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1 A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO COBRINDO O M UNDO Á RABE . 1 João Daniel Ruettimann Aluno de Relações Internacionais das Faculdades Jorge Amado, 8º semestre, e pesquisador do Observatório de Mídia (Obmídia). Este artigo faz parte do relatório anual da pesquisa “Hereges, Satânicos e Terroristas: o Mundo Islâmico Retratado pela Mídia Ocidental” apresentado no seminário realizado a 10/09/04. Resumo O artigo trata de dois atores não estatais das relações internacionais, o New York Times e a Newsweek defendendo a tese de que são a elite da mídia transnacional cosmopolita da presente Era da Informação. Tendo o papel de editar a informação, atuando como um fórum amplificador, interpretam o terrorismo transnacional de destruição em massa e sua fonte atual, Península Árabe. Como e por que ela disseca esse ator e essa região específica do globo é o que será estudado neste artigo. O autor vai analisar e criticar a percepção da falência da modernidade na região assim como a teoria da mudança de regime. Depois serão tecidas críticas qualificadas às coberturas dos dois atores adotando o parâmetro alternativo de desenvolvimento como liberdade num sistema político pluralista defendendo a tese de que a cultura política Árabe é compatível a este. Palavras-Chave : mídia cosmopolita transnacional; Sociedade da Informação; Modernidade; Terror Transnacional, Mundo Árabe. “The infliction of cruelty with a good conscience is a delight to moralists. That is why they invented Hell.” Bertrand Russel (1872-1970), Sceptical Essays 1928. “Terror… often arises from a pervasive sense of disestablishment; that things are in the unmaking.” Stephen King (1947-), Danse Macabre 1981. “Things unattempted yet in prose or rhyme.” John Milton (1608-1674), Paradise Lost , 1667, Book I. Este artigo trabalhará com dois veículos da Era da Informação; a saber, a revista semanal internacional Newsweek e o periódico The New York Times. Ambos podem ser encaixados, numa perspectiva da teoria das Relações Internacionais, como atores não- estatais, ou, na nomenclatura do autor, atores cosmopolitas transnacionais. Daí mídia transnacional cosmopolita, filhos diretos de uma sociedade baseada no Conhecimento. Sou partidário da interpretação de que os atentados de 11 de setembro de 2001 prenunciaram uma mudança significativa nas Relações Internacionais. Diversos atores das mais variadas esferas culturais ditas civilizadas (Ocidentes, América Latina, Islâmica, Sínica, Nipônica e demais) puseram-se a estudar, analisar e buscar compreender as raízes do que se procedeu naquela data. Um destes atores, a mídia transnacional cosmopolita, é de particular interesse por atuar como um filtro, um fórum e um amplificador da opinião formada a respeito da * Trabalho apresentado a Eventos Especiais III – Intercom Júnior.

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A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO COBRINDO O M UNDO ÁRABE.1 João Daniel Ruettimann

Aluno de Relações Internacionais das Faculdades Jorge Amado, 8º semestre, e pesquisador do Observatório de Mídia (Obmídia). Este artigo faz parte do relatório anual da pesquisa “Hereges, Satânicos e Terroristas: o Mundo Islâmico Retratado pela Mídia Ocidental” apresentado no seminário realizado a 10/09/04. Resumo

O artigo trata de dois atores não estatais das relações internacionais, o New York Times e a Newsweek defendendo a tese de que são a elite da mídia transnacional cosmopolita da presente Era da Informação. Tendo o papel de editar a informação, atuando como um fórum amplificador, interpretam o terrorismo transnacional de destruição em massa e sua fonte atual, Península Árabe. Como e por que ela disseca esse ator e essa região específica do globo é o que será estudado neste artigo. O autor vai analisar e criticar a percepção da falência da modernidade na região assim como a teoria da mudança de regime. Depois serão tecidas críticas qualificadas às coberturas dos dois atores adotando o parâmetro alternativo de desenvolvimento como liberdade num sistema político pluralista defendendo a tese de que a cultura política Árabe é compatível a este. Palavras-Chave: mídia cosmopolita transnacional; Sociedade da Informação; Modernidade; Terror Transnacional, Mundo Árabe.

“The infliction of cruelty with a good conscience is a delight to moralists. That is why they invented Hell.” Bertrand Russel (1872-1970), Sceptical Essays 1928. “Terror… often arises from a pervasive sense of disestablishment; that things are in the unmaking.” Stephen King (1947-), Danse Macabre 1981. “Things unattempted yet in prose or rhyme.” John Milton (1608-1674), Paradise Lost, 1667, Book I.

Este artigo trabalhará com dois veículos da Era da Informação; a saber, a revista

semanal internacional Newsweek e o periódico The New York Times. Ambos podem ser

encaixados, numa perspectiva da teoria das Relações Internacionais, como atores não-

estatais, ou, na nomenclatura do autor, atores cosmopolitas transnacionais. Daí mídia

transnacional cosmopolita, filhos diretos de uma sociedade baseada no Conhecimento. Sou

partidário da interpretação de que os atentados de 11 de setembro de 2001 prenunciaram

uma mudança significativa nas Relações Internacionais. Diversos atores das mais variadas

esferas culturais ditas civilizadas (Ocidentes, América Latina, Islâmica, Sínica, Nipônica e

demais) puseram-se a estudar, analisar e buscar compreender as raízes do que se procedeu

naquela data. Um destes atores, a mídia transnacional cosmopolita, é de particular interesse

por atuar como um filtro, um fórum e um amplificador da opinião formada a respeito da

* Trabalho apresentado a Eventos Especiais III – Intercom Júnior.

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temática, qual seja a interpretação do terrorismo transnacional de destruição em massa e da

sua fonte atual (a península Arábica). Como e por que ela disseca esse ator e essa região

específica do globo terrestre é o que será trabalhado neste artigo.

1. Contextualização dos Veículos. A Razão do Enfoque de Cada Publicação.

a) A Sociedade da Informação no Século XXI.

Para se dissertar sobre os veículos penso ser oportuno discutir a sociedade em que

eles se encontram atualmente, como ela nasceu e quais são suas características fundadoras.

A Revolução da Informação é a grande responsável pelo processo de globalização

dos últimos vinte e cinco anos. Basicamente trata-se do desenvolvimento das TIs, ou

Tecnologias da Informação, resultantes dos rápidos avanços tecnológicos na computação,

comunicações e softwares. Conseqüentemente obteve-se daí, no final dos anos 80 do século

passado, uma maior flexibilidade organizacional e superior desempenho empresarial devido

à digitalização da rede de telecomunicações, ao desenvolvimento da transmissão em banda

larga e à melhoria do desempenho dos PCs conectados à rede internacional – vulgo

Internet.

Em função dessa revolução criou-se um ciclo virtuoso, o qual, por sua vez, levou a

decréscimos nos custos de processamento, armazenamento, produção e transmissão da

informação. Associado à revolução das TIs temos novos sistemas organizacionais

expressos pela empresa em rede, núcleo produtivo da Era da Informação. Essas são

organizações capazes de gerar conhecimentos e processar informações eficientemente,

adaptando-se à geometria variável da economia planetária e detentoras da recursiva

habilidade de inovação amparada na flexibilidade do produto e do processo produtivo

(Castells, 1999).

Estes dois aspectos, a revolução das TIs e o advento das empresas em rede,

caracterizam-se como instrumental de uma Sociedade baseada no Conhecimento – que

nada mais é do que uma onde a difusão, a produção e a aplicação do conhecimento se torna

um princípio organizador em todos os aspectos da atividade humana: o social, o cultural, o

econômico, o político e o da vida privada. Essa sociedade vai, segundo o Arab Human

Development Report 2002, “prover os meios de expandir o escopo das liberdades humanas,

aprimorar a capacidade de garantir estas liberdades através da boa governança e alcançar as

altas metas morais humanas de justiça e dignidade”. A figura I – no apêndice – resume os

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pilares da Sociedade da Informação, sendo suas bases instrumentais a Revolução das TIs e

as Empresas em Rede e suas bases vitais a produção e difusão do conhecimento. As

primeiras sociedades a se enquadrarem nesse padrão foram as tecnologicamente

desenvolvidas tendo sido a Americana a pioneira dessa modalidade categórica.

Um significativo exemplo da globalização social e informacional tem sido a elite

transnacional cosmopolita que consome e cria a mídia jornalística global (impressa,

televisiva e digital). Inserida nesse oceano de informação, onde essa se tornou abundante e

aferível por todos, é a edição da informação que importa para o cliente/cidadão da mídia

impressa – a moeda de troca deixa de ser o imediatismo e torna-se a credibilidade com a

qual a informação é processada e interpretada, se agregará algum valor ao leitor2. O volume

de informação é tamanho que ninguém se dá ao luxo de desperdiçar tempo filtrando-a.

Fruto desta nova elite transnacional temos as igualmente transnacionais The New

York Times e Newsweek . No presente momento souberam adaptar-se à Era da Informação,

descentralizada e heterogênea, ao criar uma conjugação entre a correspondência

internacional (com custos reduzidos graças ao advento de ferramentas de comunicação

instantânea) e um portal de mídia jornalística complementar. Surgidas antes da Era da

Informação esses meios já eram focos de excelência em seus específicos nichos, de um lado

um periódico fundado no século XIX que é referência e virou uma instituição jornalística e

cultural, de outro uma publicação fundada em 1933 que atualmente conta com quatro

edições em língua Inglesa e dez em línguas locais (dentre elas Espanhola, Árabe, Japonesa,

Mandarim, Russa, Polonesa). Uma nota válida, ambas são pertencentes (ou pertenceram) a

empresas familiares, a Newsweek sendo filial do grupo Washington Post da família Graham

(com capitalização de mercado em 2003 de US$7,8 bi e receitas de US$2,5 bi), e o New

York Times da família Sulzberger (receitas em 2004 de US$3,3bi) – talvez por isso que a

preocupação com a qualidade ainda seja uma diretriz dos respectivos veículos. Como

escreveu Howell Raines, ex-editor chefe do jornal, trata-se do diário indispensável das

2 Haja vista a declaração de princípios no guia de governança corporativa da New York Times Corp “Content of the highest quality and integrity. This is the basis for the Company's reputation and the means by which it fulfills the public trust and its customers' expectations” acessível em http://www.nytco.com/principles.html#core.

