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PATRÍCIA GOMES DA SILVA RESSOCIALIZAÇÃO DO SENTENCIADO Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, como requisito indispensável à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Gilson Fonseca GOVERNADOR VALADARES, 2008

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PATRÍCIA GOMES DA SILVA

RESSOCIALIZAÇÃO DO SENTENCIADO

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, como requisito indispensável à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Gilson Fonseca

GOVERNADOR VALADARES,2008

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PATRÍCIA GOMES DA SILVA

RESSOCIALIZAÇÃO DO SENTENCIADO

Monografia apresentada no curso de Direito da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, como requisito indispensável para a graduação em Direito.

Governador Valadares, ___ de dezembro de 2008

Banca Examinadora:

________________________________________________ Prof. Gilson Fonseca - Orientador

__________________________________________________ Prof.

______________________________________________________ Prof.

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RESUMO

A presente monografia descreve e analisa o perfil do sistema carcerário brasileiro, em termos de “ressocialização” do delinqüente, matéria que tem sido atualmente alvo de severas críticas das modernas tendências criminológicas.

A verdade que necessita ser reconhecida é que a criminalidade não se resolve com o Direito Penal, mas com soluções sociais e o conteúdo ressocializante da moderna penalogia.

Segundo leciona Marc Anecel, o condenado, “tem direito ao tratamento para ressocialização, devendo o regime penitenciário preparar e assegurar a sua reinserção social”.

A lei de Execução Penal (LEP) – é adequada para a execução da pena e a ressocialização do condenado, oferecendo os meios e modos de formar uma sociedade justa, humana, capaz de proporcionar ao infortunado delinqüente, a oportunidade de rever seus atos anti-sociais e voltar ao convívio da comunidade.

Não há dúvidas de que o objetivo da imposição de uma sanção ao delinqüente é a sua ressocialização e sua futura reintegração social, bem como a prevenção do crime. Entretanto, os estabelecimentos penais existentes são incapazes, sob muitos aspectos, de propiciar tratamento adequado à ressocialização dos condenados, visto que, senão sempre, na maioria das vezes, têm um efeito deteriorante da personalidade destes.

Inicialmente foi feito um trabalho de pesquisa, num retorno ao passado, objetivando mostrar como surgiram os primeiros meios punitivos, quando os homens começaram a se organizar em sociedade e sentiram a necessidade de criarem regras de convivência. Posteriormente é feita uma análise do Direito Comparado quanto à aplicação da pena e a ressocialização do sentenciado.

Por fim, relatamos o trabalho de campo, consistente nos contatos com os presos e na análise do funcionamento de alguns projetos sociais cuja finalidade é ressocializar, dentre eles a oficina de artesanato, marcenarias, hortas para consumo próprio, implantados pela APAC, projeto de Minas Gerais.

PALAVRAS-CHAVE: Ressocialização, Sentenciado.

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ABSTRACT

The present monograph describes and analyzes the profile of the Brazilian jail system, in terms of “ressocialização” of the delinquent, substance that has been currently white of severe critical of the modern criminologic trends. The truth that needs to be recognized is that crime is not decided with the Criminal law, but with social solutions and the ressocializante content of the modern penalogia. Second leciona MARC ANCEL, the convict, “has right to the treatment for ressocialização, having the penitentiary regimen to prepare and to assure its social reinserção”. The law of Execução Penal (LEP) is adjusted for the execution of the penalty and the ressocialização of the convict, having offered the ways and ways to form a society joust, human being, capable to provide the delinquent infortunado one, the chance to review its acts antisocial and to come back to the conviviality of the community. It does not have doubts of that the objective of the imposition of a sanction to the delinquent is its ressocialização and its future social reintegration, as well as the prevention of the crime. However, the existing criminal establishments are incapable, under many aspects, to propitiate adequate treatment to the ressocialização of the convict, since, senão always, most of the time, have a deteriorante effect of the personality of these. Initially a research work was made, in a return to the past, objectifying to show as the first punitive ways had appeared, when the men had started if to organize in society and had felt the necessity to create convivência rules. Later an analysis of the Comparative jurisprudence how much to the application of the penalty and the ressocialização of the sentenced one is made. Finally, we tell to the work of field, consistent in the contacts with the prisoners and the analysis of the functioning of some social projects whose purpose is to ressocializar, amongst them the workshop of artesanato, marcenarias, hortas for proper consumption, implanted for APAC, project of Minas Gerais.

PALAVRAS-CHAVE: Sentenced, Ressocialização.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 71.1 JUSTIFICATIVA 71.2 OBJETIVOS 91.3 METODOLOGIA 92 A PRISÃO E O PRESO 10

2.1 A EVOLUÇÃO DA PRISÃO 102.2 SURGIMENTO DAS PRISÕES 11

2.3 PRISÃO NO BRASIL 12

2.4 A EVOLUÇÃO DA PENA DE PRISÃO NO BRASIL: 15

2.5 ORDENAÇÕES AFONSINAS 15

2.6 ORDENAÇÕES MANUELINAS 162.7 ORDENAÇÕES FILIPINAS 163 CLASSIFICAÇÃO DOS PRESOS 184 SISTEMA PRISIONAL 205 CRITÉRIOS LEGAIS DE TRATAMENTO DO PRESO 226 CRIMINOLOGIA CLÍNICA 237 DIREITO À RESSOCIALIZAÇÃO 249 A RESSOCIALIZAÇÃO COMO FINALIDADE DA

EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE25

10 CONCLUSÃO 3411 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 3512 ANEXOS: 41

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1 INTRODUÇÃO:

A pena nasceu como uma resposta àqueles que subvertiam a uma pré-determinada ordem

social, geralmente regida por algum tipo de crença religiosa, em dado local e época, para que a

“paz coletiva” imperasse de forma absoluta, sob o poder de algum líder espiritual ou chefe

religioso, que ordenava qual castigo deveria ser imposto.

As penas inicialmente eram extremamente cruéis e tinham cunho puramente religioso.

Duas eram as espécies de penas conhecidas: a pena da paz (banimento) e a vingança de sangue

(pena de morte).

Com a evolução das civilizações, o cunho religioso da pena paulatinamente foi

desaparecendo e, com isto, passou a ser aplicada pelo poder público. Nesta fase, a pena de morte

foi amplamente utilizada e sua execução se dava em praça pública, como meio de castigo e

intimidação. Num passo seguinte, a pena capital foi aos poucos sendo substituída pelo trabalho

forçado que, em geral, era perpétuo e exercido em serviços extremamente penosos. Era esta, uma

forma de pena alternativa. As penas infames foram uma característica marcante dessa época e que

perduraram em algumas legislações até o século XIX.

1.1JUSTIFICATIVA:

Muitas são as razões que determinam a intensificação do interesse pelo estudo da

ressocialização.

A humanidade ingressou em um acelerado processo de mudança, conhecimentos e

costumes que antes levavam decênios e às vezes até mesmo séculos, para serem modificados.

Situação inversa ocorre no sistema carcerário na atualidade.

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Devido ao fenômeno do crescimento incontrolável de nossa população e a lentidão do

poder público em solucionar os angustiantes problemas sociais, agrava-se a cada dia a violência

urbana, o desrespeito à vida e às pessoas, tornando-se selvagem o convívio em sociedade.

O cumprimento da pena de prisão encontra sérias dificuldades, por inexistência de

presídios, superlotação carcerária, preconceito por parte da comunidade que demonstra certa

resistência em cooperar com a recuperação do condenado, em vez de dar o devido apoio. Em

regra, não confiam no condenado e tampouco manifestam interesse na recuperação do

delinqüente.

A prisão em termos gerais é uma agressão corporal e psicológica. Lá se tem a sensação de

não existirem garantias de segurança pessoal. Ao ser considerado preso, o homem transforma-se

em número, transforma-se em coisa, em objeto.

Esta breve análise do clima das prisões nos leva à seguinte reflexão: A prisão é um

mundo interno empobrecido, e tal empobrecimento leva ao que chamamos de desintegração do

preso, que se revolta, se deteriora mentalmente e torna-se mais violento, por sentir-se acuado. A

ressocialização para adaptação do delinqüente é possível desde que reverta a atual situação.

No Brasil a política penitenciária nacional realiza-se por intermédio do Ministério da

Justiça, através do Conselho Nacional de Política Penitenciária e do Departamento Penitenciário,

cuja missão fundamental é a planificação da penitenciária nacional.

Depoimentos bastante incisivos revelam a preocupação com a ineficiência do sistema, que

não consegue cumprir sua principal finalidade: “Ressocializar”, recuperar, reintegrar o criminoso

e devolvê-lo à sociedade em condições adequadas.

Enfim, tudo o que foi exposto acima, se transforma em justificativas de grande relevância,

quando quer se analisar a ressocialização, abordando os aspectos mais importantes, com

referência a conceitos jurídicos básicos, observando-se sempre as novas tendências sobre a

ressocialização.

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1.2 OBJETIVOS:

Através de um profundo estudo e de uma boa orientação, pretendemos analisar o

problema, de forma a contribuir para estudos mais específicos e aprofundados sobre a questão

levantada. Assim, abordaremos a história da aplicação da pena, bem como seu real objetivo que é

a “ressocialização”. Esclarecemos que há de se preservar, como critério fundamental, a

integridade dos direitos sociais do preso.

Apresentaremos as tendências atuais dos sistemas jurídicos e a realidade do Sistema

Carcerário, em busca do saber crítico, identificando a referida realidade e sua importância.

1.3 METODOLOGIA:

Para confecção do presente trabalho, utilizaremos livros atualizados, revistas, materiais

extraídos da Internet, revistas especializadas, jornais da área jurídica, entrevistas, salientando-se o

que tem de mais atual sobre legislações, jurisprudências, doutrinas e periódicos concernentes ao

tema.

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2 A PRISÃO E O PRESO:

“Que as penas sejam moderadas e proporcionaisaos delitos, que a de morte só seja imputada aos

assassinos,...”Michel Foucault

A primeira observação que se pode fazer acerca da vida nas prisões é o enorme e brutal

empobrecimento que elas impõem aos quantos nelas tenham que passar os seus dias.

Especialmente nos grandes presídios o preso dispõe de tudo, às vezes até da própria roupa. Assim

sendo, tais presídios não permitem a reconstrução moral dos seus encarcerados, visto que provoca

um processo irreversível de degradação.

Tal processo é produto do tratamento que, sem estimulação social e afetiva, impede ao

recluso recuperar seus reais comportamentos. A falta de privacidade está ligada à atitude

controladora e repressiva da prisão, que em modo geral é uma agressão corporal e psicológica.

É neste âmbito que se defende que existe sim a ressocialização do sentenciado, desde que

se reverta a situação. Em prisões em que exista trabalho, respeito às normas, educação,

assistência social, assistência médica, psicológica e jurídica, o preso jamais terá tempo para

raciocinar e arquitetar coisas ruins, como motins, fugas entre tantas outras.

Recebendo o tratamento adequado e necessário a pessoa “humana” sente-se na obrigação de

responder as expectativas daqueles que nela confia.

O sistema penitenciário no Brasil é considerado falido. Milhares de indivíduos que

cometem delitos de gravidades bem diversas se amontoam em cadeias superlotadas, sem

infraestrutura básica, que os mantêm “fora da sociedade” por algum tempo, mas que não os

prepara para regressar ao convívio social.

