resenha - sermÃo de aclamaÇÃo frei caneca

5
Frei Caneca. Sermão de aclamação de Dom Pedro I. 8 de dezembro de 1823. Recife IMPÉRIO CONSTITUCIONAL: A ESPERANÇA DE UMA NAÇÃO LIVRE. Lauriane Carvalho Rocha Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, popularmente conhecido como Frei Caneca era um frade carmelita de origem humilde que se tornou um dos intelectuais proeminentes de Pernambuco aderindo aos ideais libertários e juntando-se aos liberais na luta pela independência e república do Brasil. Foi um dos participantes da Revolução Pernambucana de 1817 e um dos líderes mais atuantes do movimento da Confederação do Equador de 1824. Ele deixou como herança aos brasileiros diversos textos políticos, que se distribuem entre votos públicos, cartas, dissertações e periódicos. Dentre esses textos está o sermão proferido na cerimônia da aclamação de D. Pedro como primeiro imperador do Brasil, na cidade de Recife no dia 8 de dezembro de 1823. Por ser um dos textos fundamentais para a compreensão do pensamento político de Frei Caneca, a presente resenha terá como objetivo comenta-lo. Antes de tudo é preciso situar o sermão em seu contexto. 8 de dezembro de 1823, o Brasil era recém independente e a população estava reagindo com empolgação à sensação de autonomia. Muitos homens começaram a mudar alguns de seus hábitos dando preferência aos produtos nacionais. Era comum nas ruas defensores do Brasil e de Portugal se estranharem e se agredirem. Caneca também compartilhava dessa euforia pós- independência, pois defendia firmemente ideais libertários. Para ele a independência do Brasil significava um enorme passo de liberdade e o sermão transparece esse sentimento. O texto apresenta pontos específicos que caracterizam o pensamento de Frei Caneca, bem como sua estratégia argumentativa. Um deles é o fato de ser um sermão, isto é, um discurso sobre um tema religioso proferido pelo sacerdote. Devido a isso, o texto tem evidências explicitas da formação religiosa de Frei caneca. Logo no inicio do texto Caneca expressa sobre a feliz coincidência de a aclamação do imperador ser no mesmo dia da festa de Nossa Senhora da Conceição Imaculada. Outras vezes ao longo do sermão ele fala de profetismo bíblico e de outras coisas sacras. A linguagem utilizada também demonstra essas marcas da religião. O dia é aquele em que a esposa do Cordeiro se mancha, quero dizer a Santa igreja, cheia de júbilo, celebra o augusto mistério da Conceição Imaculada daquela criatura venturosa que, descendendo de Abraão e de Davi foi escolhida antes de todo criado para ser mãe do Verbo eterno, e nosso redentor, Jesus Cristo; [...] Que dia mais adequado à solenidade da aclamação de sua majestade em imperador constitucional do Brasil?”

Upload: lauriane-carvalho

Post on 12-Apr-2017

38 views

Category:

Education


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RESENHA - SERMÃO DE ACLAMAÇÃO FREI CANECA

Frei Caneca. Sermão de aclamação de Dom Pedro I. 8 de dezembro de 1823. Recife

IMPÉRIO CONSTITUCIONAL: A ESPERANÇA DE UMA NAÇÃO LIVRE.

Lauriane Carvalho Rocha

Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, popularmente conhecido como Frei Caneca era um

frade carmelita de origem humilde que se tornou um dos intelectuais proeminentes de

Pernambuco aderindo aos ideais libertários e juntando-se aos liberais na luta pela

independência e república do Brasil. Foi um dos participantes da Revolução Pernambucana

de 1817 e um dos líderes mais atuantes do movimento da Confederação do Equador de

1824. Ele deixou como herança aos brasileiros diversos textos políticos, que se distribuem

entre votos públicos, cartas, dissertações e periódicos. Dentre esses textos está o sermão

proferido na cerimônia da aclamação de D. Pedro como primeiro imperador do Brasil, na

cidade de Recife no dia 8 de dezembro de 1823. Por ser um dos textos fundamentais para a

compreensão do pensamento político de Frei Caneca, a presente resenha terá como

objetivo comenta-lo.

Antes de tudo é preciso situar o sermão em seu contexto. 8 de dezembro de 1823, o Brasil

era recém independente e a população estava reagindo com empolgação à sensação de

autonomia. Muitos homens começaram a mudar alguns de seus hábitos dando preferência

aos produtos nacionais. Era comum nas ruas defensores do Brasil e de Portugal se

estranharem e se agredirem. Caneca também compartilhava dessa euforia pós-

independência, pois defendia firmemente ideais libertários. Para ele a independência do

Brasil significava um enorme passo de liberdade e o sermão transparece esse sentimento.

