambas as partes (aula 17).

            Efeito do inadimplemento: responsabilizar o devedor por perdas e danos, se este inadimplemento for culposo (389). Se o inadimplemento não for culposo o devedor está isento das perdas e danos, mas é ônus do devedor provar o caso fortuito ou de força maior.

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            O caso fortuito ou de força maior está conceituado no pú do 393; o fato precisa ser superveniente/futuro e imprevisível para justificá-lo. É um problema (ex: cheia, seca, greve, doença, roubo) que o devedor não contribuiu para sua ocorrência e nem poderia evitar.  O fato do príncipe é também um caso fortuito (ex: A deve cigarro a B, porém vem uma lei proibindo o fumo no país, então a obrigação se extingue face à ilicitude do objeto; chama-se fato do príncipe em alusão ao Estado, pois antigamente os governantes eram monarcas).

            Espécies de inadimplemento: culposo e fortuito.

            a) culposo: é a culpa lato sensu, em sentido amplo, que envolve o dolo (intenção), e a culpa em sentido restrito: negligência e imprudência. É o inadimplemento culposo que vai gerar responsabilidade patrimonial por perdas e danos (391), sobre os bens do devedor, afinal não existe prisão por dívida, salvo no depósito (veremos em Civil 3) e na pensão alimentícia (veremos em Civil 6). Assim, se o inadimplente não possui bens, ao credor só resta lamentar, é o chamado na brincadeira de jus sperniandi. O inadimplemento culposo vai corresponder ao não cumprimento da obrigação de forma intencional (dolo) ou culposa (culpa stricto sensu = negligência e imprudência). Viola o devedor sua obrigação de cumprir a prestação e deverá arcar com perdas e danos. Todavia, em alguns contratos, a depender da prestação, ao invés de perdas e danos, o devedor poderá ser obrigado pelo Juiz a cumprir o contrato (art 475 – veremos isso em Civil 3, mas quem estiver curioso pode ver no nosso e-mail um comentário a esse artigo 475).

            PERDAS E DANOS: o que são estas perdas e danos devidas pelo inadimplente ao credor? Não se trata de um enriquecimento do credor (403), mas sim de uma compensação financeira pelos danos sofridos pelo credor, sejam danos materiais, sejam danos morais.

            Os danos materiais correspondem aos lucros cessantes e ao dano emergente. Dano emergente é aquilo que o credor efetivamente perdeu e lucro cessante é aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar (402). Ex: A bate seu carro num táxi, terá então que indenizar o taxista pelo dano emergente (farol quebrado, lataria amassada, pintura arranhada, etc – damnum emergens) e pelo lucro cessante (os dias que o taxista ficará sem trabalhar enquanto o carro é consertado – lucrum cessans).

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            O dano emergente é o desfalque sofrido pelo patrimônio da vítima, é a diferença entre o que a vítima tinha antes e depois do ato ilícito; lucro cessante é a perda de um lucro esperado, e não um lucro presumido ou eventual (403).

            Mas o dano pode também ser moral (186), que é o dano que atinge a honra da pessoa (art. 20), que provoca sofrimento, abalo psicológico, perda do sono da vítima, etc. O dano moral ofende os direitos da personalidade da pessoa, ou seja, os atributos físicos    (o corpo, a vida), psíquicos (sofrimento) e morais (honra, nome, intimidade, imagem) da pessoa. Enfim, o dano moral é uma coisa séria, não é qualquer aborrecimento do cotidiano. O dano moral se desenvolveu muito em nosso Direito na última década, mas não pode ser banalizado para não ser desmoralizado, assim eu repudio condutas de cidadãos que, atrás de lucro fácil, pleiteiam danos morais porque ficaram presos na porta giratória de um banco, ou porque o celular deixou de funcionar, ou porque o carro quebrou na esquina, etc. Repito: dano moral se justifica especialmente quando atinge o equilíbrio emocional da vítima, é a dor, angústia, desgosto, aflição espiritual e humilhação (ex: alguém que perde uma perna ou um filho num acidente).

