resumo de bobbio, norberto. a teoria das formas de governo

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Teoria das Formas de Governo - Norberto Bobbio BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo ; tradução  Sérgio Bath. - Brasília: UnB, 1980 1 Uma Discussão Célebre “(...) na discussão referida por Heródoto, na sua História (Livro III, pag. 80-82), entre três persas- Otanes, Megabises e Dario - sobre a melhor forma de governo a adotar no seu país depois da morte de Cambises.” “(...) A passagem é verdadeiramente exemplar porque, como veremos, cada uma das três personagens defende uma das três formas de governo que poderíamos denominar de “clássicas” - não só porque foram transmitidas pelos autores clássicos mas também porque se tornaram categorias da reflexão política de todos os tempos (razão porque são clássicas mas igualmente modernas). Essas três formas são: o governo de muitos, de poucos e de um só, ou seja, “democracia”, “aristocracia” e “monarquia”.” 1 / 38

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Resumo da obra de Bobbio, com as teorias de Platão, Aristóteles, Políbio, Maquiavel, Bodin, Hobbes etc.

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  • Teoria das Formas de Governo - Norberto Bobbio

    BOBBIO, Norberto.A Teoria das Formas de Governo; traduo Srgio Bath. - Braslia: UnB,1980

    1 Uma Discusso Clebre

    (...) na discusso referida por Herdoto, na sua Histria (Livro III, pag. 80-82), entre trspersas- Otanes, Megabises e Dario - sobre a melhor forma de governo a adotar no seu pasdepois da morte de Cambises.

    (...) A passagem verdadeiramente exemplar porque, como veremos, cada uma das trspersonagens defende uma das trs formas de governo que poderamos denominar declssicas - no s porque foram transmitidas pelos autores clssicos mas tambm porque setornaram categorias da reflexo poltica de todos os tempos (razo porque so clssicas masigualmente modernas). Essas trs formas so: o governo de muitos, de poucos e de um s, ouseja, democracia, aristocracia e monarquia.

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    Otanes props entregar o poder (...): minha opinio que nenhum de ns deve ser feitomonarca (...). De que forma poderia no ser irregular o governo monrquico se o monarcapode fazer o que quiser(...).

    "O governo do povo, porm, merece o mais belo dos nomes, isotomia; no faz nada do quecaracteriza o comportamento do monarca. Os cargos pblicos so distribudos pela sorte; os magistrados precisam prestar contas do exerccio do poder; todas as decises esto sujeitas avoto popular."

    Megabises, contudo, aconselhou a confiana no governo oligrquico: subscrevo o que disseOtanes em defesa da abolio da monarquia; quanto atribuio do poder ao povo, contudo, seu conselho no o mais sbio. A massa inepta obtusa e prepotente; nisto nada se lhecompara. De nenhuma forma se deve tolerar que, para escapar da prepotncia de um tirano,se caia sob a da plebe desatinada. Tudo o que faz, o tirano faz conscientemente; mas o povono tem sequer a possibilidade de saber o que faz. (...) quanto a ns, entregaramos o poder a um grupo de homens escolhidos dentre osmelhores - e estaramos entre eles. natural que as melhores decises sejam tomadas pelos que so melhores.

    Em terceiro lugar, Dario manifestou sua opinio (...). Entre as trs formas de governo, todaselas consideradas no seu estado perfeito, isto , entre a melhor democracia, a melhoroligarquia e a melhor monarquia, afirmo que a monarquia superior a todas. Nada poderiaparecer melhor do que um s homem - o melhor de todos; com seu discernimento, governariao povo de modo irrepreensvel; como ningum mais, saberia manter seus objetivos polticos asalvo dos adversrios.

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    Numa oligarquia, fcil que nasam graves conflitos pessoais entre os que praticam avirtude pelo bem pblico (...) Por outro lado, quando o povo que governa, impossvel nohaver corrupo na esfera dos negcios pblicos, a qual no provoca inimizades, mas simslidas alianas entre os malfeitores(...), at que algum assume a defesa do povo e pe fims suas tramas, tomando-lhes o lugar na admirao popular;(...) torna-se monarca.

    O captulo apresenta uma discusso clssica sobre trs teorias polticas distintas, ademocracia, a oligarquia e a monarquia. A primeira parte do texto, muito bem escrito, leva oleitor a concordar com Otanes e o governo do povo, os bons argumentos denigrem amonarquia e elevam a democracia. Entretanto, logo aps, Megabises encontra fortes motivosque levam o leitor a concordar que a oligarquia realmente a melhor opo de governo,dizendo que no governo do povo, no existe conscincia deste no que faz. Alm disso, ataca amonarquia com argumentos sobre a prepotncia de um tirano no poder. Ento Dario entra em cena e manifesta suas palavras que deixam o leitor confuso sobre qual a verdadeira melhoropo. Os argumentos voltam a ser convincentes, mas agora na defesa da monarquia. Dariodiz que nada poderia ser mais benfico do que o melhor dos homens no comando. Aindaafirma que os conflitos de poder na oligarquia levam monarquia e que no governo dos povosh a aliana de malfeitores.

    Percebe-se ao final da leitura, que a inteno do autor foi realmente de deixar o leitorpensativo e ponderar os prs e contras de cada um dos trs tipos de governo. uma leituraagradvel e pouco extensa, ideal para uma reflexo sobre formas organizao poltica de um estado.

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    2 Plato

    Em vrias das suas obras Plato (428-347 a.C.) fala das diversas modalidades deconstituio.(...) O dilogo deA Repblica , como todos sabem, uma descrio da repblicaideal, que tem por objetivo a realizao da justia entendida como atribuio a cada um da obrigao que lhe cabe, de acordo com as prprias aptides. Consiste na composioharmnica e ordenada de trs categorias de homens os governantes-filsofos, os guerreirose os que se dedicam aos trabalhos produtivos. Trata-se de um estado que nunca existiu emnenhum lugar.(...)

    Todos os estados que realmente existem, os estados reais, so corrompidos embora demodo desigual. (...)

    Diferentemente do captulo anterior, onde eram expostos os lados positivos e negativos dosassuntos, Plato sucede seqenciais formas ms, a constituio boa no entra na sucesso,apesar de ela existir por si, como modelo. As quatro consituies corrompidas que Plato examina so a timocracia, oligarquia, democracia e tirania. A novidade ento para o leitor aexposio de uma forma de governo que at agora no havia aparecido no livro, a timocracia,

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    que vem de honra. Seria uma forma introduzida por Plato para designar a transio entre aconsituio ideal e as trs formas ruins tradicionais. O exemplo dado pelo livro de governotimocrtico Esparta, onde guerreiros eram honrados mais do que sbios.

