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Centro Universitário das FMU Curso de Direito RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS ASPECTOS JURÍDICO-AMBIENTAIS DO RODOANEL Alessandro Valério Follador Registro Acadêmico 449.403/2 Telefone: 3277-6785 – 9477-6045 e-mail: [email protected] SÃO PAULO 2005

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Centro Universitário das FMU

Curso de Direito

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS ASPECTOS JURÍDICO-AMBIENTAIS DO RODOANEL

Alessandro Valério Follador Registro Acadêmico 449.403/2

Telefone: 3277-6785 – 9477-6045 e-mail: [email protected]

SÃO PAULO

2005

Centro Universitário das FMU

Curso de Direito

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS ASPECTOS JURÍDICO-AMBIENTAIS DO RODOANEL

Trabalho de Conclusão de do Curso de Direito apresentado junto à disciplina de Direito Ambiental, do curso de Direito/UNIFMU, sob orientação da Professora Dra. Regina Célia Martinez.

SÃO PAULO 2005

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Orientadora: Prof.ª Drª. Regina Célia Martinez

__________________________________________

1º Examinador:

__________________________________________

2º Examinador:

Nota: ________________(___________________)

DEDICATÓRIA

À Deus que, sempre ao

meu lado, me presenteou com o ar que

eu respiro, com a água que bebo, com os

alimentos que consumo... com a

natureza que me cerca, que me rodeia,

que me nutre, que me afaga, mas que eu,

em minha insignificante e arrogante

existência, destruo pouco a pouco

diariamente com minhas atitudes

predatórias cotidianas.

Ao Senhor José, meu pai, e

a Senhora Antonia, minha mãe,

obrigado pelo sopro de vida, pelo

carinho e companheirismo que se

manifestam continuamente, mesmo à

distância. Jamais esquecerei os

princípios que me foram ensinados,

estes jamais passarão.

AGRADECIMENTOS

Tenho um profundo e sincero

sentimento de gratidão pelo insofismável

comprometimento que a Professora Regina

Martinez demonstrou desde o momento em que

aceitou orientar me na realização deste estudo, e

mais ainda pela dedicação ao meio ambiente.

O Agradeço também aos demais

professores do Centro Universitário UniFMU,

instigadores do desenvolvimento do saber

jurídico, que de forma direta influenciaram em

minha formação acadêmica.

Aos colegas que me apoiaram nos

momentos em que surgiram dúvidas, e que hoje

posso chamar amigos. A todos que me ajudaram

direta ou indiretamente nesta monografia:

MUITO OBRIGADO.

SINÓPSE

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de

todos os cidadãos. É um direito fundamental previsto na Carta Magna brasileira.

Para garantir a todos um meio ambiente sadio é necessária a tutela jurídica

da responsabilidade do agente degradador do meio ambiente.

A Responsabilidade Civil no Direito Civil clássico fundamenta-se na

teoria subjetiva, pela qual um agente somente é obrigado a ressarcir o prejuízo

causado a outro quando agiu com culpa.

No Direito Ambiental a Responsabilidade Civil está disciplinada na

Constituição Federal no art. 225, §3º, e também na Lei 6.938/81, art. 14, tendo

sido adotada a teoria objetiva do risco integral, a qual impõe o dever de reparar o

dano causado ou pagar indenização em dinheiro.

A construção de uma rodovia trás inúmeros danos ao meio ambiente,

contudo, sua construção é necessária. Deve-se, então, equacionar a necessidade

de crescimento da sociedade e a preservação do meio ambiente, não apenas para

esta, mas também para as futuras gerações.

A grande chave para resolvermos a problemática dos aspectos jurídico-

ambientais do Rodoanel está na aplicação dos princípios de direito ambiental do

desenvolvimento sustentável e do caráter preventivo do Direito Ambiental.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................. pág. 01 Capítulo I – RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 Surgimento e evolução histórica .............................................. pág. 07 1.2 Fundamentos ............................................................................ pág. 10 1.3 Teoria subjetiva e objetiva........................................................ pág. 12 1.4 Natureza da responsabilidade .................................................. pág. 15 1.5 Elementos da responsabilidade ................................................ pág. 17 1.6 Excludentes da responsabilidade ............................................. pág. 20

Capítulo II – RESPONSABILIDADE CIVIL EM DIREITO AMBIENTAL 2.1 Introdução ..................................................................................pág. 25 2.2 Conceito e aspectos gerais do meio ambiente............................ pág. 26 2.3 Divisão doutrinária dos recursos ambientais .............................pág. 28 2.4 Responsabilidade Civil em Direito Ambiental ......................... pág. 33 2.5 Natureza da Responsabilidade Civil em Direito Ambiental...... pág. 35 2.6 Inaplicabilidade da teoria subjetiva ao Direito Ambiental ....... pág. 39 2.7 Conseqüências da adoção da teoria objetiva em D. Ambiental. pág. 41 2.8 Determinação do responsável.................................................... pág. 45 2.9 Tipos de reparação..................................................................... pág. 47

Capítulo III – DANOS AMBIENTAIS

3.1 Conceito de dano ....................................................................... pág. 50 3.2 Dano ambiental.......................................................................... pág. 52 3.3 Danos reais e danos potenciais .................................................. pág. 54 3.4 Espécies de danos ambientais ................................................... pág. 57 3.5 Características do dano ambiental............................................. pág. 59 3.6 Sistema de apuração de dano ................................................... pág. 61 3.7 Poder de Polícia e o dano ambiental......................................... pág. 63 3.8 Recuperação do meio ambiente ................................................ pág. 65

Capítulo IV – ASPECTOS JURÍDICO-AMBIENTAIS DO RODOANEL

4.1 Avaliação de Impacto Ambiental .............................................. pág. 67 4.1.1 EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental................................................................................... pág. 70 4.1.2 Balanço Sócio-ambiental ................................................. pág. 72 4.1.3 Avaliação Ambiental Estratégica...................................... pág. 72

4.2 Programa Rodoanel Mario Covas............................................. pág. 73 4.2.1 A obra do Rodoanel........................................................... pág. 73 4.2.2 Reserva da Biosfera........................................................... pág. 76 4.2.3 Impactos no Trecho Sul..................................................... pág. 83 4.2.4 Benefícios esperados.......................................................... pág. 91 4.2.5 Efeito de Borda.................................................................. pág. 93

4.3 Apreciação da Sociedade Civil.................................................. pág. 97 4.4 Responsabilidade do Empreendedor......................................... pág. 102 4.5 Sadia Qualidade de vida e desenvolvimento sustentável........... pág. 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... pág. 108 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................ pág. 113

INTRODUÇÃO

A maior ameaça que existe para o planeta terra é a evolução da

humanidade. Os rios estão secando, florestas são destruídas e devastadas;

espécies animais estão em extinção; tudo isso ocorre a nossa volta todos os dias,

e muitas vezes nem percebemos.

A natureza responde imediatamente aos ataques que recebe. Percebemos

isto quando somos obrigados a responder perguntas como: Qual a razão da água

que bebemos em nossas casas ser tratada com produtos químicos? Por que as

plantações de alimentos recebem doses maciças de agrotóxicos, quando sabemos

que estes prejudicam nossa saúde? Por que rios antes navegáveis hoje estão

secos? Muitos são os porquês, porém, poucas são as respostas satisfatórias. Não

conseguimos, muitas vezes, identificar a causa mediata desses eventos ou

mesmo seus causadores.

Somos nós, seres humanos, a provável causa de nossa própria extinção. É

fato conhecido que a era glacial pôs fim à era jurássica, não se sabe exatamente

como foi, mas isto levou a extinção dos maiores mamíferos que já existiram. O

homem tem como característica a inferioridade física em relação a estes rudes

animais (os dinossauros) e, por certo, não sobreviveríamos a uma era glacial.

Nossa extinção irá ocorrer em razão de nossas próprias atitudes predatórias, que

degradam o meio ambiente de forma irreversível hodiernamente.

A sadia qualidade de vida não é apenas um direito fundamental do

homem. O homem nasce, cresce, amadurece, envelhece e morre; o meio

ambiente existe anteriormente ao homem e continuará existindo mesmo depois

de sua extinção. Não devemos analisar os bens ambientais de forma egoística,

sua existência transcende a existência do próprio conceito de direito. O meio

ambiente é bem difuso, é algo superior, pois engloba os elementos bióticos e

abióticos, pertence a todos.

A preocupação com o meio ambiente começou a tomar forma a partir de

1972 com a convenção de Estocolmo para o meio ambiente. Nosso sistema

legislativo vem acompanhando essa crescente preocupação atuando de forma

clara através de leis específicas em matéria ambiental.

O estudo do meio ambiente, em especial da responsabilidade por danos

ambientais, surge em um momento que a sociedade começa a despertar para

sadia qualidade de vida, não bastando apenas que o homem tenha um lugar para

repousar.

A Constituição Federal de 1988 destinou um capítulo inteiro à matéria,

em decorrência do movimento internacional em defesa do ecossistema do

planeta, com isso, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tornou

se direito fundamental do homem.

O direito ao meio ambiente equilibrado está inserido em nossa Carta

Constitucional como direito de terceira geração. Esse direito está disposto ao

lado do direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito de propriedade sobre o

patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Contudo, a

conscientização da necessidade de preservar o meio ambiente para garantir

qualidade de vida às presentes e às futuras gerações esbarra na ganância de

alguns, o que torna necessário o implemento de leis cada vez mais rígidas em

matéria ambiental, impelindo ao degradador, poluidor, o dever de reparar os

danos, inclusive com sanções penais.

Este estudo científico irá abordar a responsabilidade civil do agente

causador de dano ambiental, observados os aspectos jurídico-ambientais na

construção e implementação do Programa Rodoanel Mario Covas.

A responsabilidade por danos ao meio ambiente será analisada sob o

aspecto jurídico, em razão do propósito definido como objeto de estudo que nos

propusemos a desenvolver.

Para compreender a complexidade deste objeto de estudo iremos,

inicialmente, abordar a evolução histórica da responsabilidade civil buscando

elementos pertinentes e capazes de demonstrar, por si só, a necessidade do

homem em definir meios jurídicos para proteger sua integridade física e moral.

Esse fenômeno ocorre há milênios.

Identificamos os primeiros indícios da teoria da compensação econômica

no Código de Hamurabi. Posteriormente surgem com a Lex Áquila os primeiros

fragmentos da noção de culpa, tratada posteriormente no Código Napoleônico.

A responsabilidade civil aquiliana fundamenta se na culpa, assim, o

agente que causa um prejuízo com culpa a outrem, é responsável por sua

reparação. Essa regra geral é adotada em diversos países, entre ele o Brasil por

meio de nosso Código Civil; é a teoria da responsabilidade mediante culpa do

agente, ou responsabilidade subjetiva.

Como exceção encontramos a responsabilidade independentemente de

culpa, ou responsabilidade objetiva. Veremos no desenvolver deste estudo

científico que o Direito Ambiental adota a teoria da responsabilidade sem culpa,

ou teoria objetiva.

Abordaremos algumas diferenças existentes entre a teoria clássica

subjetiva adotada pelo Código Civil Brasileiro e a teoria objetiva. Para isto,

iremos buscar fundamentos na doutrina, conjuntamente com a análise das

prerrogativas constitucionais e infraconstitucionais que tratam da matéria

relativa à responsabilidade civil do agente que causa danos ao meio ambiente.

O estudo de cunho científico que estamos realizando impõe uma

importante questão: O que é considerado dano ambiental? Para respondermos

esta questão iremos analisar, em capítulo próprio, o fenômeno do dano com uma

abordagem sistemática, a fim de tornar claro o que devemos enquadrar na

responsabilidade civil por danos ao meio ambiente.

O dano ambiental possui diversas características e admite várias facetas,

sendo necessário seu estudo para estabelecer a responsabilidade civil.

Abordaremos o conceito de dano a partir de suas características de forma a

possibilitar a mais ampla análise deste intrincado assunto.

Procuramos buscar na doutrina o conceito de dano lato sensu analisando

seus elementos básicos fazendo uma diferenciação entre o conceito de dano no

Direito Civil e dano em Direito Ambiental. Um não se confunde com o outro,

apesar de estar muito próxima a nomenclatura entre um e outro. Quando

procuramos definir dano ambiental encontramos dificuldades técnicas que são

inerentes a esta ciência que é extremamente nova, não apenas em nosso

ordenamento jurídico.

Defenderemos, neste trabalho, a aplicação da teoria do risco integral na

responsabilidade civil por danos ao meio ambiente para prevenir os danos

potenciais e restaurar os danos efetivos.

O estudo deste tema será enriquecido com abordagem de um caso

concreto, o Programa Rodoanel Mario Covas, o qual causa na sociedade civil

enorme preocupação, pela potencialidade dos danos que podem ocorrer durante

sua implementação e operação.

Para atingir o colimado fim do estudo proposto, iremos inicialmente fazer

apontamentos sobre a Avaliação de Impactos Ambientais, medida de prevenção

e repressão que integra a Política Nacional de Proteção ao Meio Ambiente.

Dentro deste tópico será feita a análise do EIA/RIMA - Estudo de Impacto

Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental-, do Balanço Sócio-Ambiental e

da Avaliação Ambiental Estratégica.

Posteriormente analisaremos os aspectos jurídico-ambientais mais

importante da Obra do Programa Rodoanel, incluindo se nesta fase a Reserva da

Biosfera da Serra da Cantareira, os pontos de impactos ambientais na área de

Mananciais no trecho Sul, os benefícios esperados com a obra e o efeito de

borda ou adensamento populacional.

Em última análise iremos definir a responsabilidade do empreendedor

pelos danos ambientais resultantes da construção da rodovia através da teoria

objetiva do risco integral. O fechamento será realizado com a abordagem da

questão desenvolvimento sustentável.

Buscaremos, no decorrer deste estudo, demonstrar a necessidade de

conscientização da preservação do meio ambiente, abordando a responsabilidade

civil por danos ao meio ambiente. A complexidade do tema nos leva em alguns

pontos a sermos radicais, contudo, tentamos conciliar a necessidade de

desenvolvimento com responsabilidade.

I - RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A responsabilidade é um dos temas mais importantes e fundamentais do

Direito; de fato, é um dos elementos mais marcantes para que se julgue a

eficácia ou ineficácia de um sistema jurídico, bem como as finalidades sociais

deste.1

A Responsabilidade Civil possui raízes tão antigas quanto à noção de

direito. Os primeiros relatos da reparação de um dano provocado, através do

ressarcimento do prejuízo, são encontrados no antigo Código de Hamurabi,

nome dado em homenagem ao rei da Babilônia em 1961 a.C, são os primeiros

sinais da teoria da compensação econômica. O item 209 deste Código tem a

seguinte redação: “se um homem livre ferir a filha de outro homem livre e, em

conseqüência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á dez ciclos de prata

pelo aborto”.2 Esse item é apenas uma das várias passagens sobre o assunto no

Código Hamurabi.

Com a institucionalização da democracia na Grécia, na época do

imperador Sólon, os cidadãos passaram a condição de igualdade civil entre si,

1 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2002. p.177 2 SILVA, Wilson Mello da. O dano moral e sua reparação. 1995. p.24.

surgindo neste momento histórico a obrigação de reparar o dano causado a

outrem pelos atos praticados.

Posteriormente, encontramos a Lei das XII Tábuas no Império Romano,

que foi promulgada em 449 a.C, a partir de estudos realizados na legislação

Grega na Época de Sólon, a mando de Terentílio Arsa por volta de 462 a.C.,

com a finalidade de criar uma legislação para a plebe. Essa Lei foi

posteriormente aplicada a todos os cidadãos. O que hoje é conhecido da Lei das

XII Tábuas é muito pouco, pois o original desapareceu no incêndio ocorrido em

Roma, 60 anos após a sua promulgação. Os fragmentos que encontramos são

provenientes de escritos de jurisconsultos e gramáticos da época. Nestes

fragmentos da obra encontramos princípios como a indenização no caso de

furto, do depositário de má-fé, do dano causado pelo animal, em propriedade

alheia, daquele que fez pastar o seu rebanho em terreno alheio, daquele que

provocou fratura em outrem, além de várias outras passagens relacionadas à

reparação do dano.

Os princípios do Direito Romano resistiram mesmo com a queda do

Império em 476 d.C., os quais deram início ao período denominado “regime da

personalidade das leis”; isto se deu devido à invasão e a aplicação de várias

legislações diferentes, mas, mesmo assim, os princípios do Direito Romano não

caíram em desuso.

A existência do Império Romano foi marcada pela estrita ligação do

Estado e da Igreja, inclusive no campo do direito. A noção de culpa no direito

Romano é atribuída à Lei Áquila (Lex Áquila, 250 a.C.) que influenciou os

princípios que formaram a Responsabilidade Civil baseada na prática do dano

fundada na responsabilidade contratual em razão do inadimplemento ou no dano

causado a outrem pela ocasião de um ilícito.

A noção de culpa como conhecemos hoje é atribuída à Lex Áquila e ao

Código Napoleônico. Este último surgiu após a Revolução Francesa; com a

promulgação do Código Civil Francês em 1804, a noção de culpa contida neste

Código influenciou a legislação de diversos países.

O Brasil passou a ter uma legislação própria sobre a Responsabilidade

Civil com o advento da Proclamação da Independência em 1822; até então o

País era regido pelas Ordenações do Reino. A primeira Constituição Política do

Império do Brasil foi promulgada em 1824, dois anos após a independência,

prevendo em seu bojo a criação de um Código Civil e Criminal.

Em 1830 foi promulgado o Código Criminal que introduziu em nosso

sistema jurídico a Responsabilidade Civil3 por dano praticado, no Capítulo V, da

Satisfação. Esse foi o marco histórico na Legislação Pátria que criou parâmetros

para que nossos Tribunais passassem a decidir de forma uniforme os casos de

reparação de danos civis nesta época. 3 Código Criminal de 1830, art. 21: “O delinqüente satisfará o dano que causar com o delito”.

