restabelecimento da maloca …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia...

17
1 RESTABELECIMENTO DA MALOCA YÑAMÕRARIKÃGÃ: UM ESPAÇO DE REPRESENTAÇÃO CULTURAL DO POVO JUPAÚ. Adnilson de ALMEIDA SILVA 1 Josué da Costa SILVA 2 RESUMO O restabelecimento da maloca indígena Ynãmõrarikãgã no formato tradicional traz consigo signos e significados amalgamando a rica cultura Jupaú. Nesse local se encontra parte de sua história, venturas e dificuldades desse grupo que após o contato oficial na década de 1980, não esqueceu os valores do passado ao tempo demonstrando a necessidade de manter e preservar a memória daqueles que tombaram heroicamente em defesa da terra e de sua gente. A acuidade de entender os significados esse restabelecimento é uma tarefa importante, pois simbolicamente é um elemento de expressão e sustentação, implicando por sua vez na formação social, psíquica, mítica, ambiental, cultural e econômica, dando-lhe forças para vencer as lutas e desafios que são colocados em seu cotidiano para a integridade física e territorial onde habitam. RESUMÉ Le rétablissement de la village indigène Ynãmõrarikãgã dans le format traditionnel apporte les signes et significations en amalgamant la riche culture Jupaú. Dans ce lieu se trouve la partie de son histoire, bonheurs et les difficultés de ce groupe que après le contact officiel dans la décennie de 1980, il n'a pas oublié les valeurs du passé au temps en démontrant la nécessité de maintenir et préserver la mémoire de ceux ont renversé héroïquement dans défense de la terre et de leur gens. L'acuité de comprendre les significations de ce rétablissement est une tâche important, donc symboliquement c'est un élément d'expression et une sustentation, en impliquant dans la formation social, psyque, mythique, environnemental, culturel et économique, en lui donnant des forces pour gagner les luttes et les défis qui sont placés dans quotidien pour l'intégrité physique et territoriale où ils habitent. PALAVRAS-CHAVES: Jupaú. Cultura. Rondônia. Espaço e Representação. MOTS CLÉ: Jupaú. Culture. Rondônia. Espace et Représentation. 1 Mestrando em Geografia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Endereço: Rua Curitiba, 2932 – Bairro Caladinho – CEP: 78913-040 – Porto Velho-RO. E-mail: [email protected] 2 Professor do Depto de Geografia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia- UNIR. Endereço: Rua Odessa casa 4 61 - Bairro Eletronorte – CEP: 78914-080 –Porto Velho-RO. E-mail: [email protected]

Upload: others

Post on 30-Jul-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

1

RESTABELECIMENTO DA MALOCA YÑAMÕRARIKÃGÃ: UM ESPAÇO DE REPRESENTAÇÃO CULTURAL DO POVO JUPAÚ.

Adnilson de ALMEIDA SILVA1

Josué da Costa SILVA2

RESUMO

O restabelecimento da maloca indígena Ynãmõrarikãgã no formato tradicional traz consigo signos e significados amalgamando a rica cultura Jupaú. Nesse local se encontra parte de sua história, venturas e dificuldades desse grupo que após o contato oficial na década de 1980, não esqueceu os valores do passado ao tempo demonstrando a necessidade de manter e preservar a memória daqueles que tombaram heroicamente em defesa da terra e de sua gente. A acuidade de entender os significados esse restabelecimento é uma tarefa importante, pois simbolicamente é um elemento de expressão e sustentação, implicando por sua vez na formação social, psíquica, mítica, ambiental, cultural e econômica, dando-lhe forças para vencer as lutas e desafios que são colocados em seu cotidiano para a integridade física e territorial onde habitam.

RESUMÉ

Le rétablissement de la village indigène Ynãmõrarikãgã dans le format traditionnel apporte les signes et significations en amalgamant la riche culture Jupaú. Dans ce lieu se trouve la partie de son histoire, bonheurs et les difficultés de ce groupe que après le contact officiel dans la décennie de 1980, il n'a pas oublié les valeurs du passé au temps en démontrant la nécessité de maintenir et préserver la mémoire de ceux ont renversé héroïquement dans défense de la terre et de leur gens. L'acuité de comprendre les significations de ce rétablissement est une tâche important, donc symboliquement c'est un élément d'expression et une sustentation, en impliquant dans la formation social, psyque, mythique, environnemental, culturel et économique, en lui donnant des forces pour gagner les luttes et les défis qui sont placés dans quotidien pour l'intégrité physique et territoriale où ils habitent.

PALAVRAS-CHAVES: Jupaú. Cultura. Rondônia. Espaço e Representação.

MOTS CLÉ: Jupaú. Culture. Rondônia. Espace et Représentation.