    Como j foi dito, para as representaes tradicionais, h apenas um movimento descendente:a timocracia a degenerao da aristocracia, pressuposta forma perfeita e assim se segue adegenerao. A pior forma seria a tirania, com a qual o processo degenerativo chega ao ponto mximo.

    Cada um desses homens, que representa um tipo de classe dirigente, e portanto uma formade governo, retratado de modo muito eficaz mediante a descrio da sua paixo dominante:para o timocrtico, a ambio, o desejo de honrarias; para o oligrquico, a fome de riquezas;para o democrtico, o desejo de imoderado de liberdade (que se transforma em licena); parao tirnico, a violncia.(...)

    O autor nesse momento transcreve trechos da obra de Plato que exemplificam os quatrotipos diferentes de homens. O timocrtico, oligrquico, democrtico e tirnico. So dilogosque objetivamente atacam os sistemas de governo no seu mal evidente.

    (...) a corrupo de um princpio consiste no seu excesso.A honra do homem timocrtico secorrompe quando se transforma em ambio imoderada e nsia de poder.A riqueza do homem oligrquico, quando se transforma em avidez, avareza, ostentao despudorada de bens, que

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    leva inveja e revolta dos pobres. A liberdade do homem democrtico, quando este passa aser licencioso, acreditando que tudo permitido, que todas as regras podem ser transgredidasimpunemente.O poder tirano, quando se transforma em puro arbtrio, e violncia pela prpria violncia.

    O autor tambm transcreve um trecho da obraO Poltico, um pequeno dilogo onde umfilsofo comenta suas idias sobre as trs formas de governo que na verdade apresentam-seem cinco.

    No que diz respeito tipologia deA repblica, ela menos original. Sua nica diferena, emcomparao com a tipologia que se tornar clssica, a das seis formas de governo- trs boase trs ms- que em O Poltico a democraciatem um s nome, o que no quer dizer que, diferentemente das outras formas de governo, apresente um nico modelo.(...)

    (...) Plato coloca tambm o problema do confronto entre as vrias formas de governo, paraavaliar se so relativamente mais ou menos boas (ou ms); e sustenta a tese de que, se verdade que a democracia a pior das formas boas, no entanto a melhor das ms.(...)

    Outra coisa a observar, (...) o critrio ou critrios com base nos quais Plato distingue asformas boas das ms.(...) veremos que esses critrios so, em substncia, dois: violncia e consenso,legalidade e ilegalidade.As formas boas so aquelas em que o governo no se

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    baseia na violncia, e sim no consentimento ou na vontade dos cidados; onde ele atua deacordo com leis estabelecidas, e no arbitrariamente.

    Ao fim do captulo, o leitor percebe que para um melhor entendimento da viso crtica dePlato sobre as formas de governo seria interessante a leitura do livro onde ele exps as suasteorias na ntegra. Entretanto, o resumo explicativo de Bobbio de grande ajuda para oesclarecimento rpido das idias platnicas sobre o assunto.

    3 Aristteles A teoria clssica das formas de governo aquela exposta por Aristteles (384 322a.c.) naPoltica. Esta obra est dividida em oito livros, dedicados descrio e classificao das formas degoverno, origem do Estado, crtica s teorias polticas precedentes, mudanas dasconstituies, estudo das vrias formas de democracia e oligarquia e as melhores formas degoverno.

    Um tema a respeito do qual Aristteles no cessa de chamar a ateno do leitor o de queh muitas constituies diferentes(...) Nobbio ento cita um trecho do stimo livro dePoltica em que Aristteles discorre sobre a teoria das seis formas de governo. Ento ele continua,Com base no primeiro critrio, as constituies podem ser distinguidas conforme o poderresida numa s pessoa (monarquia), em poucoas pessoas (aristocracia) e em muitas (politia). Com base no segundo, as constituies podem ser boas ou ms, com a conseqncia que s trs primeiras formas boas se acrescentam e se contrapem s trsformas ms (a tirania, a oligarquia e a democracia) O estranho para o leitor que Aristtelesutiliza o termo politia para designar o governo de muitos, mas anteriormente cita que politia

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    significa constituio. Entende-se ento que politia um termo genrico. Segundo Aristteles,constituio a estrutura que d ordem cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos pblicos e, sobretudo, da atividade soberana.

    A ordem hierrquica aceita por Aristteles no difere da de Plato em O Poltico. A axiologiaaristotlica segue como: monarquia, aristocracia, politia, democracia, oligarquia e tirania, emordem decrescente. Novamente vemos a democracia ocupando uma posio intermediria(assim como para Plato), o que sugere que a mais moderada.

    Aristteles analisa cada as seis formas de governo. Diz que as formas boas so aquelas emque os governantes visam o interesse comum, j as ms so aquelas que os governantesvisam o interesse prprio.

    Nobbio d uma ateno especial para o chamado despotismo oriental, que classificadocomo um tipo de monarquia, embora tirnico. legtimo e aceito pelos brbaros. E uma vezque aceita por todos, no pode ser considerada tirania. Esse acolhimento deve-se ao fatodos orientais brbaros serem naturalmente servis.

    O prximo enfoque do autor a politia. Uma mistura de democracia e oligarquia inclinadapara a democracia. O que distingue uma forma de governo de outra nesse caso no seria aquantidade de pessoas, mas sim a qualidade de vida dos governantes. Quem exerce o podertambm importante para diferenciar democracia e politia, na primeira os que governam so

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    os pobres e na ltima uma miscigenao entre ricos e pobres.

    Essa juno de duas formas ruins, o que faz a politia figurar entre formas boas. A unio dosricos com os pobres possibilita que os segmentos sociais discutam interesses e cheguem decises equilibradas, atingindo a esperada paz social.

    Aristteles preocupa-se com o modo de fuso de dois regimes e designa o assunto deengenharia poltica. Para isso, ele expes uma srie de trs passos fundamentais necessriospara atingir o objetivo de chegar uma terceira forma de governo melhor que as outras duas: conciliar procedimentos que seriam incompatveis, adotar meios-termos entre as disposiesextremas dos dois regimes e recolher-se do melhor sistema legislativo.

    O princpio que inspira esse regime de fuso o da mediao ideal de toa a ticaaristotlica, fundamentado, como se sabe, no valor eminentemente positivo do que est nomeio, situado entre dois extremos.

    Em todas as cidades h trs grupos: o muito ricos, muito pobres e os que o ocupam umaposio intermediria. Como admitimos que a medida e a mediania so a melhor coisa, emtodas as circunstncias, est claro que, em matria de riqueza, o meio-termo a melhor dascondies, porque ne;a mais fcil obedecer razo. Segundo o princpio da mediania quemmelhor governa a classe mdia, pois ela a que est mais distante do pergio dasrevolues, raramente acontecem conspiraes e revoltas entre os cidados.

