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Resumo Direito Internacional Público por Filipe Mimoso e Patrícia Ganhão Noção Relação entre DIP e Teoria das Relações Internacionais Formação e Evolução Em sentido amplo, a história do Direito Internacional interpenetra-se com a história do Estado. Quando e onde quer que haja Estado, e Estado que mantenha qualquer tipo de relações, mais ou menos duradouras, com outro ou outros Estados, tornam-se necessárias normas jurídicas para as estabelecer e fazer subsistir. Aos diversos tipos históricos de Estados correspondem, naturalmente, diversos tipos de Direito Internacional. E, portanto ao considerarmos apenas o moderno Direito Internacional, cabe distinguir dois períodos na sua história: o que, mais longo, se desenrola até à Primeira Guerra Mundial. No primeiro período, dito de Direito Internacional clássico, dominam as relações entre os Estados e os Estados são (com a Santa Sé, aliás em união com os Estados Pontifícios) os únicos sujeitos de Direito Internacional. Além do costume, quase só há tratados de comércio, de navegação, de aliança e de paz. Um segundo período, o do Direito Internacional contemporâneo, inicia-se em 1919, e nele os Estados, embora continuem a desempenhar um papel primacial, têm de concorrer com sujeitos de novo tipo, as organizações internacionais. O indivíduo adquire também, em certas condições, subjectividade 1

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Resumo de Direito Internacional Público I. - Turma BRegente: Prof. Dr.ª Maria Luísa DuarteFDL, 2010/2011por: Filipe Braz Mimoso e Patrícia Ganhão

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Resumo Direito Internacional Públicopor Filipe Mimoso e Patrícia Ganhão

Noção

Relação entre DIP e Teoria das Relações Internacionais

Formação e Evolução

Em sentido amplo, a história do Direito Internacional interpenetra-se com a história do Estado. Quando e onde quer que haja Estado, e Estado que mantenha qualquer tipo de relações, mais ou menos duradouras, com outro ou outros Estados, tornam-se necessárias normas jurídicas para as estabelecer e fazer subsistir.

Aos diversos tipos históricos de Estados correspondem, naturalmente, diversos tipos de Direito Internacional. E, portanto ao considerarmos apenas o moderno Direito Internacional, cabe distinguir dois períodos na sua história: o que, mais longo, se desenrola até à Primeira Guerra Mundial.

No primeiro período, dito de Direito Internacional clássico, dominam as relações entre os Estados e os Estados são (com a Santa Sé, aliás em união com os Estados Pontifícios) os únicos sujeitos de Direito Internacional. Além do costume, quase só há tratados de comércio, de navegação, de aliança e de paz.

Um segundo período, o do Direito Internacional contemporâneo, inicia-se em 1919, e nele os Estados, embora continuem a desempenhar um papel primacial, têm de concorrer com sujeitos de novo tipo, as organizações internacionais. O indivíduo adquire também, em certas condições, subjectividade internacional. Multiplicam-se os tratados multilaterais sobre as mais variadas matérias e as organizações internacionais criam também verdadeiras normas jurídicas vinculativas dos Estados e dos indivíduos.

Desenvolvimento mais aprofundado de cada um destes tipos Históricos:

O Direito Internacional clássico

É nos séculos XV, XVI E XVII que se encontram as origens directas do Direito Internacional moderno e é nos séculos XVIII e XIX que ele se desenvolve e ganha importância crescente.

Entre os finais do século XV e 1648 sucedem-se grandes eventos históricos: a quebra tanto do poder do imperador do Sacro-Império quanto do poder do Papa; os Descobrimentos e a expansão marítima, primeiro dos Portugueses, depois dos outros

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povos europeus; o Renascimento; a Reforma, a Contra-Reforma e as subsequentes guerras político-religiosas.

Muito especialmente são os Descobrimentos que trazem problemas até então desconhecidos. São os que se reportam à delimitação da acção e das esferas do domínio das potências europeias em expansão, temos por exemplo o caso do Tratado de Tordesilhas, os que se ligam à definição do modo de entender o encontro entre esses povos e os povos de outros continentes e os que combatem com o regime jurídico do mar e da liberdade de navegação. ( maré clausum ou maré liberum). Sobre estes problemas se debruça a chamada escola espanhola do Direito Internacional ( de que são mais ilustres representantes Francisco de Vitória, Domingo de Soto e Francisco Suarez) mas, todavia é Hugo Grócio ( De Juri Belli ac Pacis, de 1625) o jurista habitualmente considerado o primeiro grande cultor do Direito Internacional.

Sucedem-se três fases ou subperíodos:

a) A primeira, de primórdios, abrange os tempos anteriores à paz de Vestefália em 1648;

Os tratados de Vestefália reconhecem o princípio da soberania como princípio de independência dos Estados europeus entre si e de exclusão de qualquer poder que lhes seja superior. Há um equilíbrio de facto, baseado na força militar; mas torna-se imprescindível defini-lo em cada momento por formas mais ou menos solenes e vinculativas. Ao mesmo tempo, vão-se multiplicando, até por causa da proximidade geográfica e de inelutáveis factores económicos, relações políticas e relações comerciais, celebram-se tratados, quase sempre bilaterais, e vão surgindo normas consuetudinárias em áreas tão vitais como os poderes dos Estados sobre os limites terrestre e marítimo, dos seus territórios, as representações diplomáticas e a própria guerra.

b) A segunda fase decorre até à Revolução Francesa e aos finais do século XVIII;

As grandes revoluções do século XVIII, a americana e a francesa, determinam sensíveis alterações. Elas marcam uma nova fase, que irá coincidir com o liberalismo burguês, com o nacionalismo romântico e com o apogeu do poderio europeu.

Com a independência dos Estados Unidos, pela primeira vez um Estado geograficamente não europeu, embora o seja cultural e politicamente, entra para o campo dos Estados reconhecidos como sujeitos de Direito Internacional. No entanto, é a Revolução Francesa que introduz ou pretende introduzir mais significativas novidades, ao afirmar, na linha dos seus princípios, que a soberania reside no povo, e não nos monarcas; que o Direito Internacional não é o Direito das relações entre os soberanos, mas o Direito das relações entre os povos; que todos os povos, à semelhança dos indivíduos, são livres e iguais.

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Coevo destes acontecimentos, embora bem diverso nas intenções, seria o despontar do cosmopolitismo, com máxima expressão na paz perpétua de Kant, onde Kant sustenta que a paz internacional requer a forma republicana de governo, uma vez que, em monarquia, há uma separação entre o detentor do poder e o povo: o senhor do poder faz a guerra, mas não sofre com ela. Assim como também, no inicio do século XIX, com o “plano para uma paz universal” de Benthan e com a “reorganização da sociedade europeia” de Saint-Simon. Mas o cosmopolitismo revelar-se-ia uma pura utopia, na Europa de oitocentos, perante a força dos nacionalismos.

c) A terceira fase começa nessa altura e termina na Primeira Guerra Mundial.

O Congresso de Viena, neste marco histórico do Direito Internacional clássico, assinala tanto o triunfo dos reis como a consciência da necessidade de reforçar o equilíbrio, o concerto europeu, através de conferências diplomáticas. A Santa Aliança é uma expressão temporária deste triunfo. Mas não consegue impedir, na América, as independências das colónias espanholas e do Brasil e, na Europa, a da Bélgica, nem sucessivas revoluções liberais e os movimentos que conduziriam à unificação italiana e à alemã.

Quatro importantes notas anunciam-se precursoras do século XX:

1) O acesso à comunidade de Estados de países não europeus ou não cristãos, a Turquia, o Japão, a China, a Libéria;

2) O aparecimento de uniões administrativas internacionais, como a união Telegráfica Internacional e a União Postal Universal, bem como das comissões internacionais do Reno e do Danúbio;

3) Uma terceira nota, é, por obra da Cruz Vermelha, a criação de um Direito humanitário de guerra;

4) E, finalmente, uma quarta nota é a tentativa de abrir caminho à arbitragem internacional e à limitação do modo de fazer a guerra, do jus in bello.

O Direito Internacional contemporâneo

O Direito Internacional evolui a seguir à Primeira Guerra Mundial em três fases:

a) Uma primeira fase, até 1939, até à Segunda Guerra Mundial, é a fase decorrente do Tratado de Versalhes e marcada pelo fracasso da institucionalização tentada através da Sociedade das Nações;

Período em que se tenta institucionalizar a Sociedade das Nações após o Tratado de Versalhes. Com a derrota e o desmembramento dos chamados Impérios Centrais levam

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à reafirmação dos princípios da autodeterminação dos povos e das nacionalidades, separadamente ou conjugados. Surgem novos Estados, de base nacional, mas integrando múltiplas minorias nacionais, surgem na Europa Central; desenham-se movimentos anticolonialistas fora da Europa; e em antigos territórios alemães e turcos define-se um regime especial de governo e administração, o regime de mandatos, voltado para a preparação da independência, e não já para a anexação pura e simples pelas potências administrantes.

Em 1919, no Tratado de Versalhes surge a primeira organização internacional de carácter político, a Sociedade das Nações, dominada pelos Estados europeus, embora aberta a países dos diversos continentes, e, destinada a ser como que uma conferência para prevenir e solucionar conflitos, funcionando permanentemente.

Ao mesmo tempo institui-se a Organização Internacional do Trabalho, com uma estrutura muito diferente da das uniões administrativas vindas do século XIX, a qual irá desempenhar uma função decisiva no progresso social, através das convenções e das recomendações que elaborará a partir da sua assembleia, a Conferência Internacional do Trabalho. Neste órgão, cada Estado é representado não só pelos delegados governamentais, mas também por representantes das organizações dos trabalhadores e por representantes das organizações dos empregadores. Sendo ultrapassado o Direito internacional como Direito entre governantes.

De registar, igualmente, a criação de um Tribunal Permanente de Justiça Internacional, ou seja, a formação, pela primeira vez, de uma instância jurisdicional, de um órgão de resolução de litígios assente em critérios jurídicos, determinando um impulso na contribuição e desenvolvimento do Direito Internacional. Mas a sociedade das Nações revelar-se-ia impotente para intervir nas agressões dos italianos na Etiópia e dos japoneses na China, na corrida ao armamento por parte da Alemanha, assim como, na guerra civil que devastara a Espanha. Estas, e os nacionalismos e os totalitarismos latentes vieram a determinar a sua falência, chegando àquilo a que se chamaria guerra total.

b) Uma segunda fase, após 1945, traduzida juridicamente na Carta das Nações Unidas e assinalada por aquilo a que se chamaria “Guerra Fria”;

As grandes potências vencedoras de 1945, procuraram implantar um novo, mais completo e mais dinâmico sistema mundial. São os seguintes os traços distintivos da Organização das Nações Unidas no conflito da Sociedade das Nações:

a) A elevação da cooperação económica e social e da promoção dos direitos do homem a tarefas no mesmo plano da manutenção da paz e da segurança internacional ( artigos 1.º, 33.º e seguintes e 55.º e seguintes da Carta);

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b) A aposta no empenho político com vista à autodeterminação e independência, não apenas dos territórios tutelados mas também aos territórios não autónomos. ( artigos 73.º e 74.º);

c) A proibição da guerra (artigos 2.º, n.º3, 4 e 5, e 51.º) e a atribuição de poderes coercitivos à Organização com vista à manutenção da paz e da segurança internacional ( artigos. 39.º e seguintes);

d) Um conjunto mais complexo de órgãos: Assembleia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Económico e Social, Conselho de Tutela, Tribunal Internacional de Justiça e Secretário-Geral, além de órgãos auxiliares ou subsidiários.

A par das Nações Unidas e da Organização Internacional do Trabalho, constituir-se-iam, entretanto, outras organizações de âmbito parauniversal, cobrindo os mais diversos domínios, nos sectores económicos, sociais e culturais: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Organização Mundial de Saúde, etc. Estas organizações juridicamente distintas das Nações Unidas estão-lhe vinculadas por acordos celebrados através do Conselho Económico e Social (artigos 57.º e 63.º da Carta das Nações Unidas).

Com o apoio das Nações Unidas e das duas superpotências, chegam à independência quase todas as colónias dependentes de impérios marítimos europeus, concretizando-se deste modo, o princípio da autodeterminação. O aparecimento de novos Estados, e o seu elevado número, veio abanar as bases do Direito Internacional, por via da maioria na Assembleia Geral das Nações Unidas.

O Direito Internacional mostra-se mais que uma superestrutura dependente de quaisquer interesses, ultrapassando os novos desafios, e adaptando-se às transformações necessárias. Traduzem essa adaptação, mostrando uma inegável linha evolutiva, a Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados (1974) e a Convenção do Direito do mar, de Montego Bay de 1982.

c) Uma terceira fase, aberta pela queda do Muro de Berlim em 1989.

A queda, em 1989, do Muro de Berlim, o quase imediato desmoronamento do comunismo na Europa centro-oriental e, em 1991, a desagregação da União Soviética alterariam radicalmente as condicionantes da vida internacional e os Estados Unidos ficariam sendo, pelos seus recursos, avanço tecnológico e força militar a única potência mundial.

Os ataques de 2001 e as dificuldades de resposta a um terrorismo difuso de matriz anti-ocidental, a insuficiência comprovada de políticas unilateralistas perante os

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conflitos que se vão propagando do Mediterrâneo ao Índico e as vulnerabilidades económicas e financeiras conduzindo à grave crise surgida em 2008 iriam afectar a unipolaridade só aparentemente triunfante. Assim como o renascer da Rússia e o peso emergente da China, da Índia e do Brasil. A globalização, reflecte e projecta em escala ainda maior os problemas de relacionamentos entre os Estados e os blocos regionais, tudo no contexto de extensas e, por vezes, dramáticas deslocações de pessoas e de populações inteiras, de ameaça de proliferação de armas nucleares, de desigualdades na distribuição de riqueza entre o Norte e o Sul, de instabilidade política e social em numerosos países.

Como é possível compreender, as Nações Unidas e as suas organizações especializadas não têm conseguido até agora redefinir o sistema de relações internacionais, apesar de alguns resultados consideráveis, o mais importante dos quais foi a criação, em 1998, do Tribunal Penal Internacional. Em compensação, tem vindo a avultar a presença de grupos de cidadãos, de organizações não governamentais em múltiplas acções de sensibilização e nas grandes conferências mundiais.

Deste modo, durante muito tempo, esta terceira fase do Direito Internacional contemporâneo, vai continuar a ser uma fase de transição e turbulência.

Sentido do Direito InternacionalÂmbito do Direito Internacional

Para encontrarmos uma definição do que seja o Direito Internacional Público, importa considerar vários critérios, entre eles os que focam os elementos mais determinantes de caracterização:

1) O primeiro e mais imediato atende às relações reguladas pelo Direito Internacional como relações entre Estados, mas será correcto considerar o Direito Internacional o Direito das relações entre Estados? Porque existem outras entidades para além dos Estados, que são objecto de regulamentação internacional e que participam activamente na vida jurídica internacional. São elas, por exemplo, a Santa Sé, as organizações internacionais, movimentos e grupos de pessoas que obtêm alguma forma de reconhecimento internacional, o próprio indivíduo e até empresas privadas em determinadas relações. Visto isto, tal critério não se pode ter como correcto, porque se apresenta nitidamente ultrapassado, pois definir Direito Internacional segundo este critério é ficar, de algum modo, com uma concepção estreita e redutora do que seja o Direito Internacional. Ate porque existem Estados que não participam activamente na vida jurídica internacional, são os Estados membros de uma Federação ou duma União Real.

2) Um segundo critério possível que tem sido adoptado para recortar o Direito Internacional contempla não já os Estados, mas sim os sujeitos de Direito

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Internacional em geral. Neste sentido, o Direito Internacional é considerado como um Direito regulador das relações entre sujeitos de Direito Internacional, independentemente de estes serem ou não Estados. Mas esta definição enferma desde logo, um gravíssimo defeito, o de considerar o Direito Internacional a partir dos sujeitos, quando deve ser o Direito Internacional a definir o que são os sujeitos do próprio Direito Internacional.

3) Uma terceira definição de Direito Internacional parte do objecto das normas. Tudo o que seja matéria internacional é objecto de normas de Direito Internacional, este aparece como o Direito relativo a matérias internacionais, e não como o Direito das relações entre Estados e outros Sujeitos.

Mas, o artigo 2.º, n.º7 da Carta das Nações pareceria corroborar tal conceito, ao prescrever que as Nações Unidas não podem intervir em “assuntos que dependem essencialmente da jurisdição de qualquer Estado”. Deste modo, não se divisando um conceito seguro porque há uma enorme dificuldade em proceder a uma distinção se determinada matéria releva do Direito Internacional ou não, se é internacional ou não, tendo em conta a maior complexidade existente no que concerne à circulação, comunicações, relações e trocas entre os povos. E, portanto segundo este critério o Direito Internacional é definido como o direito que regula questões e relações jurídico-internacionais.

4) Um outro critério aponta para os modos de criação das suas normas: o Direito Internacional surge da colaboração de dois ou mais Estados, consistindo portanto os seus processos de formação especificamente intenacionais e distintos do Direito Interno. Não existindo leis como modo de formação centralizado do Direito por entidades competentes, aproximam-se os tratados multilaterais gerais e as decisões de órgãos de organizações internacionais e entidades afins. O Direito Internacional constitui ainda uma ordem jurídica descentralizada, enquanto que a ordem jurídica correspondente à concepção de Estado moderno é centralizada. Por isso, a par do costume, com maior importância do que na ordem interna, o que mais avulta é a convenção ou o tratado internacional. No entanto, e apesar de todas estas especificidades e por mais importantes que sejam, este critério é demasiado formal para nos dar uma verdadeira noção de Direito Internacional. Pois, apenas diz como ele se forma, mas não quais as razões de ser do Direito Internacional, o seu sentido e o seu alcance.

5) Finalmente, pode convocar-se a referência à comunidade internacional: o Direito Internacional como expressão jurídica da existência de uma comunidade internacional. Contudo, também aqui nos deparamos com dificuldades. Em primeiro lugar, historicamente, o Direito Internacional surgiu apartir das soberanias dos Estados, a partir dos seus interesses e vontades; e ainda hoje não se pode negar o peso decisivo que os Estados têm dentro da comunidade internacional. Em segundo lugar, pode dizer-se que há, não uma só, mas várias

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comunidades internacionais, regionais ou sectoriais. Finalmente que ao conceito de comunidade pode subjazer uma visão ideológica ou metajurídica.

Mas nenhuma destas formas, se afigura, suficiente ou suficientemente precisa, embora cada qual forneça contributos que devem ser retidos. Deste modo, tendemos sobretudo a conjugar os dois últimos critérios, fixando um elemento formal, atinente aos modos de formação e de revelação das normas, fontes de direito, e um elemento material concernente ao substrato dessas normas e à realidade de facto que as origina.

O Direito Internacional define-se portanto, como o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações dos Estados entre si e outros sujeitos jurídico autónomos ou actividades individuais formadas segundo procedimentos internacionais, mas esses procedimentos não valem nem se explicam por si mesmos; derivam, naturalmente, das condições próprias e mutáveis da vida internacional, dos modos e das circunstâncias como nela se inserem os Estados e os demais sujeitos, bem como das conexões entre eles e as pessoas físicas. Pressupõe também um conceito jurídico-internacional de Estado distinto do conceito interno do próprio Estado. Não é considerado, apenas inter-estadual mas o direito de uma comunidade internacional complexa e heterogénea. Um Direito assente sobre um sistema complexo e diversificado de fontes e diferenciado de sujeitos, assenta portanto, em processos de formação específicos e singulariza-se pelo papel extenso do costume, pela ausência de lei como acto normativo proveniente de entidade competente, centralizada e autoritária, e de fontes claramente diferenciadas dos de Direito Interno. E, ainda o Direito Internacional é caracterizado pela sua Bilateralidade/Universalidade, que se baseia na coexistência de normas particulares com normas gerais.

No plano substantivo, o Direito Internacional vem traduzir a realidade das relações que vão, elas mesmas ultrapassar o poder próprio de cada Estado, politicas, culturais, sociais e económicas. Deste modo, o Direito Internacional vai tornar-se indissociável da comunidade.

E, ainda o Direito Internacional não é, a única ordem normativa internacional. A moral internacional e as normas de cortesia ou de trato social (comitas gentium) são duas ordens normativas que se integram na vida internacional. A diferença está em que as normas de Direito das Gentes têm por destinatário primaciais instituições, os Estados e outras entidades e, em muito menor medida, os indivíduos enquanto titulares de órgãos e agentes e os indivíduos enquanto sujeitos de Direito Internacional; ao passo que as normas de moral e de cortesia apenas têm por destinatários os indivíduos. O que não significa, que não se verifique que certas normas de moral ou de comitas gentium não venham a converter-se também em normas de Direito Internacional.

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Áreas do Direito Internacional

O Direito Internacional não é um ramo do Direito, é um ordenamento jurídico que se contrapõe ao Direito Interno, ou melhor, ao Direito próprio de cada um dos Estados soberanos.

A primeira grande análise do âmbito do Direito Internacional foi elaborada por Grócio, ao proceder à distinção de um Direito de Guerra e um Direito de Paz.

O Direito Internacional tende à universalidade, mas surgem, em diferentes zonas geográficas, continentes ou subcontinentes, segmentos particulares, moldados em função de características, tradições, problemas ou necessidades peculiares, quando aceita, na própria Carta das Nações Unidas a realização de “ acordos regionais” (artigos 52.º, 53.º e 54.º). O Direito Internacional regional mais antigo, do inicio do século, vem a ser o Direito interamericano, de base mais consuetudinária do que convencional. Mas não é o único, pois outros Direitos internacionais particulares emergem, em correspondência com grandes organizações políticas e económicas regionais, desde a Europa à Ásia, à África e ao Pacífico, sem esquecer, durante alguns anos, o “bloco socialista”, formado à volta da União Soviética. Alguns destes Direitos internacionais vão impor limitações à soberania dos Estados e provocar mudanças nos processos de formação de normas jurídicas, surgindo deste modo o Direito Comunitário Europeu ou Direito da União Europeia, que não depende de nenhum acto de aprovação ou de ratificação por parte dos órgãos dos Estados membros, para se tornar obrigatório nas suas ordens internas, ao contrário do que se sucede com o Direito dos Tratados.

A dicotomia mais inveterada na doutrina e em textos jurídicos internacionais e até internos (como a Constituição de 1976, no seu artigo 8.º) é a que separa o Direito Internacional geral ou comum e Direito Internacional convencional, o primeiro vinculativo de todos os Estados e dos demais sujeitos internacionais, e o segundo só vinculativo de alguns. Até há meio século apenas o costume e os princípios gerais de Direito Internacional podiam determinas um conjunto de normas obrigatórias para todos os Estados. Dos tratados ou das convenções internacionais o Direito criado não poderia ser obrigatório senão para alguns determinados Estados. Actualmente, alem da crescente celebração de tratados multilaterais gerais em áreas diversas, surgem decisões de organizações internacionais de alcance mundial (a ONU, a UNESCO, a OMS, etc.) de estrutura e âmbito semelhantes.

Com o crescente peso das normas provenientes de organizações internacionais, justifica-se uma divisão tricotômica:

1) Direito Internacional geral ou comum – reconduzível aos princípios gerais do Direito Internacional e ao costume universal ou parauniversal;

2) Direito Internacional convencional;

3) Direito próprio das organizações internacionais.9

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Do mesmo modo, segundo um critério de objecto das normas, esse relevo das organizações internacionais levaria a contrapor um Direito Internacional relacional e um Direito Internacional institucional (este, o respeitante à estrutura e ao funcionamento das organizações internacionais e de entidades afins, abrangendo quer os respectivos tratados constitutivos, quer as normas deles derivadas).

As normas podem apresentar diferentes funções: são os princípios de jus cogens, as normas da Carta das Nações Unidas e dos Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, ou as normas constantes das Convenções de Viena sobre conclusão, interpretação, validade, aplicação e cessação de vigência de tratados. Poder-se-á então falar em Direito Internacional fundamental ou constitucional, como um Direito estruturante das relações internacionais e da própria comunidade internacional, num conjunto de normas que definem não só a posição jurídica dos sujeitos assim como o quadro em que as relações se desenvolvem: Jus cogens, que determinam a nulidade de quaisquer outras que as contrariem (artigos 53.º e 64.º da Convenção de Viena de Direito dos Tratados); e também as obrigações resultantes da Carta das Nações Unidas prevalecem sobre as obrigações decorrentes de qualquer outra convenção (artigo 103.º da Carta).

Uma última grande distinção a indicar dá-se entre aquilo que pode denominar-se Direito Internacional geral e Direito Internacional especial, relacionados com as matérias objecto de normas, captando a extensão maior ou menor que elas vão atingindo:

Direito Internacional geral – cobre, antes de mais, o Direito Internacional fundamental, bem como todas as normas de carácter geral, outras normas sobre fontes e sobre sujeitos de Direito Internacional, sobre responsabilidade internacional, etc.;

Direito Internacional especial – subdivide-se em diversos sectores. Sejam sectores afins de ramos de Direito estatal: Direito Internacional dos direitos do homem, Direito Internacional penal, Direito Internacional do Trabalho. Sejam sectores que os atravessam horizontalmente: Direito Internacional da educação, Direito Internacional do ambiente. Ou sejam sectores específicos: Direito Internacional humanitário, Direito do Mar, Direito do Espaço, Direito dos Conflitos Internacionais.

Características e institucionalização do Direito Internacional:

O Direito Internacional apresenta características que o distinguem do Direito estatal:

a) Sistema complexo e diferenciado de fontes, com realce especial do costume e do tratado;

b) O âmbito das normas é diversificado, com normas abrangendo todos os Estados e entidades afins, e normas abrangendo apenas sujeitos em relações especificas entre si ou somente certas categorias de sujeitos;

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c) Não tanto incompletude quanto menor densidade das normas de Direito Internacional;

d) Sistema complexo e diferenciado de sujeitos:

1) No Direito Internacional os sujeitos são os Estados soberanos e os indivíduos só são sujeitos se se verificarem determinados pressupostos. Ao passo que, no Direito estatal, os sujeitos com capacidade plena são as pessoas singulares;

2) A nível internacional, excluindo os indivíduos, o número de sujeitos é reduzido;

3) Em Direito Internacional os Estados apesar de iguais juridicamente, estão condicionados nas suas relações pela desigualdade de poder que detêm, com consequências expressivas de facto e de direito, enquanto em Direito interno os indivíduos, além de juridicamente iguais, se encontram condicionados por uma inelutável igualdade biológica.

e) Dependência, em larga medida, de órgãos do Direito interno para a execução de normas;

f) Domínio nos actos jurídico-internacionais das manifestações de vontade funcional e normativa dos órgãos de entidades colectivas;

g) Prevalência das formas de responsabilidade colectiva sobre as formas de responsabilidade individual;

h) Apesar de desenvolvimentos recentes, existem ainda em pequeno número de tribunais internacionais e alguns com poderes efectivos relativamente pequenos;

i) Reduzido significado das sanções ou dependência da sua aplicação de factores extrajurídicos.

Entretanto, a institucionalização da comunidade internacional, ou seja, a progressiva afirmação da existência de entidades a se distintas dos Estados ou de relações internacionais inconfundíveis com as relações entre Estados, vem assumindo manifestações de grande relevo. Assim sendo:

a) Criam-se um novo tipo de organizações que agregam os Estados, mas que formam uma vontade própria;

b) A imposição pelas Nações Unidas dos seus princípios e injunções a Estados não membros (artigos 2.º n.º6, 31.º,32.º,33.º e seguintes da Carta), assim como a indivíduos e pessoas colectivas;

c) O órgão subsidiário da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Comissão de Direito Internacional, assume a tarefa de codificar as normas preexistentes de

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origem consuetudinária, que além de traduzir importantes avanços técnico-jurídicos e científicos, serve de forma de integração dos novos Estados no Direito Internacional;

d) O reconhecimento formal, num dos grandes textos de codificação, a Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, de 1969, de um jus cogens, de normas imperativas de Direito Internacional que prevalecem sobre os Tratados;

e) As obrigações advenientes da Carta das Nações Unidas prevalecem sobre quaisquer outras obrigações internacionais (artigo 103.º);

f) A prática crescente de tratados multilaterais e abertos a Estados não participantes na sua formação;

g) Sujeitos a uma autoridade internacional alguns espaços geográficos alheios aos Estados, tais como a Antárctida e os fundos marinhos.

Será de presumir que o Direito Internacional virá a evoluir, de forma a melhorar estes elementos de institucionalização, sem desaparecerem muitas das suas características tradicionais.

O fundamento do Direito Internacional

Não faltou nos séculos XVII e XVIII quem, paralelamente à doutrina do Estado absoluto, negasse o carácter jurídico do Direito Internacional, talvez o autor mais paradigmático desta linha de pensamento tenha sido Hobbes. Mas, ainda depois da Revolução Francesa, ao mesmo tempo que emerge o Estado de Direito na ordem interna, continua-se a contestar ou a secundarizar o Direito Internacional.

Durante o século XIX e princípio do nosso século, com o positivismo/voluntarismo, tende-se a definir o Direito através da estadualidade e da coercibilidade, pelo que, não existindo na ordem internacional, “nem legislador, nem juiz, nem polícia”, o Direito Internacional não poderia ser verdadeiro Direito e, se o fosse, não passaria de um Direito Internacional externo. E, ainda sob a influência positivista temos, Jellinek, da autolimitação do poder do Estado, e de Triepel, da vontade comum ou conjunta dos Estados, aceitando-se, mas como expressões de vontade a validade do Direito Internacional.