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comunidades política, diplomática, acadêmica e profissional dos Estados Unidos, atuando

como a ponte central entre essas comunidades e suas contrapartes no restante do mundo.3

b) A Particularidade da Anglosfera.

Como o leitor já percebeu aqui se tratam de publicações de língua inglesa. No

mundo contemporâneo essa se tornou a língua franca, ou seja, o meio de troca de

informação entre as demais línguas existentes no globo. Se apenas contarmos com sua

edição internacional, publicada em Inglês, poderemos dizer que tem um público potencial

de aproximadamente quatrocentos milhões de leitores da Anglosfera. Tanto o New York

Times quanto a Newsweek são frutos e co-habitantes desta.

O que é Anglosfera? Trata-se do conjunto de falantes da língua inglesa e receptores

da cultura anglicana decorrente da globalização do século XIX capitaneada pelo Imperium

Britânico. Alguns dos frutos do imperialismo anglo-saxão persistiram como legado –

mesmo após seu desmoronamento: i) a internacionalização da língua Inglesa; ii) o ideal de

Liberdade; iii) o Cristianismo Protestante; iv) a “Common Law”; v) o modelo Liberal de

Estado; vi) as assembléias representativas (constitucionalismo liberal-democrático ou

modelo Westminster de democracia), e; vii) o sistema bancário Escocês e Britânico4.

A Newsweek e o The New York Times, então, são empresas em rede com quadro de

funcionários concidadãos da elite transnacional e cosmopolita, contemporânea de uma

Sociedade da Informação. Atuam como disseminadores e amplificadores da multiplicidade

de vozes existente nesta sociedade, logo as atitudes pluralista, secular e liberal destes atores

cosmopolitas é rebento da herança cultural marcante presente na Anglosfera e da atual

globalização. Nesta os valores supracitados são assimilados e sofrem mutações locais, vez

que o secularismo – mesmo tendo surgido no Ocidente – tem-se mostrado flexível e

adaptável às outras esferas de influência culturais que se modernizaram (Sino-esfera, Nipo-

esfera, esfera Ibero-Americana, Africana, guardadas as devidas diferenças adaptativas).

Somente a Árabe enfrenta uma certa reticência quanto ao processo de transição para uma

Sociedade da Informação partindo dela, dentre seus diversos grupos e subdivisões, uma

vertente radical e anti-modernista que alimenta uma contra-cultura reacionária.

3 “It is the indispensable newsletter of the United States' political, diplomatic, governmental, academic, and professional communities, and the main link between those communities and their counterparts around the world.” The Atlantic Monthly, May 2004. 4 FERGUSON, Niall. Empire: the Rise and Demise of British World Order and the Lessons for Global Power. London: Penguin Books, 2002.

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2. Qual assunto é mais abordado quando se fala do Oriente Médio?

a) Interpretação Geral.

Em uma série de reportagens (Newsweek ) e opiniões críticas de colunistas (New

York Times) as duas mídias interpretam o mosaico do Islã e, em específico, da Península

Árabe, analisando sua cultura e política no transcorrer do século XX. De maneira geral as

perguntas que permeiam toda a linha editorial desses atores após o 11 de setembro seriam:

• Como o mundo Mulçumano Árabe elucidará a transformação rumo à Sociedade da

Informação?

• Como a Arábia Saudita equacionará essa transição tendo em vista seu binômio

Wahhabismo-Casa de Saud?

E por que se esforçam em questionar e se aprofundar nesta temática? Pela

percepção de que o problema do radicalismo Islâmico, ou de seu radicalismo militante, e

em específico sua gênese e financiamento circunscrevem-se na Península Árabe. Atribuí-se

à falência do processo de modernização na Península Árabe, em particular na Arábia

Saudita, e da aparente incompatibilidade entre o Islã e o Estado Moderno a causa da

explosão dos grupos Islamistas jihadistas. Há um esforço em identificar a raiz do problema

(o terrorismo transnacional jihadista), em desmistificar o estereótipo deste ator

internacional (Newsweek ) e distinguir os aspectos componentes do mosaico Islâmico

(Sunitas, Xiitas, Sufistas sendo esses os blocos mais numerosos) e os movimentos sociais

presentes nos países da região que pedem por mudanças.

O 11 de setembro é o evento catalisador que sintetiza a ruptura de um padrão – o

terrorismo político localizado, no máximo internacional (p.ex. Yasser Arafat, líder da OLP,

nas décadas de 60 e 70 em seus famosos seqüestros de vôos) – e a ascensão de um novo – o

do terrorismo transnacional de destruição em massa de cunho jihadista violento e militante.

No “choque de civilizações” pretendido pelos jihadistas e o Ocidente a solução se encontra,

e depende, de como os vários segmentos da Sociedade Civil Mulçumana Árabe se ajustarão

ao que se conhece por Estado Moderno – sob a forma da Sociedade da Informação.

No que se refere ao processo de modernização (ou falência desse) politicamente

adotado pelos autocratas dos Estados recém independentes e ávidos pela “modernidade”

temos a linha editorial traçada por Fareed Zakaria no seminal texto “Islam and the West –

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The roots for Rage”. Nesse o autor tece a linha mestra editorial do semanário, o qual pode

ser resumida na frase abaixo:

“To understand the roots of anti-American rage in the Middle East, we need to plumb not the past 300 years of History but the past 30.”5 Pg 13 15/10/01

Nesse período, os últimos trinta anos do século XX, o autor comenta o papel dos

líderes e autocratas presentes na região e nas ideologias que fundamentaram a doutrina e

projeto de construção nacional ali experimentados. A figura de Gamal Abdel Nasser é a

mais importante, como relata o correspondente Chistopher Dickey, pois influenciou vários

golpes de Estado no mundo Árabe com a promessa de impor uma visão independente da

modernidade6. Nasser acreditava, escreve Zakaria, que a política Árabe passava por idéias

modernas tais como auto-determinação, o socialismo e a unidade Árabe – tríade que ficou

conhecida como Nasserismo. Como parte do espírito da época, recém independentes das

desventuras imperiais britânicas e francesas, essas nações desejavam “desesperadamente

tornar-se modernas”.7 Tudo fracassou, contudo; por mais energias que fossem devotadas às

essas idéias por tais regimes eles escolheram péssimas ideologias tendo as implementado

insatisfatoriamente.8 Tais ditaduras falharam em fornecer prosperidade em tempos de paz,

escreve Dickey, tampouco vitórias em tempos de guerra. Zakaria relata, ainda, que quase

todas as nações Árabes, à época em que foi escrito o artigo, sofreram um retrocesso em

seus graus de liberdade, são menos livres do que há trinta anos.9

As frustrações e ressentimentos Árabes reforçam o senso de humilhação quando

postos em contraste com o sucesso de Israel. Apesar de todos os seus defeitos, o editor e

articulista escreve, o pequeno e estreito país logrou estabelecer uma moderna democracia

funcional com uma economia de crescente alta tecnologia e vibrante vida cultural e artística

5 “Para compreender as raízes da fúria anti-americana no Oriente Médio, precisamos rastrear os últimos 30 anos de História e não 300.” Tradução livre, Pg 13 na reportagem “O Islã e o Ocidente – as Raízes para o Ódio”, Fareed Zakaria. 6 “In the 1950s and ’60s, Egypt’s Gamal Adbel Nasser inspired coups in much of the Arab world, as nationalist military officers promised to impose an independent vision of modernity on their societies. But their dictatorships failed to deliver prosperity in times of peace, or victory in times of war. ‘Islam is the solution’, came the cries from the mosques, a promise that was all the more seductive because it was untested.” pg 31 “Um Grito Mulçumano pela Democracia” Christopher Dickey. ed. Especial 2001-2002. 7 “Nasser believed the Arab politics needed to be fired by modern ideas like self-determination, socialism an Arab unity. […] The Middle East desperately wanted to become modern.”pg14 15/10/01 Islam and the West – The roots for Rage. 8 “It all failed. For all their energy these regimes chose bad ideas and implemented them in worse ways.”pg14 15/10/01 Islam and the West – The roots for Rage. 9 “In an almost unthinkable reversal of a global pattern, almost every Arab country today is less free than it was 30 years ago.” Pg15 15/10/01 Islam and the West – The roots for Rage.

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do mesmo deserto em que se encontram seus vizinhos.10Tais resultados negativos

resultaram num crescente ressentimento em relação ao Ocidente. Para Zakaria essa

desilusão está no cerne da problemática Árabe uma vez que torna debilitante o crescimento

econômico e a possibilidade de progressos políticos. Em razão de tal desgosto a

modernização passou a ser interpretada como, inevitavelmente, incontrolavelmente,

Ocidentalização e, o que é mais agravante para Zakaria, Americanização. É este medo que

tem paralisado a Civilização Árabe, na percepção do editor.11 Pela modernidade ter-se

transformado numa continuidade de fracassos – secularismo, socialismo e nacionalismo –

essa ficou associada a um beco sem saída. “A solução é o Islã”, relata Dickey (Ed. Especial

2001-02), ecoaram dos minaretes tais gritos. O apelo do novo, vez que nunca testado, fez

com que os movimentos Islamistas – aqueles que fazem uma interpretação politizada ou

seletiva do monoteísmo Mulçumano – ganhassem força diante de tal quadro. Devido à isso

o terror transnacional de destruição em massa de cunho jihadista surge (sobre o qual

veremos mais adiante no tópico 3).

