responsabilidade civil pelo assédio moral trabalhista

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  • 7/25/2019 Responsabilidade Civil Pelo Assdio Moral Trabalhista

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    EDUARDO JOS SCHEIBLER

    RODRIGO HENRIQUES TOCANTIS

    RESPONSABILIDADE CIVIL

    PELO ASSDIO MORALTRABALHISTA

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    EDUARDO JOS SCHEIBLER

    RODRIGO HENRIQUES TOCANTINS

    RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ASSDIO MORAL TRABALHISTA

    PORTO ALEGRE

    APOIO CURSOS

    2015

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    SUMRIO

    1 INTRODUO......................................................................................................... 4

    2 ASSDIO MORAL NAS RELAES DO TRABALHO.......................................... 6

    2.1 Evoluo histrica .............................................................................................. 6

    2.2 Conceito ............................................................................................................... 7

    2.3 Caracterizao do assdio moral.................................................................... 11

    2.4 Distino com figuras assemelhadas e com dano moral.............................. 18

    2.5 Espcies de assdio moral .............................................................................. 21

    3 TUTELA JURDICA DO ASSDIO MORAL......................................................... 28

    3.1 Assdio moral no direito comparado.............................................................. 28

    3.2 Tutela constitucional ........................................................................................ 36

    3.2.1 Principio da dignidade da pessoa humana ...................................................... 37

    3.2.2 Princpio da igualdade ...................................................................................... 39

    3.2.3 Dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ......................................... 40

    3.2.4 Direito fundamental integridade do ambiente de trabalho ............................. 41

    3.3 Princpio da proteo do trabalhador............................................................. 41

    3.4 Da consolidao das leis trabalhistas............................................................ 42

    3.5 Legislao esparsa ........................................................................................... 46

    3.6 Projetos de lei federal....................................................................................... 51

    3.6 Jurisprudncia .................................................................................................. 54

    4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ASSDIO MORAL................................ 59

    4.1 Da responsabilidade civil................................................................................. 59

    4.2 Das espcies de responsabilidade civil.......................................................... 62

    4.2.1 Da responsabilidade civil contratual e extracontratual ..................................... 62

    4.2.2 Da responsabilidade civil subjetiva e objetiva .................................................. 63

    4.3 Da responsabilidade civil pelo assdio moral................................................ 65

    4.4 Das provas do assdio moral .......................................................................... 71

    5 CONCLUSO ........................................................................................................ 78

    REFERNCIAS ........................................................................................................ 81

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    1 INTRODUO

    O assdio moral nas relaes do trabalho um fenmeno to antigo quanto as prprias

    relaes de trabalho, remontando sculos de histria. Contudo, a necessidade de tutela por

    parte do Estado tornou-se imperiosa e inafastvel apenas nas ltimas dcadas, premidas pelos

    avanos tecnolgicos e pela globalizao, que tornaram o mercado ainda mais competitivo,

    onde os resultados, essenciais para a sobrevivncia das empresas, acabam inmeras vezes

    por sobrepujar os direitos do trabalhador, afrontando mesmo sua dignidade.

    Incitados pela necessidade premente, diversos estudiosos, tanto da rea mdica quanto

    da rea jurdica, passaram a dispensar ateno especial ao instituto do assdio moral

    trabalhista, estudos estes que vem se desenvolvendo incessantemente nas ltimas dcadas.

    Por tratar-se de um instituto relativamente novo no mundo jurdico e em pleno

    amadurecimento terico, diversas so as controvrsias que dele se subtraem, seja em funo

    de seu conceito e abrangncia, seja em relao aos seus sujeitos, tutela e aplicao.

    O presente trabalho de concluso de curso abordar o assdio moral trabalhista sob o

    enfoque da responsabilidade civil, com o objetivo primordial de identificar o tipo de

    responsabilidade aplicada ao agressor, direto ou indireto, especialmente face ao tratamentoprobatrio das diferentes espcies de responsabilidade.

    Em se tratando o assdio moral ocorrido na relao trabalhista de uma pratica perversa

    dirigida contra o trabalhador, com a degradao do ambiente de trabalho e capaz de ofender

    sua dignidade e causar-lhe danos fsicos e psquicos, no h que olvidar-se que a

    responsabilizao do agente causador primordial para reparao do dano sofrido.

    Em decorrncia desta necessidade, imperioso o aprofundamento acerca da

    responsabilidade civil, com a identificao da espcie de responsabilidade aplicada

    respectivamente a cada tipo de assdio moral trabalhista.

    A importncia da anlise pormenorizada sobre as espcies de responsabilidade civil

    aplicveis ao assdio moral no trabalho assenta-se nas provas exigidas, que podero ser

    potencialmente mais ou menos difceis de obteno por parte do ofendido.

    Para o desenvolvimento do presente trabalho bibliogrfico, utilizar-se- de consultas a

    livros de disciplinas diversas, tais como de Direito Trabalhista, Direito Penal, Direito

    Constitucional e Direito Civil, bem como de artigos e stios eletrnicos sobre o tema.

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    Assim, pretende-se, sem a pretenso de esgotar o assunto, mesmo pelo fato de que

    muita discusso ainda deve ser realizada at seu amadurecimento definitivo em solo ptrio,

    averiguar qual a responsabilidade civil aplicvel ao assdio moral trabalhista e quais as provas

    necessrias para ter-se a responsabilizao do agressor.

    Todavia, para alcanar o objetivo cerne do presente trabalho de concluso de curso,

    inicialmente imprescindvel situar o assdio moral trabalhista em seu contexto histrico,

    verificando ainda as definies adotadas pelas mais modernas doutrinas que abordam o tema,

    quais as caractersticas do assdio moral, bem como distingui-lo de figuras assemelhadas e

    tratar das espcies de assdio moral trabalhista possveis.

    Ainda, por tratar-se de fenmeno de interesse jurdico, essencial uma viso geral acerca

    do tratamento legal dispensado ao assdio moral, incursionando-se assim pelo direito

    comparado e pelas organizaes internacionais, culminando na tutela jurdica do assdio moral

    no Brasil, constitucional, infraconstitucional e jurisprudencial.

    Superadas as digresses essncias para o desenvolvimento do tema, pretende-se trazer

    luz respostas acerca da responsabilidade civil pela prtica do assdio moral e das provas

    dela decorrentes.

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    2 ASSDIO MORAL NAS RELAES DO TRABALHO

    Para a compreenso de qualquer tema acadmico, em especial quando oriundo do ramo

    do direito, tem-se que essencial a noo acerca de suas origens, conceito, caractersticas e

    classificaes, bem como no presente caso o conhecimento das formas em que se manifesta o

    instituto pesquisado.

    Somente quando superadas essas questes iniciais possibilita-se o aprofundamento na

    seara normativo legal, razo pela qual nesse captulo sero abordadas essas questes

    basilares, a comear pelas origens do assdio moral nas relaes do trabalho.

    2.1 Evoluo histrica

    As relaes de trabalho remontam sculos de histria, contudo o Direito do Trabalho tem

    sua origem na segunda metade do sculo XIX, reflexo da Revoluo Industriali.

    A referida revoluo trouxe consigo possibilidades dantes inexistentes em funo do

    autoritarismo, sendo propulsora de movimentos sociais, tais como o marxismo, que conduziram

    a Europa criao de leis especficas para proteo do trabalhador, assim,

    Estava criado o Novo Direito. Um direito eminentemente tutelar que buscava, como jdito, proteger uma coletividade de pessoas, agora conhecidas como empregados, em

    face dos abusos que eram cometidos por seus empregadores. ii

    Contudo profundas modificaes ocorreram a partir de ento, consolidando na virada do

    sculo XX os direitos trabalhistas, com a agregao da tutela de aspectos de integridade

    fsica, psicolgica e econmica do trabalhador.iii

    Como as relaes sociais so dinmicas e o mundo, desde a solidificao dos direitos

    trabalhistas evoluiu, primordialmente por fora da evoluo tecnolgica e da globalizao, tem-

    se, por consequncia, um mercado muito mais competitivo e a necessidade de reflexo sobre

    os direitos trabalhistas existentes, dentre os quais a proteo contra o assdio moral.

    Neste contexto como expe Robson Zanetti, surgem os primeiros estudos acerca desta

    violncia que permeia as relaes de trabalho desde a antiguidade: O estudo cientfico e sua

    teorizao so novos, porm o problema do assdio no, existem histrias desde os tempos da

    bblia.iv

    Embora o termo mobbingtenha sido utilizado inicialmente pelo etlogo Lorenz em 1961,

    em estudo realizado sobre o comportamento de animais, e por Heinemann em 1972, ao

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    analisar um grupo de crianas que atentava contra outra criana isolada v, o primeiro estudo

    cientfico sobre o assdio moral nas relaes do trabalho foi publicado em 1984, resultado de

    pesquisa realizada pelo cientista sueco e doutor em psicologia do trabalho Heinz Leymann,

    demonstrando os efeitos desta violncia na sade do trabalhadorvi.

    O estudo elaborado por LeymIann conquistou adeptos, como o doutor Klaus Niedl, a

    mdica Marie-France Hirigoyen, o italiano Harald Ege e o alemo DieterZapfvii, exemplosde

    expoentes no assunto.

    Apesar do sensvel aprofundamento sofrido pelo assdio moral nas dcadas de 80 e 90,

    somente na virada do sculo XXI este recebeu tratamento jurdico quer por meio da doutrina,

    da legislao, quer por meio da jurisprudncia, embora se afirme que j havia trabalhos sobre o

    assunto desde os anos 70, sem, contudo, definir o assdio moral e estudando-o com o

    estresse e a sade laboral.viii

    No Brasil, constam diversos projetos de lei sobre o assdio moral desde os anos 90,

    todavia o tema ganhou especial repercusso em 2000, com a pesquisa realizada pela Dra.

    Margarida Barreto, intitulada de Uma jornada de humilhaes, na qual foi constatado que num

    universo de 2.072 trabalhadores entrevistados, 870 j haviam vivenciado situaes

    humilhantesix

    .

    Ainda, to relevante para o amadurecimento da questo em solo ptrio quanto a pesquisa

    da Dra. Margarida Barreto, foi a traduo do livro L harclement moral: la violence perverse

    au quotidien de Marie-France Hirigoyen, no mesmo ano, doutrinariamente a primeira

    publicao traduzida voltada ao tema.x

    Em decorrncia destes estudos, da relevncia social e da necessidade de soluo dos

    conflitos, a expresso assdio moral passa a ter significado de maus-tratos aos indivduos emseus locais de trabalho, caracterizada por praticas e condutas, estas passiveis de reparao.