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    A politia o ponto mximo do texto, pois onde, no livro, d incio a mistura de teorias degoverno, um governo misto, que procura uma aproximao da perfeio. A idia de que o bomgoverno a mistura de diversas formas de governo um dos grandes temas do pensamentopoltico ocidental. O livro continua com Polbio, cujo enfoque sobre este governo misto.

    4 Polbio

    Norberto Bobbio expe basicamente as trs teses que Polbio trabalha:

    1. o uso sistemtico da teoria das formas de governo. Existem fundamentalmente seisformas para se governar. Trs boas e trs ms.

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    O Reino ou monarquia, onde um rei legtimo aceito voluntariamente. A Tirania, degenerada,onde um tirano governa com uso de terror e fora. A aristocracia, onde poucos eleitos os melhores dirigem o povo. A oligarquia, forma degenerada onde os poucos que governam soos mais ricos. A democracia, onde o governo popular com tradio de respeito, obedincia ehonra. E a ltima e degenerada oclocracia, onde o governo da massa inepta. 2. Essas seis formas se sucedem umas s outras de acordo com determinado ritmo, constituindo assim um ciclo, repetido no tempo. a anaciclose. O ciclo acontece da seguintemaneira:

    Reino > Tirania > Aristocracia > Oligarquia > Oclocracia > Reino > Tirania...A passagem deuma forma para outra parece de modo predeterminado, necessria e inderrogvel. No podedeixar de sofrer este processo de transformao. 3. A tese principal da teoria polibiana das constituies sem dvida a de governo misto.Polbio acredita na existncia de uma stima forma. a preferncia do autor e se d por umaconstituio mista, uma sntese das trs formas boas de governo. Exemplificada pelaconstituio romana e pela de Esparta. Para ele, todas as constituies simples acabam porserem todas ms, uma vez q tornam-se fracas a ponto de degenerarem e serem, portanto,instveis, contrariando o princpio que qualifica uma constituio, o valor supremo da ordem.A teoria dos ciclos demonstra que as formas de governo simples so instveis e por isso soms. A presena simultnea dos trs poderes e seu controle recproco preserva asconstituies mistas da degenerao a que esto sujeitos os governos simples, porqueimpede os excessos.

    6 Maquiavel

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    A primeira grande novidade no trabalho de Maquiavel j aparece nas primeiras pginas daobra O Prncipe, onde ele diz: Todos os Estados que existem e j existiram so e foramsempre repblicas ou monarquias. A repblica corresponde democracia ou aristocracia, avontade coletiva presente em uma pessoa jurdica, j a monarquia corresponde ao reino, avontade de um soberano, uma pessoa fsica. Para Maquiavel, a causa de no haver formasintermedirias a que a falta de estabilidade sempre leva ao caminho de uma das duasformas citadas, monarquia ou repblica.

    Maquiavel discorre sobre a classificao dos principados, a primeira distino prevista no livro a da hereditariedade dos prncipes, os quais tiveram o poder transmitido com base em umalei constitucional de sucesso; e os principados novos, os quais conquistaram o poder porquem ainda no era um prncipe. Os novos principados so o assunto mais abordado em suaobra O Prncipe. Ele distingue as quatro maneiras diferentes como o poder pode ser conquistado. Pela virtu; fortuna; violncia ou consentimento dos cidados. Os conquistadospela virtu so mais duradouros do que os conquistados pela fortuna. Num certo sentido, todosos prncipes novos so ilegtimos, visto que o poder no lhes foi concebido e sim conquistado.Apesar disso, visvel a diferena na forma que se conquistou esse poder. Entretanto, paraMaquiavel, este prncipe ilegtimo que conquista o poder por virtu, por exemplo, no tem conotao negativa e so celebrados pelo mrito atingido.

    Maquiavel parece se contradizer ao apoiar a teoria do governo misto. Entretanto essacontradio pode ser entendida pelas diferenas entre o Maquiavel historiador e poltico e oMaquiavel poltico, conselheiro de prncipes. E ela pode ser explicada ao vermos que oimportante a estabilidade, e as constituies intermedirias so instveis, enquanto ogoverno misto seria e equilibrado e, portanto, estvel e duradouro.

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    Maquiavel comenta em uma de suas frases clebres que a diferena entre dois prncipesconsiste na crueldade bem ou mal empregada do prncipe. Se for utilizada em benefcio daestabilidade, ento bem utilizada. J a m utilizao leva a um fim miservel. Enfim, os finsjustificam os meios.

    No livro Discorsi, o qual Maquiavel afirma no comeo de O Prncipe j ter discutido bastantesobre repblica, percebe-se uma semelhana muito grande com Polbio. A tipologia clssicadas seis formas de governo, a teoria dos ciclos e a do governo misto. Entretanto, possveldistinguir as diferenas entre os autores. Maquiavel tambm v as formas simples comodesvantajosas por causa da instabilidade. Contudo, coloco como improvvel a repetioinfinita dos ciclos, haja vista o enfraquecimento progressivo da sociedade, o quepossivelmente acarretaria em dominao estrangeira.

    Maquiavel, assim como Polbio, elogia o governo misto, exaltando a constituio da repblicaromana. O equilibro dos trs poderes, uma mistura estvel resistente ao tempo.

    7 Bodin

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    Jean Bodin (1530 1596) escreveu a obra de teoria poltica mais ampla e sistemtica desde aPoltica de Aristteles. H diversas semelhanas entre as duas obras, incluindo os temasabordados. Entretanto, Bodin apresenta solues diversas para os problemas.

    Bodin passou para a histria das formas de governo como terico da soberania. Para ele, asoberania significa o poder absoluto e perptuo que prprio do Estado.

    Segundo Bodin, Quem soberano no deve estar sujeito, de modo algum, ao comando deoutrem; deve poder promulgar leis para seus sditos, cancelando ou anulando as palavrasinteis dessas leis, substituindo-as o que no pode fazer quem est sujeito s leis ou apessoas que lhe imponham poder.

    Contudo, poder absoluto no quer dizer poder ilimitado. Essas leis que regem o soberano soleis naturais e divinas. Outros limites impostos ao soberano so as leis fundamentais doEstado, as hoje chamadas leis constitucionais. Assim, o rei fica impossibilitado de se tornar umtirano. De acordo com este pensamento, percebe-se em Bodin a preocupao com a esferapblica e privada, nesta ltima, o soberano s poder inferir caso tenha um motivo-confiscolegtimo ou para salvao estatal. , tambm, o precursor da diviso entre Estado e Governo.