O facto de não existir na ordem jurídica internacional “nem legislador, nem juiz, nem polícia”, é importante referir que quanto à lei, ela não pode ser decretada em Direito Internacional, mas o tratado multilateral geral ou a decisão de organização internacioanl, em certos casos, não sendo lei, são sucedâneos ou aproximações da lei. Quanto aos tribunais a palavra é a da jurisdição facultativa, ainda que possa tornar-se obrigatória, mediante a chamada cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, como Tribunal Internacional de Justiça, os Tribunais Europeu e Interamericano de Direitos do Homem, entre outros. Mas aparecem já tribunais na base de jurisdição obrigatória,

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como o Tribunal Administrativo das Nações Unidas. E, finalmente a comunidade internacional, apenas não dispõe de polícia e de exército permanente. Mas a Carta das Nações Unidas prevê medidas coercitivas, e até sanções de carácter militar (artigos 42.º e 43.º da Carta).

Com os regimes totalitários ou autoritários as correntes doutrinais voluntaristas, surgidas no século XX vão por em causa o Direito Internacional. É o caso da doutrina de Tunkin, na tese do fim comum adoptada na União Soviética, ou, de certo modo, o caso da concepção inserida na fórmula literal do artigo 4.º da CRP de 1933, “A Nação Portuguesa constitui um Estado independente, cuja soberania só reconhece como limites […] na ordem internacional, os que derivam de convenções ou tratados livremente celebrados ou do direito consuetudinário livremente aceite”.

Como é possível concluir, para as posições voluntaristas/positivistas, as normas jurídicas internacionais são o produto da vontade livre e soberana do Estado, criadas ou reconhecidas pelos Estados. A validade e obrigatoriedade do Direito Internacional nasce de um acto de consentimento. Ponto essencial do voluntarismo é que o Direito Internacional só é obrigatório para os Estados na medida em que estes o determinem soberanamente. Variantes deste voluntarismo, como já vimos, incluem a doutrina do jurista alemão Jellinek que sustentou que o Direito Internacional nasce da auto-limitação do pode do Estado.

Nos séculos XX e XXI, vão prevalecer na doutrina as posições não voluntaristas, que explicam a obrigatoriedade jurídica ou a necessidade de cumprimento das normas de Direito Internacional, mesmo que estas estejam à margem ou para além da vontade do Estado.

Entre estas teses indiquem-se:

a) Teses normativistas, de Kelsen e da sua escola, as quais reconduzem o sistema de Direito Internacional não à vontade, mas a uma norma, a uma norma fundamental pressuposta, seja a pacta sunt servanda (os acordos devem ser observados), seja a consuetudo est servanda (o costume tem que ser mantido);

b) Teses solidaristas de Dugut, Politis, Scelle, surgidas sob influência do positivismo sociológico e que fundamentam o Direito Internacional na solidariedade entre os indivíduos, sendo, portanto, factores sociológicos que explicam as normas jurídicas;

c) Teses institucionalistas, de Santi Romano e da sua escola, que consideram o Direito Internacional o ordenamento da comunidade internacional tomada esta como uma instituição a se;

d) Teses jusnaturalistas de diferentes origens e matizes de, entre tantos, Afonso Queiró, Silva Cunha, André Gonçalves Pereira e outros, para os quais o Direito

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Internacional assenta em valores suprapositivos, em critérios éticos de obrigatoriedade, em princípios jurídicos transcendentes.

Para as posições não voluntaristas, o Direito Internacional não se funda num acto de vontade interna e subjectiva dos Estados mas num elemento exterior e superior aos Estados. Uma importante versão das posições não voluntaristas remonta à escola do direito natural racionalista, teorizada pelo jurista holandês Hugo Grócio. Grócio, autor da obra Do Direito da Guerra e da Paz, defendia que os poderes soberanos estavam obrigados a aceitar a ideia de uma sociedade regida pelo direito natural, segundo princípios da razão moral preexistentes que reflectiriam um propósito de correcção moral.

O Direito Internacional faz parte do universo jurídico e possui o mesmo fundamento e a mesma razão de ser do restante Direito. Apresentando, características especificas, nem por isso deixa de conter aquilo que de essencial assinala o Direito: a estrutura normativa necessária duma sociedade ou de certo tipo de convivência entre as pessoas humanas, individual ou colectivamente consideradas. Não existindo apenas um ordenamento jurídico, mas uma pluralidade de ordenamentos correspondendo à pluralidade de sociedades existentes.

Porque motivo se obedece a qualquer norma jurídica? O que determina a obediência é o sentido racional e ético, mais ou menos conscientemente assumido da pertença a um grupo, a uma comunidade, ou a um sistema de relações. O destinatário da norma é livre de cumprir ou não cumprir, mas a norma que se lhe dirige não tem por base a sua vontade, funda-se em princípios objectivos de ordem que o transcendem ou num sentido de bem comum, e isto vale tanto para o Direito interno quanto para o Direito Internacional.

O Direito Internacional clássico era fundamentalmente, um Direito de coordenação e de reciprocidade. Já o Direito Internacional de hoje assume aquela característica a que acresce a cooperação, assim o Direito Internacional económico, o dos direitos do homem ou do ambiente, e até um Direito de subordinação em sentido estrito, no tocante à manutenção da paz e da segurança colectiva na Carta das Nações Unidas, à justiça penal internacional e aos regulamentos comunitários europeus.

Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado

No Direito Internacional público, está presente uma vida internacional que se manifesta em determinados processos de formação de normas e que se liga a formas de relação e institucionais específicas.

No Direito Internacional Privado, não se afasta o Direito interno de cada Estado, cujo ordenamento é que vai decidir qual o Direito aplicável para resolver o conflito de leis, decretando ele mesmo normas para esse fim. O Direito Internacional Privado é ainda hoje, essencialmente, um Direito interno e um Direito privado e, como tal, o essencial

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deste Direito encontra-se reunido no Código Civil (artigos 15.º e seguintes), sendo apenas internacional pelas implicações efectivas na circulação de pessoas, bens e nos negócios jurídicos.

Será correcto falar em Direito Internacional Público? Não bastará falar em Direito Internacional?

O Direito Internacional clássico regulava apenas relações entre entidades públicas, maxime os Estados. O Direito Internacional dos nossos dias ganha uma amplitude bem maior e até atribui ao indivíduo a qualidade de seu sujeito, em certas condições. Na maior parte dos casos, apesar de tudo, prevalecem interesses públicos.

Direito Internacional e ciência do Direito Internacional

O Direito Internacional em sentido objectivo é o conjunto de normas jurídicas e Direito Internacional em sentido subjectivo corresponde a conhecimento dessas normas. Ao Direito Internacional corresponde a ciência do Direito Internacional, ou seja, a ciência jurídica que tem por objecto o Direito Internacional, a disciplina científica que, seguindo o seu método próprio, visa reconstruir esse Direito como sistema normativo e institucional e, a partir dai, propiciar a sua aplicação e a decisão de casos concretos em que ele tenha incidência.

Fontes de Direito InternacionalO Artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça

O Direito Internacional Publico baseia-se num sistema pluralista e interdependente de fontes. Ao aplicar o Direito Internacional, o Tribunal Internacional de Justiça precisa de se socorrer do artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, o qual dispõe:

“1. O Tribunal, cuja função é resolver, de acordo com o Direito Internacional, os litígios que lhe sejam submetidos, aplicará:

a) As convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio;

b) O costume internacional, como prova duma prática geral aceite como de direito;

c) Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas;

d) Sob reserva das disposições do artigo 59.º, as decisões judiciais e os ensinamentos dos publicistas mais altamente qualificados das várias nações, como meios auxiliares para a determinação das regras de Direito.

2. Esta disposição não prejudicará a faculdade de o Tribunal, se as partes estiverem de acordo, decidir ex aequo et bono”

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O art. 38.º pressupõe uma distinção entre fontes e normas de Direito Internacional. Enquanto as fontes se referem aos processos de elaboração do direito, as normas correspondem aos comandos jurídicos emanados das fontes formais de acordo com os seus processos específicos de formação.

Duas coisas são incontestáveis e seguras na análise deste artigo:

a) O artigo 38.º não contém uma enumeração exaustiva das fontes, apenas uma enumeração exemplificativa e que, feita em certa época, tem de ser submetida a uma interpretação actualista; designadamente, não inclui os actos unilaterais dos Estados, nem as decisões das organizações;

b) Não existe hierarquia de fontes no Direito Internacional: tratado não prevalece sobre o costume ou inversamente. Existem no entanto relações entre fontes: por exemplo, uma convenção poderá codificar o costume.

Não há uma enumeração exaustiva, taxativa. O artigo 38.º não esgota os modos de produção ou de revelação existentes, nem pode impedir futuras mutações de Direito Internacional. Basta lembrar as decisões das organizações internacionais; e, os actos jurídicos unilaterais dos Estados, vindos já do Direito Internacional clássico, o reconhecimento, o protesto, a notificação, a promessa, a renúncia, actos dos quais decorrem consequências nas relações entre os sujeitos de Direito Internacional. Pois, para que um acto unilateral se assuma como fonte terá de constituir um acto jurídico anterior, nomeadamente o reconhecimento, o protesto, a notificação, a promessa, a renúncia.

Segundo o Professor Jorge Miranda, em rigor não há hierarquia de fontes; o que há ou pode haver é hierarquia de normas jurídicas internacionais.

É importante analisar algumas fórmulas constantes do artigo 38.º (referido anteriormente), porque não são inteiramente satisfatórias, segundo Professor Jorge Miranda:

a) Assim, a alínea a) do n.º 1 refere-se “As convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio”. E algumas notas críticas de oferecem: 1.ª) não se apercebem a razão e o critério de distinção entre convenções gerais e convenções especiais; 2.ª) as regras convencionais não são reconhecidas, mas sim estabelecidas pelas partes; 3.ª) a referência a regras expressas poderia limitar o alcance da interpretação.

b) Quanto ao costume internacional, ele é definido como “prova de uma prática geral aceite como de direito”. Ora, essa noção muito menos parece de acolher porque, o costume não é prova de uma prática, mas sim o sentido ou a orientação de uma prática.

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Esta noção levanta ainda inúmeras interrogações:

Desde logo, a pratica subjacente ao costume não precisa ser forçosamente geral (é possível o costume bilateral);

O costume não precisa de ser unanimemente aceite pelos sujeitos de Direito Internacional, referindo-se a jurisprudência do Tribunal Internacional de justiça a uma “participação muito ampla e representativa dos Estados interessados”;

O costume será “aceite” na medida em que corresponde a comportamentos e actos jurídicos internos e internacionais, dos sujeitos de Direito Internacional;

O elemento essencial para a formação do costume é a uniformidade e repetição de uma certa prática, mas tal não exclui a possibilidade de interrupções nessa prática;

Como é feita a “prova” do costume? Através de elementos que confirmem a existência de uma prática considerável, precedentes, opiniões doutrinais convergentes, fenómenos de codificação.

c) Finalmente, acrescenta-se no n.º2 que o disposto no n.º1 “não prejudicará a faculdade de o Tribunal, se as partes estiverem de acordo, decidir ex aequo et bono”. Trata-se de uma referência à equidade, que, contudo, não é em si uma fonte de Direito; é um modo de aplicar o sentimento ideal de justiça aos casos concretos (segundo André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros), um critério de decisão.

(Ver ficha nº3)

O sistema das Fontes

Este sistema de fontes remonta para uma enumeração das fontes mais adequada tanto às grandes transformações do Direito Internacional como à validade comum aos mais diversos ordenamentos jurídicos:

O costume, o tratado e a decisão de organização internacional são fontes formais. A elas acresce a jurisprudência, com um papel mais reduzido, conquanto de modo algum insignificante quer pela sua intervenção insubstituível na interpretação e na integração das normas preexistentes, quer pelo seu eventual contributo para a formação do costume jurisprudencial. Estas quatro categorias de fontes surgem em abstracto com suficiente autonomia. Em concreto, são interdependentes e as normas através delas criadas entrelaçam-se sistematicamente, sem prejuízo da consideração de zonas diferenciadas (Direito Internacional universal e Direito Internacional regional, Direito das Nações Unidas, etc.)

A interdependência das fontes aponta para a precedência do costume:

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a) A jurisprudência pressupõe norma jurídica anterior; pressupõe a declaração do direito ao caso concreto;

b) A decisão de qualquer organização internacional repousa na competência de um ou vários dos seus órgãos e reveste a eficácia que se encontre prevista no respectivo tratado constitutivo;

c) Mas o processo de conclusão dos tratados, bem como os demais aspectos do seu regime, assentavam até à Convenção de Viena de 1969 (entrada em vigor em 2003) em normas consuetudinárias; e ainda hoje assentam em tais normas, no tocante aos Estados que até agora não a tenham ratificado, e, mesmo em relação aos outros Estados, na parte não inovatória da Convenção.

O costume internacional

O costume internacional assume uma importância crucial no Direito Internacional. Tal deve-se em primeiro lugar à ausência de um poder central institucionalizado, com a competência para criar as normas jurídicas aplicáveis à comunidade dos Estados. De seguida, o peso do costume liga-se com o carácter heterogéneo e pluralista da comunidade internacional. Tipicamente o costume internacional é definido como uma prática geral e consistente dos Estados e outros sujeitos de direito internacional a que subjaz um sentido de obrigatoriedade jurídica.

Posição tradicional identifica dois elementos distintivos do costume internacional.

O primeiro requisito é o da existência de uma pratica uniforme e generalizada dos Estados ou de outros sujeitos de Direito Internacional;

O segundo requisito, por vezes referido como “opinio júris” é o de que os Estados seguem essa pratica em razão da convicção da sua obrigatoriedade. Assim, uma prática consistente e reiterada transformar-se-á em cosrume na medida em que os Estados ou outros sujeitos a encarem como juridamente obrigatória.

(Ver a ficha 4 e 5)

Ainda hoje existem matérias importantíssimas que continuam reguladas principalmente ou quase só por costume, como as responsabilidades internacional e as imunidades dos Estados. Assim como há inelutáveis factores de efectividade a que estão sujeitas a interpretação e a aplicação das normas criadas por actos internacionais.

Imunidade Diplomática – assenta no princípio de que os Estados devem proteger os embaixadores estrangeiros e respectivo pessoal da embaixada. Tal garante-lhes imunidade de jurisdição civil ou criminal, bem como o dever do Estado de acolhimento proteger as embaixadas estrangeiras de quaisquer ameaças provindas dos cidadãos do Estado de acolhimento. Esta regra tem sido

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considerada como uma das regras tradicionais do costume internacional geral (Ver ficha 4 e 5 do Pessoa)

E, ainda o costume internacional não resulta só da prática dos Estados e de outros sujeitos nas suas relações bilaterais e multilaterais. Resulta também da prática que se desenvolva no interior das organizações internacionais. Uma grande parte do Direito interno das organizações internacionais, é, ele próprio, produto do costume.

Um caso paradigmático de costume nestas circunstâncias, é o respeitante ao direito de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança. De harmonia com o artigo 27.º, n.º3 da Carta das Nações Unidas (…) Ver o exemplo na página 47 do Professor Jorge Miranda. Um outro exemplo a apontar é o das resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre territórios dependentes.

De todas as classificações de espécies de costume que a doutrina tem proposto a mais importante, contrapõe costume geral ou universal e costume particular, em correspondência com a distinção entre Direito Internacional universal e Direito Internacional regional. De um lado, temos, o costume que obriga todos ou a grande maioria dos Estados; de outro lado, costume nascido e aplicável apenas em certo continente ou em certo conjunto de Estados com afinidades políticas, culturais e outras.

Pode-se ainda adicionar um terceiro termo: o costume local, quase sempre bilateral, relativo a uma área geográfica circunscrita, como foi o costume consagrados do direito de passagem de autoridades civis portuguesas entre Damião e os enclaves de Dadrá e Navar-Aveli ou como são determinados costumes locais na Europa.

Qual o fundamento do costume? Qual o fundamento do Direito internacional?

A posição mais antiga, liga à doutrina da soberania, tendia a reconduzir o costume ainda à vontade. O costume seria, na célebre expressão de Grócio, um pacto tácito: através de uma não manifestação de vontade com contrário, os Estados ou os sujeitos de Direito Internacional em geral estariam adstritos a cumprir os deveres decorrentes de normas consuetudinárias.

Mas as doutrinas voluntaristas estão ultrapassadas e nem sequer fornecem uma base segura para a compreensão de costumes locais ou bilaterais. O fundamento do costume internacional não pode ser diverso do de todo o Direito Internacional.

O costume internacional decompõe-se num elemento material, o uso , e num elemento psicológico, a convicção de obrigatoriedade.

O uso exige tempo e repetição de comportamentos (por acção e por omissão) de diversa natureza: actos diplomáticos, actos de execução de tratados, leis e actos

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políticos ou de governo dos Estados, actos no âmbito de organizações internacionais. Não é possível fixar critérios rígidos de apuramento.

A convicção de obrigatoriedade reporta-se, não a qualquer psicologia colectiva, mas à interpretação funcional e normativa da vontade manifestada por sujeitos de Direito Internacional ou pelos seus órgãos; e depreende-se, antes de mais, da consideração objectiva dos actos praticados ou deixados de praticar por esses sujeitos, entre os quais o reconhecimento, o protesto e a notificação.

As normas jurídicas de origem consuetudinária e as de origem convencional possuem o mesmo valor jurídico e, deve admitir-se, à partida, a possibilidade de recíproca modificação ou revogação. Em concreto, será muito difícil verificar-se a revogação de um costume universal por um tratado.

Em contrapartida, as normas consuetudinárias encontram-se, também elas, subordinadas ao jus cogens e com este não se confundem, mesmo as de costume universal, visto que:

O jus cogens não pode ser modificado ou afectado por normas consuetudinárias;

O costume postula sempre a prática, o jus cogens impõe-se ainda que não haja nenhuma prática, seja no sentido do seu cumprimento, seja noutro sentido.

Os actos das organizações internacionais e de entidades afins

Há muitos tipos de actos ou decisões de organizações internacionais:

Actos de eficácia externa e actos de mera eficácia interna;

Actos políticos, actos jurisdicionais (decisões de tribunais existentes no seu seio, como o Tribunal Internacional de Justiça, quanto às Nações Unidas, e o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância, quanto às Comunidades Europeias) e actos administrativos (respeitantes à estrutura e ao funcionamento dos seus órgãos e serviços);

Actos normativos e actos não normativos;

Actos imediatamente aplicáveis e actos não imediatamente aplicáveis, ou decisões preceptivas e decisões programáticas ou directivas;

Das decisões, enquanto actos vinculativos ou imperativos, distinguem-se as recomendações (como as da Assembleia Geral das Nações Unidas, de harmonia, com os artigos 11.º, n.º2 e 13.º da Carta) e os pareceres (com os do Tribunal Internacional de Justiça, de harmonia com o artigo 96.º).

Só os actos normativos, sejam de eficácia interna (como os regimentos da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, segundo os artigos

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21.º e 30.º da Carta), sejam de eficácia externa, são fontes de Direito Internacional. Os estatutos, cartas ou constituições de organizações internacionais são-no naturalmente, também, mas reconduzem-se a tratados; não têm autonomia.

No âmbito das Nações Unidas, são decisões gerais e abstractas as de afirmação ou reafirmação de princípios ou regras de Direito Internacional (v.g. sobre autodeterminação ou sobre agressão); e decisões gerais e concretas, as da Assembleia Geral sobre matérias financeiras (artigo 17.º da Carta) e, sobretudo, as do Conselho de Segurança sobre a manutenção da paz e da segurança internacionais (artigos 39.º e seguintes).

Mas as mais importantes decisoes normativas são as que emanam dos órgãos das Comunidades Europeias, que já deram lugar á formação de uma ordem jurídica parcelar, com características próprias, o Direito Comunitário derivado, que consta no artigo 249.º do Tratado da Comunidade Europeia na versão do Tratado de nice de 2001:

“ Para desempenhar as suas atribuições e nos termos do Tratado, o Conselho e a Comissão adoptam regulamentos e directivas, tomam decisões e elaboram recomendações e pareceres.

O regulamento tem carácter geral. E obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados membros.

A directiva vincula o Estado membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios

A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que ela designar.

As recomendações e os pareceres não são vinculativos”

A jurisprudência

Na jurisprudência considera-se tanto as decisões de tribunais internacionais, arbitrais e judiciais, como as decisões de tribunais existentes na esfera interna dos Estados e de outros sujeitos (como os tribunais eclesiásticos ou os tribunais administrativos das Nações Unidas), na medida em que estes tribunais aplicam directamente o Direito Internacional ou tomam decisões com relevância jurídico-internacional.

Os artigos 38.º e 59.º do estatuto do Tribunal Internacional de Justiça não atribuem às decisões deste órgão efeitos erga omnes nem é adoptada, na prática, a regra do precedente, pois, apenas vinculam as partes não se projectando para o futuro. Mas na ordem internacional, adquire crescente relevo aquilo a que se tem chamado a elaboração jurisprudencial do Direito, estimulada pelo confronto de diversas escolas e correntes judiciais.

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Os actos jurídicos unilaterais (por provirem de um só sujeito de Direito Internacional – a organização)

Os únicos actos jurídicos unilaterais que cabem no âmbito das fontes de Direito Internacional são os actos normativos de organizações internacionais, as decisões de conteúdo geral e abstracto ou de conteúdo geral e concreto dos seus órgãos. Contudo os actos jurídicos unilaterais dos Estados criam Direito, pois uma coisa é a determinação de efeitos jurídicos; outra coisa é a determinação de efeitos jurídicos normativos, a emanação de normas.

Breve referência aos actos jurídicos unilaterais:

Actos jurídicos unilaterais autónomos ou principais e actos jurídicos unilaterais não autónomos ou acessórios, significa que, entre actos que aparecem à margem de quaisquer outros actos, válidos e eficazes por si e actos que se inserem em processos ou procedimentos de formação de outros ou que decorrem directa e imediatamente de outros actos.

Os primeiros são o reconhecimento, o protesto a notificação, a promessa e a renúncia, que tanto produzem efeitos directos e imediatos nas relações com outros sujeitos como efeitos indirectos enquanto se inserem na prática dos Estados e, assim, contribuem para a formação ou para a revelação de costume internacional ou para a interpretação de normas preexistentes.

O reconhecimento é a declaração unilateral de um Estado ou de outro sujeito, pela qual considera que certo facto ou certa situação esta em conformidade com as regras jurídicas ou satisfaz os requisitos por elas prescritos.

O protesto é a declaração segundo a qual certo facto ou certa situação não respeita o Direito Internacional.

A notificação é a declaração relativa a certo facto ou a certa situação, presente ou futura, levada ao conhecimento de outro sujeito de Direito Internacional.

A promessa é a declaração unilateral de vontade pela qual certo sujeito se compromete a agir ou a não agir de certo modo.

A renúncia é o acto jurídico unilateral pelo qual certo sujeito declara não exercer ou, eventualmente mesmo, querer deixar de ter na sua esfera jurídica certo direito.

Entre os segundos, contam-se a assinatura, a ratificação, a adesão, as reservas, a aceitação, a objecção e a revogação de reservas, a denúncia, etc.

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Os actos jurídicos unilaterais autónomos ou principais apresentam as seguintes características comuns:

Provêem de um só sujeito de Direito Internacional, o que não obsta, entretanto, a que possa haver um feixe de actos unilaterais no mesmo sentido de diferentes sujeitos;

Expressão da própria capacidade internacional dos sujeitos, são também expressão de autovinculação de acordo com o princípio da boa fé e, por conseguinte, irrevogáveis logo que se tornem definitivos;

Não estão dependentes de nenhum requisito formal, não têm de revestir forma escrita e não estão sujeitos ao ónus de registo junto do Secretário-Geral das Nações Unidas; pelo contrário depara-se uma grande heterogeneidade de formas (notas diplomáticas, notas oficiosas, conferências de imprensa, etc) e não dispensam a publicidade.

A codificação do Direito Internacional

Nas últimas décadas tem-se assistido a um movimento dito de codificação, tendente a substituir, gradualmente, o conhecimento das normas de Direito Internacional consuetudinário através da observação da prática pela sua incorporação em grandes textos escritos sob a forma de convenção ou de declaração. Mas esta movimentação de codificação avançou, sobretudo no âmbito das Nações Unidas; a Carta conferiu à Assembleia Geral o encargo de promover a codificação (artigo 13.º,n.º1, alínea a)) e, para o efeito, foi instituído um órgão subsidiário, a Comissão de Direito Internacional.

Conexo com a codificação em sentido estrito, realiza-se aquilo que o estatuto da Comissão denomina “desenvolvimento progressivo do Direito Internacional”.

A codificação do Direito Internacional obedece, antes de mais, a uma finalidade de certeza e segurança jurídicas. Depois, a uma finalidade de aperfeiçoamento, quer no plano das soluções normativas, quer no plano do rigor científico e técnico. E ainda a uma finalidade politica: propiciar uma intervenção dos Estados que não participaram porque ainda não tinham obtido soberania na formação de muitas das normas consuetudinárias.

A codificação apresenta-se como algo de simétrico do costume secundum praeter ou contra tractuum. Neste, a prática molda o sentido e a efectividade de normas convencionais, o costume envolve o tratado e até o pode transformar. Na codificação o tratado recebe normas consuetudinárias, revestidas da forma de convenção.

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A Comissão de Direito Internacional tem-se ocupado de algumas das principais questões de Direito Internacional e dos seus estudos e trabalhos resultaram até agora importantíssimos textos:

A Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar (1982);

A convenção sobre a redução dos casos de apatridia (de 1961);

A convenção sobre as reduções diplomáticas (de 1961);

A convenção sobre o Direito dos Tratados (de 1969);

A convenção sobre missões diplomáticas (de 1969);

A convenção sobre tratados entre Estados e organizações internacionais e sobre tratados entre organizações internacionais (de 1986)

Os tratadosPor tratado ou convenção internacional entende-se um acordo de vontades entre sujeitos de Direito Internacional constitutivo de direitos e deveres ou de outros efeitos nas relações entre eles, regido pelo Direito Internacional e de que derivam efeitos jurídico-internacionais ou jurídico-internacionalmente relevantes.

O conceito envolve, portanto:

a) Um acordo de vontades;

b) A necessidade de as partes serem todas sujeitos de Direito Internacional e de agirem nessa qualidade;

c) A regulamentação pelo Direito Internacional;

d) A produção de efeitos com relevância nas relações internacionais, sejam estritos efeitos nessas relações, sejam efeitos nas ordens internas das partes.

O conceito não implica, pelo contrário:

Que as partes sejam Estados, porque há tratados entre Estados e outros sujeitos de Direito Internacional, como os previstos no artigo 43.º da Carta das Nações Unidas, ou mesmo apenas entre sujeitos de Direito Internacional que não Estados, como os do artigo 63.º;

Que o acordo seja reduzido a escrito, pois a priori nada o impõe e ao longo da história houve tratados não escritos, embora na actualidade o ónus do registo pressuponha a forma escrita;

Sendo escrito o acordo, se reduza a um único instrumento, pois pode o consenso formar-se através de troca de notas.

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A Convenção de Viena de 1969 define tratado como um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou vários instrumentos conexos, seja qual for a sua designação (artigo 2.º,n.º1. alínea a)).

Distinção de realidades afins

Dos tratados internacionais distinguem-se:

a) Os feixes de actos unilaterais ou actos unilaterais simultaneamente emitidos por diferentes Estados com conteúdo idêntico, de ordinário sob a forma de declaração (a proclamação dos Aliados sobre a capitulação da Alemanha, sem condições, em 1945 ou a aceitação da neutralização da Áustria em 1955);

b) Os acordos estritamente políticos, sem produzir efeitos jurídicos, mas a que se sucedem verdadeiros tratados e outros actos (os Acordos de Ialta e de Potsdam, de 1945);

c) Os acordos informais (no funcionamento de certas organizações internacionais), não imediatamente vinculativos a nível jurídico;

d) Os comunicados de reuniões e conferências diplomáticas, anunciando a conclusão de negociações ou a celebração de acordos;

e) Os contratos entre organizações internacionais e particulares;

Têm vindo alcançar grande importância económica e politica os contratos entre Estados e empresas privadas transnacionais ou multinacionais, designadamente contratos de investimentos, de prestação de serviços, de exploração de recursos, petrolíferos ou outros, de fornecimento de bens, de concessão de obras públicas. Mas no entanto, versam sobre objecto muito variável e têm sido sujeitos tanto a um regime de Direito interno como a um regime de Direito internacional. Não são considerados sujeitos do Direito Internacional.

Pelo contrário, não são, tratados os acordos de cooperação entre municípios e regiões de dois Estados em áreas fronteiriças.

