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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Departamento de Psicologia e Educação Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes Das Zonas Periféricas de São Vicente Arlinda Ivette Lopes Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (2º Ciclo de estudos) Orientador: Prof. Doutor Henrique Pereira i

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIORDepartamento de Psicologia e Educação

Estudo sobre a Resiliência em AdolescentesDas Zonas Periféricas de São Vicente

Arlinda Ivette Lopes

Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde

(2º Ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutor Henrique Pereira

Mindelo, Outubro de 2013

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Dedicatória

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À memória do meu muito amado pai, Belgrano Lopes (1939-1999).

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Resumo

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Resiliência descreve a relativa resistência à experiências de risco psicossocial. O presente trabalho procurou descrever fatores de vulnerabilidade e proteção relacionados a resiliência que poderão caracterizar mecanismos de adaptação em adolescentes das zonas periféricas de São Vicente.

Na medida em que a resiliência parece se caracterizar por ampla variação contextual, o presente estudo tenta conciliar a recolha e o tratamento qualitativo e quantitativo dos dados. Partindo de uma abordagem mais ecológica e próximo à população em estudo procurou-se, através de uma técnica qualitativa (o grupo focal), obter um amplo conjunto de dados para posterior análise mediante métodos de análise quantitativa. Um questionário de autoadministração construído a partir dos dados dos grupos focais foi respondido anonimamente e sob base voluntaria por 218 alunos das zonas periféricas de São Vicente, sorteados aleatoriamente nas escolas públicas do Mindelo. Na análise dos dados, para além da análise descritiva, foram utilizados o teste t e a Analise de Variância (ANOVA) para localização de valores significativos ao nível de 5% na comparação dos grupos distintivos da amostra.

Os resultados obtidos evidenciam que esses adolescentes dispõem de adequados recursos individuais, familiares e comunitários que podem ser mobilizados para fazer face as adversidades que enfrentam num contexto onde a instabilidade económica e as dificuldades de acesso a saúde e educação representam desafios constantes ao desenvolvimento. Foram encontradas diferenças significativas nos potenciais fatores de risco e proteção identificados relativamente ao sexo, idade, escolaridade e comunidade de proveniência.

Discuta-se a relevância destes dados para a reflexão sobre a promoção de resiliência na população estudada, atendendo as particularidades contextuais e culturais dos adolescentes e suas comunidades.

Palavras-Chave: Resiliência; fatores de risco; fatores protetores; Zonas periféricas de São Vicente.

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Abstract

Resilience is the resistance to high risk psycho-social experiences. This thesis describes factors of vulnerability and protection related to resilience and that are adopted by the adolescents residing in Mindelo’s peripheral zones.

Given the fact that the phenomenon of resilience is characterized by a wide range contextual variation, this study is an attempt to combine the qualitative and quantitative treatment of data.

Based on the ecologic, closely related to the target population approach, this research has aimed to collect an extensive set of data for the following quantitative analysis.

A self-applicable questionnaire that had been constructed on the basis of focal groups was anonymously and voluntarily responded by 218 pupils in randomly chosen state schools in the peripheral São Vicente zones. In data analysis, besides descriptive analysis, the test t and the ANOVA test were applied in order to identify significant values at 5% level while comparing distinctive groups of the sample.

The results show that the adolescents have adequate individual, familiar and community resources that could be mobilize in order to tackle problems they face in the context where economic instability and difficult access to education and health services are a constant challenge for development.

The importance of the present data and findings is analysed within a wider context in order to trigger discussion of how, given contextual and cultural particularities of their communities, the resilience could be promoted among the adolescents.

Key words: resilience, risk factors, protection factors; peripheral São Vicente zones

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Agradecimentos

Porque este é um trabalho que recebeu o contributo de várias pessoas, as quais de distintas formas estiveram presentes no percurso da sua realização, gostaria de lhes deixar uma palavra de sincero agradecimento.

Assim, em primeiro lugar queria agradecer ao meu orientador, o Professor Doutor Henrique Pereira, pela prontidão, disponibilidade e paciência, com que pôs a minha disposição todo a sua experiência e saber.

Em segundo lugar, um agradecimento muito especial ao Caplan Neves, pelo apoio incondicional, pela companhia serena e atenta com que veio preencher os meus dias, tornando tudo possível.

À Universidade do Mindelo e a Universidade de Beira Interior que, no âmbito do acordo entre as duas instituições, tornaram possível a realização deste Mestrado.

Às minhas professoras do segundo ciclo de estudos, pelos ensinamentos que nos proporcionaram. A professora Paula Carvalho que me enviou de Portugal vários artigos de referência.

Às direções e funcionários das escolas secundárias de São Vicente, que de forma muito atenciosa permitiram e auxiliaram na recolha dos dados.

Ao Doutor Manuel Faustino que, muito amavelmente, me disponibilizou o estudo “Saúde e Estilos de Vida dos Adolescentes Cabo-verdianos Frequentando o Ensino Secundário”.

A Dra Dominika, professora da Universidade do Mindelo, pelo apoio na tradução do resumo para o inglês.

À avó dos meus filhos, minha querida sogra, pelos esforços e sacrifícios consentidos. Uma palavra de apreço aos meus familiares, em especial a minha mãe Paulina Rocha, meus filhos Hélio, Azaergal e Criséle, irmãos e sobrinhos.

Um agradecimento muito especial para todos os alunos que partilharam comigo suas histórias de vida e se disponibilizaram para participar na presente pesquisa.

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E a todos os outros que durante este percurso, deixaram em mim a marca da sua gentileza.

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Índice

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Introdução

Desde a conferência internacional sobre Cuidados de Saúde primários realizada em Alma -Ata (WHO, 1978), tem-se enfatizado a necessidade de alicerçar as intervenções no âmbito da saúde pública em dados específicos, em oposição a definição de programas baseados em dados gerais nem sempre ajustados a realidade visada.

Em 1993, na sua revisão do Programa de Saúde do Adolescente e projetos afins, a OMS (WHO, 1993) salientou a necessidade de uma melhor compreensão do contexto cultural e dos sistemas sociais que afetam a juventude. Em Cabo Verde esta necessidade constitui ainda um amplo desafio. O presente estudo parte deste desafio e pretende ser um pequeno contributo no sentido de ampliar o ainda muito limitado conhecimento objetivo do panorama da juventude em Cabo Verde, tendo como alvo uma realidade muito específica: a das zonas periféricas de São Vicente.

Os problemas enfrentados pelos jovens dessas comunidades contextualizam-se no âmbito de uma realidade geográfica, social e política muito específica. A organização da Ilha de São Vicente a partir do Porto Grande e a sua natureza essencialmente urbana resultaram numa efetiva marginalização destas comunidades periféricas de caráter mais rural e campestre. Arredadas da lógica urbana com que São Vicente se organiza(ou), foram continuamente negligenciadas no contexto das políticas de desenvolvimento direcionadas para a ilha, tanto a nível dos governos centrais como das administrações locais, colocando desafios constantes para o desenvolvimento de suas crianças, adolescentes e jovens pelo amplo encadeamento de fatores de risco psicossocial a que estão expostos.

No entanto existe evidências de enorme variação na resposta de crianças e jovens à experiências de adversidades. Contrapondo-se a visão tradicional segundo a qual as pessoas que cresciam em contextos adversos estavam fadadas a desenvolverem múltiplos problemas, desde de perspetivas mais atuais considera-se que as pessoas possuem recursos que os permitem atravessar com sucesso situações adversas ou traumáticas. Essa capacidade de resistência a experiencias de risco psicossocial traduz o conceito de resiliência.

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Integrada na perspetiva salutogénica de saúde, que no âmbito da psicologia evoca o movimento da psicologia positiva, o conceito de resiliência comporta um enorme potencial no âmbito da promoção da saúde, nomeadamente por se constituir num constructo que, pela sua amplitude e diversidade de manifestações, permite ampla aplicação à populações muito diferenciadas. A resiliência apresenta assim um modelo abrangente que enfatiza os fatores e processos de proteção que podem inverter o efeito de fatores de risco.

A identificação do que protege e do que aumenta o risco dentro de cada contexto específico permite a elaboração de programas de saúde empiricamente fundamentados e adaptados a especificidades culturais e sociais de cada comunidade.

No presente estudo procura-se descrever fatores psicossociais ligadas a resiliência nos adolescentes das zonas periféricas de São Vicente, partindo de variáveis identificadas a partir de relatos dos próprios adolescentes.

No Capítulo 1 é apresentado uma discussão sobre a mudança do enfoque centrado no risco para uma perspetiva voltada para pesquisa, compreensão e promoção dos aspetos sadios (secção 1.1 – “Rompendo o viés Negativo”). As conceções da psicologia positiva são analisadas enquanto movimento de reavaliação das potencialidades e virtudes humanas (subsecção 1.1.1 – “Psicologia Positiva”) e sua relação com o movimento precursor, a Psicologia Humanista, é discutido (Subsecção 1.1.2 – “Uma Psicologia Humanista Positiva?”).

As interlocuções e aproximações teóricas e conceituais entre a Psicologia Positiva e a psicologia comunitária, sobretudo nos moldes em esta última que se estabeleceu na América Latina são analisadas, enfatizando entre os dois movimentos a valorização das “extraordinárias forças e virtudes inerentes a viver numa posição social, económica, cultural, entendida como deficitária e marginal” (subsecção 1.1.3 – “Psicologia Comunitária e Positividade”). Por fim o conceito de Resiliência é definido a partir deste “horizonte de representação da mudança e dos seres humanos baseado nas forças e no positivo” (Subsecção 4 - “Resiliência e Positividade”).

No final do primeiro capítulo procura-se organizar e analisar as distintas conceções e definições de resiliência (Secção 1.2 – “Resiliência: Operacionalização do Conceito”) e busca-se uma operacionalização do conceito através de um posicionamento em relação a elas (subsecção 1.2.1 – “Definindo Resiliência”). Finalmente são apresentados diferentes modelos e métodos de medição do processo resiliente e variáveis associadas (secção 1.3 – “Modelos e Métodos de Medição do Processo Resiliente”).

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No Capítulo 2 é apresentado uma reflexão sobre o compromisso da “psicologia cabo-verdiana” com o desvendar da complexa identidade cabo-verdiana e o seu papel na resolução da problemática do desenvolvimento e bem-estar das suas populações, nomeadamente através da ampliação do seu campo de atuação ao campo da intervenção social e promoção da saúde no âmbito comunitário (subsecção 2.1 – “Justificação (Para uma Psicologia das Virtudes em Cabo Verde”). É apresentado o estudo, seus objetivos e natureza.

No Capítulo 3 encontra-se a descrição do método utilizado no presente trabalho, o qual tenta conciliar a recolha e o tratamento qualitativo e quantitativo dos dados. Descreve-se o estudo preliminar (a abordagem qualitativa com grupos focais) e os principais resultados encontrados, bem como o processo de construção do instrumento utilizado para a recolha dos dados estatísticos, método de amostragem, características da amostra utilizada e procedimentos de recolha dos dados.

Nos Capítulos 4 e 5, respectivamente, é explicado o tratamento estatístico dos dados e apresentados os resultados encontrados. No Capitulo 6 discute-se as suas implicações para a elaboração de programas ou intervenções que visem a promoção da resiliência entre os adolescentes das comunidades estudadas, analisa-se as limitações do presente estudo e possíveis caminhos para futuros trabalhos.

Esse trabalho constitui uma abordagem inicial num campo onde quase tudo está ainda inexplorado. Um fascinante trajeto poderá ser traçado no caminho do desvendar dos processos por detrás da resiliência “no cabo-verdiano”. É que a resiliência é um conceito caro para Cabo Verde, um país que chegou a ser considerado inviável devido a escassez de recursos e é hoje apontado como exemplo de desenvolvimento, um povo em que as adversidades são dançadas ao som das coladeiras1.

1 Música e dança tradicionais cabo-verdiana, caracterizado por um ritmo rápido, que aborda sátiras, críticas sociais, relatos jocosos e temas alegres e lúdicos (Wikipédia).

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Capitulo 1 - Resiliência

1.1 - Rompendo o Viés Negativo

Podemos hoje afirmar que um pressuposto básico relativamente consensual em relação a saúde dos adolescentes, é que ela não é alheia às experiências de vida. À esse pressuposto está muitas vezes subjacente a premissa de que não é previsível que adolescentes que atravessem situações fortemente adversas ou se encontrem em condições de vida de marcada desvantagem social, vivenciem bons resultados de saúde a nível físico e psicológico, apresentem bom ajustamento académico ou conduta socialmente esperada. Essa premissa representa o antecedente lógico da conclusão de que o ajustamento pode ser equacionado em função do risco.

Esse enfoque no risco, embora possa ser útil para prever e intervir sobre resultados negativos, encontra muitos problemas quando se trata de explicar prognósticos negativos falsos e pouco nos diz sobre os recursos e processos subjacentes ao ajustamento e a superação.

Se por um lado esse enfoque terá permitido acumular conhecimentos sobre formas de intervenção consideravelmente eficazes e cientificamente válidas sobre as mais diversas perturbações, disfunções e sofrimentos humanos, por outro lado terá demovido a psicologia do estudo sistemático do normal e do virtuoso na natureza humana.

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É nesta orbita de ideias que emerge a discussão da reversão do panorama negativo focado no risco para um olhar direcionado a pesquisa, compreensão e promoção dos aspetos sadios.

1.1.1 - Psicologia Positiva

Tal tendência evoca atualmente a psicologia positiva, movimento científico convencionalmente ligado a assumpção da presidência da American Psychological Association (APA) pelo psicólogo Martin Seligman em 1998, no âmbito do qual salientou a necessidade de redirecionar o foco das contribuições da psicologia2.

O mote deste movimento é a constatação de que a ciência psicológica vinha negligenciando o lado positivo da natureza humana, uma vez que não produzia conhecimento suficiente sobre os seus aspetos virtuosos e suas forças pessoais (Seligman & Czikszentmihalyi, 2003). Segundo esses autores, aspetos como a esperança, criatividade, coragem, sabedoria, espiritualidade, felicidade, foram relegados para segundo plano por uma psicologia direcionada preferencialmente ao estudo do funcionamento anormal e patológico.

Assim, o enfoque no patológico descurava o indivíduo realizado e a comunidade desenvolvida, negligenciando a necessidade de compreender os fatores que contribuem para o desenvolvimento saudável (Seligman & Czikszentmihalyi 2003).

Mudando o foco e rompendo com o viés negativo, a psicologia positiva propõe-se, mais do que reparar o que está errado, identificar e fortalecer o que está bom, reconstruir qualidades positivas, valorizar o estudo rigoroso de fatores quotidianos e comuns (Seligman, citado por Paludo & Koller, 2007). Mais do que remediar aspetos negativos, propõe-se uma psicologia focalizada numa perspetiva preventiva e promocional, centrada na construção de qualidades positivas (Seligman & Czikszentmihalyi, 2003).

Trata-se, como sintetizam Paludo e Koller (2007), de uma reavaliação das potencialidades e virtudes humanas, por meio do estudo das condições e processos que contribuem para a prosperidade. A conceção subjacente é a de que o conhecimento das forças e virtudes poderia propiciar o “florescimento” (flourishing) das pessoas, comunidades e instituições,

2 Seligman vincula a sua convicção na necessidade de uma psicologia positiva à uma história pessoal ocorrida a alguns meses antes da sua eleição à presidente da APA. A inversão dos interesses do autor dos aspetos patológicos para aspetos positivos da vida é no entanto algo anterior. Ver por exemplo Learn Optimism: How to change yuor mind and your live (1991, New York: Pocket Books). Nesta obra em contraposição ao desamparo aprendido que focalizou os seus interesses desde a década de 70 aparece no âmbito da noção de estilo explicativo e do desenvolvimento do otimismo o termo otimismo aprendido. Quando assume a presidência da APA, faz dessa inversão de interesses a sua missão.

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é dizer, assegurar as condições para o desenvolvimento pleno, saudável e positivo dos aspetos psicológicos, biológicos e sociais dos seres humanos (Keyes e Haidt, citado por Paludo & Koller, 2007). Neste sentido Seligman e Czikszentmihalyi (2003) apontam como campos de atuação da psicologia positiva o bem-estar subjetivo positivo; o caráter positivo; e as instituições positivas.

a) O bem-estar subjetivo refere-se à exploração da satisfação com o passado (experiências e emoções positivas na história pessoal), sentimentos de transcendência e felicidade com o presente e aspetos relacionados a esperança e otimismo face ao futuro.

b) O caráter positivo refere-se ao estudo de características individuais positivas – forças pessoais e virtudes como o afeto, o perdão e a compaixão, a espiritualidade, o talento, a sabedoria, o autocontrole, criatividade, coragem, liderança, integridade.

c) “Grupos positivos” refere-se ao estudo do funcionamento positivo dos grupos: escolas efetivas, bairros comunitários, família saudável, fenómenos de altruísmo, tolerância ou consciência ética em contexto laboral. Trata-se de explorar o meio em que se movem os indivíduos não apenas pela sua influência negativa, pelas características patogénicas historicamente enfatizadas nas ciências sociais, mas como adjuvantes ao desenvolvimento, promotoras de saúde e provedoras de apoio nos momentos difíceis.

Seligman e Czikszentmihalyi (2003) estabelecem assim como desafios futuros da psicologia, desenvolver equitativamente os segmentos complementares da prevenção e alívio das doenças e a vertente da promoção do bem-estar e da felicidade; redirecionar a psicoterapia para a identificação e criação de forças e virtudes positivas; conceber um currículo para uma psicologia pedagógica positiva; investir fortemente na pesquisa científica do lado positivo dos seres humanos.

1.1.2 - Uma Psicologia Humanista Positiva?

Essa “mudança de perspetiva” (que surge num contexto privilegiado3), não é no entanto, como aliás ressalvam Seligman e Czikszentmihalyi (2003), exclusiva da Psicologia Positiva, tratando-se efetivamente menos de conceções inovadoras na Ciência Psicológica do que um resgate de aspetos antes considerados secundários.

3 Numa entrevista apresentada por Eduardo Salvador (http://www.psicologia-positiva.com/entrevista.html) o ex-presidente da APA, Seligman, expõe o êxito extraordinário que em pouco tempo a psicologia positiva alcançou no mundo académico americano. Em apenas cinco anos os cursos de psicologia positiva em grandes universidades americanas passaram de um para cem aproximadamente; as conferências de Seligman, antes “um tipo alternativo e pouco convencional”, provocam autenticas ovações; em torno da psicologia positiva gera uma invulgar mobilização de fundos.

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A crença na orientação positiva dos seres humanos, ademais da simples adaptação ao mundo é, com vernaculidade, uma conceção comum em psicologia, constituindo o tema fundamental de várias correntes e vários teóricos associados por exemplo à designações como neo-freudianos, existencialistas ou humanistas.

É no entanto em relação a estes últimos, que as semelhanças são mais evidentes. É notável que os princípios subjacentes a conceção de uma ciência humana são praticamente coincidentes com aquilo que defende a psicologia positiva. Por exemplo Maslow (citado por Hernandez, 2003), dissertando sobre a necessidade de uma “psicologia da Saúde” afirma que Freud abriu o caminho para a investigação da metade doente da psicologia, e que o desafio era agora preencher a outra metade, a sadia. Isto é, precisamente aquilo que a corrente da psicologia positiva afirma hoje sobre a evolução atual da psicologia4.

Neste sentido, como o expõe Hernandez (2003), os humanistas contemporâneos chegam a reclamar para o humanismo o conceito de psicologia positiva afirmando que a novel proposta de Seligman “não passa de uma reinvenção da roda”, tendo sido há mais de quarenta anos antes, proposta por Abraham Maslow e Carl Rogers.

Hernandes (op cit) nota que Seligman pareceu muitas vezes simplesmente ignorar a terceira corrente. Por exemplo na sua obra de 19915 não obstante as semelhanças entre as suas conceções e os pressupostos humanistas, e não obstante passear pela década de 60 revisando a mudança de pensamento na psicologia no sentido da valorização de aspetos positivos, não faz qualquer referência à estes autores.

Percebe-se neste sentido a reação inconformada, muitas vezes indignada, de alguns autores (Berezdivin; Carlstedt, citado por Hernadez, 2003), ante o que consideram uma postura desinformada de Seligman face a origem das ideias que defende.

A contraposição habitual é de que a diferença fundamental entre os dois movimentos seria a importância atribuída a ciência empírica (Hernadez, 2003). Seligman e Czikszentmihalyi (2003), não obstante reconhecerem que a psicologia positiva não constitui efetivamente uma ideia nova ou particularmente original, citando “muitos e 4 Num seminário sobre psicologia positiva apresentada pela TED (11 ͭ ͪ Reason to be Optimistic, disponível em http://www.ted.com/talks/lang/eng/martin_seligman_on_the_state_of_psychology.html) seligman discorre sobre o estado atual da psicologia: numa palavra “good” (referindo-se aos avanços da psicologia no diagnóstico e tratamento de doenças mentais); em duas palavras “not good” (referindo-se a viés negativo na ciência psicologia); e em três palavras “not good enough” (referindo-se ao desafio da construção de uma psicologia voltada para a “metade sadia” dos seres humanos assim como a “metade doente”).5 Ver referência (1) em nota de roda pé

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distintos antecessores”, pensam que até então se falhara de alguma forma na construção de um corpo teórico empiricamente fundamentado em pesquisas rigorosas.

Efetivamente a psicologia humanista não conseguiu muitas vezes conciliar a construção de modelos não deficitários do ser humano (portanto abordagens mais “humanas” de ciência) com a necessidade de pesquisa empírica, chegando muitas vezes, como observa Sollod (citado por Hernadez, 2003), a deprecia-la como “desumana”6.

Para Seligman e Czikszentmihalyi (2003), futuros debates determinarão em que medida o facto de o humanismo não conseguir acumular suficiente base empírica resultou do facto de estarem a frente do seu tempo, porque a despreocupação com a orientação empírica fosse inerente as suas ideias, ou devido à influencia negativa de muitos entusiastas mais radicais.

A este respeito é interessante notar que quer Maslow quer Rogers, não se opuseram ao experimentalismo, chegando a empreender, abertamente, esforços no sentido de incluir a psicologia positivista no âmbito do movimento humanista. Maslow teve uma fase behaviorista e Rogers seria um dos pioneiros na investigação empírica à psicoterapia. Os humanistas assumiam dar os primeiros passos no sentido da construção de um corpo de conhecimentos que até então não existia, a partir de crenças provisórias sobre a conceção de que a natureza humana vinha sendo desvalorizada pela então ciência psicológica (Rogers, 2009).

No entanto como observam Paludo e Koller (2007), talvez simplesmente porque esses autores estivessem à frente do seu tempo, esta crença não pareceu ser suficientemente atrativa naquele momento e, consequentemente, não produziu dados empíricos suficientes para dar força a uma visão mais positiva do ser humano.

Seligman e Czikszentmihalyi (2003), sugerem que terá finalmente chegado o tempo certo para uma psicologia positiva. Efetivamente, a contar pela ampla disseminação da pesquisa em psicologia positiva, coloca-se em evidência que a comunidade psicológica começa a compreender que a psicologia deve ser também dirigida à “outra metade” (Ramos 2006). É neste sentido que Sallod (citado por Hernadez, 2003) sugere que mesmo que se considere a psicologia positiva como “vinho velho em garrafa nova”, é válido reconhecer que tem muito a oferecer a sociedade contemporânea.