            O dano é muito importante, é mais importante do que a culpa, assim não se fala em indenização por inadimplemento se não houve dano. Veremos logo abaixo, e vocês verão também em Responsabilidade Civil que existe até responsabilidade sem culpa, mas desde que exista dano, material ou moral (pú do 927).

            b) inadimplemento fortuito: o devedor não paga diante de um caso fortuito ou de força maior, ficando assim, de regra, livre de indenizar o credor (393). A obrigação vai se extinguir, as partes retornam ao estado anterior, mas sem indenização do 389. Porém, há casos de responsabilidade sem culpa que veremos logo aqui em Civil 2, desde que haja dano:

            - se o devedor está em mora, ele responde pelo caso fortuito (399);  vimos isto na aula passada, é um dos efeitos da mora solvendi, lembram? Só não responde se provar que a coisa iria perecer também nas mãos do credor.

            - o devedor pode expressamente se responsabilizar pelo caso fortuito; isto é comum nos contratos internacionais, então quando se exporta açúcar, carne, soja, etc., o devedor se obriga a mandar o produto, ou pagar as perdas e danos, mesmo que haja

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uma greve, uma seca, etc. O comprador insere no contrato uma cláusula onde o devedor assume a obrigação mesmo diante de um caso fortuito, afinal o comprador está muito distante para verificar a seriedade destes transtornos. (vide 393, in fine). Obs: nas relações de consumo a loja/supermercado não pode se isentar do furto do carro no seu estacionamento, apesar de ser um caso fortuito e apesar das placas que eles colocam, diante do art. 51, IV, do Código do Consumidor; é por isso que os shoppings cobram pelo estacionamento, porque eles têm seguro contra furto/roubo do seu carro; a lei dá com uma mão e o mercado tira com a outra, é o que eu digo a vocês, o direito não manda na economia.

            Não deixem de estudar RESPONSABILIDADE CIVIL oportunamente, é um assunto próximo de inadimplemento das obrigações, mas merece um livro próprio. Eu já escrevi pouca coisa sobre RC no nosso e-mail, depois dêem uma lida, mas não deixem de cursar esta disciplina caso seja oferecida como eletiva.

Liquidação das Obrigações  

Obrigação líquida é aquela certa quanto a sua existência e determinada quando a seu objeto. Ou seja, a obrigação líquida existe e tem valor preciso. A obrigação ilíquida é o contrário, é aquela que não pode ser expressa por uma cifra e que necessita de prévia apuração. Já falamos disso na aula 9, mas vamos aprofundar hoje.

Qual a importância desta distinção entre obrigação líquida e ilíquida? Ora, se uma dívida não for paga no vencimento o direito do credor mune-se (arma-se) de uma pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Vocês já devem ter memorizado esta frase repetida desde o começo do semestre. Pois bem, se o devedor não pagar ele não será preso, mas ele terá seus bens tomados pelo juiz e vendidos para satisfazer o credor. Para tomar os bens do devedor, o juiz precisa saber quanto é devido, ou seja, a obrigação precisa ser líquida. 

Igualmente o art 407 do CC: só com a liquidação = fixação do valor pecuniário, é que se podem cobrar juros do devedor. Na compensação, já estudada, só se extingue a obrigação entre dívidas líquidas (369). A imputação de pagamento, também já estudada, exige obrigações líquidas (352).

Outra observação importante: o ideal para o credor é exigir o cumprimento forçado do contrato como autoriza o art

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475 do CC, artigo que será explicado no próximo semestre (vide aula 7 de Contratos). Mas se esta execução “in natura” não for possível, o jeito é converter a obrigação em perdas e danos substituindo-se a prestação por dinheiro, com a liquidação da dívida (947).

Dito tudo isso, como fazer a liquidação da obrigação, fixando-se o valor pecuniário da prestação?

Espécies de liquidação: 1 – convencional: decorre da transação (aula 16 deste

semestre), ou seja, as partes chegam a um acordo quanto ao valor pecuniário da obrigação que será executada.

2 – legal: a lei traz os parâmetros/limites para a liquidação da obrigação. Então se A mata B, quanto a família de B vai pedir de indenização a A? Resposta no art. 948. Vocês verão em responsabilidade civil que os crimes têm repercussão no cível, então enquanto o Promotor processa o réu na Vara Criminal para que o Juiz lhe aplique uma pena de prisão, o advogado da vítima (ou seus familiares) também processa o réu na Vara Cível para que o Juiz tome seus bens como indenização. Depois leiam os arts. 949 a 954 que trazem casos de liquidação legal no cível para condutas criminosas.