Diversas foram as mudanças ocorridas desde então em nosso sistema de

apuração e reparação dos danos, chegando até a recente legislação ambiental que

prevê a responsabilização do agente degradador do meio ambiente. Este é o

objetivo de nosso estudo: a Responsabilidade Civil por danos ambientais.

1.2 FUNDAMENTOS

O termo responsabilidade, embora com sentidos próximos e semelhantes,

é utilizado para designar várias situações no campo jurídico. A

responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção em virtude da qual se

atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de

uma ação.4

A Responsabilidade Civil é que impõe ao agente causador do dano a

obrigação de reparação e ressarcimento. Em nosso ordenamento jurídico a

Responsabilidade Civil está fundamentada no artigo 186 do Código Civil5. O

agente que causar a terceiro um dano com culpa ou dolo deverá recompor

civilmente o dano sofrido pela vítima. Observamos que a teoria adotada neste

artigo do Código Civil é a teoria subjetiva, pois é necessário que o agente tenha

ocasionado o dano ao terceiro.

4 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. p.24 5 Código Civil de 2002, art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Contudo, o Código Civil de 2002 trouxe em seu art. 9276 a

responsabilidade civil objetiva quando o dano ocorrer em razão de atividade de

risco, independentemente de culpa. A razão de tal disposição está substantivada

na determinante que aquele que se predispõe a prática de uma atividade assumi

os risco tanto do lucro como do prejuízo. Em razão disso, não pode o terceiro,

que foi vítima, ficar com o prejuízo enquanto o causador dos danos fique apenas

com os louros de sua atividade.7

No âmbito civil, buscamos o ressarcimento de todos os danos; para isso,

faz-se necessário que seja identificado o agente que deu causa ao prejuízo de

outrem, direta ou indiretamente. Na hipótese de não conseguirmos identificar o

agente que causou o dano não haverá o ressarcimento, arcando a vítima com o

prejuízo.

O terceiro poderá ser responsabilizado pelos danos ocasionados por

outrem, quando a lei contiver esta previsão.

A indenização em Direito Penal está pautada por outro critério. A CF/88

6 Código Civil de 2002, art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 7 Furto de automóvel em estacionamento – Dever de indenizar – Empresa que explora o parqueamento oneroso – Responsabilidade de zelar pela segurança dos veículos que abriga – Aplicação da teoria do risco – apelada, ademais que atraia clientela com o fato de estarem segurados os automóveis que guardava – Verba devida – recurso provido. A empresa que explora o ramo de estacionamento, recebendo contraprestação pelo serviço de segurança prestado, tem o dever de indenizar o proprietário do veículo que ficou sob a sua guarda, sendo irrelevante que a subtração deste tenha sido ocasionada por roubo ou furto, porquanto o dever de indenizar decorre do risco assumido tendo em vista o ramo de negócio escolhido e o lucro que obtêm com sua realização “(TJSP – Apelação Cível 224.517 -1 – São Paulo – Rel. Benini Cabral – 8-2-95).

ao prever a individualização da pena dentre os direitos e garantias fundamentais

limitou o valor que o terceiro é obrigado a indenizar em caso de condenação do

agente que praticou o ilícito. Assim, prevê que em caso de dano a ser reparado

poderá ser estendida a obrigação de reparar o dano aos sucessores do apenado;

contudo, esse valor de indenização a ser pago à vítima ou aos seus dependentes

ficará limitado ao valor do patrimônio transferido. Logo, essa regra limita o

valor da indenização a que se obriga o terceiro.8

1.3 TEORIA SUBJETIVA E OBJETIVA

O Direito Civil trabalha com duas teorias relacionadas à Responsabilidade

Civil. A primeira é a teoria subjetiva, que foi adotada como regra pelo Código

Civil; a segunda teoria é a objetiva, conhecida também como teoria do risco ou

responsabilidade sem culpa.

A teoria subjetiva está inserida em nosso ordenamento jurídico como

regra geral. Ela está fundamentada na culpa do agente que causa a outrem um

dano. É preciso neste momento, que observemos que o termo culpa está sendo

empregado em sentido latu; assim, compreende o termo culpa a conduta do

agente que age com dolo ou com culpa em sentido estrito.

8 Constituição Federal de 1988, art. 5º, XLV. “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”;

Por dolo entenda-se vontade livre e consciente de causar um dano a

outrem; é a vontade de provocar prejuízo. A culpa em sentido estrito é

caracterizada pela não observância do dever de cuidado pelo agente, e representa

uma conduta negativa que se apresenta como imprudência ou negligência.

A teoria subjetiva leva em conta a conduta, a culpa e o nexo de

causalidade para que, de um evento danoso, nasça o direito de indenização. A

vítima tem o dever de provar a culpa do agente para que seu direito de

ressarcimento seja reconhecido pela Justiça. A individualização da conduta é um

importante elemento nesta teoria, pois sem ele não há direito de indenização, o

que leva crer que este seja um ponto negativo desta teoria.

A teoria do risco ou responsabilidade sem culpa, ou ainda teoria objetiva,

é exceção no Direito Civil, pois, como já mencionamos, a teoria subjetiva é a

regra. Esta teoria surge num momento em que a sociedade exige do Estado

atitudes mais abrangentes em relação à necessidade de tutela jurisdicional para

composição dos prejuízos sofridos pela vítima diante da hipossuficiência do

cidadão comum em relação a macro organismos societários.

A teoria da responsabilidade objetiva pode ser classificada em três

espécies distintas: teoria do risco proveito, teoria do risco criado ou do risco

integral.

Na responsabilidade civil fundada no risco proveito serão

responsabilizados todos aqueles que tenham a finalidade de locupletar-se da

atividade degradadora do meio ambiente.

A responsabilidade fundada no risco criado ou risco administrativo refere-

se à atividade da administração. Segundo esta teoria, o autor do dano será

punido pelo risco que se originou em decorrência de sua atividade; contudo, esta

teoria admite as excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior e

culpa exclusiva da vítima).

A terceira teoria é a do risco integral, onde, por esta corrente doutrinária,

o agente que degradou o meio ambiente será responsabilizado por sua atividade

independentemente de culpa, não se admitindo as excludentes da

responsabilidade.

A qualidade da vítima nesta relação deve ser levada em consideração,

pois, não devem ser tratados de igual forma uma companhia aérea que

movimenta milhões de reais por ano e um passageiro que foi lesionado em uma

relação de consumo com aquela.

O primeiro exerce uma atividade onerosa e assume os riscos do negócio,

recebendo os lucros de sua atividade. Porém, havendo prejuízos a terceiros,

deverá o empreendedor arcar com as despesas, visto que, ao assumir o risco do

negócio, não assume apenas o risco dos lucros, mas também dos prejuízos.

O segundo, nesta relação, é o usuário do serviço, que eventualmente

possui menos recursos que a companhia aérea e que, por vezes, não possui

conhecimentos técnicos para demonstrar a culpa do empreendedor.

Essa relação de consumo está regulada pelo CDC – Código de Defesa do

Consumidor –, aplicando-se a ela a teoria do risco.

A responsabilidade objetiva aplica-se em dois casos: quando previsto em

lei e quando a atividade normalmente praticada pelo agente for caracterizada por

inerente risco para outrem, levando se em conta a potencialidade do dano pelo

risco criado, consoante com o artigo 927 do Código Civil.

Nesta teoria, o elemento da culpa é mitigado ou nem mesmo existe. Para

que seja determinado o ressarcimento do dano à vítima, em alguns casos, basta

que a conduta do agente e o nexo de causalidade sejam provados, para que nasça

o direito de ressarcimento dos prejuízos sofridos.

Outro elemento importante na responsabilidade sem culpa é a

pulverização do pólo passivo da relação, podendo existir vários sujeitos no pólo

passivo, diferentemente do que ocorre na teoria subjetiva que tem, como

característica, a individualização da conduta.

1.4 NATUREZA DA RESPONSABILIDADE

A teoria subjetiva, fundamentada na culpa, não pode ser aplicada ao

Direito Ambiental pura e simplesmente, pois estaríamos deixando a coletividade

e mesmo os terceiros prejudicados desamparados, em virtude das características

especiais do Direito Ambiental.

Na teoria subjetiva da responsabilidade pelo dano causado, cabe à vítima

a prova da existência do dano e do prejuízo sofrido por ela, vez que a culpa não

pode ser presumida. À vítima que sofreu prejuízo cabe a prova deste para que a

partir de então, após processo judicial assegurada ampla defesa ao réu, surja o

direito a indenização pelos prejuízos sofridos. Não basta que se prove o fato, é

necessário que se prove a culpa do réu.

São causas excludentes da reparação do dano em Direito Civil: o caso

fortuito, a força maior, a licitude da atividade e a culpa da vítima.

Inicialmente, aplicava-se aos danos ambientais a teoria da culpa ou teoria

subjetiva da responsabilidade. Todavia, o tempo mostrou que era ineficiente este

sistema adotado. Alguns elementos comprovam que o Direito Ambiental é mais

complexo que o direito comum quando falamos em responsabilidade por danos.

A responsabilidade civil por danos ambientais funciona baseada na tutela

e controle da propriedade. É a positivação das normas que obrigam o agente a

tornar ao status quo ante.

1.5 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE

A Responsabilidade Civil possui três elementos essenciais à sua

configuração, segundo a doutrina clássica: a culpa, o dano e o nexo de

causalidade.

A noção de culpa é de fácil entendimento, contudo sua conceituação é

objeto de várias controvérsias dentro do campo de estudo das Ciências Jurídicas.

Uma respeitada definição foi escrita pelo professor José Aguiar Dias, a qual foi

transcrita na obra do ilustríssimo Professor Silvio de Salvo Venosa: “A culpa é a

falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por

parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não

objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das

conseqüências eventuais de sua atividade”.9

No Direito Civil moderno, a culpa civil abrange tanto a conduta dolosa do

agente, quanto à conduta culposa. A culpa, prevista do Código Civil no art. 186,

possui sentido lato, então, é de se observar que não apenas a conduta voluntária

que cause dano impõe ao agente a obrigação de reparação, mas também os atos

praticados com culpa em sentido estrito.

O que importa no contexto atual do campo da responsabilidade é se o

agente agiu com culpa civil, e não o grau da sua culpa; para a Responsabilidade

9 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p.27

Civil o que vai determinar o valor da indenização é a extensão do dano e não o

grau de culpa do agente.

O dano é o segundo elemento que compõe a Responsabilidade Civil, onde

seu estudo neste trabalho é de suma importância, por isso, será feita uma análise

pormenorizada de seus elementos em capítulo próprio.

Não podemos nos furtar a fazer alguns apontamentos, os quais são

necessários para que possamos compreender a tricotomia que sustenta a

Responsabilidade Civil na teoria subjetiva e para que posteriormente possamos

compará-la com a Responsabilidade Civil em Direito Ambiental.

A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo

suportado pela vítima.10 O dano é o prejuízo que terceira pessoa sofre em razão

de uma ação ou omissão daquele que, direta ou indiretamente, proporcionou a

essa vítima um decréscimo, material ou moral, que pode ser quantificado.

A doutrina classifica o dano como sendo: a) patrimonial aquele que é

mensurável em dinheiro, pode ser reparado por meio de moeda, denominador

comum da indenização; b) emergente é o dano que é quantificado por dados

concretos baseados na efetivação do prejuízo, por exemplo: a queda de um muro

mal construído, não há que se fazer grandes ponderações a respeito do

decréscimo no patrimônio da vítima; e c) lucro cessante traduz-se na dicção

10 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p.34.

legal, o que a vítima deixou de ganhar.

Como veremos mais adiante neste estudo, o maior problema não é a

identificação dos danos, como pode parecer em um primeiro momento, mas o

retorno ao estado anterior e quando não for possível, a dificuldade encontra-se

na quantificação dos prejuízos que a natureza sofre. Afinal, como quantificar o

prejuízo que a cidade terá com a passagem do trajeto do Rodoanel Mario Covas,

em São Paulo, pela região de mananciais do Parque Estadual da Serra da

Cantareira.

O terceiro elemento a ser analisado é o nexo de causalidade, fator que liga

a conduta do agente ao resultado, ou seja, ao dano. No campo do direito de

indenização é preciso que seja identificado o autor do fato. Para isso é

fundamental o nexo causal, pois sem a comprovação do nexo causal não há que

se falar em indenização.

Na teoria objetiva a culpa pode ser mitigada ou até suprimida, porém, este

elemento, o nexo causal, não pode ser ignorado em nenhuma das teorias, nem

mesmo na teoria objetiva.

A relação de causa e efeito é em determinados momentos de difícil

comprovação, sendo duas as principais questões neste assunto. A primeira é a

prova do nexo causal. A segunda é a problemática de identificar a verdadeira

causa do dano, neste caso é adotada pela doutrina a teoria da causalidade

adequada, ou seja, a causa predominante que deflagrou o dano.

1.6 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE

Este tópico é na verdade um complemento mais elaborado do item

anterior, especificamente do nexo de causalidade. As excludentes da

responsabilidade eliminam ou invalidam a existência de nexo entre a atividade

desenvolvida pelo sujeito passivo e o resultado suportado pela vítima de um

dano, restando, desta feita, impossível a indenização dos prejuízos, ainda que

comprovados.

São excludentes da responsabilidade: o caso fortuito e a força maior, a

culpa da vítima, o fato de terceiro e a cláusula de não indenizar. Passaremos a

abordar cada uma destas excludentes com o objetivo de comparar, em momento

oportuno, sua aplicação em Direito Civil e em Direito Ambiental, delineando as

diferenças existentes entre os dois institutos quanto a estas excludentes.

A primeira excludente é o caso fortuito e força maior. O caso fortuito é o

fenômeno da natureza imprevisível e impossível de ser evitado. São exemplos

de caso fortuito: o Tsunami na Ásia e os Tufões em Santa Catarina. A força

maior está relacionada a uma atividade humana que, apesar de previsível, não

podem ser evitados os danos. Podemos citar como exemplo: as guerras e as

queimadas provocadas pelo homem.

Apesar de possuírem definições diferentes, no assunto em questão, o

resultado da ocorrência de caso fortuito ou força maior para o direito é o mesmo:

a verificação da excludente irá impedir a configuração do nexo de causalidade.

Neste caso, o prejuízo foi provocado não pelo ato do agente, mas por elementos

exteriores à vontade e à capacidade do agente.

A culpa exclusiva da vítima é uma construção da doutrina e jurisprudência

que impede a existência do nexo de causa. O Código Civil11 estabelece a culpa

concorrente da vítima, que sendo verificada, no caso concreto, regulará a fixação

da indenização proporcionalmente à sua participação no dano, por vezes haverá

o fracionamento da responsabilidade ocorrendo o rateio dos prejuízos

proporcionalmente a culpa dos agentes.

Em alguns casos poderá haver direito de indenização quando a vítima

concorre na culpa. Um desses casos é o art. 17 do Decreto 2.681/1912, que

presumi a culpa das Ferrovias e por analogia aplica-se a todos os meios de

transporte que não tenham legislação específica.12

A culpa concorrente somente pode compensar os danos quando a lei não

faz essa ressalva. Quando esta se faz presente, a responsabilidade do dano

11 Código Civil brasileiro de 2002, art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 12 Decreto 2.681/1912, art. 17 – As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea. A culpa será sempre presumida, só se admitindo em contrário alguma das seguintes provas: 1ª - Caso fortuito ou força maior; 2ª - Culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada.

permanece integral, desde que haja mínima parcela de culpa do agente.13

O fato de terceiro como excludente da responsabilidade ocorre quando um

terceiro estranho à relação age concretamente para que ocorra o dano.

Encontramos na doutrina como exemplo o motorista que, após ser fechado no

trânsito por um terceiro, abalroa um veículo parado. Esse fato praticado por

terceiro quando provado isenta de culpa o agente que provocou o dano, pois

inexiste o nexo de causa.

Nossos Tribunais têm aceitado excepcionalmente o fato de terceiro como

excludente da responsabilidade. Essa excludente é difícil de ser provada. O

agente que causou o dano não pode ter concorrido na culpa para que se isente do

dever de indenizar.

Pessoas ligadas ao causador do dano como sogra, funcionário ou filhos

menores são considerados terceiros, mas os fatos praticados por estes não

isentam o agente da responsabilidade. O nexo causal deixa de existir quando

provada a culpa exclusiva do terceiro.

É importante observar a Súmula 187 do STF a esse respeito: “A

responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro,

não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".

Cláusula de não indenizar é a quarta das excludentes da Responsabilidade

13 VENOSA. Silvio de Salvo. Op.cit. p.48.

Civil que analisamos. Esta é de natureza contratual e difere da cláusula de não

responsabilidade. A cláusula de não indenizar não exclui a responsabilidade,

mas transfere por vontade das partes os riscos de danos decorrentes do contrato

por inadimplemento completo ou parcial. A cláusula de irresponsabilidade

exclui a responsabilidade do agente que causou danos outrem.

Alguns autores defendem que a cláusula de não indenizar é nula por ser

uma afronta à moral. O CDC – Código de Defesa do Consumidor – em seu art.

51, I, define que esta cláusula é nula nas relações de consumo, porém este

mesmo artigo possibilita a limitação da indenização por danos quando a vítima

tratar-se de pessoa jurídica. Contudo, esta limitação não se aplica às pessoas

físicas. 14

A cláusula de não indenizar não tem valor nas relações de consumo

protegidas pelo CDC – Código de Defesa do Consumidor –, nos contratos de

adesão, contra a ordem pública e em casos onde exista dolo de um dos

contratantes.