6 O próprio Rogers (2009) descreve o conflito que viveu entre o positivismo lógico e o pensamento existencial orientado subjetivamente que parecia adequar-se mais perfeitamente a sua experiencia terapêutica.

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À modo de remate, é valido ressaltar que enquanto um dos “três pilares” em que se assenta a psicologia positiva seria a importância da investigação dos grupos positivos, a psicologia humanista muitas vezes, principalmente através das diversas encarnações de correntes terapêuticas e pedagógicas que se produziram no seu seio, enfatizavam uma visão individualista do mundo e a independência em relação ao meio.

1.1.3 - Psicologia Comunitária e Positividade

Nesta orientação, parece-nos, que um outro possível campo de interlocuções e aproximações teóricas e conceituais com a psicologia positiva poderá ser a psicologia comunitária.

Numa resenha dos quinze anos do aparecimento da psicologia na comunidade, Shelton J. Korchin (citado por Andery, 1984, pag 205-206) caracterizava assim os principais temas que marcavam esse então emergente campo da psicologia aplicada (grifos nossos):

1) “Os fatores ambientais são muito importantes na determinação e modificação de comportamentos.

2) “As intervenções sócio-comunitárias (intervenções orientadas para o sistema em contraste com intervenções orientadas para as pessoas) podem ser eficientes tanto para tornar as instituições sociais (por exemplo, a família, a escola) mais saudáveis, quanto para reduzir o sofrimento individual.

3) “Essas intervenções deveriam visar mais a prevenção do que o tratamento ou a reabilitação de desordens emocionais. Não só a pessoa necessitada mais também a população-em-risco é a genuína preocupação da psicologia comunitária.

4) “Essas intervenções deveriam ter como objetivo a melhoria da competência social, mais do que a simples redução do sofrimento psicológico. Programas orientadas para o comunitário deveriam acentuar mais o que é adaptativo do que o patológico na vida social.

5) “A ajuda é mais eficaz quando obtida na proximidade dos ambientes em que os problemas aparecem. Portanto, os clínicos da comunidade deveriam trabalhar em ambientes familiares próximos as pessoas necessitadas, antes que em locais social e geograficamente afastados delas.

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6) “As clínicas da comunidade deveriam ir ao encontro dos clientes, antes que ficar à espera de que eles o procurem profissionalmente […] A ajuda deveria ser acessível àqueles que dela necessitam e não só aos que a procuram.

7) “A fim de empregar recursos de fácil acesso e aumentar o seu ímpeto potencial, o profissional deveria colaborar com os recursos humanos da comunidade […].

8) “[…] O exercício da profissão na comunidade exige uma programação mais imaginosa e novos modelos conceptuais; as inovações devem ser estimuladas.

9) “A comunidade deveria, se não controlar, ao menos participar do desenvolvimento e execução dos programas formulados, levando em conta as necessidades e preocupações dos membros da comunidade.

10)“Problemas de saúde mental deveriam ser encarados de maneira mais abrangente que restrita, desde que eles se entrelaçam com muitas outras facetas do bem-estar social tais como emprego, habitação e educação [...]

11)“A educação do público para compreender a natureza e as causas dos problemas psicossociais e os recursos disponíveis para lidar com esses problemas é uma tarefa valiosa.

12)“Desde que muitos problemas de saúde mental se relacionam com uma ampla faixa de carências sociais, tais como pobreza, racismo, densidade urbana e alienação […], o psicólogo deveria ser orientado para a promoção e facilitação de reformas sociais.

13)Para desenvolver o conhecimento necessário para uma intervenção com o adequado conhecimento de causa, a psicologia da comunidade requer a contribuição das abordagens e pesquisas ao natural e ecológicas”.

As semelhanças entre a forma como a psicologia comunitária é aqui descrita por Korchin e as aceções do movimento da psicologia positiva são flagrantes.

(i) importância atribuída aos aspetos positivos como fator fundamental na conceção de prevenção;

(ii) Ênfase na importância dos contextos socioeconómicos e culturais específicos no desenvolvimento das pessoas e comunidades;

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(iii) Conceção de uma psicologia mais preocupada com a saúde do que com o sofrimento e a doença;

(iv) adoção de uma abordagem menos centrada nos problemas e mais preocupada com a construção de melhores qualidades de vida para as pessoas e instituições;

(v) valorização das virtudes e da capacidade das pessoas para serem agentes ativos na definição positiva de suas próprias existências.

No entanto, na aceção de Marujo e Neto (2010), propondo o conceito de Psicologia Comunitária Positiva 7, é relativamente à uma questão mais básica que o movimento da psicologia positiva vem resgatar e expandir o que era terreno próprio da psicologia comunitária: a questão dos valores e do reconhecimento da impossibilidade de uma ciência neutra. A conceção de que ciência e descompromisso político e ideológico não são de modo nenhum inconciliáveis, aliás muito pelo contrário, a tomada de posições em ciência é inevitável, quer dela se tenha ou não consciência.

Nesta perspetiva um dos maiores interesses da psicologia positiva seria a assumpção de uma perspetiva reflexiva e crítica acerca dos enviesamentos das escolhas científicas em psicologia (Marujo, Neto, Caetano & Rivero, 2007).

Subjacentes as escolhas científicas estão sempre posições morais que moldarão diferentes práticas (Marujo & Neto, 2010). Como diria Laing (1927 - 1989) diferentes ângulos resultam em descrições inteiramente diversas, que originam teorias inteiramente diferentes, que moldarão padrões de ação totalmente diversos.

Assim, anuindo com Marujo e Neto (2010) a orientação para o estudo dos aspetos fundamentalmente negativos de uma população em detrimento dos aspetos sãos, é o reflexo de uma tomada de posição que está em consonância com uma visão denegrida desta população. É neste sentido, por exemplo, que Yunes (2003) analisa a atenção de alguns pesquisadores americanos dirigida especialmente a populações de imigrantes pobres de grupos étnicos minoritários. Não seria essa tendência, o reflexo de uma

7 O conceito de “Psicologia Comunitária Positiva”, no sentido de uma “integração paradigmática” entre os dois movimentos é um conceito algo excessivo na medida em que parece forçar uma relação, talvez não tão pacífica (considerando os métodos e as conceções de ciência subjacente aos dois movimentos), assento no “reconhecimento das extraordinárias forças e virtudes inerentes a viver numa posição social, económica, cultural, entendida como deficitária e marginal”, uma conceção que de facto, já não era estranha a psicologia comunitária, podendo neste sentido dispensar esta relação. No entanto, é neste âmbito que a discussão nos parágrafos seguintes deve ser compreendida.

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preocupação social com a “ameaça” que estes grupos poderiam representar para as camadas dominantes? Para Yunes (op cit), é com esta conotação que muitas vezes essas populações têm sido denominadas “populações em situações de risco” (isto é, “risco para quem?”).

Assim Marujo e Neto (2010) veem na orientação da pesquisa sempre uma conotação política. Quando se decide conhecer estudantes universitários (mais acessíveis e socialmente bem posicionados) em vez de populações marginalizadas, há uma posição tácita sobre quem se concede a voz.

O mesmo seria válido em relação a forma como se decide colher informação – transformando as pessoas em números estatísticos8 ou dando voz direta aos intervenientes. Como se escolhe intervir? Com o objetivo de melhorar o bem-estar para que as pessoas lidem melhor (se conformem) com as suas dificuldades, ou o bem-estar deve ser uma consequência de mudanças sociais das condições subjacentes à essas dificuldades? Por fim, sobre o que se conclui – sobre o que dá vida e fortalece, mesmo nas piores circunstâncias, ou sobre o que enfraquece e torna vulnerável? (Marujo e Neto 2010).

Afirma Csikszentmhihalyi (citado por Marujo & Neto 2010) a perspetiva da psicologia positiva revela uma reação, tanto ao posicionamento de neutralidade valorativa das abordagens experimentais, quer relativamente à orientação patologista que permeou muita da psicologia clínica. Não se pode deixar de notar que o que Csikszentmhihalyi adjudica a psicologia positiva, não poderia constituir uma definição mais adequada a psicologia comunitária.

A psicologia comunitária, conforme descreve Weisenfeld e Sánchez (citado por Arendt, 1997), emerge no contexto dos países do terceiro mundo como uma reação à abordagem experimental produtora de um conhecimento importado e estranho a dramática realidade desses contextos, voltando-se para a solução dos problemas concretos. Questiona-se assim as conclusões da “ciência importada” e parte-se para uma observação próxima e empática dessas realidades nas suas organizações mais espontâneas e representativas, considerando-o em seus aspetos culturais e históricos em seus reais contextos socioeconómicos e culturais (Andery, 1984). Realiza uma visão pragmática da psicologia, mais preocupada com a aplicação prática dos achados da psicologia a situações sociais concretas do que com questões de natureza teórica e científica (Gomes, 1999).

8 Novamente, agora no contexto da psicologia comunitária, o anseio por uma ciência mais humana parece opor-se à objetividade científica. É interessante notar que não obstante estes autores identificarem as posições morais como a fonte dos enviesamentos subjacente as escolhas, persiste uma desconfiança, talvez algo romântica, em relação a medição.

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Como descreve Marin (citado por Gomes, 1999) a Psicologia Comunitária desenvolvida na América Latina acaba por se constituir assim numa aproximação multidisciplinar para a solução de problemas sociais. No entanto a problematização da psicologia social a partir de referenciais antropológicos, políticos e históricos teria, segundo Arendt (1997), conduzido à duas reduções concomitantes: (i) a redução do psicológico ao antropológico, histórico e político; (ii) e a redução do próprio contexto da psicologia ao processar-se uma perda de objeto.

O psicólogo comunitário latino-americano face a complexa realidade humana, sentiu a necessidade de abandonar a “visão unilateral” da psicologia experimental, em favor de uma visão mais abrangente e mais próxima da sua realidade. Arendt (1997), nota que em consequência desta necessidade, muitas intervenções dos psicólogos comunitários acabaram revelando-se na prática como atuações mais ligadas a sociologia, a política, a antropologia (isto sem formação para tal) do que propriamente a psicologia.

Defende Arendt (1997), embora um contexto humano complexo não pode naturalmente ser abarcado por uma única disciplina, isso não deverá no entanto pressupor uma perda de objeto e da especificidade de cada disciplina. É na conjugação de olhares, perspetivas e esforços, dentro de uma visão integrada que valoriza a função e papel de cada disciplina, que se constitui a interdisciplinaridade.

Assim a rejeição do experimentalismo e do positivismo lógico pelo psicólogo que atuava na complexa realidade comunitária, em função de uma atuação direta sobre os problemas sociais, resultaria num viés inverso ao do “psicólogo neutro” que ignorava a problematização antropológica, política e histórica da realidade vivida nesses contextos.

Assim, observa Arendt (1997) contrastando-se do psicólogo social experimental empírico-analítico “neutro” e alheio a realidade dos seus contextos, o psicólogo comunitário atento as metodologias qualitativas e a crítica política, histórica, antropológica e social perdeu no entanto a clareza do seu objeto de estudo. Neste sentido a máxima da psicologia comunitária segundo a qual “objetividade científica não significa descompromisso político”, constituiria uma crítica válida a própria psicologia comunitária.

A busca por abordagens metodológicas e conceptuais alternativas9, como forma de inaugurar uma nova interação do psicólogo com as classes desprivilegiadas, renunciando categoricamente ao positivismo lógico, considerada neutra ou mesmo ao serviço das

9 A pesquisa-ação, oriunda da Educação Popular e da Antropologia Social, através de autores como Paulo Freire e Orlando Fals Borda seria elegido a metodologia privilegiada na atuação do psicólogo comunitário latino-americano.

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classes dominantes resultaria, segundo Arendt (1997) de uma confusão entre a instancia controladora da psicologia e a própria psicologia.

Como ressalva Yunes (2003, pag 76), “postular uma ciência que focalize potencialidades e qualidades humanas exige tanto esforço, reflexão, seriedade conceitual, teórico e metodológico quanto o estudo de distúrbios e desordens humanas”. A psicologia positiva remetendo à importância dos rigorosos métodos da Ciência “tradicional”, para a investigação dos fatores que dão significado a vida humana, alia à uma visão positiva do ser humano, o rigoroso controlo metodológico, baseado no positivismo lógico10.

Neste sentido a conceção da psicologia positiva segundo uma perspetiva reflexiva e crítica acerca dos enviesamentos nas escolhas científicas (Marujo et all, 2007), estabeleceria a originalidade da psicologia positiva em relação a psicologia comunitária, ao constituir-se numa proposta explicitamente valorativa em relação as forças e virtudes humanas, mas baseada no exigente controlo metodológico da “ciência tradicional”, delineada pela visão de uma realidade objetiva e mensurável e pela necessidade de uma teoria ideológica unificadora (Leontiev, citado por Marujo et all, 2007).

Assume-se assim, que não se trata do método adotado que conduz à uma visão seletiva da realidade mas, como já vimos, as posições que se toma consciente ou inconscientemente na orientação da pesquisa.

Neste sentido, como o afirma Freitas (citado por Arendt, 1997) apreciando o trabalho da pesquisadora Venezuelana Maritza Montero, é efetivamente possível estudar por exemplo os efeitos da colonização, da pobreza, da dependência, da miséria, da violência e da opressão sobre a identidade e a consciência das pessoas, num quadro de rigorosa exigência metodológica, sem deixar de se comprometer politicamente com a transformação social materializada nas relações da vida quotidiana.

1.1.4 - Resiliência e Positividade

A positividade em psicologia, independentemente das correntes que o encarnam, apresentou-se, como diria Rappaport (citado por Marujo e Neto 2010, pag 519), em contra corrente enquanto “movimentos críticos e corajosos em relação ao status quo da

10 Não se assume aqui, necessariamente, um ponto de vista estritamente quantitativo sobre o processo de investigação em psicologia. Acreditamos no valor dos métodos qualitativos, quando rigorosamente elaborados, constituindo-se nos mais adequados dependendo dos objetivos do investigador. No entanto o esforço por englobar a diversidade humana, não pode opor-se a busca de regularidades, sem o qual, não se pode efetivamente falar de ciência.

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psicologia, intentando um horizonte de representação da mudança e dos seres humanos baseado nas forças e no positivo […]”.

Assim, como refere Bermejjo (2010) contrariamente a conceção tradicional de que ante uma situação adversa ou traumática, o natural seria que os indivíduos desenvolvessem alguma patologia em reação a essa vivência, desde perspetivas mais otimistas, se considera que as pessoas são fortes e ativas, com uma capacidade natural para resistir e readaptar-se apesar das adversidades. Como afirmam Silva, Elsen e Lacharité (2003, pag 151), “é justamente na vigência de situações adversas que o ser humano revela potencialidades extraordinárias”.

A dimensão de positividade inscrita na reação do ser humano ante as contingências e desafios da existência, traduz o conceito de resiliência: a adaptação com sucesso às tarefas da vida, em condições de desvantagem social ou em situações fortemente adversas (Windle, citado por Simões, 2008). A noção de resiliência emerge do campo da física e da engenharia como módulo de elasticidade, compreendendo a razão entre a tensão exercida sobre um corpo e a deformação resultante dentro de um limite elástico em que o material retorna completamente ao seu formato original uma vez retirada a carga aplicada. Assim e em analogia, conforme o coloca Staudinger (citado por Simões, 2008), a plasticidade fornece um índice através do qual se pode medir o grau de mudança [tensão] e a flexibilidade de uma pessoa para lidar com ela. A presença de pressão ou risco representa deste modo, um dos princípios básicos na definição de resiliência, não se podendo falar de resiliência na ausência de risco ou experiencias stressantes num determinado período da vida do sujeito (McGloin & Widom, citado por Simões, 2008).

Deste modo no contexto da resiliência, embora a exposição ao risco esteja associado ao desajustamento, não determina o desenvolvimento de patologia ou desajustamento, na medida em que as consequências negativas dependerão de uma série de outros fatores, entre os quais a própria forma como se processa o risco (Yunes & Szymanski, citado por Taboada, Legal & Machado, 2006).

Assim, admitindo como no início fizemos, que a saúde dos adolescentes não é independente das experiências de vida, isso de modo nenhum representa o antecedente lógico da inevitável conclusão de que o ajustamento pode ser equacionado em função do risco. Isso porque subjacente ao risco não estão presentes apenas processos negativos ligados ao desajustamento, mas igualmente fenómenos positivos ligados a resiliência.

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Entretanto, a aproximação de pesquisadores aos chamados “contextos de risco”, assume muitas vezes, como afirma Freitas (1998), uma realidade comunitária inquestionável e imutável, produzindo explicações que fortalecem o conformismo e a passividade, chegando a ponto de, cientificamente, identifica-las como incapazes, conformistas e sem futuro. No entanto, como explica Slap (2001), é como consequência do fracasso desses modelos em explicar aqueles adolescentes que, contra todas as expectativas, evitavam comportamentos prejudiciais e vivenciavam bons resultados de saúde, que surge o interesse dos pesquisadores pela resiliência nos jovens.

Um dos primeiros estudos que potenciariam o surgimento do conceito de resiliência terá sido um estudo longitudinal de cerca de 40 anos realizado em Havai por Werner, Smith e outros colaboradores (Yunes, 2003; Simões, 2008; Bermejo, 2010). Este estudo, que terá surgido num marco teórico alheio ao conceito de resiliência (de facto procurava-se investigar os efeitos cumulativos de vários fatores de risco em desfechos como desenvolvimento físico, social e emocional), terá surpreendido os investigadores ao demonstrar que apenas um quinto das crianças expostas a vários fatores de risco apresentaram desfechos negativos. Uma porção significativa dos participantes desse estudo eram crianças provenientes de famílias cujos pais eram alcoólatras ou apresentavam distúrbios mentais. Não obstante, a maioria havia evoluído positivamente, convertendo-se em adultos competentes e bem integrados.

O conceito de resiliência representa assim, mais do que meramente sobreviver à situações adversas ou de privação, uma contraposição à ideia que os sujeitos que crescem em ambientes adversos estão fadados a se tornarem em adultos problemáticos (Walsh, citado por Silva, Elsen, Lacharité, 2003). Assim, a resiliência aporta uma perspetiva promissora em termos de saúde e desenvolvimento humano, principalmente frente à populações que vivem em condições psicossociais desfavoráveis (op cit), apresentando um modelo de análise abrangente que enfatiza especialmente os fatores e processos de proteção que podem inverter o percurso de fatores de risco (Simões, 2008).

Neste âmbito, como aponta Bermejjo (2010), os estudos sobre resiliência podem revelar-se uma fonte muito útil para o desenho e implementação de programas educativos e de intervenção social, através da identificação de variáveis pessoais e contextuais que aumentam a probabilidade de êxito das pessoas que vivem em situações de risco ou de exclusão no processo de desenvolvimento e normalização.

1.2 - Resiliência: Operacionalização do Conceito

A resiliência, não obstante abrir amplas possibilidades ao campo da promoção da saúde, não possui ainda uma definição consensual, um parâmetro inquestionável ou medida

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uniforme (Bermejjo, 2010; Simões, 2008; Slap, 2001, Taboada, Legal & Machado, 2006; Yunes, 2003; Silva, Elsen e Lacharité, 2003).

No entanto, asseveram Taboada, Legal e Machado, (2006), é precisamente a clareza e a objetividade na definição do constructo que permitirá um diálogo construtivo entre pesquisadores e a criação de uma agenda em comum que possibilita reunir esforços para efetivar estudos que testam as hipóteses formuladas.

Entretanto, segundo Slap (2001), aparentemente tem sido mais fácil concordar sobre o que resiliência não significa, do que sobre o que ela significa. Assim definido pelo seus opostos, parece haver consenso em que a resiliência não é apenas o oposto de risco, não é o sinónimo de algum fator protetor em particular e não é um aspeto específico de alguns adolescentes, mas algo presente em cada um de nós ditas “pessoas normais”.

Deslandes e Junqueira (2003), descrevem um modelo que organiza as distintas definições de resiliência em três pólos temáticos, compreendendo (i) Adaptação versus Superação; (ii) Inato versus Adquirido; (iii) Circunstancial versus Permanente.

(i) A resiliência deverá ser compreendido como um processo através do qual a pessoa conserva o equilíbrio apesar da adversidade/risco, ou deverá ser compreendido como um processo de superação, através da adversidade/risco?

Este pólo temático denota a forma distinta como a resiliência tem sido definido por diferentes autores. Por um lado a resiliência tende a aparecer relacionado ao conceito de crescimento pós-traumático (de facto englobando-o), entendida simultaneamente como capacidade de resistência e superação.

Por outro lado, e numa perspetiva mais restrita, o conceito de resiliência é identificada como resistência a adversidade ou retorno homeostático a condição anterior a ela, diferenciando-se de conceitos como crescimento pós-traumático ou florescimento, que compreenderiam a obtenção de mudanças benéficas após, e através da adversidade.

Outra distinção evidencia-se nesta segunda perspetiva, nomeadamente a de se a resiliência seria a capacidade de recuperar o padrão de funcionamento apôs uma situação adversa, sem no entanto deixar de ser atingido, (por exemplo Gamezy, citado por Silva, Elsen e Lacharité, 2003), ou se por outro lado, refletiria a capacidade para manter o equilíbrio estável durante todo o processo (por exemplo Bonano, citado por Bermejjo, 2010).

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(ii) Embora o clássico debate hereditariedade/meio não seja levantado de modo direto nos estudos sobre resiliência, Taboada, Legal e Machado, (2006), pensam surpreender a questão relativa aos fatores propiciadores de resiliência, na ênfase colocada ora no contexto, ora no indivíduo. Seriam estes fatores intrínsecos aos indivíduos, de natureza inata, hereditária, ou seriam função da organização do meio?

Segundo Taboada, Legal e Machado, (2006), as pesquisas que focam as capacidades e habilidades individuais de forma descontextualizada estariam mais propensas a identificar fatores inatos, enquanto as que têm o foco no contexto social tendem a caracterizar a resiliência enquanto habilidade social que pode ser aprendida e deverá ser promovida. Como notam estes autores (op cit) há no entanto um relativo consenso quanto a importância fundamental do meio e das relações sociais no processo de resiliência, que muito provavelmente possuirá igualmente fatores inatos.

(iii) A resiliência decorrerá de fatores estáveis que estariam ou não presentes nas pessoas ou representariam recursos, forças, estratégias e habilidades específicas utilizadas em contexto de uma adversidade específica?

Dada a importância desta distinção nas opções metodológicas adotadas no presente trabalho deter-nos-emos mais demoradamente neste ponto. Embora, tal como o pólo temático anterior, provavelmente não se tratarão de extremos mutuamente exclusivos, a análise da evolução do constructo nos poderá revelar muito sobre a natureza das orientações adotadas.

Como relata Yunes (2003) atribui-se ao psiquiatra infantil E. J. Antony, a introdução do termo invulnerabilidade ao descrever as crianças que apresentavam saúde mental e alta competência, não obstante estarem expostas a períodos prolongados de adversidade e stress.