1 Mestrando em Geografia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Endereço: Rua Curitiba, 2932 – Bairro Caladinho – CEP: 78913-040 – Porto Velho-RO. E-mail: [email protected] 2 Professor do Depto de Geografia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia-UNIR. Endereço: Rua Odessa casa 4 nº 61 - Bairro Eletronorte – CEP: 78914-080 –Porto Velho-RO. E-mail: [email protected]

Page 2: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

2

O PROCESSO PARA O RESTABELECIMENTO DA MALOCA-CEMITÉRIO

Na concepção da cosmogonia Jupaú a maloca apresenta-se como uma representação

importante e indispensável para a cultura, vivência e a própria territorialidade, refletindo

diretamente no modo de vida do povo e no estabelecimento de suas relações internas e

externas. A compreensão do significado de uma maloca é muito mais do que um atributo

físico, é também psíquico e espiritual, é a própria alma e história que está presente em seus

gestos e ações.

Nesse contexto, na cultura Jupaú, a maloca no passado tinha múltiplas funções que auxiliam

na explicação do entendimento das representações, sendo a primeira para o atendimento

como moradia e sustentáculo as atividades agrícolas tradicionais, a segunda função como

“marcador de território” oferecendo a defesa do grupo, e por último, mas não menos

importantes era servir como cemitério.

Uma pessoa ao morrer levava consigo todos os pertences conquistados em vida, tais como

cocares, colares, arco e flecha, não se colocando cruz em razão de ser sepultada no interior da

maloca, permanecendo simbolicamente com os outros moradores como se ainda estivesse

presente, o que de certa forma não deixa de sê-lo, pois seu espírito está ali junto aos que

ficaram vivos.

Antes do contato oficial, caso fosse necessário à mudança do clã para outro local, carregavam

os ossos do falecido como sinal de respeito, memória e proteção espiritual, mas sempre

voltavam à antiga maloca para reviver seus sentimentos, emoções e resguardar o território.

Tal ensinamento expressa claramente o sentido, o sentimento de identidade e os valores

construídos ancestralmente não são atingíveis na compreensão da sociedade “civilizada”.

As pressões sofridas pelo povo Jupaú através dos seringalistas, empresas mineradoras e

garimpeiros e posteriormente com as frentes pioneiras colonizadoras fizeram com que na

década de 1980 fosse estabelecido o contato oficial, porém a pressão continuou num nível

ainda maior, agora com a presença do elemento colonizador. Esse contato trouxe vários

impactos para sua cultura e o surgimento de doenças ocasionando a baixa populacional

significativa, como estratégia a Fundação Nacional do Índio provocou o deslocamento dos

indígenas para as áreas de entorno com menor incidência de endemias possibilitando maior

facilidade de deslocamento para tratamento de saúde e a defesa territorial.

Page 3: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

3

Na atualidade o maior significado da antiga maloca é o sentimento que nutre por ela, algo

apaixonante, aonde a decisão de conduzir as crianças por longos dias e caminhadas até atingir

o lugar onde moraram oferece lições importantíssimas como o reencontrar com o passado e o

prazer em mostrar os caminhos percorridos, além de ser um “marcador” indispensável para a

defesa territorial. Essas emoções só podem ser traduzidas por quem vivencia essa situação,

conforme descreve Chicão, chefe do Posto Indígena da Aldeia Alto Jamari: “quando

estiveram à primeira vez em Yñamõrarikãgã há uns três anos, fato que não se realizava

depois do contato em razão das constantes lutas evitando a invasão de seu território por

posseiros, madeireiros e garimpeiros, todos se abraçavam e choravam muito e cantavam

relembrando os antepassados”.

Antes mesmo dessa viagem, em suas conversas sempre abordavam a vontade e a necessidade

de retornar à antiga maloca-cemitério, tendo como fundamento a proteção do local sagrado e

o com o contato espiritual com os antepassados, porque ali se encontram presente suas

memórias, isso possibilitou o planejamento de um projeto concebido a partir dessas

discussões. O projeto proposto pela Associação do Povo Indígena Jupaú teve em sua

execução a parceria da FUNAI, IBAMA, Associação de Defesa EtnoAmbiental Kanindé com

aporte de apoio material, porque como aliados à causa indígena desenvolvem atividades desde

1992, além do que houve a participação de membros da JOCUM – Jovens Com Uma Missão

e os discentes da UNIR na Expedição de Restabelecimento da Maloca. Yñamõrarikãgã.

Nesse sentido, Pollack (1992, p.204) constata que “a memória é um elemento constituinte do

sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um

fator extremamente muito importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma

pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si”.

A memória como elemento da afirmação cultural representa a própria história cosmogonia de

um povo, sendo fundamental para sua sobrevivência física, cultural e territorial, conforme

define Sahlins (1997, p. 41): “a cultura não pode ser abandonada, sob pena de deixarmos de

compreender o fenômeno único que ela nomeia e distingue: a organização da experiência e de

ações humanas por meios simbólicos”.

Para entendermos o restabelecimento da antiga maloca-cemitério de Yñamõrarikãgã é preciso

destacar que está relacionado a uma série de conceitos fundamentais como a territorialidade e

representação definidos por Santos (2006), Costa (2004), englobando tanto a terra e tudo que

Page 4: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

4

nela existe e principalmente a identidade como elemento de pertença ou conhecença social.