Também é de todo irregular a aplicação da cláusula de não indenizar

quando a lei proíba sua utilização. A Súmula 161 do STF trata a respeito da

cláusula de não indenizar nos contratos de transporte: “Em contrato de

14Código de Defesa do Consumidor, art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (i) - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”.

Desta forma não pode o transportador alegar que não se responsabiliza

pelos danos ocorridos no interior do transporte durante a prestação do serviço.

Nos contratos de adesão realizados em estacionamentos a relação é de consumo

e está protegida pelo CDC - Código de Defesa do Consumidor. Por este motivo

os dizeres “não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior do

veículo” são contrários às disposições legais, portanto, é uma cláusula nula.

Estas excludentes da Responsabilidade Civil não são aplicadas ao Direito

Ambiental, pois, o bem protegido, bem difuso de uso comum do povo, tem uma

função social de maior importância e relevância para a sociedade. A Legislação

ambiental, como veremos, cuida de proteger os bens ambientais garantindo a

sadia qualidade de vida da presente e das futuras gerações. Trata-se de interesse

difuso em que não é possível identificar as vítimas, a teoria adotada é a objetiva,

como vermos a seguir.

II - RESPONSABILIDADE CIVIL EM DIREITO AMBIENTAL

2.1 INTRODUÇÃO

O sucesso no desenvolvimento de um assunto tão complexo, quanto à

tutela da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, exige um grande

cuidado, haja vista que o estudo do tema é recente tendo como ponto inicial a

convenção de Estocolmo/1972 para o meio ambiente.

Não poderíamos nos furtar deixando de fazer um breve estudo do conceito

de meio ambiente, para isso, serão apreciados os conceitos de alguns

doutrinadores e também o conceito legal de meio ambiente previsto na Lei

6.938/81.

Posteriormente passaremos a estudar a Responsabilidade Civil em Direito

Ambiental realizando comparações com o instituto da Responsabilidade Civil no

Direito Civil pátrio. Esperamos com isso demonstrar o que é meio ambiente,

como se forma a Responsabilidade Civil em matéria ambiental; Para

continuarmos o estudo nos capítulos seguintes do fenômeno Dano Ambiental e

também os aspectos jurídico-ambientais do Programa Rodoanel Mario Covas.

2.2 CONCEITO E ASPECTOS GERAIS DO MEIO AMBIENTE

O conceito de meio ambiente é difícil de se alcançar com clareza, visto

que a expressão encerra vários sentidos, quer isoladamente cada um de seus

termos ou conjuntamente analisados. A amplitude do termo transcende a

qualquer sentido que se queira dar, devido à complexidade que existe no seu

limiar.

Para conceituar o termo Meio Ambiente é necessário, antes de tudo,

buscar um método para compreender o objeto a ser demonstrado. Assim,

“definir é explicar o sentido de um vocábulo ou a natureza de uma coisa, ou

ainda, é operação que analisa a compreensão de um conceito”.15

A palavra ambiente indica a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em

que vivemos. Em certo sentido, portanto, nela já se contém o sentido da palavra

meio.16

A doutrina corrente afirma que juridicamente a expressão meio ambiente

é utilizada em dois sentidos: acepção estrita e acepção ampla.

Na acepção estrita, meio ambiente significa patrimônio natural excluindo

se os elementos artificiais e culturais. Todavia, na acepção ampla, o termo meio

ambiente foge do limite tradicionalista imposto à expressão.

15 SIQUEIRA JR. Paulo Hamilton. Lições de introdução ao direito. 2001. 16 SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 2003. p.19

Em sentido amplo o meio ambiente engloba os elementos abióticos (físico

e químico) e bióticos (flora e fauna). Assim, não apenas estão contidos no termo

os elementos naturais, mas também os elementos artificiais (construções,

edificações, espaços urbanos). Surgi, neste momento, uma nova corrente que

sustenta que os ecossistemas podem ser naturais ou sociais.

O conceito encontrado na obra do professor José Afonso da Silva está

claramente inclinado à utilização do sentido amplo do termo, como se observa

em sua definição: “o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

equilibrado da vida em todas as suas formas”.17

O Meio Ambiente é o conjunto de todos os elementos que nos cercam,

compreendendo os elementos materiais e imateriais assim considerados em si

mesmos. Como elementos materiais é possível citar os rios, lagos, floresta, ou

seja, a fauna e a flora. Como elementos imateriais cite-se a saúde mental, o ar,

aspectos culturais, entre outros.

A Lei 6.938/81 trouxe para o ordenamento jurídico a definição legal de

meio ambiente no seu artigo 3º, sendo “meio ambiente, o conjunto de condições,

leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,

abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

17 SILVA, José Afonso. Op. cit. p.20.

O professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo classifica o estudo do meio

ambiente em quatro grupos. Meio ambiente natural que compreende o solo, o ar,

a água, etc; Meio ambiente artificial que compreende o espaço urbano

construído, consistente no conjunto de edificações; Meio ambiente do Trabalho

como sendo o local onde as pessoas despenham suas atividades laborais; e meio

ambiente cultural.18

Outro conceito de meio ambiente que devemos apontar foi elaborado pelo

professor Édis Milaré e incluiu o princípio da sustentabilidade em sua definição,

trazendo para a doutrina um conceito mais moderno, mais próximo de nossos

dias. O princípio da sustentabilidade objetiva conciliar o desenvolvimento, a

proteção do meio ambiente e a qualidade de vida. Neste contexto o meio

ambiente é o “complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das

atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do

ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as

presentes e futuras gerações” [grifo nosso].19

2.3 DIVISÃO DOUTRINÁRIA DOS RECURSOS AMBIENTAIS

A doutrina clássica divide o meio ambiente lato sensu em quatro grandes

grupos: meio ambiente natural, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial

18 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 2004. 19 MILARÉ. Édis. Direito do Ambiente. 2004. p.134.

e meio ambiente do trabalho. Diferentemente da classificação do professor Édis

Milaré que divide o meio ambiente em três grandes grupos conforme sua

destinação para fruição social: ambiente natural, ambiente cultural e ambiente

artificial.

Estudaremos o meio ambiente segundo a poli classificação adotada pela

doutrina do professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo, que, a nosso ver, é a mais

correta pela previsão constitucional a cerca da existência e proteção ao meio

ambiente do trabalho.

A maior obra de engenharia que conhecemos não é feita de concreto, aço

ou mesmo de estruturas planejadas pelo homem; Logo, consideramos como a

maior obra de engenharia o meio ambiente natural, a qual não foi realizada pela

mão de homens, mas pelo capricho incansável da natureza que cria, recria,

modifica e transforma cada átomo em algo novo, diferente, com complexas

estruturas que podem abrigar milhares de ecossistemas em um espaço pequeno

que, para leigos, nada ou quase nada representa.

Nosso planeta, como conhecemos hoje, é resultado de milhões de anos de

trabalho da natureza, que, através de seus elementos básicos, oferece suporte

para a existência da vida, pela composição do meio ambiente: ar, água, solo,

fauna e flora.

A existência da humanidade prescinde da manutenção do meio ambiente

natural, daí a necessidade de uma legislação séria e um trabalho intenso de

proteção ao meio ambiente.

A história do homem mostra que os indivíduos foram gradativamente

modificando seus hábitos de alimentação e convivência, agregando-se de forma

uníssona, tornando a espécie mais forte.

No início da história da humanidade, o principal objetivo era a satisfação

da necessidade de alimentação, o que fazia nossos ancestrais migrarem

constantemente de um local para outro, cada vez que a caça, a pesca e frutos se

esgotavam em determinada região, sempre em uma busca incessante pelo

sustentáculo da vida, o alimento.

A história da evolução mostra que, em um determinado momento do

passado, o homem passou a plantar seu próprio alimento, o que levou o homem

a se fixar em um determinado local, vivendo a partir de então de seu próprio

labor. Para que isso fosse possível, o homem passou a modificar o lugar onde

vivia. A transformação que inicialmente era tímida, limitando se a derrubar

pequenas extensões da mata para plantar, passou com o tempo a ser mais

expressiva, pois o grupo aumentava em número rapidamente.

Com o passar do tempo, foram criadas regras que tornaram possível a

convivência em grupos. Proporcionalmente ao número de habitantes foi também

crescendo a complexidade desses agrupamentos até chegarmos ao que hoje

conhecemos por cidades.

Desta forma, podemos observar como durante a evolução da humanidade

o meio ambiente natural veio sendo substituído gradativamente, dando espaço

ao o meio ambiente artificial. As cidades que hoje conhecemos são resultado

desta evolução.

O meio ambiente artificial é o resultado das modificações e

transformações realizadas pelo homem no meio ambiente natural para o

desenvolvimento e sobrevivência da espécie, objetivando a satisfação das

necessidades básicas como: moradia, trabalho e convivência social.

Para fins de estudo, as cidades são divididas em dois tipos de espaços

urbanos, assim denominados: urbano fechado, no qual encontramos as

edificações; e espaço urbano aberto, no qual encontramos as praças, espaços

verdes, etc.

O meio ambiente artificial é protegido por meio de políticas urbanas que

objetivam a salvaguarda da sadia qualidade de vida, além de visar padrões

sanitários mínimos.

A preocupação do Estado pátrio com o meio ambiente artificial se traduz

pela expressiva previsão constitucional no artigo 18220, que torna a entidade

20 Constituição Federal de 1988, art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

municipal responsável pelo desenvolvimento de políticas para o

desenvolvimento urbano, nos termos previstos em lei.

A Lei 10.257 de 2001 criou o Estatuto da Cidade, que instituiu a Política

Nacional Urbana e trouxe, para o ordenamento jurídico, diversos institutos

novos para a proteção e melhor utilização dos espaços urbanos. Algumas dessas

novidades são a criação do EIV - Estudo de Impacto de Vizinhança, a usucapião

especial para imóvel urbano, à possibilidade de implantação do IPTU

progressivo.

O meio ambiente cultural está previsto na Carta Constitucional de 1988,

onde mostra claramente a preocupação do legislador constituinte em preservar a

cultura brasileira, trazendo assim o próprio texto da lei a definição de meio

ambiente cultural, como segue no artigo 216 da Constituição Federal:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e

imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira, nos quais se incluem I - as formas de expressão; II - os modos de

criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as

obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às

manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor

histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e

científico”.

O meio ambiente do trabalho está relacionado ao local onde as pessoas

exercem seu trabalho. O Direito Ambiental não cuida das relações trabalhistas,

pois estas são de competência da Justiça do Trabalho, o que importa para o

Direito Ambiental são as condições físico-psíquicas em que os trabalhadores são

submetidos, que podem comprometer a incolumidade física e a qualidade de

vida dos trabalhadores.

A previsão constitucional do ambiente do trabalho encontra-se no art. 200,

VIII, que tutela o meio ambiente do trabalho.21

“A proteção do direito do trabalho é distinta da assegurada ao meio

ambiente do trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a

segurança do trabalhador no ambiente onde desenvolve suas atividades. O

direito do trabalho, por sua vez, é o conjunto de normas jurídicas que

disciplinam as relações jurídicas entre os empregados e empregador”.22

2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL EM DIREITO AMBIENTAL

O Direito Ambiental possui três esferas básicas de atuação: preventiva,

reparatória e repressiva. O capítulo deste trabalho sobre responsabilidade civil

por danos ambientais aborda o caráter preventivo e reparatório do dano

21 Constituição Federal de 1988, art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. 22 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. cit. p.23.

ambiental.

O avanço, da tecnologia e das comunidades de consumo, faz aumentar

cada dia a necessidade de utilização dos recursos naturais, para fazer frente às

necessidades da população, que cresce em ritmo acelerado. Nasce a sociedade

de risco que prescinde de um novo Direito que faça frente ao avanço na

utilização desenfreada dos recursos naturais.

Reparar o dano tem o significado de tornar ao status quo ante, ou seja,

deve-se buscar o retorno à situação que existia antes da ocorrência do evento

prejudicial, independentemente do tamanho do prejuízo sofrido pela vítima.

Contudo, em determinados casos é impossível desfazer todos os efeitos

provocados pela ocorrência do evento dano. Nessas hipóteses deverá ser

mensurado um valor a título de indenização.

O mesmo ocorre em Direito Ambiental, sendo, por diversas vezes,

impossível reparar o dano sofrido pelo meio ambiente. Em observância ao

caráter difuso dos bens ambientais e diante da impossibilidade de reparação, é

que o Direito Ambiental assume o caráter preventivo sancionador, evitando que

coletividade tenha um prejuízo que interfira na sadia qualidade de vida do povo

de forma negativa.

A fundamentação da responsabilidade civil do agente que degrada o meio

ambiente esta positivada na Carta Magna com a seguinte redação: “as condutas e

atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,

pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. 23

O artigo 14, §1º da lei 6.938 de 1.981 não foi revogado pela Constituição

Federal de 1988, ele foi recepcionado. O referido parágrafo tem a seguinte

redação: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o

poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou

reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua

atividade”.

A responsabilidade civil pode ser contratual, extracontratual, derivada de

ato ilícito ou mesmo de ato lícito (responsabilidade pelo risco), como ocorrem

em Direito Ambiental.

2.5 NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL EM DIREITO

AMBIENTAL

O Direito Ambiental é regido pelo sistema da responsabilidade objetiva,

fundado no risco inerente á atividade, que prescinde por completo da

culpabilidade do agente; nesse campo, para tornar efetiva a responsabilização,

exige-se a ocorrência do dano e a prova do vínculo causal com o

23 Constituição Federal de 1988, art. 225, § 3º.

desenvolvimento ou mesmo a mera existência de uma determinada atividade

humana.24

Com a adoção pelo sistema jurídico brasileiro da teoria objetiva para

estabelecer a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente é

possível inverter o ônus da prova para determinar o nexo de causalidade entre o

evento danoso e a conduta do agente agressor do meio ambiente, nesta hipótese

o ônus da prova é reduzido. A prova da culpa vem sendo cada vez menos

exigida em conseqüência da industrialização.

A responsabilidade objetiva por dano ambiental exige a ocorrência do

dano e o nexo de causalidade para a configuração da responsabilidade civil,

assim, não é necessário que seja provado que o agente agiu com culpa “lato

sensu” para que fique caracterizada sua responsabilidade. A responsabilidade

civil fora da esfera de atuação do Direito Ambiental, quando fundada na culpa,

exige a presença da tricotomia nexo causal, dano e culpa do agente.

A agressão ao meio ambiente ocorre quando transpassamos os limite da

licitude pelo abuso ao meio. O conjunto de atos lícitos quando agrupados cria

um fenômeno global de degradação ambiental, que fundamenta a utilização da

teoria objetiva em Direito Ambiental.

O trespasse da teoria subjetiva para a adoção da teoria objetiva do risco

24 MILARE, Édis. Op. cit. 2004. Pág. 752.

integral ocorreu com o novo tratamento dado à matéria pela edição da Lei

6.938/81, que, em seu artigo 14, inseriu a teoria objetiva aplicável aos danos

ambientais, a qual foi consolidada pela Constituição Federal de 1988.

Como apontamos anteriormente, a teoria objetiva pode ser classificada em

três espécies distintas: teoria do risco proveito, teoria do risco criado ou do risco

integral.

Quanto à aplicação da aplicação da excludente do caso fortuito e da força

maior na matéria de dano ambiental, encontramos na doutrina três posições que

apontaremos de maneira clara e objetiva.

Para os doutrinadores adeptos da teoria do risco criado, a relação de causa

e efeito é prejudicada na eventualidade da existência de força maior. A causa do

dano seria outra que não a atividade do agente.

A teoria do risco integral não possibilita a apreciação das excludentes

citadas, visto que a existência da atividade é uma das elementares do evento. O

afastamento da culpa, que neste caso, mostra-se irrelevante.

Uma terceira posição mais cautelosa admite como excludente da

responsabilidade civil em danos ao meio ambiente a força maior e o fato de

terceiro. Esta doutrina baseia-se na existência de fatos externos, imprevisíveis e

irresistíveis, nada tendo a ver com os riscos intrínsecos ao estabelecimento ou

atividade, desde que não se trate de empresa exploradora atividade de risco.25

Não devem ser admitidas excludentes da responsabilidade civil em

matéria ambiental, restando ao empreendedor, como defesa, apenas demonstrar

que: a)o risco não foi criado; b) o dano não existiu; c) o dano não guarda relação

de causalidade com aquele que criou o risco.26

Tem como objetivo a teoria do riso integral, quando aplicada à

responsabilidade por danos ambientais, criar uma ampla rede que possa segurar

em suas malhas os responsáveis pelos danos, seja pela ação ou omissão

cometida.

Em matéria de reparação de danos ambientais é a adotada a teoria do risco

integral. A tendência da doutrina é não aceitar as clássicas excludentes da

responsabilidade.

Um dos instrumentos de Política Nacional do Meio Ambiente é a

elaboração de Estudo de Impacto Ambiental, que é exigido para o licenciamento

de obras e instalações potencialmente causadoras de danos ao meio ambiente. O

Estudo Prévio de Impacto Ambiental está previsto na Constituição Federal de

1988 no artigo 225, IV.

A aprovação pelo IBAMA e pelo órgão Estadual do Estudo Prévio de

25 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. p.99 26 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Op. cit. p.103

Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental não isenta o causador

da responsabilidade civil pelo dano causado ao meio ambiente e ao terceiro.

2.6 INAPLICABILIDADE DA TEORIA SUBJETIVA EM DIREITO

AMBIENTAL

A complexidade da responsabilização do agente pelos danos causados ao

meio ambiente, como já dissemos, é muito grande. Mostraremos agora neste

estudo alguns dos elementos que tornam difícil a aplicação em Direito

Ambiental da teoria clássica de responsabilidade pelos danos, a teoria subjetiva.