Terminologia

Tratado ou Convenção são os termos que a prática internacional, a doutrina e os grandes textos de codificação adoptaram. Numerosos tratados em especial ou sobre objecto específico recebem designações particulares. Assim:

Carta, constituição ou estatuto – tratado constitutivo de uma organização internacional ou regulador de um órgão internacional (Carta das Nações Unidas, Constituição da O.I.T, estatuto do Tribunal Internacional de Justiça);

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Pacto – tratado de aliança militar (Pacto do Atlântico ou Pacto de Varsóvia), mas igualmente tratado politico de grande importância (Pacto da Sociedade das Nações ou Pactos de Direitos Económicos, Sociais e Culturais e de Direitos Civis e Políticos);

Concordata – tratado entre a Santa Sé e um Estado acerca da situação da Igreja Católica perante este (a Concordata entre a Santa Sé e Portugal);

Acta geral ou final – tratado conclusivo de uma conferência ou congresso internacional de Estados;

Convenção técnica – tratado sobre matérias especializadas de carácter técnico, em regra complementar de outro;

Protocolo adicional – tratado complementar ou modificado de outro sobre matérias políticas (protocolo adicional ao Pacto de Direitos Civis e Políticos);

Modus vivendi – acordo temporário ou provisório;

Compromisso – acordo tendente à solução arbitral de conflitos.

Classificações

Tratados normativos ou tratados-leis – São aqueles que estabelecem uma regra de direito aplicável a uma generalidade de casos. Estes Tratados têm assim por objecto a enunciação de uma regra de direito objectivamente válida. Ex.: pacto da Sociedade das Nações de 28.06.1919.

Tratados não normativos ou tratados-contratos – estipulam-se prestações recíprocas e os tratados esgotam-se com a sua realização. Ex.: Tratados de comércio.

Uma segundo classificação tem a ver com o número de partes dos tratados e, por essa via, com a sua estrutura interna:

Tratados bilaterais - aqueles em que participam apenas dois sujeitos de Direito Internacional, aumentam a reciprocidade dos interesses.

Tratados multilaterais – aqueles em que participam mais de dois sujeitos de Direito Internacional, estabelecem-se interesses comuns. Estes podem ser restritos (ou fechados) que são aqueles em que só os Estados partes podem neles participar, ou gerais, isto é, abertos à participação de qualquer Estado.

Outra classificação, atendendo aos requisitos necessários para a validade do Tratado, distingue-os em:

Tratados solenes – São aqueles cujo processo de elaboração e de conclusão é complexo e em que se exige a intervenção dos órgãos investidos no poder de decisão, e necessitam de ser ratificados.

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Acordos em forma simplificada – São as convenções cujo processo de elaboração é simples e que a partir da assinatura ficam perfeitos e aptos a entrar em vigor, não sendo, portanto, necessária ratificação. Estes acordos são concluídos, regra geral, por um membro do Governo, normalmente o Ministro dos Negócios Estrangeiros ou por agentes diplomáticos. Neles não intervêm, portanto, os órgãos estaduais investidos do poder de celebrar Tratados normativos.

Acordos em forma ultra-simplificada – caracterizam-se por a vinculação ocorrer, não aquando da ratificação ou da aprovação, mas aquando da assinatura ou acto equivalente, e assim neles dispensam-se quer a ratificação como acontece nos acordos em forma simplificada, quer a própria aprovação.

Outra classificação de tratados dá-se entre tratados abertos e tratados fechados:

Tratados abertos – são entendidos tradicionalmente como aqueles que admitem a adesão unilateral posterior de novos Estados. Admitem a assinatura, a ratificação ou a adesão de sujeitos que não participaram no seu momento inicial de celebração ou entrada em vigor. Por definição, os tratados multilaterais gerais são ou devem ser Tratados Abertos.

Tratados Fechados – são aqueles que não permitem a participação de outros Estados, que não sejam os que originariamente nele tenham participado e que dele façam parte. Ex.: os tratados de delimitação de fronteiras, as concordatas e os acordos entre as Nações Unidas e as organizações especializadas.

Em geral os tratados não são inteiramente abertos ou fechados, no sentido em que permitem a adesão a uma categoria de Estados determinada à partida; ou porque são semi-fechados, reservando a faculdade de adesão para um convite formal dirigido pelos Estados signatários ou exigindo processos negociais com vista à entrada, como sucede na União Europeia. A adesão pode estar condicionada à determinadas restrições: políticas ou geográficas.

Ainda mais quatro classificações:

Tratados institucionais – constitutivos de organizações internacionais e de entidades afins e tratados não institucionais;

Tratados exequíveis por si mesmos e tratados não exequíveis – consoante obtenham plena efectividade só por si ou, sem prejuízo da sua vigência na ordem interna, careçam, à semelhança das normas constitucionais programáticas de outro tratado ou de lei de complementação. Ex.: tratados sobre direitos económicos e sociais;

Tratados principais e tratados acessórios, sendo estes tratados subsequentes aos primeiros, deles dependentes e destinados a conferir-lhes concretização (ex.: acordos ou

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convenções técnicas ou administrativas, tratados de adesão a organizações internacionais);

Tratados públicos e tratados secretos – conforme o conhecimento do seu conteúdo seja revelado ou tornado possível ou fique reservado a quem interveio na sua conclusão.

Limites à liberdade convencional

Limites de Direito Interno – são os que procedem da Constituição de cada Estado. Nenhum Estado pode celebrar tratados contrários às normas constitucionais por que se rege, sejam normas orgânicas e formais, sejam normas de fundo. Essas normas adstringem os órgãos de poder tanto na sua actuação na ordem interna quanto nas convenções que concluem. E o mesmo se passa com os actos unilaterais que emitam e com os actos que pratiquem no seio de organizações internacionais.

Exemplo: A República Portuguesa, não pode celebrar tratados que infrinjam os direitos fundamentais consignados na Constituição.

Limites de Direito Internacional, são:

Os princípios de “Jus cogens”: por exemplo, um Estado que se tenha obrigado por tratado com outro Estado não pode celebrar um tratado com um terceiro Estado que ponha em causa o primeiro, pois isso colidiria com o princípio da boa fé;

Os derivados e tratados principais relativamente a tratados ou protocolos adicionais, acessórios ou de execução (30°/2 Convenção de Viena);

Os derivados de tratados constitutivos de organizações internacionais ou de entidades afins em face de quaisquer tratados que os Estados-membros ou as próprias organizações venham a celebrar;

Os decorrentes de normas emanadas de organizações internacionais ou de outras entidades a que os Estados pertençam, quando tal se encontre previsto nos seus tratados constitutivos.

De salientar, que, segundo o art. 103 ° da Carta das Nações Unidas, as obrigações assumidas pelos membros da Organização em virtude da Carta prevalecem sobre as resultantes de qualquer outra convenção internacional; e, que, segundo o Direito Comunitário Europeu, há matérias sujeitas a uma concertação dos Estados com as Comunidades e outras são excluídas do “Jus tractuum” dos Estados Comunitários.

Regulamentação das formas de vinculação internacional dos Estados: consta tanto de normas de Direito internacional como de normas de Direito interno.

Dada a posição jurídico-internacional dos tratados, deveriam ser normas internacionais a disciplinar o processo de conclusão de tratados, incluindo a definição dos órgãos estatais com competência para nele intervir. Todavia, afora algumas regras da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e o residual “jus raepresentationis omnimodae” dos Chefes de Estado, é principalmente ao Direito interno que cabe tal tarefa.

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Razoes dessa repartição: A deficiente estruturação ou institucionalização da comunidade internacional e

do seu Direito; Se os tratados em si têm por objecto relações jurídico-internacionais, o seu

processo de conclusão releva igualmente do Direito interno, por ser uma das manifestações do exercício da função politica do Estado;

A liberdade de organização dos Estados para esse efeito, consequência da sua soberania, e traduzida numa grande variedade de soluções correspondentes aos respectivos regimes e sistemas de governo.

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O processo e as formas de vinculação

Em Direito internacional tratado designa “um acordo entre Estados regido pelo Direito internacional” (art. 1º da CV). Em Direito Interno um tratado constitui um acordo entre Estados regido pelo Direito Internacional mas aprovado e ratificado segundo procedimentos previstos no nosso Direito constitucional. E, portanto, a noção de tratado em Direito Internacional engloba elementos típicos do Direito internacional mas também elementos de Direito interno (a sua conclusão está dependente da prática de actos de Direito interno).

O processo de vinculação dos Estados a convenções internacionais obedece por isso às regras previstas na CVDT, cabendo ao Direito interno a tarefa de disciplina em que termos é que um Estado se pode vincular a um tratado. Pode exemplificar-se este mesmo aspecto através da regra da CV, disposta no artigo 11.º da CVDT. Ou seja, como refere Jorge Miranda, “ a CV não impõe nenhuma forma pré-determinada em face da natureza, do abjecto ou do conteúdo de qualquer tipo de tratado”. Compete ao Direito constitucional de cada Estado definir os termos e condições da sua vinculação internacional.

No Direito internacional contemporâneo, as fases do processo de vinculação são as seguintes:

1) A negociação (e assinatura);

2) A aprovação;

3) A ratificação.

A Convenção de Viena estabelece que o consentimento de um Estado a ficar vinculado por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, pela troca de instrumentos constitutivos do tratado pela ratificação, pela aceitação, pela aprovação ou pela adesão, ou por outro meio convencionado (art.11.º CVDT).

A Convenção não impõe nenhuma forma predeterminada em face da natureza, do objecto ou do conteúdo de qualquer tipo de tratado. O principio consiste na estipulação da forma pelo tratado em concreto (12º/1/a); 13º/a); 14°/1/a); 15º/1/a). Pode o Direito constitucional de cada Estado prescrever esta ou aquela forma de vinculação.

A Convenção presta uma atenção significativa à negociação e à assinatura de tratados, bem como ao depósito, ao registo e à publicação, mas, ao invés, nenhum preceito consagra à aprovação e à ratficação.

Nas Monarquias absolutas, a concentração do poder político do rei exibia-se nas várias fases do processo;

No Constitucionalismo, assente no princípio da divisão do poder, cada fase possui um significado específico e procura-se a interdependência dos vários

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órgãos na expressão da vontade dos Estados força das várias matérias e sistemas de Governo.

Relativamente à forma dos Estados Federais ou Estados unitários regionais, apesar de só o Estado aceder á vida jurídica internacional, sendo ele que aprova e ratifica os tratados, as Constituições podem estabelecer formas de participação das regiões autónomas ou dos Estados Federados, quando sejam afectados interesses ou atribuições que, a nível interno, seriam dessas entidades.

A negociação e a assinatura

Negociação de um tratado – A negociação é composta da concepção, elaboração e redacção mais politica que jurídica. A negociação de qualquer tratado cabe, quanto a cada Estado, às pessoas investidas de plenos poderes (plenipotenciários) como seus representantes; e esses plenos poderes são os apropriados para o efeito; mas a representação do Estado pode resultar da prática dos Estados interessados ou de outras circunstâncias (7°/1 Convenção de Viena) . se praticado por pessoa que não pode ser considerada como estando autorizada a representar o Estado para esse fim não produz efeitos jurídicos, só se ulteriormente confirmada pelo Estado (art. 8.º). Será portanto um caso de agente putativo, salvo se se reconduzir a um problema de inconstitucionalidade orgânica.

Em virtude das suas funções, e sem terem de apresentar instrumentos de plenos poderes, são considerados representantes de cada Estado: Chefe de Estado, ou Chefe de Governo, ou Ministro dos Negócios Estrangeiros; o Chefe de missão diplomática, para a adopção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado acreditado; e o representante acreditado do Estado numa conferencia internacional ou junto de uma organização internacional, para a adopção do texto de um tratado celebrado nessa conferencia ou por essa organização ou esse órgão (art. 7.º, n.º 2).

A adopção do texto de um tratado efectua-se pelo consentimento de todos os Estados participantes na sua elaboração, salvo o disposto no n.º 2 (art.9.º, n.º1). Realizando-se uma conferência internacional com esta finalidade, o que sucede nos tratados multilaterais, efectua-se por maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, a menos que estes Estados decidam, por igual maioria, aplicar uma regra diferente (9°/2).

À adopção do texto segue-se a autenticação do texto, a qual se faz segundo o procedimento nele previsto ou acordado pelos Estados participantes na sua elaboração e, na sua falta por assinatura, assinatura ad referendum ou rubrica, pelos representantes desses Estados, do texto do tratado ou da acta final de uma conferência em que o texto seja consignado, (art. 10.º da CVDT). A autenticação é onde se dá o reconhecimento do tratado que ainda não está em vigor, já as partes se nele reconhecem, mas terá de passar aos órgãos de soberania para a vinculação.

A assinatura simples – é a forma normal e tradicional de autenticação do texto de um Tratado, que se traduz numa promessa solene e firme de vincular ao Tratado o Estado firmante. A assinatura pode ser feita num dos três momentos a

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seguir indicados: no do encerramento das negociações e da adopção do texto, numa data posterior pré-estabelcida por acordo ou em qualquer momento posterior à adopção do Tratado (caso da adesão, por exemplo).

A assinatura ad referendum – é feita pelo representante do Estado que não tem poderes. Por isso a autenticação do texto fica sujeita a confirmação posterior que será feita quando lhe for concedido os necessários poderes.

A rubrica – esta forma é utilizada quando os negociadores interrompem as negociações para submeterem o texto à apreciação dos respectivos governos, consultando-os sobre a aceitabilidade ou não do texto negociado.

Ressalve-se que a assinatura ou processo equivalente não obrigam o Estado-parte, salvo nas convenções ultra-simplificadas: uma vez produzida, aos órgãos constitucionais competentes cabe aprovar e ratificar, ou só aprovar, o tratado (ou não). A consequência principal da assinatura consiste em, fixando o texto, os Estados partes ficarem adstritos, por imperativo de boa fé, a abster-se de actos (ou omissões) que privem o tratado do seu objecto ou do seu fim (18° Convenção de Viena).

A Convenção de Viena regula também exaustivamente a rectificação de erros de textos ou de cópias autenticadas dos tratados (art.79 °).

A aprovação e a Ratificação

Todos os tratados requerem aprovação pelo órgão interno competente. Nem todos requerem ratificação. Tudo vai depender do Direito de cada Estado e pode até um tratado configurar-se como tratado solene para uma parte e como acordo em forma simplificada para outra parte.

Em Portugal a vinculação a um tratado solene dá-se com a ratificação do PR (art. 135.º alínea b) da CRP), depois de devidamente aprovado. A ratificação é sempre um acto livre, por envolver o exercício de um poder próprio que acresce ao exercício dos poderes próprios dos órgãos de negociação e de aprovação; um acto internacionalmente livre quanto ao tempo e à forma.

Tendo em conta que a Convenção de Viena se dirige a um universo amplo de Estados e outros, e que cada qual contempla no seu Direito interno a forma como se vai achar vinculado aos tratados, aquela acaba por indicar um leque de formas de igual amplitude por forma a satisfazer as particularidades de casa Estado. Desta forma a vinculação (art.11.º da CV) prevê que se possa concretizar através: de ratificação (art.14.º); da assinatura qualificada; da aprovação ou aceitação; da troca de instrumentos e, do depósito.

As Ratificações Imperfeitas

A ratificação imperfeita é segundo Silva Cunha, “aquela que não obedece aos trâmites definidos pelo Direito Interno dos Estados ratificados”.

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Ou seja, pode acontecer que a competência para concluir determinados Tratados e vincular internacionalmente os Estados esteja repartida por dois ou mais órgãos estaduais, por exemplo, o Presidente da Republica e o Parlamento ou o Parlamento e o Governo, o que significa que estes órgãos tem de intervir no processo de aprovação dos Tratados. Pode assim acontecer que o Presidente ratifique um tratado sem que este tenha sido previamente aprovado pelo Presidente, o que dá origem a uma ratificação imperfeita.

Tambem pode acontecer, um Estado assinar e exprimir o seu consentimento a um tratado, mas noutro Estado, como por exemplo, Portugal, verifica-se uma omissão formal no processo de vinculação, falta de aprovação ou falta de ratificação.

Afectará esta omissão formal o consentimento do Estado e consequentemente a validade do Tratado?

Em Direito Internacional, vigora o principio da não-invocabilidade de disposições de Direito interno para justificar a não-execuçao de uma convenção internacional (art.27 da CV), o principio estipula que nenhum Estado poderá socorrer-se de regras de direito interno para deixar de executar convenções internacionais que tiver celebrado.

E, ainda a CV salvaguarda o regime previsto no artigo 46.º, na secção relativa à nulidade dos Tratados, e prende-se com o momento de manifestação do consentimento.

O artigo 46.º concede resposta negativa ao facto de um Estado que haja violado determinadas disposições formais relativas ao seu procedimento constitucional de vinculação tenha interesse em as invocar perante outro (s) Estados. Mas cria no entanto uma possibilidade excepcional de invocação:

Se a violação tiver sido manisfesta, na medida em que seja objectivamente evidente para qualquer Estado ou organização internacional que proceda de acordo com a prática habitual dos Estados e de boa-fé (art.46.º, n.º3);

Se a violação disser respeito a uma regra do seu Direito Interno de importância fundamental.

Órgãos internos competentes

É o Direito interno que estabelece qual a forma solene ou simplificada, que os tratados podem ou não assumir; e é também ele que determina quais os órgãos competentes para a vinculação internacional do Estado e os respectivos tipos de actos. Estes órgãos e estes actos relevam da função política, sendo, normas de Direito constitucional (da Constituição formal).

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Nas Constituições contemporâneas a competência para a negociação e a assinatura dos tratados é atribuída ao órgão ou aos órgãos do Poder Executivo (PR, Governo, Gabinete, Directório ou Órgão de substituição da assembleia soberana). O mesmo acontece mutatis mutandis com a celebração e a aprovação dos acordos em forma simplificada, hoje universalmente difundidos. E, também quanto à ratificação (sempre que tenha de dar-se), por toda a parte compete ao Chefe do Estado (Rei ou PR).

Na aprovação dos tratados sujeitos a ratificação (ou tratados solenes), por esta implicar com matérias constitucionalmente consagradas, com relacionamento entre os poderes do Estado e sujeição a determinadas formas e formalidades; nota-se, um evidente paralelismo entre competência legislativa e competência de aprovação de tratados.

Em sistemas de governo com concentração do poder, predomina na aprovação o próprio órgão que negoceia e assina; e, em sistemas de governo com desconcentração de poder, dá-se uma separação ou divisão (pelo menos, nos tratados mais importantes) entre o órgão de negociação e assinatura e o órgão de aprovação, na base de um critério de fiscalização deste sobre aquele.

O depósito dos tratados

Nos tratados multilaterais existe o instituto do depósito, também previsto na Convenção de Viena (arts 76.º e 77.º).

Se o procedimento geral comum a todos os tratados assenta na troca dos instrumentos de ratificação, os tratados multilaterais requerem uma prática que simplifique este procedimento. O depósito dos tratados constitui esta prática.

Os Estados-parte designam um depositário do tratado a quem compete centralizar todo o processo comunicativo relativo aos tratados (art. 76/1 CV). As funções do depositário consistem em verificar a regularidade dos actos cumpridos pelos Estados interessados (art.77.º CV).

Registo e publicação

Os tratados secretos são inadmissíveis em forma de governo democrático. Para maior certeza nas relações internacionais, consagra-se o registo dos tratados.

A Convenção de Viena vem impor o registo relativamente a todos e quaisquer tratados, sejam ou não as partes membros das Nações Unidas (art. 80.º); e o mesmo principio consta da Convenção de 1986 sobre tratados das organizações internacionais (art.81).

O art. 102.º n.º2 da Carta aponta para a simples oponibilidade: nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registado poderá invocá-lo perante qualquer órgão das Nações Unidas.

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Tratados Multilaterais - Particularidades

Um tratado multilateral é concluído entre vários Estados. Correspondendo à designação dos tratados-lei, os tratados multilaterais tornaram-se um tipo comum de direito internacional convencional. Caracterizam-se por:

Assentarem em regras e procedimentos próprios de elaboração;

Facilitarem o consenso dos Estados-contratantes através de procedimentos especiais;

Permitirem reservas;

Possuirem a figura do Estado-depositário.

A negociação é colectiva e levada numa conferência internacional onde os textos são adoptados por maioria, ou no seio de uma organização internacional, por meio de um seu órgão permanente.

Importa aflorar a distinção entre convenções multilaterais abertas e convenções multilaterais fechadas. Enquanto, nas primeiras, podem vir a participar membros diferentes dos contratantes originários, nas Convenções fechadas, só é admitida a participação dos contratantes originários.

A participação nas convenções abertas pode dar-se, quer pela assinatura diferida, quer pela adesão. A assinatura diferida, é aquela que podem fazer os Estados, quer tenham quer não tenham tomado parte na negociação, durante um prazo fixado na própria convenção (art.10 da CV). A adesão, consiste no acto pelo qual um Estado não-signatário duma convenção Internacional, concluída entre outros Estados, em relação aos quais ela se encontra em vigor, se torna parte nesta, tenha ou não tenha participado na sua negociação (art.15º da CV).

Como a adesão não é precedida de assinatura, a aprovação parlamentar ou governativa da Convenção, por acaso, necessária deverá ser feita antes do envio do instrumento da adesão.

Quando um Estado adere, sob reserva de ratificação, o depositário deve entender que não se manifesta uma vontade definitiva de aderir, mas sim uma mera intenção de aderir, sem qualquer efeito jurídico diferente daquele que provoca a assinatura dum Tratado solene.

As convenções multilaterais obrigam à instituição de um depositário, que evita as trocas excessivas de instrumentos de ratificação, enviando-se, assim. Apenas um instrumento de ratificação que é depositário ou no Estado no Território do qual se desenrolaram as negociações ou no secretariado de uma Organização Internacional, quando a Convenção é negociada sob os auspícios ou no seio dessa Organização.

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O depositário notifica os restantes Estados do depósito das ratificações que se forem operando.

Conferencia internacional – os tratados multilaterais são negociados e aprovados no contexto de uma conferencia internacional em regra pelos respectivos chefes de missão de delegação diplomática dos Estados.

Esta conferencia:

Pode restringir ou alargar o grupo dos Estados convidados a participar na conferencia;

Pode ser convocada ou não no quadro de uma organização internacional, caso em que o tratado será elaborado sob a protecção da organização em causa.(ex: a Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar, aprovadas sob a protecção das Nações Unidas).

Adopção do Texto – Tal como resulta do artigo 9.º da CV, a adopção do texto numa conferencia internacional far-se-á por 2/3 dos Estados presentes e votadas, a menos que esses Estados decidam, por igual maioria, aplicar regra diferente. Nos Tratados multilaterais verifica-se por isso uma distinção entre o momento da adopção do texto e o momento da autenticação. A autenticação do texto redunda na elaboração da acta final da conferencia que consigna o texto do tratado.

Processo da conclusão dos tratados internacionais

O processo de conclusão de uma convenção inicia-se com a negociação. Trata-se tanto da discussão do texto-projecto, tanto da redacção e adopção do texto da futura convenção.Em Portugal, nos termos do art. 197.º/1-b CRP, cabe ao Governo negociar e ajustar convenções. Depois, devem os Governos regionais participar na negociação de todas as que digam respeito às Regiões Autónomas (art. 227.º/t).Uma vez redigido o texto, a Convenção Internacional apresentar-se-á com a seguinte estrutura: preambulo, dispositivo ou corpo da convenção e anexos.Após as negociações segue-se a fase de autenticação do texto, finda a qual o texto não poderá mais ser alterado, de acordo com o art. 10.º da CV.A autenticação do texto da Convenção Internacional cria, para o Estado signatário, um dever geral de boa fé e o direito de exercer certos actos para a defesa da sua integridade. Depois da autenticação, surge, nos Tratados solenes, a manifestação do consentimento à vinculação, a qual conforme dispõe o artigo 11.º da CVDT, pode ocorrer mediante formas diversas.A este respeito, cabe sublinhar o principio em matérias de tratados solenes: a vinculação do Estado dá-se através da ratificação, o qual corresponde ao acto mediante o qual o órgão competente de acordo com o Direito constitucional manifesta a vontade de o Estado se declarar obrigado em relação às disposições daquelas.No caso de a ratificação (art.14.ºCVDT) ocorrer sem que se dê cumprimento a alguma formalidade constitucionalmente prevista, estaremos perante o problema das chamadas ratificações imperfeitas (art.46.º CVDT). Por exemplo, temos uma ratificação imperfeita, se o PR proceder à ratificação de um tratado solene sem que o Governo ou a

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AR o tenha aprovado. Mas o artigo 46 da CV tem um campo mais amplo de aplicação do que o das ratificações imperfeitas e diz respeito à violação de qualquer regra de Direito interno relativa à competência para a conclusão de Convenções internacionais. Tal disposição tem em vista ainda as inconstitucionalidades orgânicas, abrangendo, por exemplo, os casos em que o Governo aprova Tratados de competência do Parlamento.

Finalmente, as Convenções internacionais são registadas e publicadas. A norma que tal impõe é o art. 102.º da Carta das Nações Unidas, completada pelo art. 80 da CV.

As Reservas

Em princípio, as partes num tratado obrigam-se à totalidade das suas cláusulas. A vinculação apenas a algumas delas só se torna possível se o tratado o permite ou se as partes o consentem (art. 17.º da CV).

Todavia, nos tratados multilaterais podem ser admitidas reservas com a consequente alteração dos termos da vinculação das diversas partes. Nos tratados bilaterais por definição, não podem ser admitidas reservas.

Por reserva entende-se uma declaração unilateral, seja qual for o seu conteúdo ou a sua designação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a este Estado (2°/1/d) Convenção de Viena). E, formulada no momento em que o Estado se está a vincular à convenção.

Uma reserva não se deve confundir com declarações politicas anexas a um tratado, rectificações do texto, cláusulas de exclusão do tratado e, em especial, declarações interpretativas. Critério: uma reserva altera ou exclui uma ou mais disposições de um tratado; não se destina a conferir nenhum sentido interpretativo novo a essas disposições.

A emissão de reservas está sujeita a limites materiais, temporais e formais:

Os limites materiais – podem ser expressos, proibição de reservas pelo tratado ou autorização somente de determinadas reservas, e tácitos/implicitos, incompatibilidade da reserva com o objecto e o fim do tratado (art.19.º, alíneas a), b), c) da CV).

Mas há tratados que, desde logo, não consentem reservas: os de Direito Internacional constitucional, como a Carta das Nações Unidas, o estatuto do Tribunal Internacional de Justiça e o estatuto do Tribunal Penal Internacional; e as convenções de codificação na parte correspondente a normas consuetudinárias preexistentes.

Tão pouco seriam possíveis reservas opostas ao “jus cogens” (art. 53.º)

Os limites temporais – traduzem-se na exigência de a reserva ser formulada durante o processo de vinculação ao tratado, não depois: a reserva tem de ser formulada no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação ou da aprovação do tratado ou no momento da adesão (proémio do art. 19.º).

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Os limites formais – consistem na necessidade de a reserva ser formulada por escrito e comunicada aos Estados contratantes e aos que tenham o direito de se tornar partes no tratado (art.23.º).

Alem de unilateral, a reserva é uma declaração receptícia e, tem de ter objecto e conteúdo determinados (objecto determinado em razão da disposição do tratado e conteúdo determinado em razão da matéria das pessoas ou do território)

Para que a reserva produza efeito, é necessário que, pelo menos, outro Estado contratante a tenha aceite [artigo 20.º, n.º4, alínea c), da CVDT]

Contudo, nem sempre é assim:

“Quando resulte do número restrito dos Estados que tenham participado na negociação, assim como do objecto e do fim de um tratado, que a sua aplicação na íntegra entre todas as Partes é uma condição essencial para o consentimento de cada uma em vincular-se pelo tratado, uma reserva exige a aceitação de todas as Partes” (art.20.º, n.º 2).~

“Quando um tratado for um acto constitutivo de uma organização internacional e salvo disposição do mesmo em contrário, uma reserva exige a aceitação do órgão competente dessa organização” (art.20.º, n.º3)

A aceitação das reservas pode ser tácita. A Reserva será tida por aceite por um Estado quando este não formulou qualquer objecção à reserva nos 12 meses seguintes à data em que recebeu a notificação ou na data em que manifestou o seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado, se esta for posterior (art.20, n.º5).

Em face das reservas, a vinculação ao tratado pelos diversos Estados-prte recorta-se nos seguintes termos:

Para os Estados que não formularam reservas nem objectaram à formulação de reservas, o principio é o cumprimento integral do tratado;

Para os Estados que formularam reservas e para os que as aceitaram, a reservas modificam, quanto às disposições que delas são objecto, as relações entre esses Estados, podendo falar-se numa espécie de tratados bilaterais acessórios enxertados no tratado multilateral principal;

Havendo Estados que objectaram às reservas, o relacionamento com os Estados que as formularam depende da atitude que aqueles assumirem, visto que:

Podem simplesmente ter formulado objecções; ou

Podem formular as objecções e opor-se à entrada em vigor do tratado entre eles e os Estados que emitiram as reservas.

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As reservas podem ser revogadas a todo o tempo, sem que seja necessário o consentimento do Estado que as tenha aceite (art.22.º, n.º1).E também a objecção a uma reserva pode em qualquer momento ser revogada (art.22.º, n.º2). Já não a aceitação.

A nível interno dos Estados, a competência para emitir, modificar e revogar reservas, ou par aceitar ou objectar as reservas, depende das normas constitucionais relativas à aprovação dos tratados.