    Bodin acredita na existncia de trs formas de governo. As clssicas: monarquia, aristocraciae democracia. No acredita na forma mista e diz que no se deve classificar entre formas boase ms porque essa distino causaria o surgimento de infinitas formas de governo. Afirma que

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    se reunissem as trs formas de governo clssicas, o resultado no seria um governo misto, esim um governo da democracia. O porqu disso que ou o povo no tem o poder de legislar(neste caso seria aristocrtico), ou este poder est com o povo, formando um Estadodemocrtico.

    Atravs da sua distino entre governo e Estado, Bodin afirma que as trs formas clssicasde Estado podem se combinar com as trs formas clssicas de Governo. Monarquia,Aristocracia e Democracia. Cruzando-as, chegamos a 9 diferentes tipos. Essa variedade deformas de governo tem induzido alguns a erro, levando-os a postular formas mistas deEstado, sem perceber que o governo de um Estado coisa bem diferente da suaadministrao e do modo de govern-lo.

    Essa distino entre regime e governo, til para compreender a realidade complexa dosEstados sem recorrer teoria do governo misto, que para Bodin, era pura fico. Tambmpermite compreender o fenmeno das formas degeneradas, que representam no um vcio dasoberania em si mesma, mas do seu exerccio. Cada um dos regimes pode assumir trsformas diferentes: real, desptica e tirnica. A real corresponde ao respeito do governante sleis da natureza e seus sditos; a desptica, o governante assenhora os prprios sditos pela guerra justa e pelo direito das armas; e a tirnica, o governante desrespeita as leis da naturezae abusa de seus sditos. Para ele, a corrupo no afeta o Estado e sim o Governo.

    Bodin defende a monarquia desptica justificada pela aquisio de servos em guerra justa,quando um povo conquistado por outro e tem a escravido como castigo ante a morte. Umacrucial diferena com a tirnica que a desptica legtima, j a tirnica no.

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    8 Hobbes

    Como Bodin, Hobbes no aceita duas das teses que caracterizaram durante sculos a teoriadas formas de governo: a distino entre as formas boas e ms e o governo misto.

    Para Hobbes tambm, como para Bodin, o poder soberano absoluto. Se no fosse absoluto, no seria soberano(...)

    Entretanto, diferentemente do captulo anterior, Hobbes no v limites para o poder dosoberano, como as leis naturais e divinas. Ele no nega a existncia, mas afirma que no setrata de leis como as positivas, porque no so aplicadas com a fora de um poder comum.Ou seja, no h nada que o obrigue a obedecer a essas leis. O soberano juiz da conduta deseu sditos, mas a conduta do soberano julgada por ele prprio.. Hobbes nega adiferenciao entre esfera pblica e privada. O direito de propriedade s existe m no Estado, mediante a tutela estatal; no estado de natureza os indivduos teriam um: ius in omnia umdireito sobre todas as coisas, o que quer dizer que no teriam direita a nada, j que se todostm direito a tudo, qualquer coisa pertence ao mesmo tempo a mim e a ti. S o Estado podegarantir, com sua fora, superior fora conjunta de todos os indivduos, que o que meu mepertena exclusivamente, assegurando assim o sistema de propriedade individual.

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    Para Hobbes no se designam nomes diferentes verses boas e ms de cada governo,porque essas decises so relativas de acordo com a opinio que tm os cidados a respeitoda pessoa dos governantes. No h critrio objetivo para distinguir o rei do tirano.

    Sobre a monarquia desptica, Hobbes instiga a pergunta de como se diferenciar uma guerrajusta de uma injusta? O que determina a justia de uma guerra a vitria, o vitorioso. Essedomnio alcanado quando o derrotado declara que em trabalhar s ordens do vencedorem troca de sua vida.

    Por que os indivduos deixam o estado da natureza e do vida ao estado civil com suasvontades concordes? A razo apresentada por Hobbes, como se sabe, que sendo o estadoda natureza uma situao de guerra de todos contra todos, nele ningum tem garantia daprpria vida: para salvar a vida, os indivduos julgam necessrio assim submeter-se a umpoder comum suficiente para impedir o emprego da fora particular.(...).

    H quem estime necessria a existncia de um poder soberano no Estado, sustentando,contudo que esse poder se concentrasse nas mos de uma s pessoa, ou de umaassemblia, a conseqncia seria, para os demais, um Estado de opresso servil. A fim deevitar esta degradao dos cidados situao de escravos do poder soberano, pensam quepode haver um Estado composto das trs formas de governo acima descritas, que sejacontudo ao mesmo tempo diferente de cada uma delas. Esta forma de Estado tem o nome demonarquia mista, aristocracia mista ou democracia mista, segundo a forma simples que nela predomine(...)

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    Hobbes pensa que o poder do soberano no pode ser dividido, a no ser pela sua destruio.A crtica ao governo misto ao mesmo tempo uma crtica separao dos poderes.

    9 Vico Assim como Polbio, a teoria de Vico tambm cclica. As principais categorias que Vicoprocura abranger so novamente as trs formas clssicas de governo: a aristocracia, ademocracia e a monarquia; nessa ordem, diferentemente da tradicional. Vico, se comparadoaos autores passados, possui viso progressista, do bom para o melhor, diferente de Plato.

    O governo aristocrtico se baseia na conservao, sob a tutela da ordem dos patrcios que oconstituiu, sendo mxima essencial da sua poltica a de que s a patrcios sejam atribudos osauspcios, os poderes, a nobreza, os conbios, as magistraturas, comandados e sacerdcios...Constituem condies do governo popular a paridade dos sufrgios, a livre expresso dassentenas e o acesso igual para todos s honrarias, sem excluir as supremas... O carter doreino, ou monarquia, o domnio por um s, a quem cabe o arbtrio soberano inteiramentelivre sobre todas as coisas.

    A tese de Vico, bastante conhecida, de que o estado primitivo do homem foi uma formabestial. Uma ausncia total de relaes sociais, completa inexistncia de vida comum,inclusive familiar.

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    Vico distingue trs tipos de autoridade, a monstia, econmica e civil. A primeira fala sobre ohomem primitivo, e fica assim caracterizada: A primeira autoridade jurdica que o homem tevena solido pode ser chamada de monstica ou solitria. Entendo aqui igualmente por solidoos lugares freqentados e os desabitados, desde que neles o homem assaltado e ameaadono possa recorrer s leis para sua defesa... Devido sua autoridade monstica, o homem setorna soberano na solido(...).

    Esse estado de natureza descrito por Hobbes tambm aquele em que cada um vive por suaconta, e precisa cuidar da prpria defesa, pelo que termina em uma guerra de todos contratodos. Para Vico, porm, o estado bestial histrico, para Hobbes trata-se de uma hipteseracional.

    Entre o estado bestial e o estado de repblica, Vico considera que houve um estadointermedirio, o das famlias. A primeira forma de vida associativa, que comea assim que ohomem percebe um poder divino.