Passemos à cobertura de um país central para o pós-11/09 – a Arábia Saudita –

veiculada pela Newsweek e The New York Times. Na reportagem “Os Aliados que Fizeram

nossos Inimigos” de 01/10/01, Zakaria defende o argumento de que a Arábia Saudita e o

Egito tornaram-se focos do terrorismo Islamista moderno. Ao abraçar o Wahhabismo,

caracterizado pelo analista como versão rígida e puritana do Islã Sunita, o regime Saudita

tenta manter sua legitimidade, particularmente claudicante nos últimos vinte anos, e tem

auxiliado a expansão de um ressurgimento religioso no mundo Árabe. Dessa aliança de

conveniência o Estado Saudita patrocina a construção de mesquitas, escolas religiosas

(madrasas) e treina pregadores (mulás) ao redor do globo os quais ensinam uma

“incendiária interpretação do Islã”; uma que enxerga o mundo exterior e a modernidade

com hostilidade.12 O resultado direto disso tem sido o fato apontado por Stephen Schwartz

10 “And when contrasted with the success of Israel, Arab failures are even more humiliating. For all its flaws, out of the same desert Israel has created a functioning democracy. A modern society with an increasingly high technology economy and thriving artistic cultural life.” Pg15 15/10/01 Islam and the West – The roots for Rage. 11 “This disillusionment with the west is at the heart of the Arab problem. It makes economical advance impossible and political progress fraught with difficulty. Modernization is now taken to mean, inevitably, uncontrollably, Westernization and, even worse, Americanization. This fear has paralyzed Arab Civilization.” Pg17 15/10/01 Islam and the West – The roots for Rage. 12 “Embracing Wahhabism, a rigid, puritanical version of Islam, the Saudi regime has tried to bolster its faltering legitimacy in the past two decades by fueling a religious revival in the Arab World. It funds mosques, trains preachers and builds schools across the globe that teach its fiery interpretation of Islam, one that views the outside world and modernity with hostility.” Pg 11 Fareed Zakaria “Os Aliados que Fizeram nossos Inimigos”, 01/10/01.

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(jornalista do Spectator de Londres): cada grande ataque terrorista contra o Ocidente nos

anos recentes têm sido conduzidos por pessoas que se converteram ao Wahhabismo.13

Seguindo o raciocínio a reportagem “O Jogo Saudita”, por Evan Thomas e Christopher

Dickey a 19/11/01, vai dissertar que a questão básica do apoio da Casa de Sa’ud à família

Al-Shaykh (descendentes de al-Wahhab fundador do que se chama, erroneamente no

Ocidente, de Wahhabismo) é o financiamento da Jihad Islamista Global (mais detalhes no

tópico 3). Tecem uma pergunta, por fim, “Por que, alguém poderia imaginar, um príncipe

mercante consumidor de uísque, educado na Ivy-League, largamente Ocidentalizado,

patrocinaria secretamente um movimento que deseja retornar o Oriente Médio ao século

XII?”14

Mais plural e contundente ainda é o The New York Times. Como escreveu Raines,

ex-editor do mais influente jornal internacional da atualidade, o veículo atua como a ponte

entre as comunidades dos tomadores de decisão (decision-makers), articuladores de política

(policy-makers), formadores de opinião e profissionais das diversas áreas. Atuando como

um fórum amplificador das idéias correntes os colunistas, do quadro da publicação, e

convidados (diplomatas, comentaristas e influentes vozes reformistas da península Árabe)

tecem uma continuidade de diálogos cosmopolitas sobre a região, o fenômeno do

terrorismo e, no nosso caso exemplar, a Arábia Saudita. Devo acrescentar que o material

pesquisado no periódico não segue a ordem cronológica do 11 de setembro, cobrindo um

intervalo temporal de um ano (2003-2004).

O mais polêmico dos articulistas é Thomas Friedman o qual trabalhara como

correspondente em Beirute e Jerusalém na década de 1980. Para os relativistas, o colunista

soará como a caixa de ressonância da modernidade Ocidental.

Para ele, a casa de Sa’ud sobrevive em meio a uma guerra civil que se desenvolve

em seu país liderada por radicais Islamistas, sendo o maior exemplo Osama bin Muhammad

bin Laden. O que desafia a legitimidade e poder da Família Real são: a crescente

população, a decrescente renda petrolífera per capita, escolas que priorizam ensinamentos

13 “In an article in the current Spectator of London, Stephen Schwartz points out that every major terrorist attack against the West in recent years has been conducted by people who have embraced Wahhabism.” Pg 11 Fareed Zakaria “Os Aliados que Fizeram nossos Inimigos”, 01/10/01. 14 “The question is whether some of those wealthy Saudis have been not only padding their Swiss bank accounts but funding a radical Muslim jihad abroad. Why, one might wonder, would some Scotch-drinking, Ivy League-educated, thoroughly Westernized merchant princes secretly support a movement that wants to return the Middle East to the 12th century?” pg20 O Jogo Saudita, 19/11/01 Evan Thomas, Christopher Dickey.

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religiosos sobre os humanistas e científicos (por exemplo a matemática, a química, a

literatura, a história, etc.), uma família governante com 5.000 “inúteis príncipes”

alimentando-se dessa “vala”, e uma envelhecida liderança dividida.15 Conclui a coluna

recorrendo ao expert em “Oriente Médio” Stephen P. Cohen, o qual diz ser a única

esperança da Família Real, se almeja sobreviver no longo prazo, a entrega de duas fontes de

legitimidade: uma crescente qualidade de vida e a resolução à questão Palestina.

“Aprimorar os níveis de vida requer reformas políticas e econômicas para transformar o

sistema de educação Saudita e a sociedade para que passe aos mais jovens. Isto levará mais

tempo”, relata Cohen em entrevista ao colunista.16

Exposto isso, os veículos, particularmente a Newsweek, chegam à conclusão de que

a solução para retirar a civilização Árabe da “paralisia” econômica e política é identificar os

fatores e atores favoráveis a uma mudança de regime. Uma frase que bem resume a matriz

editorial acerca o assunto no restante do semanário é a encontrada na reportagem “Como

Salvar o Mundo Árabe”, outro artigo escrito por Zakaria a 24/12/01:

“We should not assume that what took hundreds of years in the west can happen overnight in the Middle East.” pg 28 24/12/0117

b) Como Interpretam a Modernidade e quais as Características do Estado Moderno?

Munidos de tal conclusão enumeram conceitos que fazem parte da modernidade em

sua forma contemporânea. O que se pode observar é que a Sociedade da Informação,

respaldada nos princípios do Secularismo, Liberalismo e Democracia, passou a ser

considerada como Sociedade Moderna. Especifica e sinteticamente estes termos seriam os

listados abaixo.

O Secularismo, tido como base organizadora do Estado. Remete ao princípio da

separação da Igreja em matérias de Estado (a idéia da privatização da religiosidade frente à

criação de um espaço público neutro para assegurar a paz social). Isso é observável na

15 “Let's start with the House of Saud. What ails the Saudi monarchy is a soaring population; dwindling per-capita oil income; schools that stress religious teachings over science, math and literature; a ruling family with 5,000 useless princes feeding at the trough; and an aging, divided leadership. Together, all this has spawned two grass-roots challenges.”13/11/03 A Saudi-Israeli Deal, Thomas Friedman. 16 "The only hope for the Saudi ruling family, for long-term survival, is to deliver on two key sources of legitimacy: a rising standard of living and the Palestine question," argues the Middle East expert Stephen P. Cohen. "Improving standards of living requires gradual political and economic reforms to transform the Saudi education system and society so it delivers for more young people. That will take time." 13/11/03 idem. 17 “Não devíamos tomar por certo que o que levou centenas de anos no Ocidente possa acontecer da noite para o dia no Oriente Médio.” Pg 28, tradução livre.

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edição de fim de ano (2001-02) da Newsweek num artigo escrito pelo cientista político

Francis Fukuyama. Para ele apesar das instituições Ocidentais terem sido descobertas por lá

têm, contudo, aplicabilidade universal18. Isso devido à uma razão simples: se a política for

baseada na religião jamais será capaz de trazer a paz civil pois inexiste concordância sob

valores religiosos fundamentais19. Posso complementar argumentando que o pluralismo e a

tolerância religiosa são nucleotídeos do sistema secular, por inferência do sistema político

Ocidental. Seu translado se deu para outras esferas culturais do mundo sofrendo adaptações

justamente pelos preceitos constitutivos do Ocidente serem maleáveis já que se trata de

uma civilização híbrida. Fukuyama conclui que caberá a comunidade Mulçumana

“[...]decidir se faz as pazes com a modernidade e em particular com o princípio chave de

um estado secular e da tolerância religiosa”20.

O Liberalismo é interpretado como princípio organizador social e econômico. A

implementação das reformas econômicas liberalizantes nestes Estados seria, guardadas as

devidas proporções, um requisito para sua transformação, ou modernização. A substituição

da riqueza feudal para a capitalista traria o início de um genuíno primado das leis (vez que

o capitalismo precisa de contratos), abertura ao mundo, acesso à informação livre e o

desenvolvimento de uma classe empresarial inovadora21. Ainda na reportagem “Como

Salvar o Mundo Árabe” Zakaria comenta que a pesquisa anual do think tank (centro de

pesquisa) Freedom House, em New York, aponta que apesar de 75% dos países do mundo

serem classificados como “livres” ou “parcialmente livres” somente 28% da Península

Árabe pode assim ser classificados.22 Zakaria escreve que os monarcas e autocratas da

região são rápidos em sempre lembrar aos líderes do Ocidente que apesar de todas as suas

falhas, são melhores do que as alternativas.23 Alegando, por exemplo, que a alternativa não

18 “Western institutions are like the scientific method, which though discovered in the West, has universal applicability.” Pg 50 “Seu Alvo: O Mundo Moderno”, Francis Fukuyama, pg 48 dez2001/fev2002. 19 “The reason for this is simple: if politics is based on something like religion there will never be any civil peace because people cannot agree on fundamental religious values.” Pg 51 dez2001/fev2002 20 “The Muslim community will have to decide whether to make its peace with modernity and in particular with the key principle of a secular state and religious tolerance.” Pg 51 dez2001/fev2002 21 “Economic reform meant the beginnings of a genuine rule of law – capitalism needs contracts – openness to the world, access to information and, perhaps, most important, the development of a business class.” pg28 How to Save the Arab World, Fareed Zakaria 17/12/01 22 “In its latest annual survey, released last week, New York’s Freedom House finds that 75 percent of the world’s countries are ‘free’ or ‘partly free’. Only 28 percent of Middle Eastern countries could be so described, a percentage that has fallen the last 20 years.” Pg26 17/12/01 How to Save the Arab World, Fareed Zakaria 23 “The monarchs and dictators are quick to remind us always that for all their faults, they are better than the alternative.” Pg26 17/12/01

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seria uma “democracia Jeffersoniana, mas sim uma teocracia Islâmica”24 democraticamente

eleita, recaindo no paradoxo um homem, um voto, a um só tempo.