Como afectam o sentido da vinculação internacional do Estado, as reservas têm de obedecer às mesmas regras de competência a que obedece essa vinculação. Assim se um tratado recai na competência do Parlamento, quaisquer reservas só podem ser por ele formuladas ou têm de ser por ele aprovadas.

A conclusão dos tratados em Portugal

As formas dos tratados ou convenções perante o Direito Português

O Sistema constitucional português de vinculação aos tratados assenta na separação entre os tratados e os acordos não submetidos a ratificação. Os primeiros constituem os tratados solenes carecem de ratificação pelo PR; os segundos são os tratados em forma simplificada e requerem aprovação por parte da AR ou do Governo, consoante as matérias.

Na Constituição de 1976 esta dicotomia, viria receber a consagração em diferentes preceitos [no testo actual, artigos 8.º,n.º2, 161.º, alínea i), 197.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º2, 200.º, n.º1, alínea d), 227.º, n.º1, alínea s), 273.º, n.º2, 277.º, n.º2, 278.º, n.º1, e 279.º, números 1.º e 4.º.

Terminologia constitucional portuguesa:

Convenções - são quaisquer tratados (ou tratados abrangidos pela Convenção de Viena);

Tratados - são os tratados solenes, os tratados submetidos a ratificação;

Acordos internacionais - são os acordos em forma simplificada, apenas carecidos de aprovação e não de ratificação.

A relevância constitucional da distinção entre Tratados solenes e acordos (quer dizer, tratados simplificados) é a seguinte:

A vinculação de Portugal dá-se com a ratificação nos tratados e com a aprovação nos acordos (art.8.º, n.º2);

Os tratados são todos sujeitos a aprovação do Parlamento [art.161.º, alínea i), 1.ªparte]; os acordos tanto podem ser aprovados pela AR como, salvo os que

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versem sobre matérias reservadas à AR, pelo Governo [arts. 161.º, alínea i), e 197.º, n.º 1, alínea c)];

Só questões objecto de tratado, não de acordo, podem ser submetidas a referendo (art.115.º, n.º3);

O PR intervém nos tratados através da ratificação [art.135.º, alínea b)] e nos acordos através da assinatura dos decretos ou das resoluções de aprovação [art. 134.º, alínea b)];

Não há veto politico do PR nem em relação aos tratados, nem em relação aos acordos, porque o veto politico só pode exercer-se frente a actos susceptíveis de promulgação (art.136.º); mas o PR pode opor-se à vinculação de Portugal a um tratado, não o ratificando, já não em relação a um acordo, pois tem sempre de assinar o decreto do Governo (art.197.º, n.º2) ou a resolução da AR [art. 134.º alínea b), 2.ª parte] que o aprove;

O art.277.º, n.º2 tem em vista tratados, não acordos.

Quer os tratados como os acordos podem ser objecto preventiva de fiscalização da constitucionalidade. No entanto, se se tratar de um tratado, caso o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade, só poderá haver ratificação se houver confirmação parlamentar, nos termos do art. 279.º, n.º4. No caso dos acordos, existindo pronúncia do Tribunal Constitucional, não poderá haver assinatura.

O Direito constitucional português exclui, terminantemente, acordos em forma ultra-simplificada:

Em primeiro lugar, porque as únicas formas de vinculação constitucionalmente previstas são as que se dão com a ratificação e com a aprovação, e portanto os tratados e os acordos internacionais (art.8.º,n.º2);

Em segundo lugar, porque não faria sentido que, representando o PR o Estado (art.123.º), ele ficasse afastado da vinculação de Portugal a um tratado internacional.

O Direito constitucional português conhece as seguintes matérias que devem necessariamente ser objecto de tratado:

As matérias explicitadas no art.161;

As matérias referidas noutros preceitos da Constituição, v.g. cidadania (art.4º), exercício em comum de poderes necessários à integração europeia (art.7.º, n.º6), Tribunal Penal Internacional (art. 7.º, n.º7), extradição (art.33.º, n.º3,4 e 5), funções do Banco de Portugal (art.102.º), previsão de novos direitos fundamentais (art.16.º, n.º6);

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Segundo Jorge Miranda, as matérias “que envolvam decisão politica ou primária (como foi, por exemplo, a transferência de Macau para a China regulada pela “Declaração Conjunta” de 1987”, sendo que algumas dessas matérias podem ser as do art. 161.º; para outros autores (Blanco de Morais) todas as matérias da reserva absoluta de competência do Parlamento precisam de ser aprovadas como tratado.

A negociação e a assinatura

Na constituição actual competem ao Governo [art.197.º, n.º1, alínea b)].

Se o PR não ajusta, directa ou indirectamente, nenhuma convenção internacional e se, em geral, a condução da politica externa cabe ao Governo (art.182.º da Constituição), isso não dispensa a concertação entre os dois órgãos, não só por imperativo de interdependência de órgãos de soberania (art.111.º, n.º1) mas também por tal ser o pressuposto de actos na área das relações internacionais, que esses, sim, implicam a intervenção presidencial (art.135.º).

O Primeiro-Ministro informa o PR acerca dos assuntos da politica externa do País [art.201.º, n.º 1, alínea c)] e aqui se integram, por certo, senão todas as negociações internacionais, pelo menos as atinentes às convenções de maiores repercussões para a vida colectiva, informação prévia, e não apenas “a posteriori” ou perante factos consumados.

A rubrica ou assinatura de acordos internacionais, seja qual for a sua designação, forma e conteúdo, está sujeita à prévia aprovação pelo Conselho de Ministros e depende de mandato expresso (competência delegada no Primeiro-Ministro).

Ainda, relativamente à assinatura do Estado português, coloca-se o problema de saber de o Presidente pode recusar a assinatura do acto de aprovação. Segundo Jorge Miranda, poderá existir livre recusa de assinatura, na base de um argumento analógico: podendo o Presidente provocar a fiscalização preventiva de acordos e sendo inultrapassável a pronuncia do Tribunal Constitucional nos termos do art. 279, n.º2, seria ilógico que o Presidente não tivesse igual poder de recusa de assinatura.

A participação das regiões autónomas

Um elemento novo trazido pela actual Constituição, em virtude da transformação do Estado português em Estado unitário regional, é a participação das regiões autónomas nas negociações dos tratados e acordos internacionais que directamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes [art. 227.º, n.º1, alínea t)].

“Tratados e acordos internacionais que directamente lhes digam respeito” (art 227.º, n.º1 alinea t) são tratados que respeitem a interesses predominantemente regionais ou que, pelo menor, mereçam, no plano nacional, um tratamento especifico no

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que toca à sua incidência nas regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância para esses territórios.

Entre esses tratados, contam-se os que se reportem às políticas fiscal, monetária, financeira e cambial [art. 227.º, n.º1, alínea r)], às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos [alínea s)], as organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional [Alina u), 2ªparte] e ao processo de construção europeia [alínea v), 2ªparte]. E, também (por força do corpo do art.227 e dos estatutos regionais), os tratados que versem sobre a utilização do território regional por entidades estrangeiras, em especial para bases militares; sobre a participação de Portugal nas Comunidades Europeias; sobre a poluição do mar e a conservação e a exploração de espécies vivas.

O órgão regional que intervém nas negociações não pode deixar de ser o Governo regional [art. 60.º, alínea h), do Estatuto dos Açores e art.49.º. alinea a), do Estatuto da Madeira].

A aprovação no Direito português

Ao longo das Constituições portuguesas têm sido órgãos com competência para aprovação de tratados:

O Parlamento (em todas as Constituições, mas com variações);

O rei (nas Constituições monárquicas);

O Governo (nas Constituições de 1933 e 1976);

O Conselho da Revolução (na Constituição de 1976, até 1982, quanto a tratados e acordos respeitantes a assuntos militares).

Tendo em conta o papel da AR, o sistema mais importante de aprovação é a Aprovação pelo Parlamento só de tratados mais importantes ou mais frequentes, Constituição de 1976 [art.161.º, alínea i)].

O regime actual de aprovação, por força dos artigos 161.º, alínea i), e 197.º, n.º1, alínea c), apresenta-se assim:

Aprovação dos tratados, só pela AR;

Aprovação dos acordos em forma simplificada sobre matérias de competência reservada à AR, também só pela Assembleia;

Aprovação dos restantes acordos em forma simplificada, pelo Governo, mas podendo este submeter qualquer desses acordos a aprovação parlamentar

O processo e as formas de aprovação

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O processo parlamentar de aprovação de tratados e acordos (arts. 210.º e segs. do Regimento da AR, na versão actual) desdobra-se nas seguintes fases:

a) Iniciativa – reservada ao Governo (art.208.º, n.º1 do Regimento);

b) Apreciação – pela comissão competente em razão da matéria e, se for o caso disso, por outra ou outras comissões (art.208.º, n.º2), pelos órgãos das regiões autónomas (art.208.º, n.º 3). O parecer é emitido, no prazo de 30 dias (art.209.º, n.º1, do regimento);

c) Discussao e votação – discussão no plenário, na generalidade e na especialidade, e só votação global (art. 210.º). A maioria de aprovação é, nos termos gerais da Constituição, a maioria relativa (art. 116.º, n.º3). Só se houvesse tratados sobre matérias de leis orgânicas [art.164, alíneas a) e e) e 166.º, n.º 2], seria de esperar a exigência de maioria absoluta (art.168.º, números 5 e 6).

O art.167.º, n.º 6, da Constituição prescreve que as propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo. Nada diz sobre as propostas de resolução de aprovação de tratados internacionais.

Quanto aos acordos aprovados pelo Governo, a Constituição exige uma deliberação em Conselho de Ministros [art.200.º, n.º1, alínea d)], o que traduz uma ideia de corresponsabilização de todo o Governo e, de certo jeito, de fiscalização intra-orgânica, e não interorgânica, como nos tratados levados ao Parlamento.

Os actos de aprovação de convenções internacionais tomam a forma ou de resolução ou de decreto:

a) Nos tratados aprovados pela AR, a resolução (art.166.º, n.º5, da Constituição), a qual é publicada independentemente da promulgação pelo PR (art.166.º, n.º6);

b) Nos acordos aprovados pela AR, a resolução (art.166.º, n.º5, também), submetida a assinatura (não a promulgação) do Presidente [art.134.º, alínea b), 2.ª parte];

c) Nos acordos aprovados pelo Governo, o decreto, o decreto simples (art. 197.º, n.º2), assinado, também não promulgado, pelo PR [art.134.º, alínea b)].

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O referendo nacional e aprovação de tratados

A revisão constitucional de 1989 introduziu o referendo politico vinculativo de âmbito nacional, tendo por objecto questões de relevante interesse nacional que devem ser decididas pela AR ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo (art.115.º, n.º3).

No processo de aprovação de um tratado pode, inserir-se um referendo, no âmbito do sistema da Constituição e da lei orgânica seu complemento, a Lei n.º 45/91, de 3 de Agosto.

A fiscalização preventiva da constitucionalidade

Todos os tratados e acordos são passíveis de fiscalização preventiva da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, a requerimento do PR: antes da ratificação, no caso de tratados; e antes da assinatura dos correspondentes actos de aprovação, no caso de acordos em forma simplificada.

O Parlamento poderá, em segunda deliberação, aprovar, por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, um tratado de que constem normas objecto de pronúncia pela inconstitucionalidade. E o PR poderá então ratificá-lo (poderá, não será obrigado, como sucede com decreto para ser promulgado como lei, conforme estipula o art.279.º, n.º2).

A Ratificação dos tratados

Ao PR compete ratificar tratados depois de devidamente aprovados [art.135.º, alínea b) da Constituição]. No caso de o Presidente recusar a ratificação, por maioria de razão e analogia deverá ser aplicado o regime do art. 279.º, n.º4.

Compete-lhe também o acto homólogo da ratificação relativo à aceitação superveniente de um tratado solene aberto – a adesão.

A ratificação, consiste na declaração solene de vinculação do Estado, é por costume internacional e costume constitucional português, um acto livre e não sujeito a prazo.

Não é livre, quando tenha havido referendo: o Presidente não pode recusar a ratificação na parte correspondente à resposta favorável a tratado resultante de referendo (art. 242.º da Lei n.º15ª/98) e terá de a recusar na parte correspondente a resposta negativa.

Em contrapartida, a referenda ministerial que se lhe apõe, sempre necessária, sob pena de inexistência jurídica (art.140.º da Constituição) é obrigatória.

E, ainda a ratificação toma a forma de uma carta de ratificação (destinada a troca ou a depósito, consoante o tratado seja bilateral ou multilateral).

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A publicação dos tratados

Todas as convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, para vigorarem na ordem interna, têm de ser publicadas (art.8.º, n.º2 da Constituição), no Diário da República [art.119.º, n.º 1, alínea b)]. Carecem igualmente de publicação os avisos de ratificação e os restantes avisos respeitantes a convenções internacionais.

As Normas de Direito Internacional

O Direito internacional compreende preceitos e princípios, e apenas os princípios permitem integrar os preceitos num todo sistemático, ultrapassar o seu carácter parcelar, fragmentário e conjuntural, e submetê-los a comuns critérios de interpretação e aplicação. Os princípios fazem parte do complexo ordenamental. E tanto exercem uma acção imediata, enquanto directamente conformadores ou capazes de abrir caminho a soluções jurídicas como exercem uma acção mediata por meio da interpretação e da construção doutrinal.

Em qualquer época da história do Direito Internacional se encontram princípios – a começar por princípios inerentes a todo o Direito como o da boa fé e o de pacta sunt servanda e o da responsabilidade; assim como outros específicos das relações entre os Estados.

O art.38.º do estatuto do Tribunal Internacional de Justiça contempla expressamente os “princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas” fórmula que se oferece elucidativa da sua presença na dinâmica jurídico - internacional, pois eles são colocados a par do costume e do tratado como fontes de Direito.

O jus cogens - Direito cuja aplicação é obrigatória pela parte e não pode ser afastado pela vontade de particulares. O contrário: jus dispositivum.

Dentre os princípios de Direito Internacional geral ou comum, avultam os princípios de "jus cogens", isto é, Direito cogente, imperativo, vinculativo. São princípios que estão para além da vontade ou do acordo de vontades dos sujeitos de Direito Internacional; que desempenham uma função eminente no confronto de todos os outros princípios e regras; e que têm uma força jurídica própria, com os inerentes efeitos na subsistência de normas e actos contrários.

Só recentemente (desde 1945) que princípios com essa característica são proclamados em textos solenes, nacionais e internacionais, são tomados como critérios de decisão para efeitos de solução de conflitos e se lhes procura conferir plena consistência. E esse desenvolvimento do jus cogens tem como pano de fundo alguns factores ou tendências nem sempre coincidentes: a nova consciência do primado dos direitos das pessoas, após os cataclismos provocados pelos regimes totalitários e pela Segunda Guerra Mundial; e dela surgiram a necessidade de paz e de segurança colectiva e a crise de soberania, a ideia de autodeterminação dos povos e o surgimento de novos Estados empenhados em

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refazer a ordem internacional; e o impulso dado pela ciência internacionalista em busca de novos caminhos de progresso.

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À afirmação da relevância do jus cogens viriam a ser: A Carta das Nações Unidas, ao estabelecer que a Organização “fará que os

Estados que não são membros ajam de acordo com os princípios da Carta em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais” (art. 2.º, n.º6) e art.103.º,n.º1 da Carta;

O acórdão do Tribunal de Nuremberga; As Convenções de Genebra, revistas em 1949; Os Tratados de direitos do homem; Vários pareceres e acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça desde 1951,

designadamente nos casos das reservas à Convenção sobre Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio – 1951;

As Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados, de 1969, e sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986;

a Resolução nº 2625 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 24 de Outubro de 1970, e a criação de tribunais criminais internacionais, culminando na do Tribunal Penal Internacional, em 1998.

São portanto, princípios que não estão na disponibilidade da vontade ou do acordo de vontades dos sujeitos de Direito Internacional; que desempenham uma função eminente no confronto de todos os outros princípios e preceitos, e que têm uma força jurídica própria. O jus cogens pressupõe hierarquia de normas. No entanto, numa sociedade privada de aparelho legislativo como é a sociedade internacional, torna-se difícil determinar que normas entram na categoria de normas cogentes.

O "jus cogens" nas Convenções sobre Direitos dos Tratados

As duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados são os dois grandes textos consagradores, em termos paralelos, do jus cogens. Uma e outra ocupam-se dele nos artigos 53.º (nulidade de tratado incompatível, no momento da sua conclusão, com norma imperativa de Direito internacional); 64.º (nulidade por superveniência de norma imperativa); 71.º (consequências); 66.º, alínea a) (solução de conflitos relativos à interpretação ou à aplicação dos artigos 53.º e 64.º); 44.º, n.º5 (não-divisibilidade, para efeitos de denuncia ou suspensão, de tratado contrário a “jus cogens”); 60.º, n.º5 (não há cessação da vigência das cláusulas relativas à protecção da vida humana contidas em tratado de natureza humanitária, por causa da violação do tratado por uma das partes).

Os preceitos básicos são os artigos 53.º, 64.º e 71.º:

“É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral” (artt. 53.º, 1.ª parte);

“ (…) uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza” (art. 53.º, 2.ª parte);

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“Se sobrevier uma nova norma imperativa de direito internacional, geral, qualquer tratado existente que seja incompatível com essa norma torna-se nulo e cessa a sua vigência” (art. 64.º);

“1. Quando um tratado seja nulo, nos termos do artigo 53.º, as Partes devem:a) Eliminar, na medida do possível, as consequências de qualquer acto praticado com base numa disposição incompatível com a norma imperativa de direito internacional geral; b) Tornar as suas relações mútuas conformes à norma imperativa de direito internacional geral.2 - Quando um tratado se torne nulo e cesse a sua vigência, nos termos do artigo 64.º, a cessação da vigência do tratado: a) Isenta as Partes da obrigação de continuarem a cumprir o tratado; b) Não prejudica qualquer direito, obrigação ou situação jurídica das Partes criados pelo cumprimento do tratado, antes da cessação da sua vigência; todavia, esses direitos, obrigações ou situações não podem manter-se no futuro, salvo na medida em que a sua manutenção não for em si mesma incompatível com a nova norma imperativa de direito internacional geral” (art. 71.º)

Características específicas do jus cogens :

a) O "jus cogens" faz parte do Direito internacional geral;b) Pressupõe aceitação e reconhecimento;c) Tem de ser aceite e reconhecido pela comunidade internacional no seu conjunto,

o que significa que tem de ser universal, não podendo haver um “jus cogens” regional;

d) O "jus cogens" possui força jurídica superior a qualquer outro princípio ou preceito de Direito lnternacional;

e) O “jus cogens” opera "erga omnes";f) A violação do "jus cogens" envolve invalidade de norma contrária, e não

simplesmente responsabilidade internacional: nulidade de todo o tratado que seja incompatível com uma norma imperativa;

g) O “jus cogens” é evolutivo e susceptível de transformação e de enriquecimento pelo aditamento de novas normas.

h) Não são susceptíveis de derrogação por via convencional ou por via consuetudinária;

i) Constituem princípios de Direito Internacional considerados invioláveis;j) Apenas podem ser alteradas por outra norma de “jus cogens”.

Determinação das normas de "jus cogens"

O carácter ambíguo do jus cogens torna difícil a tarefa de determinar quais as regras que dele fazem parte. Porem, pode considerar-se como fontes reveladoras de normas de jus cogens:

Costume internacional geral; Os tratados multilaterais gerais, como a Carta das Nações Unidas, as próprias

Convenções de 1969 e 1986 e os tratados sobre direitos do homem; As resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas;

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A jurisprudência dos tribunais de protecção dos direitos do Homem e dos tribunais criminais internacionais instituídos nos últimos anos.

Nestes casos, estamos perante fontes que são reveladoras do consenso internacional comunitário que o jus cogens pressupõe (ex: tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo uso da força)

Quanto aos princípios em si mesmos, desde logo o preâmbulo da Convenção de Viena faz referência a princípios de Direito internacional. Os princípios do livre consentimento e da boa fé e a regra do “pacta sunt servanda” “são universalmente reconhecidas”, proclamam-se, outrossim, os princípios da cooperação pacífica entre os Estados, sejam quais forem os regimes constitucionais e sociais; da solução pacífica dos conflitos; da igualdade e do direito dos povos de disporem de si próprios; da igualdade soberana e da independência dos Estados; da não-ingerência nos assuntos internos; da proibição da ameaça e do emprego da força; e do respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

O artigo 52.º estatui que é nulo todo o tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo emprego da força em violação dos princípios do Direito Internacional contidos na Carta das Nações Unidas.

Estes princípios vêm enunciados no artigo 2.º da Carta e coincidem com os constantes do preâmbulo da Convenção de Viena: igualdade soberana dos Estados, boa fé, solução pacífica dos conflitos, proibição da ameaça e do uso da força, respeito de independência e da integridade territorial dos Estados.

(Ver Página 125 do Manual, referência aos restantes princípios do “jus cogens”)

E portanto, Jorge Miranda, propõe como princípios do jus cogens princípios relativos à comunidade internacional como um todo; princípios relativos às obrigações dos sujeitos de DIP; princípios às relações entre Estados; princípios atinentes à pessoa humana.

A Interpretação em geral

Não se contrapõe a interpretação em Direito Interno à interpretação em Direito Internacional, mas pode haver é a necessidade adequação ou adaptação.

Durante muito tempo, prevaleceu na interpretação um pendor subjectivista e historicista porque os sujeitos de Direito Internacional eram poucos e a maior parte dos sistemas político-constitucionais eram de concentração de poder ou correspondiam a uma certa homogeneidade económico-social. Hoje, pelo contrário, domina uma orientação mais objectivista e actualista. Porque quando se multiplicam as entidades dotadas de “jus tractuum”, abundam os tratados multilaterais e os processos de conclusão de tratados se tornam mais complexos com a interferência de vários órgãos, tendo muita importância os elementos objectivos, teleológicos e sistemáticos.

Por maioria de razão, tem de ser assim na interpretação quer do costume quer das decisões de organizações internacionais.

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Existe um princípio que permanece imprescindível ao longo dos tempos, mesmo se tantas vezes desrespeitado. É o principio da boa fé, o qual significa:

A aceitação da força vinculativa das normas internacionais e o seu respeito com objectividade;

A realização dos fins nelas prescritos, visando o seu efeito razoável e útil;

A realização necessária entre os direitos e as obrigações que delas decorrem, sem interpretações unilaterais ou impostas pela força;

Em qualquer caso, um cumprimento que não seja meramente forma e distorcido “em fraude è lei”.

O princípio da boa fé é pressuposto de confiança nas relações internacionais.

A interpretação do Direito Internacional pode ser autêntica, se realizada pelas entidades donde emanam as normas, as partes num tratado, através de tratado interpretativo, ou os órgãos, competentes das organizações internacionais, e pode ser judicial e doutrinal.

A interpretação judicial tanto pode ser levada a cabo por tribunais internacionais, judiciais e arbitrais, como por tribunais estatais.

Ver artigo 38.º, n.º1, alínea d), 2.ª parte, do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.

A Interpretação dos Tratados em especial

A Convenção de Viena ocupa-se “ex professo” da interpretação dos tratados, acolhendo, de forma clara, o princípio da boa fé e, com alguma prudência, um duplo princípio objectivista e actualista.

Um tratado deve ser interpretado de boa fé (31°/1, 1ª parte). E isto implica:

A interpretação não pode levar a um resultado manifestamente absurdo ou desrazoável (32°/b);

A interpretação não pode ser feita à margem de acordo entre as partes (31°/2/3/a);

Se presume que os termos de um tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos em duas ou mais línguas (33°/3).

Um tratado deve ser interpretado segundo o sentido comum atribuível aos seus termos no seu contexto e de acordo com o objecto e fim (31°/1, 2ª parte). Tal o Princípio objectivista.

O contexto compreende, além do texto, do preâmbulo e dos anexos, qualquer acordo que tenha relação com o tratado celebrado entre todas as partes no momento da sua conclusão, bem como qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes nesse momento e aceite pelas outras partes como instrumento relacionado com o tratado (31º/2). Ter-se-á em consideração, simultaneamente com o contexto, toda a regra pertinente de Direito Internacional aplicável às relações entre as partes (31°/3/c), ou

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seja, o tratado deve ser sistematicamente interpretado segundo a perspectiva geral do Direito Internacional e, desde logo, do “Jus cogens”.

Os trabalhos preparatórios e as circunstâncias em que foi concluído o tratado são meios complementares de interpretação (só pode recorrer-se quando os outros meios deixem o sentido ambíguo ou obscuro ou levem a um resultado manifestamente absurdo ou não razoável (32°).

Acresce dizer que quando a comparação dos textos autênticos em mais de uma língua resulte uma grande diferença de sentido irremediável, adopta-se o sentido que melhor os concilie, tendo em conta o objecto e o fim do tratado (artigo 33.º, n.º4).

Todavia, em tratados bilaterais ou multilaterais restritos, permite-se que um termo seja entendido num sentido particular se estiver estabelecido que tal era a vontade das partes (31°/4).

A consideração do objecto e do fim importa critérios adequados de interpretação de certos tratados (ex.: tratados de criação de Organizações internacionais, de protecção dos direitos do Homem e de justiça penal internacional).

O princípio objectivista tem por base uma interpretação evolutiva, e não fixista do tratado. Mas a sua actualização não se opera apenas por meio da inserção adequada num sistema em constante evolução. Opera-se a partir de dois elementos consensuais, eventualmente subjectivistas:

Todo o acordo ulterior firmado entre as partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições (31°/3/a);

E toda a prática seguida ulteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das partes em relação à interpretação do mesmo (31°/3/b).

Quanto aos tratados constitutivos de Organizações Internacionais, verifica-se a tendência para um papel importante de interpretação pelos próprios órgãos das Organizações, sejam ou não órgãos judiciais.

Do princípio da igualdade jurídica entre os sujeitos de Direito Internacional deriva o corolário da igualdade das partes na interpretação dos tratados que as vinculem. Daí que a interpretação autêntica só possa ser efectuada mediante novo tratado a isso destinado ou ( 31°/3/a) da Convenção de Viena ) ligado à sua aplicação.

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Poderá haver interpretação conforme com a Constituição de tratados internacionais?

Segundo o Professor Jorge Miranda, a interpretação conforme à Constituição de qualquer preceito legal pode ir até onde for razoável para o salvar; e pode descobrir-lhe um sentido que é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Constituição. Mas tal já não ocorre relativamente à interpretação de normas constantes de tratados, a qual não pode nunca afectar o objecto e o fim do trabalho e tem de se deter perante o imperativo de harmonização e o princípio da boa fé nas relações internacionais.

Se da interpretação conforme a Constituição não resultar para as normas internacionais no plano interno um significado diverso do que goza no campo do Direito das Gentes, poderá admitir-se. Havendo que escolher um de vários sentidos de um preceito de natureza convencional, sendo legitimados pelos critérios interpretativos da Ordem internacional, não repugna que se eleja aquele que mais se aproxima das metas da Constituição. Caso tal não seja possível, estamos perante um problema de inconstitucionalidade do Tratado.

A Integração de lacunas

As lacunas são visíveis em relação a um dado conjunto de normas, desde tratados bilaterais à Carta das Nações Unidas ou a decisões de organizações internacionais. E é no respectivo contexto sistemático que se há-de verificar se determinada situação deve ou não ser juridicamente regulada e se falta ou não a norma que sobre ela deveria versar.

A determinação de lacunas envolve, uma prévia interpretação: só existe lacuna quando se conclua que certa matéria está sujeita a regulamentação jurídico-internacional, em vez de deixada à livre escolha política dos Estados ou das organizações, ao Direito interno ou a futuro acto normativo internacional.Uma vez apurada a lacuna, deve recorrer-se aos meios usuais: a analogia e os princípios gerais de Direito.

A Aplicação do Direito Internacional

A Convenção de Viena formula alguns grandes princípios acerca da aplicação dos tratados que valem igualmente para todas as outras fontes:

Principio da boa fé (26°);

Principio da não-invocabilidade de normas de Direito interno para justificar a não execução (27°);

Principio da não-retroactividade, salvo disposições em contrário (28°);

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Princípio da aplicação das normas internacionais a todo o território dos Estados seus destinatários (29º);

Principio da prevalência da norma nova relativamente à anterior a respeito da mesma matéria (30° e 59°), o que vale independentemente de a norma provir ou não da mesma fonte.

A forma de Estado, unitário centralizado, unitário regional, federal, é indiferente quanto à aplicação indivisível de qualquer tratado a todo o território; quando Portugal celebra um tratado, vincula o Continente, os Açores e a Madeira.

Ocorre sucessão de tratados quando um novo tratado concluído entre as mesmas partes, visa expressamente substituir o que até então se encontrava em vigor ou contém cláusulas incompatíveis com as deste (30°/3; 59°/1 da Convenção de Viena).

Mas se as partes no primeiro tratado não são todas partes no segundo, é o tratado no qual os dois Estados sejam partes que rege os seus direitos e obrigações recíprocas, seja ele o novo ou o antigo (30/4/b)). Quando um tratado estabelece que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser considerado incompatível com esse outro tratado, as suas normas prevalecem sobre as do outro (30º/2/b)).