    2.2 Conceito

    O assdio moral, como j verificado, um fenmeno antigo, que mesmo tendo sido

    abordado anteriormente por especialistas de reas diversas, somente ganhou espao no

    mundo jurdico na ltima virada de sculo.

    Esse mesmo fenmeno reconhecido por diversas denominaes, como p. ex.: mobbing

    na Itlia;terrorismo psicolgico ou assdio moral em Portugal; harclementemoral na Frana;

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    bullying na Inglaterra; harassment nos Estados Unidos e; ijime no Japo, entre outros. No

    Brasil ainda no h estabelecimento de denominao especfica, sendo assdio moral o termo

    mais comumxi.

    Thome identifica ainda outras denominaes, como: violnciahorizontal, usura mental,

    work or employee abuse, mistreatment, emotional abuse, bossing, victimisation, intimidatio,

    acoso moral, maltrato psicolgico, psychological terror at the workplace, hostile behaviours at

    work, workplace trauma, stalking, incivility, psychological aggression e emotional violence.xii

    O interesse social e jurdico deste incio de sculo pelo tema compreensvel, tendo em

    vista que a presso exercida pelas empresas sobre seus empregados crescente em um

    mercado globalizado, cada vez mais dinmico e competitivo.

    Tambm inquestionvel que a busca por resultados ser sempre o objetivo daqueles

    que exercem atividades empresariais, e que a mo-de-obra elemento bsico para que as

    metas sejam atingidas.

    No entanto, no se pode permitir que a competitividade e a cobrana por resultados

    estabeleam um ambiente de trabalho fundado no terror psicolgico, atentando contra a

    dignidade humana.

    Outrossim, situaes triviais como desentendimentos pontuais ou mero estresse, que

    fazem parte da vida de todos, tambm no podem ser consideradas para efeitos jurdicos, sob

    pena de tornar invivel o convvio social e mesmo as atividades empresariais.

    Da a importncia de ter-se uma definio clara e objetiva quanto ao assdio moral,

    evitando que situaes confusas ou pessoas de m-f faam uso inadequado deste importante

    instituto jurdico de defesa dos trabalhadores.

    em virtude de sua importncia que estudos cientficos vm se desenvolvendo e

    aprimorando no decorrer do tempo.

    Como tratado no ttulo anterior, o cientista sueco Heinz Leymann foi quem primeiro

    preocupou-se com o tema, elaborando um conceito para o assdio moral nas relaes do

    trabalho, como sendo:

    A deliberada degradao das condies de trabalho atravs do estabelecimento decomunicaes no ticas (abusivas), que se caracterizam pela repetio, por longo

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    tempo, de um comportamento hostil de um superior ou colega(s) contra um indivduo que

    apresenta, como reao, um quadro de misria fsica, psicolgica e social duradoura.xiii

    Mais recentemente, a psicloga francesa Marie-France Hirigoyen definiu como assdio

    moral, como:

    [...] qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por

    sua repetio ou sistematizao, contra a dignidade ou a integridade psquica ou fsica

    de uma pessoa, ameaando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. xiv

    No Brasil, o primeiro estudo cientifico acerca deste fenmeno atribudo Dra. Margarida

    Barreto, que considera assdio moral:

    [...] a exposio dos trabalhadores e trabalhadoras a situaes humilhantes econstrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exerccio

    de suas funes, sendo mais comuns em relaes hierrquicas autoritrias e

    assimtricas, em que predominam condutas negativas, relaes desumanas e aticas de

    longa durao, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s),

    desestabilizando a relao da vtima com o ambiente de trabalho e a organizao,

    forando-o a desistir do emprego.xv

    Jurisprudencialmente, Frota cita que o conceito adotado de afronta dignidade da

    pessoa humana e em consequncia, integridade fsica, psquica e moral do trabalhador,realizada pelo empregador ou por colegas de trabalho, ao expor a vtima a situaes

    humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no

    exerccio de suas funesxvi.

    A Organizao Internacional do Trabalho (OIT), acompanhando a necessidade social,

    define o dano moral no trabalhoconsequncia do assdio moral - como uma conduta abusiva

    de natureza psicolgica que atenta contra a dignidade psquica do trabalhadorxvii.

    Em recente trabalho, Mrcia Novaes Guedes trata o assdio moral como:

    Todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do

    patro, da direo da empresa, do gerente, chefe, superior hierrquico ou dos colegas,

    que traduzem uma atitude contnua e ostensiva perseguio que possa acarretar danos

    relevantes s condies fsica, psquicas, morais e existenciais da vtima.xviii

    Como visto, a tarefa de conceituar o assdio moral no trabalho tem sido rdua, tanto na

    rea da psicologia quanto no Direito, e ainda em maturao, o que impede que qualquer

    formulao seja tida como definitiva.

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    No entanto, pela sua abrangncia e ousadia, opta-se pela definio a seguir:

    O assdio moral no trabalho se caracteriza por qualquer tipo de atitude hostil, individual

    ou coletiva, dirigida contra trabalhador por seu superior hierrquico (ou cliente do qual

    dependa economicamente), por colega do mesmo nvel, subalterno ou por terceirorelacionado com a empregadora, que provoque uma degradao da atmosfera de

    trabalho, capaz de ofender sua dignidade ou de causar-lhe danos fsicos ou psicolgicos,

    bem como de induzi-lo a pratica de atitudes contrarias a prpria tica, que possam

    exclu-lo ou prejudic-lo no progresso em sua carreira.xix

    Interessante verificar que Marcelo Rodrigues Prata explicita, e mesmo inova, em seu

    conceito, quando elenca: a) como agressores: o cliente do qual haja dependncia econmica, o

    terceiro relacionado com a empresa e o subalterno; b) como violncia: a induo a prticas

    antiticas que possam excluir ou prejudicar a vtima em sua carreiraxx.

    Inegvel que este ltimo conceito abrange os demais expostos e os extrapola, permitindo

    uma viso ampla do tema e trazendo consigo tendncias naturais do instituto, razo para

    adot-lo como norte no presente momento evolucionrio do assdio moral.

    Quanto sua natureza jurdica, pode-se dizer que: 1) no mbito trabalhista trata-se de

    falta grave, entendimento do art. 493 da CLT, Constitui falta grave a prtica de qualquer dos

    fatos a que se refere o art. 482, quando por sua repetio ou natureza representem sria

    violao dos deveres e obrigaes do empregado.; 2) naadministrao pblica federal uma

    quebra de deveres do servidor pblico, conforme Lei n 8.112/90; 3) Na esfera cvel constitui-se

    de um ato ilcito, nos termos dos art. 186 e 187 do Cdigo Civil Brasileiro de 2002 e; 4) no

    contexto penal pode ser um crime contra a liberdade pessoal, conforme art. 146 do Cdigo

    Penal, ou ainda uma excludente de culpabilidade enquanto considerado como coao

    irresistvel, de acordo do art. 22 do mesmo diploma legal.

    Veja-se que a referncia ao art. 493 da CLT, realizada por Prata, construo doutrinaria

    para identificao da natureza jurdica do assdio moral trabalhista, pois para efeitos concretos

    no teria aplicabilidade direta ao instituto, uma vez que faz referncia as faltas graves do

    empregado, no do empregador.

    Contudo, a simples conceituao de assdio moral no soluo suficiente para sua

    compreenso, sendo imprescindvel a anlise das caractersticas inerentes ao tema.

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    2.3 Caracterizao do Assdio Moral

    Inicialmente, vale notar que a conceituao do assdio moral segue uma lgica linear em

    sua evoluo, ou seja, praticamente no existe discordncia entre os autores, ocorrendo

    diferenas pontuais apenas em relao clareza e especificidade, fruto natural dos estudos

    sobre a matria.

    Diversa a situao encontrada na posio quanto aos elementos que caracterizam o

    tema, obviamente porque esses tratam do desmembramento do conceito e atribuem diferentes

    graus de valores e de necessidade para cada ponto daquele, bem como acrescem ou

    subtraem caractersticas.

    Contudo, os principais elementos tratados pela doutrina so o dano, a repetio, ainteno, a durao no tempo, a premeditao, a intensidade da violncia psicolgica e a

    existncias de danos psquicosxxi.

    No haveria de se falar em assdio moral sem dano, o qual ocorre pela existncia de ato

    do agressor com consequente dano a dignidade do empregado. Para ser configurado basta a

    degradao do ambiente de trabalho, logo no h necessidade de prova direta dele, mas dos

    atos atentatrios, tendo em vista que o dano moral um dano in re ipsa, ou seja, decorre

    automaticamente do ato ilcito.xxii

    Em posio diametralmente oposta, Robson Zanetti considera essencial a prova do dano,

    sendo que quando a vtima for mais resistente simplesmente ficar margem da justia, como

    se observa a seguir:

    importante que fique provado que o assediado foi atingido em sua sade, seja ela

    fsica e/ou mental, pois vrios sintomas nascem do assdio.

    [...]

    Esta prova importante porque tem pessoas que sofrem atos de assdio mais no so

    atingidas, trata-se, podemos dizer de uma imunidade psicolgica ao assdio. Se a

    pessoa no foi contaminada, no existe prejuzo e quando se fala em responsabilidade

    civil, no existe reparao sem prejuzo.xxiii

    Se a posio de Zanetti fosse adotada como premissa para o assdio moral, certamente

    um imprio de injustias avanariam sobre aqueles que at ento se mostram resistentes condutas atentatrias como as que caracterizam o assdio moral.

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    Na necessidade da repetio identifica-se a maior convergncia de opinies, sendo

    elemento reconhecido desde o principio pelos psiclogos e at ento tido como fundamental

    para caracterizao do assdio moral.

    Assim, considerada elemento intrnseco ao instituto, atos isolados e/ou espordicos no

    configuram assdio moral, contudo pode caracterizar um dano moral, mas em esfera diversa

    da abordada nessa monografiaxxiv.

    No mesmo sentido, Maria Aparecida Alkimin refere que a conduta ensejadora do assdio

    moral no pode se apresentar como fato isolado [...] devem ser praticados de forma reiterada

    e sistemtica.xxv

    Importa ainda salientar que a fixao de quantidade mnima de repeties acarretaria emprejuzo justia, uma vez que existem vrios tipos de assdio moral que podem causar danos

    em maior ou menor espao de tempoxxvi.