A Democracia seria o regime político ideal para a solução da tirania e capaz de

trazer satisfatoriamente a paz pública. O princípio do liberal-constitucionalismo, adotado

por Fareed Zakaria, é o que deve ser buscado primeiramente, posteriormente implantando-

se a democracia. Em sentido estrito o constitucionalismo é um sistema de balanço de pesos

e contra-pesos concebido para prevenir a acumulação de poder e ao abuso de exercício

deste. Segundo James Madison “a ambição deve ser posta para contra-agir a ambição”25.

Em geral num período de transição de cinco anos se fariam reformas políticas, assegurando

o desenvolvimento de instituições cíveis, cortes judiciárias independentes, partidos

políticos e da economia antes de se fazerem eleições nacionais multipartidárias26. As

eleições são apenas uma etapa, não o todo. Devem existir num contexto onde haja respeito

aos Direitos Políticos (o princípio da autodeterminação individual, sufrágio universal

efetivo, etc.) e às Liberdades Civis (liberdade de associação, de expressão, de prática

religiosa, primado legal, independência do Judiciário, etc.).

Friedman, do New York Times, à época da Fase II na Campanha contra o Terrorismo

Global (vulgo Guerra do Iraque), comentou que se tratava de um conflito ideológico

referente ao sistema de governança a ser adotado na região. Nesse conflito encontram-se os

proponentes de um regime liberal-democrático e os proponentes de um fantasioso regime

teocrático de feições totalitárias. É devido a isso que irá dizer que a guerra do Iraque é “a

Derradeira”. Assim ele escreve que os oponentes dela sabem que “esta guerra é sobre

potências Ocidentais, auxiliadas pela ONU, vindo ao coração de seu mundo para promover

governos mais decentes, abertos, tolerantes, amigáveis às mulheres e pluralistas começando

24 “[…] if they press the government too hard, the likely alternative is not Jeffersonian democracy but Islamic theocracy.”pg 26 17/12/01 25 James Madison, The Federalist Papers, n 51. in www.yale.edu/lawweb/avalon/federal/fed51.htm “Ambition must be made to counteract ambition. The interest of the man must be connected with the constitutional rights of the place. It may be a reflection on human nature, that such devices should be necessary to control the abuses of government. But what is government itself, but the greatest of all reflections on human nature? If men were angels, no government would be necessary. If angels were to govern men, neither external nor internal controls on government would be necessary. In framing a government which is to be administered by men over men, the great difficulty lies in this: you must first enable the government to control the governed; and in the next place oblige it to control itself.” 26 “We seek first what might be called preconditions for democracy, or what I have called ‘constitutional liberalism’ – the rule of law, individual rights, private property, independent courts, the separation of church and state.” pg 28 How to Save the Arab World, Fareed Zakaria 17/12/01

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pelo Iraque – um país que contém todas as variantes principais da região: Xiitas, Sunitas e

Curdos”.27

A importância do Iraque, para o jornalista, é que se a transição for bem sucedida

haverá um efeito de contágio na Península Árabe. Por ter sido a mais dinâmica economia da

região e englobar os principais grupos de lá o estabelecimento de um governo

“razoavelmente decente” e constitucionalmente fundamentado atuará como um catalisador

do processo.28 Dentro do escopo dos blocos construtores das instituições de um regime

democrático temos os direitos políticos e as liberdades civis, garantidos por uma

constituição.

c) Antípodas da Modernidade.

Assim como de um diagnóstico segue um prognóstico levantado pelos veículos, o

mesmo processo é realizado para grupos terroristas transnacionais, em particular os

oriundos da Península Árabe. A cobertura do terrorismo Islamista retratada aqui é a da

Newsweek . A rede iniciada no princípio de 1990 era uma “série de grupos disparatados na

Argélia, Egito e Arábia Saudita” com objetivo de efetivar um golpe de Estado em seus

respectivos países. Falharam e, em razão disso, buscaram um bode expiatório externo, os

Estados Unidos da América.29 O papel do Egito é o de fornecer os cérebros da “coalizão

arco-íris” – em razão de atrair “alienados” das mais variadas nacionalidades –; à Arábia

Saudita cabe o financiamento. Juntos, tornaram a Al-Qa’ida possível30.

Para a revista o problema da Al-Qaida não é o fato de amealhar esquadrões de

suicidas, algo tão antigo quanto os Assassinos da Idade Média ou kamikazes do Japão

Imperialista de Hiroito, mas sim sua “aparente normalidade e independência”. Os

terroristas da “Terça-feira negra” tinham se imiscuído na cultura Ocidental, eram educados

e de classe média; distinguindo-se dos “pobres perdedores, lobotomizados e subordinados 27 “We are attracting all these opponents to Iraq because they understand this war is The Big One. They don't believe their own propaganda. They know this is not a war for oil. They know this is a war over ideas and values and governance. They know this war is about Western powers, helped by the U.N., coming into the heart of their world to promote more decent, open, tolerant, women-friendly, pluralistic governments by starting with Iraq — a country that contains all the main strands of the region: Shiites, Sunnis and Kurds.”24/08/03 Fighting the ’Big One’, Thomas Friedman. 28 “First, let me state my own bias: Iraq is the whole ballgame. If we can produce a reasonably decent, constitutionally grounded Iraqi government, good things will happen all around the Middle East. If Iraq turns into a quagmire, it will be a disaster for U.S. interests all around the world. So, for me, everything should be focused on getting Iraq on the right path.” Long Spoon Diplomacy. Thomas L. Friedman, 09/10/03 29 “In fact, the Qaeda network began in the early 1990s as a series of disparate groups in Algeria, Egypt and Saudi Arabia that were seeking to topple their respective governments. When those efforts failed, they decided to attack what they saw as the power behind the thrones, the upholder of order in the middle class: the United States of America.” pg 11 Os Aliados que Fizeram nossos Inimigos, Fareed Zakaria 01/10/01 30 Editorial “Deixem o Iraque Esperar. Terminem a Al Qaeda” por Fareed Zakaria, 10/12/01, pg 17.

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homens-bomba Palestinos” (Newsweek, 15/10/01 pg 35). Referente à desmistificação do

jihadista contemporâneo a revista faz um trabalho lapidar ao escrever que tal estereótipo, o

de um homem bomba Islâmico ser um jovem ou adolescente desempregado, sem instrução

e nenhum prospecto de esperança, facilmente induzido a se amarrar a algumas bananas de

dinamite e acionar um portão para o expresso rumo a um Paraíso de orgias, não tem

conexão com a realidade. Mohammad Atta “não se encaixa nessa figura patética”,

tampouco veio de uma família pobre.31 Além de terem natureza protéica e empregarem

destrutivamente as tecnologias da Sociedade da Informação o assustador do fenômeno

reside justamente em milhões de pessoas no mundo Islâmico concordarem com bin Laden

de que há uma guerra religiosa contra a América.32

Tal como o prognóstico, o problema encontra-se na base de suporte, que faz com

que a Al-Qai’da não seja um “culto isolado”. Vieram de uma cultura que reforça a

hostilidade, a desconfiança e o ódio deles ao Ocidente. Uma cultura que além de não

condenar o terrorismo alimenta o fanatismo residente em seu seio.33 Por isso que, mesmo

com bin Laden morto, será difícil pensar no fim da Al-Qai’da, que ora pode ser interpretada

como ideologia ora como uma rede de células terroristas difusas em 60 países comandada

por uma organização altamente centralizada e cujos operativos recebem ordens do topo,

uma espécie de multinacional do temor.34 Por fim trata-se aqui de um antípoda da

modernidade, logo de seu mais recente desenvolvimento a Sociedade da Informação. Para

Jeffrey Bartholet bin Laden como qualquer fanático “torna o mundo simples para as

pessoas que são, de outra sorte, confusas e lhes dá um senso de missão” (Newsweek

22/10/01 pg 37). Estudaremos adiante os impactos do nexo causal, 11 de setembro, e como

eles levaram à idéia de “modernização” do mundo Árabe. 31 “The stereotype of an Islamic suicide bomber is that of a young man or teenage boy who has no job, no education, no prospects and no hope. He has been gulled into believing that if he straps a few sticks of dynamite around his waist and presses button, he will stroll through the gates of Paradise, where he will be bedded by virgins. Atta in no way matches that pathetic creature, he did not come from a poor fundamentalist family.” A Estrada para o 11 de setembro, pg 44 32 “The problem is not that Osama bin Laden believes that this is a religious war against America. It’s that millions of people across the Islamic world seem to agree.” Pg13 O Islã e o Ocidente – as Raízes para o Ódio. Fareed Zakaria 15/10/01 33 “But bin Laden and his followers are not an isolated cult […]. They come out of a culture that reinforces their hostility, distrust and hatred of the west – and of America in particular. This culture does not condone terrorism but fuels the fanaticism that is at its heart.” Pg13 O Islã e o Ocidente – as Raízes para o Ódio. Fareed Zakaria 15/10/01 34 “A lot of it depends on what you think Al Qaeda is,’ says on e Justice Department official who has been investigating the terror network for almost a decade. ‘If you think it’s a higly centralized organization and its operatives take orders from the top, then this may be a death blow. But the majority still think it’s much more diffuse than that – more of a movement than an organization. If you kill the most visible leadership you might embolden the people further down to act in revenge.’” Sobre as possíveis conseqüências da morte de bin Laden na Al Qaeda. Pg 28 “Podemos Achar Bin Laden?”, Evan Thomas 26/11/01

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3.Nexo Causal: 11 de Setembro na Política Externa Americana.

a) O Novo Terror Global.