O Princípio da relatividade ou da não-vinculação de terceiros Estados sem o seu consentimento, a regra vale não só para tratados como para as decisões de Organizações Internacionais: elas só obrigam os Estados-membros, com a ressalva das decisões das Nações Unidas no que respeita a manutenção da paz e da segurança internacional (2°/6 da Carta).

Direito Internacional e Direito Interno

Aspectos fundamentais

É necessário distinguir três áreas, no que diz respeito à problemática das relações entre a Ordem Jurídica Internacional e a Ordem Jurídica interna.

Uma primeira área é a das grandes concepções respeitantes à estrutura do Direito internacional e à sua conjugação com o Direito interno, a do entendimento a dar ao Direito internacional como ordem jurídica “a se” frente ao Direito estatal.

Um segundo domínio tem que ver com o modo de estabelecer a relação entre as normas de Direito das Gentes e as normas de Direito interno; tem que ver com as formas e os processos de conferir relevância àquelas normas dentro da ordem interna; refere-se às técnicas possíveis de recepção, de incorporação, de transformação, de adaptação destas ou daquelas normas ou sectores de normas jurídico-internacionais na ordem interna do Estado.

E uma terceira questão concerne às relações hierárquicas ou funcionais entre as normas de Direito internacional aplicáveis na ordem interna, e as normas de Direito interno, sejam estas normas de Direito constitucional, sejam de Direito ordinário.

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Eis, portanto, três estratos de problemas: o problema das relações entre Direito internacional e Direito interno; o problema dos processos técnicos relevância interna das normas de Direito internacional; e, finalmente, o problema da posição recíproca das normas de Direito internacional relevantes, recebidos, incorporados, transformados, adaptados, na ordem interna e das provenientes de fontes próprias de Direito interno.

Importa ainda salientar, a tricotomia Direito Internacional geral ou comum, Direito Internacional convencional, Direito próprio ou derivado de Organizações internacionais.

Dualismo e Monismo – As grandes clivagens acerca da primeira questão reconduzem-se, à contraposição entre dualismo e monismo.

Segundo as concepções dualistas, o Direito Internacional e o Direito interno são dois mundos separados, dois sistemas com fundamentos e limites distintos. Nenhuma comunicação directa e imediata existe entre ambos. Uma norma pertencente a um sistema não pode valer, como tal, no interior de outro sistema; não passa, de mero facto para este; quanto muito, o seu conteúdo poderá aqui ser retomado, reproduzido ou transformado, surgindo então uma nova norma.

Pelo contrário, as correntes monistas, e são muitas e diversas, afirmam a unidade sistemática das normas de Direito Internacional e das normas de Direito interno. Estes ordenamentos são comunicáveis e inter-relacionáveis, um não pode ignorar o outro e tem de haver meios de relevância recíproca das respectivas fontes. A natureza profunda das normas é idêntica ou semelhante e, aliás, nada impede que normas desta ou daquela origem venham a reger as mesmas situações da vida, as mesmas relações, as mesmas matérias, o que obriga a estabelecer formas de articulação.

O monismo pode ainda ser, em abstracto, monismo com primado de Direito interno e monismo com primado de Direito Internacional; e neste último cabe ainda distinguir entre monismo radical e monismo moderado.

O monismo com primado de Direito interno acaba por revertar numa forma de negação do DI, por se aproximar muito da orientação doutrinal, hoje completamente ultrapassada, que vê o Direito Internacional como uma espécie de Direito estatal externo. Reconhece-se a existência de um só universo jurídico, mas quem comanda esse universo jurídico é o Direito interno e, em ultimo termo, a vontade dos Estados. O fundamento de unidade do Direito internacional encontra-se numa norma de Direito interno.

O monismo como primado de Direito Internacional refere a necessidade de integração das normas jurídico-internacionais e das normas jurídico-estatais num todo mais amplo. A unidade não pode, porém, resultar senão do próprio Direito Internacional ou da influência dos seus princípios sobre o Direito interno. E, assim, as normas de Direito Internacional prevalecem sobre as de Direito interno. A doutrina é a favor de um monismo moderado.

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No monismo radical qualquer norma de Direito interno, mesmo de Direito constitucional, só será válida se respeitar as normas de Direito Internacional, ou seja, a norma de Direito Internacional é a norma fundamental de todo o universo jurídico.

Há também quem considere, já numa linha mais mitigada, que a relação entre normas de Direito interno e normas de Direito Internacional não se reconduz forçosamente a uma relação de validade; a desconformidade entre lei interna e tratado, por exemplo, não acarreta a invalidade da lei, podendo acarretar simplesmente ineficácia ou responsabilidade internacional dos Estados. Por outro lado, haverá sempre que distinguir Direito ordinário e Direito constitucional: a Constituição do Estado não tem que ser conforme com toda e qualquer norma de Direito Internacional e, ao invés, é ela que regula o modo como as normas internacionais são recebidas na ordem interna.

Assim sendo, cabe agora concluir as questões atrás apresentadas:

Em primeiro lugar, e com poucas excepções, as correntes monistas têm vindo a prevalecer, desde há décadas, sobretudo o monismo com primado do Direito Internacional pelos seguintes motivos:

O alargamento das matérias objecto de regulamentação pelo Direito Internacional;

O aparecimento e o papel crescente das organizações internacionais;A importância do indivíduo como sujeito de Direito Internacional;

A emanação de normas internacionais que só fazem sentido enquanto aplicáveis na ordem interna (ex.: como as constantes das Convenções da OlT, de Convenções de protecção dos direitos do homem e de regulamentos das Comunidades Europeias).

Perante a realidade da vida jurídico-internacional, seria impensável negar a interligação sistemática das normas de Direito Internacional e das normas de Direito interno.

Em segundo lugar, o primado do Direito Internacional. A doutrina largamente maioritária pronuncia-se em favor de um monismo moderado, visto que um monismo absoluto pressuporia um federalismo jurídico sem base e que, a ser alcançado, representaria a convolação do Direito Internacional num “quid” novo e diferente.

Em terceiro lugar, por último, para além das divergências académicas, deve ser salientada a necessidade de apreender o primado do Direito Internacional em moldes algo variados em função dos também muito diversos sectores do Direito das Gentes complexo e em expansão dos nossos dias.

A relação do Direito Internacional comum com o Direito interno tende a ser uniforme e constante, visando o primado do bem comum universal. Porém, a relação do Direito Internacional convencional e do Direito das organizações internacionais e de entidades afins com o Direito interno tem-se revelado bastante diversificada não só por causa dos conteúdos e objectivos das normas internacionais mas também por causa das legítimas opções constitucionais dos vários Estados.

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Sistemas de relevância do Direito Internacional na ordem interna

Existem dois sistemas típicos de conferir relevância às normas internacionais na ordem interna de um Estado:

Sistemas de transformação ou de execução: as normas internacionais só vigoram na ordem interna se forem convertidas em normas de Direito interno.

Nos sistemas de transformação, importa subdistinguir:

Sistemas de transformação explícita, quando as normas internacionais têm de ser conteúdo de lei ou de outro acto normativo interno, têm de por ele ser repetidas ou reproduzidas;

Sistemas de transformação implícita, quando as normas internacionais têm também de ser objecto de acto interno para vigorarem internamente, mas baste que seja um acto inserido em procedimento de natureza idêntica à do acto legislativo.

Importa dizer que os sistemas de transformação traduzem visões dualistas.

Sistemas de recepção ou de recepção automática: as normas internacionais vigoram como tais, interpretadas e integradas segundo critérios de Direito Internacional e sofrendo as vicissitudes que aí sofram. E, ainda sistemas de recepção traduzem visões monistas.

Os sistemas de recepção subdividem-se em:

Recepção plena, de recepção de quaisquer normas internacionais vinculativas do Estado, independentemente das matérias.

Recepção semi-plena, de recepção das normas internacionais respeitantes a certas matérias, e não a todas.

E a recepção tanto pode referir-se a todo o Direito das Gentes ou a normas provenientes de quaisquer fontes como somente abranger normas de Direito Internacional geral, de Direito Internacional convencional ou de Direito das organizações internacionais.

Distinta da noção de recepção é a noção de EFEITO DIRECTO, isto é, a possibilidade de invocação de norma internacional perante os tribunais de Direito interno, seja contra o Estado e as entidades públicas (efeito directo vertical), seja frente a particulares (efeito directo horizontal). Efeito directo ou Aplicabilidade directa (porque tendem a tomar as duas expressões como sinónimas) – refere-se a normas internacionais atributivas de direitos ou de reconhecimento de interesses legítimos ou de imposição de adstrições. Havendo recepção automática, logicamente deve haver efeito directo; mas, em Direito Comunitário europeu, pode até haver efeito directo de certas directivas.

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Relance de direito comparado

Só no século XX é que as Constituições passaram a ocupar-se das relações entre Direito Internacional e Direito Interno, integrando cláusulas de recepção geral, plena ou semi-plena; e, quando as Constituições nada consagram, são a doutrina e a jurisprudência que apresentam soluções idênticas ou análogas. Não existe nenhuma Constituição actual que introduza um sistema de transformação explícita.

Relativamente ao Direito Internacional geral ou comum não há grandes divergências observando-se a incorporação das normas, isto é, o princípio de recepção automática, segundo o qual as regras consuetudinárias são consideradas parte do Direito do país e aplicáveis nessa qualidade pelos tribunais. Tal verificou-se nos países da Commonwealth e na Grã-Bretanha. Este princípio foi desde logo consagrado na Constituição alemã de Weimar, o mesmo sucede na Itália, França, Espanha, Bélgica, Grécia, Áustria… (Ver página 142 do Manual).

Quando aos tratados, como Na Grã-Bretanha, a conclusão dos tratados entra na prerrogativa da Coroa e como, ao mesmo tempo, o poder legislativo compete ao Parlamento, torna-se imprescindível uma lei para lhes dar execução na Ordem Interna (sistema de transformação).

Pelo contrário, nos Estados Unidos, onde os tratados têm de ser aprovados pelo Senado, consagra-se a recepção automática. Os juízes de todos os Estados dever-lhes-ão obediência, ainda que as Constituições de cada Estado ou as suas leis disponham em contrário.

Nas Constituições francesa, grega, espanhola, holandesa, brasileira encontram-se cláusulas de recepção respeitantes aos tratados sobre direitos do homem.

A situação é diversa na Alemanha e na Itália, por aí não haver preceitos homólogos relativos ao Direito Internacional geral ou comum; no primeiro as opiniões divergem entre a recepção automática e a transformação implícita; já no segundo a doutrina tradicionalmente dualista, adopta um sistema de transformação.

Quanto aos tratados de protecção dos direitos do Homem, tende-se, universalmente, para a sua imediata aplicabilidade.

São muito poucas as Constituições que prevêem expressamente a aplicabilidade imediata de decisões de organizações internacionais: entre elas a Constituição da Holanda e de Cabo-Verde

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Relevância do Direito Internacional na Ordem interna portuguesa: evolução da questão

A este respeito, quatro fases podem e devem ser recortadas:

1) Antes da Constituição de 1933 havia consenso quanto à existência de uma cláusula geral de recepção plena e o principal intérprete desta orientação era Machado Vilela.

2) (Entre 1933 e 1971) A seguir a 1933, em particular depois de 1957, houve divergências na doutrina:

Continuou a haver quem defendesse uma cláusula geral recepção plena – Afonso Queiró, Ferrer Correia;

Havia quem entendesse que somente se encontravam cláusulas de recepção semi-plena – Silva Cunha;

Inversamente, havia quem se pronunciasse no sentido da cláusula geral de recepção plena – Miguel Galvão Teles;

E, havia ainda quem sustentasse não consagrar o Direito português nenhum sistema geral sobre a relevância do Direito Internacional, mas, ao mesmo tempo, por adopção de um monismo de Direito Internacional, se decidisse no sentido da sua aplicabilidade genérica na ordem interna – André Gonçalves Pereira.

3) (Entre 1971 e 1976) - O Código Civil de 1966 não contempla nenhuns tratados nem outras fontes específicas de Direito Internacional.

Mas a revisão constitucional de 1971 dispôs expressamente sobre a importância das normas internacionais mas havia opiniões divergentes.

Entre defensores de um entendimento favorável à recepção plena do Direito Internacional comum ou convencional – Jorge Miranda;

E defensores de um entendimento favorável à transformação implícita – Marcello Caetano.

4) (Após 1976) A Constituição de 1976 dedica todo um artigo ao Direito Internacional, o artigo 8.º, em que cuida, sucessivamente, do Direito Internacional comum (8°/1), do Direito Internacional convencional (8°/2), desde a revisão de 1982, também de normas dimanadas de órgãos de organizações internacionais (8°/3) e, desde a revisão de 2004, especificamente, de normas da União Europeia (8°/4).

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Relevância do Direito Internacional na Ordem interna portuguesa: a situação actual.

Actualmente, é quase indiscutível a existência de uma cláusula geral de recepção plena, sendo favorável à recepção automática do Direito Internacional na Constituição de 1976.

No tocante ao Direito Artº 8°/1 CRP: Direito Internacional comum (recepção automática), entendendo-se, por analogia ou interpretação extensiva, o costume local e regional.

Quanro ao Artº 8°/2 CRP : não depende da vigência na Ordem Jurídica interna das normas que, constam de Convenções internacionais regularmente aprovadas ou ratificadas, senão da sua publicação oficial (pois nenhum cidadão pode ser destinatário de uma norma jurídica sem que disponha de um meio objectivo de a conhecer).

Artº 8° CRP: consagra a recepção geral plena do Direito Internacional convencional. Com efeito:

Artº 4º; 7°/6/7; 16°/1; 33°/3/4/5; 102°; 273°/2; 275°/5 põem os actos normativos de Direito Internacional a par da lei como fontes de Direito interno (princípio da recepção plena). Estes artigos versam sobre: a integração europeia, o Tribunal Penal internacional, os direitos fundamentais, compromissos militares de âmbito internacional...

São o Parlamento e o Governo que têm competência para aprovar Convenções internacionais (161°/i);19 7 º/ 1/c ) e também têm competência legislativa (161°/d) e 198º).

À AR cabe a resolução (166°/5) e ao Governo, o Decreto e o Decreto simples, e não o decreto-lei (197°/2).

Quanto à fiscalização da constitucionalidade , distinga-se entre actos legislativos e tratados (277°/2; 278°/1; 279°/4; 280°/3).

A alusão do artigo 8.º, n.º2, a convenções “regularmente ratificadas ou aprovadas” tem de ser conjugada com o art.277.º, n.º2 . E, ainda, a expressão “ enquanto vincularem internacionalmente o Estado português” significa que a vigência na ordem interna depende da vigência na ordem internacional (as normas internacionais só vigoram no nosso ordenamento depois de começarem a vigorar no ordenamento internacional e cessam de aqui vigorar ou sofrem modificações, na medida em que tal aconteça a nível internacional.

Normas emanadas dos órgãos competentes de Organizações Internacionais de que Portugal faz parte e que vigoram directamente na ordem interna, para se encontrar estabelecido nos respectivos tratados constitutivos (8°/3): a sua recepção é

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automática. Existem decisões normativas das Organizações internacionais directamente aplicáveis (ex: resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas) nos termos definidos pelo Direito da União (8°/4).

O artigo 8.º é omisso relativamente a tratados celebrados por organizações internacionais de que Portugal seja membro. Mas, no entanto, eles não podem deixar de ser aplicados enquanto tais imediatamente na ordem interna, embora não por força do n.º2 (que pressupõe tratados aprovados pelo Estado português), mas por extensão do n.º3. O n.º4 depois de, no primeiro segmento, repetir o que já consta dos números 2 e 3, vem estabelecer que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna nos termos definidos pelo Direito da União.

Relações entre normas de Direito Internacional e normas de Direito interno

A força jurídica ou o valor ou a eficácia das normas de Direito Internacional recebidas na ordem interna frente à força jurídica das normas de produção interna pode ser “a priori” concebida numa das seguintes posições:

Força jurídica supraconstitucional das normas internacionais; Força jurídica constitucional dessas normas Força jurídica infraconstitucional, mas supralegal; Força jurídica igual à das normas legais; Força jurídica infralegal.

Na Constituição portuguesa não existe consideração expressa e inequívoca do lugar que as normas de Direito Internacional ocupam na ordem interna.

Podem ser referidos, contudo, alguns elementos que permitem chegar a resultados fecundos na análise de diferentes problemas: relações entre Direito Internacional geral ou comum e normas constitucionais; relações entre Direito Internacional convencional e normas constitucionais; relações entre Direito das Organizações internacionais e de entidades afins e normas constitucionais e também relações entre Direito Internacional e normas de lei ordinária. Assim sendo:

Normas de Direito Internacional geral e normas constitucionais:

A Constituição declara formalmente vários princípios de Direito Internacional geral ou comum no artº 7°/1:

Respeito pelos direitos do homem; Igualdade entre os Estados; Direito dos povos à autodeterminação e à independência; não-ingerência nos assuntos internos dos outros Estados;

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Cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade;

Solução pacífica dos conflitos internacionais.

Estes princípios são princípios de "jus cogens" e, como tal, são estruturantes da comunidade internacional e não podem, por isso, deixar de se sobrepor à Constituição de qualquer Estado enquanto membro dessa comunidade.

Estes princípios são também contemplados na Declaração Universal dos Direitos do Homem: princípio da igualdade e da dignidade de todos os seres humanos (arts. 1.º, 2.º, 3.º e 7.º) e o da proibição da escravatura e da atribuição universal de personalidade jurídica (arts. 4.º e 6.º).

Os princípios referidos nesta Declaração e que não pertencem ao “Jus cogens" têm valor constitucional, por virtude da recepção formal operada pelo artigo 16.º, n.º2.

Neste mesmo artigo 16°/2 da CRP, estatui que os preceitos constitucionais e legais sobre direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Já no artigo 29°/2 CRP, estatui a punição, dentro dos limites da lei interna, de acção ou omissão que, no momento da sua prática, seja considerada criminosa de acordo com os princípios gerais de Direito Internacional. Estes princípios não podem ultrapassar os quadros do Direito ordinário, na medida em que fazem corpo com a lei.

A Convenção de Viena (53°, 64º) faz pensar "a contrario" que nem todas as normas de Direito Internacional geral ou comum cabem no “jus cogens".

Se o “jus cogens” prevalece sobre a Constituição, isso implica a faculdade de os tribunais desaplicarem normas constitucionais que lhe sejam contrárias?

Jorge Miranda refere, que, se o “jus cogens" prevalece sobre a Constituição, tal faz com que os tribunais não apliquem normas constitucionais que lhe sejam contrárias. O Tribunal Constitucional também poderá julgar neste âmbito mas só por meio da fiscalização concreta, e não em fiscalização abstracta, reservada esta à garantia da própria Constituição.

Normas de Direito Internacional convencional e normas constitucionais

Segundo Jorge Miranda, no direito português estabelece-se uma relação de subordinação entre as normas de tratados internacionais e a Constituição.

As primeiras são sujeitas à fiscalização da constitucionalidade (204°,277°/2, 278°/1, 279°/4, 280°/3) no que concerne ao núcleo essencial da Constituição, sendo de referir que o Tratado de Maastricht (1992) e o Tratado de Roma foram alvo de prévia revisão constitucional para serem aprovados.

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Com base no princípio da boa-fé, é necessário interpretar-se e aplicar-se uniformemente o Direito Internacional convencional nas ordens jurídicas internas dos Estados-membros.

Normas de Direito das Organizações internacionais e normas constitucionais

Entre norma derivada da organização e norma constante de tratado de que seja parte apenas o Estado em que surja a questão, deve prevalecer a primeira, mesmo que o outro Estado parte na convenção não seja membro da organização. E, portanto as normas de Direito das Organizações internacionais estão subordinadas às normas constitucionais.

Normas de Direito Comunitário e normas constitucionais

Jorge Miranda refere que os actos normativos das Comunidades baseiam-se nas competências que os tratados institutivos atribuem aos respectivos órgãos. Como estes tratados são sujeitos a aprovação e ratificação pelos Estados-membros, de acordo com as suas Constituições e os seus princípios materiais. Assim, segundo este Professor, os actos derivados destes tratados não podem prevalecer sobre as Constituições dos Estados-membros. São necessárias soluções de equilíbrio entre as Constituições de cada Estado e o Direito Comunitário, havendo uma relação interactiva, uma cooperação e coordenação (e não hierarquicamente) entre as Ordens Jurídicas internas.

Porém, André G. Pereira e Fausto Quadros não pensam assim, dizendo que quando um Estado adere à União Europeia aceita implicitamente as suas normas não sendo necessário que a Constituição refira. No entender destes, o Artº 8° prevalece sobre o Artº 277°/1 da CRP.

Já, Gomes Canotilho fala no primado das normas de tratados, e não das normas comunitárias em geral, sobre as normas constitucionais. Porém, aponta um limite: as normas de tratados não podem subverter os princípios constitucionais materialmente irreversíveis.

Mas Maria Luísa Duarte, diz que o principio da repartição material de competências, concretizado nas cláusulas implícitas ou explicitas de limitação da soberania, é suficiente para justificar não-fiscalização da constitucionalidade das normas de Direito Comunitário, excepto tratando-se de garantia do núcleo essencial da Constituição. Conferir à norma comunitária um valor supraconstitucional seria insuperavelmente contraditório com a própria ideia de Constituição.

O Tribunal de Justiça tem atribuído especial importância às primeiras (primado do Direito Comunitário como consequência da recepção automática do Direito comunitário) porque:

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a) Os Tratados europeus criaram uma Ordem Jurídica "a se", que envolve as Ordens Jurídicas dos Estados-membros; b) As normas jurídicas Comunitárias aplicam-se imediatamente nos Estados-membros, vinculando os seus órgãos sem necessidade da mediação das leis internas; c) Os Tratados europeus têm efeito directo e podem sempre ser invocados em tribunal; d) A validade das normas jurídicas comunitárias não depende das Ordens Jurídicas nacionais: e) As normas comunitárias são uniformemente aplicadas em todos os Estados-membros; f) Os Estados-membros não podem adoptar medidas unilaterais; g) Não podem ser aplicadas normas dispostas pelos Estados ou normas constitucionais que sejam contrárias às normas comunitárias; h) Órgaos de aplicação do Direito comunitário tanto são o Tribunal de Justiça como o Tribunal de 1.ª instância das Comunidades como os Tribunais dos Estados-membros, enquanto decidam segundo normas comunitárias. No entanto, para uma maior garantia, o 1° interpreta essas normas, mediante o mecanismo de reenvio prejudicial a que os Tribunais nacionais estão obrigados.

Em sede de garantia, existe ainda a acção por incumprimento, a propor pela Comissão contra os Estados. Com base no princípio da boa-fé, é necessário interpretar-se e aplicar-se uniformemente o Direito Comunitário nas Ordens Jurídicas internas dos Estados membros.

Normas de Direito Internacional e normas de Direito ordinário

Ao contrário do que acontece noutros países, a Constituição não afirma explicitamente a supremacia do Direito internacional sobre o Direito ordinário.

Todavia, ninguém contesta hoje que tanto as normas de Direito Internacional geral ou comum, quanto as normas de Organizações Internacionais ou de entidades afins, sobretudo as de Direito Comunitário, prevalecem sobre as normas de Direito ordinário português, anteriores ou posteriores.

A maioria da doutrina também assim considera relativamente à relação entre DI convencional anterior e Direito ordinário posterior. Continua portanto a defender, que todas as normas vinculativas de Portugal prevalecem sobre as normas legais, sejam elas anteriores ou posteriores.

E isso, por vários motivos:

a) Pelo princípio geral de Direito válido para qualquer Estado, segundo o qual quem se vincule perante outrem por meio de tratado não pode depois por acto unilateral deixar de cumprir aquilo a que se obrigou; b) É também válido para qualquer Estado, pela conveniência em harmonização da ordem interna e da ordem internacional que só dessa forma se consegue; c) Pela lógica da recepção automática, que ficaria frustrada se o Estado, em vez de denunciar certa convenção internacional, viesse por lei dispor em contrario;

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d) Pela prescrição do art. 8°/2, de que os tratados vigoram na ordem interna enquanto vincularem internacionalmente o Estado português; e) Embora só complementarmente, pela colocação, no 119°/1, das convenções internacionais logo depois das leis constitucionais e antes dos actos legislativos. O mesmo ocorre no art. 280 °/3 e também relativamente aos tratados solenes (278°/1).

Regime de inconstitucionalidade de normas internacionais

Do primado das normas constitucionais relativamente às normas convencionais e derivadas de organizações internacionais decorre a inconstitucionalidade destas quando desconformes. Ou seja, a Constituição rege os comportamentos dos órgãos do poder que se movam no âmbito do Direito interno e, por conseguinte, todos os seus actos, quanto a todos os seus pressupostos, elementos, têm de ser conformes com ela. Ai se incluem os actos de Direito interno que correspondem a fases do processo de vinculação internacional do Estado (aprovação de tratados ou emissão de reservas) os quais podem ser inconstitucionais ou não.

Pelo contrário, os actos decorrentes do Direito Internacional não são susceptíveis de inconstitucionalidade. Susceptíveis de inconstitucionalidade são, sim, os conteúdos desses comportamentos que deles se desprendam.

Se nenhum preceito específico da nossa Constituição se ocupa da inconstitucionalidade material de normas internacionais, da inconstitucionalidade orgânica e da formal, ocupa-se o artigo 277.º,n.º2.

Nos termos do Artº 277°/2, segundo Jorge Miranda são possíveis quatro hipóteses para saber o que corresponde a “violação de disposição fundamental”:

a) Incompetência absoluta, por aprovação de uma convenção por um órgão sem competência de aprovação de tratados Internacionaais (PR, Ministro, Assembleia Legislativa Regional ou por um Ministro); b) Incompetência relativa, por aprovação pelo Governo de qualquer tratado político das categorias indicadas na primeira parte do artigo (161.º/i) CRP; c) Aprovação de tratado sobre questão relativamente à qual tenha existido resultado negativo em referendo, antes do decurso dos prazos constitucionais (115°/10); d) Inexistência jurídica da deliberação da AR, por falta de quórum ou de maioria de aprovação (116°/2/3).

O Artº 277°/2 não afecta a fiscalização preventiva da constitucionalidade de tratados mas afecta a fiscalização sucessiva.

Ate hoje o Tribunal Constitucional apenas muito poucas vezes foi chamado a ajuizar da constitucionalidade de normas constitucionais. Assim, por exemplo, pelo Acórdão N.º 32/88, 27 Janeiro, ele considerou, que as resoluções e os decretos de aprovação de Convenções Internacionais não eram actos normativos sujeitos a efeito de apreciação. Só os tratados e os acordos o eram, não podendo ser sindicados senão depois de concluídos os respectivos processos de vinculação do Estado, o que não se

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verifica no caso, pelo que o Tribunal não conheceu o pedido. (Ver mais exemplos de Acórdãos na página176 do Manual)

Relativamente a normas dimanadas de órgãos próprios de Organizações Internacionais e entidades afins de que Portugal seja parte, não se põe nenhum problema de constitucionalidade dos actos de produção, pois que nenhum órgão da Republica Portuguesa interfere aí; e, por isso mesmo, tão-pouco há lugar a fiscalização preventiva. Qualquer problema a surgir, será somente de conformidade material dessas normas com a Constituição.

Quanto a normas de Direito Internacional convencional, somente em caso de inconstitucionalidade em caso de violação de princípios e direitos fundamentais se jsutificará a sua desaplicação pelo juiz português.

Finalmente, segundo o Artº 161/n) Constituição, compete à AR pronunciar-se, nos termos da lei, sobre as matérias pendentes de decisão em órgãos da União Europeia que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada.

Na falta de pronúncia, verifica-se inconstitucionalidade formal, mas tão-só, evidentemente, uma inconstitucionalidade do procedimento da participação de Portugal na tomada de decisão da União. O Tribunal Constitucional poderá dela conhecer, mas também só com a consequência da irregularidade.

Regime da desconformidade de leis com normas internacionais

Afirmada a prevalência das normas de Direito Internacional sobre as leis internas, que sucede quando ocorre desconformidade?

Na hipótese de infracções de princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, trata-se de inconstitucionalidade por causa da recepção operada pelo Artº 16°/2 da Constituição (contem uma cláusula aberta ou de não-tipicidade de direitos fundamentais, mas não converte as normas para que remete em normas de valor constitucional).

Quanto há desconformidade entre leis e tratados, não existe inconstitucionalidade pois não há contradição entre normas que são inconstitucionais. O mesmo se diga quanto à contradição entre lei e Direito das Organizo internacionais ou entidades afins.

Ao abrigo do Artº 204° da Constituição, os tribunais podem, por meio da fiscalização difusa, conhecer da contradição entre normas internas e normas convencionais ou normas de Direito Internacional geral ou comum. E, desde 1989, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões em que se recusa aplicar normas constantes de acto legislativo com o fundamento na sua contrariedade com uma Convenção Internacional ou quando a aplicam em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.

Em caso de referendo, a fiscalização prévia necessária inclui a apreciação da conformidade com normas de Direito Internacional (115°/8, 223°/2/f)).

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Acresce que os tribunais portugueses podem conhecer da conformidade entre a lei estrangeira aplicável a feitos submetidos a julgamento e normas de Direito Internacional, também são competentes para apreciarem e para não aplicarem a norma interna portuguesa em caso de infracção de norma de Direito Comunitário por lei interna. Porém, não há lugar a recurso para o Tribunal Constitucional dessas decisões. A haver recurso será para um tribunal das Comunidades Europeias. Solução análoga deve ser adaptada para a desconformidade entre normas de Direito comunitário derivado e normas de Direito comunitário originário.

