reprodutibilidade e construÇÃo na escultura...

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES REPRODUTIBILIDADE E CONSTRUÇÃO NA ESCULTURA MODERNISTA Patrícia Isabel Domingues Gonçalves Dissertação Mestrado em Escultura Especialização em Estudos de Escultura Dissertação orientada pelo Prof. Doutor José Manuel da Silva Teixeira 2017

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

REPRODUTIBILIDADE E CONSTRUÇÃO

NA ESCULTURA MODERNISTA

Patrícia Isabel Domingues Gonçalves

Dissertação

Mestrado em Escultura

Especialização em Estudos de Escultura

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor José Manuel da Silva Teixeira

2017

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RESUMO

Esta dissertação pretende estudar dois procedimentos escultóricos que contribuíram

para a transição do Classicismo para a Modernidade – a Reprodutibilidade e a Construção.

Nesse sentido, são apresentados e analisados vários estudo de caso do contexto artístico

português e internacional, desde os finais do séc. XIX até meados do séc. XX, período que

ficou designado por Modernismo.

A reprodutibilidade não foi fruto do séc. XX, mas de um longo processo que conduziu

à mudança de paradigma no começo desse século. É observado o seu impacto no Ensino

Artístico, a partir da análise de três modelos de aprendizagem, que apostaram na reprodução

como principal metodologia pedagógica. A reprodução de obras de arte, fosse por via do

ensino ou por iniciativa dos artistas, contribuiu para a proliferação das próprias esculturas e,

consequentemente, deu enfâse ao caráter didático e plástico da reprodutibilidade. O interesse

pela prática da reprodução técnica como meio de criação artística começou a manifestar-se

nos finais do século XIX, com Auguste Rodin, pioneiro da escultura moderna. Também

Pablo Picasso e Marcel Duchamp foram precursores e influentes durante o Modernismo, e

a importância pelas suas produções artísticas nesta investigação, deveu-se ao facto de ambos

terem tirado partido da reprodução das suas próprias obras, através da criação de séries e

edições. No caso de Constantin Brancusi, o uso da reprodução esteve relacionado com a

forma como o escultor romeno retomou os mesmos temas ao longo da sua carreira artística.

Também aconteceu os escultores recuperarem temas e obras de outros artistas, e como

exemplo disso são mencionados Alberto Giacometti e Umberto Boccioni.

A construção é abordada segundo uma perspetiva que encontra nos papiers collés de

Picasso, mais tarde designados por collage, a origem do processo construtivo. Nesse sentido,

defende-se que a collage abriu portas para dois modos de construir: um mais centrado nas

potencialidade dos materiais e significado dos objetos apropriados pelos escultores que se

encarregaram de os selecionar, recuperar e recontextualizar dentro do meio artístico, como

foi o caso das assemblages, das apropriações, dos ready-mades e dos objetos Dada e Surrealistas; o

outro, mais direcionado para a técnica propriamente dita de construir, com “novos” materiais

industriais e processos técnicos inovadores. Em suma, deve ter-se presente que a construção

é o procedimento técnico que melhor caracteriza a escultura moderna, que veio a atingir o

seu apogeu com o Minimalismo.

Palavras-Chave:

Escultura; Reprodutibilidade técnica; Construção; Modernismo; Reprodução.

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ABSTRACT

This dissertation intends to study two sculptural procedures that contributed to the

transition from Classicism to Modernity – Reproducibility and Construction. Therefore, a

case study of the Portuguese and international artistic context is presented and analysed,

from the end of the nineteenth century until the middle of the twentieth, which was

designated by Modernism.

Reproducibility was not a product of the twentieth century, but of a long process that

led to the paradigm shift at the beginning of this century. Its impact on Artistic Teaching is

observed, based on the analysis of three learning models, which opted for reproduction as

the main pedagogical methodology. Reproduction of works of art, whether by teaching or

by the artists' initiative, contributed to the proliferation of the sculptures themselves and,

consequently, emphasized the didactic and plastic nature of reproducibility. The interest in

the practice of technical reproduction, as a mean of artistic creation, began in the late

nineteenth century, with Auguste Rodin, pioneer of modern sculpture. Also Pablo Picasso

and Marcel Duchamp were precursors and influential during the Modernism, and the

importance for their artistic productions in this investigation, is due to the fact that both of

them took advantage of the reproduction of their own works, through the creation of series

and editions. In the case of Constantin Brancusi, the use of reproduction was related to the

way the Romanian sculptor took up the same themes throughout his artistic career. There

were also sculptors that recovered themes and works of other artists, and Alberto Giacometti

and Umberto Boccioni are examples of that.

The construction is addressed according to a perspective that is the Picasso’s papiers

collés, later called collage, the origin of the construction process. In this sense, it is argued that

the collage lead to two different ways to build: one more focused on the potential of materials

and meaning of objects owned by sculptors who were in charge of selecting, retrieving and

re-contextualised within the art world, as was the case the assemblages, of appropriations, the

ready-mades and objects Dada and Surrealist; the other, more directed to the actual construction

technique, with "new" industrial materials and innovative technical processes. In short, it

must be kept in mind that construction is the technical procedure that best characterizes

modern sculpture, which has reached its apogee with Minimalism.

Keywords:

Sculpture; Technical Reproducibility; Construction; Modernism; Reproduction.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao professor José Teixeira, principal responsável por me

direcionar e fazer encontrar respostas para as minhas inquietações. Sem ele, esta pesquisa

desafiante ter-se-ia tornado numa mera tarefa.

De imediato, agradeço à minha mãe, por me ter suportado e zelado por mim todos os

dias que deram origem a este trabalho. E também ao meu Irmão e à Kelly.

Agradeço ao meu pai pela eterna omnipresença, pela força e pelo conselho assertivo

nos instantes de dúvida.

Agradeço também a todos os meus amigos.

Também agradeço a todos os professores que contribuíram, de forma positiva, para o

meu percurso e que tiveram a capacidade de despertar e motivar o meu interesse em seguir

este caminho. Do mesmo modo, que estou grata a todo o corpo não docente da faculdade.

Um especial obrigada ao Sr. Martins, por todas as razões.

Por fim, e não menos importante, agradeço-te Telmo, por todos os momentos de

alento e calmaria, essenciais num período exigente. Por teres ouvido todos os meus desabafos

e partilhado da minha euforia. Pelo incentivo e confiança na minha total entrega e dedicação.

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ÍNDICE

I – Introdução ................................................................................................................. 6

II – Reprodutibilidade .................................................................................................. 10

2.1 – Conceito, Questões e Perspetivas ................................................................... 10

2.2 – Ensino Artístico, Aspetos Didáticos e Caráter Plástico.................................. 24

2.3 – Reprodução ..................................................................................................... 40

2.3.1 – Séries e Edições ....................................................................................... 41

2.3.2 – Reprodução de uma obra, de elementos e/ou de um tema do próprio artista .. 58

2.3.3 – Reprodução de uma obra e/ou de um tema de outro artista .......................... 75

III – Construção ............................................................................................................ 96

3.1 – Collage (Papier Collé), Assemblage e Apropriação ....................................... 96

3.2 – Ready-made, Objetos Dada e Surrealistas.................................................... 107

3.3 – Vanguarda Russa, Construtivistas, De Stijl e Bauhaus ................................ 122

3.4 – Júlio González, Pablo Picasso, Soares Branco e Delfim Maya .................... 130

IV – Conclusão ............................................................................................................ 143

Índice de Imagens ....................................................................................................... 154

V – Referências Bibliográficas .................................................................................. 164

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I – INTRODUÇÃO

A presente investigação, intitulada Reprodutibilidade e Construção na Escultura

Modernista, pretende analisar o modo como esses dois procedimentos escultóricos

contribuíram para a transição do Classicismo para a Modernidade. Nesse sentido, são

observadas várias obras de artistas portugueses e internacionais, compreendidas entre os

finais do séc. XIX e meados do séc. XX, período que ficou designado por Modernismo1.

O interesse por este tema, resulta de um conjunto de inquietações pessoais que

foram tomando forma ao longo dos últimos anos de estudo, após ter tido a oportunidade

de observar e pesquisar sobre a produção escultórica de vários artistas que manifestaram,

de algum modo, preocupações e motivações semelhantes às minhas. O fascínio por

descobrir as potencialidades da reprodutibilidade técnica na escultura, quando aliada aos

processos construtivos, foi uma constante que marcou o meu percurso académico. O

interesse pela correlação entre esses dois procedimentos, capazes de dar origem a uma

obra única, composta por inúmeras reproduções de si mesma, foi sem dúvida a principal

razão que me direcionou rumo a este trabalho de caráter científico, desenvolvido no

âmbito do Mestrado em Escultura. Movida pela curiosidade e conhecedora de algumas

das possibilidades plásticas resultantes da junção entre a reprodutibilidade e a

construção, propus-me a indagar sobre o modo como esses dois processos de criação

artística cooperaram na mudança do paradigma clássico e deram origem a um novo modo

de pensar e conceber a escultura moderna. Nesse sentido, importa apresentar e relacionar

diversos estudos de casos que não só tiraram proveito de processos metodológicos

associados à reprodutibilidade técnica das obras de arte, como também partilharam,

intrinsecamente, o pensamento construtivo na sua concretização.

No que diz respeito à bibliografia referente às temáticas abordadas, deve ter-se em

conta a disparidade de informação que existe relativa à reprodutibilidade na escultura,

em relação à construção. Ou seja, sobre a última, há bibliografia substancial, produzida

1 “O «moderno» pertence por definição à época presente. Por princípio não tem laços com

o passado. Não tem memória, não tem história. Falar da escultura moderna significa

portanto evocar uma escultura que rompeu com as tradições anteriores para se ligar

resolutamente a um «presente» que escolhemos situar entre 1900 e 1970.” – ROWELL,

Margit – Avant-propos. In «Qu’est-ce que la sculpture moderne?». Paris : Centre Georges Pompidou,

Musée National d’Art Moderne, 1986, p. 11.

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por autores importantes e influentes na reflexão e crítica da história da arte moderna.

Sobre a reprodutibilidade técnica da obra de arte, existe o incontornável ensaio de Walter

Benjamin (1892-1940), que serve de âncora na análise das principais questões e

problemáticas discutidas nesta investigação. Importa também mencionar os escritos

redigidos pelos próprios artistas sobre as suas obras e métodos utilizados na sua

realização, as informações disponibilizadas pelos Museus e instituições, assim como, com

o meu modesto conhecimento enquanto escultora, adquirido ao longo dos últimos anos

de formação.

A dissertação é composta por dois capítulos: o primeiro aborda a reprodutibilidade

e o segundo a construção. O capítulo inicial é composto por três subcapítulos: o primeiro

estuda o conceito, as questões e as perspetivas associadas à reprodutibilidade; o segundo

analisa a presença da reprodutibilidade no Ensino Artístico, os seus aspetos Didáticos e

o seu caráter Plástico; o terceiro investiga e relaciona vários estudos de casos que tiraram

proveito da reprodução nas suas produções artísticas. Por sua vez, o segundo capítulo,

que aborda a construção a partir de uma perspetiva que entende a existência de dois

modos de construir, está dividido em quatro subcapítulos: o primeiro e o segundo

estudam o primeiro modo de construir, cujo foco recai sobre os materiais e significado

dos objetos utilizados pelos artistas nas suas obras e, para isso, observamos a prática da

Collage (Papier Collé), Assemblage e Apropriação, bem como os ready-mades, Objetos

Dada e Surrealistas, respetivamente; o terceiro e o quarto subcapítulos analisam o

segundo modo, centrado na técnica de construir e, nesse sentido, estudamos os princípios

e algumas esculturas pertencentes à vanguarda russa, ao Construtivistas, ao movimento

De Stjil e à Bauhaus, assim como também observamos a construção em metal na

produção artística de Júlio González, Pablo Picasso, Soares Branco e Delfim Maya. No

final de cada capítulo, podem ser observadas imagens das obras referidas no corpo de

texto e a respetiva legenda. Em anexo, concentram-se os dados recolhidos sobre algumas

das esculturas que constam da pesquisa, cujo número de reproduções existentes justificam

a sua menção.

No primeiro subcapítulo, do capítulo inicial, começa-se por investigar o termo

reprodutibilidade, com o objetivo de perceber de que modo esse conceito foi entendido

dentro dos meios artísticos, bem como quais foram os acontecimentos e descobertas que

estiveram na sua origem. A partir do ensaio do filósofo alemão, intitulado A obra de arte

na época da sua possibilidade de reprodução técnica, que data de 1936, analisamos

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diversas perspetivas pertencentes a vários teóricos e artistas que nele apoiaram os seus

pareceres. Desse modo, é possível estudar diferentes entendimentos: uns que defendem o

prejuízo da obra de arte em detrimento da sua reprodução e outros que observam o

contributo dessa prática para a sua divulgação e prosperidade. As teorias mencionadas

permitem refletir sobre as principais questões associadas à reprodutibilidade técnica da

obra de arte, relacionadas com o conceito de originalidade, singularidade, aura, valor de

culto e falsificação. Para terminar, é feita referência ao impacto dos avanços tecnológicos

no desenvolvimento da reprodução digital da obra de arte, às alterações ocorridas na

relação entre o espectador e a obra, e ainda o papel dos Museus, como responsáveis e

fomentadores desse contacto, cada vez mais virtual.

No segundo subcapítulo, do primeiro capítulo, estuda-se o papel do artista enquanto

investigador e transmissor dos valores culturais, conhecimentos artísticos e estéticos, com

o objetivo de compreender de que forma a reprodutibilidade integrou o Ensino Artístico

e testemunhou a herança do sistema clássico. Nesse sentido, são expostos três modelos

de ensino, que tiraram proveito da reprodução como principal metodologia pedagógica,

nos quais dominava o exercício de cópia, representação e mimese, fosse a partir do real,

de modelos ou da própria reprodução mecânica das obras de arte. Em seguida, são

abordados os aspetos didáticos da reprodutibilidade, isto é, o modo como a reprodução

contribuiu para a proliferação das obras de arte, permitindo que as mesmas estivessem ao

alcance dos estudantes, dos historiadores, dos teóricos e do público em geral. Por fim, é

feita referência ao caráter plástico da reprodutibilidade e, nesse sentido, são referidos e

explicados alguns dos processos metodológicos utilizados pelos artistas na reprodução

das suas obras, entre eles, a trasladação e a moldagem. Também é feita a distinção entre

o molde de forma perdida e o molde de tacelos (ou silicone), de acordo com as

potencialidades de cada um deles, as vantagens e desvantagens do seu uso em função do

modelo em questão.

O terceiro subcapítulo, do primeiro capítulo, tem como objetivo analisar a presença

da reprodução em produções escultóricas portuguesas e internacionais. Começa-se por

explicar o que são séries e edições, as principais diferenças e semelhanças existentes entre

esses dois tipos de tiragens. Em simultâneo são apresentadas duas emblemáticas obras do

contexto artístico português, cuja reprodução ficou a cargo dos editores responsáveis

pelas mesmas, e ainda um outro conjunto de esculturas que constituem uma série criada

por Pablo Picasso. Na continuidade, investiga-se o interesse dos artistas em reproduzir

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um determinado elemento dentro da sua obra, uma escultura concluída ou, até mesmo,

um tema que já tenha sido abordado por si. Neste caso, são apresentadas diversas obras

do pioneiro da escultura moderna, Auguste Rodin, bem como de Constantin Brancusi e

Henri Matisse. Para terminar, observamos o modo como os escultores também retomaram

obras e temas que já tinham sido trabalhados por outros anteriormente.

No segundo capítulo apresenta-se uma breve definição do termo construção, a

partir do entendimento do filósofo francês, Étienne Souriau. Em seguida, é feita referência

a Picasso e a Georges Braque, enquanto precursores da técnica do papier collé (collage).

A perspetiva partilhada nesta investigação, encontra na collage a origem do processo

construtivo, que por sua vez está dividido em dois modos de pensar e construir a escultura.

O primeiro centra-se nas potencialidades dos materiais e no significado dos objetos, que

foram selecionados, recuperados e utilizados pelos artistas nas suas obras. Nesse sentido,

são observadas algumas esculturas construídas através da assemblage e apropriação de

materiais, bem como os ready-mades de Marcel Duchamp, e os objetos dadaístas e

surrealistas de Man Ray e Meret Oppenheim, respetivamente. O segundo modo foca-se

na técnica de construir, ou seja, os artistas interessaram-se por explorar as potencialidades

dos materiais industriais que tinham ao seu dispor, através de procedimentos técnicos

inovadores. Nesse sentido, começa-se por observar os baixos-relevos de Vladimir Tatlin

e, no seguimento, são analisadas outras obras realizadas pelos construtivistas russos.

Também é feita referência a duas instituições de ensino europeias que partilharam de

diretrizes similares, De Stijl e Bauhaus. O capítulo termina com a análise da obra

escultórica de Júlio González, pioneiro da soldadura e, ainda, de dois outros artistas

portugueses: Soares Branco, que explorou as posibilidades do metal repuxado; e de

Delfim Maya, que construiu as suas obras através da planificação, corte e dobragem de

chapas de metal.

Este trabalho permite observar e refletir sobre o modo como a reprodutibilidade e

a construção fizeram parte e contribuíram, enquanto procedimentos escultóricos, para a

produção artística modernista. A análise de estudos de casos, emblemáticos, abriu novas

perspetivas, contudo não nos foi possível explorar todos os horizontes que ao assunto

caberiam, face aos limites impostos pelas características inerentes a esta investigação.

Acreditamos que o gosto e curiosidade por estudar e relacionar diferentes esculturas ao

longo deste trabalho seja notória, permitindo uma leitura tão prazerosa e estimulante

quanto foi a concretização desta dissertação.

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II – REPRODUTIBILIDADE

2.1 – Conceito, Questões e Perspetivas

A palavra reprodutibilidade dá indicação da sua faculdade de reprodução2, que

significa determinado ato ou efeito de reproduzir ou de reproduzir-se. É sinónimo de

propagação, repetição, multiplicação, imitação e cópia3. Por sua vez, o verbo transitivo

reproduzir, do latim reproducere, exprime o ato de “produzir de novo; tornar a produzir.

Apresentar, exibir, mostrar de novo […] traduzir fielmente; copiar, imitar, retratar […]

repetir-se, multiplicar-se, aparecer mais de uma vez, nascer ou manifestar-se muitas

vezes. Renovar-se, recomeçar”4. A partir da definição da palavra reprodução e reproduzir

percebemos que elas estabelecem ligação com um outro termo, importante no contexto

artístico e do qual tiraremos proveito na presente investigação, repetição e repetir

(respetivo verbo).

O termo repetição, cuja origem vem da palavra repetitione do latim, remete para o

ato ou efeito de repetir5, definição semelhante à de reprodução, uma vez que são palavras

sinónimas, com significados são semelhantes. O verbo transitivo repetir, proveniente do

termo latim repetere, remete para a ideia de “tornar a fazer, fazer novamente; fazer

reprodução da mesma obra”6. Esta aceção insere a noção de reprodução no meio artístico,

uma vez que abre a possibilidade e aborda uma questão muito pertinente, que tem sido

motivo de debate, principalmente, desde o começo do século XX: a presença da

reprodução da obra de arte e respetivos benefícios e prejuízos da sua reprodutibilidade.

Retomaremos aos conceitos anteriores, porém de uma forma menos ampla e mais

direcionada ao contexto artístico, ao expormos alguns dos entendimentos apresentados e

defendidos por autores, de diferentes épocas, que nos parecem pertinentes não só pelos

diferentes contributos que deram sobre o significado dos termos, mas também pela visão

e pelo pensamento subjacente nessas definições, revelando diferentes perspetivas sobre

as mesmas terminologias.

2 “Reprodutibilidade – s. f. qualidade de reprodutível.” – MACHADO, José Pedro – Grande dicionário de

língua portuguesa. Lisboa : Alfa, 1991. Vol. 5. p. 483. 3 COSTA, Joaquim Almeida – Dicionário da língua portuguesa. 8ª ed. Porto : Porto Editora, 1998, p.

1418. 4 MACHADO, José Pedro – Op. Cit., p. 484. 5 “Repetição – s. f. acto ou efeito de repetir.” – COSTA, Joaquim Almeida – Op. Cit., p. 1416. 6 MACHADO, José Pedro – Op. Cit., p. 478.

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Quando procuramos uma definição para a palavra reprodução, rapidamente, a

associamos à ideia de reprodução humana ou à existência de um processo, ato ou efeito

de reproduzir ou de reproduzir-se, tal como já fora mencionado. No entanto, uma

reprodução também pode ser o resultado desse mesmo ato ou efeito de reproduzir ou da

sua própria reprodução, produto da ação referida. A ambiguidade terminológica não

permite que consigamos fazer uma distinção clara entre a causa/causador e o que é

causado, entre o que origina/originador e o que é originado, o que acaba por instaurar a

dúvida entre a identidade da reprodução e do que é reproduzido.

A reprodução como processo ou como produto desse mesmo procedimento, sempre

esteve presente no meio artístico, por outras palavras, a obra de arte sempre foi

reprodutível7. É importante que tenhamos consciência que a reprodutibilidade não

emergiu no século XX, pois já o Classicismo tirou partido de metodologias que permitiam

a reprodução de obras de arte. Pode considerar-se, a nível artístico, que a moldagem, a

cunhagem e a fundição foram as primeiras técnicas utilizadas pelos Gregos, que

admitiram a reprodução de terracotas, de moedas e de bronzes, respetivamente. Segundo

Lewis Mumford (1895-1990), estes primeiros processos de reprodução, tiraram partido

de moldes ou fôrmas padronizadas, que serviram para reproduzir inúmeras cópias exatas

das obras originais. O autor afirmou que esses foram os primeiros passos rumo ao “nosso

mundo atual”, direcionado para quantidade, para a produção em massa8.

A xilogravura foi responsável por dar início à reprodução das primeiras gravuras,

durante a Idade Média, à qual se juntou a litografia no começo do século XIX. No que

diz respeito à escrita, a sua divulgação deveu-se à tipografia, que possibilitou a sua

reprodução técnica, na qual a imprensa teve um papel essencial na sua disseminação

massiva, abrindo portas para a divulgação dos conhecimentos e das descobertas. A

gravura beneficiou da união entre a litografia e a impressa, pois teve a oportunidade de

propagar-se através das ilustrações do quotidiano9. Contudo, no começo do século XX,

7 “Por princípio, sempre foi possível reproduzir a obra de arte. Sempre os homens puderam copiar o que

outros tinham feito.” – BENJAMIN, Walter – A obra na época da sua possibilidade de reprodução técnica.

In «A modernidade». Lisboa : Assírio & Alvim, 2006, p. 208. 8 MUMFORD, Lewis – Arte & técnica. Lisboa : Edições 70, 1986, p. 80. 9 BENJAMIN, Walter – A obra na época da sua possibilidade de reprodução técnica. In «A modernidade».

Lisboa : Assírio & Alvim, 2006, p. 208-209.

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surgiu a fotografia que derrubou e ultrapassou todos os avanços conseguidos até então. A

disseminação da fotografia foi de tal modo acelerada que conseguiu acompanhar a fala10.

É oportuno abordar o aparecimento e o desenvolvimento da xilogravura de uma

outra perspetiva, não pelo interesse da gravura em si para a presente investigação, mas

pelo impacto que a reprodução de imagens teve nas produções artísticas e,

consequentemente, na receção delas por parte da sociedade. A reprodução mecânica de

imagens, neste caso, de gravuras, gerou uma questão que foi e continua a ser debatida nos

meios artísticos, por parte de teóricos, historiados e pelos próprios artistas: o impacto da

reprodutibilidade na originalidade da obra de arte. Se para alguns a reprodutibilidade

prejudicou a singularidade (originalidade) da obra de arte e a sua credibilidade, para

outros, esta saiu em seu benefício e permitiu a divulgação e prosperidade da própria arte.

Como já fora mencionado, a xilogravura trouxe consigo a reprodução mecânica de

imagens, cuja melhoria processual permitiu diminuir os custos das reproduções, das

gravuras. Procurava-se também o aperfeiçoamento da mestria técnica e da exploração

estética daqueles que eram os meios de comunicação da época. A gravura começou a ser

comercializada como qualquer outra mercadoria, conquistando o seu lugar na circulação

mercantil, devido ao seu valor monetário baixo, originado pela redução dos custos de

reprodução. Desse modo, passou a estar mais presente no quotidiano da sociedade,

admitindo maior contacto com as obras. Todavia, segundo Lewis Mumford, esta presença

tornou-se vulgar e teve os “seus custos”, pois a reprodução da gravura e respetiva

distribuição fez com que esta perdesse a sua originalidade, enquanto obra singular11.

Embora o autor tenha considerado que a reprodutibilidade técnica da obra provocou o

prejuízo da mesma, no que diz respeito à sua qualidade enquanto única, também

esclareceu que devido a essa mesma reprodutibilidade a imagem alcançou a sua

democratização, graças aos triunfos universais da máquina e da sociedade12.

10 “Com a fotografia, a mão liberta-se pela primeira vez, no processo de reprodução de imagens, de

importantes tarefas artísticas que a partir de então passaram a caber exclusivamente aos olhos que vêem

através da objectiva. Como o olho apreende mais depressa do que a mão desenha, o processo de reprodução

de imagens foi tão extraordinariamente acelerado que passou a poder acompanhar a fala. Ao «rodar» o

filme no estúdio, o operador cinematográfico fixa as imagens com a mesma rapidez com que o actor fala.

Se a litografia continha virtualmente o jornal ilustrado, a fotografia veio possibilitar o cinema sonoro.” –

Ibid., p. 209. 11 MUMFORD, Lewis – Op. Cit., p. 80-81. 12 “Foi uma vitória para a democracia, alcançada nas artes muito antes de a sua afirmação, a de que todos

os homens são iguais, ter sido apresentada em política.” – Ibid., p. 81-82.

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Outro autor que manifestou uma opinião semelhante à de Lewis Mumford, sobre a

originalidade da obra e a perda da sua credibilidade causada pela sua reprodutibilidade,

foi Juan Cabrera (1961-). Contudo, é muito importante que tenhamos em consideração as

épocas em que cada um deles se insere, tendo em conta que Lewis Mumford nasceu no

final do século XIX e teve a possibilidade de testemunhar quase a totalidade do século

XX. Enquanto Juan Cabrera, nasceu já no decorrer do século XX, sem que pudesse

presenciar as mudanças artísticas ocorridas durante esse período da mesma forma que

Lewis Mumford. Devemos atribuir maior importância aquele que foi o primeiro filósofo

a abordar as questões relacionadas com a reprodutibilidade técnica da obra de arte,

Walter Benjamin (1892-1940), devendo-se a ele o princípio e a legitimidade deste

assunto. Reconhecemos que todos os outros autores abordados no decorrer desta

investigação assentaram as suas críticas, perspetivas e teorias, maioritariamente, no

ensaio do filósofo alemão, intitulado como A obra de arte na época da sua possibilidade

de reprodução técnica (1936)13.

O conceito de originalidade da obra de arte, embora tenha sido criado e

desenvolvido por Walter Benjamin, foi alvo de debate por parte de alguns autores, que

apresentaram vários entendimentos e alterações dessa mesma terminologia quando

aplicada à obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. Uma das perspetivas

entendeu que a originalidade da obra de arte foi submetida ao prejuízo da sua

reprodutibilidade, ou seja, a obra foi compreendida enquanto cópia e por essa razão foi

considerada oposta à originalidade14. A reprodução foi “atirada” para as antípodas do que

era genuinamente artístico: a criação, a origem de algo nunca antes visto e a epifania do

génio artista que encarnava e regenerava a inesgotável proliferação da Arte. Esta postura

13 O titulo original da obra é: Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit; no

entanto, existem várias traduções, sendo a mais comum: A obra de arte na era da sua reprodutibilidade

técnica. 14 Neste sentido fará sentido tirar partido das palavras de Platão, que defendeu existirem três formas de

existência de um objeto, neste caso de uma cama. “Uma que é a forma natural, e da qual diremos, segundo

entendo, que Deus a confecionou […] outra, a que executou o marceneiro […] outra feita pelo pintor […]

Por conseguinte, a arte de imitar está bem longe da verdade, e se executa tudo, ao que parece, é pelo facto

de atingir apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma aparição.” O filósofo fez questão

de deixar bem explicito a sua opinião em relação aos artistas e às suas obras, que são meras imitações da

obra divida, de Deus. – PLATÃO – A républica. 4ª ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p.

455-457.

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artística em relação à reprodutibilidade da obra de arte culminou na sua descritibilidade

e censura15.

Uma outra perspetiva entendeu que a natureza da Arte estava na sua originalidade,

que tinha sido esquecida com a influência crescente dos processos reprodutivos. Esta

teoria defendeu que tais procedimentos só poderiam sair em benefício da Arte quando o

homem “aprender a dominar o fluxo de imagens e sons que atualmente nos submerge,

quando controlar a ocasião, a quantidade, a duração, a frequência da repetição, de acordo

com as nossas necessidades e a nossa capacidade de assimilação”16. Era preciso que o

espectador criasse critérios de valor e medidas racionais para que pudesse aferir a

qualidade das imagens por entre a sua quantidade. Nesse sentido, passou a existir uma

necessidade, provocada pela produção quantitativa de imagens, que anteriormente era

controlada pela sua escassez17. As preocupações e os condicionamentos artísticos viram-

se forçados a mudar para dar resposta a uma sociedade que passou a ser consumidora de

arte. Lewis Mumford chamou a atenção para o modo como este fenómeno se traduziu na

postura passiva da sociedade perante as obras de arte, atitude semelhante à praticada

diante de qualquer ecrã que transmita imagens, que estão “a ser dadas a consumir” sem

que exijam qualquer atitude mais expressiva ou crítica em relação a elas18.

Já Walter Benjamin tivera refletido sobre a influência da reprodução técnica da obra

de arte na sua relação com as massas, segundo o qual, a tentativa de levar a obra até a um

15 A reprodução viu-se duplamente desacreditada. Por um lado, e segundo a perspetiva defendida por Platão,

a reprodução figurativa era capaz de reproduzir também os mesmo efeitos e afetos produzidos pela presença

do que fora reproduzido, o que tornava inadmissível qualquer representação, ou pior ainda, a reprodução

de qualquer elemento no âmbito artístico/estético. Por outro lado, a reprodução foi mal recebida pois ia

contra o que se considerava arte genuinamente estética, a “Arte Verdadeira”, como a arte do génio. Ao

analisar Arte como criação, não poderia de forma alguma conciliar-se com as soluções artísticas fornecidas

pela reprodução, como a cópia, a imitação, a emulação e tudo o que não pudesse passar por “original” –

CABRERA, Juan – El descrédito de la reproducción y la necesidad de una erótica del arte. In RAMOS

GUARDIX, Juan Carlos; QUARESMA, José – Ensayos sobre reproductibilidad. Granada : Universidad de

Granada, 2008, p. 32-33. 16 MUMFORD, Lewis – Op. Cit., p. 97. 17 Nesse período as obras eram produto individual, de trabalhadores individuais, que tinham um limite de

obras de arte que podiam produzir ao longo da vida, não existindo problemas quando ao excesso de obras

produzidas. Por essa razão, “os apetites se mantiveram vivos, porque só raramente podiam ser saciados.

Sob tais condições, não havia razão para se exercer um controlo vigilante sobre a quantidade, ou fomentar

uma disciplina de restrição e um hábito de selecção criteriosa; a única discriminação era a que se exercia

apenas na base da qualidade” – Ibid., p. 96. 18 Segundo Mumford era necessário contraria essa postura passiva, e nesse sentido defendeu que “numa

época de produção em massa, é necessário que todo o organismo esteja afinado ao seu nível mais elevado

de vigor, tenha que estar receptivo e responsivo […] mas também um estado elevado de alerta moral e

controlo consciente”18,só esta atitude permitiria ao espectador controlar e criar um equilíbrio entre a

quantidade e a qualidade certa, num determinado espaço e com o devido propósito. Esta postura do

espectador em relação às imagens ficou designada pelo autor, como essência da moralidade, a condição

mais importante para fruir a Arte. – Ibid., p. 98-99.

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15

grande número de pessoas resultou na sua própria crise, pois ela não tinha capacidade,

nem reunia as condições necessárias para que pudesse ser vista por um coletivo numeroso,

num mesmo intervalo de tempo, nem mesmo quando os salões e as galerias se propuseram

a realizar exposições dirigidas às massas19.

Retomaremos ao conceito de reprodução com o objetivo de apresentar um outro

entendimento do termo, que embora não seja esse o que pretendemos seguir na presente

investigação, é pertinente que o abordaremos, de forma breve, dando testemunho de um

outro ponto de vista que nos encaminhará para questões associadas à reprodutibilidade

da obra de arte.

No contexto artístico, a reprodução não foi apenas caraterizada pela sua qualidade

em gerar cópias, mas também pela possibilidade de fazer referência ao que foi

reproduzido. Esta visão não se focou apenas no ato de reproduzir determinado objeto,

porém no que estava a ser propriamente reproduzido. Entendeu a representação como a

metodologia de reprodução mais exclusiva e idiossincrásica da tradição ocidental, na qual

eram reproduzidas as qualidades físicas do que ou de quem estava a ser reproduzido,

tendo como objetivo alcançar uma resposta o mais fiel e semelhante possível ao que ou

de quem estava a ser representado (reproduzido)20. Esta perspetiva compreendeu a

reprodução como representação do natural, da mimese21 e, neste sentido, “desde o

princípio ao fim, a história das práticas e ideias do que designamos por «Arte», está

atravessada pela pretensão reprodutiva. […] É tão difícil exagerar na presença constante

da reprodução na Arte, como evitá-la”22. Segundo esta teoria, o Modernismo ficou

marcado pelo desprestígio da reprodução, que fora submetida a um processo sistemático

de desacreditação, que culminou na erradicação da reprodução como imitação e cópia

(representativa). Foram exigidas mudanças a nível artístico, por parte da sociedade, uma

vez que a economia necessitava de promover uma cultura apoiada no desejo de novidade,

em que se depositava na criatividade a ambição dessa mesma novidade e renovação23.

19 BENJAMIN, Walter – A obra na época da sua possibilidade de reprodução técnica. In «A modernidade».

Lisboa : Assírio & Alvim, 2006, p. 230-231. 20 CABRERA, Juan – Op. Cit., p. 37. 21 “Mímesis o imitación, en cuanto formas de imitar la realidade, dándole aquí al término imitar un sentido

originario: crear una cosa en lugar de otra, convertir una cosa en otra, afirmar que «esto es aquello» […]”

– BOZAL, Valentino – Mímesis: las imágenes y las cosas. Madrid : Visor, 1987, p. 111. 22 “De principio a fin, la historia de las prácticas e ideas que ponemos bajo el amparo del rótulo “Arte” está

atravesada por la pretensión reproductiva […] Tan difícil resulta exagerar la presencia constante de la

reproducción en el Arte como evitarla.” [Tradução Livre] – CABRERA, Juan – Op. Cit., p. 37. 23 Ibid., p. 37-38.

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A nossa abordagem tira proveito da perspetiva de Walter Benjamin, que fez questão

de evidenciar a distinção entre a noção de imitação e de reprodução24. Segundo ele, a

reprodução técnica tinha alcançado, em 1900, “um nível em que não só começou a

transformar em seu objecto a totalidade das obras de arte do passado e a submeter a sua

repercussão às mais profundas transformações, como também conquistou um lugar

próprio entre os modos de produção artística”25. Era precisa uma mudança na produção

artística, que implicou o “fim” da representação e o começo de uma nova forma de pensar

e de produzir Arte.

Nesse sentido, é pertinente que adotemos a noção de imitação defendida por Walter

Benjamin, pois esta direciona-nos para uma das problemáticas originadas pela capacidade

de produzir cópias, a falsificação. A Arte deparou-se sempre com esta questão, que

resultou muitas vezes no seu prejuízo, pois a reprodução foi de tal modo praticada que se

tornou praticamente indiscernível da obra reproduzida (original)26. Consequentemente,

foram colocados em causa os valores de autenticidade e originalidade das obras de arte.

Segundo o filósofo alemão, “a autenticidade de uma coisa é a essência de tudo o que ela

comporta de transmissível desde a sua origem, da duração material até à sua qualidade de

testemunho histórico”27, caraterística que a reprodução não poderia ter, por mais perfeita

que fosse. Pois falta-lhe sempre algo, o aqui e agora da obra de arte, que Walter Benjamin

entendeu como sendo a existência única, num lugar que determinada obra ocupa ou que

se encontra. Esclareceu que só uma obra original pode testemunhar as modificações de

que foi alvo ao longo do tempo, a nível físico, como as diferentes relações de propriedade

de que foi objeto28. O desejo de aproximação espacial aos objetos retirou-lhes a sua

qualidade enquanto realidades únicas, bem como a duração do original, que deu lugar à

24 “Sempre os homens puderam copiar o que os outros tinham feito. Essa imitação foi também praticada

por alunos que queriam exercitar-se nas artes, pelos mestres para a divulgação das suas obras, enfim, por

terceiros movidos pela ganância do lucro. Já a reprodução da obra de arte por meios técnicos é algo novo,

que se tem importo na história de forma intermitente, por impulsos descontínuos, mas com crescente

intensidade.” – BENJAMIN, Walter – A obra na época da sua possibilidade de reprodução técnica. In «A

modernidade». Lisboa : Assírio & Alvim, 2006, p. 208. 25 Ibid., p. 209. 26 Na perspetiva – reprodução como representação – é tida em consideração a reprodução parcial. O

exemplo seguinte esclarece o significado de reprodução parcial: quando uma escultura em pedra, que

representa um corpo feminino tem a capacidade de apresentar algumas das características desse mesmo

corpo representado, no entanto, há qualidades que lhe são inalcançáveis, como o peso real do corpo

feminino, o seu calor, o toque, entre outras particularidades que não podem ser reproduzidas por qualquer

outro material que não seja o próprio corpo humano. – CABRERA, Juan – Op. Cit., p. 41-42. 27 BENJAMIN, Walter – A obra na época da sua possibilidade de reprodução técnica. In «A modernidade».

Lisboa : Assírio & Alvim, 2006, p. 211. 28 Ibid.

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fugacidade e capacidade de repetição da reprodução29. Desta forma, a era da

reprodutibilidade foi a responsável pelo enfraquecimento e destruição da aura30 da obra

de arte, uma vez que a reprodução de objetos originou a libertação dos mesmos do

domínio da tradição. A sua multiplicação fez com que perdessem a sua qualidade

enquanto obras únicas e, consequentemente, o valor da herança cultural. Todavia,

permitiu que o objeto reproduzido se atualizasse e fosse ao encontro do recetor 31. O

caráter único da obra de arte é semelhante à forma como esta se instala no contexto da

tradição, de forma mutável. Entende-se por contexto tradicional, o meio em que uma

mesma obra de arte pode ser interpretada e entendida32, sabemos também que as primeiras

obras sugiram ao “serviço” do ritual, do culto mágico e depois religioso. A sua aura não

se pode desvincular, na sua totalidade, da sua função de ritual, “o valor singular da obra

de arte «autêntica» tem o seu fundamento no ritual, em que ela teve o seu valor de uso

original e primeiro”33.

Walter Benjamin também explicou que com a chegada da era da reprodutibilidade

técnica, a obra de arte teve a oportunidade de se libertar da sua função ritual, para passar

a existir em detrimento das possibilidades da sua reprodução, deixando de fazer sentido

refletir sobre a sua autenticidade. “No momento em que o critério de autenticidade deixa

de ser aplicável à produção de arte, então também toda a função social da arte se

transforma. A sua fundamentação ritualística será substituída por uma fundamentação

numa outra prática: a política”34. Os diferentes métodos de reprodução técnica de uma

obra de arte originaram a perda do seu valor de culto, ao mesmo tempo, que possibilitaram

a sua exposição. Anteriormente, a sua importância estava associada à existência e não à

sua observação. Por esse motivo, muitas vezes, as obras eram escondidas para que apenas

29 O autor deu o exemplo dos jornais, que testemunham a reprodução fugaz e a durabilidade quase

inexistente, não se podendo comparar com o caráter único e duradouro de uma pintura. – Ibid., p. 212-214. 30 A noção de aura defendida por Walter Benjamin está vinculada ao valor de culto, de ritual. O autor

compara-a com “[…] o aparecimento único de algo distante, por muito perto que esteja.” Esta descrição

formula o valor de culto numa perceção espácio-temporal, onde a essência não pode ser alcançada por mais

perto que estejamos dela. O culto partilha desta mesma caraterística: a impossibilidade de aproximação. A

aura conserva uma distância que não pode ser ultrapassada por mais próximos que estejamos da sua matéria,

a distância prevalece. – Ibid., p. 214. 31 “Pode dizer-se, de um modo geral, que a técnica da reprodução liberta o objecto reproduzido do domínio

da tradição. Na medida em que multiplica a reprodução, substitui a sua existência única pela sua existência

em massa. E, na medida em que permite à reprodução vir em qualquer situação ao encontro do receptor,

actualiza o objecto reproduzido.” – Ibid., p. 211. 32 Walter Benjamin dá o exemplo da escultura da Vénus de Milo, em que para os Gregos foi um objeto de

culto, enquanto, para os clérigos medievais foi um ícone nefasto. – Ibid., p. 214. 33 Ibid. 34 Ibid., p. 216.

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fossem vistas por determinadas elites sacerdotais. No entanto, com a “emancipação das

várias práticas artísticas do seio dos rituais aumentam as oportunidades de exposição dos

seus produtos”35. As obras de arte, rapidamente, alcançaram o seu valor de exposição36,

que não lhes exigia um lugar fixo e limitado ao interior de um templo, mas sim um lugar

variável que lhes atribuía e requeria caráter camaleónico. Dessa forma, a obra tornou-se

nómada (transumante), o que implicou a alteração do pensamento artístico e da função da

própria obra37.

A era da reprodutibilidade técnica não só foi responsável pela perda da aura,

contribuindo para a mudança da sua função, como também provocou modificações na

relação entre o espectador e objeto artístico. “A quantidade transformou-se em qualidade:

as massas de participantes, que aumentaram muitíssimo, provocaram uma modificação

do tipo de participação”38. Enquanto a arte exigia ao espectador a sua concentração, as

massas apenas procuravam causar distração no observador. Walter Benjamin admitiu que

“a possibilidade de reprodução da obra de arte torna-a objecto de distracção”39 e, ainda,

elucidou para o facto de que a cultura de massas não se restringiu apenas à reprodução

massiva de objetos do quotidiano ou de obras de arte, mas que também provocou

alterações no individuo, no seu modo de estar em sociedade40.

Com uma visão diferente da do filósofo alemão, no que diz respeito à presença da

aura na obra de arte, é proveitoso observar a obra de Andy Warhol (1928-1987). A partir

da sua produção artística verificamos que a reprodutibilidade técnica não extinguiu a

35 Ibid., p. 217. 36 Uma obra de arte pode ter três tipos de valor diferentes: o valor de uso, associado aos afetos que se podem

criar em relação à obra; o valor de troca, ligado a um determinado valor monetário que uma obra tem nos

mercados; e o valor de exposição, relacionado com o carater expositivo da obra num determinado espaço.

– Importa fazer referência à tese de Douramento em Escultura do professor doutor José Teixeira, intitulada

por Escultura Pública em Portugal : Monumentos, Heróis e Mitos (séc. XX), na qual esta questão foi

desenvolvido em maior aprofundamento. 37 BENJAMIN, Walter – A obra na época da sua possibilidade de reprodução técnica. In «A modernidade».

Lisboa : Assírio & Alvim, 2006, p. 217. 38 Nesta perspetiva, a qualidade da obra de arte passou a depender da sua quantidade, da sua reprodução.

Contrariando o pensamento: quantidade não é qualidade. – Ibid., p. 237. 39 Ibid., p. 499. 40 Segundo o filósofo “o aparecimento em massa de bens cujo valor se devia antes ao facto de serem únicos

não se limitou à arte. É quase desnecessário apontar a produção de mercadorias, campo no qual este

fenómeno, naturalmente, primeiramente se fez notar. Mais importante é acentuar que ele não se limita ao

âmbito dos bens naturais ou estéticos, mas se afirma igualmente no âmbito moral”. A partir deste excerto,

podemos perceber que Walter defendia que a cultura de massas passou a não estar apenas presente na

massificação de objetos, fossem de arte ou de uso comum, mas também exigiu ao individuo a

reprodutibilidade de funções morais, distintas das que este tinha até então. “A reprodução em massa das

obras de arte não está, assim, apenas ligada à produção em massa de produtos industriais, mas também à

reprodução em massa de atitudes e funções humanas. Ignorar estas ligações significa privar-se de todos os

meios que permitem determinar a função actual da arte.” – Ibid., p. 501.