Os atentados de 11 de setembro em 2001 foram, até o presente momento, o ponto

culminante da jihad Islamista global e serviram como nexo causal de muitas mudanças

(algumas sensíveis, outras radicais) nas relações internacionais e em particular na

formulação de política dos Estados Unidos da América. O fatwa35 emitido a 23 de

Fevereiro de 1998 pela “Frente Islâmica Mundial” declarava guerra ao que se interpreta

como Ocidente (Judeus e Cruzados), em específico os Estados Unidos da América, única

superpotência global e líder do “Ocidente”.

O que se entende das linhas argumentativas mestras do documento, do qual Osama

bin Laden é um dos signatários, é que i) os Islã está sendo atacado pelo Ocidente; ii) os

E.U.A. têm ocupado as terras do Islã desde 1991, inclusive as mais sagradas, explorado

suas riquezas, ditado regras aos seus governantes, humilhado os Mulçumanos, e

aterrorizado seus vizinhos; iii) que a aliança entre os Cruzados e Judeus tem causado

terríveis massacres aos irmãos Iraquianos e, por fim; iv) que se essa for uma guerra

religiosa dos Cruzados ela tem como “brutal” intenção ocupar completamente a região e

auxiliar o “execrável” Estado Judeu. Chega-se à conclusão de que é um dever matar

Americanos e seus aliados, quer sejam civis ou militares, para cada fiel Mulçumano que

possa fazê-lo em qualquer país onde seja possível, de modo a libertar os lugares sagrados

(Meca, Medina e Jerusalém) e bani-los derrotados, sem condições de ameaçar novamente o

Islã.36

O objetivo final dos grupos extremistas Islamistas signatários desse fatwa é o

“retorno” ao Islã puro, governado pela Shari’a e sob a forma do Califado que outrora

existiu nos primórdios dessa religião e cuja última expressão foi sob o Império Otomano,

findo em 1924. A única maneira de se atingir esse objetivo é através da violência,

empregando-se da justificativa da jihad (guerra santa). O termo tanto pode significar luta

interna, para auto-aprimoramento espiritual e moral (nafs), quanto luta defensiva ao Islã em

caso de agressão, como luta de expansão do Islã em terras consideradas pagãs (al-jahiliyya)

ou até, em casos radicais, contra os kuffurs, hipócritas e hereges. Segundo a percepção

desse recente movimento Islamista dois são os estágios de jihad que o fiel verdadeiro deve 35 Fatwa. Opinião ou declaração religiosa emitida por um especialista (mufti) em Shari’a – Código Legal Islâmico. 36 Jihad contra os Judeus e Cruzados, Declaração da “Frente Islâmica Mundial” em Laqueur, 2004.

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considerar como um dever no tempo presente: uma contra os kuffurs e outra contra os

pagãos externos, em específico o Grande Satã. O anterior diz respeito ao extermínio dos

governantes mulçumanos da região considerados ilegítimos por estarem em luta contra a

religião (Islã), logo cabe livremente aos Mulçumanos a escolha do parâmetro de execução.

O último faz menção aos pagãos externos que ajudam a mantê-los no poder.

De maneira geral esse é o léxico dos grupos transnacionais terroristas Islamistas.

Embora o fenômeno do terrorismo não seja novo a sua prática recente traz características

que se desenvolveram num mundo globalizado. A Al-Qa’ida assim como os demais grupos

e células terroristas, quer sejam participantes da Jihad Islamista Global ou não, faz parte do

que Walter Laqueur (No End to War, 2003) classifica como novo terrorismo.

Sinteticamente sua característica é o fanatismo de destruição indiscriminada como prima

ratio acoplado a um maior poder destrutivo devido à acessibilidade e know-how às armas

convencionais, potencializado pela possibilidade de obter armas de destruição em massa

(WMDs). Ele traz consigo um fanatismo ora político ora religioso cujo resultado é a

brutalização do outro, logo permitindo assim a seleção indiscriminada das vítimas

(crianças, soldados fora de serviço, mulheres e idosos), o uso do suicídio e tomando o

máximo de destruição possível por objetivo. Se no terror clássico, onde a seleção das

vítimas era discriminada, a propaganda por ação era o objetivo para sensibilizar o público

de alguma causa supostamente legítima, no novo não mais se busca a propaganda, somente

a destruição como recurso de primeira ordem (prima ratio), o diálogo com o outro não é

uma solução dada a impossibilidade de convívio mútuo.

O novo terrorismo transforma em vantagens táticas os meios, características e

facilidades contemporâneas da Era da Informação37. Assim a fácil disponibilidade a

tecnologias destrutivas, o fato da Sociedade da Informação ser urbana (vida densamente

povoada tornando-se alvo fácil), de ter uma vulnerabilidade psicológica única devido às

redes de informação (aumentando a magnitude dos ataques e amplificando o pânico) e das

populações de sociedades tecnológica e politicamente desenvolvidas experimentarem uma

vida mais tranqüila, com menor expectativa de morte violenta, tudo isso, transforma-se

numa quimera ante o terror novo (Jervis, 2002:180).

37 A professora de Direito Ruth Wedgwood corrobora esse fato ao escrever “His ease with corporate forms has allowed him to provide financing, training, and materiel to Islamic insurgents around the world, and to escalate the destructive range of their work” in Caraley, 2002:161.

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A outra faceta mais preocupante dele é a sua afronta direta ao Estado-nação. Por ser

um ator privado que busca um fim público por meios violentos e transnacional, não sendo

unido por cidadania ou passaporte, mas sim por ideologia ou religião, além de ter tido como

alvo, em 11 de setembro, símbolos do Estado (o Pentágono e, possivelmente, a Casa

Branca) o terror põe a teste a fundamentação existencial dele e o insere numa espécie de

“Era da Insegurança”. Não só questiona-se o Estado como também sua racionalidade, a

política.

Isso é observável quando se vê o Estado Ocidental expressamente afrontado pelas

declarações contidas no manual da Al-Qa’ida. Nele se afirma que a confrontação contra os

“regimes apóstatas” desconhece “debates Socráticos”, “ideais Platônicos” ou “diplomacia

Aristotélica”, somente conhecendo o “diálogo das balas, os ideais do assassinato, suicídio-

bomba, destruição e a diplomacia do canhão e metralhadora”38. Enfatizam, triunfalmente,

que os governos Islâmicos, ao ver deles, nunca foram e jamais serão estabelecidos por

soluções pacíficas ou conselhos cooperativos, tendo sempre sido feitos pelas armas e

caneta, palavras e balas, língua e dentes.

Ora a razão existencial do Estado é evitar a morte violenta; ao impedir a maldade

gratuita cria-se a paz pública. O que Hobbes escreveu em 1651 ainda tem validade: o

Estado tem o monopólio da violência com fins de cumprir seu papel, essa pessoa jurídica é

assim por ele definida “Uma pessoa cujos atos uma grande multidão, mediante pactos

recíprocos uns cons os outros, foi instituída por todos como autora, de modo que ela pode

usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a

paz e a defesa comuns” (Tuck, 2003).

Considerando-se que a lógica estatal reside numa racionalidade da argumentação, da

persuasão e consentimento, sendo o regime democrático fundamentado no diálogo e na

palavra como meios de se resolver as diferenças pacificamente, podemos dizer que o

terrorismo da Jihad Islamista Global é perigoso por ser ilógico e apolítico. Ilógico por

prescindir da argumentação, suas ações injustificáveis desprezam a razão da negociação

(Rosenfield, 2003:16). Apolítico por renunciar o diálogo, portanto à racionalidade

argumentativa capacitante da negociação; como o próprio termo política remonta à polis

38 “The confrontation that we are calling for with the apostate regimes does not know Socratic debates… Platonic ideals… nor Aristotelian diplomacy. But it knows the dialogue of bullets, the ideals of assassination, bombing, and destruction, and the diplomacy of cannon and machine gun.” Manual da Al-Qa’ida in Laqueur 2003:403.

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grega e à razão Aristotélica desprezada pela Al-Qa’ida concordo com Rosenfield (2003:18)

ao afirmar que sua ação não é política, é fanático-religiosa. O fato de sua locução ser

religiosa simplesmente vela a insensatez injustificável dos atos de violência gratuita.

Segundo a analista em terror Jessica Stern a mais perigosa de todas as modalidades

presentes de terror é a religiosamente inspirada (Stern, 1999:17). Ultimamente tem sido

desejo expresso dos grupos e redes terroristas mais articulados a aquisição de dispositivos

de destruição em massa. Segundo a analista o intrigante das armas químicas, biológicas e

nucleares é que elas são “inerentemente” aterradoras, indiscriminadas e aleatórias

(incontroláveis) sendo o medo que elas podem causar maior que seu poder de destruição.

Anteriormente somente Estados-nação tinham poder e capacidade de produzir ou utilizar

tais dispositivos; atualmente, não mais.

b) A Resposta à Nova Ameaça.

O presente cenário internacional do fim da Guerra Fria, trazendo a dispersão de

conhecimento e material referente às WMDs, assim como a proliferação nuclear,

particularmente entre Estados ditos párias, trouxe a possibilidade real de conjunção entre o

terror e regimes tirânicos ou totalitários. A supremacia militar Americana é tamanha que

alguns Estados buscam neutralizar esse gap de poder via métodos assimétricos, ou seja,

obtendo WMDs ou financiando terroristas, na pior das hipóteses cedendo os dispositivos de

destruição em massa aos terroristas. Tendo isso em vista do leque de inseguranças ou

incertezas a desafiar o Estado no século XXI (em particular o hegemon) listadas pelo

analista em Relações Internacionais Zbigniew Brzezinski (ao todo sete, do mais tradicional

ao mais recente) selecionei as seguintes(2003:12): i) ataques provenientes de países outrora

fracos que desenvolveram ou adquiriram WMDs e encontraram maneiras de empregá-las

contra seus vizinhos ou, anonimamente, os EUA; ii) crescentes ataques terroristas letais

contra alvos particularmente odiados, similares ao 11/09/01 em intensidade e

eventualmente usando dispositivos de destruição em massa; iii) cyber-ataques que

paralisam a infra-estrutura operacional da Sociedade da Informação, executados

anonimamente por Estados, grupos terroristas ou indivíduos.

