resenha – discurso da servidão voluntária ou contra o um, de Étienne de la boétie

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Campus Monte Alegre Nome: Luís Fernando de Almeida RA: RA00124756 Curso: Filosofia - II Semestre/2012 Período: noturno Resenha – Discurso da Servidão Voluntária ou Contra o Um, de Étienne de La Boétie O autor inicia o texto delimitando o tema, afastando uma possível alusão a formas corretas e desejáveis de governo, e pontuando o tratamento no entendimento das razões que levariam tantas nações, homens, cidades e burgos a se submeter ao poderio de um só homem, sendo este alguém a quem não deveriam temer nem tampouco amar, visto que é sozinho e cruel. A submissão tratada no texto difere daquelas que são infligidas a povos que se viram subjugados à força, como no caso de Atenas e em outros períodos históricos. Nestes casos, convém lamentar o incidente, suportar o infortúnio presente e “reservar-se para melhor fortuna no futuro”. Fica implícito nessa diferenciação certo amor da liberdade como algo que o autor tem como desejável para o homem. A sujeição abordada não pode ser chamada de covardia, porquanto esta se daria em uma escala menor, em situações em que um número relativamente pequeno de indivíduos recua e capitula perante uma única pessoa. No caso em questão, são povos inteiros que aceitam os ditames de um único indivíduo que não deveria inspirar medo por seus próprios atributos. Segundo o autor, lançar luz sobre tal cenário mostra seu absurdo e o levaria a não ser acreditado se fosse contado a outrem. É de tal modo inconcebível que poderia muito bem ser tomado como invenção e mentira. A saída do estado de servidão pode ser entendida como uma passividade, e não uma ação revolucionária. Isso porque não seria necessário que os homens anulassem seu senhor, mas sim que não consentissem em ser dominados. Os próprios homens se sujeitam e recobrar sua liberdade não implicaria grandes ações empreendedoras, mas tão-somente recusar a servidão. O autor enfatiza a relação se sustentação que se estabelece entre o povo e seu próprio algoz. Este só se mantém a expensas do consentimento daquele. Firmadas essas considerações, passa a investigar, não sem certo ceticismo, de que maneira a vontade de servir se enraizou a ponto de fazer crer que o amor da liberdade não é um estado natural do homem. Se não, vejamos: Se o homem vivesse conforme a natureza não seria servo de ninguém. A despeito de haver entre os filósofos divergências sobre se a razão seria algo dado ao homem por natureza, tem-se por certo que a razão firma raízes na condição natural do homem, e que

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Resenha da disciplina de Introdução à Filosofia - PUC SP

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Page 1: Resenha – Discurso da Servidão Voluntária ou Contra o Um, de Étienne de La Boétie

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Campus Monte Alegre

Nome: Luís Fernando de Almeida RA: RA00124756

Curso: Filosofia - II Semestre/2012 Período: noturno

Resenha – Discurso da Servidão Voluntária ou Contra o Um, de Étienne de La Boétie

O autor inicia o texto delimitando o tema, afastando uma possível alusão a formas corretas e desejáveis de governo, e pontuando o tratamento no entendimento das razões que levariam tantas nações, homens, cidades e burgos a se submeter ao poderio de um só homem, sendo este alguém a quem não deveriam temer nem tampouco amar, visto que é sozinho e cruel.

A submissão tratada no texto difere daquelas que são infligidas a povos que se viram subjugados à força, como no caso de Atenas e em outros períodos históricos. Nestes casos, convém lamentar o incidente, suportar o infortúnio presente e “reservar-se para melhor fortuna no futuro”. Fica implícito nessa diferenciação certo amor da liberdade como algo que o autor tem como desejável para o homem.

A sujeição abordada não pode ser chamada de covardia, porquanto esta se daria em uma escala menor, em situações em que um número relativamente pequeno de indivíduos recua e capitula perante uma única pessoa. No caso em questão, são povos inteiros que aceitam os ditames de um único indivíduo que não deveria inspirar medo por seus próprios atributos.

Segundo o autor, lançar luz sobre tal cenário mostra seu absurdo e o levaria a não ser acreditado se fosse contado a outrem. É de tal modo inconcebível que poderia muito bem ser tomado como invenção e mentira.

A saída do estado de servidão pode ser entendida como uma passividade, e não uma ação revolucionária. Isso porque não seria necessário que os homens anulassem seu senhor, mas sim que não consentissem em ser dominados. Os próprios homens se sujeitam e recobrar sua liberdade não implicaria grandes ações empreendedoras, mas tão-somente recusar a servidão.

O autor enfatiza a relação se sustentação que se estabelece entre o povo e seu próprio algoz. Este só se mantém a expensas do consentimento daquele. Firmadas essas considerações, passa a investigar, não sem certo ceticismo, de que maneira a vontade de servir se enraizou a ponto de fazer crer que o amor da liberdade não é um estado natural do homem. Se não, vejamos:

Se o homem vivesse conforme a natureza não seria servo de ninguém. A despeito de haver entre os filósofos divergências sobre se a razão seria algo dado ao homem por natureza, tem-se por certo que a razão firma raízes na condição natural do homem, e que

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há certa semente de razão que precisa ser cultivada para o florescimento das virtudes. A constatação de que a natureza nos criou em condições de igualdade é um dado imediato, a que ninguém poderá se fazer cego. As diferenças de corpo e espírito entre os homens teria por finalidade a irmanação e o afeto fraternal. Assim, a natureza dispôs os homens de maneira desigual visando à igualdade, com vistas a que a interdependência os irmanasse. Desse modo, da verdade segundo a qual a natureza nos tornou companheiros se segue que a ninguém ela pôs em condição de servidão.