A crescente aplicação do termo sugeria que haveriam crianças que apresentariam uma espécie de imunidade a qualquer tipo de desordem, independentemente das circunstâncias vividas (op cit). No entanto, como explica Simões (2008), não é exatamente isso que acontece. Citando Ralha-Simões, assevera que a capacidade de resistir à circunstancias menos favoráveis não se processa por um bloqueio à entrada de estímulos do meio, mas de adaptação e ajustamento às circunstancias de vida, inclusive as mais adversas.

No mesmo sentido Rutter (citado por Yunes, 2003) aponta que as pesquisas têm indicado que a resistência ao stress é relativa, de caráter circunstancial, e que suas bases são

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tanto constitucionais como ambientais. Portanto um tanto arredado do termo invulnerabilidade que transmite a noção de uma característica intrínseca do individuo “intocável e sem limites para suportar o sofrimento”.

Beauvais e Oetting (citado por Simões, 2008), explicam a perspetiva algo “fantástica e transcendente” da capacidade de ultrapassar as dificuldades e manter-se saudável, pelo desconhecimento dos processos e recursos subjacentes ao sucesso em situações desfavoráveis. Segundo Simões (2008) os progressos na identificação de alguns desses processos teria favorecido, o surgimento de um termo, como diriam Masten e Garmezy (citado por Yunes, 2003), “menos olímpico”.

No entanto, a conceção de uma “capacidade excecional”, ligado à termos como “sobreviventes”, “heróis”, “pessoas modelo”, “crianças de ouro”, “invulneráveis, ainda utilizados como sinónimos de resiliência (Simões, 2008), permanecem, segundo Yunes (2003) orientando a produção científica de muitos pesquisadores na área.

Como observam Taboada, Legal e Machado (2006), quando entendemos a resiliência enquanto característica permanente, estamos lidando com um traço de personalidade estável que permitiria a pessoa resiliente recuperar rapidamente de qualquer experiência traumática. Para Martineau (1999), é essa perspetiva que terá dado lugar a um conceito de resiliência definida como um conjunto de traços que podem ser replicados.

Assim, a resistência ao stress seria função de características permanentes e replicáveis, como por exemplo sociabilidade, criatividade na resolução de problemas, e senso de autonomia e de projeto, ou outros (Martineau, 1999). Perante situações de stress, o resiliente atuaria de acordo com um conjunto constante de competências e habilidades definidas como típicas da resiliência, protegendo-o do impacto da situação vivida.

Nesta perspetiva, podemos situar por exemplo os estudos psicométricos como a escala de resiliência desenvolvida por Wagnild & Young, adaptada para o português por Pesce, Assis, Avanci, Santos, Malaquias e Carvalhaes (2005).

Visando medir níveis de adaptação psicossocial positiva em face de eventos de vida importantes, Wagnild & Young, (citados por Assis, Avanci, Santos, Malaquias e Carvalhaes, 2005) realizaram um estudo qualitativo com 24 mulheres adultas previamente selecionadas por se adaptarem com sucesso à adversidades, às quais se solicitava que descrevessem a forma como se organizavam ante vivências negativas. Foram assim identificados cinco fatores para a resiliência, nomeadamente a serenidade, perseverança, autoconfiança, sentido de vida e autosuficiência.

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Wagnild e Young teriam encontrado bons indicativos de confiabilidade e validade do instrumento, corroborados em adaptações transculturais, nomeadamente com imigrantes russos adultos (Aroian et al, citado por Pesce, Assis, Avanci, Santos, Malaquias & Carvalhaes, 2005), e adolescentes brasileiros (Pesce et al, 2005).

Estes autores descrevem relações significativas entre os escores da escala e outros constructos teoricamente ligados ao comportamento resiliente, nomeadamente a satisfação com a vida, autoestima, supervisão familiar e apoio social (op cit). Correlações entre índices de resiliência medida pela escala e indicadores de baixa somatização e depressão, maior saúde física, determinação, sensação de bem-estar e habilidade para lidar com problemas, foram igualmente relatadas (Aroian et al, citado po Pesce et al, 2005).

Indicariam estes resultados que indivíduos identificados como resilientes pela escala de Wagnild e Young, ou outras medidas psicométricas similares, reagiriam positivamente a quaisquer vicissitudes da vida, sejam elas quais forem? Isto está longe de ser uma hipótese consensual.

Por exemplo, Martineau (1999) critica tais estudos psicométricos, ao pretenderem identificar características e traços que distinguiriam a criança resiliente, em lugar de considerar a resistência ao stress enquanto fenómeno contingente/provisório imprevisível e dinâmico.

Um aspeto a ressaltar em relação a conceção dos traços é que, como já vimos, o conceito de resiliência está atrelada a presença de uma situação adversa11 (McGloin & Widom, citado por Simões, 2008), sendo em rigor confuso falar de resiliência na ausência de risco ou experiencias stressantes. Como advertem Masten e Coatsworth (citado por Silva, Elsen e Lacharité, 2003), o termo deve ser usado somente para os casos onde há resposta positiva em presença de risco significativo, devendo ser evitado quando a resposta é positiva na ausência desta exposição. Neste sentido tais medidas psicométricas não seriam em rigor medidas de resiliência, mas mediriam traços individuais que teoricamente estariam relacionados a uma maior probabilidade de superação ante contingências adversas, independentemente dos fatores do meio, e da natureza do risco.

Uma das principais evidências opostas a conceção dos traços, são os estudos referentes ao risco acumulado (Cumulative risk). A investigação na área de resiliência tem mostrado que a coocorrência de fatores de risco, está associada a uma diminuição da capacidade 11 Como refere Windle (citado por Simões, 2008), a definição provavelmente mais consensual de resiliência seja a adaptação com sucesso ante condições de desvantagem social ou em situações fortemente adversas.

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de resistência ao stress e que a presença de múltiplos fatores de proteção estão associados a uma maior probabilidade de resistência e ajustamento face a adversidade. No fundo a resiliência requereria um equilíbrio entre fatores de risco e fatores de proteção (Werner e Smith, citado por Simões, 2008).

É interessante notar por exemplo que os escores da escala de resiliência de Wagnild e Young, centrado exclusivamente em componentes psicológicos individuais, têm correlações significativas com supervisão familiar e apoio social, sendo fácil entender que estas variáveis do contexto social desempenham um papel significativo nas correlações encontradas entre os índices de resiliência medidas pela escala e indicadores de baixa somatização e depressão, maior saúde física, sensação de bem-estar.

Rutter (1999) adverte para a importância crucial de múltiplos fatores de risco e de proteção envolvidas no processo de resiliência. Um dos exemplos elucidativos que apresenta a este respeito é-nos dado pelos resultados do estudo longitudinal da Cristchurch (Fergunsson e Lynskey, citado por Rutter, 1999). Estes autores desenvolveram uma escala de adversidade baseada em trinta e nove indicadores de vida familiar, nomeadamente desvantagem económica, interações disfuncionais pais-filhos, conflitos conjugais e divórcio, entre outros. Adolescentes em idade compreendidas entre 15-16 anos foram avaliadas com base em múltiplos resultados de medidas de comportamento antissocial e de abuso de drogas/álcool.

Adolescentes que apresentavam resultados de indicadores de risco familiar igual ou inferior à seis pontos, apresentavam baixa probabilidade de risco de múltiplos problemas (apenas 0.2 %). No entanto adolescentes que apresentavam indicadores de risco familiar igual ou superior aos 19 pontos, apresentavam probabilidade cem vezes maior de apresentar múltiplos problemas.

A hipótese do risco acumulado (cumulative risk), foi segundo Simões (2008), levantado pela primeira vez por Rutter, ao verificar que a combinação de quatro fatores de stress quadruplicava a possibilidade de desajustamento em relação à combinação de três fatores de stress. A hipótese do risco acumulado pressupõe assim que quanto maior o numero de stressores, menor a possibilidade de que os indivíduos se mantenham ajustados. Como observa Simões (2008), a questão crucial reside no número de fatores de risco e não propriamente no tipo ou grupo particular desses fatores. Na verdade, o número quatro parece constituir uma espécie de número mágico na teoria do risco acumulado.

Forehand et al. (1998) acompanhando um grupo de adolescentes durante seis anos, examinou a influência de fatores de risco familiar sobre três áreas de ajustamento

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psicossocial, nomeadamente problemas de internalização, problemas de externalização e realização académica. Entre os fatores de risco examinados encontravam-se o divórcio e conflitos conjugais entre os pais, problemas de saúde física das mães, depressão nas mães, e dificuldades relacionais mães-adolescentes. Verificou-se um aumento acentuado em dificuldades de adaptação quando o número de fatores de risco aumentava de três para quatro.

Segundo Forehand et al. (1998) o quarto fator de risco acumulado parecia manifestar-se como “a palha que partiu as costas do camelo” ou a “gota de água que transbordou o copo”. Assim, um único fator de risco familiar, independentemente da sua gravidade ou tipo, pode ter um efeito pequeno, enquanto que a presença de múltiplos fatores parecem ter um efeito decisivo no ajustamento social dos jovens. Em analogia a forma como a resiliência é concebida nas ciências exatas12, encontramos a noção de que tensões posteriores vão desgastando a capacidade de resistência e plasticidade do indivíduo.

Naturalmente a acumulação de stressores poderá não ter um efeito aditivo simples. A acumulação de riscos poderá ter um efeito negativo na medida em que vai desgastando os recursos do indivíduo e do envolvimento (Garmezy, citado por Simões, 2008). Neste contexto Forehand et al. (1998), descrevem aquilo que denominam “de efeito adiado”, isto é, um efeito a longo prazo em consequência do desgaste de recursos e iniciação de outros processos relacionados a dificuldades de ajustamento.

Assim, por exemplo uma criança pode lidar mais ou menos de modo ajustado com um fator de risco como conflitos conjugais constantes entre os pais. No entanto, com a entrada para a adolescência e a consequente renegociação do seu papel, da sua relação com a família e da relação com os pares, esse ambiente familiar pode refletir-se como fator de vulnerabilidade face a dificuldades de ajustamento quando aliadas por exemplo, a pares desviantes.

Mas o mais interessante em relação a importância crucial de múltiplos fatores no processo de resiliência é que, como já vimos, não só os fatores de risco se acumulam, influenciando significativamente a capacidade do indivíduo resistir. Também a coocorrência de múltiplos fatores protetores influencia positivamente a resiliência. Em ambos os casos, como observa Rutter (1999), é a combinação de variáveis que parece ter maior efeito do que qualquer fator isolado, independentemente do tipo. Assim, porque a maior parte dos estudos tendem a se focar no desajustamento, os mecanismos 12 No contexto das ciências exatas a resiliência não representa igualmente a invulnerabilidade de um material. Com efeito, o acúmulo de tensões vai acarretando um escoamento macromolecular com rompimento de ligações secundárias entre as cadeias subjacentes, resultando em deformações permanentes.

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associados a reações positivas são menos conhecidas, mas está claro que tais mecanismos estão presentes. Neste sentido, é pertinente a distinção enfatizada por Luthar e cols. (citados por Yunes, 2003) entre processo e traço. Neste sentido não haveria com rigor “criança resiliente” (isto é atributos ou traços pessoais resilientes), mas condições de resiliência (isto é, um processo), designadamente, relativo a presença de risco ao bem-estar da criança, com adaptação positiva desta criança apesar das adversidades.

1.2.1 – Definindo Resiliência

A definição de resiliência assumida no presente trabalho resulta de um posicionamento relativamente a cada um dos pólos temáticos anteriormente discutidos, de acordo com a discussão apresentada. Assim:

1. Adaptação versus Superação

Em relação ao primeiro pólo, para maior delimitação do constructo assumiremos um conceito de resiliência restrita a capacidade de adaptação, distinguindo-o do conceito de crescimento pós-traumático. Por outro lado pensamos ser importante distinguir resiliência de recuperação, assumindo a resiliência enquanto equilíbrio relativamente estável durante todo o processo, isto é, enquanto uma reação adequada e satisfatória ao stress, sem implicar obviamente em invulnerabilidade. Esquematicamente teríamos um contínuo de reações distintas mais ou menos adaptativas em relação ao stress e a adversidade:

a) Recuperação - o desenvolvimento de transtornos e perturbações em relação a uma vivência adversa, com posterior recuperação com retorno gradual,

b) Resiliência - a resistência com equilíbrio relativamente estável durante o processo de adversidade e;

c) Crescimento pós-traumático – Melhora no funcionamento e mudança positiva após situação traumática ou adversa.

2. Inato versus Adquirido;

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Em relação a este pólo, assume-se a resiliência enquanto atributo que, embora provavelmente possua componentes inatos, é determinado fundamentalmente pelas circunstâncias especificas da adversidade, nomeadamente da dimensão da adversidade, os fatores de risco associados e os recursos protetores disponíveis.

3. Circunstancial versus Permanente.Coerentemente ao exposto, concebemos a resiliência como um processo de caráter eminentemente circunstancial, oposta a conceção dos traços.

Em síntese, concebemos a resiliência como se segue:

Resiliência – Processo de adaptação positiva ante condições de desvantagem social ou no decurso de situações adversas, circunstancial a dimensão da adversidade, fatores de risco associados e recursos protetores disponíveis.

1.1.4 – Modelos e Métodos de Medição do Processo Resiliente

A medição do processo resiliente fundamenta-se essencialmente em dois modelos. Por um lado os modelos centrados no indivíduo e por outro, os modelos centrados nas variáveis (Levano, 2005, Bermejjo, 2010; Taboada, Legal & Machado, 2006). Alguns estudos poderiam ser classificados como mistos, na medida em que tentam conciliar esses dois modelos.

Os modelos centrados em variáveis procuram estudar a resiliência medindo o grau de adversidade e analisando os recursos utilizados pelas pessoas para superá-la. Esses estudos proporcionam informação acerca do efeito de fatores de risco e fatores protetores no comportamento adaptativo (resiliente), fornecendo informação relevante para projetos de intervenção, sobretudo ao nível contextual.

Entre os modelos centrados em variáveis existem diversos tipos, nomeadamente:

a) os que pretendem explicar as conductas resilientes como função da soma entre fatores de risco e fatores protetores através de um modelo aditivo simples;

b) os modelos que propõem a interação qualitativa entre os fatores de risco e protetores e entre indivíduos e ambiente. Nestes, um mesmo fator pode revelar-se como protetor ou de risco conforme a pessoa ou a situação específica.

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c) Existem ainda modelos que assumem não existir uma influência direta dos fatores de risco ou de proteção, mas que estas atuariam através das suas consequências sobre o encadeamento da situação vivida.

Os modelos centrados no indivíduo, por seu lado procuram encontrar diferenças individuais que distinguiriam pessoas resilientes dos não resilientes.

Entre os estudos centrados no indivíduo estariam fundamentalmente em: a) os estudos de casos, que buscam descrever pessoas identificadas a priori como

resilientes e estudar as suas características e a forma como se organizam ante vivências negativas;

b) os que procuram comparar subgrupos de pessoas, visando identificar diferenças individuais entre pessoas que se adaptaram positivamente ante situações adversas e outras que, não obstante vivenciarem situações semelhantes as primeiras, demonstram condutas consideradas inadaptadas ou inadequadas.

Vários instrumentos têm sido concebidos para medir a resiliência. Por exemplo Levano (2005) elenca os seguintes:

O Questionáro da Search Instituto concebido em 1989, compreende um questionário para avaliação do perfil de vida dos alunos. Constituído por 156 itens, mede características consideradas indicadores de habilidades de desenvolvimento (por exemplo, “compromisso com a aprendizagem” ou “capacidade social”), avalia indicadores de previsão de êxito (por exemplo sucesso escolar), indicadores de previsão de deficits no desenvolvimento (por exemplo abuso físico) e condutas de risco (por exemplo condutas antissociais ou uso de químicos).

A Escala de Resiliencia de Jew, construído em 1992 visa, segundo a conceção dos traços, determinar o nível de resiliência em três facetas ligadas ao “otimismo”, “aquisição de habilidades” e “assumpção de riscos”.

Grotberg desenvolveu em 1995 uma medida de resiliência compreendendo itens que representam uma amostra de situações difíceis vividas pelas crianças e uma checklist de resiliência (indicadores de adaptação positiva) a ser preenchido por adultos próximos a criança.

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Perry e Bard conceberam uma escala de avaliação de resiliência para estudantes com necessidades educativas especiais, com 54 itens divididos por onze fatores referentes a variáveis individuais (por exemplo autoeficácia) e variáveis sociais (por exemplo relações positivas entre pares).

A escala de Fatores protetores de Baruth, propõe identificar a resiliência medindo a incidência de quatro fatores primários, nomeadamente a “personalidade adaptável”, “ambiente de apoio”, “stressores menores” e “compensação de experiências”.

A escala de resiliência em adolescente de Oshio e colaboradores identifica três fatores denominados “busca de novidades”, “regulação emocional”, e “orientação positiva face ao futuro.

Para além dos supracitados, a autora refere-se a entrevista social de competência (SCI), a Escala de Resiliência de Wagnild & Young, descrita anteriormente, e apresentam ainda “uma alternativa peruana”, o Iventário de Fatores Pessoais de Resiliência, como indica o nome, centrado em fatores individuais.

As várias medidas da resiliência existentes atestam o caráter muito amplo do constructo, distintas definições operacionais e numerosas listas de classificações de variáveis individuais e contextuais associadas.

Grotberg (citado por Simões, 2008) tenta sumarizar os diferentes fatores estudados que sustentam e desenvolvem a capacidade para ultrapassar problemas e processos negativos, em três dimensões: recursos externos, forças sociais e competências sociais.

Entre os primeiros, encontram-se fatores como por exemplo relações de confiança, acesso a saúde, educação, serviços de segurança social ou equivalentes, apoio emocional fora da família, estrutura e regras em casa, encorajamento parental para a autonomia, envolvimento escolar estável, modelos adequados, organizações religiosas.

Entre as forças pessoais encontramos sentido de ser amado, fé e crença em Deus, moralidade, confiança, empatia, altruísmo, locus de controlo interno.

Entre as competências sociais encontramos a criatividade, persistência, humor, comunicação, resolução de problemas, autocontrolo, procura ativa de relações de confiança.

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Uma organização semelhante foi sugerida por Masten (2004) elencando como os principais fatores associados ao processo resiliente, pais efetivos, apoio de outros adultos, habilidades cognitivas e de resolução de problemas, controlo emocional, autoestima e autoeficácia, esperança, afiliações religiosas, amizades, vantagens socioeconómicas, escolarização efetiva, apoio comunitário.

Estes fatores surgem geralmente categorizados em três grupos usualmente denominada “tríade protetora” ou tríade da resiliência, que organiza as variáveis protetoras em fatores individuais, familiares e comunitários (Simões, 2008).

Taboada, Legal e Machado (2006) alertam que a grande gama de variáveis geradas pelos diferentes estudos de resiliência, aliada a definições vagas e sem tentativas de estabelecer elos causais entre elas13, pode simplesmente resultar numa panaceia de correlações não necessariamente válidas e sem significado.

Por outro lado, Bermejjo (2010) identifica essa grandiosa série de fatores ligados a resiliência como a indicação de que poderá simplesmente não existir nenhum fator que represente causa necessária e suficiente para a resiliência. Como o compreende este autor (op cit), a resiliência seria assim um conceito “inferido e contextual”, compreendido a partir do contexto e das características desse contexto. Assim o peso de cada fator, ou a natureza destes fatores variam consideravelmente de pessoa para pessoa e na mesma pessoa consoante a circunstância e a natureza do risco ou adversidade. De facto o foco do conceito está na forma como este complexo de fatores variáveis se organizam e se combinam entre si para formar um tecido que ampara o indivíduo ante os desafios mais ou menos severos do seu meio. A cultura e o meio específico, terá assim um importante papel na relevância que cada variável assume como fator de resiliência.

Neste sentido, o presente estudo visa contribuir para desvendar os fios desse tecido complexo de variáveis que contribuem para a capacidade de resiliência no contexto das zonas periféricas da ilha de São Vicente, nomeadamente da população adolescente e jovem. A seguir se descreve o estudo e como se procurou alcançar tal empreendimento.

13 Os estudos no campo da resiliência têm sido fundamentalmente estudos correlacionais.

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Capitulo 2 – Apresentação do Estudo

2.1 – Justificação (Para uma Psicologia das Virtudes em Cabo Verde)

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As interlocuções e aproximações teóricas e conceituais entre a psicologia positiva/humanismo e a psicologia comunitária discutidas anteriormente e considerados no contexto do referencial teórico da resiliência, nos parecem pertinentes para pensar em termos psicológicos a investigação, intervenção e avaliação dos programas de saúde voltados para os adolescentes no contexto cabo-verdiano.

Nomeadamente por representar uma via profícua para o debate valorativo relativamente a importação acrítica de modelos e programas de intervenção em saúde (que tem permeado as políticas sociais e de saúde em sucessivos governos); e a vinculação da psicologia a população das zonas afastadas dos centros urbanos.

Vale ressalta-lo, essas duas questões, para além de (ou mais precisamente, mais do que) problemas psicológico-científicos, vinculam-se a questões de natureza económica, social, histórica e política, que se refletem naturalmente no estado atual da psicologia no contexto cabo-verdiano e consequentemente na natureza do seu contributo em programas de promoção da saúde, educativos e de intervenção social.

Em primeiro lugar, explicitemos este “estado atual da psicologia no contexto cabo-verdiano”14. Antes de mais, trata-se de uma psicologia eminentemente profissional, em oposição à uma psicologia académica/científica, isto é, embora se pressupõe uma prática baseada em resultados provenientes da investigação científica, trata-se de uma psicologia que não produz ela própria resultados científicos.

Isto decorre naturalmente do facto de que nos cerca de trinta anos que se seguiram a independência, privilegiou-se fundamentalmente o ensino primário, em detrimento do secundário e principalmente do ensino superior, sendo que esta última, só agora começa a dar os primeiros passos.

Como descreve Tolentino (2007), antes da independência de Cabo Verde em 5 de julho de 1975, a educação representava antes de mais um instrumento de aculturação, que visava a promoção dos valores da metrópole.

Com a independência, a educação visa novos valores, como a divulgação, promoção e a valorização da cultura e realidade local, a transformação social, a promoção do indivíduo, a coesão e o desenvolvimento do país. O investimento no setor da educação representava condição fundamental para o desenvolvimento do país, fator de unidade e identidade. No entanto, a escola enquanto instituição transferida da metrópole, como

14 Na análise que se segue sobre o estado da psicologia em cabo verde, deve ser salvaguardada a possibilidade de falhas, inexatidões e incorreções que eventualmente existirão, resultados quer da confessada desinformação da autora, quer da escassez de informações e de debate sobre essa questão que ainda se verifica.

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relata Tolentino (op cit), só muito lentamente vai mudando os recursos humanos, os currículos e os métodos.

Diminuir as altas taxas de analfabetismo então presentes representava o grande desafio da pós-independência. No contexto internacional concluía-se que as taxas de retorno do investimento na educação eram muito maiores em relação ao ensino básico, significativos em relação ao secundário, e muito baixos em relação ao superior. Uma das consequências dessa conclusão foi a escassez de recursos voltados ao ensino superior, para os países em desenvolvimento.

