responsabilidade civil pela perda de uma chance...

60
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FRANCISCO OSCAR CHRISTAKIS DE OLIVEIRA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE E SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CURITIBA 2015

Upload: phamnhu

Post on 01-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

FRANCISCO OSCAR CHRISTAKIS DE OLIVEIRA

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE E SUA

APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

CURITIBA

2015

Page 2: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

FRANCISCO OSCAR CHRISTAKIS DE OLIVEIRA

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE E SUA

APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Projeto de Pesquisa apresentado à Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, curso de Direito, como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Sergio Said Staut Junior

CURITIBA

2015

Page 3: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

TERMO DE APROVAÇÃO

FRANCISCO OSCAR CHRISTAKIS DE OLIVEIRA

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE E SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de ________________________ de 2015.

_________________________________________

Bacharelado em Direito

Universidade Tuiuti do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Sergio Said Staut Junior

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografia

Universidade Tuiuti do Paraná

Professor(a):________________________

Universidade Tuiuti do Paraná

Professor(a): ________________________

Universidade Tuiuti do Paraná

Page 4: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

Aos meus pais Claudio e Fabiana, pelo apoio, paciência e incentivo. A minha

formação como profissional só foi possível graças a vocês.

Ao meu irmão Jhonas, pelo companheirismo no decorrer dos caminhos trilhados.

In memoriam aos meus avós Arlete e Mário, pelos ensinamentos e pelas alegrias

propiciadas.

In memoriam ao amigo de família Marino, pelo auxílio e pela amizade.

Page 5: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos amigos que conheci na Universidade, pelo auxílio e

companheirismo no decorrer do curso. É com grande satisfação que vejo, após

cinco anos de dedicação, meus colegas se tornarem profissionais na área do Direito.

Agradeço também aos meus professores, que engrandeceram meu

conhecimento, lecionando com dedicação e profissionalismo.

Agradeço ao Prof. Sérgio Staut, pelo apoio e oportunidade de elaborar a

presente obra.

Por fim, agradeço aos meus amigos de infância pelo apoio e incentivo.

Certamente continuaram presentes em minha vida.

Page 6: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

RESUMO

A responsabilidade civil, amplo tema do Direito, passa por grandes mudanças. Com

o passar dos anos, a realidade social mudou e, consequentemente, o ordenamento

jurídico. Nos últimos anos, novas formas de dano estão surgindo, forçando uma

evolução na responsabilidade civil. Em meio a este panorama surge a Teoria da

Perda de uma Chance, relativamente nova no Brasil, que se refere a um dano que

não tem nem mesmo previsão legal. Portanto, a presente pesquisa foi realizada com

o intuito de analisar o referido instituto, destacando suas características e indicando

a posição do ordenamento jurídico brasileiro. Em razão dos estudos realizados,

verificamos que a teoria é aplicada de forma tímida, porém vem evoluindo nos

últimos anos, sendo inclusive admitida pelo Superior Tribunal de Justiça.

Acreditamos que o instituto será aplicado de forma mais ampla futuramente.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil, Perda de uma Chance, Jurisprudência do

STJ, Direito Civil, Indenização.

Page 7: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

2 RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................................. 9

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ...................................................................................... 9

2.2 CONCEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................... 13

2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................. 15

2.3.1 Conduta ............................................................................................................ 15

2.3.2 Dano ................................................................................................................. 17

2.3.3 Nexo de causalidade ........................................................................................ 18

2.3.3.1 Teoria da equivalência de causas ................................................................. 21

2.3.3.2 Teoria da causalidade adequada .................................................................. 22

2.3.3.3 Teoria da causa direta e imediata ................................................................. 24

3 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE ............................................................... 27

3.1 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE O TEMA ................................................................ 27

3.2 NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE ..................................... 31

3.3 NEXO DE CAUSALIDADE NA PERDA DE UMA CHANCE ................................ 32

3.4 DANO NA PERDA DE UMA CHANCE ................................................................ 33

4 APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO .......................................................................................... 37

4.1 POSICIONAMENTO BRASILEIRO ..................................................................... 37

4.2 ESTUDO DE CASOS RELEVANTES ................................................................. 39

4.2.1 Aplicação da teoria no STJ ............................................................................... 46

4.2.1.1 Julgados anteriores ....................................................................................... 46

4.2.1.2 Jurisprudência atual ...................................................................................... 50

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 55

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57

Page 8: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

7

1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil é instituto de aplicação corriqueira na ordem jurídica,

levando em conta a maciça quantidade de indenizações advindas da

responsabilização pleiteadas no judiciário. Ocorre que, regra geral, a

responsabilização decorre de “dano atual e certo”. (VENOSA, 2010, p. 40).

Estabelece o art. 186 do Código Civil Brasileiro: “Aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O art. 187, que

estabelece o conceito do instituto do abuso de direito, expõe: “Também comete ato

ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites

impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

(BRASIL, 2002). Por fim, determina o art. 927 do mesmo diploma legal que quem,

por ato ilícito determinado pelos referidos artigos, causar dano a outrem, fica

obrigado a repará-lo (ibidem). Portanto, busca a lei civil reparar o dano ocasionado

pelo ato ilícito.

Pois bem, na Teoria da Perda de uma Chance temos uma nova hipótese de

dano, fugindo da regra geral. A ideia seria indenizar pela perda da oportunidade, e

não pela oportunidade em si. Trata-se de instituto relativamente novo no Brasil, não

sendo abarcado pelos conceitos tradicionais da responsabilidade civil.

Nas palavras de Roberto Altheim, “questiona-se se os pressupostos

tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes e adequados às relações

indenizatórias” (2010, p. 16).

A responsabilidade decorre de diversos aspectos da vida social e, portanto,

surgem diversas novas espécies de responsabilidade, as quais por vezes

extravasam os limites da vida jurídica (GONÇALVES, 2011, p. 2). Neste panorama

encontramos a Teoria da Perda de uma Chance.

Sendo um instituto novo, a aplicação da teoria depende da observância de

diversos requisitos, e o ordenamento jurídico brasileiro ainda apresenta divergências

no que se refere à sua aplicação. Imperioso ressaltar que, mesmo assim, o tema é

alvo de estudos aprofundados, e a jurisprudência vem analisando a sua aplicação

em casos concretos.

Page 9: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

8

Portanto, a presente pesquisa procura estudar o posicionamento brasileiro

na doutrina e na jurisprudência sobre a teoria, especificando as características do

instituto e analisando a viabilidade da aplicação desta em casos práticos. No que se

refere à aplicação jurisprudencial, a análise terá foco nos julgados do Superior

Tribunal de Justiça, levando em conta que se trata da maior corte de matéria

infraconstitucional do Brasil.

O tema é de grande relevância para o Direito, pois não há previsão legal

específica para a aplicação da responsabilidade civil pela Perda de uma Chance

(JUNIOR, 2014, p. 196).

Iniciaremos a pesquisa com as noções essenciais para adequado

discernimento do tema, para então conceituar e caracterizar a teoria. Passadas as

disposições gerais, faremos a análise doutrinária do tema, e o estudo de casos

práticos envolvendo a teoria, possibilitando uma visão atual da incidência de

indenizações pela perda de uma chance no Brasil.

Encerraremos a pesquisa com a análise jurisprudencial de casos atuais do

Superior Tribunal de Justiça, buscando estudar o quadro atual da aplicação da teoria

no país.

Page 10: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

9

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

Antes de iniciar o estudo da Teoria da Perda de uma Chance passaremos a

analisar a evolução histórica da responsabilidade civil, bem como suas disposições

gerais, visto que são imprescindíveis para compreender o tema.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A busca pelo equilíbrio é da natureza do ser humano, assim como o

sentimento de “revolta ante a prática de hostilidades, de condutas que desrespeitem

a sua incolumidade física, moral ou patrimonial” (NADER, 2009, p. 43). Em tempos

remotos, a justiça era praticada de forma privada, conforme expõe Nader:

as reações às várias formas de agressões ou danos eram imprevisíveis. Não havia critérios a serem observados. O revide se achava consagrado nos costumes e se fazia de acordo com a ira […] Era a vingança pessoal ou faida, cujo princípio foi adotado amplamente pelos visigodos, que o levaram a Portugal. A justiça praticada era inteiramente privada. (2009, p. 43).

Destaca ainda Gonçalves:

Nos primórdios da humanidade, entretanto, não se cogitava do fator culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Dominava, então, a vingança privada. (2010, p. 24).

O surgimento posterior da Lei de Talião foi um marco no que se refere a

ressarcir prejuízos. Nas palavras de Paulo Nader, “Foi com a Lei de Talião que

surgiu, historicamente, o primeiro critério de ressarcimento de danos, que não se

apoiava na Moral Natural” (2009, p. 43).

Sobre este ponto, expõe Venosa: “O famoso princípio da Lei de Talião, da

retribuição do mal pelo mal. “olho por olho”, já denota uma forma de reparação do

dano”. (2010, p. 18). Conforme afirma Nader, a referida pena se manteve no Código

de Hamurabi, sendo aplicada de forma simétrica (2009, p. 43). Esta forma de pena

se preocupava com o sentimento de vingança do ofendido, e não com a efetiva

reparação do dano.

Page 11: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

10

Nesta fase, para coibir danos, o poder público só intervinha para declarar as

condições para que a vítima tenha o direito de retaliação, podendo gerar no ofensor

dano idêntico ao experimentado (DINIZ, 2007, p. 11).

Passado o referido momento histórico, o legislador deixou de autorizar a

vingança privada. Expõe Gonçalves:

Num estágio mais avançado, quando já existe uma soberana autoridade, o legislador veda à vítima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição econômica, de voluntária que era, passa a ser obrigatória, e, ao demais disso, tarifada. […] É a época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas. (2010, p. 25).

Até este momento, pena e reparação eram consideradas expressões

sinônimas. A diferenciação passou a ocorrer no Direito Romano:

A diferenciação de “pena” e “reparação”, entretanto, somente começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Nos delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres públicos, e, nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à vítima. (GONÇALVES, 2010, p. 25).

Denota-se o papel do Estado ao fixar o pagamento da pena ao ofensor.

Expõe Gonçalves; “O Estado assumiu, assim, ele só, a função de punir. Quando a

ação repressiva passou para o Estado, surgiu a ação de indenização. A

responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal” (2010, p. 25).

Portanto, não cabia mais à vítima quantificar a prestação que o ofensor

deveria pagar. A lei fixava, para cada tipo de infração, uma forma de reparação, uma

tarifa que deveria ser paga (NADER, 2009, p. 45).

A Lex Aquilia romana foi um grande marco para a responsabilidade civil, se

apresentando como um verdadeiro “divisor de águas” (VENOSA, 2010, p 19).

Conforme expõe Venosa:

A Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. (2010, p. 19).

O terceiro capítulo desta norma, dedicado ao damnun injuria datum (dano

causado ilicitamente), tinha como objeto a lesão em animais, escravos e coisas

Page 12: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

11

corpóreas, cabendo aos cidadãos romanos a ação. Posteriormente, a Lex Aquilia

passou a abarcar danos efetivados em desfavor de peregrinos, sendo que a

proteção não ficou restrita somente ao titular da coisa deteriorada, mas também aos

titulares de outros direitos reais. (NADER, 2009, p. 45).

Nas palavras de Paulo Nader, novos direitos passaram a ser abarcados pela

proteção da Lex Aquilia:

Em outra fase, provavelmente à época do Imperador Justiniano, a proteção se estendeu ao damnum non corpore datum, ou seja, às lesões praticadas sem o contato direto do ofensor sobre as coisas corpóreas, bem como ao damnum injuria datum, que abrangia todo dano ao direito. (NADER, 2009, p. 45).

Todavia, cabe enfatizar que a reparação por danos materiais não era

completa, visto que só eram considerados os danos materializados. Não havia

previsão de indenização por lucros cessantes (NADER, 2009, p. 46).

A Lex Aquilia marcou uma evolução no conceito de responsabilidade civil,

visto que:

como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção de responsabilidade extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente. Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual fundada na culpa. (VENOSA, 2010, p. 19).

Ainda, um conceito de culpa teve origem na referida lei, conforme indica

Gonçalves:

Malgrado a incerteza que ainda persiste sobre a “injúria” a que se referia a Lex Aquilia no damnun injuria datum consiste no elemento caracterizador da culpa, não paira dúvida de que, sob o influxo dos pretores e da jurisprudência, a noção de culpa acabou por deitar raízes na própria Lex Aquilia […]. (2010, p. 25-26).

A culpa era o fundamento de imputação da responsabilidade. Por isso, se o

agente agisse com culpa, estaria isento de responsabilização (DINIZ, 2007, p. 11).

Portanto, a Lex Aquilia gerou um conceito de culpa, e foi pioneira ao considerá-la

para apurar a responsabilidade civil. Quanto ao referido conceito e a aplicação da lei

na responsabilidade civil, explica Venosa:

Page 13: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

12

Punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos. A ideia de culpa é centralizadora nesse intuito de reparação. Em princípio, a culpa é punível, traduzida pela imprudência, negligência ou imperícia, ou pelo dolo. Mais modernamente, a noção de culpa sofre profunda transformação e ampliação. (2010, p. 19).

