resumo constitucionalismo - barroso

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RESUMO: ARTIGO DE CONSTITUCIONAL “CONSTITUCIONALISMO” Barroso I O Surgimento do Ideal Constitucional e o seu Desencontro Histórico 1. Generalidades Primeiro as leis eram morais, tornando-se depois jurídicas, regras de conduta que reprimiam os instintos, a barbárie, que disciplinavam as relações interpessoais e que protegiam a propriedade. Egito: não há registro da existência de um corpo de leis, que só chegaria com Dario (conquistador estrangeiro). Babilônia: registro de inúmeras coleções de leis, anteriores ao próprio Código de Hamurábi de 1700 a. C. Pérsia: a estabilidade no poder que caracterizou o império poderoso da Pérsia no séc. VI a. C. foi decorrente da implementação da secular Lei dos Reis e do incentivo à codificação das leis locais e religiosas. Hebreus: consagração do monoteísmo / lei assume sua dimensão simbólica como o pacto de Deus com o povo escolhido. Os hebreus foram os ancestrais dos israelitas e dos judeus. Para estes últimos, a Torah (Lei escrita) que compreende o Pentateuco estabelece as instruções de Deus ao seu povo, as regras moras, sociais e religiosas que deveriam ser observadas. A segunda fonte autorizada de Direito judaico seria o Talmud ampla compilação da Lei Oral e das tradições. Cultura ocidental (em geral) e a jurídica: a matriz ético-religiosa é a teologia judaico- cristã e o fundamento racional-legal é Greco-romano. Constitucionalismo: Limitação do poder e supremacia da lei (Estado de Direito). Não basta a existência de uma ordem jurídica qualquer, é preciso que ela seja dotada de determinados atributos e que tenha legitimidade (adesão voluntária e espontânea de seus destinatários). Constitucionalismo e democracia são conceitos que se aproximam, mas que não se confundem. Enquanto a democracia identifica soberania popular e governo da maioria, a Constituição se impõe, muitas vezes, como instrumento de preservação de valores e de proteção das minorias em face das maiorias. Ordens de Limitação do poder dentro no Estado Constitucional: a) Limitações materiais: diz respeitos aos valores básicos e direitos fundamentais que devem ser preservados. b) Limitação referente à específica estrutura orgânica exigível: as funções de legislar, administrar e julgar devem ser atribuídas a órgãos distintos e independentes que se controlem reciprocamente. c) Limitações processuais:órgãos de poder devem agir não apenas com fundamento na lei, mas observando o devido processo legal (com regras processuais e substantivas).

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Page 1: Resumo Constitucionalismo - Barroso

RESUMO: ARTIGO DE CONSTITUCIONAL “CONSTITUCIONALISMO” Barroso

I O Surgimento do Ideal Constitucional e o seu Desencontro Histórico

1. Generalidades

Primeiro as leis eram morais, tornando-se depois jurídicas, regras de conduta que

reprimiam os instintos, a barbárie, que disciplinavam as relações interpessoais e que

protegiam a propriedade.

Egito: não há registro da existência de um corpo de leis, que só chegaria com Dario

(conquistador estrangeiro).

Babilônia: registro de inúmeras coleções de leis, anteriores ao próprio Código de

Hamurábi de 1700 a. C.

Pérsia: a estabilidade no poder que caracterizou o império poderoso da Pérsia no séc.

VI a. C. foi decorrente da implementação da secular Lei dos Reis e do incentivo à

codificação das leis locais e religiosas.

Hebreus: consagração do monoteísmo / lei assume sua dimensão simbólica como o

pacto de Deus com o povo escolhido. Os hebreus foram os ancestrais dos israelitas e

dos judeus. Para estes últimos, a Torah (Lei escrita) que compreende o Pentateuco

estabelece as instruções de Deus ao seu povo, as regras moras, sociais e religiosas

que deveriam ser observadas. A segunda fonte autorizada de Direito judaico seria o

Talmud – ampla compilação da Lei Oral e das tradições.

Cultura ocidental (em geral) e a jurídica: a matriz ético-religiosa é a teologia judaico-

cristã e o fundamento racional-legal é Greco-romano.

Constitucionalismo: Limitação do poder e supremacia da lei (Estado de

Direito). Não basta a existência de uma ordem jurídica qualquer, é preciso

que ela seja dotada de determinados atributos e que tenha legitimidade

(adesão voluntária e espontânea de seus destinatários).

Constitucionalismo e democracia são conceitos que se aproximam, mas que

não se confundem. Enquanto a democracia identifica soberania popular e

governo da maioria, a Constituição se impõe, muitas vezes, como instrumento

de preservação de valores e de proteção das minorias em face das maiorias.

Ordens de Limitação do poder dentro no Estado Constitucional:

a) Limitações materiais: diz respeitos aos valores básicos e direitos

fundamentais que devem ser preservados.

b) Limitação referente à específica estrutura orgânica exigível: as funções de

legislar, administrar e julgar devem ser atribuídas a órgãos distintos e

independentes que se controlem reciprocamente.

c) Limitações processuais:órgãos de poder devem agir não apenas com

fundamento na lei, mas observando o devido processo legal (com regras

processuais e substantivas).

Page 2: Resumo Constitucionalismo - Barroso

RESUMO: ARTIGO DE CONSTITUCIONAL “CONSTITUCIONALISMO” Barroso

Em relação aos Estados Ocidentais, também se limita o poder com

mecanismos de controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder

Público.