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aura das obras de arte, ao invés disso aumentou e permitiu a sua germinação. No âmbito

do movimento pop, dos anos 60, o artista teve como objetivo tornar a Arte o mais

industrial possível, ao tirar partido de metodologias de fabrico massivo e seriado. Com

vista em defender o seu argumento, Andy Warhol deu o exemplo da pintura Guernica,

explicando que essa obra não teria alcançado tamanha significação, aura e própria

realidade (autenticidade), se não tivesse sido tão reproduzida. Logo, a reprodução

massiva de obras de arte permite a sua incrementação na realidade e, consequentemente,

o aumento da aura das obras originais41.

Neste sentido, se desagregarmos a palavra reprodução em re-produção, obtemos o

prefixo re- indicador de repetição, de algo que se volta a produzir, de uma ação que se

repete dando origem a um processo. Este prefixo pode sugerir a intensificação da presença

do que é produzido, para algo que se torna massivo e cuja significação e realidade

aumenta em função da sua reprodução42, indo ao encontro do ponto de vista que foi

partilhada por Andy Warhol, através das suas obras. Segundo este pensamento, a

repetição de uma determinada obra, através da sua reprodução, esteve na origem do

crescimento da sua aura.

Esta foi uma das perspetivas que contrariou o pensamento de Walter Benjamin, e

como esta surgiram inúmeras teorias que tiraram proveito das reflexões do filósofo,

opondo-se a elas ou apoiando-as, sendo esse um caminho fácil quando se trata de um

assunto, relativamente pouco explorado e que pode suscitar as mais variadas opiniões,

algumas delas com pouca relevância. Porém, consideramos que seja pertinente dar a

conhecer o modo como alguns teóricos e artistas abordaram a reprodutibilidade, sendo

esse o motivo que nos tem levado a apresentar diferentes perspetivas que julgamos serem

consistentes e com interesse para a presente investigação.

Douglas Davis (1933-2014), enquanto teórico, crítico, artista, professor e escritor,

desempenhou um papel ativo na arte contemporânea, interessando-se pela interatividade

e pelas potencialidades da evolução tecnológica, que permitiram o desenvolvimento da

sua produção artística ao longo de cinco décadas. Enquanto teórico e crítico, refletiu sobre

o impacto e as implicações presentes na obra de arte na era da sua reprodução digital.

Este autor também tirou partido dos ensaios de Walter Benjamin, contudo a sua reflexão

incide sobre o contexto artístico dos finais do século XX, quando a evolução tecnológica

41 CABRERA, Juan – Op. Cit., p. 40. 42 Ibid., p. 39-40.

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deu origem à era digital, momento que podemos considerar contemporâneo tendo em

conta a brevidade do século XXI.

No ensaio intitulado The work of art in the age of digital reproduction (1967),

Douglas Davis defendeu que a obra de arte tinha-se tornado formalmente e fisicamente

camaleónica, quis com isso dizer, que a réplica43 morta e o original autêntico e vivo

fundiram-se, deixando de ser possível fazer a distinção conceptual entre o original e a

reprodução, entre o estado puro e original e o imitativo e impuro. Segundo o autor, a era

digital contribuiu, fortemente, para que esses dois conceitos fossem desmoronados e se

tornassem indiscerníveis no contexto artístico. Ao abordar o conceito de aura, Douglas

Davis fez referência às reflexões de Walter Benjamin, que segundo ele, anteciparam de

carta forma aquilo que se veio a evidenciar na era da reprodução digital. Porém, também

esclareceu que se por um lado as profecias do filósofo alemão se tinham confirmado, por

outro, o conceito de aura tivera alcançado uma flexibilidade que ia muito além dos limites

por ele previstos44.

Consciente das alterações que a era digital implicou, não só nas obras como também

na observação das mesmas, o autor refletiu sobre a postura do espectador em relação à

infinidade de informação à qual tem livre acesso45. Segundo Douglas Davis, o observador

passou a atuar em conjunto com o artista. Ou seja, os avanços tecnológicos deram

oportunidade ao espectador de reproduzir digitalmente uma determinada obra, mas

também de alterar as suas qualidades plásticas, possibilitando a sua manipulação e

recriação. No seguimento desta elucidação, Douglas Davis mencionou aos programas que

permitiram ao espectador simular uma realidade virtual, na qual este pode experienciar

algo que é fictício como sendo “real”. Esta capacidade, produto da era digital, ultrapassa

a simples reprodução ou imitação de uma determinada obra de arte ou realidade, uma

43 “Réplica: s. f. acto de replicar, repetir: o mesmo que duplicação ou repetição de alguma obra d’arte.” –

RODRIGUES, Francisco de Assis – Diccionario technico e histórico de pintura, escultura, arquitetura

e gravura. Lisboa : Imprensa nacional, 1875, p. 324. 44 DAVIS, Douglas – The work of art in the age of digital reproduction (An evironment thesis: 1991-

1995). Leonardo. [S.l], 1967. ISSN 0024-094X. Vol. 28, Nº 5 (1995), p. 381. 45 A reprodução massiva de imagens, palavras, sons, e dos mais variado meios, na era digital, pode ser

justificada com a diferença entre os sinais analógicos e os bits digitais, que Douglas Davis fez questão de

explicar. Anteriormente, os sinais analógicos podiam ser reproduzidos, no entanto a sua reprodução

implicava perdas de qualidade dessas mesmas reproduções em relação ao original. O mesmo não se passou

em relação aos bits digitais, que possibilitaram a reprodução, imagens, vídeos, áudios, palavras ou qualquer

obra de arte fotográfica, sem que ocorressem degradações, mantendo-se fiéis às originais, após infinitas

reproduções. – Ibid., p. 382.

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vez que atenua a linha que separa o que é original do que é falso e, consequentemente,

mexe com as perceções46.

Sobre o conceito de aura, Douglas Davis lembrou que Walter Benjamin teve

precisão nas implicações lógicas da reprodução técnica, no entanto “[…] errou ao supor

que o mundo se curvaria à lógica, que a reprodução infinita de uma pintura ou de uma

fotografia diminuísse o que chamava de "aura" do original”47. Desse modo, esclareceu

que não foi isso que aconteceu, pois o interesse pela aura manteve-se e continuou-se a

investir em estudiosos que conseguissem encontrar obras “originais”, “autênticas”. O

conceito de aura persistiu, todavia a pós-modernidade fez com que esse passasse a residir

no aqui e agora, dependendo apenas do momento entre a obra e o espectador.

Nesse sentido, devemos recordar o papel preponderante que os Museus tiveram na

afirmação do Modernismo, potenciando e funcionando enquanto interlocutores entre as

obras de arte e a sociedade. Com a era digital os museus mantiveram as suas funções, no

entanto a relação presencial que era promovida anteriormente, adquiriu uma nova

dimensão, dando ao espectador a possibilidade de se relacionar com a obra virtualmente.

Estas modificações ocorreram devido ao desenvolvimento dos meios digitais e às “novas”

exigências da sociedade pós-modernista, que tinha ultrapassado o valor da obra de arte

enquanto única e duradoura, para passar a “consumir” reproduções de imagens, fossem

elas imagens bidimensionais ou tridimensionais, contribuindo para a repetibilidade e

transitoriedade da obra de arte48. Contudo, devemos ser conscientes que a aproximação

que os Museus Virtuais facultaram não pode, de forma alguma, substituir a relação direta

com a obra de arte, pois a sua reprodução digital não consegue alcançar a plenitude das

qualidades e características de determinada obra e, por isso, não concede a mesma receção

e perceção do objeto49.

No seguimento, é oportuno fazer referência ao texto intitulado O devir nómada da

sedentarização (1995), escrito por Adriano Duarte Rodrigues (1942-), no qual o autor

refletiu sobre a problemática com que a sociedade se tem vindo a deparar ao longo das

últimas três décadas, em relação às consequências dos avanços tecnológicos e dos meios

46 Ibid., p. 383. 47 “He ignored antilogic. He erred in assuming that the world would bow to logic, that the endless

reproduction of a painting or a photograph would diminish what he called the «aura» of the original.”

[Tradução Livre] – Ibid. 48 SEABRA, Augusto M. – A obra de arte na era da sua reprodutibilidade digital (I) [Em linha]. 49 SEABRA, Augusto M. – A obra de arte na era da sua reprodutibilidade digital (III) [Em linha].

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de difusão digital. Embora a sua contribuição não seja direcionada para o impacto da

reprodução digital das imagens nos museus, todavia transporta-nos para a realidade atual

e elucida-nos sobre a relação da sociedade com as imagens e, consequentemente, com a

respetiva reprodutibilidade das obras de arte. Segundo o autor, a Pós-Modernidade ficou

marcada pela “[…] ultrapassagem das fronteiras que, até então, tinham delimitado a

experiência humana”50, durante o Modernismo. Esse fenómeno ocorreu em meados da

década de 1980, com uma “nova modalidade de experienciar o mundo”51, através da

instantaneidade da informação, que não é mais do que representação mediática da

realidade. Rapidamente, conseguimos perceber as repercussões desta “nova” modalidade,

não só na forma como o indivíduo passou a ter oportunidade de experienciar o mundo,

mas também no seu pensamento e na sua relação com o que o rodeia. Se anteriormente,

entravámos em contacto direto com a realidade, com os nossos sentidos, agora é “essa

realidade” que se desloca até nós e nos toca, sem nos tocar. As imagens apenas apelam à

nossa perceção visual, menosprezando todas as outras qualidades e capacidades que

possuímos quando presenciamos um determino espaço ou objeto, com caraterísticas

específicas52.

A realidade deixou de ser concebida por cada um de nós, para ser facultada por

mediadores de representação imagética, com melhor ou pior qualidade, da qual nós somos

reféns pois dependemos, inteiramente, dela para percecionarmos o simulacro da realidade

que chega até nós. Todavia, também devemos ser francos e assumir que esta nova

modalidade teve tanto impacto, e foi alvo de tamanha ambição, pois forneceu ao individuo

condições e informações que até então só poderiam ser acedidas através da sua deslocação

física. A instantaneidade de informação permitiu ao indivíduo economizar incómodos,

confrontando-se com dois grandes paradigmas: a sedentarização53 e o nomadismo54. As

três últimas décadas não são mais do que o reflexo do esforço do homem civilizado em

fazer a ponte entre a sedentarização e o seu pensamento nómada e, nesse sentido, não nos

50 RODRIGUES, Adriano Duarte – O devir nómada da sedentarização. Atalaia. Lisboa, 1995. Nº 3 (1997),

p. 54. 51 Ibid. 52 “A realidade deixou de ser o mundo que atravesso durante o percurso da minhas deslocações, para se

confundir com a realização técnica das representações que chegam até mim, como efeito virtual da

performatividade técnica.” – Ibid., p. 55. 53 O processo de sedentarização sempre fez parte da história, no entanto “não foi propriamente uma escolha;

foi uma imposição do regime despótico do poder contra a autonomia nómada do desejo.” – Ibid., p. 58. 54 O nomadismo foi, e ainda é, entendido como uma forma selvagem do sujeito estabelecer relação com o

mundo. Este modo de vida e de estar no mundo, permite aos indivíduos viver “sem amarras”, gozando de

uma liberdade plena, nas mais variadas dimensões.

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restam dúvidas de que hoje somos nómadas sedentárias e essa condição deve-se a

reprodução digital de imagens55, que permite que sejamos “viajantes de sofá”. Enquanto

“nómadas sedentários”, carecemos de nos deslocar virtualmente em função dos nossos

desejos e da nossa necessidade de estabilidade e comodismo, que a sedentarização

oferece. Foi, precisamente, este pensamento que deu origem às visitas virtuais,

disponibilizadas pelos próprios museus.

55 “Vivemos pela primeira vez uma época que procura associar a fruição dos prazeres do nomadismo à

razoabilidade das vantagens da sedentarização. Não é tanto da fruição dos prazeres da circulação física das

pessoas que se trata com este retorno monádico do desvaneio e da fruição do desejo, mas da vertigem das

imagens que, na instantaneidade da sua projecção, vagueiam através dos espaços cibernéticos que o

imaginário concebe e os dispositivos mediáticos realizam e servem a domicílio.” – RODRIGUES, Adriano

Duarte – Op. Cit., p. 58.

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2.2 – Ensino Artístico, Aspetos Didáticos e Caráter Plástico

A prática artística foi, desde a Antiguidade, motivo de reflexão por parte dos

filósofos e dos artistas, não só sobre a sua função, como também sobre a sua transmissão.

Os artistas detiveram um papel essencial na passagem dos seus saberes aos discípulos,

tendo sido eles os primeiros a elaborar teorias sobre a arte, reivindicando as suas

experiências criativas como fonte de conhecimento artístico. O artista era transmissor e

crítico dos valores culturais, intelectuais e ideológicos da sociedade na qual estava

inserido, e também tinha a função de educar e disseminar técnicas, conhecimentos

artísticos e conceitos estéticos56.

Nesse sentido, podemos entender o artista como alguém que para além de dominar

a matéria sobre a qual estudava, também conseguia transmitir os fundamentos da mesma.

Contudo, também sabemos que o processo de transmissão de conhecimentos não foi

assim tão linear, ou seja, essa difusão dos saberes era acompanhada pela aquisição dos

mesmos, por parte do próprio artista, que realizava as suas descobertas através da sua

experiência profissional. A proliferação dos cânones e fórmulas criadas pelos mestres,

serve de exemplo ao modo como o conhecimento adquirido pelos próprios era divulgado

a partir dos seus discípulos, para que assim não caíssem no esquecimento e adquirissem

importância nos meios artísticos. Surgiram variados modelos de ensino da arte, ao longo

da história, porém existem dois conceitos que estão na base da maioria: a criatividade e a

reprodução técnica57. Três dos modelos de ensino, que tiraram partido da reprodução

técnica como meio de aprendizagem artística, foram: o ensino praticado nos ateliês dos

mestres, nas escolas institucionalizadas de artistas e nas Academias de Arte.

O ensino praticado nos ateliês dos artistas é considerado o método mais clássico e

utilizado ao longo da história, sendo ele exercido desde a Antiguidade até aos dias de

hoje. Esta metodologia de ensino requer que o discípulo conviva, quotidianamente, com

o seu mestre, a fim de adquirir conhecimentos, habilidades técnicas e experiência, a partir

da transmissão direta de saberes que devem ser partilhados pelo artista. Podemos entender

esse procedimento de transmissão direta, como um meio de reprodução que era feito a

partir das instruções dadas pelo mestre, verbalmente, que por sua vez contava com o apoio

56 H. BELVER, Manuel – Artistas y modelos (de enseñanza) In «Didáctica de las artes y la cultura visual».

Madrid, 2011, p. 14-15. 57 Ibid., p. 15-16.

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de alguns desenhos, manuais58 e modelos habituais, que serviam para o exercício de cópia

e reprodução, realizados pelos alunos59.

Esta praxis foi abordada pelo filósofo francês, Étienne Souriau (1892-1979), que

defendeu que a repetição, enquanto reprodução, pode manifestar-se de três modos

diferentes: na realização da obra, na obra em si e na receção da mesma60. Por sua vez,

acrescentou que a reprodução pode estar presente de três formas, quando se concretiza

uma obra: a primeira, através da repetição do mesmo ato, ou de uma série de atos, como

exercício que visa a aprendizagem e o domínio de uma determinada técnica; a segunda,

a partir da repetição do mesmo ato, com o objetivo de alcançar o êxito, que uma ação

isolada não teria; a terceira, semelhante à anterior, com vista numa melhoria gradual61.

Esta perspetiva vai de encontro com as metodologias adotadas nos ateliês (e Academias),

nos quais a repetição era, inegavelmente, um meio de aprendizagem prática, neste caso

da escultura, por parte dos discípulos que reproduziam as obras dos seus e/ou de outros

mestres conceituados.

Por sua vez, as escolas62 institucionalizadas de artistas ficaram caraterizadas por um

conjunto de aspetos, que não se manifestaram nem nos ateliês dos artistas nem nas

academias, foram eles: a falta de individualidade, o trabalho coletivo e o anonimato dos

participantes nas obras. Este ensino também estimulava a reprodução de modelos pré-

estabelecidos, que cultivava a escassez de inovação e criatividade dos aprendizes, cujo

principal objetivo artístico era o de servir ideias, maioritariamente, de cariz religioso-

institucional. Em testemunho desde tipo de ensino podemos fazer referência às escolas de

artistas do antigo Egipto, que visavam a construção de monumentos funerários e templos,

ou então às escolas monásticas da Alta Idade Média, que promoviam a edificação de

catedrais. Nessa época, os artistas tinham a função de cooperar na concretização das

58 Eram os artistas que escreviam os manuais, que podiam ser provenientes de tratados ou dar a origem a

eles. Estes transmitiam os conhecimentos técnicos dos seus autores, bem como as suas perspetivas

artísticas. Tendo em conta a escassez de documentação, os manuais eram adotados pelos mestres e

funcionavam como guias metódicos e, desse modo, permitiam a transmissão de saberes de uma forma muito

detalhada, na maioria dos casos. 59 H. BELVER, Manuel – Op. Cit., p. 16. 60 SOURIAU, Étienne – Vocabulaire d’esthétique. Paris : PUF, 1990, p.1219. 61 Ibid., p.1219-1220. 62 “Escola: Todos os escultores que trabalharam o gosto de uma nação, uma cidade ou à maneira de um

mestre, e sob sua direção – [Tradução Livre] – BAUDRY, Marie Thérèse – La sculpture : méthode et

vocabulaire : príncipes d’analyse scientifique. Paris : Imprimerie Nationale, 1978, p. 545.

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“obras-públicas”, lado-a-lado com os construtores e os artesãos, recebendo salários

igualitários63.

Seguiram-se as Academias64 de Arte, que tiraram partido de um conjunto de

conceitos e ideias de épocas anteriores, ficando caraterizadas pelo tipo de ensino e pelos

alunos a quem era dirigido, bem como pelas suas motivações e pelos objetivos que

ambicionavam alcançar. As Academias surgiram movidas pelo espírito Renascentista,

que desde a Antiguidade se fazia antever, através das reivindicações da ascensão do

estatuto social e económico do artista, procurando-se a sua valorização individual. Para

que essa consideração se tornasse mais evidente, as Academias criaram o conceito de

Bellas Artes, fazendo a separação entre as artes liberais e as artes mecânicas65.

“Nos felices climas, aonde muitos annos ha, que as Bellas-Artes filhas do

Desenho e outras, que tem mais de mental, que de material, largárão as

mantilhas, fazem differença de Artistas e Artezanos. Aos primeiros chamão

Artistas, mesmo para dinstinguillos dos Artezanos, deixando esta ultima

nomenclatura aos que exercitão officios fabris, e embandeirados. Por tanto

errão na linguagem as pessoas, que estes nomes confundem […]”66,

este excerto expõe, de forma clara, o modo como o Renascimento conseguiu alterar as

bases do ofício do escultor, que deixou de ser considerado um labor de cariz, meramente,

manual, para passar a ser entendido como um ofício com ciência.

As modificações exigiram que se criasse um novo tipo de ensino e um novo artista,

que fosse criador e não mero reprodutor, como havia sido até então. O artista passou a

incorporar uma formação científica, que deveria comportar conhecimentos de anatomia,

geometria, história, entre outros. Os mestres deram lugar aos especialistas, que passaram

a ensinar os novos artistas, a partir de novas regras, cujos conteúdos eram de carácter

teórico-prático. As Academias não eram apenas lugares de instrução e comunicação, mas

também potenciavam a ascensão social do artista67.

63 H. BELVER, Manuel – Op. Cit., p. 17-18. 64 “Akadèmeia ou Ekadèmeia era o nome de uma região a noroeste de Atenas, onde haviam diversos

templos, um gymnasium e, graças à generosidade de Cimon, um grande parque. Neste parque e, anos mais

tarde, num terreno adjacente, Platão conversava com os discípulos e ensinava a sua filosofia. Com o passar

do tempo, os atenienses passaram a chamar Academia à comunidade dos seguidores de Platão; então,

gradualmente, o termo foi usado para designar a escola de Platão […].” [Tradução Livre] – PEVSNER,

Nikolaus – Le academie d’art. Torino : Giulio Einaudi Editore, 1982, p. 3. 65 H. BELVER, Manuel – Op. Cit., p. 18-22. 66 CASTRO, Machado de – Dicionário de escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 28. 67 H. BELVER, Manuel – Op. Cit., p. 19.

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O modelo de Academia Francesa teve outras preocupações, para além da promoção

do status do artista, relacionadas com funções culturais, políticas e estéticas. Pretendia-se

uma formação mais completa, com conteúdos relacionados com a técnica tradicional e de

caráter intelectual, de acordo com os ideais humanistas. Este modelo defendia a criação

de um cânone artístico definitivo, pois acreditava-se “[…] que a arte tinha chegado à sua

máxima plenitude e desenvolvimento, e a única coisa que se podia fazer era conservá-la,

imitando esses modelos […]”68.

Esta perspetiva fez com que o exercício de cópia se tornasse dominante, enquanto

metodologia pedagógica, tendo como principal problemática a mimese e a representação.

Nesse período, os alunos tinham a oportunidade de representar, reproduzir o que viam, a

partir de modelos-vivos ou através das obras que tinham diante de si, sendo elas já

reproduções das obras originais69. Marie Thérèse Baudry70 chamou a atenção,

precisamente, para a diferença que existia entre trabalhar a partir da Natureza, cuja

imitação requeria um determinado grau de invenção e interpretação ou fazê-lo através de

desenhos, modelos ou até da própria reprodução mecânica desse modelo71. A imitação de

esculturas prestigiadas, como metodologia de aprendizagem, acabou por ser contestada

pelos modelos de outras academias, que davam maior importância à criatividade do

artista, contudo o que nos interessa para a presente investigação é compreender de que

forma a visão que recaía sobre a arte, nesse período, influenciou o seu ensino.

Também Portugal testemunhou os três modelos de ensino referidos, anteriormente,

e um bom exemplo disso, no qual podemos observar todos eles em simultâneo, é a Casa

da Escultura, adstrita ao Ministério das Obras Públicas, que foi dirigida pelo escultor

Joaquim Machado de Castro (1731-1822). Esta, também designada pelo próprio como

Laboratorio, surgiu por volta de 1771, após ter sido proposto ao artista a realização

daquela que é hoje a estátua equestre de D. José I, situada na Praça do Comércio, em

Lisboa. Em paralelo, e devido à quantidade de encomenda pública e privada, o escultor

68 “[…] El arte había llegado a su máxima plenitud y desarrollo, y lo único que había que hacer era

conservarlo, imitando estos modelos […].” – Ibid., p. 20. 69 SILVA, João Castro – O corpo humano no ensino da escultura em Portugal : mimese e representação.

Lisboa : [s.n.], 2009, p. 183. 70 Autora do livro, La sculpture : méthode et vocabulaire : principes d’analyse scientifique (1978). 71 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 546.

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teve a necessidade de criar uma Aula, na qual era desenvolvida uma vertente teórica, que

visava controlar e melhorar a qualificação dos jovens discípulos72.

Através da estampa intitulada Descripção Analytica (1810) – [Fig.1], podemos

analisar e perceber o ambiente que se vivia no Laboratorio e quais foram as metodologias

adotadas por Joaquim Machado de Castro no ensino e na realização das suas obras. Ao

centro da estampa é visível o modelo da estátua equestre de D. José I, realizado pelo

escultor, a partir do qual se modelava um outro modelo que haveria de ser à escala da

obra final. Do lado esquerdo da estampa, ao fundo, podemos observar o Torso de

Belvedere que, evidentemente, não se tratava de uma obra original, mas sim de uma

reprodução de um modelo, a partir do qual os discípulos e praticantes estudavam, pois, na

época, era considerada uma obra exemplar, devido à fisionomia que apresentava. Tal

como já fora referido nos modelos de ensino anteriores, também no Laboratorio e na Aula

do escultor Joaquim Machado de Castro, era comum a existência de reproduções de obras,

que permitiam aos discípulos ter contacto com a cultura de esculturas clássicas, a partir

das quais também tinham a oportunidade de trabalhar as suas capacidades técnicas de

mimesis73.

Se por um lado, podemos entender o ensino praticado no Laboratorio próximo do

que se realizava nos ateliês dos mestres, por outro, também devemos estar cientes de que

os aprendizes e trabalhadores desse mesmo laboratório seguiam diretrizes dadas pelo

diretor do acto74, em favor da realização de obras públicas, que eram pedidas pela rainha

e, nesse sentido, o funcionamento do Laboratorio também não se afastava muito do que

era exercido nas escolas institucionalizadas de artistas. Por sua vez, a aproximação às

Academias deveu-se à dualidade dos dois espaços que compunham a Casa da Escultura,

o Laboratorio e a Aula, que tinha como objetivo conciliar o ensino prático da escultura e

os seus fundamentos teóricos, estritamente, necessários na formação de futuros artistas.

72 RODRIGUES, Ana Duarte – A estatuária e a imaginária: entre a práxis do laboratorio e a subcontratação.

In «O virtuoso criador: Joaquim Machado de Castro 1731-1822». Lisboa : Imprensa Nacional-Casa da

Moeda, 2012, p. 73-75. 73 Ibid., p. 76. 74 “Entre os Professores que assistem aos exercícios Nocturnos, a que tambem chamão Academias deve

presidir hum Artista dos mais avançados em sabedoria pratica e theorica, para dar ao homem vivo aquella

actitude, que lhe parecer mais conveniente para o estudo, que pelo natural se vai pôr em pratica; e por esta

causa o dito Artista nesta ocasião se denomina – Director do acto […]”, neste caso, era o próprio Joaquim

Machado de Castro. – CASTRO, Machado de – Dicionário de escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937,

p. 39.

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Um vez abordada a presença da reprodutibilidade no ensino artístico, ao longo de

vários séculos, devemos apresentar e explorar os seus aspetos didático. Porém, é

importante reter que ambos mantiveram e mantêm uma corelação, que não nos permite

definir qual deles esteve na origem do outro. Desde a Antiguidade, que a

reprodutibilidade concedeu às obras de arte a sua qualidade didática, quer isto dizer, que

desde então a reprodução de esculturas foi um meio de estabelecer contacto entre o

observador e a obra, para que existisse o reconhecimento e a possibilidade de que as obras

de arte mais importantes, do ponto de vista artístico, estivessem ao alcance dos estudantes,

dos colecionadores, dos teóricos, dos historiadores e do público em geral.

Na Grécia clássica, a reprodução técnica de obras de arte era entendida como uma

forma de homenagear os artistas, pensamento esse permitiu difundir, rapidamente, obras

de escultores que ainda estavam vivos, através dos ateliês helenísticos. Nesse período,

todas as reproduções, fossem elas cópias fieis obtidas pela perfeição das técnicas de

reprodução, fossem réplicas75 dos modelos originais, diferindo nos materiais ou nas

dimensões, todas elas detinham o mesmo valor dentro do contexto artístico. Se na

Antiguidade os artistas tinham dominado as técnicas de reprodução, o mesmo não ocorreu

na Idade Média, que ficou marcada pela incapacidade e pelo esquecimento dos

conhecimentos técnicos que permitiam a reprodução fiel de obras de arte, dando origem,

maioritariamente, a cópias aproximadas, realizadas a partir da interpretação das obras

originais76.

Por sua vez, o Renascimento ficou assinalado pelas sucessivas descobertas de obras

da Antiguidade, fenómeno esse que fez renascer o gosto pelo Antigo, manifestando-se no

interesse desmedido por imitar e reproduzir essas mesmas obras. O elevado valor cultural

atribuído ao Período Clássico fez com que as reproduções atingiram o seu auge no

contexto e na produção artística, ganhando de tal modo visibilidade e importância, que

passaram a ser classificadas, também elas, como obras de arte. Os tratados teóricos, dessa

época, revelam-nos a forma como eram consideradas as reproduções dentro dos meios

75 “Copia, realizada por el propio artista, o bajo su dirección y supervisión, para garantizar su autenticidad,

de una escultura original de la cual es también autor. La réplica es un traslado en el que los resultados no

suelen ser idénticos, pues lo usual es que se haga de un material a otro diferente, e incluso que se varíen

algo las dimensiones de la copia respecte al original, mediante ampliación o reducción” – SAURAS, Javier

– La escultura y el oficio de escultor. Barcelona : Ediciones del Serbal, 2003, p. 338. 76 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 5-6.

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artísticos, bem como as técnicas que os escultores podiam utilizar na realização de uma

obra.

“[…] uma obra esculpida podia ser executada por um autor, fosse por

invenção, fosse a partir do natural, fosse a através de um modelo (modelo

definitivo ou obra definitiva), ou enfim, podia ser «uma composição de

algumas destas circunstancias». Estava igualmente indicado que as obras

concebidas por um (ou mais) autor podiam ser realizadas por estudantes ou

pessoas do meio artístico (formadores, fundidores)”77.

Este excerto permite-nos compreender o conjunto de possibilidades técnicas que estavam

ao dispor do escultor, mais do que aquelas que viriam a ser aceites na Idade Moderna,

principalmente, a partir do Romantismo. Foi, particularmente, partir do século XVIII, que

a reprodução foi “vítima” de uma grande desvalorização nos meios artísticos, tratando-se

de fenómeno ocidental, relativamente, recente, quando comparado com a tradição

longínqua que a reprodução havia testemunhado ao longo dos vários séculos. Se na

Antiguidade Clássica esta prática era considerada uma forma de honrar e difundir a obra

dos artistas dessa época, a partir do Romantismo passou a ser encarada como desprezível

ou desonrosa, carregada de negatividade e entendida como antítese à própria Arte78.

Hoje podemos considerar que a excessiva reprodução de obras de arte fraudulentas

pode ter conduzido ao desprezo por essa prática79, devido à desconfiança e à falta de

critérios que avaliassem e atestassem a veracidade das reproduções. Era necessário

alguém que conseguisse diferenciar as reproduções originais e, nesse sentido, surgiram

no século XVIII os primeiros experts. Contudo, o século seguinte trouxe consigo grandes

avanços técnicos que permitiam a multiplicação das obras, através de processos

mecânicos, tornando-se cada vez mais árdua a tarefa do expert. Esses progressos

conduziram ao desenvolvimento indispensável de uma legislação que protegesse os

autores contra os abusos da forte comercialização, que se fazia sentir nessa época80.

Em conjunto com o reconhecimento legal dos direitos de autor, surgiram também

as noções de originalidade, invenção e falsificação, uma vez que as obras anteriores a

esse período tinham mais em conta a sua qualidade estética e simbólica do que a sua

77 Ibid., p. 7. 78 RAMOS GUARDIX, Juan Carlos – Op. Cit., p. 150. 79 A obra artística de Constantin Brancusi (1876-1957) exemplifica o modo como o escultor contornou essa

problemática, através do talhe direto, o que garantia às suas obras autenticidade e dificultava a sua

reprodução fraudulenta. 80 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 7.

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originalidade81. No entanto, nem sempre a legislação teve pela frente uma tarefa fácil e

assertiva, pois embora se criassem conceções e critérios que auxiliavam o processo de

seleção e diferenciação entre as reproduções originais e as cópias, esses eram atraiçoados

pelas mãos hábeis de alguns falsificadores. Desde o século XVIII, que se fazia a distinção

entre as obras preparatórias82 e as obras terminadas, sendo as primeiras categorizadas

como obras originais, quando eram totalmente realizadas pelo artista, fosse a partir da

natureza ou de invenção. No caso das obras acabadas, a tarefa de discernir a sua

originalidade era mais complicada, todavia eram respeitadas como originais todas as

obras em que o artista fosse autor do modelo original83, ou caso esse modelo fosse

destruído durante o processo de reprodução, como acontecia com a utilização do molde

de forma perdida ou a fundição de ceras perdidas84.

O primeiros Museus85, tal como os entendemos hoje, foram criados nesse mesmo

período, século XVII-XVIII, através da doações de coleções particulares concebidas por

colecionadores de obras de arte, na sua maioria reproduções de obras originais do Período

Clássico. Graças a esses colecionadores, hoje podemos observar obras que não teriam

sobrevivido se não tivessem sido, devidamente, preservadas e resguardadas durante os

períodos mais conflituosos que ocorreram na Europa Ocidental. Os aspetos didáticos da

reprodutibilidade nos museus, manifestou-se numa dupla perspetiva, ou seja, não só os

museus contribuíram para a disseminação das obras de arte, como foram originados pela

própria difusão de reproduções.

Também aconteceu serem os próprios artistas a reproduzir as suas obras, fosse para

satisfazer o pedido de algum Museu ou de alguma pessoa muito interessada numa

escultura em específico, ou fosse por iniciativa própria86. Por vezes, os artistas optaram

pela criação de reproduções de série ou de edição, para que essas fossem comercializadas

81 Ibid., p. 5. 82 As obras preparatórias são: todos os estudos, esboços, maquetas, modelo original e definitivo, que são

necessários quando se pretende realizar uma escultura. 83 Entendemos por modelo original, a primeira obra que o artista faz, normalmente num material moldável

e efémero, que necessita de ser convertido num material que lhe confira resistência, através de

procedimentos técnicos, como a moldagem, transladação ou fundição. Todos esses processos requerem que

o artista tenha previamente concebido o modelo original, para que depois esse dê origem à “obra final”. 84 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 7. 85 ”«Museu» é um vocábulo grego e o primeiro edificio com finalidades culturais que conhecemos com este

nome encontrava-se em Alexandria e fazia parte dos palácios reais dos Ptolomeus, onde estavam alojadas

também a famosa Biblioteca dos Ptolomeus e a de Alexandre Magno”, esta conceção de Museu é distinta

da que temos hoje. – BATTISTI, Mariella – Atenas : o Museu Arqueológico Nacional. São Paulo :

Companhia Melhoramento de São Paulo, 1979, p. 9. 86 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 7.

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e, assim, conseguissem alcançar a propagação que uma obra única não teria capacidade

de conquistar. Neste caso, a reprodutibilidade está presente não só a nível didático,

enquanto meio de proliferação das obras, mas também como uma metodologia processual

autónoma da escultura, que teve maior impacto a partir dos finais do século XIX e começo

do século XX, destacando-se dessa forma o seu caráter plástico.

Uma vez que pretendemos analisar o modo como a reprodutibilidade, enquanto

procedimento escultórico, contribuiu para a transição do sistema clássico para o

modernismo, interessa analisar os processos metodológicos da escultura. Como já fora

referido, antes do século XX (finais do século XIX) a reprodução foi entendida apenas

como um meio técnico, um mediador que permitia obter uma determinada obra noutros

materiais. O sentimento de desprezo e de desvalorização em relação às técnicas de

reprodução era dominante nos círculos artísticos, desde que o Renascimento tivera

alterado a conceção de Arte87. Todavia, por mais que os processos de reprodução técnica

fossem menosprezados, a sua existência e o seu préstimo não podiam, nem podem, ser

postos em causa, uma vez que sempre fizeram parte da escultura e estão presentes,

indiretamente, em todos os bronzes e mármores, que não foram realizados por talhe direto

ou sem o apoio de qualquer modelo original (no caso dos mármores).

Neste sentido, entende-se por molde ou fôrma uma “[…] peça organisada de partes,

ou molde concavo, feito de gesso, barro, cêra ou outra materia, no qual se vasa o gesso

liquido, a cêra ou o metal, para d’elle se extrahirem estatuas, retratos, baixos relevos, ou

outras obras de arte”88, estes pressupõe sempre a existência de um modelo original, sobre

o qual se sobrepõem. Por sua vez, o modelo “em Escultura, he o exemplar que serve de

guia às Estatuas, que por elle se executão em marmore, em madeira, e em metal […]”89,

esse deve ser, previamente, pensado e realizado à escala da obra final, uma vez que o

processo de moldagem, apenas permite a passagem de uma matéria, normalmente

efémera, para uma que seja permanente. Os modelos originais pertencem à categoria de

obras preparatórias e são, habitualmente, modelados em barro, gesso, cera ou outros

materiais facilmente modeláveis, a partir de um esboço, de uma maqueta ou de um outro

87 O Renascimento trouxe consigo a ideia de que existiam dois tipos de arte: as artes maiores (liberais) e as

artes menores (mecânicas). Vasari, entre outros teóricos, também defendeu esta dupla definição de artes,

acrescentando que as artes menores não continham “invenção”. Por isso, não tinham a possibilidade de

participar nos processos mentais de criação e invenção, não podendo conhecer o mundo da arte intelectual.

– LOZANO, Elisa – El molde en el arte. In «Tecnologías y estratégias para la creación artística». Altea,

2007, p. 163. 88 RODRIGUES, Francisco de Assis – Op. Cit., p. 189. 89 CASTRO, Machado de – Dicionário de escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 56.

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modelo, numa dimensão mais pequena, que serve de guia para a realização do dito

“modelo final”.

Como testemunho dos processos metodológicos da escultura, desde a ideia à

concretização da obra final, temos os relatos do escultor Joaquim Machado de Castro, ao

qual já fizemos referência, anteriormente, quando abordámos o caráter pedagógico da

reprodutibilidade. Faz todo o sentido mencionar o Laboratorio, para que percebamos

como, no contexto artístico nacional, eram entendidas as metodologias tradicionais e de

que modo foram aplicadas na realização da estátua equestre de D. José I.

No Laboratorio, o escultor seguia diretrizes muito semelhantes às defendias por

Vasari (1511-1574), no que dizia respeito à organização do trabalho, ou seja, a execução

de uma determinada obra, neste caso da estátua equestre de D. José I, era dividida em três

fases: na primeira, realizavam-se exercícios de desenho, nos quais o artista registava as

ideias iniciais; na segunda, fazia-se a passagem do desenho bidimensional para os

modelos tridimensionais, através da modelação, pois era necessário conceber o modelo

original para que se passasse à terceira fase; na última etapa, que era entendida como o

verdadeiro ato de esculpir, fazia-se a fundição ou transladação da informação dada pelo

modelo original ou a reprodução do mesmo, para um material definitivo, que podia ser a

pedra, o marfim, o mármore, a madeira ou o metal90.

Se por um lado, Joaquim Machado de Castro deu ao desenho um lugar primordial

na formação artística, por outro, também não negligenciou o papel indispensável do

modelo original, que revelava o que o escultor, formador ou canteiro iam, efetivamente,

realizar. Era durante a execução do modelo original que o artista tinha possibilidade de

“experimentar detalhes que a bidimensionalidade não tivesse permitido e, até, caso fosse

razão disso, corrigir a composição, explorar pormenores […]”91, por isso, era necessário

dar tempo suficiente ao escultor, para que ele conseguisse fazer a passagem do desenho

bidimensional para as três dimensões, momento esse que Machado de Castro considerou

complexo e demorado. O modelo original foi entendido como a verdade da obra, a alma

do artista e, por isso, tinha um papel determinante na qualidade da obra final. Todavia,

enquanto o modelo original deveria ser realizado em gesso ou barro, por ser mais fácil de

modelar e devido aos baixos custos desses materiais, a obra final só seria bem aceite se

fosse em metal, pedra ou madeira. O preconceito em relação ao barro e ao gesso, já tivera

90 RODRIGUES, Ana Duarte – Op. Cit., p. 81. 91 Ibid., p. 83.

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sido partilhado por Vasari, o que remetia para a hierarquização dos diferentes media, que

muito influenciou a produção artística, até aos finais do século XIX e começo do século

XX92.

Podemos analisar dois tipos de reprodução quando se faz a passagem do modelo

original para a obra terminada, contudo o mesmo acontece quando se realiza um primeiro

modelo numa escala reduzida e é necessário passá-lo para a escala real, situação frequente

quando se tratam de obras de grandes dimensões. Tal como aconteceu na execução da

estátua equestre de D. José I, primeiro o escultor realizou um ou vários pequenos modelos

originais, como já observámos na [Fig. 1], e depois com o apoio dos operários

responsáveis por realizar o modelo à escala real, em gesso,

“[…] ordenei, que se fosse pondo o estuque geralmente em todo o esqueleto,

porque como os estímulos de apressar a obra se multiplicavão, tambem foi

preciso cobrila de operarios; os quais trazião, cada hum junto a si, hum pedaço

do modelo pequeno correspondente á parte em que no grande trabalhava”93.

O mesmo pode suceder quando se pretende que as obras finais sejam em pedra ou

madeira, independentemente, da escala que terão. Geralmente, o artista executa um

modelo original de tamanho menor e depois conta com o apoio de um canteiro ou ele

próprio faz a transladação das informações fornecidas pelo modelo original, através da

técnica dos três compassos, do pantógrafo ou de outros métodos que lhe permitem os

mesmos resultados. A trasladação não é mais do que um processo de reprodução, que

sempre fez parte dos procedimentos artísticos, capaz de dar origem a réplicas e não

cópias, uma vez que as obras resultantes desta metodologia não são totalmente iguais aos

modelos originais a partir dos quais foram reproduzidas.

O outro tipo de reprodução, sobre o qual nos vamos debruçar nesta investigação,

remete para os processos de moldagem. Hoje sabemos e temos testemunhos de que a

moldagem já existia e era dominada pelos artistas e artesãos na Antiga Grécia. Nessa

época, os moldes eram, maioritariamente, utilizados para auxiliar e permitir que se

concebessem obras em bronze, tornando-se num procedimento indispensável a essa

prática. Apolo do Pireu [Fig. 2], remota ao século V a.C. e é um bom exemplo de uma

escultura em bronze, cujas dimensões consideráveis revelam o domínio técnico por parte

92 Ibid., p. 85-86. 93 CASTRO, Machado de – Descripçãao analytica da execução da real estatua equestre do senhor rei

fidelíssimo D. José I., a qual faz o primeiro tomo das obras diversas do autor. Lisboa : Impressam

Regia, 1810, p. 124.

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do formador94 e do mestre fundidor95. Uma outra escultura, que é mais conhecida e que

manifesta um aperfeiçoamento técnico não só a nível da moldagem e fundição, como

também da própria modelação do modelo original que lhe antecedeu, é Zeus ou Poséidon

[Fig. 3], que data de 460-450 a.C., pertencente ao mesmo período que a anterior.

Também o Império Romano revelou a sua mestria nos processos de moldagem, não

ficando atrás dos artesãos gregos. Pompeia, antiga cidade dominada por esse Império,

esteve sepultada durante vários séculos após ter sofrido enormes estragos originados pelo

forte tremor de terra, em fevereiro de 62 d. C., e na sequência da erupção do vulcão

Vesúvio, em 79 d. C., acabando por ficar totalmente sedimentada nos escombros que

ainda não tinham sido recuperados. Só no século XVIII foram feitas descobertas graduais,

daquela que teria sido uma importante cidade do Império, e hoje a partir dos destroços e

dos famosos relatos de Plínio96, o jovem, temos a oportunidade de conhecer as produções

artísticas dessa sociedade. Através do testemunho de Plínio, podemos entender o clima

que se vivia dias depois da erupção:

“Nos primeiros dias após a erupção e antes que aquele monte de escombros

tivesse sedimentado, os esforços foram canalizados para salvar os valores

materiais que estavam por debaixo daquela catástrofe. […] Principalmente as

estátuas de bronze e os adornos de mármore do Forum foram removidos

[…]”.

Embora este relato já testemunhe a existência de esculturas em bronze, felizmente,

“sobrevieram” algumas, como foi o caso do Fauno Dançante [Fig. 4], encontrado numa

das mais belas residências de Pompeia, a Casa do Fauno, edificada no começo do século

II a. C.97 Também na Casa de Citarista foram descobertas algumas das mais sublimes

esculturas de Pompeia, de entre elas, Apolo Citarista [Fig. 5], cópia de um original do

século V a. C., datado da segunda metade do século I a. C.. O facto de se tratar de uma

cópia, só confirma o domínio técnico da moldagem e da fundição, desses povos. Embora

94 “[…] Artifice que professa e exercita o mister de tirar e vasar fôrmas, feitas sobre modelos que os artistas

lhe entregam para esse sim. O mechanismo das fôrmas foi conhecido dos gregos; e diz-se que Lysistrato

Sicyonio, esculptor, e irmão do celebre Lysippo, fôra o primeiro que usou de fôrmas; Vasari attribue o

invento a André Verrocchio, mas a opinião infundada d’este não póde destruira a de Plinio, que dá aquella

noticia.” – RODRIGUES, Francisco de Assis – Op. Cit., p. 189. 95 “Celui qui est charge de diriger toutes les opérations relatives à la technique de la fonte et qui est capable

de les effectuer lui-même.” – BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 544. 96 Plínio, o jovem, era sobrinho do ilustre historiador e enciclopedista Plínio, o velho. Este foi responsável

por relatar, anos mais tarde, o que tivera visto durante a erupção, em duas cartas que tivera enviado ao

historiador Táctico. – SIMONE, António – Pompéia e seus museus. São Paulo : Companhia

Melhoramentos de São Paulo, Industrias de Papel, 1980, p. 9-11. 97 Ibid., p. 71.