3 – judicial: esta liquidação é feita pelo Juiz sempre que as partes não chegam a um acordo e sempre que a lei não traz parâmetros. Para a liquidação judicial o juiz pode pedir a ajuda de peritos técnicos na área do litígio (ex: engenharia, medicina, contabilidade, química, etc.) O Juiz só não pode é deixar de julgar alegando omissão da lei, então em vários casos de indenização o Juiz fixa o valor da dívida, dando seus motivos e quem achar ruim que recorra. É por isso que encontramos sentenças muito variadas pois o Juiz tem muito poder e cada cabeça é um mundo.   Preferências e Privilégios Creditórios  

É o "concurso de credores" do antigo Código Civil.             Bom, vocês já sabem que salvo os casos do depósito (assunto de Contratos) e dos alimentos (assunto de Dir. de Família), não existe prisão por dívida, de modo que o credor precisa atacar o patrimônio do devedor para se satisfazer. E mesmo que a lei autorize a prisão, não haverá satisfação do credor, pois a dívida permanecerá sem pagamento. Então o que o credor deseja/precisa é de receber o dinheiro, sob pena de execução. E se o devedor não tem bens? Ao credor só resta ter

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raiva, na brincadeira é o “jus sperniandi” (391, 942).            E se o devedor tem bens, porém possui mais dívidas do que bens, o que fazer?  Resposta: aplicar as regras do concurso de credores. Se o devedor tem muitos bens, pode pagar suas dívidas, ou não tem bem nenhum não se aplica o concurso de credores. Mas sempre que o passivo do devedor for superior a seu ativo, é preciso dividir seu bens com os credores.            Esta é a chamada falência da pessoa física, ou insolvência. Prefiram o termo insolvência, pois falência é indicado para as empresas, conforme vocês verão em Direito Comercial/Empresarial.            Então insolvente é a pessoa física que possui mais dívidas do que bens para satisfazer todas elas, pelo que deverá ser instaurado o concurso de credores com a declaração de insolvência, para a correta divisão dos bens entre os credores (955).             Efeito do concurso de credores: rateio dos bens do devedor entre os credores. Como se dá esse rateio? Se todos os credores forem iguais, ou seja, sem nenhuma vantagem/privilégio/preferência entre eles, o rateio é proporcional ao crédito de cada um (957, 962).            Mas se existem créditos quirografários ( = crédito simples, sem qualquer vantagem) ao lado de créditos preferenciais, os preferenciais receberão primeiro. De regra, todo crédito é quirografário, então se A me empresta cem reais, este crédito de regra é quirografário. Se B bate no meu carro, este crédito também será quirografário.             Que créditos são preferenciais? São aqueles com vantagem concedida pela lei a certos credores para terem prioridade sobre os concorrentes no recebimento do crédito. A ordem de preferência estabelecida pela lei é a seguinte:            1 – créditos alimentícios: salários, créditos trabalhistas, pensão alimentícia, etc. Os empregados e dependentes do devedor insolvente recebem em primeiríssimo lugar.            2 – créditos tributários: satisfeitos os créditos alimentícios, devem ser pagas as dívidas tributárias do insolvente, ou seja, os impostos e taxas devidos pelo insolvente; satisfeito o poder público, sobrando dinheiro, pagam-se os credores do terceiro grupo:            3 – créditos com garantia real, são aqueles créditos com hipoteca, penhor, anticrese e alienação fiduciária. Veremos tais direitos reais de garantia em Civil 5 (958). Observem que os

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primeiros credores de direito privado estão aqui, em terceiro lugar, pois os credores supra são de direito público.             4 – créditos com privilégio especial: são aqueles credores do art. 964.            5 – créditos com privilégio geral: são aqueles credores do art. 965.            6 – finalmente, os créditos quirografários (961 – o crédito “simples” a que se refere este artigo é o crédito quirografário).             Observações importantes: a) os créditos preferenciais com prioridade recebem integralmente antes de outros créditos preferenciais, então só se passa para o grupo seguinte após satisfação integral do anterior; b) só após satisfação integral dos créditos preferenciais (1 a 5)  é que se faz o rateio proporcional entre os quirografários. Digo rateio proporcional porque se os quirografários também receberem na íntegra não haveria necessidade de ter sido instaurado o concurso de credores. Assim os quirografários sempre recebem parcialmente; c) a Lei de Falências no. 11.101/05, alterou esta ordem para as empresas, então agora os credores com garantia real recebem com prioridade sobre os créditos tributários em caso de falência de uma empresa. Mais detalhes vocês terão em Direito Comercial.             Final do curso, obrigado pela companhia, boas provas!