Não podendo ser desprezado o conceito de etnodesenvolvimento desenvolvido por Bonfil

Batalla (1982, p.131-145) como “la capacidad social de un pueblo para construir su futuro,

aprovechando para ello las enseñanzas de su experiencia histórica y los recursos reales y

potenciales de su cultura, de acuerdo con un proyecto que se defina según sus propios valores

y aspiraciones”.

Nesse aspecto de restabelecimento da maloca-cemitério também é concebida conceitualmente

com os “marcadores territoriais”, definidos por Henriques (2003), aduzindo sua importância

para a construção da identidade cultural de um povo, assim como o de “representação

espacial” segundo Kozel (2004, p. 221), pois “advêm de um vivido que se internaliza nos

indivíduos, em seu mundo, influenciando seu modo de agir, sua linguagem, tanto no racional

como no imaginário...”.

Para compreender esse restabelecer da antiga maloca, o trabalho em campo desenvolveu-se a

partir da observação ou pesquisa participante, muito utilizada na Sociologia e Antropologia,

estando diretamente vinculada com a participação real do pesquisador junto à comunidade ou

grupo que se pretende estudar. Assim durante o período de 12 a 23 de julho de 2006, foi

realizado o trabalho de campo, partindo da Aldeia Alto Jaru, Terra Indígena Uru-Eu-Wau-

Wau, em Rondônia, contando com a participação dos indígenas Jupaú: Mbawa-Ga, Warina-

Ga, Taroba-Ga, Paeron-Ga (Pitanga), Uká-Ga (Gordinho), Awapy-Ga (Negão), Koari-Ga,

Mongtá-Ga; Boropó-Hen e Mandei-Hen, Biteté-Ga, Morangue-Hen, Tatuí-Hen, Tangain-Ga,

Juwi-Hen; Francisco ou Chicão (FUNAI), Rogério Vargas Motta (IBAMA), Adnilson de

Almeida Silva (Kanindé/UNIR), Rafael Prado (UNIR), Lindinalva Azevedo (UNIR), Manoel

Carneiro (IBAMA); JOCUM: Luiz, Antônio Marcos, Eloir e Markus (Suíço).

A IMPORTÂNCIA DA MALOCA E SUA REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA

A expedição para a construção da maloca de Yñamõrarikãgã, próxima às cabeceiras do Rio

Jamari, no Estado de Rondônia, constitui-se em grandes desafios. O primeiro deles é a imensa

distância até à Aldeia Alto Jamari, aproximadamente quarenta quilômetros. O segundo é o

aspecto da construção, ou melhor, do seu restabelecimento na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-

Wau, em pleno início do Século XXI, particularmente feita por parte dos membros da Aldeia,

Page 5: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

5

traz consigo não apenas uma caracterização física, mas, sobretudo simbólica implicando na

continuidade de valores culturais do povo Jupaú, ou seja, a própria sobrevivência étnica em

seu território.

A compreensão do significado da maloca e da territorialidade para o povo Jupaú é que trazem

em sua visão particular de mundo as raízes construídas e com a necessidade de mantê-las para

assim justificar a própria existência enquanto grupo, tendo o sentido dado por Costa (2004,

p.50) como “um ato, uma ação, pois o território reforça sua dimensão enquanto representação,

valor simbólico”. A representatividade territorial para um povo com menos de trinta de anos

de contato tendo seus valores pessoais, culturais e simbólicos esgarçados, sendo reduzido a

algumas dezenas de pessoas, em decorrência dos inúmeros e violentos ataques e conflitos,

além de serem vítimas de uma série de doenças estranhas ao seu mundo, contudo não se

curvaram frente ao desafio imposto, o momento da reconstrução traduz a grandiosidade e o

encontro com o sagrado.

O retorno para a antiga maloca, segundo as narrativas do próprio grupo não se realizava a pelo

menos catorze anos devido às constantes pressões, sendo que durante vários o anos se discutia

e planejava o seu restabelecimento como uma forma de reencontrar seu passado e assim

reverenciar seus mortos, pois ali se encontra parte de sua identidade, origem, história e a

própria territorialidade, revelando o que Santos (2006, p.140) caracteriza como essa última “é

o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do

exercício da vida”.

No ano de 2005 foi efetuada uma limpeza prévia na área da antiga maloca-cemitério, todavia,

devido às singularidades amazônicas, a vegetação retomou e ocupou todo espaço. O nome

Yñamõrarikãgã (cabeça de inhambu) é uma homenagem a um igarapé que fica nas imediações

da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça

dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida por caçadores ou

seringueiros, sendo então batizada com tal nome, tem a representatividade simbólica e a

definição geográfica do território.

No processo de restabelecimento da antiga maloca-cemitério, vista como um fato histórico,

mas também político e simbólico ocorreu a parceria e a logística de órgãos públicos e não-

governamentais que desenvolve atividades com o povo Jupaú. Essas entidades foram

Page 6: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

6

convidadas e são incentivadores da valorização cultural, mesmo recebendo questionamentos

daqueles que não militam ou não entendem a causa indígena.

Como pesquisadores sentimo-nos privilegiados, porque poucos foram aqueles não-indígenas

que chegaram até Yñamõrarikãgã, e menor foi o número de pessoas que participaram do ato

em contribuir para o restabelecimento de uma maloca após três dias de caminhada pela

floresta e território Jupáu.