Assim, e embora o acesso ao ensino superior aumentasse consideravelmente após a independência, através de bolsas de estudo concedidos em países como a Alemanha, Argélia, Brasil, Cuba, EUA, França, Portugal, URSS, entre outros, o projeto de um ensino superior local adiava-se irreparavelmente15.

Entretanto, narra Tolentino (op cit), o ensino secundário se expandia, exercendo uma pressão progressivamente maior sobre o ensino superior, num contexto marcado pela progressiva redução das ofertas de bolsas de estudo no exterior.

É neste contexto, e apenas em 1999, que através do artigo 77º da Constituição da República (Revisão de 1999), seria reconhecido constitucionalmente ao ensino superior o “dever de promover a investigação e o espírito científico, bem como a inovação tecnológica” e “o dever de promover a educação superior, tendo em conta as necessidades de quadros qualificados e da elevação do nível educativo, cultural e científico do País”.

É neste enquadramento político que, nos anos de 2001 e 2002, sucedem dois acontecimentos que representariam marcos significativos para a psicologia cabo-verdiana. No primeiro, uma entidade portuguesa, o Instituto Piaget, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 12/2001, de 7 de maio, instala a primeira universidade em Cabo Verde. No segundo, uma sociedade privada, a sociedade comercial Graça Empreendimentos, S.A. arroja o primeiro Instituto de Estudos Superiores de capital nacional privado, que viria no

15 Não obstante neste período não existirem formalmente instituições de ensino superior, já se realizavam no entanto ações de formação superior de natureza essencialmente politécnica e de curta duração visando atender a necessidades conjunturais de mão de obra qualificada. Neste âmbito algumas escolas superiores ou centros de investigação com alguma atividade de ensino, sobreviviam e se afirmavam.

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ano 2010 a ser declarado formalmente Universidade do Mindelo. Em comum, o curso de psicologia16.

O surgimento da universidade local contemplando o curso de psicologia, criava as condições para a psicologia académica local. A psicologia até então exclusivamente de atuação prática aplicada, restrita a determinados campos, tem agora as condições e o contexto para desenvolver o alcance de pensar, de equacionar e contribuir para a resolução de problemas locais, partindo da realidade local.

Até então, o profissional de psicologia, advindo e formado no exterior com métodos e teorias americanas e europeias, num contexto alheio à sua realidade, atirava-se a atuação prática, agindo autonomamente num contexto de ausência de núcleos académicos que pudessem proporcionar uma reflexão sobre sua prática e seus resultados. Com o surgimento da universidade local, a possibilidade se abria para um contacto mais próximo entre as práticas profissionais muitas vezes mecanizadas pelas rotinas estabelecidas e a reflexão teórica e científica de natureza académica.

No entanto, passados cerca de onze anos após o surgimento do ensino superior local em psicologia, ela conserva-se marcada por um viés profissionalizante em privilégio da transmissão de habilidades e técnicas para a atuação prática aplicada, em lugar da promoção de competências de adaptação e a discussão sobre o contributo da psicologia para a compreensão da realidade local, na renovação de formas de pensar e atuar sobre ela, assente numa produção científica unificadora e acercada as características e necessidades dos indivíduos e comunidades.

Subjacente a essa realidade, como adverte Leitão (2008, pp 145), discorrendo sobre a cooperação académica entre África e Europa, se reflete “um pressuposto grave: a ideia de que a pesquisa é coisa para os países ricos, os quais já teriam os recursos materiais e humanos instalados para desenvolvê-la”. As implicações desse pressuposto são particularmente incomodas quando analisadas no âmbito da relação entre o crescimento dos programas de pesquisa científica e os índices de desenvolvimento humano das populações (op cit)17.

16 Recentemente a Universidade Lusófona se juntaria as universidades locais com ensino de psicologia

17 A autora apresenta dados de pesquisas desenvolvidas no Brasil pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que apontam para uma relação direta entre o crescimento dos programas de pós-graduação e os índices de desenvolvimento humano das populações. As desigualdades processar-se-iam entre continentes, entre países e dentro de países. No Brasil, a extrema concentração de alunos no ensino superior, dos centros de excelência e investimentos em pesquisa e programas de doutoramento na região sudeste do país, refletem desigualdades análogas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Por exemplo, a região sudeste participa com 60 % do emprego qualificado do país e contribui com mais de 55 % do PIB.

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A reflexão sobre o reconhecimento da impossibilidade de uma ciência neutra, empreendida pela psicologia comunitária e, segundo Marujo e Neto (2010), resgatada pela psicologia positiva, torna-se neste sentido, especialmente pertinente. Como observa Leitão (2008, pp 145), a compreensão das condições de produção do conhecimento é condição necessária para se perceber que tipo de conhecimento é produzido, por quem, para quem e para quê.

É importante notar que a oposição anteriormente referida entre uma psicologia profissional e uma psicologia académica e científica, não é efetivamente válida. Primeiramente é preciso recordar que o profissional de psicologia baseia sua prática em teorias, pressupostos e técnicas, obtidas em pesquisas científicas realizadas num contexto cultural muito distinto daquela em que exerce. Não nos podemos alhear do facto de que nem todas as conclusões desses estudos são necessariamente válidas universalmente.

Como nos lembra Angelini (2007) as inferências psicológicas obtidas a partir de estudos planeados a partir de um contexto cultural, podem ser, e de fato têm sido, postas à prova e até mesmo contestadas em virtude de resultados conseguidos em outras culturas. Assim é importante não apenas a realização de estudos em cada contexto cultural, mas de estudos locais, planeados a partir dos quadros culturais locais 18. Não se trata aqui de uma posição de decisivo questionamento das conclusões da “ciência importada” nos moldes, muitas vezes radicais, assumidos pela psicologia comunitária latino-americana, mas da reflexão necessária sobre extrapolações, muitas vezes selváticas de teorias, instrumentos e programas de intervenção para contextos culturais diversos.

As teorias explicativas geradas em determinado contexto devem ser reavaliadas em contextos outros, questionadas quando suas conclusões não se aplicam ao novo contexto ou se demonstram inadequados ou insuficientes, visando as necessárias adaptações antes de serem universalmente validadas.

18 Um exemplo ilustrativo é-nos dado por um estudo de Au. Apoiando-se na hipótese Sapir-Worf, Afred Bloom tinha pretendido demonstrar que diferenças linguísticas poderiam levar a diferenças cognitivas no raciocínio contrafactual. O estudo acabava por revelar uma suposta superioridade dos anglófonos em relação aos sinófonos neste tipo de raciocínio, por estes não terem um marcador específico para representar contrafactuais. Au, uma sinófona nativa, demonstraria o caráter etnocêntrico do estudo de Bloom ao fornecer uma história idiomática para os anglófonos e uma tradução não-idiomática para os sinófonos. Este estudo ilustra, entre outras coisas, como um instrumento produzido a partir de determinado contexto cultural pode produzir enviesamentos quando aplicado a outras populações (In Sternberg, R. J. (2000) Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed Editora).

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Isto só pode ser feito em Cabo Verde quando a psicologia cabo-verdiana possuir ferramentas que lhe permitam considerar crítica e criativamente o que lhe vem do exterior, e apreciar efetivamente o que se revela ser útil e incorporar-lhe enquanto valor que de facto lhe pertence. Tais ferramentas, tanto quanto sabemos, só podem ser brindadas através da pesquisa científica rigorosa.

Trata-se no fundo, de uma questão de independência, tal como definido por Amílcar Cabral (1924 – 1973), isto é, enquanto um ato de cultura. Cabral tinha uma clara consciência da importância da pesquisa científica para a independência, quando afirmava que a crise da revolução africana refletia essencialmente uma crise de conhecimento, compreendido no sentido daquilo que ele entendia como insuficiência, ou mesmo falta de bases teóricas para análises concretas de realidades concretas (citado por Andrade, 1980).

A psicologia deve representar um instrumento de aproximação do homem com o seu contexto existencial, que dê sentido aos seus gestos, as suas funções, ao seu trabalho, promovendo-o como protagonista de seu próprio destino. Ela perseguirá esse propósito na medida em que o consegue reconhecer no contexto que lhe é natural.

Por outro lado, a psicologia cabo-verdiana tem sido até então uma psicologia dos centros. Isto reflete naturalmente a existência de um número restrito de profissionais até a presença da universidade local19, aliada a restrição do mercado psicológico essencialmente às áreas da clínica (referindo-se quase exclusivamente ao diagnóstico e psicoterapia), educacional (referindo-se quase exclusivamente a orientação profissional) e a organizacional (essencialmente na seleção de pessoal). Na representação do público geral, do que nos é dado conhecer, a psicologia parece restringir-se a sua vertente clínica, com tónica no aspeto assistencialista ou de confidente, com ênfase em aspetos individuais e na psicopatologia.

No campo da promoção da saúde em Cabo Verde, a contribuição da psicologia tem sido muito subtil e acanhada. Os programas de promoção da saúde, mesmo quando contemplam psicólogos nas equipas, relacionam-se essencialmente a medicina de saúde pública ou educacionistas. Os processos psicológicos são ainda pouco considerados, desconsiderados, ou apenas considerados de forma implícita.

Assim o viés profissionalizante, o caráter individualista e patologista da nossa psicologia, refletem o seu fechamento, a sua ênfase no modelo assistencialista e sua distância em 19 Com a presença da Universidade Local, o número de psicólogos tem aumentado exponencialmente, mas na perceção de alguns profissionais em campo, com significativo sacrifício da qualidade dos profissionais formados. Independentemente da justeza desta perceção, o facto é que implicou uma ampliação dos campos de ação do psicólogo.

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relação a realidade, mormente no que se refere às zonas mais alheias aos meios de caráter urbano. O surgimento da universidade em Cabo Verde, e consequentemente de uma psicologia académica, deverá contribuir para a ampliação da própria psicologia, a abertura de fascinantes campos de pesquisa, num terreno onde praticamente tudo está ainda em aberto.

Acordando com Araújo (2008), compensar o atraso do início da universidade cabo-verdiana impõe necessariamente, não adiar ainda e de forma indefinida o repensar profundo da complexa identidade cabo-verdiana. A psicologia cabo-verdiana deverá assumir neste sentido um papel de relevo.

Um comprometimento político com o ideal de independência tal como definido por Cabral, não é tarefa recusável para uma psicologia cabo-verdiana que pretenda dar resposta as questões colocadas pelas necessidades do seu contexto.

Uma das vias práticas possíveis para este comprometimento poderá compreender a ampliação e a extensão da sua área e campo de intervenção, nomeadamente ao desenho e implementação de programas educativos, de intervenção social e promoção da saúde no âmbito comunitário. Uma das vias teóricas possíveis poderá compreender o conceito de resiliência.

A escolha do tema resiliência e do universo dos adolescentes das zonas periféricas de São Vicente justifica-se assim por várias ordens de razões. A primeira está diretamente relacionada a discussão empreendida nas páginas precedentes sobre a necessidade de alargar a área e o campo de ação da nossa psicologia. Alargar a “área” no sentido de vincular a psicologia às zonas menos urbanas, e alargar o “campo” referindo-se a ampliação do campo de ação da psicologia caboverdiana, nomeadamente para a área da promoção da saúde.

Uma outra razão refere-se ao objetivo de colocar em termos claros o papel que a teoria psicológica pode desempenhar na resolução da problemática do desenvolvimento e do bem-estar dos cabo-verdianos, nomeadamente (e neste caso específico) no campo da promoção da saúde.

A psicologia, como aponta Matos (2008), pode desempenhar um papel de “catalisador do desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos”, é dizer, promover a otimização de capacidades de decisão e de realização, que levam à estilos de vida saudável, de competência pessoal e de participação ativa na comunidade.

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Isto envolve um olhar positivo ante as expressões salutogênicas dos indivíduos e dos grupos em que se inserem, e de um investimento no conhecimento científico sobre as virtudes e forças que elas apresentam. Por outro lado, tal investimento subentende naturalmente a definição de prioridades. Isso pressupõe, nomeadamente, atender ao facto de que a pobreza em cabo verde atinge expressão elevada, e que 50% da sua população tem menos de 22 anos de idade, sendo cerca de 1/3 (31,7%) menores de 15 anos (INE, censo 2010).

Assim, ampliar o ainda muito limitado conhecimento objetivo do panorama da juventude em Cabo Verde, constitui uma prioridade enquanto fator fundamental para perspetivar intervenções alicerçadas em dados específicos, em oposição aos programas baseados em dados gerais, nem sempre ajustados a realidade.

Em 1993 um dos pontos acentuados pela OMS (1993) na sua revisão do Programa de Saúde do Adolescente, e projetos afins, foi a necessidade de uma melhor compreensão do contexto cultural e dos sistemas sociais que afetam a juventude. Em Cabo Verde, dada a escassez de estudos e de divulgação dos existentes, tal necessidade se encontra ainda muito aquém de se ver suprida.

Vale ressaltar igualmente as razões que justificam a opção específica pelas zonas periféricas de São Vicente. São Vicente foi a última ilha a ser povoada devido a inexistência de condições propícias a agricultura, tendo vindo a organizar-se posteriormente segundo uma lógica essencialmente urbana, a partir do desenvolvimento do Porto Grande.

A ilha de São Vicente organiza-se assim como um centro urbano, ilustrado pelos 92,6 % de pessoas residindo em meio urbano (Censo 2010), em contracorrente com o caráter essencialmente rural das ilhas de Cabo Verde 20.

Nas zonas periféricas organizaram-se, no entanto, localidades “rurais”. Estas zonas periféricas, embora não necessariamente relacionadas as atividades tidas tipicamente como rurais (ainda que existam em pequena escala), mas que fogem à uma lógica urbana, são caracteristicamente geográfica e politicamente excluídas, historicamente negligenciadas no contexto das políticas de desenvolvimento direcionadas para a ilha, tanto a nível dos governos centrais como das administrações locais. Apresentam-se assim como um ambiente adverso onde se desenvolvem muitas crianças e adolescentes, representando um desafio a saúde e ao bem estar, pelas condições de

20 Não obstante 62% da população residente em Cabo Verde viva em meios urbanos (dados do Censo 2010, IV Recenseamento Geral de população e Habitação), a exceção de São Vicente e Sal, a maior extensão das ilhas de Cabo Verde constituem regiões rurais.

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vida marcados pela pobreza, dificuldades no acesso a educação, saúde, habitação, justiça, trabalho e lazer.

A identificação do que protege e do que aumenta o risco dentro deste contexto, poderá contribuir para a criação de programas de saúde empiricamente fundamentados e adaptados a essas comunidades e avaliar a eficácia das estratégias adotadas.

Em relação ao tema, a amplitude e diversidade do conceito de resiliência, ainda que possa constituir uma desvantagem em termos operacionais, constitui uma vantagem quando se trata de extrapolação à populações muito diferenciadas.

Bermejjo (2010) aponta uma natureza, digamos, inclusiva do constructo, ao afirmar que o facto de a resiliência não se definir por nenhum fator específico, significa que ela não exclui ninguém, não condena ninguém a manter sua situação em função de presença ou ausência de determinado traço ou variável pessoal, permitindo trabalhar com todos os indivíduos, de modo a que desenvolvem de forma normal (dentro do que “normal” significa em sua cultura) e adaptada ao seu meio.

Como observa Slap (2001), há várias formas de se ser resiliente e é essa diversidade que oferece a maior esperança para o constructo. Neste sentido, para nós o desafio é assim, sermos capazes de reconhecer os nossos próprios recursos e pensar formas de aplica-los para melhorar as condições de vida das pessoas com as quais dividimos essas ilhas.

2.2 – Pergunta de Partida e Objetivos do Estudo

O presente trabalho pretende representar um contributo para preencher a escassez de pesquisas psicológicas para a compreensão da realidade cabo-verdiana e consequentemente para a conceção de novas formas de intervenção, fundamentadas no conhecimento produzido localmente, cônscio das potencialidades de uma visão positiva, atenta as forças e ao funcionamento ótimo dos indivíduos e seus contextos.

Neste âmbito, e coerentemente a discussão precedente, parte de pressupostos como a importância dos fatores ambientais enquanto determinantes do comportamento e variáveis importantes para a sua modificação, o primado da prevenção e promoção sobre o tratamento e reabilitação, o primado da saúde sobre a doença e o desajustamento. Orienta-se pela conceção de resiliência enquanto processo circunstancial, e neste sentido valoriza a importância da proximidade aos ambientes em que os problemas e as necessidades emergem para a sua compreensão.

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2.2.1 - Pergunta De Partida

O presente trabalho norteou-se assim pela seguinte pergunta de partida: Que fatores de vulnerabilidade e proteção relacionados a resiliência caracterizam mecanismos de adaptação em adolescentes das zonas periféricas de São Vicente?

2.2.1 – Objetivos

Objetivo Geral

Identificar os fatores protetores e de risco, relacionados a resiliência em adolescentes das zonas periféricas de São Vicente, pela análise de variáveis sociais e intrapsíquicos vinculados a adaptação e desenvolvimento saudável não obstante as condições adversas.

Objetivos Específicos

1. Descrever fatores psicossociais ligadas a adaptação positiva em adolescentes das zonas periféricas de São Vicente frequentando o ensino secundário, partindo de variáveis identificadas a partir de relatos de adolescentes provenientes das comunidades estudadas.

2. Estabelecer relações existentes entre as variáveis identificadas e as características diferenciais da amostra estudada, nomeadamente idade, sexo, escolaridade e zona de proveniência.

2.3 – Natureza do Estudo

O presente estudo assume-se como um estudo de natureza exploratória, descritiva e de caráter aplicado, com delineamento transversal.

Exploratória na medida em que se partiu sem muitos pressupostos definidos em relação aos resultados esperados dentro da realidade estudada, nomeadamente em relação às variáveis relevantes a serem considerados, os quais foram

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identificadas a partir de relatos dos próprios adolescentes provenientes das comunidades visadas.

Descritiva na medida em que visa documentar como se configuram variáveis ligadas a adaptação positiva dentro das comunidades estudadas e a sua variação entre diferentes grupos.

Pretende ter um caráter de investigação aplicada, na medida em que a identificação das variáveis ligadas à adaptação e desenvolvimento saudável constituem informação relevante para o planeamento e avaliação de estratégias de intervenção preventivas junto as comunidades estudadas.

Ainda, e na medida em que envolve uma recolha única de informação a partir de sujeitos em uma série de diferentes condições de risco e proteção, pressupostamente significativas para a distinção da capacidade de resiliência, o estudo caracteriza-se por um delineamento transversal.

3- Método

Considerando as questões até aqui discutidas, nomeadamente as relativas ao caráter circunstancial e contextual da resiliência, o presente estudo tenta conciliar a recolha e o tratamento qualitativo e quantitativo dos dados.

Numa primeira abordagem, numa fase que podemos descrever como “indutiva”, procurou-se através de uma técnica qualitativa (o grupo focal) obter um amplo conjunto de dados sobre a população em estudo para posteriormente analisar de uma forma mais restrita os dados considerados mais relevantes, através de uma recolha mais controlada, mediante métodos de análise quantitativa. A primeira abordagem constituiu assim numa fase preliminar do estudo quantitativo, merecendo assim uma descrição mais sintética no âmbito do presente relatório.

A seguir se descrevem pormenorizadamente as metodologias utilizadas para recolha e análise dos dados.

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3. 1- População Alvo

A população visada pelo presente estudo, conforme referido e definido anteriormente21, compreende o universo dos adolescentes escolarizados das zonas periféricas (“rurais”) de São Vicente assumindo-se como critérios de inclusão:

(i) ser proveniente das zonas arredadas da Cidade do Mindelo, quer espacialmente quer pela lógica em que se organizam, nomeadamente as zonas do Calhau, São Pedro, Norte de Baia, Salamansa, Mato Inglês, Baixo de Verde, Ribeira de Vinha, Lameirão e Madeiral;

(ii) ser aluno do ensino secundário.

A população em estudo compreende assim, os adolescentes das zonas periféricas de São Vicente frequentando o ensino secundário nas escolas públicas do Mindelo.

3.2- Estudo Preliminar

O objetivo do Estudo Preliminar foi encontrar as variáveis relevantes a incluir no estudo principal. Tal opção justifica-se pela ausência de pontos de referência sobre a resiliência no contexto cabo-verdiano, quando se parte do pressuposto da resiliência definida não como um conjunto de traços característicos do ser resiliente (uma condição de se ser), mas como um processo contingente/provisório, imprevisível e dinâmico (Martineau, citado por Yunes, 2003), mutável em função da variação nos fatores de risco e proteção e das relações que o individuo estabelece com o meio (Pereira, citado por Simões, 2008).

De facto, inclusive em estudos que assumem a perspetiva dos traços, os dados psicométricos existentes internacionalmente tendem a organizar-se na análise fatorial de

21 Ver capítulo 2.1 “Justificação (Para uma Psicologia das Virtudes em Cabo Verde)”

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forma muito diferente, consoante a cultura estudada (Pesce et al, 2005). Por exemplo, Pesce e colaboradores (2005), notando as diferenças entre os resultados das análises fatoriais da escala original de Wagnild e Young e das supracitadas adaptações transculturais no Brasil e com emigrantes russos, questionam se a resiliência se manifestaria da mesma forma em diferentes faixas etárias e se a escala tal como se apresentava seria realmente indicada em culturas diversas.

Neste sentido, a ausência de instrumentos aferidos para a realidade cabo-verdiana (ou quaisquer referencias teóricas específicas) e a diferenças nas dimensões de resiliência medidas por diferentes escalas internacionais, nos levou a questionar a significância cultural dos itens desses instrumentos enquanto medida de ajustamento face a adversidade indicadas para a população em estudo.

É neste sentido que se fez sentir a necessidade de realizar este estudo preliminar no sentido de captar uma compreensão básica das variáveis relevantes a incluir no instrumento que se pretendia construir, bem como o conteúdo e as formas que as questões deveriam tomar.

3.2.1- Grupo Focal

O modelo seguido nesta primeira abordagem foi o método qualitativo denominada Grupo Focal .

Conforme o descreve Morgan (1997), o grupo focal é um método de pesquisa com origem na técnica de entrevista em grupo, assente na proposta de colher dados sobre um tópico especifico (dai o termo focal) fornecido pelo investigador, através de discussões em grupo, num setting informal com sessões semiestruturadas.

O grupo focal ocupa uma posição intermediária entre observação participante e entrevista semiaberta, procurando ultrapassar as limitações de ambas, incorporando elementos das duas abordagens (Morgan, 1997).

A opção por essa abordagem justifica-se pelas virtudes que oferece na obtenção de dados. Uma delas, que constituiu um dos principais motivos da escolha do método, é a possibilidade de obtenção de uma substancial quantidade de informações num período de tempo relativamente curto, conforme lhe confere Gatti (2005) 22. Essa possibilidade

22 Na prática, devido a dificuldades de acesso as instituições e na seleção e organização dos grupos, esse período de tempo acabou-se por se estender mais do que aquilo que a princípio supúnhamos.

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tornava-a especificamente útil quando o objetivo era elaborar um estudo de pequena escala visando informação relevante para a fase posterior do estudo.

Gatti (2005) aponta ainda a possibilidade de emergência de uma multiplicidade de pontos de vista, a captação de significados dificilmente revelados por outros meios e a emergência de respostas mais completas. Naturalmente essas possibilidades interessam ao investigador preocupado na especificação das variáveis mais importantes a investigar sobre determinado tema dentro de um contexto específico.

