resenha as origens sociais da ditadura e da democracia

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Universidade Federal de Santa Maria Bacharelado em Ciências Sociais Ciência Política III Prof. Dr. Gustavo Miller Origens Revolucionárias das Democracias Capitalistas Resenha sobre a primeira parte do livro As Origens Sociais da ditadura e democracia; Senhores e camponeses na construção do mundo moderno. - Barrington More Jr. Josemir Maciel Fortunato

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Page 1: Resenha as Origens Sociais Da Ditadura e Da Democracia

Universidade Federal de Santa Maria

Bacharelado em Ciências Sociais

Ciência Política III

Prof. Dr. Gustavo Miller

Origens Revolucionárias das Democracias Capitalistas

Resenha sobre a primeira parte do livro

As Origens Sociais da ditadura e democracia; Senhores e camponeses na construção do mundo moderno. - Barrington More Jr.

Josemir Maciel Fortunato

Santa Maria, janeiro de 2013.

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Nas revoluções, tal como nas contra revoluções e guerras civis, surge um ponto crucial em que as pessoas subitamente compreendem que se separaram irrevogavelmente do mundo que conheceram e aceitaram por toda sua vida. Para as diferentes classes e indivíduos, este relâmpago momentâneo de uma nova e assustadora verdade surge em pontos sucessivos do colapso do sistema existente. Há também momentos e decisões únicos – o assalto a um palácio, a decapitação do rei e, no caso inverso, a queda de um ditador despótico – após os quais já não se pode mais voltar atrás. Através desses atos, um novo crime torna-se a base de uma nova legalidade. Grandes setores da população tornam-se parte da nova ordem social.

Barrington More Jr.

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Introdução.

O presente trabalho tem como objetivo resenhar a primeira parte do livro As origens sociais da ditadura e democracia: Senhores e camponeses na construção do mundo moderno(2010), autoria de Barrington Moore Junior que é dividido em três partes. Nessa obra, em sua totalidade, ele procura expor seu principal argumento de que o modo como as estruturas das relações entre senhores e camponeses condicionou a formação dos regimes adotados pelos recentes Estados modernos industrializados. Segundo uma análise sociológica comparativista, Barrington Jr visa o contexto histórico situado a partir do século XV até final do século XIX tendo como partida os países da Inglaterra, França e Estados Unidos da América. Estes países, segundo análise do autor, passaram pelo que seria a primeira via para uma transição de uma sociedade agrária pré-industrial para o Estado moderno democrático industrial, ou seja, a Via capitalista. Em seguida traça com a mesma metodologia os caminhos da Rússia e China denominado nesse contexto como a segunda via para o estado moderno, a Via comunista. A Via do Fascismo, a terceira, foi analisada comparativamente no contexto do Japão e Alemanha. Ainda se dedica a analisar extensivamente a Índia por estar ter fugido as 3 vias e estar no desenvolvimento único. Um ponto recorrente da obra é a indagação de se o preço a se pagar para trilhar quaisquer desses caminhos é um preço justo. Essa pergunta é muito importante já que em todas as três vias, o início dos caminhos tem como fator uma revolução armada. A violência é uma característica em comum nas três vias para a modernidade e sempre pontuada no discorrer da obra. Apresentado o livro, de modo geral, tratarei de abordar a primeira parte da obra que trata das Origens Revolucionárias das Democracias Capitalistas, ou seja, a via capitalista no contexto histórico de três países: Inglaterra, França e Estados Unidos da America. Vale mencionar que Barrington More Junior dialoga com o leitor supondo que este tenha um conhecimento histórico mais sólido e não superficial das três revoluções analisadas a seguir.

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Origens Revolucionárias das Democracias Capitalistas.

Capítulo I

1- A Inglaterra e as contribuições da violência para a evolução.

