resumo história

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O Renascimento Engels, em sua vasta obra, informa que em momentos de grave crise histórica a humanidade produz gênios. O Renascimento pode ser compreendido a partir deste principio, uma vez tratar-se de momento gravíssimo de crise terminal do Modo de Produção Feudal. A nova ética, a nova moral da burguesia, enfim, exigia o fim do cavalheirismo medieval. Exigia personagens capazes de simular serem o que não são, de dissimular serem o que são, capazes, enfim, de erigir o blefe, a fraude e a pecúnia como seus tópicos principais de comportamento e adoração. O Homem do Renascimento, segundo Agnes Heller, era aquele que se comportava de acordo com as frases de Shakespeare ou Leonardo da Vinci, como: “Posso sorrir, e matar enquanto sorrio, E proclamar-me feliz com o que me aflige o coração, Molhar as minhas faces com lágrimas fingidas E acomodar a minha cara a todas as ocasiões... Posso acrescentar cores ao camaleão, Mudar de forma mais depressa que Proteu E mandar para a escola o sanguinário Maquiavel!” Ricardo II, Ato 3, Cena 5 ********** “Vede aqueles que podem ser chamados Simples condutores de comida, Produtores de estrume, enchedores de latrinas, Pois deles nada mais se vê no mundo Nem qualquer virtude se observa no seu trabalho, Nada deles restando além de latrinas cheias” Anotações, Leonardo da Vinci

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O Renascimento

Engels, em sua vasta obra, informa que em momentos de grave crise histórica a humanidade produz gênios. O Renascimento pode ser compreendido a partir deste principio, uma vez tratar-se de momento gravíssimo de crise terminal do Modo de Produção Feudal.

A nova ética, a nova moral da burguesia, enfim, exigia o fim do cavalheirismo medieval. Exigia personagens capazes de simular serem o que não são, de dissimular serem o que são, capazes, enfim, de erigir o blefe, a fraude e a pecúnia como seus tópicos principais de comportamento e adoração.

O Homem do Renascimento, segundo Agnes Heller, era aquele que se comportava de acordo com as frases de Shakespeare ou Leonardo da Vinci, como:

“Posso sorrir, e matar enquanto sorrio,E proclamar-me feliz com o que me aflige o coração,Molhar as minhas faces com lágrimas fingidasE acomodar a minha cara a todas as ocasiões...Posso acrescentar cores ao camaleão,Mudar de forma mais depressa que ProteuE mandar para a escola o sanguinário Maquiavel!”

Ricardo II, Ato 3, Cena 5

**********

“Vede aqueles que podem ser chamadosSimples condutores de comida,Produtores de estrume, enchedores de latrinas,Pois deles nada mais se vê no mundoNem qualquer virtude se observa no seu trabalho,Nada deles restando além de latrinas cheias” Anotações, Leonardo da Vinci

Percebe-se que, além de ser capaz de simular, dissimular, mentir e atraiçoar o homem dos novos tempos burgueses – que seguem até nossos dias de profunda decadência da própria burguesia até por esgotamento – deveria ser capaz de obter fama e fortuna em vida, o que seria impensável durante o feudalismo. A seguir o pensamento do genial Leonardo da Vinci, era preciso deixar a sua marca na história, fosse em que campo da existência fosse. Somente era criticado aquele que nada mais fazia do que trabalhar, comer, dormir e, no máximo, reproduzir-se, coisa que outros animais são capazes de fazer – o que enfatiza o humanismo renascentista.

Origens

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Giorgio Vasari (1511 – 1574), italiano nascido na cidade de Arezzo, publicou em 1550 um importante livro sobre os artistas plásticos de sua época, com o longo título Vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos italianos, desde Cimabue até a nossa época. Em sua opinião, a partir da queda de Roma (476), a cultura e a arte entraram em decadência, “renascendo” somente por volta de 1250. Vasari identificou três fases no que concebia como Renascimento artístico. Na primeira fase situava Giotto, pintor nascido em 1267 e morto em 1337. Na segunda fase, considerou como figura mais emblemática o pintor Masaccio (1401 – 1428) e na terceira fase, a mais importante das três, deu merecido destaque a Leonardo da Vinci (1452 – 1519), Rafael d’Anunzio (1483 – 1520) e Michelangelo Buonarotti ( 1475 – 1564). Essas três fases são denominadas pelos italianos Trecento, Quatrocento e Cinquecento, respectivamente.

Vasari foi talvez o primeiro estudioso a empregar o termo Renascimento para descrever o florescimento artístico-cultural da Itália dos séculos XV e XVI. Usado para identificar não apenas as criações artísticas na pintura, como todo o movimento então ocorrido, como a literatura e a ciência, que tomava como modelo e inspiração a cultura da Antiguidade Clássica.

Enquanto o pintor italiano Giotto renovava as artes plásticas com suas obras, o poeta e escritor italiano Francisco Petrarca (1303 – 1374) destacava-se como iniciador do humanismo. Não por coincidência, ambos anunciavam uma importante mudança no campo da cultura, denominada pelos historiadores, seguindo a tradição iniciada por Vasari, Renascimento Cultural.

O Humanismo

“Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade; em forma e movimento, tão preciso e admirável, na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza do mundo, o exemplo dos animais.”

Hamlet, William Shakespeare

Revolucionária observação, que conclama a um antropocentrismo em contrapartida ao teocentrismo que grassou por cerca de um milênio na Europa Ocidental. O Homem é a peça-chave, o Homem é inclusive comparado ao Todo-Poderoso já no sentido de colocar a nova mundividência em vigor.

Quando propôs uma nova periodização da História européia, Petrarca também tinha em mente a idéia de renascimento. Ele chamava de Antiguidade ao período que termina com a conversão do

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imperador Constantino ao Cristianismo (337). O período seguinte constituía uma nova era, que Petrarca chamou de Moderna, e estendia-se até a época em que ele vivia (século XIV). O termo Moderno, contraposto a Antiguidade, tinha então uma conotação negativa... Com o tempo, contudo, Moderno foi se associando ao renascimento da cultura antiga e acabou ganhando um significado “positivo”. Sendo a época Moderna aquela em que os valores antigos estavam renascendo, firmou-se a idéia de que o período compreendido entre aqueles dois extremos constituía a época Média, a que estava no meio de duas épocas brilhantes: a Antiga e a Moderna. Idade Moderna, assim, veio a transformar-se praticamente em sinônimo de Renascença.

Petrarca considerava sua época como o final de um “tempo obscuro”, de uma “Idade das Trevas”, iniciado com a decadência do Império Romano. Em comparação com a época dos antigos gregos e romanos, plena de realizações culturais, a Idade Média lhe parecia bastante pobre... Tal preconceito, contudo, tem sido revisto por autores contemporâneos uma vez ser inegável a enorme produção cultural patrocinada e orientada pela Igreja Católica Romana; havia tabus e heresias, mas o pensamento cristão progrediu bastante no período considerado “Mil Anos de Trevas”...

De todo o modo o Humanismo Renascentista deve ser considerado um movimento intelectual de valorização da Antiguidade Clássica. Não se tratava, contudo, de meramente copiar as realizações do Classicismo greco-romano; tal aspecto retiraria ao movimento sua maior amplitude. O Humanismo, embora não sendo a rigor uma filosofia, representou um movimento de glorificação do Homem, tornado centro de todas as indagações e preocupações. Constituía, em sentido amplo, uma tomada de posição antropocêntrica em reação ao teocentrismo medieval, vale enfatizar.

Os Humanistas não mais aceitavam os valores e maneiras de ser e viver da Idade Média. Por conseguinte, o interesse pela Antiguidade era um meio para atingir um fim: os humanistas viam na Antiguidade aquilo que correspondia aos desejos que sentiam. Pretendiam encontrar nos antigos Homens, considerado como um ser geral, impessoal, universal, que existe equalitariamente por toda a parte.

Em função disso, os humanistas tenderam a valorizar a produção cultural da Antiguidade Greco-Romana, sem que com isso queiramos dizer que pregavam um retorno ao passado, tomado apenas como fonte de inspiração.