    Em casos excepcionais seria admissvel a configurao do assdio moral independente

    da repetio, desde que as circunstncias da agresso revelem claramente que o objetivo do

    ato seja a expulso da vtima do ambiente de trabalhoxxvii.

    Em contrapartida repetio, o critrio de durao no tempo deveras nebuloso econtroverso entre os autores, enquanto que para alguns seria elemento intrnseco do assdio

    moral, para outros no h necessidade de durao mnima.

    Para Thome, diante da prpria ideia de assdio, tem-se que uma certa durao no tempo

    faz-se necessria para sua configurao, mas o limite temporal ser determinado conforme o

    caso concreto.xxviii

    Com referncia a durao no tempo, Alkimin assevera que essa frequncia, no direito dotrabalho, usualmente tratada por habitualidade, e que para ser habitual no precisa acontecer

    uma vez por semana ou por ms, importando sim que haja regularidade e repetio sistemtica

    da condutaxxix.

    Posio contrria apresenta Robson Zaneti, analisando a pesquisa de Leymann, tendo

    como resultado a seguinte concluso:

    Tais estudos cientficos no deixam dvidas, segundo dados estatsticos, que o assdiodeve ter frequncia de pelos menos uma vez por semana. Se no houver esta

    frequncia mdia, no ser o que a nvel internacional se considerada assdio e sim

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    uma nova teoria que de algum a qual precisa ser reconhecida mundialmente, como o

    assdio!xxx

    Tendo por base os argumentos dos autores anteriores, a posio esposada por Zanetti

    torna-se duvidosa e incisiva demais para um instituto que se encontra em plena evoluo.

    Contudo, o que resta bvio em relao durao no tempo, que sua necessidade

    dever ser verificada no enfrentamento do caso concreto.

    No quesito intencionalidade tambm se encontra divergncias, contudo a tendncia

    doutrinria de aceitao da inteno do assediador como elemento implcito quando na

    realizao de atos atentatrios contra o trabalhador.

    Marie-France Hirigoyen estabelece a inteno perversa do assediador como elemento

    basilar do instituto, precipuamente porque esse distingue o assdio moral da m condio de

    trabalhoxxxi. Salienta ainda que a inteno pode ser consciente ou inconsciente, devendo ento

    ser avaliado o nvel de conscincia do agressor quanto aos atos praticadosxxxii.

    Embora respeitvel a posio da psicloga precursora dos estudos sobre o assdio

    moral, hodiernamente a importncia da inteno do assediador vem sendo relegada pela

    doutrina ptria.

    Soluo encontrada por Thome foi de considerar que a inteno est implcita quando

    ocorre o assdio moral no trabalho, concluindo que o que deve determinar a existncia de

    assdio moral nas relaes de emprego , portanto, a existncia ou no de degradao

    psicolgica das condies de trabalho e no a intencionalidade do sujeito ativo.xxxiii

    Da mesma forma, Alkimin pondera que mesmo quando inconsciente, qualquer pessoa

    com prudncia e discernimento pode antever o resultado de sua condutaxxxiv.

    Mrcia Novaes Guedes pontua o tema objetivamente, dizendo que a lei deve desprezar o

    aspecto intencionalidade.xxxv

    Contudo, Zanetti ope-se a excluso da inteno como elemento do assdio moral,

    atribuindo vitima obrigao de comunicar ao agressor que est sentindo-se assediada, sendo

    que caso no ocorra a comunicao, devido a inconscincia do agente esse estaria eximido de

    culpaxxxvi.

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    A premeditao tambm tratada para configurao do assdio moral, tendo significado

    etimolgico de: resolver com antecipao e refletidamente, planejarxxxvii.

    A razo para este elemento ser elencado como requisito de assdio moral reside na

    diferena entre a agresso pontual, que decorre de um impulso, e aquela que se perpetua,

    caso em que se considerar assdio moral, do contrrio no haveria o cerco, caracterstica

    inerente ao instituto.xxxviii

    Em oposio ao entendimento acima, Candy Florncio Thome julga que o assdio pode

    ser espontneo, como normalmente ocorre com os casos de assdio moral coletivoxxxix.

    A desnecessidade da premeditao como requisito para caracterizao do assdio moral

    pode ser atribuda ao fato de que essa est contida no elemento de intencionalidade doagressor e sua justificativa no elemento durao, no merecendo maiores digresses.

    Embora alguns autores adotem a intensidade da violncia psicolgica como condio

    para configurao do assdio moral trabalhista, essa tem maior utilidade e interesse para a

    fixao do quantumindenizatrio do que propriamente para a caracterizao do fatoxl.

    Na tica constitucional o requisito de existncia de danos psquicos vtima irrelevante,

    pois a carta magna protege no apenas a integridade psquica, mas tambm a moral.xli

    A posio de Alice Monteiro de Barros, embora tenha opositores, possui embasamento

    irrefutvel, tendo em vista que:

    A se exigir o elemento alusivo ao dano psquico como indispensvel ao conceito de

    assdio moral, ns teramos um mesmo comportamento caracterizando ou no a figura

    ilcita, conforme o grau de resistncia da vtima, ficando sem punio as agresses

    que no tenham conseguido dobrar psicologicamente a pessoa.xlii(Grifo nosso)

    Assim, o mais razovel desprezar a intensidade como elemento configurador do assdio

    moral e trat-la apropriadamente em tpico especfico sobre a fixao do quantum

    indenizatrio.

    Na anlise dos elementos caracterizadores do assdio moral, Maria Aparecida Alkimin

    identifica ainda como caractersticas: a) os sujeitos; b) a conduta, comportamento e atos

    atentatrios aos direitos de personalidade; c) a reiterao e sistematizao e; d) a conscincia

    do agentexliii.

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    Neste ponto a abordagem restringir-se- aos sujeitos e conduta, uma vez que as

    opinies de Alkimin acerca da reiterao e sistematizao, bem como da conscincia do

    agente, esto expostas ao longo do presente subttulo.

    Assim, os sujeitos ativos, podem ser o empregador ou superior hierrquico, algum colega

    de servio ou mesmo o subordinado, enquanto o sujeito passivo ser a vtima. Alkimin frisa que

    a vtima necessariamente deve integrar a organizao do trabalho de forma permanente e

    sistemtica, sendo que o trabalhador eventual em tese no poderia ser vtima do assdio

    moralxliv.

    Podem figurar ainda como sujeitos ativos o cliente do qual haja dependncia econmica

    ou o terceiro relacionado com a empresa.xlv

    Embora a conduta ensejadora do assdio moral no possa ser descrita numerus clausus,

    tem-se que essa pode ser realizada:

    [...] mediante qualquer conduta imprpria e insuportvel que se manifesta atravs de

    comportamentos, palavras, atos, escritos, capaz de ofender a personalidade e

    dignidade, com prejuzos integridade fsica e psquica do empregado, criando

    condies de trabalho humilhantes e degradando o ambiente de trabalho, alm de

    colocar em perigo o emprego.

    xlvi

    A conduta do assediante, alm de violar norma social de ordem moral, infringe normas de

    ordem jurdica, pois nos termos do art. 186 do Cdigo Civil Brasileiro de 2002, Aquele que, por

    ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem,

    ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.xlvii

    Ainda em relao infrao de norma cogente, mesmo o empregador sob o argumento

    de legtimo exerccio do poder diretivo, quando invade a esfera da dignidade e personalidade

    de seu subordinado, comete ato ilcito, como dispe o art. 187 da CCB, in verbis Tambm

    comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites

    impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes.xlviii

    Logo, a conduta do assediante traz implcita consigo a figura do ato ilcito.

    Nesse contexto das condutas, Heinz Leymann divide em cinco grandes grupos as aes

    mais frequentes do assediador, sendo elas: 1) Ataques s possibilidades de comunicao; 2)

    Ataques nas relaes sociais; 3) Consequncias para a reputao social; 4) Ataques na

    qualidade da ocupao e da vida profissional e; 5) Ataques para a sade da vtima.xlix

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    No mesmo sentido, Marie-France Hirigoyen apresenta uma lista exemplificativa de

    atitudes hostis empregadas pelos assediadoresl, sendo oportuno relacion-las para uma

    melhor compreenso:

    a) deteriorao proposital das condies de trabalho, como: retirar da vtima autonomia;

    no lhe transmitir mais as informaes teis para a realizao de tarefas; contestar

    sistematicamente todas as suas decises; criticar seu trabalho de forma injusta ou

    exagerada; priv-la do acesso aos instrumentos de trabalho; retirar o trabalho que

    normalmente lhe compete; dar-lhe permanentemente novas tarefas; atribuir-lhe

    proposital e sistematicamente tarefas inferiores ou superiores s suas competncias;

    pression-la para que no faa valer seus direitos; agir de modo a impedir que obtenha

    promoo; atribuir vtima, contra a vontade dela, trabalhos perigosos; atribuir vtimatarefas incompatveis com sua sade; causar danos em seu local de trabalho; dar-lhe

    deliberadamente instrues impossveis de executar; no levar em considerao

    recomendaes de ordem mdica indicadas pelo mdico do trabalho; induzir a vtima

    ao erro;

    b) isolamento e recusa de comunicao, sendo que: a vtima interrompida

    constantemente; superiores hierrquicos ou colegas no dialogam com a vtima; a

    comunicao com ela unicamente por escrito; recusam todo o contato com ela,

    mesmo o visual; posta separada dos outros; ignoram sua presena, dirigindo-se

    apenas aos outros; probem os colegas de lhe falar; j no a deixam falar com

    ningum; a direo recusa qualquer pedido de entrevista;

    c) atentado contra a dignidade, quando: utilizam insinuaes desdenhosas para qualific-

    la; fazem gestos de desprezo diante dela; desacreditada diante dos colegas;

    espalham rumores ao seu respeito; atribuem-lhe problemas psicolgicos; zombam desuas deficincias fsicas ou de seu aspecto fsico; imitada ou caricaturada; criticam

    sua vida privada; zombam de sua origem ou nacionalidade; implicam com suas

    crenas religiosas ou convices polticas; atribuem-lhe tarefas humilhantes;

    injuriada com termos obscenos ou degradantes;

    d) violncia verbal, fsica ou sexual, com: ameaas de violncia fsica; agridem-na

    fisicamente, mesmo que de leve, empurrada, fecham-lhe a porta na cara; falam com

    ela aos gritos; invadem sua vida privada com ligaes telefnicas ou cartas; seguem-

    na na rua, espionada diante de sua casa; fazem estragos em seu automvel;

    assediada ou agredida sexualmente; no levam em conta seus problemas de sade.