Consequências da desconformidade

A desconformidade entre norma legal e norma constitucional determina invalidade;

A desconformidade entre norma convencional e norma constitucional, entre norma legal e norma convencional ou entre norma legal e norma de Direito próprio de organização internacional ou entidade afim determina ineficácia jurídica.

A diferença decorre de a Constituição ser o fundamento de validade da lei e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local (art. 3.º, n.º 2 e 3) e apenas limite de produção de efeitos das normas jurídico-internacionais. E tão pouco o tratado é fundamento de validade da lei, mas somente obstáculo à sua eficácia: o clausulado nele não afecta a norma legal na sua raiz; limita-se a impedir, enquanto vincular internacionalmente o Estado, que a lei produza os seus efeitos típicos.

O artigo 22.º da Constituição consagra o principio geral da responsabilidade do Estado por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para os cidadãos. Logo, estarão ai abrangidas quer a desconformidade de tratado com a Constituição quer a desconformidade da lei com tratado.

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Capítulo IV do Programa

Sujeitos de Direito Internacional

15.1 e 15.2 - Personalidade jurídica internacional e Capacidade jurídica internacional– conceito

É sujeito do Direito Internacional quem for susceptível de ser titular de direitos ou suporte de obrigações resultantes directa e imediatamente de uma norma de Direito Internacional. O critério pelo qual se afere da susceptibilidade de um ente ser titular de uma situação subjectiva derviada directamente de uma norma internacional é o mesmo que é utilizado para se afirmar a personalidade jurídica perante os vários ramos do Direito Interno. Da tentativa de definição pelo parecer do TIJ sobre a “reparação dos prejuízos causados às Nações Unidas” (a qual concluía que as N.U. tinham a “capacidade de ser titulares de direitos e deveres internacionais”), resulta que:- é o Direito Internacional que determina quais são os seus sujeitos, não havendo, pois, em princípio, sujeitos por direito próprio;- é também o Direito Internacional que estabelece a forma pela qual nasce a personalidade jurídica internacional. O processo pelo qual ela surge pode ser automático (como acontece com o Estado) ou implicar actos especiais de reconhecimento (como sucede com a generalidade dos outros sujeitos);- só são sujeitos do Direito Internacional aqueles que estejam em relação directa e imediata com a norma internacional, e que não necessitem, para que os efeitos da norma se projectem na sua esfera jurídica, da intervenção de outra pessoa;- a personalidade jurídica internacional pode abranger uma esfera de capacidade mais ou menos ampla, conforme os interesses que visa satisfazer: o citado Parecer do TIJ concluiu que, ao lado da capacidade plena do Estado, as Nações Unidas só tinham capacidade quanto aos direitos e deveres necessários para a prossecução dos fins próprios da Organização;- a personalidade jurídica internacional pode não coincidir com a de Direito interno: assim há pessoas jurídicas de Direito interno que não têm, ou podem não ter, personalidade internacional, ou, pelo menos, cuja capacidade jurídica internacional pode não coincidir com a capacidade jurídica que o Direito interno lhes reconhece.

Segundo Jorge Miranda, tal como em Direito interno, personalidade jurídica não se identifica com capacidade – quer dizer, com a medida de direitos que uma pessoa pode ter (capacidade de gozo) ou que pode exercer, directa e livremente (capacidade de exercício). Na ordem internacional é o Estado, ou o estado soberano, que benficia de uma capacidade genérica, podendo ser titular de todos os direitos que essa ordem venha a prever, e todos os demais sujeitos se encontram submetidos a uma regra de especialidade ou de limitação.

À capacidade segue-se a responsabilidade. À maior ou menor capacidade de prática de actos jurídico-internacionais segue-se a sujeição às consequências negativas desses actos, quando

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ilícitos ou lesivos de direitos e interesses internacionalmente protegidos.

15.3. Classificação de sujeitos de Direito Internacional

Segundo Jorge Miranda,

a) Estados e sujeitos não estatais;b) Sujeitos de base territorial a sujeitos sem base territorial;c) Sujeitos originários de Direito Internacional e sujeitos não originários- sendo sujeitos originários (numa visão histórica) os Estados e a Santa Sé e não originários todos os outros sujeitos;d) Sujeitos de fins gerais e sujeitos de fins não gerais – consoante visam ou não uma pluralidade não determinada de fins e sendo os primeiros os Estados e, eventualmente, entidades afins; e sujeitos de fins não gerais ou de fins especiais os outros sujeitos de Direito Internacional;e) Sujeitos permanentes e sujeitos não permanentes – sendo sujeitos permanentes aqueles em que se verifica uma vocação de estabilidade, de duração sem limites, e sujeitos não permanentes aqueles que são apenas reconhecidos em função de certas circunstâncias mais ou menos transitórias e tendendo a serem substituídos a médio e a longo prazo por outros sujeitos (como sucede com os beligerantes, os movimentos nacionais, certos territórios sob regime internacional e algumas organizações constituídas em razão de certo tempo ou de certas circunstâncias);f) Sujeitos de reconhecimento geral e sujeitos de reconhecimento restrito – consoante são reconhecidos ou têm vocação ao reconhecimento pela generalidade dos Estados ou somente o são por alguns (como a Ordem de Malta e os beligerantes);g) Sujeitos de capacidade plena e sujeitos de capacidade não plena – consoante gozam ou não de todos os direitos de participação previstos em normas jurídico-internacionais (aqueles até agora apenas são os Estados, e não todos os Estados – apenas os Estados soberanos); O primeiro grupo compreende apenas o Estado soberano, única entidade em que se verifica ainda, no estado actual do Direito Interno, a plenitude da capacidade jurídica internacional. No segundo grupo integram-se portanto todos os outros sujeitos e teremos de distinguir entre sujeitos com base territorial (beligerantes, Estados semi-soberanos e associações de Estados) e sujeitos sem base territorial (certos casos especiais de sujeitos que prosseguem interesses espirituais, como a Santa Sé e a Ordem de Malta; ou que prosseguem interesses políticos, como os movimentos nacionais e os governos no exílio; o indivíduo e as Organizações Internacionais).h) Sujeitos activos e sujeitos passivos – conforme lhes são atribuídos direitos e outras situações activas ou ficam apenas adstritos a deveres ou a outras situações passivas de Direito Internacional.

Tendo em conta todos estes critérios, os sujeitos de Direito Internacional poderão ser

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agrupados em quatro grandes categorias: Estados e entidades afins; organizações internacionais; instituições não estatais; indivíduos e pessoas colectivas privadas.

No Estado e nas entidades afins manifestam-se os elementos relacionais e, tantas vezes, “individualistas ou exclusivistas de prossecução de objectivos próprios, que se pretendem gerais em toda uma sociedade humana, em confronto com os objectivos de outros sociedades.Nas organizações internacionais aquilo que, pelo contrário, aparece com mais nitidez é o fenómeno da institucionalização da vida internacional. E pode dizer-se que há uma tensão dialéctica entre os Estados e as organizações internacionais; no Estado, a tendência para a afirmaçõa da soberania e para relações inorgânicas, bilaterais ou multilaterais; nas organizações internacionais – ainda que formadas essencialmente por Estados – a concepção de fins, de valores, de interesses que transcendem os Estados e que são comuns a toda a sociedade internacional ou a uma parte dela. Nas instituições não estatais estamos diante de instituições de fins especiais, inconfundíveis com os interesses prosseguidos pelos Estados e com maior ou menor independência em relação a estes.No indivídio, finalmente, é a pessoa singular a tomar parte na vida internacional, a ultrapassar o quadro do Direito interno e a projectar-se ora em direitos, ora em deveres e outras adstrições efectiváveis perante instâncias internacionais. E também pessoas colectivas privadas podem vir a ser chamadas, em alguma medida, à subjectividade internacional.

15.4. Tipos especiais de subjectividade internacional – em particular, a

situação do indivíduo

O Direito Internacional nunca deixou de se ocupar dos indivíduos, das pessoas singulares, pelo menos quando inseridos em certas situações. Basta recordar a protecção diplomática, as imunidades diplomáticas, o estatuto dos Chefes de Estado e de Governo e dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, o regime de cidadania e de estrangeira, determinadas regras de Direito da Guerra e, mais recentemente e sobretudo, a protecção internacional dos direitos do homem. Todavia, relevância jurídica não equivale a personalidade jurídica.Insistindo no que já dissemos: não é por haver uma norma, mesmo objecto de incorporação automática na ordem interna, que estabeleça direitos e deveres, posições de vantagem ou de vinculação para o indivíduo que ele se torna sujeito de Direito Internacional. Para que exista personalidade internacional do indivíduo tem de haver ainda a possibilidade de uma relação com outros sujeitos de Direito Internacional, nomeadamente com organizações internacionais.

São, pois, as seguintes circunstâncias em que, à face do Direito Internacional convencional se justifica falar em subjectividade internacional do indivíduo:

a) Quando membro de minoria nacional, étnica, linguística ou religiosa ou de povo não

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autónomo a que seja conferido direito de petição perante qualquer organização internacional;b) Quando cidadão de Estado que possa dirigir-se a órgão internacional invocando violação o lesão de um seu direito por esse mesmo Estado (como sucede na Convenção Europeia e noutros instrumentos de protecção internacional dos direitos do homem);c) Quando cidadão de qualquer dos Estados das Comunidades e da União Europeia enquanto titular do direito de petição perante órgãos comunitários e de direito de queixa perante o Provedor de Justiça europeu relativamente a acções ou omissões daqueles órgãos;d) Quando titular de órgão de organização internacional;e) Quando árbitro ou membro de tribunal arbitral internacional;f) Quando funcionário internacional;g) Quando arguido de crimes sujeitos à jurisdição de tribunais internacionais.

15.5. Quadro geral dos sujeitos de Direito Internacional

I – ESTADOS E ENTIDADES AFINS

1) EstadosEstados soberanosEstados com soberania reduzida ou limitada1- Estados protegidos2- Estados vassalos3- Estados exíguos4- Estados confederados5- Estados ocupados e divididos

2) Entidades Pró-Estatais1- Rebeldes beligerantes2- Movimentos (nacionais e de libertação nacional)

3) Entidades Infra-Estatais1- Colónias autónomas e territórios análogos2- Mandatos3- Fideicomissos (territórios sob tutela)4- Territórios sob regime internacional especial

4) Entidades Supra-EstataisConfederações

II- ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

III- INSTITUIÇÕES NÃO ESTATAIS

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Santa Sé, Ordem de Malta, Cruz Vermelha Internacional

IV- INDIVÍDUO E PESSOAS COLECTIVAS PRIVADAS

Não são as mesmas as fontes normativas da personalidade jurídica internacional. Assim, nomeadamente:

a) Quanto aos Estados e à Santa Sé, o Direito Internacional geral ou comum;b) Quanto às organizações internacionais e quanto ao indivíduo e a entidades colectivas privadas, o Direito Internacional convencional;c) Quanto a movimentos de libertação, decisões de organizações internacionais.

EstadosClassicamente, revelavam a existência de soberania três direitos dos Estados: o jus tractuum ou direito de celebrar tratados, o jus legationis ou de receber e enviar representantes diplomáticos e o jus belli ou de fazer guerra. Agora, com a proibição da guerra pela Carta das Nações Unidas (artº 2º nº4), este último direito é interpretado como mero direito de legítimo defesa, individual ou colectiva (artº 51º da Carta). Em contrapartida, acrecenta-se um novo direito, o de reclamação ou de impugnação internacional, destinado à defesa dos interesses dos Estados perantes os órgãos políticos e jurisdicionais de entidades internacionais; e autonomiza-se o direito de participação em organizações internacionais, designadamente as de carácter político.Ao lado dos Estados soberanos, a observação da actualidade e, sobretudo, do passado mostra a existência de:1) Estados protegidos- Estados com a titularidade de direitos internacionais, mas só os podendo exercer através de outros Estados ditos protectores (a cuja supremacia territorial se encontram sujeitos).2) Estados vassalos- Estados que, tendo aqueles mesmos direitos, estão adstritos a certas obrigações relativamente a outros, não podendo, nomeadamente, exercer alguns deles sem a sua autorização.3) Estados exíguos- Estados que, pela exiguidade do seu povo ou do seu território, não possuem a plenitude da capacidade internacional e se encontram em situação especial perante os Estados limítrofes ou vizinhos.4) Estados confederados- Estados que, por serem membros de uma confederação, ficam com a sua soberania limitada em certas matérias, ainda que se trate de uma limitação de soberania com a contrapartida, ao invés do que acontece nos outros casos, de participação na entidade que dela deriva.5) Estados ocupados e Estados divididos- Estados em situação excepcional decorrente da guerra ou de outras vicissitudes e sujeitos a ocupação ou a formas específicas de limitação político-militar.

Enquanto nos Estados protegidos, nos Estados vassalos e, de certo modo, nos Estados confederados e nos Estados ocupados e divididos, como que se conserva intacta a capacidade internacional de gozo e só se restringe a capacidade de exercício, nos Estados exíguos é a

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capacidade de gozo que fica limitada, se bem que eles tenham capacidade para exercer os direitos de que são titulares.Tomando, portanto, a soberania como capacidade internacional plena, os Estados classificam-se em:a) Soberanos (os que têm esse estatuto, sem que as restrições, cada vez mais numerosas, que lhe impõem as realidades do mundo contemporâneo os afectem qualitativamente, mas só quantitativamente);b) Com soberania reduzida ou limitada (Estados protegidos, vassalos, exíguos, confederados, ocupados e divididos);c) Não soberanos (os Estados federados e os Estados membros de uniões reais).

Entidades pró-estataisSão entidades transitórias, ao contrário do que acontece com os Estados, mas entidades que pretendem assumir, na sua totalidade ou quase totalidade, atribuições afins dos Estados.Quanto aos rebeldes beligerantes, trata-se da situação emergente em certos Estados, em que se verifica uma guerra civil ou assimilada e em que os rebeldes ocupam uma porção de território maior ou menor, lá exercem uma autoridade identificável com o poder estatal e conseguem manter essa autoridade durante um tempo mais ou menos prolongado.Ao passo que os beligerantes visam substitutir um regime por outro regime, o movimento nacional ou de libertação nacional age em nome de uma nação ou de um povo, que pretende erigir em Estados. Os beligerantes exercem um poder efectivo sobre uma parte do território; não, necessariamente, o movimento nacional ou de libertação, obrigado a uma guerra de guerrinha e a um combate político nos grandes centros de decisão política mundial.Entidades infra-estataisAs entidades infra-estatais são (ou foram) comunidades de base territorial, em alguns casos dotadas de autonomia, que obtêm (ou obtiveram), por si ou através das entidades administrantes, um acesso mais ou menos limitado à vida internacional. Incluem-se aqui as colonónias autónomas, alguns dos “mandatos”, os territórios sob tutela e os territórios internacionalizados.

Entidades supra-estataisAs federações e as uniões rais são entidades supra-estatais que se erigem em novos Estados e, enquanto tais, assimiláveis a quaisquer outros Estados.

Organizações InternacionaisOrganizações internacionais são instituições criadas por Estados e, algumas vezes, por outros sujeitos (como a Santa Sé e até outras organizações) destinadas a prosseguir, com permanência e meios próprios, fins a eles comuns.Principais classificações de organizações internacionais são:a) Quanto aos fins- plurais (ex: ONU, União Africana, Liga Árabe)- especiais (ex: Conselho da Europa, FMI, OMT)b) Quanto ao âmbito geográfico- parauniversais ( a ONU e as organizações especializadas da sua “família”)

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- regionais ou continentaisc) Quanto ao acesso- relativamente abertas (ONU)- restritas (ex: Organização dos Estados Americanos, CPLP, Conselho da Europa)d) Quanto à duração - perpétuas (quase todas)-temporárias (a Organização do Tratado do Atlântico Norte)e) Quanto aos poderes - de cooperação (quase todas)- de integração (ex: Mercosul)As primeiras são constituídas para a prossecução de fins comuns, fundamentalmente a nível externo, embora com projecção indirecta a nível interno dos Estados-membros. As segundas assumum certos poderes típicos dos Estados, interferem directamente nos respectivos ordenamentos e tendem a criar espaços alargados de integração.

As instituições não estataisComo instituições não estatais que são sujeitos de Direito Internacional existem a Santa Sé, a Ordem de Malta e a Cruz Vermelha Internacional.Conquanto muito diferentes, têm de comum:a) A sua formação independentemente de tratado;b) A natureza não político-temporal dos seus finsc) A independência em relação aos Estadosd) A sua base não territoriale) O seu carácter comunitário e institucional

O IndivíduoVer ponto 15.4.

Pessoas colectivas privadasPessoas colectivas privadas, sejam associações ou sociedades, também podem ter capacidade internacional limitada. Assim, por ex:- as organizações não governamentais enquanto dotadas do estatuto de observador juntos do Conselho Económico e Social das Nações Unidas (artº 71º da Carta)- certas organizações humanitárias, com base nas Convenções de Genbra de 1949.

16.1. O acto de reconhecimento – caracterização geral

Como é que nasce a personalidade jurídica internacional? Como é que um ente passa a ser sujeito do Direito Internacional?

Em geral, reconhecimento, é o acto jurídico-internacional pelo qual um sujeito afirma que determinada situação é conforme com o Direito ou pelo qual afirma que se verificam os pressupostos exigidos por uma norma internacional para a produção de certos efeitos.Para certo sector da doutrina existe no Direito Internacional norma ou normas atributivas da

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personalidade e, portanto, o reconhecimento de uns sujeitos por outros tem valor meramente declarativo. Outros negam a existência de tal norma: a subjectividade internacional só existiria pela constatação que da existência de uma determinada entidade fariam os sujeitos do Direito Internacional anteriormente admitidos. Essa constatação conferiria à respectiva entidade a qualidade de sujeito, que ela não tinha anteriormente – ou seja, o reconhecimento teria valor essencialmente constitutivo. Este modo de encarar o reconhecimento simplifica-o, porém, em excesso e, portanto, desvirtua-o. Este problema está essencialmente ligado ao difícil debate acerca da natureza jurídica do acto de reconhecimento. Como bem nota o Professor FROWEIN, a importância do reconhecimento resulta da natureza ainda imperfeita do Direito Internacional que faz com que, ao contrário do que sucede com o Direito interno, só raramente um litígio venha a ser decidido em Direito Internacional pela via judicial. Por isso, na maior parte dos casos os Estados são, ainda hoje, a única entidade que pode decidir se uma dada situação reúne ou não os requisitos exigidos pelo Direito Internacional.O reconhecimento pode incidir sobre aspectos puramente materiais (reconhecimento de uma regra de Direito, reconhecimento de um título jurídico, reconhecimento de uma situação nova). Mas de maior importância jurídico-política se revestem as modalidades do reconhecimento que têm por objecto sujeitos do Direito Internacional (reconhecimento de Estado, de Governo, de Nação, de Beligerante, etc.). É sobretudo a propósito desta última categoria, ou seja, reconhecimento de sujeitos, que se tem discutido a natureza do reconhecimento, quer se entenda que os cria (reconhecimento constitutivo), quer se julgue que apenas dá a conhecer a sua existência (reconhecimento declarativo).Para a teoria do reconhecimento constitutivo, como se disse, é do reconhecimento que nasce a subjectividade internacional do Estado (ou doutro sujeito), que antes dele não tem personalidade jurídica internacional. Trata-se basicamente, como se vê, de uma consequência lógica dos pressupostos voluntaristas: se todo o Direito Internacional resulta da vontade dos Estados, é também esta que determina a entrada de um novo membro na Comunidade Internacional. E então as várias concepções voluntaristas acerca do reconhecimento vão corresponder aos vários estádios do pensamento voluntarista: ou este é um acto unilateral do Estado (JELLINEK) ou, se a base do Direito Internacional é a vontade comum dos Estados, é um acto bilateral (ANZILOTTI) entre um antigo e o novo sujeito do Direito Internacional.Ao contrário, para a teoria do reconhecimento declarativo a personalidade jurídica internacional nasce independentemente do reconhecimento; este tem apenas o efeito de o constatar e declarar. Concretamente quanto ao Estado, e segundo esta corrente, ele é sujeito do Direito Internacional assim que existe, mesmo que nenhum outro Estado o reconheça. Esta teoria continua a merecer os favores das teses anti-voluntaristas.

16.2. O reconhecimento de Estado

Segundo uma maneira de ver, somente a partir do reconhecimento é que o Estado existiria. O reconhecimento viria dar-lhe a qualidade do sujeito de Direito Internacional e, portanto,

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quaisquer eventos a ele anteriores seriam, em princípio, irrelevantes. Ao invés, para os que defendem natureza declarativa, o Estado existiria desde que efectivamente se achassem reunidas as suas condições de existência; o reconhecimento limitar-se-ia a verificá-las, nada acrescentaria de novo e, consequentemente, teria efeitos retroactivos. A concepção da natureza constitutiva do reconhecimento poderá ter feito carreira noutras épocas, com um número restrito de Estados, com o predomínio das relações bilaterais e pouco intensas e com uma comunidade internacional pouco institucionalizada. Nos dias de hoje, porém, prevalece a tese da natureza declarativa do reconhecimento, por ser a que melhor traduz a realidade de uma vida jurídico.internacional muito mais desenvolvida e apertada, muito mais institucionalizada e em que avultam as relações multilaterais.Hoje em dia a doutrina, mesmo de raiz voluntarista, já não põe em dúvida o carácter meramente declarativo do reconhecimento de Estado. Ou seja, o Estado nasce como sujeito do Direito Internacional assim que reunir os três elementos que integram o conceito de Estado; povo, território e poder político soberano.Entre vários pontos do regime jurídico do reconhecimento de Estado a refeir indiquem-se os seguintes:

a) Na actual fase do Direito Internacional apenas é relavante o reconhecimento que outros Estados façam; não o que possam ou pretendam fazer outros sujeitos (a não ser, porventura, a Santa Sé);b) Não há nunca um dever de reconhecimento; nenhum Estado pode ser obrigado a reconhecer outro;c) Se pode falar-se em direito de reconhecer ou não reconhcer, esse direito é um direito de exercício limitado ou condicionado. Pressupõe um mínimo de condições objectivas; não pode traduzir-se em intervenção nos assuntos internos de outro Estado ou em violação da sua integridade territorial; sobretudo, exige um comportamento de boa fé;d) Por isso, e porque o acto de reconhecimento tem efeito declarativo, ele pressupõe, pelo menos, a efectividade do poder que se pretende de um novo Estado numa parte significativa do território que reivindica como seu. E, se tal não acontecer, o reconhecimento, porque prematuro, será ilícito;e) Por maioria de razão, se o próprio Estado que faz o reconhecimento tiver contribuído ou estiver contribuindo, pela força ou por outro meio ilícito, para criar a situação, haverá grave violação do Direito Internacional. E, nestas hipóteses, os outros Estados têm mesmo a obrigação de não reconhecer;f) O reconhecimento tanto pode ser expresso como tácito e pode ser feito por diversas formas. Uma destas vem a ser a posição favorável à admissão do novo Estado numa organização internacional (como a ONU) – o que não significa que seja esta a proceder ao reconhecimento; o que conta é a atitude dos Estado membros da organização, não a da organização em si mesma; o reconhecimento pode ser implícito, por exemplo, consistindo na nomeação de um representante diplomático junto do novo Estado, o que significa, sem dúvida, o reconhecimento do Estado.g) Pode haver reconhecimento colectivo;h) Como os demais actos jurídicos unilaterais, o reconhecimento é irrevogável.

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16.3. O reconhecimento de Governo

Quando se fala em reconhecimento de Governo, trata-se sim, de um conceito próprio do Direito Internacional, atinente aos poderes e responsabilidades de condução das relações externas do Estado. O problema sobrevém em concreto quando ocorre uma mudança de regime político e quando é necessário saber quem, doravante, vai exercer o “jus tractum”, o “jus legationis” e os demais poderes de representação internacional do Estado.É assim diverso do reconhecimento de Estado, pois pode reconhecer-se um Estado e não o seu Governo. E põe-se com mais frequência, pois que é mais fácil (e hoje mais vulgar) uma alteração política no interior de um Estado já existente do que a criação de um novo Estado. Mas só surge com uma mudança de Governo que se tenha processado fora da regularidade constitucional, pois se a substituição de um Governo por outro se opera segundo a forma constitucionalmente prevista não há lugar a reconhecimento, já que a aceitação da ordem constitucional resulta, naturalmente, do reconhecimento de Estado.O princípio essencial quer de Direito Constitucional, quer de Direito Internacional Público, é o da continuidade do Estado, Este mantém-se e mantém os seus direitos e deveres perante os outros Estados e os demais sujeitos, independentemente da inelutável sucessão de governantes, seja qual for o modo como esta se opere.Decorre daqui que o único critério de reconhecimento de Governo aceitável vem a ser o da efectividade, não o de um qualquer juízo sobre a natureza do regime em apreço ou sobre o sentido da nova Constituição, como se baseava a doutrina da legitimidade.Reconhecer um Governo não é reputá-lo, nem deixar de o reputar legítimo. É verificar se ele está ou não dotado das qualidades e, mais do que isso, dos meios idóneos para agir como tal. Mas não pode esperar-se que um Governo funcione em relação a um Governo estrangeiro em termos puramente certificativos ou notariais; há, mais uma vez, ponderações extrajurídcias inultrapassáveis.Logicamente, o reconhecimento de Governo tem natureza declarativa, não natureza constitutiva. Em princípio, quaisquer actos praticados, antes e depois do reconhecimente, são juridicamente eficazes, vinculam o Estado e envolvem a sua responsabilidade.

16.4. O reconhecimento de insurrectos e beligerantes

Qualquer destas duas noções pressupõe a existência de rebelião organizada no território do Estado, que põe em causa a unidade nacional e a capacidade ou a legitimidade do Governo para exercer o seu poder sobre todo o território do Estado, com recurso a meios violentos, que podem incluir actos contra a segurança de pessoas e de bens, com ou sem revindicação da responsabilidade por tais actos, sendo esses rebeldes, nessas condições, combatidos pelo Governo legítimo do Estado.Essa situação leva frequentemente os terceiros Estados, a fim de proteger os seus interesses, a reconhecerem os rebeldes, seguindo uma prática que nasceu no costume.O reconhecimento de beligerantes não tem necessariamente de ser precedido do

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reconhecimento como insurrectos, mas a prudência aconselha que o seja.Na realidade, a circunstância de o grupo rebelde ainda não reunir os requisitos como sendo os exigidos para o seu reconhecimento como beligerantes, designadamente o controlo e a administração efectivos de parte do território, e o facto de os Estados terceiros não quererem tratar os rebeldes como delinquentes comuns, leva a esses Estados a contentarem-se com o reconhecimento dos rebeldes como insurrectos.Como bem nota NGUYN QUOC, o reconhecimento de insurrectos visa essencialmente colocá-los sob a protecção do Direito Internacional Humanitário, especialmente dos Protocolos I e II de 1977 às Convenções de Genbra de 1949. Por isso, os insurrectos, mesmo se beneficiários de reconhecimento como tais, não são sujeitos de Direito Internacional.Quando os insurrectos já controlam e administram efectivamente uma “parte significativa” do território do Estado em causa, possuem um comando organizado e responsável e respeitam nas hostilidades o Direito Internacional da Guerra (inclusive o Direito Humanitário sobre protecção à população civil e aos prisioneiros de guerra) é possível reconhecê-los como beligerantes, portanto, é possível atribuir-lhes personalidade jurídica internacional. O reconhecimento como beligerantes transfroma o grupo insurrecto num verdadeiro governo local de facto. Se qualquer destes requisitos não estiver preenchido o reconhecimento é prematuro e, por conseguinte, representa ingerência nos assuntos internos do Estado em cujo território os insurrectos actuam.O reconhecimento dos rebeldes como beligerantes tem os seguintes efeitos: a sujeição das partes em conflito ao Direito Internacional da Guerra que rege os conflitos armados entre Estados já que a guerra civil é assimilada à guerra internacional; se os beligerantes tiverem obtido o reconhecimento pelo próprio Estado em cujo território actuam, a irresponsabilização do Estado e do Governo respectivos pelos danos causados a terceiros pelos beligerantes; e o dever de neutralidade, perante o conflito, dos Estados que reconhecem o estado de beligerância.Por definição, o reconhecimento tanto de insurrectos como de beligerante é transitório.O reconhecimento de insurrectos e de beligerantes é também discricionário. Não existe, portanto, nem para o Estado ameaçado pelos insurrectos ou beligerantes nem para outros Estados o dever de os reconhecer. O reconhecimento tanto de insurrectos como de beligerante é constitutivo. Mas, como decorrre do que atrás se disse, só os beligerantes adquirem com o reconhecimento personalidade jurídica internacional. O reconhecimento como insurrectos tem autonomia exclusivamente por razões humanitárias.

16.5. O reconhecimento de nações e movimentos nacionais

O reconhecimento de Nações possui hoje apenas interesse histórico. Por seu lado, o reconhecimento de movimentos nacionais teve grande importância durante a descolonização que se seguiu à 2ª Grande Guerra, mas ainda conserva alguma actualidade.As duas modalidades de reconhecimento procuraram encontrar uma resposta para o problema da garantia do direito à autodeterminação dos povos sob regime colonial mediante a outorga aos movimentos que os representassem de personalidade jurídica internacional.