1.1- Forças aristocráticas na base de transição para o capitalismo na região rural

Inglaterra, primeiro país a se tornar industrial e durante o processo tornou-se uma sociedade realmente livre e liberal. Nesse inicio, o livro trata especificamente do papel desempenhado pelos camponeses e aristocracia na transformação da Inglaterra de características agrárias feudais a uma Inglaterra Industrial. O autor analisa o período dos séculos XIV e XV em que terra a já não era mais o principal sustentáculo de ligação entre o suzerano e o vassalo ainda que outras tradições medievais se mantivessem firmes e atuantes. Com a ascensão dos Tudor à coroa, estes mantiveram a paz e deram um novo estimulo a agricultura comercial tendo com isso alcançado boas relações com os camponeses. Aqui, vale que replicar uma passagem do historiador Twaney que o próprio Barrington faz em seu livro:

Nos dias turbulentos do século XV, a terra tinha ainda um significado militar e social, para além do seu valor econômico; os senhores cavalgam a frente da sua hoste para irem convencer um mau vizinho, com arcos e alabardas; e um grande número de dependentes era mais importante do que uma elevada recompensa pecuniária obtida da terra. A disciplina Tudor, com a severa proibição de vestir e sustentar acostados e criadagem e servir o senhor nas lutas armadas, as suas jurisdições administrativas e incansável burocracia puseram fim, com mão pesada, às guerras privadas, e, arrancando os dentes do feudalismo, tornaram mais importante o uso do dinheiro do que o comando de homens. Esta mudança marca a transição do conceito medieval da terra como base de funções e obrigações políticas para a noção moderna de terra como investimento para obtenção de rendimento. Em suma, a propriedade da terra tende a ser comercializada. (p. 16-17).

Uma das consequências dessa nova política apontada por Barrington foi de que os homens já não viam mais o uso da terra apenas para alimentação

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das pessoas, organismo social feudal começou a se evaporar. A terra passou a ser o meio pelo qual as pessoas poderiam explorar de modo a aumentar o seu capital tratando como algo que poderia ser vendido, comprado como um objeto, ou seja, a noção moderna de propriedade privada. Uma das grandes mudanças nesse sentido foi os enclosures1 que davam a seus proprietários as chances de ganhar dinheiro tanto na exploração de lã como no aluguel das terras. Tal medida consistia no cercamento de terras, ora de modo legal, ora de modo ilegal. Como aponta Barrington, o senhor feudal, agora, assemelhava-se com um homem de negocio moderno em busca da obtenção do maior lucro possível da exploração de suas terras visando à eficiência em lucrar. Esta nova classe social foi denominada de yeomens. Entretanto, os camponeses mais simples – que formavam a grande massa campesina inglesa - continuavam a ser explorado pelos “novos suzeranos” e um crescente sentimento de revolta somar-se-ia nas causas da futura guerra civil inglesa devido a constantemente interesses individuais agrários conflitavam com os interesses da realeza da dinastia Stuart que por muitas vezes eram sancionados, em ultima instância, através de autoridades religiosas.

1.2 Aspectos agrários da guerra civil.

Está claro para Barrington que nessa expansão comercial agrícola, os yeomens encontravam-se em oposição aos métodos de controle do rei que se esforçava para manter a ordem antiga. Uma nova classe social que ficavam abaixo da aristocracia e acima dos yeomens, os gentry. Estes eram compostos de nobres empreendedores que não ficaram ancorados apenas nos negócios agrícolas, mas em vastas redes econômicas de diferentes tipos. Como consequência, temos a estagnação inercial de nobres com menor espírito de iniciativa comercial segundo palavras do próprio Barrington. “Assim sobre o impacto do comércio e de algumas indústrias, a sociedade inglesa se desconjuntava a partir de cima.” No prosseguimento desse desmembramento muitos setores sociais descontentes se aglutinaram eclodindo em revoltas e executaram em grande parte o violento “trabalho sujo” de destruição do antigo regime que culminara na decapitação de Carlos I sob a acusação de retomada do antigo regime absolutista. Essa revolução foi em essência inteiramente burguesa visto que mesmo o rei Carlos tendo boas relações com a gentry, ele tentou dar voz aos pequenos camponeses que constituíam a massa da população inglesa ao instituir a Star Chamber, medida que impedia o parlamento de utilizar os enclousers. O parlamento inglês constituía praticamente dos grandes proprietários rurais que logo após a decapitação revogaram a proteção das terras.