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a escultura apresente alguns relevos na sua superfície, esses, presumivelmente, foram

provocados pela erupção vulcânica. Acredita-se que Pompeia tenha sido detentora de um

maior número de esculturas do que aquelas que foram encontradas, e a explicação pode

estar relacionada com o terramoto sofrido antes da erupção. Contudo, de acordo com a

escassez de oficinas descobertas98, pode perceber-se que Pompeia talvez não tenha sido

um sitio de grande produção artística, como foi o caso de Campania e Cápula. No entanto,

o gosto pela Arte conduziu o povo de Pompeia a importar, dessas cidades, pequenos

bronzes e estátuas para ornamentar os seus jardins99.

A descoberta de obras da Antiguidade Clássica, durante o Renascimento, fez com

que os artistas da época se confrontassem com esculturas de grande qualidade técnica,

que revelavam conhecimentos que tinham sido esquecidos pelos escultores durante a

Idade Média. Ao depararem-se com essa carência, os artistas renascentistas tiveram

necessidade de procurar os artesãos de sinos, pois esses ainda conheciam e dominavam

os segredos da fundição100.

O interesse pela fundição variou consoante as épocas e as respetivas manifestações

artísticas, porém sempre esteve presente com maior ou menor intensidade. Acreditamos

que parte do fascínio por esta técnica se deveu à durabilidade da matéria e à sua

capacidade de imprimir101 e perpetuar todos os pormenores da modelação, empregues

durante a execução do modelo original, que antecede ao bronze. Por isso é conveniente

que “os modélos para a fundição lhe fiquem na maior perfeição a que se possa elevar;

porque depois de fundidos não tem emenda, ou remedio algum considerável”102. A dureza

do bronze, após a sua fundição, não permite ao escultor manipular a matéria e, por isso,

é muito importante que o modelo original esteja o mais bem conseguido possível, pois

todos os processos técnicos intrínsecos à concretização de uma obra em bronze, não

beneficiam o modelo original, muito pelo contrário. Também o escultor Joaquim

98 “[…] até aquela data haviam sido descobertos somente uma oficina com utensílios para fundir bronze, e

somente um escultor em mármore […]” – Ibid., p. 85. 99 Ibid. 100 SAURAS, Javier – Op. Cit., p. 69. 101 “[…] imprime-se com tanta exacção ao objecto que se molda, que não deixa de exprimir a mais tenue

miudeza; de sorte, que moldando-se algumas partes do corpo humano, v.g. rostos, mãos, pés, etc (o que se

faz varias vezes para estudos) sahe com tal identidade com o original vivo, que até o enrredado, e grã que

se percebe da cutis se vê perfeitamente expressada na peça fundida em qualquer destas fôrmas.” –

CASTRO, Machado de – Descripçãao analytica da execução da real estatua equestre do senhor rei

fidelíssimo D. José I., a qual faz o primeiro tomo das obras diversas do autor. Lisboa : Impressam

Regia, 1810, p. 133. 102 CASTRO, Machado de – Dicionário de escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 19-20.

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Machado de Castro defendeu, que o modelo original era a verdadeira execução da obra,

estando nele todas as qualidades e defeitos, que são reproduzidos através da moldagem

em gesso e, posteriormente, em bronze103.

Até então temos vindo a fazer referência a uma das categorias do processo de

fundição de metais, que tirou e tira partido da moldagem em gesso, todavia existe uma

outra, que não necessita de moldes em gesso, mas de uma caixa de areia104, na qual ficam

impressas as formas do modelo original que se pretende reproduzir. Por sua vez, os

processos de moldagem, dependendo dos materiais em que se realizam, podem ser

também eles divididos em dois métodos básicos: de fôrma perdida e de tacelos105. Ambos

os moldes requerem a envolvência de uma forma, que é impressa em negativo, ficando

impresso nos moldes todos os volumes, as texturas e os detalhes da mesma106. Embora

ambos sejam meios de reprodução, de um determinado modelo original, e pressuponham

o mesmo princípio, a maneira como cada um deles se concretiza é bastante diferente, o

que lhes atribuí caraterísticas específicas. A escolha do tipo de molde a utilizar deve ser

feita em função de vários fatores, como: a natureza do material do modelo original, o

estado físico do mesmo, a sua forma e a quantidade de exemplares que se pretendem obter

com no processo de moldagem107.

O molde de fôrma perdida, como a própria denominação indica, implica a sua

destruição no decorrer do processo de moldagem, ou seja, para que consigamos obter a

única reprodução resultante desse tipo de molde precisamos de o desfazer. Este método

103 “O modo com que estas operações vão succedendo humas a outras, mostra claramente que a

configuração que depois apparece no metal, he realmente a mesma que se extrahido do modelo: e por isso

os inteligentes chamão ao modelo a execução da obra; porque se elle he bom, a obra sahirá boa; e se tem

defeitos, não lhos póde evitar a fôrma: antes he mais fácil peiorar, que melhorar nella: e melhorar o modelo

com a factura da fôrma, he impossível; fazendo-se esta manobra, como fica dito, que he o único, ou mais

perfeito modo com que póde executar-se.” – CASTRO, Machado de – Descripçãao analytica da execução

da real estatua equestre do senhor rei fidelíssimo D. José I., a qual faz o primeiro tomo das obras

diversas do autor. Lisboa : Impressam Regia, 1810, p. 137-138. 104 “Cette technique de fonte a certainement été utilisée depuis l’Antiquité. A certaines époques, elle a égalé

voire supplanté la fonte à la cire perdue. De nos jours, si elle est très utilisée pour la fonte industrielle, elle

n’en reste pas moins largement employée par les artistes qui désirent obtenir plusiers fontes d’un même

original sans vouloir passer par toutes les étapes de la fonte à la cire dont les pièces ne sont pas de trop

grande taille, ni trop épaisses. D’une façon générale, on peut dire que les pièces relativement simples,

destinées à être tirées à plusieurs exemplaires, ainsi que celles qui doivent être précises afin de permettre

des assemblages seront coulées par le procédé de la fonte au sable, alors que les reliefs très compliqués

demandent la fonte à la cire perdue.” – HAUSER, Christian – La fonte d’art. Genève : Bonvent, 1972. 105 “Tacellos: assim chamão os Moldadores aos bocados, ou peças, de que compõem as Fôrmas […]” –

CASTRO, Machado de – Dicionário de escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 63. 106 NAVARRO LIZANDRA, José Luis – Maquetas, modelos y moldes : materiales y técnicas para dar

forma a las ideas. Castelló de la Plana : Publicacions de la Universtat Jaume I, 2005, p 152. 107 Ibid., p 161.

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é, frequentemente, usado por escultores e formadores quando estes pretendem reproduzir

modelos originais que tenham sido feitos em materiais frágeis, como a cera, a argila ou a

plasticina. Também são utilizados quando se necessita de tirar moldes a partes do corpo

humano ou quando o modelo original, ao qual pretendemos tirar molde, é demasiado

complexo e inclui prisões. Este processo é, preferencialmente, aplicado em obras de

pequenas dimensões, em baixos ou médios relevos, bem como em elementos decorativos

arquitetónicos108, pois permite obter reproduções iguais ao modelo original, sem

quaisquer marcas das moldagens, quando utilizado um molde de parte única. Esta

metodologia também pode ser aplicada em esculturas de vulto de grandes dimensões,

contudo não é de todo a mais ajustada, pois resultaria num molde, extremamente, pesado

e de difícil manejo109.

Por sua vez, o molde de tacelos, contrariamente, aos moldes de fôrma perdida, não

necessita de ser destruído durante o processo de desmoldagem, podendo ser conservado

e reutilizado um número limitado de vezes, pois este acaba por sofrer algum desgaste a

cada reprodução, perdendo as suas qualidades. Este molde “[…] consiste em preparar

muitos pedaços de gêsso de diversos tamanhos e feitios, os quais unidos uns aos outros

formam o conjunto negativo do objecto.”110, as diferentes partes que compõe o todo

devem ser determinadas em função da forma que se pretende moldar, para que se consiga

dar a melhor resposta possível no menor número de partes. Hoje este procedimento foi

substituído pelo molde de fôrma de gelatina ou silicone, devido à existência de novos

materiais que permitem evitar métodos demorosos e dispendiosos. No entanto, o molde

de tacelos continua a ser utilizado sempre que se pretende fazer uma escultura em bronze

ou qualquer outra fundição de metais, assim como também é necessário na fabricação de

faianças. Outra vantagem, deste tipo de molde, está na diversidade de matérias em que

este “aceita” a execução do modelo original, podendo ser em pedra, madeira, gesso, barro,

ou qualquer outro material compacto111.

Até aos finais do século XIX, ambos os processos de moldagem, seja de fôrma

perdida ou de tacelos, foram entendidos como meros procedimentos intermédios, cuja

importância residia na obra resultante dos mesmos. Também a natureza do molde, do qual

108 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 105. 109 NAVARRO LIZANDRA, José Luis – Op. Cit., p 178. 110 FÜLLER, Josef – Manual do formador e estucador. Lisboa : Livrarias Aillaud e Bertrand, [s.d.], p.

24. 111 Ibid., p. 24.

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provinha a reprodução, tinha influência na consideração artística sobre a arte final, ou

seja, dependendo do tipo de molde e do modo como era empregue, podia determinar a

validade de uma obra dentro do meio artístico. Salvo raras exceções, nunca foram

valorizadas as possibilidades criativas e compositivas dos moldes dentro dos ateliês112,

no entanto o século XX veio alterar essa postura de desdenho em relação aos

procedimentos técnicos, fazendo com que esses ganhassem outra dimensão e fossem

valorizados artisticamente.

112 LOZANO, Elisa – Op. Cit., p. 165.

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2.3 – Reprodução

A reprodução é um procedimento escultórico, que surgiu com maior impacto no

final do século XIX e início do século XX, responsável por refletir as alterações artísticas

que estavam a acontecer, na época, não só no modo de produzir arte, mas de a pensar e

compreender. Ao longo da história é-nos possível assinalar alguns dos momentos que

foram cruciais, especialmente, no começo do novo século, que ficou marcado não só pelos

avanços tecnológicos, descobertas, revolução industrial, guerras mortíferas, mas também

pela mudança do paradigma artístico. Importa perceber que a arte espelha o que acontece

no contexto social em que se desenvolve e, nessa perspetiva, não poderia ter existido

maior conjuntura de acontecimentos capazes de contribuírem para as mudanças que

iremos estudar.

A nível artístico, conseguimos distinguir algumas das obras que quebraram com os

cânones tradicionais e, consequentemente, contribuíram para as transformações dentro do

meio artístico. O nosso interesse recaí, particularmente, sobre a escultura e respetivos

autores, que foram responsáveis por explorar e inserir nas suas produções artísticas

algumas das metodologias a que faremos referência no decorrer da presente investigação.

Para além dos estudos de casos de que nos iremos socorrer como meio de exemplificar o

fio condutor que guia esta análise, também nos interessa contextualizar e estudar as

relações existentes entre os escultores e verificar de que modo a produção artística de uns

influenciou o percurso de outros.

A reprodução a que nos referimos foi designada por Étienne Souriau como

repetição, que a entendeu, quando empregue no contexto genérico, como a “ação de

repetir várias vezes a mesma coisa, ou a própria coisa, quando ela retorna, quando ela

retorna mais uma vez.”113. No entanto, quando esse termo é empregue no meio artístico,

o seu significado não é tão fácil de definir, o que pode provocar entendimentos

contraditórios. Para que isso não ocorra, ou não se torne prejudicial à compreensão do

conceito, o filósofo defendeu que era necessário elucidar para as três fases que integram

um trabalho, neste caso, uma obra, na qual a repetição pode revelar-se de três modos

diferentes: na realização da obra, na obra em si e na receção da mesma114. O nosso foco

recai sobre a reprodução na obra em si, uma vez que já foi analisada a presença da

113 “Répétition – Action de refaire plusieurs fois la même chose, ou la chose elle-même, lorsqu’ elle revient,

lorsqu’ elle est encore une fois reprise.” [Tradução Livre] – SOURIAU, Étienne – Op. Cit., p. 1219. 114 Ibid.

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reprodução na concretização da obra, no momento em que foi feita referência às

metodologias de aprendizagem adotadas nos ateliês e Academias.

Segundo o filósofo francês, a reprodução pode manifestar-se na obra em si de três

formas: a primeira está relacionada com a repetição da estrutura da obra, com o modo

como determinado elemento que a constitui se reproduz para a compor; a segunda entende

a repetição da própria obra, seja por parte do seu autor, ou de outros, que retomam os

mesmos temas e preocupações, que já foram abordadas; a terceira entende a repetição no

seu sentido pejorativo, como reflexo da incapacidade artística de conceber algo novo115.

Compreendemos que o último entendimento referido não contribui para o progresso da

presente investigação, por isso não será feita qualquer referência a esse tipo de situação.

Entendemos a presença da reprodução na obra de arte, de um modo muito

semelhante ao que foi partilhado por Étienne Souriau, todavia consideramos que seja

necessário especificar cada uma delas e dividi-las em três categorias. A primeira engloba

a reprodução da própria obra, de algum elemento que a constitui ou do tema que aborda

e, nesse caso, é o próprio artista que toma a iniciativa de criar a partir desse procedimento.

A segunda também abrange a reprodução de um obra ou de um tema, mas desta vez por

parte de outro artista, que por partilhar dos mesmos interesses e preocupações, volta a

criar a partir de uma obra ou de um tema, que já foi explorado por outros116. Para além

das duas categorias já referidas, também reconhecemos que as séries e as edições devem

ser entendidas como reproduções, que sempre fizeram parte das produções artísticas, e

por essa razão merecem integrar a terceira categoria.

2.3.1 – Séries e Edições

A nossa análise inicia, precisamente, pela última categoria mencionada, que aborda

as séries e as edições como reflexo da reprodução existente nas obras de arte. Deste modo,

devemos começar por explicar o que se entende por séries e edições, quais as diferenças

115 “A palavra repetição significava antigamente «cópia», «réplica». Esse significado pode ser conotado

negativamente, quando a recuperação de um original pode querer indicar a esterilidade da invenção. Da

mesma forma, a repetição, figura retórica, às vezes degenera em mera repetição, inútil, ou torna-se um sinal

de uma pobreza infeliz de vocabulário. Os mesmos elementos, tomados de um trabalho para outro, às vezes

degradam em clichês.” [Tradução Livre] – Ibid., p. 1221. 116 A título de exemplo importa fazer referência a uma obra, que embora não se trate de uma escultura, é

exemplo da perspetiva que pretendemos abordar, estamos a referir-nos à pintura Las meninas. Essa obra

foi pintada por Diego Velásquez (1599-1660) em 1656, e depois foi retomada por Pablo Picasso (1881-

1973) em 1957, ou seja, em vez do artista seguir os procedimentos clássicos da representação, pintou a

pintura que já tinha sido realizada por outro artista.

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e semelhanças existentes entre cada uma delas. Ambas são produto de uma tiragem, da

qual resulta um determinado ou indeterminando número de reproduções que são feitas a

partir de um modelo. Essas reproduções são obtidas através das técnicas de moldagem ou

dos processos de fundição, e o número de obras reproduzidas deve depender do acordo

existente entre o escultor e o fundidor, e/ou editor. Uma tiragem pode ser limitada a uma

única reprodução ou várias, não devendo exercer o número de oito reproduções, de

acordo com o estabelecido legalmente em 1966117. O número de reproduções realizadas,

independentemente, do processo utilizado, deve obedecer à vontade do artista, contudo

isso nem sempre aconteceu, e os exemplos que apresentaremos no seguimento desta

análise espelham esse incumprimento.

Podemos observar dois tipos de tiragem: de série e de edição. A tiragem de série é

limitada a um número de reproduções, que não deve exceder o número máximo de oito

exemplares. Este tipo de tiragem pode ser concretizada pelo próprio escultor, no entanto

o mais comum é que sejam os moldadores ou fundidores a efetuá-las, dependendo do

material, mas sempre sob a demanda e controle do artista. As tiragens de série são

concebidas a partir de um molde de tacelos118, uma vez que o molde de fôrma perdida

apenas daria origem a uma única reprodução. Neste caso, pretende-se que todas as

reproduções sejam retiradas do mesmo molde, para que desse forma se possa garantir que

todas elas são iguais. As reproduções resultantes das tiragens de séries são, geralmente,

numeradas ou nomeadas, consoante o parecer do artista119.

A tiragem de edição, ao contrário da tiragem de série, não é, normalmente,

supervisionada pelo artista, mas sim pelo editor (moldador ou fundidor) que adquiriu a

obra, de acordo com as condições especificadas no contrato que realizou com o

escultor120. Deste modo, o editor detém o direito, exclusivo ou não, de reproduzir a obra,

o modelo original que está à sua responsabilidade. Este tipo de tiragem perspetiva,

essencialmente, a comercialização das reproduções realizadas, e por essa razão costumam

ser feitas em grande número121.

117 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 545. 118 O molde de tacelos pode ser feito em vários materiais, sendo os mais comuns: o gesso, o silicone, o

cauchu e, menos utilizado, a gelatina. 119 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 545. 120 “Contrato de edição – Documento que deve ser acordado e subscrito entre o escultor, autor de um modelo

original, ou seus representantes legais e um empresário editor, com frequência fundidor, para proceder à

edição ou tiragem de um determinado número de exemplares num material definitivo, geralmente metal,

do modelo original de referência.” [Tradução Livre] – SAURAS, Javier – Op. Cit., p. 253. 121 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 545.

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Os dois tipos de tiragens referidas, podem conduzir-nos às questões que envolvem

os conceitos de originalidade e autenticidade, e embora não pretendamos, nesta ocasião,

retomar essa problemática, não devemos confundir o que é uma “obra autêntica, que pode

ser uma reprodução única, de série ou de edição (repetição, réplica, exemplar autentico

fundido em metal, transladação autentica em pedra) e uma obra original que é sempre

uma criação única”122.

Julgamos que seja pertinente observar alguns estudos de casos, que são cruciais

para esta investigação, primeiro a nível nacional e só depois internacionalmente.

Seguindo, sempre que possível, a ordem cronológica, apresentamos aquela que é

considerada a escultura mais reproduzida em Portugal, intitulada Flor Agreste, que foi

realizada por um dos maiores escultores portugueses do século XIX, António Soares do

Reis (1847-1889).

António Soares dos Reis nasceu no dia 14 de outubro de 1847, no lugar de Santo

Ovídio, pertencente à freguesia de S. Cristóvão de Mafamude, no concelho de Vila Nova

de Gaia. Desde cedo manifestou o seu talento, que se confirmou e legitimou, mais tarde,

na vida académica de grande mérito que teve não só na Academia Portuense de Belas-

Artes, como também em Paris e em Roma123. Em 1876, o escultor instalou-se no seu ateliê

em Vila Nova de Gaia, como sempre havia desejado, e a partir daí começou a dar resposta

às encomendas religiosas e à escultura funerária124 que lhe era solicitada. Também

realizou bustos de indivíduos notáveis, modelos alegóricos para canteiros e, ainda, figuras

ornamentais que seriam reproduzidas em cerâmica125. Deste modo, conseguimos perceber

que o escultor fez de tudo para sobreviver da escultura, sujeitando-se às encomendas que

122 “L’œuvre authentique qui peut être une reproduction unique, de série ou d’edition (répetition, réplique,

exemplaire authentique en métal fondu, traduction authentique en pierre) et l’œuvre originale qui est

toujours une création unique.” [Tradução Livre] – Ibid., p. 546. 123 Este era vizinho de Diogo José de Macedo, que desde cedo reparou no talento de Soares dos Reis, e

juntamente com o pintor José Rezende, intercederam junto do pai do escultor Manuel Caniço, como era

conhecido na aldeia, e acabaram por conseguir que Soares dos Reis deixasse de trabalhar na loja do pai, e

fosse matriculado na Academia Portuense de Belas-Artes. Aos catorze anos já frequentava a Academia,

que só viria a abandonar em 1867 quando recebeu a bolsa, que lhe permitiu ir estudar para Paris, onde teve

uma vida académica de grande mérito. Foram sucessivos os triunfos do escultor, que sempre foi classificado

em primeiro lugar, chegando mesmo a ser nomeado, com todo o respeito e admiração, por Le voleur de

prix – o ladrão de prémios. – Museu Nacional de Soares dos Reis – Escultura moderna : Catálogo-guia. 2ª

ed. Porto : Imprensa Moderna, 1950, p. 17. 124 A escultura funerária teve um importante papel no aparecimento e crescimento dos primeiros cemitérios

públicos do Porto, o Prado do Repouso e o Agramonte, durante a década de 1870. Este acontecimento

justifica a forte encomenda de retratos, que eram a predileção tumulária da época. Deste modo, o escultor

viu-se forçado, por uma questão de sobrevivência, a trabalhar no âmbito do retrato busto, do qual tirou

proveito ao manifestar nessas obras o seu domínio técnico e poder criativo. – CARNEIRO, Paula Dias –

Museu Nacional de Soares dos Reis : Roteiro da Colecção. 2ª ed. Lisboa : IPM, 2007, p. 103. 125 CASTRO, Laura – Museu Nacional Soares dos Reis. Vila do Conde : QuidNovi, 2011, p. 30.

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chegavam até si, e que muitas vezes não iam ao encontro do que realmente pretendia

trabalhar e explorar no âmbito da escultura.

Ainda que parte do mérito do escultor tenha sido reconhecido no decorrer da sua

vida, muitas foram as reprovações126, calúnias e fracassos conseguidos pelas suas obras,

que não foram entendidas no período em que surgiram, incompreensão essa que acabou

por tirar a vida ao escultor. No dia 16 de fevereiro de 1889, Soares dos Reis decidiu pôr

fim à vida no seu ateliê, manifestando127 o seu espírito de desânimo e desilusão para com

a vida e para com todos aqueles que tinham contribuído para essa mágoa128.

Estima-se que o busto feminino, nomeado por Flor Agreste tenha sido concebido

em 1878, inicialmente, modelado em barro e só depois passado a gesso. Esta escultura foi

produto da criação livre e espontânea do escultor, ao contrário da maioria das suas obras

que foram feitas para dar reposta às encomendas. Ainda hoje se conta a história de que

Soares dos Reis tenha modelado a Flor Agreste a partir da observação direta de uma

criança, filha de uma carvoeira, sua vizinha. Um dos discípulos do escultor, afirmou que

“ao vê-la passar na sua faina diária, Soares dos Reis não terá resistido ao desafio de

transpor para a matéria o olhar meigo, o sorriso envergonhado, os cabelos desalinhados

daquela flor agreste”129. O escultor acabou por modelar uma delicada figura, cujas marcas

da sua formação clássica não conseguiu esconder, talvez não fosse essa a sua intenção, e

nela podemos observar traços do neoclassicismo romântico, justificados pelas influências

sofridas pelo artista enquanto estudou em Paris e Itália130.

Como já fora mencionado, o gesso original da escultura Flor Agreste data de 1878

e a sua trasladação para o mármore aconteceu três anos mais tarde, em 1881 – [Fig. 6].

Foi nesse ano, que o escultor participou pela primeira vez na Exposição-Bazar de Belas

Artes131, onde exibiu pela primeira vez a Flor Agreste. Esta foi adquirida por 250.000 reis

126 Soares dos Reis também foi um dos fundadores do Centro Artístico Portuense, responsável por contribuir

para a difusão das artes plásticas em Portugal. Foi nomeado professor titular da Academia Portuense de

Belas-Artes, em 1881, e empenhou-se em reorganizar e reestruturar o Curso de Escultura, no Projeto de

Reforma e Regulamento, no entanto a sua proposta acabou por ser rejeitada. – Ibid. 127 “Sou cristão, porém nestas condições, a vida para mim é insuportável. Peço perdão a quem ofendi

injustamente, mas não perdoo a quem me fez mal.” – Ibid. 128 Ibid. 129 Museu Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste: Era uma vez… : Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 6. 130 Museu Nacional de Soares dos Reis – Escultura moderna : Catálogo-guia. 2ª ed. Porto : Imprensa

Moderna, 1950, p. 18. 131 A Exposição-Bazar de Belas Artes era realizada anualmente, e nela os artistas tinham oportunidade de

apresentar e vender algumas das suas obras. A prática deste tipo de exposição também pretendia promover

a apreciação do desenvolvimento artístico, na tentativa de “educar” o gosto do público que a frequentava,

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pela Sr.ª Dona Maria Francisca Archer, esposa do colecionador Sr. Nuno de Carvalho,

com os quais permaneceu cerca de meio século. Após a morte dos seus pais, Tomás

Archer de Carvalho, filho herdeiro da casa paterna, ficou responsável pela escultura,

contudo viu-se obrigado a leiloá-la a 29 de outubro de 1932, devido à crise financeira que

a sua família estava a enfrentar. Todavia, nesse entretanto, foi feita uma subscrição que

defendia que a Flor Agreste deveria fazer para do património artístico nacional, e a meio

desse processo, a Câmara Municipal do Porto, presidida por Alfredo Magalhães, comprou

a escultura e garantiu dessa forma, que a mesma não seria vendida a nenhum particular132.

Ainda que a Flor Agreste não tenha sido a dita “obra-prima” do escultor, não

podemos desconsiderar o mérito que conquistou junto do público, que desde a primeira

exposição despertou interesse e empatia em todos aqueles que a puderam observar. Se

muitas das obras do escultor Soares dos Reis foram condenadas ao fracasso, este busto

não foi exemplo disso, muito pelo contrário, e a sua reprodução massiva “fala por si”133.

Embora não se consiga definir o momento concreto em que começou a proliferação de

reproduções, o que é certo, é que hoje podemos encontrar reproduções desta obra nos

mais variados locais e ambientes134, e numa enorme diversidade de materiais, entre eles:

o gesso, o bronze, a porcelana biscuit135, o barro de Barcelos e o marfinite. A reprodução

massiva desta obra, no contexto nacional, pode ser comparada a algumas das grandes

esculturas internacionais.

na grande maioria, membros da burguesia da época. Esta Exposição em questão foi realizada numa das

nove naves do antigo edifício do Palácio de Cristal. – Museu Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste:

Era uma vez… : Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N.

S. R., 1985, p. 6-7. 132 Ibid. 133 CASTRO, Laura – Op. Cit., p. 28. 134 A escultura Flor Agreste, ainda hoje, pode ser encontrada nos mais diversificados contextos e ambientes

sociais, exemplo disso, são alguns dos locais onde esta foi vista, entre eles: o Museu da Casa do

Comendador Nogueira da Silva, em Braga; numa habitação de um bairro camarário, no Porto; numa

caravana, no Parque de Campismo de Angeiras; na romaria do Senhor de Matosinhos; na feira de Espinho;

numa cada de decoração, na Rua da Conceição, no Porto; numa casa de utilidades na Rua da Assunção,

também no Porto; e por fim, numa montra de uma oficina da Rua da ponte Nova, no Porto. – Museu

Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste: Era uma vez… : Exposição itinerante do Museu Nacional de

Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 24. 135 “Reprodução que foi submetida a uma cozedura única e completa, que não é coberta nem vidrada. É

translucido e mantém uma aparência branca mate quando sai do forno. A fabricação de biscuits feitos em

porcelana macia ou artificial, requer uma cozedura cujas temperaturas variam entre os 1100°C e os 1150°C;

os biscuits em porcelana dura, requerem temperaturas mais elevadas, que variam entre os 1350°C e os

1450°C. As dimensões das reproduções em biscuit variam consideravelmente, algumas atingem dimensões

de grande estatuária, enquanto outras medem apenas alguns centímetros de altura.” [Tradução Livre] –

BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 565.

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Em relação às reproduções em gesso da Flor Agreste, sabemos que “a Casa

Baganha tinha no primeiro quartel do século XX um contrato com «A Renascença

Portuguesa» na Rua dos Mártires da Liberdade, para fornecimento de reproduções em

gesso, autorizadas pela viúva de Soares dos Reis”136. Este tipo de contrato, também

designado por contrato de edição, podia ser realizado pelo autor da obra, do modelo, ou

pelos seus sucessores, como foi o caso. Estes, mediante determinadas condições, cediam

ao editor o direito de reproduzir vários exemplares do modelo por eles fornecido, a fim

de assegurar a distribuição e venda dessa mesma obra137.

Também temos conhecimento de que as reproduções em gesso estavam à

responsabilidade do Sr. Teixeira, técnico da escultura da Escola Superior de Belas Artes

do Porto138. A partir das [Fig. 7, 8 e 9], podemos observar o processo de reprodução de

um dos exemplares da Flor Agreste em gesso, bem como as características do molde

utilizado. As imagens permitem-nos observar um molde composto por duas partes, que

juntas formam o todo, que dá origem à reprodução. Trata-se de um molde de tacelos, que

tem a qualidade de poder voltar a ser utilizado sucessivas vezes, sem implicar grandes

perdas. Também conseguimos perceber que tendo em conta a complexidade da obra, seria

difícil realizar reproduções sem quebras ou deformações se o molde fosse, na sua

totalidade, em gesso e constituído apenas por duas partes, pois as prisões existentes na

forma da figura provariam enormes estragos no molde ou na reprodução, no momento da

sua extração139. Ainda que não tenhamos como provar o nosso parecer, através das

imagens podemos observar que o molde é constituído por uma camada interior e outra

exterior. Julgamos que a interior fosse num material, minimamente, plástico que

garantisse flexibilidade suficiente no momento da extração da reprodução, como é o caso

do silicone, do cauchu ou da gelatina. Por sua vez, a camada exterior, essa sim,

136 Museu Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste: Era uma vez… : Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 7. 137 BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 545. 138 Museu Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste: Era uma vez… : Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 18. 139 Embora saibamos que os moldes de tacelos tenham a capacidade de reproduzir modelos sem lhes

provocar deformações ou estragos, ainda que sejam feitos na íntegra, em gesso, esses são habitualmente

compostos por várias partes, em função da complexidade da forma que pretendem reproduzir. Neste caso,

o molde que podemos observar é composto apenas por duas partes, insuficientes de acordo com a

dificuldade da forma da figura. Os moldes feitos em gesso constituídos apenas por duas partes são,

geralmente, aplicados a formas simples ou de revolução, pois não apresentam prisões no momento da sua

extração.

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acreditamos que fosse em gesso, uma vez que se trata de um material rígido capaz de

conferir estrutura e resistência à totalidade do molde.

Nas sete reproduções em gesso que conhecemos, é-nos possível verificar que todas

elas possuem dimensões que variam entre os 50-48 cm, e a sua apresentação formal é

idêntica à da Flor Agreste original, também em gesso. Em todas elas foi aplicada uma

patine, que varia entre o bege, castanho, dourado, azul e preto, o que as torna singulares,

ainda que a sua forma seja idêntica – [Fig. 10 e 11], ver restantes imagens em anexo140.

Todas as reproduções referidas fazem parte da coleção do Museu Nacional de Soares dos

Reis, no Porto.

As reproduções em bronze foram feitas na Fundição Guedes, em Vila Nova de

Gaia, a partir do modelo original em gesso, que fora realizado pelo escultor, através do

processo de fundição em caixa de areia, como podemos verificar nas [Fig. 12, 13 e 14].

Temos conhecimento da existência de duas reproduções em bronze, a primeira foi

realizada a partir do modelo em gesso, concebido pelo escultor em 1878, e por isso detém,

exatamente, as mesmas dimensões e características formais. Essa reprodução pertence à

Foto-Comercial Teófilo Rego – [Fig. 15]. A segunda reprodução em bronze, é uma

redução do modelo original em gesso, com cerca de 230mm, que faz parte de uma coleção

particular – [Fig. 16].

Por sua vez, as reproduções em porcelana biscuit, há semelhança do que aconteceu

com as reproduções em gesso, ficaram ao encargo da Fábrica de Porcelana da Vista

Alegre, sendo eles os detentores das fôrmas que davam origem às réplicas da Flor

Agreste. A utilização da porcelana biscuit, também designada por porcelana pariana141,

deveu-se ao facto dessa matéria conseguir alcançar, após a cozedura, um aspeto muito

semelhante ao do mármore. Neste sentido, a Fábrica da Vista Alegre teve em atenção o

mármore original da Flor Agreste e tentou reproduzir esse mesmo efeito através da

porcelana.

A partir das [Fig. 17, 18, 19, 20, 21 e 22], é possível examinar o tipo de molde

utilizado nas reproduções em porcelana e algumas das tarefas que fazem parte do

140 Ficha Técnica: Flor Agreste – Soares dos Reis. 141 Devido à proximidade do aspeto entre este tipo de porcelana e o mármore de Paros, ilha Grega muito

conhecida pela indústria desse material. – Museu Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste: Era uma

vez… Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985,

p. 21.

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processo142 usado pela Vista Alegre. Observamos que o procedimento de moldagem

implica a divisão do modelo em duas partes, a cabeça e o colo da figura, dando origem a

dois moldes de tacelos, separados. A utilização deste tipo de moldes era inevitável, uma

vez que se pretendiam realizar inúmeras reproduções, contudo o facto de serem precisos

dois moldes para dar origem à figura, obrigou os técnicos responsáveis pela sua

realização, a unir cada uma das partes e retocar a “costura” resultante dessa junção, ainda

com a peça em cru143. A única reprodução da Flor Agreste em biscuit de que temos

conhecimento, é uma redução da original, mede cerca de 200 mm, e é propriedade da

Fábrica de Porcelana da Vista Alegre – [Fig. 23].

Por fim, as reproduções em barro de Barcelos e em marfinite são, entre todas, as

que exibem mais deformações e menor rigor comparativamente à obra original, devido

às modificações da forma, mas também graças aos pormenores decorativos que exibem,

que as tornam quase irreconhecíveis. Das sete reproduções que conhecemos realizadas

em barro de Barcelos, sabemos que todas elas fazem parte da coleção do Museu Nacional

de Soares dos Reis e que possuem as mesmas dimensões, cerca de 400mm. A redução

das dimensões em relação às originais de 500mm, pode ser justifica pela redução do

próprio barro durante o processo de secagem e cozedura, porém é uma informação que

não temos confirmada. Essas reproduções, ou foram mantidas da cor do material em que

foram feitas, neste caso da cor do barro, ou pintadas a branco, ou policromadas – [Fig.

24], ver restantes imagens em anexo144. Das quatro reproduções em marfinite que

conhecemos, todas elas são reduções, cujas dimensões variam entre os 250mm e os

160mm, algumas apresentam-se com um tom bege e outras policromadas, sendo que

todas elas pertencem ao Museu Nacional de Soares dos Reis – [Fig. 25], ver restantes

imagens em anexo145.

Como temos vindo a analisar, muitas foram as reproduções realizadas da Flor

Agreste, ainda hoje é difícil prever um número exato de quantas foram realizadas, o que

sabemos é esta obra conquistou a simpatia de todos e conseguiu chegar não só às classes

sociais mais abastadas, mas também às menos abonadas da sociedade da época. Importa

142 “[…] uma vez colocados os tacelos na devida posição, as formas são fechadas, e vertida pelo orifício

superior uma barbotina liquida, muito fina, cuja composição química permite que as partículas fiquem em

suspensão. Passados cerca de 30 minutos, é aberta a forma, e saem as duas partes que compõe a peça em

cru. As peças são retocadas e coladas. Da primeira cozedura a 1000 graus sai o «chacote» e da segunda a

1400 graus sai o «biscuit» final.” – Ibid. 143 Ibid. 144 Ficha Técnica: Flor Agreste – Soares dos Reis. 145 Ficha Técnica: Flor Agreste – Soares dos Reis.

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referir duas das possíveis razões que acreditamos terem estado na origem de tamanho

êxito desta escultura. A primeira, deve-se ao caráter “[…] sentimentalmente intimista da

pequena escultura”146, que retrata a graciosidade de uma infância condenada ao trabalho

e serve de homenagem a todas as crianças cuja infância lhes foi e é roubada pelo labor.

Estamos perante uma figura que faz parte do povo, que as gentes conseguem reconhecer

e, por isso, valorizar o mérito do artista que foi capaz de romper com as conceções

clássicas, não só no tema que abordou, como também no modo como a modelou147. A

segunda razão, que queremos acreditar que seja a que teve menor impacto, deveu-se ao

desfecho da vida do escultor. Ainda que não seja pelo melhor motivo, a verdade é que o

suicídio do escultor deu-lhe, de certo modo, alguma notoriedade junto do povo, que o

mitificou e o fez chegar aos mais diversos contextos nacionais. “Mais do que o talento

inovador dum artista, a «Flor Agreste» será pois, notável documento sobre a

caracterização intelectual e sensível de todo um povo que a elegeu entre as suas imagens

paradigmáticas”148.

Depois de analisada aquela que foi e é considerada a escultura mais reproduzida em

Portugal, mantendo o foco sobre o contexto nacional, passaremos a observar um outra

obra, que embora levante algumas problemáticas referentes ao estatuto do seu autor e

aceitação enquanto escultura, consideramos que seja essencial abordá-la tendo em conta

o teor da nossa investigação.

Neste seguimento, interessa investigar um dos maiores ícones da arte sacra

portuguesa, a conhecida Nossa Senhora do Rosário de Fátima – [Fig. 26], concebida em

1920 pelo santeiro bracarense José Ferreira Thedim (1892-1971). Esta foi realizada após

as aparições de Fátima, ocorridas em 1917, com o intuito de materializar o que tinha sido

testemunhado pelos Três Pastorinhos. Importa ressalvar que a análise desta imagem é

crucial para a presente investigação, pois trata-se, inegavelmente, da obra mais

reproduzida no contexto nacional, com fortes repercussões também a nível internacional.

Não pretendemos enveredar, de forma alguma, por um caminho marcado por juízos de

146 Museu Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 10. 147 ARROIO, António – Soares dos Reis e Teixeira Lopes : estudo crítico da obra dos dous esculptores

portuguezes procedido de pontos de vista estheticos. Porto : Typ a Vapor de José Silva Mendonça, 1899,

p. 101. 148 Museu Nacional de Soares dos Reis – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 11.

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valor e distinções entre escultores eruditos e santeiros149, no entanto devemos ter em conta

que se trata de uma obra que, ainda que não tenha sido realizada por um escultor,

conseguiu satisfazer o gosto popular e acabou por ser sacralizada dentro desse meio.

José Ferreira Thedim nasceu e faleceu na freguesia de São Mamede do Coronado,

pertencente ao concelho de Trofa. Sem qualquer tido de formação artística no âmbito da

escultura, é hoje o “santeiro mais conhecido da geografia católica contemporânea”150.

Thedim, artífice de profissão, trabalhava na Casa Fânzeres151 quando foi efetivada, em

outubro de 1919, a encomenda que viria a dar origem à Nossa Senhora. Esta obra foi

encomendada por Gilberto dos Santos a Domingos Alves Teixeira Fânzeres, na época

proprietário da Casa Fânzeres, sob a orientação direta do Cónego Manuel Nunes

Formigão, uma vez que foi este que serviu de mediador entre as descrições feitas pelos

pastorinhos e as informações que foram fornecidas ao santeiro. Pretendia-se que a obra

estivesse pronta para o dia 13 de outubro de 1919, para as comemorações das aparições,

no entanto esse prazo foi demasiado curto e acabou por ser adiado para o dia 13 de maio

do ano seguinte152.

A obra original, realizada por Thedim, que hoje continuamos a poder ver na

Capelinha das Aparições, mede 104 cm de altura e a sua largura varia entre os 27 e 40

cm, quando medida sem a coroa. Esta pesa cerca de 19 kg e segue a tradição da escultura

policromada em madeira, que teve um forte impacto na Península Ibérica durante o

Período Barroco e Rococó, nos séculos XVII e XVIII. Deste modo, devemos ter presente

que este tipo de obra era, geralmente, realizada em oficinas que tinham dois mestres, um

entalhador e o outro pintor ou dourador. O santeiro era responsável por pensar a obra e

definir a sua forma em madeira, para que depois o pintor pudesse iniciar a policromia.

Sabemos que este tipo de oficina, em que foi feita a Nossa Senhora de Fátima em 1920,

funcionava segundo um sistema, já aqui apresentado, de aprendizagem baseada na relação

existente entre o aprendiz e o mestre, muito comum nas oficinas dos santeiros da Maia,

na zona norte do país153.

149 Importa fazer referência à dissertação de Mestrado em Teorias da Arte do professor doutor José Teixeira,

intitulada por A mulher na escultura em António Teixeira Lopes, na qual é abordada a problemática

existente entre o escultor erudito e o santeiro. 150 COROADO, João de Freitas; DUARTE, Marco Daniel – Estudo científico da Escultura de Nossa

Senhora do Rosário de Fátima. Fátima : Santuário de Fátima, 2017, p. 16. 151 “[…] casa que fabricava muitas imagens para igrejas, o que leva a entender que a Imagem nasce num

atelier de “especialistas” em esculturas para o culto”. – Ibid., p. 30. 152 Ibid., p. 16-31. 153 Ibid., p. 98-99.

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Concluída a obra, por volta de 13 de abril de 1920, esta poderia deslocar-se para o

seu destino, contudo tinha pela frente uma viagem longa que merecia toda a atenção e

cuidados redobrados por parte de Teixeira Fânzeres, que se esforçava por antever alguns

problemas que poderiam surgir, ao

“descrever com minúcia a forma da embalagem: «peço o maior cuidado ao

desencaixotar a imagem, que vai aparafusada na base e leva uma travessa

tambem aparafusada» […] «como as cores são claras e os bordados vão um

pouco frescos é preciso todo o cuidado e limpesa [;] pegar na imagem so pela

base e nas costas isto com panos bem limpos. E pena se a sujam»”154.

Na chegada a Fátima, esta foi apresentada na sacristia da igreja paroquial de Fátima, onde

foi vista por milhares de fiéis que se deslocaram, propositadamente, para a verem. Nesse

dia, também foi benzida solenemente. Relatos do Visconde de Montello, que também

teve a oportunidade de a ver no dia da sua chegada, descrevem a impressionante devoção

dos fiéis à Nossa Senhora de Fátima, no modo como lhe rezavam, ainda que esta não

estivesse naquele que viria a ser o seu espaço de culto. A obra só viria a ocupar o lugar

para o qual tinha sido encomendada, o sitio exato das aparições na Cova de Iria, no dia

13 de junho de 1920155 – [Fig. 27]. Anos mais tarde, a 13 de maio de 1942, Nossa Senhora

de Fátima foi, solenemente, corada pelo Legado Pontifício, Cardeal Aloisi Masela, com

uma coroa feita de ouro e constituída por mais de 2650 pedras preciosas e 313 pérolas,

resultante das doações das mulheres portuguesas156 – [Fig. 28].

Acreditamos que na origem de tamanha devoção dos crentes por esta obra, possa

ter estado e continua a estar o poder e a importância que as imagens sempre tiveram dentro

da Igreja católica e ortodoxa. A imagem é a materialização daquilo que não é visível aos

olhos, ainda que o essencial seja o que é invisível, contudo esse invisível ganha mais força

quando é materializado, como aconteceu com a Nossa Senhora de Fátima157. Deste modo,

este fenómeno pode ser explicado, não pelas qualidades propriamente ditas da obra, mas

pela “[…] influência que têm na psicologia coletiva dos que tomam estas peças culturais

como imagens da entidade representada, algumas vezes porque a sua génese é entendida

como sobrenatural”158.

154 Ibid., p. 19. 155 Ibid., p. 20-21. 156 Ibid., p. 36-38. 157 Ibid., p. 8. 158 Ibid., p. 13.

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No que diz respeito às reproduções da Nossa Senhora de Fátima, tirando mais uma

vez partido dos escritos partilhados pelo próprio Santuário de Fátima, conseguimos saber

que existem algumas réplicas da obra original, que porventura possam ter sido realizadas

pelo santeiro Thedim. A obra original mantém-se na Capelinha das Aparições, salvo raras

as ocasiões em que é deslocada desse local159. Alguns documentos e notícias publicadas

sobre o tema dão indicação da existência de um conjunto de 12 a 13 réplicas da obra, que

mantêm as mesmas dimensões e qualidades formais. Essas são utilizadas como imagens

peregrinas do Santuário, uma vez que a obra original, raramente, sai da Capelinha. Por

essa razão, foi necessário criar réplicas que pudessem circular e chegar a todas as

comunidades da Igreja Católica existentes pelo mundo160.