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    Levantamento realizado por Hirigoyen demonstra que os maus-tratos acima elencados,

    estatisticamente, tm distribuio homognea, onde 53% dos questionados relataram ter

    sofrido degradao das condies do trabalho, 58% relataram que foram isolados ou houve

    recusa de comunicao, 56% sofreram ataques contra a dignidade e 31% foram ameaados

    verbalmente, fisicamente ou sexualmente.li

    Ainda, em contribuio aos atos listados por Hirigoyen, tm-se ainda os atos decorrentes

    do assdio discriminatrio, citados por Maria Aparecida Alkimin lii, e que em alguns casos

    coincidem com os anteriores, como por exemplo, a discriminao:

    a) em razo do sexo, raa, cor, religio, idade e estado civil;

    b) em relao ao empregado que apresenta alguma caracterstica ou atributo pessoaldistintivo ou que no consegue atingir metas preestabelecidas;

    c) de cargo ou salrio em funo da idade ou sexo;

    d) da mulher gestante, casada ou com filhos menores;

    e) de acesso a cursos de aperfeioamento destinados para homens com excluso das

    mulheres;

    f) do empregado sindicalizado ou lder sindical ou ainda de quem goze de qualquer

    estabilidade;

    g) do empregado deficiente fsico e;

    h) do empregado acidentado ou deficiente fsico.

    Para Candy Florncio Thom,

    Na verdade, a discriminao pode ser fundamento e origem do assdio moral, mas no

    se confunde com tal fenmeno, uma vez que a pessoa assediada pode ser atingida por

    diversos atos que no impliquem afrontamento a algum direito das minorias [...]. liii

    Independente das posies em relao aos atos praticados, o importante frisar que se

    estes ocorrerem de forma repetida ou sistematizada, configurado estar o assdio trabalhista.

    Por fim, retomando as caractersticas do assdio moral, pode-se elencar como essncias:os sujeitos, o dano, a conduta do agressor, a repetio, a durao no tempo (observado o caso

    concreto) e, principalmente, que tudo isso ocorra no ambiente de trabalho. Propositalmente,

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    exclui-se a inteno, a premeditao e a intensidade da violncia psicolgica, visto serem

    majoritariamente consideradas desnecessrias para a configurao do assdio.

    O rol de elementos caracterizadores apresentados e suas definies so de suma

    importncia para identificao do assdio moral, contudo algumas importantes distines ainda

    devem ser apontadas para evitar que se incorra em erro quando da subsuno do fato ao

    conceito gerador de efeitos jurdicos.

    2.4 Distino com figuras assemelhadas e com Dano Moral

    A principal distino realizada pela doutrina diz respeito a figura do assdio sexual, tendo

    em vista que em determinados casos h correlao entre ambos.

    Contudo trata-se de institutos distintos, pois enquanto no assdio sexual a inteno

    dominar a vtima sexualmente, no assdio moral o objetivo a excluso da vtima do ambiente

    de trabalho pelo psicoterrorliv.

    No mesmo sentido, Jos Afonso Dallegrave Neto e Andr Luiz Guedes Fontes distinguem

    esses institutos pelos seus objetivos, frisando que o assdio moral visa a obteno de um

    resultado empresariallv, a discriminao ou a excluso do ambiente de trabalho lvi, e

    diversamente o assdio sexual tem por finalidade a obteno de favores sexuaislvii.

    No entanto, muitas vezes o assdio sexual pode ser o fato desencadeador do assdio

    moral, face rejeio do assediado ante as tentativas do assediantelviii.

    Ainda, no h que se confundir a conotao sexual dos ataques com o assdio sexual,

    pois nesse caso a conduta visa humilhar a vtima, seja por apelidos, calunias ou difamaes

    acerca de sua sexualidadelix.

    Outra distino reside na manifestao do assediador, que no assdio sexual evidente

    ao passo que no assdio moral a violncia silenciosa, tornando-se perceptvel somente

    quando instalada a degradao ao ambiente de trabalho ou sade fsica ou mental da

    vtimalx.

    Logo, nada impede que o assdio sexual leve ao moral, contudo relativamente

    impossvel a simultaneidade entre ambos, visto que diametralmente opostos em seus objetivos.

    Tal concluso encontra objeo por parte de Maria Aparecida Alkimin, que acredita

    possvel ao assdio moral, por ser mais amplo, absorver o assdio sexuallxi.

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    Todavia, tal entendimento no prejudica a ideia central de separao do assdio moral e

    sexual em face de seus objetivos, sendo esse o cerne da questo e o mtodo mais adequado

    para diferenci-los.

    Sem prejuzo s demais, outras diferenas ainda so elencadas por Robson Zanetti lxii,

    sendo elas:

    a) No assdio moral, a regra a existncia da realizao de prticas hostis de forma

    reiterada, enquanto que no assdio sexual a realizao de um nico ato poder o

    caracterizar;

    b) O comportamento do assediador no assdio sexual tem finalidade libidinosa, enquanto

    no assdio moral no;

    c) Normalmente no existe a necessidade de frequncia no assdio sexual enquanto que

    no assdio moral sim;

    d) No existe necessidade de durao no assdio sexual, um ato pode ser suficiente para

    sua caracterizao enquanto que no assdio moral existe;

    e) O assdio sexual visa uma aproximao entre as pessoas enquanto o assdio moral,

    normalmente, o afastamento.

    Em relao aos itens c e d, como tratado anteriormente, sua necessidade para

    caracterizao do assdio moral somente poder ser auferida mediante anlise do caso

    concreto.

    Outro tema comumente discutido diz respeito diferenciao entre o assdio moral e o

    estresse, obviamente por tratar-se de fenmeno comum ao cotidiano da ampla maioria dos

    trabalhadores.

    Ocorre que ao contrrio do assdio moral, tem-se o estresse como sendo o conjunto de

    perturbaes biolgicas e fsicas provocadas por diversos fatores: excesso de presso no

    trabalho, certos estilos de administrao, a deficincia estrutural para o cumprimento de

    tarefas, condies ruins de trabalho, etc.lxiii

    Como visto, o estresse pode ocorrer independente de qualquer atuao especifica de um

    agente agressor, em decorrncia de fatores inerentes relao de trabalho ou ainda de

    situao absolutamente distinta, como problemas financeiros ou familiares

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    De fato o estresse pode ser tanto elemento catalisador quanto consequncia do assdio

    moral, mas embora intimamente ligados, deve-se distingui-los, uma vez que a gravidade do

    assdio moral deveras superior.lxiv

    Veja-se que muitas vezes o estresse inerente a prpria profisso, pois normal que

    sejam exigidas metas dos trabalhadores, desde que no afrontem dignidade e sade do

    empregado.lxv

    Oportunamente Zanetti expe, atravs de exemplo, uma forma de diferenciao de

    situaes to intimamente ligadas, assim

    Quando se fala em stress, o repouso tem a funo reparadora, fazer uma viagem de

    lazer, por exemplo, ir diminuir o stress. J quando uma pessoa vtima de assdio, osentimento de culpa e a humilhao persistem por longo tempo, mesmo se este quadro

    varia em funo da personalidade de cada pessoa. lxvi

    Desta feita, tem-se que enquanto o estresse poderia ser solucionado com a simples

    eliminao dos fatores que o geraram, os efeitos do assdio moral perdurariam mesmo aps a

    eliminao de sua causa.

    Ainda, as ms condies de trabalho, como pouco espao, m iluminao ou material de

    trabalho escasso no podem ser interpretados como assdio moral, a no ser que somente um

    empregado seja submetido a tais condieslxvii.

    Outras imposies inerentes ao contrato de trabalho, como transferncias, mudanas de

    funo, crticas construtivas e avaliaes de trabalho, tambm no consistem em assdio

    morallxviii.

    Inevitvel ainda a ocorrncia de falsas alegaes de assdio moral, seja por pessoas que

    se colocam em posio de vtima ou mesmo que sofrem de alguma paranoia de perseguio,

    ou at mesmo por aqueles mal intencionadoslxix.

    Em relao ao dano moral, hodiernamente faz-se imensa confuso quando esse decorre

    do assdio moral nas relaes trabalhistas, tendo em vista que por muitos, ambos os institutos

    so tratados como se a mesma figura representassem.

    Veja-se in casu, que o dano moral a consequncia de um ato lesivo aos direitos

    personalssimos do individuo, os bens de foro ntimo da pessoa, como a honra, a liberdade, a

    intimidade e a imagemlxx.

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    Em contrapartida, o assdio moral a conduta abusiva, repetida e sistemtica, que atente

    contra a dignidade ou a integridade psquica ou fsica de uma pessoa, ameaando seu

    emprego ou degradando o clima de trabalho lxxi.

    Observe-se que enquanto o dano moral consequncia, o assdio moral ato ou

    conduta, assim o assdio moral pode levar ao dano moral, desde que comprovado o ato lesivo

    e o prejuzo decorrente, acarretando a reparao por meio de indenizao pecunirialxxii.

    Portanto, novamente trata-se de institutos diversos, os quais devem ser tratados

    isoladamente, mesmo processualmente, onde os pedidos devem ser primeiramente de

    declarao da existncia de assdio moral e subsidiariamente de condenao em indenizao

    por danos morais em virtude do reconhecimento do assdio moral.

    2.5 Espcies de assdio moral

    O assdio moral ainda recebe tratamento especifico no que concerne aos sujeitos

    envolvidos ativa e passivamente no processo de violncia no ambiente de trabalho.

    Essa qualificao torna-se importante na medida em que as consequncias do assdio

    variam de acordo com a identidade da vtima, sua relao com os protagonistas e com o

    nmero de indivduos envolvidoslxxiii.

    Para melhor compreenso das espcies de assdio moral, faz-se necessria a retomada

    em relao aos sujeitos, citados quando definidas as caractersticas do assdio moral.

    Assim, tem-se que o processo de assdio moral poder ser efetuado por apenas um

    indivduo, ao que se chama de assdio moral simples, ou por um grupo de trabalhadores,

    tambm chamado de assdio moral coletivolxxiv.

    O assdio moral, tendo como agressores vrios indivduos, pode decorrer de situaes

    diversas, contudo comumente ocorre na formao de alianas promovida pelo assediador,

    utilizando-se dos side-mobbers, terminologia adotada por Mrcia Novaes Guedeslxxv.

    Os side-mobbers so os espectadores que agem de forma conformista ativa, ou seja,

    praticam o assdio ajudando o verdadeiro agressor a destruir a vtima, mas no so os

    adversrios diretos do agredidolxxvi.