Outra vantagem do método, conforme Gatti (op cit) é a possibilidade de compreender a lógica ou as representações que conduzem as respostas. O grupo focal proporciona ao pesquisador a descrição de experiências na própria linguagem da população em estudo, segundo seus próprios valores, estilos de pensamento e o processos característicos de comunicação. Esta característica torna-a especialmente conveniente em relação ao objetivo de compreender como as variáveis em estudo se configuram nas representações dos potenciais respondentes, possibilitando assim, um adequado apuramento do conteúdo e as formas que os itens deveriam tomar no instrumento.

Não obstante as possibilidades que oferece, ao adotar o método dos grupos focais, alguns cuidados básicos deverão ser tidos em atenção. A ponderação na seleção dos grupos constitui um dos fatores determinantes para o seu êxito. Em relação a este fator Morgan (1997) defende que a representatividade do grupo não deve constituir-se numa obsessão em desfavor de alguma homogeneidade interna, que representa um fator essencial para o enriquecimento da discussão e facilitador do desenvolvimento ulterior da comunicação intergrupal.

Naturalmente que isto pressupõe um cuidado especial em relação as generalizações que daí se possam inferir. Em relação a isto, como esclarece Morgan (op cit), importa sobretudo que o grupo tenha características que, a priori proporcionarão mais dados sobre o tópico em estudo. Neste sentido, na medida em que, nesta primeira abordagem interessava-nos fundamentalmente o levantamento e a compreensão das variáveis dentro do grupo, mais do que a possibilidade de sua generalização, essa abordagem adequava-se-nos bem.

Interessava-nos acima de tudo que os participantes tivessem alguma vivência potencialmente desfavorável, como contextos familiares convencionalmente denominados de risco, adviessem das zonas consideradas dentro do nosso universo de trabalho e se apresentassem relativamente ajustadas. Deste modo a sua participação poderia trazer-nos, conforme pressupõe Gatii (2005), elementos ancorados em suas experiências quotidianas.

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3.2.2 - Participantes

Observando os aspetos acima expostos, organizamos três grupos focais com uma amostra intencional de adolescentes de duas escolas secundárias e uma Residencial Estudantil 23.

O primeiro grupo foi formado por 6 adolescentes com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos, estudantes do 12º ano de escolaridade numa escola secundária, constituído por 2 rapazes e 4 raparigas, provenientes das zonas de Calhau, Salamansa, São Pedro e Ribeira de Vinha.

O segundo grupo focal aconteceu numa outra escola secundária, com 5 adolescentes na faixa etária entre os 14-16 anos, todas do sexo feminino, provenientes das zonas do Calhau (n=1), São Pedro (n=3) e Salamansa (n=1).

O terceiro grupo focal compreendia 8 adolescentes entre os 12 e os 14 anos de idade, 5 do sexo feminino e 3 do sexo masculino, alojados em uma instituição de abrigo para estudantes, provenientes das zonas de Calhau (n=2), São Pedro (n=3), Norte de Baia(n=1), Salamansa (n=1) e Mato Inglês(n=1).

O critério de seleção dos participantes para o grupo focal assentava-se em experiências partilhadas por um grupo relacionadas ao tópico da pesquisa. Conforme os parâmetros propostos por Morgan (1997) em termos de homogeneidade, os participantes dos grupos possuíam relação prévia entre si; partilhavam contextos semelhantes quer na cidade (escola, turma, instituição de alojamento), quer nos contextos de origem (representando adolescentes de contextos periféricos e com características distintas à organização urbana onde estudavam).

Em termos de “valor teórico” dos dados a recolher, outro parâmetro proposto por Morgan (op cit), os participantes partilhavam vivências semelhantes no que se refere à dificuldades económicas, (des)organização familiar ou monoparentalidade, histórias de vida marcadas por adversidades e, não obstante, bom ajustamento académico, (relativamente aos valores médios de aproveitamento escolar) e comportamental

23 Instituição de alojamento para estudantes “deslocados”. Segundo o artigo 5º/4, 2009 do regulamento das residencias Estudantis do Instituto Cabo-verdiano de Ação Social Escolar (atual FICASE) o termo “deslocado” aplica-se a estudantes que devido ao tempo de viagem diária ou à inexistência de instituições de ensino e ou formação profissional em seus locais de origem, bem como condições adequadas de transportes têm, forçosamente, que deixar a sua residência habitual.

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(avaliados positivamente pelos diretores de turma), podendo deste modo serem descritos como “resiliêntes”.

3.2.3-Tópicos De Pesquisa

Outro parâmetro a que, segundo Morgan (1997) deve obedecer os grupos, é a possibilidade de alcançar tópicos não previstos pelo investigador. Isto depende em grande parte da adequação dos tópicos propostos. Neste caso os tópicos propostos baseavam-se em revisão de bibliografia sobre resiliência, apresentando 3 tópicos gerais que permitiram gerar discussões muito ricas entre os grupos.

Os tópicos propostos foram assim:

Fatores presentes em sua vida que representam problemas, ou então ampliam ou agravam os problemas existentes24

Fatores presentes em sua vida que auxiliam a enfrentar problemas e momentos difíceis.

Histórias de superação de problemas

3.3.4 - Procedimentos

Uma carta em que se descrevia sucintamente o projeto de pesquisa foi encaminhada para as instituições e, mediante o assentimento foi realizado uma reunião com os diretores de cada instituição para apresentação do projeto25. Nesta reunião apresentou-se às várias fases do estudo no âmbito do qual os grupos focais representavam apenas a primeira abordagem. A população em estudo foi levantada através dos diretores de turma que, de acordo com o perfil desejado, indicavam aqueles que participariam nos grupos focais dentro de um intervalo de 5 a dez adolescentes.

Seguidamente foi realizado um encontro com cada grupo, onde se explicava o tema e o objetivo do estudo e se discutia, entre outros aspetos, os horários e o número de sessões, permissão para gravar as conversas, sigilo e respeito as opiniões e os sentimentos de todos e se esclarecia sobre “o direito a recusa” em colaborar com o estudo, configurando assim um termo de consentimento informado.

24 Este primeiro tópico parece a princípio duas proposições ligadas a uma única questão: por um lado o que representaria problemas e por outro os agravantes. O facto é que na prática tal distinção se revela improfícua, uma dada a dificuldade de estabelecer uma hierarquia de situações potencialmente problemáticas, em vez de um conjunto de variáveis que interagem entre si. Um exemplo ilustrativo entre alcoolismo e graves dificuldades económicas. 25 Ver Anexo nº1.

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As sessões se processavam em salas disponibilizadas pelas instituições, com as cadeiras dispostas em círculos. Os grupos foram coordenados por um moderador, e acompanhados pela pesquisadora, sentada exteriormente ao círculo, que anotava os comportamentos verbais e não verbais. Não obstante os participantes do estudo assentirem em que se gravasse as conversas, essas se revelaram pouco úteis devido aos meios técnicos disponíveis e a sobreposição de conversas, o que os tornava de difícil compreensão, tendo sido assim abandonadas a partir da segunda sessão uma vez que o seu uso implicaria um contraproducente controlo das discussões.

3.3.5 - Análise Dos Dados

A análise dos dados seguiu um procedimento semi-indutivo (Albarello et all, 2005) inspirado no interacionismo simbólico anglosaxonico. A análise consistiu numa “descrição simples” (Shatzman & Srauss citado por Albarello et all, 2005) onde o esquema de análise, as categorias e as suas relações foram sugeridas a priori da literatura sobre resiliência revisada, que forneceu um esquema de inteligibilidade teórica que evidenciava as relações sistémicas entre os dados.

O material recolhido foi assim classificado segundo um modelo misto de resiliência que assumia a interação entre fatores de risco e fatores protetores quer de ordem pessoal como de ordem ambiental, na definição do ajustamento ante a adversidade.

A análise dos dados realizou-se segundo um processo de redução dos dados (Albarello et all, 2005), compreendendo seleção, focagem, simplificação, abstração e transformação do material; a apresentação/ organização para o trabalho de interpretação; e a interpretação/ verificação, aferição de regularidades e propostas de interpretação (Miles, Huberman, citado por Albarello et all, 2005).

A primeira fase do processo consistiu na agregação das notas escritas pela investigadora por semelhança, relação ou complementação de ideias, estabelecendo-os como categorias. Seguidamente procurou-se conexões entre as categorias considerando o contexto, condições intervenientes, e sua significação atribuída pelos adolescentes. Finalmente procedia-se a integração das categorias definidas.

3.3.6 - Apresentação Dos Dados Dos Grupos Focais

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A seguir se expõe, sucintamente nas Tabelas seguintes, os principais dados recolhidos, apresentando os pontos mais relevantes surgidos nas discussões. Na definição da relevância dos dados e das categorias realçadas à partir delas, regulou-se pela não assumpção de relevância de qualquer variável até que se revelassem relevantes dentro dos grupos, quer como fatores percebidos como importantes na superação (ou como causas) de vivências penosas específicas, ou pela sua presença constante nos relatos de superação (ou causas) de desequilíbrios. No entanto tal não implica que a definição da relevância das variáveis apresentadas esteja imune a uma leitura ou ótica particular da pesquisadora, devendo-se ser assumidas como uma interpretação pessoal que se fez desses mesmos dados.

Tabela 1 – apresentação sintética dos dados dos grupos focais

Fatores presentes em sua vida que auxiliaram a enfrentar problemas e momentos difíceis

Suporte comunitário

Perceber que as pessoas da comunidade incentivam os estudos.

Perceber que professores e equipe escolar ajudam a resolver problemas relacionados a dificuldades de materiais escolares, alimentação ou dificuldades em acompanhar as matérias.

Contar com o apoio material e a nível de informações, de instituições e associações comunitárias.

Família alargada

Contar com a ajuda de tias, avôs ou padrinhos (muitas vezes familiares). As ajudas referiam-se principalmente ao suporte material, na forma de dinheiro, materiais escolares, mas igualmente ao apoio afetivo e proteção.

Por dificuldades dos pais, por ausência (emigração) esses familiares assumem por vezes as funções parentais.

Contar com os amigos.

Receber apoio emocional dos amigos nas horas difíceis.

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Amizade Ser ajudado pelos colegas nas tarefas escolares.

Poder realizar atividades recreativas com os amigos para aliviar-se de problemas e dificuldades

Ter com quem desabafar.

Sentir-se integrado em determinado grupo.

Perceção positiva da vida académica

Perceber os estudos como importantes para a sua vida atual.

Perceber os estudos como importantes para o futuro.

Ter desejo de entrar para a universidade e formar-se

Perceber o estudo como um esforço necessário para alcançar seus sonhos

Perceber os estudos como possibilidade de mudar de vida e ajudar a família

Religião

.Perceber a religião como um fator importante para suas vida.

Sentir-se ajudado por Deus

Poder confiar em Deus nos momentos difíceis

Autoestima Sentir-se como uma pessoa especial e de muito valor

Autoeficácia

Achar-se inteligente

Entender o esforço pessoal como forma de resolver a maioria dos problemas que encontra.

Sentir-se capaz de vencer obstáculos.

Considerar-se um bom aluno

Sentir-se capaz de pensar os problemas e de fazer juízos positivos das situações, não se desesperando (“infrontá”) ante a primeira dificuldade

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Esperança

Capacidade para projetar-se no futuro

Ser capaz de avaliar positivamente as situações.

Considerar os problemas como transitórios (“hoje é um dia amanhã será outro”)

Perceção positiva da sua comunidade

As pessoas se ajudam mutuamente.

Sentir orgulho em pertencer a sua comunidade

Fatores presentes em sua vida que representam problemas, ou então ampliaram ou agravaram os problemas existentes

Alcoolismo Presenciar situações de alcoolismo em casa

Achar que a presença de álcool em sua casa constitui um problema ou que agrava os problemas existentes.

Ambiente familiar difícil

Assistir discussões entre familiares.

Assistir ou perceber que pais se agridem (o pai bate na mãe ou ofendem-se verbalmente).

Dificuldades económicas

Passar dificuldades em casa (roupa, alimentação).

Não conseguir adquirir materiais escolares.

Não ter dinheiro para participar nas mesmas atividades de lazer que os colegas

Não ter dinheiro para fazer o lanche na escola.

Distância em relação a escola

Grande parte do dia parecer ser gasto no deslocamento para a cidade e da cidade.

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Faltar tempo para os estudos devido ao tempo perdido nas deslocações.

Dificuldade escolar

Dificuldade em acompanhar algumas matérias (percebido como fator de angústia e stress)

Perda de familiar próximo

Morte de pai, mãe ou irmão. Pais emigrados que não voltaram a contactá-los ou com contactos muito distantes.

Monoparentalidade

Viver sem o pai ou a mãe , devido a morte ou por nunca os ter conhecido

Sabe quem é o pai mas não se falam, ou ele é muito ausente.

Sofrer maus tratos na família

Ser maltratado pela família. Referem-se sobretudo ao abuso físico e verbal, tratamentos injustos em relação aos irmãos ou meios-irmãos ou primos (nos casos em que estão ao cuidado de tios ou avós).

Viver em instituição

Regras rígidas.Estar afastado dos pais.

Ser vítima de Preconceitos

Ser chamado “o menino do campo” (d’komp). Sentir que os professores, colegas e equipe escolar lhes vêm de forma diferente pela sua forma de ser (por exemplo o facto de tenderem a falar mais alto do que os outros alunos).

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3.3- O instrumento 26

3.3.1 - Elaboração Do Questionário

Com base no referencial teórico sobre a resiliência e os dados do estudo preliminar com grupos focais, elaborou-se um questionário compreendendo quatro componentes:

a) Características dos casos

b) Variáveis ligadas ao risco,

c) Variáveis ligadas à proteção;

d) Itens para avaliação da perceção de ajustamento e grau de reorganização percebida após a vivência de uma situação emocionalmente marcante.

A decisão sobre a relevância das questões a incluir no questionário foi baseada nas categorias que emergiram da análise do estudo preliminar com os grupos focais. Em relação as características dos casos, levou-se em consideração outras fontes de informação, nomeadamente diretores das escolas e das turmas dos alunos estudados, funcionários da residência estudantil onde alguns estavam alojados e as descrições dos próprios alunos sobre os seus contextos.

Procurou-se restringir o questionário à questões fechadas, limitando as respostas às alternativas sugeridas na fase preliminar do estudo, sendo as perguntas abertas utilizadas apenas quando se solicitava respostas quantitativas escritas em números e alguns factos específicos em que se preferiu não restringir o rol de respostas.

As perguntas foram agrupadas e ordenadas em seis blocos, num total de 48 itens, a saber:26 Questionário em anexo; ver Anexo nº 2.

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i. um primeiro bloco destinado a filtragem e caracterização dos casos, e questões relativas a perceção das suas localidades;

ii. um segundo bloco é constituído por questões relacionadas aos fatores de risco sugeridas pelo estudo preliminar, nomeadamente dificuldades económicas, conflitos familiares, abuso de álcool, morte de pais ou familiares muito próximos, rejeição pelos pares e descriminação;

iii. Um terceiro bloco abordando os fatores atribuídos pelos participantes dos grupos focais como fatores ligados a superação de problemas, o que inclui a perceção de apoio social familiar (nuclear e alargada), comunitário e institucional, perceção de autoeficácia, esperança e religiosidade;

iv. Um quarto bloco abordando a perceção e interesse pela escola;

v. Um quinto bloco com itens para avaliação da perceção de saúde, grau de felicidade, competência escolar e comportamento;

vi. Um sexto bloco com itens relativos a vivência de situações emocionalmente marcantes, gravidade e grau de reorganização percebida,

Durante a redação das questões, atendeu-se a neutralidade, clareza, definição e integridade das questões. Algumas questões de controlo foram inseridas para avaliar os conhecimentos ou a extensibilidade de certas questões aos respondentes, ou ainda identificar variáveis estranhas que poderiam influenciar significativamente nos resultados (por exemplo despistar a presença de deficiência ou doença crónica antes da avaliação da perceção de saúde).

Após a redação das questões pediu-se à dois colegas que avaliassem a clareza e neutralidade das questões antes da elaboração do layout final do questionário.

3.4.2 – Pré-Teste

Antes da aplicação do questionário aos seus destinatários finais foi realizado um pré-teste com uma amostra não probabilística constituída por 20 alunos do universo estudado27,

27? Embora se tenha ponderado a exclusão dos alunos que participaram no pré-teste do sorteio para a amostra final, eles acabaram por ser inseridos por se considerar que devido a natureza dos dados recolhidos a exposição anterior ao questionário não afetaria significativamente os resultados.

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visando verificar a adequação das questões e as suas interpretações pelos respondentes, bem como estimar o tempo médio para a sua aplicação. Os elementos foram escolhidos por um funcionário de uma das escolas onde a investigadora tinha maior facilidade de acesso.

Após a aplicação do questionário, convidava-se os alunos a comunicarem as dúvidas e dificuldades encontradas no preenchimento do questionário. Foram revistos a forma de duas questões que apresentaram dificuldades de interpretação para alguns alunos.

Com a análise dos dados do pré-teste através de gráficos de frequência resolveu-se eliminar um item relativo a autoeficácia (“Considera-se uma pessoa forte?”) por se interpretar à fraca variabilidade das respostas (99,3% dos inquiridos considerava-se “uma pessoa forte”) ao facto da pergunta provavelmente solicitar uma resposta socialmente desejável.

Todas as restantes questões foram utilizadas no seu formato original.

3.4- Participantes / Amostra

3.4.1 - Procedimento De Amostragem A identificação dos elementos da população fez-se mediante listas fornecidas pelas direções das cinco escolas secundárias do Mindelo através dos inventários dos alunos matriculados e das estatísticas internas. Os alunos assim identificados computavam um total de 346 adolescentes inscritos nas cinco escolas secundárias de ensino público do Mindelo28, provenientes das localidades supracitadas.

28 Uma das escolas abrangidas é de facto privada (ligado à uma instituição religiosa), mas onde lecionam professores que são funcionários pagos pelo estado.

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Considerando a pequenez do universo, ponderou-se e constituía o objetivo inicial recolher dados de todos os casos. No entanto em virtude da proximidade do final do ano letivo, aliada a dificuldades encontradas no acesso à população visada e na disponibilidade de espaço para aplicação dos questionários29, tal meta poderia não ser concretizada. A recolha dos dados nas condições disponíveis compreendia várias deslocações para as escolas, o que aliada a condicionalidade da vizinhança do final do ano letivo, poderia comprometer inevitavelmente o acesso aos alunos.

Considerando a média diária de alunos em que seria possível aplicar o instrumento nas condições disponíveis (cerca de 30), era provável a perda de cerca de um terço do universo. Esses dois terços restantes forneceriam naturalmente uma estimativa mais adequada da população visada se fosse garantida a escolha aleatória dos elementos constituintes. Optou-se neste sentido por recolher uma amostra tão ampla quanto possível, admitindo-se que a aplicação do questionário a 226 alunos (o que corresponde à 65% do total dos alunos identificados) constituía um propósito perfeitamente alcançável no tempo e nas condições disponíveis.Assim, as listas fornecidas foram ordenadas e enumeradas de 1 a 346 dos quais se sortearam 226 alunos escolhidos a partir de um gerador de números aleatórios online (a Ramdom.org 30). Da amostra alvo (os 226 alunos selecionados), obteve-se uma taxa de resposta de 96% (218 alunos). Os alunos selecionados para a amostra inicial que não participaram no estudo, correspondiam a alunos ausentes nos momentos da aplicação dos questionários, aqueles que entretanto haviam reprovado devido a acumulação de faltas e os que entretanto se haviam desvinculado da vida escolar31.

Do universo inquirido, nos 218 questionários aplicados não se verificou qualquer perda de sujeitos devido a questionários indevidamente preenchidos ou incompletos, constituindo-se este número na amostra final do estudo. Esta amostra representa 63% do total da população identificada. Na Tabela 2 apresentam-se as taxas de resposta por Escolas.

29 Considerando que essa população se encontrava dispersa em diversas turmas e classes.30 Dinponível em http://www.random.org, a Random.org é uma ferramenta geradora de números aleatórios que gera aleatoriedade través do ruído atmosférico. 31

? Os insucessos escolares devido a desistência são descritos pelos diretores das escolas como muito comuns nessa população, inclusive entre alunos que não apresentam dificuldades ao nível académico. Neste sentido algumas medidas vêm sendo assumidas pelo estado e pelas próprias escolas no sentido de assegurar a continuidade desses alunos, nomeadamente a atribuição de bolsas de estudo, apoios ao nível de materiais escolares, transporte, alimentação, a institucionalização em residência estudantil.

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Tabela 2 – taxa de resposta dos alunos Selecionados por Escola

ESJAP ESJB EICM LLL ESAO

Selecionados 110 76 17 16 7

Respondentes 105 74 16 16 7

Taxa de Resposta %

95% 97% 94% 100%

100%

ESJAP – Escola secundária José Augusto Pinto ESJB – Escola Secundária Jorge Barbosa EICM – Escola Industrial e Comercial do Mindelo LLL – Liceu Ludgero Lima ESAO – Escola Salesiana de Artes e Ofícios

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3.4.2 - Descrição da Amostra

O presente estudo envolveu 218 alunos das zonas periféricas de São Vicente, correspondendo a maior percentagem a adolescentes provenientes da comunidade de São Pedro (20,6%), seguidos respetivamente de adolescentes das zonas de Ribeira de Julião (16,1%), Calhau (14,7%) Salamansa (12,8%), Lameirão (10,1%), Ribeira de Vinha (9,2%), Passarão (6,9%) Madeiral (5,5%) e Norte de Baia (4,1%) - (ver gráfico 1).

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Conforme o gráfico 2, estes adolescentes encontravam-se em idades compreendidas entre 12 e 21 anos (Média=15,05; Desvio Padrão 1,903) com predomínio do sexo feminino (58,7 %) - (ver gráfico 3).

A maior percentagem dos alunos, conforme se vê na Tabela 3, estudavam o 7º ano de escolaridade.

Tabela 3 – Distribuição dos alunos por grau de escolaridade

Grau de escolaridade N %

7º ano 85 39,0

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8º ano 42 19,3

9º ano 52 23,9

10º ano 27 12,4

11º ano 9 4,1

12º ano 3 1,4

Total 218 100

3.5 – Procedimento de Recolha dos Dados

Conforme descrito nos pontos anteriores, a recolha de dados baseou-se num questionário de autoadministração construído especificamente para o presente estudo32, respondido anonimamente e sob base voluntaria por alunos sorteados aleatoriamente.

A recolha dos dados foi realizada no período compreendido entre 15 a 30 de junho de 2011, mediante a aplicação do questionário nas escolas, em salas disponibilizadas para o efeito, durante o período letivo normal. Para a realização do estudo foi inicialmente enviado uma carta aos diretores das cinco escolas secundárias do Mindelo apresentando o estudo e solicitando uma reunião33 na qual se discutiam os procedimentos para a realização do estudo. O processo de aplicação dos questionários foi coordenado pelas próprias escolas em concertação com a autora. Os alunos selecionados para a amostra eram separadas por escolas e as listas entregues a funcionários indicados pelos diretores de cada escola para reunirem os alunos nas salas disponibilizadas (uma média de vinte alunos por sala). A exiguidade dos espaços disponibilizados exigiu, em algumas escolas, várias deslocações para a aplicação dos questionários.