Para a eclosão e ampla difusão do Renascimento como um todo há que se considerar ainda:

1) O aperfeiçoamento da imprensa, que possibilitou a difusão dos clássicos greco-romanos, da Bíblia e de outras obras, até então manuseadas apenas pelos “monges copistas” dentro de Mosteiros e Abadias;

2) A decadência e derrocada de Constantinopla, que provocou um verdadeiro êxodo de intelectuais bizantinos para a Europa Ocidental;

3) As Grandes Navegações ou Mecanismos de Conquista Colonial, que alargou os horizontes geográficos e culturais e propiciaram o contato europeu com culturas completamente distintas, contribuindo para derrubar muitas idéias até então tidas como verdades absolutas;

4) O Mecenato praticado por burgueses ricos, Príncipes e até Papas, interessados em projetar suas cortes, daí financiarem as atividades do Renascimento Cultural.

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O Humanismo teve suma importância, pois conduziu a modificações inclusive nos métodos de ensino, uma vez que começaram a surgir Academias e Liceus laicos, onde se estudava as línguas clássicas (o latim e o grego) e com a maior preocupação em analisar acurada e cientificamente os fenômenos da natureza. Deixa de valer o magister dixit aristotélico medieval e passa a valer a busca empírica da Verdade.

Aspectos ou características

O Renascimento foi, de certa forma, a expressão de um movimento humanista nas Artes, Letras, Filosofia e Ciência, constituindo-se, segundo R. Mousnier, em um “prodigioso desabrochar da vida sob todas as suas formas, que teve de um modo geral suas maiores manifestações de 1490 a 1560, mas que não está preso dentro destes limites. Então, um afluxo de vitalidade fez vibrar toda a humanidade européia. Toda a civilização da Europa transformou-se em conseqüência. Em sentido estreito, o Renascimento é esse elã vital nos trabalhos do espírito. É menos uma doutrina, um sistema, que um conjunto de aspirações, uma impulsão interior que transformou a vida da inteligência e a dos sentidos, o saber e a arte”.

Vejamos agora as condições vigentes na Europa que facilitaram ou fomentaram o surgimento do Humanismo e do Renascimento.

A burguesia, enriquecida com o comércio, estava ainda presa a um Modo de Produção contraditório em tudo e por tudo a seus interesses. Estava presa a valores da Igreja e da Nobreza medievais; para contestá-los e difundir seus valores, mercadores e banqueiros, burgueses em geral, promoveram um estilo de Artes, Letras, Religião e Ciências mais de acordo com suas concepções racionalistas, antropocêntricas e valorizadoras do acúmulo de riquezas a qualquer custo.

Como contraponto, a nobreza decadente – tal como o faz hoje a burguesia decadente – buscava cooptar os intelectuais e artistas do renascimento patrocinando suas pesquisas e seus trabalhos com vistas a manter o statu quo ante, ou seja, o Absolutismo Monárquico. Esta tensão durará até o período do Iluminismo que finalmente depõe a Nobreza e o Clero, entronizando a burguesia endinheirada – se já detinham o poder econômico e contestavam os dogmas religiosos, o que lhes podia impedir de deter o poder político?

O foco inicial do Renascimento foi a Itália, que já dispunha de prósperas cidades mercantis e para onde chegou a principal leva de intelectuais bizantinos, entre outros fatores – maior contato com outras culturas e civilizações por “projetar-se” no Mar Mediterrâneo e ser na prática o berço da civilização greco-romana.

Não se deve, contudo, separar ou valorizar apenas alguns destes fatores. Devem ser considerados como um todo! O aspecto econômico, em última instância, é fator determinante – aqui se enfatizam os interesses mercantis da burguesia em ascenção.

Os novos valores e os gênios produzidos por aquele período de crise

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O Renascimento, com acentuado espírito crítico em todas as suas manifestações (artística, religiosa, literária, política, etc.) teve como principais representantes, no aspecto eminentemente literário: Dante Alighieri – “A Divina Comedia” – Nicolau Maquiavel – “O Príncipe”, “A Mandrágora” – Giovanni Boccacio – “O Decameron” – Ariosto – “Orlando Furioso” – Miguel de Cervantes – “D. Quixote de La Mancha” – Luís de Camões – “Os Lusíadas – William Shakespeare – “Romeu e Julieta”, “Júlio César”, “Hamlet”, “Otelo” e milhares de outras obras poéticas e peças teatrais; tantas que há até hoje uma polêmica se foi um único ser humano a escrever obra tão vasta e de tão grande valor! O Renascimento, sem dúvida precisava de gênios. E os produziu! – Erasmo de Roterdã – “O Elogio da Loucura” – Etienne de La Boetie – “Discurso da Servidão Voluntária” – Thomas Morus – “Utopia”, entre várias outras obras e Autores...

Em sua vertente principalmente Artística, o gênio universal de Leonardo da Vinci é, sem sombra de dúvida a maior estrela desta constelação. Além de pinturas e esculturas de valor inigualável, foi o precursor da balística e o inventor do submarino e até do helicóptero (que só não se viabilizaram em seu tempo por motivos banais!). Michelangelo Buonarotti, o escultor que não gostava de pintura, autor da decoração deslumbrante, sufocante mesmo, da Capela Sixtina, além das esculturas de “Moisés”, “Davi” e “Pietá” entre centenas de outras! Rafael Sânzio, famoso pelas suas pinturas “magníficas de Madonas”, Murilo e El Greco, entre outros tantos.

Em sua vertente Científica há que destacar-se principalmente o fato de surgir um poderoso espírito crítico – comum a todos os renascentistas, sejamos justos! – que rejeitava o “princípio da autoridade”, o magister dixit aristotélico medieval. Agora buscava-se empiricamente os fatos detalhada e acuradamente, com comprovações factíveis de reprodução em laboratório. Não bastava mais estar escrito numa obra genial de Aristóteles para “ser verdade”. Era necessário comprovar essa “verdade”, o que muitas vezes não ocorria, levando a crises com a Igreja, ainda poderosa, e sua “Santa” Inquisição, que supliciou muitos dos pioneiros da ciência em nome da defesa da fé... Destacam-se, nesta vertente, o polonês Nicolau Copérnico, cuja teoria heliocêntrica foi completada no século XVII pelo italiano Galileu Galilei (perseguido pela Inquisição, teve de retratar-se mas deixou uma obra imorredoura. Só foi perdoado pela Igreja Católica no “ano do Jubileu”, ou seja, em 2000 d.C. quando, finalmente, a Igreja Católica aceitou o fato de que a Terra é redonda, gira em torno do seu próprio eixo e em torno do sol... Giordano Bruno, por sua vez, não se retratou. Sua tese de que “somente um universo infinito seria compatível com a idéia de um Deus infinito” estava em dessintonia com as teses aristotélicas. Por esta “heresia” ele foi amarrado a uma estaca em praça pública onde teve a língua perfurada por uma faca e foi enfim queimado vivo. Como sofriam os cientistas da área das ciências naturais em tempos remotos. Tanto quanto hoje sofrem os verdadeiros e radicais cientistas da área de humanas... Além destes, Johannes Kepler também na Astronomia; na Medicina Nostradamus (poderoso vidente e ocultista também!), William Harvey, Miguel Servet, Ambroise Paré e André Vesálio (considerado o pai da moderna Anatomia). Imagine-se o que

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passaram estes desbravadores quando “profanar o corpo de um morto” para fazer dissecção era um crime, uma heresia!

Na Religião, a Reforma Protestante com sua pregação contrária àquela da Igreja Católica Romana, muito mais favorável à burguesia, tem em Martinho Lutero e João Calvino seus principais expoentes.

Inglaterra, França e Holanda contestam Tordesilhas

Quando as Coroas portuguesa e espanhola dividiram o mundo, em junho de 1494, através do Tratado de Tordesilhas, era de se esperar que os governos da Inglaterra, França e Holanda tivessem se recusado a reconhecer a partilha.