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    Distino aos side-mobbers deve ser feita em relao aos conformistas passivos,

    espectadores que presenciam os atos assediadores, sem qualquer participao e sem tomar

    nenhuma providncia para evit-los, pois neste caso no h cumplicidadelxxvii.

    Ainda em relao ao assdio moral exercido por vrios indivduos, h quele praticado

    por uma coletividade coesa, onde no possvel destacar um assediador principal, destacado

    dos demais, caso normalmente decorrente de inveja ou discriminaolxxviii.

    O assdio moral no trabalho pode tambm ser efetuado por terceiros, como no caso de

    relao habitual de venda, entre clientes e vendedores, ou modernamente nas relaes entre

    professores e alunos, para citar dois exemplos corriqueiroslxxix.

    De outra senda, Marie-France Hirigoyen no equipara a violncia causada por agenteexterior s relaes de trabalho com o assdio moral, nesse caso, por ter a agresso

    procedncia externa, do dever da empresa tomar medidas para proteger seus

    funcionrios.lxxx

    Todavia, Candy Florncio Thom demonstra que em Estados mais adiantados em relao

    ao instituto, como Frana e Blgica, so reconhecidos como consequncia de assdio moral os

    atos atentatrios praticados por terceiroslxxxi.

    Superada essa breve digresso acerca dos sujeitos do assdio moral, elencam-se as

    espcies, sendo elas: o assdio moral vertical, ascendente ou descendente, o assdio moral

    horizontal e o assdio moral misto.

    O assdio moral vertical ocorre em relao sujeitos de diferentes graus hierrquicos, e

    como dito antes, pode ser ascendente, quando operado de subalterno para superior

    hierrquico, ou descendente, quando no sentido inverso.

    O assdio moral vertical descendente provm do empregador, compreendendo-se para

    tanto o empregador propriamente dito, como qualquer outro superior hierrquico que receba

    delegao do poder de comandolxxxii.

    Das espcies de assdio, a mais corriqueira a vertical descendente, pela relao de

    poder exercida e pelas necessidades da moderna organizao do trabalho, na primazia da

    lucratividade e da competitividadelxxxiii.

    Nesse contexto, para a implantao dos processos inerentes a organizao do trabalho, o

    empregador muitas vezes envereda para praticas autoritrias, antiticas e desumanas,

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    exercendo seu poder de forma abusiva, tirando ntido proveito da deteno do poder

    econmico.lxxxiv

    Zanetti assevera que sua causa tem um denominador comum, qual seja, o uso do poder

    de forma desmedida e arcaica pelo superior hierrquicolxxxv.

    Via de regra, essa espcie de assdio tem por finalidade a eliminao do ambiente de

    trabalho, daqueles empregados que representem uma ameaa ao superior, no que tange ao se

    cargo ou ao desempenho do assediado, bem como do empregado doente ou debilitado e

    daquele que no atende as necessidades produtivas da empresalxxxvi.

    Ainda, o intuito pode ser o de reduzir a influncia de um empregado junto queles que

    esto ao seu redor ou assegurar a autoridade de sua posio perante seus subordinadoslxxxvii.

    Contudo, h casos em que esse assdio descendente no decorre de qualquer objetivo

    pr-estabelecido, derivando da prpria m organizao da empresa ou da incompetncia ou

    ingerncia dos superioreslxxxviii.

    Como assevere Candy Florncio Thom, essa pratica mais comum em empresas com

    metas muito rgidas de vendas ou prazos a serem cumpridos.lxxxix

    Marie-France Hirigoyen relata ainda que esse tipo de assdio muito mais grave para

    sade mental do trabalhador, pois a vtima se sente ainda mais isolada e com menos

    recursos.xc

    A espcie vertical descendente engloba ainda o assdio moral estratgico, tambm

    chamado de bossing, utilizado como ttica de reduo de custos e direcionado a uma

    coletividade de empregadosxci.

    No bossing uma das intenes renovar o quadro de pessoal, normalmente substituindo

    empregados com salrios mais altos ou com idades mais avanadas, por funcionrios jovens,

    que motivados por fazer carreira submetem-se a maiores sacrifcios e a menores

    remuneraesxcii.

    Ainda h o emprego desse assdio estratgico para simples reduo do quadro de

    pessoal ou para afastar determinados grupos, como, por exemplo, representantes sindicaisxciii.

    Suas manifestaes comuns so a disseminao de um clima de insegurana no grupo

    visado, a criao de listas negras onde nomes so circulados anonimamente, a retirada de

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    smbolos de status oferecidos, como celular, carro, secretria pessoal, entre outros meios que

    a administrao encontra para ferir a dignidade dos empregados e degradar seu ambiente de

    trabalhoxciv.

    O assdio moral ascendente consiste na prtica de atos agressivos realizados por uma ou

    vrias pessoas de grau hierrquico inferior ao da vtimaxcv.

    Embora esse tipo de assdio seja menos comum nas organizaes de trabalho, duas

    formas so identificveis mais frequentemente, sendo elas as reaes de um grupo especfico

    e as falsas alegaes de assdio sexualxcvi.

    As formas de realizao sabiamente expostas por Hirigoyen so compreensveis, pois o

    subordinado assediador no possui o poder de comando ou econmico em relao ao seusuperior, assim o subterfgio usado obrigatoriamente deve basear-se na unio, chantagem ou

    atribuio de fatos desabonadores ao assediado.

    Uma das razes para a ocorrncia do assdio vertical ascendente costuma ser a

    promoo de um colega sem aquiescncia da equipe com quem vai trabalhar ou porque os

    colegas no reconhecem os mritos do promovidoxcvii.

    Ainda essa espcie de assdio pode ocorrer como contra-ataque ao assdio moral sofridopelo superior hierrquico ora assediadoxcviii. Nesse caso o excesso no uso do poder de mando

    e a adoo de posturas autoritrias e arrogantes so propulsores para a reao do grupo de

    subordinadosxcix.

    Outro fator que pode ser determinante para a instalao do assdio ascendente diz

    respeito demonstrao de insegurana ou inexperincia por parte do superior, a qual acarreta

    a perda de domnio sobre a equipe, que consequentemente passa a desrespeitar ou deturpar

    as ordens do assediadoc.

    Questo que poder ser aventada pelos mais desavisados refere-se razo do superior

    assediado manter-se silente acerca do assdio moral sofrido, pois em sua posio

    aparentemente gozaria de respaldo maior para buscar auxlio da empresa.

    Ocorre que nesse caso o superior/vtima v-se diante de uma situao limtrofe, pois caso

    leve os fatos ao conhecimento do proprietrio, poder ser tido como incapaz para desenvolver

    sua funo de chefia, com consequente ameaa a sua permanncia na empresa ou na

    funoci.

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    Mesma opinio quanto aos fatos desencadeadores do assdio ascendente so

    esposadas por Robson Zanetti, como se depreende do trecho a seguir:

    Neste caso, subordinados agridem seu superior hierrquico por que:

    Eles se opem a indicao deste responsvel, como por exemplo, na substituio de

    uma chefia; seja porque eles esperam a indicao de outra pessoa ou porque um deles

    esperava seu lugar ou ainda simplesmente por que eles no querem um superior

    responsvel por eles;

    O chefe atacado geralmente em razo de seu autoritarismo, de sua arrogncia ou de

    sua parcialidade. O assediado neste caso cria at certa resistncia em comunicar esta

    situao ao seu superior hierrquico para no demonstrar fraqueza, perder sua

    credibilidade, sua atual posio, etc.cii

    Assim, no assdio moral ascendente, o(s) subordinado(s) utilizando-se de subterfgios

    negativos, ataca(m) seu superior, imobilizando-o atravs de sua obrigao funcional de

    comando.

    A espcie de assdio moral conhecida como horizontal ou transversal, tem como agente

    agressor uma ou mais pessoas do mesmo grau hierrquico da vtimaciii.

    O assdio horizontal ser simples quando praticado por um trabalhador contra seu colega

    ou coletivo quando um grupo de trabalhadores assedia um colegaciv.

    Nos Estado Unidos essa espcie de assdio recebe o nome de bullying ou de

    harassment, sendo marcada por comportamentos de agressividade fsica no confronto de

    companheiros e no um fenmeno com finalidade especfica de excluir algum da empresacv,

    diferente do entendimento atualmente adotado em solo ptrio.

    Como nos casos anteriores, essa espcie tambm possui motivaes mais comumente

    identificadas, como a discriminao do grupo em relao a alguma diferena entre a vtima e

    eles, a intolerncia racial, tnica, ou de opo sexual ou ainda a rivalidade diante da

    possibilidade de promoocvi.

    Outros fatores desencadeadores dessa espcie de assdio so os conflitos pessoais, que

    podem decorrer de atributos pessoais, profissionais, capacidade, dificuldade de

    relacionamento, falta de cooperao, destaque junto chefia ou, ainda, a competitividade para

    alcanar destaque ou manter o cargocvii.

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    Nesta seara das motivaes para o assdio horizontal, elenca-se ainda as seguintes

    possibilidades:

    Um grupo se esfora de constranger uma pessoa reticente a se conformar com as regras

    tomadas pela maioria;

    Um ou mais indivduos escolhem como alvo uma pessoa em situao de fraqueza para

    colocar em prticas seus objetivos;

    A agresso ocorre pela diferena da vtima (sexo, nacionalidade, religio, aparncia

    fsica, etc.);

    A agresso o resultado prolongado de uma inimizade pessoal ou pelo menos de uma

    insatisfao;

    Ainda, a medicina do trabalho descobriu uma relao entre as perturbaes

    psicossomticas e a monotonia e a repetio de tarefas. Nesse caso os agressores

    escolhem algum como vtima porque no tem nada mais interessante para fazer!cviii

    Candy Florncio Thome salienta tambm o assdio horizontal originado pela poltica

    adotada pela empresa, citando a adoo de sistemas de pagamento de participao nos

    resultados de produtividade coletiva. Nesse sistema, os empregados, no af de obterem o

    maior prmio possvel pela produtividade coletiva, alm de realizarem seu trabalho com maiorafinco, passam a controlar as atividades de seus colegas, e consequentemente queles que

    com produo abaixo da esperada so excludos e mesmo forados a deixarem o empregocix.

    Essa poltica de competitividade incutida pela empresa aos seus funcionrios, pode gerar,

    mesmo que inconscientemente, praticas individualistas e perversas entre os competidores,

    prejudicando o bom relacionamento interpessoal e deteriorando o ambiente de trabalhocx.