2.1 A EVOLUÇÃO DA PRISÃO

Agamenon Bento do Amaral, com propriedade, consignou o seguinte conceito jurídico de

prisão:

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No sentido penal, a prisão constitui instrumento coercitivo estatal decorrente da aplicação de uma sanção penal transitada em julgado.E no sentido processual, a prisão constitui instrumento cautelar de que se vale o juiz no processo para impedir novos delitos pelo acusado, aplicar a sanção penal ou para evitar a fuga do processado, além de outros motivos e circunstâncias ocorrentes em cada caso concreto. (CANTO, 2000 p. 12)

2.2. SURGIMENTO DAS PRISÕES:

As instituições penais originaram-se por exigência do próprio homem, pela necessidade de um ordenamento coercitivo que assegurasse a paz e a tranqüilidade em sua convivência com os demais seres humanos. Trata-se de uma imposição do próprio relacionamento inerente ao contrato social. (CANTO, 2000 p. 12)

Nas primeiras prisões e casas de força a pena era aplicada como detenção perpétua e

solitária em celas muradas. Contudo, no século XVII, a pena privativa de liberdade foi

reconhecida como substituta da pena de morte e, até o século XVIII, grande número de casas de

detenção, surgiram. Odete Maria de Oliveira, retratou com percuciência, os principais sistemas

prisionais, de cuja obra extrai-se, em síntese.

a) Sistema de Filadélfia:

Por influência católica dos cárceres monacais da Idade Média, desponta um novo regime de reclusão em Filadélfia, no ano de 1790, com as seguintes particularidades: freqüente leitura da Bíblia; proibição do trabalho e de receber visitas; isolamento absoluto e José de Ribamar da Silva, 20 anos constante do condenado; trabalho da consciência para que a punição fosse temida . (CANTO, 2000 p. 13)

b) Sistema de Auburn:

Nova Iorque, 1821: os prisioneiros podiam manter comunicação pessoal apenas durante o dia, pois à noite, eram mantidos em completo isolamento. As regras de silêncio eram aplicadas com severidade e o trabalho e a disciplina eram condicionados aos apenados com a finalidade de ressocialização e, via de conseqüência, de preparação para o retorno ao meio social. (CANTO, 2000 p. 13)

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c) Sistema de Montesinos:

Idealizado por Manoel Montesinos y Molina, na Espanha, aplicava o tratamento penal humanitário, objetivando a regeneração do recluso. Já por este sistema foram suprimidos, definitivamente, os castigos corporais e os presos tinham seu trabalho remunerado. Montesinos foi o primeiro sistema progressivo a aparecer. (CANTO, 2000 p. 13)

d) Sistema progressivo inglês:

Inglaterra, 1846: restou estabelecido aos apenados o esquema de vales. Detalhe importante refere-se à duração da pena, que não era fixada pelo juiz na sentença condenatória, mas obedecia a três etapas distintas: de prova; de trabalho durante todo o dia e de isolamento celular noturno. (CANTO, 2000 p. 14)

e) Sistema progressivo irlandês:

Sistema de vales e preparação para a vida em liberdade. Os presos eram deslocados as prisões intermediárias, semelhantes a um método progressivo de regime, sendo abolido o uso de uniformes. Por outro lado, foi admitido o trabalho no campo, com autorização, para conversação, objetivando o fomento para o retorno à sociedade. O Brasil adotou este sistema, excluído o uso de marcas ou vales, mas acrescentando a observação, o trabalho com isolamento noturno, o regime semi-aberto ou colônia agrícola e a liberdade condicional. (CANTO, 2000 p. 14)

2.3 PRISÃO NO BRASIL

Em 1551 já se mencionava a existência na Bahia, de uma “cadeia muito boa e bem

acabada com casa de audiência e câmara em cima [...] tudo de pedra e barro, rebocadas de cal, e

telhado com telha” (RUSSELL-WOOD, 1981, p. 39). Nas cidades e vilas, as prisões se

localizavam no andar térreo das câmaras municipais e faziam partes constitutivas do poder local e

serviam para recolher desordeiros, escravos fugitivos e criminosos à espera de julgamento e

punição. Não eram cercados, e os presos mantinham contato com transeuntes, através das grades;

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recebiam esmolas, alimentos, informações (SALLA, 1999, p.41). Também se alocavam em

prédios militares e fortificações.

O Aljube, antigo cárcere eclesiástico do Rio de Janeiro, usado para a punição de religiosos, foi cedido pela Igreja para servir de prisão comum após a chegada da Família Real. Em 1829, uma comissão de inspeção nomeada pela Câmara Municipal afirmaria: “O aspecto dos presos nos faz tremer de horror”; eram 390 detentos, e cada um dispunha de uma área aproximada de 0,6 por 1,2 m². Em 1831, o número de presos passaria de 500. Em 1856, o Aljube foi desativado. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 38)

Um decreto de 1821, firmado pelo príncipe regente D. Pedro, marca o início da

preocupação das autoridades com o estado das prisões: ninguém será “lançado” em “masmorra

estreita, escura ou infecta” porque “a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para

as adoecer e flagelar” (SALLA, 1999, p. 43).

A Constituição Imperial de 1824, reafirmando a mesma preocupação, determinava: “as

cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus,

conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes”. (Constituição de 1824, p. 34)

“A pena de morte, na forca, ficou reservada para casos de homicídios, latrocínios e

insurreição de escravos. No regime anterior, esta pena estava prevista para mais de 70 infrações”

(DOTTI, 98, p. 52).

Em 1835, como reação ao levante de negros muçulmanos ocorridos na Bahia, uma lei

ampliaria a hipótese de pena Capital para escravos que ferissem gravemente, matassem ou

tentasse matar o senhor ou feitor.

Foi mantida a pena de galés que significava fazer trabalhos forçados em obras públicas. A

principal novidade do Código Criminal de 1830 foi o surgimento das penas de prisão com

trabalho (o condenado tinha a obrigação de trabalhar diariamente dentro do recinto dos

presídios). Pena que em alguns casos podia ser perpétua ou de prisão simples, que consistia na

reclusão pelo tempo marcado na sentença, a ser cumprida “nas prisões públicas que oferecerem

maior comodidade e segurança e na maior proximidade que for possível dos lugares dos delitos”.

(CARVALHO FILHO, 2002, p. 38)

As cadeias, porém não eram adequadas. O código determinava que, até a construção de novos estabelecimentos, a prisão com trabalho, se converteria em prisão simples, com o acréscimo de mais um sexto na duração da pena. Dois estabelecimentos foram projetados para suprir a lacuna, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo. Eram as casas de correção inauguradas respectivamente em 1850 e 1852. Pode-se dizer que elas simbolizam a entrada do país na era da modernidade punitiva. Contavam com oficinas de trabalho, pátios e celas

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individuais. Buscavam a regeneração do condenado por intermédio de regulamentos inspirados no sistema de Auburn.Possuíam também um recinto especial, o calabouço, destinado a abrigar escravos fugitivos e entregues pelos proprietários à autoridade pública, em depósito, ou para que recebessem a pena de açoite.O Código Criminal determinava que o escravo que cometesse um crime pelo qual não fosse condenado à morte ou às galés, fosse condenado ao açoite. O número de chibatadas, a ser determinado pela sentença judicial, estava limitado a 50 por dia. Depois de cumprida a decisão, o escravo era devolvido a seu senhor, que obrigava a “trazê-lo com um ferro pelo tempo que o juiz designar”. “Só em 1886, o açoite seria abolido para os escravos”. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 39)

Ao longo do Império, começa a se forma no país uma cultura sobre o assunto. Juristas e

funcionários viajam ao exterior para conhecer sistemas penitenciários. É debatida a criação de

colônias penais marítimas, agrícolas e industriais. Nasce a preocupação com o estudo científico

da personalidade do delinqüente. O criminoso passa a ser visto “como um doente, a pena como

um remédio e a prisão como um hospital”. (SALLA, 1999, p. 134)

Com a República desapareceram do cenário punitivo a forca e os galés. Ficou estabelecido, ainda, o caráter temporário das penas restritivas da liberdade individual. Não poderiam exceder a 30 anos – princípio que prevalece até a atualidade. A base do sistema de penas adotado pelo novo Código era prisão celular, prevista para grande maioria de condutas criminosas. Deveria ser cumprida em estabelecimento especial. O preso teria um período de isolamento na cela (Filadélfia) e depois passaria ao regime de trabalho obrigatório em comum, segregação noturna e silencio diurno (Aurburn) o condenado a pena superior a seis anos, com bom comportamento e depois de cumprida a metade da sentença, poderia ser transferido “para alguma penitenciária agrícola”. Mantido o bom comportamento, faltando dois anos para o fim da pena, teria a perspectiva do comportamento condicional.Em 1920, é inaugurada a penitenciária de São Paulo, no bairro do Carandiru. Projeto Ramos de Azevedo foi saudada como um marco na evolução das prisões e era visitada por juristas e estudiosos do Brasil e do mundo, como “instituto de regeneração modelar”. Construída para 1.200 presos, oferecia o que havia de mais moderno em matéria de prisão: oficinas, enfermarias, escola, corpo técnico, acomodações adequadas, segurança. Tudo parecia perfeito. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 43)

O cárcere é a espinha dorsal do sistema criado em 1940. Cerca de 300 infrações definidas no Código Penal são punidas em tese com pena privativa de liberdade (reclusão e detenção). A lei de Contravenções Penais, de 1941, definiu 69 infrações de gravidade menor e previu 50 vezes a pena de prisão simples, a ser cumprida sem rigor penitenciário. (DOTTI, 1998, p. 68 e 90).

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Outro símbolo da história das prisões brasileiras é a Casa de Detenção de São Paulo, também no Carandiru, que chegou a hospedar mais de oito mil homens, apesar de só Ter 3.250 vagas. Inaugurada em 1956 para presos à espera de julgamento, sua finalidade se corrompeu ao longo dos anos, pois a Casa de Detenção passou a abrigar também condenados. O Governo Estadual ao desativá-la em 2002. Batizou a iniciativa de “fim de inferno” e prometeu remover mais de sete mil presos para 11 novos presídios, menores e longínquos. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 44).A Casa de Detenção, cidade murada e dantesca, ficou mundialmente conhecida pela miséria de seu interior e pela extensa coleção de motins, fugas e episódios de desmandos e violência, sobretudo o massacre dos 111 presos em 1992, pela Policia Militar. Com a reforma parcial do Código Penal em 1977, começou a prevalecer, pelo menos entre especialistas, o entendimento de que a prisão deveria ser reservada para crimes mais graves e delinqüentes perigosos. “A superlotação carcerária já preocupava as autoridades.A lei ampliou os casos de sursis, instituiu a prisão albergue e estabeleceu os atuais regimes de cumprimento da pena de prisão (fechado, semi-aberto e aberto). O movimento se acentuou com mais uma reforma parcial em 1984, que, entre outras medidas, criou as penas alternativas. Em contrapartida, nas duas últimas décadas, os índices crescentes de criminalidade, os episódios marcantes de violência e o sentimento de impunidade têm incentivado retrocessos legislativos capazes de levar para prisões pessoas que, objetivamente, nelas não precisam estar. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 44)

2.4 A EVOLUÇÃO DA PENA DE PRISÃO NO BRASIL

Nos primórdios da colonização o sistema penal brasileiro estava contido nas ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Elas consagravam a desigualdade de classes perante o crime, devendo o juiz aplicar a pena de acordo com a gravidade do caso e a qualidade da pessoa. Os nobres, em regra, eram punidos com multa; aos peões ficavam reservados os castigos mais pesados e humilhantes. (TELES, 1999, p. 59)

2.5 ORDENAÇÕES AFONSINAS

“Lei promulgada por Dom Afonso V, em 1446. Vigorou até 1521. Serviu de modelo para

as ordenações posteriores, mas nenhuma aplicação teve no Brasil”. (TELES, 1999, p. 59)

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2.6 ORDENAÇÕES MANUELINAS:

As Ordenações Manuelinas continham as disposições do Direito Medieval, elaborado pelos práticos, e confundia religião, moral e direito. Vigoraram no Brasil entre 1521 e 1603, ou seja, somente após o início da exploração Portuguesa, não chegando a ser verdadeiramente aplicadas porque a justiça era realizada pelos donatários. (TELES, 1999, p. 60)

2.7 ORDENAÇÕES FILIPINAS

As Ordenações Filipinas vieram a ser aplicadas efetivamente no Brasil, sob a administração direta do Reino. Tiveram a vigência a partir de 1603, findando em 1830 com o advento do Código do Império.A matéria penal estava contida no Livro 5, denominado o Famigerado. As penas fundavam-se na crueldade e no terror. Distinguia-se pela dureza das punições. A pena de morte era aplicada com freqüência e sua execução realizava-se com peculiares características, como a morte pelo fogo até ser reduzido a pó e a morte cruel marcada por tormentos, mutilações, marca de fogo, açoites, penas infamantes, degredos e confiscações. (TELES, 1999, p. 59)

Com o advento da independência, a Assembléia Constituinte de 1823 decretou a aplicação provisória da Legislação do Reino; continuaram, assim, a vigorar as Ordenações Filipinas, até que com a Constituição de 1824 foram revogadas parcialmente. Naquele mesmo ano de 1823 foram encarregados de elaborar um Código Penal os parlamentares José Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos. Tendo cada um apresentado seu projeto, preferiu-se o de Bernardo, que sofreu alterações e veio a constituir o Código de 1830. Nele manteve-se, ainda, a pena de morte, que acabou sendo tacitamente revogada por D. Pedro II quando do episódio da execução de Mota Coqueiro, no Estado do Rio, que, acusado injustamente, depois de morto teve provada sua inocência. O Código de 1830, sofreu influências do Código Francês de 1810 e da Baviera de 1813, tendo, por sua vez, influenciado o Espanhol de 1848, que foi a base do de 1870 e que, por sua vez, veio a se constituir em modelo para os demais códigos de língua espanhola. Vê se, assim, a importância de nosso Código do Império. Apesar disso recebeu severas críticas, porque foi considerado liberal, estabeleceu a imprescritibilidade das penas, considerou a religião com primazia — incriminação dos delitos religiosos como mais importantes — e manteve a pena de morte.