O questionário, era aplicado pela própria autora do estudo, que os entregava no momento da aplicação e esclarecia aos alunos o motivo do estudo, os critérios e o processo através do qual foram selecionados, a importância da sua colaboração e o seu direito a recusa em colaborar. Era-lhes garantido a confidencialidade das respostas e

32 Ver Anexo nº 2.

33 Ver o ponto 3.3.4 “Procedimentos”; ver Anexo nº 1.

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explicados a natureza das questões presentes no questionário, o significado das escalas de resposta e a forma de responde-las. Clarificava-se finalmente o facto de não se tratar de um teste pelo que não haviam respostas erradas e que estas deveriam refletir aquilo que realmente sentiam ou vivenciavam e não como achavam que deveria ser.

Algumas medidas foram igualmente tomadas no sentido de assegurar, na mente dos respondentes, a confidencialidade das suas respostas, nomeadamente o uso de uma caixa onde os alunos colocavam os questionários preenchidos, a explicação da forma como os dados seriam analisados e a distribuição dos alunos em carteiras individuais.

Embora fosse disponibilizado um período de 50 minutos para o preenchimento do questionário este era preenchido numa média de 30 minutos (efetivamente o tempo estimado aquando da realização do pré-teste).

4 – Análise Estatística

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Após a recolha dos dados, procedeu-se a verificação de dados procurando eventuais questionários incompletos ou preenchidos incorretamente. Os questionários foram numerados e introduzidos manualmente utilizando o SPSS para o Windows (Statistical Package for Social Science - versão 17.0). A análise dos dados foi realizada com a versão 21.0 do mesmo programa.

No tratamento e análise estatístico dos dados foram utilizados:

(i) Estatísticas descritivas com apresentação das frequências e percentagens para dados nominais, médias e desvios padrão para as variáveis quantitativas 34;

(ii) teste t-student para amostras independentes para localização de valores significativos na comparação de grupos dicotómicos.

(iii) ANOVA para análise de diferenças entre três ou mais condições.

Nas conclusões apresentadas sobre todas as estatísticas calculadas, assumiu-se um nível de confiança de 95% e um nível de significância de 0,05. Na descrição dos resultados, sempre que não existirem diferenças significativas entre os grupos diferenciais da amostra (nomeadamente de sexo, idade, escolaridade ou comunidade de proveniência), assume-se que pertencem ao mesmo universo relativamente à variável em causa e que os valores médios da amostra representam adequadamente os diferentes grupos dado a probabilidade dessas diferenças deverem-se ao mero acaso.

A seguir se apresentam os dados das análises realizadas na amostra nas dimensões avaliadas.

34 No presente trabalho, como é convencional, os valores numéricos ligados com as respostas aos itens do questionário serão tratados como tendo sido obtidas de uma escala métrica.

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5 - Resultados

5.1 - Perceção de Nível Financeiro

O nível socioeconómico configura-se como fator crítico no desenvolvimento de muitas crianças e jovens, na medida em que se relaciona com o maior ou menor acesso à bens básicos como saúde, educação ou perspetivas de vida (nomeadamente oportunidades de emprego e habitação própria ou opções de lazer) bem como tende a definir um maior ou menor grau de organização e coesão da estrutura familiar (Simões 2008). A perceção dos inquiridos relativamente ao nível financeiro das suas famílias parece marcada pela vivência de dificuldades económicas, conforme se observa na Tabela 4. A maioria dos adolescentes da amostra refere que suas famílias enfrentam “as vezes” dificuldades económicas, sendo 62,4% o total dos que relatam problemas económicos no seio de suas famílias. Vale ressaltar entretanto que um quinto dos alunos inquiridos afirma nunca enfrentar dificuldades económicas.

Tabela 4 – Frequência em que atravessam por dificuldades

Família convive com dificuldades económicas N %

Nunca 44 20,2

Raramente 38 17,4

As Vezes 97 44,5

Frequentemente 29 13,3

Sempre 10 4,6

Total 218 100

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A análise de variância apresentou diferenças significativas entre as diferentes comunidades estudadas ao se posicionarem numa escala de 1 (Nunca) a 5 (Sempre) relativamente a frequência com que atravessam por problemas económicos (F(8)= 2,366; p = 0,019). Conforme a Tabela 5, os adolescentes provenientes da comunidade do Calhau/Ribeira de Calhau, tendem a apresentar em média, cotações ligeiramente mais altas relativamente a atribuição da frequência com que as suas famílias convivem com dificuldades económicas, seguidos dos adolescentes provenientes de Passarão. Os adolescentes provenientes da Zona de Rª de Julião, tenderam a apresentar médias de cotações mais baixas relativas à esse item.

Tabela 5 – valores médios para o item “família convive com dificuldades económicas”, por comunidade de proveniência numa escala de 1 (nunca) à 5 (sempre).

Média Desvio Padrão

Calhau / Rª de Calhau 3,22 1,184

Norte de Baía 2,56 0,726

São Pedro 2,62 0,960

Salamansa 2,71 1,329

Lameirão 2,36 1,002

Passarão 3,07 0,594

Rª de Vinha 2,55 0,999

Madeiral 2,42 1,443

Rª de Julião 2,26 0,950

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Verificou-se igualmente que mais de metade dos inquiridos relatam dificuldades em adquirir materiais escolares (Tabela 6) e uma percentagem expressiva refere faltar dinheiro para o lanche (Tabela 7).

Tabela 6 – Frequência em que enfrentam dificuldades em adquirir Materiais escolares

Dificuldade em Adquirir Materiais Escolares N %

Nunca 69 31,7

Raramente 32 14,7

As Vezes 84 38,5

Frequentemente 23 10,6

Sempre 10 4,6

Total 218 100

Tabela 6 – Frequência em que revelam faltar dinheiro para o lanche

Faltar dinheiro para o Lanche N %

Nunca 54 24,8

Raramente 29 13,3

As Vezes 92 42,2

Frequentemente 33 15,1

Sempre 10 4,6

Total 218 100Em particular a questão do lanche, deve ser considerada em função do dado complementar de que 89% desses alunos viajam diariamente para a cidade para

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assistirem as aulas, uma distância avaliada por 58,7% destes como “grande” ou “enorme” em termos de tempo gasto para ser percorrido.

As dificuldades económicas refletem ainda no nível de vida dos inquiridos limitando as opções de lazer. De facto 42,2 % dos inquiridos refere por vezes faltar dinheiro para participar nas mesmas atividades de lazer que os colegas, ainda que uma alta percentagem dos adolescentes refiram nunca ou raramente sentirem-se limitados nas suas opções de lazer por falta de dinheiro.

Tabela 6 – Frequência em que referem Faltar dinheiro para o lazer

Faltar dinheiro para o lazer N %

Nunca 49 22,5

Raramente 41 18,8

As Vezes 92 42,2

Frequentemente 21 9,6

Sempre 15 6,9

Total 218 100

5.2 - Ambiente Familiar

A qualidade do ambiente familiar e das relações entre os seus membros, tem sido encarado como importante fonte positiva de adaptação em adolescentes e jovens, com influência a nível da adaptação escolar, bem-estar e grau de envolvimento em comportamentos de risco ou delinquência (Gaspar, 2008).

Conforme indica a Tabela 8, a maioria dos inquiridos tem uma perceção positiva do ambiente familiar, classificando-o como “agradável” ou muito “agradável”.

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Tabela 8 – Distribuição de respostas para a percepção do ambiente familiar

Perceção do ambiente Familiar N %

Muito Desagradável 5 2,3

Desagradável 5 2,3

Regular 25 11,5

Agradável 101 46,3

Muito Agradável 82 37,6

Total 218 100

Rapazes e raparigas apresentaram perceções semelhantes do ambiente vivido em seus lares. Numa escala de 1 (Muito Desagradável) à 5 (Muito Agradável), a média das respostas ao item referente foram 4,24 para os rapazes (desvio padrão 0,754) e 4,08 para as raparigas (Desvio padrão 0,952). Embora os dados mostram uma tendência das raparigas a terem perceções mais negativas não se encontraram diferenças significativas (t(216)= 1,380; p < 1,169), sendo a disparidade dos valores atribuíveis ao acaso.

Quando se comparou as diferentes comunidades estudadas relativamente as perceções do ambiente familiar na mesma escala, encontraram-se diferenças significativas entre as cotações médias (F(8)= 2,000; p = 0,048), indicando que os adolescentes da zona do Lameirão, Madeiral e Salamansa tendem a ter perceções mais positivas do ambiente familiar, enquanto que nas zonas de Rª de Vinha, Calhau / Rª de Calhau, Rª de Julião e Passarão tendem a ter as perceções mais negativas do ambiente vivido em suas casas (ver Tabela 9).

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Tabela 9 – valores médios das perceções do ambiente familiar por zona de procedência, numa escala de 1 (muito desagradável) à 5 (muito agradável).

Média Desvio Padrão

Calhau / Rª de Calhau 3,91 1,146

Norte de Baía 4,11 0,782

São Pedro 4,24 0,830

Salamansa 4,39 0,629

Lameirão 4,55 0,671

Passarão 4,00 0,655

Rª de Vinha 3,85 1,348

Madeiral 4,42 0,669

Rª de Julião 3,94 0,639

Em relação ao nível de violência percebido em seus lares, embora a maioria dos inquiridos refira um ambiente familiar pacífico, uma percentagem elevada desses jovens refere vivenciar algum grau de violência verbal entre os adultos (Tabela 10). A maioria dos inquiridos não refere nenhum grau de violência física entre os adultos em seu lar (Tabela 11).

Tabela 10 – Frequência em que assistem a discussões

Assistir a discussões N %

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Nunca 68 31,2

Raramente 64 29,4

As Vezes 74 33,9

Muitas Vezes 5 2,3

Frequentemente 7 3,2

Total 218 100,0

Tabela 6 – Frequência em que assistem a agressões

Assistir a agressões N %

Nunca 175 80,3

Raramente 25 11,5

As Vezes 17 7,8

Muitas Vezes 1 0,5

Total 218 100,0

Entretanto, uma percentagem considerável dos inquiridos (cerca de um quinto) refere que os adultos em sua casa agem com eles de forma a causar desconforto, medo ou dor (Tabela 12).

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Tabela 12 – Frequência em que são alvo de maus-tratos

Ser alvo de ações que causam desconforto, medo ou dor

N %

Nunca 137 62,8

Raramente 31 14,2

As Vezes 39 17,9

Muitas Vezes 6 2,8

Frequentemente 5 2,3

Total 218 100,0

Comparando os valores médios relativos ao sentimento de ser maltratado(a) em seu lar, numa escala de 1 (Nunca) a 5 (Frequentemente), os rapazes atribuíram cotações médias de 1,38 (desvio padrão 0,72), enquanto as raparigas atribuíram valores médios de 1,88 (desvio padrão 1,12). A diferença entre esses valores foi significativa (t (216) = -3,738; p <0,001), indicando serem as raparigas as que mais se sentem maltratadas em seu lar.

Outro dado importante relativamente a qualidade do ambiente familiar é a proporção de inquiridos que refere o álcool como um problema ou agravante dos problemas existentes em seus lares (Tabela 13). De assinalar que apenas 24,8% (menos de um quarto) dos inquiridos não vê o álcool como a causa ou agravante de problemas em seus lares.

Tabela 13 – Grau em que o álcool é percebido como causa de problemas em seus lares

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Perceber o álcool como problema em seu lar N %

Discordo plenamente 30 13,8

Discordo 24 11,0

Não concordo nem discordo 68 31,2

Concordo 49 22,5

Concordo Plenamente 47 21,6

Total 218 100,0

5.3 - Esfera Escolar

A esfera académica é representada pelos inquiridos como uma dimensão muito importante das suas vidas e para o seu futuro, percecionado como uma via para modificar as suas condições de vida e a das suas famílias. Com efeito quando convidadas a cotar a importância que atribuem aos estudos em sua vida, numa escala de 1 a 5, a cotação média foi de 4,57 (Tabela 14). Numa escala análoga, obtiveram-se cotações igualmente altas o grau de importância atribuída aos estudos para o seu futuro e a crença nos estudos como via para modificar a sua situação social e a da sua família.

Tabela 14 – valores médios para a importância atribuida aos estudos em suas vidas, para os seus futuros e crença nos estudos como meio de mobilidade social

Média Desvio Padrão

Importância atribuída aos estudos em sua vida 4,57 0,691

Importância atribuída ao estudo para a sua vida futura 4,23 0,898

Crença nos estudos como via para modificar a situação social

4,54 0,693

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n= 218

Considerando a idade, os adolescentes mais velhos (maiores de 15 anos) tendem a atribuir maior importância aos estudos (Média 4,74; desvio padrão 0,494) em relação aos mais jovens (Média 4,46; desvio padrão 0,772) (t(216) = -2,915; p 0,004).

Coerentemente, quando se comparou os adolescentes por nível de escolaridade utilizando a ANOVA, conforme mostra a Tabela 15, a importância atribuída ao estudo tende a aumentar conforme aumenta o nível de escolaridade, apresentando os alunos dos graus mais avançados atribuições médias maiores (F (5) = 3, 684); p= 0,003).

Tabela 15 – valores médios da importância atriuida aos estudos por grau de escolaridade, numa escala de 1 a 5

Média Desvio Padrão

7º ano 4,35 0,869

8º ano 4,55 0,550

9º ano 4,75 0,480

10º ano 4,81 0,483

11º ano 4,76 0, 441

12º ano 5,00 0,000

n=218

A ANOVA demonstrou igualmente que os adolescentes parecem atribuir importância diferente aos estudos consoante a comunidade em que se inserem (F(8) = 3,715; p < 0,001), apresentando os alunos provenientes de Norte de Baia e de Lameirão as atribuições médias mais altas enquanto os alunos provenientes de Passarão e Madeiral apresentaram as atribuições médias mais baixas (ver Tabela 16).

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Tabela 16 - valores médios da importância atribuída aos estudos por zona de proveniência, numa escala de 1 a 5

Média Desvio Padrão

Calhau / Rª de Calhau 4,66 0,483

Norte de Baía 4,89 0,333

São Pedro 4,53 0,505

Salamansa 4,57 0,504

Lameirão 4,82 0,395

Passarão 4,33 1,047

Rª de Vinha 4,70 0,470

Madeiral 3,671,614

Rª de Julião 4,63 0,598

n=218

Em relação a perceção da qualidade do ambiente escolar, ressalta-se que uma percentagem expressiva desses adolescentes (48, 1%) relatou sentir, em alguma medida, tratado de forma diferente na escola por pertencer as zonas distanciadas da cidade (ver Tabela 17). Por outro lado, destaca-se que mais de um terço dos inquiridos refere “Nunca” poder contar com os professores quando atravessa por problemas (ver Tabela 18).

Tabela 17 – Frequência em que se sentem discriminados na escola

Sentir-se tratado de forma diferente na escola por não ser da cidade

N %

Nunca 90 41,3

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Raramente 23 10,6

As Vezes 56 25,7

Muitas Vezes 40 18,3

Frequentemente 9 4,1

Total 218 100,0

Tabela 18– Grau em que sentem poder contar com os professores em momentos dificeis

Contar com professores quando atravessa por problemas

N %

Nunca 82 37,6

Raramente 52 23,9

As Vezes 60 27,5

Muitas Vezes 7 3,2

Sempre 17 7,8

Total 218 100,0

Os alunos que frequentam a escola LLL relataram mais frequentemente sentirem-se tratados de forma diferente por pertencerem as zonas periféricas, enquanto que os alunos da escola ESJAP relataram menos frequentemente sentirem essa discriminação. Numa escala de 1 (Nunca) a 5 (frequentemente), os valores médios relativamente a essa variável foi de 1,97 (desvio padrão = 1,228) para os alunos da escola ESJAP, 2 (desvio padrão = 0,966) para os alunos da EICM, 2,57 (desvio padrão = 1,134) para os alunos da ESAO, 2,74 (1,293) para os alunos da ESJB e 3,06 (desvio padrão = 1,289) para os alunos da Escola LLL.

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A probabilidade dessas diferenças terem decorrido por erro amostral, na ausência de diferenças reais na população estudada, é muito pequena (F(4) = 6,028; p < 0,001).

5.4 - Suporte Social Formal

O suporte social reporta a diferentes aspetos das relações sociais, organizando-se em termos de quantidade ou tipo particular de relação social, da estrutura das relações e da função, compreendendo este último, o grau em que essas relações implicam elementos afetivos, instrumentais ou de ajuda tangível e informação (Rodríguez Marín1999).

A dimensão instrumental estabelece-se muitas vezes a partir da ajuda formal, isto é, provida por organizações de ajuda formalizadas (como hospitais, serviços de saúde, programas governamentais) ou de profissionais (psicólogos, médicos, assistentes sociais, etc) (Duns e Trivete, citado por Ribeiro, 1999). Embora as pessoas tendem a valorizar mais as relações informais (Thoits, citado por Ribeiro, 1999), Garmezy (citado por Simões, 2008) salienta o facto de que apenas o empenho pessoal e familiar poderem não ser condição suficiente para que a resiliência seja alcançada. O envolvimento das comunidades e de instituições governamentais é necessário para o desenvolvimento de contextos promotores de resiliência.

O grau de suporte social formal percebido por estes jovens é, entretanto muito ténue. Do total dos inquiridos apenas 16,5 %, acredita poder contar com o governo, sendo expressiva a percentagem de inquiridos que acreditam nunca poder contar com o governo (Tabela 19).

Tabela 19– Grau em que sentem poder contar com governo

Contar com o governo N %

Nunca 141 64,7

Raramente 41 18,8

Às vezes 24 11,0

Muitas vezes 5 2,3

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Sempre 7 3,2

Total 218 100,0

Por outro lado, 61,5% destes jovens afirmam que não existem ou desconhecem existir em suas comunidades, instituições ou associações organizadas para oferecer assistência ou ajuda às pessoas necessitadas. Dos que afirmam conhecer a existência destas instituições ou organizações (n=89), a maioria (79,8%) afirma que recebeu deles “pouco” ou “nenhum” apoio (ver Tabela 20).

Tabela 20 – Distribuição de respostas relativas a apoios recebidos de instituições ou organizações formais de ajuda

Receber apoios N %

Nenhum Apoio 51 57,3

Pouco Apoio 20 22,5

Médio 7 7,9

Muitos Apoios 8 9,0

Bastantes Apoios 3 3,4

Total 89 100,0

Por outro lado o apoio oferecido por estas instituições não parece ser percebido como estando disponível em resposta aos seus pedidos de ajuda e assistência. De facto, menos de 7% dos inquiridos acredita poder contar com ela “sempre” ou a “maioria das vezes” nos momentos em que atravessam por problemas, sendo expressiva a percentagem de inquiridos que refere “nunca” ou raramente poder contar com ela (Tabela 21).

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Tabela 21 – grau em que acreditam contar com a ajuda de instituiçõers ou organizações formais de ajuda

Contar com instituições quando atravessa por problemas

N %

Nunca 138 63,3

Raramente 31 14,2

Às vezes 35 16,1

Maioria das vezes 3 1,4

Sempre 11 5,0

Total 218 100,0

5.4 - Perceção De Apoio Comunitário

Os adolescentes da amostra demonstram uma perceção positiva de suas comunidades, relacionado a perceção de incentivo dado pelos membros dos mesmos para prosseguir os estudos (ver Tabela 22) e ao sentimento de orgulhoso em pertencer a sua comunidade (Tabela 23).

Tabela 22 – Frequência em que são incentivados aos estudos pelos membros de suas comunidades

Ser incentivado aos estudos pelas pessoas da comunidade

N %

Nunca 21 9,6

Raramente 30 13,8

Ás Vezes 63 28,9

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Muitas Vezes 70 32,1

Frequentemente 34 15,6

Total 218 100,0

Tabela 23 – Grau em que se sentem orgulhosos de suas comunidades

Sentir Orgulho de sua Comunidade N %

Nada Orgulhoso 7 3,2

Pouco Orgulhoso 21 9,6

Medianamente Orgulhoso 15 6,9

Orgulhoso 58 26,6

Muito Orgulhoso 117 53,7

Total 218 100,0

Quando solicitados que cotassem o grau de orgulho que sentem em pertencer a sua comunidade, numa escala de 1 (Nada Orgulhoso) à 5 (Muito Orgulhoso), foram os adolescentes provenientes de São Pedro os que relataram sentir maior orgulho em sua comunidade (Média = 4, 64; desvio padrão = 0,645), seguidos dos provenientes de Madeiral (Média = 4,50; desvio padrão = 0, 674) e Salamansa (Média = 4,50; desvio padrão = 0, 793).

Os adolescentes que relataram menor orgulho em suas comunidades foram os provenientes de Rª de Julião (Média = 3,43; desvio padrão = 1,420), Rª de Vinha (Média = 3,80; desvio padrão = 1,240) e Lameirão (Média = 3,95; desvio padrão = 1,245). Os adolescentes de Norte de Baia, Calhau/Rª de Calhau e Passarão apresentaram cotações médias de 4,44 (desvio padrão = 1,014), 4,34 (desvio padrão = 1,125) e 4 (desvio padrão = 1) respetivamente. As diferenças entre estes valores médios foi significativa (F(8) = 4,444; p < 0,001).

Em relação a perceção de suporte baseado no espírito de entreajuda entre as pessoas da comunidade, cerca de um terço refere “muito” ou “bastante”, sendo as respostas mais

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diferenciadas dentro da amostra do que em relação ao orgulho em pertencer as mesmas (tabela 24).

Tabela 24 – Grau de entreajuda percebida entre os membros de suas comunidades

Entreajuda na comunidade N %

Muito Pouco 33 15,1

Pouco 46 21,1

Médio 65 29,8

Muito 46 21,1

Bastante 28 12,8

Total 218 100,0

Quando solicitados que cotassem numa escala de 1 (Muito pouco) a 5 (Muito) a presença de espírito de entreajuda em suas comunidades, a análise de variância mostrou diferenças significativas entre os adolescentes segundo a localidade de proveniência (F(8) = 2,707; p = 0,007), indicando, conforme se vê na Tabela 24 serem os adolescentes de Norte de Baia os que mais percebem a entreajuda entre os membros de sua comunidade. Os adolescentes de Passarão, Rª de Vinha, Lameirão e Rª de Julião forneceram cotações mais baixas relativamente quantidade de entreajuda percebida entre os membros de sua comunidade.

Tabela 25 – cotações médias de grau percebido de espírito de entreajuda em suas comunidades

Média Desvio Padrão

Calhau / Rª de Calhau 3,34 1,310

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Norte de Baía 3,78 0,833

São Pedro 2,80 1,160

Salamansa 3,39 1,166

Lameirão 2,68 0,945

Passarão 2,40 1,242

Rª de Vinha 2,55 1,468

Madeiral 3,42 1,311

Rª de Julião 2,71 1,202

n=218

5.5 - Apoio Social Informal

Em relação ao apoio estabelecido em moldes informais, a principal figura de referência no que se refere a relações de confiança, aceitação e compreensão, parecem ser os amigos. De facto, quando pedidos que referissem a pessoa com quem desabafam preferencialmente, 60,5 % dos inquiridos elegem os seus amigos, seguido dos que elegem as mães (19,5%) ou outras figuras de referência (ver Tabela 26). A presença do pai como confidente foi ínfima.