O texto apresenta pontos específicos que caracterizam o pensamento de Frei Caneca, bem

como sua estratégia argumentativa. Um deles é o fato de ser um sermão, isto é, um

discurso sobre um tema religioso proferido pelo sacerdote. Devido a isso, o texto tem

evidências explicitas da formação religiosa de Frei caneca. Logo no inicio do texto Caneca

expressa sobre a feliz coincidência de a aclamação do imperador ser no mesmo dia da festa

de Nossa Senhora da Conceição Imaculada. Outras vezes ao longo do sermão ele fala de

profetismo bíblico e de outras coisas sacras. A linguagem utilizada também demonstra

essas marcas da religião.

“O dia é aquele em que a esposa do Cordeiro se mancha, quero dizer a Santa igreja, cheia

de júbilo, celebra o augusto mistério da Conceição Imaculada daquela criatura venturosa

que, descendendo de Abraão e de Davi foi escolhida antes de todo criado para ser mãe do

Verbo eterno, e nosso redentor, Jesus Cristo; [...] Que dia mais adequado à solenidade da

aclamação de sua majestade em imperador constitucional do Brasil?”

Page 2: RESENHA - SERMÃO DE ACLAMAÇÃO FREI CANECA

No entanto, a matriz religiosa contida no texto não se confunde com a concepção de poder

politico teológico. Pelo contrário, em seu sermão de aclamação a D. Pedro I, Caneca recorre

à teoria do direito natural para explicar a origem e o fundamento da soberania, dedicando

boa parte do seu sermão a isso.

“Quer fosse a propensão, que o homem herdou da natureza, para procurar outro homem e

viver em sociedade, evitando as incomodidades o enojo da solidão; quer uma encadeação

necessária das coisas, dimanada do amor conjugal entre estes e seus filhos; quer fossem as

necessidades da vida e o desejo de fazê-la cômoda e agradável; quer a prudência de pôr-se

acoberto dos males, que se podiam temer dos outros homens; quer finalmente outras

causas, que ainda não lembraram aos filósofos e publicistas, o que obrigou aos primeiros

pais de famílias a renunciarem à independência do estado natural e irem formar as

sociedades civis; estabelecidas estas, não se dirigem a outro fim que o bem da espécie

humana, sua existência cômoda e feliz, o aumento e perfeição de suas faculdades físicas e

morais.”

Percebe-se que Frei Caneca alimenta posições políticas concretas e bem fundamentadas.

Com isso, fica explícito as ideias principais do texto que são a valorização da liberdade,

crítica persistente à tirania e o pacto social. Mas a característica mais marcante do sermão é

a o fato dele está impregnado de esperança. Frei Caneca acreditava que a aclamação de

Dom Pedro I marcaria uma virada política e era uma promessa de fundação de uma nova

nação.

“Festejar a liberdade da pátria dos ferros do despotismo no dia que a igreja canta os

epinícios à padroeira da esma pátria pela sua liberdade dos da culpa paterna e vencimento

glorioso do déspota infernal.”

No decorrer do texto Caneca faz uma dura crítica ao colonialismo português. No entanto, a

figura do imperador português era a de um libertador que daria mais força a independência

e a quebra dos grilhões com a metrópole e com isso o Brasil deixaria de ser escravo de

Portugal.

“E seria o Brasil condenado a ser sempre escravo, sempre espezinhado, e sem aquele

assento para que o talhou a Providência?

Três séculos de um tirocínio bárbaro e cruel já infamam a nossa sensibilidade, já

menoscabam a nossa honra.

Chegou, bem que com passos muito lentos, a nossa virilidade; não devemos mais

amamentamo-nos.

Page 3: RESENHA - SERMÃO DE ACLAMAÇÃO FREI CANECA

Transbordaram os vasos da nossa paciência; chegaram ao seu píncaro as injustiças de

Portugal; apresentou-se o nosso libertador. Não podemos nem devemos renunciar a nossa

liberdade, dar de mãos ao nosso adiantamento, nem deixar de abraçar a proteção que nos

oferece o maior dos príncipes, o mais poderoso dos monarcas, o mais cordial e interessado

dos nossos amigos.”

Contudo, o maior motivo da esperança de Frei Caneca foi a convocação de uma Assembleia

Constituinte. Fruto do pacto social, a constituição seria, para Frei Caneca, a única forma de

assegurar aos cidadãos seus direitos e deveres, especificados pela lei. Sua base está

assentada sobre o bem e a felicidade da espécie humana. Ela limita ou inibi as paixões dos

governantes, e seus excessos antissociais. Seria a expressão máxima da soberania do povo

e a base da cidadania. Tal concepção, baseada da vontade geral do povo, pode ser

resultado de uma percepção rousseauniana de política. Para Frei caneca, o governo

constitucional, tão estimado, deveria ser uma espécie de governo misto que abarcaria as

virtudes do governo monárquico e as virtudes do governo democrático.