A bem da verdade, defender a liberdade como algo natural não resolve a questão, porquanto a servidão não se faz sem que se impute mal a alguém, o que confere uma obviedade gritante à ideia de liberdade como um estado natural do homem. Mas há que se enfatizar que a liberdade é natural em razão de os homens não reconhecerem seus bens e suas afeições nativas, como ser livre e disposto a defender sua liberdade. Assim, toma-se como exemplo a reação de muitos animais em defesa de sua condição livre sempre que algo tenta lhes subtrair o bem da liberdade: “Os outros, dos maiores aos menorzinhos, quando são capturados resistem tanto com as unhas, os chifres, o bico e os pés que declaram o quanto prezam o que perdem; uma vez capturados dão-nos tantos sinais notórios do conhecimento que têm de seu infortúnio, que é bonito de se ver que doravante há mais langor que vida, e que continuam vivendo mais para lamentar sua liberdade perdida do que para se comprazer na servidão”.

Há três tipos de tiranos: uns obtêm o reino por eleições do povo; outros pela força das armas; outros por sucessão de sua raça. Apesar de haver diferenças entre eles, sobretudo entre seus meios de chegar ao poder, quase sempre é semelhante a maneira de governar e tratar seus súditos: “Os eleitos os tratam como se tivessem pegado touros para domar; os conquistadores os consideram presa sua; os sucessores pensam tratá-los como seus escravos naturais”.

Se, a partir deste momento, surgisse um povo novo e lhe fosse dado escolher entre a sujeição e a liberdade, certamente escolheria esta última; salvo o povo de Israel, que deu a si mesmo um tirano deliberadamente, na ausência de coerções ou imposições.

É certo que os homens se sujeitam por coerção ou ilusão: “Forçados pelas armas estrangeiras, como Esparta ou Atenas pelas forças de Alexandre; ou pelas facções, como havia se tornado a Senhoria de Atenas nas mãos de Pisístrato. Por ilusão, eles muitas vezes perdem a liberdade; mas nisso não são enganados por outrem com a frequência com que são iludidos por si mesmos. Como o povo de Siracusa, principal cidade da Sicília (dizem-me que hoje se chama Saragoça), que, na iminência de guerras, reparando irrefletidamente apenas no perigo presente, elevou a tirano Dionísio Primeiro e encarregou-o de conduzir o exército; e não atinou que o havia engrandecido tanto que quando esse patife voltou vitorioso, fez-se de capitão rei, e de rei tirano, como se não tivesse vencido seus inimigos mas seus cidadãos”.

O povo, quando se sujeita, acostuma-se de tal maneira à sua nova condição que não a vê como perda da liberdade, mas sim como ganho da servidão. As gerações seguintes

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fazem de bom grado o que as passadas faziam eventualmente por imposição, e, não podendo pensar para além disso, consideram natural a sua condição.

A primeira razão da servidão voluntária é o costume, pois os homens têm como naturais as coisas a que estão acostumados e habituados pelo uso. Comparam-se a cavalos que resistem a princípio mas se descuram de resistir tão logo se acostumem.

Não obstante, sempre haverá homens que sentem o peso da servidão e, dada a sua clarividência e entendimento, aspiram à liberdade; tamanho é seu gosto pela liberdade que a teriam em mente mesmo que ela se encontrasse toda fora do mundo.

Da primeira razão para a servidão voluntária se segue a perda da vivacidade. O homens nascem servos, são criados como tais e, a partir, daí, tornam-se covardes: Ora, é certo, portanto, que com a liberdade se perde de uma só vez a valentia. “A gente subjugada não tem júbilo nem furor no combate: parte para o perigo quase como que amarrada, toda por demais embotada, e não sente ferver em seu coração o ardor da liberdade que faz desprezar o perigo e dá vontade de ganhar a honra e a glória numa bela morte entre seus companheiros. […] Disso muito bem sabem os tiranos, e ao vê-la tomando essa feição, ainda a ajudam para que afrouxe mais”.

Firmadas as considerações anteriores, o autor chega ao ponto de lançar luz sobre o que acredita ser o fundamento da tirania. Esta não está assentada sobre exércitos e guardas, mas sim na existência de um pequeno grupo que se associa ao tirano e pode assim usufruir as benesses do poder; abaixo desse pequeno grupo, há outro grupo beneficiado com concessões as mais variadas, desde isenções até dominação sobre outrem. Dessa forma, o poder se distribui através de uma cadeia que culmina como o tirano.

Mas quanto mais próximo do tirano, mais servo o homem é, porquanto a exigência de abdicação de si em nome das vontades do rei é maior. Assim, o grupo que usufrui as benesses jaz em condição mais servil do que o camponês que tanto espezinha.

O autor pretende finalizar o texto mostrando quão deplorável é a condição daqueles que sustêm o tirano, uma vez que este não está em condições de amar ou ser amado, nem muito menos se pode com ele estabelecer uma relação próxima da amizade; porquanto esta pressupõe igualdade, integridade e lealdade: “Não pode haver amizade onde está a crueldade, onde está a deslealdade, onde está a injustiça; entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não uma companhia; eles não se entreamam, mas se entre-temem; não são amigos, mas cúmplices”.

Dessa forma, o olhar do autor procura percorrer todas as instâncias por onde passa o poder, na forma como se institui e se sustenta, mostrando que se equiparam na mesma condição servil tanto os que estão subordinados a toda a hierarquia quanto os que se submetem imediata e tão-somente ao tirano.

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