    Para Vico, aps a autoridade monstica, vem a econmica (fase das famlias). Definidaassim: ... nasceu a autoridade econmica, ou familiar, pela qual os pais so soberanos emsua famlia. A liberdade dos filhos depende do arbtrio dos pais, pelo que estes adquiriram odireito de vender os filhos... Os pais tm tutela sobre os filhos como sobre sua casa e todas assuas coisas, de que podem dispor em herana e deixar imperativamente a outrem. Apassagem termina assim: As famlias constituram, assim, um primeiro e pequeno esboo dos governos civis.

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    Com a primeira forma de Estado se origina, depois da autoridade monstica e da econmica,aquela forma mais complexa e completa de autoridade que Vico denomina de autoridadecivil. A repblica aristocrtica portanto a primeira forma histrica de autoridade civil. Nela, acondio de desigualdade que justifica o domnio de uma parte sobre outra no mais a quesepara os patridos famuli, mas a que divide os patrcios dos plebeus isto , os que gozamde direitos privados e pblicos e os que no tm um estado jurdico definido. Ento vem arepblica popular, os fundadores do Estado, unio dos chefes de famlia.

    Segundo Bobbio: O fim da repblica popular, e a passagem terceira forma de Estado oprincipado, ou monarquia ocorre graas a razes no diversas das apontadas pelos autoresclssicos para explicar a morte natural de todas as democracias, pela degenerao daliberdade em licenciosidade e do antagonismo criativo na contenda destrutiva das faces,com guerra civil. Para Vico o principado surge no contra as liberdades populares, mas paraproteg-las do faccionismo, para defender o povo poder-se-ia dizer contra si mesmo. Vico defende a monarquia como a evoluo da repblica popular, a prpria repblica popularprotegida contra seus males. 10 Montesquieu

    Montesquieu, assim como Vico, procura a existncia de leis gerais que guiam a formao e odesenvolvimento da sociedade humana. A diferena reside no fato de que Montesquieu, almdo estudo nos estados europeus, tambm estuda estados extra-europeus. Tambm estuda asleis ao longo da histria, entretanto, sobretudo espacial ou geogrfica. Est interessado pelaexplicao da variedade das sociedades humanas e seus respectivos governos, no s notempo, mas no espao.

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    Montesquieu afirma que todos os seres do mundo (inclusive Deus) so governados por leis.Uma lei enunciada sempre que h relaes necessrias entre dois seres, de modo que,dado um deles, no pode deixar de existir o outro. A conseqncia disso tudo que o mundono governado por uma cega fatalidade.

    O mundo da inteligncia est bem longe de ser to bem governado como o mundo fsico.Com essa frase, Montesquieu quer dizer que o fato de que o homem se inclina, pela suaprpria natureza, a desobedecer s leis naturais, tem uma conseqncia que distinguenitidamente o mundo fsico do humano: para assegurar o respeito s leis naturais, o homemforam obrigados a dar-se outras leis (positivas). Montesquieu diz: De modo geral, a lei arazo humana enquanto governa todos os povos da terra; e as leis polticas e civis de todas asnaes no devem ser seno os casos particulares em que se aplica essa razo humana. Arelao que existe entre lei natural e lei positiva como a que existe entre um princpio geral esuas aplicaes prticas.

    Montesquieu distingue trs tipos de leis positivas: as que regulam as relaes entre gruposindependentes, as que regulam as relaes entre governantes e as que regulam orelacionamento dos governados entre si. Constituem, respectivamente, o direito das gentes(internacional), o direito poltico (pblico) e o direito civil.

    O objetivo de Montesquieu com sua obra O Esprito das Leis construir uma teoria geral dasociedade a partir da considerao do maior nmero possvel de sociedades histricas, explicar a razo de tantas sociedades diferentes, com leis positivas diferentes, culturas, ritos,costumes, se as leis naturais so as mesmas. Os motivos que levam essa variedade de leispositivas, segundo Montesquieu, so fsicos, naturais, econmicos, sociais, espirituais e/ou religiosos.

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    As sociedades so classificadas em trs tipos de governo: repblica, onde o povo detm opoder; monarquia, onde um s responsvel pelo poder, mas regido por leis; e odespotismo, onde uma s pessoa governa, sem leis. Ele inova ao afirmar que o governo estformulado em dois planos. A diferena entre a natureza do governo e seu princpio que anatureza o faz ser o que , e o princpio o faz agir. A primeira corresponde a sua estruturaparticular; o segundo, s paixes humanas que o fazem mover-se..

    Assim como Plato, Montesquieu tambm tem os princpios que inspiram cada uma das trsformas. Para a Monarquia, a honra. Para a Repblica, a virtude cvica. Para o Despotismo, omedo.

    A virtude para Montesquieu, o amor da ptria e da igualdade, no uma virtude moral ouCrist. Mas poltica. A mola que impulsiona a Repblica. Ama-se a ptria como algo que detodos. A honra entende-se o sentimento que nos leva a executar uma boa aoexclusivamente pelo desejo de ter ou manter uma boa reputao. a mola que impulsiona aMonarquia. O medo do despotismo o sentimento humano de medo.

    Montesquieu inclina-se para a monarquia. O governo monrquico apresenta uma grandevantagem com relao ao desptico. Como sua natureza exige que o prncipe tenha debaixode si diversas ordens relativas constituio, o Estado mais resistente, a constituio maisinabalvel, a pessoa dos governantes mais segura..

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    Essa comparao entre despotismo e monarquia apresenta a monarquia como a forma degoverno em que j uma faixa de poderes entre os sditos e o soberano: os contrapoderesque impedem o abuso, pelo monarca, da sua prpria autoridade.

    O governo moderado de Montesquieu deriva da dissociao do poder do soberano e da suapartio com base nas trs funes fundamentais do Estado: a legislativa, a executiva e ajudiciria. Funes que devem ser designadas para trs pessoas diferentes. Ele afirma que aliberdade poltica se encontra nos governos moderados.

    11 Despotismo

    O despotismo aparece pela primeira vez com Aristteles, Montesquieu, por sua vez, trabalhacom ela de uma forma diferente, separada da monarquia e da repblica. No mais como umgnero da monarquia, como Aristteles, Bodin e Maquiavel trabalharam. A diferena entre despotismo e monarquia, para Montesquieu, est na distribuio dos poderes, que existe nasmonarquias, mas no nos regimes despticos. Montesquieu usa o conceito de escravidopoltica. Para ele, nos governos despticos a educao precisa ser servil, no estado desptico,as mulheres no introduzem objetos de luxo, elas mesmas so esses objetos de luxo, vivendona condio de extrema escravido. Por isso, em regimes despticos, onde h escravidopoltica, a escravido civil mais tolervel.