O processo de caminhada para a maloca-cemitério obedece a ritualísticas importantes para o

grupo, como fator de “marcação de territórios”, tendo os mais jovens caminhando sempre a

frente dos demais levando seus de instrumentos de caça, pesca e guerra, seguido das

mulheres, crianças e os não-indígenas e por últimos mais velhos. Essa é uma forma de

proteção para que todos chegassem bem ao destino final.

No caminho costumam parar em pontos estratégicos, não apenas para descansar, mas,

sobretudo para adentrarem ainda mais na floresta em locais de barreiro para capturarem

animais como: yuhua (veado), mutun’a (mutum), tapi’ira (anta), tayehua (queixada), ou

pescarem yniã (cascudo), jandiá (mandi), piahua (jatuarana), pakwhua (pacu), namipipihua

(cascudinho), yniãpe (bodó); caratinga (acará), piranha, piau e traíra, sendo que esses

alimentos são indistintamente para todos e em qualquer momento que ocorrer a vontade do

tau mãtera (quero comer) de cada um.

O momento da caçada é de muita magia, como se fosse uma sinfônica noturna na floresta,

onde o grupo coletivamente e empenha na captura do animal, atraindo-o através de silvos

imitadores dos animais. Com o sucesso da empreitada o fogo é imediatamente acesso, o

moquém é armado um móquem para preparar a iguaria, o animal é carregado, esquartejado e

limpo no igarapé. Ocorre então à glorificação daquele que realizou tal proeza, indeléveis

gargalhadas rompem a noite, enquanto esperam apreciar a carne, todos celebram e congraçam

em volta do fogo.

Do animal nada se perde, aproveita-se desde a cabeça ao aparelho digestivo para produzir

lingüiça, porém o que não se pode carregar como mantimento, fica na floresta para que outros

animais possam servir-se, completando a cadeia alimentar. Assim, quando ocorre a caçada,

fica a impressão que os Jupaú não se cansam nunca, tampouco dorme, na manhã vê-se a

disposição para continuar a longa caminhada.

Page 7: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

7

Nessa jornada ocorrem as paradas de descanso em razão intenso calor da Floresta Amazônica,

é muito sentarem ao chão e tecerem cestos de vários tipos utilizados no transporte às costas de

seus pertences ou alimentos, tendo matéria-prima folhas novas de palmáceas como babaçu e

inajá (Attalea maripa Aubl.) amarradas com talas de envireira (Xylopia sp). Não havendo

mais necessidade do uso desses cestos abandonam-no próximo aos caminhos que percorrem

em suas empreitadas de caça, pesca e coleta de produtos florestais, servindo desse modo como

identificadores dos locais que habituam usam.

Outra estratégia utilizada na longa caminhada para a maloca antiga é o estabelecimento de

pontos de apoios que denominam de maloquinhas ou tapiris, podendo nela descansar, realizar

as refeições e até mesmo dormir. Elas possuem uma estrutura muito mais simples tendo

apenas a cobertura com folhas de palmeiras de babaçu, servem “como marcadores territoriais”

e de representação simbólica e são utilizadas para outras atividades do grupo como caça e

pesca, coleta de frutos e lazer, tornando-se igualmente importante na defesa do seu espaço e

de seu povo.

A chegada na maloca antiga causou uma sensação fantástica, talvez porque estivéssemos num

espaço sagrado ou pela expectativa do convite feito e da oportunidade de conhecermos um

pouco mais aquele povo e sua cultura, em que a riqueza existente na nossa sociedade parece

não ter tanta representatividade para eles. Um punhado de farinha no prato é motivo de alegria

e riso, mesmo que nele não contenha um pedacinho de mbiara (carne) ou de pirá (peixe).

As atividades de restabelecimento da maloca aconteceram de forma coletiva, sendo os

trabalhos iniciados no raiar do sol, conduzidos por decisão dos indígenas, ficando a palavra

final com Mbawa-Ga, o mais idoso e experiente do grupo. Os trabalhados pesados eram de

responsabilidade masculina, assim como a caça e a pesca como manda a tradição, ficando

para as mulheres a preparação dos alimentos em moquéns, em folhas de pacowá (pacova) ou

cozidos.

Nesse reencontro com seu passado de grande significado espiritual, a forma de construção e

as tecnologias ancestrais dividiram espaço com os instrumentos utilizados pela sociedade

nacional que só foram conhecidas por eles após o contato com o não-indígena, uma vez que

essas facilitam o trabalho.

A primeira atividade realizada no restabelecimento da maloca-cemitério consistiu na limpeza

física da área de entorno através do roçado, retirada de vegetação, encoivaramento e queima

Page 8: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

8

da vegetação arbustiva e rasteira, com a utilização de instrumentos como terçados ou facões,

foices, machados, enxadas e ainda um motosserra transportados por helicóptero alguns dias

antes juntamente com gêneros alimentícios como arroz, feijão, farinha, produzidos pelos

indígenas entre outros. Esse transporte foi possibilitado devido às ações de fiscalização que o

IBAMA fazia na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e Parque Nacional de Pacaás Novos, e

como ocorreu um sobrevôo naquele espaço aproveitaram a oportunidade para deixarem esses

materiais da maloca antiga, diminuindo o peso das bagagens levadas durante a expedição.