1 Medida que dava direito ao dono da terra de cerca-la delimitando sua propriedade e impedindo que outras pessoas façam uso dela. Em tradução livre, uma política de “cercamento” de terras.

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Em suma, ao romper com o poder do rei, a guerra civil teve como principal consequência, a eliminação do mais importante obstáculo que impedia os senhores rurais de praticar os enclousers e ao mesmo tempo tornou apta a Inglaterra para ser governada por um parlamento composto de ruralistas. A semente para a aliança de uma democracia parlamentar e uma economia capitalista fora plantada; agora não mais com base na sua origem de berço nobre e sim capitaneada pelo dinheiro.

1.3 Enclousers e a destruição da classe camponesa.

Nesse capítulo, Barrington se debruça na investigação de causa e efeito que tiveram os cercamentos com a paulatina destruição da classe camponesa através do uso da força. Tal medida coercitiva implica que nem toda medida violenta assume caráter de revolução. Os enclousers surgiram como uma estrutura legal atacando o campesino bem antes na revolução que acabou por decapitar o rei ultima bastião protetor dos camponeses, e por consequência, estes acabaram por serem eliminados da vida política britânica. Nisso o autor diz:

O fato da violência e coerção que produziram estes resultados terem ocorrido durante um longo lapso de tempo e de ocorrerem principalmente numa estrutura de lei e de ordem e de terem ajudado, em ultima análise, a estabelecer a democracia sobre uma base mais firme, não devem impedir-nos de perceber que se tratava de violência em massa, exercida pelas classes altas sobre as baixas. – (p 39).

1.4 Do governo aristocrático para o capitalismo triunfante.

Barrington aponta a fase “pacífica” de transição entre os séculos XVIII e XIX como determinante para a consolidação do capitalismo liberal na Inglaterra. Retoma a discussão do triunfo o parlamento sobre o Rei e da quase totalidade de controle do camponês nas zonas rurais e como consequência disso temos que não houve praticamente nenhuma revolta camponesa no decorrer do século XIX que não passasse de casos isolados, mas que isso não seria suficiente para caminhar rumo ao estado moderno. O autor considera também que nesse momento a França, inimiga histórica da Inglaterra, passava por sua revolução burguesa e que isso não interferiria na consolidação do liberalismo Inglês, especialmente pelo desfecho da batalha de Waterloo. Os outros fatores surgiram no decorrer do século XIX onde a passagem do livro diz que:

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Governos dentro de um contexto de um capitalismo industrial rapidamente crescente, as fileiras, ao mesmo tempo em que competiam com eles pra obter apoio popular, ou pelo menos evitar derrotas graves com concessões oportunas. Essa política tornou-se necessária devido a uma ausência de uma maquina forte para repressão. E foi possível porque a posição econômica das classes governantes sofreu uma lenta erosão, de modo que lhe permitiu passar de uma base econômica para outra apenas com um mínimo de dificuldade. (p49-50).

Capitulo II

Evolução e revolução na França.

1. Contraste com a Inglaterra e suas origens.

Bem diferente da Inglaterra, a França adentrou no mundo moderno de uma maneira bem particular. Se na ilha a mola propulsora do desenvolvimento econômico partiu da nobreza aristocrática ao dominar a agricultura e fazendo dela uma atividade comercial, na França temos uma nobreza que vivia do que se podia extrair da população através de pesados impostos. Nas palavras de Barrington, a nobreza da França era um verdadeiro “apêndice” para o rei que ainda vivia sobre os auspícios do antigo regime absolutista. Entretanto, com tantos pontos díspares, a França emerge dessa condição e consegue adentrar na Era Industrial capitalista ainda que tardiamente em relação à Inglaterra, mas ainda na frente da recém-criada republica dos Estados Unidos da América justamente pelo ponto violento em comum com a Inglaterra: A revolução. Sem ela, segundo o autor, dificilmente teríamos uma sociedade industrial moderna no continente europeu ainda no século XIX.