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    Entretanto, a escravido apenas um ponto de um conjunto de fatores que distinguem osistema desptico, como o clima, a natureza do terreno, a extenso territorial, a ndole doshabitantes, o tipo de leis, a religio, etc. Montesquieu refere-se ao despotismo oriental, da sia, e diz que onde ele surgenaturalmente. Nicolas Antoine Boulanger prope uma interpretao religiosa, teocrtica do despotismo. Aorigem de todos os males reside na teocracia, que tem produzido no Oriente os governosdespticos.

    Wittfogel faz uma comparao entre as sociedades policntricas, caracterizadas por tensoentre a sociedade civil e a instituio estatal e as sociedades monocntricas, marcadas pelo predomnio do Estado sobre a sociedade. Tambm aborda temas tradicionais como o carterabsoluto e total, a durabilidade, a sujeio total dos sditos ao soberano, o terror comoinstrumento de domnio e o vnculo entre despotismo e teocracia.

    Em todos os autores citados por Bobbio, o despotismo oriental visto como uma categorianegativa. Montesquieu diz aqueles governos monstruosos ao fazer referncia ao regime.Contudo, Franois Quesnay trata o despotismo oriental de uma forma positiva, o chamadodespotismo iluminado. Diz que o nico domnio que os homens devem aceitar o da natureza.Essas leis naturais, universais e necessrias que, muitas vezes, o homem no sabeinterpretar. A soluo seria, necessariamente um prncipe que, iluminado pelos sbios, asaplicasse.

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    As leis positivas impostas pela autoridade soberana, no so nada alm de projees das leisnaturais. No devem ser leis constitutivas, mas declarativas. Surge a figura do bom dspota,concentrando o mximo de poder em suas mos, ele pode restabelecer a ordem naturalsubvertida pelas leis positivas inadequadas.

    Dupont de Nemours vai contra Montesquieu ao afirmar que a autoridade do soberano nodeve ser dividida, seu argumento de que a funo da autoridade zelar por todos, enquantocada um se ocupa dos seus prprios negcios. Por isso, v como absurda a idia de vrias autoridades. Nemours defende que a nica forma de governo vlida a monarquia hereditria,pois s ela genuinamente desptica.

    Paul-Pierre L Mecier de la Rivire quem expe a idia de bom dspota de forma miasconvicta. Para ele, a melhor forma de governo aquela que no permite que se possa tirarvantagem de governar mal; que, ao contrrio, obriga quem governa a ter no bem governar seu maior interesse.

    H um despotismo legal, estabelecido natural e necessariamente com base na evidncia dasleis de uma ordem essencial, e um despotismo arbitrrio, produzido pela opinio que se prestaa todas as desordens, a todos os excessos de que a ignorncia o torna susceptvel.

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    Mably afirma que no se pode traar uma distino entre o despotismo legal e despotismo arbitrrio, o defeito do despotismo a concentrao do poder nas mos de um s.O nico remdio para o despotismo o governo misto, o qual Montesquieu chamou degoverno moderado. Deve existir um controle recproco que garanta a estabilidade ao governoe liberdade aos cidados, por isso, a diviso da autoridade. Forma-se um governo misto a fim de que ningum se ocupe com os prprios interesses; paraque todos os membros do Estado, obrigados a ajustar-se aos interesses alheios, trabalhempara o bem pblico, a despeito das suas prprias convenincias.

    12 Hegel

    Encontramos em Vico e Montesquieu, respectivamente, a histria e a geografia paraentendermos a concepo histrica das formas de governo. Hegel faz uma espcie de sntesedas duas.

    Hegel explica que a histria passou por trs tipos diversos de bases geogrficas: o altiplano,grandes estepes e planuras na sia Central e naes pastoris; a plancie fluvial, regies desolo frtil que levam agricultura; e a zona costeira, onde se desenvolveu uma inclinao parao comrcio e novas condies ao progresso civil e de riquezas.

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    Como se v as atividades pastoris, agrcola e comercial representam s trs fases dodesenvolvimento da sociedade humana, do ponto de vista econmico, correspondem tambms trs regies distintas do planeta. Alm disso, o fato que as trs fases da civilizaocorrespondem a trs zonas distintas da Terra demonstra que a evoluo das sociedades noocorre apenas em momentos sucessivos do tempo e no mesmo espao, mas mediante umdeslocamento de rea em rea. Essa evoluo ocorre em uma direo: para o Ocidente;assim a Amrica considerada por Hegel como pas do futuro.

    A influncia de Montesquieu sobre Hegel ultrapassa a concepo geogrfica do desenvolvimento histrico. Tem a ver com a prpria tipologia das formas de governo, so elas:o despotismo (oriental), a repblica (antiga) e a monarquia (moderna).

    Em seu livro Lies de Filosofia da Histria, Hegel afirma: A histria universal o processomediante o qual se d a educao do homem, que passa da fase desenfreada da vontadenatural universal, e liberdade subjetiva. O Oriente sabia e sabe que um s livre; o mundogrego e romano, que alguns so livres; o mundo germnico, que todos so livres. Por isso, aprimeira forma que encontramos na histria universal o despotismo, a segunda ademocracia e a terceira a monarquia.

    Para Hegel, todos os Estados do mundo percorreram as trs formas de governo. Primeiramente, o despotismo, instintivo; a segunda a repblica, rgos democrticos, Estadolivre; a terceira, a monarquia, em que o rei governa uma sociedade articulada em esferasrelativamente autnomas. Essa afirmao parece muito ser uma repetio de Montesquieu,mas existe uma diferena fundamental: o critrio usado para distinguir as trs formas. Hegelno usa mais o quem e como, e sim uma forma inovadora, a estrutura da sociedade em seuconjunto.

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    Entende-se que se cada forma de governo a estrutura poltica de uma sociedade bemdeterminada, cada sociedade possui sua prpria constituio e no pode ter uma outra.

    Este o curso abstrato mas necessrio do desenvolvimento dos Estados genuinamenteautnomos, de modo que deve nele aparecer, cada vez, uma constituio determinada queno dependa de escolha, mas seja a nica adequada, em cada caso, ao esprito do povo.

    Essa dependncia do esprito do povo o motivo por qual ele ataca constantemente osiluministas, que acreditam que h uma constituio bela e perfeita que pode ser imposta apovos diferentes. Hegel rejeita qualquer discusso sobre a melhor forma de governo.

    P ode surpreender o fato de que Hegel divide as diversas pocas universais em quatro eno mais em trs s: o mundo oriental, o helnico, o mundo romano e o mundo germnico. Elefoi obrigado a isso pela reflexo sobre a era imperial romana, que no encaixava na divisoantiga.