A teoria da reparação de danos foi adequadamente compreendida somente

quando os juristas determinaram que o fundamento da responsabilidade civil está

situado na quebra do equilíbrio patrimonial ocasionado pelo dano. Portanto, o foco

deixou de ser a culpa, mas sim o dano (VENOSA, 2010, p. 19). Esta concepção veio

com o direito francês (ibidem).

O direito francês foi de grande importância para a responsabilidade civil,

visto que “aperfeiçoou as ideias romanas, estabelecendo princípios gerais de

responsabilidade civil” (VENOSA, 2010, p. 19), “abandonando o critério de enumerar

os casos de composição obrigatória” (GONÇALVES, p. 26, 2010).

Posteriormente, o grande desenvolvimento enfrentado pela cultura ocidental,

após a Segunda Guerra Mundial, gerou grandes reflexos nos princípios referentes

ao dever de indenizar, trazendo a ideia de aperfeiçoar os instrumentos de

responsabilização, evitando que o Direito fique alheio à realidade social (VENOSA,

2010, p. 19). Portanto, no campo da responsabilidade extracontratual, buscou-se

novas soluções, nem sempre fundamentadas aos velhos princípios da

responsabilidade aquiliana (ibidem).

A insuficiência da culpa para cobrir todos os danos, em razão da

necessidade da perquirição de elemento subjetivo, e o crescimento da tecnologia

dos tempos modernos, incluindo a introdução de máquinas, a produção de bens em

larga escala e a circulação de veículos automotores, que aumentou

consideravelmente os perigos à vida e à saúde humana, acarretam uma

reformulação da teoria da responsabilidade civil (DINIZ, 2007, p. 12). Conforme

expõe Diniz, esta reformulação:

representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo risco deve ser garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo dano deve ter um responsável. (2007, p. 12).

Page 14: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

13

A responsabilidade civil evoluiu em relação ao seu fundamento, a razão pela

qual alguém deve reparar um dano. O dever de reparação deixou de pairar tão

somente na culpa, hipótese na qual seria de cunho subjetivo, mas também no risco,

caso em que passará a ser objetiva a responsabilização, possibilitando a

indenização de danos sem incidência de culpa (DINIZ, 2007, p. 12).

Neste sentido, expõe Cavalieri Filho: “importantes trabalhos vieram, então, à

luz na Itália, na Bélgica e, principalmente, na França sustentando uma

responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na chamada teoria do risco, que

acabou sendo também adotada pela lei brasileira” (2014, p. 32).

Atualmente, o Código Civil brasileiro consagra a teoria da responsabilização

subjetiva (art. 186 em conjunto com o art. 927), na qual é necessária a incidência de

culpa, e a teoria objetiva (art. 187 e 927), baseada na teoria do risco criado, não

sendo necessária a presença de culpa (NADER, 2009, p. 54).

2.2 CONCEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O termo responsabilidade teve origem “na raiz latina spondeo […] pela qual

se vinculava o devedor, solenemente, nos contratos verbais do direito romano”

(GONÇALVES, 2010, p. 19).

A origem se refere à obrigação contratual verbal, utilizada no direito romano,

na qual o “devedor se obrigava perante o credor, nos contratos verbais,

respondendo à sua indagação com a palavra spondeo (prometo)” (NADER, 2009, p.

6). O vocábulo responsabilidade significa responder por alguém, prometer (ibidem).

Devemos diferenciar a responsabilização moral da jurídica. O ato pode ser

proibido tanto por normas morais, quanto jurídicas, separada ou concomitantemente

(GONÇALVES, 2010, p. 20). A responsabilização jurídica ocorre tão somente em

caso de dano ao indivíduo ou à coletividade (ibidem). Sendo este o caso, o autor do

dano será obrigado a recompor o direito atingido (ibidem).

Atividades que acarretam prejuízo trazem consigo o problema da

responsabilização (GONÇALVES, 2010, p. 19). Destina-se a responsabilidade civil

para reestabelecer o equilíbrio moral e patrimonial violados pelo dano, apresentando

a ideia de contraprestação, reparação do dano (ibidem).

Page 15: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

14

Quanto ao conceito de responsabilidade civil, expõe Paulo Nader: “A

nomenclatura responsabilidade civil possui significado técnico específico: refere-se à

situação jurídica de quem descumpriu determinado dever jurídico, causando dano

material ou moral a ser reparado” (2009, p. 6).

Especifica ainda Diniz:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou simples imposição legal. (2007, p. 35).

A responsabilização decorre de “uma conduta voluntária violadora de um

dever jurídico, isto é, da prática de um ato jurídico, que pode ser lícito ou ilícito. Ato

jurídico é espécie de fato jurídico” (GONÇALVES, 2010, p. 25).

Devemos distinguir, também, a responsabilidade civil da reparação do dano.

Paulo Nader expõe que:

Na realidade, o direito subjetivo da vítima é a reparação. Dado o ato ilícito com todos os seus requisitos, inclusive com dano à vítima, têm-se de um lado o dever jurídico de reparação (responsabilidade civil) e, de outro, o direito subjetivo à reparação. Responsabilidade civil não significa restritamente reparação, mas dever de reparar. (2009, p. 7).

Cabe destacar que a responsabilidade civil apresenta grande importância no

Direito, e se desenvolve junto com a sociedade. Nas palavras de Paulo Nader:

Um dos temas jurídicos de importância crescente, no limiar do atual século, é a responsabilidade civil, que atrai, cada vez mais, a atenção dos juristas, induzindo-os à intensa produção cientifica. Os tribunais, a cada dia, reconhecem diferentes modalidades de danos patrimoniais e morais, enquanto as pessoas se conscientizam de seus direitos, criando o hábito de postulação em juízo. (2009, p. 3).

Nesta linha de raciocínio, expõe Dias:

É essencialmente dinâmico, tem de adaptar-se, transformar-se na mesma proporção em que envolve a civilização, há de ser dotado de flexibilidade suficiente para oferecer, em qualquer época, o meio ou processo pelo qual, em face de nova técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividade, assegure a finalidade de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano, considerado, em cada tempo, em função das condições sociais então vigentes. (2006, p. 25).

Page 16: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

15

Pois bem, apresentado o conceito da responsabilidade civil, bem como seus

aspectos introdutórios, passamos a expor sobre os elementos que compõem o

instituto.

2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Para uma análise adequada da responsabilidade civil, devemos analisar

seus pressupostos de aplicação. Segundo a doutrina, os requisitos são: conduta,

dano e nexo de causalidade. Como são pressupostos gerais, sua observância é

essencial para a aplicação da teoria da perda de uma chance.

2.3.1 Conduta

Requisito imprescindível para a incidência de responsabilização, Diniz

caracteriza a conduta como “Existência de uma ação, comissiva ou omissiva,

qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como um ato ilícito ou lícito, pois

ao lado da culpa, como fundamento da responsabilidade, temos o risco” (2007, p.

37).

A autora expõe, ainda, que a conduta é “o ato humano […], voluntário e

objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou

coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos

do lesado” (2007, p. 39).

Seguindo esta linha de pensamento, Gonçalves expõe sobre o conceito de

conduta:

Inicialmente, refere-se a lei a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam. (2010, p. 53).

Cavalieri Filho entende conduta como

o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo. (2014, p. 38).

Page 17: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

16

O conceito de Paulo Nader é similar. O autor expõe que “O ato ilícito pode

ser praticado mediante ação ou omissão de responsável pela reparação” (NADER,

2009, p. 61).

A responsabilização pode ou não decorrer de culpa. Diniz expõe que “A

responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a

responsabilidade sem culpa funda-se no risco, que vem se impondo na atualidade,

principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos” (2007,

p. 39). Ainda, a conduta, no que se refere a ser voluntária,

Deverá ser controlável pela vontade à qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; em estado de inconsciência, sob o efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo, ou por provocação de fatos invencíveis como tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos, inundações etc. (DINIZ, 2007, p. 39).

Nas palavras de Venosa, o ato voluntário é “portanto, o primeiro pressuposto

da responsabilidade civil". Expõe o autor:

Esse conceito prende-se ao de imputabilidade, porque a voluntariedade desaparece ou torna-se ineficaz quando o agente é juridicamente irresponsável. […] modernamente, a imputabilidade cede importância ao ressarcimento, pois o Código Contemporâneo já permite uma responsabilidade mitigada dos incapazes (art. 928). (2010, p. 25).

Segundo redação do Código Civil Brasileiro, no seu art. 186, a partir do

momento que uma conduta (ação ou omissão) gera dano, temos um ato ilícito,

indenizável. Cabe enfatizar que o ato de vontade deve se revestir de ilicitude

(GONÇALVES, 2010, p. 25).

Sobre o ato ilícito, expõe Nader:

Dogmaticamente, a noção do ato ilícito é fornecida pelo conjunto dos artigos 186 a 188 e parágrafo único do art. 927, todos do Código Civil. De acordo com a responsabilidade subjetiva, que exige dolo ou culpa strictu sensu do agente, o dever de reparação requer a caracterização do ato ilícito com todos os seus elementos. Como já anotamos, ainda que a conduta não se enquadre na definição legal de ato ilícito, é possível a reparação civil nos termos do parágrafo único do art. 927, que trata da responsabilidade objetiva. (2009, p. 60).

Sobre o referido dispositivo, expõe Cavalieri Filho que o art. 186:

Page 18: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

17

refere-se a esse elemento ao falar em “ação ou omissão”. Preferimos, todavia o termo “conduta”, porque abrange as duas formas de exteriorização da atividade humana. Conduta é gênero de que são espécies a ação e a omissão. É bem verdade que se emprega o termo “ação” em sentido lato, para indicar a ação stricto sensu e a omissão. Não raro, entretanto, essa prática enseja confusão, daí ser preferível a expressão “conduta”, ou comportamento. (2014, p. 37-38).

Por fim conclui-se que, para fins de responsabilidade civil, a conduta é,

grosso modo, uma ação ou omissão que gere dano à terceiro. Passaremos a

analisar a figura do dano, segundo pressuposto de responsabilização.

2.3.2 Dano

Trata-se de outro requisito imprescindível para a incidência de

responsabilidade civil. Maria Helena Diniz caracteriza a figura do dano como “um

dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que

não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo” (2007, p.

59).

O termo dano tem origem no latim, conforme expõe Paulo Nader: “O

vocábulo dano provém do latim damnum e significa lesão de natureza patrimonial ou

moral. Na linguagem jurídica, dano e prejuízo são termos equivalentes” (2009, p.

69).

Nas palavras de Venosa, “dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente.

Pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico e não

econômico. […] Na noção de dano está sempre presente a noção de prejuízo”

(2010, p. 39). Na mesma esteira, expõe Diniz que “Não pode haver responsabilidade

civil sem a existência de um dano a um bem jurídico, sendo imprescindível a prova

real e concreta dessa lesão” (2007, p. 59). Gonçalves expõe em sua obra

posicionamento no mesmo sentido (2011, p. 33).

Não é toda conduta contrária a uma norma que gera dano (VENOSA, 2010,

p. 39-40). Regra geral, só existe a possibilidade de indenização se houver dano

(ibidem). Portanto, é necessário o dano injusto para a caracterização da

responsabilidade. Venosa afirma que “Em concepção mais moderna, pode-se

entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a um

Page 19: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

18

interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista o

vulto que tomou a responsabilidade civil” (2010, p. 40).

Quanto à necessidade, além do ato ilícito, de um dano para a imputação de

responsabilidade civil, expõe Gonçalves:

O Código Civil de 2002 aperfeiçoou o conceito de ato ilícito, ao dizer que o pratica quem “violar e causar dano a outrem” (art. 186), substituindo o “ou” (“violar direito ou causar dano a outrem”), que constava do art. 159 do diploma anterior. Com efeito, mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. (2011, p. 33).

Ainda, sobre a extensão do dano, afirma Paulo Nader:

A caracterização do dano independe de sua extensão. Tanto os prejuízos de pequeno porte como os de grande expressão são suscetíveis de reparação. A Lei Civil não distingue a respeito. O objeto e seu valor podem ser definidos mediante prova técnica. Esta, todavia, nem sempre é essencial. (2009, p. 69).

Contudo, observamos a necessidade do dano para a apuração de

responsabilidade civil, incluindo a modalidade de perda de uma chance, conforme

será demonstrado em momento adequado.

2.3.3 Nexo de causalidade

O conceito do nexo de causalidade tem origem nas leis naturais (VENOSA,

2010, p. 56). Venosa expõe que “o conceito de nexo causal, nexo etiológico ou

relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do

agente ao dano. É por meio exame da relação causal que se conclui quem foi o

causador do dano. Trata-se de elemento indispensável” (ibidem).