Ao Código Penal seguiu-se o Código de Processo Penal, editado em 1832. Desde então, até o advento da República, várias leis foram publicadas. Com a República foi promulgado novo Código Penal, pelo Decreto 847, de 11 de outubro de 1890, baseado no projeto de Batista Pereira, em que foram adotados os princípios da escola clássica (1. da reserva legal; 2. Divisão dicotômica da infração penal; Penas: prisão celular, banimento e reclusão). Mas continuava a edição de inúmeras leis. Em 1932, Vicente Piragibe faz uma compilação das

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leis vigentes que, sob a denominação de Consolidação das Leis Penais, passa a vigorar por força do Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1932.

Sobreveio a Revolução de 1937. O Presidente Getúlio Vargas, pretendendo fazer reformas legislativas, mandou que o Ministro da Justiça, Francisco Campos, designasse Alcântara Machado para elaborar o novo Código. Foi editado, então, o Decreto n. 2.848, de sete de dezembro de 1940, que começou a vigorar somente em 1º de janeiro de 1942, a fim de que pudesse tornar-se conhecido. Ressalta-se que no Código de 1940, proveniente de um projeto preparado durante um período revolucionário, quando o Estado era a força maior, deu-se maior importância à figura humana — predomínio dos direitos individuais —, relegando os crimes contra o Estado ao último lugar da lista. Tratava-se de um código eclético, pois não se filiou a nenhuma escola. Principais características: pena e medida de segurança; individualização da pena; tecnicamente moderno. A seguir foram editados o Código de Processo Penal (Decreto n. 3.689, de 3/10/1941), a Lei das Contravenções Penais (Decreto n. 3.688, também de 3/10/1941), a Lei de Introdução ao Código Penal (9/12/1941) e o Código Penal Militar (Decreto n. 6.227, de 24/1/1944). Em 1962, Nelson Hungria ficou encarregado de elaborar um novo projeto de Código. Em 1964 foi designada uma comissão para a revisão do projeto final, composta pelo próprio Nelson Hungria, Aníbal Bruno e Heleno C. Fragoso. Em 1969 o projeto foi promulgado pelo Decreto-Lei n. 1.004, de 21 de outubro, mas restou revogado sem ter vigência. O Código Penal, como já dissemos, foi instituído pelo Decreto-Lei n. 2.848/40, nos termos do art. 180 da Constituição de 1937. Daí em diante sofreu várias alterações, como as de 1977 e 1984, pelas Leis n. 6.416 e 7.209, respectivamente. Esta última, de 13/07/84, com eficácia a partir de 12/01/85, trata-se do nosso efetivo Código Penal.O Código Penal de 1984 alterou substancialmente certos aspectos contidos no ordenamento anterior. Dentre as modificações, podemos citar, como relevantes, a figura do arrependimento posterior, a criação de um artigo próprio para a reabilitação e o desaparecimento das penas acessórias. Os principais colaboradores do projeto do Código Penal de 1984 foram Ariel Ditti, Francisco de Assis Toledo, Hélio Fonseca, Miguel Reale Júnior, Ricardo Antunes Andreucci e Rogério Lauria Tucci. (CANTO, 2000 p. 16)

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3 CLASSIFICAÇÃO DOS PRESOS

“Seria este, talvez, o momento deexaminar e distinguir as diferentes espécies

de delitos e a maneira de puni-los”.(Cesare Beccaria)

A Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984 dá ênfase especial à classificação do condenado.

Esta classificação é o primeiro passo do tratamento penitenciário no sentido de alcançar a

ressocialização. Por este motivo, a classificação é de suma importância, como se observa na

Exposição de Motivos que acompanhou o Anteprojeto da Lei de Execução Penal (LEP), que diz

in verbis: “Além de Constituir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a

classificação é o desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserindo entre os

direitos e garantias constitucionais”. A exigência dogmática da proporcionalidade da pena está

igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cada sentenciado, conhecida a

sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado.

Assim, a Lei de Execução Penal inclui orientações detalhadas, determinando que os

presos sejam classificados e separados por sexo, antecedentes criminais, status legal (condenado

aguardando julgamento) e outras características, reproduzindo padrões internacionais. Na prática,

contudo, poucas destas regras são respeitadas, vez que, na maior parte das instituições penais,

pouco mais é realizado no sentido de separar diferentes categorias de presos, tais como: mulheres

presidiárias separadas dos homens, menores separados de adultos, inclusive em diferentes

instituições.

Dessa forma, observa-se a inexistência de empenho para separar os presos potencialmente

perigosos de seus companheiros mais vulneráveis. Alem disto, não há um sistema operante de

classificação de prisioneiros por nível de segurança, como, por exemplo, máximo, médio e

mínimo. Os prisioneiros são misturados igualmente ao acaso: a atribuição de celas, por exemplo,

tende a ser ditada por considerações de espaço ou decidida pelos próprios prisioneiros.

Reduzir-se-á à mera falácia o princípio da individualização, com todas as proclamações

otimistas sobre a recuperação social, se não for efetuado o exame de personalidade no início da

17

execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal e se não forem registradas as

mutações de comportamento ocorrido no itinerário da execução.

Segundo Pedro Wilson Guimarães (Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos

Deputados Federal)... ”O problema é que todos são jogados juntos; assassinos são misturados aos

ladrões de galinha”.

No Brasil, reincidentes violentos e réus primários, detidos por delitos menores,

frequentemente dividem a mesma cela.

18

4 SISTEMA PRISIONAL

“Não te direi que sempre o justo é o queimpera. O ser humano é, ao mesmo

tempo, a presa e a fera”.Soneto do Advogado

Somente a partir do século XVI é que o homem se preocupou com o tratamento

correcional, como modernamente o entendemos.

Deve-se levar em conta, que a implementação dessa política é altamente descentralizada,

ficando aos Estados-Membros a competência para a execução penal, o que lhes dá grande

autonomia para a formulação de políticas próprias.

O sistema penitenciário no Brasil é bastante criticado e ferozmente combatido por

estudiosos do assunto.

Depoimentos bastante incisivos revelam a preocupação com a ineficácia do sistema, que

não consegue cumprir sua principal finalidade: recuperar o criminoso e devolvê-lo à sociedade

em condições adequadas.

A importância e a eficácia do trabalho dentre os objetivos da pena, por exemplo, não deve

ser considerado como um mero instrumento de disciplina e ordem interna, mas deve constituir-se

de um fator de valorização e recuperação da unidade humana que o sentenciado representa para a

realidade social.

As precárias condições materiais das instituições penais, as deficiências de suas dotações

orçamentárias, o despreparo técnico de todo o seu pessoal, condicionando um clima de total

desinteresse quanto a estes aspectos relevantes de uma adequada política criminal são prova

disto. É preciso, pois, que sejam encontradas soluções novas para este ponto vital dos problemas

prisionais.

É imperioso reconhecer que os resultados materiais do trabalho penitenciário só

interessam na medida em que não é dever do Estado suportar novas e crescentes despesas com

uma política criminal falida. O seu resultado financeiro não deve constituir um fim em si mesmo,

mas um meio de tratamento ressocializador; um círculo vicioso de possíveis lucros revertendo

em mais trabalho e melhores condições físicas das prisões, possibilitando ainda, as pesquisas

criminológicas, aparelhamento de laboratório de biotipologia, assistência médica, e psiquiátrica,

instrução formal, curso de extensão, construção de praças de esportes, bibliotecas, contratação de

19

equipes interdisciplinares, enfim, uma verdadeira orientação cientifica nas varias atividades do

tratamento penal são soluções que devemos buscar.

Tais medidas nunca poderiam significar a transformação das penitenciarias em meras

fontes de lucros financeiros, mas em fontes ressocializantes para os condenados e suas famílias.

Longe da idéia de fazer do preso uma “máquina de produzir”, seria justiça transformá-lo

em um homem-que-produz, tornando-o capaz pelo seu trabalho de suprir as necessidades suas e

de seus familiares, tornando-se, ainda, útil ao Estado como qualquer cidadão livre. Sem dúvida,

isto implica em valorizá-lo, em trazê-lo à altura do homem-livre-que-também-trabalha com as

mesmas finalidades de sobrevivência social e economia. Esta será a única forma de integrá-lo na

comunidade, eliminadas as distâncias sócio-jurídicas que possam significar uma divisão de seus

componentes.

O trabalho como um dos elementos mais representativos do tratamento penal ou

reeducativo deve visar, ainda, o direito do preso quanto à remição parcial da pena, prevista no art.

126 a 130 da LEP, atendendo os princípios previstos da política criminal vigente.

Para o preso participante como sujeito ativo do seu processo de ressocialização, o instituto da remição da pena pelo trabalho deixará de ser uma mera operação numérica dos dias contabilizados para se transformar numa efetiva participação para uma promissora reinserção social. E um dos seus objetivos é, sem dúvida, a prevenção da reincidência quando a aplicação deste instituto for adequadamente administrada sob bases técnicas e criminológicas de acordo com a lei.

20

5 CRITÉRIOS LEGAIS DE TRATAMENTO DO PRESO

“Se não é mais o corpo que se dirige apunição, em suas formas mais duras,sobre o que então exerce?...Pois não é

mais o corpo, é a alma. À expiação quetripudia sobre o corpo deve sucederum castigo que atue profundamente

sobre o coração, o intelecto, a vontade,as disposições”.

(Michel Foucault, Vigiar e Punir)

Com o objetivo de promover a ressocialização do delinqüente o sistema de execução da

pena oferece normas legais que norteiam a vida do condenado, cuja aplicação é dever do Estado

em parceria com a comunidade. A seguir serão destacados os pontos considerados

imprescindíveis para a reabilitação social do preso.

Do ponto de vista educativo, essa integração exige que o preso reconheça que o trabalho

que ele realiza tem o mesmo valor social do realizado fora da prisão. Esta é uma condição para

que ele se sinta ligado à comunidade e participante do desenvolvimento e progresso do seu país,

havendo de servir para modificar a desconfiança do meio para com o preso e deste para com a

sociedade que o aceitará.

Em resumo, a Defesa Social não poderá existir apenas em bases e finalidades teóricas,

mas, sobretudo, incidir na vida comunitária por meio de uma ação dirigida pelos poderes

competentes, realizada por estes e pelos demais interessados, incluindo os próprios presidiários.

Assim, para que haja uma verdadeira política penitenciária, devemos embasar em

princípios criminológicos e penitenciários e não em soluções penais extemporâneas. É lastimável

que se eternize esta distância entre a teoria e a prática, entre a legislação e a realidade prisional,

reforçando o insucesso da pena e a desesperança do preso e da própria comunidade.

21

6 CRIMINOLOGIA CLÍNICA

A criminologia clínica contribui para a reeducação do criminoso e sua reinserção social,

bem como na preservação da criminalidade, para eliminação das condições criminológicas da

sociedade. E tem por fim o estudo da personalidade do delinqüente e o seu tratamento.

Sua razão de ser se encontra na maior utilização, no campo operacional e especialmente

no penitenciário, dos conhecimentos criminológicos de vários setores especializados, com o

objetivo do diagnóstico da personalidade do réu e de tratamento e representa o setor progmático e

de aplicação a indivíduos singulares dos conhecimentos teóricos da criminologia geral.

A nossa legislação dispõe sobre o exame médico-psicológico e social, como o tratamento

reeducativo, no Código Penal, nos artigos 34 e 35 e na Lei de Execução Penal (LEP), nos artigos

8.º, 96 e 112, § único.