Mesmo tendo sido referendado pelo papa (espanhol) Alexandre 6º, o tratado não deixava terras para mais ninguém. A linha divisória do Tratado de Tordesilhas passaria a 370 léguas marítimas (aproximadamente 2.442 quilômetros) a oeste do arquipélago de Cabo Verde, na região mais ocidental da costa africana.

Nos livros, a linha de Tordesilhas geralmente é mostrada cortando apenas o território da América do Sul, quando, na verdade era um meridiano e circundava o globo terrestre passando pelos dois pólos. A leste, "todas as terras descobertas, ou por descobrir", pertenceriam a Portugal e, a oeste, o mesmo valia para a Espanha.

Inglaterra, França e Holanda rejeitam Tratado de TordesilhasAté 1456, ingleses e franceses travaram a Guerra dos Cem Anos (iniciada em 1337), que

consumiu uma enorme quantidade de dinheiro e homens por mais de um século.

Ao final do conflito, a França, que suportou praticamente toda a guerra dentro de seu território, teve urgência na recomposição de sua agricultura e de suas finanças, o que levou algum tempo. Na Inglaterra, a disputa pelo trono levou à Guerra das Duas Rosas, um conflito interno que envolveu as famílias Lancaster (rosa vermelha no brasão) e York (rosa branca no brasão).

A paz só foi alcançada em 1485, com a coroação de um membro da família Tudor, Henrique 7º, que tinha laços de parentesco com as duas casas de nobres que vinham se digladiando até então.

Os Países Baixos também estiveram envolvidos numa série de disputas entre nobres e o rei. A região da Flandres, desde o século 12, se destacou por seu desenvolvimento manufatureiro e seu próspero comércio, tendo chegado a ser alvo da disputa entre a França e a Inglaterra na Guerra dos Cem Anos.

Em 1556, os Países Baixos caíram sob o domínio de Filipe 2º de Habsburgo, rei da Espanha, país cuja principal fonte de riqueza eram as minas de ouro e prata da América. Desdobramentos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma, no século 16, os conflitos entre católicos e protestantes contribuíram para a demora na busca da expansão das rotas comerciais flamengas para fora da Europa.

Novas rotas para o OrienteSem ter como competir, num primeiro momento, com os países ibéricos nas rotas meridionais

que contornavam a África e a América, os navegadores dos demais países, ao longo do século 16, buscaram caminhos para o Oriente pelo hemisfério norte.

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O francês Cartier (1536), a serviço do rei Francisco 1º, e os ingleses Davis e Hudson (1576/1578) já haviam tentado encontrar uma ligação entre o Atlântico e o Pacífico através da América do Norte, mas foi William Baffin quem concluiu, em sua expedição, entre 1615 e 1616 que, por ali, "não havia passagem, nem esperança de passagem".

Pelo nordeste da Europa, Sir Richard Chancellor chegou a Arcangel, na Rússia, em 1553. Em 1584, expedições inglesas e holandesas (os dois grandes rivais da Espanha, naquele momento) concluíram ser impossível transpor a barreira de gelo do arquipélago russo de Nova Zembla em busca de uma passagem para o sul, que pudesse cortar ou contornar toda a Ásia e levá-los ao Índico e às especiarias de sua costa.

Companhia das ÍndiasOs holandeses, através de sua Companhia das Índias Orientais, fundada em 1602, resolveram

desafiar o já decadente poderio português e passaram a freqüentar a rota das Índias através do contorno da África. Em seu rastro, vieram, a partir de 1532, também os franceses e os ingleses.

Daí por diante, a febre das descobertas foi seguida pelo início da colonização de territórios. Os franceses se estabeleceram ao longo do rio São Lourenço, no Canadá, desde aproximadamente 1608, e expandiram sua área de atuação comercial, ao longo do rio Mississipi, até o golfo do México, onde fundaram a colônia da Louisiana, em 1682. A Companhia da Baía de Massachussets foi responsável pelo primeiro foco de colonização inglesa na América do Norte, em 1629.

Pirataria, corsários e invasõesA grande dificuldade em se encontrar caminhos marítimos distantes dos controlados pelos

portugueses e espanhóis levou os reis da França e da Inglaterra a se associarem a piratas que atacavam embarcações ibéricas na rota do Atlântico.

Protegidos pelos reis de seus países, esses salteadores dos mares passaram a ser conhecidos por corsários. Em troca da proteção oficial, parte do que pilhavam era dividida com a própria Coroa. Deve-se à absorção desses salteadores pela política de Estado a incorporação de ilhas antilhanas à Inglaterra e à França.

Agraciados com patentes militares e títulos de nobreza, ex-corsários foram incumbidos de dar início ao processo de colonização e plantio de cana, nos séculos 16 e 17, nas ilhas que haviam sido tomadas de nativos e, até então, foram usadas como refúgios.

Já a presença holandesa na região se deve aos investimentos de duas empresas privadas que funcionavam como sociedades anônimas, a Companhia das Índias Orientais (VOC) e a Companhia das Índias Ocidentais (WIC).

Nova York e RecifeNa América do Sul, a Guiana Holandesa (atual Suriname) foi oficializada pelo Tratado de

Breda, de 1667, com a Inglaterra. Na América do Norte, uma fortificação holandesa datada de 1625, passou para o controle da mesma Companhia das Índias Ocidentais que, cinco anos mais tarde, invadiu Pernambuco. A fortificação flamenga deu origem à atual cidade de Nova York, batizada originalmente com o nome de Nova Amsterdã.

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A expansão marítima espanholaNewton Nazaro*Especial para a Página 3 Pedagogia & ComunicaçãoReprodução

Os reis católicos: Isabel e FernandoA Espanha foi o segundo país a se lançar na aventura das grandes navegações. A primeira

viagem marítima financiada pelo país ocorreu em 1492, com Cristóvão Colombo, 77 anos depois de os portugueses invadirem Ceuta, no Reino de Fez (atual Marrocos), em 1415.

Vários motivos levaram a Espanha a esse "atraso" na busca de uma rota para o comércio de especiarias que não passasse pelo Mediterrâneo (controlado pelas cidades-estado de Gênova e Veneza), nem pela costa africana, conhecida pelos portugueses até o Cabo da Boa Esperança, no extremo sul do continente.

Um desses motivos foi a prioridade dada à reconquista da Península Ibérica, numa luta que se prolongou por 781 anos, a guerra mais longa de que se tem notícia. A vitória castelhana sobre o Califado de Granada, último reduto muçulmano na península, data exatamente de 1492.

Outro motivo foi a unificação tardia dos reinos cristãos de Leão, Castela, Aragão e Navarra. O passo mais importante nessa direção foi dado somente em 1469, quando o casamento de Fernando de Aragão e Isabel de Castela deu origem ao Reino Católico de Fernando e Isabel, núcleo inicial do que viria a ser a Espanha.

Cristóvão Colombo e seu projeto polêmicoEm meados do século 15, o senso comum ainda afirmava que a Terra era um disco, redondo e

plano, mas os estudiosos já sabiam que nosso planeta era um globo. Por esse motivo é que Colombo, que mantinha contatos com alguns dos sábios da época, defendia a ideia de chegar às Índias perseguindo o pôr do sol.

Na verdade, as teorias que serviam de base para os argumentos de Colombo eram de origem árabe e judaica (esse povos eram os herdeiros diretos da cultura da Antiguidade greco-macedônica), mas em um período histórico no qual predominavam a luta contra os árabes e a perseguição da Inquisição inclusive contra os judeus, era quase impossível aos cientistas o reconhecimento público de que a Terra era um globo.

Mesmos assim, a ideia de atingir o Oriente pelo Ocidente foi arduamente defendida por Colombo. Um debate travado entre ele e os padres da Universidade de Salamanca, em 1486, custou-lhe a exposição ao ridículo, a pecha de louco e quase uma condenação à fogueira da Inquisição, braço jurídico da Igreja Católica desde o Concílio de Trento.