A responsabilidade civil não existe sem uma relação de causalidade dano,

ou seja, o prejuízo, e a ação que o provocou (DINIZ, 2007, p. 107). Expõe Maria

Helena Diniz:

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação

Page 20: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

19

necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que está é considerada como sua causa. (2007, p. 107).

Na mesma esteira, afirma Lisboa: “não basta o dano para que possa

responsabilizar é necessário identificar o seu causador responsável, demonstrando-

se a relação entre a sua conduta e os efeitos danosos resultantes” (2009, p. 256).

Dispõe ainda Paulo Nader:

Não são suficientes, à caracterização do ato ilícito, a conduta antijurídica, a culpa ou risco e o dano. Fundamental, igualmente, é a relação de causa e efeito entre a conduta e o dano causado a outrem. É preciso que os prejuízos sofridos por alguém decorram da ação ou omissão do agente contrária ao seu dever jurídico. Se houve a conduta, seguida de danos, mas estes não decorram daquela, não haverá ato ilícito. O ato de omissão somente constituirá esta modalidade de fato jurídico, na dicção do art. 186 do Códex, se “causar dano a outrem”. Nesta expressão em destaque está contido o elemento nexo de causalidade ou nexo etiológico. (2009, p. 106).

O dano não precisa resultar, apenas, imediatamente do fato que o produziu

(DINIZ, 2007, p. 108). Basta que se constate que o dano não ocorreria se o fato não

tivesse acontecido. Portanto, se a conduta não for a causa imediata, mas sim

condição para a produção do dano, o agente será responsabilizado pelas

consequências (ibidem).

O prejuízo ocasionado poderá apresentar efeito indireto, “mas isso não

impede que seja, concomitantemente, um efeito necessário da ação que o provocou”

(DINIZ, 2007, 108).

Não podemos confundir as noções de imputabilidade com as de

causalidade. Imputabilidade se refere a atribuir a alguém a responsabilidade por

determinado dano, praticado por agente imputável ou não (NADER, 2009, p. 106).

Já a causalidade é o reconhecimento de que a conduta imputada ao agente foi a

determinante do dano, ou seja, se a ação ou omissão se constitui como causa da

qual o dano é efeito (ibidem). Ainda:

Enquanto a imputabilidade se define considerando-se o elemento subjetivo da conduta, a causalidade é de natureza objetiva, pois acusa o laço existente entre a ação ou omissão e o dano. É possível a imputabilidade sem o correspondente nexo de causalidade. (NADER, 2009, p. 106).

Existem excludentes de nexo causal no ordenamento jurídico brasileiro.

Levando em conta que a relação de causalidade é elemento essencial para a

Page 21: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

20

incidência da responsabilidade civil, as referidas excludentes impossibilitam a

responsabilização. Sobre as excludentes, afirma Venosa:

O caso fortuito e a força maior são excludentes do nexo causal, porque o cerceiam, ou o interrompem. Na verdade, no caso fortuito e na força maior inexiste relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado danoso. Se o dano ocorrer por culpa exclusiva da vítima, também não aflora o dever de indenizar, porque se rompe o nexo causal. (2010, p. 57).

Importante destacar que, nas palavras de Venosa, “Nem sempre é fácil, no

caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito” (2010, p. 56).

Destaca Cavalieri Filho sobre a causalidade:

Quando o resultado decorre de fato simples, a questão não oferece a menor dificuldade, porquanto a relação de causalidade é estabelecida de maneira direta entre o fato e o dano. O problema torna-se um pouco mais complexo nas hipóteses de causalidade múltipla, isto é, quando há uma cadeia de condições, várias circunstâncias concorrendo para o evento danoso e temos que precisar qual dentre elas é a causa real do resultado. (2014, p. 63).

No que se refere às concausas sucessivas, que ocorrem “quando o efeito de

uma causa constituir uma nova causa de outro efeito, formando-se, pois, uma cadeia

causal” (NADER, 2009, p. 109), há três teorias mais importantes: a teoria da

equivalência das causas (ou equivalência das condições), a teoria da causalidade

adequada, e a teoria da causa direta ou imediata (GONÇALVES, 2011, p. 349).

Cabe enfatizar, todavia, que “nenhuma teoria nos oferece soluções prontas e

acabadas para todos os problemas envolvendo nexo causal” (CAVALIERI FILHO,

2012, p. 50). Conforme expõe Cavalieri Filho:

Como teorias, apenas nos dão um roteiro mental a seguir, o raciocínio lógico a ser desenvolvido na busca da melhor solução. Sempre sobrará espaço para a criatividade do julgador atento aos princípios da probabilidade, da razoabilidade, do bom-senso e da equidade (2014, p. 63-64).

Portanto, passaremos a analisar, individualmente, o conceito e as

características de cada uma das referidas teorias.

Page 22: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

21

2.3.3.1 Teoria da equivalência de causas

Nas palavras de Gonçalves, “Pela teoria da equivalência das condições,

toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano é

considerada como causa” (2011, p. 349). Paulo Nader caracteriza a teoria da

seguinte forma:

Para a teoria adotada por Von Buri para o Direito Penal e assimilada pelos civilistas, todas as condutas conduzem ao prejuízo, de vez que, na cadeia causal, suprimido um dos antecedentes, não se verifica o resultado danoso. Em conseqüência, a causa do dano seria constituída, individualmente, por qualquer uma das condutas. (2009, p. 109).

Sobre a origem da teoria, indicando sua aplicação no Direito Penal, expõe

Venosa:

Essa teoria vem descrita no art. 13 do Código Penal: “O resultado, de quem depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão em a qual o resultado não teria ocorrido.” (2010, p. 109).

Venosa afirma que, sob o prisma da teoria, “para precisar se uma

determinada “causa” concorreu para o evento, suprime-se esse fato mentalmente e

imagina-se se teria ocorrido da mesma forma. Se assim for, não será causa” (2010,

p. 109).

A teoria em questão sofreu duras críticas, dado o seu extremismo.

Gonçalves afirma que:

Tal teoria, entretanto, pode conduzir a resultados absurdos dentro do direito. Tem, por isso, recebido críticas, como, por exemplo, as de que o nascimento de uma pessoa não pode, absolutamente, ser tido como causa do acidente de que foi vítima, embora possa ser havido como condição sine qua non do evento; na hipótese de um homicídio, poderia fazer-se estender, segundo tal teoria, a responsabilidade pelo evento ao próprio fabricante da arma com a qual o dano se perpetrou; ou talvez se tivesse de responsabilizar, também, como partícipe do adultério, o marceneiro que fez a cama na qual se deitou o casal amoroso. (2009, p. 109).

Nas palavras de Venosa, “O inconveniente que se aponta para essa teoria é

a possibilidade de inserir estranhos no curso do nexo causal, permitindo uma linha

regressiva quase infinita” (2010, p. 57).

Paulo Nader enfatiza as razões pelas quais a teoria é criticada:

Page 23: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

22

A teoria é objeto de severas críticas, especialmente porque pode levar a resultados inteiramente equivocados. A conditio sine qua non deve ser considerada em termos, pois em sentido amplo autoriza conclusões verdadeiramente absurdas. Em se tratando de um desastre aéreo, por exemplo, Santos Dumont teria uma parcela de responsabilidade, pois, se não houvesse inventado o mais pesado do que o ar, os danos ocasionados por aeronaves não se materializariam ao longo do tempo. (2009, p. 110).

Portanto, com base nas críticas acima expostas, entendemos que a teoria da

equivalência de causas não é considerada a mais adequada. Apesar de seus

fundamentos, a teoria apresenta extremismos em sua aplicação, podendo gerar

absurdos jurídicos.

2.3.3.2 Teoria da causalidade adequada

Segundo Gonçalves, a teoria da causalidade adequada:

somente considera como causadora do dano a condição por si só apta a produzi-lo. Ocorrendo certo dano, temos de concluir que o fato que o originou era capaz lhe dar causa. Se a relação de causa e efeito existe sempre em casos dessa natureza, diz-se que a causa era adequada a produzir efeito. Se existiu no caso em apreciação somente por força de uma circunstância acidental, diz-se que a causa não era adequada. (2011, p. 350).

Para esta teoria a conduta originária do dano será considerada sua causa,

desde que o resultado seja a sua consequência natural e não decorrência de uma

circunstância especial (NADER, 2009, p. 110). “Ou seja, sempre que igual conduta

for praticada o dano se apresentará independentemente de outras circunstâncias”

(NADER, 2009, p. 110).

Venosa caracteriza a referida teoria da seguinte forma:

menciona-se a teoria da causalidade adequada, ou seja, a causa predominante que deflagrou o dano. Causa, neste caso, será só o antecedente necessário que ocasionou o dano. Assim, nem todos os antecedentes podem ser levados à conta do nexo causal, o que nem sempre satisfaz no caso concreto. Cabe ao juiz fazer um juízo de probabilidades, o que nem sempre dará um resultado satisfatório. (2010, p. 57).

Page 24: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

23

Ainda, destacando o ponto de vista dos defensores da teoria, aponta

Gagliano e Pamplona Filho:

Para os adeptos desta teoria, não poderia considerar causa “toda e qualquer condição que haja contribuído para a efetivação do resultado”, conforme sustentado pela teoria da equivalência, mas sim, segundo um juízo de probabilidade, apenas o antecedente abstratamente idôneo à produção do efeito danoso. (2009, p. 89).

Lisboa disserta sobre o elemento da probabilidade na teoria:

quanto maior a probabilidade que determinada causa tenha efetivamente gerado ao dano, ela pode ser considerada mais adequada em relação ao prejuízo. Assim, apenas aquilo que se demonstrou imprescindível para a concretização do resultado integra o nexo de causalidade. A causalidade adequada acaba por depender, como se pode perceber, do grau de probabilidade do dano. (2009, p. 263).

Justamente por levar em conta a maior probabilidade de se produzir o dano,

a teoria sofre críticas. Paulo Nader expõe que “a imputação de responsabilidade

deve fazer-se diante de uma certeza e não de maior probabilidade” (2009, p. 111).

Apesar de críticas, Cavalieri Filho cita a teoria em questão como

predominante no ordenamento jurídico pátrio, partilhando o posicionamento de

Martinho Garcez Neto (2014, p. 66).

Ainda, nas palavras de Gonçalves, a teoria da causalidade adequada “é

bastante aplicada em acidentes de veículos, para se definir, por exemplo, qual das

condutas foi adequada a provocar o dano: se a do motorista que invadiu a

preferencial, não respeitando a placa “PARE”, ou se a do que transitava por esta, em

velocidade excessiva” (2011, p. 350).

Contudo, mesmo com a existência de críticas, concluímos que a teoria da

causalidade adequada é prestigiada pela doutrina brasileira.

Conforme demonstrado, as teorias da equivalência das condições e da

causalidade adequada apresentam dois extremos (GONÇALVES, 2009, p. 350).

Passaremos agora a caracterizar a teoria dos danos direitos e imediatos, que é,

grosso modo, um meio-termo entre as duas teorias supracitadas (ibidem).

Page 25: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

24

2.3.3.3 Teoria da causa direta e imediata

A teoria do dano direito e imediato, ou teoria da causa próxima, indica como

responsável pelos danos causados o último agente da cadeia causal (NADER, 2009,

p. 111). Nas palavras de Paulo Nader, “Das várias condições que atuaram,

sucessivamente, para a realização do prejuízo, a causa deste seria a última, da qual

dependeu diretamente” (2009, p. 111).

Conforme exposto, a teoria da equivalência das causas e a teoria da

causalidade adequada apresentam dois extremos, visto que a primeira é demasiado

ampla, e a segunda demasiado restritiva. Gonçalves expõe que a teoria da causa

direta ou imediata é, fazendo uma breve comparação com as outras duas teorias,

“uma espécie de meio-termo, mais razoável” (2011, p. 350).

O autor caracteriza a teoria afirmando que

Requer ela haja, entre a conduta e o dano, uma relação de causa e efeito direta e imediata. É indenizável todo dano que se filia a uma causa, desde que esta seja necessária, não por existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução. (GONÇALVES, 2011, p. 350).

Conforme expõe Cavalieri Filho, indica que a teoria da causa direta e

imediata “considera como causa jurídica apenas o evento que se vincula

diretamente ao dano, sem a interferência de outra condição sucessiva” (2014, p. 67).

Nesta teoria, a causa “seria apenas o antecedente fático que, ligado por um

vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como

uma consequência sua, direta e imediata” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2009,

p. 90).

Agostinho Alvim expõe que “Suposto certo dano, considera-se causa dele a

que lhe é próxima ou remota, mas, com relação a esta última é mister que ela se

ligue ao dano, diretamente” (1980, p. 356).

Gonçalves afirma que esta teoria foi adotada pelo Código Civil brasileiro.

Cita em sua obra:

Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403. Dispõe, com efeito, o mencionado dispositivo legal:

Page 26: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

25

“Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. (2011, p. 351).