  CONTRATOS

             Etimologicamente deriva de “contractus” e de contrair.

            Conceito: negócio jurídico resultante de um acordo de vontades que produz efeitos obrigacionais. Este é o conceito da doutrina, até porque não é missão do legislador fazer definições. Vamos comentar e destacar os aspectos principais deste conceito:

            - negócio jurídico: contrato é negócio jurídico, ou seja, é uma declaração de vontade para produzir efeito jurídico. O contrato é

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espécie de fato jurídico, revisem fato jurídico, assunto de Civil 1. O contrato é negócio, via de regra, informal, quer dizer, existe uma grande liberdade das pessoas na celebração dos contratos, tanto que a maioria dos contratos podem ser verbais até para facilitar a nossa vida e a circulação de bens (art. 107). Chama-se de autonomia privada este campo do Direito Civil justamente porque a liberdade das pessoas no contratar e no dispor de seus bens é grande.        As partes podem até criar/inventar contratos, quanto mais celebrá-los verbalmente, sem formalidades (425). Recomenda-se celebrar por escrito contratos de alto valor, mas não por uma questão de validade e sim por uma questão de segurança, caso surja algum litígio judicial (227). Os contratos verbais são provados em Juízo mediante testemunhas, que são provas menos seguras do que os documentos. Exemplos de negócios jurídicos solenes são o casamento e o testamento. Mas casamento e testamento não são contratos, um exemplo de contrato solene é a compra e venda de imóvel (108).

            - acordo de vontades: o contrato exige um consenso, um acordo de vontades. É  esse consenso que vai formar o contrato, principalmente se o contrato for verbal. O consenso é entre pelo menos duas partes. Por isso todo contrato é no mínimo bilateral quanto às partes, afinal ninguém pode ser credor e devedor de si mesmo (revisem confusão, modo de extinção das obrigações visto em Civil 2).  O que se admite é o autocontrato, ou contrato consigo mesmo, quando uma única pessoa vai agir por duas partes (ex: A vai viajar e precisa vender sua casa, então passa uma procuração a seu amigo B autorizando-o a vendê-la a quem se interessar, eis que o próprio B resolve comprar a casa, então B vai celebrar o contrato como vendedor, representando A, e como comprador, em seu próprio nome). São duas vontades jurídicas distintas, embora expressas por uma só pessoa.

            - efeitos obrigacionais: as obrigações têm efeitos estudados em Civil 2, e dois deles se aplicam diretamente aos contratos:

1) a transitoriedade: os contratos, em geral, são transitórios/são efêmeros/têm vida curta (ex: compra e venda de balcão); alguns contratos são duradouros (ex: locação por doze meses), mas um contrato não deve ser permanente. Permanência é característica dos Direitos Reais. A propriedade sim dura anos, décadas, se transmite a nossos filhos, mas os contratos não.

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2) o valor econômico: todo contrato, como toda obrigação, precisa ter um valor econômico para viabilizar a responsabilidade patrimonial do inadimplente se o contrato não for cumprido. Em outras palavras, se uma dívida não for paga no vencimento ou se um contrato não for cumprido,  o credor mune-se de uma pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Que pretensão é esta de que se arma, de que se mune o credor? É a pretensão a executar o devedor para atacar/tomar seus bens através do Juiz. E se o devedor/inadimplente não tiver bens? Então não há nada a fazer pois, como dito, a responsabilidade é patrimonial e não pessoal. Ao credor só resta espernear, é o chamado na brincadeira “jus sperniandi”. Realmente já se foi o tempo em que o devedor poderia ser preso, escravizado ou morto por dívidas. Os únicos casos atuais de prisão por dívida são no contrato de depósito, que veremos em breve, e na pensão alimentícia, assunto de Direito de Família.  