Depois, ainda que tivesse conseguido a adesão de algumas pessoas influentes ao seu projeto de circunavegação, foi graças à influência do banqueiro judeu Santagel que Colombo ganhou a confiança da própria rainha Isabel de Castela. Finalmente, depois que a coroa espanhola obrigou a família Pinzón, de grandes navegadores, a se unir a Colombo, a viagem foi aprovada. Alguns historiadores, aliás, acreditam que, sem os conhecimentos náuticos do Oceano Atlântico que os Pinzón tinham, Colombo não teria ido muito longe.

As caravelas Santa Maria, Pinta e Nina

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Finalmente, em 3 de agosto de 1492, a bordo da caravela Santa Maria, Cristóvão Colombo partiu do porto de Palos rumo ao oeste, seguido pela Pinta e pela Nina. Setenta dias depois, a esquadra chegou à ilha de Guanahani, nas Antilhas, rebatizada como San Salvador pelo próprio "Almirante das Índias".

Colombo faria, nos doze anos seguintes, mais três viagens à América. Na segunda (1493 a 1496), atingiu as ilhas de Cuba, Jamaica, Espanhola (Haiti e República Dominicana), Borinquén (Porto Rico), Guadalupe, Dominica e Martinica. Na terceira viagem (1498 a 1500), enquanto os portugueses Vasco da Gamae Pedro Álvares Cabralchegavam, respectivamente, à Índia e ao que viria a ser a costa brasileira, Colombo desembarcava na ilha de Trinidad e na costa norte da América do Sul.

Na quarta e última viagem (1502 a 1504), Colombo navegou pela costa da América Central, ainda na esperança de encontrar uma passagem para regiões produtoras de especiarias. Morreu em 1504, acreditando ter atingido um braço da Ásia e contrapondo-se à teoria de que, na verdade, as terras descobertas eram um novo continente. Tal ideia foi defendida por Américo Vespúcio, a quem coube a glória de ver seu nome dado, pelo rei Fernando, às terras recém-descobertas.

Ouro e prata impulsionaram colonização espanholaNa disputa contra a nobreza - aliada do rei da Espanha - pelo governo das novas terras, o

descobridor da América levou a pior. A ganância por cargos e riqueza aumentou a pressão dos nobres sobre o rei, e Colombo caiu no ostracismo.

Ouro e prata, no México e no Peru, impulsionaram a colonização espanhola desde a primeira metade do século 16. A organização da mão de obra indígena - chamada de mita no Peru e de quatequil no México - submeteu, sob a influência espanhola, grandes contingentes de nativos a jornadas desumanas nas minas. Havia também o chamado sistema de encomiendas (ou repartimiento), criado pelos espanhóis nas regiões em que não existisse um Estado indígena que já explorasse a mão de obra local ou dos povos dominados.

Não raro essas jornadas de trabalho terminavam em morte por exaustão. Ao redor dessas regiões, a agricultura e o pastoreio destinavam-se exclusivamente ao abastecimento dos polos de mineração. No mais, havia um quase vazio demográfico entre ambos.

O impacto do derrame de metais preciosos na Europa deu capacidade de importação de manufaturados à Espanha, em detrimento de seu próprio setor manufatureiro. Em toda a Europa, o significativo aumento da circulação de moedas provocou sua desvalorização e, consequentemente, um aumento generalizado nos preços.

Praticamente sem manufaturas, e com o declínio da produção das minas americanas, a Coroa espanhola viu-se em apuros em meados do século 17. A aventura e os lucros da expansão marítima alçaram o país ibérico à condição de maior potência da Europa e do mundo. Mas esse posto foi ameaçado e tomado por duas potências ascendentes, Inglaterra e Holanda, antes que a primeira metade do século chegasse ao final.

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Expansão marítima portuguesaO pioneirismo português no século 15Renato Cancian*Especial para a Página 3 Pedagogia & ComunicaçãoReprodução

Desembarque dos portugueses no litoral brasileiroA descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, foi o resultado de

uma persistente e bem sucedida política de expansão marítima colocada em prática ao longo de muitos anos pela monarquia portuguesa.

A construção das grandes embarcações e a organização de expedições marítimas que passaram a explorar os oceanos nos séculos 14 e 15 dependeram do progresso da náutica, com o desenvolvimento de instrumentos e de técnicas de navegação. Isso tudo só pôde se concretizar à medida que eram destinados expressivas somas de riquezas, as quais somente o tesouro de um Estado organizado e forte poderia suportar.

Dinastia de AvisO pioneirismo português nas grandes navegações marítimas - que culminaram nas descobertas

de novas terras, na expansão do comércio e na propagação da fé cristã - se iniciou em 1385, data da subida ao trono de dom João 1º, conhecido como Mestre de Avis. O reinado de dom João inaugurou em Portugal a dinastia de Avis. Ele obteve o apoio da nobreza e dos comerciantes do reino, setores sociais que naquele período eram mais influentes política e economicamente.

Com isso, dom João 1º pôde promover uma acentuada e progressiva centralização do poder monárquico, o que fez Portugal surgir como um Estado independente e bem armado militarmente. O país alcançou a estabilidade política e a paz interna, fatores que propiciaram o florescimento e crescimento do comércio estimulando, desse modo, as riquezas do reino. Essas condições foram fundamentais para colocar em prática a política de expansão marítima destinando recursos para as grandes navegações.

Posição geográfica de Portugal: de cara para o AtlânticoEm sua origem, a expansão marítima portuguesa esteve associada aos interesses mercantis da

burguesia do reino, ávida na busca de lucros por meio do comércio marítimo com outras regiões, sobretudo com o Oriente.

Essa era uma forma de superar as limitações do mercado europeu, que estava em crise pela carência de mão-de-obra, pela falta de produtos agrícolas e a escassez de metais preciosos para cunhagem de moeda. Interessava a essa burguesia apoiar o poder real no empreendimento da expansão marítima, por meio das navegações oceânicas e dela extrair seus benefícios.

Portugal também gozava de uma localização geográfica privilegiada na península ibérica. Grande parte do seu território está voltada para o oceano Atlântico. Essa posição geográfica, juntamente com as condições sociais e políticas favoráveis, permitiram ao país se projetar como potência marítima. Coube ao infante D. Henrique - filho de D. João 1o - as iniciativas para fazer Portugal inaugurar as grandes navegações oceânicas.

Escola de SagresD. Henrique era um amante das ciências e, sob sua iniciativa, foi fundada a Escola de Sagres,

que reuniu diversos especialistas como cartógrafos, astrônomos e marinheiros que possuíam conhecimento do que de mais avançado se sabia na época sobre a arte de navegar.

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Foi na Escola de Sagres que foram realizados, em 1418, os primeiros estudos e projetos de viagens oceânicas. Foi nela que foram aprimoradas embarcações como a caravela e aperfeiçoados os instrumentos náuticos necessários a longas viagens, como a bússola e o astrolábio, que haviam sido inventados no Oriente.

Portugal passou a obter sucessivos êxitos no empreendimento ultramarino. O marco inicial foi a conquista de Ceuta, em 1415, localizada na costa do Marrocos. Em seguida, empreendeu esforços para chegar às Índias pelo mar, contornando a África.

Primeiro os portugueses conquistaram as ilhas atlânticas dos arquipélagos dos Açores, Madeira e Cabo Verde (1425-1427) para em seguida explorar a costa africana.

Em 1488, a esquadra comandada por Bartolomeu Dias conseguiu transpor o Cabo da Boa Esperança, localizado no extremo sul da África. Dez anos depois, a esquadra comandada por Vasco da Gama conseguiu ir adiante e navegar pelo oceano Índico, aportando em Calicute, extremo sul da Índia, em 20 de maio. Ambos os navegadores estavam a serviço de Portugal.

AbsolutismoCaracterísticas e principais teóricosVitor Amorim de Angelo*Especial para a Página 3 Pedagogia & ComunicaçãoHistoricamente, o absolutismo remete a um determinado tipo de regime político que, em geral,

predominou na Europa entre os séculos 16 e 18. Sua consolidação coincidiu com o fim do período medieval e o início da modernidade, sendo, assim, expressão política de um novo modelo de Estado que surgia naquele momento de transição: o Estado Absolutista. A esse novo tipo de estado correspondeu também uma forma inovadora de monarquia: a Monarquia Absolutista.