Deste modo, podemos especular que o Santuário de Fátima possui um conjunto de

reproduções que integram uma série, sobre a qual detêm todos os direitos associados não

só em relação às réplicas, mas também à reprodução da obra original. Nestas condições,

podemos afirmar estar diante da cedência dos direitos por parte do autor da obra, ou seja,

Thedim cedeu ou negociou os seus direitos, como autor legítimo da obra, ao Santuário de

Fátima. Se por um lado existe controlo sobre o número de réplicas que compõem a série

pertencente ao Santuário, por outro, é notável o descontrole no número incalculável de

exemplares que se reproduzem a nível nacional e internacional. Arriscamo-nos a dizer

que não existe uma casa portuguesa que não tenha uma reprodução reduzida da Nossa

Senhora de Fátima. Independentemente, da diversidade de materiais e deformações que

possamos encontrar nessas reproduções, não deixam de ser reflexo da popularidade que

esta obra conseguiu alcançar, concebida pelo simples santeiro que nunca esperou ver o

seu labor levado “aos quatro cantos do mundo”.

Depois de analisadas as obras Flor Agreste (1878) e a Nossa Senhora do Rosário

de Fátima (1920), e ainda que ambas sejam tão distintas nas suas qualidades formais e

contextos em que foram pensadas e concebidas, podemos concluir que são indicadores

do gosto popular. Consideramos que sejam fundamentais enquanto testemunhos do

impacto que as suas reproduções tiveram dentro e fora do nosso país. Importa agora

ampliar o foco da nossa análise e direcionar a nossa atenção sobre algumas obras

159 Ibid., p. 61. 160 Santuário de Fátima – Estudo científico da imagem de nossa senhora do rosário de Fátima [Em linha].

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internacionais, que foram e continuam a ser exemplos cruciais do que procuramos

explorar na presente investigação.

Não poderíamos ir mais longe, mas tão perto ao mesmo tempo, não fossemos nós

referir a importância da reprodução dos modelos clássicos que, ainda hoje, continuam a

ser reproduzidos. Inúmeros são os exemplos de obras pertencentes à Antiguidade Clássica

que foram alvo de reproduções massivas, fugindo ao controle dos seus autores ou editores,

se fosse o caso. De todos os exemplos que poderíamos dar, incluindo a Nossa Senhora do

Rosário de Fátima, não existe memória de quaisquer outras obras que tenham alcançado

tamanho expoente no que diz respeito às suas reproduções, como aconteceu com a

estatuária da Antiguidade Clássica.

Hoje é-nos possível encontrar várias razões que deram origem e contribuíram para

a reprodução massiva dos modelos clássicos e, nesse sentido, acreditamos que o culto

pelo gosto do Antigo foi o principal factor, que moveu artistas, colecionadores e até

estudantes a reproduzir obras que detinham um valor cultural, que as classificava como

obras de arte. Porém, é importante reter que a reprodução desses modelos não aconteceu

de um dia para o outro, pois foi um processo longo e moroso, não só a nível dos processos

técnicos, que no início eram pouco desenvolvidos, mas também porque o acesso a essas

obras de arte, no começo, era muito condicionado, uma vez só estavam ao alcance das

camadas sociais superiores. Até meados do século XVIII, apenas os dignatários da igreja,

os reis e os nobres tinham a oportunidade de adquirir reproduções, devido aos elevados

custos161 que todo o processo de reprodução implicava. Desse modo, nem mesmo as

Academias ou escolas de arte, da época, tinham meios económicos que possibilitassem a

aquisição dessas reproduções, restando-lhes os álbuns de gravuras que apresentavam

estudos e desenhos da estatuária clássica. Contudo, esta situação mudou com os avanços

dos procedimentos técnicos, que permitiam realizar reproduções de uma forma mais

rápida e, consequentemente, menos dispendiosa, contribuindo para o aumento do número

de reproduções. As Academias começaram a possuir algumas reproduções dos modelos

da Antiguidade Clássica, para que os artistas e os estudantes pudessem adquirir o gosto

erudito, realizar estudos anatómicos e treinar as suas capacidades técnicas de mimésis. O

impacto das reproduções não se restringiu às Academias, uma vez que o gosto pelo Antigo

161 “O sistema de reprodução das obras de estatuária envolvia os métodos antigos, que eram de certa forma,

morosos e reuniam um número significativo de pessoas com conhecimento no processo técnico.” –

BERNARDO, José Viriato – A coleção de escultura da Faculdade de Belas Artes : a formação do gosto e

o ensino do desenho. Lisboa : [s.n.], 2013, p. 29.

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alastrou-se, principalmente, às camadas sociais mais abonadas, que revelaram interesse

em obter reproduções da Antiguidade, dando origem às primeiras e grandes coleções

particulares, que mais tarde se transformaram em museus162.

Importa dar dois exemplos, de duas obras clássicas, que refletem o impacto e as

repercussões que as suas reproduções conseguiram alcançar não só dentro do meio

artístico, mas em relação a toda a sociedade, ao longo dos últimos séculos. Como símbolo

do Belo feminino temos a célebre Vénus de Milo, que data do II século a.C., pertencente

ao Período Helenístico. É uma escultura em mármore, cujas dimensões são superiores à

escala humana, tendo cerca de 2,04 metros de altura. As qualidades formais desta obra,

permitem-nos observar que a mesma regressou ao “[…] mundo mais puramente grego

[…] pela harmonia das proporções e pela serenidade se aproxima das obras do

classicismo”163. Esta foi descoberta em 1820, numa ilha grega chamada Milos, que deu

origem à designação Vénus de Milo, em homenagem ao local onde foi encontrada. A

autoria desta célebre obra foi conferida a Alexandros de Antioch, artista grego que tivera

trabalhado durante o século II, contudo é importante referir que não existe consenso entre

os historiadores em relação ao seu verdadeiro autor164.

Outra escultura que também foi bastante reproduzida, lado a lado com Vénus de

Milo, foi Doríforo, símbolo do Belo masculino e do conhecido cânone165 de Policleto,

autor da obra. Estima-se que esta escultura tenha sido realizada em meados de 450 a.C.,

em bronze, todavia essa obra desapareceu, restando-nos hoje algumas reproduções em

mármore, que foram realizadas no Período Helenista. A reprodução que se encontra em

melhor estado de conservação, vinda dessa época, faz parte da coleção do Museo

Archeologico Nazionale de Nápoles166. Nesta obra, podemos observar a representação do

nu vigoroso de um jovem atleta, que transporta na sua mão esquerda uma lança que

descansa sobre o seu ombro esquerdo. Esta escultura tornou-se símbolo da perfeição, da

harmonia entre as diferentes partes do corpo e do seu todo, conseguida através da noção

162 Ibid., p. 29-31. 163 ANDRESEN, Sophia de Melo Breyner – O nu na antiguidade clássica. 3ªed. Lisboa : Caminho, 1992,

p.113. 164 BERNARDO, José Viriato – Op. Cit., p. 69-70. 165 “Los cánones de los artistas-teóricos griegos que tienen como principio la figura humana, se establecen

relaciones de dimensión subordinadas a distintos segmentos del cuerpo, concretando proporciones en el

ejercicio de la paración de las dimensiones entre sí e de ellas com el todo.” – PLASENCIA CLIMENT,

Carlos ; MARTIÍNEZ LANCE, Manuel – Las proporciones humanas y los cánones artísticos. Valencia:

Universidade Politécnica de Valencia, 2007. p. 86 166 JANSON, H. W. – A nova História da Arte de Janson : a tradição ocidental. 9ª ed. - Lisboa :

Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. p. 131.

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de equilíbrio, entre as formas que estão em ação e as que estão em repouso167. Graças a

essa conquista de Policleto, Doríforo foi considerado um ícone da escultura clássica, um

modelo para todos aqueles que ambicionassem seguir as passadas dos maiores artistas da

Antiguidade. Dessa forma, estavam reunidas as condições necessárias para que as

Academias e os colecionadores se interessassem por essa obra, tal como aconteceu com

a Vénus de Milo. Ambos os casos espelham o prestigio do gosto erudito, através do

incalculável número de reproduções que já foram e continuam a ser realizadas, uma vez

que estes dois modelos não estão sujeitos ao controle de nenhum editor ou responsável.

Na continuidade da nossa análise, a nível internacional, importa apresentar um

conjunto de reproduções que fazem parte de uma série, que ao contrário de todas as que

já foram mencionadas até então, foram realizadas sob a demanda e o controlo do artista

que concebeu o modelo original. A série a que nos referimos foi realizada no começo do

século XX, por Pablo Picasso (1881-1973).

Ainda que Picasso seja mais reconhecido pela sua produção artística no âmbito da

pintura e também da gravura, não podemos esquecer que em paralelo, este sempre se

interessou e trabalhou a escultura, à procura das respostas que a bidimensionalidade da

pintura não lhe conseguia fornecer. A extensão e a inovação da sua obra escultórica reflete

a ânsia e a insistência do artista na exploração máxima das possibilidades tridimensionais,

que o levaram a quebrar com barreiras e conceitos sacralizados da escultura. Não seguiu

as mesmas correntes artísticas que se tinham vindo a desenvolver até então, pois não

acreditava que o caminho a seguir fosse continuar a explorar conceções como a

perenidade e a grandeza da escultura, a partir de materiais tradicionais, considerados

nobres. As descobertas e as transformações ocorridas no inicio do século XX, provocaram

e “exigiram” alterações a nível artístico, a escultura carecias de novos modos de a pensar

e, consequentemente, de a fazer. Nesse sentido, a irreverência e a curiosidade de Picasso

jogaram em seu favor e da própria arte, uma vez que o escultor começou a explorar as

potencialidades de materiais que fossem capazes de acompanhar a sua imediatez. Utilizou

com mais frequência o gesso, o cartão e a madeira, bem como novas técnicas de trabalhar

esses materiais, de os “modelar”. Para além disso, também se apropriou de objetos

167 “[…] uma tensão de movimento e contramovimento que continua desde o pé esquerdo levemente

levantado, do quadril, do peito e do ombro até à cabeça virada para o lado. Uma coisa condiciona a outra,

cada parte do corpo se encontra em ligação exata com o seu oposto e com o todo.” –

SIEBLER, Michael – O cânone de Policleto : Frankfurt festeja o clássico. Humboldt: revista para o mundo

luso-brasileiro. Lisboa. Vol. 32 Nº 62 (1991), p. 58-61.

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retirados do quotidiano e integrou-os nas suas obras, introduzindo dessa forma uma nova

potencialidade da escultura do século XX168.

Copo de Absinto foi como intitulou Picasso a série de seis obras, realizadas em

1914, que testemunham a presença da reprodução na produção artística do escultor –

[Fig. 29, 30, 31, 32, 33 e 34]. Como já fora mencionado, anteriormente, uma série é

definida por um número limitado de reproduções, neste caso, o conjunto é composto por

seis exemplares, todos eles, formalmente, muito semelhantes, o que nos indica que foram

concebidos a partir do mesmo molde, sob a demanda e controlo do escultor. Também

sabemos que todas as reproduções resultantes desse modelo foram assinadas pelo escultor

com um “P”, em baixo relevo na zona inferior e exterior de cada obra, e numeradas169.

Entendemos que cada obra individual, que compõe a série, é composta por três

partes: a base, a colher e o cubo de açúcar. Estima-se que a base tenha sido, originalmente,

modelada em cera, uma vez que ainda “guarda a maleabilidade”170 desse material. Foi

neste elemento que o escultor explorou, tridimensionalmente, pela primeira vez, uma

problemática que já o acompanhava na pintura, a representação de transparências. Ainda

que a cera seja um material que detém de alguma opacidade, foi a partir dela que o escultor

conseguiu modelar o exterior e o interior em simultâneo, ao abrir rasgos na forma, de

modo, a dar a noção da translucidez do copo que pretendia representar. Finalizada a

modelação, Picasso, por intermédio do conhecido historiador, colecionar e comerciante

de arte Daniel-Henry Kahnweiler (1884-1979)171, decidiu fundir em bronze o modelo que

tinha realizado em cera, para que esse pudesse ser transformado num material durável,

estratégia que era, frequentemente, utilizada pela escultor172. Para além disso, a fundição

também permitiu a Picasso reproduzir vários exemplares, retirados a partir do mesmo

molde, conduzindo-o assim à criação da série que temos vindo a observar. Por sua vez, o

escultor adicionou à base um fragmento de realidade, uma colher de absinto, que foi

retirada do quotidiano e introduzida na obra. Embora Picasso não tenha sido não tenha

sido o primeiro artista a adicionar um objeto usuário a uma escultura, uma vez que foi

ulterior a Marcel Duchamp (1887-1968), foi o primeiro a criar uma obra que conciliou a

168 DUARTE, António – Da escultura de Picasso : Breve reflexão. Lisboa : [s.n.], 1981, p. 79. 169 SMITH, Roberta – Drinking in the beauty of Picasso’s sculptures at MoMA [Em linha]. 170 TUCKER, William – A linguagem da escultura. São Paulo : Cosac & Naify, 1999, p. 68. 171 SMITH, Roberta – Op. Cit., [Em linha]. 172 Era comum Picasso conceber, inicialmente, as suas obras em materiais efémeros, pelas suas

características formais, e depois mandava-os fundir em bronze ou copiar em chapa de metal, para que esses

se tornassem duráveis. – DUARTE, António – Op. Cit., p. 79.

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apropriação de objetos reais à modelação. Pois não se trata de uma obra composta apenas

por objetos retirados do dia-a-dia, mas que os integra em função da modelação realizada

pelo próprio escultor. Por fim, o terceiro elemento representa um cubo de açúcar, também

ele modelado e fundido em bronze, responsável por interligar todas as partes que compõe

cada obra individual173. Picasso conseguiu, nesta obra, aludir à realidade de três formas

diferentes, a partir da representação do copo (a base), da introdução da colher real e da

imitação do torrão de açúcar, que assenta sobre a colher, explorando e experimentando as

relações estabelecidas entre cada um dos objetos da obra174.

Observamos que todas as obras que compõem a série são iguais a nível formal, no

entanto todas elas se singularizaram, ganhando um cunho individual devido à policromia

aplicada pelo escultor, após a fundição. No que diz respeito a esse aspeto, que por muitos

pode ser entendido como um elemento decorativo e desnecessário, devemos compreender

a ânsia de experimentação por parte do escultor, que pintou todos os bronzes como meio

de lhes conferir diferentes variações no relevo das formas, umas vezes através do

pontilhismo e outras a partir da pintura, de uma ou mais cores, de algumas zonas. De

todas as reproduções, podemos analisar que a primeira175, [Fig. 29], é a mais simples,

tendo sido apenas pintada de branco na base. Esta foi doada ao museu Centre Georges

Pompidou em 1984, por Luise e Michel Leiris176.

Em relação às restantes reproduções, não conseguimos apurar a ordem pela qual

foram realizadas, todavia sabemos em que local se encontra cada uma delas, atualmente.

A [Fig. 30] faz parte da coleção do Metropolitan Museum of Art, e é uma das reproduções

que foi pintada com pontos vermelhos e azuis, sobre fundo branco, junto à base, na lateral

do copo e também no cubo. Segue-se a [Fig. 31], pintada quase na sua totalidade de

branco, com zonas revestidas de pontos azuis, vermelhos, mas também amarelos

misturados com os vermelhos nas reentrâncias do copo. Esta obra pertence ao Museum

of Modern Art (MoMA). Por sua vez, a [Fig. 32] está integrada na coleção do Philadelphia

173 Segundo a conservadora de escultura do Museum of Modern Art, Lynda Zycherman responsável por

analisar algumas das reproduções que compõem a série Copo de Absinto em 2015, “[…] a tiny pin attached

to the bronze sugar cube that passes through one of the perforations in each spoon into a tiny socket in the

lip of each glass. She suspects that this solution was not devised by Picasso — who at that point didn’t

know much about sculpture — but by a skilled artisan at the foundry” – SMITH, Roberta – Op. Cit., [Em

linha]. 174 SPIES, Werner – Esculturas de Picasso : obra completa. Barcelona : Gustavo Gili, 1971, p. 48. 175 O museu Centre Georges Pompidou dá indicação de que esta obra está numerada na base com o número

“1”, o que nos leva a entender que esta é a primeira das seis reproduções. – Centre Georges Pompidou – Le

verre d’absinthe [Em linha]. 176 Ibid.

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Museum of Art, e ao contrário das anteriores, não existe mistura de cores na aplicação

dos pontos, metade da obra exibe pontos vermelhos sobre o fundo branco e a outra metade

pontos azuis. A [Fig. 33] faz parte do espólio de Picasso, sendo essa que costuma estar

presente nas exposições temporárias realizadas sobre o artista. Exemplo disso foi a

recente exposição realizada no Musée Nacional Picasso, em Paris, que aconteceu de 8 de

março a 28 de agosto de 2016. Esta obra, tal como a primeira, é das mais simples no que

diz respeito à sua composição visual, pois apenas ostenta a base pintada de vermelho. Por

fim, a [Fig. 34] está albergada no Museum Berggruen, em Berlim, e é mais uma

reprodução que foi pintada de branco, na sua totalidade, e foi coberta de pontos vermelhos

e azuis, na lateral, nas reentrância do copo e, também, no cubo de açúcar.

Nesta obra, o próprio artista afirmou ter sido do seu interesse explorar a relação

entre a colher, objeto real e o copo modelado, para que pudesse perceber como esses dois

elementos se poderiam relacionar, o real e a representação. Embora este seja o aspeto

que mais caracterizou a obra em questão, o que pretendemos, realmente, analisar no Copo

de Absinto, foi o modo como Picasso tirou proveito das potencialidades da reprodução e

encontrou nesse procedimento um meio para dar origem a uma série composta por vários

exemplares, ainda que visualmente sejam todos eles diferentes, produto do mesmo molde.

2.3.2 – Reprodução de uma obra, de elementos e/ou de um tema do próprio artista

Depois de observarmos e analisarmos alguns estudos de casos, dos quais nos

socorremos para expor e esclarecer as diferenças e semelhanças existentes entre uma série

e uma edição, e para que não nos alonguemos mais no seu estudo, investigaremos outra

categoria da reprodução. Como fora mencionado no início deste terceiro subcapítulo, a

reprodução também foi utilizada pelos artistas de outras formas, fosse na reprodução de

um determinado elemento que compõe a obra, na reprodução de uma escultura,

anteriormente, realizada, ou na reprodução de um tema já tratado pelo próprio. Neste

sentido, consideramos que seja oportuno apresentar algumas obras que afirmam a nossa

perspetiva, a nível nacional e internacional, e sempre que possível pela devida ordem

cronológica. Importa também estabelecer relações entre algumas dessas esculturas e entre

os próprios artistas, para que consigamos compreender de que forma, cada um deles tirou

proveito da reprodução nos parâmetros referidos.

De todos os escultores que poderíamos dar como exemplo, Auguste Rodin (1840-

1917) foi, entre todos eles, o que mais desenvolveu o processo que pretendemos observar

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neste momento. Não só dedicou toda a sua vida ao estudo do corpo humano, à Natureza,

sendo esse o principal tema das suas obras, como tirou proveito e impulsionou a prática

da reprodução, como meio de pensar e conceber a sua produção artística.

A obra de Rodin foi e continua a ser alvo de diversificados entendimentos, quando

se procura situar e contextualizar as suas obras num determinado movimento artístico.

Rodin reconheceu ter sido um naturalista, cuja Natureza foi a sua única fonte de

inspiração, segundo a qual se guiou e se esforçou por reproduzi-la nas suas obras. Porém,

essa revelação do artista foi alvo de contestação, por parte de todos aqueles que não

conseguiram ver na sua obra a Natureza, mas a deformação da mesma177. Embora Rodin

tenha dedicado toda a sua obra à representação da figura humana, fê-lo de uma forma

muito distinta dos naturalistas que dominavam o meio artístico na época, graças ao seu

génio e aos processos178 de trabalho que empregava, acabando por ser consagrado um dos

primeiros expressionistas, responsável por abrir portas à abstração179.

A insatisfação de Rodin em relação ao estudo da forma humana, fê-lo retomar esse

tema vezes sem conta, o que refletiu o sentimento insaciável do escultor na procura do

ideal da perfeição. Para além disso, também se interessou por retomar a algumas das suas

obras, reproduzindo-as e criando com elas novas esculturas, independentes à obra da qual

tinham partido. O grupo escultórico intitulado As Três Sombras – [Fig. 35], foi realizado

entre 1882 e 1902, é um extraordinário exemplo não só da reprodução de um mesmo

elemento que se repete e dá origem ao grupo, como também da reprodução de uma obra

que já tivera sido feita pelo escultor, uma vez que esee grupo foi concebido a partir da

escultura Adão – [Fig. 36], concretizada entre 1880-1881.

177 Rodin foi acusado de deformar as suas figuras, ao criar volumes exagerados em zonas que não tinham

qualquer correspondência anatómica ou muscular, contribuindo desse modo para a ideia de que o mesmo

desdenhava o que era natural. No entanto, o próprio tratou de esclarecer que a sua representação da Natureza

não se limitava a reproduzir apenas as superfícies dos modelos, mas também o espírito, toda a sua verdade,

e por essa razão acentuava as linhas que melhor expressavam o estado espiritual. Acrescentou ainda, «Não!

Não a altero. Ou se o faço é sem dar por isso no próprio momento. O sentimento, que influencia a minha

visão, mostra-me a Natureza tal como a copio… Se quisesse modificar o que via e fazer mais belo não

produziria nada de bom». Segundo Rodin, o verdadeiro artista só precisa de acreditar nos seus olhos, pois

esses «têm raízes no seu coração lêem profundamente no seio da Natureza».” – BRASIL, Jaime – Rodin.

Porto : Lopes da Silva, 1944, 157-162. 178 “A modernidade dos seus processos de trabalho incluiu: a seriação, a polissemia e descontextualização

de significados, a reutilização de formas, a justaposição de escalas, a montagem e assemblagem” –

FIGUEIREDO, Maria Rosa – Apenas uma vez vi Rodin. In «Encontros de Escultura». Porto : Faculdade

de Belas Artes da universidade do Porto, 2004, p. 41. 179 Ibid., p. 31.

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No que diz respeito à representação de Adão, críticos e historiadores defendem que

Rodin foi influenciado pela obra artística de Miguel Ângelo, depois de visitar Roma e

Florença. Não podemos desconsiderar a ligação existente entre o Adão pintado no teto da

Capela Sistina e o Adão de Rodin, não tanto a nível das qualidades visíveis, mas da

intenção que o escultor possa ter tido ao querer remeter para essa obra. A intencionalidade

do artista justificaria o facto deste ter representado Adão com o seu dedo indicador

esticado, tal como Miguel Ângelo pintou a mão direita do Criador a dar vida a Adão.

Embora possamos encontrar algumas semelhanças físicas entre as duas representações de

Adão, não são elas as mais importantes nesta análise, mas sim a presença consciente ou

inconsciente de uma outra obra, que foi criada e interpretada por um outro artista. Para a

modelação de Adão, Rodin utilizou como modelo-vivo um atleta de feira chamado

Cailloux, e embora não tenha tirado proveito da virtuosidade do seu corpo em esforço,

pois não era esse o propósito da obra, necessitou que o mesmo revelasse em repouso a

debilidade do corpo humano, transformando-o num ser abatido, sem energia180.

Como já fora mencionado o grupo escultórico, As Três Sombras, foi realizado a

partir de Adão, todavia não se trata de uma reprodução direta dessa obra, pois se

observarmos com atenção conseguimos encontrar diferenças entre as figuras masculinas.

Por exemplo, Adão toca com a sua mão esquerda no joelho direito, que está, ligeiramente,

fletido e inclinado para a esquerda, enquanto As Três Sombras, tem o braço esquerdo

estendido para a frente, muito longe de conseguir tocar no joelho direito, que também está

fletido. Algumas são as diferenças que conseguimos detetar entre as obras, no entanto é

inegável que o escultor partiu de Adão para conceber As Três Sombras. Este conjunto

escultórico é composto por três figuras masculinas, exatamente, iguais, que foram

reproduzidas a partir do mesmo modelo e dispostas em ângulos diferentes, na mesma

linha horizontal, dando a ilusão de que se tratam de três nus, distintos uns dos outros, cada

um com uma personalidade própria. Esta obra faz parte da composição da Porta do

Inferno, na qual ocupa um lugar privilegiado e isolado de todo o cenário de desolação,

que está abaixo dos seus pés – [Fig. 37]. As três figuras estão unidas pelas cabeças, que

estão inclinadas para o chão, numa posição em que todo o corpo se debruça, cedendo ao

peso do destino181.

180 NÉRET, Gilles – Auguste Rodin : esculturas e desenhos. Koln : Taschen, 1997, p. 48. 181 CHAMPIGNEULLE, Bernard – Rodin. London : Thames and Hudson, 1967, p. 135-137.

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Rodin para além de ter modelado As Três Sombras na Porta do Inferno, em 1880,

também realizou essa mesma obra, numa dimensão que ultrapassa a escala humana, cujas

figuras contam com cerca de 191,5 cm de altura – [Fig. 35]. Embora esta escultura seja,

extremamente, idêntica à que podemos observar na Porta do Inferno, existem algumas

diferenças, que nos levam a acreditar que este grupo, realizado entre 1882 e 1902, está

“mais acabado” do que o anterior. Nesta obra, é possível observar as mãos das figuras,

enquanto nas Três Sombras da Porta do Inferno, o escultor não modelou nenhuma das

mãos das figuras, deixando-as inacabadas, como se se tratasse de um esboço que viria a

dar origem às Três Sombras que realizou, posteriormente. Ambas as obras pertencem à

coleção do Musée Rodin, em Paris, e podem ser apreciadas no Jardim desse mesmo

espaço. No hall do interior do museu, podemos ainda confirmar a existência de uma outra

reprodução das Três Sombras, que acreditamos ser igual à que integra a Porta do Inferno,

uma vez que mede cerca de 97 cm, pois também se apresenta “incompleta” – [Fig. 38].

Esta foi fundida em 1928, pela Fonderie Alexis Rudier, para que também fizesse parte da

coleção permanente do museu182.

No que diz respeito à obra que temos vindo a analisar, Rodin não só retomou uma

obra que já tinha realizado, Adão, como compôs as Três Sombras com três reproduções

retiradas a partir do mesmo molde. Deste modo, podemos confirmar a presença da

reprodução de duas formas, na repetição de um dos elementos que constituí o grupo

escultórico e na recuperação de uma obra realizada pelo próprio escultor. Esta “franqueza

do uso da repetição somente será igualada na Coluna Infinita de Brancusi”183. Nesse

sentido, importa interromper a ordem cronológica e observar de que forma a obra do

escultor romeno se relaciona com As Três Sombras de Rodin e qual a ligação que

conseguimos encontrar entre os dois artistas.

A Coluna Infinita – [Fig. 39], erigida por Constantin Brancusi (1876-1957) entre

1937 e 1938184, faz parte de um conjunto que engloba outras duas obras, localizadas na

cidade de Tîrgu Jiu, no sudeste da Romênia185. Esta escultura é composta por quinze

módulos completos, em que altura de cada um deles correspondente à medida média de

182 Musée Rodin – Les trois ombres [Em linha]. 183 TUCKER, William – A linguagem da escultura. São Paulo : Cosac & Naify, 1999, p. 30. 184 Brancusi também contou com a colaboração do engenheiro Georgescu-Gorjan, e entre julho e agosto de

1937 determinou todos os detalhes técnicos, bem como as proporções finais da obra que seria erigida. –

TABART, Marielle – Brancusi : l’inventeur de la sculpture moderne. Paris : Centre Georges Pompidou

Sculptura, 2000, p. 89. 185 TUCKER, William – Op. Cit., p. 129.

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uma pessoa. Para além destes elementos, a Coluna Infinita conta ainda com um primeiro

módulo incompleto, sensivelmente, com dois terços de um completo, e o último elemento,

no topo da coluna, que só mede metade da altura de módulo inteiro. O primeiro e último

módulo, já referidos, mereceram especial atenção por parte do escultor, enquanto pensava

e testava a composição da obra, uma vez que esse pretendia que a mesma criasse a ilusão

de progressão em direção ao infinito, quando observada pelo espectador, ambição que

justifica a designação da obra186.

Esta obra mede na sua totalidade cerca de trinta metros de altura e é feita em ferro

fundido metalizado, originalmente em tom dourado187, porém o confronto direto entre a

escultura e as alterações climáticas, ao longo de vários anos, fez com que essa sofresse

transformações físicas que conduziram ao seu acabamento desigual com tom marrom

fosco, que podemos observar atualmente. O espetador que nos dias de hoje presenciar

esta obra pode ser levado a pensar, pelas qualidades físicas que esta exibe, que a escultura

é feita de madeira, curiosamente, o material em que o escultor concebeu as primeiras

experiências que deram origem à escultura que temos vindo a analisar188.

O primeiro estudo para a Coluna Infinita foi realizado em 1918, composto por três

módulos em madeira de carvalho e por um pedestal feito em pedra, no total tinha cerca

de 2,52 metros de altura. Em 1920, Brancusi realizou outro protótipo – [Fig. 40] também

em madeira, mas desta vez com uma dimensão superior ao primeiro, com 7 metros de

altura, no jardim de Steichen, em Seine-et-Marne, onde permaneceu até 1928189. Hoje,

apenas nos restam excelentes fotografias desse protótipo, que foi o primeiro a ser

instalado ao ar livre. Importa esclarecer que os estudos referidos foram precedidos por

um longo e exaustivo período de procura incessante, por parte do artista, que não desistiu

de explorar as potencialidades do módulo a nível formal, testando diversos materiais,

ainda que o tenha feito, inicialmente, como suporte/plinto de outras obras realizadas por

si. O módulo só viria a ganhar autonomia quando Brancusi concebeu os primeiros

protótipos, já referidos, produto de inúmeros esboços e maquetas realizadas durante

vários anos190.

186 Ibid., p. 139-141. 187 TABART, Marielle – Op. Cit., p. 89. 188 TUCKER, William – Op. Cit., p. 141. 189 CABANNE, Pierre – Brancusi. Paris : Terrail, 2006, p. 141. 190 TUCKER, William – Op. Cit., p. 137.

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Brancusi foi discípulo de Rodin em Paris, e ao contrário do que, geralmente,

acontecia neste tipo de ensino, o aprendiz, não só, não seguiu as passadas do seu mestre,

como enveredou por um caminho oposto. A produção artística de cada um dos escultores

reflete, precisamente, as diferenças notórias que existem entre ambos, no entanto se

examinarmos com maior minúcia é possível relacioná-los e encontrar pontos em que

ambos se tocaram. A partir das duas obras que temos vindo a analisar, As Três Sombras

e a Coluna Infinita, conseguimos entender que tanto Rodin como Brancusi encontraram

na reprodução um meio de pensar as suas obras e de as compor, a partir de um modelo

ou módulo que se reproduzia e repetia nelas. Enquanto o escultor francês utilizou como

modelo um nu masculino, que foi reproduzido e repetido por três vezes, dando origem às

Três Sombras. Brancusi tirou proveito da reprodução de um módulo de caráter abstrato,

mas também monumental, e através da relação entre as partes e o todo concebeu a Coluna

Infinita. Podemos deste modo concluir que ambos os artistas utilizaram a reprodução e a

repetição como elemento compositivo nas suas obras, no seu estado mais puro e direto,

não restando dúvidas da relação existente entre as obras, por mais distintas que nos

possam parecer no primeiro relance.

Finalizada a análise de duas das esculturas que melhor testemunham a presença da

reprodução de um determinado elemento na obra, que se repete para lhe dar origem,

passaremos a observar três estudos de casos, nos quais a reprodução emerge por via da

própria reprodução da obra. Ou seja, o artista retoma, reproduz, uma obra já realizada e

a partir dela concebe uma nova escultura, independente da qual partiu. Neste sentido, é

oportuno regressar à produção artística de Rodin, para analisar algumas das suas criações,

que confirmam a teoria que pretendemos desenvolver na continuação desta investigação.

A Porta do Inferno foi considerada por Rodin, a sua grande obra, à qual dedicou

quase quarenta anos de trabalho e que, ainda assim, ficou por concluir ao ser vencido pela

perda de motivação e interesse por ela – [Fig. 41]. Inspirado nas principais cenas da

Divina Comédia de Dante, o escultor ambicionou realizar uma obra decorativa colossal,

que foi apoiada pelo Diretor Geral das Belas-Artes, Truquet, que ao saber do desejo do

escultor, prontamente, se mostrou interessado em ajudá-lo. A 18 de agosto de 1880, Rodin

recebeu a encomenda dessa mesma obra, por parte do Estado, destinada ao Museu das

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Artes Decorativas. Desde aí, o artista começou a executar vários projetos e maquetas,

muito distintas da obra que podemos observar hoje191 – [Fig. 42 e 43].

Esta obra foi, inicialmente, inspirada nas portas do Batistério de Florença192, Portas

do Paraíso – [Fig. 44]. Foi apontada por muitos teóricos e historiadores como tendo sido

o calcanhar de Aquiles do escultor, no entanto defendemos uma outra perspetiva, que

observa nesta obra a fuga do génio de Rodin, na qual teve a liberdade de explorar as mais

distintas criações, ao dar asas ao turbilhão da sua imaginação. Também Michelangelo

(1475-1564) já tivera interpretado a Divina Comédia de Dante, quando pintou o Juízo

Final no teto da Capela Sistina, em 1541, manifestando a inquietação neoplatónica.

Contudo, Rodin fez uma interpretação bastante distinta dessa, refletindo-se no inferno

pagão que criou, repleto de corpos humanos condenados ao sofrimento e à desgraça,

privados da luz celestial, numa atmosfera de dor e de luxúria arrebatadora193. Podemos

observar no ambiente caótico da Porta do Inferno “quási tôdas as obras-primas do

estatuário, que não se reportam a figuras históricas, passaram, em miniatura ou em

esbôço, por essa Porta”194, como se essa se tratasse de um livro de ideias materializadas

do artista, na qual teve a oportunidade de revelar o seu inquieto e perturbador mundo

imaginário, numa obra que se tornou no seu testamento póstumo.

A Porta do Inferno tem 635 cm de altura, 400 cm de largura e 85 cm de

profundida195. Estima-se que esta seja composta por cerca de 134 figuras, das quais

algumas delas foram, posteriormente, recuperadas por Rodin, dando origem a estátuas e

grupos escultóricos individualizados, independentes da narrativa existente na Porta do

Inferno. Esse aspeto torna esta obra primordial na nossa investigação, pois a partir dela

conseguimos perceber que Rodin não tinha preconceito em retomar a obras que já tivera

concluído, muito pelo contrário, defendia que uma obra deveria ser sempre recomeçada,

pois esse processo permitia voltar a estudar e a observar essa mesma obra de uma outra

ótica196. Obras como “O Pensador, As Três Sombras, Torso de Adèle, O Filho Pródigo,

191 BRASIL, Jaime – Op. Cit., p. 46-50. 192 “Rodin se inspira primeiro nas portas do batistério de Florença, mas suprime a divisão em painéis

geométricos, conservando apenas um lintel e duas folhas de porta cobertas por uma multidão de figuras

misturadas, cujos relevos, mais ou menos acentuados, produzem espetaculares efeitos de luz e sombra.” –

MOREL, Frédéric – O museu Rodin. Paris : Beaux Arts magazine, 2003, p. 40. 193 CHAMPIGNEULLE, Bernard – Op. Cit., p. 128-130. 194 BRASIL, Jaime – Op. Cit., p. 50. 195 Musée Rodin – La porte de l’enfer [Em linha]. 196 “Rodin tinha muita razão quando me disse que uma obra, depois de concluída, devia ser recomeçada

definitivamente!” – LOPES, António Teixeira – Ao correr da pena : memórias de uma vida. V. N. Gaia

: Câmara Municipal de Gaia, 1968, p. 210.

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Aquela que foi a bela Mulher do Fabricante de Armaduras; Adão e Eva; Fugit Amor, A

Eterna Primavera, foram produto da reprodução, em contextos autónomos, de figuras

inicialmente criadas para As Portas do Inferno”197. Todas as esculturas mencionadas,

foram repensadas e reproduzidas pelo escultor, que as retirou do ambiente “caótico” da

Porta, na qual tinham sido esboçadas, isolando e ampliando cada uma delas, de forma a

conferir-lhes uma maior dimensão e autonomia dentro de outro contexto.

Ainda que A Porta do Inferno nunca tenha sido dada por concluída por parte do

escultor198, a sua fundição foi consentida em 1917, após Léonce Bénédite, primeiro

curador do Musée Rodin, ter conseguido convencer o artista a autorizar a sua fundição.

Porém, Rodin morreu em 17 de novembro desse ano, sem poder ver o resultado final da

sua magnânima obra em bronze199. Esta faz parte da coleção do Musée Rodin e,

atualmente, pode ser presenciada no jardim do museu, juntamente com tantas outras

esculturas, que também referidas ao longo desta análise.

Neste seguimento, interessa-nos manter o foco na produção artística de Rodin e

examinar outras obras por si concebidas, que nos revelam uma outra maneira de tirar

proveito da reprodução de esculturas já finalizadas. Se na Porta do Inferno podemos

detetar a representação de algumas figuras, que mais tarde deram origem a esculturas

autónomas e independentes da ocasião para a qual tinham sido, inicialmente, pensadas.

Neste caso, exibiremos três esculturas que foram realizadas, cada uma delas, pela junção

de duas obras, que foram resgatadas, reproduzidas e apresentadas num novo contexto200.

São elas: a Grande Mão Crispada com Figura Implorante, A Mão de Deus e a Mascara

de Camille Claudel e a Mão Esquerda de Pierre de Wissant.

A Grande Mão Crispada com Figura Implorante foi, inicialmente, realizada em

gesso – [Fig. 45], em 1890 e só em 1969 foi fundida em bronze, através da técnica de

fundição em caixa de areia201 – [Fig. 46]. É possível observar, nesta escultura, a presença

de dois elementos que fazem parte de outras obras, também elas concebidas pelo escultor.

O torso representado tem a mesma forma e atitude da figura exibida na escultura intitulada

197 FIGUEIREDO, Maria Rosa – Op. Cit., p. 35. 198 “Este projeto veio destruir a noção tradicional de «obra de arte acabada», já que não houve um único

momento na sua concepção em que Rodin assumisse uma forma definitiva […].” – Ibid., p. 34. 199 Musée Rodin – La porte de l’enfer [Em linha]. 200 Alguns relatos contam que Rodin “Nos últimos tempos brincava sonhadoramente com as suas esculturas,

encaixando-as e justando-as. A partir de duas delas consegue fazer uma terceira […].” – NÉRET, Gilles –

Op. Cit., p. 13. 201 Musée Rodin – Grande main crispée avec figure implorante [Em linha].

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Centáurea (1901) – [Fig. 47], por sua vez, a dita “grande mão crispada”, retoma os

estudos realizados por Rodin para a concretização do grupo escultórico, Os Burgueses de

Calais (1884-1886) – [Fig. 48]202.

Embora esta não seja uma das obras mais conceituadas do artista, tem grande

importância para a presente investigação, pois exemplifica o modo como o escultor

reproduziu partes de outras obras concluídas, com o objetivo de as juntar e assim conferir-

lhes uma nova vida. Esta atitude, que hoje não nos parece bizarra, na época foi,

certamente, questionada e contestada, pois o escultor para além de “reutilizar” e

multiplicar algumas das suas obras, também se apropriou delas e deu-se à liberdade de

com elas explorar, sem censura, a sua criatividade. Esse aspeto pode ser observado no

jogo de escalas e proporções entre os dois elementos empregues na Grande Mão Crispada

com Figura Implorante. O que nos revela que Rodin não se importou de quebrar com

alguns dos princípios tradicionais da escultura, em prol do seu espirito libre e inovador.

A Mão de Deus, também designada por A Criação, foi executada por Rodin

primeiro em gesso – [Fig. 49], em 1898, e só nos três anos seguintes é que foi esculpida

em mármore – [Fig. 50]203. Esta obra também testemunha a manipulação das proporções

e escalas por parte do artista, pois este representou uma mão com uma dimensão muito

superior à das figuras que segura, conferindo-lhe monumentalidade, neste caso, como um

meio do mesmo elucidar o observador para a magnitude e poder de Deus em relação á

humanidade, indo ao encontro do título da escultura204.

No que diz respeito ao modo como a obra foi concretizada, sabemos que competiu

a Rodin “escolher um nu relaxado ou um nu crispado e incorporá-lo nestas mãos

monumentais”, de uma forma muito semelhante à da escultura, anteriormente, estudada.

Contudo, esse “escolher” não pode ser entendido como um ato pouco complexo, muito

pelo contrário, uma vez que exigiu ao escultor anos de experiência e amadurecimento do

seu pensamento artístico, que como sabemos, estava demasiado avançado para a sua

época. A maneira como Rodin trabalhou plasticamente205 o mármore também foi alvo de

202 NÉRET, Gilles – Op. Cit., p. 76. 203 Musée Rodin – Espace d’exploration des collections du musée : la main de dieu [Em linha] 204 NÉRET, Gilles – Op. Cit., p. 79. 205 Ao invés do que seria comum e desejado, nesse período, o escultor explorou o lado bruto da matéria,

dando-se ao direito de apenas manipular com maior delicadeza e detalhe algumas das partes das suas

esculturas. Essa maneira de trabalhar os volumes e as superfícies de uma forma mais ou menos bruta,

permitiu ao escultor criar zonas com diferentes texturas e, consequentemente, jogos de luz e sombras mais

interessantes do ponto de vista plástico.

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crítica e reprovação, acabando por ser acusado de exibir esculturas que abusavam do seu

estado bruto206. No entanto, importa reter que, segundo a nossa anaálise, a essência desta

obra não está na plasticidade da mesma, mas na exploração do imaginário do artista e no

modo como este beneficiou da reprodução no decorrer do seu percurso artístico.

A escultura Máscara de Camille Claudel e Mão Esquerda de Pierra de Wissant –

[Fig. 51], estima-se que tenha sido concebida em 1895, em gesso, produto da junção de

duas outras obras, que Rodin já tivera realizado noutros tempos, tal como aconteceu nos

exemplos anteriores. A “mão esquerda” foi reproduzida, exatamente, da figura Pierra de

Wissant, que o escultor representou no conjunto escultórico intitulado Os Burgueses de

Calais (Les Bourgeois de Calais) (1884-86)207. O outro elemento é o retrato de Camille

Claudel, concebido pelo escultor em 1895, em barro – [Fig. 52] e também em gesso, que

ficou designado por Cabeça de Camille Claudel com boina. Todavia, existem ainda

registos de pelo menos duas outras obras nomeadas por Máscada de Camille Claudel,

uma delas realizada em 1884 – [Fig. 53], e a outra em 1898, cujo grau de semelhança com

a obra que pretendemos analisar é muito superior ao da Cabeça de Camille Claudel com

boina. Deste modo, consideramos que o escultor tenha utilizado como modelo a máscara

que tivera executado em 1884.

Também é possível observar que os dois elementos que integram a obra em estudo,

apresentam marcas dos processos de moldagem, originadas pelos pequenos espaços

vazios existentes entre as partes do molde, do qual foram retirados. O escultor não se

esforçou nem para esconder, nem sequer para atenuar os vestígios do procedimento

utilizado na conceção da obra, revelando uma atitude moderna, que assume a

expressividade da prática da escultura e não a sua ilusão. Desta forma, facilmente,

conseguimos perceber o modo como Rodin realizou a obra, não restando dúvidas quanto

ao uso da moldagem como meio de reprodução dos modelos, previamente, modelados.

Embora se registe um desfasamento de cerca de dez anos entre a concretização da

Máscara de Camille Claudel e Mão Esquerda de Pierra de Wissant (1895) e as obras que

deram origem aos dois elementos presentes nesta escultura (1884), sabemos que Rodin

fazia questão de manter os modelos originais, em barro, preservando o bom estado de

conservação para que os pudesse usar, se sentisse necessidade disso. A partir de uma carta

que o escultor escreveu à sua esposa, Rose Beuret (1844-1917), ficámos a saber que esta

206 NÉRET, Gilles – Op. Cit., p. 79. 207 Ibid., p. 58.

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era a principal responsável pela conservação das obras do artista, dizia Rodin “penso em

ti e fico tranquilo, o meu trabalho está nas tuas mãos, não o humedeças em demasia e

acaricia-o com os teus dedos”208.

Nas três últimas obras referidas, Grande Mão Crispada com Figura Implorante, A

Mão de Deus e a Máscara de Camille Claudel e Mão Esquerda de Pierre de Wissant,

tivemos a hipótese de analisar, em todas elas, o modo como Rodin as concebeu a partir

da reprodução de outras esculturas (na íntegra ou de partes) já finalizadas. Esta forma de

criação artística revela-nos que o escultor francês, ao contrário de muitos outros na época,

não só, não evidenciava nenhum preconceito contra o uso da reprodução, como viu nela

uma oportunidade de exploração e de invenção, dando azos à sua criatividade.