Um ponto de contraste levantado por Barrington é a situação do nobre com seu pedaço de terra. Na França, o senhorio preferia arrendar as suas terras em pequenas parcelas e adquirir uma porcentagem da colheita. Outros os faziam em grandes lotes cobrando aluguel e depois de um longo período poderia possuir suas terras novamente. Entretanto as constantes guerras faziam com que os senhores feudais se encontrassem sempre longe de suas casas. Um efeito disso foi que durante a revolução muitos camponeses eram de fato donos por direitos das terras onde labutavam.

Antes disso, a partir do século XV, a nobreza vendia suas terras e os compradores, em sua maioria, eram os pequenos burgueses das cidades. No século XVII os nobres tentaram reconquistar suas terras e criar as grandes propriedades de terras como na Inglaterra. Desse modo, a agricultura francesa

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ainda se comportava apenas como um extrativismo de subsistência e não era visto e nem tinha um potencial de comercio em larga escala. A mentalidade feudal era perpetuada tanto pelos donos das terras bem como quem nelas trabalhavam.

2. A reação dos nobres à agricultura comercial.

A França também teve problemas com sua agricultura no que diz respeito à produção e comercio de cereais, principalmente o trigo, pois a produção era limitada a umas zonas próximas a grandes centros urbanos. O arrendatário de terras deveria primeiro dar cerca de metade da sua produção para o seu nobre feudal e o restante ele venderia nas cidades concorrendo com o Nobre. O único produto que o camponês não poderia vender nos mercados era o vinho então, acabava por vender toda sua produção para seu nobre e este detinha todo o lucro da revenda nas cidades. O consumo dessa bebida na frança era muito alto. Por esses fatores essa mercadoria não poderia ser constituída como uma base de um sistema industrial como foi o caso da lã inglesa e nem foi capaz de trazer mudanças sociais. Outro ponto bastante curioso como destaca Barrington que ajuda a entender o industrialismo tardio da França foi uma questão cultural bastante particular. Até meados do século XVIII, os nobres eram impedidos, por um conjunto de leis, de trabalhar nas suas próprias terras não mais do que um pequeno pedaço de chão; um claro preconceito aristocrático. A principal força que mantinha essas leis e a opinião publica que as apoiava era a monarquia. Era da vontade do rei manter a nobreza prospera como um “apêndice decorativo da coroa em troca de ajuda para manter o povo no seu devido lugar”, mas a coroa também demonstrava preocupação quando seus nobres estavam à beira da falência. Entretanto o rei não via com bons olhos a possibilidade de a aristocracia formar um poderio econômico que pudesse rivalizar com ele em poder. Esse particularismo cultural Frances apenas cedeu no decorrer do mesmo século quando, enfim, a nobreza francesa viu que se poderia ganhar mais comercializando diretamente inspirada no que acontecia na cidade de Toulouse. Os nobres de lá agiam como empresários capitalistas procurando sempre extrair o maior lucro possível de suas terras, mas ainda na base da exploração do camponês. Isso posto cabe destacar uma passagem do autor:

O problema não reside simplesmente em ver se os nobres rurais franceses tentaram orientar eficientemente as suas propriedades e vender seus produtos no mercado. Nem é apenas o de avaliar quantos nobres seguiram esse caminho. A questão chave está em ver se, ao fazê-lo, eles alteraram a estrutura da sociedade rural de modo semelhante ao que se verificou nas zonas agrárias da Inglaterra onde o movimento de cercamento foi mais forte.

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A resposta pra essa pergunta é simples e decisiva: Não o fizeram. Os nobres que representavam o extremo avanço comercial da zona rural francesa tentavam apenas extrair o mais possível dos camponeses. (p 63).