Boa parte das nações acabou passando por revoluções burguesas que puseram fim ao Antigo Regime, nome pelo qual ficou conhecido esse período. Em várias delas, o regime escolhido para substituir o Antigo regime foi a República, como na França, com sua revolução de 1789. Em outras, uma monarquia constitucional, como na Inglaterra, com sua Revolução Gloriosa.

É importante lembrar que antes de serem derrubados pelas revoluções, muitos regimes absolutistas ainda tentaram, diante das críticas ao poder ilimitado do rei, reformar-se. Foi o chamado despotismo esclarecido.

Note-se, então, que vários processos concomitantes se cruzaram no tempo: transição do feudalismo para o capitalismo, emergência de uma nova classe social (a burguesia), formação do Estado-Nação moderno, concepção inovadora de poder político, entre outros. Mas, no que concerne ao absolutismo, quais foram suas principais características? O que permitiu sua emergência a partir do século 16?

Poder absoluto do reiAfirmar que um dado regime era absolutista é o mesmo que dizer que se tratava de uma

monarquia em que o rei detinha poderes ilimitados, absolutos. Contudo, não se deve confundir absolutismo com despotismo. Embora o conteúdo político de ambos seja o mesmo (isso é, o governante tem poderes ilimitados), apenas o absolutismo possui justificativas teóricas, formuladas à época de sua emergência, que o legitimam política e historicamente.

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Desde a Roma Antiga já existiam governantes com poderes absolutos. São conhecidas as duas assertivas quanto à relação entre a lei e o príncipe: o príncipe está isento da lei e o que apraz ao príncipe vigora como lei. Embora, na prática, tivessem poderes realmente ilimitados, ainda existia no Império Romano um arcabouço jurídico que, de certa forma, impunha restrições ao exercício absoluto do poder político. Pelo menos em tese, o governante era o primeiro cidadão, mas a res publica estava acima dele.

Essa tradição chegou ao período medieval, quando sofreu uma inflexão que permitiu a emergência do absolutismo. Aos poucos, foi se consolidando uma versão que advogava pela superioridade (inclusive temporal) do governante, associando-o ao poder divino e, assim, eliminando quaisquer outros contra-poderes que limitassem seus desejos. Eis, então, o absolutismo, que se difere do simples despotismo pela sua historicidade, pelas ligações que mantém com um período específico da história ocidental - e da história européia, em particular.

Teóricos do absolutismoCuriosamente, o termo absolutismo não era usado naquela época para designar o tipo de regime

político em vigor, tendo se popularizado como expressão com algum sentido histórico apenas no final do século 18.

Durante os séculos em que vigorou, foram vários os teóricos que deram sustentação ao poder absoluto dos reis, assim como os que criticaram o absolutismo. Em parte, alguns fatores novos, como as guerras religiosas, por exemplo, desempenharam um papel social importante para consolidar o arcabouço teórico sobre o qual se baseou aquele regime. De outro lado, elementos herdados ainda do período medieval, como a grande presença da religião no debate político, também atuaram no mesmo sentido.

Jean Bodin, considerado o primeiro teórico do absolutismo, publicou, em meados do século 16, o seu Six Livres de la République, onde discutiu a questão da soberania. Segundo ele, a soberania era um poder indivisível. O rei, portanto, na qualidade de soberano, não poderia partilhar seu poder com ninguém, nem tampouco estar submetido a outra autoridade. Para Bodin, embora não se encontrasse submetido nem mesmo às próprias leis que formulava, o soberano estava abaixo da lei divina, numa concepção que misturava religião e política.

Com seu Leviatã, publicado quase um século depois do livro de Bodin, Thomas Hobbes também deixou sua contribuição como teórico do absolutismo. Na visão de Hobbes, em seu estado de natureza e entregues à propria sorte, os homens devorariam uns aos outros. É por isso, então, que, por necessidade, fizeram entre si um contrato social que designou um soberano sobre todos os demais, tidos como súditos. A esse soberano - o rei absolutista, no caso - competiria garantir a paz interna e a defesa da nação.

Outra obra marcante no pensamento político moderno é O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, escrito no início do século 16. O Príncipe é um tratado político a respeito das estruturas do estado moderno. Nessa obra, Maquiavel discorre sobre vários temas, sempre abordando a maneira como o soberano - chamado de Príncipe - deve agir para manter seu reino.

A esses pensadores se somaram outros, como Hugo Grócio, Jacques Bossuet e Robert Filmer, sustentando teoricamente um modelo de regime político que marcou a história européia após o período medieval.

*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é pesquisador do Institut d'Études Politiques de Paris.

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Absolutismo na França

Formação do estado nacional francês

Vitor Amorim de AngeloEspecial para a Página 3 Pedagogia & ComunicaçãoO absolutismo vigorou na França entre os séculos 16 e 18, período conhecido como Antigo Regime - ou Ancien Regime, para os franceses. Trata-se de uma longa fase da história monárquica francesa, dominada em sua maior parte pela dinastia dos Bourbon.

O ápice do absolutismo francês ocorreu sob o reinado de Luís 14, o Rei Sol. Seu extenso governo foi o modelo acabado do Antigo Regime francês, tendo influenciado outras monarquias europeias, suas contemporâneas.

Fortalecimento do poder real

A Guerra dos Cem Anos, conflito que opôs França e Inglaterra entre 1337 e 1453, contribuiu para a consolidação do poder do monarca francês, na medida em que garantiu um dos elementos centrais da formação do Estado-Nação moderno: a constituição de um exército permanente.

No final do século 14, a França já havia se constituído também num amplo território nacional, deixando para trás o passado feudal e as divisões que a caracterizaram ao longo do período medieval. Ao mesmo tempo, as finanças tinham sido centralizadas, os impostos estendidos à nação e a burocracia estatal, formada. Diante desse cenário, novos conflitos militares - dessa vez contra a Espanha e a Áustria - contribuíram para fortalecer ainda mais o poder do monarca.

Na transição do período medieval para o moderno, a dinastia que reinava na França era a dos Valois. Foi sob o reinado dos Valois que a França viveu um dos momentos mais importantes desse período: as chamadas guerras de religião, ocorridas ao longo do século 16, entre católicos e protestantes franceses - estes conhecidos como huguenotes.

Embora, num primeiro momento, essas guerras tenham enfraquecido o processo de centralização política, em razão das consequências que uma guerra civil poderia ter para a unidade do reino francês, os conflitos religiosos acabaram servindo para fortalecer o poder central, processo visto como necessário para encerrar as divisões religiosas.

Teóricos do absolutismo francês

A Guerra dos Cem Anos e as guerras de religião foram eventos importantes na transição francesa do período medieval para o moderno - e em sua constituição como estado nacional.

Mas, paralelamente a isso, houve também um processo de justificação teórica da centralização do poder nas mãos do governante, paralelamente à formação do próprio estado-nação francês. Foram dois os principais teóricos do absolutismo na França: Jean Bodin e Jacques Bossuet.

Em meados do século 16, Bodin, tido como o primeiro teórico do absolutismo, publicou um livro que ficaria famoso pela discussão do tema da soberania, chamado Six Livres de la République.

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Para Bodin, a soberania era um poder indivisível. Na qualidade de soberano, o rei não poderia partilhar seu poder com ninguém nem estar submetido a outra instituição. Mas havia uma ressalva: embora não se encontrasse submetido nem mesmo às próprias leis que formulava, o soberano estava abaixo da lei divina, numa concepção que mesclava religião e política. Note-se que Bodin viveu na mesma época em que ocorriam as guerras de religião na França.

Bossuet conservou a teoria de Bodin acerca da soberania, acrescentando-lhe elementos novos, também como consequência da mistura entre religião e política. Sua obra mais importante a respeito foi A política tirada da Santa Escritura, publicada postumamente, em 1709.