As demais atividades ocorreram quase simultaneamente, enquanto uns se encarregavam em

encontrar madeira bruta para a estrutura da edificação, outros faziam seu transporte deixando

no local apropriado. Num segundo momento era feito abertura de buracos necessários ao

levantamento da estrutura, utilizando-se cipós e alguns pregos. Essa estratégia de construção

rápida utilizando instrumentos não-indigenas, devia ao fato dos vários compromissos com

suas famílias que haviam permanecido na Aldeia e que poderiam passar necessidade com falta

de alimento. A estrutura ao final ficou com uma dimensão aproximada de 100m² de área e

quatro metros de altura no ponto mais elevado, tendo a cobertura uma forma arredondada.

A terceira etapa do processo ocorreu na floresta com a retirada de palha de babaçu (Orbignya

phalerata, Mart), posteriormente foram transportadas pelos homens e dobradas com a

participação de todos os presentes na expedição, e finalmente fez-se a cobertura da maloca-

cemitério.

Alguns detalhes interessantes marcaram profundamente o restabelecimento da maloca e vale

citá-los: a) Taroba-Ga e Mongta-Ga ao realizarem a amarração da cobertura, estavam caindo

de costas, uma vez que a madeira com troncos finos se rompeu, porém com agilidade

fantástica, realizaram acrobacia no ar e atingiram o solo literalmente em pé; b) quando um dos

lados da cobertura estava pronto, uma das madeiras de sustentação quebrou-se, pairando no ar

um misto de desespero e profunda tristeza, mas imediatamente todos se mobilizaram e

trocaram-na por outra com melhor qualidade; c) Mbawa-Ga desceu da maloca construída em

poucos segundos, demonstrando que apesar da idade avançada ainda é extremamente ágil; d)

Warina-Ga subiu e desceu de uma árvore com aproximadamente dezoito metros de altura

numa rapidez indescritível, isso com um laço nos pés que lhe dava suporte e ainda um terçado

(facão) nas mãos o qual cortou as galhas da árvore próxima à maloca restabelecida para que

ela não danificasse a construção.

Page 9: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

9

Por decisão dos indígenas a maloca foi parcialmente construída, sendo que a frente e o fundo

não foram revestidos com palhas das palmeiras. No momento não entendemos porque não

optaram pelo seu término, posteriormente explicaram que voltariam no ano seguinte e de fato

fizeram isso, pois era uma estratégia para que outros parentes conhecerem Yñamõrarikãgã e

assim ajudasse a protegê-la de invasores e reverenciá-la como local sagrado de suas tradições.

Como iriam retornar no ano seguinte deixaram as ferramentas utilizadas na construção.

Nesse aspecto a representação de sua cosmogonia assume os papéis de “marcadores de

territórios”, conforme enfatizado por Henriques (op.cit., p. 9-11). No contexto do

restabelecimento da maloca Jupaú aparecem esses marcadores, sendo plenamente

identificáveis, como: a) marcadores vivos por considerarem o rio e a floresta como elementos

do seu meio; b) os simbólicos porque ali encontram sua história e as memórias dos

antepassados; c) os fabricados que representa a sacralização do espaço construído e as

técnicas utilizadas em tal atividade; d) os históricos por representar a mobilização do grupo;

e) os musicais com a expressão de canções para celebrar as vitórias e relembrar dos

antepassados; f) os funcionais com o restabelecimento de trilhas que levam à maloca antiga,

permitindo a caça e a pesca.

As representações simbólicas constituem a amálgama da cultura, onde o mesmo objeto pode

ter diferentes significados em culturas distintas, logo o que apresenta sagrado para uns, não

é para outros ou não tem importância alguma. A sua criação depende substancialmente dos

fatores históricos, econômicos, sociais e ambientais, sendo que:

O mundo das representações é anterior ao nosso nascimento e outros o construíram para nós, porém precisamos, no decorrer da existência individual, criar mundos simbólicos pessoais ou inventar uma linguagem, e deste modo, na relação que estabelecemos com os outros, passamos a construir nosso próprio mundo semiótico. (KOZEL, op.cit., p.229).

Nesse universo de representação o restabelecimento da maloca Iñamũrarikãgã, envolve

aspectos da espiritualidade e da materialidade, a primeira com a relação com a evocação dos

espíritos protetores do povo, o segundo como um marcador de território. Em sinal de amizade

e confiança da presença de não-indígenas, Mbawa-Ga revelou que estava ali para lembrar dos

seus queridos parentes antepassados, mostrando onde era a maloca e os locais do

sepultamento, explicando que “o Ga significa que é homem vivo, enquanto a mulher é Hen’a,

Page 10: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

10

quando morrem são chamados pelo nome e acrescentam o wae, como uma forma de manter as

memórias”.