Tabela 26 – distribuição de respostas sobre a pessoa com que desabafam preferencialmente

Com quem desabafa N %

Amigos 127 60,5

Mãe 41 19,5

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Irmão 17 8,1

Familiar Próximo 13 6,2

Pai 4 1,9

Outro 4 1,8

Total 206 100,0

Quando questionados sobre o grau em que sentem a presença em suas vidas de pessoas a quem podem realmente chamar de amigos, numa escala de 1 (Muito Poucos) a 5 (Bastantes), a média de respostas é de 3,39 (desvio padrão=1,198). Em relação a presença de alguém com quem desabafar numa escala semelhante, a média foi de 3,85 (Desvio Padrão 1,330).

Quando se solicitou aos inquiridos que classificassem as fontes de apoio social em circunstâncias em que atravessam por problemas, numa escala de 1 a 5, esses jovens classificaram a família nuclear como a principal fonte de apoio, seguida dos amigos(as) e família alargada (ver Tabela 27). Em quarto lugar aparece o apoio fornecido por um adulto que não é familiar nem professor. A figura do(a) professor(a) recebeu a média de cotações mais baixa enquanto fonte de apoio nos momentos difíceis.

Tabela 27- Cotações médias das fonte de apoio quando atravessam por problemas, numa escala de 1 à 5.

“Quando tens problemas, podes ou não contar com…?”

Média Desvio Padrão

Família nuclear 3,64 1,233

Amigos 3,46 1,281

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Família alargada 3,18 1,338

Um outro adulto que não é professor ou familiar 2,55 1,277

Professores 2,2 1,202n=218

Considerando a idade, encontraram-se diferenças significativas no que se refere ao apoio que consideram esperar de adultos fora do ambiente familiar ou escolar (t(216) =2,215; p 0,028), tendendo os mais velhos (maiores de 15 anos) a atribuir cotações mais altas (Média = 2, 79; desvio padrão 1,203) que os mais jovens (Média = 2,40; desvio padrão 1,304) relativamente ao grau de confiança que depositam nessas relações.

Comparando os adolescentes das diferentes comunidades relativamente ao grau de apoio que esperam da família, encontraram-se diferenças significativas (F(8) = 3,715; p <0,001), indicando, conforme mostra a Tabela 28, serem os adolescentes provenientes de Madeiral e Norte de Baía os que atribuíram cotações médias mais altas. As cotações mais baixas relativas a esse item foram encontradas em adolescentes provenientes das comunidades de Salamansa, Ribeira de Vinha e Passarão.

Tabela 28- Cotações médias atribuída a confiança depositada no apoio fornecido pela família quando atravessam por problemas, numa escala de 1 à 5, por comunidade de proveniência.

Média Desvio Padrão

Calhau / Rª de Calhau 3,63 1,238

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Norte de Baía 4,33 0,866

São Pedro 3,80 1,079

Salamansa 3,29 1,117

Lameirão 3,82 1,097

Passarão 2,53 1,187

Rª de Vinha 3,50 1,469

Madeiral 4,67 0,651

Rª de Julião 3,66 1,327

n=218

Ainda em relação ao apoio familiar (família nuclear) em momentos difíceis, os rapazes atribuíram cotações médias de 3,93 (desvio padrão = 1,188) enquanto as raparigas atribuíram cotações médias de 3,44 (desvio padrão = 1,228). As diferenças foram significativas (t(216) = 2,975; p = 0,003), indicando que os rapazes tendem a atribuir maior grau de confiança ao apoio familiar.

5.6 - Esperança E Religiosidade

A crença religiosa, como afirmam Peres, Simão e Nasello (2007) constitui uma parte importante da cultura, dos princípios e dos valores utilizados pelas pessoas para o processamento de informações, nomeadamente fornecendo uma estrutura que ordena e confere sentido a eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis.

Quando questionados sobre o grau em que sentem poder contar com a ajuda de Deus quando atravessam por problemas numa escala de 1 (nunca) a 5 (Sempre), a média do grupo foi 4, 26 (Desvio Padrão 1,222; N=218).

Relativamente ao sentimento de esperança e a capacidade para ver os problemas como transitórios, a cotação média numa escala de 1 a 5 foi de 4,45 (Desvio Padrão 0.890)

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A aptidão para manter a esperança e ver os problemas como transitórios parecem ser influenciados pelo grau de escolaridade, apresentando os adolescentes do primeiro ciclo (7º e 8º graus de escolaridade) valores médios significativamente menores (t(216) = - 2,034; p = 0,043), designadamente de 4,35 (desvio padrão = 0,987) em relação aos 4,59 (desvio padrão = 0,715) dos alunos nos ciclos mais avançados.

5.7 - Auto-Eficácia

A teoria de Bandura (2001) sugere que é a crença nas nossas capacidades, competências e potencialidades das nossas ações para produzir resultados (autoeficácia) que explica a discrepância entre aquilo que somos capazes de fazer e suportar e aquilo que de facto fazemos ou suportamos. Assim, o que se pensa de si próprio e de suas capacidades, tem uma influência fundamental na motivação, na ação e nas reações que experimentamos em diferentes situações, reduzindo ou aumentando a vulnerabilidade ao stress.

Avaliou-se as autopercepções de eficácia dos inquiridos relativamente a capacidade percebida para vencer obstáculos, avaliar positivamente as situações e o grau em que confiam em suas próprias capacidades intelectuais para resolver os problemas que atravessam.

Numa escala de 1 a 5 a média do grupo foi de 4,3 (Desvio Padrão 1,108) para a capacidade percebida para vencer obstáculos, 4,30 (Desvio Padrão 0, 955) para a capacidade para avaliar positivamente as situações e 3, 96 (Desvio Padrão 1,055) para o grau de confiança depositado em sua própria inteligência nos momentos em que atravessam por problemas.

A idade parece influenciar a capacidade atribuída pelos inquiridos de avaliar positivamente as situações problemáticas que atravessam, sendo que numa escala de 5 pontos, os mais velhos (maiores de 15 anos) apresentaram cotações médias de 4,20 (desvio padrão 0,915) enquanto os mais jovens apresentaram cotações médias de 3,81, uma diferença estatisticamente significativa (t(216)= -2686; p =0,008).

Coerentemente, quando se comparou os adolescentes do primeiro ciclo do ensino secundário (7º e 8 graus de escolaridade) com os ciclos mais avançados (do 9º ao 12º graus), em relação capacidade atribuída de avaliar positivamente as situações problemáticas que atravessam, observou-se diferenças significativas (t(216) = 2,684; p = 0,008), apresentando estes, atribuições médias mais baixos (Média = 3,80; desvio padrão = 1,099) do que os alunos dos ciclos posteriores (Média = 4,19; desvio padrão = 0,953).

xci

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Os alunos do primeiro ciclo revelaram igualmente menor crença nas suas próprias capacidades para resolver os problemas que atravessam (t(216) = 3,471; p = 0,001). Quando solicitados que cotassem o grau em que confiam nas suas próprias capacidades quando atravessam por problemas esses adolescentes atribuíram cotações médias de 3,91 (desvio padrão = 1,228) enquanto que os restantes ciclos apresentaram atribuições médias de 4,43 (desvio padrão = 0,832).

5.8 - Qualidade De Vida: Autoavaliação De Saúde, Felicidade, Perceção De Ajustamento,.

A saúde subjetiva ou perceção de bem-estar são considerados aspetos importantes na promoção de saúde e indicadores relevantes na área da saúde pública, representando um relevante indicador de problemas na adolescência (Gaspar, T; Matos, M; Ribeiro, J; Gonçalves, A, 2008).

A perceção de saúde dos inquiridos, avaliados numa escala de 1 (muito má) à 5 (muito boa), foi de 3,90 (desvio padrão = 0,948). De facto, a maioria dos inquiridos relatou perceções de saúde boa ou muito boa, sendo muito pequena a percentagem dos que relataram sentirem-se de má ou muito má saúde (Tabela 29).

Tabela 29 – distribuição de respostas para Autopercepção de saúde

Autoavaliação de Saúde N %

Muito Má 3 1,4

Má 8 3,7

Rasoável 67 30,7

Boa 69 31,7

Muito Boa 71 32,6

Total 218 100,0

Avaliando o grau em que se consideram pessoas felizes, cerca de três quartos dos adolescentes referiu sentir-se feliz ou muito feliz.

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Tabela 30 – distribuição de respostas para Autopercepção de saúde

N %

Muito Infeliz 12 5,5

Infeliz 3 1,4

Razoavelmente Feliz 39 17,9

Feliz 96 44,0

Muito Feliz 68 31,2

Total 218 100,0

Quando solicitados que avaliassem o seu próprio comportamento, a maioria considera comportar-se bem ou muito bem (Tabela 30).

Tabela 30 – distribuição de respostas para Autopercepção de comportamento

N %

Muito Mau 1 0,5

Mau 4 1,8

Suficiente 24 11,0

Bom 95 43,6

Muito Bom 94 43,1

Total 218 100,0

Da comparação entre rapazes e raparigas obtiveram-se diferenças estatisticamente significativas relativamente a forma como avaliam o seu próprio comportamento (t(216)

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= -3,770; p <0,001). Quando solicitados que se autoavaliassem numa escala de 1 a 5 as raparigas apresentaram avaliações mais positivas (Média = 4,43, desvio padrão = 0,672) do que os rapazes (Média = 4, 04, desvio padrão = 0,833).

5.8 - Vivência De Situações Emocionalmente Marcantes

As situações potencialmente stressantes podem ser categorizados em cinco categorias conforme proposto por Evans e Cohen (citados por Simões, 2008):

Acontecimentos significativos de vida, compreendendo eventos circunscritos no tempo, de grande carga emocional, mas pelos quais a maioria das pessoas deverão passar em algum momento das suas vidas (por exemplo mortes, nascimentos, mudanças de residência, divórcio);

incómodos do dia a dia, que se referem a aborrecimentos mais ou menos transitórios, mas comuns ou habituais na vida da pessoa (por exemplo falta de dinheiro ou tempo livre).

tensões crónicas, envolvem dificuldades mantidas no tempo (por exemplo pobreza ou conflitos familiares).

Acontecimentos catastróficos ou traumáticos (por exemplo desastres naturais)

Stressores ambientais, mais ou menos permanentes e menos modificáveis como a poluição sonora ou do ar.

A maioria dos participantes do presente estudo (67 %) afirma ter passado por muita coisa difícil em suas vidas. Questionados sobre a circunstância ou acontecimento que mais afetou ou afeta as suas vidas até o momento em que respondiam ao questionário, as respostas variaram basicamente entre acontecimentos significativos de vida, tensões crónicas e incómodos do dia a dia35.

A Tabela 31enumera acontecimentos ou circunstâncias apontados pelos inquiridos como o que mais afetou as suas vidas. Conforme se pode observar, mais de um quinto dos respondentes refere a perda de um familiar como o acontecimento mais marcante em suas vidas. De um modo geral, os participantes parecem atribuir a acontecimentos significativos de vida uma maior influência sobre suas vidas (55,1%) do que outras categorias de acontecimento. 35 Os dados apresentados relativamente aos acontecimentos e circunstâncias significativas resultam de uma categorização sintética das respostas fornecidas pelos inquiridos.

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

É interessante notar que alguns inquiridos referem a distância em relação a escola e as dificuldades que encontraram para se adaptar ao contexto escolar como a circunstância que mais afetou ou afeta as suas vidas.

Tabela 31 – acontecimento ou circunstância que mais afetou as suas vidas

Situações emocionalmente marcantes N %

Acontecimentos significativos de vidaPerda de Familiar 63 29,4

Perda de Amigo 13 6,1Separação dos pais 15 7,0Doença (adoecimento e hospitalização) 26 12,1Interrupção Voluntária de Gravidez 1 0,5

Tensões Crónicas

Monoparentalidade 14 6,5Conflitos com os pais 8 3,7Ser Vítima de Preconceitos 2 0,9Sofrer Maus-tratos 4 1,9Conflito com os Pares 5 2,3Conflito Familiar 9 4,2Ter pais alcoólatras 3 1,4Dificuldades Económicas 14 6,5

Incómodos do dia a dia Distância em relação a escola 6 2,8Dificuldades de Adaptação ao Contexto Escolar 28 13,1

Acontecimento catastrófico ou traumático

Sofrer um Acidente rodoviário 3 1,4

Total 214 100

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Quando solicitados que avaliassem o grau de gravidade da situação descrita, mais de metade dos inquiridos a consideram grave ou muito grave, sendo que cerca de um quinto dos alunos avalia-a como “pouco grave” ou “nada grave” (tabela 32).

Tabela 32 – distribuição de respostas para Autoavaliação de comportamento

Autoavaliação de comportamentoN %

Nada Grave 29 13,3

Pouco Grave 23 10,6

Médio 40 18,3

Grave 67 30,7

Muito Grave 59 27,1

Total 218 100,0

Quando se comparou o grau de gravidade atribuída a situação descrita numa escala de 1 (nada grave) a 5 (muito grave), as raparigas apresentaram médias mais altas (Média = 3,67; desvio padrão = 1,256) do que os rapazes (Média = 3,20; desvio padrão = 1,424). As diferenças foram estatisticamente significativas (t(216) = -2,584; p = 0,010), o que indica diferenças ligadas ao género relativas a vivência de situações emocionalmente marcantes.

Relativamente ao grau em que consideram que a situação descrita já foi ultrapassada, mais de um terço dos inquiridos refere já a ter ultrapassado quase totalmente ou totalmente (Tabela 33). Entretanto uma percentagem expressiva refere-se ainda muito afetada.

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Tabela 33 – Grau em que consideram ultrapassada a situação emocionalmente mais marcante em suas vidas

N %

Nada 27 12,4

Um Pouco 52 23,9

Médio 57 26,1

Quase Totalmente 42 19,3

Totalmente 40 18,3

Total 218 100,0

Em relação a perdas por óbito, mais de metade dos inquiridos (54,2%) refere já ter perdido alguém próximo ou importante em suas vidas sendo a figura dos avôs/avós a mais referida (em 30,3% dos casos), conforme se vê na tabela 34.

Tabela 34 – Perdas por óbito

Perdas por óbito N %

Mãe/Pai 15 6,9

Irmão/Irmã 5 2,3

Avô/Avó 66 30,3

Outros 32 14,7

Nenhuma perda por óbito 100 45,9

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Total 218 100

6- Discussão Dos Resultados

O presente trabalho procurou caracterizar os fatores de vulnerabilidade e proteção relacionados a resiliência que poderão caracterizar mecanismos de adaptação em adolescentes das zonas periféricas de São Vicente, através da descrição de variáveis psicossociais associados aos sistemas familiares, escolares e comunitários.

Adotou-se uma perspetiva da Resiliência enquanto processo de adaptação positiva ante condições de desvantagem social ou no decurso de situações adversas, circunstancial a dimensão da adversidade, fatores de risco associados e recursos protetores disponíveis. Assim, e na medida em que a disponibilidade desses recursos parecem se caracterizar por ampla variação contextual (Martineau, 1999; Pesce et all, 2005; Rutter 1999; Bermejjo, 2010), procurou-se partir de uma abordagem mais ecológica e próximo a população visada. Neste sentido, através do estudo de variáveis identificadas a partir de relatos dos próprios adolescentes das localidades em estudo, buscou-se identificar os fatores que pudessem caracterizar recursos específicos das comunidades estudadas.

Essa informação poderá ser relevante para a reflexão sobre a promoção de resiliência na população estudada, atendendo as particularidades contextuais e culturais dos adolescentes e suas comunidades. Como observa Matos (2008), qualquer trabalho preventivo de ação direta sobre o individuo prevê-se aliado à uma abordagem dos principais cenários onde ela se move, bem como dos sistemas sociopolíticos mais latos, devendo em qualquer desses níveis visar alterações que produzem quer uma diminuição das situações de risco, quer uma ativação dos recursos de apoio.

Relativamente aos fatores que poderão potenciar processos de risco para o desenvolvimento desses adolescentes, ressalta-se a pobreza e a desvantagem social. Os dados do presente estudo refletem a condição de desvantagem social que caracteriza uma ampla parcela de adolescentes das comunidades periféricas da ilha de São Vicente. A vivência de dificuldades económicas é atestada neste estudo pela expressiva percentagem de inquiridos que referem enfrentar dificuldades económicas no seio de suas famílias (62,4%) e que relatam dificuldades em adquirir materiais ou faltar dinheiro para o lanche, bem como ter um limitado acesso à recursos diversificados de lazer devido a restrições económicas.

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Associado a esse contexto encontramos ainda a presença do álcool, referido por cerca de quatro a cada cinco inquiridos como a causa ou agravante de problemas vividos em seus lares, a exposição a violência (predominantemente verbal) e a vivência de algum grau de maus tratos, referida por cerca de um quinto dos participantes do presente estudo.

Aliado a pobreza e a desvantagem social, ressalta-se a fragilização dos recursos formais de apoio, quer em termos dos meios instrumentais e das infraestruturas objetivamente disponíveis (nomeadamente os de saúde e educação), como numa expressa perceção de desamparo em relação às organizações de ajuda formalizadas. Os dados do presente estudo corroboram esse quadro ao demonstrarem que os adolescentes dessas comunidades depositam pouca confiança no apoio que acreditam poder esperar do governo ou de instituições de caris social. Com efeito menos de 7% dos inquiridos acredita no apoio fornecido pelas organizações formais de suporte como resposta aos seus pedidos de ajuda e assistência em momentos difíceis.

A perceção de desamparo é extensiva ao contexto escolar, evidenciada pelo sentimento de discriminação referido em 48, 1% dos adolescentes da amostra inquirida, os quais afirmam sentirem-se tratados de forma diferente na escola por pertencerem as zonas periféricas. Por outro lado observou-se um reduzido grau de apoio esperado dos professores, sendo 61,5 % a percentagem de inquiridos que referem “Nunca” ou “raramente poderem contar com os professores. De facto, para alguns desses adolescentes (13,1%) as dificuldades de adaptação ao contexto escolar é apontada como a circunstância ou acontecimento que mais afetou ou afeta as suas vidas.

Entretanto considera-se que os indivíduos têm um papel ativo no impacto de um acontecimento, resultando que para além da natureza do acontecimento em si, a perceção desta como stressante é fundamental para o desencadeamento do stress (Bandura, 2001; Rutter, 1999). Quando se explorou as perceções dos inquiridos relativamente aos acontecimentos que consideram ter mais impacto em suas vidas, os dados evidenciam uma tendência desses adolescentes a serem mais afetados por acontecimentos significativos de vida, relativamente circunscritos no tempo, do que as tensões crónicas à que estão expostos ou aos incómodos do dia a dia associados aos seus contextos.

De facto, quando solicitados que descrevessem o acontecimento ou a circunstância que mais os afetou ou afeta as suas vidas, a maioria dos inquiridos (55,1%) menciona eventos significativos de vida, na maioria dos casos a perda de familiares. É interessante observar, por exemplo, que embora problemas relacionados ao alcoolismo sejam referidos em cerca de um a cada três adolescentes e a vivência de maus tratos em um a

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cada cinco desses adolescentes, a frequência com que esses fatores são referidos entre os problemas com maior impacto em suas vidas é muito pequena.

Em relação aos fatores protetores, os resultados obtidos evidenciam que esses adolescentes dispõem de adequados recursos individuais, familiares e comunitários, que podem ser mobilizados para fazer face as adversidades que poderão enfrentar num contexto onde a instabilidade económica e as dificuldades de acesso a saúde e educação representam desafios constantes ao desenvolvimento.

A maioria dos adolescentes percebe um forte incentivo dado pelos membros das suas comunidades para prosseguirem os estudos, ressaltando por outro lado, um forte sentimento de pertença, que se reflete no elevado sentimento de orgulho em suas comunidades. Outro aspeto importante e significativo nesta população, envolve o espírito de entreajuda entre os seus membros.

De uma forma geral os adolescentes pesquisados relatam adequado apoio emocional relativamente a presença de relações de confiança e fontes de amizade e a presença estável de alguém com quem desabafar. A perceção do ambiente familiar é de uma forma geral muito positiva, apresentando-se a família como a principal fonte de apoio nos momentos em que atravessam por problemas, e na qual depositam maior confiança nos momentos difíceis. A mãe é eleita como a principal referência familiar quando precisam desabafar e expor seus problemas.

Os amigos são outra importante fonte de apoio para estes jovens. Sendo com estes que desabafam preferencialmente, aparecem como a principal figura de referência no que se refere a relações de confiança, aceitação e compreensão. Realça-se por outro lado o apoio fornecido por um adulto fora do contexto familiar ou escolar, no qual muitos destes jovens parecem depositar confiança nos momentos em que atravessam por dificuldades.

Os resultados apontam igualmente adequados níveis de recursos individuais, nomeadamente a perceções de autoeficácia relativa a capacidade percebida para vencer obstáculos, avaliar positivamente as situações e confiança em suas próprias capacidades intelectuais para resolver os problemas que atravessam. A experiência religiosa e espiritual, o sentimento de esperança e a capacidade para ver os problemas como transitórios, representam outros recursos presentes na maioria desses adolescentes e que poderão ser mobilizados para ordenar e conferir sentido as dificuldades e eventos potencialmente stressantes que atravessam. Por outro lado os dados demonstraram perceções muito positivas dos adolescentes dessas comunidades relativamente a sua saúde e bem-estar, e ao grau em que se consideram pessoas felizes e ajustadas aos seus contextos escolares e comunitários.

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Ademais, os dados do presente estudo apontam para a influência das características distintivas da população em estudo sobre alguns dos potenciais fatores de risco e proteção identificados.

Relativamente as comunidades de proveniência, os adolescentes oriundos das comunidades de Ribeira de Vinha e Passarão parecem apresentar uma maior fragilização dos recursos de apoio familiar e comunitário, demonstrando perceções menos positivas do ambiente familiar, menor grau percebido de apoio familiar e menos espírito de entreajuda entre os membros de suas comunidades comparativamente às outras localidades envolvidas no estudo.

Os adolescentes provenientes da comunidade de Passarão estão ainda entre os que relatam com maior frequência enfrentar dificuldades económicas e entre os que atribuem menor importância aos estudos. Os adolescentes da comunidade de Rª de Julião, por outro lado, embora sejam os que relatam com menor frequência atravessar por dificuldades económicas, estão entre os que têm perceções menos positivas de seus ambientes familiares, menor orgulho em pertencer as suas comunidades, e entre aqueles que percebem menor espírito de entreajuda em suas comunidades.

Em relação ao sexo, observou-se que são as meninas que relatam mais frequentemente sentirem-se maltratas pelos adultos em seus lares, tendem a atribuir maior grau de gravidade as experiencias emocionalmente marcantes por que passaram e a depositam menor confiança no apoio familiar relativamente aos rapazes. Por outro lado tendem a avaliarem-se mais positivamente a forma como se comportam.