Terminado o estudo de várias obras, pertencentes à produção artística de Auguste

Rodin, que foram pensadas e realizadas a partir da reprodução de outras obras, por ele

concebidas, importa agora observar dois estudos de casos, também internacionais, nos

quais a reprodução está presente, não no resgatar de obras concluídas, mas no retorno a

temas já trabalhados pelos próprios artistas. Entendemos que estas abordagens foram

fruto da queda de encomenda pública a nível europeu, que se intensificou no começo do

século XX, num período em que os escultores deixaram de ser tão solicitados e,

consequentemente, menos financiados na realização das suas obras. Porém, acreditamos

que a falta de encomenda proporcionou aos artistas, neste caso aos escultores, uma nova

oportunidade, pois sem encomendadores também não estavam restritos aos temas por eles

impostos. Deste modo, os escultores ganharam autonomia para realizarem as suas

próprias obras, abordando temas que, realmente, lhes interessavam, sem necessitarem de

obedecer a mecenas que lhes impunham e condicionavam as abordagens artísticas, dando

origem aquela que designamos ser a poética de autor209.

Neste sentido, importa observar a obra de Henri Matisse (1869-1954), ainda que

seja mais reconhecido pelo seu percurso na pintura, não podemos ignorar o seu contributo

enquanto escultor. Cabeça de Jeannette é o título partilhado por uma série de cinco

bustos, realizados entre 1910 e 1916, dos quais nos iremos socorrer no decorrer da nossa

208 Ibid., p. 63. 209 Importa fazer referência à tese de Douramento em Escultura do professor doutor José Teixeira, intitulada

por Escultura Pública em Portugal : Monumentos, Heróis e Mitos (séc. XX), na qual este tema foi

desenvolvido em maior aprofundamento.

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pesquisa, uma vez que pretendemos estudar uma obra, neste caso um conjunto de obras,

que tenham sido concebidas a partir do mesmo tema.

Como já foi mencionado, o conjunto destes cinco bustos, Cabeça de Jeannette I, II,

III, IV e V – [Fig. 54, 55, 56, 57 e 58], integram uma série, não por terem sido reproduzidas

a partir do mesmo molde e serem todas iguais, o que não se verifica, mas por cada um

deles ser a parte de um todo maior, que foi pensado e concretizado em redor do mesmo

tema. Ao contrário do que se pode pensar numa primeira abordagem, esta série não teve

como motivo a representação da cabeça de uma mulher, mas sim o processo de realizar

essa cabeça feminina. Esta é outra das razões pela qual o grupo dos cincos bustos é,

geralmente, exibido na sua totalidade, para que se transmitir ao espectador que o mais

importante é o processo de conceção das obras e não o que elas representam210.

Movido pelas inquietações que lhe foram surgindo no decorrer do tempo, Matisse

deu início um processo de investigação formal, não só a nível processual, mas também a

nível concetual. Este teve como objetivo a exploração específica de um tema que

trabalhou, continuamente, ao longo de seis anos, até dar origem às obras que estamos a

estudar. Nelas conseguimos observar alguma influência cubista211, que funcionou como

inspiração para a sua criação, no entanto as obras não deixam de testemunhar o estilo

pessoal e original do escultor212.

A passagem de uma abordagem figurativa para abstrata, está, realmente, muito

presente no conjunto dos cinco bustos. Se na primeira e segunda escultura, ainda podemos

observar um retrato muito próximo do que seria a representação da realidade, do rosto de

Jeannette, no terceiro, já se antevê a transformação rumo à geometrização e ao exagero

volumétrico das formas, que no quarto busto se confirma. Na quinta cabeça, verificamos

a perda total dos elementos que poderiam identificar quem estava a ser retratado, restando

apenas um rosto estereotipado, capaz de representar qualquer um de nós.

Esta série, Cabeça de Jeannette I, II, III, IV e V, testemunha o percurso de estudo e

exploração de Matisse em torno do mesmo tema, o processo. Os cinco bustos revelam,

210 TUCKER, William – Op. Cit., p. 96. 211 “[…] nuevo lenguaje cubista basado en la fragmentación y la simultaneidad de la representación de la

forma. La formula del maestro de Aix de integrar fondo y figura a través de la supresión de los contornos,

ese passage indispensable para sintetizar los diferentes elementos de un objeto o de una figura, fue el punto

de partida para mas experimentaciones cubistas de Pablo Picasso y Georges Braque.” – CALVO

SERRALLER, Francisco – El espejo y la mascara : el retrato en el siglo de Picasso. Madrid : Museu

Thyssen-Bornemisza-Fundación Caja Madrid, 2007. 212 TUCKER, William – Op. Cit., p. 94-96.

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individualmente e em coletivo, até onde o artista conseguiu levar a sua procura incessante

dentro do processo da representação, neste caso, do retrato. Sabemos que esta série faz

parte da coleção do Museum of Modern Art, em Nova Iorque e, segundo as informações

disponibilizadas pelo próprio museu, podemos acrescentar os períodos em que se estima

terem sido realizadas cada uma das esculturas: Jeannette I e II – entre janeiro e março de

1910; Jeannette III e IV – entre abril e setembro de 1910 ou entre fevereiro e meados de

julho de 1911; e Jeannette V – no verão de 1916213.

Mantendo o foco em estudos de casos que revelam a presença da reprodução de

temas por parte dos próprios escultores, no decorrer da sua produção artística, interessa

dar como exemplo Constantin Brancusi, que embora já tenha sido mencionado nesta

investigação, agora remetemos para outro âmbito da sua obra. Muitas seriam as esculturas

que poderíamos apresentar como referentes a alguns dos temas que Brancusi abordou de

forma contínua e em simultâneo ao longo da vida, como O Pássaro, Musa Adormecida

(formas ovais), Senhora Pogany ou A Coluna Infinita. Tiraremos proveito do tema O

Beijo, todavia importa desde já deixar claro o nosso entendimento sobre o mesmo, pois

de uma forma muito semelhante a Matisse, que utilizou a representação de Jeannette

como mediador para alcançar aquele que era, realmente, o tema da sua obra – o processo,

também Brancusi se socorreu de um tema tão comum, no universo da escultura, como o

beijo para abordar o verdadeiro motivo/género por detrás dessas obras – a estética do

bloco214.

Nesse sentido, o escultor romeno foi responsável por revolucionar a escultura do

século XX, ao “limpá-la” de elementos decorativos desnecessários, rumo ao depuramento

formal, que só pode ser comparado com o das formas primitivas e arcaicas. Henry Moore

(1898-1986) terá referido num dos seus escritos:

“a partir do gótico, a escultura européia foi-se cobrindo de musgo, de ervas

daninhas, de todos o tipo de excrescências, que chegavam a ocultar totalmente

a forma… a missão especial de Brancusi consistiu em desembaraçá-la de tudo

isso e devolver-nos a consciência da forma”215.

O artista compreendeu que a escultura estava a seguir um caminho que a afastava cada

vez mais da sua essência, dessa forma, era necessário não só repensar a própria escultura,

213 Museum of Modern Art (MoMA) – Henri Matisse : works [Em linha]. 214 No que diz respeito à estética do bloco, importa referir a tese de Douramento em Escultura do professor

doutor José Teixeira, intitulada por Escultura Pública em Portugal : Monumentos, Heróis e Mitos (séc.

XX), na qual este assunto foi abordado. 215 WITTKOWER, Rudolf – Escultura. São Paulo : Martins Fontes, 1989, p. 265.

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mas também os meios de a trabalhar. Acreditamos que o contacto direto com Rodin, por

mais contraditório que possa parecer, permitiu a Brancusi perceber que o que, realmente,

estava na essência das obras do seu mestre, não eram os temas que tratava, mas sim, a

relação que ele (Rodin) estabelecia com o material em que trabalhava, o barro. Seguindo

esse raciocínio, restava ao escultor romeno “isolar o entalhe, tornando-o o determinante

fundamental da escultura, como Rodin havia feito com a modelagem”216.

O ambiente humilde e até precário em que Brancusi nasceu, marcado pela ausência

de uma educação formal, garantida apenas pelas oficinas de artesanato, concedeu ao

escultor aquela que viria a ser a sua maior aprendizagem, a experiência prática e direta

com materiais primitivos, neste caso, a madeira. Também a sua formação na Academia

de Bucareste deu-lhe a oportunidade de contactar com a tradição de representar de forma

económica, paciente e detalhada. No entanto, só mais tarde, em confronto direto com

Rodin é que tirou proveito de tudo o que lhe tinha sido transmitido, ao socorrer-se do

talhe direto como meio de “modelar” as suas obras, livre de qualquer preconceito em

relação a esse procedimento. Como se sabe, o talhe direto, antes de ser reintroduzido por

Brancusi, apenas era praticado pelos artesãos, fosse nas pequenas oficinas em que era

realizada muita da escultura funerária, fosse nos ateliês dos célebres artistas, o que é certo,

é que essa práxis, que exige grande habilidade e paciência, sempre foi menos valorizada

do que, verdadeiramente, merecia217.

Brancusi, ainda que tenha sido antecedido pelos pintores Paul Gauguin (1848-1903)

e André Derain (1880-1954), foi o primeiro escultor a recuperar o talhe direto, que tinha

sido explorado nos primórdios da escultura do Período Arcaico, com os Kouros e as

Korai. Esta técnica exigiu que o escultor trabalhasse diretamente no material definitivo,

fosse num bloco de pedra ou de madeira, o que contribuiu, substancialmente, para a

qualidade formal das suas obras. Segundo o escultor, o talhe direto era o caminho da

escultura218 e, desse modo, não pretendia disfarçar a origem das suas obras, muito pelo

contrário, evidenciava a forma original do bloco que esculpia.

Este modo de pensar e trabalhar a escultura, reflete a importância que o escultor

deu à sua relação com a matéria, de uma maneira, que as suas obras não poderiam espelhar

216 TUCKER, William – Op. Cit., p. 43. 217 Ibid., p. 41-43. 218 WITTKOWER, Rudolf – Op. Cit., p. 265.

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melhor o conceito de respeito pelo material219. Este género escultórico220, tem como

princípio não desvirtuar ou atraiçoar a essência de cada matéria, quer isto dizer, que o

escultor deve estar desperto e ser conhecedor das caraterísticas estruturais do material que

utiliza, não devendo transcendê-las. Compete ao artista ser consciente da matéria que

escolhe para realizar as suas obras, para que essa se possa ajustar e adaptar à natureza da

forma o melhor possível, para que se potencie a sua autenticidade.

A primeira de inúmeras obras, que Brancusi realizou ao longo dos quarenta anos

seguintes tendo sempre em mente a estética do bloco, foi concebida em 1907, quando o

escultor contava trinta e um anos de idade. Esta foi, por ele, intitulada O Beijo – [Fig. 59],

e hoje é considera por críticos e historiadores de arte, como uma escultura única dentro

da obra do artista romeno, símbolo da rutura com o passado e presságio do que seria o

percurso artístico de Brancusi. Essa obra foi a sua segunda a ser esculpida diretamente na

pedra, neste caso, no calcário, uma vez que só em 1908 é que o escultor começou a

trabalhar, dessa mesma forma, o mármore221. Como já fora referido, esta escultura foi a

primeira de muitas outras obras que partilharam o mesmo género escultórico, a estética

do bloco, ao mesmo tempo que abordaram o mesmo tema e respetivos títulos, O Beijo.

No que diz respeito à questão dos títulos dados pelo escultor, seria inevitável não

lhes fazer referência, pois parte deles são comuns aos das obras de Rodin. É curioso que

Brancusi tenha tido a pretensão de se aproximar das obras do seu mestre, e sobre esse

assunto não nos faltariam perspetivas que tentam justificar essa possível intenção do

escultor. No entanto, apenas faremos referência a duas visões: a primeira, defende que O

Beijo surgiu para dar resposta à obra de Rodin, que também partilhou da mesma

designação222; a segunda, entende que o escultor romeno teve a pretensão de reexaminar

temas já abordados por outros artistas223. Entendemos que talvez Brancusi tenha “ido

buscar” um pouco a estas duas perspetivas, tendo a ambição de dar uma resposta a Rodin,

219 “A ideia de respeito pelo material escultórico, ao menos e oficialmente, desde Brancusi, é fundamental

na escultura moderna. Este critério está sempre presente no talhe direto e «labra directas», não se podem

conceber nem apreciar, sem a consideração prévia dessa precaução absoluta do escultor, a fim de não

desvirtuar nem atraiçoar a essência nativa do material trabalhado. É uma condição essencial tanto para o

seu acerto no resultado final como para a sua compreensão, esse respeito que transluz através dos poros da

escultura.” [Tradução Livre] – SAURAS, Javier – Op. Cit., p. 339. 220 Entendemos a estética do bloco enquanto um género escultórico, e não como um tema, pois o artista,

neste caso Brancusi, não trabalhava sobre a estética do bloco, mas tirava partido desse modo de pensar e

esculpir as suas obras, dessa tipologia escultórica para dar vida a alguns dos temas, como o Beijo. 221 TUCKER, William – Op. Cit., p. 44-46. 222 WITTKOWER, Rudolf – Op. Cit., p. 265. 223 TUCKER, William – Op. Cit., p. 45.

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para lhe mostrar o seu entendimento sobre um assunto do interesse de ambos, mostrando

ao seu mestre o caminho que tinha elegido.

Na obra O Beijo (1907), podemos observar a representação de duas figuras, apenas

da cintura para cima, num abraço entrelaçado cingido pelos lábios que as unem. Neste

modesto e tão forte bloco de calcário, Brancusi conseguiu, através de leves incisões sobre

a matéria, encontrar a paixão e a ternura que um beijo pode acolher. A escultura preserva

uma forma retangular, muito próxima da inicial, na qual Brancusi se esforçou por esculpir

a separação vertical, entre os dois amantes, interrompida pelos traços horizontais que as

unem. É possível verificar a presença de alguns detalhes nesta obra, como o relevo dos

cabelos, o volume do seio feminino, a divisão entre os dedos das mãos de ambas as

figuras, bem como alguma pormenorização a nível dos olhos e dos lábios. A volumetria

não é constante em toda a obra, sendo mais notória na zona dos braços e na divisão entre

os rostos. No que diz respeito ao tratamento da superfície, é visível a aspereza da matéria,

principalmente, nos cabelos das figuras e também alguns golpes e irregularidades

resultantes do processo de talhe direto. O Beijo (1907) faz parte da coleção do Hamburger

Kunsthalle, em Hamburgo.

A partir de 1907, o escultor continuou a abordar o género escultórico trazido pelo

primeiro Beijo, de forma mais ou menos regular, pois ao mesmo também desenvolvia

outras temáticas da sua produção artística, algumas já mencionadas. Ao longo dos

quarenta anos, de acordo com a informação que nos foi possível reunir e garantir o

respetivo paradeiro, temos conhecimento da existência de um total de nove esculturas,

sem contar com a Porta do Beijo e os estudos que lhe antecederam. Na primeira década,

de 1907 a 1917, Brancusi concebeu: O Beijo (1907), Hamburger Kunsthalle, em

Hamburgo; O Beijo (1908-1909), gesso, coleção privada – [Fig. 60]; O Beijo-Medalha

(1909), sais de prata, Centre Georges Pompidou, em Paris – [Fig. 61]; O Beijo (1909),

pedra, Cemitério Montparnasse, Paris – [Fig. 62]; e O Beijo (1916), pedra calcária,

Philadelfia Museum of Art, em Filadélfia – [Fig. 63]. Importa ressalvar que de todas as

obras mencionadas até então, apenas no Beijo (1909), presente no Cemitério de

Montparnasse, podemos observar a representação das duas figuras de corpo inteiro,

sentadas com os seus braços e pés entrecruzados. Entre 1920 e 1925 voltou a realizar mais

duas obras: O Beijo (1920) – [Fig. 64] e O Beijo (1923-1925) – [Fig. 65], ambas em pedra

calcária, pertencentes à coleção Centre Georges Pompidou, em Paris.

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Em 1937, o escultor ainda não tinha esquecido o tema e o género escultórico, que

lhe tivera dado destaque dentro do meio artístico e é nesse ano que apresenta Porta do

Beijo (1935-1937) – [Fig. 66], juntamente com A Mesa do Silêncio e a Coluna Infinita,

em Tîrgu Jiu. Esta obra, que mede mais de 5 m de altura, 1,5 m de profundida e cerca de

6 metros de uma ponta à obra, foi reconhecida como sucessora do primeiro Beijo,

executado em 1907, produto de trinta anos de exploração contínua, por parte do escultor,

em torno da estética do bloco.

São conhecidas ainda duas outras obras, posteriores a este período, ambas

pertencentes à coleção Centre Georges Pompidou: O Beijo (1940), pedra calcária amarela

– [Fig. 67], e Terminal-Fronteira (1945), pedra calcária – [Fig. 68]. Estas duas obras

apresentam um apuramento ainda maior a nível formal. Na primeira, conseguimos notar

leves incisões que desenham o perfil dos dois rostos, que se abraçam num corpo que é

cada vez mais uno. O maior relevo centra-se nos braços e, nesse sentido, acreditamos nós

que seja intencional, para que capte a atenção do observador para aquilo que é, realmente,

de destacar – o abraço. A segunda obra, é resultado da junção de três partes, cujo destaque

é dado ao elemento central, de dimensão ligeiramente menor, no qual estão representadas

as duas figuras, de corpo inteiro, sentadas e abraçadas. Esta obra conserva ainda os

ângulos retos das suas quatro arestas laterais e contém no seu interior o singelo beijo dos

dois amantes abraçados. Nos blocos de pedra calcária, superior e inferior, estão

desenhados os dois amantes que partilham da mesma pose dos do grupo central, mas aqui

surgem num padrão que reveste todas as superfícies dos dois blocos, de uma forma, ainda

mais estilizada.

Concluída a análise dos dois estudos de casos, Matisse e Brancusi, dos quais nos

socorremos para afirmar a nossa perspetiva em relação à presença da reprodução nos

temas abordados pelos próprios artistas, direcionaremos o foco da nossa atenção para a

última categoria que pretendemos ver estudada nesta investigação. Nela pretendemos

explorar a reprodução de obras e/ou de temas, desta vez, por parte de outros escultores,

ou seja, ao invés de serem os próprios artistas a retomar temas por si já abordados, desta

vez, observaremos alguns estudos de casos, em que os escultores retomam obras e/ou

temas que já foram tratados por outros. Neste sentido, é oportuno recuperar o género

escultórico desenvolvido por Brancusi, a estética do bloco, uma vez que nos permite

transferir a nossa investigação para o contexto português, para uma obra que seguiu

diretrizes semelhantes.

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2.3.3 – Reprodução de uma obra e/ou de um tema de outro artista

A estética do bloco foi, e continua a ser, um género escultórico que despertou o

interesse de muitos escultores, a nível nacional e internacional, principalmente, a partir

do século XX. Depois de analisados e observados aqueles que terão sido os motivos e os

princípios seguidos por Brancusi, importa apresentar e investigar a obra de António

Duarte (1912-1998), intitulada por Coluna – [Fig. 69]. As caraterísticas formais dessa

obra transportam-nos, inevitavelmente, para O Beijo de Brancusi. Deste modo, interessa

explorar qual a sua ligação com as obras do escultor romeno, mas sobretudo perceber

qual a sua relação com o género artístico e temática, bem como observar de que forma o

escultor português abordou e materializou a obra em questão.

António Duarte nasceu em 1912, nas Caldas da Rainha, e aos 17 anos começou a

frequentar o Curso Superior de Escultura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde foi

professor a partir de 1957, até ser jubilado em 1982224. Foi um dos principais retratistas

do século XX, refletindo-se no número de retratos realizados por si, das mais diversas

personalidades portuguesas, desse período. Parte da sua produção artística foi dedicada à

realização de estatuária e monumentos de cariz público, no entanto, o que nos importa

observar, na presente investigação, é a sua criação livre. Ao longo da sua carreira, António

Duarte teve a oportunidade de explorar, a partir das suas obras, alguns temas que o

inquietavam225.

O seu interesse pelo “confronto primordial do homem com a natureza e consigo

próprio”226 surgiu a partir da década de 1950, dando origem a um conjunto de esculturas,

entre as quais está a Coluna, concebida em 1954. Contudo, o que pretendemos atestar

com esta escultura é, essencialmente, o que nela está subentendido e que a aproxima das

obras O Beijo de Brancusi, a sua relação com a estética do bloco. Ainda que António

Duarte tenha partido das suas inquietação para conceber esta obra, o que é certo, é que

nela está implícita uma estética formalista, que também foi partilhada pelo escultor

romeno quase cinco décadas antes.

224 DUARTE, António – António Duarte : retratos. Lisboa : Escola Superior de Belas Artes de Lisboa,

1983, p. 14. 225 “Marques Gastão […] recorda que António Duarte «[…] criou sempre sem subordinação, livre e

independente, escolhendo os temas, as figuras, os espíritos das suas criações»” – FRANÇA, José-Augusto

– Sobre António Duarte. In. «António Duarte». Casal de Cambra, 2013, p. 17. 226 Ibid., p. 32.

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Nesse sentido, António Duarte expressou a sua admiração pelos escultores do

Antigo Egipto, devido facto de terem sido capazes de alcançar a simplificação das formas

nas suas obras e a economia de detalhes desnecessários, graças às pedras em que

trabalhavam227. Este entendimento sobre a essência da escultura e dos materiais, fez com

que o escultor encontrasse na pedra o meio para alcançar o verdadeiro género da sua

criação livre – a estética do bloco. Todavia, devemos ter bem presente que António

Duarte trabalhou a pedra de uma forma muito distinta da de Brancusi, pois se por um lado

o escultor romeno esculpia a pedra através do talhe direto, o artista português foi

“processualmente fiel ao sistema clássico”228, de talhe indireto. Ou seja, as suas esculturas

em pedra eram antecedidas por um modelo original, de pequenas dimensões, realizado

pelo próprio, e só depois é que se iniciava o entalhamento da obra final. Por sua vez, a

trasladação das informações do modelo para o bloco de pedra, não estava apenas ao

encargo do artista, uma vez que esse contou com o apoio de vários colaboradores, a quem

fez questão de prestar o seu agradecimento e homenagem, pois sem eles, confessou, que

não teria sido possível executar tamanho número de obras em pedra, que pautaram o seu

percurso profissional229.

A Coluna, tal como as outras obras do mesmo género, também requereu que o

escultor concretizasse um modelo prévio – [Fig. 70], neste caso, um estudo em gesso, no

qual definiu a forma que depois foi trasladada para a pedra, o material definitivo. Esse

estudo faz parte do acervo do Atelier-Museu António Duarte, nas Caldas da Rainha,

instituição que detém grande parte do espólio do escultor, resultante da sua doação.

Também a Coluna, em pedra, pode ser presenciada nos espaços exteriores do mesmo

edifício. A existência do modelo em gesso, já referido, indica-nos uma das diferenças

processuais existentes entre António Duarte e Brancusi, pois ao que conseguimos apurar,

não existe conhecimento de estudos realizados pelo escultor romeno em relação às suas

obras O Beijo, as únicas maquetas conhecidas, nesse âmbito, são referentes à Porta do

227 Ibid., p. 29. 228 TEIXEIRA, José – Escultura Pública em Portugal : Monumentos, Heróis e Mitos (séc. XX). Lisboa :

[s.n.], 2008. 1º Vol. Tese de doutoramento, Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, p. 62. 229 Interessa ressalvar um aspeto que nos parece fundamental para que se evitem quaisquer equívocos no

que diz respeito aos termos utilizados. Embora o próprio escultor designe o procedimento de trasladação

por talhe direto, não devemos confundir as diferenças processuais existentes entre essas duas técnicas de

trabalhar a pedra, neste caso. “«Talha direta» é sempre trabalho de autor, que pode ser complementar de

trabalho de colaboradores de atelier, baseado em modelo original, entre os quais tivemos alguns dos

melhores canteiros especializados, dessa nunca suficientemente prestigiada e bela profissão, tendo deste

modo podido realizar o volume de trabalhos de escultura em pedra, nomeadamente estátuas e relevos saídos

do nosso atelier-oficina, no longo percurso profissional que percorremos”. – DUARTE, António – Op.

Cit.,p. 9.

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Beijo. Deste modo, pensamos que essas esculturas de Brancusi foram talhadas sem terem

como antecedente um modelo pelo qual o escultor se pudesse guiar, eram fruto da relação

direta com a matéria, do que ela sugeria ao escultor no momento em que a entalhava.

Importa estabelecer um paralelismo entre a Coluna e as obras de Brancusi, já

analisadas, para que possamos compreender quais foram os pontos abordados, realmente,

por ambos os artistas e quais são os aspetos em que diferem. No primeiro instante em que

observamos a Coluna apercebemo-nos da existência de duas figuras nela representadas,

um homem e uma mulher, frente a frente, condicionados ao volume existente dentro do

prisma-quadrangular, concedido pelo bloco de pedra. As arestas dessa massa inerte foram

conservadas em função dos contornos de ambas as figuras, que se circunscrevem dentro

desses limites. Os volumes da morfologia humana reduzem-se à superfície das duas faces

opostas do prisma, ou seja, as formas não ocupam a volumetria interna do bloco, mas

apenas duas faces dele, nas quais (os volumes) estão representados em baixo-relevo230.

Este modo de relacionar o bloco e as figuras nele contidas difere da conceção de Brancusi,

que ao contrário do escultor português, tirou o máximo proveito da dimensão total do

bloco, não existindo faces desocupadas de volumes, pois as suas figuras eram a própria

matéria na sua plenitude.

No que diz respeito ao tratamento e ao modo como os escultores trabalharam a

matéria, também podemos enumerar algumas diferenças. Se por um lado as obras de

Brancusi são caracterizadas pelo seu apuramento e estilização formal, no caso da Coluna

não encontramos o mesmo tipo de abordagem em relação à morfologia dos corpos que

são exibidos. É visível o cuidado e a dedicação despendida pelo escultor no tratamento

da morfologia das figuras. Facilmente, conseguimos distinguir o homem da mulher, e

vice-versa, ainda que a figura feminina apresente feições com alguma masculinidade, a

sua anatomia não deixa dúvidas. No caso de Brancusi, a distinção entre as figuras requer

um olhar atento, para que consigamos detetar a linha curva que define o seio feminino

entre os corpos. Outro aspeto que merece a nossa atenção está relacionado com a linha de

contacto existente entre as figuras. Na maioria das obras do escultor romeno conseguimos

observar o destaque dado a essa separação entre as figuras, no entanto na Coluna o

escultor não se limitou a definir essa linha, ao invés disso perfurou o bloco, de um lado

ao outro, unindo as figuras pelos espaços vazios existentes entre elas. Deste modo,

230 “He Peça d’ Escultura, cujos objectos nelle figurados estão atacados a hum plano geral, que os abrange

todos.” – CASTRO, Machado de – Dicionário de escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 29.

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julgamos que Brancusi nunca se tenha interessado por explorar, de uma forma tão

abrasiva a própria matéria, e por isso provocou o minino de incisões possíveis na mesma.

Concordamos que António Duarte também tenha tido a intensão de preservar a matéria,

no entanto ambicionou dar maior destaque à separação entre as figuras, através das

perfurações que permitem ver o que existe para além da face do bloco. Para terminar,

também notamos as divergências existentes no tratamento das obras, a Coluna exibe uma

superfície macia, tanto nas duas faces polidas, como nas que representam as figuras,

enquanto as obras de Brancusi, O Beijo, procuraram conservar o estado mais puro e bruto

da pedra em que são trabalhadas.

Como tivemos a oportunidade de observar, a Coluna partilha da mesma temática

(embora tenham sido realizadas através de procedimentos diferentes) que algumas das

obras de Brancusi, mas também são notórias as divergências existentes entre ambas,

originadas pela influência dos contextos sociais e artísticos de cada um dos escultores.

Ainda que tenham sido contemporâneos durante pouco mais de quatro décadas, devemos

ter em conta, não só as suas formações, mas, principalmente, o ambiente em que cada um

deles desenvolveu a sua produção escultórica. Concordamos que o que os relaciona é,

essencialmente, o estado desperto e interesse pela estética do bloco, a recuperação de uma

preocupação que tinha ficado esquecida no tempo.

Para terminar a análise que temos vindo a desenvolver, importa observar um tema

que foi transversal a diferentes épocas e contextos artísticos, que desde a Antiguidade

Clássica231 despertou o interesse e desafiou as ambições dos escultores – o movimento da

figura humana. O número de abordagens que podemos encontrar no universo escultórico

sobre esta temática são incalculáveis232e, nesse sentido, é necessário que limitemos a

abrangência da nossa investigação a apenas três esculturas, que julgamos terem sido

determinantes na exploração deste tema, na transição para o século XX e no seu decorrer.

Os estudos de casos nomeados, permitem-nos relacioná-los não só a nível da reprodução

do tema, que é comum a todos eles, mas também em relação à reprodução das próprias

231 Doríforo (450 a.C.) é considerada a grande obra de Policleto, pois foi nela que o artista conseguiu revelar

o cânone e atribuir à escultura “uma tensão de movimento e contramovimento que continua desde o pé

esquerdo levemente levantado, do quadril, do peito e do ombro até à cabeça virada para o lado. Uma coisa

condiciona a outra, cada parte do corpo se encontra em ligação exata com o seu oposto e com o todo”, este

movimento da figura enquanto se desloca, ficou designado por contraposto. – SIEBLER, Michael – Op.

Cit., p. 58-61. 232 Também no contexto artístico português contemporâneo podemos observar uma obra que tirou proveito

da temática em questão, que foi concebida por Ângelo de Sousa em 2005, intitulada L´homme qui marche,

et la femme aussi.

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obras, que são retomadas pelos artistas que lhes sucedem. Faremos referência às seguintes

esculturas: O Homem que Caminha, Formas Únicas de Continuidade no Espaço e O

Homem que Caminha, cuja autoria pertence a Auguste Rodin, Umberto Boccioni (1882-

1916) e Alberto Giacometti (1901-1966), respetivamente.

A escultura O Homem que Caminha – [Fig. 71], cuja autoria pertence a Rodin, foi

apresentada pela primeira vez em 1900, no entanto só recebeu esse título (definitivo) em

1907, quando o artista ampliou a obra e fundiu-a em bronze, em 1913233. Ao observarmos

esta escultura, facilmente, nos apercebemos da costura que existe entre o torso e as pernas

da figura, o que nos dá indicação de que esta foi fruto da junção de duas partes. Em relação

à parte inferior, as pernas, estima-se que Rodin se tenha socorrido dos estudos realizados

para a escultura S. João Baptista (1880) – [Fig. 72], hipótese que nos parece bastante

viável tendo em conta a semelhança existente entre os membros inferiores de ambas as

figuras. Por sua vez, também o torso se julga ter sido reproduzido a partir de um estudo

em barro, feito para a escultura S. João Baptista, que foi encontrado pelo artista em 1887.

Todavia, esse estudo não foi conservado e a secagem do barro fez com que se abrissem

fendas, que foram reproduzidas no torso da obra O Homem que Caminha. A partir de

informações disponibilizadas pelo Musée Rodin, em Paris, conseguimos apurar a

existência de uma versão em gesso – [Fig. 73] e outra em bronze do estudo que Rodin

utilizou para o torso da figura. Existe, ainda, uma terceira versão, ampliada para o dobro

da dimensão, em bronze. No que diz respeito à escultura O Homem que Caminha,

sabemos da existência de uma réplica idêntica em gesso e duas outras, com metade da

escala, também em gesso e bronze. Existe ainda, uma reprodução em pequenas dimensões

sobre uma coluna234, ver imagens em anexo235.

Nesta obra, Rodin excluiu todos os elementos que entendeu serem desnecessários

para a sua interpretação e, por isso, decidiu amputar os membros superiores e a cabeça do

nu masculino representado. Importava ao escultor destacar aquilo que era, realmente,

importante, o movimento progressivo da figura no espaço e, nesse sentido, era preciso

que a escultura contivesse apenas o essencial. Este entendimento, conduziu Rodin a

introduzir, na obra, pela primeira vez a sua conceção de escultura fragmentada, que

desenvolveu ao longo da sua vida e que, de algum modo, o aproximou da ideia do non-

233 MOREL, Frédéric – Op. Cit., p. 19. 234 Musée Rodin – Espace d’exploration des collections du musée : l’homme qui marche [Em linha]. 235 Ficha Técnica: O Homem que caminha – Auguste Rodin.

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finito de Michelangelo236. No entanto, acreditamos que no caso da obra O Homem que

Caminha, o fragmento surgiu para dar destaque ao movimento do corpo. Ainda que a

figura apresente uma pose que lhe confere uma enorme estabilidade física, o escultor

conseguiu perpetuar a suspensão do seu movimento237.

A escultura Formas Únicas de Continuidade no Espaço238 foi realizada em gesso

por Umberto Boccioni, em 1913 – [Fig. 74]. Esse modelo original faz parte do acervo do

Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), a partir do

qual se executaram as reproduções em bronze, que podemos observar atualmente, [Fig.

75]. Nenhuma das reproduções foi fundida pelo próprio artista, pois esse sempre se

revelou contra a “aristocracia toda literária do bronze e do mármore”239. Esta obra foi

contemporânea da escultura de Rodin, contudo a conceção de movimento e o modo como

foi representado em cada uma das esculturas apresentadas, pouco têm em comum. As

suas divergências formais revelam os diferentes ambientes sociais e contextos artísticos

em que foram concebidas.

Boccioni para além de pintor e de escultor, também foi um importante teórico do

movimento futurista, tendo sido ele o responsável pelos manifestos dos pintores futuristas

de 1910, e autor do conhecido Manifesto Técnico da Escultura Futurista publicado dia

11 de abril de 1912240. Estas publicações surgem em sequência do manifesto Le

Futurismo, publicado num jornal francês Le Figaro241, a 12 de fevereiro de 1909, por

Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944). Itália estava mergulhada numa profunda crise

artística, originada pelo seu passado glorioso. Havia a necessidade de cortar com as raízes

da Antiguidade greco-romana e, nesse sentido, os manifestos pretendiam a “renovação da

vida em todos os aspetos sociais e estéticos, tomando os desenvolvimentos tecnológicos

236 A paixão do escultor pelo inacabado pode ter sido despertada pelas obras de Miguel Ângelo, e por isso,

grande parte das suas obras em pedra, apresentam-se com zonas mais polidas e outras em estado bruto. O

non-finito também revela a consciência de Rodin pela “[…] inutilidade do acabamento, tal como da

capacidade de síntese e da qualidade expressiva do fragmento ou da obra em gestação.” – FIGUEIREDO,

Maria Rosa – Op. Cit., p. 32. 237 TUCKER, William – Op. Cit., p. 145. 238 Temos conhecimento da existência de pelo menos cinco reproduções em bronze, pertencentes aos

seguintes museus: The Museum of Modern Art e Metropolitan Museum of Art, ambos em Nova Iorque;

Tate Gallery, em Londres; Kröller-Müller Museum, em Otterlo; e MAC-USP – ver imagens no anexo

Ficha Técnica: Formas únicas de continuidade no espaço – Umberto Boccioni. 239 BIROLLI, Zeno; PUGLIESE, Marina – «Os gessos de Boccioni e as posteriores traduções em bronze.

Seminário Internacional de Conservação de Escultura Moderna, Museu de Arte Contemporânea da

Universidade de São Paulo, [s. d.]». MAC. São Paulo : [s. n.; n. d.]. 240 WITTKOWER, Rudolf – Op. Cit., p. 285. 241 MARTIN, Sylvia – Futurismo. Köln: Taschen, 2005, p. 6.

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e científicos como ponto de partida e referência para as suas ideias”242. Boccioni partilhou

desses ideais e foi, desde o início, um dos principais apoiantes do movimento futurista.

Ainda que a sua produção escultórica seja reduzida, foi nela que incorporou e desejou

transmitir a energia, a dinâmica e, essencialmente, o movimento.

Na obra Formas Únicas de Continuidade no Espaço, o escultor pretendeu abordar,

não só o movimento das formas abstratas que compõe a escultura, como a sua relação

com o espaço, no qual a figura se desloca. O próprio afirmou,

“minha escultura não apresenta uma série de perfiz rígidos, de silhuetas

imóveis. Cada perfil traz consigo uma chave para o entendimento dos

outros… Minha proposta é fazer com que o objecto viva no ambiente que o

rodeia […] por uma extensão da escultura que invade o espaço […]”243

A partir deste excerto, conseguimos compreender, ainda melhor, qual foi a intenção do

artista quando realizou a obra. Segundo ele, o espaço modelava a escultura da mesma

maneira, que a forma modelava o espaço, não existindo na escultura limites finitos244.

Esta escultura também revela a rejeição de Boccioni pela representação figurativa

clássica, sendo esse um dos confrontos com a produção artística de Rodin, que o conduziu

por um caminho abstrato, cujo objetivo era a desconstrução total de qualquer forma

orgânica que se assemelhasse à figura humana.

Muitas são as diferenças que podemos encontrar entre O Homem que Caminha e

Formas Únicas de Continuidade no Espaço, porém importa referir dois aspetos que

ambas as obras têm em comum: a amputação dos membros superiores e a pose. Também

Boccioni representou uma figura, pois por mais abstrato que pretendesse ser, somos

capazes de detetar na sua obra a presença de um corpo que se desloca no espaço, também

ele sem os seus membros superiores. Neste sentido, acreditamos que o escultor italiano

partilhou uma perspetiva muito próxima da de Rodin, ao libertar a escultura de quaisquer

elementos que fossem desnecessários à sua interpretação e ao adotar uma pose muito

semelhante à do seu contemporâneo.

Alberto Giacometti também se interessou por explorar o movimento da figura

humana, a sua deslocação no espaço, no entanto expôs uma abordagem muito distinta das

anteriores, como podemos observar na escultura intitulada O Homem que Caminha I,

242 Ibid. 243 WITTKOWER, Rudolf – Op. Cit., p. 286. 244 Ibid.

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concebida em 1960. O próprio relatou o momento que despertou a sua atenção para essa

temática,

“as pessoas da rua interessam-me e assombram-me como mais nenhum

quadro ou escultura. A cada instante as pessoas juntam-se e separam-se, e

logo vão-se acercando para estarem mais próximas umas das outras. Formam

e reformam incessantemente composições vivas de incrível complexidade

[…] É a totalidade desta vida que quero reproduzir em tudo o que faço”245.

Dotado de grande sensibilidade para o mundo que o rodeava, o escultor encontrou na rua

todas as ferramentas e motivos de inspiração para a sua obra.

O Homem que Caminha I246 – [Fig. 76], resultou da observação e do estudo do

escultor nas ruas e praças, na qual representou uma figura alta e esguia, sem volumes que

pudessem denunciar demasiado a sua morfologia, pois o que ele queria era “[…] colocar

a escultura à distância real, ou seja, à distância que havia visto a personagem que lhe

servia de modelo”247. Este seu entendimento, reforçou a importância que o espaço tinha

na conceção das suas esculturas, dando origem à sua desmaterialização. Também a

modelação foi ajustada às pretensões do escultor, que caminhou no sentido inverso às

práticas tradicionais. Ao invés de modelar por adição, o que seria de esperar, subtraiu

cada vez mais matéria às suas obras, conferindo-lhes configurações muito frágeis, como

é o caso da escultura O Homem que Caminha I.

Apresentadas e estudadas, cada uma das obras anteriores, entendemos que tenha

todo o interesse estabelecer e referir algumas das ligações existentes entre cada uma delas.

Importa observar o modo como cada um dos escultores, à sua maneira, compreendeu o

espaço e a sua relação com a obra, que nele se desloca. Rodin representa, O Homem que

Caminha, uma figura capaz de trespassar o espaço, deslocar-se nele e atravessá-lo sem

245 “La gente de la calle me interesa y me asombra más que ningún cuadro o escultura. A cada instante la

gente se arremolina y se separa, e luego se van aproximando para estar más cerca unos de otros. Forman y

re-forman incesantemente composiciones vivas de increíble complejidad […] Es la totalidad de esta vida

que quiero reproducir en todo lo que hago.” [Tradução Livre] – ASHTON, Dore – À rebours : La rebelión

informalista. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid: Graficas Deva, 1999. p. 166. 246 No que diz respeito ao número de reproduções realizadas da obra O homem que caminha I, conseguimos

confirmar a existência e o paradeiro de seis, que fazem parte das coleções das seguintes instituições:

Carnegie Museum of Art, em Pitsburgo; Fondation Marguerite et Amié Marght, em Saint-Paul-de-Vence;

Albright-Knox Art Gallery, em Buffalo; Fondation Alberto et Annette Giacometti, em Paris; United

Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation (UNESCO), em Paris; e Tehran Museum of

Contemporary Art, no Irão. No entanto, segundo um documento disponibilizado pela Fondation Alberto et

Annette Giacometti, em Paris, obtivemos a informação de já terem sido realizadas no total dez reproduções.

Também sabemos que o modelo original, em gesso, pertence à coleção Alberto Giacometti-Stiftung, em

Zurique – ver imagens no anexo Ficha Técnica: O homem que caminha I – Alberto Giacometti. 247 SERER, António – Alberto Giacometti : a fragilidade das proporções. Tempo Livre. Lisboa. Nº 21 (ste.

1992), p. 20.

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sofrer quaisquer alterações formais no decorrer desse processo, que ficou perpetuado. Por

sua vez, Boccioni percebeu o espaço de uma maneira, completamente, distinta da de

Rodin, entendeu-o como um meio de ação direta sobre as características formais da sua

obra abstrata, ou seja, a escultura resulta da ação mutoa entre o espaço e os volumes nela

contidos, ela modela o espaço, mas também é modelada por ele. Por fim, Giacometti foi

mais longe, e defendeu que o espaço era o elemento mais importante da sua obra,

perspetiva que o conduziu à redução impressiva e expressiva, quase total, da matéria.

Interessa também analisar e comparar o tratamento e o processo de conceção de

cada uma das esculturas. Como já fora mencionado, na obra de Rodin são visíveis as

marcas que nos indicam o modo como o escultor compôs a obra, a partir da reprodução

e apropriação de dois elementos, por si anteriormente realizados, dando origem a uma

nova obra, O Homem que Caminha. Esse procedimento é acentuado pela disparidade de

tratamento empregue na zona inferior em relação parte à superior da figura, os membros

inferiores ostentam o acabamento característico da modelação de Rodin, enquanto o torso

exibe um conjunto de golpes e costuras, resultantes do processo de conceção, que o

escultor não fez questão de ocultar ou disfarçar. Já a obra de Boccioni, segue um caminho

de oposição a Rodin, nela não são observáveis quaisquer indícios dos procedimentos que

estiveram na sua origem, bem como a superfície lisa que exibe anula, quase, por completo

a “mão” do escultor, que não pretende evidenciar-se nela, como se essa tivesse sido

realizada por uma máquina. Para terminar, à semelhança de Rodin, também Giacometti

denunciou e evidenciou o procedimento de extração de matéria, como meio de modelação

das suas figuras, deixando nelas as marcas do fazer.

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Figura 1 – Descipção Analytica, 1810.

Figura 2 – Apolo do Pireu, Artista Ático, ca. 500 a.C. Bronze, alt. 192 cm. Archaeological Museum

Piraeus, Atenas.

Figura 3 – Zeus ou Poséidon. ca. 460-450 a.n.e. Bronze, alt. 190 cm. National Archaeological Museum,

Atenas.

Figura 4 – Fauno Dançante. Bronze, 77,5 cm. De Pompéia, Casa do Fauno. Museo Archeologico

Nazionale di Napoli, Nápoles.

Figura 5 – Apolo Citarista, segunda metade do século I a.C. (cópia de um original da metade do século V

a.C.). Bronze. De Pompéia, Casa do Citarista. Museo Archeologico Nazionale di Napoli, Nápoles.

[1] [1] [2]

[3] [4] [5]

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Figura 6 – Flor Agreste, Soares dos Reis, 1881. Mármore, 50 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto.

Fig. retirada de: MUSEU NACIONAL DE SOARES DOS REIS (MNSR)– A flor agreste: Era uma vez…

Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 12.

Fig. 7.

Figura 7, 8 e 9 – Processo de reprodução em gesso da Flor Agreste (redução) pelo Sr. Teixeira, técnico de

escultura da Escola Superior de Belas Artes do Porto. Fig. retiradas de: MNSR – A flor agreste: Era uma

vez… Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985,

p. 36-37. Fig. 30.

Figura 10 – Flor Agreste. Soares dos Reis, 1878. Reprodução em gesso patinado, ca. 50 cm. Museu

Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição

itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 26. Fig. 5. Figura 11 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução em gesso patinado (pintura azul e dourado),

c. 48 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez…

Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 38.

Fig. 34.