  ELEMENTOS, REQUISITOS E PRESSUPOSTOS CONTRATUAIS

 1 – capacidade das partes: este é o primeiro elemento (art. 104, I), pois o contrato celebrado pelo incapaz é nulo (166, I) e pelo relativamente incapaz é anulável (171, I). A nulidade é assim mais grave do que a anulabilidade, depois revisem este assunto de Civil 1. Mas o menor e o louco, embora incapazes, podem adquirir direitos e celebrar contratos, desde que devidamente representados. Então os pais representam os filhos, os tutores representam os órfãos e os curadores representam os loucos (assunto de Direito de Família, Civil 6). Desta forma, a capacidade de direito é inerente a todo  ser humano (art. 1º), a capacidade de fato é que falta a algumas pessoas (ex: menores, loucos) e que por isso precisam ser representadas para celebrar contratos (116).

2 – objeto do contrato: é a operação, é a manobra que as partes visam realizar. O objeto corresponde a uma prestação lícita, possível, determinada e de valoração econômica. Falaremos mais de prestação abaixo. Então A não pode contratar B para matar C, nem A pode contratar B para comprar contrabando ou drogas, pois o objeto seria ilícito.  Igualmente o filho não pode comprar um carro com o dinheiro que vai herdar quando o pai morrer, pois a lei proíbe no art. 426 (chama-se de pacta corvina, ou pacto de corvo este dispositivo já que é muito mórbido desejar a morte do pai, e ninguém garante que o filho é que vai morrer depois).

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Quanto à possibilidade do objeto, seria impossível contratar um mudo para cantar, ou vender passagens aéreas para o sol.

O objeto também precisa ser determinado ou determinável, conforme visto no semestre passado quanto às obrigações de dar coisa certa ou incerta (243).

Finalmente, o contrato precisa ter valor econômico para se resolver em perdas e danos se não for cumprido por ambas as partes, conforme explicado na aula passada (389). O valor econômico do contrato viabiliza a responsabilidade patrimonial do inadimplente, já que não se vai prender um artista que se recusa a fazer um show. O artista será sim executado patrimonialmente para cobrir os prejuízos, tomando o Juiz seus bens para satisfazer a parte inocente.

Vide art 104, II do CC.

3 – forma: a forma do contrato é livre, esta é a regra, lembrem-se sempre disso. Existem exceções, mas esta é a regra geral: os contratos podem ser celebrados por qualquer forma, inclusive verbalmente face à autonomia da vontade que prevalece no Direito Civil (107). O formalismo está em desuso nos países modernos para estimular as transações civis e comerciais, trazendo crescimento econômico com a circulação de bens e de riqueza. A vontade inclusive prevalece sobre a forma, nos termos do art 112 que será explicado nas próximas aulas. Quando vocês forem redigir um contrato não há formalidades a obedecer, basta colocar no papel aquilo que seja imprescindível ao acordo entre as partes, até porque, como dito na aula passada, os contratos podem ser verbais, como na compra e venda, locação e empréstimo. Vide art 104, III: assim salvo expressa previsão em lei, a forma do contrato é livre.  Que contratos têm forma especial e precisam ser escritos? Veremos ao longo do curso, mas já se podem adiantar dois: a doação de coisas valiosas (541 e pú) e a compra e venda de imóvel (108). Percebam que os contratos escritos se dividem em “instrumento particular” (feito por qualquer pessoa, qualquer advogado) e “escritura pública” (feita por tabelião de Cartório de Notas, com as solenidades do art. 215).  

4 – legitimidade: está próxima da capacidade, são irmãs, mas não se confundem. A legitimidade é um limitador da capacidade em certos negócios jurídicos. A legitimidade é o interesse ou autorização para agir em certos contratos previstos em lei. A

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pessoa pode ser capaz, mas pode não ter legitimidade para agir naquele caso específico. Exs: o tutor não pode comprar bens do órfão (497, I), o cônjuge não pode vender uma casa sem autorização do outro (1647, I), a amante do testador casado não pode ser sua herdeira (1801, III), o pai não pode vender um terreno a um filho sem a autorização dos outros filhos (496). Em todos estes exemplos falta legitimidade e não capacidade às partes. Realmente, o marido não pode vender um imóvel sem a outorga uxória não porque o marido seja incapaz (louco ou menor), mas porque lhe falta autorização para agir, prevista em lei, para proteger a família ( = legitimidade).  Para não esquecerem da legitimidade, que é tão importante, acrescentem a lápis um inciso IV ao art. 104 do CC.