No que se refere a idade, os adolescentes mais velhos (maiores de 15 anos), parecem atribuir maior importância aos estudos, sentem-se mais capazes para avaliar positivamente e com serenidade os problemas que enfrentam e relatam mais frequentemente estabelecer relações de confiança e apoio com adultos fora do contexto familiar ou escolar. Por outro lado o grau de escolaridade parece ter um efeito significativo no desenvolvimento de recursos individuais, nomeadamente a capacidade para avaliar positivamente as situações problemáticas, manter a esperança e ver os problemas como transitórios, e a perceção de autoeficácia para resolver os problemas que enfrentam recorrendo aos seus próprios recursos intelectuais.

Antes de discutirmos a relevância e as implicações destes resultados para a elaboração de programas ou intervenções que visem a promoção da resiliência entre os adolescentes das comunidades estudadas, vale ressaltar algumas considerações metodológicas importantes para se avaliar o valor desses resultados.

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Em primeiro lugar é necessário considerar o presente estudo em termos do que ela se propõe (e naturalmente, do que ela não se propõe). Em rigor o presente estudo não se apresenta estritamente como um estudo de resiliência. Como adverte Rutter (1999), sendo a resiliência atrelada a vivência de situações de stress ou adversidade, não é possível estudar a resiliência sem se acautelar de que os indivíduos estudados sofreram de facto experiências que comportam um significativo incremento de risco para o desenvolvimento ou psicopatologia.

Assim, é importante distinguir entre indicadores e mecanismos de risco (Rutter,op cit). Por exemplo, embora a maioria dos adolescentes das populações estudadas neste trabalho refiram vivenciar dificuldades económicas e a pobreza esteja significativamente associada a problemas de desenvolvimento e psicopatologia (Gamezy, citado por Simões, 2008), ela não representa em si mesmo um mecanismo de risco, mas predispõe à outras variáveis que realmente medeiam o risco. Assim, embora expressiva, a percentagem de participantes no estudo que terá de facto vivenciadas situações de risco acrescido constitui uma minoria.

Por outro lado, não se procurou prever desfechos objetivos a partir das variáveis estudadas e a natureza transversal das medidas efetuadas (implicando um levantamento único e circunscrito dos dados) não representa o desenho mais adequado para o estudo da resiliência na medida em que múltiplas medidas é fundamental para controlar possíveis fontes de erro (Rutter, 1999). Assim o presente estudo não pretende avaliar a resistência dos adolescentes pesquisados ao stress e a adversidade, mas descrever os recursos familiares e comunitários que poderão potenciar processos de superação nesta população, sendo em função destes objetivos que as opções metodológicas foram definidas.

Salvaguarda-se o caráter subjetivo das medidas efetuadas. O Presente estudo centra-se nas perceções dos adolescentes, mais do que em “descrições factuais” dos seus contextos. Em relação a este aspeto é válido referir que essas perceções podem ser de alguma forma enganadoras. É valido assumir por exemplo que os dados relativos a vivência de dificuldades económicas poderão estar sub-representadas. Considera-se a natureza “sensível” da questão, ampliado pelo facto de em Cabo Verde a vivência de dificuldades económicas estar atrelada ao sentimento de dignidade pessoal ou familiar, patenteado pela máxima popular “não somos ricos, mas nunca passamos por dificuldades”. O mesmo poderá ser válido para outros itens presentes no questionário, como por exemplo ter passado por maus-tratos.

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O caráter marcadamente subjetivo das medições implica por outro lado que, quando por exemplo determinado inquirido refere que dada situação ou circunstância foi a que mais influenciou ou influencia a sua vida, essa correspondência não implica um encadeamento de causa e efeito, mas apenas a explicitação da significância que este acontecimento ocupa na vida deste indivíduo. Isto implica igualmente que o facto de o estudo basear-se em variáveis identificadas a partir de relatos dos próprios adolescentes, pode ter levado a omissão de outras variáveis potencialmente relevantes para o processo de resiliência nessa população, mas menos imediatamente disponíveis a autoperceção (p. e. inteligência, o temperamento, etc).

Essa opção metodológica justifica-se no entanto, por um lado face a influência comprovada das representações mentais sobre variáveis objetivas - por exemplo a correlação entre saúde subjetiva, indicadores biológicos e problemas de desenvolvimento (Gaspar et all, 2008) ou a influência das perceções de autoeficácia sobre o desempenho real (Bandura, 2001). Vale mencionar que se procurou reduzir a tendência respostas socialmente desejáveis, através de medidas que visavam assegurar na mente dos inquiridos o anonimato das suas respostas.

Por outro lado, e mesmo sem assumir necessariamente que as pessoas estão sempre em melhores condições de fornecer conhecimentos sobre si próprios, a sensibilidade cultural, nomeadamente pela observação próxima das realidades comunitárias e valorização de perceções e participação é apontado como valor básico para a obtenção de resultados efetivos em programas de intervenção (WHO, 1978; Rutter, 1999; Martins e Silva, 2000; Bermejo, 2010). Outro aspeto importante a ponderar, refere-se as diferenças encontradas entre os grupos distintivos da amostra, sobretudo quando as diferenças não foram particularmente grandes. De facto, não obstante as diferenças descritas serem significativas ao nível de p < 0.05, a probabilidade de acaso não é desprezível, devido as múltiplas comparações feitas sobre os dados, o que pode ter amplificado a probabilidade de acaso para além do valor p representado, considerando que essas diferenças não foram previstas a priori. Em relação a este aspeto considera-se o presente estudo de natureza exploratória e descritiva, devendo os resultados serem tomados como parciais e a serem analisados mais profundamente em estudos posteriores.

Não obstante estas observações, os dados sugeridos pelo presente estudo representam informação relevante sobre variáveis individuais e contextuais potencialmente ligadas a processos de resiliência nos adolescentes dessas comunidades.

Os dados sobre a pobreza e as desvantagens sociais são naturalmente redundantes em relação ao conhecimento disponível e a realidade patente nestes contextos. De facto, não

ciii

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

obstante o excecional desenvolvimento alcançado por Cabo Verde desde a independência nacional, determinando a sua atual integração no grupo de países de desenvolvimento médio, as condições sócio-económicas em que vive a grande maioria da sua população, é ainda marcadamente caracterizada pela pobreza (cerca de 30 % da população) e pelo desemprego (10,7 % da população ativa, abrangendo um total de 21.168 indivíduos), (INE, 2010). A primeira, mais elevada nos contextos rurais (44,3%), e o segundo mais elevado na ilha de São Vicente (14, 8%).

A tendência a coocorrência da pobreza com outras desvantagens sociais como o abuso de álcool, maus-tratos, desorganização e conflitos familiares, evidenciados na amostra estudada, está de acordo com o referido na literatura (Masten, 2004, Gamezy, citado por Simões, 2008; Gaspar, 2008), acentuando os processos de risco aos quais estes adolescentes estão sujeitos.

Como observa Matos (2008), a redução da exposição a fatores de risco é sempre um objetivo importante de qualquer programa preventivo, mas na maior parte das vezes simplesmente não é possível. O objetivo da intervenção poderá então passar pela redução do impacto desses fatores, promovendo ou acionando recursos pessoais, escolares, familiares e comunitários. A identificação de recursos específicos de cada comunidade revela-se então de grande importância no planeamento das intervenções.

Em relação aos recursos identificados no presente estudo, um aspeto relevante a destacar refere-se a compatibilidade entre os resultados do estudo preliminar com grupos focais, a sua relevância quantitativa na amostra estudada e a sua “validade teórica” face a literatura em resiliência. De facto, os recursos pessoais, familiares e comunitários referidos espontaneamente pelos adolescentes como fatores que os possibilita(ra)m superar experiências negativas, coincidem com variáveis apontados como fatores protetores pela evidência produzida em estudos sobre resiliência, nomeadamente o apoio comunitário, sentimento de pertença, apoio emocional e relações de confiança, apoio familiar, relação de confiança com um dos pais, amizades e relações positivas com os pares, esperança, e perceção de autoeficácia (Simões, 2008; Rutter, 1999; Bermejo, 2010; Masten, 2004).

Os valores apresentados em relação à estes recursos é coerente com os resultados de um estudo realizado em Cabo Verde em 2003, por investigadores portugueses da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade técnica de Lisboa e investigadores cabo-verdianos da Associação Zé Moniz em dezembro de 2003 (IHMT/UNL, FMH/ULT, AZM, 2003), o qual demonstrava igualmente bons recursos familiares e comunitários entre os adolescentes cabo-verdianos, representando a mãe a principal figura de apoio e confiança entre os elementos da família. No entanto contrariamente ao que apontava o

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estudo de 2003 em relação a generalidade dos adolescentes cabo-verdianos, os jovens das zonas periféricas de São Vicente, parecem sentir-se pouco integrados no contexto escolar, referindo sentimentos de discriminação e escasso apoio dos professores. Embora não tenhamos dados estatísticos disponíveis, é sabido da alta taxa de insucesso escolar entre os adolescentes dessas comunidades. Isto é aliás coerente com a amostra pesquisada, que revela que a frequência de alunos vai diminuindo conforme aumenta o grau de escolaridade. De facto a associação entre a condição de minoria e dificuldades de adaptação, insucesso e abandono escolar tem sido documentada (Gaspar, 2008). Este dado poderá constituir em fator de risco para esses alunos dado a importância da adaptação escolar quer como indicador de desenvolvimento quer como fator protetor (Simões, 2008). Inclusive os dados do presente estudo, como já vimos, apontam no sentido de uma influência do grau de escolaridade sobre outras variáveis que poderão ser importantes na mediação do risco face as adversidades atravessadas por estes adolescentes.

Para além das variáveis ligadas aos contextos familiares, comunitários ou geográficos (nomeadamente a distância em relação a escola), o parco apoio esperado dos professores por parte destes alunos poderá estar ligada à dificuldades de adaptação ao contexto escolar destes adolescentes, dado a importância do papel do professor na realização escolar dos alunos.

Conforme demonstra Carlson, Uppal e Prosser (citado por Gaspar) inclusive em relação à populações semelhantes a aqui estudada, a perceção de apoio por parte dos professores tem um efeito significativo sobre a autoestima. No entanto os dados da amostra não apontam no sentido de problemas de autoestima em relação a estes alunos, que de uma forma geral se descrevem como felizes ou muito felizes e capazes de enfrentar os seus problemas. Podemos conjeturar se o sentimento de discriminação poderá ter um papel importante no reforço daquilo a que podemos denominar de “identidade comunitária” (o orgulho em pertencer a sua comunidade), que poderá por sua vez ter um efeito protetor face à vivência de discriminação. Este poderá ser um aspeto interessante para explorar em estudos posteriores com essa população.

Não obstante as dificuldades de integração, estes alunos parecem ter representações muito positivas da escola, de resto semelhantes aos demais adolescentes cabo-verdianos (IHMT/UNL; FMH/UTL; AZM, 2003). Gonçalves e Neto (2001) não encontrando diferenças nas representações sociais da Escola entre alunos dos PALOP (incluindo Cabo Verde) e alunos portugueses, atribuíram a socialização escolar essa homogenização das representações.

cv

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Como observa Gaspar (2008), a escola representa um contexto estruturador que contribui para a normalização dos alunos, embora os seus contextos familiares permaneçam os mesmos, criando assim um desfasamento entre esses dois mundos. No entanto, como assevera esta autora citando Pereira (op cit), não é o aluno de uma cultura diferente da cultura escolar que está desadaptado da escola, mas o contrário, devendo a escola ser “um contexto dos vários contextos”. É interessante notar que o presente estudo aponta no sentido de que o sentimento de discriminação vivenciado pelos alunos das zonas periféricas de São Vicente difere em relação as escolas que frequentam, indicando que a realidade escolar pode ser modificada de modo à que esses alunos se sintam mais integrados.

O presente estudo indica diferenças ligadas ao género no que se refere a perceção de apoio familiar (família nuclear), apresentando os rapazes perceções mais positivas. Isto parece diferir dos dados referentes a outras realidades onde as raparigas são descritas como mais flexíveis e capazes de pedir apoio as figuras de apego (Flores & Erika, 2009). Como já discutimos, não devemos minimizar a possibilidade de acaso nomeadamente considerando que a diferença entre os dois grupos não é particularmente extensa (de facto o tamanho do efeito é cerca de 0,4). No entanto, considerando que esta diferença, reflita efetivamente o que se passa na população, as raparigas podem estar mais vulneráveis, considerando por outro que demonstraram ser mais frequentemente vítimas de maus-tratos e viver mais intensamente as adversidades que atravessam.

Essa diferença ressalta por outro lado a necessidade de atendermos as particularidades contextuais e comunitários. Ainda, as diferenças encontradas entre as distintas comunidades, salienta também a necessidade de pensar as intervenções considerando as características específicas de cada comunidade. Como adverte a Declaração de Alma-Ata (WHO, 1978), a generalização de estratégias de intervenção sem considerar aspetos contextuais, culturais e religiosos específicos, além de refletir uma tendência etnocêntrica e de condescendência, pode revestir-se em uma prática de graves custos.

O presente estudo, ao deter-se na simples descrição, levanta mais questões do que propõe caminhos. Esforços continuam necessários no sentido de converter o conhecimento sobre os recursos pessoais, familiares e comunitários identificados nestas comunidades em intervenções custo–eficazes, apropriáveis à estes contextos. A utilização de um referencial estatístico mais elaborado, com desenhos metodológicos que considerem múltiplos desfechos, diferentes fontes e medidas repetidas, poderá proporcionar o aprofundamento desses dados iniciais no sentido de conhecer, no contexto especifico dessas comunidades, até que ponto essas variáveis poderão ser usadas para prever e promover o bem estar e a saúde nestas comunidades, as contribuições relativas de cada variável identificada para o “banco de recursos” (Slap,

cvi

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

2001) desses adolescentes e a forma como diferentes adolescentes percebe, define seu conjunto característico de recursos e os utiliza.

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

AnexosAnexo 1

Ex.mo SenhorDirector da Escola Secundária _______________________________________________________

Mindelo, 27 de Janeiro de 2011

Eu, Arlinda Ivette Lopes, coordenadora de Saúde escolar da região de Barlavento (a iniciar funções) pretendo desenvolver um trabalho de pesquisa denominado “Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente”, para obtenção do grau de Mestre em Psicologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior (UBI). O estudo visa identificar, na supracitada população, os factores relacionados ao desenvolvimento saudável não obstante condições de desvantagem social ou situações marcadamente adversas. O objectivo é a identificação de variáveis relevantes para o planeamento e avaliação de estratégias de intervenção preventivas em saúde junto à essas comunidades.

O estudo compreenderá três fases, a saber:

a) A primeira fase compreenderá a criação de grupos de discussão com alunos oriundos das comunidades alvo, a partir do qual se elaborará o instrumento para o estudo principal.

b) A segunda fase compreenderá a aplicação à um pequeno grupo, do instrumento construído com base na informação levantada na primeira etapa visando testá-la antes da sua aplicação aos destinatários finasi.

c) O estudo Principal, compreendendo a aplicação do instrumentos a uma amostra de estudantes oriundos das zonas periféricas do Mindelo (nomeadamente o Calhau, São Pedro, Salamansa, Norte Baia, Mato Inglês, Lameirão, Baixo Verde, Ribeira de Vinha, Madeiral e Rª de Julião).

Neste sentido, venho através desta, solicitar que me seja concedida a oportunidade de poder realizar o referido estudo no contexto da vossa instituição.

Desejando poder contar com a vossa colaboração e ciente da atenção que o assunto vos merecerá, antecipadamente agradeço a atenção e consideração dispensadas.

Atenciosamente /Arlinda Ivette Lopes/

- Mestranda em Psicologia Clínica e da Saúde

cviii_________________________________________

PS: para mais informações ou esclarecimentos sobre a natureza e objectivos do estudoE-mail: [email protected] ; Tel: 2317075; móvel 9935654

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Anexo 2QUESTIONÁRIO QUESTIONÁRIO

Este questionário faz parte de um estudo que quer conhecer melhor como andam os alunos que vivem longe da cidade. A tua colaboração é muito importante para nós. Vais encontrar a seguir questões que te pedem algumas informações acerca de ti e das coisas boas e más em tua vida. Isto não é um teste, não há perguntas erradas. Só tens de escolher, entre as opções, as que melhor se aplicam a ti e assinala-lo circulando o número a frente da tua escolha. Não tens de escrever o teu nome nem mostrar as tuas respostas a ninguém. O questionário é anónimo e as tuas respostas serão secretos e transformadas em números para o nosso estudo.

1- És rapaz ou rapariga?

2- Que idade tens?(escreva) _______anos

3- Em que ano estudas? (escreva) _______ano

4- De que zona pertences? (escreva) _________________________________

5-Que fazes para assistir às aulas na Cidade? (escolhe uma única opção) Viajas diariamente

para a cidade1 Ficas numa

Residência estudantil2 Ficas em casa de familiares

que vivem na cidade3

6 - Se escolhestes a primeira opção Como avalias a quantidade de tempo gasto no deslocamento para a cidade e da cidade para a tua zona?

Enorme 5 Grande 4 Médio 3 Pequeno

2 Mínimo 1

7- Sentes orgulho em pertencer a tua zona?

Nada orgulho

1 PoucoOrgulhos

2 Medianamente

3 Orgulhoso

4 Muito Orgulhoso

5

cix

Rapaz 1 Rapariga

2

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

so o Orgulhoso

8 - Na tua zona as pessoas ajudam-se umas às outros?

Bastante 5 Muito 4 Médio 3 Pouco 2 Muito Pouco 1

9 - As pessoas em tua zona incentivam-te a estudar?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes

3 Muitas vezes 4 Frequentemente 5

10 - Existe em tua zona, Instituições ou associações comunitárias que ajudam as pessoas com maiores dificuldades?

11- Se sim Tu e a tua família recebem apoio de alguma dessas instituições ou associações

comunitárias?

BastantesApoios

5 MuitosApoios

4 Médio 3 Pouco Apoio 2 NenhumApoio

1

12 - Como avalias o ambiente em tua casa.

MuitoAgradável

5 Agradável 4 Regular 3 Desagradável 2 Muito desagradável

1

13 - Em tua casa assistes à discussões entre adultos?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas vezes 4 Frequentemente

5

14 - Em tua casa assistes a adultos se agredirem?

Frequentemente

5 Muitas vezes

4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

15 - Em tua casa, agem contigo de forma a causar desconforto, medo ou dor.

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas vezes

4 Frequentemente

5

cx

Sim 1 Não 2 Não sei 0

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

16 - Em tua casa já morreu alguém que te era muito próximo? Mãe/ Pai 5 Irmão/Irmã 4 Avô/

Avó3 Outr

o2 Nunca 1

17 - Em que medida concordas que o álcool constitui um problema ou que agrava os

problemas existentes em tua casa.

Discordo plenamente

1 Discordo 2 Não concordo

nem discordo

3 Concordo

4 Concordo plenament

e

5

18 – A tua família convive com dificuldades económicas?

Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

19 - Com que frequência tens dificuldades em conseguir adquirir materiais escolares?

Frequentemente

5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

20 - Com que frequência te falta dinheiro para participar nas mesmas actividades de lazer que

os teus colegas?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muito 4 Frequentemente 5

21 - Com que frequência te falta dinheiro para fazer o lanche na escola?

Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

22 - Já sentiste que te tratam de forma diferente na escola por não seres da cidade?

Frequentemente

5 Muitas Vezes

4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

23- Tens pessoas a quem podes realmente chamar de amigos?

Bastantes 5 Muitos 4 Alguns 3 Poucos 2 Muito poucos

1

24- Quando tens problemas, tens alguém com quem desabafar?

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1 25- Se sim Quem? (escreva referindo-se a vossa relação. Por exemplo “amigo(a)”, “mãe”, “tio(a)) ________________________________________

26- Quando tens problemas, podes ou não contar com a família que tens em casa?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas Vezes 4 Sempre 5

27- Quando tens problemas, podes ou não contar algum familiar que não viva em tua casa?Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

28- Quando tens problemas, podes ou não contar com os teus amigos?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas Vezes 4 Sempre 5

29- Quando tens problemas, podes ou não contar com os teus professores?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas Vezes 4 Sempre 5

30- Quando tens problemas, podes ou não contar com a ajuda de um adulto que não seja teu

familiar ou professor?

Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

31- Quando tens problemas, podes ou não contar com a ajuda de Deus?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas Vezes 4 Sempre 5

32- Quando tens problemas podes ou não contar com a ajuda do governo?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas Vezes 4 Sempre 5

33- Quando tens problemas podes ou não contar com a ajuda de associações que existem em

tua zona?

Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

34- Quando tens problemas, podes ou não contar com a tua capacidade para vencer

obstáculos?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas Vezes 4 Sempre 5

cxii

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

35- Quando tens problemas, podes ou não contar com a tua capacidade para avaliar

positivamente as situações?

Nunca 1 Raramente 2 Ás vezes 3 Muitas Vezes 4 Sempre 5

cxiii

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Estudo sobre a Resiliência em Adolescentes das Zonas Periféricas de São Vicente

36- Quando tens problemas, podes ou não contar com a tua inteligência?

Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

37- Quando tens problemas, manténs ou não a esperança que as coisas vão melhorar?

Sempre 5 Muitas Vezes 4 Ás vezes 3 Raramente 2 Nunca 1

38- Concordas ou discordas que os estudos são importantes para a tua vida actual?

Concordo plenamen

te

5 Concordo 4 Não concordoNem discordo

3 Discordo

2 Discordo plenamente

1

39- Em que medida concordas ou discordas que os estudos te serão importantes para o teu

futuro?

Concordo plenamen

te

5 Concordo

4 Não concordoNem discordo

3 Discordo 2 Discordo plenamente

1

40- Acreditas ou não que através da escola poderás mudar a tua vida e a da a tua família?

Não acredito

1 Acredito Pouco

2 Acredito assim assim

3 Acredito Muito

4 Acredito Bastante

5

41- Tens alguma deficiência ou doença que não tem cura?

cxiv

Sim 1 Não 2

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42- De uma forma geral como avalias a tua saúde? Muito má 1 Má 2 Razoável 3 Boa 4 Muito Boa 5

43- De uma forma geral como avalias o teu grau felicidade? Muito Feliz 5 Feli

z 4 Razoavelmente

feliz3 Infeliz 2 Muito

infeliz 1

44- De uma forma geral como te consideras enquanto aluno?

Muito Bom 5 Bom 4 Suficiente 3 Mau 2 Muito Mau 1

45- De uma forma geral como avalias o teu comportamento?

Muito Mau

1 Mau 2 Suficiente 3 Bom 4 Muito Bom

5

46- Concordas que já passaste por muita coisa difícil em tua vida?

Concordo plenamen

te

5 Concordo 4 Não concordo nem discordo

3 Discordo

2 Discordo plenament

e

1

46 - Pense num acontecimento ou circunstância que mais te afectou até hoje.

(Escreva) ______________________________________________________

47- Como o avalias quanto a gravidade?

Muito 5 Grave 4 Médio 3 Pouco 2 Nada 1

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grave Grave grave

48 - Em que grau avalias já o ter ultrapassado?

Nada 1 Um Pouco 2 Médio 3 Quase totalment

e

4 Totalmente

5

Muito Obrigado pela tua Colaboração

Referências Bibliográficas

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