2. Da Antiguidade Clássica ao Início da Idade Moderna

Atenas: governo de leis, e não de homens. Berço do ideal constitucionalista e

democrático e de institutos e práticas que se conservam até hoje, tais como a divisão

das funções estatais por órgãos diversos, a separação entre o poder secular e a

religião, a existência de um sistema judicial e a supremacia da lei. A democracia

ateniense se tratava de uma organização política excludente..

Roma: A República 529 a.C. foi implantada com a Lei das XII Tábuas (o fragmento

dessa Lei “o bem-estar do povo é o bem supremo” ficou muito conhecido). A

estrutura jurídica romana continuou sendo como a de uma Cidade-estado – decisões

concentradas em um número limitado de órgãos e pessoas. Contudo, o poder era

repartido por instituições que se controlavam e se temiam reciprocamente. Roma

não conheceu a representação política, e a participação dos cidadãos foi reduzida. A

ruína da República iniciou quando os comandantes militares se tornaram poderosos

demais escapando ao controle efetivo dos órgãos políticos e culminou com a coroação

do imperador. A partir de então, o constitucionalismo desapareceu do mundo ocidental

até o final da Idade Média.

Estado Moderno (sec. XVI): nasceu absolutista sobre as ruínas do feudalismo tendo a

soberania (absoluta e indivisível) como atributo essencial do poder político estatal.

Jean Bodin e Hobbes: soberania do Monarca.

Locke e a Revolução inglesa: soberania do Parlamento

Rousseau e as Revoluções Francesa e Americana: soberania do Povo.

II O Constitucionalismo Moderno e Contemporâneo

1. Experiências Precursoras do Constitucionalismo Liberal e seu Estágio Atual

Inglaterra: ao final do século XVI, firmou-se como monarquia estável, Estado

protestante. Em meio à disputa de poder entre a monarquia absolutista e a aristocracia

parlamentar no século XVII foram lançadas as bases do constitucionalismo

moderno. Com a Revolução Gloriosa, em 1688, instaurou-se a supremacia do

Parlamento, com seus poderes limitados à Bill of Rights (1689).

Declaração de Direitos: medidas como a criação de leis, a instituição de tributos e a

manutenção de exército permanente em tempos de paz deveriam receber o

consentimento do Parlamento que deveria ser convocado regularmente, os

parlamentares receberam imunidade por suas manifestações no Parlamento e as

penas ficaram impedidas de serem aplicadas sem prévio julgamento. Com o Act of

Settlement (1701) surge uma nova limitação ao poder real: somente o príncipe de

religião anglicana poderia ascender ao trono.

O modelo institucional inglês pôde prescindir de uma Constituição Escrita, mas

conta com documentos de natureza constitucional como a Magna Carta (1215), a

Petition of Rights (1628), a Bill of Rights (1689), o Act of Settlement (1701) e o Human

Rights Act (1988).

Page 3: Resumo Constitucionalismo - Barroso

RESUMO: ARTIGO DE CONSTITUCIONAL “CONSTITUCIONALISMO” Barroso

A Constituição Inglesa é produto de longo desenvolvimento histórico tendo

sua base firmada mediante convenções e leis constitucionais.

Constituição Inglesa é flexível: pode ser alterada por ato do Parlamento. Essa

flexibilidade decorre do Princípio da Supremacia Parlamentar.

Convenções: práticas consolidadas ao longo dos séculos no exercício do poder

político, incluindo a organização e a repartição das competências. Exemplos: papéis

desempenhados pelo Primeiro Ministro, pelo Gabinete e pelo Monarca.

Leis Constitucionais: atos do Parlamento de natureza constitucional em razão do

conteúdo (por lidarem com matérias afetas ao poder político e aos direitos

fundamentais) e não da forma de votação.

Duas mudanças substantivas no Direito inglês (virada do sec. XX ao XXI):

1) Human Rights Act (1988): consequência direta da participação do Reino

Unido na União Europeia. A inovação principal foi que a Inglaterra passou a

permitir a declaração de incompatibilidade, no caso concreto, entre uma lei e

os direitos fundamentais previstos no novo Estatuto. Essa declaração não

acarreta a nulidade da lei, mas tem o efeito político de revelar ao Parlamento

que seu ato é contrário aos direito humanos, cabendo ao órgão modificá-lo ou

não.

2) Constitutional Reform Act (2005): recomendou a implementação de

mudanças no Poder Judiciário inglês que não tinha separação orgânica em

relação ao Parlamento. A nova lei produziu duas transformações radicais:

a) Criou uma Corte Constitucional fora do Parlamento e independente

deste;

b) Esvaziou as funções judiciais da Câmara dos Lordes e do Lorde

Chanceler.

1.2 Estados Unidos da América

Os colonos ingleses que migraram para a costa leste da América do Norte,

inicialmente eram leias à Coroa britânica e gozavam de razoável autonomia. Apesar

de o governador ser designado por Londres, havia um o corpo legislativo eleito pelos

cidadãos locais e um Judiciário independente. Contudo, após a Guerra dos Sete anos

a Coroa britânica instituiu o imposto do selo – houve forte reação e desobediência por

parte das colônias, uma vez que elas não haviam sido ouvidas por não terem

participação no Parlamento -, os Townshend Acts (tarifas sobre as importações das

colônias) e o Tea Act que permitiu à Companhia das Índias Ocidentais distribuir seus

estoques de cá no mercado americano. Essa série de taxações resultou num

confronte entre as tropas americanas e inglesas em 1775.

Como reação à Coroa, as colônias organizaram o Primeiro e o Segundo Congresso

Continental. Este se destacou devido às decisões que foram tomadas. Deliberou-se a

constituição de um exército organizado, as ex-colônias foram estimuladas a adotar

Constituições Escritas e se designou a comissão para elaborar a Declaração de

Independência. (...)