Durante o processo de restabelecimento da maloca, realizado em três dias, embora a

expedição fosse de doze dias, na segunda noite um dos homens Jupaú realizou o ritual do

omãpuãbuga (choro) e do imbu’ika (canto), como forma de relembrar a memória de sua mãe.

É uma manifestação muito forte e serve para realimentar a alma através da invocação dos

bons espíritos que auxiliam na proteção do território e de sua gente, ao mesmo tempo em que

retribui com o choro e a música como forma de agradecimento por tudo àquilo que

conquistaram.

Esse ritual provoca sensações arrebatadoras produzindo um êxtase sublime e levando-o a

introspecção psíquica unindo o passado com o presente, ou seja, naquele momento o

sentimento de morte parece ser abandonado, como enfatiza Schaden (1974, p.131): “de modo

inequívoco resulta de tudo isso que morte não equivale necessariamente a destruição”. A

canção em formato de ladainha exalta a glória, os valores e as memórias, mas traz a

inquietação com o presente refletido no receio do surgimento de entidades maléficas que

possam causar danos ao povo, à cultura e ao território.

O estabelecimento do ato de representação simbólica no ritual evocando-se as reminiscências,

como aquela realizada pelo indígena na volta da antiga maloca, enquanto os demais ficam em

silêncio profundo silêncio e somente ele se manifestando nesse momento especial de sua

existência, demonstra o respeito e a identidade do grupo, conduzindo-nos a reflexão de que:

Os grupos só acham seu equilíbrio quando dispõem de meios para se aproximar das fontes da potência e da verdade. Os ritos correspondem a isto. A dança prepara o transe: a divindade penetra então no indivíduo que age e fala em seu nome. O sacrifício reata a aliança com as forças que comandam o mundo: ele permite captar sua atenção, acalmar sua cólera e atrair suas boas graças... (CLAVAL, 2001, p. 156-157)

Nesses momentos simbólicos, os rituais espirituais integrantes da cosmogonia Jupaú

constituem-se como “marcadores territoriais” permitindo a manifestação física dos espíritos,

incorporando no indígena e assim produz o canto, choro, gritos, inclusive danças em algumas

situações, de tal modo que em seu imaginário essas representatividades simbólicas “ajudam a

estruturar as identidades coletivas, o território desempenha um papel central”, conforme

constata Piveteau (1995 apud Claval op. cit., p. 158).

Page 11: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

11

Um elemento muito poderoso e intimamente ligado ao processo de restabelecimento da

maloca é o fogo, sempre o fogo, permitindo não apenas o preparo da alimentação, mas

oferece dupla proteção contra os animais ferozes da floresta que podem atacá-los, além de

aquecer as noites frias de julho, sendo colocado embaixo e ao lado das redes. Ele está

invariavelmente nas coivaras, na limpeza do terreno da maloca e queimando a vegetação seca

o tempo todo, facilitando as atividades desenvolvidas pelo grupo.

O fogo também como parte do universo simbólico das representações protege o guerreiro da

ação sinistra de Anhangá, como explica Awapy-Ga: “se não fosse pelo fogo acesso à noite

quando estava sozinho na maloca, uma vez por brigar com meu irmão, e outra quando estava

caçando, Anhangá teria me levado”. Esse espírito maléfico é uma visagem ou assombração e

apresenta-se como um grande morcego sugador de sangue, mas pode assumir quaisquer

outras formas, conforme as narrativas míticas do povo Jupaú, desaparece com as pessoas para

um local desconhecido.

Outro elemento constante e espiritual é a água, fazendo-os lembrar da antiga maloca situada

às margens do rio, pois onde habitam atualmente possui um igarapé intermitente em muitos

trechos, privando-os da pesca e dos demorados banhos. Ao chegarem à Yñamõrarikãgã uma

das primeiras ações que tomaram foi direcionar até o rio onde passaram longo tempo tomando

banho, contemplando as águas e relembrando a história do lugar.

Embora não podemos afirmar que a cultura do povo Jupaú seja religiosa, tem certos atributos

que compõe o sagrado através das ritualísticas espirituais e a utilização de elementos da

natureza semelhantemente ao constatado por Gil Filho (2004, p. 258), onde “em muitas

culturas religiosas a realidade sensível é inerentemente sagrada, na medida em que faz parte do

mundo da natureza”.

Nessa relação de integração do homem e a natureza, a maloca cumpre seu papel de afirmação

da identidade cultural do povo, conforme constata Sahlins (op. cit., p. 41): “as pessoas,

relações e coisas que povoam a existência humana manifestam-se essencialmente como

valores e significados que não podem ser determinados a partir de propriedades biológicas ou

físicas”.

Sob essa ótica acreditamos que o conhecimento, o respeito e a compreensão do mundo

indígena com seus valores, símbolos e significados de representação e de contribuição

significativa não somente para entendermos as diferenças existentes entre as várias culturas

Page 12: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

12

humanas, mas, sobretudo para que possamos tê-las como referencial de aprimoramento de

nossas próprias relações.