3 – Relações entre as classes sob o absolutismo real

Logo de inicio Barrington faz uma pergunta bastante curiosa. Quem poderia adivinhar a França realizando uma revolução no século XVIII se olharmos como era essa sociedade no século XVII? A nobreza era controlada pelo rei absolutista e dificilmente se lançaria como no caso inglês, na conquista da era pré-industrial. Analisando o Estado Frances, Barrington demonstra como sustentar a corte era cara e explorava demais a sociedade. Mas era preciso pagar os salários de quem trabalhava para a máquina burocrática. Para obter mais recursos, então, o rei passou a vender os cargos públicos dando-lhe com ele um titulo de nobreza que se tornou hereditário no decorrer dos anos.

De inicio essa medida se mostrou muito lucrativa e compensadora, mas foi o tendão de Aquiles no século seguinte quando os servidores públicos ocuparam os principais cargos burocráticos e jurídicos e com isso adentraram no espírito do corporativismo fazendo dessa característica o “principal baluarte de resistência ao despotismo absoluto” (p 70), uma clara e ativa ameaça ao poder do rei. A coroa tentou eliminar de todas as formas essa venda de cargos e teve êxito pondo em pratica uma lei em 1771 encontrando fortes opositores intelectuais proeminentes. Mas com a nomeação do novo rei três anos depois, sua primeira medida foi revogar essa lei semeando um dos fatores da guerra civil francesa no século seguinte. A monarquia não seguiu uma política consistente e desmoronou.

4 - A ofensiva aristocrática e o colapso do absolutismo.

Tomando atitudes mais administrativas e menos patriarcal com intuito de aumentar suas rendas, a zona agrária francesa experimentou por um breve período um limitado movimento de enclouser inclusive com pagamento em espécie para o camponês como em um regime capitalista. Isso, contudo, não chegou a revolucionar a agricultura ou eliminar o poder político do camponês como no caso britânico, pelo contrario, com o aumento de impostos e ressuscitamento de outros cada vez mais os camponeses se viam hostilizados pelo regime absolutista.

Entretanto, a monarquia transformava os plebeus ricos em aristocratas fundiários que necessitavam de proteção feudal. Ao contrario da aristocracia inglesa, a francesa não queria perder seus privilégios com a intromissão da coroa. A função corporativista dos funcionários públicos, principalmente dos

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juristas, tornava essa nova burguesia cada vez mais forte diante do rei. Ainda sim, aponta Barrington, seria um erro tratar da Revolução como burguesa e capitalista apenas. O capitalismo se instalou na França sobre a sombra do feudalismo ajudando, lentamente, a colapsar o antigo regime.

5. Relações dos camponeses com o radicalismo durante a Revolução.

Nesse momento a analise de Barrington se volta para as camadas mais pobres da zona rural francesa, os camponeses que possuíam uma mínima quantidade de terra, incapaz de prover sustento e os que nem terras possuíam. E os novos nobres eram justamente os que defendiam com veemência a defesa da não divisão de terras. Como efeito a essa causa, ficou nítida a divisão entre os camponeses já que os mais pobres eram, como sempre, os mais prejudicados; e com passar dessa situação, foram justamente as camadas mais pobres, e substancialmente mais volumosas, que defendiam as violentas teorias igualitárias. Já que a modernização, para eles, impedia a divisão de terras e os condenava a morte pela fome. Vale mencionar, entretanto:

Muito dos nobres mais ricos, e especialmente dos nobres liberais que desempenharam papeis de relevo nessa fase inicial da Revolução, estavam absolutamente dispostos a fazer concessões substanciais. Em questões agrárias, estavam dispostos a sacrificar alguns direitos feudais mais opressivos sem qualquer indenização. (p 85).