5 – causa: qual o motivo do contrato? Qual a finalidade do contrato? Por que João quer comprar? Por que Maria quer alugar? Isto não interessa, não há relevância jurídica para a causa/motivo do contrato. Em termos econômicos, as pessoas contratam  para ganhar dinheiro, para ter conforto, afinal ninguém contrata para ter prejuízo. Mas o motivo juridicamente é irrelevante.

6 – prestação: é uma conduta humana, é um ato ou omissão das partes, é um dar, é um fazer ou é um não-fazer. O contrato é uma fonte de obrigação, e toda obrigação tem por objeto uma prestação que corresponde a um dar, fazer ou não-fazer. Então se eu contrato um advogado para me defender, o objeto deste contrato será o serviço jurídico que será feito pelo bacharel (obrigação de fazer). Outro exemplo: vejam o conceito legal de compra e venda no art. 481. Observem a expressão “se obriga”. Então o objeto da compra e venda não é a coisa em si, mas a prestação de dar o dinheiro pelo comprador e de dar a coisa pelo vendedor. O vendedor se obriga a dar a coisa, e se ele não der, o comprador não pode tomar a coisa, mas sim exigir o dinheiro de volta mais eventuais perdas e danos (389).  O art 475 é uma exceção a este 389, veremos em breve. Em suma, o objeto do contrato é uma prestação, essa prestação pode ser de dar, fazer ou não-fazer. O objeto da prestação de dar será uma coisa, o objeto da prestação de fazer será um serviço e o objeto da prestação de não-fazer será uma omissão, conforme visto em Civil 2.

FORMAÇÃO DO CONTRATO

               Os contratos se formam pelo consenso, pelo acordo de vontades entre pelo menos duas pessoas, sem maiores

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solenidades (107). A vontade é fundamental nos contratos, por isso todo contrato é consensual.

            Para as pessoas se relacionarem é preciso que elas se comuniquem. A comunicação da vontade pode ser expressa e pode ser tácita. A comunicação expressa é a mais comum e mais clara, se fazendo de forma escrita ou verbal. Já a comunicação tácita é aquela presumida por certas circunstâncias, como o silêncio da outra parte (111, ex: em geral as pessoas gostam de receber presentes, mas ninguém está obrigado a aceitá-los, porém o silêncio do donatário é tido como aceitação, 539; outro ex: 659). Mas em Direito nem sempre quem cala consente, como na assunção de dívida, onde o silêncio do credor importa em recusa da troca do devedor (pú do art. 299).

            As vontades que formam o contrato se chamam de oferta (ou proposta) de um lado, e aceitação do outro lado. Quem emite a oferta é o proponente (ou policitante). Quem emite a aceitação é o aceitante (ou oblato). Nos contratos complexos e de alto valor existem os debates preliminares, avançando as negociações até a maturidade e o fechamento do contrato com o acordo de vontades. Na fase preliminar pode se escrever uma minuta ou rascunho do contrato. Mas para comprar chiclete na barraca ninguém faz isso: as vontades se comunicam, o contrato se forma, nasce e se extingue em segundos.

            Exemplificando, no contrato de compra e venda quem emite a proposta é o vendedor ao efetuar oferta a pessoa indeterminada ( = oferta ao público; ex: sapatos expostos numa sapataria). Esta oferta ao público tem caráter obrigatório pela seriedade e segurança das relações jurídicas (art. 427). Além de obrigatória, a proposta deve ser completa a fim de facilitar a aceitação e o surgimento do contrato, nos termos do art. 31 do Código do Consumidor: “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.” Quanto mais completa for a oferta, facilita seu “casamento” com a aceitação. Se a aceitação não se integrar com a oferta, teremos uma contraproposta do 431.

            Por outro lado, admite-se na compra e venda que o comprador faça a proposta, por exemplo, se uma pessoa vê o

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relógio do colega e pergunta se quer vendê-lo? Neste caso, o comprador estará estimulando o proprietário a colocar a coisa em leilão.