O programa de tratamento está explicitado nos artigos 6.º e 113 e implicitamente nos

artigos 10, 17, 22, 25 e nos outros da LEP, constituindo assim, a base do tratamento

penitenciário.

Com efeito, o estudo social, afeto à ressocialização do delinqüente, tem por objetivo

reconstituir a história do indivíduo, sua vida, os diferentes meios que freqüentou, bem como o

próprio crime. A investigação social estuda a contribuição da hereditariedade e do mundo

circundante na gênese do crime. O estudo biossomático deve compreender o estudo dos

antecedentes familiares e pessoais, os dados do exame clínico, o eletroencefalograma e o

emprego de testes. No exame psicológico são empregados testes de inteligência e de

personalidade, e os testes de orientação profissional. Dentro deste programa de exames está

incluída a assistência moral religiosa.

Como ensinava Carnelutti (1956, p.54):

Sem a assistência moral ao preso, a pena, em sua eficácia redentora, não seria mais que uma experiência malograda. A assistência moral, como mandamento do amor, é essencialmente cristã. A igreja é a única instituição capaz de proporcionar os homens idôneos para esta forma de caridade.

22

8 DIREITO À RESSOCIALIZAÇÃO“Acreditar no diálogo, é acreditar

no ser humano e em sua capacidadede recuperação”.

José Gregori

Como ensina Marc Ancel (2007):

o condenado tem direito ao tratamento para sua ressocialização, devendo o regime penitenciário preparar e assegurar a reinserção social do delinqüente. A sociedade tem obrigações para o homem, para o qual foi instituída, e um de seus deveres é ofertar-lhe possibilidades para sua auto-realização, ainda mesmo em caso de queda ou erro”. Este princípio está previsto no art. 41 da Lei de Execução Penal (LEP), como tratamento reeducativo.

O direito à ressocialização, vinculado ao estado social de direito, decorre de princípio

fundamental da política criminal, que tem como base do ordenamento jurídico, os direitos

fundamentais do homem, que derivam da exigência moral de respeitar a dignidade do homem,

como pessoa humana.

Na forma legal dos princípios que norteiam a ressocialização do delinqüente, a Lei de

Execução Penal (LEP), dispõe em seus capítulos II e III, do Título II, as formas de assistências ao

preso e ao internado e o trabalho como forma de terapia ocupacional.

23

9 A RESSOCIALIZAÇÃO COMO FINALIDADE DA EXECUÇÃO DA PENA

PRIVATIVA DE LIBERDADE

“Lá, sem ocupação, sem nada para distraí-lo, à espera e na incerteza do momento em que será libertado

[o prisioneiro passa] horas ansiosas,trancado em pensamentos que se

apresentam ao espírito de todos os culpados”.

(Michel Foucault, Vigiar e Punir)

Falar de luta contra o crime significa, hoje, assinalar uma finalidade ao direito penal, qual

seja à pena. Apesar de inserida na Lei de Execução Penal à perspectiva de recuperação do

condenado e sua readequação ao convívio social, presenciamos que os fins propostos pela sanção

penal não passam de uma falácia, e o Estado além de não ter controle da comunidade carcerária

existente, intervém de maneira falha e tardia. Logo, como reflexo imediato, existe uma execução

penal “primitiva” que necessita de constantes reparos, a fim de evitar a dessocialização do

criminoso.

Dessa forma, em não havendo o estabelecimento de políticas sérias de melhoramento

social, a vala comum da prisão irá se aumentar cada vez mais, pois o cerne da delinqüência está

mais na ausência de oportunidades do que na própria maldade do ser humano.

A crise da pena privativa de liberdade é bem retratada por Cezar Roberto Bitencourt

(2007) que aponta alguns efeitos negativos dela: problema do autoconceito do recluso; problema

sexual na penitenciária; violência carcerária; elevados índices de reincidência; anulação da

personalidade do recluso etc.

Tais abusos consistem, também, na não separação dos presos pela idade, pela natureza da

infração, condição processual, dentre outros infinitos métodos previstos legalmente.

Tendo-se em vista o grave problema da Execução Penal no Brasil pode-se afirmar que o

melhor caminho a ser seguido não é o da reclusão e sim o da aplicação de penas alternativas, tais

como prestação de serviços à comunidade, doação de alimentos aos necessitados, enfim, penas

24

que não retiram o condenado do meio social,mas impõem-lhe uma responsabilidade

social. A execução da pena é o primeiro e o último momento em que se torna possível a

ressocialização.

Só assim, a superlotação dos presídios que hoje é tormento para a sociedade irá diminuir e

a ressocialização do apenado com pena privativa de liberdade será efetivada.

O risco social diante da atuação das Organizações Criminosas

As organizações criminosas surgiram a partir da explosão populacional nas cadeias e das

condições de vida precária que nelas vigoravam. Organizar-se era uma forma de se proteger,

evitando assassinatos e estupros por outros presos. Era também uma maneira de tentar dialogar

com as autoridades e reivindicar melhores condições de vida na prisão.

Neste escopo de combater as injustiças, desigualdades e ofensas aos direitos individuais

geradas dentro do sistema prisional as atividades das organizações criminosas foram se

intensificando. Com o passar do tempo o número de adeptos crescia e seus seguidores se

profissionalizavam no mundo do crime. Tal situação se revela preocupante, pois o perfil desse

novo criminoso é diferente. Ele não assalta, não consome ou vende drogas, mas foi treinado por

muito tempo para obedecer ordens e possui uma qualidade diferenciada da cidadania comum: o

civismo patriótico.

Dentre inúmeros fatores que assolam o chamado crime organizado a influência que este

exerce no tratamento ressocializador de muitos condenados é altamente aviltante para o Estado.

A fragilidade e impotência demonstrada pelo Estado são bem retratadas por Edmundo Oliveira .

A prisão se apresenta como um espetáculo deprimente, atingindo além da pessoa do delinqüente; orfana filhos de pai vivo; enviúva a esposa de marido combalido; prejudica o credor do preso tornado insolvente; desadapta o encarcerado à sociedade; suscita graves conflitos sexuais; onera o Estado; amontoa seres humanos em jaulas sujas, úmidas, onde vegetam em olímpica promiscuidade.

É preciso uma política criminal de emergência, onde o Estado deve buscar o equilíbrio

entre a defesa da sociedade e a salvaguarda do mínimo vital dos condenados, pois, casos

contrários estão condizentes as atuações criminosas dessas organizações

Basta entender que o Direito Penal é o instrumento mais opressivo e deve ter a resposta

mais áspera de que os demais ramos de controle social, entendendo ainda que o sistema falhou e

25

que o Direito Penal não é campo para elucubrações e teorizações que não se amoldam ao atual

plano social do país.

A ressocialização tem como objetivo a humanização da passagem do detento na

instituição carcerária, implicando sua essência teórica, numa orientação humanista, passando a

focalizar a pessoa que delinqüiu como o centro da reflexão científica.

A pena de prisão determina nova finalidade, com um modelo que aponta que não basta

castigar o indivíduo, mas orientá-lo dentro da prisão para que ele possa ser reintegrado à

sociedade de maneira efetiva, evitando com isso a reincidência.

“O decisivo, acredita-se, não é castigar implacavelmente o culpado (castigar por castigar

é, em última instância, um dogmatismo ou uma crueldade), senão orientar o cumprimento e a

execução do castigo de maneira tal que possa conferir-lhe alguma utilidade.” (MOLINA, 1998, p.

381).

Damásio de Jesus refere-se ao modelo ressocializador como sistema reabilitador, que

indica a idéia de prevenção especial à pena privativa de liberdade, devendo consistir em medida

que vise ressocializar a pessoa em conflito com a lei. Nesse sistema, a prisão não é um

instrumento de vingança, mas sim um meio de reinserção mais humanitária do indivíduo na

sociedade.

Esse modelo tem como característica a reinserção social da pessoa que cometeu a

infração. A posição da vítima é secundária. Admite progressão na execução da pena de acordo

com o comportamento do condenado, iniciando-se no regime mais rigoroso até chegar ao regime

mais ameno, sendo os regimes fechado, semi-aberto e aberto. Não necessariamente, o

sentenciado inicia-se no regime fechado.

O modelo ressocializador destaca-se por seu realismo, pois não lhe importam os fins

ideais da pena, muito menos o delinqüente abstrato, senão o impacto real do castigo, tal como é

cumprido no condenado concreto do nosso tempo. Não lhe importa a pena nominal que

contemplam os códigos, senão a que realmente se executa nas penitenciárias hoje. Importa sim, o

sujeito histórico, concreto, em suas condições particulares de ser e de existir. O realismo

considera a ponderação rigorosa das investigações empíricas em torno da pena privativa de

liberdade convencional, que ressaltam o seu efeito estigmatizante, destrutivo e, com freqüência,

irreparável, irreversível.

26

O modelo ressocializador assume a natureza social do problema criminal, constituído nos

princípios de co-responsabilidade e de solidariedade social, entre o infrator e as normas do Estado

(social) contemporâneo.

Num Estado Social o castigo deve ser útil para a pessoa que cometeu o crime, o mais

humano em termos de tratamento, não podendo tapar os olhos para os efeitos nocivos da pena,

caminhando contra o efeito dissuasório preventivo (repressivo), que prefere ignorar os reais

efeitos da pena.

O modelo ressocializador propugna, portanto, pela neutralização, na medida do possível, dos efeitos nocivos inerentes ao castigo, por meio de uma melhora substancial ao seu regime de cumprimento e de execução e, sobretudo, sugere uma intervenção positiva no condenado que, longe de estigmatizá-lo com uma marca indelével, o habilite para integrar-se e participar da sociedade, de forma digna e ativa, sem traumas, limitações ou condicionamentos especiais. (MOLINA, 1998, p.383)

Vale salientar que Baratta (1997), defende o uso do conceito de “reintegração” social ao

invés de ressocialização, pois para ele esse conceito (ressocialização) representa um papel

passivo por parte da pessoa em conflito com a lei e, o outro, ativo por parte das instituições, que

traz restos da velha criminologia positivista, “que definia o condenado como um indivíduo

anormal e inferior que deveria ser readaptado à sociedade, considerando esta como ‘boa’ e o

condenado como ‘mau’.” (BARATTA, 1997, p.76).

Já o conceito de reintegração social, para o autor, abriria um processo de comunicação e

interação entre a prisão e a sociedade, onde as pessoas presas se identificariam na sociedade e a

sociedade se reconheceria no preso.

Para Bittencourt (1996, p.24), “a ressocialização não pode ser viabilizada numa instituição

carcerária, pois essas se convertem num microcosmo no qual se reproduzem e agravam-se as

contradições que existem no sistema social”.

Segundo Molina (1998, p.383):

A idéia de ressocialização como a de tratamento, é radicalmente alheia aos postulados e dogmas do direito penal clássico, que professa um retribuicionismo incompatível com aquela. É de fato, sua legitimidade (a do ideal orientações científicas, progressistas ou pseudo-progressistas, tais como a criminologia critica, determinados setores da psicologia e da psicanálise, certas correntes funcionalistas, neo-marxistas e interacionistas.”

Alguns desses setores chegam a afirmar que o ideal ressocializador é uma mera utopia,

um engano, apenas discurso, ou simplesmente uma declaração ideológica. O descrédito em

relação à ressocialização dá-se por que esta aparece apenas nas normatizações (Lei de Execução

27

Penal, Regras de Tóquio, Declaração de Direitos Humanos), deixando a desejar no que tange à

prática aplicada nas instituições carcerárias. Nestas acontecem, de fato, abusos repressivos e

violentos aos direitos dos presos, onde o acompanhamento social, psicológico, jurídico ainda é

geralmente precário, insuficiente, obstruindo qualquer forma efetiva de ressocialização e

reinserção do preso à sociedade.

Baratta (1997, p.71);

Ressalta que na atualidade o modelo ressocializador demonstrou ser ineficaz, sendo provada a sua falência através de investigações empíricas que identificaram as dificuldades estruturais e os escassos resultados conseguida pelo sistema carcerário, em relação ao objetivo ressocializador”.“Sem embargo, uma parte do discurso oficial e inclusive algumas reformas recentes (pense-se na nova lei penitenciária italiana de 1987) demonstram que a teoria do tratamento e da ressocialização não foi de todo abandonado. Como mostra a atual realidade carcerária, os requisitos necessários para o cumprimento de funções de ressocialização, unidos aos estudos dos efeitos do cárcere sobre a carreira criminal – pense-se na alta cota de reincidência -, têm invalidado amplamente a hipótese de ressocialização do delinqüente através do cárcere. (BARATTA, 1997, p.75).