O primeiro elemento encontra-se na natureza difusa do bem ambiental. O

bem difuso não possui um proprietário único, mesmo quando este bem encontra

se sob a tutela de um particular ou do Estado, em geral, existe uma pluralidade

de vítimas do dano ambiental, todavia, a doutrina clássica adota como sujeito

passivo do dano apenas um sujeito, ou seja, é composição do dano

individualmente sofrido.

O segundo elemento é a prova do culpa do agente poluidor. A prova da

culpa torna-se ainda mais complexa em Direito Ambiental do que comumente

ocorre na composição de danos no âmbito civil comum.

Nosso sistema jurídico de indenização entende ser irrelevante a

qualificação da causa para a verificação do dever de indenizar. Quer se trate de

causa principal ou secundária, o concausa subsiste aquele dever, posto que isto

não constitui motivo da exoneração da responsabilidade civil.27

Daí a necessidade da mitigação da comprovação do nexo de causalidade

entre o dano e o agente agressor do meio ambiente. Em algumas hipóteses ainda

temos o acobertamento da responsabilidade do agente pelas licenças e

autorizações concedidas pelo Poder Público, que algumas empresas tomam

como presunção de isenção de culpa em caso de danos ambientais.

O fenômeno da poluição é complexo e difuso, fazendo com que, às vezes

seja difícil precisar a conduta do poluente, bem como a individualização dos

sujeitos imputáveis e a prova do nexo de causalidade.28

O terceiro elemento abordado são as clássicas excludentes da

responsabilização, como por exemplo caso fortuito, força maior, culpa da vítima

e cláusula de não-indenizar.

É com base nesses elementos acima descritos que são criados empecilhos

a reparação do dano que o Direito Ambiental; deve se propiciar que os três

objetivos da lei ambiental sejam alcançados, quais sejam: a prevenção, a

reparação e repressão.

27 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e a responsabilidade civil por dano ambiental. In: JUSTITIA. Jan./Mar./1993.v.161 p.61-74 28 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e a responsabilidade civil por dano ambiental. Em: JUSTITIA. Jan./Mar./1993.v.161 p.61-74. Mirabelli de Lauro, “Imission”, cit. nº25, p.407.

Encontramos associados à responsabilidade civil em danos ambientais três

princípios básicos: prevenção, poluidor-pagador e reparação integral.

Parece óbvio, mas nunca é demais frisar que a reparação e repressão

ambientais representam atividade menos valiosa do que a prevenção. Sim,

porque os objetivos do Direito Ambiental são fundamentalmente preventivos. 29

A responsabilidade civil por danos ambientais possui dois pressupostos

para sua caracterização: evento danoso e nexo de causalidade. A culpa, em

sentido lato, não é um pressuposto da Responsabilidade Civil por danos

ambientais como ocorre na teoria clássica do Direito Civil.

2.7 CONSEQÜÊNCIAS DA ADOÇÃO DA TEORIA OBJETIVA EM

DIREITO AMBIENTAL

Segundo a doutrina, três são as conseqüências da adoção da teoria da

responsabilidade objetiva para que o agente poluidor responda pelas agressões

praticadas contra o meio ambiente, são elas: prescindibilidade de investigação

de culpa; irrelevância da licitude da atividade; e inaplicabilidade das excludentes

e da cláusula de não indenizar.

A primeira conseqüência da adoção da teoria objetiva é afastar a discussão

29 Apud. MATEO, Ramón Martin. In: MILARE, Édis. Op. cit. 2004. p.755.

sobre a culpa ou não do agente pelos danos causados. O fato de a lei determinar

que o dano deve ser indenizado independentemente de culpa, dá espaço ao

aplicador da lei para que possa atuar de maneira mais eficiente, pois, devido à

multiplicidade de vítimas, é quase sempre difícil determinar a culpa do agente

degradador do meio ambiente.

A segunda conseqüência é a irrelevância da licitude da atividade. Na

responsabilidade objetiva a atividade desempenhada pelo poluidor é irrelevante,

bastando que haja lesividade para o ambiente para que fique caracterizada a

responsabilização do poluidor.

Alguns agentes causadores de danos utilizam-se de autorizações ou

licenças para praticar suas atividade de forma agressiva ao meio ambiente.

Todavia, essas licenças ou autorizações não são atestados de “faça o que quiser”

ou “polua o quanto puder”, os padrões de emissão traçados pelos órgãos

públicos servem de referência para que as licenças possam ser concedidas; o que

não pode levar a ausência de indenização.

Nessa linha de raciocínio é o ensinamento doutrinário: “não se discute,

necessariamente, a legalidade da atividade. É a potencialidade de dano que a

atividade possa trazer aos bens ambientais, que será objeto de consideração. As

normas administrativas existentes nada mais significam do que um teto, uma

fronteira, além da qual não é lícito passar”.30

O terceiro conjunto de conseqüências apontadas pela doutrina é a

inaplicabilidade de excludente da responsabilidade e da cláusula de não-

indenizar. São excludentes da aplicabilidade da responsabilidade por danos, na

teoria clássica do direto civil, o caso fortuito e força maior.

No Direito Ambiental quando relacionamos o evento danoso à

responsabilidade de indenizar não aplicamos as excludentes da responsabilidade

da teoria clássica, caso fortuito e força maior.

A teoria do risco integral trás como solução ao nosso ordenamento

jurídico a obrigação de reparar o dano, independentemente de ter o agente culpa

ou não dos danos causados, pois este assumiu o risco ao iniciar sua atividade, e

terá que assumir o ônus de seu prejuízo.

O professor José Afonso da Silva31 sita a opinião do professor Sérgio

Ferraz, que indica as cinco conseqüências da adoção da responsabilidade

objetiva nesse campo: a) irrelevância da intenção danosa (basta um simples

prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo, o importante é que, no

nexo de causalidade, alguém tenha participado, e, tendo participado, de alguma

sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva; c) inversão ao

do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo

30 MILARE, Édis. Op. cit. p.762. 31 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 313

do nexo casual – basta que potencialmente a atividade do agente possa acarretar

prejuízo ecológico para que se inverta imediatamente o ônus da prova, para que

imediatamente se produza a presunção da responsabilidade, reservando, portanto

para o eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação.

A cláusula de não-indenizar é um instituto de Direito Civil que não

encontra aplicabilidade em Direito Ambiental. Em Direito Civil esta cláusula

tem como objetivo desvincular um dos contratantes da responsabilidade que

possa vir a ocorrer diante de um fenômeno que tenha como conseqüência um

dano.

As leis ambientais não têm esse caráter contratualista em que possa o

agente causador dos danos se eximir das responsabilidades pelos danos

ocasionados por sua atividade.

A responsabilidade do causador da degradação ambiental é integral,

devendo o causador do dano ser responsabilizado pelos efeitos do ato praticado.

Isto dificulta a criação de um seguro-poluição, haja vista que os prejuízos podem

ser maiores do que o valor contratado para tal seguro.

Existe grande dificuldade em determinar quem foi o causador do dano,

pois os efeitos em geral são difusos, o que torna necessário a diminuição do

ônus da prova do nexo de causa.

Assim, chegamos à conclusão que o agente que inicia uma atividade

assumi os riscos a ela inerentes criando para si o dever objetivo de reparar os

danos decorrentes de sua atividade, mesmo que ocasionados por caso fortuito ou

força maior.

Nesse sentido o agente somente estará livre da responsabilidade quando o

dano não ocorrer ou não existir nexo de causalidade entre a atividade exercida e

a degradação ocorrida no meio ambiente.

2.8 DETERMINAÇÃO DO RESPONSÁVEL

Os danos sujeitam a responsabilidade civil não apenas as pessoas físicas,

mas também às pessoas jurídicas, conforme se depreende do artigo 225 § 3º da

Constituição Federal: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Por vezes é difícil determinar quem é o sujeito causador do dano devido a

grande quantidade de emissores de poluição atuando em conjunto. Quando

existe apenas um emissor de poluente torna-se mais tranqüila a identificação e

responsabilização do degradador.

A responsabilidade pela reparação dos danos ambientais é solidária

quando houver multiplicidade de responsáveis, devendo ser o dano reparado por

um ou por todos ao mesmo tempo. Quando a culpa é por omissão torna-se ainda

mais difícil sua apuração.

A atividade exercida mediante licença dos órgãos que cuidam do meio

ambiente não exime o poluidor da responsabilidade pelos danos causados, ou

seja, a licitude de uma atividade não pode configurar um óbice à proteção do

meio ambiente.

A responsabilidade objetiva é fundamentada na doutrina da normalidade

da causa e anormalidade do resultado. Não pode o agente valer-se da licença

concedida mediante preenchimento de requisitos legais para causar danos ao

ambiente, justificando sua conduta na obtenção da autorização para o exercício

da atividade produtiva.

A legislação ambiental brasileira, ao adotar a teoria da responsabilidade

objetiva, mostrou-se mais avançada em relação a muitos países do continente

Europeu. Muitos desses países ainda adotam a teoria subjetiva que é baseada na

culpa do agente para sua responsabilização.

Segundo a teoria do risco integral, qualquer fato, culposo ou não-culposo,

impõe ao agente a reparação, desde que cause um dano.32

O Estado como pessoa jurídica de direito público interno também pode

figurar como sujeito passivo nas ações de responsabilidade civil por danos

32 MILARE, Édis. Op. cit. 2004. p. 754.

ambientais, pois é dever do Estado fiscalizar e impedir que os danos ocorram.

Isto decorre da prerrogativa Constitucional que impõe ao Poder Público o dever

de zelar pelo meio ambiente.33

O Estado, quando responsabilizado pelos danos ambientais decorridos de

sua ineficiência em preservar e fiscalizar o meio ambiente, guarda direito de

regresso contra os causadores do dano, ainda que estes tenham licença ambiental

para exercer suas atividades. Afinal, não pode a sociedade ser penalizada pelos

danos sofridos pelo ambiente, arcando com os custos da reparação ao passo que

o empreendedor fique com o lucro. Seria dar um aval à socialização do prejuízo

da atividade.

2.9 TIPOS DE REPARAÇÃO

Uma vez que tenha sido ocasionado o evento danoso urge sua reparação

para que o bem de uso comum do povo volte ao status quo ante e possa

regularmente ser utilizado. Em matéria ambiental, como um todo, por vezes é

impossível reparar o dano causado, em virtude das características do bem

destruído.

A legislação Pátria estabelece duas formas de reparação do dano, quais

sejam: recuperação dos danos causados com retorno ao statos quo ante; e

33 Constituição Federal de 1988, art. 225, caput.

indenização em dinheiro ou in specie.

A primeira é a forma direita e primordial de evitar ou reverter os efeitos

ocasionados pela degradação ambiental, e a segunda é uma forma indireta que

poderá ser determinada cumulativamente em razão da impossibilidade de

reparação in natura.

Porém, não é dado ao agressor escolher de que forma irá agir para

desfazer o dano, assim está descrito na Lei 6.938 de 1981 em seu art. 4º, VI, que

estabelece que o dano será reparado preferencialmente pela reparação in

natura.34 O eventus danmini poderá ser reparado em dinheiro quando não

possível tornar a coisa ao que era anteriormente, devendo ser calculado o valor a

ser indenizado.

Note-se, tem maior valor um prédio construído por um escultor barroco,

que trás em si a valiosos traços da cultura de nosso povo do que a pecúnia

necessária para construir um imóvel de mesmo tamanho, mas sem as

características intrínsecas do primeiro.

O dano ambiental é de ordem pública indisponível, logo é insuscetível de

prescrição. Não pode o jurista querer o comparar este direito, que é difuso, com

o direito de propriedade ou qualquer outro, direito legítimo.

34 Lei de Política Nacional de Meio Ambiente – Lei 6.938 de 31/08/1981, art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas á sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;

A prescrição é um instituto criado para apenar o titular do direito pela sua

inércia, em relação ao não exercício desse direito. Como os direitos difusos não

têm titular determinável, não seria correto transportar se para o sistema de

indenização dos danos causados ao meio ambiente o sistema individualista do

Código Civil, apenado, dessa forma, toda sociedade, que, em ultima ratio, é

titular ao do meio ambiente sadio.35

Em alguns casos o evento danoso se protrai no tempo, sua ocorrência é

continuada. Então como podemos determinar o dia que começa a correr a

prescrição? Este é um dos argumentos que justificam, junto com outros, a não

aplicação da prescrição na responsabilidade por danos ao meio ambiente.

Outro fator importante que deve ser ressaltado é o fato dos direitos difusos

não terem determinação do agente; todos são responsáveis pela proteção do

meio ambiente, assim como, a coletividade indeterminada de sujeitos é titular do

pólo passivo da relação do dano ambiental. Com isso, não pode a sociedade

sofrer a punição pela inércia em promover a competente ação judicial.

35 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Op. cit. p.70.

III - DANO AMBIENTAL

3.1 CONCEITO DE DANO

Dano é a conseqüência de uma prática desprovida de critérios regulares

que resulta em uma situação deserta de cuidados e preservação, todavia

amplamente agride a coisa ou objeto em sua natureza, causado-lhe prejuízo que

será despendido em um gravame destinado à terceiro, logo, o prejuízo poderá ser

de difícil ressarcimento ou até mesmo irreparável do ponto de vista material.

O professor Paulo de Bessa Antunes com grande propriedade nos oferece

um conceito de dano, o qual analisaremos na seqüência: “Dano é o prejuízo

causado a alguém por um terceiro que se vê obrigado ao ressarcimento”.36

O conceito de dano pressupõe a existência de três elementos formadores:

terceira pessoa, alteração da situação jurídica, prejuízo.

Analisaremos em primeiro lugar o elemento “terceira pessoa”, ou seja,

aquele que recebe a conduta. Um fato que ocorra naturalmente ou por

intermédio da ação humana pressupõe a existência de um agente receptor da

ação, alheio a prática da conduta. Não se considera dano o fato praticado contra

si mesmo, pois, nesta situação não haveria obrigação de reparação, o que seria

36 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit. 2002. p.199.

contrário ao conceito de dano.

Demonstraremos o conceito através da visualização deste elemento

amparado pela seguinte situação: um motorista ao sair com seu veículo da

garagem arranca o espelho retrovisor de seu próprio veículo. Não existirá o dano

a ser reparado, pois o agente agressor e agredido concentram se na mesma

unidade, ou seja, estão na figura do motorista.

O segundo elemento do conceito de dano é a modificação de uma situação

jurídica moral ou materialmente; Este diz respeito à valoração dos efeitos

ocorridos em atos concretos pela conseqüência do fenômeno humano ou

material. No exemplo acima caso o motorista ao sair da garagem abalroasse um

outro veículo, que não de sua propriedade, estaria configurada a alteração da

situação jurídica, criando um vínculo entre os proprietários envolvidos. Para um

surge o direito de ressarcimento do prejuízo, e para o outro a obrigação de

indenizar. Houve a modificação de uma situação jurídica moral e materialmente.

O terceiro elemento é o prejuízo sofrido por terceiro. Neste caso, não

basta que ocorra a alteração de uma situação jurídica para caracterizar o dano,

será necessário que haja prejuízo, e que este possa ser quantificado.

Imaginemos duas situações diversas com escopo de tornar clara a

configuração do dano. Na primeira, um ciclista está guiando sua bicicleta na via

pública e distraidamente atravessa uma avenida obrigando um motorista a

desviar seu caminho em alguns metros, causando um pequeno atraso em sua

rotina. Temos neste exemplo a presença de dois elementos do conceito de dano

(terceira pessoa e modificação jurídica ou material), mas não é possível

quantificar o prejuízo do motorista que foi obrigado a parar seu carro ou

interromper sua trajetória.

Em um segundo momento, o mesmo ciclista descuidado não consegue

parar bicicleta e atinge um veículo parado, neste caso teremos a ocorrência de

um dano indenizável.

Nesse sentido, encontramos importante lição do professor Silvio de Salvo

Venosa: “a materialização do dano ocorre com a definição do real prejuízo

suportado pela vítima”.37

Em Direito Civil, para que um dano seja passível de ressarcimento,

deverão ser preenchidos os requisitos: certeza, atualidade e subsistência.

3.2 DANO AMBIENTAL

Após ter conceituado e analisado o conceito de dano, vamos compor o

conceito de dano ambiental a partir do conceito legal de meio ambiente, que foi

analisado no capítulo II deste trabalho. Entende-se por meio ambiente, “o

37 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p.34.

conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e

biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.38

A noção de dano ambiental está intimamente ligada ao conceito de bem

ambiental, que por sua vez é definido e amparado pela Constituição Federal

como bem de uso comum do povo. O dano ambiental leva em conta o dano real

ou potencial causado a coletividade, que é titular dos bens difusos, ou bens de

uso comum do povo.

Para o professor Édis Milaré, dano ambiental é “a lesão aos recursos

ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do

equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.39

O dano ambiental apresenta-se como um fenômeno físico-material e

também pode integrar um fato jurídico qualificado por uma norma e sua

inobservância e somente pode cogitar-se de um dano se a conduta for

considerada injurídica no respectivo ordenamento legal. 40

O interesse da sociedade é fundamentado na preservação e manutenção da

sadia qualidade de vida. O direito individual sofre uma restrição quando houver

potencialidade para a ocorrência de um dano. A propriedade deve ser utilizada

cumprindo sua função social, neste prisma, podemos afirmar que o agente que

esteja causando danos reais ou possa vir a causá-los não está cumprindo com a 38 Lei 6.938 de 1981, art. 3º, I. 39 MILARÉ. Édis. Op. cit. 2004. p.665. 40 KRELL, Andréas Joachim. Responsabilidade civil por danos ambientais. 2001.

função social de sua propriedade, o que legitima o interesse da coletividade na

restrição do uso da propriedade.