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O reconhecimento como Nação surgiu praticamente durante a guerra de 1914-1918, sendo que o interesse imediato nesse reconhecimento consistia em fornecer base jurídica e política para a criação de exércitos nacionais sob a respectiva bandeira; mas, a prazo mais dilatado, pretendia-se, pela consagração do prncípio das nacionalidades, conferir às autoridades “nacionais” o direito a negociar internacionalmente a paz e assegurar a criação de novos Estados.O reconhecimento de movimentos nacionais teve uma base jurídica mais sólida: pretendeu outorgar aos movimentos de libertação a capacidade jurídica internacional necessária ao exercício do direito à autodeterminação dos povos, tal como ele se encontrava consagrado na Carta das Nações Unidas e foi sendo interpretado pelos órgãos das Nações Unidas.O reconhecimento do movimento nacional pressupõe requisitos e produz efeitos idênticos aos do reconhecimento de beligerante, com duas pequenas diferenças: é necssário que o movimento consiga convencer que ganhou voluntariamente representatividade da parte do povo que invoca, e que exerce sobre ele, de modo “evidente”, controlo político; e nem sempre é indispensável a prova de controlo territorial efectivo. Os movimentos nacionais só obtêm personalidade internacional mediante o seu reconhecimento, que, portanto, tem natureza constitutiva.

16.6. O reconhecimento de Organizações Internacionais

Falta matéria presente no Livro do Fausto Quadros a partir da pág. 323.

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18. A Organização das Nações Unidas (ONU)18.1. Enquadramento históricoA SDNTerminada a 1ª Guerra Mundial surge, sobretudo por influência norte-americana, a ideia de que para a manutenção da paz seria indispensável a edificação de uma Organização política de carácter universal. Foi para dar realização prática a esta ideia que os primeiros 26 artigos do Tratado de Paz de Versalhes incorporaram o Pacto da Sociedade das Nações, Organização de cooperação internacional destinada a promover a segurança colectiva, a solução pacífica dos conflitos e a colaboração entre os Estados para o progresso económico e social. Sintetizando, poderemos dizer que os 2 objectivos fundamentais da Organização são aqueles que vão presidir a toda a sua evolução posterior: a manutenção da paz e da segurança colectiva, a administração ou fiscalização da administração de territórios coloniais e a cooperação entre os Estados nos campos económico e social. A base essencial da Organização era dada pelo princípio da soberania dos Estados. O indiscutível fracasso a que se viu votada a SDN deve sem dúvida atribuir-se à influência concomitante de razões de estrutura e de razões de circunstância. Entre as primeiras, para além do princípio da unanimidade, e em consequência deste, o facto de a Organização ter sido dominada pelo princípio de igualdade dos Estados, que punha no mesmo plano as grandes e as pequenas potências.As circunstâncias políticas também não favoreceram a acção da SDN, que desde o início se viu privada da participação dos EUA (um dos grandes impulsionadores da mesma), tendo o Senado dos EUA recusado a raticação do Pacto.A vida SDN foi difícil, quer nos anos iniciais, de rescaldo da guerra, quer nos anos finais, em que assistiu impotente aos prelúdios bélicos de nova conflagração, e poucos e precários foram os êxitos que teve no domínio público.

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Como causas intrínsecas de malogro apontam-se: o ter-se tratado de pouco mais do que de uma espécie de concerto diplomático de Estado soberanos; a falta de poderes vinculatórios e coercitivos do Conselho, simples órgão de mediação; a exclusão originária dos vencidos de 1918, a ausência dos EUA (que não ratificaram o Pacto) e o excessivo peso do bloco anglo-francês. E a isso acresceram a crise histórica geral, subsequente à Primeira Guerra Mundial, com repercurssões psicológicas, políticas e económicas incalculáveis, e os movimentos nacionalistas e totalitários que a acompanharam e viriam a dominar nos anos 30. Não foi só o descrédito geral que caíra sobre a SDN que obstou à sua reconstituição, várias razões políticas imediatas e fáceis de compreender também intervieram em sentido análogo. A experiência da SDN demonstrava assim que para presidir à paz futura se impunha uma estrutura mais eficaz e poderes mais amplos do que os que tinham caracterizado aquela organização.

A ONUO aparecimento da Organização das Nações Unidas surge em 14 de Agosto de 1941, quando são aprovados os 8 artigos da Carta do Atlântico, em que consigna o direito de os povos escolherem a sua forma de governo, a igualdade dos Estados quanto ao acesso às matérias-primas, a colaboração entre os Estados para o progresso económico e social, a liberdade dos mares, o desarmamento e a manutenção da paz e segurança colectiva.A 1 de Janeiro de 1942 são proclamados os mesmos princípios na Declaração das Nações Unidas, em que acordaram os países aliados na luta contra o Eixo.O projecto de Carta (ou tratado constitutivo) foi sendo elaborado nas conferências de Dumbarton Oaks (1944) em que foi elaborado o esboço projecto, conjugado com as decisões de Ialta (Fevereiro de 1945), em que tiveram papel determinante os Estados Unidos, o Reino Unido e a URSS, culminando na elaboração do projecto definitivo submetido à Conferência de S. Francisco. Aprovada em 26 de Junho de 1945, ainda antes de a Segunda Guerra Mundial acabar, a Carta entra em vigor a 25 de Outubro de 1945. Só puderam ser membros originários os Estados signatários da Declaração das Nações Unidas ou presentes em São Francisco. Além de dotada de uma estrutura mais vasta e aperfeiçoada do que a da SDN, a ONU foi investida de poderes jurídicos que lhe permitem atingir todos os problemas mundiais. E, desde logo, como se sabe, a Carta foi concebida como repositório dos grandes princípios das relações entre todos os Estados e tendo primazia sobre quaisquer outras obrigações internacionais (artº 103º).

18.2. A Carta das Nações Unidas – estrutura, valor jurídico, interpretação e processo de revisão

EstruturaA Carta consiste num preâmbulo e uma série de artigos divididos em capítulos.

Capítulo I propõe os princípios e propósitos das Nações Unidas, incluindo as provisões importantes da manutenção da paz internacional e segurança; Capítulo II define o critério para a membresía nas Nações Unidas; Capítulo III descreve os órgãos da ONU;

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Capítulo IV, define a Assembleia Geral; Capítulos V-VI-VII, define o Conselho de Segurança, arranjo pacífico de controvérsias, acções em casos de ameaça da paz e defesa regional: Capítulo IX sobre a cooperação internacional económica e social; Capítulo X sobre o Conselho Económico e Social; Capítulo XI-XII-XIII, declaração relativa aos territórios não autónomos, regime internacional de administração fiduciaria e estabelece Conselho de Administração Fiduciaria; Capítulo XIV estabelecem as funções e integração do Corte Internacional de Justiça Capítulo XV estabelecem as funções da Secretaria Geral da ONU; Capítulos XVI e XVII disposições várias e acordos transitórios de segurança. Capítulo XVIII define o mecanismo de reforma da Carta Capítulo XIX define a forma a assinatura e rectificação da Carta.

Capítulos importantes são os que tratam sobre a estrutura e poder dos organismos da ONU

O Capítulo VI descreve o poder do Conselho de Segurança para pesquisar e mediar disputas; O Capítulo VII descreve o poder do Conselho de Segurança para autorizar sanções económicas, diplomáticas e militares bem como o de forças militares para resolver disputas. fundando neste capítulo criaram-se os Tribunais Penais Internacionais para Ruanda e a ex Jugoslávia; Os Capítulos IX e X descrevem os poderes da ONU para a cooperação económica e social e ao Conselho Económico e Social que vigia estes poderes.. Estes capítulos são a base de todo o sistema de agências económicas, sociais e culturais especializadas e técnicas das Nações Unidas; Os Capítulos XII e XIII descrevem o regime internacional de administração fiduciaria e estabelecem o Conselho de Administração Fiduciaria; e Os Capítulos XIV e XV que estabelecem as funções e integração do Corte Internacional de Justiça e a Secretaria Geral da ONU respectivamente

18.3. Os membros

Todos os membros das Nações Unidas são Estados.O estatuto de membro das Nações Unidas vem regulado na Carta, Capítulo II, nos artºs 3º a 6º. Os artºs 3º e 4º prevêem duas categorias de membros: os membros originários e os membros admitidos. A qualidade de membro originário seria reservada aos Estados que, tendo participado na Conferência de S. Francisco ou assinado previamente a Declaração das Nações Unidas de 1942, viessem a assinar e ratificar a Carta das Nações Unidas.A qualidade de membro admitido seria atribuída por deliberação da Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança, a todos os restantes Estados, desde

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que preenchessem dois requisitos básicos (artº 4º).Em primeiro lugar, os Estados em questão deveriam ser “amantes da paz”. Como é evidente, não há qualquer critério definido para averiguar a existência desta qualidade, efectuando-se a selecção, afinal, por critérios meramente políticos. O requisito que se exige em segundo lugar é o da aptidão para o cumprimento de todas as obrigações contidas na Carta das Nações Unidas.Note-se que, uma vez admitidos, não há qualquer diferença de estatuto entre os Estados nesssas condições e os membros originários.E é esse também o processo relativo à suspensão e à expulsão, aplicáveis a membros que violem os princípios constantes da Carta (artº 5º, nº6).A Carta prevê também a privação de direito de voto de Estados que não cumpram as suas obrigações de contribuir para as despesas da Organização (artºs 17º nº2 e 19º). Não prevê o recesso e parece também não admitir, até à sua revisão, a suspensão ou a expulsão dos membros permanentes do Conselho de Segurança, por eles estarem nominalmente indicados na Carta (artº 23º).São os Estados, enquanto tais, através dos seus representantes diplomáticos, que integram os órgãos políticos deliberativos. E são os Estados que participam nos acordos relativos a forças armadas internacionais (artº 43º), nos acordos que criem instituições especializadas (artºs 57º e 59º) ou que fixem a constituição ou o termo do regime de tutela (artºs 77º e 79º).No momento da constituição da Organização, o número dos Estados membros originários era de 51. Alguns Estados pediram, logo a seguir, a sua admissão nas Nações Unidas, tendo sido pacificamente aceites. Começando, porém, a guerra fria entre os dois blocos, durante largo tempo, mais nenhum Estado ingressou na Organização devido ao facto de os Estados do bloco ocidental terem visto a sua admissão vetada no Conselho de Segurança pela União Soviética, e os do bloco soviético o seu ingresso impossibilitado em virtude do veto dos Estados do bloco ocidental, que constituíam a maioria esmagadora do Conselho de Segurança.Posteriormente, porém, ao período estalinista, dá-se um abrandamento na tensão internacional, entrando simultaneamente nas Nações Unidas, em 14 de Dezembro de 1955, um grupo de dezasseis Estados (entre os quais Portugal) mediante uma recíproca concessão por parte dos dois blocos.Com a pulverização dos continentes africano e asiático resultante da política de descolonização das potências ex-colonizadoras, veio a ser admitido nos anos 60 nas Nações Unidas um grande número de Estados, cuja maioria pertendcia ao grupo afro-asiático.Assim, em 1 de Janeiro de 1970 os membros da Organização já iam em 126. Em Junho de 1982 esse número era de 157 e pouco mais de dez anos volvidos, em Novembro de 1992, beneficiando muito da admissão em 1991 e 1992 de muitos novos Estados resultantes do desmembramento da ex-URSS e da Jugoslávia, o número de membros subira para 179.Com o termo da guerra fria passou a ser mais fácil um Estado ser admitido na Organização. Essa admissão, todavia, tem ganho crescente importância na prática porque ela hoje equivale ao reconhecimento do Estado.Os artºs 5º e 6º prevêem a suspensão e a expulsão de Estados membros, nos casos em

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que, respectivamente, seja levada a cabo contra eles uma intervenção do Conselho de Segurança ou hajam violado persistentemente os princípios da Carta.

18.4. Os objectivos e princípios conformadores de actuação da ONU

Os objectivos da Organização vêm dispostos no artº 1º, e são:- Em primeiro lugar, a paz e a segurança internacionais. Esta finalidade, que inspira todo o documento traduz o desejo firme dos seus autores de evitarem a todo o custo a repetição das trágicas circunstâncias que haviam provocado e acompanhado a 2ª Guerra Mundial.- Em segundo lugar, o desenvolvimento das relações cordiais e amistosas entre os Estados, como condição indispensável à manutenção da paz.- Em terceiro lugar, pretende a ONU o incremento de uma estreita cooperação interncional, com vista à resolução de problemas económicos, sociais e culturais e humanitários, comuns aos vários Estados, bem como o estabelecimento de um respeito efectivo pelos direitos da pessoa humana.- Por fim, e em quarto lugar, deverá a ONU funcionar como ponto de encontro de todos os Estados da Comunidade Internacional, visando a orientação e a harmonização das suas actividades particulares para a prossecução dos objectivos comuns antes indicados.

Dos princípios conformadores/gerais que regem as Nações Unidas e vêm elencados no artº 2º da Carta temos:- Em primeiro lugar, o princípio da igualdade soberana dos Estados, que assim é reafirmado como princípio geral do Direito Internacional.- O segundo princípio geral enunciado no artº 2º é o da boa fé nas relações entre os Estados membros e no cumprimento das obrigações daí resultantes, desde que de acordo com a respectiva Carta.- Em terceiro lugar, surge-nos o princípio geral da solução pacífica dos conflitos entre os Estados.- O quarto princípio geral da Organização conjuga-se com o anterior, e consiste na renúncia, pelos Estados membros, ao recurso à força, bem como no respeito que por estes deve ser sempre mantido em relação à integridade territorial e à independência política dos restantes Estados.- Finalmente, tem a ONU como seu princípio geral a manutenção da paz e da segurança internacionais, dispondo de meios mais eficazes para a realização desse objectivo, do que a SDN.

Todavia, o artº 2º da Carta não enuncia expressamente todos os princípios gerais da Organização das Nações Unidas. Para além dos que ali nos são apresentados surge-nos o princípio da universalidade da Organização, pois esta procura abranger a totalidade dos Estados do globo, quer sejam ou não seus membros. Este princípio está imanente no nº 6 do artº 2º, onde se estabelece o dever de os Estados não membros se conformarem na sua

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actividade com os princípios da Organização, e resulta também do artigo 103º, onde se afirma a superioridade da Carta das Nações Unidas sobre as obrigações contraídas no plano bilateral pelos Estados membros, incluindo, portanto, aquelas obrigações que resultarem de acordo entre um Estado membro e um Estado não membro das Nações Unidas. Estes são os princípios gerais positivos que devem presidir à acção da Organização. Cabe agora referir os princípios gerais negativos ou limitativos. São, principalmente, o princípio do domínio reservado dos Estados e o princípio da legítima defesa.

18.5. Os órgãos e a sua competência – o princípio da efectividade

Institucional

São órgãos das Nações Unidas a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Económico e Social, o Conselho de Tutela, o Tribunal Internacional de Justiça e o Secretariado ou Secretário-Geral.A Assembleia Geral é o órgão de participação de todos os Estados em pé de igualdade: e é, essencialmente, um local de debate, o grande forum da política mundial, além de um órgão de orientação da vida interna da Organização.O Conselho de Segurança é o órgão político central de decisão, encarregado da manutenção da paz e da segurança internacionais. Composto por membros permanentes e membros não permanentes, patenteia a realidade incontornável das relações de força dentro do sistema de Estados. O Conselho Económico e Social exerce especificamente as duas funções novas assumidas pela ONU no confronto da SDN: a promoção do progresso económico e social e a promoção dos direitos do homem. Tem composição exclusivamente electiva.O Tribunal Internacional de Justiça é o herdeiro do Tribunal Permanente de Justiça Internacional. Integrado na estrutura da organização, o seu estatuto é declarado parte integrante da Carta e sujeito a revisão nos mesmos termos (artº 69º do estatuto).O Secretário-Geral, enquanto investido de poderes próprios , como o de participação nas reuniões dos demais órgãos, excepto o Tribunal (artº 98º), o de chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que possa ameaçar a paz e a segurança internacionais (artº 99º) e o de convocação de Assembleia Geral (artº 20º).

Assembleia Geral das Nações UnidasA Assembleia Geral tem uma competência genérica e competências específicas. A primeira corresponde às relações internacionais em geral, estas à vida interna da organização; e os actos praticados ao abrigo da primeira não revestem força jurídica vinculatica para os Estados (ainda que possam dar dar origem – como já têm dado – à formação de normas de Direito Internacional geral ou comum).A Assembleia Geral é composta por todos os Estados membros das Nações Unidas, nos termos do artº 9º. A Assembleia Geral pode discutir quaisquer questões ou assuntos que caibam nas finalidades das Nações Unidas (artº 10º), nomeadamente manutenção da paz e da segurança internacionais (artº 11º nºs 2 e 3), desarmamento (artº 11º), solução pacífica de conflitos (artº 14º), cooperação política, económica, social e cultural (artº 13º nº1) e

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codificação do Direito Internacional (artº 13º nº1 al. a) 2ª parte). E para este efeito pode formular recomendações aos Estados ou ao Conselho de Segurança (artº 11º, 13º nº1 e 14º) ou promover estudos (artº 13º nº1).A Assembleia Geral funciona quer em plenário, quer em comissões. As diversas questões que fazem parte da agenda de cada sessão são examinadas em primeiro lugar pelas comissões, e só em seguida sujeitas à discussão e aprovação do plenário. Todos os Estados membros da Organização estão representados em cada uma das Comissões (que são 7).Cada Estado tem na Assembleia Geral direito a um voto (artº 18º nº1) e a Assembleia Geral delibera, por via de regra, por maioria simples dos membros presentes e votantes (artº 18º nº1). No entanto, as decisões sobre as questões importantes são tomadas, de harmonia com o artº 18º nº2, por maioria de dois terços dos membros presentes e votantes. Questões importantes são aquelas que a própria Carta enuncia – manutenção da paz e da segurança internacionais, eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança (artº 23º), eleição dos membros do Conselho Económico e Social (artº 61º) e do Conselho de Tutela, admissão, suspensão e expulsão de membros da Organização, regime de tutela, orçamento – bem como, ainda, aqueloutras que a Assembleia Geral – mas por maioria relativa – venha a determinar (artº 18º). O artº 18º nºs 2 e 3 pretende excluir as abstenções, por isso sõ são levados em conta, para a formação das maiorias necessárias, os votos positivos e negativos. A competência da Assembleia Geral cede perante o carácter primacial atribuído ao Conselho de Segurança. Por isso a Assembleia não pode emitir recomendações acerca duma matéria que esteja pendente naquele órgão, a menos que o Conselho de Segurança o solicite (artº 12º nº1).Dentro do âmbito da sua competência genérica, a Assembleia Geral não toma decisões obrigatórias mas emite simplesmente recomendações, desprovidas de carácter vinculativo para os Estados membros. Por esse motivo, quando qualquer questão exige uma actuação concreta, deverá a Assembleia Geral submetê-la ao Conselho de Segurança, nos termos do artº 11º nº2.Já no âmbito da sua competência específica, nos assuntos que se refiram à vida interna da Organização, as deliberações da Assembleia Geral têm força obrigatória, como scede nos casos dos artºs 15º a 18º.

Conselho de SegurançaO Conselho de Segurança define-se pela sua competência específica: cabe-lhe a responsabilidade principal na manutenção da paz e da segurança internacionais (artº 24º). E os membros das Nações Unidas ficam adstritos a aceitar e a aplicar as decisões do Conselho (artº 25º). Compõem-no hoje quinze membros, cinco permanentes – China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia – e dez não permanentes, escolhidos de 2 em 2 anos, sobretudo segundo um critério geográfico (artº 23º). O Conselho tem funcionamento permanente (artº 28º).O Conselho de Segurança delibera, nos termos do artº 27º, por maioria qualificada, sendo necessários nove votos. Mas ao passo que nas questões processuais os votos de todos os membros têm o mesmo valor, as deliberações sobre todas as outras questões exigem o voto de nove membros entre os quais os cinco membros permanentes. A cada membro permanente fica, assim, reservado o direito de veto (que hoje significa voto contrário e não simples abstenção ou ausência).A distinção entre questões processuais e outras levanta teoricamente, e tem levantado na prática, sérias dificuldades: em caso de dúvida, o próprio Conselho delibera acerca da

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qualificação da questão; mas a qualificação da questão não é considerada como uma questão processual, e nela intervém, portanto, a possibilidade de veto. Surge, desse modo, o chamado sistema do duplo veto: um membro permanente opõe-se a que uma questão seja considerada meramente processual (1º veto); e, quando o Conselho entra a discutir a questão, opõe-se a que seja tomada qualquer, ou uma determinada, resolução (2º veto).- Na Assembleia, rege o princípio da igualdade de todos os Estados e a qualificação de uma questão como importante ou não improtante depende de maioria- No Conselho, prevalece o princípio (algo aristocrático), da supremacia dos membros permanentes, sendo que a qualificação de uma qestão como processual ou não processual implica direito de veto.

Conselho Económico e SocialO Conselho Económico e Social é composto por 54 Estados-membros, eleitos pela Assembleia Geral, por um período de 3 anos, com renovação anual de um terço (artº 61º).Cada membro tem um voto e as deliberações do Conselho são tomadas pela maioria dos membros presentes e votantes (artº 67º).Representantes das organizações especializadas podem participar, sem voto, nas reuniões do Conselho, assim como representantes do Conselho podem participar em reuniões de órgãos dessas instituições (artº 70º).A sua competência desenvolve-se no plano económico, social, cultural, educacional, bem como em matéria de Direitos do Homem, podendo sobre tais assuntos dirigir recomendações à Assembleia Geral, aos Estados membros da ONU e às agências especializadas, preparar projectos de convenções, convocar conferências internacionais, etc. (artº 62º), embora não tendo poderes próprios de decisão.

Secretário-GeralO Secretariado das Nações Unidas forma o maior compleco administrativo existente em Organizações Internacionais. Ele é composto “de um Secretário-Geral e do pessoal exigido pela Organização” (artº 97º), ou seja, do Secretário-Geral (que a Carta qualifica como “o principal funcionário da Organização”) e de todos os funcionários e agentes ao serviço, pelo Mundo fora, das Nações Unidas. Pela relevância política da sua função e porque acaba por aparecer como a encarnação das Nações Unidas perante o Mundo e como o principal e mais activo símbolo dos anseios da Organização da preservação da paz e da segurança internacionais, o Secretário-Geral das Nações Unidas desempenha um papel fundamental na Política Internacional.O Secretário-Geral é eleito pela Assembleia Geral, sob recomendação do Conselho de Segurança (artº 97º). A Carta não fixa a duração do seu mandato, mas, por acordo posterior com o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral, mediante resolução, fixou-o em cinco anos, renováveis.O carácter estritamente internacional da função do Secretário-Geral e do demais pessoal do Secretariado, que se traduz na sua independência em relação aos Estados membros (artº 100º nº2), faz com que devam actuar com imparcialidade em relação a todos os Estados membros, norteando-se apenas pelas exigências colocadas pela prossecução dos fins da Organização. A competência do Secretário-Geral encontra-se definida nos artºs 98º e 99º da Carta. Mas, além disso, cabe-lhe também executar todas as tarefas de que venha a ser incumbido pela Organização ou que, no quadro dos objectivos visados pela Carta, lhe venham a ser solicitadas pelos Estados membros.

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Tribunal Internacional de JustiçaO Tribunal Internacional de Justiça não é o único órgão jurisdicional parauniversal; existem também o Tribunal Internacional de Direito do Mar e o Tribunal Penal Internacional.O Tribunal só está aberto aos Estados (artº 34º nº1 do Estatuto). Todos os membros das Nações Unidas são ipso facto partes no Estatuto. Mas também os Estados não membros das Nações Unidas poderão ser partes no Estatuto, em condições a determinar pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança (artº 93º da Carta).De harmonia com o artº 92º da Carta, o TIJ é “o principal órgão judiciário das Nações Unidas”. Tem competência contenciosa e competência consultiva. A primeira traduz-se no proferimento de sentenças, melhor dito, de acórdãos; a segunda consiste na emissão de pareceres, que podem ser solicitados pelos órgãos das Nações Unidas e pelas agências especializadas, como dispõe o artº 96º da Carta. Pelo contrário, a competência contenciosa é restrita às questões entre Estados.A competência contenciosa é, em princípio, facultativa, no sentido de que o Tribunal só pode conhecer das questões que lhe sejam submetidas pelas partes (artº 36º nº1 do ETIJ). Mas ela pode ser tornada obrigatória, prevista pelo artº 36º nº2 do Estatuto.Essa cláusula é facultativa na medida em que qualquer Estado é livre de a subscrever ou não, mas a sua subscrição tem por efeito tornar obrigatória a jurisdição do Tribunal e, dessa forma, permitir que o respectivo Estado seja demandado no Tribunal por um outro Estado que também tenha aceite a jurisdição do Tribunal. Na prática, como é cada Estado a determinar o conteúdo da cláusula que assina, já que a redacção da cláusula é livre, acontece que o âmbito da competência obrigatória do Tribunal é variável para cada Estado e que existe uma grande variedade de sistemas de aceitação da competência obrigatória.A competência consultiva versa sobre qualquer questão jurídica e é exercida a pedido da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança (artº 96º nº1 da Carta) ou, precedendo autorização da Assembleia, a pedido de qualquer outro órgão das Nações Unidas ou de qualquer instituição especializada (artº 96º nº2). É uma competência interna da Organização ou circunscrita à “família das Nações Unidas”. A importância dos pareceres é muito grande e já se tem considerado que é mais através deles do que através de litígios que o Tribunal Internacional de Justiça vem contribuindo para o progresso do Direito das Gentes.

18.6. O valor jurídico das resoluções da ONU

Não resta dúvida de que aquelas produzidas pela Assembleia Geral são obrigatórias apenas quando se referem ao funcionamento do próprio órgão. Quando dizem respeito ao comportamento que se espera dos Estados, fora do âmbito da organização, o entendimento tradicional é no sentido de lhes negar obrigatoriedade.

A maioria dos especialistas consideram que a maioria das resoluções da Assembleia Geral não são vinculativas. Os artigos 10º e 14º da Carta das Nações Unidas referem-se à Assembleia Geral como "recomendações"; a natureza recomendatória de resoluções da Assembleia Geral tem sido repetidamente salientado pela Tribunal Internacional de Justiça. No entanto, algumas resoluções da Assembleia Geral que tratem de questões internas das Nações Unidas, tais como as decisões orçamentais ou instruções para os

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órgãos hierarquicamente inferiores, são claramente vinculativas para os seus destinatários.

Nos termos do artº 25º da Carta, os Estados membros da ONU são obrigados a seguir “as decisões do Conselho de Segurança em conformidade com a presente Carta”. Resoluções tomadas sob o Capítulo VII são consideradas obrigatórias, mas as resoluções previstas no Capítulo VI não têm mecanismos de aplicação e são geralmente consideradas como não tendo força vinculativa nos termos do direito internacional.

Uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas é um texto com valor jurídico vinculativo, contrariamente a uma resolução da Assembleia-geral. Está consagrada no direito internacional público pelo artigo 25 da Carta das Nações Unidas : « Os membros da Organização comprometem-se a aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança conforme a presente Carta.»

O termo usado originalmente na Carta das Nações Unidas é « decisão », o termo «resolução» não figura em nenhuma parte do texto. A palavra é um anglicismo. A Carta (artigo 27) faz distinção entre dois tipos de decisão: as que são sobre questões de procedimentos e as que são sobre todas as restantes questões. No uso corrente, as resoluções são as « decisões sobre todas as restantes questões » (artigo 27 alínea 3), geralmente previstas nos capítulos VI (Regulação pacífica dos diferendos), VII (Acção em caso de ameaça contra a paz, de ruptura da paz e actos de agressão) e VIII (Acordos regionais) da Carta das Nações Unidas.

A resolução, no sentido dado pela ONU, designa assim toda e qualquer decisão que diga respeito a pontos precisados na Carta que não se sobreponham a :

competências próprias do Conselho de Segurança relacionadas com o seu funcionamento interno,

competências próprias dos órgãos das Nações Unidas, além do Conselho de Segurança (em especial as que fixam os seus regulamentos internos),

pontos relacionados com certos conselhos, organizações e agências ligadas à ONU.

De facto, o Conselho de Segurança não é o único órgão das Nações Unidas a tomar decisões ditas «resoluções». Certas decisões da Assembleia-geral, de um órgão subsidiário da Assembleia-geral ou de qualquer outra organização são igualmente chamadas «resolução».

18.7. O domínio reservado dos Estados – conteúdo e sentido actual

É princípio geral de Direito Internacional Comum a admissão do domínio reservado dos Estados, com a consequente proibição da intervenção alheia nos seus negócios internos. O principal campo de aplicação deste princípio tem sido o das relações entre os Estados e as Organizações Internacionais. A expressão actual com carácter para-universal do princípio do domínio reservado encontra-se no artº 2, nº 7 da Carta das Nações Unidas.Em que caso estaremos perante uma intervenção das Nações Unidas?