Em termos básicos, essa parte do livro trata do momento histórico da eminência da Revolução camponesa. Um clima de boatos e incerteza toma conta da França, principalmente de Paris. As cidades tornaram-se ilhas fortificadas cada uma com seus interesses pró ou contra revolução. O camponês que já vinha passando por dificuldades ainda teve que passar por colheitas substancialmente pequenas por causa de desastres naturais em dois anos seguidos; somado a isso a exploração feudal cada vez maior da sua produção e a inacessibilidade de ser possuidor de terra fez emergir de vez a violenta revolução camponesa. Assim convém destacar que sua situação nesse contexto; o camponês era o pivô da revolução, mas não era a força motriz dessa e ainda sim, foi o responsável diretamente pela maior conquista do levante: o desmantelar do feudalismo.

Em comparação com o caso inglês, a coroa francesa perdeu a chance de constituir uma monarquia constitucional regida pela classe burguesa com a fuga e captura do Rei durante o segundo levante camponês. Aqui os camponeses lograram mais direitos e quase acabaram com as remanescentes leis de direito a propriedade privada de terras.

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Entretanto, o governo ainda relutava em fazer uma reforma agrária reacendendo o embate dos camponeses mais ricos contra os mais pobres e juntando a eles estavam os radicais urbanos que também combatiam os ricos que se aproveitavam da revolução e atuavam como especuladores do mercado. Barrington a ponta que seria muito difícil satisfazer os camponeses mais pobres com o sancionamento da lei agrária sem afetar a revolução burguesa capitalista. Nesse momento, os camponeses vendiam seus produtos na própria zona rural por preços muito maiores do que se fossem vender em paris. O final da revolução radical foi marcado pelo fato do exército se voltar pela primeira vez contra a insurreição popular. Uma forte repressão tomou conta das cidades que, indefesa, nada podia fazer sem o apoio dos camponeses.

6. Os camponeses contra a Revolução.

A contra revolução rural da Vendeia, também muito violenta, ficou marcada pelo fato de ser a única insurreição direcionada para “aquilo que chamamos de Esquerda” (p 103). Segundo Barrington, os camponeses lutavam em defesa do Rei e dos Bons Padres. Seu principal impulso dessa contra revolução foi o anticapitalismo que estava inserido dentro da Vendeia. Dentre suas investigações históricas, o autor menciona que as provas estudadas dessa região francesa apontam para uma vida social feudal muito pacifica e pouco exploratória no sentido feudal do senhorio e camponês. A exploração burguesa era praticamente inexistente na Vendeia. Assim, de modo geral, fica notável que essa sociedade rural não apoiava a Revolução camponesa do resto da frança, pois eles não passaram pelas mesmas dificuldades dos seus companheiros do restante do país e resistiram violentamente contra a chegada das ideias revolucionarias e as tropas propriamente ditas. A revolução, em termos simplórios, era vista como um ataque à sociedade camponesa da Vendeia. E tal sociedade era constituída por pessoas que habitavam residências bem distantes uma das outras ao passo que as relações sociais eram mantidas apenas quando em circunstâncias religiosas, e justamente um dos cunhos da Revolução Francesa era o combate ao clero. Ao fazê-lo ali, na Vendeia, “era como atacar a cavilha de segurança da sociedade rural” (p 109).

7. Consequências sociais do terror revolucionário.

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Aqui, Barrington faz algumas perguntas relevantes principalmente do caráter extremamente violento da revolução francesa. Sua primeira indagação consiste em saber se foi realmente necessário todo o sangue derramado e se com isso algo foi conquistado. Após uma retomada de fatos já analisados, ele chega à conclusão que era inevitável para França a conquista do Estado Moderno sem ter que passar por uma revolução e suas consequências, pois é consenso que a revolução burguesa jamais teria avançado tanto sem a pressão dos radicais. A estrutura social francesa era enraizadamente diferente da inglesa para que a transição para o mundo moderno acontecesse de maneira mais pacífica:

A revolução francesa feriu mortalmente todo conjunto de interligado de privilégios aristocráticos: monarquia, aristocracia proprietária, e direitos senhoriais, conjunto que constituía a essência do antigo regime. Fê-lo em nome da propriedade privada e igualdade perante a lei, características essenciais das democracias parlamentares ocidentais. (p 116).