A territorialidade, as representações simbólicas se manifestam por uma necessidade objetiva

em ter resguardado os valores intrínsecos construídos ancestralmente, sendo que o “espaço

não é a cristalização do fenômeno, mas parte das possibilidades relacionais do mesmo. Assim,

construímos imagens do espaço e atribuímos a elas as representações de nossa existência”, na

definição de Gil Filho (op.cit. 259), e como tal deverá ser entendido, pois explica a existência

das relações sociais e a materialidade das diferentes resiliências colocadas ao grupo.

Nesse contexto das representações territoriais, é mister a abordagem de Bonfil Batalla

(1991) situando-o como um fenômeno social em que a “capacidad de decisión que define al

control cultural es también una capacidad social, lo que implica que, aunque las decisiones las

tomen individuos, el conjunto social dispone, a su vez, de formas de control sobre ellas”. A

necessidade objetiva é, assim, estendida pela compreensão da capacidade de decisão e a da

apropriação dos espaços com seus objetos e bens naturais, incluindo os aspectos psíquico-

sociais e míticos, contribuindo na formação e manutenção de sua cosmogonia, permitindo a

existência material do grupo.

Os objetivos propostos para a execução do trabalho foram plenamente alcançados, onde o

convívio de doze dias na Aldeia, sendo três deles na execução da construção da antiga

maloca-cemitério, permitiu entender um pouco do modo de vida do povo Jupaú. A

observação participante foi de um grande significado para todos, estabelecendo-se um círculo

de amizade, solidariedade e confiança, possibilitando o engajamento ativo nas atividades que

propuseram.

Nesse contexto, mesmo a maloca não sendo totalmente construída por decisão do próprio

povo da Aldeia Alto Jamari, fomos convidados a participar em 2007 de dois importantes

rituais que simbolicamente representam os “marcadores territoriais”. O primeiro ritual é o de

passagem conhecido como festa da menina-moça, marcando a entrada da fase adulta da

mulher; o segundo com o Yreruá (dança das flautas de taboca) com a manifestação e

evocação dos espíritos dos antepassados como o ocorrido em Yñamõrarikãgã.

Em ambos rituais as relações sociais tornam-se mais fortalecidas, pois são neles que os

membros de outras aldeias se encontram, cantam, dançam, bebem e comem seus produtos

Page 13: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

13

ancestrais, realizam as tarefas de forma coletivas com os papéis definidos entre homens e

mulheres, além de contar suas tradições e situações vivenciadas no dia-a-dia.

A partir dessas participações passamos a contar com valioso material de pesquisa científica,

inclusive fotográfica, com as imagens sendo posteriormente devolvidas ao povo, como sinal

de respeito e ética por terem permitido o acesso ao seu território e aos valores que

preciosamente tentam manter e preservar frente às situações de “fricção étnica” na definição

de Cardoso de Oliveira (1972).

Numa expedição também ocorrem alguns dissabores, não provocados pelos indígenas, mas

pela distância percorrida ocasionando o seguinte: lesões em parte dos componentes da equipe

causados pelos espinhos e estrepes perfurando pés e mãos, galhos e vegetação machucando o

rosto e o extenuante cansaço físico no corpo; o frio intenso; as inevitáveis picadas de insetos

como as formigas tracoá, taxi, de fogo, tocandira e vespas conhecidas como cabas; calçados,

roupas e bolsas se deteriorando, além de serem trituradas por saúvas e marimbondos; e a

máquina fotográfica se oxidando, não podendo ser mais utilizada.

A Expedição à Yñamõrarikãga foi tão importante ao povo Jupaú despertando nos parentes das

demais aldeias o desejo de restabelecer antigas trilhas e malocas de igual significado: a

valorização cultural, a proteção do território, o reencontro com os espíritos dos antepassados,

além de outras simbologias e representações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS NÃO CONCLUSIVAS

A Expedição para o restabelecimento da maloca Yñamõrarikãgã, ofereceu grandes

aprendizados, principalmente sobre a importância da representação simbólica dos povos

indígenas em articular o espaço cultural de vivência, impregnando nele seu conhecimento e

sabedoria, primando pelas relações sociais de humanismo, companheirismo e participação

coletiva, estabelecendo o caráter respeitoso de preservação e utilização racional da

biodiversidade.

A experiência de conviver com a cultura Jupaú é única e indescritível, causando a sensação de

paz de espírito e harmonia, típico do seu modo de vida simples do ponto de vista do não-

indígena, que se contenta com o muito que a natureza lhes oferece, dando-lhe uma

Page 14: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

14

grandiosidade mágica. Esse povo sorridente, hospitaleiro e trabalhador merecem mais do que

ser reconhecido e respeitado. É do seu imaginário e das relações estabelecidas com seus

antepassados e com o meio onde vivem encontrando a energia indispensável para a defesa de

seu território imemorial e do rico patrimônio imaterial das tradições, valores e costumes.

Entender isso, não é apenas conciliar com o passado, embora esse, também deverá ser

explicado. O ato do restabelecimento da antiga maloca-cemitério representa antes de tudo

para eles o pacto amalgamador de sua cosmogonia com o mundo exterior, oportunizando as

atuais e futuras gerações o conhecimento das fortes lições porque contêm sua história e a vida,

mesmo com as constantes tentativas de “invisibilidade” efetuadas pela sociedade não-

indígena.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONFIL BATALLA, Guillermo. El etnodesarrollo: sus premisas jurídicas, políticas y de organización. In: F. Rojas Aravena (Ed.): América Latina: etnodesarrollo y etnocidio. San José de Costa Rica: FLACSO, 1982.