    Hegel considerava o movimento histrico contnuo, e no cclico. Todas as coisas estavamrigorosamente associadas ao espao geogrfico e ao tempo histrico, de modo que nopodiam repetir-se. Sobre a quarta era, Hegel diz respeito poca imperial como uma grandetransio entre o fim do mundo antigo e o incio do moderno.

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    Sobre a primeira poca, o despotismo, corresponde ao mundo oriental. Deslocando-se doOriente para o Ocidente, os Estados despticos so trs: o despotismo teocrtico da China, aaristocracia teocrtica da ndia e a monarquia teocrtica da Prsia. Como se v, o carterdeterminante do regime desptico a teocracia.

    Hegel chama o mundo oriental de era infantil da histria; com isso quer dizer que na Idadedo despotismo o homem ingressa pela primeira vez na historia (antes do surgimento daprimeira forma de Estado no h ainda histria, mas s pr-histria). Contudo, embora sendoj um mundo histrico,o universo do despotismo oriental ainda no apresenta um verdadeirodesenvolvimento histrico, um reino

    Antes o homem era natural, fora da histria. Hegel afirma que esse homem pr-histrico oafricano. Em sua obra, antes de citar o mundo ele dedica algumas pginas frica afirmandoque os negros so homens no estado bruto, na sua total barbrie e, por conseguinte nopossuem freios. O que hoje pareceriam barbries.

    A tarefa que ele se prope, j que recusa a discusso de melhor forma de governo, entender a razo das formas de governo. Isso no impede que ele defenda uma forma deEstado: a monarquia constitucional. Entretanto, em vrias oportunidades deixa transparecerque sua preferncia pela monarquia constitucional no se deve pelo motivo de que ela seja amelhor, mas aquele que corresponde melhor ao esprito do tempo.

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    Monarquia constitucional, nica constituio racional/ Constituio a) em grandes Estados, b)onde o sistema da sociedade civil j se desenvolveu/ Democracia em pequenos Estados.. Ofato dos Estados Unidos da Amrica ser um Estado grande e democrtico, no era problema,pois, para Hegel, no constitua uma sociedade civil, sendo um Estado em formao. A monarquia constitucional seria a forma de excelncia do Estado Moderno.O aperfeioamento do Estado em monarquia constitucional obra do mundo moderno.

    Feita a comparao da monarquia constitucional com as formas clssicas de diviso dasformas de governo, o critrio de distino a complexidade da sociedade. As formas clssicass se adaptam s sociedades mais simples; enquanto a monarquia constitucional, s maiscomplexas.

    O carter distintivo da monarquia constitucional no reside no fato de que governam um ,poucos e muitos, em diferentes nveis, porm no fato, bem mais substancial de que ospoderes fundamentais do Estado esto divididos, e so exercidos por diversos rgos

    A Monarquia Constitucional

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    Este apndice trata das relaes entre Montesquieu e Hegel a respeito da monarquia constitucional. A constituio monrquica que Hegel e Montesquieu descrevem somuito diferentes das descritas anteriormente nas formas clssicas de governo, elas so bemmais complexas e articuladas. Verificando com uma postura moderna, Hegel e Montesquieudizem a monarquia constitucional ser a forma mais adaptada, enquanto as outras soineficientes, em vista da falta de articulao das formas clssicas.

    A inovao de Hegel em com relao a Montesquieu, a maneira de considerar a sociedademoderna e suas articulaes. Ele afirma que a vida social se desenvolveu tanto que acabou seduplicando em dois aspectos que se tornaram bem diferentes, a sociedade civil e o Estado.Isso significa que a sociedade civil, de esfera privada, funciona com interesses que soprprios e possui sistema autnomo devido sua dependncia recproca e objetiva. J oEstado, funciona de modo de unidade poltica, onde as diferenas sociais so articuladas e recompostas.

    Para Hegel, como vimos, a monarquia constitucional uma constituio articulada, poisreflete a sociedade diferenciada, a sociedade moderna da poca. Montesquieu difere no pontoque tange a sociedade civil, que para ele, no vista separada do Estado e suasdiferenciaes tambm so distintas.

    A diviso de classes outro ponto em que h distino, para Hegel, vertical, baseada emcritrios socioeconmicos, j para Montesquieu horizontal, buscando a honra. Conclui-se,ento, que a desigualdade vem das particularidades de cada um e no de uma ordem anterior.

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    O fato de que Montesquieu reconhece a honra como princpio da monarquia decorre do fatode que ele tem em mente no a constituio patriarcal ou antiga, em geral, nem a que sedesenvolve com uma constituio objetiva, ,as a monarquia feudal, enquanto as relaes doseu direito interno so concretizadas... em privilgios de indivduos e de corporaes.(...) A idia de liberdade outro ponto de diferena entre os autores. Enquanto para Hegel levaruma vida universal, o cumprimento das leis, para Montesquieu, a ausncia de opresso edos abusos. Entretanto, os dois percebem que a liberdade conquistada mediante o Estado esuas leis. Para Hegel, elas garantem o bem comum e para Montesquieu a garantia dosprivilgios. Montesquieu pensa que a separao dos poderes concebida como um sistema de freiospara manter o equilbrio. Evitando assim que alguma potncia ( especialmente o rei) adquirapoder grande suficiente para que esvazie as prerrogativas e os privilgios de todas as outras.J Hegel aceita o princpio de diviso de poderes, tendo como o objetivo a liberdade pblica.

    Dentro do modelo hegeliano, o princpio da diviso dos poderes assume novo significado:no representa um artifcio concebido para prevenir os perigos dos abusos de poder, nem algo de mecnico ou instrumental, mas sim de orgnico.

    Os poderes compreendidos pelos dois tambm diferem: para Hegel, do prncipe, do governo elegislativo. J para Montesquieu, executivo, legislativo e judicirio. O modelo de Hegel no foio mais aceito. A teoria de Montesquieu teve maior influncia na histria.

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    13 Marx

    Este captulo trata de Marx e suas concepes polticas. Marx nunca se preocupou com adistino das formas clssicas de governo. Um motivo que explica a falta de interesse de Marxpor isto o fato de possuir uma concepo negativa do Estado. Pensamento que vai deencontro direto com Hegel, que considerava o Estado um momento positivo na formao dohomem, e mais do que isso, o caminho para a perfeio.

    A viso negativa de Marx sobre o Estado baseia-se em dois argumentos principais, aconsiderao do Estado como pura e simples superestrutura que reflete o estado das relaessociais determinadas pela base econmica e a identificao do Estado como um aparelho deque se serve a classe dominante manter o seu domnio, motivo pelo qual o fim do Estado no um fim nobre, como a justia, a liberdade ou bem-estar. Por ter uma concepo negativa doEstado, a diferenciao das formas de governo, a distino entre formas boas e ms, perdeimportncia, pois todas as formas so ms. O que realmente importante para Marx, assimcomo para Engels, a relao de domnio entre classes. Nesse sentido, toda forma degoverno desptica.