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A doutrina oferece fundamentalmente duas soluções diferentes para este problema:a primeira, que pode ser representada por Kelsen, entende que o termo intervenção está empregue na Carta num sentido não técnico, mas com um significado que abrange qualquer actuação dos órgãos das Nações Unidas. Tratando-se de um assunto de jurisdição interna, não poderia, então, nenhum órgão da Organização, de qualquer modo, ocupar-se do problema, nem formular sobre ele qualquer recomendação; posição análoga, embora conferindo ao conceito de intervenção um sentido menos amplo, é adoptada por Bindschedler, Goodrich e Hambro.A tendência maioritária nos órgãos das Nações Unidas tem sido sempre contrária à admissão deste entendimento lato do termo intervenção. Mas a restrição do domínio reservado dos Estados não se tem processado na Assembleia Geral tanto através da interpretação deste termo como da progressiva diminuição do âmbito da jurisdição interna que tem resultado das tentativas de definição material expressas ao longo dos anos em sucessivas resoluções da Assembleia Geral.Quais as matérias contidas na jurisdição doméstica e acerca das quais fica proibida a intromissão das Nações Unidas? Sob este prima, têm sido fundamentalmente propostos dois critérios: o critério jurídico e critério político.Segundo o critério jurídico, ou critério do Direito Internacional, não pertence à jurisdição interna uma questão que o Estado interessado tenha regulado através de um tratado internacional, quer bilateral quer multilateral.Surge então o chamado critério político, segundo o qual há questões que, em princípio, são de relevância interna, mas que se podem tornar de relevância internacional quando a sua existência afecte as relações internacionais, mais concretamente, afecte a paz e a segurança internacionais. Muito mais fluido e menos preciso, este critério baseia-se na eventual repercussão internacional de questões internas, repercussão que só por si justificaria a intervenção das Nações Unidas.Na prática, as Nações Unidas, ao longo dos tempos, foram aplicando um ou outro destes critérios, bastando que por qualquer deles pudesse resultar a sua competência. E a tendência, particularmente na Assembleia Geral, tem vindo a ser no sentido de a Organização se reconhecer sempre competente.Pode-se dizer, em resumo, que, de modo crescente, a orientação da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, particularmente da Assembleia Geral, em matéria de domínio reservado, se tem traduzido na regra de que só são essencialmente do domínio reservado dos Estados aquelas matérias que a maioria da Assembleia não tenha decidido que são de carácter internacional e que, por isso, cabem na sua competência (incumbe a esta a determinação da esfera de matérias pertencentes ou não à jurisdição interna do Estado).Nos anos mais recentes o âmbito do domínio reservado dos Estados sofreu uma ainda maior redução a propósito da protecção dos Direitos do Homem.Os Estados começam a aceitar uma Nova Ordem Jurídica e Política Internacional (e já não meramente Económica), cujo principal traço característico reside exactamente numa revisão dos princípios clássicos em matéria de relações entre o Direito Internacional e a soberania dos Estados, neste caso concreto e pelo que nos interessa neste lugar, entre a competência das Organizações Internacionais e o domínio reservado dos Estados.

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18.8. Áreas fundamentais de actuação

a) Segurança colectiva (remissão para o capítulo VI)Esta função corresponde ao primeiro dos fins das Nações Unidas, enunciado no artº 1º nº1 da Carta. Para o atingir, o sistema da Carta prevê três vias: o desarmamento, a solução pacífica dos conflitos, e uma série de medidas díspares previstas globalmente no Capítulo VII da Carta, e que incluem sanções contra a agressão.O desarmamento não é só a forma mais radical de tornar fisicamente impossível a ruptura da paz; tem também a utilidade complementar de permitir a mobilização para outros fins, mais ligados ao desenvolvimento económico, social e cultural dos povos, das importâncias afectadas pelos Estados aos seus orçamentos militares. As referências ao desarmamento aparecem, incidentalmente, nos artºs 26º e 47º nº1 da Carta. Qualquer sistema de segurança colectiva tem necessariamente de prever formas de solução pacífica dos conflitos, a fim de evitar que estes possam degenerar em ruptura da paz ou de, consumada a ruptura da paz, dar prioridade à resolução do conflito por meios pacíficos, para não agravar o conflito. No sistema previsto na Carta, a solução pacífica dos conflitos encontra-se destacada logo no seu artº 1º nº1. E dela se ocupa, com desenvolvimento, o Capítulo VI da Carta, em espeical o artº 33º nº1. Mas pode acontecer que os meios previstos para a solução pacífica dos conflitos, tal como esta se encontra regulada no Capítulo VI da Carta, não consigam pôr termo ao litígio. Nesse caso, o sistema da Carta impõe que se lance mão das medidas para pôr termo à ameaça à paz, à ruptura da paz ou aos actos de agressão. Dessas medidas se ocupa o Capítulo VII da Carta. Na moderna terminologia das Nações Unidas, embora nem sempre de modo inequívoco, essas medidas, quando destinadas a renovar uma ameaça à paz (portanto, uma ruptura ainda não consumada da paz), designam-se de medidas de peace-keeping; diferentemente, quando elas visam acabar com uma já consumada ruptura da paz ou agressão, e puni-la, chamam-se de medidas de peace-making.De harmonia com o Capítulo VII, as medidas que o Conselho de Segurança pode tomar são de três categorias: medidas provisórias, sanções não militares e sanções militares.Medidas provisórias- De harmonia com o artº 40º, o Conselho pode, mesmo antes de verificar a existência de uma ameaça à paz, ruptura da paz ou acto de agressão, aprovar o que ele próprio designa de “medidas provisórias”, visando “evitar que a situação agrave”.Sanções não militares- Segundo o artº 41º, conjugado com o artº 39º, se o Conselho de Segurança verificar que existe uma ameaça à paz, uma ruptura da paz ou um acto de agressão (e tendo ou não, conforme as circunstâncias do caso concreto, ele tomado previamente as medidas a que se refere o artº 40º), pode agir mais energicamente, aprovando contra o Estado infractor sanções que não implicam o uso de meios militares.Sanções militares- No caso de as sanções previstas no artº 41º se haverem revelado “inadequadas”, o artº 42º permite ao Conselho que aplique ao Estado infractor sanções militares. O que está estabelecido na Carta foi que todos os Estados membros se comprometiam a colocar ao dispôr do Conselho, de harmonia com acordo ou acordos especiais a celebrar caso a caso, as forças armadas necessárias. É o que estabelece o artº 43º e

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é o que resulta também do artº 48º.

b) Auto-determinação dos povosUm dos princípios fundamentais dos quais a Carta faz depender a preservação da paz e da segurança internacionais é o direito dos povos à autodeterminação, como se extrai dos artºs 1º nº2 e 55º.A interpretaçao da Carta e, concretamente, do seu artº 73º, seria profundamente alterada pela Resolução de 1514, aprovada pela Assembleia Geral, em 14 de Dezembro de 1960, e que se intitula Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais. Esta Resolução passou a valer como verdadeira Carta ou Declaração da descolonização para as Nações Unidas.Detendo-nos agora um pouco mais sobre o direito dos povos à autodeterminação, convém começar por enfatizar que, nã obstante os desvios que a prática das Nações Unidas trouxe ou tolerou à sua pureza, ele é um autêntico direito, e não um mero princípio político. Como vimos, ele encontra-se consagrado, dessa forma, na Carta das Nações Unidas. E, pelas regras sobre hierarquia das fontes, a Carta prevalece sobre o Direito emanado dos órgãos da Organização.Depois, a sua inscrição na citada Resolução 1514 deve ser interpretada como significando a sua equivalência a um autêntico direito dos povos à descolonização, tendo como contrapartida, da parte do Estado administrante, uma verdadeira obrigação de consultar o povo colonizado.

c) Protecção internacional dos Direitos do HomemO artº 1º nº3 da Carta impõe à Organização a promoção dos Direitos do Homem no quadro mais vasto da cooperação económica e social internacional.Uma das primeiras realizações da ONU na matéria foi a aprovação pela Assembleia Geral da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de Dezembro de 1948.Aquela Declaração foi completada e desenvolvida por dois pactos: o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Ambos os Pactos foram aprovados pela Assembleia Geral em 16 de Dezembro de 1966 e entraram em vigor, respectivamente, em 23 de Março e 3 de Janeiro de 1976. São esses, sem dúvida, os principais instrumentos internacionais das Nações Unidas em matéria de Direitos do Homem, mas várias outras declarações e convenções foram aprovadas pela Assembleia Geral.Quase todos esses textos criam órgãos encarregados de fiscalizar a sua execução. O mais importante deles é o Comité dos Direitos do Homem, criado em 1977 em aplicação dos artºs 28º e seguintes do Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos.

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18.9. A reforma das Nações Unidas – pressupostos e condicionantes

São referidas razões externas à organização (alterações nos últimos 60 anos no poder relativo entre Estados e nas ameaças à paz e segurança internacionais) e razões internas (desadequação de alguns dos seus princípios de base, da estrutura institucional e dos procedimentos de administração) para a reforma das Nações Unidas.Tema recorrente desde há muito, a reforma da estrutura institucional e administrativa das Nações Unidas tem como pontos principais:- alargamento do Conselho de Segurança, com a entrada de novos membros permanentes (como o Brasil, a Índia, o Japão, a Alemanha e alguns países africanos) e reponderação do sistema de veto;- atribuição de jurisdição obrigatória ao Tribunal Internacional de Justiça, acesso ao seu contencioso por organizações internacionais e eventual criação de um tribunal de 1ª instância;- reforço do papel do Conselho Económico e Social e eventual extensâo da sua competência a questões ambientais;- adequação do capítulo VII a conflitos locais e situações de emeergência;- revisão do sistema de funcionamento e diminuição do peso burocrático.Independentemente de outros factores, os sistema das emendas, com exigência de 2/3 dos votos dos membros da Organização e voto favorável dos membros permanentes do Conselho, tem inviabilizado qualquer alteração.

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Protecção Internacional dos Direitos do Homem

Uma limitação decisiva à soberania dos Estados no período do pós-2.ª Guerra Mundial prende-se justamente com a protecção dos direitos do Homem. Os principais passos nesse processo são:

O reconhecimento na Carta das Nações Unidas dos “direitos fundamentais do homem, na igualdade de direitos entre homens e mulheres”. O artigo 1º da Carta define os fins das Nações Unidas como envolvendo a cooperação “para promover e encorajar o respeito pelos Direitos Humanos e pelas liberdades fundamentais de todos, sem distinção quanto á raça, sexo, língua ou religião;

O surgimento da comissão dos Direitos Humanos, no âmbito da ONU, criada em 1646;

A celebração dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos em 1966, recebendo como inspiração a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Estes Pactos entraram em vigor em 1976, com a força jurídica de tratados;

As convenções gerais sobre Direitos Humanos (convenções contra o Genocídio, tortura, Guerra, Contra a Humanidade, refugiados, etc.);

Os mecanismos regionais de protecção internacionais dos direitos humanos, de que é exemplo a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e os seus dois Protocolos.

A Protecção internacional dos direitos do homem é uma das modalidades de protecção das pessoas através do Direito Internacional, a mais importante, embora não a única, visa portanto, assegurar direitos dos indivíduos e assegurá-los perante o próprio Estado de que são membros. Nela se enquadra a protecção das minorias. Mas a seu lado subsistem a protecção diplomática, a protecção humanitária e a protecção dos refugiados.

A protecção diplomática, destina-se a permitir a cada Estado, através dos seus representantes diplomáticos e consulares, defender as pessoas e os bens dos seus súbditos ou cidadãos relativamente aos Estados estrangeiros em cujo território se encontrem ou residam.

A protecção humanitária refere-se a situações de extrema necessidade, em que não se já trata da defesa contra poderes jurídicos ou fácticos, mas da própria, associada sobretudo à acção da Cruz Vermelha, surgiu para proteger, em caso de guerra, militares postos fora de combate e populações civis. Remontando à Convenção de 1864, tem como fontes principais as quatro Convenções de Genebra de 1949, com os respectivos protocolos adicionais, e os seus princípios aplicam-se não só a conflitos armados mas também a catástrofes naturais e tecnológicas.

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A protecção dos refugiados, não se identifica com a protecção humanitária, porque aqui a relação com os Estados e com a comunidade de Estados se revela fortíssima, pelo menos com vista á liberdade de deslocação, à possibilidade de acolhimento e às garantias contra o arbítrio.

Um Direito Internacional dos direitos do homem vai-se tornando crescentemente autonomizado no seio do Direito Internacional dos nossos dias, com as seguintes características:

Direito marcadamente objectivo; Direito multilateral, independente da reciprocidade de vantagens e de obrigações

entre os Estados e orientado pelos fins que se lhes impõem; Direito de geometria variável, com expressões mundiais e regionais e de alcance

geral ou sectorial; Um Direito correspondente no seu principio e no seu conjunto a um “mínimo

ético”, a um mínimo ético universal, a par de progressos significativos em certas áreas;

Um Direito sobretudo de fonte convencional, a despeito de a sua matriz se encontrar na Declaração Universal;

Um Direito hoje já com importantes desenvolvimentos jurisprudenciais; Um Direito de cooperação, e não já apenas de coordenação.

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O Reconhecimento da Carta das Nações Unidas

A Carta das Nações Unidas, já por si contém normas substantivas sobre direitos do homem: os artigos 1.º, n.º3, 55.º alínea c), 56.º e 76.º.

Mas é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada no seu imediato seguimento, que enuncia e precisa os grandes princípios de respeito pela pessoa e pela sua dignidade (artigos. 1.º, 2.º, 28.º, 29.º e 30.º) e que se apresenta um primeiro catálogo de direitos, reconduzíveis uns a direitos, liberdades e garantias (artigos 3.º e 21.º) e outros a direitos económicos, sociais e culturais (artigos 22.º e 27.º).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem

A DUDH não é um tratado, e portanto não goza de valor jurídico vinculativo, pelo facto de não ter existido na data da sua aprovação necessário consenso para que isso fosse possível, sendo aprovada sob a forma de resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, não vinculativa para os Estados (art.10.º da Carta). A sua data de proclamação foi a 10 de Dezembro de 1948.

No seu conteúdo destacam-se as garantias de protecção e segurança dos indivíduos bem como a consagração de direitos de autonomia pessoal e de direitos económicos e sociais. Esta declaração debruça-se, do mesmo modo, sobre os direitos respeitantes ao estatuto social e jurídico dos indivíduos. Tal como o próprio nome indica, a mesma tem um valor meramente declarativo. A DUDH constitui um instrumento normativo válido relativamente aos órgãos das Nações Unidas.

Importa salientar que foi a partir da DUDH que os princípios atinentes aos direitos do homem se difundiram e começaram a sedimentar-se na vida jurídica internacional, a ponto de alguns deles se elevarem a princípios de “jus cogens”.

Os Pactos Internacionais de 1966

A partir da Carta da ONU e da DUDH, o direito internacional dos direitos humanos evoluiu para um complexo sistema de tratados multilaterais através dos quais se estipulam padrões incondicionais, absolutos e categóricos de conduta para os Estados no domínio dos direitos humanos. No desenvolvimento do direito internacional dos direitos do homem devem destacar-se o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais (PIDESC), ambos assinados a 19 de Dezembro de 1966. Os mesmos se traduziram na concretização e ampliação dos direitos contidos na DUDH e, têm como principal objectivo conferir força jurídica vinculativa aos direitos humanos, algo que não sucedia com a DUDH. E, ainda ambos os direitos civis e políticos e económicos, sociais e culturais podem e devem ser vistos como decorrências universalmente válidas de uma

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mesma concepção da dignidade da pessoa humana, apontando para um entendimento amplo de autonomia individual, e dos princípios gerais nela radicados de liberdade, igualdade e solidariedade.

Foram celebrados dois protocolos facultativos adicionais ao Pacto de Direitos Civis e Políticos: o primeiro, também de 1966, de finalidade essencialmente processual; e o segundo, de 1990, tendente à abolição da pena de morte.

Portugal aderiu ao primeiro em 1982 e ratificou o segundo em 1990.

Outras convenções internacionais

Outras convenções internacionais de protecção dos direitos humanos aprovados sob a égide das Nações Unidas, são as seguintes:

A Convenção sobre Genocídio, de 1948, instrumento do maior relevo na conformação do direito internacional contemporâneo.

A Convenção sobre Refugiados, de 1951, Protocolo de 1967; Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial, de 1965; A aprovação da Convenção sobre os Direitos políticos das Mulheres; Igualmente importante é a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação

Contra as Mulheres, de 1980, juntamente com o respectivo Protocolo Facultativo;

Convenção para o Combate e a Punição do Crime de Apartheid; Convenção de direitos da criança.

Os órgãos com competência no domínio dos direitos do homem

Os órgãos previstos na Carta das Nações Unidas com competência no domínio dos direitos do homem são:

O Conselho Económico e Social, como órgão específico no âmbito dos direitos do homem, através de recomendações (art.62.º, n.º2), projectos de convenções (art.62.º, n.º3), conferências (art.62.º, n.º4), acordos com organizações especializadas (art.63.º), relatórios destas (art.64.º), assistência ao Conselho de Segurança (65.º) e serviços que lhe sejam solicitados pelos membros da Organização (art.66.º);

A Assembleia Geral, como órgão competente para promover estudos e fazer recomendações (art.13, n.º1, Alina b)), tendo como órgãos subsidiários o Conselho dos Direitos do Homem e os Altos Comissários para os Refugiados e para os Direitos do Homem;

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O Tribunal Internacional de Justiça, como órgão jurisdicional que pode ser chamado a decidir questões entre os Estados atinentes a direitos do homem _(arts. 92.º e seguintes).

Mecanismos institucionais de protecção – através deles pretende-se tornar efectivos os direitos humanos no plano internacional.

Comité de Direitos Humanos

Trata-se de uma entidade composta por 18 peritos em direitos humanos, cumprindo mandatos de 4 anos, dotada com independência perante os Estados. Foi o Protocolo Facultativo ao PIDCP, que procedeu à instituição do Comité dos Direitos Humanos. O Comité tem competência para analisar os relatórios anuais dos Estados sobre a situação dos direitos humanos de cada um deles, a elaborar de acordo com normas aprovadas por aquele, cabendo-lhe igualmente emitir um parecer. Ao Comité cabe ainda a apreciação de denúncias estaduais contra outros Estados (artigo 41.º do PIDCP), bem como a apreciação de denúncias de particulares de acordo com um procedimento quase-contencioso. O Comité pode ainda decidir da nomeação de relatores especiais, por países ou por temas, bem como da nomeação de relatores especiais em situações de crise (ex. Jugoslávia).

Comissão de Direitos Humanos

A Comissão de Direitos Humanos, composta por 53 Estados, é um órgão subsidiário do Conselho Económico e Social da ONU. A sua sessão anual ordinária realiza-se durante 6 semanas em Março e Abril, em Genebra, com a presença de observadores de Estados e ONG´s. Trata-se de uma das várias comissões funcionais deste Conselho, cuja função é, apreciar questões relacionadas com os direitos humanos, por Estado ou por área temática, e elaborar recomendações. Deve destacar-se a sua competência para investigar violações graves de direitos humanos e de apreciação de denúncias.

Comité Especiais O comité para a Eliminação de Discriminação Racial (arts. 8.º e seguintes da respectiva Convenção), o Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (arts. 17.º e seguintes da respectiva Convenção), o Comité contra a tortura (artigos 17.º e seguintes da respectiva Convenção), e o comité dos Direitos da Criança (artigos 43.º e 44.º da respectiva Convenção).

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Alto Comissariado para os Direitos Humanos

Entre as suas funções contam-se, nomeadamente, a promoção dos direitos humanos, a nível interno e internacional, em todos os domínios das relações internacionais. Compete-lhe agir em colaboração com todos os órgãos de protecção dos direitos humanos, reagir à ocorrência de violações graves e desenvolver acções de carácter preventivo, nomeadamente através de missões em regiões específicas. O Alto Comissariado desenvolve ainda actividades nos domínios da sensibilização e educação para os direitos fundamentais.

Organização Internacional do Trabalho

A OIT foi criada pelo Tratado de Versalhes de 1920, como um fórum internacional de discussão da temática dos direitos sociais.

A doutrina considera que o trabalho da OIT tem dado lugar à afirmação de quatro tipos essenciais de direitos. Em primeiro lugar, consagram-se direitos básicos, incluindo direitos contra a servidão involuntária, contra a exploração do trabalho infantil e a discriminação. Em segundo lugar, temos os direitos cívicos, compreendendo a liberdade de associação sindical e de contratação colectivo. Em terceiro lugar, temos os chamados direitos de sobrevivência, como o direito a um subsidio por invalidez ou a não ser exposto a condições excessivamente perigosas. Em quarto lugar, afirmaram-se os direitos de segurança, compreendendo restrições ao despedimento e direito a uma pensão de reforma.

Organizações regionais

Conselho da Europa

Organização instituída em 1949, é um dos mais significativos produtos do rescaldo da II Guerra Mundial. Inicialmente integrado por 10 Estados membros, sendo constituído agora por 47 Estados , incluindo os 27 que formam a União Europeia.

Os seus propósitos são a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento democrático e a estabilidade político-social na Europa. Trata-se portanto, de uma organização internacional dotada de um escopo alargado, abrangendo as diferentes áreas da vida politica, jurídica, económica, social e cultural, encaradas num sentido amplo, em que se concretiza a identidade europeia.

O Conselho da Europa pretende ser aberto à participação de todos os Estados europeus dispostos a aceitar a democracia, o Estado de direito e o respeito dos direitos fundamentais.

É importante não confundir o Conselho da Europa com:

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O Conselho da União Europeia, constitui a principal instância de decisão da União Europeia. É a expressão da vontade dos Estados-Membros, cujos representantes se reúnem regularmente a nível ministerial.

O Conselho Europeu, é o mais alto órgão político da União Europeia (27 Estados). É composto pelos Chefes de Estado ou de Governo dos países membros da União, juntamente com o Presidente da Comissão Europeia. A sua reunião é presidida pelo membro do Estado-Membro que actualmente detém a Presidência do Conselho da União Europeia.

Dentro do Conselho da Europa encontra-se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Convenção Europeia dos Direitos do Homem:

Assinada em Roma em 1950, aprovada dois anos depois da DUDH, tendo entrado em vigor em 1953. Foi o primeiro texto de protecção a nível regional e o primeiro que introduziu o acesso directo do individuo a uma instância internacional para defesa dos seus direitos contra o próprio Estado.

Surgida no contexto histórico do pós-guerra, sob o impulso do Conselho da Europa e beneficiando da experiência acumulada de sistemas constitucionais de democracia pluralista e de Estado de Direito tanto como da experiencia de reacção aos regimes totalitários, veio a dar origem a um muito aperfeiçoado sistemas de garantias, a um Direito europeu dos direitos do homem não menos significativo que o Direito Comunitário.

Com a conquista da democracia pluralista, a partir de 1974 no Sul do Continente e a partir de 1989 no Leste, a Convenção vincula hoje quarenta Estados. A CEDH pretende portanto, proceder à concretização dos direitos contidos na declaração de direitos das Nações Unidas, embora seja menos completa que o PIDCP, de 1966. Para esse efeito a mesma estabelece obrigações jurídicas para os Estados partes, independentemente da posição (ex: supra-constitucional, constitucional, supra-legal, legal) que assume no direito interno de cada um deles.

Portugal viria a ratificá-la e aos protocolos até então celebrados após a entrada em vigor da Constituição de 1976.

O tratado de 1950 viria a ser complementado por catorze protocolos, uns acrescentando novos direitos à Convenção, outros regulando matérias organizatórias ou processuais). O mais importante dos protocolos é o 11.º, assinado em 1994 e entrado em vigor em 1998, o qual simplificou e reforçou o sistema de garantia dos direitos e tornou obrigatória a jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para receber queixas dos Estados e “petições” individuais.

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Nos termos do artigo 1.º da CEDH, todos os Estados partes na convenção estão vinculados pelo dever de garantir a todos os indivíduos sob a sua jurisdição, sem discriminações, os direitos e as liberdades consagrados e os respectivos meios de protecção de direito interno (artigo 13.º da CEDH). Esta obrigação aplica-se aos protocolos adicionais, considerados artigos suplementares da convenção, dotados do mesmo regime, na medida em que tenham sido subscritos pelos Estados.

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, França, foi criado pelos Estados membros do Conselho da Europa em 1959 em virtude da Convenção Europeia dos Direitos Humanos de 1950, como um meio para fazer com que os Estados respeitem os direitos humanos.Todos os Estados membros do Conselho da Europa devem ser Parte no CEDH e assim, submeter-se à jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Cada Estado membro tem a obrigação de garantir que todas as pessoas sob sua jurisdição desfrutem dos direitos estabelecidos na Convençao Europeia dos Direitos Humanos.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode receber “petições” (correspondem, a uma realidade composta de queixa e acção judicial) de qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por qualquer Estado vinculado pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, portanto, desde logo, pelo próprio Estado de que se é cidadão, de qualquer direito reconhecido na Convenção ou nos seus protocolos (art.34.º da Convenção, após as alterações feitas pelo Protocolo Adicional n.º11).

O Tribunal funciona em comités de três juízes, em secções de sete e em tribunal pleno de 17. Não declarada inadmissível uma “petição” pelo comité, cabe a uma das secções pronunciar-se quanto à admissibilidade e quanto ao fundo, podendo, em caso de questão grave ou de contradição com anterior decisão do Tribunal, a questão ser devolvida ao tribunal pleno (arts. 27.º e segs. da Convenção).

O Tribunal Europeu não anula, nem revoga as decisões dos tribunais internos dos Estados. No essencial, apenas decide se houve ou não violação de direitos garantidos pela Convenção ou por qualquer dos protocolos e, em caso positivo, poderá, se o Direito interno do Estado só por forma imperfeita permitir remediar as suas consequências, conceder à vítima uma reparação razoável (art.41.º após o Protocolo n.º11). As decisões definitivas são vinculativas e, para esse efeito da sua execução, transmitidas ao Comité de Ministros (art.46.º)

O Tribunal possui igualmente uma competência consultiva: a pedido do Comité de Ministros, pode emitir pareceres sobre questões jurídicas relativas à interpretação da Convenção e dos seus protocolos (art.47.º).

Desde 1998, qualquer pessoa física grupo de particulares ou organização não governamental, que se considere vitima de uma violação de seus direitos em virtude do CEDH por um Estado-Parte nesta Convenção. E que já tenha esgotado as vias de

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recurso em seu pais, dentro de certas condições pode apresentar uma demana directamente ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Um Estado também pode apresentar uma demanda contra outro Estado.

O Sistema Institucional da Convenção Europeia

A Convenção Europeia, ratificada por todos os Estados-Membros da União, institui diversos órgãos de controlo sediados em Estrasburgo:

A Comissão Europeia dos Direitos do Homem – encarregada de examinar previamente os pedidos apresentados por um Estado ou, eventualmente, uma pessoa (artigos 20.º e seguintes);

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como órgão jurisdicional (artigos 38.º e seguintes) e como órgão consultivo (artigo 1.º do Protocolo n.º 2);

Um Comité dos Ministros do Conselho da Europa, que desempenha o papel de proteger a CEDH, ao qual se pode recorrer a fim de obter uma resolução politica do diferendo, sempre que um processo não tenha sido submetido ao Tribunal.

A Carta Social Europeia

Paralela à Convenção e mais uma vez exibindo a dicotomia direitos de liberdade/direitos sociais, encontra-se a Carta Social Europeia, aprovada em 1961, alterada por Protocolos de 1991 e de 1995 e agora substituída pela Carta Revista de 1996.

Portugal ratificou a Carta somente em 1991, mas o Protocolo logo em 1992.

Da carta constam, principalmente, direitos dos trabalhadores a que corresponde uma relativa diversidade de obrigações dos Estados.

São órgãos de aplicação os comités de peritos, o comité governamental, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e o Comité de Ministros.A fiscalização do cumprimento das obrigações faz-se através de relatórios ao Secretário-geral do Conselho da Europa, através da sua apreciação por um Comité Europeu dos Direitos Sociais e através de recomendações do Comité de Ministros.

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A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia

Elaborada a partir de uma Convenção e proclamada, em Dezembro de 2000, pelo Parlamento, pelo Conselho e pela Comissão, mas desprovida de carácter vinculativo imediato, por não ter assumido a forma de tratado e estatuir que não cria novas atribuições ou competencias para comunidade ou para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas no Tratado (art.51.º, n.º2).

Em confronto com a Convenção Europeia, ela alarga substancialmente o acervo de direitos e oferece uma melhor sistematização, embora seja menos pormenorizada ao descrever os respectivos conteúdos. Mas tem o cuidado de precisar que, havendo correspondência entre os direitos nela declarados e os previstos na Convenção, o sentido e o âmbito deles são iguais aos conferidos pela Convenção, a não ser que a Carta garanta uma protecção mais extensa (art.52.º, n.º3).

Por outro lado, a Carta estipula ainda que nenhuma das suas disposições pode ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos e liberdades fundamentais, reconhecidos, nos respectivos âmbitos de aplicação, pelo Direito da União, pelo Direito Internacional e pelas convenções internacionais de que são partes a União, a Comunidade e todos os Estados-membros, nomeadamente a CEDH.

Inovadores em relação à Convenção Europeia são os seguintes artigos da Carta:

Art.2.º; art.3.º,n.º2; art.8.º; art.11, n.º2 (Ver pagina 319)….

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