[6]

[7] [8] [9]

[10] [11]

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Figura 12, 13 e 14 – Processo de reprodução em bronze, executado na Fundição Guedes em Vila Nova de

Gaia. Fig. retiradas de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu Nacional

de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 39-40. Fig. 36.

Figura 15 – Flor Agreste, Soares dos Reis (reprodução do gesso original de 1878). Bronze, ca. 50 cm.

Pertence à Foto-Comercial Teófilo Rego. Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez…

Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 40.

Fig. 38.

Figura 16 – Flor Agreste, Soares dos Reis (reprodução reduzida do gesso original de 1878). Bronze, ca.

23 cm. Coleção Particular. Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante

do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 40. Fig. 39.

[12] [13]

[14] [15] [16]

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Figura 17, 18, 19, 20, 21 e 22 – Processo de reprodução em Biscuit. Fig. retiradas de: MNSR – A flor

agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] :

M. N. S. R., 1985, p. 41-43. Fig. 40.

Figura 23 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução em Biscuit, ca. 20 cm. Fábrica de Porcelanas

da Vista Alegre (FPVA), Aveiro. Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição

itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 44. Fig. 41.

Figura 24 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução em barro de Barcelos (cor natural), ca. 40

cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez…

Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 45.

Fig. 42.

Figura 25 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução reduzida em marfinite (pintura policroma),

ca. 25 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez…

Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 45.

Fig. 49.

[17] [18] [19]

[20] [21] [22]

[23] [24] [25]

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Figura 26 – Nossa Senhora do Rosário de Fátima, José Ferreira Thedim, 1920. Madeira policromada, 104

x 40 x 27 cm (sem coroa). Capelinha das Aparições, Santuário de Fátima. Imagem após intervenção de

conservação e restauro (de frente).

Figura 27 – Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima no interior do alpendre da Capelinha das

Aparições. Data desconhecida. Arquivo do Santuário de Fátima – Núcleo fotográfico.

Figura 28 – Coroação da Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima pelo catedral Aloisi Masella.

Alípio Vicente, 13 de maio de 1946. Arquivo do Santuário de Fátima – Núcleo Fotográfico.

[26] [27]

[28]

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[29] [30] [31]

[32] [33] [34]

Figura 29 – Copo de Absinto (nº 1), Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zona superior coberta

com areia e zona inferior pintada de branco), 21 x 16,5 x 6,5 cm. Centre Georges Pompidou, Paris.

Figura 30 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas com pintura a branco

e pontos a azul e vermelho), 22,5 x 12,7 x 6,4 cm. The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.

Figura 31 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas com pintura a branco

e pontos a azul, vermelho e amarelo), 21,6 x 16,4 x 8,5 cm. The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

Figura 32 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas com pintura a branco

e pontos a azul e vermelho), 22,5 x 12,1 x 8,6 cm. Philadelphia Museum of Art, Filadélfia.

Figura 33 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zona inferior pintada a vermelho), dimensões desconhecidas. Espólio de Pablo Picasso. Figura 34 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas com pintura a branco

e pontos a vermelho e azul), dimensões desconhecidas. Museum Berggeruen, Berlim.

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Figura 35 – As Três Sombras, Auguste Rodin, 1882-1902. Bronze (Fonderie de Coubertin, 1988, ceras perdidas), 191,5 x 191,8 x 115 cm. Musée Rodin, Paris. Figura 36 – Adão, Auguste Rodin, 1880-1881. Bronze (Fonderie Rudier Alexis, caixa de areia), 197 x 76

x 77 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 37 – As Três Sombra na Porta do Inferno, Auguste Rodin, 1880-1926. Bronze (Fonderie Rudier

Alexis, 1926, caixa de areia), dimensões desconhecidas. Musée Rodin, Paris.

Figura 38 – As Três Sombras, Auguste Rodin, 1928. Bronze (Fonderie Rudier Alexis, 1928, caixa de areia),

97 x 91,3 x 54,3 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 39 – Coluna Infinita, Constantin Brancusi, 1937-1938. Latão fundido (inicialmente metalizado em

tom dourado), alt. 29,35 m. Tîrgu Jiu, Roménia.

Figura 40 – Protótipo da Coluna, Constantin Brancusi, 1920. Madeira, alt. ca. 2,52 m. Imagem de

Constantin Brancusi a instalar a coluna em Voulangis.

[35] [36]

[37] [38]

[39] [40]

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Figura 41 – Porta do Inferno, Auguste Rodin, 1880-1926. Bonze (Fonderie Alexis Rudier, modelo

finalizado em 1917, caixa de areia), 635 x 400 x 85 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 42 – Estudo Porta do Inferno (1), Auguste Rodin, 1880. Cera, 23,3 x 15,5 x 2 cm. Musée Rodin.

Figura 43 – Estudo Porta do Inferno (2), Auguste Rodin, 1881. Gesso, 111,5 x 75 x 30 cm. Musée Rodin.

Figura 44 – Portas do Paraíso, Lorenzo Ghiberti, 1425-1452. Bronze dourado, alt. 4,57 m. Réplica das

portas da fachada oriental do Batistério de San Giovanni, Florença.

[41] [44]

[42] [43]

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Figura 45 – Grande Mão Crispada com Figura Implorante, Auguste Rodin, 1890. Gesso, 44,9 x 33,5 x

27,5 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 46 – Grande Mão Crispada com Figura Implorante, Auguste Rodin, 1969. Bronze (Fonderie

Godard Emile, modelo de 1906, caixa de areia), 44,5 x 33 x 27 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 47 – Centáurea, Auguste Rodin, 1901-1904. Mármore (Victor Peter), 71 x 104 x 31 cm. Musée

Rodin, Paris.

Figura 48 – Estudo de mão para o grupo escultórico Burgueses de Calais, Auguste Rodin, [1900]. Gesso,

46,2 x 27,8 x 18 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 49 – Mão de Deus, Auguste Rodin, 1989. Gesso, 36,5 x 33,3 x 23,2 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 50 – Mão de Deus, Auguste Rodin, 1916-1918. Mármore (Séraphin Soudbinine, modelo de 1898-

1902) 78 x 54 x 94 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 51 – Máscara de Camille Claudel e Mão Esquerda de Pierra de Wissant, Auguste Rodin, [1895].

Gesso, 32,1 x 26,5 x 27,7 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 52 – Cabeça de Camille Claudel com boina, Auguste Rodin, [1884]. Terracota, 25,7 x 15 x 17,7

cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 53 – Máscara de Camille Claudel, Auguste Rodin, 1884. Gesso, 23 x 16,5 x 17 cm. Musée Rodin.

[45] [46] [47] [48]

[49] [50]

[51] [52] [53]

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Figura 54 – Jeannette I, Henri Matisse, 1910. Bronze, 33 x 22,8 x 25,5 cm. MoMA, Nova Iorque.

Figura 55 – Jeannette II, Henri Matisse, 1910. Bronze, 26,2 x 21 x 24,5 cm. MoMA, Nova Iorque.

Figura 56 – Jeannette III, Henri Matisse, 1911. Bronze, 60,3 x 25 x 28 cm. MoMA, Nova Iorque.

Figura 57 – Jeannette IV, Henri Matisse, 1911. Bronze, 61,3 x 27,4 x 28,7 cm. MoMA, Nova Iorque.

Figura 58 – Jeannette V, Henri Matisse, 1916. Bronze, 58,1 x 21,3 x 27,1 cm. MoMA, Nova Iorque.

Figura 59 – Beijo, Constantin Brancusi, 1907. Pedra calcária, 28 x 26 x 21,5 cm. Hamburger Kansthalle,

Hamburgo.

Figura 60 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1908-1909. Gesso, 28 x 26,1 x 21,8 cm. Coleção privada.

Figura 61 – O Beijo-Medalha, Constantin Brancusi, [1909]. Sais de prata, dimensões desconhecidas.

Fotografia de Constantin Brancusi, Centre Georges Pompidou, Paris.

Figura 62 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1909. Pedra, 28 x 26 x 21,5 cm. Cemitério de Montparnasse,

Paris.

Figura 63 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1916. Pedra calcária, 58,4 x 33,7 x 25,4 cm. Philadelfia Museum

of Art, Filadélfia.

Figura 64 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1920. Pedra calcária, 41 x 27 x 25 cm. Centre Georges

Pompidou, Paris.

[54] [55] [56] [57] [58]

[59] [60] [61]

[62] [63] [64]

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Figura 65 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1923-1925. Pedra calcária, 36,5 x 25,5 x 24 cm. Centre Georges

Pompidou, Paris.

Figura 66 – Porta do beijo, Constantin Brancusi, 1937. Pedra, 5 x 6 x 1,5 m. Tîrgu Jiu, Roménia.

Figura 67 – O Beijo, Constantin Brancusi, [1940]. Pedra calcária amarela, 71,8 x 34,5 x 25,5 cm. Centre

Georges Pompidou, Paris.

Figura 68 – Terminal Fronteira, Constantin Brancusi, 1945. Pedra calcária, 184,5 x 41 x 30,8 cm. Centre

Georges Pompidou, Paris.

Figura 69 – Coluna, António Duarte, 1954. Mármore ruivina, 186 x 49 x 44 cm. Atelier-Museu António

Duarte (AMAD), Caldas da Rainha.

Figura 70 – Modelo da Coluna, António Duarte, 1954. Gesso (maqueta) 65 x 15 x 10 cm. Atelier-Museu

António Duarte (AMAD), Caldas da Rainha.

[65] [66] [67]

[68] [69] [70]

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Figura 71 – Homem que Caminha, Auguste Rodin, 1913. Bronze (Fonderie Alexis Rudier, modelo de 1907,

caixa de areia), 213,5 x 71,7 x 156,5 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 72 – S. João Baptista, Auguste Rodin, 1880. Bronze, 203 x 71,7 x 119,5 cm. Musée Rodin, Paris.

Figura 73 – Estudo do Torso, Auguste Rodin, 1878-1887. Gesso original, 53 x 27 x 18,5 cm. Musée Rodin,

Paris.

Figura 74 – Formas Únicas de Continuidade no Espaço, Umberto Boccioni, 1913. Gesso original, 111,2

x 88,5 x 40 cm. Museu de Arte Contemporânea, Universidade de São Paulo (MAC USP).

Figura 75 – Formas Únicas de Continuidade no Espaço, Umberto Boccioni, 1931 (fundida a partir do

modelo de 1913). Bronze, 111,4 x 88,6 x 40 cm. The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

Figura 76 – Homem que caminha I, Alberto Giacometti, 1960. Bronze (pintado), 182,25 x 25,67 x 96, 52

cm. Fondation Alberto et Annette Giacometti, Paris.

[71] [72] [73]

[74] [75] [76]

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III – CONSTRUÇÃO

O começo do século XX ficou marcado por um conjunto de acontecimentos, que

contribuíram para um novo modo de entender e pensar a escultura, que, praticamente,

abandonou a sua função comemorativa ou qualquer outra função que lhe fosse pré-

determinada, em prol de processos de caráter pessoal que tiraram partido de uma

infinidade de novos materiais e técnicas que estavam ao dispor do artista248. Quando

referimos o termo construção, no contexto artístico, pensamos na rigorosa produção

escultórica dos construtivistas russos ou nas construções expressivas de Júlio González

(1876-1942). Todavia, importa observar qual poderá ter sido, realmente, a origem da

construção, não somente como mero procedimento técnico, mas enquanto pensamento

artístico que esteve por detrás da sua conceção.

O termo construção, do latim constructiōne, remete para o “acto, efeito ou arte de

construir […] reunir e dispor metodicamente as partes de um todo”249. Étienne Souriau

definiu construção de uma forma muito semelhante à referida, porém fez questão de

alertar para a confusão terminológica que, geralmente, ocorre com a palavra estrutura.

Segundo ele, a estrutura é relativa à organização interna que existe numa obra finalizada,

por sua vez, a construção é referente ao processo criativo, ao desenvolvimento temporal

do trabalho do artista enquanto estabelece relações entre os elementos que compõem a

obra, segundo um determinado princípio250.

3.1 – Collage (Papier Collé), Assemblage e Apropriação

É a partir do entendimento do filósofo francês, que iremos estruturar esta

perspetiva, que encontra na técnica papier collé, mais tarde designada por collage, a

origem da construção. Acreditamos que Pablo Picasso e Georges Braque (1882-1963)

foram os pioneiros do pensamento e do processo construtivo e ainda que tenham iniciado

248 ROWELL, Margit – Avant-propos. In «Qu’est-ce que la sculpture moderne?». Paris : Centre Georges

Pompidou, Musée National d’Art Moderne, 1986, p. 11. 249 COSTA, Joaquim Almeida – Op. Cit., p. 413. 250 “La structure est cette organisation interne telle qu’elle existe dans l’œuvre achevée, où on peut constater

objectivement sa présence et la dégager par analyse de l’œuvre. La construction est ce même ensemble de

relations entre les éléments, mais en tant qu’il est présent dans le processus créateur de l’artiste, à travers

le déroulement temporel de son travail; c’est aussi l’action de l’artiste pour établir cet agencement, disposer

ces relations selon leur principe, les mettre en œuvres; et même, parfois, la manière dont il s’y est pris pour

les concevoir ou les réaliser.” – SOURIAU, Étienne – Op. Cit., p. 464.

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97

essa exploração na pintura, rapidamente, ultrapassaram o plano bidimensional do quadro

e abriram portas para inúmeras possibilidades formais.

Nesse sentido, importa começar por observar o modo como os pintores cubistas

tiraram proveito da collage251 e como é que esta modificou por completo a conceção de

pintura, aproximando-a cada mais vez da escultura, até se fundir nela. O cubismo

desenvolveu-se com maior impacto em Paris, entre 1907 e 1914, tendo sido interrompido

pela Primeira Guerra Mundial, mas ainda assim conseguiu sobreviver até 1936. Este

movimento, concedeu à escultura grandes progressos, que foram herdados ou tiveram

origem na pintura, mais especificamente, no desenvolvimento da técnica papier collé,

como já fora mencionado252.

A afirmação e o reconhecimento desta prática, dentro do meio artístico, aconteceu

em 1912, com as obras papier collé de Picasso, que datam desse período. Também Braque

terá dado o seu contributo e influenciado o desenvolvimento da collage, no entanto não

restou nenhuma obra que hoje possa testemunhar essa sua experimentação. Picasso

ambicionava superar a dimensão material do quadro, o seu plano fechado, e por essa razão

começou a explorar as mais diversificadas conjugações de materiais e técnicas, dando

origem aquelas que foram as suas primeiras construções. Essas obras, na sua maioria

baixos-relevos, seguiram novos princípios, em que o material ocupou o lugar principal e,

ao contrário do que tinha acontecido até então, o escultor deixou de representar a realidade

estilizada, para passar a criar uma realidade plástica nova253. Nos relevos, Picasso jogou

com a combinação dos planos e dos intervalos existentes entre eles, como geradores de

zonas de luz e sombra, e para além desse elemento visual e compositivo, o artista também

se apropriou de peças decorativas de linguagem pictórica254.

A Guitarra – [Fig. 77] estima-se que tenha sido concebida pelo escultor espanhol

entre outubro e dezembro de 1912, sendo uma das obras que afirma com maior clareza o

pensamento e o modo de construir de Picasso, através da sobreposição de planos

tridimensionais, responsáveis por gerar uma forma plástica repleta de contrastes

251 “Hoje, essa palavra significa primeiro e acima de tudo uma nova técnica das artes plásticas que se vem

juntar às diversas técnicas antigas (pintura, desenho, gravura, frescos), e que consiste na justaposição de

vários materiais colados sobre a tela, cartão ou papel, para criar um novo objeto plástico.” [Tradução Livre]

– Ibid., p. 414. 252 BERNARD, Edina – A arte moderna : 1905-1945. Lisboa : Edições 70, 2000, p. 38-44. 253 SPIES, Werner – Op. Cit., p. 45-46. 254 KRAUSS, Rosalind E. – Caminhos da escultura moderna. 1ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p.

60.

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lumínicos255. Este relevo representa a forma de uma guitarra, cujas dimensões são

idênticas às de um instrumento musical real, porém os materiais que a constituem não

podiam ser mais distintos. Para a sua construção Picasso utilizou cartão, papel, cordas e

arame revestido, revelando através desses materiais a tridimensionalidade e profundidade

da obra. Quando o escultor realizou a Guitarra teve a pretensão de que a mesma fosse

entendida como uma correção crítica à pintura, mas aquela que seria uma experiência de

estúdio, acabou por tornar-se a nova base da escultura256. O baixo-relevo referido, faz

parte da coleção do Museum of Modern Art, em Nova Iorque, juntamente, com um outro

muito semelhante, também intitulado Guitarra, construído por Picasso em 1914, em folha

de metal ferroso e arame – [Fig. 78]. No Musée Picasso, em Paris, também são possíveis

observar dois outros relevos, de menores dimensões, também nomeados Guitarra e

realizados em dezembro de 1912 – [Fig. 79 e 80].

Defendemos que a collage, mais precisamente os baixos-relevos de Picasso, deu

origem a dois modos distintos de pensar e conceber a própria construção escultórica.

Importa deixar claro que nenhum desses modos prevalece em relação ao outro, tratam-se

sim de duas maneiras diferenciadas de construir. Uma teve como foco os materiais, sendo

eles o principal meio de composição das obras. Nesse caso, os escultores exploraram e

levaram aos limites as possibilidades de conjugação dos mais diversificados materiais e

objetos, aos quais foi atribuído valor artístico. Referimo-nos ao desenvolvimento da

assemblage, como procedimento técnico, que não pode ser de forma alguma desvinculado

do ato de construir. O outro modo de construir, foi levado a cabo pelas vanguardas russas

e, mais tarde, pelos construtivistas russos, que se centraram na técnica propriamente dita

de construir, através dos materiais industriais que tinham ao seu dispor, explorando com

eles questões formais e funcionais257. Neste caso, podemos dar como referência a obra

escultórica de Naum Gabo (1890-1977) e seu irmão, Antoine Pevsner (1884-1962), que

abordaremos no seguimento da investigação.

Para que comecemos a analisar o primeiro modo de construir referido, devemos ter

presente que a assemblage resultou da evolução do fenómeno collage, do qual Picasso

255 SPIES, Werner – Op. Cit., p. 46. 256 RUHRBERG, Karl – Arte no século XX. Köln : Taschen, 2005. Vol. 2, p. 430. 257 Entendemos por vanguardas russas os primeiros artistas que “procuraram conhecer os movimentos que

dominam a arte da europa ocidental, para que depois de influenciados por eles, tivessem a oportunidade de

se libertar e dar inicio a um percurso autónomo e independente.” Esses artistas viriam mais tarde a ser

designados de construtivistas russos, sendo nesse sentido que nos referimos a eles. – BERNARD, Edina –

Op. Cit., p. 56.

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foi precursor e principal responsável por dissolver os limites entre a pintura e a escultura.

Acreditamos que a passagem da collage para a assemblage, se é que existiu uma transição

delimitadora, aconteceu a partir do momento em que o escultor introduziu nas suas obras

elementos retirados do mundo exterior, da realidade258. Picasso começou a dedicar maior

atenção à forma dos materiais que agregava nas suas obras, como meio de as compor259.

Ou seja, as esculturas passaram a desenvolver-se em função da correlação entre a forma

específica dos materiais e a forma da obra estabelecida pelo artista. Uma das caraterísticas

que define a assemblage está relacionada com os materiais que são utilizados nas

esculturas, que tiram proveito desta técnica construtiva, isto é, na sua maioria tratam-se

de obras que são construídas com desperdícios materiais e objetos reciclados, que são

recolhidos e recuperados pelo próprio artista. Posteriormente, o escultor agrega-os e

adapta-os de acordo com a configuração da obra que pretende construir.

Este modo de conceber a escultura foi provocado por um conjunto de fatores

internos e externos ao próprio meio artístico. A crise financeira que se fazia sentir um

pouco por toda a Europa, estava a afetar cada vez mais as produções artísticas, originada

pela escassez de encomenda pública. Os escultures já não possuíam meios económicos

que assegurassem a realização das suas obras. A isso juntou-se o desinteresse pela

representação clássica e respetivos materiais tradicionais, pois esses eram demasiado

dispendiosos e demorados. Consequentemente, os artistas viram-se obrigados a procurar

materiais e processos técnicos que estivessem ao seu alcance financeiro, mas que também

saciassem as suas carências artísticas. Dessa forma, encontraram no que os rodeava,

materiais que até então eram encarados com desprezo e cujo uso era inimaginável260.

Neste sentido, interessa analisar uma das obras que faz parte da vasta produção

escultórica de Picasso e que testemunha a sua exploração e trabalho a partir do processo

de assemblage, A Cabra – [Fig. 81]. Para a concretização desta escultura, que data de

1950, o artista socorreu-se, quase exclusivamente, de materiais e objetos encontrados que,

posteriormente, recuperou e adaptou para dar forma ao corpo da cabra. O escultor

258 SOURIAU, Étienne – Op. Cit., p. 414. 259 SPIES, Werner – Op. Cit., p. 51. 260 O princípio da collage-assemblage pode ser comparado com o modo como o nosso cérebro opera diante

do mundo. Ou seja, primeiro deteta estar diante de um universo confuso, onde prevalece o caos, e só depois

é que começa a organizar e a alterar as informações recolhidas, de forma, a que elas se adaptem às suas

necessidades. O mesmo se passa no pensamento do artista quando observa a imensidão de objetos que tem

ao seu dispor, pois só após esse primeiro impacto é que consegue começar a estabelecer relações entre eles

até encontrar respostas inesperadas que satisfaçam a sua procura. – BELJON, J. J. – Gramática del arte.

Madrid : Celeste, 1993, p. 202.

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construiu a figura com uma cesta de vime (barriga), duas cabaças (úberes), uma folha de

palmeira (coluna), vasos cerâmicos (patas), metal, pedaços de madeira e cartão

(estrutura)261. Depois de agregados os elementos que estruturavam a composição, foram

ligados com gesso, permitindo a sua modelação, [Fig. 82]. Ao revestir a obra de gesso, o

artista pretendeu ocultar e revelar, simultaneamente, o processo de assemblage inicial,

usando o espectador como cúmplice do seu processo criativo, pois se por um lado

“esconde” os materiais por debaixo da modelação em gesso, por outro, fá-lo de uma forma

que permite ao observador detetar essas coisas banais, a partir das quais deu vida à sua

obra. Essa atitude de Picasso também pode, de algum modo, dar-nos indicação do seu

desejo de explorar as potencialidades de uma escultura capaz de reunir a junção de dois

procedimentos técnicos tão distintos, a construção e a modelação. Todavia, o escultor vai

mais longe e também tira proveito da fundição em bronze, pois esse material permitia-lhe

unificar e homogeneizar o que era precário e heterógeno.

A Cabra exibe um “realismo” acentuado, de grande interesse táctil, conferido pela

variedade textural das superfícies, umas ásperas, outras mais lisas, umas brilhantes e

outras mais opacas. Nesta obra, Picasso teve a oportunidade de abordar um tema novo, o

qual lhe permitiu o desenvolvimento do volume e de estímulos táteis, ricos em efeitos

escultóricos surpreendentes para uma escultura realizada a partir da técnica

assemblage262. O modelo que deu origem aos bronzes que dele foram retirados, faz parte

da coleção do Musée Picasso, em Paris, juntamente, com uma das suas reproduções em

bronze – [Fig. 83] e [Fig. 81]. Também temos conhecimento da existência de uma

segunda reprodução, em bronze, que integra a coleção do Museum of Modern Art, em

Nova Iorque.

No caso português, interessa observar a obra de João Fragoso (1914-2000)263, que

também se interessou por explorar as potencialidades da assemblage, a partir da qual

261 SPIES, Werner – Op. Cit., p. 179. 262 Ibid. 263 João Fragoso nasceu a 27 de abril de 1913, nas Caldas da Rainha, onde frequentou a Escola Industrial

Rafael Bordalo Pinheiro, manifestando desde então a sua vocação artística. Em 1933, com 20 anos,

ingressou na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, no curso de escultura, e antes terminar os estudos

foi convidado a dirigir umas das obras de maior dimensão já realizadas em Portugal, o Padrão dos

Descobrimentos, de Leopoldo de Almeida e Cottinelli Telmo263. Nos finais da década de 40, João Fragoso

regressou a Portugal, depois de ter estado a trabalhar em Espanha, pois devido à II Guerra Mundial não

pôde prosseguir os estudos em Paris e Roma, como era previsto. – PEREIRA, Fernando Teixeira – II

Mostra de escultura de ar livre. Amadora : Câmara Municipal, Departamento de Acção Cultural, 1989,

p. 24.

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realizou um conjunto de esculturas, que foram relevantes não só para o seu percurso

profissional, mas também para o contexto artístico nacional.

A produção escultórica de João Fragoso, pode ser dividida em três fases: a primeira,

de caráter figurativo e social, da qual resultaram inúmeros bustos, estátuas públicas e

monumentos; na segunda, designada inicialmente por Ode Marítima e depois por Fase

Mar, o escultor abandonou a figuração e enveredou por uma linguagem de teor mais

abstrato e simbólico, na qual trabalhou sobre o mar, inspirado na flora marítima, na fauna,

nos barcos, nas velas, nas cordas, enraizado na herança cultural portuguesa; na terceira

fase, nomeada Fase Minimal, o artista manteve os mesmos motivos como inspiração, mas

as suas obras revelaram uma plasticidade muito distinta das anteriores264, pois o interesse

do escultor pelo mar revelou-se nos materiais que utilizou para a construção dessas

esculturas.

De acordo com a investigação que temos vindo a desenvolver, importa analisar o

processo construtivo que João Fragoso adotou na Fase Minimal. Estima-se que esse

período da sua produção escultórica tenha sido iniciado entre 1958 e 1959, depois do

escultor ter participado na Exposição Internacional, em Bruxelas, na qual, certamente,

teve hipótese de observar algumas obras internacionais, que lhe fizeram reconsiderar o

modo de pensar e fazer a sua escultura. Inspirado no «mar sem fim», Fragoso começou a

construir as suas primeiras assemblages com materiais e objetos que recolhia junto ao

mar, dando origem a um conjunto de “[…] estruturas orgânicas de fragmentos montados

e reorganizados, numa atitude estética que propunha uma reflexão nova sobre a percepção

espacial e as relações entre os objectos e o meio envolvente”265. No decorrer dessa fase,

o escultor deu-se à liberdade de explorar as incomensuráveis possibilidades da

assemblage, apropriando-se de madeiras, seixos, restos de naufrágios e até de objetos do

uso quotidiano pertencentes à faina marítima.

Prolixidade do Real – [Fig. 84], também intitulada por alguns autores Canta no meu

sangue o mar ou Montagem, é uma das esculturas que faz parte da Fase Minimal, que se

julga ter sido realizada pelo escultor no começo da década de 60, mais precisamente em

1963. Esta assemblage resultou da recolha e apropriação de vários materiais oriundos de

embarcações naufragadas, cabos (cordas) e madeiras. Conseguimos encontrar nesta

264 PEREIRA, José Fernandes – Dicionário de escultura portuguesa. Lisboa : Editorial Caminho, 2005,

p. 305-306. 265 Ibid., p. 306-307.

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escultura uma aproximação estética com o movimento de Arte Povera, que se

desenvolveu em Itália, na segunda metade da década de 1960, no mesmo período em que

se estima que a obra em análise tenha sido construída. Essa ligação resulta da utilização

de materiais e objetos que já tinham perdido as suas funções e que ao serem recuperados

e integrados nas produções escultóricas, adquirem valor artístico e permitem ao escultor

aproximar a arte da vida quotidiana.

Embora não tenhamos nenhuma informação que confirme a participação da obra

Prolixidade do Real na exposição individual «Salão de Maio», que João Fragoso realizou

em 1963, na Sociedade Nacional de Belas Artes, sabemos que foi nessa ocasião que

exibiu pela primeira vez algumas das suas assemblages que remeteram para a Fase

Minimal. No ano seguinte, aceitou o cargo de Vice-Presidente dessa mesma instituição,

no qual permaneceu durante dez anos266. No que diz respeito à atual localização da obra,

sabemos que esta faz parte da coleção do Atelier-Museu João Fragoso, na Caldas da

Rainha.

Ambas as obras analisadas, Prolixidade do Real e a Cabra, ainda que com o devido

desfasamento temporal existente entre o contexto artístico português e o internacional,

seguiram as mesmas diretrizes construtivas. A assemblage foi o procedimento técnico

que esteve na origem das suas concretizações. Picasso optou por jogar com o observador,

ao ocultar e revelar ao mesmo tempo a assemblage que tinha dado origem à obra, através

da sua junção com a modelação e posterior fundição. Por sua vez, João Fragoso partiu da

herança cultural marítima rumo à descoberta das potencialidades dos materiais e objetos

“cedidos” pelo mar, manifestando nas suas obras a humildade e a crueza que a assemblage

foi capaz de conquistar.

Como tivemos oportunidade de investigar nos estudos de casos anteriores, a

assemblage não foi um procedimento técnico limitado e isolado dentro do meio artístico,

muito pelo contrário, uma vez que admitiu e desenvolveu-se em conjunto com outros

processos que lhe foram paralelos.

Se por um lado a assemblage se caracterizou pelo uso de desperdícios de materiais,

que eram recuperados e adaptados como possibilidades composicionais das obras de arte,

por outro, entendemos que a apropriação centrou-se nos objetos, não tanto pelas suas

266 Museu de José Malhoa – Desenhos e esculturas por João Fragoso : Fase, “Mar”, 1958-1973. Caldas da

Rainha : Museu de José Malhoa, 1978, p. 2.

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qualidades formais, como elementos que davam forma à escultura, mas pelo significado

que esses eram capazes de conceder às obras que integravam. No processo de

apropriação os objetos “contêm um potencial significativo aberto e dinâmico, que oscila

entre o que são, considerados literalmente e aquilo que o espectador projeta neles a partir

da sua experiência particular”267. Neste procedimento as obras passam a ser pensadas e

concretizadas em função dos objetos, pois esses deixam de estar ao serviço delas e para

reivindicam a sua valorização dentro do meio artístico. Se no processo de assemblage os

materiais eram agregados em prol da composição formal da escultura, que o escultor

pretendia realizar, a apropriação segue diretrizes distintas, em que objeto ocupa o papel

principal dentro da obra de arte.

Picasso, de espírito curioso e inquieto, não se limitou a explorar as faculdades do

processo de assemblage e, em simultâneo, desenvolveu um conjunto de esculturas, que

testemunham a apropriação de objetos específicos, essenciais às obras que compõem. O

primeiro exemplo que vamos apresentar, já foi observado nesta investigação, quando

abordámos obras que foram reproduzidas e que fazem parte de séries, referimo-nos à

escultura Copo de Absinto – [Fig. 30]. Importa retomar a sua análise, pois pela primeira

vez Picasso não criou a obra na sua totalidade, apenas segundo a sua interpretação, ao

invés disso apropriou-se de um objeto real (em cada reprodução), abrindo caminho para

um novo mundo plástico, que beneficiou da sobreposição entre a arte e a realidade268. O

escultor pretendeu explorar a relação entre um elemento por si modelado e um objeto

fabricado. Nesse sentido, o próprio afirmou “interessou-me a relação entre a colher real

e o copo modelado, a maneira como os dois se relacionavam”269. No entanto, devemos

perceber que essa apropriação, dificilmente, foi produto do acaso, queremos com isto

dizer, que Picasso pensou previamente nessa apropriação, e ainda que com esse objeto

não pretendesse representar nada para além da sua própria realidade, ao fazê-lo,

aproveitou-se do seu significado intrénseco e aproximou a configuração da obra ao título

que lhe tencionava dar.

267 “Contienen un potencial significativo abierto y dinámico, que oscila entre lo que son, considerados

literalmente y aquello que el espectador proyecta en ellos desde su experiencia particular.” [Tradução Livre]

– GARCÍA LLEDÓ, Guillermo – Poética y didáctica de la obra objetual. In «Invesigación en educación

artística : temas, métodos y técnicas de indagación sobre el aprendizaje y la enseñanza de las artes y culturas

visuales». Granada : Editorial Universidad de Granada, 2005, p. 395. 268 SPIES, Werner – Op. Cit., p. 50. 269 “Me interesó lala relación entre la la cuchara real y el vaso modelado, la manera cómo los dos se

enfrentaban.” [Tradução Livre] – Ibid., p. 48.

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Segundo Werner Spies, podemos identificar na obra escultórica de Picasso, três

modos diferentes de utilizar elementos retirados da realidade: no primeiro caso, refere-se

à utilização de um objeto que se representa a si próprio, capaz de transportar o seu sentido

para a obra, exemplo disso é a obra Copo de absinto, na qual o escultor se apropriou de

um colher de absinto, tirando partido do significado que a mesma já transportava consigo,

em benefício da obra; no segundo caso, o objeto que é empregue na obra mantém a sua

materialidade e cor, porém ao ser apropriado perde o seu significado próprio, em função

da escultura que vai integrar, como é o caso da obra Figura (1935) – [Fig. 85]; no terceiro

caso, a referência à realidade é mediada pela modelação da escultura, em gesso ou

barro270. Desta forma, podemos entender que, de modo geral, o artista apropriou-se de

objetos específicos, que estavam em falta nas suas obras. Esses foram elegidos,

previamente, de forma consciente, em função do seu significado e do que o escultor

pretendia transportar para as suas esculturas.

Neste seguimento, importa analisar a obra Cabeça de Touro271 – [Fig. 86], que data

de 1943, e é composta pela união de um selim com um guiador de bicicleta. Neste caso,

os objetos apropriados por Picasso não sofreram quaisquer modificações, no entanto a

sua junção fá-los adquirir um novo significado. A apropriação dos mesmos é de tal forma

eficaz, que observador perde por momentos a noção do seu significado real, pois é

conduzido, pelo artista, a atribuir-lhe um novo significado. O facto dessa escultura ter

sido fundida em bronze, faz com que o observador se sinta, ainda mais, confuso em

relação ao objetos que nela estão presentes, uma vez que esses não apresentam as

qualidades formais a que estamos habituados. A concretização desta obra permitiu a

Picasso explorar a “força evocativa das formas dos objetos e a criação, através de uma

permutação da realidade dada, de uma realidade já nova e distinta”272.

Terminada a análise de algumas das obras pertencentes à produção escultórica de

Picasso, nas quais é possível observar a junção dos dois procedimentos que temos vindo

a estudar, a apropriação e a assemblage. Consideramos que seja pertinente observar uma

270 Ibid., p. 142. 271 Cabeça de Touro faz parte da coleção do Musée Picasso, em Paris, contudo também temos conhecimento

de que a Fundación Almine y Bernard Ruiz-Picasso para el Arte (FABA) também seja detentora de uma

reprodução em bronze, atualmente emprestada ao Museo Picasso Málaga. 272 “Fuerza evocativa de las formas de los objetos y la creación, a través de una permutación de la realidad

dada, de una realidad ya nueva y distinta.” [Tradução Livre] – SPIES, Werner – Esculturas de Picasso :

obra completa. Barcelona : Gustavo Gili, 1971, p. 142.

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das mais emblemáticas obras do escultor português António Augusto Lagoa Henriques

(1923-2009)273, na qual tirou partido de idêntico procedimento.

A escultura que pretendemos analisar, intitulada Fernando Pessoa – [Fig. 87], foi

realizada por Lagoa Henriques no âmbito do centésimo aniversário de nascimento do

poeta. Esta foi inaugurada no dia 13 de junho de 1988, após o escultor ter sido selecionado

no concurso público. A obra foi encomendada a Lagoa Henriques pelo arquiteto Martins

Bairrada, após esse ter visitado o ateliê do artista e tê-lo visto a trabalhar na escultura de

António Aleixo274.

Após confirmada a encomenda, o escultor começou a realizar os primeiros estudos

da obra, como podemos ver na [Fig. 88]. A partir de um esboceto, feito pelo artista,

conseguimos perceber que a postura da figura representada não é a mesma que podemos

observar, atualmente, na escultura Fernando Pessoa – [Fig. 89]. Relatos do próprio artista

confirmam a alteração ocorrida na obra, na noite anterior à sua fundição, depois do

escultor ter encontrado, ao acaso, um poema de Pessoa, no qual mencionava:

“A mão posta sobre a mesa, A mão posta sobre a mesa,

A mão abstrata, esquecida,

Margem da minha vida…

A mão que pus sobre a mesa

Para mim mesmo é surpresa.

Porque a mão é o que temos

Ou define quem não somos.

Com ela aquilo que fazemos.”275

273 Lagoa Henriques nasceu no dia 27 de dezembro de 1923, em Lisboa. Aos 23 anos iniciou a sua formação

artística na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, porém só frequentou o Curso de Escultura, no qual

estava matriculado, durante o primeiro ano, pois por motivos de doença foi obrigado a suspender os estudos.

Em 1948, pediu transferência para a Escola Superior de Belas Artes do Porto, porque tinha interesse em ser

aluno do Mestre Barata Feyo, que fazia parte do corpo docente do Curso de Escultura, nessa instituição.

Terminou o Curso Superior de Escultura cinco anos mais tarde, em 1954, e nesse mesmo ano, partiu para

Itália com uma bolsa de estudos ganha em concurso público, do Instituto de Alta Cultura. Durante os três

anos que Lagoa Henriques esteve em Itália, mais especificamente em Milão, teve a possibilidade de

trabalhar com o escultor Marino Marini, e realizar algumas visitas de estudo a vários países, foram eles:

Inglaterra, Grécia, Egipto, França, Bélgica e Holanda. Estava em Roma, quando recebeu o convite do

professor arquiteto Carlos Ramos, na época, diretor da Escola de Belas Artes do Porto, para que fizesse

parte do corpo docente, como professor assistente de Escultura. Lagoa Henriques aceitou a proposta, e em

1963 concorreu, a concurso público, para o cargo de professor efetivo de Desenho nessa mesma Escola,

onde se manteve até 1966273. Nesse ano, pediu transferência para a Escola Superior de Belas Artes de

Lisboa, na qual lecionou durante 22 anos, até 1988, quando pediu a reforma e deu por concluído o seu

percurso como docente, para que se pudesse dedicar por completo à escultura. – PEREIRA, José Fernandes

– Op. Cit., p. 335. 274 GAMITO, Maria João – Lagoa Henriques : eu e aminha casa. Lisboa : Documenta, 2016, p. 148-149. 275 GONÇALVES, Luís Jorge – Memórias de um encontro no Chiado: Fernando Pessoa n’ “A Brasileira”,

com Vicente Nuñez, Lagoa Henriques e Carlos Amado. In «Repensar o Chiado/reviver o Chiado». Lisboa

: CIEBA, 2011, p. 57.

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Diante esta descrição, o escultor decidiu alterar o posicionamento da mão esquerda da

figura, uma vez que não podia continuar sobre o joelho esquerdo, mas sim sobre a mesa,

como indicava o poema. Para isso contou com o indispensável apoio de Carlos Amado, e

durante essa noite, ainda que com algumas dificuldades a nível técnico, conseguiram

voltar a modelar a escultura, concedendo-lhe a configuração que conhecemos hoje276.

Esta não foi a única obra que Lagoa Henriques criou através de “impressões e reflexões

suscitadas pela palavra poética, companheira de sempre do escultor e professor […] Na

verdade, nenhum outro escultor seu contemporâneo toma a poesia […] como núcleo

impulsionador do seu labor criativo”277.

A produção escultórica de Lagoa Henriques caracterizou-se pelo seu depuramento

formal, pela procura daquilo que era apenas o essencial, tendo sido nesse aspeto

influenciado pela obra inovadora do mestre Barata Feyo, mas também pelo trabalho do

artista italiano, Marino Marini278. No caso da obra Fernando Pessoa, o escultor optou por

representar o poeta, numa atitude descontraída, com a perna esquerda dobrada sobre a

direita, o braço esquerdo descansando sobre a mesa e o direito em trajetória horizontal,

em direção à mesa. Nesta escultura também podemos observar a negação do artista no

que diz respeito à representação de figuras reais, pois para ele a semelhança entre a pessoa

e a figura, por si modelada, não passava de um aspeto exterior. Interessava-lhe representar

os vestígios de quem retratava, “formas vazias donde os homens foram retirados”279.

Lagoa Henriques também manifestou nesta obra o seu desejo e preocupação em

aproximar a escultura do povo, uma vez que pretendia que o “poeta” pudesse ser tocado

pelo seu público280. Dessa forma, não só retirou o plinto à escultura, como representou

Fernando Pessoa à escala humana, para que não houvesse barreiras que sacralizassem a

obra e, consequentemente, a afastassem do observador281. Para reforçar essa

aproximação, o escultor apropriou-se de duas cadeiras e uma mesa, na época,

pertencentes ao café A Brasileira, e integrou-as à obra, dando origem ao conjunto

276 Ibid. 277 PEREIRA, José Fernandes – Op. Cit., p. 336. 278 Ibid. 279 BOTELHO, Margarida – 75 artistas em Portugal. Maia : Castoliva Editora, 1989, p. 204. 280 Tal como Auguste Rodin tivera feito na escultura Os Burgueses de Calais (1884-1886), ou no Balzac

(1891-1897). 281 “Há bastante tempo…tive a preocupação de fazer descer a escultura do pedestal para a terra, quer dizer,

para a rua…no sentido de estar mais próxima de nós, para ficar à nossa escola, à nossa altura, que nós

possamos tocar, que nós possamos abraçar…” – GAMITO, Maria João – Op. Cit., p. 150.

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escultórico que, atualmente, ainda se encontra diante do emblemático café, que foi palco

de incontáveis tertúlias artísticas e literárias.

Entendemos que o pensamento por detrás da apropriação do escultor português não

diferiu muito do de Picasso, quando se apropriou de uma colher de absinto real e a

agregou à restante obra, por si modelada. Também a escultura Fernando Pessoa é

composta pela figura modelada, por Lagoa Henriques, e três objetos que foram retirados

da realidade e, posteriormente, fundidos em bronze. Ambas as obras mencionadas, são

produto da união entre a modelação e a apropriação. Existe ainda outro aspeto que as

aproxima, relacionado com a intenção que os artistas tiveram quando se apropriaram dos

objetos, ou seja, tanto o Picasso como o Lagoa Henriques tiraram proveito do significado

que os objetos já traziam consigo e transportaram-no para as suas obras. Não pretenderam

persuadir o observador a atribuir um novo significado aos elementos apropriados, muito

pelo contrário, aproveitaram-se dos conteúdos intrínsecos ao mesmo.

Finalizada a análise dos estudos de casos apresentados, entendemos que tenha todo

o interesse, para a presente investigação, continuar a estudar o modo como o objeto

pertencente à realidade física, foi escolhido, contextualizado e entendido dentro do meio

artístico. Para isso, iremos socorrer-nos da obra daquele que foi o precursor da Arte

Objetual, responsável por transcender os limites das conceções tradicionais das artes

plásticas, ao introduzir e recontextualizar objetos recuperados do quotidiano, como

elementos únicos e cruciais na sua produção artística, Marcel Duchamp (1887-1968).

3.2 – Ready-made, Objetos Dada e Surrealistas

Duchamp foi contemporâneo de Picasso, tendo desenvolvido a sua obra artística no

mesmo período, e se hoje conseguimos encontrar algumas ligações entre ambos, devemos

ter presente que seguiram diretrizes bastante distintas. Segundo Karl Ruhrberg, seria

erróneo pensarmos que a produção artística de Duchamp foi produto lógico da escultura

objeto que já tinha sido introduzida por Picasso, quando na realidade, este procurou um

caminho fora da própria arte, Anti-Art. Não seguiu os estilos, os gostos ou as estéticas da

sua época, muito pelo contrário, negou-as282. O seu conflito entre a inovação e a tradição

fez com que colocasse em causa a definição de arte, introduzindo o conceito de arte

282 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 457.

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“autocrítica”, que questionava a sua própria condição enquanto tal283. Duchamp

procurava entender o que era a pintura e o que era preciso para se tornar pintor, o que o

constituiria como autor de uma obra de arte. Acabou por encontrar respostas que

revolucionaram muitas das ideias “pré-estabelecidas sobre o que se entende por «arte» e

sobre a autoria do artista, ao negar a obra de arte”284. A arte passou a ser um veículo de

ideias e, nesse sentido, o próprio afirmou: “não são as ideias origem das coisas mas as

coisas origem das ideias, no sentido em que a ideia é um efeito e não uma causa. A obra

de arte não ilustra uma ideia: gera uma situação e gera um anova noção”285.

O termo ready-made surgiu em 1913, inventado por Marcel Duchamp, após este

ter tido, “a feliz ideia de fixar uma roda de bicicleta sobre um banco de cozinha e ficar a

vê-la rodar […] foi nessa altura que a palavra «ready-made» me veio ao espírito para

designar esta forma de manifestação”286. Como o próprio nome indica, ready-made, trata-

se de uma obra que já está pronta, que não necessita da “mão” do artista, pois a ele apenas

competiu eleger e deslocar os objetos do quotidiano para dentro do contexto artístico287.