    Marx identifica uma forma genuna de governo, distinta do Estado representativo o chamadobonapartismo. Como para ele, o Estado sempre ser a ditadura da classe mais poderosa, obonapartismo no diferente. Quando classes antagnicas tm praticamente a mesma fora,o poder estatal assume funo mediadora entre as classes, adquirindo uma autonomia.Ento, a burguesia para manter o seu poder social e econmico renuncia momentaneamenteao poder poltico, at que a ordem seja restabelecida. Em tempos de graves tenses sociais,esse o nico meio que dispe a classe dominante para manter intacto seu poder econmicoe continuar a explorao de outras classes. Neste Estado, haveria uma constate disputa entre

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    burguesia e proletariado. A funo do poder estatal seria, portanto, mediar esses conflitos. Obonapartismo um modelo de governo em que h uma inverso de papis no Estadoburgus. A novidade que o poder executivo torna-se mais importante que o legislativo.

    Como j visto, para Marx, a essncia do Estado o despotismo. Marx utiliza a palavraditadura como mesma denominao. Por isto, encontra-se expresses famosas de Marx,como ditadura da burguesia e ditadura do proletariado. A ltima, significa a essncia de suateoria, que resulta da luta de classes e o caminho para o comunismo estgio perfeito esuperior da sociedade.

    Existe uma diviso da histria da sociedade baseada na evoluo das relaes de produo.Primeiramente, a sociedade seria escravista; logo em seguida, feudal; depois, burguesa. Naseqncia, estaria destinada a tornar-se socialista e, finalmente, comunista. Sempre bomlembrar que a viso de Marx cabia Europa Ocidental, classificava o modo de produoasitico a parte, sendo ele imutvel.

    O auge da sociedade seria o comunismo. Ele promete uma sociedade sem classes, semEstado, sem poder coator e opressivo, a substituio das leis pelos costumes, liberdade eigualdade para todos.

    Dos trs tipos de Estado que Marx enumera, s o terceiro o Estado Representativo podeser considerado como uma forma de governo. Os outros dois o Estado escravista e feudal -

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    se caracterizam no pela forma de governo (...) mas pelo tipo de sociedade que refletem, pelotipo de relaes de produo, que como Estado, pretendem perpetuar.

    Marx foi muito influenciado pela Comuna de Paris, ele rasga elogios e aponta certos pontosque seriam importantes melhor forma de governo, baseando-se no exemplo francs: asupresso dos chamados corpos separados como o exrcito e a polcia; a transformao da administrao pblica, da burocracia em corpos agentes responsveis e demissveis, aservio do poder popular; extenso do princpio da eletividade e, portanto, da representao,sempre revogvel, a outras funes pblicas, como juiz; eliminao do mandato imperativo,isto , obrigao de os representantes seguirem as instrues de seus eleitores sob pena derevogao do mandato e amplo processo de descentralizao, de modo a reduzir o mnimo o poder central do Estado.

    Percebe-se assim, que para Marx, a melhor forma de governo aquela que agiliza o processode extino do Estado. Essa melhor forma de governo, a fase de transio, corresponde aomomento de transio, a ditadura do proletariado. 14 A Ditadura

    Como j visto, na linguagem marxista, ditadura um sinnimo de despotismo, tirania.Denomina-se como tal, um governo absoluto, exclusivo, pessoal, moral e juridicamentecondenvel. Como exemplo, pode-se citar ditaduras como o fascismo italiano, nazismoalemo, stalinismo, Pinochet no Chile e os coronis gregos.

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    O emprego de ditadura como tirania e despotismo veio da Antiguidade clssica, domundo romano. Em Roma, o ditador era nomeado em circustncias extraordinrias , por umdos cnsules, em casos de guerra ou rebelio e detinha poderes extraordinrios.

    A ditadura romana tinha as seguintes caractersticas: a) Estado de necessidade, no queconcerne legitimao; b) Excepcionalidade dos poderes, consistindo sobretudo nasuspenso das garantias constitucionais ordinrias; c) Unidade de comando (O ditador sempre um indivduo) d) Carter temporrio da funo.

    Consegue-se diferenciar assim, ditadura, tirania e despotismo. Houve em Roma, umamagistratura monocrtica, uma vez que a verdadeira tirania no faz uso da legitimao dopoder. No poderia ser chamada de despotismo, que apesar de legtimo, no temporrio,pelo contrrio. Por isso, o utilizamos o termo ditadura, como poder legtimo, mas temporrio.

    A ditadura, portanto, era vista como forma positiva de governo, uma vez que esse poder eralimitado. Maquiavel ressalta ainda que o ditador tinha seu poder limitado ao executivo, nadapodia fazer sobrepondo-se ao Estado, ao legislativo. Bodin tambm defende a ditadura,alegando que o ditador no era o soberano, que na verdade era de quem o escolhia.

    Rousseau diz que nem sempre a lei pode prever tudo, e sua suspenso justificada em certos

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    casos. Neste momento, a ditadura necessria para manter a segurana pblica. Rousseauressalta o carter temporrio da ditadura em situaes excepcionais e a limitao do poder ditatorial ao executivo, com o argumento de que o ditador pode fazer calar as leis, masno pode faz-las falar.

    Carl Schmitt chama a ditadura convencional de comissria, a que tem o intuito de suspendera Constituio para defend-la. Classifica, porm de soberana, a ditadura que tem o intuito de alterar a constituio. Como exemplo: a Revoluo Francesa com a suspenso daConstituio de 1793, que no voltou a vigorar. A ditadura soberana perde seu cartermonocrtico, como na ditadura jacobina, que foi representada por um comit. E assim,inicia-se o conceito marxista de ditadura do proletrio ou da burguesia. Pois alm de serrepresentada inteiramente por uma classe social, o poder dessa ditadura de grandeextenso, tomando parte do legislador tambm.

    Caso seja feita uma anlise do ponto de vista dos autores que defendem a ditadura clssica, aditadura soberana deveria ser chamada tirnica, devido ao seu poder extraconstitucional econstituinte, e no mais constitudo. Na histria da ditadura moderna h tambm o exemplo da Conspirao dos Iguais, por Babeuf e Buonarroti. Eles pregavam um governo revolucionriode poucas pessoas, como a ditadura soberana de Schmitt. O objetivo final era um socialismoigualitrio. Para isso, era necessrio um perodo de ditadura para que fosse estabelecidaordem at a instituio de um governo igualitrio.

    Ao final, conclui-se que para haja a formao de uma nova constituio, necessrio que seestabelea um governo reformista ou revolucionrio ditatorial.

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    Compare preos de Dicionrios Jurdicos , Manuais de Direito e Livros de Direito .

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