Dano ambiental é o decréscimo valorativo causado a um bem ou conjunto

de bens de uso comum do povo, imprescindíveis a sadia qualidade de vida,

modificando, alterando ou destruindo as características essenciais dos elementos

ambientais, inclusive colocando em risco a existência do próprio homem.

O dever de proteger o meio ambiente é de todos. O bem ambiental é de

uso comum do povo, razão pela qual, todos devem protegê-lo; Logo, os bens

que integram o meio ambiente poderão estar sob domínio público ou domínio

privado.

Entendemos que bens de domínio público são aqueles que formam o

conjunto de bens que estão sob a tutela estatal direta, v.g. os parques, os rios, as

praças públicas etc; Todavia, bens de domínio particular são aqueles que

integram o meio ambiente, mas estão sob a guarda de particulares, os quais

detêm a propriedade, v.g. reservas florestais particulares, casas tombadas,

quadros e outros objetos móveis ou imóveis que estejam na esfera de particular.

3.3 DANOS REAIS E DANOS POTENCIAIS

Os danos podem assumir duas formas: danos ambientais reais e danos

ambientais potenciais. Dano ambiental real é o fato já consumado que tenha

provocado a modificação, alteração ou destruição do meio ambiente.

O dano potencial é aquele que ainda não ocorreu, mas que existe uma

projeção futura quanto aos efeitos prejudiciais conseqüentes da sua ocorrência.

Exemplificamos da seguinte maneira, uma usina termoelétrica, enquanto ainda

em projeto e construção, é objeto de Estudo de Impacto Ambiental restando

demonstrado que sua instalação causará danos irreparáveis à biodiversidade da

região onde está sendo construída. Esses danos futuros são chamados danos

potenciais. Após a construção da termoelétrica os danos ambientais causados

por sua instalação configuram danos reais.

Os danos ambientais não precisão ser reais para constituírem objeto da

tutela do Estado. O princípio da cautela em Direito Ambiental visa coibir a

ocorrência de um dano em potencial, pois, em muitos casos, sua ocorrência

torna-se irreparável ou de difícil reparação. O dano ambiental potencial é

coibido e resguardado por meio da legislação preventiva.

Em Direito Civil o dano deve ser atual, ou seja, o nexo é comprovado

após a ocorrência do dano, é neste momento que surge o direito de indenização.

É com base no princípio da cautela que procura se evitar o dano em potencial,

diminuindo a necessidade de comprovação do nexo, tornando se descabido o

elemento da atualidade para comprovar o dano ambiental em potencial.

Entendemos que o Direito Ambiental tem características preventivas. A

tutela de proteção do meio ambiente objetiva preservação. Todavia, a postura

dos Tribunais em danos ambientais é tendente à indenização do dano real e não

pela adoção da indenização do dano potencial.

Diante da posição adotada por nossos Tribunais, é mister esclarecer quais

as conseqüências da adoção do dano ambiental real em detrimento do não

acolhimento do dano ambiental potencial.

Enfraquecer a responsabilidade objetiva do poluidor é uma das primeiras

conseqüências que podemos observar; é trágico o retorno a um momento

histórico, já superado, em que os causadores dos danos somente eram

responsabilizados diante da efetivação dos danos. Com isso, descartaremos o

princípio da cautela em Direito Ambiental para propiciar, aos grandes

conglomerados, a possibilidade de exercerem qualquer atividade, mesmo que

lesiva ao meio ambiente, desta forma retroagimos de maneira expressamente

prejudicial, afetando o meio íntegro e necessário que nos é ofertado e

disponibilizado gratuitamente pelo meio ambiente.

Uma segunda conseqüência da adoção do dano real, como regra geral, põe

em xeque a função preventiva do Direito Ambiental. Os danos poderiam ser

evitados ou minimizados, mas acabarão ocorrendo de forma indiscriminada,

pois somente quando os danos se concretizarem e tornarem-se irreversíveis

causando um desequilíbrio do meio ambiente é que será aplicada a

responsabilização.

Adotando se a teoria do dano real, abre-se um precedente jurídico para

que as empresas criem empecilhos à suspensão ou interrupção das atividades

quando se verificar a potencialidade lesiva ao meio ambiente pela continuidade

da atividade empresarial, conforme encontramos na doutrina. A pura ou simples

existência do risco não é suficiente para autorizar a suspensão ou interrupção das

atividades. A visão atual dos Tribunais é de que os danos devem ser atuais e

concretos.

“Concretamente, o Poder Judiciário está abdicando de sua função cautelar

em favor de uma atividade puramente representativa que, em Direito Ambiental,

é de eficácia discutível”.41

3.4 ESPÉCIES DE DANOS AMBIENTAIS

Podemos classificar os danos ambientais em três modalidades: a)

destruição ou deterioração de fatores físico-naturais de uma espécie, por meio de

processo mecânicos utilizados para substituir condições naturais, como

depressão de vegetação, invasão do solo, destruição do habitat natural de

determinadas espécies; b) degradação ou contaminação dos elementos

41 Antunes, Paulo de Bessa. Op.cit. p.203.

biológicos de ecossistemas naturais, pela introdução de substancias tóxicas ou

materiais sintéticos resultantes de processos industriais. É o que se denomina

poluição ou contaminação; c) degradação do espaço social, urbano e rural, pela

acumulação de lixo e dejetos não biodegradáveis; pela produção descontrolada

de ruídos e vibrações que, por sua intensidade, alteram o ritmo normal da vida

social.

A própria legislação ambiental, que visa à proteção do bem, dita os

conceitos de poluição e degradação como danos ambientais. Assim, degradação

da qualidade ambiental é a alteração adversa das características do meio

ambiente e poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de

atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o

bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e

econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições

estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em

desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; 42

Os danos ambientais podem tomar a forma material ou moral. Esses

danos, ocasionados pela conduta humana, atingem diretamente os bens

ambientais, todavia, o terceiro pode ser vítima dos danos ambientais de forma

indireta, sobre a saúde, patrimônio ou interesses.

Danos ambientais coletivos “dizem respeito aos sinistros causados ao 42 Lei 6.938 de 1981, art. 3º, I e III, alíneas.

meio ambiente lato sensu, repercutindo em interesses difusos, pois lesam

diretamente uma coletividade indeterminada ou indeterminável de titulares. Os

direitos decorrentes dessas agressões caracterizam-se pela inexistência de uma

relação jurídica base, no aspecto subjetivo e pela indivisibilidade (ao contrário

dos danos ambientais pessoais) do bem jurídico, diante do aspecto objetivo”.43

Dano ambiental individual é o dano reflexo que sofre um indivíduo ou um

grupo de indivíduos determinados em virtude de um dano ambiental coletivo. O

indivíduo que sofreu o dano reflexo deve socorre-se do Direito Civil

individualmente para receber indenização pelos danos sofridos.

3.5 CARACTERÍSTICAS DO DANO AMBIENTAL

O dano ambiental possui características próprias, que o diferenciam do

dano em Direito Civil clássico. O dano, no âmbito civil, deve ser atual, assim,

para existir o direito a indenização o dano tem ocorrer efetivamente. O dano

ambiental pode ser configurado diante da efetiva ocorrência da degradação ou

com a demonstração de sua potencialidade lesiva, assim, na hipótese de

potencialidade lesiva, o poder público pode agir preventivamente, utilizando seu

poder de polícia, inclusive suspendendo a atividade que degrade o meio

ambiente se necessário.

43 Apud. Delton Winter de Carvalho. MILARÉ, Édis. Op. cit. p.667.

O dano ambiental tem como sujeito passivo em primeiro plano a

coletividade e em segundo plano o indivíduo atingido diretamente pela conduta,

ocorrendo o que a doutrina chama de pulverização de vítimas. No Direito Civil

clássico, o dano pressupõe a individualização da conduta contra um agente

determinado.

No âmbito civil, quando ocorre um dano, não havendo possibilidade de

reparação dos prejuízos, resolver-se-á em perdas e danos, todavia, em matéria

ambiental temos o princípio do poluidor-pagador que determina a reparação do

dano ou então a sua indenização. Para a coletividade tem maior relevância à

reparação do dano do que sua indenização, contudo, a reparação do dano

ambiental é por vezes muito difícil, o que justifica o caráter preventivo através

da tutela jurisdicional assegurada ao Direito Ambiental, coibindo o dano

potencial.

Outra característica do dano ambiental é dificuldade de sua valoração,

pois, como podemos definir um valor como base para indenização do dano

causado pelo poluidor que destrói uma floresta rica em ecossistemas que

levaram milhares de anos para se desenvolverem? Essa característica torna o

dano ambiental de difícil reparação em virtude dos sistemas que hoje existem

para determinar o valor a ser indenizado.

O Explorador da atividade econômica coloca-se na posição de garantidor

da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão

sempre vinculados a ela. Não se investiga ação, conduta do poluidor/predador,

pois o risco a ela substitui-se.44

3.6 SISTEMA DE APURAÇÃO DE DANO

A prova da ocorrência de dano ambiental é custosa e dependendo de

perícias que, em regra geral, devido ao alto valor econômico, inibem a

participação dos cidadãos na preservação do meio.

A hipossuficiência da sociedade em relação às grandes corporações que,

via de regra, causam os maiores danos ambientais é desproporcional. Em razão

da proteção do interesse coletivo é que o legislador tem criado mecanismos cada

vez mais rígidos de proteção ao meio ambiente.

Os custos sociais do sistema produtivo e distributivo devem ser repartidos

entre os que assumem o risco da produção.45 Este é o princípio do poluidor-

pagador, o qual tem como objeto a obrigação de ressarcir o dano causado ao

meio ambiente; Não é uma permissão para que se polua mediante o pagamento,

o que levaria a grandes desastres ambientais, é a legitimação da obrigação de

reparar o dano causado independentemente das sanções penais e administrativas.

44 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. p.84. 45 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 2004. p.181.

Está consagrado na Constituição Federal no art. 225 § 3º: “as condutas e

atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,

pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de repara os danos causados” [nosso grifo]

A Constituição Federal de 1988 prevê instrumentos de proteção

ambiental: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Civil Pública, Ação

Popular Constitucional, Mandado de Segurança e Mandado de Injunção.

O Ministério Público tem a faculdade de propor as ações judiciais de

natureza civil para assegurar que sejam obedecidas as regras constitucionais

infraconstitucionais de preservação do meio ambiente.

A Ação Civil Pública é um dos instrumentos processuais com maior

utilização e eficácia na proteção do meio ambiente. Estão legitimados a propô-la

o Ministério Público Federal e Estadual, a União, os Estados, Municípios e

demais entidades previstas na Lei 7.347/85 que criou a Ação Civil Pública. 46

A pluralidade de sujeitos com capacidade postulatória para interpor em

juízo a Ação Civil Pública é denominada pela doutrina de “legitimação

concorrente disjuntiva”.47

46 Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: I - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil; II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio-ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 47 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Op. cit. p.71.

O Ministério Público tem legitimidade para propor o chamado

“compromisso de ajustamento de conduta”, que tem por finalidade a reparação

dos danos por meio de atividades concretas pelo degradador do ambiente. Esse

acordo celebrado pelo Ministério Público tem força de título executivo e seu

descumprimento acarretará o pagamento de multa.

O artigo 12 da Lei 7.347/85 permite que, cumulativamente ao pedido de

indenização, na inicial seja pedido em liminar para que cesse a agressão ao

ambiente. É uma forma efetiva de proteger o ambiente. 48

A sentença auferida condenará à reparação do dano com o retorno ao

estado anterior ou condenará à indenização em dinheiro que deverá também ter

como propósito atender a função educativa necessária, desta forma conscientizar

à preservação do equilíbrio do meio ambiente.

3.7 PODER DE POLÍCIA E O DANO AMBIENTAL

O poder de polícia é diferente de polícia judiciária. Enquanto o primeiro é

preventivo o segundo tem natureza repressiva, assim o poder de polícia é

exercido anteriormente a prática do ato que irá gerar danos ambientais; e a

polícia judiciária atua após a ocorrência do dano.

48 Lei 7.347/85, art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

O poder de polícia do Estado não é sinônimo de discricionariedade

irrestrita. É com base nos princípios que o poder de polícia é regido,

estabelecendo então, de maneira coerente absoluta os limites e parâmetros a

serem respeitados. Entre estes princípios estão: o princípio da

proporcionalidade, legalidade, finalidade, motivação etc.

O princípio da proporcionalidade determina que deve existir uma relação

entre a restrição ao direito de uso da propriedade e o benefício que a sociedade

terá ao restringir seu uso. Como exemplo podemos citar o ato do poder público

que impeça o indígena de extrair ervas medicinais de suas terras alegando que

isso irá afetar toda a vida do planeta, note-se que neste exemplo ocorre um

exagero que mostra claramente a desproporcionalidade entre a medida do Estado

e o dano que pode ser causado pelo simples apanho de algumas ervas.

A sanção imposta pelo dano ambiental também deve guardar proporção

com o dano causado. Pode ser exigido, da empresa que pratica atividades

nocivas ao meio ambiente, que repare os danos causados até o limite da

degradação que ela gerou, contudo, será desproporcional impelir que esta

mesma empresa, após a recuperação do dano, encerre suas atividades quando

tenham cessado os efeitos da agressão ao ambiente; torna-se desproporcional à

medida que determina seu fechamento.

Note-se também que por este mesmo princípio não poderá a

Administração Pública impor uma sanção que em nada guarde relação como a

dimensão do dano, assim, será desproporcional que se aplique uma pequena

multa a uma empresa que causa um derrame de óleo no mar, deverá ser imposta

a reparação do dano com o objetivo de tornar-se ao status quo ante.

3.8 RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Uma vez que tenha sido ocasionado o evento danoso, urge sua reparação

para que o bem de uso comum do povo volte ao status quo ante e possa

regularmente ser utilizado. No meio ambiente, como um todo, por vezes, é

impossível reparar o dano causado, em virtude das características do bem

destruído.

A legislação pátria estabelece duas formas de reparação do dano, quais

sejam: recuperação dos danos causados com retorno ao statos quo ante; e

indenização em dinheiro ou in specie.

A primeira é a forma direita e primordial de evitar ou reverter os efeitos

ocasionados pela degradação ambiental, e a segunda é uma forma indireta que

poderá ser determinada cumulativamente em razão da impossibilidade de

reparação in natura.

Porém, não é dado ao agressor alternativa de escolher de que forma irá

agir para desfazer o dano, assim, está descrito na Lei 6.938 de 1981 em seu art.

4º, VI49, que estabelece que o dano será reparado preferencialmente pela

reparação in natura. Assim, o eventus danmini poderá ser reparado em dinheiro

quando não possível tornar a coisa ao que era anteriormente, devendo ser

calculado o valor a ser indenizado.

A condenação em dinheiro terá uma destinação específica. Serão

aplicadas as indenizações ou multas pelo descumprimento do compromisso de

ajustamento de conduta em um fundo criado para diminuir ou neutralizar os

danos ambientais. Quem irá gerir o dinheiro será um Conselho Federal ou

Estadual criado com essa finalidade, tendo como participantes: Membros do

Ministério Público e representantes da comunidade.50

49 Lei de Política Nacional de Meio Ambiente – Lei 6.938 de 31/08/1981, art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas á sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; 50 Lei 7.347/85, art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

IV – ASPECTOS JURÍDICO-AMBIENTAIS DO RODOANEL

4.1 AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

A Avaliação de Impacto Ambiental faz parte do conjunto de elementos

formadores da Política Nacional do Meio Ambiente. As atividades que

potencialmente ou efetivamente degradem o meio ambiente são passíveis de

avaliação de impacto ambiental; os riscos com estas atividades devem ser

previstos, para que os danos possam ser evitados, mitigados ou indenizados

durante a construção ou implementação, como no caso do Rodoanel.

A Resolução 1/86 do CONAMA trata o impacto ambiental como

“qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio

ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das

atividades humanas que, direta ou indiretamente afetam: (i) a saúde, a segurança

e o bem-estar da população; (ii) as atividades sociais e econômicas; (iii) a biota;

(iv) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; (v) a qualidade dos

recursos ambientais”.51

A construção de uma rodovia como o Rodoanel gera danos significativos

para o meio ambiente, porém, alguns danos não podem ser mensurados e, diante

51 Resolução CONAMA 001/86, artigo 1º.

do caso concreto, deve se monitorar e evitá-los.

O meio ambiente é o bem mais importante que pode existir, o ser humano

sobrevive da interação com o meio; é um participante desse gigante ecossistema

que se renova a cada dia. Para a evolução da humanidade até nossos dias, o

mundo sofreu diversas transformações, as quais ocorrem diariamente

transformando florestas inteiras, alem de outras vegetações, em verdadeiras

“selvas de pedras”.

A Avaliação de Impacto Ambiental está prevista na Lei 6.938/81,

constituindo uma medida preventiva, que objetiva a proteção do meio ambiente.

Outro elemento da Política Nacional de Meio Ambiente é o Licenciamento

Ambiental que tem caráter preventivo e repressivo.52

A preocupação da sociedade se mostra constante em proteger o que ainda

resta do meio ambiente para assegurar a sadia qualidade de vida, que já falamos

anteriormente. Nesse sentido, a Política Nacional do Meio Ambiente visa

conciliar o desenvolvimento com a preservação do meio ambiente.