    As praticas mais frequentes no assdio moral horizontal so o isolamento da vtima, como corte das relaes sociaiscxi, as brincadeiras maldosas, gracejos, piadas, grosserias, gestos

    obscenos e menosprezocxii, entre outras.

    Por fim, o assdio misto configura-se pela existncia de agressores tanto nas relaes

    horizontais quanto nas verticais ao mesmo tempo, caso em que imprescindvel diferenciar o

    agressor principal dos side-mobbers, ou o agressor dos meros espectadores passivos, pois

    disso depende a configurao do assdio moral mistocxiii.

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    O assdio moral horizontal, na maioria das vezes resulta no assdio misto, pois o decurso

    do tempo gera a conivncia do superior hierrquico, configurando assim o assdio moral

    vertical descendentecxiv.

    Tambm, em qualquer das espcies anteriores, seja vertical ou horizontal, quando

    utilizado como meio de assediar a tcnica do isolamento, ao final de um determinado perodo

    de tempo ter-se-, com grande probabilidade, configurado o assdio mistocxv.

    Quanto aos atos praticados pelo agressor nessa espcie de assdio, podem-se elencar

    todos aqueles enumerados anteriormente, individual ou conjuntamente.

    Estatisticamente, segundo levantamento realizado porMarie-France Hirigoyen, em 58%

    dos casos o assdio moral vem da hierarquia, em 29% dos casos o assdio vem de diversaspessoas, incluindo chefia e colegas, em 12% dos casos vem de colegas e em 1% dos casos o

    assdio vem de um subordinado.cxvi

    Veja-se que, a esmagadora maioria dos casos de assdio moral ocorre nas espcies

    vertical descendente e mista, sendo nfima a ocorrncia da espcie vertical ascendente.

    Desta feita, possvel vislumbrar as espcies de assdio moral nas relaes trabalhistas

    hodiernamente tratadas pela doutrina jurdica e mesmo pela psicologia, o que permite mais umponto de avaliao acerca da gravidade do assdio e principalmente uma noo geral de como

    ele ocorre no ambiente de trabalho.

    Sem a pretenso de esgotar o tema acerca do assdio moral nas relaes do trabalho,

    mesmo porque o instituto se encontra em plena evoluo doutrinria, espera-se que a

    abordagem realizada nesse captulo possibilite a identificao do que e do que no assdio

    moral nas relaes do trabalho, como o mesmo se caracteriza e quais as espcies existentes

    em relao aos sujeitos envolvidos.

    Nesta senda, observa-se ainda que no Brasil no h legislao federal especfica que

    regule o assdio moral nas relaes do trabalho, o que no significa que o mesmo no receba

    proteo legal, tema que ser desenvolvido no captulo seguinte.

  • 7/25/2019 Responsabilidade Civil Pelo Assdio Moral Trabalhista

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    3 TUTELA JURDICA DO ASSDIO MORAL

    O assdio moral inicialmente foi abordado exclusivamente pela psiquiatria e recentemente

    foi recebido e passou a receber tratamento jurdico, tal como demonstrado anteriormente.

    Ocorre que a proteo legal de qualquer instituto jurdico, principalmente em pases que

    adotam o sistema legal positivista, depende da criao legislativa de normas especficas ou da

    aplicao de normas gerais que resguarde o direito tutelvel.

    Assim, nesse captulo incursionar-se- pelos fundamentos utilizados para aplicao do

    assdio moral, iniciando-se pelo direito comparado e pelas organizaes internacionais,

    prosseguindo ento com a aplicao no Brasil atravs da principiologia constitucional e prpria

    do direito trabalhista e, por fim, da legislao trabalhista e esparsa, alm da verificao dos

    projetos de lei e jurisprudncia sobre o tema.

    3.1 Assdio Moral no Direito Comparado

    No mbito legislativo internacional j existe a proteo s vtimas do assdio moral em

    diversos pases, principalmente europeus, sendo que mesmo nos que no possuem legislao

    especifica sobre o tema, em muitos j existem projetos de lei e outras formas encontradas para

    proteger o empregado do assdio moral sofrido no ambiente de trabalho.cxvii

    Nesse contexto de estudos e pesquisas realizadas nas ltimas dcadas, o assdio moral

    tem galgado importantes espaos na discusso legal em todo o mundo, tendo, em setembro de

    2001, levado o Parlamento Europeu a aprovar uma Resoluo chamando a ateno para o

    fenmeno.cxviii

    Contudo, anteriormente a Unio Europeia j havia publicada a Diretiva do Conselho

    2000/78/CE, estabelecendo o conceito do assdio moral somente em relao quele

    decorrente de atos discriminatrios, sendo omissa aos demais casos.cxix

    Ento, em 2001 a mesma Unio Europeia adotou a resoluo 2339/2001 sobre assdio

    moral no trabalho, recomendando a adoo de definio uniforme do assdio moral, com troca

    de experincias e envolvimento dos atores sociais na busca da preveno e soluo do

    problema, desenvolvendo a formao e informao dos envolvidos.cxx

    Em 2002 a Unio Europeia emendou sua diretiva de 1976, que trata do direito de

    igualdade no acesso ao emprego, incluindo um artigo sobre os assdios moral e sexual.cxxi

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    Estas resolues trazem digresses sobre o tema, apresentando diferentes aspectos do

    assdio, como a conduta agressiva atentatria contra a dignidade e a integridade do

    trabalhador, a violncia verbal e fsica, a marginalizao do assediado, bem como uma srie de

    manifestaes difusas que dificultam sua identificao.cxxii

    Todavia, devido dificuldade encontrada pelo Parlamento Europeu para tipificar o

    assdio moral, permanece a recomendao para que os Estados membros lutem contra o

    assdio no local de trabalho atravs da criao de legislaes especficas e uniformes, com

    procedimentos que visem preveno e soluo do problema, tal como visto na resoluo.cxxiii

    Tem-se assim, como frisa Cludio Armando Couce de Menezes, que:

    As naes escandinavas, Frana, Blgica, Portugal e Inglaterra, s para citar algunspases, aps inmeros estudos e debates, editaram diplomas legislativos sobre o

    assdio. Sendo certo que seus tribunais vm, de algum tempo, independente de norma

    positivada, reconhecendo o fenmeno, com as suas consequncias sociais e

    jurdicas.cxxiv

    Como poder se observar na exposio do tratamento legislativo adotado por alguns

    pases referenciais, alm de sanes, os legisladores procuram conceituar, mesmo que de

    forma geral, o assdio moral nas relaes de trabalho, o que certamente favorece aidentificao do fenmeno.cxxv

    Relatados esses contornos gerais delineados pela Unio Europeia, d-se lugar a breves

    consideraes sobre as legislaes de pases passiveis de serem adotados como referenciais

    no combate ao assdio moral.

    Inicialmente, dar-se- foco Frana, onde o fenmeno conhecido como harclement

    moral,e embora j existissem preceitos legais capazes de coibir a pratica de assdio moral,

    em especial os constitucionais, em janeiro de 2002 foi acrescentado em seu Cdigo do

    Trabalho tratamento especfico ao tema.cxxvi

    Esse tratamento foi implementado pela Lei francesa de modernizao social n 2002-73,

    de 17 de janeiro de 2002, contendo um captulo intitulado luta contra o assdio moral, que

    inseriu, no captulo II do Ttulo II do Livro primeiro do Cdigo de Trabalho, a Sesso 8.

    Assdio.cxxvii

    Conforme Mrcia Novaes Guedes, a verso definitiva da referida lei define o assdio

    moral nas relaes trabalhistas da seguinte forma:

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    Nenhum trabalhador deve sofre atos repetidos de assdio moral que tenham por objeto

    ou por efeito a degradao das condies de trabalho, suscetvel de lesar os direitos e a

    dignidade do trabalhador, de alterar a sade fsica ou mental, ou de comprometer o seu

    futuro profissional. Nenhum trabalhador pode ser sancionado, despedido ou tornar-se

    objeto de medidas discriminatrias, diretas ou indiretas, em particular no modo deremunerao, de promoo profissional, de transferncia ou renovao do contrato por

    ter sofrido ou rejeitado sofrer os comportamentos definidos no pargrafo antecedente ou

    por haver testemunhado sobre tais comportamentos ou hav-los relatado. cxxviii

    Tal disposio encontra-se no art. 122-48 da lei, e em suma, define o assdio moral como

    atos repetidos que tenham por objetivo ou efeito a degradao das condies de trabalho,

    passiveis de causar prejuzos aos direitos ou a dignidade do trabalhador, bem como afetar sua

    sade fsica ou mental, ou ainda comprometer seu futuro profissional.cxxix

    Thom, com muita propriedade elenca uma srie de protees implementadas pela

    referida lei, tais como:

    [...] mecanismos para coibir o assdio moral, dentre eles, a possibilidade de aplicao de

    sano disciplinar ao empregado assediador (arts. 122-50 e 122-51), a possibilidade de

    o empregado se afastar de qualquer situao de trabalho que possa causar um perigo

    grave e iminente para sua vida ou sua sade (art. 321-8), obrigatoriedade de

    reformulao dos regimentos internos das empresas para constar a proibio de atosque configurem o assdio moral (art. 122-34), direito de expresso, exercido de forma

    direta e coletiva, para informar os problemas no ambiente de trabalho (art. 461-1) e

    direito de alerta, mediante uma advertncia verbal ou escrita ao empregador (art. 231-

    8).cxxx

    Como pode se observar, a ateno despendida pela Frana contra a prtica do assdio

    moral nas relaes trabalhistas latente, sendo prdiga em garantias para o assediado,

    dispondo inclusive que nenhum assalariado poder ser punido, despedido ou discriminado, de

    forma direta ou indireta, [...] pelo fato de ter sofrido ou se insurgido contra o assdio moral,

    testemunhado ou relatado estas situaescxxxi, tal como pode se observar da definio exposta

    por Guedes e relatada anteriormente.