Segundo Bossuet, o regime monárquico era sagrado, justo e paternal. O rei, como representante de Deus, governava com justiça, mantendo uma relação paternal para com os súditos - considerados seus filhos, conforme a teoria de Bossuet. Trata-se de uma explicação que reforçou o papel do rei na sociedade e a legitimidade do poder de que este dispunha.

Luís 14, o Rei Sol

Se a França serviu de inspiração a outros regimes absolutistas, o reinado de Luís 14 foi seu tipo mais acabado. Também conhecido como Rei Sol, Luís 14 governou a França entre 1643 a 1715, período em que promoveu mudanças na economia, na política, no exército e nos costumes franceses.

Nos primeiros anos de seu reinado, Luís 14 permaneceu sob a regência de sua mãe, a rainha Ana de Áustria - viúva de Luís 13, morto em maio de 1643.

Luís 14 assumiu o trono em 1651, aos 13 anos. De 1661 até o final de seu reinado, governou sozinho a França, sem nomear um primeiro-ministro, como era o costume. Exerceu de maneira centralizada suas prerrogativas reais, associando sua figura a imagens míticas, como a do Sol.

Luís 14 foi um dos maiores exemplos de rei absolutista, não apenas pelo grande poder que exerceu, mas por toda a organização político-social que construiu em torno de si mesmo. Talvez por isso se explique a famosa frase atribuída a ele, e que tão bem representa o espírito do absolutismo: L'État c'est moi - o Estado sou eu.

Absolutismo na InglaterraModelo mesclou centralização política e controle do parlamentoVitor Amorim de Angelo*Especial para a Página 3 Pedagogia & ComunicaçãoReprodução

No reinado de Elizabeth 1ª, filha de Henrique 8º, houve o desenvolvimento da frota naval inglesa

O absolutismo vigorou na Inglaterra entre os séculos 16 e 17, sendo os reinados de Henrique 8° e Elizabeth 1ª os mais importantes desse período.

Em contraste com o absolutismo francês, na Inglaterra os conflitos religiosos levaram ao enfraquecimento do monarca. Além disso, desde o século 13 já existia uma constituição na Inglaterra -

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portanto, mais de 500 anos antes de a primeira carta magna francesa ser aprovada. A constituição inglesa previa quais eram as prerrogativas do rei e qual o papel do parlamento.

Embora o soberano tivesse seu poder limitado pela atuação do parlamento, esse fato não impediu a emergência do absolutismo na Inglaterra. Mas, de forma muito particular, em virtude da existência de um parlamento que legislava, por exemplo, sobre questões fiscais e religiosas - o que não ocorria na França na mesma época -, o modelo que existiu ali mesclou a centralização política na figura do rei com a descentralização do poder.

A derrota na Guerra dos Cem AnosA Inglaterra perdeu a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) para a França, o que lhe custou o

enfraquecimento da monarquia, de seu exército e uma grave crise econômica, decorrente dos gastos de um conflito militar tão longo.

À Guerra dos Cem Anos seguiu-se uma disputa em torno do trono inglês, chamada de Guerra das Duas Rosas (1455-1485). Em meados do século 16, a Inglaterra era governada por Henrique 6°, da dinastia Lancaster.

Em 1461, o rei foi deposto por Eduardo 4°, da casa de York. Este governou a Inglaterra por cerca de 9 anos, quando Henrique 6° tornou a assumir o trono inglês, embora brevemente. Já em 1471, com sua morte, Eduardo 4° voltou ao poder, governando até 1483. Foi substituído por Eduardo 5°, que reinou por alguns meses apenas, e por Ricardo 3°, até seu falecimento em 1485. Com o apoio da dinastia de Lancaster, que havia sido tirada do poder pelos York, Henrique 7°, da casa de Tudor, foi coroado rei. Este se casou com Elizabeth de York, filha mais velha de Eduardo 4°, unificando os grupos rivais e, assim, encerrando a Guerra das Duas Rosas.

Henrique 8° e Elizabeth 1ªO casamento de Henrique 7° pôs fim a um conflito interno que durou mais de três décadas e

enfraqueceu a nobreza da Inglaterra. O herdeiro do trono, Henrique 8°, coroado em 1509, é considerado o primeiro e um dos mais importantes reis do período absolutista inglês.

O fortalecimento da monarquia sob o governo de Henrique 8º é sempre associado à reforma religiosa ocorrida na Inglaterra por volta de 1530 - que deu origem à Igreja Anglicana. Até então, a Igreja Católica sempre teve grande influência política e poder econômico no país, sendo, inclusive, proprietária de inúmeras porções de terra.

Durante o reinado de Henrique 8° esse cenário modificou-se radicalmente. Foram vários os fatores que levaram à reforma: o rei buscava esvaziar o poder papal na Inglaterra; a nobreza tinha interesse nas grandes extensões de terra pertencentes à Igreja; o monarca desejava usar essas propriedades como moeda de troca pelo apoio político da nobreza no parlamento. Por fim, questões pessoais, ligadas à negativa do papa em autorizar Henrique 8° a se separar de sua esposa, como era do interesse do rei, foram o estopim para a reforma. O rei se tornou o chefe da Igreja na Inglaterra, ao invés do papa.

Pouco mais de uma década separou o governo de Henrique 8° do de Elizabeth 1ª. Nesse intervalo, a Inglaterra teve dois reis coroados: Eduardo 6° e sua irmã paterna, Maria 1ª - esta, filha de Henrique 8° com Catarina de Aragão, de quem o rei quis se separar, como de fato o fez após a reforma.

Eduardo deu continuidade à política religiosa de seu pai, que foi interrompida por Maria 1ª. Filha de espanhola - e casada, à época, com Felipe 2º, rei da Espanha, país de maioria católica -, a rainha perseguiu os protestantes ingleses, naquilo que representou um breve revés à reforma anglicana.

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Com sua morte, em 1558, Elizabeth 1ª, filha do segundo casamento de Henrique (o rei teve cinco esposas), foi coroada rainha. Seu governo representou a consolidação da reforma e o fortalecimento do poder real. Ao mesmo tempo, implementou uma política econômica fundamentada no mercantilismo, estimulou o desenvolvimento da marinha inglesa (tal como fizera seu pai) e iniciou a colonização da América do Norte.

Foi no governo de Elizabeth também que ocorreu o chamado "cercamento". As terras passaram a ser utilizadas como pasto para ovelhas, de onde se obtinha a lã, matéria-prima para a manufatura de tecidos. Os camponeses expulsos das terras migraram para as cidades, num movimento que está na origem da Revolução Industrial.

Revolução GloriosaSem herdeiros diretos, a morte da rainha, em 1603, abriu uma longa crise política, que se

estendeu por mais de oito décadas. Nesse período, a Inglaterra teve inclusive uma curta experiência republicana. Além da mudança de dinastia (de Tudor para Stuart), outro aspecto marcante desse período foi o fortalecimento da burguesia nacional e o aumento das tensões sociais provocadas pelo crescimento das cidades, consequência dos cercamentos.

Golpes, ditadura, restauração política - tudo isso fez daquele período uma fase extremamente agitada, que só foi encerrada no final do século 17, com a Revolução Gloriosa. Era o fim do absolutismo e o começo da monarquia constitucional na Inglaterra.

Reformas religiosas (1)

Causas e contexto histórico

Gilberto Salomão*Especial para Página 3 Pedagogia & Comunicação

O século 16 teve como uma de suas manifestações mais profundas o processo de reformas religiosas, responsável por quebrar o monopólio exercido pela Igreja Católica na Europa e pelo advento de uma série de novas religiões que, embora cristãs, fugiam aos dogmas e ao poder imposto por Roma, as chamadas religiões protestantes.

Mais do que apenas um movimento religioso, as reformas protestantes inseriram-se no contexto mais amplo que marcou a Europa a partir da Baixa Idade Média, expressando a superação da estrutura feudal tanto em termos da fé como também em seus aspectos sociais e políticos.