Por sua vez, o processo de seleção do objeto deveria, segundo Duchamp, basear-se numa

reação de indiferença visual, capaz de contrariar o bom ou o mau gosto, não se tratando

de uma estratégia facilitadora para o artista, pois a escolha dos objetos era bastante

exigente, reveladora do intenso trabalho feito por Duchamp288.

Esta conceção de ready-made permite-nos perceber o distanciamento que houve

entre o entendimento de Duchamp e o de Picasso em relação à apropriação de objetos do

uso comum. Como tivemos oportunidade de analisar, anteriormente, o escultor espanhol

também utilizou objetos reais nas suas obras, contudo teve a necessidade de alterar, na

maioria das vezes, as suas qualidades formais, fosse no momento em que os agregava às

suas modelações, fosse quando os mandava fundir. Em contrapartida, Duchamp fez

283 JANSON, H. W. – Op. Cit., p. 998. 284 MADERUELO, Javier – El objeto del arte en Cuenca : exposicion en el Museo de Arte Abstracto

Español : la integran 69 obras sobre papel. Boletín informativo : Fundación Juan March. Madrid. Nº 274

(Nov. 1997), p. 22. 285 OLAIO, António – Ser um indivíduo chez Marcel Duchamp. Porto : Dafne, 2005, p. 70. 286 Segundo Duchamp, “en 1913 j’eus l’heureuse idée de fixer une roue de bicyclette sur un tabouret de

cuisine et de la regarder tourner […] c’est vers cette époque que le mot «ready-made» me vint à l’esprit

pour désigner cette forme de manifestation.” – DUCHAMP, Marcel – Duchamp du Signe : écrits. Paris :

Flammarion, 1994, p. 191. 287 “Objet manufacturé et utilitaire promu «objet d’art» par le choix de l’artiste et exposé comme tel.”

[Tradução Livre] – BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 539. 288 Marcel Duchamp afirmou que “[…] le choix de ces ready-mades ne me fut jamais disté par quelque

délectation esthétique. Ce choix était fondé sur une réaction d’indifférence visuel, assortie au même moment

à une absence totale de bon ou mauvais goût… en fait une anesthésie complète.” – DUCHAMP, Marcel –

Op. Cit., p. 191.

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questão de esclarecer que as poucas transformações que fez nos objetos, na sua aparência,

foram secundárias e apenas serviram para reforçar e acelerar a passagem do objeto a obra

de arte289. Se por um lado Picasso abriu caminho para um novo meio de expressão,

Duchamp tornou possível que qualquer objeto fosse considerado artístico, todavia para o

conseguir viu-se forçado a seguir os princípios de singularidade e autoria, pois só assim

estariam reunidas as condições mínimas para que os seus ready-mades pudessem

reivindicar o seu estatuto enquanto obras de arte290.

Competiu ao artista intitular e assinar os objetos por si selecionados, a fim de marcar

a sua presença na obra, não como responsável pela sua concretização, mas por ter sido

capaz de a eleger, isolar e intitular, na medida em que forja a sua singularidade, ao negar

que ela faz parte de uma série industrial, da qual foi retirada. Dessa forma, o título e a

assinatura de Duchamp tornaram-se elementos integrantes dos objetos, dos ready-mades,

pois eram eles que asseguravam o estatuto do objeto como obra de arte, dentro do círculo

artístico. No entanto, nenhum ready-made que partilhasse de título ou de inscrição podia

abdicar da assinatura do artista, pois era ela que definia o ready-made uma obra de arte291.

Não testemunhava a habilidade do trabalho plástico do artista, mas o seu nome, que era

capaz de denunciar a sua ideia e garantir o valor artístico do objeto. Dessa forma, o artista

foi capaz de transformar e ampliar as fronteiras do conceito de objeto artístico,

redefinindo os preceitos tradicionais relativos à prática artística292.

No que diz respeito à relação entre o artista - obra - espectador, Duchamp defendeu

uma perspetiva que igualava a tarefa do observador à do artista, ou seja, segundo ele, era

tão importante aquele que criava a obra, como aquele que a observava e interpretava. O

ato de criação não competia, nem estava ao alcance, apenas do artista, uma vez que

deveria ser complementado pelo contributo do espectador, responsável por dar o seu

veredito em relação à obra de arte, pois só ele podia afirmar o seu valor social, quando

estabelecia contacto entre a obra e o mundo exterior293. Cabia ao artista apelar à reação

do observador, para que esse fosse capaz de determinar o estatuto dos ready-mades, em

289 CRUZ, Maria Teresa – A obra de arte : entre dois nomes : o ready-made. Revista de comunicação e

linguagens. Lisboa, 2005. ISSN 0870-7081. Nº 10-11 (Mar. 1990), p. 123. 290 Ibid., p. 121. 291 “Esta apropriação, realizada pela própria assinatura, é em si mesmo suficiente para que o objecto aceda

a um novo estatuto, a uma nova recepção e a um novo modo de circulação […] O verdadeiro autor da obra

é o nome do autor.” – Ibid., p. 126. 292 SILVA, Luís Miguel Rodrigues Liberal Alegre da – A invisibilidade dos objectos: design, arte,

apropriação, autoria e circulação na era da informação. Lisboa : [s.n.], 2011, p. 247. 293 DUCHAMP, Marcel – Op. Cit., p. 189.

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vez de contemplar as suas formas. Os objetos apropriados pelo artista tinham a

capacidade de se representarem a si mesmos e, simultaneamente, algo que era exterior a

eles, que era criado no universo do espectador, em função da sua experiência. Esse

processo acontecia quando a pessoa que observava a obra era levada a fazer uma leitura

do que estava diante de si, na tentativa de encontrar uma lógica que pudesse estar na

origem da relação entre as partes, desencadeando o processo de interpretação da obra. Em

síntese, os objetos são aquilo que são, quando se representam a si próprios, no entanto

são capazes de ser ao mesmo tempo outra coisa, produto da observação do público que

os vê, sendo infinitas as interpretações que podem resultar da perceção de cada

observador294.

A partir de uma entrevista dada por Duchamp a Georges Charbonnier, conseguimos

descobrir aquele que terá sido o primeiro ready-made do artista e embora não tenhamos

informações que confirmem uma data em específico, pensamos que o mesmo tenha sido

concebido entre 1913 e 1914. Segundo Duchamp,

“Comprei nesse dia um «porte-bouteilles» no Bazar de l’Hôtel de Ville e

levei-o para casa, e isso foi o primeiro ready-made. E o que me interessou

então foi dar-lhe nessa escolha uma espécie de bandeira ou de cor que não

tinha saído de um tubo. Esta cor. Obtive-a inscrevendo sobre o ready-made

em questão uma frase que devia ser, ela também, de essência poética, e

frequentemente sem sentido normal, chegando a jogar com as palavras, ou

coisas desse género, já não me lembro sequer agora, já não me lembro porque

o ready-made se perdeu”295.

Este pequeno excerto permite-nos compreender, realmente, qual foi o raciocínio e o

processo de criativo que esteve por detrás da execução do primeiro ready-made do artista,

intitulado Porta-garrafas296 – [Fig. 90]. O ato de conceção da obra, no seu sentido

tradicional, deu lugar ao ato de exibição, depois de Duchamp comprar o objeto e apenas

294 GARCÍA LLEDÓ, Guillermo – Op. Cit., p. 405. 295 Entrevista inédita a Georges Charbonnier, 1961, Cit. por DE DUVE, Thierry – Nominalisme pictural

: Marcel Duchamp, la peinture et la modernité. Paris : Les Éditions de Minuit, 1995, p. 207. 296 O Porta-garrafas integra (pelo menos) as seguintes coleções: Museu Colação Berardo, em Lisboa;

Centre Georges Pompidou, em Paris; Galleria Schwarz, em Milão; National Gallery of Australia, Camberra;

e National Gallery of Canada, em Ottawa; Israel Museum, em Jerusalém; e National Museum of Modern

Art, em Kyoto. Existem ainda réplicas outras réplicas, uma que fez parte da Exposition Surréaliste d’objets,

na Galerie Charles Ratton, em Paris, de 22-29 maio de 1936, cuja localização atual é desconhecida; outra

que remete a 1959, presente na Galerie Thaddaeus Ropac, em Londres; outra de 1960, que constitui a

Collection Robert Rauschenberg, em Nova Iorque; outra data de 1961, pertence ao Philadelphia Museum

of Art, em Filadélfia; e ainda, duas outras réplicas que foram concebidas em 1963, que constituem a coleção

do Moderna Museet, em Estocolmo; e do Norton Simon Museum, em Pasadema (EUA). – ver imagens no

anexo: Ficha Técnica: Porta-garrafas – Marcel Duchamp.

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inscrever nele algumas palavras. Desta forma, “o que está em causa é a intenção e não o

objectivo, o acto e não o produto, o querer e não o fazer”297. Sobre do Porta-Garrafas

original apenas sabemos que se perdeu, no entanto esta obra foi retomada pelo artista, que

a exibiu pela primeira vez em 1936, na Exposição Surréaliste d’objets, realizada na

Charles Ratton, em Paris298. Atualmente, este ready-made faz parte de inúmeras coleções

espalhadas pelo mundo, tal como acontece com as obras de Duchamp a que faremos

referência no seguimento desta investigação. Os ready-mades que hoje vemos não são os

originais, mas sim reproduções que foram feitas por parte de instituições autorizadas a

isso. A partir de informações disponibilizadas pelo Museu Coleção Berardo, sabemos que

em 1964 a galeria Schwarz de Milão realizou oito reproduções (exemplares) e dos treze

ready-mades que existem de Duchamp, esses foram numerados e assinados pelo artista,

quatro anos antes da sua morte299.

Neste seguimento, importa fazer referência a um outro ready-made, adotado por

Duchamp em 1913, intitulado Roda de Bicicleta300 – [Fig. 91]. Consideramos que seja

oportuno analisá-lo uma vez que este apresenta características que o distinguem do Porta-

Garrafas e da Fonte, que ainda abordaremos. Esta obra é composta por dois objetos, uma

roda de bicicleta e um banco de cozinha, elementos esses cuja conjugação é tão absurda

que faz com que o observador dilua grande parte da identidade original de cada um dos

objetos. A unidade entre esses dois elementos é originada por um conjunto de factores,

previamente, pensados e manipulados pelo artista. Duchamp isolou, intencionalmente, a

roda de bicicleta e colocou-a numa posição que invalidou, por completo, a sua

funcionalidade inicial, situação que se agravou quando ele decidiu agrega-la a um objeto

estático, entrando em confronto com a sua natureza original301.

297 CRUZ, Maria Teresa – Op. Cit., p. 136. 298 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 457. 299 Museu Colação Berardo – Le porte-bouteilles [Em linha]. 300 O ready-made Roda de Bicicleta faz parte de inúmeras coleções internacionais, tendo sido também ele

reproduzido pela galeria Schwarz em 1964. Temos conhecimento que essas réplicas façam parte da coleção,

pelo menos, dos seguintes museus: Galleria Schwarz, em Milão; Centre Georges Pompidou, Paris;

Philadelphia Museum of Art, Filadélfia; Indiana University Art Museum, Indiana; National Gallery,

Canadá; Irael Museum, Jerusalém; e National Museum of Modern Art, em Kyoto. Para além dessas

reproduções, também foram feitas outras versões, anteriores, da Roda de Bicicleta, uma em 1951, cuja obra

integra a coleção do Museum of Modern Art, em Nova Iorque; outra em 1961, que faz parte do Moderna

Museet, em Estocolmo; e por último, em 1963, cuja reprodução fazia parte da coleção de Richard Hamilton,

antes de ser perdida durante uma deslocação entre museus – ver imagens no anexo: Ficha Técnica: Roda

de bicicleta – Marcel Duchamp. 301 GARCÍA LLEDÓ, Guillermo – Op. Cit., p. 406-409.

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Um dos aspetos que distingue esta obra dos restantes ready-mades, que foram e

serão analisados, deve-se ao facto desta exibir a junção de dois elementos e não apenas

um único objeto. Neste caso, o artista apropriou-se de dois objetos do dia-a-dia e agregou-

os, ao invés de apenas intitular e assinar a obra, Duchamp interveio no ready-made de

uma forma mais visível, ao ponto de podermos considerar que este foi produto do

processo de assemblage e não só da apropriação de objetos do uso quotidiano. Também

é curioso que nesta obra possamos observar a relação tradicional entre a obra e o seu

pedestal, sendo esse outro aspeto que a diferencia esse ready-made dos demais. O modo,

certamente intencional, como Duchamp uniu a roda de bicicleta ao banco, fez com que

essa adquirisse maior destaque, ao ponto de podermos entender o banco como sendo o

seu pedestal302.

O último ready-made que vamos analisar, A Fonte303 – [Fig. 92], é de todos o mais

conhecido, devido à controvérsia que gerou dentro e fora do meio artístico, a partir do

momento em que foi apresentado pela primeira vez. Esta obra foi pensada e concebida

para uma exposição na Sociedade de Artistas Independentes, em abril de 1917, na qual

se pretendia recuperar o espirito de Armory Show, ao mesmo tempo que se apelava ao

confronto com os membros do júri da Nacional Academy of Design. Essa exposição teve

como tema “Sem júri, sem prémios” (No jury, no prizes), contudo esse lema não foi

aplicado no ready-made de Duchamp, pois esse acabou por ser recusado e excluído da

exposição, refletindo a censura vanguardista que perdurava dentro do círculo artístico.

Uma das razões que esteve na origem da recusa da Fonte, deveu-se ao facto de se tratar

de uma obra cuja autoria era desconhecida, uma vez que estava assinada “R. Mutt”, um

nome incógnito, que não era suficiente para dar legitimação ao objeto apresentado304.

Duchamp previu e concretizou A Fonte convicto de que seria uma obra de recusa

pela sua natureza concetual, uma vez que exigia a aceitação de uma nova conceção e,

302 Ibid., p. 409. 303 A Fonte também foi reproduzida pela Galeria Schwarz, em 1964, com o consentimento do artista, a

partir das imagens que existiam da obra original. Para além dessa tiragem de edição, também temos

conhecimento de duas outras reproduções, uma que data de 1950, presente na Philadelphia Museum of Art,

em Filadélfia; e outra que foi realizada em Estocolmo por Ulf Linde, para a exposição na Galerie Burén,

em 1963, atualmente no Moderna Museet, em Estocolmo. Hoje, esta obra centenária faz parte das coleções

de inúmeros museus, entre eles: Galleria Schwarz, em Milão; Tate Modern, em Londres; Centre Georges

Pompidou, em Paris; San Francisco Museum of Modern Art, em São Francisco; Indiana University Art

Museum, em Indiana; e National Art Gallery of Canada, em Ontário (Canadá); National Museum of

Modern Art, em Kyoto; e Israel Museum, em Jerusalém – ver imagens no anexo: Ficha Técnica: Fonte –

Marcel Duchamp. 304 SILVA, Luís Miguel Rodrigues Liberal Alegre da – Op. Cit., p. 251-252.

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consequentemente, a ampliação da noção de obra de arte. O artista pretendeu testar o

reconhecimento da própria obra e, por isso, decidiu não assinar em seu nome, mas de um

pseudónimo, que poderia ser um fabricante, operário ou comprador de urinóis, sem

qualquer relevância dentro do meio artístico. Deste modo, o ready-made perdia qualquer

hipótese de poder vir a ser consagrado obra de arte, pois nem sequer garantia uma autoria

artística305.

Para a concretização desta obra, Duchamp apropriou-se de um urinol, produto de

uma série de objetos industriais, realizados de forma mecânica e massiva. Ao retirá-lo do

seu contexto utilitário, Duchamp impediu que o mesmo retomasse à sua função original.

Em seguida, inverteu-o e nomeou-o A Fonte. Competiu ao artista manipular a disposição

do urinol, para que assim conseguisse direcionar a interpretação do espectador em função

do modo como o apresentou. Dessa forma, a disposição do objeto contribuiu para o

aumento da sua descontextualização, uma vez que afastou o observador da interpretação

literal306. Rosalind Krauss descreveu esse instante de perceção do espectador como sendo

o “momento em que o objeto se torna «transparente» a seu significado”307. A mesma

autora também fez referência às duas razões que, eventualmente, possam ter estado na

origem do ready-made: a primeira, relacionada com a intenção do artista em procurar um

objeto do uso comum, para que assim pudesse revelar que a escultura não deveria ser

mais do isso; a segunda, deveu-se ao facto de Duchamp ter optado por um urinol, um

objeto capaz de violar os limites do bom gosto, para que se entendesse que as obras de

arte não devem ser realizadas ou elegidas em detrimento do gosto estético do artista308.

Importa também referir que A Fonte tirou partido da reprodução fotográfica, pois

após a sua recursa acontecida na primeira exposição, em 1917, o urinol original acabou

por desaparecer, e único meio de o divulgar foi através de imagens realizadas por Alfred

Stieglitz (1864-1946). Esta obra conseguiu dispensar o contacto direto do público com o

original, uma vez que apenas foi possível observar A Fonte a partir de imagens, e só mais

tarde através de cópias muito próximas do ready-made original. Deste modo, é-nos

possível nomear três autores da obra: o R. Mutt que a assinou, Stieglitz que a fotografou

305 OLAIO, António – Op. Cit., p. 66-67. 306 GARCÍA LLEDÓ, Guillermo – Op. Cit., p. 408. 307 KRAUSS, Rosalind E. – Op. Cit., p. 94. 308 Ibid.

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A Fonte original e o próprio Marcel Duchamp, responsável pela escolha do objeto, que

se converteu em obra de arte309.

No que diz respeito à revolucionária produção artística de Marcel Duchamp, muitos

teóricos e historiadores identificam e associam as suas obras, mais precisamente os seus

ready-mades, ao movimento Dada. No entanto, não podemos dizer que exista consenso

em relação a essa definição e, nesse sentido, interessa referir o parecer do filósofo alemão,

Walter Benjamin, que assumiu não ser possível identificar o trabalho do artista com

nenhuma escola, nem com nenhum movimento vanguardista da época, uma vez que

Duchamp sempre foi um individualista310. Não consideramos que seja necessário eleger

uma das perspetivas, muito pelo contrário, entendemos que é possível encontrar um ponto

intermédio entre ambas. Duchamp enquanto artista individualista também se interessou e

partilhou do espírito Dada, movimento que integrou juntamente com Francis Picabia

(1879-1953), Man Ray (1890-1976), entre outros artistas.

O Dadaísmo surgiu em Zurique, em março de 1916, quando Hugo Ball inaugurou

o Cabaret Voltaire, no Café Meierei que, rapidamente, se tornou um espaço de convívio

para os artistas revolucionários dessa época. Nesse espaço, ocorreram exposições de arte

e representações, que pretendiam provocar a indignação e revolta em quem as

presenciava, confrontando-os “com os seus preconceitos relativamente à natureza da

«arte»”311. Importa que tenhamos em atenção que este movimento emergiu durante a 1ª

Guerra Mundial, num período marcado pela miséria social e crise económica, mergulhado

num sentimento de profundo niilismo312.

O primeiro dos sete Manifestos Dada publicados em 1924, data de 14 de julho de

1916, porém o que mereceu maior destaque dentro do meio artístico foi lido pela primeira

vez em Zurique, no dia 23 de março de 1918. Esse foi redigido por Tristan Tzara (1896-

1963) e nele foram expostas as razões que estiveram na origem do Dadaísmo e a forma

como entendiam os movimentos artísticos anteriores e conterrâneos: “assim nasceu Dada

duma necessidade de independência, de desconfiança em relação à comunidade […] não

reconhecemos teoria nenhuma. Estamos fartos das academias cubistas e futuristas:

309 SILVA, Luís Miguel Rodrigues Liberal Alegre da – Op. Cit., p. 253. 310 “Duchamp é um dos mais interessantes fenómenos da vanguarda francesa. A sua produção é muito

pequena, mas a sua influência é grande. Duchamp não pode ser identificado com nenhuma escola. Esteve

perto do Surrealismo, é amigo de Picasso, mas foi sempre um individualista.” – BENJAMIN, Walter – A

modernidade. Lisboa : Assírio & Alvim, [2006], p. 503. 311 BRADLEY, Fiona – Surrealismo. [Lisboa] : Presença, [2000], p. 13. 312 BERNARD, Edina – Op. Cit., p. 84.

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laboratório de ideias formais”313. Desta forma, os artistas dadaístas apenas poderiam e

deveriam manter uma relação de contraste com o passado, preservando uma atitude de

contestação. No Manifesto Dada de 1918, Tzara também fez referência ao modo como a

obra de arte devia ser entendida e considerada pelos dadaístas, isto é, “a obra de arte não

deve ser a beleza em si mesma, porque ela morreu: nem alegre nem triste, nem clara nem

obscura […] Uma obra de arte nunca é bela”314. Este excerto direciona-nos para os ready-

mades de Duchamp e relembra-nos a sua postura em relação aos critérios que utilizava

no processo de seleção e apropriação dos objetos.

Em 1922, aconteceu o primeiro e último Congresso Dada, em Weimar, organizado

pelos artistas dadaístas. Foi durante esse evento, que André Breton (1896-1966) fez

questão de manifestar o seu parecer sobre o Manifesto Dada de 1918, acusando Tzara de

ter sido demasiado violento, ao proclamar a rutura entre a arte e a lógica, pois segundo

Breton, o manifesto não apresentava indicações que viabilizassem um caminho que não

fosse meramente destrutivo315. Hoje, esse confronto que aconteceu entre Tzara e Breton,

é entendido como o marco que definiu o fim do Dadaísmo e o começo do Surrealismo,

um novo período marcado pela experimentação e metódica exploração da criatividade,

em detrimento do anarquismo destrutivo do Dadaísmo316. No entanto, não estamos certos

de que essa rutura tenha acontecido de um momento para o outro. Nesse sentido, importa

partilhar o entendimento de André Breton sobre a relação entre o movimento Dada e o

Surrealismo. Através da metáfora de duas ondas que coexistem e se ultrapassam uma à

outra, sem que uma tenha de deixar de existir em função da obra, Breton explicou que “o

Dada antecede o Surrealismo e o Surrealismo sobrevive ao Dada, mas durante algum

tempo os dois movimentos coexistem num continuum de partilha de energia e

excitação”317.

Antes de começarmos a abordar os contornos do movimento Surrealista e

respetivos estudos de casos, que consideramos relevantes, interessa apresentar e analisar,

aquele que foi reconhecido como o primeiro objeto dadaísta, de Man Ray. Este nasceu

nos Estados Unidos da América, em Filadélfia, porém aos 31 anos decidiu partir para

Paris, onde foi recebido por Marcel Duchamp, que desde logo o integrou dentro do grupo

313 TZARA, Tristan – Sete manifestos Dada. Lisboa : Hiena Editora, 1987, p. 13. 314 Ibid., p .12. 315 BRETON, André – Entrevistas. Lisboa : Salamandra, 1994, p. 67-69. 316 BRADLEY, Fiona – Op. Cit., p. 19. 317 Ibid., p. 12.

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dadaísta. Man Ray foi acolhido em Paris como “um triunfador, como um velho amigo,

como um artista a quem se deve muito respeito”318. Nesse mesmo ano, em 1921, teve a

oportunidade de apresentar algumas das suas obras, trazidas da América, conjuntamente

com outros artistas, na exposição coletiva realizada na Librairie de Six. Foi, precisamente,

no primeiro dia da exposição, que decorreu de 3 a 31 de dezembro, que Man Ray criou a

obra que pretendemos analisar, intitulada Presente – [Fig. 93].

Como podemos observar a partir da imagem, esta escultura resultou da apropriação

de um ferro de engomar, ao qual o artista colou 14 pregos, alinhados, na superfície lisa.

Ao fazê-lo, Man Ray não só colocou em causa o caráter utilitário do objeto, como o

impediu de retomar à sua natureza original. Também Duchamp, quando concebeu a

Fonte, já tivera seguido diretrizes muito semelhantes, contudo devemos estar atentos às

variações existentes entre ambas as obras, pois são elas que as distinguem. Se por um

lado Duchamp pretendeu retirar a função ao urinol, quando o apresentou invertido e

intitulado Fonte, para afastar o espectador de uma possível interpretação literal. Man Ray,

também inutilizou o objeto, ao adicionar-lhe uma fila de pregos afiados, no entanto teve

a necessidade de o expor na posição habitual e com a maioria das suas características

físicas preservadas, para que o seu significado fosse conservado pelo observador. Dessa

forma, o artista pretendia perturbar e destabilizar o espectador, no momento em que ele

se apercebesse que estava diante de um objeto, que mantinha o seu significado, mas que

ao mesmo tempo estava desvinculado da sua realidade funcional.

Temos conhecimento de que a obra original, Presente, realizada no primeiro dia da

exposição, acabou por ser roubada durante essa exibição, todavia Man Ray voltou a criar

aquele que tinha sido o primeiro objeto dadaísta em França319. Temos informações que

confirmam a existência de, pelo menos, três versões diferentes desse mesmo objeto

dadaísta, concebidas pelo artista entre 1958 e 1974 – [Fig. 93, 94 e 95]. Porém, cada uma

dessas versões também foi reproduzida, integrando hoje coleções de diversos museus

internacionais320.

318 JANUS – Man Ray. Lisboa : Instituto Português de Museus, 2000, p .65. 319 Ibid. 320 Podemos encontrar reproduções dessas três versões, nos seguintes museus: Tate Modern, em Londres;

Museum Boijmans Van Beuningen’s, em Roterdão; Smithsonian American Art Museum, em Washington;

The Museum of Modern Art (MoMA), em Nova Iorque; e Philadelphia Museum of Art, em Filadélfia. –

ver imagens no anexo: Ficha Técnica: Presente – Man Ray.

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No que diz respeito ao movimento Surrealista, importa começar por reforçar a ideia

de que é “inexacto e cronologicamente abusivo apresentar o surrealismo como um

movimento saído do Dadá ou ver nele uma espécie de reorientação de Dadá no plano

construtivo […] textos surrealistas e textos Dadá alternarão continuamente”321. O termo

Surrealismo surgiu em Paris, em 1917, tendo sido referido pela primeira vez pelo escritor

Guillaume Apollinaire (1880-1918), com a intenção de se referir à verdade existente para

além do realismo, sur-realismo322. Todavia, o entendimento que temos hoje sobre a

palavra Surrealismo apareceu no dia 1 de dezembro de 1924, quando André Breton e

Philippe Soupault (1897-1990) publicaram o Manifesto Surrealista, no qual o

introduziram como designação de um novo movimento artístico e literário323. O facto

deste movimento ter sido impulsionado pelo escritor Breton, fez com que, inicialmente,

se direcionasse mais para a expressão literária. Só um ano mais tarde, em 1925, é que

Breton escreveu Surrealismo e Pintura, sendo essa a primeira referência no âmbito

artístico324. Em 1930, Breton publicou o segundo Manifesto Surrealista, no qual fez

referência às dificuldades sentidas pelo movimento e respetivos membros, desde a

primeira publicação. Mas, ainda assim, manteve o apelo inicial, defendendo o lado

irracional, inconsciente e espontâneo, pois segundo ele, só assim seria possível alcançar

o “[…] caminho para um mundo mental de possibilidades ilimitadas”325

A nível artístico, o Surrealismo pretendia alcançar um mundo novo, no qual devia

prevalecer de forma natural o espírito inconsciente. Para isso, era preciso que os artistas

procurassem “a comunicação com o irracional e o ilógico, desorientando e reorientando

deliberadamente o consciente através do inconsciente”326. Era necessário encontrar

espaços nos quais a razão não presidisse, de modo a promover situações como: a loucura,

a insónia, alucinações induzidas por drogas, e até mesmo a exploração da infância, por se

tratarem de estados de espirito que permitiam ao artista libertar-se da “civilização” e

321 BRETON, André – Op. Cit., p. 66. 322 Guillaume Apollinaire usou o termo surrealismo “para descrever dois movimentos de inovação artística.

O primeiro dos quais foi o ballet de Jean Cocteau, Parade, que tinha partitura de Eric Satie e reposteiro e

guarda-roupa de Pablo Picasso. […] O segundo movimento foi a própria peça de Apollinaire, Les Mamelles

de Tirésias, cujo subtítulo era «um drama Surrealista».” – BRADLEY, Fiona – Op. Cit., p. 6. 323 No Manifesto Surrealista, André Breton definiu surrealismo: “«Defino pois [este termo] de uma vez

por todas: Surrealismo, s. m. Automatismo psíquico puro através do qual se propõe exprimir, quer

verbalmente, quer por escrito, quer de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento»” –

BERNARD, Edina – A arte moderna : 1905-1945. Lisboa : Edições 70, 2000, p. 92-93. 324 BRADLEY, Fiona – Op. Cit., p. 6-7. 325 Ibid., p. 10. 326 Ibid., p. 9.

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aproximar-se dos seus instintos naturais327. Os frutos deste movimento surgiram no início

da década de 1930, quando os artistas surrealistas começaram a apresentar os primeiros

objetos surrealistas, aos quais dedicaram a sua produção artística328. Esses objetos

exigiram, na sua maioria, maior esforço a nível criativo do que técnico, ou seja, o mais

complicado na sua conceção estava relacionado com a ideia que lhe tinha dado origem, e

não tanto com a sua concretização propriamente dita, pois essa não implicava grandes

dificuldades. Esse esforço criativo, foi o principal motor de interesse por parte dos artistas

que faziam parte do grupo surrealista e de todos aqueles que se sentiram atraídos para

integrar esse movimento329.

À semelhança do que já tivemos oportunidade de analisar na obra Presente, também

os objetos surrealistas refletiram o interesse dos artistas por destruir “qualquer tipo de

vinculação, casual ou funcional”330. Importa ressalvar que o Surrealismo não foi um estilo

e, nesse sentido, foram infinitas e peculiares as formas que ele foi capaz de adotar. Por

essa razão, é difícil definir uma linguagem exata deste movimento, no entanto existem

alguns aspetos que são comuns à maioria dos objetos surrealistas. Os artistas

conservavam e tiravam proveito das qualidades formais dos objetos de que se

apropriavam, contudo, posteriormente, provocavam-lhes algumas alterações, que os

tornavam impossíveis e disfuncionais. Essas modificações faziam com que os objetos

perdessem as características que os definiam como utilitários, porém as restantes

propriedades eram preservadas, para que fossem associados á sua realidade operativa

anterior, a fim de provocar no observador “um grau de perturbação psíquica dificilmente

igualável”331. Em síntese, os artistas mantinham e aproveitavam-se das propriedades

materiais ou das qualidades formais dos objetos de que se apropriavam, para que assim

conseguissem conferir às obras a sua identidade original, com o objetivo de causarem um

efeito, ainda mais, destabilizador no espectador.

“O surrealismo põe em evidência as pulsões como funções organizadoras do

mundo e redefine a obra de arte como a revelação e o lugar de uma eterna

ruptura, de um indefinido, de uma instabilidade, à qual apenas a ilusão da arte

assegura, nesta época agitada, uma certa continuidade”332

327 Ibid. 328 SPIES, Werner – Op. Cit., p. 54. 329 BRADLEY, Fiona – Op. Cit., p. 43. 330 GARCÍA LLEDÓ, Guillermo – Op. Cit., p. 408. 331 “un grado de perturbación psíquica difícilmente igualable.” [Tradução Livre] – Ibid., p. 412. 332 BERNARD, Edina – Op. Cit., p. 95.

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Nesse sentido, consideramos que seja oportuno apresentar dois estudos de casos,

um referente ao contexto artístico internacional e outro nacional. Começaremos por

analisar um dos primeiros objetos surrealistas que faz parte da obra de Meret Oppenheim

(1913-1985) e, em seguida, observaremos o modo como o surrealismo influenciou a

produção artística de Artur do Cruzeiro Seixas (1920-).

Meret Oppenheim nasceu em 1913 e viveu, até completar 18 anos, na Suiça e no

sul da Alemanha, quando em 1932 partiu para Paris, com a ambição de ser reconhecida

pelo seu trabalho artístico. Ainda que se tenha matriculado na Académie de la Grande

Chaumière, a artista preferiu trabalhar de forma autónoma. No ano que se seguiu à sua

chegada a Paris, deu a conhecer o seu estúdio a Alberto Giacometti (1901-1966) e a Jean

Arp (1886-1966), que não tardaram em apresentá-la ao círculo de artistas surrealistas.

Integrada no núcleo surrealista, Meret Oppenheim concebeu as suas primeiras obras, que

partilharam os ideais desse movimento, ao qual a artista nunca mais conseguiu deixar de

estar associada333.

A obra que pretendemos analisar faz parte do conjunto dos primeiros objetos

surrealistas da artista, intitulado Pequeno-Almoço em Pele – [Fig. 96], foi criado em

1936, após um encontro entre Oppenheim, Pablo Picasso e Dona Maar (1907-1997), no

Café de Flore, em Paris. Atualmente, conta-se a história de que durante esse convívio

Picasso, depois de ter observado a pulseira em pele de Oppenheim, comentou que a pele

podia revestir qualquer coisa, pensamento que também foi partilhado pela artista334.

“Pouco depois, quando André Breton a convidou para a exposição de objetos

surrealistas na Galerie Charles Ratton, ela lembrou-se da conversa e, sem

mais nenhuma razão, comprou uma grande chávena e um pires com colher,

do departamento parisiense, Uniprix, e forrou os três objetos com a pele de

uma gazela chinesa”335.

A primeira exibição da obra Pequeno-Almoço em Pele aconteceu no mesmo ano da sua

conceção, em 1936, na Galerie Charles Ratton, em Paris. Nesse ano, o objeto surrealista

também fez parte da Exposição «Fantastic Art Dada, Surrealism», que decorreu de

333 GROSENICK, Uta – Women artists : mulheres artistas nos séculos XX e XXI. Köln : Taschen, 2005,

p. 261. 334 Ibid., p. 256. 335 “Shortly afterwards, when André Breton invited her to contribute to the exhibition of Surrealist objects

at the Galerie Charles Ratton, she recalled the conversation and, without further ado, bought a large cup

and saucer with spoon at the Parisian department store, Uniprix, and lined the three objects with the fur of

a Chinese gazelle.” [Tradução Livre] – SCHELBERT, Catherine – Meret Oppenheim. Zurich : Parkett

Publishers, 1989, p, 39.

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dezembro de 1936 a janeiro de 1937, no Museum of Modern Art, em Nova Iorque336. Na

época, o diretor do Museu, Alfred Barr (1902-1981) acabou por adquirir a obra, que só

um ano mais tarde, em 1938, foi intitulada Pequeno-Almoço em Pele, por André

Breton337.

Esta obra conserva as caraterísticas formais de um conjunto de chá, a chávena, o

pires e respetiva colher, no entanto a artista apresentou esses objetos revestidos em pele

de gazela, material esse que não poderia ser mais contraditório em relação ao do objeto

original, que seria porcelana. Desse modo, Oppenheim jogou com os sentidos do

espectador, com o tacto e com o paladar, mas também com a sua memória, ao confrontá-

lo com uma situação desastrosa, contrária à que seria de esperar338. Vários autores

também fazem referência a um outro aspeto desta obra, que a entendem como um objeto

fetiche, de caráter ambíguo, de “desejo e desconfiança quando o observador se imagina a

usá-la, levando a chávena aos lábios”339. Pequeno-Almoço em Pele integra a coleção do

Museum of Morden Art, em Nova Iorque, desde 1937.

Quando tentamos enquadrar o Surrealismo em Portugal, devemos ter bem presente

o desfasamento temporal existente entre contexto artístico nacional e internacional. Hoje,

considera-se que António Pedro (1909-1966), poeta e pintor, tenha sido o pioneiro do

Surrealismo em Portugal, depois de ter estado em Paris, em 1935, onde teve a hipótese

de estabelecer contacto com alguns dos principais artistas que criaram e desenvolveram

esse movimento. Quando António Pedro regressou a Portugal, depois da sua estadia na

capital artística europeia, trouxe consigo os ideais vanguardistas surrealistas340.

Cruzeiro Seixas nasceu na Amadora, em 1920, e aos 30 anos, atraído por África,

decidiu alistar-se na Marina Mercante, tendo tido a oportunidade de realizar diversas

336 Informação retirada de um document disponibilizado pelo Museum of Morden Art, de Nova Iorque:

“The Museum of Modern Art, 11 West 53 Street, announces that its Exhibition of Fantastic Art, Dada and

Surrealism will be postponed from December 2, which was the scheduled opening date, to December 9,

when it will open to the public. The public opening will be preceded by a private opening and reception

given by the Trustees to members of the Museum on Tuesday evening, December 8.

The opening of the exhibition has had to be delayed one week because of the great number and variety of

the art and objects to be shown, many of which were late in arriving at the Museum. The four floors of the

Museum will be devoted to the exhibition which will include some 700 objects. More than 157 artists from

the United States and many countries of Europe will be represented. The earliest date of any object to be

shown will be c.1450; the latest, 1936.” – Museum of Modern Art – Exhibition of Fantastic Art, Dada and

Surrealism [Em linha]. 337 GROSENICK, Uta – Op. Cit., p. 256. 338 GARCÍA LLEDÓ, Guillermo – Op. Cit., p. 412-413. 339 BRADLEY, Fiona – Op. Cit., p. 44. 340 FRANÇA, José Augusto - Surrealismo em Portugal, 1949. In «III Bienal de Arte

AIP'98». Porto, 1998, p. 13.

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viagem ao Extremo Oriente e à Índia. Residiu em Angola desde 1952 até 1964, quando

se viu forçado a abandonar o país e a regressar à Europa, devido ao clima de instabilidade

e à guerra colonialista341. O contacto que manteve com múltiplas culturas, durante as

viagens que concretizou ao longo da vida, foi relevante para a sua vida pessoal, mas

também para o seu percurso artístico. Sobre o Surrealismo, Cruzeiro Seixas confessou ter

sido um movimento que teve “o saber ou a sorte de não cair na moda como aconteceu

com algumas filosofias dos últimos 50 anos, que com isso perderam uma parte substâncial

da sua força […]”342. Ainda que Cruzeiro Seixas tenha dedicado grande parte da sua

produção artística ao desenho, à pintura, e à poesia, também criou alguns objetos, que

seguiram diretrizes próximas dos objetos surrealistas do contexto internacional. Exemplo

disso é a obra que pretendemos apresentar, que foi concebida pelo artista em 1980,

intitulada Mão – [Fig. 98], e que hoje integra a Coleção Moderna do Museu Calouste

Gulbenkian, em Lisboa.

Para a concretização deste objeto, Mão, o artista necessitou de apropriar-se de uma

luva de cabedal e cinco pontas de aparo. Em seguida, agregou-as à luva e inseriu-a dentro

de uma caixa de vidro. O primeiro aspeto que devemos ter em conta nesta obra está

relacionado com as alterações que o artista provocou nos objetos de que se apropriou, ou

seja, à semelhança da obra Presente, também Cruzeiro Seixas conservou as propriedades

formais dos objetos. No entanto, a união entre os objetos faz com que todos eles percam

a sua utilidade original e, consequentemente, o seu significado. Desta forma, o artista foi

capaz de direcionar o espectador ao confronto com um objeto que não é aquilo que é, ou

pelo menos aquilo que manifesta ser no primeiro instante. Inicialmente, o observador

pensa estar diante de uma mão, representada pela luva, todavia essa imagem sofre uma

grande transformação no momento em que se apercebe das extremidades afiadas nas

pontas dos dedos. A mão humana metamorfoseia-se na pata de um réptil, devido à textura

do cabedal e às pontas dos aparos, que, visualmente, teimam em converter-se em garras.

A outra leitura que entendemos ser possível fazer desta obra, deve-se ao facto de Cruzeiro

Seixas também ter dedicado parte da sua vida à poesia, o que nos permite estabelecer

ligação com a escolha dos aparos, relacionados não só com desenho, mas também com a

341 SAIAL, Joaquim – In principio : exposição colectiva de pintura e escultura. Palmela : Santiago Galeria

de Arte, 1997, p. 14. 342 Ibid., p. 15.

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escrita. Nesse sentido, estaríamos diante de uma mão que escreve ao ritmo dos cinco

aparos, e que foi sacralizada ao ser colocada dentro de uma caixa de vidro.

Terminada a análise do objeto surrealista pertencente ao artista Cruzeiro Seixas,

consideramos que seja oportuno retomar à perspetiva que apresentámos no começo deste

capítulo, que defendia a existência de dois tipos de construção. Como já fora referido,

entendemos que a collage esteve na origem dos dois modos de gerar a própria construção

escultórica, e que foi a partir dos baixos-relevos de Picasso, que vários artistas criaram e

desenvolveram diferentes formas de pensar e conceber as suas obras. Até então, temos

vindo a abordar o primeiro modo de construir, que se centrou nas potencialidades dos

materiais e objetos, que os artistas tiveram necessidade de se socorrer para a construção

das suas esculturas, através do processo de apropriação e assemblage. Por sua vez, o ato

de apropriação cativou o interesse artístico pelos objetos, abrindo caminho para os ready-

mades de Duchamp e, simultaneamente, para os objetos dadaístas e surrealistas. Neste

sentido, é possível encontrar uma linha comum, capaz de relacionar todas essas obras,

que embora à primeira não nos pareçam ter sido concebidas a partir dos princípios

tradicionais da construção, ainda assim, são reveladoras de um modo de construir, que

teve como foco os materiais, mas também os objetos e o seu significado.

3.3 – Vanguarda Russa, Construtivistas, De Stijl e Bauhaus

O outro modo de construir que pretendemos abordar foi, inicialmente, explorado

pela vanguarda russa e, mais tarde, desenvolvido pelos artistas construtivistas. Esses,

posteriormente, foram responsáveis por difundir o Construtivismo na Europa, tornando-

o num movimento internacional. Importa ressalvar que os princípios defendidos pela

vanguarda russa, não foram os mesmos que os construtivistas russos apresentaram no

Manifesto Realista, uma vez que essa publicação deu voz ao descontentamento dos

construtivistas em relação aos movimentos artísticos europeus, o Cubismo e Futurismo,

e também em oposição aos ideais defendidos por alguns artistas da vanguarda russa.

Embora tenham havido algumas variações dentro das produções artísticas russas,

interessa que tenhamos em atenção que esses artistas foram, na sua maioria, influenciados

pelos movimentos artísticos europeus. Dessa forma, partilhamos de uma perspetiva que

encontra na collage, mais precisamente nos relevos de Picasso, a origem de um novo

modo de construir.

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Importa começar por investigar o contexto social e político vivido em Moscovo,

para que compreendamos melhor o meio em que se desenvolveram as produções artísticas

da vanguarda russa. Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a Rússia viu-se

forçada a fechar-se em si mesma e ao contrário do que aconteceu noutros países, cujos

progressos nas produções artísticas foram fortemente afetados, a vanguarda russa reagiu

e revelou, durante esse período, um intenso desenvolvimento da prática artística343.

Moscovo começou a adquirir maior destaque e influência a nível das evoluções artísticas,

que, até então, estavam centradas e confinadas à capital parisiense. A quebra de contacto

entre esses dois centros artísticos, fez com que emergissem, na capital da Rússia, novos

paradigmas e estratégias, desancoradas do que era concebido em Paris344. Os artistas

russos pretendiam manifestar o seu interesse e posição em relação às alterações políticas

e sociais causadas pela Guerra e pela Revolução de 17 de outubro de 1917. De certo

modo, a Revolução também contribuiu para o progresso da vanguarda, uma vez que os

artistas tiveram a possibilidade de se verem livres das convenções tradicionais e partir

rumo à industrialização. Queriam que a arte saísse à rua, deixasse de estar condicionada

ao espaço dos museus, para que assim se pudesse dessacralizar. Dessa forma, pretendiam

que a arte entrasse dentro da vida da sociedade, mas para isso era necessário que a obra

de arte deixasse de ser vista e entendida como algo sagrado, conceito trazido pelos valores

tradicionais da arte345.