A antiga aristocracia proprietária havia desaparecido da arena política e teve como principal consequência à negação da formação de uma base fascista ou comunista. Assim, a Revolução Francesa acabara por contribuir para o desenvolvimento de uma democracia parlamentar na França. Aqui temos a principal consequência desse período na frança que posteriormente culminou no estabelecimento do Estado Moderno Frances.

8. Recapitulação.

Creio ser desnecessário comentar essa parte do livro, pois é justamente o que diz. Um resumo de duas paginas sobre como a insatisfação do camponês com a pressão do antigo regime o fez apoiar um movimento burguês, mas em contra partida, também ditou até onde essa burguesia podia concentrar poder em suas mãos. A força violenta campesina intimidou essa nova burguesia onde tiveram por único caminho a via da política da democracia parlamentar pela igualdade junto às leis. A base de uma democracia capitalista moderna estava montada.

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Capitulo III

A Guerra Civil americana: A última revolução capitalista.

1. Plantação e fábrica: conflito inevitável?

Para deixar bem claro o quão diferente foi o caso norte americano, o autor já contrasta alguns pontos em relação ao caso britânico e Frances. Os Estados Unidos não teve que lutar contra uma aristocracia fundiária pré-capitalista nem desmantelar uma sociedade agrária, pois eles não tinham uma quantidade de camponeses como nos casos europeus. A violência seria o único ponto bem em comum do caso americano para os europeus. A revolução americana e a guerra civil estão como os conflitos mais sangrentos de suas épocas da historia moderna principalmente a ultima, dada como marco entre a época agrícola da industrial no contexto americano e tendo recebido a alcunha de ultima revolução capitalista burguesa em analise global.

Barrington retoma a analise desses dois episódios dando menos ênfase a revolução americana por esta não ter gerado mudanças fundamentais na estrutura social, pois não passou de uma luta entre interesses econômicos entre uma colônia e sua metrópole. A guerra civil é palco de analise sobre o escopo da escravidão do Sul e da industrialização do Norte frente a uma possível conciliação para que se evitasse o conflito. Afinal haveria motivos para pegar em armas? “Os capitalistas não punham objeções à obtenção de materiais produzidos por escravos, desde que se pudesse obter lucro ao trabalhá-los e revende-los. De um ponto de vista estritamente econômico, a mão de obra assalariada e a escravidão tem tanto potencial para negócios como para conflito. De modo geral, não se encontra aqui, motivos abstratos para a luta”. (p 27)

A indagação do autor é: se existia meios de conciliar a escravatura com a indústria, como nos moldes alemães dos Junkers porque não o fizeram? Apartir dessa questão, Barrington passa por uma grande análise da historia norte americana.

2. Três formas do desenvolvimento capitalista americano.

Nesse ponto, Barrington trata mais precisamente de como o comércio interno dos EUA se desenvolveu a partir dos negócios entre Norte industrial e o sul escravagista. Aqui a historia toma um novo rumo quando entra o Oeste. Antes disso, o sul vendia a matéria prima pro norte e este a transformava em mercadoria na qual gerava mais lucro para o empresário

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nortenho do que para o dono de terras sulista. O sul era basicamente abastecido por gêneros alimentícios vindo do Oeste que estava em vias de avanço de colonização. E ai é que gera crises políticas com descontentamento sulista. Uma das propostas do governo americano era dar terras do oeste pra quem fosse se estabelecer por lá. Com passar do tempo, logo se desenvolveu uma grande economia agrícola como era no Sul. A diferença era que a agricultura do oeste era composta por pequenas propriedades sem escravos. A mente empresarial do Norte alcançou o oeste e o fortalecimento do comércio entre eles aconteceu rapidamente levando ao agravamento da crise política sulista somando a pressões globais para o fim da escravidão.

3. Para uma explicação das causas da Guerra.

Nesse ponto, surge uma análise profunda das questões socioeconômicas e as relações de poder, principalmente, que envolveram as três regiões em desenvolvimento que apesar de terem características distintas todas elas unidas pelo sistema capitalista.