A Constituição Federal de 1988 deu ênfase à proteção do meio ambiente

colocando como exigência, para a instalação de obras que potencialmente

possam causar significativa degradação do meio ambiente, o estudo prévio de

52 Lei 6.938/81. Art. 9º - São Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;

impacto ambiental, o qual deverá ter publicidade.53

Nesse sentido é o entendimento do professor Edis Milaré “Uma vez

sabido que todo e qualquer projeto de desenvolvimento interfere no meio

ambiente, e, da mesma forma certo que o crescimento socioeconômico é um

imperativo, insta, pois, discutir os instrumentos e mecanismos que conciliem,

minimizando quanto possível os impactos ecológicos negativos, e

conseqüentemente, os custos econômicos e sociais”.54

O princípio da consideração do meio ambiente na tomada de decisão é um

dos fundamentos da Política Nacional de Meio Ambiente, haja vista que, como

já apontamos, a importância do meio ambiente vai além dos limites jurídicos ou

administrativos. Uma vez causado um dano ao meio ambiente pode se tornar

irreparável, impondo a toda sociedade o ônus do prejuízo ambiental em razão de

uma atividade mal planejada.

É nesse aspecto que introduzimos neste trabalho o item Avaliação de

Impacto Ambiental, para mostramos sua importância na elaboração de uma obra

como o Rodoanel. Abordaremos agora outros itens importantes neste mesmo

prisma para tornar claros os aspectos jurídico-ambientais que devem ser levados

em consideração dentro do Programa Rodoanel. 53 Constituição Federal de 1988. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; 54 MILARÉ, Édis. Op.cit. p.429.

4.1.1 EIA/RIMA - Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de

Impacto Ambiental

O Estudo de Impacto Ambiental é uma modalidade de Avaliação de

Impacto Ambiental (AIA); é um notável instrumento de compatibilização do

desenvolvimento econômico-social com vistas a preservar a qualidade de vida.

É um procedimento administrativo de prevenção e de monitoramento dos danos

ambientais.55

O Estudo de Impacto Ambiental tem origem no Direito americano. Ele foi

introduzido no ordenamento jurídico de vários países, entre eles Brasil,

Alemanha, França e outros.

A Constituição Federal obriga sua elaboração antes do início dos

empreendimentos potencialmente degradantes do meio ambiente, como se

observa no artigo 225 §1º, IV. Este artigo mostra que sua necessidade está

condicionada a existência de obras que potencialmente degradem o meio

ambiente, logo, não são todas as atividades obrigadas a produzir o EIA/RIMA -

Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental.

O Estudo de Impacto Ambiental é um documento complexo de grande

abrangência elaborado por uma equipe multidisciplinar, a qual é responsável

55 MACHADO, Paulo A.L. Regulamentação do estudo de impacto ambiental. Apud Edis Milaré. Op. cit. p.440.

pelos danos ocorridos em razão do Estudo de Impacto Ambiental apresentado. O

Relatório de Impacto Ambiental é elaborado com base no Estudo de Impacto

Ambiental em linguagem mais simplificada, pois seu objetivo é demonstrar as

vantagens e desvantagens do empreendimento.

O estudo é de maior abrangência que o relatório e o engloba em si mesmo.

O Estudo de Impacto Ambiental compreende o levantamento de literatura

científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e a

própria redação do relatório.56

O Estudo de Impacto Ambiental desenvolve exaustivamente análise de

várias alternativas menos danosas ao meio ambiente e sua respectiva estrutura.

Nestes critérios são analisadas eventuais estratégias tecnológicas, modais e de

traçados estudados.

O Estudo de Impacto Ambiental tem como objetivo evitar que o dano

ocorra de forma irreparável, ou minimizar os danos a um nível aceitável em

razão do benefício esperado com a atividade geradora de modificação do meio.

A fundamentação legal para o EIA/RIMA - Estudo de Impacto Ambiental

e Relatório de Impacto Ambiental - no caso do Programa Rodoanel está no

artigo 2º da Resolução 001/86 do CONAMA, que determina sua elaboração

obrigatória para a construção de rodovias com duas ou mais faixas de rolamento.

56 MACHADO, Paulo A.L. Direito Ambiental Brasileiro. Apud Milaré, Édis. Op. cit. p.438.

A rodovia Rodoanel é uma estrada com três ou quatro pistas de rolamento de

classe zero com acesso restrito, assim, para sua construção é indispensável a

elaboração desse instrumento que integra a Avaliação de Impacto Ambiental

(AIA).57

4.1.3 BALANÇO SÓCIO-AMBIENTAL

O balanço sócio-ambiental é parte integrante do RIMA - Relatório de

Impacto Ambiental - e este item do respectivo documento aponta qual o impacto

ambiental que ocorrerá durante a obra e operação da rodovia, assim, ele irá

demonstrar de modo resumido se o impacto será neutro, positivo ou negativo,

tanto durante a construção da rodovia como durante sua operação. Esse

documento assegura quais medidas serão empregadas e que irão potencializar os

impactos positivos decorrentes da execução da obra.

O projeto da rodovia Rodoanel tem como objetivo otimizar os danos

ambientais através de estratégias de prevenção, mitigação e/ou compensação.

4.1.4 AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA 57 Resolução CONAMA 001/86, Art. 2º. Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA, em caráter supletivo, o licenciamento das atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: (i) Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento. Esse artigo foi parcialmente modificado pela Constituição Federal de 1988 no artigo 225, §1º, IV, que passou a determinar o EIA/RIMA “para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”.

No ano de 2004, o governo do Estado de São Paulo apresentou um

documento denominado Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), o qual tem por

finalidade “avaliar a viabilidade ambiental do Rodoanel Mario Covas, bem

como sua implementação gradativa, por trechos, num horizonte de quinze

anos”.58

Muitos países adotam este tipo de estudo como forma de analisar a

implementação de um projeto como o Rodoanel, analisando as possibilidades de

implantar ou não um projeto.

O documento de Avaliação Ambiental Estratégica foi aprovado pelo

CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo), entendendo

que o documento atinge satisfatoriamente todos os questionamentos no contexto

da dinâmica urbana e ambiental da Região Metropolitana de São Paulo.

O CONSEMA entende que o licenciamento por trechos é viável e que o

documento pode ser usado como termo de referência para o Estudo de Impacto

Ambiental do trecho sul da rodovia. Nesta mesma reunião que aprovou o

documento AAE – Avaliação Ambiental Estratégica –, o secretário do Meio

Ambiente concedeu prazo de 10 dias para que fossem apresentadas sugestões e

complementações ao Termo de Referência do EIA/RIMA - Estudo de Impacto

Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental.

58 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004.

4.2 PROGRAMA RODOANEL MARIO COVAS

4.2.1 A OBRA DO RODOANEL

A cidade de São Paulo possui uma grande frota de veículos, que necessita

de um sistema viário adequado para o traslado de um lugar para outro da cidade.

Ocorre também que, devido à localização geográfica, São Paulo é rota de grande

tráfego de veículos de passagem, ou seja, veículos que vão de uma cidade a

outra passando pela Região Metropolitana de São Paulo.

Essa movimentação de veículos dentro da cidade vem recebendo

tentativas de solução a mais de cinqüenta anos, porém o crescimento da

demanda por rodovias sempre superou os projetos existentes.

Em 1987, iniciou-se a construção da Via Perimetral Metropolitana e, em

1992, foi apresentado um novo projeto, que em muito se aproxima do traçado do

atual Rodoanel Mario Covas. Uma importante modificação no traçado foi no

Trecho Norte, que hoje passa por dentro do Parque da Serra da Cantareira.

O Rodoanel é um empreendimento do setor de transporte que objetiva

facilitar e reduzir o custo da transposição da Região Metropolitana de São Paulo

para os fluxos de transporte que circulam na região sudeste do país, bem como

para fluxos com origem ou destino na metrópole. Além de compor um dos

elementos que promovem a intermodalidade para o transporte de carga no

Estado de São Paulo, através de sua conexão com os Centros de Logística

Integrada programados pela Secretaria de Transportes.59

Segundo o empreendedor, o objetivo principal da obra é melhoria da

qualidade de vida da população da Grande São Paulo, além de tornar o trânsito

ágil, eliminando o tráfego de passagem, possibilitando melhor fruição do

trânsito dentro das cidades.

Esta rodovia terá como característica o acesso restrito, possuindo um

número limitado de entradas e saídas das pistas de rolamento. A extensão total

da obra será de 170 quilômetros de extensão, com três ou quatro pistas em cada

sentido. O Trecho Oeste já foi concluído e possui 32 quilômetros de extensão.

Quando, e ser for finalizado, o Rodoanel interligará os dez principais eixos

rodoviários que conectam a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) com o

interior e litoral do Estado, bem como com outras capitais brasileiras.

59 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004. p.4

A construção do Rodoanel reduzirá o tráfego pesado dentro da cidade de

São Paulo, descongestionando principalmente as marginais dos rios Pinheiros e

Tiete.60

4.2.2 A RESERVA DA BIOSFERA

A construção do Rodoanel tem causado grande furor na sociedade civil.

Ao mesmo tempo em que a implementação do Programa Rodoanel irá trazer

benefícios ao sistema viário, também será grande fonte de possíveis danos

ambientais. Esses danos em determinados pontos da construção revelam maior

significância do que em outros pontos da rodovia.

O que queremos demonstrar é a potencialidade lesiva irreversível dos

danos ao meio ambiente, não apenas durante a construção da obra, mas

principalmente durante sua operacionalização.

Este tópico do estudo desenvolvido, a cerca da responsabilidade civil por

danos ao meio ambiente, é extremamente relevante. A potencialidade dos danos

no trecho Norte do traçado do Rodoanel é incalculável, como veremos. Os danos

ao meio ambiente, principalmente no que tange o Parque Estadual da Cantareira,

60 Disponível em <http://wwww.dersa.sp.gov.br/rodoanel/default.asp>.

não poderão ser reparados, e nenhum valor monetário poderá substituir o

ecossistema local.

Este trecho da obra tem mostrado grande preocupação para ambientalistas

e entidades ligadas à proteção e preservação do meio ambiente. O traçado

proposto pelo empreendedor irá passar pelo Parque Estadual da Cantareira, uma

das últimas reservas de Mata Atlântica com 7.900 hectares. No Parque são

encontradas diversas espécies animais, além de uma incalculável flora e fauna

silvestre. O Estudo de Impacto Ambiental realizado pela Dersa S/A prevê

impacto em sessenta rios no traçado previsto, além de cursos d’água.

Um argumento importante a ser considerado é que a obra foi sitiada para a

realização do EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de

Impacto Ambiental–, o que torna o Trecho Oeste, que já foi construído, um fato

consumado para a construção das etapas seguintes da obra viária. É importante

observar que o impacto ambiental que será ocasionado com a construção do

atual traçado projetado trará danos potenciais ao meio ambiente, que devem ser

a todo custo coibidos pelos meios legais apropriados.

O Parque Estadual da Cantareira é uma Área de Proteção Ambiental –

APA, além de ser uma reserva da biosfera.

As reservas da biosfera são unidades de gestão integradas que buscam

traduzir na prática o desafio do desenvolvimento sustentável procurando

harmonizar a conservação ambiental e as necessidades humanas.61

A Unesco realizou em 1968 uma Conferência sobre a Conservação e Uso

Racional dos Recursos da Biosfera, nesta conferência foi pela primeira vez

introduzida a idéia de formar uma rede mundial para proteger áreas de grande

importância para a biosfera. Como resultado desta conferência, foi introduzido

em 1971 o programa MaB – o Homem e a Biosfera, que tem como objetivo

conciliar o desenvolvimento sustentável do homem com o meio ambiente.

Os países interessados em ter áreas de proteção ambiental reconhecidas

pela UNESCO como Reserva da Biosfera devem propor junto à entidade seu

interesse, indicando a área e obedecendo determinados critérios essenciais.

Para que a Mata Atlântica fosse reconhecida como Reserva da Biosfera o

governo brasileiro propôs sua inclusão na rede, obedecendo aos três critérios

básicos: preservação da biodiversidade com o objetivo de readequar as

paisagens, os ecossistemas, as espécies e a diversidade genética; o

desenvolvimento sustentável, ou seja, desenvolvimento econômico com a

garantia de manutenção dos valores culturais, sociais e ambientais; e pesquisa

científica.

Foi em 1991 que a Mata Atlântica passou a figurar dentro da a rede de

Reservas da Biosfera da UNESCO. A reserva da biosfera do Cinturão Verde da

61 FELDMAN, José Fabio. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e sua aplicação no Estado de São Paulo 1999, p.13.

cidade de São Paulo é parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata

Atlântica, e dentro deste encontramos o Parque Estadual da Cantareira, a maior

reserva florestal urbana do mundo.

O Cinturão Verde engloba no total 72 municípios, onde vivem

aproximadamente 19 milhões de pessoas, ou mais de 10% da população

brasileira. A Mata Atlântica foi quase totalmente destruída ao longo dos

Séculos. Desde o descobrimento do Brasil pelos portugueses, a floresta vem

sofrendo agressões cotidianas que põem em risco um ecossistema complexo e

rico. Hoje, encontramos apenas 7% do restante de Mata Atlântica do que já

existiu, contudo, é grande a diversidade de formações de Mata Atlântica com

ecossistemas originais. 62

O Parque Estadual da Cantareira representa a maior área de mata tropical

atlântica urbana do planeta. Seu nome originou-se em razão da grande

quantidade de mananciais de água doce existentes ali, a imensa quantidade de

cântaros deu origem ao nome Cantareira.

Sua criação data inicialmente de 1890, quando o então governo, buscando

preservar a mata e grande quantidade de córregos ali situados, começou a

desapropriar fazendas de produção de chá e café.

A ONG “SOS Mata Atlântica”, fundada após a criação da Reserva da

62 A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e sua aplicação no Estado de São Paulo 1999. p.210.

Biosfera da Mata Atlântica, com base em discussões sobre a destruição das

florestas no Fórum Global da Rio-92, divulgou, em 1993, um estudo que

mostrou um dado alarmante: 5.330 km² de Mata Atlântica foram destruídos e

que restavam apenas cerca de 8% da floresta originalmente encontrada pelos

portugueses que chegaram ao Brasil em 1500.63

Como resultado da pressão da sociedade civil, foi assinado o Decreto nº

750, definindo a área de abrangência da Mata Atlântica. Isso mostra que a

participação dos maiores interessados, membros conscientes da sociedade civil,

tem grande relevância na preservação do meio ambiente, apesar de insistentes

tentativas de madeireiros em diminuir a área de abrangência de Mata Atlântica.

Em 1997 a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, na

gestão do então governador Mario Covas e do secretário de Meio Ambiente

Fabio Feldman, foi agraciada com o prêmio Muriqui, outorgado pelo Conselho

Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, a maior distinção hoje

existente para homenagear aqueles que se destacam na defesa desse bioma.

Hoje, em 2005, uma das maiores ameaças ao Parque Estadual da

Cantareira, a maior reserva de Mata Atlântica tropical urbana do mundo, é a

construção do trecho norte do Rodoanel Mario Covas, idealizado pelo

beneficiário direto do citado prêmio Muriqui.

63 A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e sua aplicação no Estado de São Paulo, 1999.

A mata do Parque Estadual da Cantareira é responsável pela proteção dos

mananciais, já insuficientes, e também como fator de estabilização climática,

que ameniza os picos climáticos. Para se ter idéia, a variação climática entre o

centro de São Paulo, que esta a 10 quilômetros da Serra da Cantareira, e o centro

do Parque chega a 10ºC graus64. Observa-se também a função da mata de filtrar

a poluição.

A passagem da rodovia dentro do perímetro do Parque Estadual da

Cantareira poderá trazer consigo uma explosão demográfica incontrolável em

razão da especulação imobiliária, criando ao longo da rodovia um desastre

ambiental sem dimensões, prejudicando os mananciais, e todo o ecossistema ali

existente.

64 A reserva da Biosfera da Mata Atlântica e sua aplicação no Estado de São Paulo. p.214.

Outra grande questão que deve ser observada com cuidado pelos

responsáveis pela implantação do Projeto Rodoanel Mario Covas é ocupação

irregular que ocorre ao longo do da rodovia. No trecho Oeste, já em operação,

foi observado este fenômeno da ocupação irregular. É fato que mesmo nos

locais onde foram retirados os moradores por ocasião da construção,

encontramos, nestes mesmos locais, moradias irregulares.

A poluição sonora provocada pela passagem de veículos de carga pesada

causará danos significativos ao meio ambiente. Existem dentro do Parque

diversas espécies animais que são protegidas, diante da iminência de sua

extinção. Entre essas espécies encontramos o bugio, o gato-do-mato, a

jaguatirica, o macuco, o gavião-pomba, o jacuguacu e o bacurau-tesoura-grande.

A degradação dessa biota é irreversível e deve ser evitada.

É com base nesses dados que ONG’s e entidades da sociedade civil

repudiam o traçado proposto pelo governo do Estado para a construção do

trecho norte do Rodoanel passando pelo Parque Estadual da Cantareira. É

impossível saber qual a intensidades dos danos causados pela passagem de uma

rodovia dentro do último pedaço de Mata Atlântica em área urbana do Brasil.

A potencialidade lesiva deste trecho do empreendimento rodoviário

proposto pelo governo do Estado de São Paulo é de grande monta para toda

sociedade. A responsabilidade pelos danos causados com a construção deste

trecho norte da rodovia quando efetivada com o traçado proposto atualmente

implicará em prejuízo incalculável para todos, não apenas para a população

diretamente afetada ou para o ecossistema natural da região.

O Estudo de Impacto Ambiental deste trecho da obra deverá levar em

conta a possibilidade de não construir a rodovia com este traçado, haja vista que

o impacto sofrido em razão da instalação da rodovia vai efetivar um inúmero

conjunto de danos ao meio ambiente.

Diante da função maior do Direito Ambiental que é a preservação e, com

supedâneo no princípio da prevenção, a sociedade civil atua de forma imediata,

para impedir a concretização do trecho norte do Rodoanel com o traçado

proposto pela Dersa S/A no documento AAE – Avaliação Ambiental

Estratégica–, pois implicará na destruição deste importante bem difuso, o qual

não pertence ao Estado, mas a todos indistintamente, mesmo àqueles que ainda

não nasceram.