Da mesma forma, não se pode considerar as reformas religiosas como um processo que se iniciou no século 16. Ao contrário, elas representaram o transbordamento de uma crise que já vinha se manifestando na Europa desde o início da Baixa Idade Média, fruto da inadequação da Igreja à nova realidade, marcada pelo declínio do mundo feudal, pelo crescimento do comércio e da vida urbana, pela centralização do poder político nas mãos dos reis e pelo advento de uma nova camada social, a burguesia.

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Também não se pode deixar de lado a influência do Renascimento Cultural, no sentido de romper com o monopólio cultural exercido pela Igreja Católica na Idade Média. O Renascimento teve o efeito de possibilitar a aceitação de conceitos e de visões de mundo diferentes daqueles impostos pela Igreja Católica, ao quebrar o quase monopólio intelectual que a Igreja exercia na Idade Média.

Num certo aspecto, as Reformas Protestantes são filhas do Renascimento, e representaram, como este, uma adequação de valores e de concepções espirituais às transformações pelas quais a Europa passava - nos campos econômico, social e cultural.

Humanismo e desvirtuamento da Igreja

As contestações ao poder e aos dogmas da Igreja não eram um fenômeno desconhecido na Europa do século 16. O próprio crescimento do pensamento humanista, absorvido pela Igreja através das universidades, e uma nova visão teológica, representada pelo tomismo, podem ser vistos como uma abertura da Igreja ao racionalismo e a uma visão de mundo mais humanística, se comparada ao forte teocentrismo que prevalecera até ali. As universidades foram canais por onde pôde penetrar a influência do pensamento racional, ao mesmo tempo em que o tomismo fundia a fé com elementos do racionalismo greco-romano.

Ao mesmo tempo, há que se levar em conta o desvirtuamento da Igreja e sua incapacidade de dar resposta aos anseios espirituais dos fiéis. Essa questão tem origem no papel que a Igreja passou a ocupar a partir da Idade Média. O fato de ser ela a principal possuidora de terras na Europa, bem como a instituição mais poderosa politicamente, colocava-a ao lado da nobreza como uma instituição beneficiária da estrutura feudal e, também, responsável por sua manutenção.

Na verdade, o vínculo orgânico entre a Igreja e a nobreza criava, necessariamente, distorções. A tendência é que as nomeações para cargos na alta hierarquia da Igreja (o termo correto para essas nomeações é investidura) obedecessem a critérios que passavam muito longe da vocação ou formação religiosa do postulante. Essas investiduras eram feitas levando-se em consideração o grau de riqueza, de poder e as benesses que a aliança com esta ou aquela família pudesse trazer para a Igreja.

A prática das chamadas investiduras leigas acabou acarretando graves problemas para a Igreja medieval. Em primeiro lugar, os problemas políticos, decorrentes da constante disputa com os poderes temporais para a ocupação de cargos e terras.

Mais grave que isso, entretanto, foi o fato de gerar um clero inadequado às suas funções religiosas, incapaz de dar resposta às necessidades espirituais dos fiéis. O desregramento do clero evidenciava-se numa atitude conhecida usualmente como nicolaísmo, termo usado para designar o desregramento que passara a marcar o comportamento do clero.

Mais que isso, a constante busca por um aumento da renda que sustentava o imenso luxo em que vivia o clero, levou a Igreja a intensificar, durante a Idade Média, práticas como a venda de relíquias sagradas ou de cargos eclesiásticos (práticas conhecidas como simonia) e a venda de indulgências (absolvição dos pecados cometidos).

Assim, cresciam manifestações intelectuais de críticas ao comportamento da Igreja. Nomes como Erasmo de Roterdã ou Thomas Morus propunham uma reforma interna da Igreja, com um

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retorno à pureza original do cristianismo. Por trás dessas propostas havia, por certo, uma crítica ao excessivo apego da Igreja aos bens materiais e ao poder.

Nacionalismo, heresias e política

Tais críticas já haviam atingido níveis mais preocupantes para Roma desde o final do século 14. Na Inglaterra, John Wycliff pregava o confisco dos bens da Igreja, o voto de pobreza por parte dos membros do clero e uma retomada das Sagradas Escrituras como única fonte da fé.

No reino da Boêmia, então pertencente ao Sacro Império, John Huss, tendo por base as idéias de Wycliff, viu suas pregações constituírem-se na base do sentimento nacionalista da região contra o domínio do Império e da Igreja de Roma. A prisão, seguida da condenação e execução de Huss, não conseguiu apagar a chama nacionalista, o que mostrava um lado intenso da crise vivida pela Igreja, qual seja, o seu domínio sendo alvo de reações nacionalistas.

Há outra forma de reação a esse desvirtuamento do papel da Igreja e ela fica evidente ao observarmos o crescimento das heresias. O termo era empregado para designar todas as manifestações de pensamento religioso discordante dos dogmas impostos pela Igreja Católica. Durante a Baixa Idade Média, e particularmente no século 13 (considerado o grande século das heresias), cresceram de modo significativo o número de seitas heréticas e o número de adeptos a essas seitas.

Ao contrário de uma primeira impressão, as heresias constituem-se numa prova de fé e não de falta de fé. Evidenciam a existência de uma população imbuída de uma profunda religiosidade não contemplada pelos dogmas e pelo materialismo da Igreja. Esta, por sua vez, jamais foi capaz de compreender o real significado das heresias. Ao contrário, a Igreja apenas viu nelas o que representavam em termos de ameaça ao seu poder baseado na unidade da fé. Assim, a reação da Igreja Católica às heresias concentrou-se na repressão. Não foi outra a função da criação do Tribunal do Santo Ofício ou Inquisição, justamente no século 13.

Há outros elementos decisivos nesse processo. A questão política passa a ganhar um peso significativo a partir do início do processo de centralização do poder. Naturalmente, os reis, ao buscarem se fortalecer politicamente, vão entrar em choque com o poder da Igreja. Em muitos casos (e o exemplo da Inglaterra, como veremos a seguir, é apenas o mais evidente), romper com a Igreja Católica e criar uma nova Igreja sob seu comando foi a forma encontrada pelos reis para se libertar do poder político do papado.

Além disso, num quadro de crescimento do comércio, os dogmas da Igreja, de condenação à usura e ao lucro excessivo, representavam um forte obstáculo para a burguesia. Assim, também essa nova camada ascendente vai ter interesse em romper com os entraves impostos pelo catolicismo e adotar uma nova religião, para a qual suas práticas não se constituíssem em pecados e fossem consideradas como dignificantes do homem.

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Liberalismo e democraciaAs bases filosóficas da democraciaAntonio Carlos OlivieriDa Página 3 Pedagogia & ComunicaçãoReprodução

O barão de MontesquieuDesde suas primeiras formulações, no século 18, o liberalismo é uma filosofia ou um conjunto

de filosofias que defendeu a existência de um Estado laico e não-intervencionista. Laico, porque não está vinculado a nenhuma crença religiosa, nem admite interferência de qualquer Igreja nos assuntos políticos. Em contrapartida, esse Estado também não deve interferir nas crenças pessoais, fazendo prevalecer o ideal de tolerância religiosa.

Já a concepção de um Estado não-intervencionista refere-se à economia e surgiu por oposição ao controle que as monarquias absolutistas exerciam sobre o comércio durante os séculos 16 e 17, cuja expressão era o monopólio estatal típico do mercantilismo ou capitalismo comercial. Era o que acontecia com o açúcar e o ouro, por exemplo, enquanto o Brasil era colônia de Portugal.

A livre iniciativa e o lucroO Estado não deve interferir na economia ou intervir somente o mínimo inevitável, pois o

liberalismo defende a propriedade privada e constata que o funcionamento da economia se dá a partir do princípio do lucro e da livre iniciativa, o que desenvolveria o espírito empreendedor e competitivo.

As propostas liberais provocaram - juntamente com as Revoluções políticas que delas se originaram - uma separação entre negócios públicos e privados, ou seja, entre os assuntos do Estado (que deve se ocupar com a política, isto é, com as questões da esfera pública) e os da sociedade civil (que deve se ocupar das atividades particulares, principalmente as econômicas).