Porém, Bittencourt (1996, p.25:

Ressalta que a ressocialização não é o único e nem o principal objetivo da pena, mas sim, uma das finalidades que deve ser perseguida na medida do possível. Salienta também que não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade de conseguir a completa ressocialização do delinqüente, ignorando a existência de outros programas e meios de controle social através dos quais o Estado e a sociedade podem dispor para cumprir o objetivo socializador, como a família, a escola, a igreja, etc.

A Criminologia Critica coloca que não há possibilidade de ressocializar a pessoa em

conflito com a lei dentro de uma sociedade capitalista. Tem como um dos argumentos que

respalda essa convicção a própria prisão criada como instrumento de controle e manutenção

eficaz do sistema capitalista, cuja verdadeira função e natureza estão condicionadas a sua origem

histórica de instrumento assegurador da desigualdade social.

Um segundo argumento ressaltado, nascido da Criminologia Critica, seria o sistema penal,

no qual se insere a prisão. O sistema penal possibilita a manutenção de um sistema social que

proporciona a manutenção das desigualdades sociais e da marginalidade. Pois, segundo

28

Bittencourt (1996, p. 28):

O sistema Penal permite a manutenção da estrutura vertical da sociedade, impedindo a integração das classes baixas, submetendo-as a um processo de marginalização.A marginalização social é gerada por um processo discriminatório que o sistema penal impõe, pois o etiquetamento e estigmatização que a pessoa sofre ao ser condenado, tornam muito pouco provável sua reabilitação novamente na sociedade.

O processo de marginalização agrava-se ainda mais no momento da execução da pena,

ficando impossível a reabilitação da pessoa durante a pena privativa de liberdade, pois existe uma

relação de exclusão entre a prisão e á sociedade.

Para Bittencourt (1996, p.35): “Os objetivos que orientam o sistema capitalista

“especialmente a acumulação de riquezas”, exigem a manutenção de um setor marginalizado da

sociedade, podendo afirmar que sua lógica é incompatível com o objetivo ressocializador.”

Portanto, nessa linha de pensamento, sem a transformação da sociedade capitalista, não

poderemos vislumbrar algum tipo de reabilitação da pessoa que cometeu um delito punido pelo

Código Penal. Para a Criminologia Crítica, qualquer mudança que se faça no âmbito das

penitenciárias não surtirá grandes efeitos, visto que se mantendo a mesma estrutura do sistema, a

prisão manterá sua função repressiva e estigmatizadora.

Embora não se deva pensar o processo de ressocialização apenas a partir do trabalho

penitenciário, este sem dúvida pode cumprir algumas das funções que o Estado deixou de fazer,

contribuindo para o ato do detido, onde o trabalho poderia se constituir num instrumento de

reinserção social. Ao falar em reinserção social, segue-se o conceito elaborado por Rodrigues

(1987), “de acordo com o qual se tem em vista a possibilidade de facultamento dos meios

necessários e adequados para que, assim, o preso tenha condições de reinsirir-se na sociedade”.

Os meios necessários não diferem dos da sociedade externa à prisão. Assim, enfoca-se o

trabalho como um fator determinante de segurança, de estabilidade, de estruturação individual e

social; fator determinante de inclusão / exclusão (inserção e de reinserção); fator que clarifica,

conforme conceito de Yazbek (1996), “o constituir-se classe subalterna, tendo a vivência da

pobreza, da subalternidade e da exclusão”.

Os presos se configuram como trabalhadores que se encontram, em sua grande maioria, ociosos, trabalhadores necessitados de políticas que supram suas necessidades básicas, bem como, de suas famílias, e que precisam nesse período de vida, - de

29

extrema fragilidade existencial - ter, na penitenciária, um espaço de redescoberta de seu potencial enquanto ser humano, um espaço de educação pelo trabalho. (MIRABETE, 1997, p. 99)

Assim, ao se falar de reinserção social, admite-se, inequivocamente, “uma atuação

sobre o indivíduo-delinqüente que, nem por isso, se deixa encarar como um problema que

polariza em si precisamente as tensões entre a reforma do indivíduo e da sociedade”

(RODRIGUES, 1982, p. 27).

O Direto Penal assume a função de proteção da sociedade, sem, entretanto, modificá-la ou alterá-la, clarificando, desta forma, a concepção de ressocialização que pressupõe repassar ao preso o mínimo ético indispensável à convivência em sociedade. Por outro lado, a maioria dos criminosos sofre de transtorno de personalidade. São pessoas com personalidade imaturas ou dissociais, que não receberam noções a respeito do próximo”. (MIRABETE, 1997, p. 63)

O crime, nessa perspectiva, é tido como um déficit de socialização. Então, a prisão deve ser o espaço onde haja um programa de ressocialização ,

...que visa integrar o indivíduo no mundo dos seus concidadãos, sobretudo nas coletividades sociais básicas como, por exemplo, a família, a escola ou o trabalho, proporcionando o auxílio necessário que o faça ultrapassar a situação de defasamento social em que se encontra. (RODRIGUES, 1982, p. 29).

A prisão moderna é, segundo Foucault (2002, 208), “uma empresa de modificar

indivíduos” tendo, portanto, duas obviedades fundamentais na forma simples da privação de

liberdade sendo no papel, suposto ou exigido, um aparelho transformador de indivíduos. Neste

sentido, a prisão representa um aparelho disciplinar, exaustiva: um reformatório integral que

prescreve princípios de isolamento em relação ao mundo exterior à unidade penal, aos motivos

que o levaram à infração, conduzindo-o, através desse isolamento, à reflexão, ao remorso e à

submissão total, ao reconhecimento do preso sobre o poder que a ele se impõe; de um tipo de

trabalho que tem por objetivo regular, acabar com a agitação, impor hierarquia, vigiar,

constituindo, assim, uma relação de poder. É uma espécie de prisão que extrapola a simples

privação de liberdade ao tornar-se um instrumento de modulação da pena.

Os custos crescentes do encarceramento e a falta de investimentos no setor por parte da

administração pública que geram a conseqüente superlotação das prisões estão na base das

dificuldades do nosso sistema penitenciário, de onde decorrem problemas como a falta de

condições necessárias à sobrevivência (falta de higiene, regime alimentar deficiente, falta de

30

leitos), deficiências no serviço médico, elevado índice de consumo de drogas, corrupção,

reiterados abusos sexuais, ambiente propício à violência, quase ausência de perspectivas de

reintegração social e inexistência de uma política ampla e inteligente para o setor.

Como afirmava FOUCAULT: “aquilo que, no início do século XIX, e com outras palavras criticava-

se em relação à prisão (constituir uma população ‘marginal’ de ‘delinqüentes’) é tomado hoje como fatalidade. Não

somente é aceito como um fato, como também é constituído como dado primordial” (FOUCAULT, 2002, p.

31)

A finalidade da prisão de ressocializar a pessoa presa, nas situações atuais, é tarefa

impossível. Como já evidenciou Denise de Roure, “falar em reabilitação é quase o mesmo que

falar em fantasia, pois hoje é fato comprovado que as penitenciárias em vez de recuperar os

presos os tornam piores e menos propensos a se reintegrarem ao meio social”. Embora o

legislador ordinário, ao editar a Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) o tenha feito com bastante

paciência, o Poder Executivo não se aparelhou para executar com maestria os comandos

insculpidos nos seus 204 artigos, os quais se fossem bem executados certamente poderiam ter

impedido que o sistema penitenciário apresentasse o caos atual. A finalidade da pena, por sua

vez, não teria tomado o rumo que tomou, ou seja, ao invés de ressocializar e preparar para o

convívio social, vem provocando a marginalizarão, resultando em crimes geralmente de maior

gravidade que aquele inicialmente praticado pelo indivíduo no seu primeiro encarceramento.

A Lei de Execução Penal determina, no seu artigo 5.º, “que os presos ao ingressarem no

sistema penitenciário, sejam classificados, segundo os seus antecedentes e personalidades, para

orientar a individualização da execução penal”. Panorama dos Processos de Reabilitação de

presos). O artigo 6.º da (L.E.P), por sua vez, ordena que as classificações desses apenados

deverão ser feitas por intermédio de uma Comissão Técnica de Classificação - CTC, comissão

que deverá elaborar um programa individualizador. Acrescenta o mesmo comando que essa

Comissão deve acompanhar a execução dessas penas privativas de liberdade e restritivas de

direito.

Já no artigo seguinte, ou seja, o 7.º estabelece a composição dessa Comissão Técnica de

Classificação - CTC, determinando que ela seja presidida pelo diretor do estabelecimento

prisional e composta por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente

social, sendo a composição mínima de seis membros.

31

Todavia, em muitos dos Estados da Federação, nem mesmo existe essa comissão, como

no caso do Distrito Federal, onde é atenuada essa deficiência com o remanejamento de agentes

penitenciários para suprir essa carência. No entanto, o próprio quadro de agentes para a atividade

fim já é deficitário.

Ressalte-se, ainda, que para o ingresso ao quadro de agente penitenciário do Distrito

Federal é necessário que o candidato possua o terceiro grau completo, diferente da maioria dos

outros Estados membros em que nem mesmo existe a carreira de agente penitenciário, obrigando

os governantes contratar por período determinado e a baixo custo, pessoas de pouca qualificação

para desenvolver essa atividade. Consequentemente o que se tem visto são jornais estamparem

nas suas primeiras páginas nomes de funcionários prisionais envolvidos nas mais diversas formas

de corrupção.

Para atingir o seu fim, a pena privativa de liberdade tem que atuar em dois campos

preventivos, denominados de prevenção geral e específica, esta última também chamada de

prevenção especial.

32

CONCLUSÃO:

“O brocado dura lex, sede lex, não

Deve prevalecer, pois a norma não

Nasce para ser dura, mas sim justa”.

Maria Helena Diniz

Por tudo que foi possível observar, ao longo da pesquisa bibliográfica e cotejo de todas as

informações levantadas, pôde-se chegar a algumas conclusões, que se presumem fundamentais

para aplicação na ressocialização do delinquente, através dos orgãos competentes, com o apoio

imprescindivel da comunidade.

O que se observa é muito desinteresse dos governantes na construção de presídios e da

comunidade em participar do tratamento daquele ser, ceifado da sociedade, muito das vezes por

consequencia dela própria.

A ressocialização está longe de ser obejtivo da pena de prisão. Suas funções têm se

pautado em objetivos antagônicos, punir e exemplariar. Ou seja, perde-se muito a bússola da

ressocialização não sendo mais possível considerá-la utopia, algo irrealizável e sim algo absurdo,

aquilo que jamas poderá ser feito porque está em oposição à lógica.

33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

REABILITAÇÃO E RESSOCIALIZAÇÃO EM PRESÍDIOS DE MULHERES: POR ELIZABETH MICIASCCI E LUCIANE MAKKARIO 19/08/2003 ÀS 16:44.

- NA PENITENCIÁRIA FEMININA DO ESTADO - CARANDIRU INICIA-SE O PROJETO ZAP! CONCURSO LITERÁRIO ENTRE AS REEDUCANDAS. O PROJETO ZAP, FARÁ NESTE SÁBADO, DIA 23.08, A DIVULGAÇÃO E A PREMIAÇÃO DO CONCURSO NA PENITENCIÁRIA FEMININA DO TATUAPÉ E JÁ REPETE O SUCESSO QUE OBTEVE NA PENITENCIÁRIA FEMININA DO BUTANTÃ. SAIBA MAIS...

SANGUE FRIO

MULHERES X CRIMES

Elizabeth Miciassci e Luciane Makkário

Após terem sido premiadas 03 ganhadoras do Projeto zaP concurso de Literatura entre as

Reeducandas da Penitenciária do Butantã. O projeto tomou proporções inesperadas, superando a

expectativa de todos os envolvidos no trabalho.

Agora dia 23/08/08, as idealizadoras do Projeto zaP! Elizabeth e Luciane, autoras de Presídio de

Mulheres, estarão entregando os Prêmios e divulgando as três ganhadoras do Concurso na

Penitenciária Feminina do Tatuapé, que é assunto em vários Países.