4.2.3 IMPACTOS NO TRECHO SUL

O RIMA - Relatório de Impacto Ambiental - do trecho sul do Rodoanel

identifica como objetivos específicos, para a construção a priori, o índice de

40% do fluxo de passagem somando se o tráfego do trecho sul ao do trecho

oeste, já construído, tendo como origem o sistema Anhanguera, Bandeirantes,

Castello Branco / Raposo Tavares e destino às rodovias que interligam a capital

ao porto de Santos, a interligação da região de Mauá e Santo André diretamente

ao sistema Anchieta/Imigrantes, e a compatibilidade com o projeto de

construção do Ferroanel, que aproveitará parte do traçado da rodovia,

teoricamente reduzindo os impactos ambientais da construção conjuntamente.65

A obra do Rodoanel no trecho sul contará com a construção de três pontes

projetadas estrategicamente para evitar os danos ao meio ambiente nas áreas de

captação de água pela SABESP. Uma será construída sobre a represa

Guarapiranga e terá 280 metros de extensão e as outras duas serão construídas

sobre a represa Billings, e terão respectivamente 800 metros e 1800 metros de

extensão, agregando-se a essas pontes o projeto do Ferroanel.

A construção da rodovia impossibilitará a construção de eixos viários

transversais não projetados nos Planos Diretores Regionais, é uma característica

apontada como relevante para a proteção das áreas ambientalmente sensíveis de

mananciais ao longo da alça sul. Não haverá, contudo, impedimento à

construção de novas rodovias que sejam interligadas ao Rodoanel, sendo

necessário para essas obras novo estudo ambiental específico.

Realizando uma leitura sistemática do RIMA – Relatório de Impacto

Ambiental–, um número significativo nos chamou a atenção, 6.957,4x10³m³,

65 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004. p.4.

este é o número de materiais que serão destinados a bota-fora. A construção de

uma rodovia implica em cortes em alguns locais e empréstimos em outros para a

terraplanagem, ainda não foram detalhadas; após estudos foram eliminadas

algumas áreas previamente selecionadas restando 35 áreas consideradas viáveis

para os bota-foras.

Os critérios foram principalmente: evitar interferência em áreas de

preservação permanente ou com cobertura de vegetação em estágio médio ou

avançado; evitar utilizar áreas com potenciais conflitos com os usos adjacentes

ou com o zoneamento municipal; e dar preferência a alternativas próximas a

obra, evitando o transporte de matérias por vias locais66.

A utilização destas áreas dependerá ainda da obtenção das licenças

ambientais estabelecidas pela legislação ambiental.

O balanço sócio-ambiental67 é parte integrante do RIMA - Relatório de

Impacto Ambiental do trecho sul do Rodoanel Mario Covas, e este item do

respectivo documento aponta que o impacto ambiental será neutro ou positivo,

tanto durante a construção da rodovia como em sua operação. Esse documento

assegura que serão empregadas medidas que irão potencializar os impactos

positivos decorrentes da execução da obra. O projeto do Rodoanel tem por

objetivo otimizar os danos ambientais através de estratégias de prevenção,

66 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004. 67 Idem. Op.cit.p.69

mitigação e/ou compensação.

Os impactos, tão temidos por ambientalistas nas represas Billings e

Guarapiranga, serão de curta duração e reversíveis, pois se prevê que somente

durante a construção das pontes é que haverá impacto ambiental nas represas.

O estudo aponta como resultado de sua elaboração técnica a

descaracterização da problemática de contaminação das águas da represas no

que tange a captação de água pela SABESP.

A construção da rodovia irá até 2020 reduzir em 50% o risco de acidentes

com cargas perigosas em razão da diminuição do número de caminhões com

este tipo de carga circulando dentro do sistema viário local, pois, a rodovia conta

com um Plano de Ação de Emergência.68

O estudo aponta a simulação de um vazamento de uma carga de 30.000

litros de produto tóxico, como soda caustica, o vazamento desta carga somente

chegaria à captação da SABESP – Companhia de Saneamento do Estado de São

Paulo - depois de 3 horas, considerando condições climáticas desfavoráveis, em

uma proporção diluída que representaria menos de 10% do limite de toxicidade

estabelecido pela CETESB, nessa hipótese levantada pelo RIMA – Relatório de

Impacto Ambiental – não haveria comprometimento da captação.

68 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004.

Durante a construção, os impactos que podem ser ocasionados

contaminando o solo, os cursos d’água ou do lençol freático, limitam se a

vazamentos de lubrificantes e combustíveis utilizados durante a obra, contudo, o

porte é intrinsecamente pequeno das hipóteses acidentais a serem prevenidas. As

ações corretivas durante a construção do Rodoanel Mario Covas, em virtude de

contaminação por combustíveis e lubrificantes, serão rapidamente aplicadas,

pois, a identificação será fácil e rapidamente serão aplicados os meios de

contenção e remoção.

O balanço Sócio-Ambiental aponta que os riscos de vazamento e

contaminação, por acidentes, devem ter peso secundário na avaliação geral do

empreendimento.

Em um momento em que tanto se fala na escassez de água para o

consumo humano, é pertinente que o Estudo de Impacto Ambiental trate como

questão primária a possível contaminação do lençol freático e dos mananciais

que estão compreendidos na região, os quais alimentam as represas

Guarapiranga e Billings.

Consideramos como secundário este problema em potencial é um erro,

trata-se de questão primária a ser considerada no momento de avaliar o projeto

de uma rodovia.

A qualidade do ar será afetada pelo empreendimento de duas formas; a

primeira será benéfica, pelo fato de que o aumento da velocidade dos veículos e

a transferência do tráfego de veículos de carga e passagem do sistema viário

local para o Rodoanel, irão diminuir a emissão de poluente na Região

Metropolitana de São Paulo.

A segunda forma de alteração da qualidade do ar ocorrerá de forma

negativa, pois a emissão de gazes, principalmente o NO2, no trecho aumentará

significativamente, porém em nenhum caso se esperam ultrapassagens dos

padrões primário de qualidade do ar estabelecidos na Resolução CONAMA nº

03/90, mesmo nos locais de maior concentração.69

Contudo, uma questão interessante não foi observada a contento, quais as

conseqüências da modificação da qualidade do ar para o meio antrópico e para a

biodiversidade da região diretamente e indiretamente afetada pelos impactos

ambientais das modificações negativas da qualidade do ar, isto ainda não foi

definido.

As principais interferências no meio biótico são apontadas pela supressão

de cobertura vegetal do AID – área de impacto direto, e pelo efeito de borda.

A área vegetal a ser suprimida é de 212ha no total, desta área de cobertura

vegetal a ser diretamente afetada pela construção da rodovia encontramos 104ha

de floresta ambrófila densa em área de proteção permanente. Os principais

69 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004. p.72

impactos são apontados pelo aumento do grau de fragmentação dos

remanescentes de formações florestais e pelo efeito de borda, com interferência

na capacidade reprodutiva de algumas espécies florestais, e interceptação de

possíveis corredores gênicos.70

O estudo em questão leva em conta a perturbação causada pelo meio

antrópico para a preservação das florestas remanescentes da AID – Área

Influência Direta – pelo adensamento das moradias irregulares que apresentam

forte tendência instável à fragmentação com prognostico negativo.

Assim, o estudo considera que a construção do trecho sul não trará

maiores impactos que os causados pela continuidade do adensamento

populacional irregular nas áreas de mananciais que sofrerão interferência direta

pelo traçado da rodovia.

Mostra ainda este balanço que a construção da rodovia irá propiciar a

preservação do meio ambiente pela desocupação de áreas irregulares na AID –

Área de Influência Direta – e respectiva implantação de programa ambiental

para a compensação dos impactos ao meio biótico com o plantio de mais de

1.000ha florestais.

Serão implantadas Unidades de Conservação do grupo de proteção

integral, totalizando 598ha. Os programas ambientais irão propiciar a proteção

70 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004.

de duas importantes áreas de maciços florestais, Bororé e Jaceguava, para que

não sejam suprimidos pelo adensamento populacional, como foi demonstrado

tendencialmente. Seria uma contribuição para a restrição do avanço desenfreado

da ocupação irregular.

O balanço sócio-ambiental mostra um efeito compensatório mitigador dos

efeitos negativos ocasionados em razão da implementação da obra através da

supressão de 6% da vegetação na AID – Área Influência Direta – com o plantio

compensatório de 1000ha de vegetação florestal e a proteção das bordas com o

controle do adensamento irregular.71

A interferência na fauna resultante da implantação do trecho sul da

rodovia ficou um tanto quanto vago, o balanço apontou para as considerações

feitas para o meio biótico anteriormente mencionado. Fez alusão à compensação

da fauna silvestre com o plantio de 1000ha de florestas como medida

compensatória, contudo, não mostra qual a dimensão dos impactos em relação

ao tempo necessário para o desenvolvimento das áreas nas quais serão

realizados os trabalhos de reflorestamento e os efeitos suportados pela fauna no

período de implementação dos programas ambientais.

Outro importante elemento analisado no balanço sócio-ambiental, e ao

qual se dedicou grande parte do desenvolvimento do mesmo, é meio antrópico.

71 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004. p.73

O Balanço Sócio-ambiental aponta como elementos ambientais antrópicos

que serão impactados: infra-estrutura viária, tráfego e transporte; estrutura

urbana; atividades econômicas, infra-estrutura física e social; qualidade de vida

da população, patrimônio arqueológico e cultural, finanças públicas72.

4.2.4 BENEFÍCIOS ESPERADOS

A projeção dos benefícios esperados com a construção do rodoanel aponta

para uma significativa modificação no sistema de logística de tráfego pesado

dentro da Região Metropolitana de São Paulo em longo prazo. O prazo utilizado

para Avaliação Ambiental Estratégica é de 10 anos e 15 anos, segundo este

estudo, o tráfego de passagem dentro da cidade de São Paulo e Região

Metropolitana será reduzido pela metade dentro do período abordado pelo

estudo.

Contudo, os benefícios não serão sentidos diretamente pelos usuários das

vias públicas, pois o fluxo de veículos irá aumentar de maneira a absorver a

diferença criada pela implantação do Rodoanel. Será observado como fenômeno

característico do empreendimento a diminuição do tráfego de veículos de carga

de longa distância dentro do sistema de transporte da Região Metropolitana de

São Paulo.

72 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004. p.74.

A logística sofrerá uma modificação estrutural, pois, espera-se que um

grande número de empresas deste seguimento, influenciado pela redução

econômica de custo, dê preferência para o exercício de suas atividades nas

proximidades da rodovia.

Essa tendência já se observa no Trecho Oeste que esta em operação, haja

vista que empresas como Pão de Açúcar, Grupo Martins e Natura, foram levadas

a instalar centros de distribuição próximos à rodovia, em função dos benefícios

econômicos propiciados em função da agilidade. No caso do Grupo Pão de

Açúcar a vantagem chega a representar 25% de economia de tempo.73

A alça sul do Rodoanel prevê ainda como benefício direito a construção

do Ferroanel, ainda em projeto, que irá liberar cerca de 280 km de ferrovia

dentro da Região Metropolitana de São Paulo para utilização no transporte de

passageiros.

Uma das razões para a construção da rodovia consta na Avaliação

Ambiental Estratégica que se traduz em um prognóstico das modelagens de

tráfego já existentes como saturadas, principalmente na rede viária da Região

Metropolitana de São Paulo.

73A expectativa da obra do Rodoanel foi um dos motivos que levaram a rede Pão de Açúcar a instalar, em 2000, seu centro de distribuição de hortifrutigranjeiros no km 13 da Rodovia Anhanguera, segundo o gerente-geral de distribuição de perecíveis Vander Nogueira da Cruz. De acordo com ele, quando as obras desse trecho do anel viário foram concluídas, em outubro de 2002, o tempo de transporte entre o centro de distribuição e as lojas foi reduzido em 25%. De lá saem diariamente em direção aos pontos de venda cerda de 900 veículos. O Pão de Açúcar foi seguido por outras empresas, como Carrefour, Grupo Martins, Panamco e Natura.(Revista Update. Sylvia Leite. Dezembro/2003. Disponível em <http://www.amcham.com.br/revista.revista2003-11-26a/materia2003-11-28e/pagina2003-11-28f> Acesso em 10 dez. 2004.

O Estudo realizado pela Dersa S/A aponta que a não construção da

rodovia implica em conviver, no futuro, com velocidades cada vez menores,

constituindo um ônus para o transporte de cargas. Contudo, parece que não

foram levadas em consideração, inicialmente, as modificações ambientais

proporcionalmente ao benefício esperado de forma quantitativa.

Considera-se o Rodoanel como parte integrante de um projeto de

relevância e abrangência Estadual com benefícios a médio e longo prazo, que

mesclam planejamento associado a todos os modais de transporte no Estado.

Uma pesquisa realizada pelo IBOPE apresenta resultados satisfatórios

para o governo em razão da implantação do Trecho Oeste do Rodoanel. Nesta

pesquisa 85% dos usuários aprovaram a rodovia. Um segundo tópico da

pesquisa foi realizada com a população, sendo que para estes o Rodoanel

apresenta mais pontos positivos que negativos. Como pontos positivos foram

apontados: a fluidez do trânsito, o acesso às rodovias, a melhoria na infra-

estrutura da região e a valorização dos imóveis. Os pontos negativos apontados

pela população foram o fluxo elevado de caminhões de obra, a poluição os

acidentes e falta de sinalização e o receio de implantação de pedágio.74

74 Pesquisa IBOPE disponível em www.dersa.com.br/rodoanel/especial.html.

4.2.5 EFEITO DE BORDA

A construção do Rodoanel trouxe

junto com as pistas o problema da ocupação

irregular do solo com a criação de favelas,

mesmo em lugares onde foram feitas

desocupações para construção da rodovia.

É possível observar este fenômeno no

Recanto do Paraíso, no quilômetro dois da

rodovia, onde os moradores foram retirados

do local, mas hoje já existem cerca de

trezentos barracos no mesmo local

desapropriado anteriormente. Em geral todos os moradores do local têm uma

história parecida, são retirantes de outros Estados que buscam em São Paulo

uma oportunidade de uma vida melhor para si e para seus filhos, porém, com o

baixo grau de estudo que possuem acabam por engrossar os bolsões de miséria,

como este ao lado da rodovia.

O surgimento de bairros, vilas e cidades inteiras, está ligado às vias de

comunicação existentes, que são rios e rodovias. É fácil observarmos esse

fenômeno, o desenvolvimento de cidades e vilarejos, na região amazônica,

ocorre ao longo das margens dos rios, pois este é o meio de comunicação

existente no local.

As rodovias são também exemplo de vias de comunicação. São

responsáveis por grande parte do desenvolvimento. Quando uma estrada é criada

surgem ao longo de suas margens bairros, vilas, e cidades. Isto ocorre em razão

da facilidade que os habitantes locais encontram em se locomover de um local

para o outro e também pela necessidade de manter contato com outras

comunidades.

O adensamento populacional ou efeito de borda ocorre ao longo das

margens das rodovias e dos rios causando graves danos ao meio ambiente. As

reservas naturais dão espaço a habitações irregulares criadas, via de regra, pela

especulação imobiliária. O adensamento populacional não é de fácil controle, os

moradores desses locais na sua maioria não possuem qualificação profissional,

têm pouco estudo e ganham muito pouco, o que os obriga a procurar locais mais

baratos para morarem.

As margens de rodovias são diariamente sitiadas por pessoas

inescrupulosas que vendem a pessoas desinformadas algo que não lhes pertence.

Assim, áreas de proteção ambiental acabam por tornar se favelas. O meio

ambiente natural sofre agressões que contabilizam prejuízos a toda coletividade.

A construção do Rodoanel já aponta para esse problema do adensamento

populacional, como podemos observar no trecho oeste já construído e em

operação. Muitas famílias foram retiradas, mediante desapropriação com

respectiva indenização, para a realização do empreendimento. Porém, observa-

se hoje grande número de moradias irregulares ocupando espaços anteriormente

desocupados.

O problema do efeito de borda tem um aspecto ainda mais relevante. O

traçado da rodovia, como está previsto, irá transpassar importantes áreas naturais

de mananciais (Represa Guarapiranga e Billings) e também irá transpassar parte

do Parque Estadual da Serra da Cantareira, o qual é uma Reserva da Biosfera.

O empreendedor afirma que não ocorrerá o efeito de borda na construção

dos trechos do Rodoanel que ainda estão em projeto, por tratar-se de uma

rodovia de classe zero com acessos restritos, isto, impediria a especulação

imobiliária.

O efeito de borda ou adensamento populacional é uma realidade difícil de

ser ignorada, em razão da especulação imobiliária que mostra diretamente

interessada na construção da rodovia.

O presidente do SECOVI-SP, Ricardo Yabek, em uma palestra, dirigida

ao setor imobiliário, apontou sete benefícios do Rodoanel, entre eles esta o

seguinte: “criação de novas áreas para desenvolvimentos imobiliários gerando

maior oferta de moradias e outras formas de abrigo” (grifo nosso).75 E mais

adiante em seu discurso afirma: “O Rodoanel deverá ser a maior operação

imobiliária de que já se teve notícia” e continua “Ressalte-se que o

desenvolvimento dessas áreas, inclusive, permitirá preservação ambiental que

São Paulo, pelos citados limites, há tempos não possui. Isto porque o

empresariado do setor já projeta para esses espaços a utilização dos mais

avançados conceitos de ocupação”.76

Observamos que já existe grande intenção, por parte do setor imobiliário,

manifestada pelo senhor Ricardo Yabek, em transformar o que hoje é uma área

natural preservada em um grande jardim de pedras, com moradias populares e

outros abrigos, contudo, não há clareza no que seriam estes outros abrigos.