Como a teoria se refere ao dano direto e imediato, “Não é, portanto,

indenizável o chamado “dano remoto”, que seria consequência “indireta” do

inadimplemento, envolvendo lucros cessantes para cuja caracterização tivessem de

concorrer outros fatores” (GONÇALVES, 2011, p. 351).

Na mesma esteira, cita Paulo Nader: “tem-se que, na responsabilidade

negocial, os lucros cessantes não são suscetíveis de reparação, quando apenas

mediata ou indiretamente decorrem da inadimplência” (2009, p. 112).

Portanto, para a responsabilização, é necessário o dano direto e imediato.

Indica Alvim:

é indenizável todo o dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução. (1980, p. 356).

Quanto à aplicação da teoria, tem-se que “A jurisprudência não oferece um

critério uniforme, geral, aplicável à generalidade dos casos. A tendência é a decisão

conforme as peculiaridades do caso concreto” (NADER, 2009, p. 112).

Todavia, “a teoria da necessariedade causa não tem o condão de resolver

todas as dificuldades práticas que surgem, embora seja a que de modo mais perfeito

e mais simples cristalize a doutrina do dano direto e imediato” (GONÇALVES, 2011,

p. 351). Ainda, Paulo Nader indica que “a deficiência da teoria se constata, também,

ao não justificar a responsabilidade por danos futuros” (2009, p. 112).

Ainda, Rafael Peteffi da Silva aponta os problemas encontrados ao utilizar os

termos direto e imediato, da teoria, na sua literalidade:

um dos maiores inconvenientes que acarretaria a interpretação gramatical da locução “direto e imediato” seria a negação da possibilidade da reparação de danos indiretos ou remotos, dentre estes aqueles conhecidos pela denominação “dano por ricochete”, amplamente reconhecido pela jurisprudência e com hipótese de aplicação expressamente prevista em Lei: o art. 498, inciso II, do novo Código Civil. (2013, p. 31).

Com isso, concluímos que a teoria da causa direta e imediata, embora

receba críticas, tem seu prestígio na doutrina.

Page 27: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

26

Cabe enfatizar que nenhuma das três teorias mencionadas traz soluções

prontas para todos os casos. Cabe ao juiz, baseando-se na probabilidade, na

razoabilidade, no bom-senso e na equidade, escolher a teoria mais adequada no

caso concreto (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 63-64).

Page 28: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

27

3 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

Vencidas as disposições gerais da responsabilidade civil que, naturalmente,

incidem na aplicação na teoria, passamos a analisar o conceito e as características

do instituto.

3.1 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE O TEMA

Como já exposto, a responsabilidade civil atrai grande atenção dos juristas,

induzindo à grande produção cientifica (NADER, 2009, p. 3). Com o passar dos

tempos, em decorrência da alteração do quadro social, os tribunais passam a

reconhecer diferentes formas de dano (ibidem). A responsabilidade decorre de

diversos aspectos da vida social e, portanto, surgem diversas novas espécies de

responsabilidade, que por vezes ultrapassam os limites da vida jurídica

(GONÇALVES, 2011, p. 2).

No mesmo sentido, expõe Cavalieri Filho:

como é de conhecimento geral, a responsabilidade civil passou por uma grande evolução ao longo do século XX. Foi, sem dúvida, a área da ciência do direito que sofreu as maiores mudanças, maiores até que no direito de família. (2014, p. 2).

Ocorre que, atualmente,

com o vasto número de demandas judiciais envolvendo o instituto da responsabilidade civil, notou-se que, em determinados casos, ainda que presentes os elementos essenciais da culpa e do dano, se torna inviável a efetiva demonstração da existência de nexo etiológico entre ambos restando a vítima sem o devido ressarcimento. (JUNIOR, 2014, p. 186).

Dentro deste panorama de avanço da responsabilidade civil é que surgiu a

teoria da perda de uma chance. Nas palavras de Fernanda Diniz Caixeta e Giselle

Leite Franklin:

Por muito tempo o direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o causador de um dano decorrente da perda da oportunidade de obtenção de um resultado favorável ou de se evitar um prejuízo, com fundamento na suposta ausência de certeza quanto à obtenção da situação jurídica mais favorável.

Page 29: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

28

A jurisprudência, da mesma forma, não vislumbrava a possibilidade de dano pela perda de uma chance, sobretudo em razão da impossibilidade de produção de prova inequívoca de que, se não fosse a ocorrência do evento que se diz danoso, teria a vítima alcançado a oportunidade que alega perdida. Nos últimos anos, porém, houve uma evolução doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, passando-se, então, a admitir a existência de responsabilidade civil pela perda de uma chance. (2013).

Portanto, em razão de forma a garantir a reparação desta forma de dano,

“surge no ordenamento jurídico a chamada perda de uma chance, cujo maior

interesse é a satisfação integral da vítima” (JUNIOR, 2014, p. 186-187).

Considerando a relevância do instituto, indica Sérgio Savi:

inúmeras são as situações na vida cotidiana em que, tendo em vista o ato ofensivo de uma pessoa, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo. Os exemplos são vários e muito frequentes no dia-a-dia. Dentre os exemplos mais conhecidos pode-se citar o clássico do advogado que perde o prazo para interpor o recurso de apelação contra a sentença contrária aos interesses de seu constituinte. Ninguém poderia afirmar, com absoluta certeza, que, acaso interposto, o recurso seria provido. Contudo, diante do caso concreto, é possível, sem sombra de dúvidas, analisar quais eram as reais chances de provimento do recurso, se a hipótese era de mera possibilidade ou de efetiva e séria probabilidade de reforma do julgado. (2009, p. 1).

Ocorre que, “por se tratar de uma matéria ainda pouco difundida no meio

jurídico, ainda há muita controvérsia e discussão a envolvendo, não tendo,

sobretudo no âmbito dos Tribunais pátrios, se formado uma linha uniforme de

pensamento” (CAIXETA e FRANKLIN, 2013).

No mesmo sentido, cita Gilberto Andreassa Junior:

Em que pese os sistemas mais avançados do mundo utilizarem de forma bastante abrangente esta teoria, muito ainda se discute acerca de sua aplicação. Isto porque, ainda há certo temor perante os juristas em praticar o ressarcimento com base em danos muitas vezes abstratos. (2014, p. 187).

Pois bem, a teoria da perda de uma chance teve origem na França. Quanto

ao surgimento da teoria, Fernanda Diniz Caixeta e Giselle Leite Franklin indicam

que:

Embora a maioria da doutrina afirme que o instituto originou-se em meados dos anos 60, na França, há relatos de que o primeiro caso de aplicação da teoria da perda de uma chance ocorreu em 17 de julho de 1889, quando a Corte de Cassação Francesa conferiu indenização pela atuação culposa de

Page 30: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

29

um oficial ministerial que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr êxito mediante seu normal procedimento. (2013).

A teoria surgiu com a análise de casos concretos, nos quais se acreditava

que, por meio de uma conduta humana que privasse terceiro de obter vantagem

esperada, ou de evitar prejuízo, o agente ofensor deveria ressarcir os danos, mesmo

que não fosse certa a ocorrência do dano futuro (ibidem).

Como pioneira da teoria, a França “passou a aplicar o instituto em casos de

chances perdidas em matéria contenciosa, em jogos de azar, em competições

esportivas, em perdas de chances de obter uma melhoria na qualidade de vida, e

até mesmo em casos médicos” (ibidem).

No Brasil, “François Chabas, ao proferir uma palestra na Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, em maio de 1990– “La perte d’une chance en droit

français”– foi o grande responsável pela introdução da noção de a teoria da perda de

chance no direito brasileiro”. (CAIXETA e FRANKLIN, 2013). Portanto, o tema é

relativamente novo no ordenamento jurídico pátrio.

A teoria da perda de uma chance pode ser conceituada como aquela que

“reconhece a possibilidade de indenização nos casos em que alguém se vê privado

da oportunidade de obter um lucro ou de evitar um prejuízo” (JUNIOR, 2014, p. 191).

Caixeta e Franklin caracterizam a perda de uma oportunidade da seguinte

forma: “perda de uma chance, no sentido jurídico, decorre de uma probabilidade

séria e real de obtenção de lucro ou de se evitar um prejuízo, ou seja, trata-se da

perda da possibilidade de se alcançar uma situação jurídica mais favorável” (2013).

Cabe enfatizar que, nas palavras de Cavalieri Filho, “a reparação deve ser

pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria

vantagem” (2014, p. 99). Ainda, o “ponto nevrálgico para a diferenciação da perda

de uma chance é a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima, ou seja, a

existência do dano final” (SILVA, 2013, p. 116).

Na mesma esteira, expõe Silvio de Salvo Venosa:

Quando vem à baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance ocorre a frustação na percepção desses ganhos. (2010, p. 187).

Page 31: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

30

Cabe destacar, todavia, que é “necessário demonstrar a realidade do

prejuízo final, que não pode ser evitado, prejuízo cuja quantificação dependerá do

grau de probabilidade de que a chance perdida se realizaria” (NETO, 2010, p. 70).

Nesse sentido, Rafael Peteffi da Silva indica que a chance

representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estaticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza. (2013, p. 13-14).

Portanto, “mesmo não havendo um dano certo e determinado, existe um

prejuízo para a vítima decorrente da legítima expectativa que ela possuía em

angariar um benefício ou evitar um prejuízo” (JUNIOR, 2014, p. 192).

Cavalieri Filho expõe que

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, participar de um concurso, e outras situações que tiram da vítima a oportunidade de um ganho ou vantagem. Essas são típicas hipóteses da chamada perda de uma chance clássica, nas quais a conduta do agente faz a vítima perder a chance. Há certeza quanto à autoria do fato que frustra a chance e incerteza quanto à extensão dos danos decorrentes desse fato. (2014, p. 98).

Nas palavras de Sérgio Savi, a “perda de uma chance séria e real é hoje

considerada uma lesão a uma legítima expectativa suscetível de ser indenizada da

mesma forma que a lesão a outras espécies de bens ou qualquer outro direito

subjetivo tutelado pelo ordenamento” (2009, p. 111).

Com a mesma linha de raciocínio, Caixeta e Franklin citam que “a aplicação

da teoria não é cabível em qualquer perda de oportunidade. O instituto refere-se a

uma perda de chance séria e real, sendo imprescindível a demonstração do

prejuízo, o qual não pôde ser evitado” (2013).

Portanto, a responsabilidade pela perda de uma chance se aplica apenas na

perda de uma oportunidade concreta, séria de se obter uma vantagem, ou evitar um

prejuízo, o que claramente caracteriza dano.

Page 32: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

31

Passadas as noções de introdução ao tema, passaremos a analisar a

natureza jurídica do instituto.

3.2 NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE

Embora a teoria já seja abarcada, com divergências, pela doutrina e pela

jurisprudência brasileira, o tema ainda não apresenta disposição legal. Portanto,

Não é pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento a respeito da natureza jurídica do dano decorrente da perda de uma chance, havendo divergências quanto à sua caracterização como lucro cessante, dano emergente, dano moral ou, ainda, como um dano autônomo. (CAIXETA e FRANKLIN, 2013).

Expõe Rafael Peteffi da Silva que a teoria clássica da perda de uma chance

confere um caráter autônomo às chances perdidas. Essa referida autonomia serviria para separar definitivamente o dano representado pela paralisação do processo aleatório no qual se encontra a vítima (chance perdida) do prejuízo representado pela perda da vantagem esperada, que também se denominou dano final. (2013, p. 19).

Existem discussões doutrinárias a respeito da natureza do instituto. Paulo

Nader considera que “a perda de uma chance, quando concreta, real, enquadra-se

na categoria de lucros cessantes, ou seja, danos sofridos pelo que se deixou de

ganhar ou pelo que não se evitou perder” (2009, p. 71).

Com concepção diversa, Silvio de Salvo Venosa considera a perda de uma

chance como uma nova modalidade de indenização, embora guarde semelhanças

com o lucro cessante:

a denominada “perda de chance” pode ser considerada uma terceira modalidade nesse patamar, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante. Não há dúvida que, de futuro, o legislador irá preocupar-se com o tema, que começa a fluir com maior frequência também em nossos tribunais. (2010, p. 324).

Divergindo dos autores indicados, Sérgio Savi afirma, no que se refere à

natureza jurídica do instituto, que

Page 33: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

32

não há dúvida de que, em determinados casos, a perda da chance, além de causar um dano material, poderá, também, ser considerada um “agregador” do dano moral. O que não se pode admitir é considerar o dano causado pela perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral. Até porque, como visto ao longo deste livro, a frustração de uma oportunidade séria e real de incremento no patrimônio pode causar danos de natureza patrimonial, que se enquadram como uma subespécie de dano emergente. (2009, p. 89).

Frise-se, assim como a doutrina, a jurisprudência apresenta divergências

sobre a natureza do instituto. Neste sentido, temos as palavras de Cavalieri Filho,

destacando o panorama jurisprudencial:

A jurisprudência, repita-se, ainda não firmou entendimento sobre essa questão; ora a indenização pela perda de uma chance é concedida a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, o que é pior, pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade. (2014, p. 102).

Contudo, denota-se que há forte discussão sobre a natureza do instituto,

tanto na doutrina como na jurisprudência. Existe jurisprudência equivocada,

pautando a indenização na vantagem, não na perda da chance de se obter a

vantagem, conforme será exposto posteriormente.

3.3 NEXO DE CAUSALIDADE NA PERDA DE UMA CHANCE

Conforme já analisado em momento anterior, o nexo de causalidade é

requisito essencial para a configuração da responsabilidade civil. Não poderia

ocorrer diferente com a responsabilidade pela perda de uma chance.

Caixeta e Franklin, neste sentido, indicam que “para que se caracterize a

perda de uma chance, são necessários a conduta culposa do agente, o resultado

que se perdeu (chance) e o nexo causal entre ambos” (2013).

Nas palavras de Rizzardo, no que se refere à configuração da

responsabilidade civil, “faz-se necessário a verificação de uma relação, ou um liame,

entre o dano e o causador, o que torna possível a sua imputação a um indivíduo”

(2011, p. 67).

Page 34: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

33

Neste sentido, expõe Rui Stoco: “O nexo causal constitui um dos elementos

essenciais da responsabilidade civil. É o vínculo entre a conduta e o resultado.

Constitui o segundo pressuposto da responsabilidade civil” (2011, p. 175).

Pois bem, levando em conta que a teoria da perda de uma chance é

relativamente nova no ordenamento jurídico brasileiro, existem divergências no que

se refere à caracterização do nexo causal. Cabe destacar que tal dificuldade não

afasta a aplicação da teoria, visto que, nas palavras de Sérgio Savi, “a possibilidade

de existência de um dano certo em determinados casos da perda de chance revela-

se evidente” (2009, p. 70). Sendo demonstrado o dano, é função do Direito a

indenização.

Nas palavras de Rafael Peteffi da Silva, “alguns autores associam o

aparecimento da responsabilidade pela perda de uma chance à utilização menos

ortodoxa do nexo de causalidade, ora se manifestando em forma de causalidade

parcial, ora em forma de presunção de causalidade” (2013, p. 7).

Neste sentido, afirma Cavalieri Filho:

Em face de dificuldade probatórias de se estabelecer o liame causal entre o fato imputado ao agente e o dano final, parte da doutrina enquadra a responsabilidade pela perda de uma chance como uma mitigação teórica do nexo causal. A doutrina francesa adota a teoria da causalidade parcial, desenvolvida por Jaques Boré, principalmente na seara médica. (2014, p. 98).

Todavia, parcela maior da doutrina “acredita que a teoria da perda de uma

chance constitui perfeito exemplo de ampliação do conceito de dano reparável,

mantendo a aplicação ortodoxa do nexo causal” (2013, p. 7).

Assim, a doutrina majoritária não considera o nexo causal referente à teoria

como mitigado. Aplicam o nexo de causalidade de forma ordinária.

A teoria da perda de uma chance traz dificuldades na verificação do nexo

causal, o que, porém, não afasta sua aplicação.

3.4 DANO NA PERDA DE UMA CHANCE

Como exposto anteriormente, “o critério imprescindível para a caracterização

da perda de uma chance é a seriedade da oportunidade perdida. É justamente a

Page 35: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

34

chance perdida, que conforme já narrado, deve ser real e séria, que irá distingui-la

dos demais danos eventuais ou hipotéticos” (CAIXETA e FRANKLIN, 2013).

Para a aplicação da teoria, “Não se exige a certeza do dano, basta a certeza

do dano, basta a certeza da probabilidade […] Essa tarefa é do juiz, que será

obrigado a fazer, em cada caso, um prognóstico sobre as concretas possibilidades

que o sujeito tinha de conseguir o resultado favorável” (CAVALIERI FILHO, 2014, p.

99).

A quantificação do dano, portanto, deve ser pautada nas possibilidades

concretas do ofendido em obter vantagem ou evitar danos. Sobre a quantificação,

expõe Sérgio Savi:

Para a valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance, no momento de sua perda, tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade. (2009, p. 68).

Ocorre que determinados julgados, “apesar de reconhecerem a

responsabilidade civil por perda de uma chance, equivocam-se no momento de

quantificar o dano sofrido pela vítima” (2012, p. 65). O autor citou o caso da

Apelação 70005473061, julgada em 10/12/2003, pelo TJRS. Trata-se de advogada

que perdeu prazo de recurso em favor de cliente, gerando a perda da chance deste

de ter sucesso na demanda (SÁVI, 2009, p. 66). Explica o autor:

Neste caso, o advogado perdeu o prazo para a interposição do recurso de apelação contra a sentença contrária aos interesses do constituinte. O acórdão reconheceu o dano decorrente da perda da chance. Contudo, ao quantificar o dano, condenou o advogado réu ao pagamento de tudo aquilo que o seu cliente faria jus se o recurso tivesse sido interposto no prazo legal e provido pelo Tribunal. Ou seja, apesar de estarmos diante de um caso típico de responsabilidade civil por perda de uma chance, o acórdão, a nosso sentir equivocadamente, condenou o advogado ao pagamento dos lucros cessantes sofridos pelo autor da ação. Isto porque, ninguém poderia afirmar que se o recurso tivesse sido interposto, ele seria provido com certeza. O máximo que se poderia afirmar era que o mesmo tinha muitas chances de êxito, e estas chances é que deveriam ter sido indenizadas. (ibidem).

Neste caso, a indenização se baseou na possível vantagem do ofendido, e

não na chance de se obter a vantagem. Expõe Sérgio Savi que

Page 36: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

35

a indenização da perda da chance jamais poderá ser igual ao benefício que a vítima obteria se não tivesse perdido a chance e tivesse conseguido o resultado útil esperado. Ou seja, no caso analisado, a quantificação da indenização da perda da chance não poderia equivaler ao benefício que o cliente auferiria com o provimento do recurso que deveria ter sido interposto pelo advogado negligente. Por não haver certeza acerca da vitória no recurso, a indenização da chance perdida será sempre inferior ao valor do resultado útil esperado. (2009, p. 68).

No mesmo sentido, temos o posicionamento de Cavalieri Filho:

A indenização, por sua vez, deve ser pela perda da oportunidade de se obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem. Há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. O perdido ou frustrado, na realidade, é a chance e não o benefício esperado como tal. (2014, p. 99).

Desta forma, quanto à quantificação do dano, para fins de indenização, “a

mesma deverá ser feita de forma equitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final

e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem

esperada” (SAVI, 2009, p. 68). Portanto, “O valor da indenização deverá ser fixado

de forma equitativa pelo juiz, atentando também aqui para o princípio da

razoabilidade” (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 99).

Sobre a quantificação da indenização por dano material decorrente da perda

de uma chance, cita Savi que “não é fácil de ser feita, mas deverá sempre observar

alguns critérios” (2009, p. 68). O autor defende que, para a aplicação da teoria,

exista uma probabilidade superior a 50% (cinquenta por cento) como prova da

certeza do dano, sendo que probabilidades abaixo de 50% obrigariam o juiz a julgar

o pleito improcedente (2009, p. 92).

Peteffi não expõe sobre a necessidade de uma porcentagem específica de

probabilidade para a aplicação da teoria. Todavia, indica o autor que

a teoria da perda de uma chance encontra o seu limite no caráter de certeza que deve apresentar o dano reparável. Assim, para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. (2013, p. 138).

Portanto, “não se deve admitir a concessão de indenizações por prejuízos

hipotéticos, vagos ou muito gerais” (VENOSA, 2010, p. 328).

Page 37: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

36

Pois bem, traçadas informações essenciais sobre o instituto da perda de

uma chance, passamos agora a analisar a aplicação da teoria no Brasil, estudando o

posicionamento doutrinário e jurisprudencial brasileiro.

Page 38: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

37

4 APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

4.1 POSICIONAMENTO BRASILEIRO

O tema é relativamente novo no Brasil. Inicialmente, a teoria carecia de

estudos nacionais aprofundados, visto que a grande maioria dos doutrinadores

limitava-se “a tecer breves comentários sobre o assunto em obras sobre a

responsabilidade civil” (SAVI, 2009, p. 36). Atualmente, o tema evoluiu, sendo que a

doutrina lhe dá mais atenção (SAVI, 2009, p. 37).

Nas palavras de Sérgio Savi:

Apesar do avanço, a maior parte da doutrina brasileira ainda trata o tema de forma superficial. Contudo, percebe-se, claramente, que, tanto os autores clássicos, quanto os contemporâneos, aceitam a aplicação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance em nosso ordenamento. (2009, p. 37).

Conforme indicou o autor, a doutrina majoritária admite a aplicação da teoria.

Todavia, parcela menor da doutrina não admite a responsabilização pela perda de

uma chance, como é o caso do autor Rui Stoco, que considera que a teoria não

deve ser aplicada em casos de falha do advogado:

Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter reparação pela perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável. Será também admitir a existência de um dano não comprovado e que não se sabe se ocorreria. (STOCO, 2011, p. 581).

O tema vem ganhando maior pertinência, também, na jurisprudência. Expõe

Sérgio Savi: “constatamos que o tema ganhou enorme popularidade nos tribunais

brasileiros. Hoje em dia, há dezenas de decisões a respeito do assunto em

praticamente todos os Tribunais de Justiça do país” (2009. p. 47).

Cabe enfatizar que o tema ainda não tem previsão legal expressa. Nas

palavras de Gilberto Andreassa Junior, “O ordenamento jurídico brasileiro não prevê

esta espécie de reparação de uma forma clara, sendo que fica a cargo da

jurisprudência delimitar os limites da incidência” (2014, p. 196). Destaca-se, também,

o papel da doutrina no estudo do instituto.

Page 39: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

38

Atualmente, a teoria apresenta maior aplicação no ordenamento jurídico

brasileiro. O STJ vem aplicando a teoria da perda de uma chance (SAVI, 2009, p.

75).

Demonstrando a evolução da teoria da perda de uma chance no Brasil,

indica Gilberto Andreassa Junior:

importante esclarecer que inicialmente os tribunais pátrios disponibilizavam este direito apenas em casos da área médica, porém, o que se vê hoje é uma aplicação muito mais ampla. (2014, p. 203).

Todavia, a teoria não vem sendo aplicada sem restrições, conforme alerta

Rafael Peteffi da Silva:

o entusiasmo com o inquestionável crescimento do número de julgados envolvendo a teoria da perda de uma chance deve ser temperado pelo fato de alguns tribunais brasileiros ainda não terem tomado contato com a teoria. Assim, mesmo avançando a passos largos, seria impróprio afirmar que a teoria da perda de uma chance já goza de aplicação geral e irrestrita, por parte da jurisprudência brasileira. (2013, p. 197).

Na mesma esteira, aponta Junior: “Ao analisar a incidência no Direito

Brasileiro, percebe-se que os julgadores tratam do assunto de forma bastante

restrita, isto é, para que seja concedido tal benefício se faz necessária a

comprovação de diversos fatores essenciais” (2014, p. 196).

Silvio de Salvo Venosa explica um dos requisitos essenciais para a

aplicação da teoria no Brasil: “como anota a doutrina, com insistência, o dano deve

ser real, atual e certo. Não se indeniza, portanto, o dano hipotético ou incerto” (2010,

p. 325).

No mesmo sentido:

Um fator de fundamental importância é a chamada chance concreta, que deverá ser demonstrada pela parte requerente. Este elemento deverá ser analisado através de provas contundentes que demonstrem ao juízo o que realmente foi impedido de adentrar ao patrimônio da vítima. (JUNIOR, 2014, p. 196).

Além do dano, mostra-se necessária a comprovação do nexo causal. Expõe

Junior:

Page 40: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

39

Será importante demonstrar, ainda, que em função da conduta culposa do agente é que ocorreu determinado dano indenizável, ou seja, deverá estar presente o nexo etiológico entre a conduta do ofensor e a chance real perdida pela vítima. (2014, p. 196).

Todavia, observa Sérgio Savi:

Contudo, apesar de reconhecerem a possibilidade de reparação da chance perdida, desde que séria e real, os tribunais estaduais pátrios ainda encontram dificuldade para harmonizar os conceitos da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance. (2009, p. 47).

O autor, que defende que o dano referente à teoria deve ser caracterizado

como dano emergente, especifica as dificuldades e divergências encontradas pelos

julgadores no que se refere à caracterização do dano:

Alguns julgados entendem que a perda da chance deva ser considerada uma modalidade de dano moral ou, em outras palavras, que seria capaz apenas de gerar um dano de natureza extrapatrimonial. Por outro lado, há farta jurisprudência reconhecendo a possibilidade da perda de uma chance gerar danos de natureza patrimonial. Nestes casos, os tribunais, na maioria das vezes, entendem que estaríamos diante de hipóteses de lucro cessante. Raramente encontramos julgados entendendo que a perda de chance, quando gera dano material, deva ser tratada como modalidade de dano emergente. (SAVI, 2009, p. 47-48).

Vencidas as disposições doutrinárias sobre o panorama do instituto no

Brasil, passamos a realizar o estudo de casos concretos envolvendo a teoria da

perda de uma chance.

4.2 ESTUDO DE CASOS RELEVANTES

Pois bem, o foco da pesquisa, no que se refere aos casos atuais, será a

jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, visto ser esta a maior corte brasileira

de matéria infraconstitucional.

Todavia, antes de analisar casos atuais de aplicação da teoria, iremos

realizar um breve estudo sobre casos históricos, incluindo tribunais estaduais,

expondo assim, objetivamente, a evolução histórica da perda de uma chance na

jurisprudência brasileira.

Quanto ao surgimento da jurisprudência brasileira referente à teoria da perda

de uma chance, indica Junior:

Page 41: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

40

O entendimento jurisprudencial, conforme citado em outra oportunidade, nasceu diante dos Tribunais do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, mas vem em constante crescimento no país, especialmente no Tribunal do Estado do Paraná. (2009, p. 37).

O primeiro acórdão brasileiro que mencionou a teoria da perda de uma

chance é de 1990, tendo como relator Ruy Rosado de Aguiar Júnior,

Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (SAVI, 2009, p. 48).

Ocorre que, “Curiosamente, neste caso a análise da teoria foi feita justamente para

dizer que não se aplicava ao caso concreto” (ibidem). O caso se tratava de uma

demanda de indenização por danos decorrentes de erro médico, conforme expõe

Savi:

A autora da ação havia se submetido a uma cirurgia para correção de miopia em grau quatro da qual resultou uma hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea que lhe acarretam névoa no olho operado. Ao analisar a prova dos autos, o Tribunal chegou à conclusão de que a hipermetropia em grau dois e as cicatrizes na córnea eram consequências diretas e imediatas do erro cometido pelo médico na cirurgia. Ou seja, neste caso foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a atitude culposa do médico e o dano final, não havendo, portanto, que se falar em indenização da chance perdida […]. (2009, p. 48).

O requerente teve sucesso em seu pleito de indenização, porém não em

razão da teoria da perda de uma chance.

O Desembargador teve, posteriormente, um novo julgado envolvendo a

teoria da perda de uma chance. Porém, “Desta vez, o dano da perda da chance foi

reconhecido no caso concreto” (SAVI, 2009, p. 49). Expos o autor a emenda do

acórdão:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance. (SAVI, 2009, p. 49).

Todavia, “a quantificação da indenização foi remetida para liquidação de

sentença, sem que tivessem sido fixadas as premissas a serem observadas pelo

juízo liquidante” (SAVI, 2009, p. 49). Explica o autor o caso em tela:

Page 42: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

41

A autora da ação havia contratado o réu como seu advogado para ajuizar uma ação contra o INPS, visando ao recebimento de pensão previdenciária em razão da morte de seu marido. A ação judicial foi distribuída em 1975, no Foro de Nova Hamburgo, para a 1ª Vara Cível, sendo que o processo extraviou e jamais chegou àquele cartório. O advogado, apesar do extravio dos autos, não informou tal fato à sua constituinte e, tampouco, providenciou a restauração dos autos, cerceando o direito da autora de ver apreciado em juízo o seu pedido de pensionamento pelo INPS. (ibidem).

Neste caso, o julgador reconheceu a atitude negligente do réu ocasionou a

perda da chance da autora de ver sua ação julgada pelo Tribunal, gerando dano

pela perda da oportunidade, mesmo não sendo certo que tal demanda iria obter

êxito (SAVI, 2009, P. 49). Segundo Savi, estes foram os dois primeiros acórdãos

brasileiros de tribunais estaduais que envolveram a teoria da perda de uma chance

(2009, p. 50). “A partir destes, começaram a surgir diversos outros julgados

enfrentando a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, cuja análise

mostra-se indispensável para o adequado balizamento da questão com casos

práticos” (ibidem).

Posteriormente, “Em muitas ocasiões a questão da existência de uma

chance séria e real foi enfrentada adequadamente pelos Tribunais” (SAVI, 2009, p.

50). Ao decidirem sobre as consequências referentes à perda da chance,

diversos tribunais entenderam que a vítima somente poderia ter sofrido danos morais. Em outras palavras, há inúmeros precedentes entendendo que a frustração de uma chance séria e real somente deva ser considerada como um “agregador” do dano moral, refletindo no montante da indenização a este título. (SAVI, 2009, p. 50).

Sérgio Savi destaca um caso do TJRS para exemplificar o exposto. Trata-se

do “acórdão dos Embargos Infringentes n° 598164077, julgado pelo 1° Grupo de

Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul” (ibidem), com a

seguinte ementa, apresentada na obra de Savi:

RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. DESCUMPRIMENTO PELOS FISCAIS DAS NORMAS DO MANUAL DE INSTRUÇÕES. EXTRAVIO DA PROVA. ÔNUS DA PROVA. DANO MORAL. Demonstrada a falha na aplicação de prova prática de datilografia em concurso público pela inobservância das regras do Manual de Instruções para Fiscalização, segundo as quais deveriam ser recolhidas todas as cinco folhas entregues ao candidato, cabia à Administração Pública comprovar que este não as restituíra. Na falta desta prova, é de se presumir que a prova restou extraviada por culpa da Administração. Hipótese em que restou demonstrada a violação ao princípio da

Page 43: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

42

acessibilidade aos cargos públicos com a perda da chance concreta de lograr aprovação e de ser nomeado. Embargos acolhidos. Votos vencidos. (SAVI, 2009, p. 50).

Conforme expõe o autor, o requerente da referida demanda participou de um

concurso público, sendo aplicada nota zero à sua prova de datilografia, visto que a

organização do concurso não localizou a mesma (SAVI, 2009, p. 51).

O referido acórdão “é exemplar quando faz a análise da seriedade da

chance perdida pelo Autor de ser aprovado e nomeado” (ibidem). Savi mostra o voto

do relator, destacando parte em que o Desembargador aponta a relevância da

chance perdida:

A par da frustração de ter sido alijado do certame sem que sequer tivesse sido corrigida sua prova, efetivamente, perdeu a chance de ser aprovado e de ser nomeado. Com efeito, conforme se lê da informação de fl. 164, tivesse o Embargante obtido nota máxima na prova de datilografia lograria aprovação em 99º lugar, sendo certo que, em 24 de julho de 1996, já haviam sido nomeados os primeiros 128 aprovados e o prazo de validade do certame fora prorrogado até 04 de novembro de 1998 (fl. 162/163). Mais. É fato notório que, não obstante o candidato aprovado não tenha direito subjetivo à nomeação, a aprovação em concurso público contribui para o enriquecimento do currículo, sendo, muitas vezes, utilizado como critério para aferição da qualificação [grifamos]. (SAVI, 2009, p. 51).

Destaca-se, ainda, que “A prova de datilografia normalmente não é um

empecilho para os “concursandos”. Era provável que o Autor conseguisse a nota

máxima e, assim, a aprovação no concurso. Desta forma, a chance perdida mostra-

se séria e real, passível, portanto, de indenização”. (SAVI, 2009, p. 51). Sérgio Savi

expõe uma resenha do andamento processual do referido caso:

Diante da seriedade da chance perdida, o Juiz de primeiro grau julgou procedente a ação, condenando o réu ao pagamento, a título de dano moral, da quantia correspondente a cinco vencimentos do cargo de oficial escrevente de entrância final. A 2° Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento, por maioria, ao recurso do Estado do Rio Grande do Sul para julgar improcedente o pedido. O voto vencido que prevaleceu no julgamento dos Embargos Infringentes deu provimento ao recurso do Autor para elevar a condenação para dez vencimentos, também a título de danos morais. (2009, p. 51).

O enquadramento da perda de oportunidade ocorreu, também, em casos de

responsabilidade civil do advogado (SAVI, 2009, p. 51). Savi expõe um exemplo do

TJRJ, sendo a ementa da “Apelação Cível n° 2003.001.19138, 14° Câmara Cível,

Rel. Des. Ferdinaldo do Nascimento, j. em 7/10/2003” (SAVI, 2009, p. 51). A ementa

Page 44: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

43

apresenta grifos de Sérgio Savi, enfatizando a caracterização da perda de uma

chance, pelo TJRS, como dano moral:

MANDATO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM VIRTUDE DE PERDA DE PRAZO. DANOS MORAIS JULGADOS PROCEDENTES. A responsabilidade do advogado é contratual e decorre especificamente do mandato. Erros crassos como perda de prazo para contestar, recorrer, fazer preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante são evidenciáveis objetivamente. Conjunto probatório contrário à tese do Apelante. É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrer em consequência da perda de prazo caracteriza a negligência profissional. Da análise quanto à existência de nexo de causalidade entre a conduta do Apelante e o resultado prejudicial à Apelada resta evidente que a parte autora da ação teve cerceado o seu direito de ver apreciado o seu recurso à sentença que julgou procedente a reclamação trabalhista, pelo ato do seu mandatário, o qual se comprometera ao seu fiel cumprimento, inserido que está, no elenco de deveres e obrigações do advogado, aquele de interpor o recurso à sentença contra a qual irresignou-se o mandante. Houve para a Apelada a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecidas a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial demonstrado está o dano moral. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (SAVI, 2009, p. 51-52).

Sobre tais casos, conclui o autor:

Assim, em todos estes casos os Tribunais simplesmente ignoraram a possibilidade de a frustração da oportunidade causar também danos de natureza patrimonial, cumulativamente ou não aos danos morais. Como em diversas outras hipóteses mais comuns e recorrentes no direito brasileiro, a frustração da oportunidade da vítima pelo ofensor poderá causar a esta danos de naturezas distintas, patrimonial e extrapatrimonial. (SAVI, 2009, p. 57).

Sérgio Savi exemplifica a possibilidade de dano patrimonial e

extrapatrimonial na perda de uma chance:

Imagine-se, por exemplo, o caso de um “concursando” aprovado no provão e em todas as provas específicas, mas que se vê ilegitimamente excluído da prova oral pela comissão organizadora do concurso. A vítima, alegando que a atitude ilícita daquela comissão fez com ela perdesse a chance de fazer a prova oral e, consequentemente, de ser aprovada no concurso do qual participava, poderá requerer a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais emergentes (perda da chance) e por danos morais (a frustração decorrente do ato ilícito). (2009, p. 57).

Cabe enfatizar que, como já abordado em momento anterior a doutrina

majoritária não considera a perda de uma chance como dano exclusivamente moral.

Sérgio Savi considera que

Page 45: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

44

o que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral, já que, presentes os requisitos descritos neste livro, a perda de uma chance pode dar origem a um dano material. (2009, p. 57).

Conforme já analisado, a doutrina dispõe que a chance perdida deve ser

indenizada apenas quando for uma oportunidade real, concreta. Ocorre que há uma

“série de julgados que determinam a indenização da “chance perdida”, sem que esta

sequer exista ou possa ser considerada séria e real” (SAVI, 2009, p. 61).

Como exemplo. Sérgio Savi apresenta a seguinte ementa, referente ao

“TJRS, Apelação Cível n° 70006606487, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Paulo Antônio

Kretzmann, j. em 6/11/2003” (SAVI, 2009, p. 61):

RESPONSABILIDADE CML. DANO MORAL. ADVOGADO. RECURSO INTERPOSTO INTEMPESTIVAMENTE. PERDA DE UMA CHANCE. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. MONTANTE. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE. AUSÊNCIA. DESERÇÃO. 1 - Responsabilidade civil do advogado que interpõe recurso fora do prazo legal. Alegação da ocorrência de greve por parte dos juízes federais, e consequente dedução de que houve a suspensão dos prazos processuais. Negativa de matrícula em disciplina na faculdade de Medicina. Mandado de segurança denegado. Hipótese de perda de uma chance a configurar o nexo causal ensejador de reparação do dano moral sofrido pela impetrante. 2 - Valor fixado na sentença a título de ressarcimento por danos morais (10 salários-mínimos) que permanece inalterado já que consentâneo com as circunstâncias do caso concreto e com os parâmetros adotados pela câmara. 3 - Em não havendo pedido anterior, e tampouco concessão do benefício da gratuidade, faz-se indispensável o pagamento das custas, juntamente com a interposição da apelação. Segundo a regra do art. 511 do CPC, o preparo deve ser comprovado no momento da interposição do recurso, sob pena de ser este considerado deserto. Ausência da comprovação da necessidade. Deserção verificada. Improveram os apelos da autora e do corréu Luiz Carlos, e não conheceram do recurso do corréu Guaraci. (2009, p. 61).

No mesmo sentido da doutrina majoritária, aponta o autor: “Não é, portanto,

qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento

jurídico para fins de indenização” (SAVI, 2009. p. 65).

Determinados julgados reconhecem adequadamente a teoria da perda de

uma chance, porém erram ao quantificar o dano sofrido pela vítima (SAVI, 2009. p.

66). Como exemplo, Savi aponta para o caso do “TJRS, Apelação Cível n°

70005473061, 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j.

em 10/12/2003” (2009, p. 65):

Page 46: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

45

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. ADVOGADO. MANDATO. DECISIVA CONTRIBUIÇÃO PARA O INSUCESSO EM DEMANDA INDENIZATÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. Tendo a advogada, contratada para a propositura e acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixado de atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda de chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir negligente da advogada que ofende ao art. 1.300 do CCB/1916. APELO DESPROVIDO. (2009, p. 65).

Explica Savi: “Neste caso, o advogado perdeu o prazo para a interposição

do recurso de apelação contra a sentença contrária aos interesses do constituinte. O

acórdão reconheceu o dano decorrente da perda da chance. Contudo, ao quantificar

o dano, condenou o advogado réu ao pagamento de tudo aquilo que o seu cliente

faria jus se o recurso tivesse sido interposto no prazo legal e provido pelo Tribunal”

(SAVI, 2009. p. 65).

O autor aponta, neste sentido: “ninguém poderia afirmar que se o recurso

tivesse sido interposto, ele seria provido com certeza. O máximo que se poderia

afirmar era que o mesmo tinha muitas chances de êxito, e estas chances é que

deveriam ter sido indenizadas” (SAVI, 2009, p. 65).

Embora existam casos que a aplicação da teoria é, segundo maior parcela

da doutrina, inadequada, existe jurisprudência em harmonia com a doutrina

majoritária. Nas palavras de Savi,

Após a análise dos julgados […] chegamos à conclusão de que estes, na maioria das vezes, apenas aplicam corretamente a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance quando o fazem para negar a indenização em casos em que as chances perdidas não podiam ser consideradas sérias e reais. (2009, p. 70).

Cita-se de exemplo o caso do TJRS, Apelação Cível n° 70005635750 (6ª

Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. em 17/11/2003), o qual

trata de responsabilidade civil do advogado que perde prazo para interposição de

apelação contra sentença desfavorável aos interesses do cliente (SAVI, 2009, p. 70).

Segue ementa do acórdão, trazida na obra de Savi:

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA DE ADVOGADO, QUE SERIA RESPONSÁVEL PELA REVELIA E INTERPOSIÇÃO INTEMPESTIVA DE

Page 47: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

46

APELAÇÃO. PROVA QUE SÓ PERMITE CONCLUIR PELA CULPA DO PROFISSIONAL NA ÚLTIMA HIPÓTESE. PERDA DE UMA CHANCE. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO. NECESSIDADE, PORÉM, DA SERIEDADE E VIABILIDADE DA CHANCE PERDIDA. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO PRESENTES NA ESPÉCIE. ACOLHIMENTO DO PEDIDO APENAS PARA CONDENAÇÃO DO PROFISSIONAL AO RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS PAGOS PELOS AUTORES E PREPARO DO RECURSO INTEMPESTIVO. APELO EM PARTE PROVIDO. (2009, p. 70-71).

Neste caso, “apesar de reconhecer que teria ocorrido a perda da chance,

pois, se interposta em tempo, a apelação poderia ocorrer a mudança do resultado do

julgamento em favor dos autores, chegou à conclusão de que as chances de êxito

do eventual recurso eram ínfimas e, com isso, negou a indenização da chance

perdida” (ibidem). Portanto, o acórdão é consoante à doutrina majoritária.

4.2.1 Aplicação da teoria no STJ

Passamos então a analisar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Serão analisados casos de grande relevância para a teoria no Brasil, com destaque

ao processo do “Show do milhão”. Após, faremos uma objetiva análise de casos

atuais do STJ.

4.2.1.1 Julgados anteriores

Daremos foco ao caso do STJ de Recurso Especial n° 788.459-BA (Quarta

Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, julgado em oito de novembro de 2005, DJ

em 13/3/2006), considerado o leading case da responsabilidade civil pela perda de

uma chance (SAVI, 2009, p. 75).

“Show do milhão” foi o programa de televisão apresentado por Sílvio Santos

e vinculado na rede SBT, sendo um concurso de questões e respostas cujo prêmio

máximo é de um milhão de reais, desde que o participante responda corretamente

às perguntas (SAVI, 2009, p. 76). No decorrer do programa, “a cada pergunta

respondida de forma correta o participante vai aumentando o montante do prêmio

em barras de ouro a receber, de forma que, caso acerte a penúltima pergunta, o

participante acumulará R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)” (ibidem).

Caracterizando os fatos referentes ao caso, indica Savi:

Page 48: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

47

A autora da ação, “uma mulher de rara inteligência e conhecimento enciclopédico”, tinha logrado êxito nas respostas a todas as perguntas formuladas, tendo chegado à “pergunta do milhão”, acumulando, assim, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Apresentada a “pergunta do milhão”, a autora dessa ação optou por não respondê-la, por entender que a pergunta, da forma em que fora formulada, não havia como ser respondida. Assim, para não perder os quinhentos mil reais que já havia acumulado, a autora optou por parar […] A “pergunta do milhão”, no caso, era a seguinte: “A constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território Brasileiro?” Como possíveis respostas, o programa apresentou quatro opções: (1) 22%; (2) 2%; (3) 4%; ou (4) 10%. A questão, assim formulada, realmente não tem como ser respondida. Isso porque, a Constituição Federal não determina o percentual do território brasileiro reservado aos índios. (SAVI, 2009, p. 76).

A autora da demanda,

por entender que a produção do programa teria agido de má-fé formulando uma “pergunta do milhão” que não tinha resposta, ajuizou ação requerendo o pagamento de indenização por danos materiais e morais, aqueles no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por ter perdido a oportunidade de receber este valor em razão da conduta da ré, e estes a serem arbitrados pelo juiz. (SAVI, 2009, p. 77).

Segundo entendimento do STJ, abaixo exposto, a pergunta realmente não

poderia ser respondida com precisão, pois “a Constituição Federal não determina o

percentual do território brasileiro reservado aos índios” (SAVI, 2009, p. 76). Ainda, a

sentença de primeiro grau, com trecho disponibilizado por Savi, dispôs no mesmo

sentido (ibidem).

Segue trecho da sentença de primeiro grau:

Conclui-se, assim, que sendo a pergunta verdadeiramente irrespondível, foi retirada da autora a CHANCE de ganhar o prêmio máximo do jogo, o que inegavelmente constitui-se num prejuízo a ser ressarcido. A perda da chance consiste no fato de que a autora perdeu a oportunidade de tentar realmente acertar a pergunta que lhe daria o prêmio máximo, em' face de sua má formulação. É certo que não se poderá jamais saber se ela acertaria a resposta (se essa existisse), e nisso consiste o fundamento da teoria da perda de uma chance: é que nunca se virá a saber se o resultado positivo realmente aconteceria, uma vez que a chance de tal ocorrer passou... e não haverá retorno. (SAVI, 2009, p. 78).

A decisão “julgou procedente o pedido de indenização por danos materiais,

condenando a ré ao pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quantia

que a autora receberia se uma pergunta passível de resposta tivesse sido

apresentada, e ela tivesse acertado a resposta” (ibidem). Conforme se observa, a

Page 49: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

48

sentença cometeu o equívoco de condenar a emissora pelo valor de quinhentos mil

reais, não pela chance de obter tal vantagem (ibidem). Frise-se, “a indenização pela

chance perdida será sempre inferior ao montante que a parte receberia se a

oportunidade de um ganho não tivesse sido perdida e o ganho tivesse se verificado”

(ibidem).

A ré recorreu ao Tribunal, sendo que a sentença foi mantida em decisão de

2° grau (SAVI, 2009, p. 78). Contra esta decisão, a ré apresentou recurso especial,

alegando que a chance de a autora responder corretamente a última questão seria

de 25% (vinte e cinco por cento), levando em conta que cada pergunta tem 4

(quatro) assertivas (um quarto equivale a 25% de chances de acerto), perfazendo

R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) (ibidem).

Sérgio Savi disponibilizou a ementa do acórdão referente ao caso:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido, [grifamos]. (2009, p. 76).

O “Ministro Fernando Gonçalves, ao analisar o recurso, entendeu que ao

caso em questão deveria ser aplicada a teoria da responsabilidade civil por perda de

uma chance” (SAVI, 2009, p. 78). Portanto, dando provimento ao recurso,

por entender que a conduta da ré fez com que a autora perdesse a oportunidade de ganhar o prêmio máximo, fixou a indenização com base no percentual das chances que ela teria de acertar a resposta à “pergunta do milhão”, se corretamente formulada. (ibidem).

O acórdão mostra-se consoante à doutrina. Divergiu dos conceitos de Sérgio

Savi tão somente no que se refere à probabilidade indenizável que, segundo o autor,

teria de ser, no mínimo, de 50% (SAVI, 2009, p. 79). Todavia, o autor indica que

“Não há como afirmar que o acórdão está equivocado neste ponto. A diferença entre

o entendimento […] é, tão somente, em relação ao critério a ser adotado” (ibidem).

Passado o leading case da teoria no Brasil, vejamos outros casos abordados

pelo Superior Tribunal de Justiça.

Page 50: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

49

Vejamos agora o julgado do STJ do Recurso Especial n° 21.079.1850-MG

(Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008, DJ em

4/8/2009), disponibilizado por Sérgio Savi:

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. - A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. -Ao perder, deforma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda „de uma simples esperança subjetiva‟, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. -A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. -A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da súmula 7, STJ. - Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STJ. Recurso Especial não conhecido, [grifamos]. (2009, p. 82).

O STJ novamente acolheu a teoria, e, importante ressaltar,

o acórdão reconheceu, expressamente, uma importante característica da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, qual seja, a possibilidade da perda de uma chance dar origem a danos de naturezas distintas - extrapatrimoniais e patrimoniais, dependendo do caso concreto. (ibidem).

O fato de diversos Tribunais Estaduais terem precedentes expondo que a

teoria abarcaria tão somente danos morais (SAVI, 2009, p. 84) só aumenta a

relevância do julgado.

Os relevantes casos apresentados demonstram que o Superior Tribunal de

Justiça é favorável à aplicação da teoria da perda de uma chance. Passamos agora

a analisar casos atuais do STJ.

Page 51: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

50

4.2.1.2 Jurisprudência atual

Passamos agora a analisar casos atuais do Superior Tribunal de Justiça.

Vejamos a ementa do caso de Recurso Especial n° 1291247/RJ,

2011/0267279-8, Terceira Turma, tendo como relator o Ministro Paulo De Tarso

Sanseverino, publicado em 01/10/2014 (grifamos):

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3. A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicada. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n° 1291247/RJ, Terceira Turma, publicado em 01/10/2014, Relator: SANSEVERINO, Paulo De Tarso. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=000002265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015.).

Mais uma vez vemos o STJ demonstrar posicionamento favorável à

aplicação da teoria da perda de uma chance, embora se trate de acórdão não

unânime. Neste caso, os julgadores consideraram o dano pela perda da

oportunidade, visto não ser certo se a criança afetada precisará, no futuro, das

referidas células tronco. Ainda, consideraram os direitos de personalidade do recém-

nascido.

Page 52: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

51

Passamos a mostrar agora a ementa do Recurso Especial n° 1244685/SP,

2010/0162509-0, da 4ª Turma, tendo como relator o Ministro Luis Felipe Salomão,

publicado no DJe em 17/10/2013 (grifo nosso):

LEGISLAÇÃO DE ENSINO. RECURSO ESPECIAL. CURSO SUPERIOR NÃO RECONHECIDO PELO MEC. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCER A PROFISSÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. DANO MATERIAL NÃO RECONHECIDO. DANO MORAL. VALOR. REVISÃO PELO STJ. MONTANTE EXORBITANTE OU IRRISÓRIO. CABIMENTO. 1. O art. 535 do Código de Processo Civil permanece incólume quando o Tribunal de origem manifesta-se suficientemente sobre a questão controvertida, apenas adotando fundamento diverso daquele perquirido pela parte. 2. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei n. 9.394/1996) exige sejam os cursos reconhecidos por prazo limitado de validade, sendo renovado o reconhecimento, periodicamente, após processo regular de avaliação (art. 46). Regulamentando tal disposição, foi emitida a Portaria n. 877 de 1997, então vigente, que dispunha que o reconhecimento de cursos superiores deveriam ser requeridos a partir do terceiro ano, quando se tratar de curso com duração superior a cinco. 3. A instituição de ensino que oferece curso de bacharelado em Direito sem providenciar o reconhecimento deste no Ministério da Educação e Cultura (MEC), antes de sua conclusão - resultando na impossibilidade de aluno, aprovado no exame da OAB, obter inscrição definitiva de advogado, responde objetivamente pelo serviço defeituoso. 4. O requerente à inscrição no quadro de advogados da OAB, na falta de diploma regularmente registrado, apresenta certidão de graduação em Direito, acompanhada de cópia autenticada do respectivo histórico escolar, por licença do art. 23 do Regulamento da Advocacia. De todo modo, o diploma ou certidão devem ser emitidos por instituição de ensino que esteja reconhecida pelo Ministério da Educação. A ausência do reconhecimento do curso impede a inscrição. Precedentes. 5. No caso concreto não foi demonstrado dano material efetivo. Depreende-se de sua exordial que o autor somente pretendeu indenização por danos materiais com fundamento em lucros cessantes, tendo sido o pleito acatado pelas instâncias ordinárias, motivo pelo qual esta Corte não pode reconhecer a teoria da perda de uma chance, sob pena de julgamento extra petita. 6. O montante arbitrado a título de danos morais comporta revisão pelo Superior Tribunal de Justiça nas hipóteses em que for claramente irrisório ou exorbitante. Precedentes. 7. Recurso especial parcialmente provido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n° 1244685/SP, Quarta Turma, publicado em 03/10/2013, Relator: SALOMÃO, Luis Felipe. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=000002265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015).

No referido julgado o autor deixou de pleitear indenização pela perda de uma

chance. Todavia, o caso guarda relevância, visto que os julgadores consideraram

que a situação se enquadraria na teoria da perda de uma chance.

Page 53: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

52

Porém, conforme exposto na ementa, conceder ao autor algo que este não

pediu geraria uma decisão viciada, julgamento extra petita.

No mesmo ano, foi publicado o acórdão do Recurso Especial n°

1308719/MG, 2011/0240532-2, da Segunda Turma, tendo como relator o Ministro

Mauro Campbell Marques, publicado no DJe em 01/07/2013 (grifamos):

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE EQUIVOCADAMENTE CONCLUIU PELA INACUMULABILIDADE DOS CARGOS JÁ EXERCIDOS. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. HIPÓTESE EM QUE OS CARGOS PÚBLICOS JÁ ESTAVAM OCUPADOS PELOS RECORRENTES. EVENTO CERTO SOBRE O QUAL NÃO RESTA DÚVIDAS. NOVA MENSURAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO. 1. A teoria da perda de uma chance tem sido admitida no ordenamento jurídico brasileiro como sendo uma das modalidades possíveis de mensuração do dano em sede de responsabilidade civil. Esta modalidade de reparação do dano tem como fundamento a probabilidade e uma certeza, que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo. Precedente do STJ. 2. Essencialmente, esta construção teórica implica num novo critério de mensuração do dano causado. Isso porque o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo que "há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo”. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. 3. Esta teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado. Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar de determinado benefício. 4. No caso em tela, conforme excerto retirado do acórdão, o Tribunal a quo entendeu pela aplicação deste fundamento sob o argumento de que a parte ora recorrente perdeu a chance de continuarem exercendo um cargo público tendo em vista a interpretação equivocada por parte da Administração Pública quanto à impossibilidade de acumulação de ambos. 5. Ocorre que o dano sofrido pela parte ora recorrente de ordem material não advém da perda de uma chance. Isso porque, no caso dos autos, os recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não resta dúvidas. Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal implicou efetivamente em prejuízo de ordem certa e determinada. A questão assim deve continuar sendo analisada sob a perspectiva da responsabilidade objetiva do Estado, devendo portanto ser redimensionado o dano causado, e, por conseguinte, a extensão da sua reparação. 6. Assim, afastado o fundamento adotado pelo Tribunal a quo para servir de base à conclusão alcançada, e, considerando que a mensuração da extensão do dano é matéria que demanda eminentemente a análise do conjunto fático e probatório constante, devem os autos retornarem ao

Page 54: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

53

Tribunal de Justiça a quo a fim de que possa ser arbitrado o valor da indenização nos termos do art. 944 do Código Civil. 7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta extensão, provido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n° 1308719/MG, Segunda Turma, publicado em 01/07/2013, Relator: MARQUES, Mauro Campbell. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=000002265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015).

Na referida ementa os julgadores especificaram claramente que a teoria da

perda de uma chance vem sido admitida no STJ. Todavia, neste caso, os julgadores

entenderam que o dano sofrido pela parte recorrente não tem caráter de perda da

chance de exercer determinados cargos públicos simultaneamente, mas sim de

dano certo, determinado, que obrigou a parte recorrente a encerrar a atividade

múltipla. Portanto, destacaram os julgadores a diferença entre a perda da

oportunidade de se obter vantagem e a perda da própria vantagem.

Por fim, vejamos a ementa do julgado dos Embargos de Declaração no

Recurso Especial n° 1321606/MS, 2011/0237328-0, julgado pela Quarta Turma,

tendo como relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira, publicado no DJe em

08/05/2013 (grifo nosso), que admite a aplicação da Teoria da Perda de uma

chance:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COM AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CONDUTA OMISSIVA E CULPOSA DO ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. RAZOABILIDADE DO VALOR ARBITRADO. DECISÃO MANTIDA. 1. Responsabilidade civil do advogado, diante de conduta omissiva e culposa, pela impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem instrui-lo com os documentos necessários, frustrando a possibilidade da cliente, aprovada em concurso público, de ser nomeada ao cargo pretendido. Aplicação da teoria da "perda de uma chance". 2. Valor da indenização por danos morais decorrentes da perda de uma chance que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista os objetivos da reparação civil. Inviável o reexame em recurso especial. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração em Recurso Especial n° 1321606/MS, Quarta Turma, publicado em 08/05/2014, Relator: FERREIRA, Antonio Carlos. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=000002265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015).

Conforme se observa, a aplicação da teoria da perda de uma chance no

Superior Tribunal de Justiça é pacífica, inclusive em julgados atuais. Portanto, fica

Page 55: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

54

claro que a teoria vem ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro,

apresentando notável evolução.

Conforme exposto no decorrer da obra, os julgadores admitem a teoria, mas

somente aplicam a responsabilização se ocorrer o preenchimento dos requisitos do

instituto.

Page 56: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

55

5 CONCLUSÃO

Em razão do exposto na presente pesquisa, concluímos que a Teoria da

Perda de uma Chance apresenta aceitação no Brasil, tanto na doutrina quanto na

jurisprudência. Todavia, sua aplicação ainda é tímida, e existem divergências

doutrinárias e jurisprudenciais a respeito.

Entretanto, denota-se que o tema vem evoluindo, e sua aplicação é cada vez

maior. Com o passar dos anos, surgiram novos estudos referentes ao instituto, e a

jurisprudência vem se mostrando mais favorável à sua aplicação.

A maior parte da doutrina também se posiciona de forma favorável às

indenizações pela perda de uma chance. Os estudiosos mostram divergências no

que se refere aos critérios de aplicação da teoria, bem como à natureza jurídica dos

danos ocasionados pela perda de uma oportunidade.

Mesmo com divergências, as indenizações pela Perda de uma Chance são

aplicadas pelos órgãos julgadores brasileiros. Imperioso ressaltar que a busca pela

reparação de danos deve se sobrepor a meras divergências sobre a natureza da

teoria.

Cabe enfatizar que o Superior Tribunal de Justiça mostrou posicionamento

amplamente favorável à aplicação da Teoria da Perda de uma Chance. Tanto em

casos históricos quanto em julgados atuais, a corte vem admitindo a aplicação do

instituto. Tribunais estaduais, embora com divergências, aplicam a indenização pela

perda de uma oportunidade.

A aplicação do instituto, todavia, depende da observância de diversos

requisitos. Para a indenização, é necessário que a chance perdida seja séria e

concreta, sendo que a perda de mera expectativa, sem a devida comprovação, não

gera o dever de indenizar.

Ainda, parcela majoritária da doutrina e da jurisprudência considera que a

indenização é baseada na perda da oportunidade, não na chance propriamente dita.

Portanto, o ordenamento jurídico considera a perda de uma chance como uma nova

forma de dano.

Indica Glenda Gonçalves Gondim: “Esta teoria pensa a reparação a partir da

probabilidade que existia de uma vantagem ser obtida, após o decurso natural de

eventos, mas cujo benefício não veio a ocorrer em virtude da conduta de outrem”

(2010, p. 154).

Page 57: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

56

A indenização deve ser quantificada com base na extensão da chance

perdida, considerando-se a conduta e o nexo causal. Cabe destacar que a

indenização pela perda da chance pode ser cumulada com outras formas de dano,

como os danos morais e materiais.

Quanto à legislação, o Código Civil brasileiro não apresenta qualquer

disposição expressa referente à indenização pela perda de uma chance, o que

aumenta a relevância de estudos sobre o instituto. Todavia, a omissão legislativa

acabou por gerar flexibilidade na aplicação da teoria, podendo sua aplicação ser

adaptada especificamente para determinados casos concretos. Neste sentido, há

maior liberdade aos julgadores, o que gerou diversos julgados distintos.

Enfim, dada a evolução da sociedade, temos que ter em mente que o Direito

deve acompanhar a nossa realidade social, e o decorrer do tempo gera novos

desafios para a responsabilidade civil.

Novos tipos de danos estão ganhando destaque no Direito, e é neste

panorama que se insere a Teoria da Perda de uma Chance, que não se enquadra

nas formas tradicionais da responsabilidade civil. A perda de uma oportunidade é

claramente uma forma de dano e, portanto, deve haver reparação em favor da

vítima.

Considerando a evolução do instituto no Brasil, acreditamos que a teoria

ganhará ainda mais espaço no futuro. Estudos aprofundados sobre a teoria são de

grande importância neste sentido, visto que, assim como a jurisprudência, servirão

de base para a aplicação do instituto em julgamentos futuros.

A presente pesquisa teve como finalidade o estudo do panorama atual da

Teoria da Perda de uma Chance no ordenamento jurídico brasileiro. Com fulcro nos

estudos realizados, concluímos que a teoria é admitida no Brasil. Existem

divergências, mas estas não obstam a aplicação do instituto.

Contudo, tendo em vista que a perda de uma chance é considerada uma

nova forma de dano, o Direito tem o dever de intervir, baseando-se na função

essencial da Responsabilidade Civil: a reparação de todas as formas de dano,

garantindo a devida indenização aos ofendidos.

Page 58: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

57

REFERÊNCIAS

ALTHEIM, Roberto. Direito de Danos: Pressupostos Contemporâneos do Dever de

Indenizar. 1ª ed. (2008), 1ª reimpr., Curitiba, Juruá, 2010.

ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5ª ed.,

São Paulo, Saraiva, 1980.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

Brasília, DF, 2002.

______, Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n° 1308719/MG,

Segunda Turma, publicado em 01/07/2013, Relator: MARQUES, Mauro Campbell.

Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=00000

2265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015.

______, Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração em Recurso

Especial n° 1321606/MS, Quarta Turma, publicado em 08/05/2014, Relator:

FERREIRA, Antonio Carlos. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=00000

2265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015.

______, Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n° 1291247/RJ,

Terceira Turma, publicado em 01/10/2014, Relator: SANSEVERINO, Paulo De

Tarso. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=00000

2265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015.

______, Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n° 1244685/SP,

Quarta Turma, publicado em 03/10/2013, Relator: SALOMÃO, Luis Felipe.

Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=00000

2265%2F1>. Acesso em 23 set. 2015.

Page 59: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

58

CAIXETA, Fernanda Diniz; FRANKLIN, Giselle Leite. Responsabilidade Civil pela

perda de uma chance no direito do trabalho - estudo de casos. Revista de Estudos

Jurídicos UNESP, Vol. 17, Nº. 26, 2013. Disponível em:

<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=4816087>. Acesso em: 13 mai.

2015.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11ª ed., São Paulo,

Atlas, 2014.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. 11ª ed., Rio de Janeiro, Renovar,

2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol.7, Responsabilidade civil.

22ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil:

responsabilidade civil. V. III. 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009.

GONDIM, Glenda Gonçalves. A Reparação Civil na Teoria da Perda de uma

Chance. 177 p. Dissertação de Pós-graduação (Direito, Relações Sociais) -

Universidade Federal do Paraná – UFPR, Curitiba, 2010. Disponível em:

<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp146052.pdf>. Acesso em

30 set. 2015.

JUNIOR, Gilberto Andreassa. Responsabilidade Civil pela perda de uma chance -

Conceito e adequação no ordenamento jurídico brasileiro. Temas atuais e

Relevantes da Responsabilidade Civil Vol. I. Curitiba, Instituto Memória, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil,

volume IV. 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2011.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, Obrigações e Responsabilidade

Civil. 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009.

Page 60: RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE …tcconline.utp.br/media/tcc/2016/03/RESPONSABILIDADE-CIVIL-PELA... · tradicionais da responsabilidade civil são ainda suficientes

59

NADER, Paulo. Curso de direito civil, vol. 7, Responsabilidade civil. 2ª ed., Rio de

Janeiro, Forense, 2009.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011.

SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2ª ed., São Paulo,

Atlas, 2009.

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance. 2ª ed.,

São Paulo, Atlas, 2013.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8ª ed., São

Paulo, Revista dos Tribunais, 2011.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, vol. IV, Responsabilidade Civil. 10ª ed., São

Paulo, Atlas, 2010.