    Frise-se que existem ainda sanes para o trabalhador que praticar assdio moral contra

    outro, bem como o Cdigo Penal prev pena de um ano de priso e multa de quinze mil Euros

    para o assediadorcxxxii, e o assdio moral, em todas as circunstncias, acarreta punio

    disciplinar do empregado que o pratica.cxxxiii

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    Alm da pena de priso e multa, o tribunal poder ordenar, custa da pessoa condenada,

    a insero do julgado, integral ou resumido, em jornais designados pelo magistrado.cxxxiv

    Ainda, o assdio gerador de ruptura contratual sancionado com a nulidade absoluta da

    resciso, como dispe o art. L. 122-49.cxxxv

    Na questo probatria, sua legislao considera suficiente que o empregado apresente os

    elementos do fato, competindo ao empregador provar que suas decises so justificadas e no

    se coadunam com elementos do assdio.cxxxvi

    Com a amplitude oferecida pela legislao francesa, notada mesmo pelas breves

    consideraes ora expostas, ntido que a construo de qualquer diploma legal sobre o

    assdio moral deve minimamente espelhar-se nos seus elementos de proteo, preveno erepresso contra o assdio.

    A Sucia considerada a pioneira na edio de normas sobre o tema, com a publicao

    em 1993 de uma ordenao, com clara definio do assdio moral,cxxxviie complementada com

    uma recomendao de anlise dos fatores coletivos ligados organizao do trabalho.cxxxviii

    A lei sueca define mobbingcomo sendo a pratica de aes repetidas, repreensveis ou

    claramente negativas, dirigidas contra trabalhadores individuais, de forma ofensiva, quepossam ter por resultado o isolamento do trabalhador da comunidade do local de trabalho.cxxxix

    Como refere Candy Florncio Thom:

    [...] essa lei determina que as condies de trabalho devam ser adaptadas s diferentes

    capacidades fsicas e mentais das pessoas e que as tecnologias, organizao e a

    substncia do trabalho devero ser arranjadas de forma a no causar estresse aos

    trabalhadores e causar doenas ou acidentes.cxl

    Ainda, uma resoluo administrativa do Ministrio da Sade e Segurana sueco que

    entrou em vigor em maro de 1994, estabelece uma srie de regras de comportamento para a

    gesto das relaes trabalhistas.cxli

    Embora trate-se de norma administrativa, possui efeito erga omnes e responsabiliza o

    empregador pela preveno e represso do assdio moral, observadas as seguintes regras: os

    trabalhadores devem ser informados que o assdio moral intolervel; deve haver

    procedimentos idneos pr-estabelecidos para individualizar imediatamente sintomas de

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    condies propcias ao surgimento da perseguio moral e; deve ser combatido qualquer

    assdio moral constatado e eliminadas suas causas, com ajuda imediata vtima.cxlii

    Assim, como pode se observar e frisado por Barros, a Ordenao Sueca focaliza o

    assdio como risco laboral e apresenta um carter essencialmente tcnico preventivo.cxliii

    A Blgica, em junho de 2002 publicou legislao objetivando combater a violncia no

    trabalho, na qual foi inclusa o assdio moral decorrente da relao trabalhistacxliv.

    Essa lei de 11 de junho de 2002 visa proteo dos trabalhadores contra a violncia

    fsica, psquica ou sexual, decorrentes do assdio moral e do assdio sexual no trabalho, tendo

    como intuito a represso e a preveno dessa violncia.cxlv

    O art. 6, item 2, da mesma lei, obriga o empregador a participar positivamente na poltica

    de preveno do assdio moral e a abster-se de todo ato que possa configur-lo, bem como o

    art. 32 obriga a todas as pessoas que entrem em contato com os trabalhadores da mesma

    absteno de atos que os assediem moralmente.cxlvi

    O primordial na lei belga sobre o assdio moral sua definio, que extrapola os limites

    da empresa, determinando o assdio moral no trabalho como:

    [...] as condutas abusivas e repetidas de qualquer origem, sejam externas ou internas

    empresa ou instituio, que se manifestem, precipuamente, por comportamentos,

    palavras, intimidaes, atos, gestos, escritos unilaterais, tendo por objetivo ou por efeito

    o ataque personalidade, dignidade ou integridade fsica ou psquica de um

    trabalhador ou de pessoa a que se apliquem as normas do captulo que regulamenta o

    assdio e a violncia, quando da execuo de seu trabalho, ou tendo por objetivo

    colocar em perigo seu emprego ou criar um ambiente intimidante, hostil, degradante,

    humilhante ou ofensivo.cxlvii

    Veja-se que a lei belga traz todos os elementos do conceito de Hirigoyen, acrescentando

    claramente a origem interna ou externa do assdio praticado, tal como no conceito de Marcelo

    Rodrigues Prata, exposto no captulo 1, ttulo 2.2.

    Ainda, a mesma lei incumbe o empregador de adotar medidas preventivas, educativas e

    informativas, alm de manter um conselheiro para a soluo de conflitos. Sendo constatado o

    assdio moral, exige-se tambm a adoo de procedimentos que preservem o ambiente de

    trabalhocxlviii.

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    Assim, o empregado pode buscar proteo tanto administrativamente quanto

    judicialmente, sendo que no ltimo caso poder ajuizar a ao tanto pessoalmente quanto por

    meio de seu sindicatocxlix.

    Importante frisar que, mesmo antes da edio da lei ora tratada, a Blgica j possua

    mecanismos capazes de coibir o assdio moral, atravs da lei de 4 de agosto de 1996, sobre

    bem-estar no trabalho, com tratamento da carga psicossocial no trabalho.cl

    Na Noruega, h previso para proteo contra o assdio moral no art. 12 de seu Cdigo

    do Trabalho, o qual estipula no item 1 regras sobre as condies de trabalho, coibindo a

    exposio do trabalhador efeitos fsicos ou mentais adversos, em decorrncia da atividade

    laboral ou sua remunerao, com vistas a garantir o exerccio da atividade e as condies de

    segurana.cli

    Mesmo no tratando especificamente do assdio moral, merece ateno o item 2 do

    mesmo artigo, que estabelece norma de orientao para que as empresas evitem atribuir

    atividades repetitivas ou comandadas por mquinas de correia ou transporte ao trabalhador,

    espcies de trabalho que geralmente ocasionam estresse e que, por via de consequncia

    podem levar ao assdio moral.clii

    Embora genrico o direito que tutela o assdio moral na Noruega, Guedes salienta que o

    mesmo decorre de precisa escolha legislativa, tendo em vista que dessa forma garante-se

    proteo ao trabalhador em todos os campos no local de trabalho.cliii

    Na Espanha, a proteo legal especfica ao assdio moral somente ocorre em relao ao

    discriminatrio, que recebe amparo das leis n 51/2003 e 62/2003, sem, contudo, regulamentar

    o assdio moral no trabalho que tenha fundamento diverso da discriminao.cliv

    Essas leis definem o assdio como todas as condutas relacionadas com a deficincia de

    uma pessoa, a origem racial ou tnica, a religio ou convices, a idade ou a orientao

    sexual, e que tenham como objetivo ou consequncia atentar contra sua dignidade ou criar um

    ambiente intimidatrio, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo.clv

    No Estatuto dos Trabalhadores o assdio, como definido acima, tem por consequncia a

    despedida do empregado que assediar o empresrio ou as pessoas que trabalham na

    empresa, revelando assim outra caracterstica interessante, uma vez que visivelmente a leiconsidera como sujeito passivo do assdio moral discriminatrio tambm o empresrio e

    admite expressamente a existncia de assdio moral discriminatrio horizontal.clvi

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    No que concerne a lei especfica sobre o tema, tramita no legislativo espanhol o Projeto

    de Lei n 122/000157, intitulado Dodireito a no sofrer acoso moral no trabalho, o qual impe

    medidas preventivas e repressivas contra o assdio moral, e define-o como:

    [...] toda conduta abusiva ou de violncia psicolgica que se realize de forma sistemticacontra uma pessoa no ambiente de trabalho, que se manifesta particularmente atravs

    de comportamentos reiterados, palavras e atos lesivos da dignidade e integridade

    psquica do trabalhador, colocando em perigo ou degradando as suas condies de

    trabalho.clvii

    Importante salientar que, apesar de no haver lei especfica que coba o assdio moral

    no discriminatrio, a jurisprudncia encontrou meios de tutelar a pratica do assdio, alicerada

    em garantias fundamentais de proteo dignidade da pessoa humana e em leis de defesados trabalhadores.

    A Itlia denomina o assdio moral como mobbing, e demonstra sua preocupao

    legislativa com o mesmo atravs da Lei n 16 de 11/07/2002, aprovada na regio de Lazio, que

    apresenta definio do instituto e define os objetivos de preveno, informao e combate ao

    assdio.clviii

    Contudo, a referida lei foi considerada inconstitucional em razo da incompetncia paralegislar, sendo importante salientar que a Itlia, mesmo sem lei especifica, possui vasta

    doutrina e jurisprudncia sobre o tema.clix

    Nesse sentido, conforme Mrcia Novaes Guedes, no direito italiano se encontra a melhor

    e mais original sistematizao jurdica dos direitos da personalidade e, embora no haja lei

    especfica sobre o assdio moral trabalhista, h clara tendncia para enquadrar algumas

    condutas do assdio no mbito do Cdigo Civil italiano.clx

    Segundo o direito italiano, o empregador responsabilizado objetivamente quanto tutela

    dos direitos da personalidade do empregado, nos termos do art. 2087 do Cdigo Civil. Esse

    artigo acompanhado de orientao jurisprudencial, que obriga o empregador a adotar, alm

    das medidas impostas legalmente, todas as necessrias garantia da tutela psicofsica do

    empregado.clxi

    Ademais, o Cdigo Civil italiano oferece tutela da personalidade moral do empregado,

    abrangendo a proteo contra o assdio moral e obrigando o empregador a garantir um meioambiente de trabalho sadio e livre de constrangimentos e humilhaes.clxii

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    Assim, a carncia de legislao que trate especificamente do tema vem sido suprida pelos

    tribunais, que tutelam o assdio moral atravs de mecanismos constitucionais e oriundos da

    legislao civil.

    Outro Estado sem legislao especfica, mas com projeto de lei Portugal, onde tramita o

    projeto de lei n 252, VIII, da Assembleia da Repblica cujo ttulo Proteo Laboral contra o

    Terrorismo Psicolgico ou Assdio Moral.