É amparado nos impactos dos ataques terroristas de 11 de setembro e nos cenários

de incerteza e insegurança descritos acima, assim como na perigosa possibilidade de

conjunção entre o terrorismo de alcance global, regimes tiranos ou totalitários e armas de

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destruição em massa que a administração Bush vai reformular a política externa norte-

Americana e tecer uma grande estratégia para o século XXI. A doutrina Bush, ou Estratégia

de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América de setembro de 2002 tem quatro

eixos: i) uma crença de que o regime doméstico de um Estado é determinante na sua

conduta externa e que o início do século XXI é um momento oportuno para transformar a

política internacional; ii) a adoção de guerras preventivas e percepção de que grandes

ameaças somente podem ser tratadas com políticas novas e vigorosas; iii) uma inclinação

para agir unilateralmente se necessário; iv) uma percepção de que a paz e estabilidade

mundiais requerem uma primazia assertiva dos Estados Unidos na política global (Jervis,

2004:3). Desde então a guerra ao terror, qual seja a política externa, tornou-se não só a

prioridade do mandato Bush como também, tal qual a interpretação dele, sua missão.

Desses pontos o primeiro merece destaque por ser o eixo motivador dos demais:

i) Mudança de Regime e Teoria da Paz Democrática. A tese é que os tipos de

regime influenciam a probabilidade de vitória em cenários de guerra assim como a

eficiência do sistema de governo. Tomando como base a teoria de David A. Lake podemos

interpretar o Estado como um monopolista local na produção de serviços públicos e como

tal buscará extrair vantagens (rents) ou “lucros em excesso” de seus cidadãos através de

tributos maiores do que o necessário, suborno ou transferências não pecuniárias. A

democracia é o único instrumento capaz de controlar a propensão de rent-seeker dos

Estados sendo bem sucedidas em cenários de guerra por terem níveis de rent-seeking mais

baixos, esses, por conseguinte, aumentam a quantidade de serviços públicos fornecidos

pelos Estados gerando elevados benefícios aos cidadãos de maneira mais eficiente (com

menores custos) assim como maior lealdade. Ao estimularem o crescimento econômico e

terem rendas maiores as democracias têm um custo de oportunidade menor quando entram

em guerra. Por temerem a derrota contra regimes tiranos as democracias lutam melhor e

com mais esforço nos conflitos em que entram, criando coalizões para balancear as

ameaças de autocracias potencialmente hegemônicas (Lake, 2003:156).

Nas relações internacionais a coesão das alianças democráticas é superior por elas

dependerem da força das instituições democráticas, ou seja a tomada de decisão depende

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dos jogadores com força de veto39. A eficiência militar também é maior. Isso parte do

pressuposto de que para se ganhar uma guerra uma coalizão deve coordenar seus esforços e

recursos. Sistemas políticos transparentes e abertos podem promover uma cooperação em

tempos de guerra mais efetiva e ter melhor acessibilidade a informação do que sistemas

políticos fechados (Choi, 2003:145). Testes estatísticos e empíricos indicam, segundo Choi,

uma correlação positiva entre o número de participantes democráticos em coalizões e a

possibilidade de vitória em guerras, sendo a relação inversamente proporcional para

membros não democráticos.

Em regimes autocráticos ou tiranos os ganhos de rent-seeking monopolista são mais

elevados e recebem maiores retornos para cada unidade territorial, portanto possuem

tamanho ótimo superior aos regimes democráticos e têm uma inclinação imperialista em

sua grande estratégia (Lake, 2003:155). Outra linha de argumento é que por não

respeitarem os contratos, o primado da lei, em âmbito doméstico e praticarem a coerção em

seus próprios cidadãos não será esperado um comportamento dissimilar em relação aos

vizinhos, logo são mais propensos a quebrar contratos, por não existir freio institucional ao

poder do governante, e à instabilidade no cenário internacional. Partindo-se dessa idéia a

administração Bush segue uma vertente híbrida Realista Wilsoniana na interpretação das

fontes da política externa de um Estado e argumentam que medidas mais fortes devem ser

tomadas para espalhar a democracia. Há uma percepção de falência coletiva das nações da

região Árabe, com sistemas de governo e ideologias fracassadas o qual geram frustração e

revolta nas populações cuja única maneira de canaliza-los é através do discurso religioso

extremista contra fatores exógenos (a moeda de troca para manutenção dos sistemas

políticos autocráticos no poder é o Anti-Americanismo, o Anti-Israelismo e Anti-

Ocidentalismo)40. Dada essa visão conclui-se que o status quo da região não é mais

sustentável e deve-se aumentar a pressão por reformas democráticas. Seguindo essa linha

de raciocínio quanto maior a quantidade de sistemas de governos que atendam às demandas

das populações, democracias, haverá maior estabilidade, relação pacífica entre os vizinhos 39 Jogadores de veto (in Aiji Choi). Atores individuais ou coletivos cujo consentimento é necessário para uma mudança no status quo, em regimes democráticos as decisões são produto de checagens e contrapesos das instituições governamentais (Judiciário, Parlamento, Executivo) in (Choi, 2003:145). 40 Uma pesquisa a pedido do Arab Human Development Report de 2002 efetuada pela World Values Survey em quatro países núcleos da região (Argélia, Egito, Jordânia e Marrocos) com fins de medir a atitude de seus povos referente ao conhecimento, boa governança e igualdade dos gêneros revelou que de todas as regiões analisadas no mundo a Árabe é a que tem maiores índices de reprovação a governança autoritária (80%) e que aproximadamente 60% concordaram com a afirmação “a democracia é a melhor forma de governo”.

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– uma vez que democracias não se digladiam – e menor o terrorismo gerado ou

exportado.41

A antiga práxis da política externa norte-americana para a região era a de mínima

interferência possível, mantendo suas forças fora do Golfo Pérsico – entrando somente

quando convidados – para não mexer na sensibilidade Árabe. A postura da estabilidade pela

estabilidade foi considerada insuficiente para atingir os objetivos de segurança dos Estados

Unidos na administração Bush pós-11 de setembro.

O impacto do 11 de setembro na política internacional, e em particular na

formulação da política externa e grande estratégia da administração de George Walker

Bush, foi o de sintetizar um conjunto de práticas correntes. Dentre elas: a preferência por

ações unilaterais e adoção de um multilateralismo ad hoc; a adoção de táticas preventivas, e

não mais preemptivas, ao lidar com problemas emergentes de segurança nacional e global,

a noção de atacar o inimigo antes que ele os atinja e levar a guerra até eles; a adoção de

políticas de mudança de regime em Estados considerados párias, criadores de instabilidades

para a segurança global, regional e nacional; e, por fim, a busca pela manutenção da

primazia Americana e interpretação de que tal é necessária para a paz e estabilidade

mundial. Manter-se fora do alcance competitivo das demais potências é visto como um fim

ao paradigma da corrida armamentista tão característica desde o surgimento do sistema

Westphaliano.42

A razão de ter desenvolvido esse tópico foi expor o contexto, ou espírito de época,

no qual os dois veículos da mídia transnacional cosmopolita se encontraram no pós 11 de

setembro. As reações anteriormente estudadas desses dois influentes veículos indicam

existir uma diferença de grau, não necessariamente de substância, no que tange à

identificação da raiz do problema (a jihad Islamista global), qual seja: uma modernidade

abortada ou falida, incapaz de atender às demandas das populações locais e mantida por

regimes autocráticos. É amparado nesse contexto e percepções que já podemos tecer

críticas conclusivas.

41 No segundo capítulo da Doutrina Bush lê-se “America must stand firmly for the nonnegotiable demands of human dignity: the rule of law; limits on the absolute power of the state; free speech; freedom of worship; equal justice; respect for women; religious and ethnic tolerance; and respect for private property. These demands can be met in many ways. America’s constitution has served us well. Many other nations, with different circumstances, have successfully incorporated these core principles into their own systems of governance.” Pg 3 42 “The United States now has a greater share of the world power than any state since the beginning of the state system, and it is not likely to lose this position in the foreseeable future.” Jervis, 2004:16

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4. Parâmetros Alternativos de Análise.

a) Além da Modernidade.

Aqui faz-se necessário aprofundarmo-nos em duas coisas, contrapor o conceito de

modernidade e empregar duas alternativas de avaliação objetiva: grau de liberdades de

uma sociedade e desenvolvimento. Tendo essas como suporte analisaremos sinteticamente

o Mundo Árabe.

Para Alan Richard uma versão vulgarizada da modernidade teria em seu escopo a

idéia de progresso, expressa por variáveis como ‘urbanização’, ‘alfabetização’,

‘industrialização’. Para ele esta tem sido amplamente empregada em meios de comunicação

em expressões que remetem à “falência da modernização no Oriente Médio” ou de que o

“Oriente Médio é atrasado” e “precisa de um plano para desenvolver a região”. Para o

autor, a modernidade consistiu num conjunto interrelacionado de proposições advindas do

final do século XVII. Estas proposições incluíam a crença num “método universal”

(Descartes), na busca de uma “linguagem perfeita” (Leibniz) e a fé na existência e

possibilidade de descoberta de um “sistema unitário da natureza” (Newton). À isto

acrescenta-se o sistema de soberania Estatal codificado no Tratado de Westfália (em Munst,

24 de Outubro de 1648)43 e a laicização do Estado (Richards, 2003:58). Em suma, para

Richards, a modernidade continha três elementos: um conceito de pensamento racional, um

novo sistema de Estados, e uma fórmula para as relações entre o Estado e a Igreja. 44

David Harvey (Condição Pós-Moderna, 1999) vai escrever que este projeto

iluminista trabalhou em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida diária.