            Para nosso Código, presentes são as pessoas que contratam diretamente entre si, mesmo em cidades diferentes usando telefone ou internet (parte final do inc. I do art. 428). Já ausentes são aqueles que usam um intermediário ou mensageiro, mesmo que estejam os contratantes na mesma cidade.

            O contrato, uma vez concluído, faz lei entre as partes, e se uma delas posteriormente desistir terá que indenizar a outra pelas perdas e danos causados (430, 389). As referidas minutas não são contratos ainda, então pode se desistir sem problemas. Mas para justificar uma indenização tem que ter havido dano concreto, material ou moral, afinal já foi estudado em Civil 2 que não existe dano hipotético ou eventual (403).

 

CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

             É importante conhecer esta classificação para fins de interpretação e aplicação dos contratos.

            a) unilateral e bilateral: todo contrato é sempre bilateral quanto às partes (no mínimo duas partes), mas quanto aos efeitos pode ser unilateral ou bilateral. O contrato bilateral quanto aos efeitos é também conhecido como sinalagmático pois cria direitos e deveres equivalentes para ambas as partes. Ex: compra e venda, pois o comprador tem o dever de dar o dinheiro e o direito de exigir a coisa, enquanto o vendedor tem a obrigação de dar a coisa e o direito de exigir o dinheiro; locação, pois o locador tem a obrigação de transferir a posse do imóvel e o inquilino tem a obrigação de pagar o aluguel. Já o contrato de efeito unilateral só cria direito para uma das partes e apenas obrigação para a outra, uma das partes será só credora e a outra só devedora, ex: doação, pois só o doador tem a obrigação de dar e o donatário apenas o direito de exigir a coisa, sem nenhuma prestação em troca. Empréstimo e fiança também são exemplos de contratos unilaterais que estudaremos em breve.

            b) onerosos e gratuitos: nos contratos onerosos ambas as partes têm vantagem e proveito econômico, ex: os contratos

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bilaterais, onde ambas as partes ganham e perdem. Já os contratos gratuitos só beneficiam uma das partes, então geralmente todo contrato unilateral é gratuito, como na doação e no empréstimo Porém pode haver contratos unilaterais e onerosos quando existe uma pequena contraprestação da outra parte, como na doação modal, aquela onde há um encargo por parte do donatário, ou seja, o doador exige um pequeno serviço do donatário em troca da coisa (ex: A doa uma fazenda a B com o ônus de construir uma escola para as crianças carentes da região; A dá um carro a seu filho com o ônus de levar a mãe para passear todo sábado, art. 553). O encargo tem que ser pequeno, senão descaracteriza a doação. Se o encargo for grande o contrato não será nulo, apenas não será doação, mas outro contrato qualquer. Ex: empresto um apartamento a João sob pagamento mensal de mil reais, ora isto não é empréstimo, mas locação. Outro exemplo de contrato unilateral e oneroso é o mútuo feneratício ( = empréstimo de dinheiro a juros, art. 591). Empréstimo entre amigos em geral não tem juros (= mútuo simples), sendo unilateral e gratuito, mas no empréstimo econômico os juros são naturalmente devidos, tratando-se de contrato unilateral e oneroso.

            c) comutativos e aleatórios: esta classificação só interessa aos contratos onerosos. Só os contratos onerosos se dividem em comutativos e aleatórios. São comutativos quando existe uma equivalência entre a prestação (vantagem) e a contraprestação (sacrifício), ex: compra e venda, troca, locação, etc. Diz-se inclusive que a compra e venda é a troca de coisa por dinheiro. Já nos contratos aleatórios uma das partes vai ter mais vantagem do que a outra, a depender de um fato futuro e imprevisível chamado “alea” = sorte, destino. Ex: contrato de seguro onde eu pago mil reais para proteger meu carro que vale vinte mil; se o carro for roubado eu receberei uma indenização muito superior ao desembolso efetuado, mas se durante o prazo do contrato não houver sinistro, a vantagem será toda da seguradora. Jogo, aposta, compra e venda de coisa futura, são outros exemplos de contratos aleatórios que veremos oportunamente.