O zaP, está agora com força total, na Penitenciária Feminina do Carandiru, e o concurso

com as reeducandas promete. Reforçando o sucesso do Butantã e do Tatuapé, com o incentivo e o

apoio da Diretora Geral: Dra. Maria da Penha Risola Dias, conhecida e chamada carinhosamente

como a grande MESTRA do Sistema Prisional FEMININO.

Empenho, sabedoria e dedicação. Este é o magnífico trabalho que dentro do sistema desenvolve

com total competência, conseguindo obter êxito junto às apenadas, provando que a Reabilitação é

possível e mantendo um clima de harmonia e Disciplina exemplar.

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Como pode em meio a tanta violência, alguém hastear bandeira a favor de pessoas que vivem no

cárcere?

O questionamento é intenso, e acaba nos tocando diretamente, pois há quem diga que

parecemos estar do lado da “bandidagem” e não das “vítimas”. Isso, porque atuamos no sistema

há 06 anos e conhecemos os cárceres masculinos, femininos e as instituições que abrigam

menores infratores, porque sempre tentamos contribuir com a sociedade, doando nosso tempo,

promovendo projetos, entregando sentimentos e tentando colaborar para encontrar soluções e

banir a violência, pois quando resolvemos nos dedicar a pesquisa e ao livro Presídio de Mulheres,

decidimos lidar realmente com as mulheres e procuramos cercar o assunto sob todos os aspectos

não para hastear bandeiras, mas para MOSTRAR AS MENTIRAS E VERDADES que se

escondem nas mentes de uma população exclusa e oculta, pois o Brasil, não esta restrito apenas

em São Paulo. Mesmo sendo o Estado que abriga praticamente 50% da população carcerária

Feminina o problema vai muito além....O tema é extenso, de nada adianta apenas relatar casos e

permitir que essas mulheres sejam julgadas novamente por um trabalho literário que procura

reviver, enfatizar ou até mesmo criar de forma exagerada uma situação que já foi pelas leis, pela

sociedade e por si só, pela própria consciência julgada.E foi pensando assim, que criamos

também o Projeto zaP! Generalizar e dizer que as MULHERES gostam de transgredir e

delinqüem por puro PRAZER, pode ser verdades geradas por mentes insanas QUE SE

ENCONTRAM em manicômios penitenciários, pois tal afirmação, descredibiliza as

PROFISSIONAIS QUE ATUAM diretamente nos cárceres, profissionais estas que sabem que há

casos que necessitam de tratamentos mais avançados ou específicos, e estes não podem ser

englobados para as que vivem “sóbrias” sonhando com a liberdade, com uma nova vida.

Mulheres que se apegam em DEUS, e lutam por uma vaga nas oficinas (que em alguns Presídios

são muito poucas, como é o caso do Tatuapé), para diminuírem seus dias na prisão. Já estão

pagando por seus crimes, mantendo e respeitando as disciplinas, pois não condiz com a realidade

interligar uma TRANSGRESSÃO, com SADISMO, CRUELDADE E PRAZER, fazer tal

afirmação é rasgar o código Penal e arrastar com ele todos os profissionais que atuam no sistema,

pois muito há de se fazer sim, muitas coisas precisam ser reformuladas, mudanças emergenciais,

mas afirmar que “as desequilibradas mentais” SÃO MISTURADAS com as demais e que

RESSOCIALIZAÇÃO não existe, é dilacerar vidas, é impedir o resgate da identidade social e o

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pior é SUBTRAIR DESSAS MULHERES O DIREITO DE receber DA SOCIEDADE UMA

NOVA CHANCE, pois... Repetindo, há casos e CASOS.

Colocar a imagem de uma apenada de forma animalesca, expor meninas que ainda com

seus 20/22 anos podem mudar o rumo de suas vidas e abusar do sensacionalismo, é por via de

regra, apenas uma forma de se atirar ainda mais essas mulheres ao abismo e levar ao total

desanimo os que verdadeiramente BUSCAM AJUDAR, UMA VEZ QUE nos cárceres existem

todos os tipos de pessoas. Distorcer a imagem de trabalhos sérios NÃO É AJUDAR, e sim criar

manchetes que “pingam sangue”.

São muitos os problemas, E ESTES vão além das grades e portas de Aço, um que muito

nos preocupa é quando uma mulher entra para o sistema grávida, acarretando dificuldades sociais

para os futuros bebês e para as que deixaram seus filhos ao adentrar nas prisões, onde as

MURALHAS E O CONCRETO os separam. Este pode ser o início de mais um problema mesmo

que em longo prazo, pois cada caso é um caso, e este isolado.

Conhecemos o sistema prisional e os que nele vivem e, não estamos aqui para julgar nada,

postura que mantemos desde 1999, já com a Obra Literário Presídio de Mulheres praticamente

prontas, pensávamos como apresentaríamos os nossos trabalhos sem manifestar opiniões

pessoais.

Buscamos sim mostrar a VERDADEIRA REALIDADE DE MUITOS. Escolhemos falar

sobre mulheres encarceradas e fizemos um TRABALHO Á NÍVEL DE BRASIL, não falamos

por Mil reeducandas e sim por aproximadamente DEZ MIL, que praticamente hoje vivem nos

cárceres.

A Surpresa que tivemos e nos levou a abordar o assunto, em especial foi a idade das que

hoje entram para a vida do crime... Essas cada vez menores e sem perspectivas.

Não expomos essas Mulheres e NÃO acreditamos que ao relatar barbáries, muita

fantasiada pela mente inspirada de um escritor possa estar mudando um triste quadro. Estaremos

sim, retirando de muitas, a esperança... Entre cartas, relatos, documentos, gravações, confissões,

descobrimos que no cárcere existem MULHERES que pedem apenas para serem ouvidas, que

querem algo que lhes fora tirado e que NINGUÉM tem o direito de banalizar, pois não podemos

ver e ouvir apenas aquilo que nos faz bem, nem tão pouco partir pro lado apelativo e arregaçar

feridas de vítimas que sofrem até hoje as seqüelas de casos extremos.

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Criamos o Projeto zaP! A priori foi efetuado na Penitenciária Feminina do Butantã, nesta

etapa do zaP, lançamos um concurso de Literatura, que tomou uma proporção inesperada,

ultrapassou as fronteiras do Brasil e AS NOSSAS MENINAS COMEÇARAM A SEREM

VISTAS de outra maneira lá fora. Existem muitos talentos adormecidos e porque não mostrarmos

outro lado? Porque não mostrar as escolas, as oficinas, os trabalhos manuais? Porque não mostrar

o quanto são heroínas as DIRETORAS destes estabelecimentos que com dificuldades e poucos

recursos, acabam muitas vezes operando Milagres? 70% das mulheres que se encontram hoje nos

cárceres foram detidas e estão sendo levadas aos tribunais pelo narcotráfico e podemos afirmar

quantas vezes necessárias for que em 99% dos casos a MULHER ENTRA SIM PARA O

CÁRCERE tendo por trás um HOMEM. São abandonadas, mas, não abandonam, ou o

companheiro estar morto ou detido. ISTO É FATO INCONTESTE.

Ora, estamos no século 21, ano de 2003, será que nunca alcançaremos a verdadeira

evolução?

O que algumas pessoas da sociedade precisam entender é que: Trabalhos voluntários

voltados para o cárcere não é uma forma de apoiar o crime, mas sim uma forma de lutar contra

esta realidade que vem crescendo assustadoramente.

O tráfico de drogas, armas, roubos, assaltos, homicídios, violência sexual, violência

doméstica, agressões, corrupção de menores, latrocínios, enfim a barbárie tem que acabar; temos

que dar um basta nesta situação.

Nós também já fomos vítimas desta violência que tanto assola o país; mas ao invés de nos

revoltarmos e virarmos as costas para um problema que também é nosso arregaçamos as mangas

e fomos ao trabalho de reabilitação; para que pelo menos as nossas futuras gerações não passem

esta lamentável intranqüilidade que famílias inteiras infelizmente estão passando.

Quando ocorre um crime hediondo choramos sim... e muito! Assim como sofremos e

também permitimos que a tristeza desabasse de nossos corações, quando nos deparamos com

meninas que sabemos que são frutos da violência doméstica, moças que refletem o mal gerado

das drogas e histórias de MULHERES, que numa total inversão de papéis, ao invés de serem as

vítimas, pois estas sim eram as verdadeiras, passaram a posição de réus. E se prestarem atenção

perceberão que o nosso papel também é lutar por vítimas que de certo deixaram aqui neste

mundo vil e nefasto, (quando o caso é de vítima fatal); filhos, pais, irmãos enfim, pessoas que

amaram e continuaram a amar eternamente.

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Ressocializar uma pessoa não é apenas falar para ela que ela errou, ressocializar não é

trancafiá-la em uma cela; ressocializar é mostrar como teria sido bom se ela tivesse feito o bem,

ressocializar é educar, ensinar e buscar as razões que levaram a transgressão.

Mas como dizer isso a uma pessoa que já sabe que irá sair do cárcere descriminado por uma

sociedade que grita por paz, pelo fim da violência mais que na verdade, aponta marginaliza e

imputa-lhe uma nova pena?

Em todas as regras há exceções.

Não estamos aqui para pedir que alguém perdoe ou não aquele que cometeu um crime, estamos aqui

querendo justiça para os injustiçados.

Existem atrás das grades mulheres que pouco ou quase nada fizeram... amargurando anos no cárcere.

E acreditem: CADEIA é chamada por muitos até que atuam no sistema como “o subsolo do

inferno”.

Vimos casos marcantes e traumáticos, em Especial o de uma mulher que nunca havia tido nenhum

problema com a Justiça e, que lutava para sobreviver dentro do sistema. Certo dia entrou em

desespero, viu um pedido de Hábeas corpus ser indeferido, sem esperanças se matou dentro da

cela, como foi o caso de Edilícia de G S.... Ao lado do corpo encontraram uma carta de seu filho

de 12 anos de idade que contava sobre a adoção.

Queremos um mundo melhor, queremos o fim da guerra urbana, queremos que os nossos filhos,

sobrinhos e netos caminhem em paz. Mas para que isso aconteça temos que lutar muito, para

conscientizarmos primeiro a sociedade de que é preciso ressocializar, e dar um voto de confiança

a essas pessoas que deixam o sistema carcerário.

A REABILITAÇÃO EXISTE e em muitos casos o saldo final é totalmente favorável, entrevistamos

muitas mulheres não apenas em dois três Presídios, falamos com MULHERES do Brasil todo.

Entre essas, muitas detidas e até as que conquistaram suas liberdades provando QUE SE

REABILITARAM, que não é fracassado o trabalho das Diretorias que atuam no SISTEMA, que

o trabalho psicológico das especialistas ajudaram sim e muito na vida entre as grades, tanto é que

muitas recomeçaram suas vidas e tornaram-se grandes mulheres...

Há casos em que precisa ser aplicada uma pena mais severa, como ha quem precise de

encaminhamento aos tratamentos psicológicos nos centros psiquiátricos, mas há quem mereça

44

que seja dado mais uma chance, um voto de confiança, uma esperança de um futuro, um futuro

que não as façam reincidir, para o bem da reeducandas e para nós, que por sermos de uma Pátria

que tem um coração enorme, não enxergamos uma sociedade coberta de lama. Não somos

Sangue Frio, somos pessoas que por terem a alma voltada para o bem, de fato e de direito

acreditamos que se cada um fizer um pouco, ou procurar olhar que há “casos” e “CASOS”, o

rotulo poderá ser retirado e separado o joio do trigo.

Por isso implantamos o Projeto zaP! Que é fruto de Presídio de Mulheres. Porque

acreditamos que há como mudar uma triste e dura realidade e esta não pode continuar tendo

como alternativa, a Construção de Presídios, enquanto tantas crianças estão sem lar, sem escola,

sem comida... “Pois, se assim for, as crianças desamparadas e abandonadas de hoje, poderão em

grande parte ser os infratores de amanhã”.

- O sistema penitenciário no Brasil é considerado falido. Milhares de indivíduos que

cometem delitos de gravidades bem diversas se amontoam em cadeias super lotadas, sem infra-

estrutura básica, que os mantêm “fora da sociedade” por algum tempo, mas que não os prepara

para regressar ao convívio social.