43 Trechos selecionados do Tratado, in http://www.yale.edu/lawweb/avalon/westphal.htm

LXIV. And to prevent for the future any Differences arising in the Politick State, all and every one of the Electors, Princes and States of the Roman Empire, are so establish'd and confirm'd in their antient Rights, Prerogatives, Libertys, Privileges, free exercise of Territorial Right, as well Ecclesiastick, as Politick Lordships, Regales, by virtue of this present Transaction: that they never can or ought to be molested therein by any whomsoever upon any manner of pretence.

LXV. They shall enjoy without contradiction, the Right of Suffrage in all Deliberations touching the Affairs of the Empire; but above all, when the Business in hand shall be the making or interpreting of Laws, the declaring of Wars, imposing of Taxes, levying or quartering of Soldiers, erecting new Fortifications in the Territorys of the States, or reinforcing the old Garisons; as also when a Peace of Alliance is to be concluded, and treated about, or the like, none of these, or the like things shall be acted for the future, without the Suffrage and Consent of the Free Assembly of all the States of the Empire: Above all, it shall be free perpetually to each of the States of the Empire, to make Alliances with Strangers for their Preservation and Safety; provided, nevertheless, such Alliances be not against the Emperor, and the Empire, nor against the Publick Peace, and this Treaty, and without prejudice to the Oath by which every one is bound to the Emperor and the Empire. 44 “It was a historical period, a mind-set and configuration of institutions that has been overtaken by events and experience.” pg 58, Middle East Policy

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Com vistas a efetivar essa meta ele abrangeu dois pólos ou campos. No pólo científico

pensava-se na liberdade da escassez e da arbitrariedade das calamidades naturais. No

campo social visava-se à libertação das irracionalidades do mito, da religião, superstição,

do arbítrio do poder, assim como ao lado sombrio da natureza humana. A figura 2

(apêndice) resume os argumentos de modo visual.

Em suma, a modernidade trouxe um sistema de organização das relações

internacionais – anarquia entre Estados Soberanos –; um sistema capaz de trazer a paz

pública à época (o Estado Secular), e um sistema de interpretação ou apreensão objetiva da

realidade sem subjetivismo ou necessidade de explicações metafísicas, um “método

universal” que criou a Ciência moderna. Como um fenômeno histórico específico, com sua

própria mentalidade e configurações institucionais específicas, a modernidade foi superada

após alguns séculos de história e experiência, de acordo com Richards.

Ao meu ver o único pólo a ter sobrevivido ao longo dos anos foi o científico. Esse

sistema terminou por gerar externalidades: a tecnologia e o desenvolvimento aferível de

maneira objetiva, ainda que limitada, de algumas características humanas e naturais. Ainda

que a existência humana seja plural, e não estritamente racional ou limitada, tivemos a

Ciência Moderna como genitora da futura Sociedade da Informação.

Isso nos traz de volta ao pomo da discórdia, qual seja, à Península Árabe e a

mudança de regime. A administração corrente ainda emprega o jargão defunto da

modernidade para liderar um projeto de mudança social na região, retratada por Richards

como uma quimera. Para o autor, partindo-se do princípio de que o “discurso da

modernidade” nada mais é que ideologia política, melhor seria se a tratássemos por

“modernidades” contendo particularidades culturais e institucionais, eximindo-se da noção

de inevitabilidade e certezas assim como da noção de progresso (Richards, 2003:59). Em

razão disso o desenvolvimento econômico seria o primeiro parâmetro alternativo de

avaliação por mim considerado como instrumental necessário para se aumentar o grau de

liberdade de uma sociedade qualquer. Para Alan Richards o conceito de desenvolvimento

econômico talvez seja melhor e menos polêmico que o de modernidades – ou seja, por este

pelo menos se confere o aumento ou decréscimo da pobreza e da riqueza material.

b) Como mensurar o desenvolvimento?

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Portanto se a modernidade está morta, vez que considerada uma ideologia política,

como analisar o Mundo Árabe? Se não fracassou na “modernização”, tampouco triunfou

no desenvolvimento econômico.

O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento “Arab Human

Development Report” (AHDR 2002 e 2003), preparado por especialistas árabes, é um sério

indicativo das insuficiências da região em se adaptar a uma Economia da Informação e uma

rara auto-crítica, enfatizada pelos autores como ausente na região. Em linhas gerais a

transição para a Sociedade da Informação é vista como a solução para resolver os déficits

objetivos, e não subjetivos, da região. Segundo consta, dois dos três principais

componentes do sistema de aquisição de conhecimento, a difusão e a produção, não se

encontram no Oriente Médio. Na interpretação do relatório (2003) o conhecimento é central

para a Sociedade da Informação e esse, reconhecidamente um fator chave para o

desenvolvimento humano como uma maneira de expandir as liberdades e capacidades das

pessoas, é uma ferramenta para superar a pobreza humana. Sendo também um dinâmico

fator de produção e um indutor de ganhos de produtividade e capital humano.45

O relatório aponta, também, o déficit de três indicadores na região: o de liberdade, o

de capacitação da mulher (women emporwement) e o da razão entre as capacidades

humanas por conhecimento relativos à geração de renda (a transformação do ativo

“conhecimento” em capital). Isso devido à adoção e adaptação de algumas idéias políticas

do Ocidente que são hoje reputadas de gosto duvidoso. Os governantes Árabes no final do

século XIX e em meados do século XX entendiam a modernização como a introdução de

tecnologias modernas de comunicação, administração e guerra; todos os quais auxiliaram

na centralização maior do poder estatal e na ruptura do equilíbrio de poder entre os grupos

da sociedade que checavam-no (mercadores, o exército, chefes tribais, aristocratas)46.

Acrescido a isso temos a influência de idéias políticas totalitárias, o Fascismo, o Nazismo e

o Comunismo na região.

A primeira começou em 1940 na criação da colônia nazista de Vichy na França

ocupada. Às colônias e dependências francesas havia a opção de se incorporarem ou não. A

maioria optou pelo III Reich inclusive a colônia Síria-Libanesa, a qual tornou-se a base 45 “Knowledge is recognized as a cornerstone of human development, a means of expanding people’s capabilities and choices and a tool for overcoming human poverty. In the 21st century, knowledge is also increasingly a dynamic factor of production and a powerful driver of productivity and human capital.” Pg 35 Arab Human Development Report 2003. 46 In Foreign Affairs “Freedom and Justice in the Modern Middle East”, Bernard Lewis, 2005:42.

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principal da propaganda nazista. As raízes para o partido Baath principiaram-se aí; em

razão disso idéias como Pan-arabismo e nacionalismo estariam presentes no corpo político

do Iraque, Síria e Líbano no restante do século XX. Derrotado o Nazismo e tendo o

interesse Soviético aumentado em relação à região as idéias de partido do Comunismo

foram adotadas – onde ele não se distingue do Estado, sendo o governo-partido responsável

pela doutrinação, repressão e vigilância (Lewis 2005:44). Em 1955 o Egito de Nasser

assinaria um tratado sobre armamentos com o Império Russo-Soviético seguindo os

padrões de estabelecimento de bases militares, suprimentos de armas, cooperação militar,

penetração econômica e cultural, fatores os quais eram apenas o início do padrão de

infiltração e acréscimo territorial característico de 400 anos de expansionismo Russo, dessa

vez sob a vertente soviética (Lewis, 2003:91).

Munidos dessa herança a independência destes países fez com que ora optassem por

regimes seculares despóticos (liderados pelo Egito) – amparados nos conceitos de

Nasserismo (espécie de socialismo árabe), pan-arabismo e política de “não-alinhamento” –

ora por uma construção de um Estado de bem-estar social conservador (liderado pelo

Estado Islâmico da Arábia Saudita ou Teocracia Iraniana) sustentado primariamente pela

economia do petróleo.

A distorção provocada por esta commodity, e da maneira como é utilizada, implica

num Estado rentista assistencialista que emprega grande parte da população e cuja receita

advém do petróleo, não de tributos. A centralidade do Estado cria na península um

ambiente hostil ao empreendedorismo, logo num setor privado inepto e incapaz de gerar

postos de trabalho suficientes para uma população de alto crescimento vegetativo. Esta

bomba populacional tem implicado no aumento do consumo governamental e do

desemprego. Qual seja, o governo chega ao seu limite ao ter de manter seus gastos com

defesa (usada domestica e externamente), com os subsídios assistencialistas nos preços dos

bens de consumo e ao prover empregos para uma força de trabalho que cresce aquém de

sua capacidade de criação. A pobreza elevou-se devido ao i) aumento do desemprego (vide

dados na tabela 1 do Apêndice), ii) à criação de empregos de baixa remuneração no setor

informal e iii) à queda salarial do setor formal. As vantagens comparativas em setores que

não pertençam ao petrolífero são limitadas tanto para serviços quanto para mercadorias; as

competitivas encontram-se em estado mais crasso.

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Diante disso proponho uma avaliação simples amparada na visão de Amartya Sen,

que interpreta a expansão das liberdades humanas como eixo do desenvolvimento

econômico. Compreende a riqueza como um canal para se viabilizar uma vontade ou

escolha humana. Para ele as liberdades são o fim e os meios primordiais para o

desenvolvimento, seu objetivo final é a expansão das capacidades das pessoas. Desenvolve

ainda que existem, ao seu ver, cinco liberdades “instrumentais” as quais são

interdependentes: i)as liberdades políticas, ii) as liberdades econômicas, iii) as

oportunidades sociais, iv) as garantias de transparência e v) a segurança protetora (a

liberdade de morte violenta, da morte prematura ou mórbida).