Simultaneamente, o liberalismo advoga a criação de instituições para dar voz ativa aos cidadãos nas decisões políticas. É a partir disso que ocorre o fortalecimento do Parlamento, órgão de representação por excelência das forças atuantes da sociedade e capaz de coibir os excessos do poder central. A expressão "parlamento" se origina do francês "parler", que significa falar. Designa, portanto, o local onde ocorrem conversações, discussões e deliberações.

Executivo, Legislativo e JudiciárioA concepção de uma origem parlamentar do poder significa a superação de teorias que

remontam à Antigüidade, segundo as quais o poder vem de Deus ou da tradição familiar (nobreza). Ao contrário, o voto dado a um parlamentar representa o livre consentimento do cidadão à sua atuação política, isto é, o mandato popular. É o que ocorre hoje nas democracias representativas, como a brasileira, em que deputados e senadores são (ou ao menos deveriam ser) representantes do povo.

Completa o quadro de princípios básicos do liberalismo, no âmbito político, a tripartição do poder em três instâncias autônomas e equilibradas: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, conforme postulado pela primeira vez pelo escritor e filósofo francês Montesquieu. Cada uma delas tem suas atribuições específicas e - acima delas - estão as leis, das quais a maior é a Constituição de um país.

A consciência liberal é, portanto, marcada pela valorização do princípio da legalidade: ninguém - nem o governante - pode se colocar acima da lei. Com as revoluções liberais na Inglaterra e na França, produziram-se, respectivamente, a Declaração de Direitos ("Bill of Rights", 1689) e a Declaração do

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direitos do homem e dos cidadãos (1793), que consignavam as conquistas dessas mesmas revoluções e proclamaram a igualdade de todos os homens perante a lei.

Além disso, essas declarações estabelecem a garantia das liberdades individuais de pensamento, crença, expressão, reunião e ação, desde que não sejam prejudicados os direitos de outros cidadãos. Deriva daí a concepção tradicional de liberdade, segundo a qual "a liberdade de cada um vai até onde o permite a liberdade do outro".

Adam SmithTrata-se de um fundamento de cunho individualista, o que é típico do pensamento liberal. No

plano econômico, isso significa que a lógica do mercado é a seguinte: se cada um desenvolver bem o seu trabalho, haverá natural seleção dos melhores, que formarão as elites de cuja capacidade empreendedora resultarão benefícios para o todo social. Era o que apregoava o economista escocês Adam Smith, em sua obra principal, "Uma Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações".

Pode-se questionar ou criticar esse fundamento, mas, na prática, sua capacidade de produzir riqueza tem sido patente. O problema reside mais na questão da distribuição dessa riqueza. Além disso, à medida que esses conceitos liberais foram sendo absorvidos pelas instituições dos diversos países, na Europa e nos Estados Unidos, deu-se um passo significativo em direção à democracia, tal qual é praticada, em maior ou menor grau, no mundo contemporâneo.

reproduçãoAdam Smith

Vale lembrar que dos ideais do liberalismo também se originou o conceito de cidadania que, em seus primórdios, no século 18, referia-se apenas a direitos civis: à liberdade e à segurança individual, direito de ir e vir, liberdade de crença e opinião, seu lugar institucional eram os tribunais e sua vigência dependia da aplicação progressivamente imparcial da lei.

Durante o século 19, o conjunto se avoluma com a inclusão dos direitos políticos: votar e ser votado, filiar-se a partidos políticos, organizar-se em sindicatos. Já no século 20, passam a integrar a cidadania também uma extensa variedade de direitos sociais, como a garantia de um piso salarial, condições de trabalho, seguro, assistência médica, previdência, etc.

Do iluminismo ao socialismoHá uma via de mão dupla entre as idéias políticas e a realidade prática, de tal maneira que as

idéias interferem no mundo real, transformando-o, assim como o mundo real, transformado, torna necessário que as idéias sejam permanentemente reelaboradas. Nesse sentido, as idéias liberais sofreram transformações com o passar do tempo, adaptando-se às novas realidades sociais.

O liberalismo surgiu com o desenvolvimento do mercantilismo e se aprofundou após o advento da Revolução Industrial, no século 18. Com a implantação do sistema fabril e o aumento da produção, as relações humanas se tornaram cada vez mais complexas. As cidades cresceram, desenvolveram-se as ferrovias e o navio a vapor. As máquinas intensificaram o otimismo baseado na crença do progresso e na onipotência da tecnologia.

Os avanços tecnológicos, porém, não corresponderam a uma evolução nas relações sociais, tornando-as mais justas, ou diminuindo a distância entre o topo da pirâmide social e sua base. Na Europa

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do século 19, o contraste entre riqueza e pobreza era cruel, como ocorre hoje em dia nos países em desenvolvimento. Em contrapartida, a classe operária começou a se unir para reivindicar os seus direitos num processo que culminará com o desenvolvimento do socialismo

O socialismo considera que o individualismo liberal resulta na defesa de uma classe social em particular: a burguesia. De qualquer modo, para enfrentar os problemas trazidos pelos novos tempos, a teoria liberal se adaptou às novas exigências da realidade. O liberalismo tornava-se cada vez mais democrático, acentuando a necessidade de igualdade jurídica e política, bem como uma solução para as precárias condições de vida das massas oprimidas. Um dos representantes dessa tendência, o inglês John Stuart Mill, sugere co-participação dos trabalhadores na gestão e nos resultados da indústria.

O Estado do bem-estar socialGradualmente, o liberalismo começou a admitir a tendência intervencionista do Estado, para

solucionar os problemas sociais do trabalhador, como férias, saúde, aposentadoria, desemprego, etc. Diante das crises - econômica, política, social - que atingiram o mundo da primeira metade do século 20, os Estados Unidos e a Inglaterra, - cujo sistema político-econômico se insere no modelo mais característico do liberalismo - promoveram ajustes rigorosos na economia, desenvolvendo o que se chamou de wellfare state ou estado do bem-estar social.

Nos Estados Unidos, por exemplo, para enfrentar a depressão econômica subseqüente à quebra da bolsa de valores de Nova York (1929), o presidente Franklin D. Roosevelt implantou um programa conhecido como New Deal, que fez o Estado se tomar o principal agente do reativamento econômico do país. A construção de grandes obras públicas ajudou a aumentar a taxa de emprego e foram concedidos créditos para as empresas, além de serem adotadas inúmeras medidas assistenciais de atendimento aos trabalhadores.

Entretanto, a intervenção estatal não se perpetuou, nem o Estado pretendeu se sobrepor às empresas privadas, tornando-se o único agente econômico. De qualquer modo, no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os Estados Unidos tinham se tornado a nação mais rica do mundo, bem como a mais avançada em termos tecnológicos.

Globalização e neoliberalismoA partir da década de 1960, o estado do bem-estar social começou a dar sinais de desgaste, em

especial porque as despesas governamentais acabaram por superar a arrecadação ou receita, provocando um aumento insustentável do déficit público, da inflação e da instabilidade social.

Na década de 1980, os governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de Margareth Thatcher, na Inglaterra, se caracterizaram por diminuir a intervenção do Estado na área social. A essa retomada das idéias liberais clássicas, de um estado mínimo e não intervencionista, chamou-se Neoliberalismo. Seu receituário não se restringiu aos países do hemisfério norte, numa época como a nossa, em que a economia é cada vez mais global.

No Brasil - onde o Estado se tornara um poderoso agente econômico entre a Era Vargas e a ditadura militar - as idéias liberais entraram na ordem do dia dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso, com a diminuição do Estado, a partir da privatização das estatais, da venda das empresas públicas que, apesar de pertencerem ao governo, nada têm a ver com as funções do governo, como bancos e companhias telefônicas.

Não vem ao caso avaliar aqui os resultados dessa orientação "neoliberal" à política brasileira contemporânea, nem à economia - que se mantém fiel a ela, apesar do governo de Luís Inácio Lula da

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Silva, cujo partido sempre se proclamou simpático ao socialismo. O importante é ressaltar como a influência das idéias liberais se estendem, historicamente, desde o século 18 até os dias de hoje. A história da humanidade é ao mesmo tempo feita de transformações e permanências.