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46

A INSTITUIÇÃO E A ESCOLHA PELO TRABALHO COM EDUCAÇÃO

A Fundação de Amparo ao Preso, criada em 1976 durante a gestão do Prof. Dr. Manoel Pedro

Pimentel à frente da Secretaria de Justiça de São Paulo, tem como finalidade “contribuir para a

recuperação social do preso e para a melhoria de sua condição de vida, através da elevação do

nível de sanidade física e moral, do adestramento profissional e do oferecimento de oportunidade

de trabalho remunerado”. (FUNAP, 1976)

Hoje, a FUNAP oferece formação profissional e trabalho remunerado aos presos, além de

coordenar e executar os programas de educação, cultura, esportes e geração de renda. Planeja,

desenvolve e avalia programas sociais para os presos e egressos (ex-presidiários) das 137

penitenciárias de São Paulo, já que é uma fundação do Governo do Estado vinculada à SAP –

Secretaria da Administração Penitenciária. A missão da FUNAP é contribuir para a inclusão

social de presos e egressos, estimulando seu potencial como indivíduos, cidadãos e profissionais.

A FUNAP desenvolve projetos em várias áreas, como vimos acima. Porém, hoje, seu foco está

mais direcionado à educação. O objetivo da entidade é oferecer formas para que os internos

desenvolvam suas capacidades substantivas no período de reclusão e que se empoderem para que,

ao voltar à sociedade, sejam aceitos e assumam seu papel de agentes transformadores.

A educação é a principal ferramenta de empoderamento. O indivíduo que desenvolve suas

capacidades passa a ser responsável por sua “existência” e pela realidade que o envolve. Em sua

obra, a “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire defende que para a libertação dos oprimidos, ou

seja, para que os indivíduos passem a cidadãos, é necessário que a eles sejam oferecidas

ferramentas para que se desenvolvam - é o “ensinar a aprender”. “Pretender a libertação deles

sem a sua reflexão no ato da libertação é transformá-los em objeto que se devesse salvar de um

incêndio. É fazê-los cair no engodo populista e transformá-los em massa de manobra”. (FREIRE,

1987 pág. 52)

Amartya Sen, no livro “Desenvolvimento como Liberdade”, defende que o indivíduo só

se desenvolverá e, por conseqüência, fará uso total de suas liberdades por meio da educação. “...

por meio de educação, aprendizado e especialização, as pessoas podem tornar-se muito mais

produtivas ao longo do tempo...”. (SEN, 2000, pág. 331) Ele assegura esse ponto de vista

dissertando sobre a força que o empoderamento do indivíduo exerce sobre seu potencial –

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liberdade substantiva – e a forma como este potencial o levará a “fazer coisas” que valoriza em

benefício da sociedade.

“Se uma pessoa pode se tornar mais produtiva na geração de mercadorias graças a melhor educação, saúde etc.,

não é estranho esperar que por esses meios ela possa, também diretamente, realizar mais – e ter a liberdade de

realizar mais – em sua vida”. (SEN, 2000, pág. 333)

Contudo, apesar de inúmeros teóricos ressaltarem a importância da educação na sociedade

e o seu poder regenerador, os dados mostram que, nas penitenciárias do Estado de São Paulo,

apenas 17% dos reeducandos freqüentam as escolas.

Da população carcerária total do Estado, cerca de 30% da população está em uma das 17

unidades prisionais da região de Campinas:

- Centros de Detenção Provisória de Hortolândia, de Americana, Campinas e Piracicaba;

- Centros de Progressão de Campinas, Atibaia, Bragança Paulista, Limeira, Mogi Mirim,

Piracicaba, Sumaré, Feminino de Rio Claro e Masculino de Rio Claro;

- Penitenciárias I, II e III de Hortolândia e Feminina de Campinas

Ao todo a FUNAP Regional Campinas atende a 11.021 reeducandos, sendo que deste

total, apenas 977 freqüentam as escolas.

O projeto piloto de comunicação em questão foi desenvolvido em uma das penitenciárias

do Complexo Penitenciário Campinas / Hortolândia, a Penitenciária I de Hortolândia (P1), que

tinha no período de elaboração do trabalho cerca de 1.200 internos, divididos em três raios.

Enquanto no Estado a porcentagem de reeducandos que freqüenta a escola é de 17%, na P1 esse

número é ainda menor, menos de 10%. Em 2005, somente 98 reeducandos encerraram o ano

letivo.

Com o intuito de adequar melhor a proposta educacional à realidade prisional, no primeiro

semestre de 2005 foi implantado na regional Campinas um projeto de Protagonismo Social junto

aos alunos da P1: os próprios internos assumiram as aulas da escola. A função que antes era

desempenhada por professores do Estado, vindos de fora, passou a ser ocupada por pessoas com

conhecimento e vivência da realidade dos demais. Os educadores-presos, como são chamados

passam por um processo de seleção e por constantes capacitações junto aos profissionais de

educação da FUNAP. Nos presídios que já adotaram essa prática têm-se observado bons

resultados, uma vez que os educadores estabelecem uma relação de identidade com o grupo.

Em reuniões entre o grupo e a instituição (FUNAP) foram levantadas algumas hipóteses

para justificar os baixos índices de reeducandos matriculados. Entre elas destacou-se a falta de

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informação dos internos sobre trabalho desenvolvido na escola. A falta de conhecimento deste

trabalho foi também apontada como responsável por uma provável rejeição da sociedade para

com o egresso. Segundo o gerente da regional Campinas, essa rejeição contribui com o alto

índice de reincidência, já que dificulta o processo de ressocialização e o acesso ao mercado de

trabalho.

Outro fator levantado como causa do preconceito foi a forma como os veículos de

comunicação noticiam o sistema penitenciário e a influência que essas matérias têm sobre a

opinião pública.

Para verificar a veracidade destas hipóteses optamos por fazer três pesquisas diferentes.

Pesquisas:

Para verificar o desconhecimento da sociedade em relação ao trabalho da FUNAP e a

visão que a população tem do Sistema Penitenciário e dos egressos o grupo optou por realizar um

estudo descritivo qualitativo com entrevistas individuais, selecionando, como entrevistados,

formadores de opinião. Foram utilizados questionários com perguntas abertas encadeadas, ou

seja, os entrevistados tiveram liberdade de responder o que pensam sobre o assunto questionado e

todas as perguntas eram interligadas.

Um estudo descritivo qualitativo com discussão em grupo foi desenvolvido junto aos

reeducandos com o intuito de validar a necessidade de mecanismos de comunicação entre a

escola e os internos. Estabeleceu-se um roteiro com tópicos a serem discutidos e o debate foi

aberto.

A visibilidade do Sistema Penitenciário e seus internos foram verificados através de uma

análise de conteúdo de matérias públicas na imprensa.

.Pesquisa Qualitativa:

Como dito anteriormente, os principais questionamentos foram em relação a visibilidade

que a FUNAP tem perante a sociedade e a divulgação do seu trabalho educacional com o preso e

de ressocialização com o egresso. Partindo da hipótese de que a sociedade não conhecia o

trabalho da instituição e que as matérias publicadas na mídia influenciavam negativamente a

visão sobre os reeducandos, foi realizada uma pesquisa qualitativa junto a oito profissionais da

área jurídica, social, pública, de saúde, comunicação e educação.

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No roteiro utilizado para as entrevistas havia questionamentos sobre o conhecimento dos

entrevistados com relação ao trabalho da FUNAP, o baixo índice de escolaridade, o trabalho dos

monitores-presos, a educação no processo de recuperação e ressocialização e influência da

mídia.

Os resultados da pesquisa demonstram que dos entrevistados, 60% já ouviu falar da

FUNAP, mas tem informações muito limitadas ou não conhece o trabalho que ela desenvolve.

Após uma prévia explicação sobre a Fundação, 90% avaliou positivamente a ação inovadora de

protagonismo social com monitores-presos, colocando-os como agentes transformadores da

mudança.

Os entrevistados avaliaram, por unanimidade, que o baixo índice de escolaridade da

população prisional é fator primordial de empecilho e/ou dificuldade para o desenvolvimento do

processo de ressocialização do preso. Fator que vai de encontro ao principal foco da instituição, a

educação. Ainda sobre a ressocialização, 90% dos profissionais acreditam ser de fundamental

importância a educação nesse processo.

“A inserção adequada do preso em processos educacionais é um passo muito importante,

uma vez que a educação é a abertura de horizontes, é a descoberta de territórios pessoais ainda

não explorados e de possibilidades ainda desconhecidas”. Esta afirmação é de um dos

entrevistados. Todas as respostas indicaram que o leque de alternativas torna-se maior com a

implantação de cursos de profissionalização, visando a ressocialização do egresso.

Parcerias entre Estado e sociedade civil são sempre bem-vindas para a implementação de

ações que melhoram o desenvolvimento humano, mas 70% dos entrevistados entendem que essa

é uma atribuição somente do Estado.

Dado que atualmente existe a remissão de pena por dias de trabalho, um dos objetivos da

FUNAP – Regional Campinas é a obtenção do direito à remissão de pena também pela educação.

Na pesquisa identificamos que 75% dos entrevistados aprovam a medida, sendo que metade deles

acredita que deva haver critérios e indicadores efetivos de avaliação e rendimento, além de

controle de freqüência. 12,5 % consideram a medida negativa e outros 12,5% não souberam

responder.

De acordo com 80% dos profissionais que participaram da pesquisa, as matérias

publicadas na mídia sobre o sistema prisional apresentam, em sua maioria, uma conotação

negativa. Sabendo do poder de influência que a mídia exerce na opinião pública, esse fator

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contribui significativamente para a manutenção do preconceito da sociedade em relação ao preso

e ao egresso.

Já em relação à estimativa do Ministério da Justiça (www.mj.gov.br) de que 50% a 80%

dos presos acabam se tornando reincidentes, os entrevistados apontaram como principais causas:

- a legislação ineficiente que condena vários tipos de crime com as mesmas penas;

- a sociedade civil ao “lavar as mãos”, re-julgando o egresso e não oferecendo possibilidade de

reinserção;

- o Estado que tenta, de forma paliativa, solucionar o problema com programas que garantam os

mínimos direitos, porém o sistema já está corrompido e as medidas são pouco agressivas e

definitivas;

- o próprio preso que se sente tutelado, excluído, injustiçado e acomoda-se à margem da

sociedade;

- falta de uma política voltada ao social e a geração de empregos;

- a ausência de ações que construam uma nova valoração para o preso;

- é difícil reintegrar quem, às vezes, nunca se integrou, nunca teve acesso;

- a constituição social, extremamente excludente e segregacionista;

- a falta de projetos educacionais e profissionais sérios para a população brasileira em geral e a

carcerária em particular.

Pesquisa com os reeducandos:

O estudo descritivo qualitativo com discussão em grupo foi realizado junto a 13

reeducandos e monitores-presos da escola da P1 de Hortolândia. Foram feitos questionamentos

sobre a necessidade e importância de um veículo de comunicação entre a escola e os internos. A

partir dessa pesquisa, foi possível comprovar a hipótese de que o trabalho da FUNAP é pouco

conhecido entre os detentos e que a escola precisava de instrumentos eficientes para atrair maior

número de reeducandos às salas de aula.

Durante o debate, os entrevistados propuseram que fosse criado um jornal que com

assuntos de interesse da população carcerária. Além disso, que o informativo também pudesse ser

usado na escola, como material didático. De acordo com os entrevistados, um jornal tornaria a

escola mais conhecida e facilitaria o diálogo entre os que estão matriculados e os que ainda são

resistentes ao ingresso às salas de aula.

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Matérias Publicadas:

Nessa pesquisa selecionamos dois jornais que circulam na Região Metropolitana de

Campinas: o Correio Popular e o Diário do Povo. O período delimitado foi de outubro a

dezembro de 2005. O objetivo era comprovar que do número total de matérias publicadas, uma

porcentagem pequena abordava assuntos que contribuem para a diminuição do preconceito da

sociedade com relação ao reeducando e ao egresso.

Embora o Correio Popular e o Diário do Povo pertençam à mesma empresa – Rede

Anhanguera de Comunicação – as matérias são trabalhadas com linguagens diferentes e para

públicos distintos, sendo que o segundo jornal possui uma linguagem tida como mais popular.