BONFIL BATALLA, Guillermo. Pensar nuestra cultura, ensayos. México: Alianza Editorial. 1991.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O índio e o mundo dos brancos. São Paulo: Enio Matheus Guazzelli e Companhia, 1972.

CLAVAL, Paul. A geografia cultural. 2ª ed. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2001.

COSTA, Rogério H. da. O Mito da Desterritorialização: Do “Fim dos Territórios” à Multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

GIL FILHO, Sylvio Fausto. Por uma geografia do sagrado. In: Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. MENDONÇA, Francisco & KOZEL, Salete. Curitiba, Ed. UFPR, 2004.

HENRIQUES, Isabel Castro. Território e Identidade: o desmantelamento da terra africana e a construção da Angola colonial (c.1872-c1926). Sumário pormenorizado. Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2003.

KOZEL, Salete. As representações no geográfico. In: Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. MENDONÇA, Francisco & KOZEL, Salete. Curitiba, Ed. UFPR, 2004.

LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1996.

Page 15: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

15

PIVETEAU, Jean-Luc. Temps du territoire. Carouge-Genève: Éditions Zoe, 1995.

POLLACK, Michael. Memória e identidade social. Estudos históricos, v. 5, nº 10.Rio de Janeiro: APDOC, 1992.

SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção (parte I). V. 3, nº 1. Rio de Janeiro: Mana, 1997.

SANTOS, Milton. et al. Território, Territórios: Ensaios Sobre o Ordenamento Territorial. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura guarani. 3ª ed. São Paulo: Editora Pedagógica/Edusp. 1974.

Page 16: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

16

ANEXO

(MAPA DA TERRA INDÍGENA URU-EU-WAU-WAU)

Page 17: RESTABELECIMENTO DA MALOCA …...da maloca e porque no passado ao estabelecerem o local de moradia encontraram a cabeça dessa ave em cima do tronco de uma árvore, provavelmente abatida

17

TERRA INDÍGENA URU-EU-WAU-WAU

LOCALIZAÇÃO DAS ALDEIAS - TERRA INDÍGENA URU-EU-WAU-WAU

FONTE: Elaborado com base nos dados da SEDAM/ZSEE/PLANAFLORO, Escala 1:1.000.000Localização das Aldeias, baseado em informaçãoes de campo de Rogério Vargas MotaAdnilson de Almeida Silva/2007

ALTO JAMARI

INÃMÕRARIKÃGÃ

COM.ARY (ALTA LÍDIA)

ALTO JARU

ALTO JARU

621

621623

Limites Municipais Trilha Alto Jamari-Trilha Alto Jaru-Cmte Ary

# Aldeias antigas confirmadas$T Postos Indígenas&V Postos de Atração

#

#

#

#

#

#

$T

$T$T

$T

$T

$T$T $T

$T

$T

$T

&V

&V

&V

P.N. Pacáas Novos

GUAJARÁ-MIRIM

SÃO MIGUEL DO GUAPORÉ

SERINGUEIRAS

GOVERNADOR JORGE TEIXEIRA

ALVORADA D'OESTE

NOVA MAMORÉ

COSTA MARQUES

JARU

CAMPO NOVO DE RONDÔNIA

MIR.DA SERRA

M.NEGROCACAULÂNDIA

0 30 60 Km

PORTO VELHO

GUAJARÁ-MIRIM

VILHENA

JI-PARANÁ

NOVA MAMORÉJARU

CACOAL

CUJUBIM

BURITIS ARIQUEMES

PIMENTA BUENO

CHUPINGUAIA

MACHADINHO D'OESTE

S FRANCISCO DO GUAPORÉ

CANDEIAS DO JAMARI

SÃO MIGUEL DO GUAPORÉ

COSTA MARQUES PARECIS

ALTA

FLO

R. D

'OES

TE

PIMENTEIRAS D'OESTE

CORUMBIARA

CEREJEIRAS

VALE DO ANARI

CABIXI

ALTO PARAISO

THEOBROMA

ALV. D'OESTE

2

URUPÁ

ESPI

GÃO

D'OE

STE

1

3

45

6

78

910 11 12

1314

15 16171819

ALTO

ALE

G D'

OEST

E

20

21

22

PN PACÁAS NOVOSLEGENDAS

JAMARI

11°45' 11°45'

11°30' 11°30'

11°15' 11°15'

11°00' 11°00'

10°45' 10°45'

10°30' 10°30'

64°15'

64°15'

64°00'

64°00'

63°45'

63°45'

63°30'

63°30'

63°15'

63°15'

63°00'

63°00'

62°45'

62°45'-64

-64

-63

-63

-11 -11

SÃO LUIZ(ORO-TOWATI)

LIMOEIRO

PEDREIRAS(CABIXI)

TRINCHEIRA(AMONDAWÁ)

Inãmõrarikãgã