“O império constitucional [...] é a obra-prima da razão, e o maior esforço do entendimento

humano no artigo-política. Império constitucional? Colocado entre a monarquia e o governo

democrático, reúne em si as vantagens de uma e de outra forma, e repulsa para longe os

males de ambas [...]. O imperador podendo fazer todo o bem aos seus súditos jamais

causará mal algum, porque a Constituição com sábias leis fundamentais e cautelas

prudentes, tira ao imperador o meio de afrouxar a brida às suas paixões e exercitar a

arbitrariedade.”

Devido à tamanha esperança em relação à nova era que se iniciaria com a aclamação de

um imperador constitucional e convocação de uma assembleia constituinte, Caneca remete

constantemente elogios ao novo Imperador Constitucional.

Sua majestade, aquele príncipe justo, magnânimo, incomparável [...].

Esta é a felicidade que, tendo diante dos olhos o magnânimo príncipe o senhor D. Pedro I

[...].

Tais elogios podem, à primeira vista, ser considerados irônicos. No entanto, no decorrer do

sermão Frei Caneca também mostra indicativos da limitação da atuação do imperador.

Mesmo assim, tantos elogios podem também definir o pensamento de Frei caneca como

incoerente quando este sermão é comparado ao voto contrário à constituição outorgada de

1824.

Page 4: RESENHA - SERMÃO DE ACLAMAÇÃO FREI CANECA

Muito pelo contrário, nada mudou em relação ao pensamento de Frei Caneca nas duas

ocasiões, o que mudou foram as aspirações de D. Pedro I. Caneca aplaudira o príncipe por

sua escolha em permanecer no Brasil, por se dispor a defender os interesses fundamentais

dessa nova pátria, por acatar com euforia os princípios constitucionais. Porém, em 1824,

percebeu Frei Caneca que os interesses de D. Pedro eram contrários àqueles que ele e

seus compatriotas pernambucanos defendiam. A crítica de Frei Caneca à constituição

outorgada de 1824 é por ela não ser liberal, mas contrária à liberdade, independência e

direitos do Brasil.

Por fim, infelizmente, as expectativas de uma auto constituição, consequência da aclamação

de D. Pedro I como imperador constitucional, expressas em larga medida no texto, não se

concretizam como Caneca esperava e a prova disso é a dissolução da assembleia

constituinte. Mesmo assim, o os ideais políticos expostos no sermão não se dissolveram

com o tempo e Caneca foi firme em sua posição até a morte (13 de janeiro de 1825).

Embora a noção de liberdade de Frei Caneca seja marcada, como todo o seu pensamento,

pela herança antiga, ela aproxima-se da liberdade exigida nos dias de hoje, aquela que é

consequência da participação. É ela, concebida como liberdade de opinião e de ação, que

possibilita o pleno exercício da cidadania. Nesse sentido, Frei Caneca pode ser considerado

o primeiro mártir da Constituição na História do Brasil. E a Constituição cidadã de 1988 é um

exemplo de uma constituição sonhada por Caneca e mencionada em seu sermão, pois ela

foi promulgada, houve ampla participação da população, todos são igualmente submetidos

às suas leis além de todos os cidadãos terem seus direitos e deveres assegurados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Biografia de Frei Caneca. Disponível em: https://www.ebiografia.com/frei_caneca/. Acessado

em: 16 nov 2016

SAMPAIO DE MORAES GODOY, Arnaldo. Pensador do Direito, Frei Caneca foi

constitucionalista e amante da liberdade. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-ago-

09/embargos-culturais-frei-caneca-foi-constitucionalista-amante-liberdade. Acessado em: 16

nov 2016

CRISTINA AZEVEDO DE LIMA, Kelly. Frei Caneca: Entre a liberdade dos antigos e a

igualdade dos modernos. Disponível em:

http://www.cchla.ufpb.br/caos/numero12/REVISTA_12_2007_Kelly%20Cristina%20Azevedo.

pdf. Acessado em: 16 nov 2016

Page 5: RESENHA - SERMÃO DE ACLAMAÇÃO FREI CANECA

CORDEIRO, Tiago. A história do Brasil logo após a independência. Disponível em:

http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/historia-brasil-logo-independencia-

682324.shtml. Acessado em: 16 nov 2016