Um comentário do autor bastante pertinente assinala que a ausência de agitamento político por parte dos trabalhadores industriais do norte somado ao fato de que os EUA não possuíam fronteiras ameaçadas por um inimigo forte convergirá para que forças militares e políticas se confrontassem internamente.

4. O impulso revolucionário e seu insucesso.

Aqui Barrington parte de um fato: a guerra civil dividiu as classes dominantes de um modo muito mais forte e profundo do que o que aconteceu na Europa, no caso inglês e Frances. No velho continente, essa cisão permitiu o aparecimento mais efetivo das camadas mais baixas da sociedade. Nos EUA, isso não aconteceu.

Essa base era composta por pessoas escravas no sul do país. A estes foram prometidos a sua liberdade e seriam dadas pequenas áreas de terras para prover seu sustento de forma mini capitalista como o que vinha acontecido no Oeste.

Porém, apesar de terem perdido a guerra, o sul não foi obliterado como o seria caso fosse outra nação. Os grandes proprietários de terras do sul permaneceram com suas posses já que a liberdade democrática do governo defendia o direito a propriedade privada. O negro continuou “escravo” de condições socioeconômicas frente à “supremacia branca”.

5. O significado da guerra.

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De forma bem sagaz Barrington demonstra que não foi a guerra que impulsionou de forma avassaladora o desenvolvimento capital no pós-guerra, mas sim as leis de liberdade e defesa de propriedade que serviram de balizadores quanto a questões sociais e políticas impedindo uma força revolucionaria de ganhar terreno a qualquer que fosse a causa. O governo do Norte se fez hegemônico em sua política de integração em prol do desenvolvimento do capitalismo.

Conclusão.

Dentro da metodologia sociológica histórica comparativista de Barrington More Junior podemos inferir que as três vias do capitalismo para o surgimento do Estado Moderno, examinadas aqui, receberam a alcunha de revolução burguesa. Isso se deve ao fato da tese marxista na qual uma classe forte e independente de habitantes citadinos, ou seja, a burguesia tem sido um elemento chave no desenvolvimento da democracia parlamentar: “sem burgueses não há democracia”, cita Barrington.

Entretanto, a zona agrária foi ostensivamente analisada indo no primórdio do contexto das relações sociais do sistema medieval europeu de susserania e vassalagem, do senhor feudal e do camponês que estava preso a terra por diversos fatores. Esse sistema era praticamente auto suficiente e começou a colapsar quando o desenvolvimento comercial surgiu, impondo cada vez mais obstruções ao lavrador.

A aristocracia proprietária inglesa abraçou a causa da agricultura comercial, sendo pioneira nesse sentido, excluindo as relações de poder do camponês paulatinamente. Por outro lado, a elite francesa explorava ao Maximo o camponês para que pudesse adquirir gêneros e mercadorias e posteriormente vende-las no comercio. Em ambos os contextos, a revolução prejudicou a elite por forças vindas dos camponeses originando uma democracia parlamentar. Nos Estados Unidos, a escravidão sulista alavancou o capitalismo tanto quanto as indústrias do norte. Entretanto, com seu fim, no pós-guerra, a democracia parlamentar foi fortalecida.

Ao falar em revolução burguesa, ou revolução capitalista, Barrington procura resaltar o quanto esses confrontos foram movimentos marcados dentro de um longo processo violento de alterações políticas precedendo o que hoje conhecemos como o surgimento do Estado Moderno que, em síntese, exigiram que se evitasse um poder absolutista ou um aristocracia muito independente procurando uma justa exploração do sistema agrário comercial e, não obstante, a proteção dos camponeses e operários frente aos aristocratas agrários e empresários industriais.

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BIBLIOGRAFIA.

MOORE JR, Barrington, As origens Sociais da ditadura e da democracia. Senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Editora Edições 70, Lisboa, 1966. Edição de 2010.