4.3 A APRECIAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

A sociedade civil, em especial as entidades ligadas à preservação do meio

ambiente, está profundamente preocupada com a construção da rodovia. Os

principais argumentos que motivam a atuação destes grupos são: a dúvida sobre

a real contribuição da obra para resolver o trânsito da cidade de São Paulo, os

75 Ação Civil Pública, processo 130/97, 30 jun. 97. – 6º Encontro Internacional dos profissionais imobiliários: “Rodoanel: solução para um dos mais críticos problemas das metrópoles”. Auditório do Instituto de Engenharia de São Paulo. p.193. 76 Ação Civil Pública, processo 130/97, p.193. 30 jun. 97. – 6º Encontro Internacional dos profissionais imobiliários: “Rodoanel: solução para um dos mais críticos problemas das metrópoles”. Auditório do Instituto de Engenharia de São Paulo. p. 194.

impactos ambientais sobre os mananciais e áreas preservadas, bem como sua

capacidade de induzir ocupação nestas áreas.

A pressão popular teve um grande êxito, em que pese terem sido

suspensas as audiências públicas, que integram o procedimento de licenciamento

ambiental, através da interposição de medida judicial que embargou todo o

processo.

A intervenção eficaz da sociedade civil levou o governo a tomar um novo

rumo na proposta de construção do Rodoanel. Inicialmente o EIA/RIMA –

Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – deveriam

abranger todo o traçado da obra, mas, diante da dificuldade de aprovação dos

Trechos Sul, Leste e Norte, foi adotada a estratégia de elaboração de estudo

independente para cada um dos trechos da rodovia ainda não construídos.

Deve-se observar que uma obra, como o Rodoanel, a qual possui grande

potencialidade lesiva, não deveria ser subdividida em lotes para a avaliação de

impactos ao meio ambiente, pois a construção seqüencial de uma alça da

rodovia implicará em um fato consumado para a construção dos demais trechos

ainda não construídos.

No ano de 2004, o governo do Estado de São Paulo apresentou um

documento denominado Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que tem por

finalidade “avaliar a viabilidade ambiental do Rodoanel Mario Covas bem como

sua implementação gradativa, por trechos, num horizonte de quinze anos”.77

Muitos países adotam este tipo de estudo como forma de analisar a

implementação de um projeto como o Rodoanel, analisando as possibilidades de

implantar ou não um projeto.

O documento de Avaliação Ambiental Estratégica foi aprovado pelo

CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo), entendendo

que o documento atinge satisfatoriamente todos os questionamentos no contexto

da dinâmica urbana e ambiental da Região Metropolitana de São Paulo; que o

licenciamento por trechos é viável e que o documento pode ser usado como

termo de referência para o Estudo de Impacto Ambiental do trecho sul da

rodovia. Nesta mesma reunião que aprovou o documento AAE – Avaliação

Ambiental Estratégica–, o secretário do Meio Ambiente concedeu prazo de 10

dias para que fossem apresentadas sugestões e complementações ao Termo de

Referência do EIA/RIMA - Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de

Impacto Ambiental.

O que observamos nos estudos analisados é que existe uma grande disputa

entre governo e sociedade civil na questão da construção da rodovia, mas a

questão principal a ser observada é a preocupação com a degradação do meio

ambiente. O Estado quer a construção da rodovia a qualquer custo, mas a

77 Relatório de Impacto Ambiental – RIMA- Programa Rodoanel – Trecho Sul Modificado. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 2004.

sociedade civil exige que a obra atenda às necessidades de todos, inclusive

daqueles que serão diretamente afetados pela construção da rodovia.

A construção de uma rodovia como o Rodoanel gera danos significativos

para o meio ambiente, porém alguns danos não podem ser mensurados e diante

do caso concreto é que se deve monitorar e evitar os danos ambientais. O Estudo

de Impacto Ambiental tem como objetiva evitar que o dano ocorra de forma

irreversível. O Estudo de Impacto Ambiental pressupõe três elementos básicos

para a sua consecução: transparência administrativa, a consulta aos interessados

e a motivação da decisão ambiental.78

A sociedade civil encontrou, em 2004, um empecilho a sua atuação

quando o ISA – Instituto Sócio Ambiental – teve negado seu pedido de

audiência pública, para garantir a participação da sociedade interessada na

definição do Estudo de Impacto Ambiental do trecho sul do Rodoanel, sob a

alegação de que as audiências públicas já haviam sido realizadas por ocasião do

Estudo de Impacto Ambiental anteriormente apresentado, o qual foi suspenso

judicialmente em 2003.

Aponta-se como incorreto subdividir em três o EIA/RIMA – Estudo de

Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – para os trechos sul, leste

e norte a serem construídos, cada um dos novos estudos deverá ter a participação

da sociedade interessada. 78 MILARÉ, Édis. Op. cit. p.440.

É importante a lição do professor Édis Milaré neste sentido: “a consulta

aos interessados consiste na efetiva participação e fiscaliza da atividade

administrativa por parte da comunidade, a ponto de poder exprimir suas dúvidas

e preocupações antes que seja muito tarde. De fato, não basta que o

procedimento do Estudo de Impacto Ambiental seja transparente. Há que ser, de

igual forma, participativo, pois uma decisão ambiental arbitrária, mesmo que

absolutamente transparente, não atende ao interesse público”. 79

Um outro problema que entidades civis vem apontando está ligado ao

trecho oeste que já esta em operação. A empresa Dersa S/A, que é estatal e que

está construindo a obra não cumpriu com todos os compromissos assumidos

com a obtenção da licença para o trecho oeste.

A preocupação da sociedade civil é clara, pois no trecho em operação, a

Construtora do Rodoanel deixou falhas ainda não sanadas como a recuperação

dos passivos ambientais, o reassentamento habitacional, a implantação de caixa

de contenção de líquidos para acidentes com cargas perigosas e o

monitoramento do ruído lindeiro.

Na foto a abaixo (produzida e divulgada pela ONG SOS Mata Atlântica

em 2004), observamos um problema deixado pela construção do Rodoanel, o

sistema de drenagem não foi concluído satisfatoriamente e sua manutenção tem

deixado a desejar. 79 MILARÉ, Édis. Op. cit. p.440

A população tem reclamado

que enfrenta problemas com

enchentes, pois a compensação não

foi feita e o lixo se acumula no

entorno. O ruído excessivo tem

sido outro problema enfrentado

pela população vizinha á rodovia, o

barulho é elevadíssimo, superior ao

definido pela Organização Mundial

da Saúde.

O problema dos ruídos, segundo a sociedade civil, não está sequer

registrado no documento referente ao licenciamento do trecho sul.

4.4 RESPONSABILIDADE DO EMPREENDEDOR

O empreendedor do Programa Rodoanel é o Governo do Estado de São

Paulo conjuntamente com a empresa DERSA S/A, uma empresa pública do

Estado de São Paulo; é uma pessoa jurídica regularmente constituída e que está

à frente da construção da obra.

Como já foi abordado em momento anterior, estão sujeitas à

responsabilidade civil por danos ao meio ambiente as pessoas físicas e jurídicas,

não se eximindo dos custos ambientais gerados por sua atividade, conforme se

depreende do artigo 225 § 3º da Constituição Federal, já transcrito neste

trabalho.

A responsabilidade pela reparação dos danos ambientais é solidária

quando houver multiplicidade de responsáveis, devendo ser o dano reparado por

um ou por todos ao mesmo tempo. Quando a culpa é por omissão torna-se ainda

mais difícil sua apuração.

A atividade, exercida mediante licença dos órgãos que cuidam o meio

ambiente, não exime o poluidor da responsabilidade pelos danos causados, ou

seja, a licitude de uma atividade não pode configurar um óbice à proteção do

meio ambiente.

A responsabilidade objetiva é fundamentada na doutrina da normalidade

da causa e anormalidade do resultado. O Estado tem o dever de proteger o meio

ambiente, cumprindo o preceito constitucional de proporcionar a todos a sadia

qualidade de vida através da preservação do meio ambiente ecologicamente

equilibrado. Valer-se da licença concedida mediante preenchimento de

requisitos legais não justifica a degradação decorrente da atividade. O fim

econômico esperado com a implementação da rodovia não justifica a degradação

ambiental.

Segundo a teoria do risco integral, qualquer fato, culposo ou não-culposo,

impõe ao agente a reparação, desde cause um dano.80

No caso Rodoanel, serão responsáveis pela degradação ambiental não

apenas o empreendedor, mas também o Estado, os Municípios envolvidos, assim

como também será responsável o órgão que emitiu a licença para a

implementação da obra.

O Estado como pessoa jurídica de direito público interno também pode

figurar como sujeito passivo nas ações de responsabilidade civil por danos

ambientais, pois é dever do Estado fiscalizar e impedir que os danos ocorram.

Isto decorre da prerrogativa Constitucional que impõe ao Poder Público o dever

de zelar pelo meio ambiente.81

O Estado quando responsabilizado pelos danos ambientais decorridos de

sua ineficiência em preservar e fiscalizar o meio ambiente guarda o direito de

regresso contra os causadores do dano, ainda que estes tenham licença ambiental

para exercer suas atividades.

A teoria adotada no Brasil para composição de danos causados ao meio

ambiente é a teoria da responsabilidade objetiva do risco integral. Assim, todos

os danos, potenciais ou efetivos, são de responsabilidade do empreendedor da

obra e das empresas construtoras, independentemente de culpa; não poderão ser

80 MILARE, Édis. Op. cit. p. 754. 81 Constituição Federal de 1988, art. 225, “caput”.

invocadas em matéria de defesa judicial as excludentes de culpabilidade, pois,

estas não se aplicam na teoria do risco integral.

4.5 SADIA QUALIDADE DE VIDA E DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

“A agressão aos bens da natureza, pondo em risco o destino do homem, é

um dos tremendos males que estão gerando o ‘pânico universal’ que assombra a

humanidade neste inquietante início de milênio”.82

O princípio do eco-desenvolvimento ou desenvolvimento sustentável é a

pilastra basilar que concilia a preservação do meio ambiente, a melhor qualidade

de vida e o desenvolvimento, que são três metas indispensáveis.

Impedir o avanço da humanidade é desvirtuar a própria história da

evolução, ou seja, é a transgressão do próprio instinto de sobrevivência da

espécie. Nós produzimos em quantidades cada vez maiores de alimentos não

apenas pelo lucro, mas porque temos uma população que cresce hodierna e

precisa se alimentar.

O aço que produzimos transporta esses mesmos alimentos, por terra, água

e ar. É preciso que as três metas coexistam criando o equilíbrio necessário para

82 MILARÉ, Édis. Op. cit. p.50

que a evolução não acabe com o meio ambiente, assim como, um eco-

radicalismo não impeça o desenvolvimento da sociedade criando uma situação

de eco-estagnação.

Os minérios que movimentam máquinas e sustentam prédios são

produzidos por meio da extração em minas, jazidas, garimpos etc, contudo, sua

exploração desregrada gera danos que na maioria das vezes são irreparáveis,

criando empecilho à fruição do direito fundamental a “uma sadia qualidade de

vida”.83

O desenvolvimento sustentável, como princípio, trás consigo a máxima de

que devemos “pensar global, agir local”. Isso mostra que a preocupação com o

meio ambiente extrapola os limites da soberania de um país. A questão

ambiental ganhou amplitude internacional a partir da década de 70, envolvendo

muitos países por meio de tratados e convenções.

Seria inócuo tratar os recursos naturais como intocáveis. A

sustentabilidade inerente aos próprios recursos da natureza prende se as cadeias

ecossistêmicas; é a interação das fontes de recursos que interagem numa relação

de interdependência mútua. A conseqüência da inobservância do

desenvolvimento sustentável acarretará, em curto prazo, a destruição da

biodiversidade, será a destruição do ecossistema planetário.

83 Constituição Federal de 1988, art. 225.

A necessidade de um sistema jurídico para proteger o meio ambiente

surge neste contexto histórico em que a degradação do meio ambiente segue

inadvertidamente a passos largos, destruindo o que a natureza levou milhões de

anos para construir. A proteção aos bens difusos por leis atende a três critérios:

preventivo, reparatório e sancionador.

A grande questão desta obra é encontrar o ponto de equilíbrio entre o

desenvolvimento e a preservação dos recursos ambientais para garantir a

qualidade de vida de todas as espécies e não apenas dos seres humanos. O que

devemos equacionar no momento de construirmos uma rodovia como esta é o

desenvolvimento sustentável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento desta monografia de conclusão de curso possibilitou o

estudo sistemático da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Isto

foi possível em razão dos diversos aspectos da responsabilidade civil que foram

objeto de estudo até aqui.

O Direito Ambiental ganha a cada dia mais expressividade diante da real

necessidade que temos do meio ambiente para nossa sobrevivência. O meio

ambiente passou a ser considerado como bem de uso comum do povo e sua

proteção ganhou status de direito fundamental com a Constituição Federal de

1988, apesar da sua expressividade na legislação ter iniciado na década de 80.

O Direito Ambiental é uma disciplina, sobretudo, nova, moderna, que está

se desenvolvendo paulatinamente, diante da necessidade de proteção do meio

ambiente. A disciplina da responsabilidade civil em Direito Ambiental diverge

em diversos pontos da responsabilidade civil adotada pela teoria clássica do

Direito Civil.

Em razão disto, apontamos as conclusões que chegamos com o

aprofundamento do tema.

Existem duas teorias adotadas utilizadas para responsabilizar o agente que

causa prejuízo a outrem. A primeira é a teoria da responsabilidade subjetiva

fundada na culpa, a qual figura como regra geral no Código Civil. A segunda é a

teoria objetiva, ou teoria da responsabilidade sem culpa, a qual figura como

exceção dentro do Código Civil.

A responsabilidade civil por danos ambientais no sistema jurídico

brasileiro está fundamentada na teoria objetiva. Essa teoria se divide em três:

teoria do risco criado, teoria do risco proveito e teoria do risco integral. O Brasil

adota a teoria objetiva do risco integral para responsabilizar o agente degradador

do meio ambiente.

A teoria objetiva não está fundada na culpa do agente, mas sim na

existência de nexo causal entre a conduta e o resultado, independentemente de

culpa.

Os danos ambientais não precisão ocorrer efetivamente para que o agente

que degrada o meio ambiente seja responsabilizado. O princípio da prevenção

em Direito Ambiental determina que os danos sejam evitados, pois, como

vimos, um ecossistema que levou milhares de anos para ser criado não irá se

restabelecer de um dia para o outro.

O dano ambiental possui características próprias que o diferenciam do

dano tutelado no Direito Civil clássico. O dano ambiental possui como

características principais a pulverização das vítimas, a responsabilidade do

agente independentemente de culpa e a dificuldade em determinar o valor do

prejuízo sofrido.

A rodovia Rodoanel Mario Covas causa extremo furor entre os membros

da sociedade civil e o governo. Este quer ver a obra concluída a todo custo,

enquanto aqueles estão dispostos a brigar judicialmente pela não construção da

rodovia.

A problemática jurídica do Rodoanel não é de fácil entendimento. Entre

os fatores apontados como benéficos para a construção da rodovia estão a

redução do tráfego de passagem dentro da Região Metropolitana de São Paulo e

a melhoria da qualidade de vida dos habitantes de toda grande São Paulo.

Isto ocorreria em virtude do aumento da velocidade média dos veículos

dentro do sistema viário diminuindo o número de horas de trânsito gastas, bem

como, a diminuição da poluição por fontes móveis.

Outro benefício apontado é a possibilidade do contingenciamento da

destruição das áreas de mananciais da região sul pela implementação de

programas de preservação ambiental e a criação de área de proteção ao longo da

rodovia, e também a impossibilidade de construção de vias locais transversais à

rodovia.

Por outro lado, a sociedade civil aponta diversos motivos para obstar a

construção da rodovia. Entres os principais pontos negativos do Rodoanel estão:

a construção da rodovia na área de mananciais da região sul, a destruição da

reserva da biosfera do Parque Estadual da Serra da Cantareira, em razão da

passagem da rodovia dentro dos limites do parque, o que causará o adensamento

populacional ou efeito de borda, já verificado no trecho oeste já concluído do

Rodoanel.

A responsabilidade do empreendedor pelos danos causados em razão da

construção da rodovia é objetiva integral, ou seja, todos os efeitos negativos que

ocorram durante a obra ou durante a utilização da rodovia são de inteira

responsabilidade da Dersa S/A, assim como do Estado de São Paulo.

Contudo, diante da potencialidade lesiva da obra, que poderá causar danos

irreparáveis ao meio ambiente, o Ministério Público interveio na questão,

promovendo uma Ação Civil Pública para responsabilizar os agentes que estão

degradando o meio ambiente.

Os Tribunais brasileiros adotam, para a responsabilização civil pelos

danos ambientais, os danos reais, via de regra, o que muitas vezes torna o

prejuízo para a coletividade irreparável. Todavia, deve se mudar a mentalidade

que hoje existe e passar a coibir as atividades que tenham potencialidade lesiva

para o meio ambiente, impondo a obrigação de um seguro ambiental para estas

atividades que tem essa característica.

Assim, a grande questão a ser equacionada durante os trabalhos de análise

sobre a viabilidade de continuar o empreendimento é o desenvolvimento

sustentável, pois a sociedade passa por constantes evoluções e o homem deve

aprender a coexistir com as mudanças, buscando a melhor qualidade de vida

para as presentes e futuras gerações.

Contudo, é imprescindível uma legislação forte que, sob o princípio do

desenvolvimento sustentável, estabeleça critérios para a coexistência do

desenvolvimento, da melhor qualidade de vida e da preservação ambiental, não

se olvidando que uma forma de tornar mais eficaz a proteção e preservação do

meio ambiente é a reestruturação dos órgãos que cuidam da preservação do meio

ambiente, além, do incentivo e investimento do poder público em educação

ambiental.

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