No Correio Popular, das matérias publicadas, apenas 27% trabalha assuntos considerados

positivos, sendo eles o concurso de beleza realizado nas penitenciárias femininas do Estado de

São Paulo e a festa de Natal da Penitenciária I de Hortolândia. O restante, 73%, trata de assuntos

como fugas, rebeliões, superlotação e entrada de celulares e armas nos presídios.

No Diário do Povo, a análise pouco se altera. Do total de matérias publicadas, 18% tem

conotação positiva, sendo os assuntos os mesmos tratados no Correio Popular: concurso de

beleza e festa de Natal. Os outros 82% traz matérias com conotação negativa.

Embora cerca de 77% das reportagens publicadas nos dois jornais sejam negativas, não

são impactantes. É provável que neste período não tenham ocorrido grandes rebeliões. Ainda

assim, a forma como as matérias são trabalhadas não contribuem para a diminuição do

preconceito na sociedade.

Por outro lado, observa-se que quando há um trabalho efetivo da comunicação, com uma

assessoria de imprensa abastecendo diariamente a imprensa com informações dos projetos e

ações desenvolvidas dentro dos presídios, é possível conseguir um espaço, mesmo que menor,

para a divulgação de informações positivas.

Diagnóstico:

1. Com base no resultado das pesquisas apresentadas constatou-se algumas deficiências:

- apesar de já terem ouvido falar na FUNAP, existe um desconhecimento do trabalho da

instituição junto à sociedade;

- os formadores de opinião acreditam no poder regenerador da educação;

- falta de preparo social para o acolhimento dos egressos;

- a falta conscientização por parte dos agentes penitenciários em relação ao trabalho da escola;

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- a mídia não é abastecida com informações vindas da FUNAP;

- existe uma relação distante entre mídia e sistema penitenciário;

- os reeducandos não conhecem o trabalho das escolas da FUNAP, um dos fatores que os leva a

não ter interesse em se matricular.

2. Expressões em Liberdade como alternativa de comunicação social

3. Sugerimos a execução do projeto “Expressão em Liberdade” com base na realização das

pesquisas e elaboração dos diagnósticos. Para atender a demanda vinda dos reeducandos, o

grupo acatou a proposta de produção de um jornal, com circulação interna e assuntos de interesse

da população carcerária. A segunda ação sugerida foi a realização de assessoria de imprensa, que

pudesse facilitar a relação entre mídia, FUNAP e sistema penitenciário como um todo. Aqui, a

intenção era que houvesse um espaço maior junto aos veículos de comunicação para divulgar o

trabalho da FUNAP, na tentativa de reduzir a rejeição da sociedade em relação ao preso e ao

egresso.

O compromisso social com a liberdade individual obviamente não precisa atuar apenas por meio do Estado; deve envolver também outras instituições: organização políticas e sociais, disposições de bases comunitárias, instituições não governamentais de vários tipos, a mídia e outros meios de comunicação e entendimento público, bem como as instituições que permitem o funcionamento de mercados e relações contratuais. (SEN, 2000, p. 322)

4. O papel da comunicação nas discussões de interesse público é evidentemente importante. No

que se refere ao trabalho que a FUNAP desenvolve pretendemos utilizá-la nos três segmentos

citados, lembrando que eles não se excluem, pelo contrário, se completam na intenção de

fortalecer o desenvolvimento das capacidades humanas dos internos.

5. O objetivo geral do projeto “Expressão em Liberdade”, que engloba o trabalho de assessoria de

imprensa e o jornal Expressão Prisional, é fomentar a discussão pública, através de ações de

comunicação, podendo contribuir com a aprovação da lei que regulariza a redução de pena por

tempo de estudo e com a aceitação do egresso pela sociedade, objetivos primordiais da FUNAP.

Jornal: Expressão Prisional:

1. Para solucionar o problema de comunicação interna e da falta de conhecimento dos detentos

sobre o trabalho da escola dentro da P1, foi produzido um jornal de circulação interna, com

informações de interesse dos presos. Além de disseminar a escola dentro da Penitenciária 1 de

Hortolândia, atraindo um maior número de alunos, o informativo também ajudará na manutenção

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da liberdade substantiva, no que diz respeito a ter acesso à informações e poder opinar (dentro

dos limites impostos pela reclusão) sobre o que está acontecendo a sua volta.

2. No processo de produção do Jornal, o grupo foi responsável pela capacitação da equipe de

reeducandos que executaria o material editorial. A partir das oficinas foi possível desenvolver,

junto aos reeducandos, todas as etapas de elaboração do informativo.

3. Linguagem jornalística, conteúdo editorial, formatos, pauta e ética foram alguns dos temas das

aulas. Ao final do primeiro encontro, ficaram como tarefas a indicação dos nomes das pessoas

que fariam parte do Conselho Editorial, bem como o papel que cada um desenvolveria. Também

ficou definido que a equipe presente realizaria uma pesquisa junto aos demais internos sobre o

nome que o jornal deveria ter.

4. No encontro seguinte, com a equipe já definida, foram apresentadas as sugestões de nomes,

sendo: Diário do Detento, Evolução Prisional, União e Notícia, União e a Força, Liberdade e

Expressão. Todas as sugestões foram discutidas, chegando-se por fim ao nome Expressão

Prisional.

5. Após a definição do nome do jornal, definiu-se o formato e as editorias. O jornal tem formato

A4, impresso em preto e branco, com quatro páginas divididas nas seguintes editorias: Capa –

Cotidiano; Página 2 – Editorial, Carta do Leitor e Espaço Judiciário; Página 3 – Educação e

Cultura; Página 4 – Esportes e Expediente;

6. O passo seguinte foi definir a pauta da primeira edição do jornal. A festa de Natal, por ser o

evento mais importante promovido por eles, foi uma das sugestões para a matéria de capa. No

editorial, o grupo de reeducandos optou por produzir um texto que contasse a história de como

surgiu o Expressão Prisional. Para a primeira carta do leitor, eles escreveram uma mensagem,

mas a idéia é que sejam publicadas, a partir da segunda edição, dicas, sugestões e críticas

enviadas pela população dos três raios. Para o Espaço Judiciário, o tema escolhido foi crimes

hediondos. Na página da educação e cultura, eles definiram como pauta o retorno às aulas, que

acontece no início de fevereiro, o resultado do CESU (Centro de Exames e Supletivos) e uma

retranca sobre o trabalho dos monitores presos. Para a página de esportes os textos fariam um

balanço das ações realizadas em 2005 foram desenvolvidos textos com o balanço das ações de

2005.

7. Paralelamente à capacitação editorial, os reenducandos participaram de uma oficina de

diagramação. Durante a aula, o grupo explicou sobre formatos, fontes, estilos adotados e layout.

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Apesar dos reeducandos terem decidido todos os componentes gráficos, a diagramação eletrônica

foi executada pelo grupo orientador devido a falta de equipamentos na escola.

Assessoria de imprensa: conscientização da sociedade:

1. A imprensa desempenha um importante papel na formação de opinião em qualquer sociedade

moderna. O que se publica em jornais ou se divulga na TV e no rádio é tido, na maioria das

vezes, como verdade absoluta. Em alguns momentos, esse poder que imprensa exerce contribuiu

para a mobilização da população em causas nobres, como nas manifestações contra a Ditadura

Militar, a favor das Diretas Já e do Impeachemant do presidente Collor, ou ainda em campanhas

como a do Betinho, no combate à fome.

2. Porém, essa mesma imprensa que contribui para o fortalecimento da democracia no país, às

vezes também assume o papel inverso. Em alguns momentos ela contribui para a manutenção ou

ainda para o aumento do preconceito na sociedade. Exemplo disso é o caso das matérias

publicadas sobre o sistema penitenciário no Brasil.

3. Constantemente nos deparamos com reportagens que tratam de rebeliões, fugas, superlotação,

violência, entrada de armas e celulares nos presídios, reincidência nos crimes. Poucas vezes nos

deparamos com matérias positivas, que mostram o trabalho, o estudo, a recuperação dentro das

penitenciárias.

4. Para tentar mudar essa realidade, iniciamos um projeto piloto de assessoria de imprensa para a

FUNAP – Regional Campinas. A partir de dezembro, começamos a desenvolver um trabalho de

busca de informações que pudessem ser passadas à mídia. A primeira oportunidade de divulgação

veio com a notícia de que aconteceria no dia 18 de dezembro, a festa de Natal dos presos.

Entramos em contato com a assessoria de imprensa da FUNAP, localizada em São Paulo, e

desenvolvemos uma parceria de trabalho. O release e o follow-up foram feitos com o mailing de

Campinas e região.

5. Os resultados dessa ação foram extremamente positivos. Todos os veículos com equipe

disponível fizeram a cobertura da festa. Os demais produziram matérias sobre o assunto ou, no

mínimo, mostraram grande interesse.

6. Junto aos reeducandos notou-se grande satisfação em poder mostrar à sociedade as ações

positivas que acontecem dentro da penitenciária.

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7. As rádios CBN, Central e Educativa, além da festa de Natal, divulgaram também a realização

das provas do CESU, que aconteceriam no mesmo dia. O gerente da FUNAP Regional Campinas

concedeu entrevistas a esses veículos.

8. Em fevereiro, nova possibilidade surgiu: o inicio das aulas, os presos como educadores, o

aumento dos inscritos na escola e o Projeto Visão poderiam render boas matérias.

9. O processo foi o mesmo. Depois de contato com a assessoria estadual e com a imprensa local

ficaram agendadas matérias com todas as emissoras de TV de Campinas, com três rádios, além

dos dois jornais da cidade. Mais uma vez comprovamos a importância da alimentação constante

da mídia com informações positivas, além da disponibilidade de atendimento diferenciado a ela.

10. Outro fato extremamente relevante ocorreu: um jornalista do Correio Popular fez contato

espontâneo com o grupo, solicitando auxílio para a execução de uma pauta, também positiva,

não sugerida pelo mesmo.

11. Com o projeto piloto descrito acima se constata que quando um profissional fica responsável

por informações cria-se um vínculo de cooperação mútua entre instituição e mídia, melhorando

efetivamente sua exposição na mídia.

12. Baseados nesses resultados, sugerimos a contração de uma empresa de assessoria de imprensa

regional ou a contração de um profissional que atenda aos jornalistas na sede da FUNAP em

Campinas.

13. A contratação deste serviço acarretará em um investimento mensal de aproximadamente:

- Profissional liberal: R$1.667,00

- Empresa especializada: R$2.000,00

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CONCLUSÃO

A comunicação pública é o exercício ético da comunicação, da transparência, da relação

saudável com os públicos de interesse. É o que se espera que aconteça entre o Primeiro (público),

Segundo (empresas privadas), Terceiro (organizações sociais) Setores e a sociedade. Através da

Comunicação Pública se estabelece um diálogo aberto, saudável e necessário para o

desenvolvimento de uma nação, por isso sua importância.

No caso da FUNAP, como constatamos, as ferramentas de Comunicação Pública poderão

contribuir efetivamente com a publicização da instituição e o trabalho que desenvolve. As ações

que sugerimos e executamos contribuíram e podem contribuir não só com a visibilidade da

instituição, mas principalmente para o esclarecimento da sociedade.

Devemos também ressaltar a importância da comunicação com os públicos específicos.

Neste caso evidenciamos o trabalho com a “Expressão Prisional”, onde a FUNAP, através de

seus colaboradores (monitores), mantém diálogo aberto com os reeducandos, seu público-alvo.

No Jornal são passadas informações sobre o trabalho de educação e demais atividades

organizadas pela instituição e ao mesmo tempo o veículo serve como espaço de expressão dos

presos.

A Responsabilidade Social fica evidente quando tratamos esse projeto como uma

Tecnologia Social, que pode ser reaplicada em qualquer ambiente prisional, respeitando apenas

as suas individualidades. Selecionamos a Penitenciária 1 de Hortolândia como berço do projeto

piloto e a partir dos resultados lá obtidos e deste relatório aqui apresentado acreditamos ser

possível a multiplicação de nossas ações.

O jornal e o trabalho de assessoria de imprensa podem ser desenvolvidos em outras

unidades, contribuindo efetivamente com o debate público, papel primordial da Comunicação

Pública. Através do debate esperamos cooperar com a aprovação da lei que regulariza a remissão

de pena por tempo de estudo e a aceitação do egresso pela sociedade, objetivos primordiais da

FUNAP.

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