Isaiah Berlin fala da tradição de liberdade “negativa”47 desenvolvida por Locke,

Mill, Constant e Tocqueville tratando da existência de um limite mínimo (minimum litmus)

de liberdade pessoal o qual não deve ser violado de modo algum. Para Benjamin Constant

seriam a liberdade de religião, opinião, expressão e propriedade, tendo de ser garantidas da

invasão arbitrária (Berlin, 2002:233). A interpretação da democracia deve ser qualificada

na medida em que ela pode resvalar na “tirania da maioria” (Tocqueville) ou “mediocridade

coletiva” (Mill). O “X” da questão não é quem maneja a autoridade (embora em

democracias maduras ela garanta a pacífica e transparente alternância de poder), mas sim

quanta autoridade deve ser colocada em um grupo de poder (Berlin, 2002:265). Daí que

vem o axioma de que nenhuma sociedade é livre se não for governada por dois princípios

inter-relacionados: o de que nenhum poder pode ser considerado absoluto, apenas os

direitos, e que o minimum litmus é inviolável, inalienável e irrevogável.

Concordo com Berlin quando pontua que uma sociedade que adote o pluralismo e o

minimum litmus da liberdade “negativa” será mais próxima de abarcar as complexidades da

existência humana do que aqueles que enxergam em grandes estruturas disciplinadas e

autoritárias o ideal do autodomínio dos povos – no caso os projetos utópicos dos Islamistas

– enfim metas para atingir uma “solução final”.

Essa seria inteiramente compatível com a noção de desenvolvimento econômico de

Amrtya Sen, onde a liberdade é o princípio nuclear que norteia e alimenta o

desenvolvimento tão necessário à região. A Freedom House, faz um levantamento do grau

47 No sentido de que somos livres na medida em que nenhum homem ou grupo de homens interfere em minha atividade. Liberdade de, ausência de interferência além da fronteira mutável entre o público e o privado, de onde se encontram os direitos inalienáveis. No ensaio “Dois Conceitos de Liberdade” Isaiah Berlin, 2002.

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das liberdades cíveis e políticas presentes nos países do mundo. Para a Freedom House

inexiste uma Sociedade Civil desenvolvida sem que para isso exista uma atmosfera propícia

à democracia. Uma sociedade que não goze da expressão de liberdade individual e coletiva

referente às questões não-políticas provavelmente não abrirá exceção às expressões

políticas.48 A classificação varia de 1 a 7, sendo o maior valor indicativo de menor grau de

liberdade, além disso aponta tendências gerais de alta ou queda da pontuação, com base nas

pesquisas anteriores, assim como subdivide em três vetores a classificação geral em

“Livre”, “Parcialmente Livre” e “Não Livre”. Baseados na tabela abaixo observamos que

os níveis de liberdades políticas e cíveis na região são críticos e corroboram uma massa

crítica propícia à mudança.

Principais Países da Península Árabe.

País Direitos Políticos Liberdades Civis Grau de Liberdade

Arábia Saudita 7 7 Não Livre

Turquia 4 5 Parcialmente Livre

Egito 6 5 Não Livre

Irã ò 6 6 Não Livre

• adaptado do relatório “Freedom in the World 2000-2001”

• o grau vai de 1 (mais livre) a 7 (menos livre).

Ao contrário do que se pensa a cultura despótica árabe, como vimos anteriormente,

é recente e contradiz alguns conceitos Mulçumanos clássicos que não corroboram os

precedentes históricos da cultura Islâmica. Os problemas referentes à aquisição e exercício

de poder, sucessão, legitimidade e os limites da autoridade foram tratados pela filosofia

política Mulçumana (Lewis, 2005:40). Por exemplo, há a tradicional rejeição ao

despotismo (istibad), a noção de governo consensual (Shura), contratual (bay’a) e limitado.

A grande questão posta desde 11 de setembro é como as sociedades da Península Árabe

promoverão a mudança rumo a uma Sociedade da Informação, proposta pelos analistas

árabes que escreveram o “Arab Human Development Report” de 2002 e 2003.

5. Conclusões.

48 “Without a well-developed civil society, it is difficult, if not impossible, to have an atmosphere supportive of democracy. A society that does not enjoy free individual and group expressions in nonpolitical matters is not likely to make an exception for political ones.” In Freedom House Methodology.

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Em razão da política norte-americana de mínima interferência em assuntos internos

ter fracassado desde o 11 de setembro é de interesse para a grande estratégia norte-

americana a mudança de regime. Em geral menciona-se a democratização como solução.

Os veículos de mídia retratados no artigo concordam com essa linha, de modo acrítico.

Mas estaria a democracia transplantada apta a automaticamente gerar

desenvolvimento? O regime democrático traz estabilidade política, e um provável

crescimento econômico sustentável se um ambiente institucional propício ao

empreendedorismo for criado. Ela por si só não resolverá os gargalos do desenvolvimento

Árabe. A mudança, quando e não se, ocorrerá num espaço de gerações. Talvez ajude a

sanar o déficit de liberdades civis e políticas; mas também pode acarretar numa tirania

democraticamente eleita. Algo que poderia acontecer na Arábia Saudita, no Egito e Argélia

em razão da percepção seletiva do Islã de alguns Islamistas como utópica solução final para

os problemas quotidianos. Não é possível fazer downloading de democracias. Penso ser

preferível e provável alimentar os traços culturais que mais se aproximam a um sistema de

governança transparente, pluralista e dotado de minimum litmus capaz de propiciar

desenvolvimento econômico e das capacidades dos indivíduos. O processo leva tempo e

não resulta necessariamente numa democracia, ainda que esse seja o desejo.

Quanto aos dois atores da mídia transnacional cosmopolita identifico uma carência

de cobertura da maioria silenciosa e moderada. Mais do que o New York Times, a

Newsweek pincelou os vários grupos que formam a Sociedade Civil Mulçumana Árabe

numa reportagem sobre o sistema educacional Islâmico nas diversas modalidades e regiões

onde ele se encontra; faltou-lhe, contudo, abordar com mais detalhes o debate que se trava

entre uma entrincheirada e silenciosa maioria (os tradicionalistas reformistas, os

tradicionalistas moderados, os modernistas, e os secularistas – não necessariamente em

concordância mútua) e uma ruidosa minoria formada por sectos radicais, vociferando uma

militante, raivosa e destrutiva versão do Islã (os tradicionalistas, os fundamentalistas

escriturais e os fundamentalistas jihadistas). Quem são, como pensam, quem lhes dá base

social seriam as perguntas lançadas aos dois atores, que até agora não traçaram um perfil

detalhado de cada.

No que tange ao contexto de mudança de regime, dentro do escopo da grande

estratégia planejada pela administração Bush, as vozes de interpretações variadas e

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moderadas do Islã49, que propõem uma versão compatível à Sociedade da Informação,

poderiam ter expressão nesses fóruns. O foco em questão, a segurança do regime

democrático e civilização Ocidental, particularmente os Estados Unidos, não deveria ser

esquecido pelas publicações. Nessa presente época a incapacidade dos povos Árabes, não

necessariamente Mulçumanos, em pensar construtivamente o seu lugar numa Sociedade

Global resultou num efeito de transbordamento negativo direto ao Ocidente.

Diante disso há a possibilidade de se interpretar a doutrina de mudança de regime da

presente administração de messianismo ou evangelismo quimérico por exacerbar tanto a

“democracia” transplantada quanto “modernização”. Penso que os veículos deveriam tecer

uma diferença entre diagnóstico e execução do prognóstico. A razão pela qual esse se

desenvolveu partiu de um fator causal exógeno, não endógeno. O posicionamento dos

veículos, ao meu ver, nesse aspecto foi satisfatório no diagnóstico ainda que insatisfatório

no prognóstico e opções táticas da presente administração. Seu papel deve ser o de traçar

painéis de análise aos limites e possibilidades, assim como conseqüências, dessa política e

confrontá-las sob o pano de fundo da grande estratégia, qual seja a longo prazo.

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49 Tais como Tarek al-Bichri e Saleem al-Awwa (Egito), Mohamed Talbi (Tunísia), Anwar Ibrahim (Malásia), Fathi Osman, Aziza al-Hibri e Abdulaziz Sachedina (Estados Unidos), Shafeeq Ghabra (Kuwait), Abdelwahad El-Affendi (Sudão), Nurcholish Madjid (Indonesia), Ibrahim al-Wazir (Yemen) e Abdul Karim Soroush (Irã).

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29

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APÊNDICE.

PROJETO DA MODERNIDADE Westphalia

1648 Sist. Int .

Secularismo Sist. Doméstico

Pólo Social

Pensamento Racional

Newton

Descartes

Leibniz

Pólo Científico

MODERNIDADE

FIG. 2 PROJETO DO MODERNIDADE

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Tabela 1 Perfil do Oriente Médio

País Desemprego (%) Cresc. Econômico nominal (%) 1990-02 2003

Cresc. Vegetativo (%) 1980-2002

Algéria 30 (1999) 2,2 7,3 est 2,4 Egito 12 -20 (2000) 4,5 2,8 2,2 Irã 20-25 (2001) 3,8 6 est 2,3 Arábia Saudita 14-18 (2001) 2,1 4,3 3,9 Jordânia 15 (oficial)

25-30 est (1999) 4,7 3,1 3,9

Líbano 18 (1998) 4,9 3 est 1,8 Síria 12-15 (2001) 4,7 3,0 Iêmen 35 (1999) 5,9 3,1 3,5 E. A. U 2,4 4,2 5,2 5,1 Iraque ------ ------ -20 2,8 Kuwait 7 2,9 4,4 2,4 *fontes World Bank, CIA World Factbook.

BASES INSTRUMENTAIS

DA SOCIEDADE DA

INFORMAÇÃO

Revolução das TIs , avanços tecnológicos na computação, comunicação e softwares. (transmissão em banda larga, computação difusa [pervasive computation], Internet, chips como commodity, rede de telecomunicações global e digitalizada).

Empresas em Rede, cluster de organizações heterogêneas que operam a variável ‘conhecimento’, gerando e processando informações eficientemente. Adaptadas ao mercado global de vantagem competitiva, têm por base a inovação e a flexibilidade do produto e processo produtivo.

BASES VITAIS DA

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Difusão do Conhecimento.

Produção do Conhecimento.

FIGURA 1. P ILARES DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO.