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Junho/2015 QUESTÃO 1. (UNESP) A questão toma por base um poema de Luiz Gama (1830-1882), poeta, jornalista e líder abolicionista brasileiro, nascido livre e vendido como escravo pelo próprio pai, e um excerto da narrativa Doze anos de escravidão, de Solomon Northup (1808-1863), homem livre sequestrado em Washington em 1841 e submetido à escravidão em fazendas da Louisiana, livro que serviu de base ao roteiro do filme 12 anos de escravidão, dirigido por Steve McQueen. No cemitério de S. Benedito Em lúgubre recinto escuro e frio, Onde reina o silêncio aos mortos dado, Entre quatro paredes descoradas, Que o caprichoso luxo não adorna, 5 Jaz da terra coberto humano corpo, que escravo sucumbiu, livre nascendo! Das hórridas cadeias desprendido, Que só forjam sacrílegos tiranos, Dorme o sono feliz da eternidade. 10 Não cercam a morada lutuosa Os salgueiros, os fúnebres ciprestes, Nem lhe guarda os umbrais da sepultura Pesada laje de espartano mármore, Somente levantado em quadro negro 15 Epitáfio se lê, que impõe silêncio! Descansam n’este lar caliginoso1 O mísero cativo, o desgraçado!… Aqui não vem rasteira a vil lisonja Os feitos decantar da tirania, 20 Nem ofuscando a luz da sã verdade Eleva o crime, perpetua a infâmia. Aqui não se ergue altar ou trono d’ouro Ao torpe mercador de carne humana. Aqui se curva o filho respeitoso 25 Ante a lousa materna, e o pranto em fio Cai-lhe dos olhos revelando mudo A história do passado. Aqui nas sombras Da funda escuridão do horror eterno, Dos braços de uma cruz pende o mistério, 30 Faz-se o cetro2 bordão3, andrajo a túnica, Mendigo o rei, o potentado4 escravo! (Primeiras trovas burlescas e outros poemas, 2000.) 1 caliginoso: muito escuro, tenebroso. 2 cetro: bastão de comando usado pelos reis. 3 bordão: cajado grosso usado como apoio ao caminhar. 4 potentado: pessoa muito rica e poderosa. Doze anos de escravidão Houvera momentos em minha infeliz vida, muitos, em que o vislumbre da morte como o fim de sofrimentos terrenos do túmulo como um local de descanso para um corpo cansado e alquebrado tinha sido agradável de imaginar. Mas tal contemplação desaparece na hora do perigo. Nenhum homem, em posse de suas forças, consegue ficar imperturbável na presença do “rei dos horrores”. A vida é cara a qualquer coisa viva; o verme rastejante lutará por ela. Naquele momento, era cara para mim, escravizado e tratado tal como eu era. Sem conseguir livrar a mão dele, novamente o peguei pelo pescoço e dessa vez com uma empunhadura medonha que logo o fez afrouxar a mão. Tibeats ficou enfraquecido e desmobilizado. Seu rosto, que estivera branco de paixão, estava agora preto de asfixia. Aqueles olhos miúdos de serpente que exalavam tanto veneno estavam agora cheios de horror duas órbitas brancas precipitando-se para fora. Havia um “demônio à espreita” em meu coração que me instava a matar o maldito cão naquele instante a manter a pressão em seu odioso pescoço até que o sopro de vida se fosse! Não ousava assassiná-lo, mas não ousava deixá-lo viver. Se eu o matasse, minha vida teria de pagar pelo crime se ele vivesse, apenas minha vida RESOLUÇÃO DO SIMULADO DISSERTATVIO PROVA D-3 GRUPO EXM

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Junho/2015

QUESTÃO 1. (UNESP) A questão toma por base um poema de Luiz Gama (1830-1882), poeta, jornalista e líder abolicionista brasileiro, nascido livre e vendido como escravo pelo próprio pai, e um excerto da narrativa Doze anos de escravidão, de Solomon Northup (1808-1863), homem livre sequestrado em Washington em 1841 e submetido à escravidão em fazendas da Louisiana, livro que serviu de base ao roteiro do filme 12 anos de escravidão, dirigido por Steve McQueen.

No cemitério de S. Benedito Em lúgubre recinto escuro e frio, Onde reina o silêncio aos mortos dado, Entre quatro paredes descoradas, Que o caprichoso luxo não adorna, 5 Jaz da terra coberto humano corpo, que escravo sucumbiu, livre nascendo! Das hórridas cadeias desprendido, Que só forjam sacrílegos tiranos, Dorme o sono feliz da eternidade.

10 Não cercam a morada lutuosa Os salgueiros, os fúnebres ciprestes, Nem lhe guarda os umbrais da sepultura Pesada laje de espartano mármore, Somente levantado em quadro negro

15 Epitáfio se lê, que impõe silêncio! — Descansam n’este lar caliginoso1 O mísero cativo, o desgraçado!… Aqui não vem rasteira a vil lisonja Os feitos decantar da tirania,

20 Nem ofuscando a luz da sã verdade Eleva o crime, perpetua a infâmia. Aqui não se ergue altar ou trono d’ouro Ao torpe mercador de carne humana. Aqui se curva o filho respeitoso

25 Ante a lousa materna, e o pranto em fio Cai-lhe dos olhos revelando mudo A história do passado. Aqui nas sombras Da funda escuridão do horror eterno, Dos braços de uma cruz pende o mistério,

30 Faz-se o cetro2 bordão3, andrajo a túnica, Mendigo o rei, o potentado4 escravo! (Primeiras trovas burlescas e outros poemas, 2000.)

1caliginoso: muito escuro, tenebroso.

2cetro: bastão de comando usado pelos reis.

3bordão: cajado grosso usado como apoio ao caminhar.

4potentado: pessoa muito rica e poderosa.

Doze anos de escravidão

Houvera momentos em minha infeliz vida, muitos, em que o vislumbre da morte como o fim de sofrimentos terrenos — do túmulo como um local de descanso para um corpo cansado e alquebrado — tinha sido agradável de imaginar. Mas tal contemplação desaparece na hora do perigo. Nenhum homem, em posse de suas forças, consegue ficar imperturbável na presença do “rei dos horrores”. A vida é cara a qualquer coisa viva; o verme rastejante lutará por ela. Naquele momento, era cara para mim, escravizado e tratado tal como eu era.

Sem conseguir livrar a mão dele, novamente o peguei pelo pescoço e dessa vez com uma empunhadura medonha que logo o fez afrouxar a mão. Tibeats ficou enfraquecido e desmobilizado. Seu rosto, que estivera branco de paixão, estava agora preto de asfixia. Aqueles olhos miúdos de serpente que exalavam tanto veneno estavam agora cheios de horror — duas órbitas brancas precipitando-se para fora.

Havia um “demônio à espreita” em meu coração que me instava a matar o maldito cão naquele instante — a manter a pressão em seu odioso pescoço até que o sopro de vida se fosse! Não ousava assassiná-lo, mas não ousava deixá-lo viver. Se eu o matasse, minha vida teria de pagar pelo crime — se ele vivesse, apenas minha vida

RESOLUÇÃO DO SIMULADO DISSERTATVIO

PROVA D-3 GRUPO EXM

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Junho/2015

satisfaria sua sede de vingança. Uma voz lá dentro me dizia para fugir. Ser um andarilho nos pântanos, um fugitivo e um vagabundo sobre a Terra, era preferível à vida que eu estava levando.

(Doze anos de escravidão, 2014.)

Indique os termos que exercem a função de sujeito nas orações que constituem os versos 24 e 29 do poema de Luiz Gama e o que há de comum nesses versos no que se refere à posição que ocupam em relação aos respectivos predicados.

No verso 24, o termo que exerce função de sujeito é “o filho respeitoso”; no verso 29, “o mistério”. Nos dois casos, os enunciados estão em ordem inversa: os sujeitos estão pospostos aos respectivos predicados. QUESTÃO 2. (UNICAMP) Há notícias que são de interesse público e há notícias que são de interesse do público. Se a celebridade "x" está saindo com o ator "y", isso não tem nenhum interesse público. Mas, dependendo de quem sejam "x" e "y", é de enorme interesse do público, ou de certo público (numeroso), pelo menos. As decisões do Banco Central para conter a inflação têm óbvio interesse público. Mas quase não despertam interesse, a não ser dos entendidos. O jornalismo transita entre essas duas exigências, desafiado a atender às demandas de uma sociedade ao mesmo tempo massificada e segmentada, de um leitor que gravita cada vez mais apenas em torno de seus interesses particulares.

(Fernando Barros e Silva, O jornalista e o assassino. Folha de São Paulo (versão online), 18/04/2011. Acessado em 20/12/2011).

a) A palavra “público” é empregada no texto ora como substantivo, ora como adjetivo. Exemplifique cada um desses

empregos com passagens do próprio texto e apresente o critério que você utilizou para fazer a distinção.

b) Qual é, no texto, a diferença entre o que é chamado de interesse público e o que é chamado de interesse do

público?

a) A palavra “público” aparece tanto como substantivo e adjetivo no texto. Inicialmente como adjetivo em “interesse público” (linha um), uma vez que está caracterizando a palavra interesse (repare que a concordância de gênero e número é mantida). Logo em seguida, ele aparece como substantivo em “interesse do público”, pois está sendo o núcleo do adjunto adnominal “do público”. Tal fato pode ser observado, uma vez que a palavra está acompanhada pelo artigo “o” (de o público) e artigos sempre se ligam a substantivos.

b) Pode-se interpretar interesse público como algo que diz respeito e afeta a todos os membros de uma sociedade, todo o público. Já o interesse do público são assuntos que despertam interesse no público, nem sempre sendo importantes. Essa divisão fica clara quando diz que as decisões do Banco Central são de interesse público e a vida das celebridades é de interesse do público.

QUESTÃO 3. Observe a figura. Nessa propaganda do dicionário Aurélio, a expressão “bom pra burro” é polissêmica,

e remete a uma representação de dicionário.

a) Qual é essa representação? Ela é adequada ou inadequada? Justifique.

b) Explique como o uso da expressão “bom pra burro” produz humor nessa propaganda.

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a) A representação é a de que o dicionário é um auxílio para os ignorantes, ideia contida na expressão “pai dos burros”. Ela é inadequada, porque o vocabulário de uma pessoa, por mais culta que seja sempre é extremamente inferior ao número de palavras que um bom dicionário comporta, portanto ele também é um auxílio importante para as pessoas que não são ignorantes.

b) O termo “pra burro” pode ser lido como uma expressão idiomática, que vale como adjunto adverbial de intensidade e que visa assim a enfatizar as qualidades do dicionário. O que produz humor é a possibilidade de outra leitura da expressão, como indicadora do leitor adequado a esse dicionário. Quebrando-se, portanto, a expectativa e gerando comicidade, chama-se a esse leitor de burro.

QUESTÃO 4. Leia o excerto de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, para responder ao que se pede.

Caldo Entornado

A comadre, tendo deixado o major entregue à sua vergonha, dirigira-se imediatamente para a casa onde se achava

Leonardo para felicitá-lo e contar-lhe o desespero em que a sua fuga tinha posto o Vidigal. (...) A comadre, segundo

seu costume, aproveitou o ensejo, e depois que se aborreceu de falar no major desenrolou um sermão ao Leonardo,

(...). O tema do sermão foi a necessidade de buscar o Leonardo uma ocupação, de abandonar a vida que levava,

gostosa sim, porém sujeita a emergências tais como a que acabava de dar-se. A sanção de todas as leis que a

pregadora impunha ao seu ouvinte eram as garras do Vidigal.

Você concorda com as afirmações que seguem? Justifique suas respostas.

a) Vê-se, no excerto, que a comadre procura incutir em Leonardo princípios morais destinados a corrigir o

comportamento do afilhado.

b) No sermão que prega a Leonardo, a comadre manifesta a convicção de que o trabalho é fator decisivo na

formação da personalidade de um jovem.

a) Não, porque o sermão pregado pela comadre, destinado a fazer o Leonardinho encontrar uma ocupação tinha um

fim prático e imediatista: fazer com que o protagonista ficasse definitivamente livre das perseguições do Major

Vidigal. Não há referências sobre a possível moralização da personagem.

b) No sermão não há referências ao trabalho como fator decisivo na formação da personalidade do jovem. Há, pelo

contrário a passagem “de abandonar a vida que levava, gostosa sim,...” como um juízo de valor da comadre que

sugere uma visão enaltecedora da malandragem ou vadiagem.

QUESTÃO 5. (FUVEST) Leia com atenção o trecho de Til, de José de Alencar, para responder ao que se pede.

[Berta] - Agora creio em tudo no que me disseram, e no que se pode imaginar de mais horrível. Que

assassines por paga a quem não te fez mal, que por vingança pratiques crueldades que espantam, eu concebo; és

como a suçuarana, que às vezes mata para estancar a sede, e outras por desfastio entra na mangueira e estraçalha

tudo. Mas que te vendas para assassinar o filho de teu benfeitor, daquele em cuja casa foste criado, o homem de

quem recebeste o sustento; eis o que não se compreende; porque até as feras lembram-se do benefício que se lhes

fez, e têm um faro para conhecerem o amigo que as salvou.

[Jão] - Também eu tenho, pois aprendi com elas; respondeu o bugre; e sei me sacrificar por aqueles que me

querem. Não me torno, porém, escravo de um homem, que nasceu rico, por causa das sobras que me atirava, como

atiraria a qualquer outro, ou a seu negro. Não foi por mim que ele fez isso; mas para se mostrar ou por vergonha de

enxotar de sua casa a um pobre-diabo. A terra nos dá de comer a todos e ninguém se morre por ela.

[Berta] - Para ti, portanto, não há gratidão?

[Jão]- Não sei o que é; demais, Galvão já pôs-me quites dessa dívida da farinha que lhe comi. Estamos de

contas justas! acrescentou Jão Fera com um suspiro profundo.

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a) Nesse trecho, Jão Fera refere-se de modo acerbo a uma determinada relação social (aquela que o vinculara,

anteriormente, ao seu “benfeitor”, conforme diz Berta), revelando o mal-estar que tal relação lhe provoca. Que

relação social é essa e em que consiste o mal-estar que lhe está associado?

b) A fala de Jão Fera revela que, no contexto sócio-histórico em que estava inserido, sua posição social o fazia sentir-

se ameaçado de ser identificado com um outro tipo social, identificação essa, que ele considera intolerável. De que

identificação se trata e por que Jão a abomina? Explique sucintamente.

a) Na lógica interna do romance Til, a Fazenda das Palmas, de Luís Galvão, é a reprodução de um feudo, ao redor

do qual movimentam-se personagens que em praticamente tudo dependem de sua ação centralizadora. Por essa

razão, os tipos humanos que ali vivem estão de algum modo vinculados às decisões e ao poder de Luís Galvão,

representante de uma aristocracia rural do início do Império, na primeira metade do século XIX. Nessas relações,

dois vínculos se destacam: o senhor e o escravo; e o senhor e o empregado, caso da relação entre Luís Galvão e

Jão Fera, cujo mal-estar deriva tanto dessa relação de subserviência quanto do amor frustrado do bugre pela cabocla

Besita, também objeto de desejo de Luís Galvão.

b) Jão Fera não admitia ser identificado com o escravo negro, que era tratado, naquele sistema, como coisa, objeto.

Jão Fera, por sua vez, estabelecia um vínculo de trabalho com o fazendeiro Luís Galvão, incrementado, no plano

emocional, por atitudes sacrificiais como ele próprio afirma: “[...] e sei me sacrificar por aqueles que me querem”.

QUESTÃO 6. (FUVEST) Leia o poema de Drummond para responder às questões relativas a dois versos de sua última estrofe.

ELEGIA 1938 Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer. Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. Caminhas entre mortos e com eles conversas sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. A literatura estragou tuas melhores horas de amor. Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear. Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva. Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.

Considerando-se a “Elegia 1938” no contexto de Sentimento do mundo, explique sucintamente: a) a que se refere o eu lírico com a expressão “felicidade coletiva”? b) o que simboliza, para o eu lírico, a “ilha de Manhattan”?

a) A expressão “felicidade coletiva”, mencionada na última estrofe do poema, refere-se a uma sociedade mais justa e sem divisão de classes, o que significa, neste contexto, o socialismo. Compreende-se aqui certa aceitação passiva do capitalismo (“Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição”) como algo difícil de ser combatido

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no cenário de polarização política agravado pela Segunda Grande Guerra e em pauta no Brasil durante o Estado Novo. b) A expressão “ilha de Manhattan” simboliza o capitalismo ocidental, em uma época de reforço do poderio político-econômico dos Estados Unidos. A referência ao sistema capitalista fica ainda mais clara quando o eu lírico afirma a impossibilidade de o indivíduo isoladamente dinamitar a ilha, ou seja, derrubar o capitalismo, o que só seria possível com uma revolução socialista QUESTÃO 7. (FUVEST) Leia o seguinte texto jornalístico:

PARA PARA

Numa de suas recentes críticas internas, a ombudsman desta Folha propôs uma campanha para devolver o acento que a reforma ortográfica roubou do verbo “parar”. Faz todo sentido.

O que não faz nenhum sentido é ler “São Paulo para para ver o Corinthians jogar”. Pior ainda que ler é ter de escrever.

Juca Kfouri, Folha de S.Paulo, 22/09/2014. Adaptado.

a) No primeiro período do texto, existe alguma palavra cujo emprego conota a opinião do articulista sobre a reforma ortográfica? Justifique sua resposta. b) Para evitar o “para para” que desagradou ao jornalista, pode-se reescrever a frase “São Paulo para para ver o Corinthians jogar”, substituindo a preposição que nela ocorre por outra de igual valor sintático-semântico ou alterando a ordem dos termos que a compõem. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta.

a) No trecho “o acento que a reforma ortográfica roubou do verbo parar”, a escolha da forma verbal “roubou” dá direção argumentativa ao texto, indicando que a opinião do articulista é contrária à supressão do acento em “pára” (verbo), por oposição a “para” (preposição). b) Sim. É possível evitar a construção “para para” de duas maneiras, basicamente: substituindo a preposição (São Paulo para a fim de ver o Corinthians jogar); ou alterando a ordem dos termos (Para ver o Corinthians jogar, São Paulo para). (UNESP) As questões de números 8 e 9 tomam por base um trecho da conferência Sobre algumas lendas do Brasil, de Olavo Bilac (1865-1918), e um soneto do mesmo autor, utilizado por ele para ilustrar seus argumentos.

Sendo cada homem todo o universo, tem dentro de si todos os deuses, todas as potestades superiores e inferiores que dirigem o universo. (Tudo, se existe objetivamente, é porque existe subjetivamente; tudo existe em nós, porque tudo é criado e alimentado por nós). E esta consideração nos leva ao assunto e à explanação do meu tema. Existem em nós todas as entidades fantásticas, que, segundo a crença popular, enchem a nossa terra: são sentimentos humanos, que, saindo de cada um de nós, personalizam-se, e começam a viver na vida exterior, como mitos da comunhão.

Tupã, demiurgo criador, e o seu Anhangá, demiurgo destruidor. É o eterno dualismo, governando todas as fases religiosas, toda a história mitológica da humanidade. Já entre os persas e os iranianos, na religião de Zoroastro, havia um deus de bondade, Ormuz, e um deus de maldade, Ahriman. A religião de Manés, na Babilônia, não criou a ideia do dualismo; acentuou-a, precisou-a; a base da religião dos maniqueus era a oposição e o contraste da luz e da treva: o mundo visível, segundo eles, era o resultado da mistura desses dois elementos eternamente inimigos. Mas em todos os grandes povos, e em todas as pequenas tribos, sempre houve, em todos os tempos, a concepção desse conflito: e esse conflito perdura no catolicismo, fixado na concepção de Deus e do Diabo. Os nossos índios sempre tiveram seu Tupã e o seu Anhangá... Ora, o selvagem das margens do Amazonas, do São Francisco e do Paraná compreende os dois demiurgos, porque os sente dentro de si mesmo. E nós, os civilizados do litoral, compreendemos e contemos em nós esses dois princípios antagônicos, Deus e o Diabo. Cada um de vós tem uma arena íntima em que a todo o instante combatem um gênio do bem e um gênio do mal:

Não és bom, nem és mau: és triste e humano… Vives ansiando em maldições e preces, Como se, a arder, no coração tivesses O tumulto e o clamor de um largo oceano. Pobre, no bem como no mal, padeces; E, rolando num vórtice vesano*, Oscilas entre a crença e o desengano, Entre esperanças e desinteresses.

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Capaz de horrores e de ações sublimes, Não ficas das virtudes satisfeito, Nem te arrependes, infeliz, dos crimes: E, no perpétuo ideal que te devora, Residem juntamente no teu peito Um demônio que ruge e um deus que chora…

(Últimas conferências e discursos, 1927.)

* Vesano: louco, demente, delirante, insensato.

QUESTÃO 8. O conferencista Olavo Bilac sugere que, apesar da diferença de credos, as religiões se filiam a um mesmo princípio. Que princípio é esse e o que origina no âmbito religioso?

Segundo o excerto da conferência de Olavo Bilac, as religiões filiam-se ao princípio do dualismo, já presente no espírito humano (a “arena íntima em que a todo instante combatem um gênio do bem e um gênio do mal”). Esse princípio origina a criação de entidades antagônicas, tais como, no zoroastrismo, Ormuz e Ahriman; no maniqueísmo (a religião de Manés), o contraste entre luz e treva; entre os “nossos índios”, Tupã e Anhangá; e, no catolicismo, Deus e o Diabo. QUESTÃO 9. No soneto, Bilac explicita sua concepção do homem. Apresente o aspecto mais importante dessa concepção.

A concepção de homem explicitada no soneto de Olavo Bilac é baseada fundamentalmente na ideia de dualidade. Por meio de adjetivos como “bom” e “mau” e de imagens como o “tumulto e clamor de um largo oceano” presentes no coração de cada um, o eu lírico defende a tese de que o ser humano está constantemente dividido entre a esperança e o desengano e não se contenta em praticar atos virtuosos e nem se arrepende de crimes cometidos. Nos últimos versos, a dualidade é relacionada com a religiosidade, explicitada nas referências ao deus e ao demônio que, segundo o texto, habitam, em atitudes opostas e complementares, o peito de todos nós.