    O referido projeto equipara o assdio moral a ato discriminatrio passvel de

    anulabilidade, prevendo regime sancionatrio atravs da pena de priso e, alternativamente,

    pena de multa.clxiii

    Por enquanto, Portugal tem tutelado o assdio moral discriminatrio com base no art. 24do seu Cdigo de Trabalho e o assdio moral trabalhista em geral atravs da interpretao

    legal, principalmente do art. 18 do Cdigo de Trabalho, o qual cobe atentados integridade

    fsica e moral do trabalhadorclxiv, combinado com o Cdigo Civil no que concerne reserva

    quanto intimidade da vida privada de outrem e com a Constituio Portuguesa,

    especialmente o captulo sobre defesa dos direitos humanos.clxv

    A Alemanha, mesmo no possuindo legislao especfica sobre o assdio moral nas

    relaes de trabalho, tem farta doutrina e jurisprudncia sobre o assunto.clxvi

    Atualmente a tutela alem do assdio se d atravs da aplicao de normas gerais que

    garantem a sade e segurana no trabalho, tendo destaque normas constitucionais sobre

    direitos fundamentais e no cdigo civil o art. 618 que obriga o empregador a adotar medidas

    que garantam a segurana e a incolumidade do empregado em seu local de trabalho.clxvii

    Ainda, nos textos do Betriebsverfassungsgesetz, HessischesPersonalvertretungsgesetze

    Bundes Personalvertretungsgesetz, o mobbing recebe ateno quanto a sua preveno e

    represso.clxviii

    Entre outros assuntos relacionados, os instrumentos acima dispem sobre: a obrigao

    de promoo da livre expresso da personalidade dos empregados; a obrigatoriedade de

    realizao de reunies mensais entre empregados e empresa para conciliao de conflitos; a

    obrigao do empregador em adotar as medidas propostas pelo Conselho de empresa, que

    visem atender a comunidade e a prpria empresa; o direito dos trabalhadores de recorrerem aoempregador contra atos de assdio; a concesso de amplo poder ao empregador, para que

    vigie e interrogue os empregados sobre comportamentos relacionados ao assdio moral; a

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    concesso ao Conselho de autoridade para a dispensa de trabalhador que tenha causado

    distrbio paz da empresa, repetida e voluntariamente; etc.clxix

    Assim, como visto em outras naes, a Alemanha encontrou mtodos legais para suprir a

    falta de uma legislao especfica sobre o tema, fato comum no mundo e especialmente no

    Brasil, onde o assdio moral nas relaes trabalhistas tutelado por princpios constitucionais

    e trabalhistas, pela Consolidao das Leis do Trabalho e por leis esparsas, como ser visto a

    seguir.

    3.2 Tutela Constitucional

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 supervalorizou o ser humano,

    fato perceptvel pela esquematizao do texto constitucional, que dispe acerca dos Direitos eGarantias Fundamentais antes da prpria Organizao do Estado.clxx

    Ainda, prova dessa mudana de eixo com priorizao do ser humano est no art. 1 da

    Constituio de 1988, que consagrou o Estado Democrtico de Direito, fundado em cinco

    pilares, dentre os quais a cidadania a par da dignidade da pessoa humana e a valorizao do

    trabalho.clxxi

    Nesse contexto constitucional, a matria trabalhista recebeu especial ateno, sendoabordada em vrios artigos, como no captulo II que trata dos Direitos Sociais e relaciona

    exclusivamente matria trabalhista, no ttulo VII que dispe sobre a Ordem Econmica e

    Financeira e no ttulo VIII que aborda a Ordem Social.clxxii

    Assim, diversas normas constitucionais podem ser elencadas para a proteo da vtima

    do assdio moral, tais como: o art. 5 que garante a inviolabilidade do direito vida, nela

    compreendida sade e o direito a igualdade que visa a reduo de desigualdades numa

    mesma sociedade; o art. 6 que determina como direito social o trabalho; o art. 7, que dispe

    sobre o direito da melhoria da condio social do trabalho, com a reduo de riscos e

    estabelecimento de normas de sade, higiene e segurana, alm da responsabilidade do

    empregador em indenizar acidentes quando incorrer com culpa ou dolo; o art. 170, que

    determina a valorizao do trabalho humano, com observncia ao princpio da defesa do meio

    ambiente; o art. 193, que reza que a ordem social tem por base o primados no trabalho e como

    objetivo o bem estar e a justia social; o art. 196, que assegura a sade como direito de todos;

    o art. 200, VII, que atribui ao SUS dever de colaborar na proteo do meio ambiente,

    compreendido o do trabalho e; o art. 225, 1, V, que garante um meio ambiente equilibrado,

    obrigando todos na sua proteo e preservao.clxxiii

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    Veja-se que, embora no exista norma especifica para tutela do assdio moral nas

    relaes do trabalho, a prtica do mesmo afronta o ordenamento jurdico ptrio,

    primordialmente no que concerne dignidade da pessoa humanaclxxive igualdade.

    Contudo, mesmo diante de uma razovel proteo normativa, o assdio moral

    ocorrncia frequente nas relaes de trabalho, tendo seu principal amparo em dois princpios

    constitucionais, o da dignidade da pessoa humana e o da igualdade, e o direito fundamental

    integridade do ambiente de trabalho, razo pela qual recebero tratamento especfico.

    3.2.1 Principio da Dignidade da Pessoa Humana

    Esse princpio tem origem na religio, que primeiramente o reconheceu ao estabelecer o

    amor ao prximo, como premissa de convivncia, e reconhecer todo o ser humano como filhode Deus.clxxv

    Immanuel Kant escreve sobre a dignidade da pessoa humana, traando as seguintes

    consideraes:

    Um ser humano considerado como uma pessoa, isto , como sujeito de uma razo

    moralmente prtica, guindado acima de qualquer preo, pois como pessoa (homo

    noumenom) no para ser valorado meramente como um meio para o fim de outros ou

    mesmo para seus prprios fins, mas como um fim em si mesmo, isto , ele possui uma

    dignidade (um valor interno absoluto) por meio do qual cobra respeito por si mesmo de

    todos os outros seres racionais do mundo. Pode avaliar a si mesmo conjuntamente a

    todos os outros seres desta espcie e valorar-se em p de igualdade com eles.clxxvi

    No mundo jurdico, a dignidade encontra respaldo inclusive na Declarao Universal dos

    Direitos Humanos, que em seu art. 1 estabelece que todas as pessoas nascem iguais em

    dignidade.

    Da tem-se que basta existir para ser sujeito de dignidade e ver-se respeitado por toda a

    humanidade, razo pela qual a dignidade da pessoa humana tida como uma referncia

    constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais.clxxvii

    Assim, a dignidade est posta como fundamento da Repblica Federativa do Brasil, pois

    somos a nossa dignidade e esta a fonte de todos os demais valores para proteo do ser

    humano.clxxviii

    Mas importante frisar que a dignidade exposta na Constituio no mera norma

    programtica, uma garantia a todas as pessoas sem excees, protegendo a integridade

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    pessoal, o respeito autodeterminao, identidade pessoal, ao bom nome, imagem,

    reputao, ao direito de expresso e intimidade.clxxix

    No mesmo sentido do exposto sobre a dignidade, Alexandre de Moraes traz, de forma

    sucinta, a seguinte concepo sobre a dignidade da pessoa humana, dispondo que essa:

    Concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente s

    personalidade humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomnio das concepes

    transpessoalistas de Estado e Nao, em detrimento da liberdade individual. A dignidade

    um valor espiritual e moral inerente pessoa, que se manifesta singularmente na

    autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida e que traz consigo a

    pretenso ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mnimo

    invulnervel que todo estatuto jurdico deve assegurar, de modo que, somente

    excepcionalmente possam ser feitas limitaes ao exerccio dos direitos fundamentais,

    mas sempre sem menosprezar a necessria estima que merecem todas as pessoas

    enquanto seres humanos.clxxx

    Observe-se que em decorrncia desse tratamento, a dignidade da pessoa humana um

    direito de personalidade, caracterizando-se como um direito absoluto, erga omnes,

    indisponvel, intransmissvel, irrenuncivel, de difcil estimao, imprescritvel, necessrio,

    vitalcio, impenhorvel, extrapatrimonial e nunca est no comrcio jurdico.clxxxi

    Na relao trabalhista a dignidade tem fundamental importncia, visto que um dos pilares

    do amor prprio a independncia econmica, obtida atravs do trabalho remunerado e que

    tem por objetivo a manuteno prpria e da famlia.clxxxii

    Sendo sujeitos de dignidade todas as pessoas, o trabalhador no haveria que restar

    excludo, e desta feita merece a mesma considerao pretendida pelo empresrio, no sendo

    ele mera mercadoria ou mecanismo de produo.clxxxiii

    Mas alm da contraprestao financeira, imprescindvel que as relaes no ambiente de

    trabalho sejam respeitosas e cordiais, sendo inclusive limitado o poder de direo do

    empregador pelo princpio da dignidade da pessoa humana.clxxxiv

    Assim, tem-se que para o assdio moral o presente princpio tem importncia inestimvel,

    tendo em vista que o assediador utiliza-se de prticas que diminuem a vtima, tratando-a como

    objeto descartvel e agredindo sua honra, em afronta sua dignidade.clxxxv

    Contudo, deve-se frisar que nenhum princpio ou direito fundamental absoluto em si

    mesmo, devendo ser sempre interpretado com o todo constitucional, de modo que inclusive o

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    princpio da dignidade da pessoa humana pode sofrer limitaes ante a outros princpios e

    fundamentos constitucionais, como o direito liberdade, os direitos de terceiros e os interesses

    coletivos.clxxxvi

    3.2.2 Princpio da Igualdade

    A Constituio de 1988 adotou o princpio da igualdade em seu art. 5, sendo que essa

    igualdade deve ser analisada sob a tica formal e material.

    A igualdade legal, prevista no art. 5 da CF/88 compreendida pela doutrina como uma

    igualdade formalclxxxvii, tendo em vista que o tratamento desigual para os caso desiguais uma

    exigncia do prprio conceito de justia.clxxxviii

    Nessa seara, a igualdade tem por escopo vedar diferenciaes arbitrrias e

    discriminaes absurdas, sendo que dessa forma somente se estar lesando o principio da

    igualdade quando o elemento discriminador no se encontrar a servio de uma finalidade

    acolhida pelo direito.clxxxix

    Assim, para que as diferenciaes legais possam ser consideradas no discriminatrias,

    deve haver uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado.cxc

    Ainda, o princpio da igualdade instrumento de limitao: 1) do legislador na criao de

    leis que produzam discriminaes sem fins justificveis; 2) do intrprete e da autoridade pblica

    na aplicao das leis e; 3) do particular que dever abster-se de prticas discriminatrias,

    preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilizao civil e penal.cxci

    De outra senda, a igualdade material extrapola a jurdico-formal, sendo um princpio

    norteador do estado democrtico adotado pelo Brasil, que atravs de polticas pblicas e aes

    concretas deve pautar-se pela incessante busca dess