Os artistas da vanguarda russa tiveram interesse em conhecer os movimentos que

dominam a arte na Europa Ocidental, e a partir da sua influência iniciaram um percurso

autónomo e independente. Desde 1910, que circulava dentro das vanguardas artísticas de

Moscovo o Manifesto Futurista, que tinha sido traduzido para russo, para que assim

pudessem ter conhecimento dos princípios defendidos pelos movimentos europeus, neste

caso, pelo Futurismo e pelo Cubismo346. A influência das vanguardas europeias não pode

ser negada, ainda que os artistas russos tenham seguido diferentes direções, em função

dos seus ideais culturais, esses mantiveram o mesmo espírito inquieto e a mesma carência

de experimentação que os artistas europeus347. Nesse sentido, julgamos que tenha

343 BERNARD, Edina – Op. Cit., p. 61. 344 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 445. 345 BERNARD, Edina – Op. Cit., p. 65-69. 346 KRAUSS, Rosalind E. – Op. Cit., p. 65. 347 A Vanguarda Russa surgiu envolvida no processo de caráter revolucionário político e social da época,

que deu origem a diferentes atitudes e perspetivas artísticas, que expressaram o seu desagrado em relação

ao academismo e caminharam rumo à racionalidade formal, à experimentação. – CEIA, Aurelindo Jaime –

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interesse analisar a produção escultórica de Vladimir Tatlin (1885-1953), uma vez que

esse foi um dos artistas que fez parte da vanguarda russa, e que desenvolveu a sua obra a

partir dos relevos de Picasso. Dessa forma, exemplifica o modo como os artistas russos

partiram dos movimentos artísticos europeus, rumo a um novo modo de pensar e construir

a escultura.

Vladimir Tatlin não dedicou a sua produção artística apenas à escultura, mas

também se interessou pela pintura e pela arquitetura, no entanto importa observar o forte

contributo que deu para o início da escultura moderna russa. Estima-se que só depois de

Tatlin ter viajado para Paris, no final de 1913, e ter tido a oportunidade de conhecer e

presenciar a produção artística de Picasso e Braque, em fevereiro de 1914, é que decidiu

dedicar-se à construção de relevos348. Quando voltou para a Rússia começou a realizar

uma série de contra-relevos349, desenvolvidos “directamente a partir da faktura (uma

palavra-chave no modernismo russo) dos materiais, das suas linguagens vivas e

características específicas como cor, brilho, estrutura, peso, consistência e

elasticidade”350. Tatlin foi responsável por formular a teoria que defendia o “cultivo dos

materiais”, ou seja, as propriedades naturais dos materiais deviam ser tidas em conta, e

devia ser em função delas que os artistas deveriam criar a forma e o poder expressivo das

obras de arte. Segundo esta teoria, a escolha dos materiais e a sua utilização, devia estar

condicionada pela verdadeira natureza do material, de acordo com as suas propriedades,

características texturais e estruturais, cor, aparência e relação entre todos esses aspetos351.

Em fevereiro de 1915, Tatlin apresentou pela primeira vez os seus contra-relevos

na exposição futurista intitulada Tramway V, em Patrogrado. Nessas suas obras, revelou

o abandono da figuração, que deu lugar à exploração da representação do espaço real, a

partir de materiais, também eles reais, em estado bruto. “O espaço tornou-se o elemento

construtivo das suas primeiras esculturas abstratas”, que se emanciparam do

enquadramento comum dos relevos, para se tornarem contra-relevos de canto, suspensos

O desenho gráfico e as vanguardas russas. In. «As artes visuais e as outras artes». Lisboa : Faculdade de

Belas Artes da univerdidade de Lisboa, 2007, p. 181-184. 348 KRAUSS, Rosalind E. – Op. Cit., p. 66. 349 “Revelo resultante do processo de assemblage de elementos simples em materiais diferentes (madeira,

ferro, chapa de estanho) frequentemente, suspenso no canto de uma sala e que dá impressão de estar a voar

livremente no espaço (Tatlin).” [Tradução Livre] – BAUDRY, Marie Thérèse – Op. Cit., p. 539. 350 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 446. 351 MARTÍN, Rosmary Enrich – Conceptos fundamentales del espacio escultorico. [Bilbao] : [s.n.], [1995],

p. 362.

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no espaço352. As obras Contra-relevo353 (1914-1915) – [Fig. 98] e Relevo de Canto

Complexo354 (1915) – [Fig. 99], exemplificam o modo como o Tatlin entendeu o espaço

e tirou proveito dele. Ao contrário da Guitarra de Picasso, os contra-relevos do artista

russo não se restringiram a um espaço, ao invés disso, deslocaram-se nele e atravessaram-

no, “não puxam o espaço para si, mas dependem dele. Eles não unem o espaço a nenhum

eixo imaginário, mas usam-no como é”355. Outro aspeto que também devemos observar

nesta obra está relacionado com a forma como Tatlin compôs o relevo, em função das

potencialidades e carências estruturais dos materiais que utilizou na sua construção,

através do processo de assemblage356.

Se por um lado Vladimir Tatlin tinha defendido uma perspetiva que defendia as

qualidades estruturais dos materiais e do espaço real, Naum Gabo (1880-1977) opôs-se a

essa conceção, e em resposta redigiu, com o seu irmão Antoine Pevsner (1884-1962), o

Manifesto Realista357. Este foi publicado no dia 5 de agosto de 1920358, em Moscovo, no

qual ambos os artistas demonstraram o seu desagrado em relação ao construtivismo de

Tatlin, bem como também expressaram as suas inquietações relativamente ao Cubismo e

Futurismo, que descreveram como tendo sido dois movimentos que ficaram aquém do

que seria de esperar. Acusaram o Futurismo de ter assente as suas bases em frases

revolucionárias, que não levavam a lado nenhum, enquanto o Cubismo não tinha sido

capaz de ultrapassar o sentido decorativo da arte do passado, importando-se apenas com

“a superfície da arte sem atingir a sua base (profundidade)”359. Segundo Gabo, os cubistas

tinham deixado um enorme rasto de destruição, pois tinham “posto por terra” todos os

princípios tradicionais em que a arte se assentava e, por isso, era necessário refletir e

encontrar um novo caminho, “fomos obrigados a recomeçar do nada”360. Era preciso que

os artistas procurassem novas bases para que se conseguisse construir uma arte nova,

352 BERNARD, Edina – Op. Cit., p. 62-63. 353 Contra-relevo integra a coleção do State Russian Museum, em São Petersburgo. 354 Relevo de Canto pertence à coleção do Annely Juda Fine Art, em Londres. 355 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 447. 356 KRAUSS, Rosalind E. – Op. Cit., p. 70. 357 KRAUSS, Rosalind E. – Ibid., p. 70-71. 358 O Manifesto Realista foi publicado pela tipografia do Estado de Moscovo, que pensou tratar-se de um

elogio ao realismo. Sobre o título do manifesto, Gabo e Pevsner explicaram que “espaço e tempo são as

únicas formas em que a vida se constrói e, portanto, a arte deve também ser construída desta forma...

Sabemos que cada coisa tem a sua qualidade específica: cadeira, mesa, candeeiro, telefone, livro, casa,

pessoa... são mundos completos com os seus ritmos próprios, as suas próprias órbitas. É por isso que ao

criarmos, retiramos... tudo o que é acidental e local e deixamos apenas a realidade do ritmo constante das

forças como são.” – RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 451-452. 359 Fundação Calouste Gulbenkian – Naum Gabo. [Lisboa] : F.C.G, 1972, p. 29. 360 Ibid., p. 37.

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porque o caminho da revolução como um estado permanente não levava a lugar algum.

Gabo entendeu que a revolução poderia ser boa, quando tinha um princípio, meio, fim e

objetivo, não pelo simples facto de abalar com conceitos tradicionais e causar o caos como

finalidade. Nesse sentido, o artista russo defendeu que as bases da arte, da construção,

deviam estar

“assentes em solo firme das verdadeiras leis da vida […] tudo é falso, apenas

é real a vida com as suas leias. E, na vida só aquele que atua é belo, forte e

sábio; só ele possui a verdade. Porque a vida ignora a beleza como padrão

estético […] A ação é a verdade mais elevada e mais segura.”361

Desta forma, conseguimos compreender o impacto que os movimentos europeus referidos

tiveram dentro do contexto artístico russo, pois ainda que os artistas russos não tenham

partilhado dos mesmos princípios e ideais, foi a partir deles que erigiram as bases do

Construtivismo Russo, como o nomeamos hoje.

Foi no Manifesto Realista que Gabo revelou que “a estrutura da obra, seus objetos,

bem como suas teorias estéticas”362, e esclareceu que a realização das esculturas

construtivistas363 deveria implicar o uso de planos lisos e simples. Desse modo, foi criado

um novo vocabulário, que deu origem a uma nova linguagem, na qual prevaleceu: a linha,

o ponto, o volume, a luz, a cor, o espaço e o conhecimento das características da matéria

utilizada. O Construtivismo não alterou apenas o modo de fazer a escultura, neste caso,

de a construir, mas também a forma de a pensar, uma vez que houve a passagem do ato

compositivo para o ato construtivo. Se anteriormente, o artista pretendia representar uma

determinada identidade, na realidade concreta, a partir de então a sua preocupação passou

a estar centrada nas qualidades dos materiais, nas relações entre os seus elementos (o

espaço, a linha, o plano…) e ainda, na ligação da obra com o espaço circundante. Também

interessa refletir sobre o próprio processo construtivo, no que diz respeito à dependência

dos elementos que construem a obra364. Ou seja, se no ato de compor podiam ser

subtraídas ou transformadas formas que integrassem a obra, sem que o seu sentido fosse

361 Ibid., p. 30. 362 KRAUSS, Rosalind E. – Op. Cit., p. 72. 363 “[…] embora o termo construtivismo fosse, no início dos anos 20, o título adotado pelos colegas e

partidários de Tatlin para descrever seu programa, e não o de Gabo. […] O fato de as obras de Gabo e seu

irmão Antoine Pevsner serem depositarias desse título deve-se à emigração de ambos da Rússia pós-

revolucionária para a Alemanha (Gabo) e a França (Pevsner), onde o trabalho deles passou a aparecer

logicamente ligado a uma posição estética segundo a qual a construção do objeto deveria apontar em direção

a uma geometria imediata e legível.” – KRAUSS, Rosalind E. – Ibid., p. 71. 364 MARTÍN, Rosmary Enrich – Op. Cit., p. 360-368.

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destruído, no caso do processo construtivo, “cada elemento só tem sentido em relação aos

restantes e não por si mesmo”365.

Nesse sentido, interessa observar duas esculturas figurativas que fazem parte da

produção artística de Gabo, a primeira intitulada Cabeça de Mulher – [Fig. 100], estima-

se que tenha sido realizada entre 1917 e 1920, a segunda designada Cabeça nº2 – [Fig.

101], concebida em 1916 e ampliada em 1964, contudo a imagem é referente a uma versão

ampliada que data de 1964366. Estas duas obras espelham o princípio construtivo, que o

artista denominou por estereometria, nas quais é possível observar o volume que,

geralmente, não é visível. Isso acontece devido ao jogo de planos vindos do interior da

forma, que dão informações ao observador que não estariam ao seu dispor se o volume

fosse compacto367. Nestas obras, Gabo apresentou ao espectador “uma síntese de todos

os pontos de vista isolados”368, que ele teria oportunidade de observar caso circulasse em

torno da obra369. Para além disso, o modo como Gabo compôs e contruiu cada uma das

esculturas, revela a sua recusa em relação à ideia de volume associada à massa, ou seja,

ele defendia que a massa não conferia volume às obras, apenas peso. O próprio fez

questão de mencionar no Manifesto Realista que “com quatro planos conseguimos obter

o mesmo volume do que com uma massa de cem quilos”370.

Em meados de 1921 e 1922, o Construtivismo iniciado na Rússia, começou a

expandir-se, e tornou-se num movimento internacional, com as mais diversas variações e

vertentes. Na origem da expansão pode ter estado a emigração de muitos artistas, devido

à pressão política vivida em Moscovo, como foi o caso dos irmãos Gabo e Pevsner. Outro

aspeto que também pode ter facilitado a difusão do construtivismo, deveu-se à nova

política económica que permitiu a abertura da União Soviética ao ocidente e assim a

divulgação artística que, até então, tinha estado muito condicionada371. Sobre Gabo e seu

irmão, sabemos que ambos partiram para a Europa, o primeiro para a Alemanha e o outro

para França. No entanto, essa deslocação não os impediu de continuarem a explorar as

365 Ibid., p. 368. 366 A obra a Cabeça de Mulher faz parte da coleção do Museum of Modern Art, em Nova Iorque; e a Cabeça

nº2 pertence ao espólio do Tate Modern, em Londres. 367 KRAUSS, Rosalind E. – Op. Cit., p. 72. 368 Ibid., p 74. 369 “A estratégia deles consiste, repetidamente, em construir o objeto a partir do que se afigura como um

núcleo gerador. Sua insistência na simetria, promovida pelo uso desse núcleo, dá origem à sensação de que

o observador estacionário pode apreender a obra inteira em uma percepção única, conceitualmente

expandida.” – Ibid., p. 83. 370 Fundação Calouste Gulbenkian – Op. Cit., p. 31. 371 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 451.

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potencialidades da escultura construtivista, tendo as suas produções artísticas contribuído

para algumas repercussões na Europa Ocidental, no início dos anos 20372. Contudo,

importa que não nos esqueçamos do contexto social e político em que o construtivismo

surgiu e se desenvolveu em Moscovo, o que deu a esse movimento contornos específicos,

associados ao compromisso social dos artistas em dar resposta às carências da Revolução

política, vivida na época. O construtivismo ao ser transportado para a Europa ocidental,

perdeu o contexto em que se tivera desenvolvido, inicialmente, dando origem a diversas

interpretações artísticas, de acordo com as necessidades sentidas nos meios em que se

desenvolveu. “Em termos formais, o construtivismo procurava princípios universalmente

aplicáveis, uma chave-mestra que podia variar da imagem para a escultura, para o design

e para a construção”373.

Neste sentido, surgiram vários movimentos artísticos um pouco por toda a Europa,

dos quais nos interessa fazer uma breve referência apenas a dois deles: De Stijl e Bauhaus.

O movimento De Stijl surgiu na Holanda, em 1917, fundado pelos pintores Piet Mondrian

(1872-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931), e ainda pelo arquiteto Gerrit Rietveld

(1888-1964). Este movimento distanciou-se dos ideais defendidos pelos construtivistas

russos, pois ainda que tenha partilhado de uma linguagem também ela abstrata, os artistas

De Stijl tinham uma missão literalmente espiritual. Procuraram criar “ambientes totais e

tão perfeitos que consubstanciavam uma ideia de harmonia universal”374.

Por sua vez, a Bauhaus foi fruto da época revolucionária que se vivia na Alemanha,

e um pouco por toda a Europa, no começo do século XX. Após a Primeira Guerra

Mundial, predominava na Alemanha uma atitude que procurava a renovação social e

política. Os alemães acreditavam que o antigo mundo burguês da industrialização e do

militarismo tinha-se aniquilado a si mesmo, com as suas contradições internas e com a

guerra entre as nações. Apelava-se ao fim do que era antigo e à criação de algo novo,

finalmente, parecia ser possível construir um futuro melhor375. O meio artístico partilhava

do mesmo sentimento, o que conduziu os artistas a questionar e a confrontar as

pedagogias artísticas. Procurava-se a renovação não só social, mas também a nível da

filosofia e da cultura. Nesse sentido, surgiram diversos projetos, destinados à reforma da

produção e do ensino artístico, que ambicionavam unir a arte e a vida. Pretendia-se

372 KRAUSS, Rosalind E. – Op. Cit., p. 77. 373 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 451. 374 JANSON, H. W. – Op. Cit., p. 1035. 375 FIEDLER, Jeannine ; FEIERABEND, Peter – Bauhaus. Colonia : Könemann, 2000, p. 14.

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eliminar a separação existente entre as belas-artes e as artes aplicadas. Para isso,

começaram-se a elaborar planos que visavam a eliminação das escolas de belas-artes ou

vinculá-las às escolas de artes e ofícios376.

A Bauhaus foi buscar muitas das suas raízes ao movimento Arts and Crafts377,

fundada em 1919 com o lema “arte e artesanato: uma nova unidade”378, pensamento que

não assentava, necessariamente, no signo da cultural industrial. Posteriormente, em 1923,

Walter Gropius (1883-1969) altera o conceito da Bauhaus para “arte e técnica: uma nova

unidade” 379 o que provocou uma viragem na orientação da instituição, passando de um

fundamento artesanal para um fundamento técnico, no entanto essa continuou a ser um

centro de cultura comunitária artística e espiritual, apesar dos princípios de criação terem

sofrido algumas mudanças técnicas380. Importa também referir que a Bauhaus não deu

grande importância à escultura, ainda que fizesse parte do curso básico. No qual se

realizavam exercícios centrados nas qualidades estruturais e formais dos materiais, com

o objetivo de “incrementar o sentido do tacto e a consciência do espaço”381. Os alunos

estudavam as potencialidades dos materiais, as suas conjugações e modos de composição,

todavia não passava de estados, meramente, experimentais, que não contribuíam, de

forma relevante, para o desenvolvimento da escultura.

A instituição fechou portas em 1933, contudo os seus fundamentos educacionais e

pedagógicos sobreviveram ao encerramento da mesma, e proliferaram-se com a mesma

energia um pouco por toda a Europa e também pelos Estados Unidos e Palestina382. Da

Bauhaus saíram poucos artistas que, posteriormente, se dedicaram à escultura. Nesse

sentido, interessa fazer referência a László Moholy-Nagy (1895-1946), pois para além de

ter sido docente dessa instituição, na qual teve a oportunidade de ensinar os princípios

construtivistas, por si seguidos e defendidos, também foi considerado o primeiro artista

376 Ibid. 377 A substituição do trabalho artesanal pela técnica da maquinaria moderna pôs fim à atividade individual

ligada aos aspetos culturais e sociais, dando indícios das crescentes contradições sociais internas. Com o

proletariado industrial em auge, juntamente com o fenómeno de massas, estavam criadas circunstâncias

que ameaçavam os desejos individuais dos cidadãos. Era necessária uma renovação e reestruturação

artesanal da arte do modernismo como orientação estética alternativa. Estes ideais conduziram ao

movimento Arts and Crafts do empresário William Morris (1834-1896), que ambicionada conservar o valor

do trabalho humano individualizado num pequeno setor da cultura da decoração e do estilo de vida. – Ibid.,

p. 15. 378 Ibid., p. 80. 379 Ibid., p. 21. 380 Ibid. 381 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 454. 382 FIEDLER, Jeannine ; FEIERABEND, Peter – Op. Cit., p. 9.

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multimédia moderno. Trabalhou o design, a tipografia, a fotografia, o filme, o design de

palco, a teoria, e também explorou as potencialidades da luz como meio de conceber a

escultura. “O seu espírito comunicativo alargou o conceito de escultura para incluir nele

o movimento e a abertura, reformulando a relação entre espaço, tempo, material e luz, e

emancipando o instrumento mecânico a ponto de ser arte”383. Exemplo disso é a sua obra,

intitulada Modulador de Espaço-Luz384 – [Fig. 102], realizada em 1930.

3.4 – Júlio González, Pablo Picasso, Soares Branco e Delfim Maya

Julio González nasceu em Barcelona, em 1876, no seio de uma família de ourives,

que possuía uma oficina de metalurgia, na qual trabalhou desde cedo. No começo do

século XX, mudou-se para Paris, juntamente com os seus familiares, cortando relações

com a sua cidade natal. Ao longo da vida, González trabalhou em vários sítios, e teve a

oportunidade de fazer parcerias com outros artistas da época, sendo a primeira com Pablo

Gargallo, com quem colaborou de 1903 a 1904. No final da década de 1910, enquanto

trabalhava na fábrica de automóveis Renault, o artista descobriu a técnica de soldagem

autógena. Então, em 1918, decidiu aprender a técnica industrial de soldadura na oficina

de caldeiraria da companhia La Soudure Autogène Française de Boulogne-sur-Seine,

aprendizagem essa que foi essencial para o desenvolvimento da sua produção escultórica

no decorrer do seu percurso artístico. Nesse sentido, González abandonou a pintura

durante os anos 20, para se dedicar por completo à escultura em ferro, libertando-se da

influência cubista e caminhando rumo à abstração. A década de 1930 foi o período central

da produção escultórica do catalão, que teve a possibilidade de ver as suas obras serem

reconhecidas e difundidas. Foi nesse período que González partilhou ateliê com Picasso,

que lhe pediu que o ajudasse e lhe ensinasse a técnica da soldadura385. Devemos ter

presente que não foi apenas Picasso que beneficiou da parceria com o escultor catalão,

pois ele foi responsável por mostrar ao metalúrgico que a escultura em ferro também

podia ser arte, pois a arte não era um universo restrito à pintura386.

A produção escultórica de González começou por caracterizar-se pela redução e

destruição da massa espacial, que se refletiu em esculturas constituídas apenas por traços

383 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 454. 384 Temos conhecimento da existência de uma réplica que foi construída em 2006, com o consentimento da

filha do artista, Hattula Moholy-Nagy. Esta escultura integra, atualmente, a coleção Harvard Art Museums. 385 BONET, Juan Manuel – De Picasso a Dalí : as raízes da vanguarda espanhola, 1907-1936. Madrid :

[s.n.], 1998, p. 211. 386 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 469.

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e ângulos de metal, designadas por desenhos no espaço387. O investimento do artista na

simplificação formal dessas obras, fez com que as mesmas se aproximassem do conceito

de desenho no espaço, concebido por Picasso. Todavia, González enveredou pelo seu

próprio caminho, definido pelo seu interesse pela tradição do ferro repuxado (batido)388.

O desenvolvimento da sua obra abstrata fê-lo seguir tendências que valorizavam a massa

metalúrgica, devido à sua própria opacidade389.

Nesse sentido, interessa observar a escultura A Montserrat390 – [Fig. 103],

concebida por González em 1935, cuja designação remete para o nome da montanha que

existe em Barcelona, cidade natal do escultor. Nesta obra, o catalão pretendeu,

inicialmente, abordar o tema da maternidade, ao representar uma mulher camponesa de

pé, sobre uma caixa de madeira apropriada, numa pose militante. No entanto, após a

Guerra Civil Espanhola, acontecida entre em 1936 e 1939, esta escultura obteve um

significado de cariz político. A Montserrat foi construída a partir de pedaços de chapa de

ferro, que foram cortados, repuxados e, posteriormente, soldados uns aos outros. O modo

como González construiu esta obra refletiu a sua habilidade no manuseio dos metais e

respetiva técnica de soldadura, da qual foi pioneiro, quando empregue na escultura391.

Esta também exibe o interesse do escultor em relação a uma perspetiva escultórica mais

realista, que marcou as últimas esculturas realizadas por si, ao mesmo tempo que dava

continuidade à produção de obras abstratas. A Montserrat conserva uma estilização

formal, que se espelha na morfologia da figura e no tratamento das suas superfícies.

A partir de 1928, também Picasso começou a manifestar interesse em realizar

pequenas construções em arame, as quais foram nomeadas de desenhos no espaço, pelo

marchand Daniel-Henry Kahnweiler (1884-1979). Foi durante essa época, final da década

de 1920 e inícios de 1930, que o ferro e o aço se tornaram materiais de eleição dos artistas

vanguardistas. O ferro, mais arcaico do que o aço, era usado numa perspetiva intemporal

e pré-industrial, enquanto o aço, representava o espírito utópico da modernidade, de um

mundo cada vez mais avançado tecnologicamente. Estes materiais suscitaram a sua

própria linguagem e ainda que não tenham definido nenhum estilo em específico,

adequaram-se a várias possibilidades formais e contribuíram para uma nova abordagem

387 CAMÓN AZNAR, José – Picasso y el cubismo. Madrid : Espassa Calpe, 1956, p. 280. 388 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 471. 389 CAMÓN AZNAR, José – Op. Cit., p. 280. 390 Esta foi exposta pela primeira vez em 1937, na Exposição Universal de Paris, e hoje integra a coleção

do Stedelijk Museum Amsterdan. 391 Stedelijk Museum Amsterdam – La montserrat [Em linha].

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estética. Importa também referir que foram as qualidades formais do ferro e do aço, que

fizeram com que fossem utilizados como meios essenciais na materialização dos dois

principais temas desse período artístico. Ou seja, foram empregues na interpretação do

volume e do espaço, mas também permitiram e facilitaram o desenvolvimento da técnica

da collage e da assemblage392.

O aumento de escala das experiências em arame e o interesse pelas técnicas

metalúrgicas conduziram Picasso a procurar apoio técnico junto do seu amigo catalão,

Julio González, por quem tinha especial admiração, no que dizia respeito à sua habilidade

artesã. Após algumas visitas ao estúdio de González, ambos começaram a trabalhar juntos

no ateliê de Picasso, em Boisgeloup393. Dessa colaboração resultou uma série de figuras,

que revelam a evolução das construções em arame do escultor espanhol, que datam de

1929 e 1930. Exemplo disso é a escultura, intitulada Mulher no Jardim394 – [Fig. 104].

Nesta obra são visíveis as marcas de união entre as diferentes peças metálicas que o

escultor utilizou para a construir, manifestando dessa forma a ausência de acabamento

técnico aperfeiçoado, tal como tivera feito Rodin. Picasso não tentou “ocultar ou

dissimular a diversidade e variedade de técnicas, de tapar numerosas juntas e

soldaduras”395, sendo esse um dos aspetos que permite distinguir as suas construções das

obras concebidas por González, caracterizadas pela sua precisão técnica. Segundo Werner

Spies, a escultura Mulher no Jardim reúne alguns aspetos que a tornam equivalente à

figura representada na pintura A Dança, realizada em 1925. A representação dos corpos

abertos no espaço é comum às duas obras, contudo na construção essa característica foi

intensificada, restando apenas alguns detalhes formais que denunciam a presença de um

corpo feminino396.

A partir das duas últimas esculturas referidas, Mulher no Jardim e A Montserra, é

possível observar duas maneiras distintas de construir, através do mesmo procedimento

técnico, a soldagem397. Se por um lado Picasso explorou a morfologia de um corpo aberto

no espaço, composto por pedaços de metal soldados, que denunciam em pequenos

392 RUHRBERG, Karl – Op. Cit., p. 469. 393 SPIES, Werner – Op. Cit., p. 72. 394 Atualmente, esta obra faz parte da coleção do Musée Picasso, em Paris. 395 “ocultar o disimular la diversidad y variedad de las técnicas, de tapar las numerosas juntas y soldaduras.”

[Tradução Livre] – SPIES, Werner – Op. Cit., p. 74. 396 Ibid., p. 73. 397 Importa fazer referência ao escultor David Smith (1906-1965), que também construiu as suas obras de

um modo semelhante ao de González e Picasso, no seu caso a partir da soldadura em aço inoxidável. A sua

produção escultórica modernista acabou por influenciar um outro escultor, que seguiu diretrizes

construtivas idênticas, Anthony Caro (1924-2013).

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detalhes as formas do corpo feminino. Por outro lado, González tirou partido da opacidade

das chapas de metal que utilizou para construir a figura, que se afirma vazia por dentro e

compacta por fora. Nesta são evidentes os contornos femininos do corpo de ferro que se

expõe sobre a caixa de madeira.

À semelhança de Júlio González, importa fazer referência ao escultor português

Domingos Soares Branco (1925-2013), que embora tenha tido um ensinamento clássico,

é possível observar na sua obra um rasgo de modernidade, que advém da renúncia aos

processos técnicos clássicos. No que diz respeito à formação do artista, sabemos que

estudou na Escola de Belas-Artes de Lisboa de 1944 até 1953, quando concluiu o curso

de Escultura, tendo tido como mestre Leopoldo de Almeida (1898-1975) e Simões de

Almeida (sobrinho) (1880-1950). Também frequentou os ateliers dos seus mestres, bem

como de outros escultores da época, entre eles: Barata Feio (1899-1990), Anjos Teixeira

(1908-1997) e Álvaro de Brée (1903-1962)398. No entanto, e ainda que a sua formação

tenha tido fortes influências da herança clássica, Soares Branco foi precursor no modo

como construiu as suas obras, através de procedimentos técnicos que muito se

distanciaram do que era habitual na época, no contexto artístico português.

Nesse sentido, interessa observar a escultura Santo António (original)399 – [Fig.

105], que foi inaugurada no Largo de Santo António da Sé, no dia 12 de maio de 1982,

por ocasião da visita do Papa João Paulo II a Portugal. Esta obra que conta com 184 cm

de altura e 120 cm de diâmetro, foi toda ela construída com fragmentos de cobre

laminado, que foram cortados, repuxados e soldados uns aos outros até alçarem a forma

pretendida – [Fig. 106]. Ao escultor interessava trabalhar, diretamente, num material que

fosse definitivo, neste caso o cobre, que lhe permitia poupar nos processos intermédios,

demasiado dispendiosos e demorados (como a moldagem, transladação ou fundição).

Soares Branco modelava ao mesmo tempo que construía, fazendo desse modo a transição

entre os preceitos clássicos, que tivera aprendido, e o processo construtivo característico

do Modernismo. O escultor português aproxima-se de González, no que diz respeito ao

398 PEREIRA, José Fernandes – Op. Cit., p. 97-98. 399 Sabemos que o Santo António original teve que ser retirado da via pública, após ter sofrido um incêndio

em 2002, tendo depois sido levado para o atelier de Soares Branco, onde foi restaurado e reproduzido em

bronze. É essa reprodução que hoje pode ser observada no Largo de Santo António da Sé, enquanto o

original faz parte da reserva do Museu de Lisboa.

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modo de pensar e construir as suas obras, através do metal que era repuxado e soldado

até dar forma à totalidade da escultura400.

Para terminar, consideramos que seja oportuno observar e analisar uma outra obra,

concebida por Delfim Maya (1886-1978), artista português contemporâneo de Picasso,

González e Soares Branco. Delfim Maya nasceu no dia 21 de dezembro de 1886, na Foz

do Douro, e aos 17 anos iniciou a sua carreira militar, no curso de cavalaria, que terminou

em 1907. Este acabou por abandonar o exercito quando se viu forçado a seguir os ideais

republicados, com os quais não concordava, uma vez que tinha fortes convicções

monárquicas. Só dois anos mais tarde integrou novamente o exército, a pedido de Sidónio

Pais. Delfim Maya teve uma vida repleta de acontecimentos que, em certos períodos,

condicionaram a sua própria liberdade, chegando ao ponto de ser obrigado a exilar-se em

Madrid e, posteriormente, em Sevilha, para conseguir fugir do cumprimento da pena de

prisão em Portugal. Em 1921, regressou ao seu país, mas por razões políticas foi

deportado para a Madeira, em 1930, onde cumpriu pena durante um ano e, curiosamente,

começou a sua vida artística, ao pintar as suas primeiras aguarelas. Nesse ano, regressou

a Lisboa, à Casa de Santa Isabel, herança da sua mulher, onde instalou o seu ateliê e

iniciou a sua atividade escultórica.

A produção artística de Delfim Maya faz parte da primeira metade do século XX,

integrando-se no classicismo moderno da escultura portuguesa. Todavia, as temáticas

tratadas pelo escultor são, claramente, inspiradas e influenciadas pela tradição hispânica,

devido ao período em que esteve exilado em Espanha, durante o qual teve a possibilidade

de conhecer e vivenciar a cultura do país vizinho401. Importa observar algumas das

particularidades da obra de Delfim Maya, que muito se distanciou das produções artísticas

que eram desenvolvidas, na época, em Portugal. Um dos aspetos em que a sua obra

escultórica diferiu da de outros artistas nacionais, está relacionado com a escala, uma vez

que, na maioria dos casos, o artista criou esculturas de pequenas dimensões, destinadas a

espaços interiores. Enquanto isso, a generalidade dos escultores portugueses dedicavam-

se à concretização de obras de grandes dimensões, monumentos destinados à arquitetura.

Fosse por se sentir mais à vontade com escalas reduzidas ou por não ter possibilidades

400 As informações referidas sobre a obra em questão, o Santo António, foram retiradas da ficha de

inventário do Museu de Lisboa, que neste momento é responsável pela escultura. Para além de terem

disponibilizado o documento informativo, também permitiram que realizasse uma visita à obra original,

para que a pudesse ver “ao vivo” e testemunhar o procedimento técnico que esteve por detrás da sua

concretização. 401 MAYA, Maria José – Delfim Maya, 1886-1978. Lisboa : Inapa, 1998, p. 36-37.

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financeiras que lhe permitissem aumentar as dimensões, o que é certo, é que Delfim Maya

continuou a trabalhar em pequenas peças, à semelhança do que acontecia noutros países

europeus, cujo pensamento artístico não associou a qualidade à dimensão, como

aconteceu em Portugal402.

Para a presente investigação importa analisar a produção escultórica de Delfim

Maya, a partir de 1933, período em que começou a realizar as primeiras obras em folha

de metal. Ao observarmos essas esculturas conseguimos, rapidamente, estabelecer uma

relação estética com as obras dos artistas espanhóis, Júlio González e Pablo Gargallo

(1881-1934). Também o escultor Jorge Vieira (1922-1998) fez referência à hipótese de

Delfim Maya ter conhecido a produção artista desses dois escultores. No entanto, após

uma análise cronológica detalhada, afirmou não ser possível encontrar ocasiões que

tenham sido propícias a esse contacto entre os artistas403. Defendeu que, indiretamente, o

escultor pode ter tido conhecimento dessas produções artísticas através de revistas

internacionais, ou a partir de outros artistas e amigos que podem ter dado indicações do

que estava a ser realizado fora do contexto nacional, uma vez que não se tem

conhecimento de ter havido nenhuma exposição dos artistas espanhóis, referidos, em

Portugal404. Ainda que Delfim Maya tenha sido influenciado pelo meio artístico

internacional, devemos entender que se tratam de processos técnicos e modos de construir

a escultura muito diferentes. Se por “Gargallo esvaziava as peças porque queria entrar por

dentro das coisas, queria mostrar o seu interior. Delfim Maya resolvia a escultura por

planos […] sem estar a ver o interior”405. Para além disso, também devemos ter em conta

o percurso do escultor português, que partiu de uma base clássica rumo à exploração das

potencialidades das chapas de metal, nas suas obras de pequenas dimensões, nas quais

procurou o gesto, a tridimensionalidade do desenho406.

402 Ibid., p. 11. 403 “Na década de vinte, Gargallo instala-se em Paris, mas Delfim Maya fixa-se em Madrid e Sevilha entre

1919 e 1921, ano em que regressa a Portugal. Quanto a Julio González, haverá maior dificuldade de o ter

influenciado nessa altura, pois Gonzalez que tinha uma sólida formação na arte metalúrgica devido a uma

empresa familiar com a qual colaborava, começa por se dedicar à realização de trabalhos decorativos em

metal. Contudo ao assistir a Apollinaire (1928), ficou tão motivado e envolvido que começou a dedicar-se

à produção escultórica. Mas em 1921 Delfim Maya regressava a Portugal e em 1930 foi deportado para as

ilhas dos Açores e da Madeira.” – TAVARES, Cristina Azevedo – Delfim Maya : o eterno cavaleiro

escultor. In «Delfim Maya : escultor do movimento : o ribatejo na obra de Delfim Maya». Vila Franca de

Xira : Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 2017, p. 11. 404 Ibid. 405 MAYA, Maria José – Op. Cit., p. 12. 406 “O encanto que sobre o Artista exercem as temáticas já apontadas, desenvolve-o e amplia-o nos

laminados, numa incessante busca da essência da forma e do desejo de se apoderar do movimento, da hora

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Em relação ao procedimento técnico por detrás das construções em folha de metal,

importa referir que todas essas obras implicaram a precedência de um modelo, isto é, de

uma planificação bidimensional em papel, na qual o artista desenhava as dobras e os

cortes que lhe permitiriam conferir volume à escultura final. Este modo de planificar e

construir, sem se socorrer de qualquer tipo de soldadura, foi único no contexto nacional,

e motivo de muito agrado por parte do público lisbonense, que em 1934 teve a hipótese

de observar algumas das obras feitas a partir dessa técnica, durante a exposição individual

do artista na Joalharia Leitão, no Chiado407.

A escultura que pretendemos apresentar foi realizada em 1934, nomeada pelo artista

Varina – [Fig. 107], construída em folha de cobre, a partir do modelo que podemos

observar na [Fig. 108]. Nesse modelo em papel o escultor desenhou todas as indicações

precisas para que depois pudesse transpô-las para a chapa de cobre que, posteriormente,

dobrou e cortou até dar origem à obra. Este modo de pensar e conceber a escultura a partir

de uma planificação prévia, permitiu ao artista individualizar-se e destacar-se em relação

aos outros artistas nacionais. Nesta obra “o movimento inerente á modelação das chapas

é da ordem da superfície, de uma modelação ligada à construção estilizada da figura […]

de um jogo de composição de volumes […]”408. Desta forma, a Varina exibe um corpo

dinâmico e anguloso, produto da ambição e desejo do escultor em captar o movimento

instantâneo e exaltar a verdade409.

“Toda a obra de Delfim Maya é produto da sua paixão pela verdade e pelo

movimento pois que se os seus cavalos correm, se os seus toiros arremetem,

também as suas varinas andam e as suas bailarinas bailam compondo afinal,

todos eles, em notas escultóricas, um autêntico hino à beleza e ao movimento

da vida!”410.

Temos conhecimento de que o modelo da escultura, em papel, faz parte da uma coleção

particular e a respetiva obra, Varina, integra a coleção do Turf Club, que se situa na zona

do Chiado, em Lisboa.

fugaz e frágil ou de segurar o tempo no interior da sua obra.” – RIBEIRO, José Sommer – Delfim Maya :

exposição comemorativa do centenário do escultor. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, p. 8. 407 MAYA, Maria José – Op. Cit., p. 24. 408 Ibid., p. 36. 409 MESQUITA, Idalina, et al. – Delfim Maya : um misto constante de beleza e m8.ovimento. In «Delfim

Maya : escultor do movimento : o ribatejo na obra de Delfim Maya». Vila Franca de Xira : Museu Municipal

de Vila Franca de Xira, 2017, p. 5-7. 410 RIBEIRO, José Sommer – Op. Cit., p. 17.

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A partir das esculturas mencionadas, A Montserrat, o Santo António e a Varina,

conseguimos perceber que todas elas manifestam o pensamento construtivo por detrás da

sua realização, e ainda que as duas primeiras sejam concebidas de forma distinta da

terceira obra referida, partilham características que evidenciaram o espírito modernista.

Se por um lado González e Soares Branco recortavam pedaços de chapa de ferro e cobre,

respetivamente, que depois eram repuxados (batidas) e soldados uns aos outros, por outro,

Delfim Maya construía as suas obras a partir de uma chapa de metal única, que era

recortada e dobrada, em função dos volumes que desejava atribuir à escultura final. O

abandono dos processos clássicos e o uso de “novos” materiais e procedimentos técnicos

foi comum aos escultores indicados, que a pare de outros artistas difundiram importantes

práticas escultóricas, que contribuíram para o desenvolvimento da escultura moderna e

contemporânea.

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Figura 77 – Guitarra, Pablo Picasso, 1912. Cartão, lona, cordas, pintura a óleo e lápis (collage), 33 x 17 x

7 cm. Musée Picasso, Paris.

Figura 78 – Guitarra, Pablo Picasso, 1914. Folha de metal ferroso e arame, 77,5 x 35 x 19,3 cm. Museum

of Modern Art, Nova Iorque.

Figura 79 – Guitarra, Pablo Picasso, 1912. Cartão, lona, cordas, pintura a óleo e lápis (collage), 33 x 17 x

7 cm. Musée Picasso, Paris.

Figura 80 – Guitarra, Pablo Picasso, 1912. Cartão, lona, cordas, pintura a óleo e lápis (collage), 21 x 14 x

7,5 cm. Musée Picasso, Paris.

Figura 81 – Cabra, Pablo Picasso, 1950. Bronze (assemblage: folha de palmeira, vasos cerâmicos, cesta

de vime, madeira, metal, cartão e gesso. Fonderie Valsuani), 120,5 x 72 x 144 cm. Musée Picasso, Paris.

Figura 82 – Processo de realização da obra Cabra.

Figura 83 – Cabra, Pablo Picasso, 1950. Cesta de vime, vasos cerâmicos, folha de palmeira, madeira,

metal, cartão e gesso (Assemblage), 120,5 x 72 x 144 cm. Musée Picasso, Paris.

Figura 84 – Prolixidade do Real, João Fragoso, déc. 60, aprox. 63. Madeira, objetos e cordas, 217 x 156 x

42 cm. Atelier-Museu João Fragoso, Caldas da Rainha.

[77] [78] [79] [80]

[81] [82] [83]

[84]

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Figura 30 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas com pintura a branco

e pontos a azul e vermelho), 22,5 x 12,7 x 6,4 cm. The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.

Figura 85 – Figura, Pablo Picasso, 1935. Concha de cozinha, encinhos, madeira e cordas, 112 x 61,5 x

29,8 cm. Musée Picasso, Paris.

Figura 86 – Cabeça Touro, Pablo Picasso, 1943. Selim e guiador de bicicleta, 42 x 41 x 15 cm. Musée

Picasso, Paris.

Figura 87 – Fernando Pessoa, Lagoa Henriques, 1988. Bronze, alt. 145 cm. Café Brasileira do Chiado,

Lisboa. Fig. de autoria própria.

Figura 88 – Estudo Fernando Pessoa, Lagoa Henriques, s/ data. Caneta, tinta e café sobre toalha de papel,

13,7 x 9,5 cm. Espólio Lagoa Henriques, Lisboa.

Figura 89 – Esboceto Fernando Pessoa, Lagoa Henriques, s/ data. Bronze, 38 x 18,5 x 22 cm. Espólio

Lagoa Henriques, Lisboa. (Fototografia: Maria João Gamito).

[87] [88] [89]

[30] [85] [86]

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Figura 90 – Porta-garrafas, Marcel Duchamp, 1964 (réplica do original de 1914). Ferro galvanizado, alt.

64 x diâm. 42 cm. Centre Georges Pompidou, Paris.

Figura 91 – Roda de Bicicleta, Marcel Duchamp, 1964 (réplica do original de 1913). Roda de bicicleta e

banco, alt. 132 x diâm. 64,8 cm. Coleção Arturo Schwarz, Milão.

Figura 92 – Fonte, Marcel Duchamp, 1964 (réplica do original de 1917). Urinol de porcelana, 61 x 48 x

36 cm. Galleria Schwarz, Milão.

Figura 93 – Presente, Man Ray, 1958 (réplica do original 1921). Ferro de engomar e pregos, 15,3 x 9 x

11,4 cm. Museum of Modern Art, Nova Iorque.

Figura 94 – Presente, Man Ray, 1972 (réplica do original 1921). Ferro de engomar e pregos, 17,8 x 9,4 x

12,6 cm. Tate Modern, Londres.

Figura 95 – Presente, Man Ray, 1963 (réplica do original 1921). Ferro de engomar e pregos, 15,9 x 9,2 x

11,4 cm. Philadelphia Museum of Art, Filadélfia.

[90] [91] [92]

[93] [94] [95]

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Figura 96 – Pequeno-Almoço em Pele, Meret Oppenheim, 1936. Chávena, pires, colher e pele, alt. 7,3 x

diâm. 23,7 cm. Museum of Modern Art, Nova Iorque. (Fotografia: Man Ray).

Figura 97 – Mão, Cruzeiro Seixas, 1980. Luva de cabedal, aparos e vidro, 81 x 81 x 11 cm. Museu Calouste

Gulbenkian, Lisboa.

Figura 98 – Contra-relevo, Vladimir Tatlin, 1914-1915. Metal, madeira e arame, 118 x 71 cm. Museu do

Estado Russo, Sampetersburgo.

Figura 99 – Relevo de Canto Complexo, Vladimir Tatlin, 1915 (reconstruído em 1979). Ferro, zinco e

alumínio, 78,8 x 152,4 x 76,2 cm. Annely Juda Fine Art, Londres.

Figura 100 – Cabeça de mulher, Naum Gabo, 1917-1920. Celuloide e metal, 62,2 x 48,9 x 35,4 cm. The

Museum of Modern Arte, Nova Iorque.

Figura 101 – Cabeça nº2, Naum Gabo, 1964 (versão ampliada do original de 1916). Aço, 67 x 124 x 124,3

cm. Tate Modern, Londres.

Figura 102 – Modulador de Espaço-Luz, László Moholy-Nagy, 1930 (réplica de 1970). Metal, plástico,

motor eléctrico, 151 x 70 x 70 cm. Busch-Reisinger Museum, Cambridge.

[96] [97]

[98] [99]

[100] [101] [102]

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Figura 103 – A Montserrat, Júlio González, 1935. Chapa de ferro, repuxada e soldada, madeira, 163 x 59

x 42,5 cm. Stedelijk Museum Amsterdan, Amesterdão.

Figura 104 – Mulher no Jardim, Pablo Picasso, 1930. Ferro, soldado e pintado de branco, 206 x 117 x 85

cm. Paris, Musée Picasso.

Figura 105 – Santo António (original), Soares Branco, 1982. Chapa de cobre, repuxada e soldada. 3240 x

1200 cm. Reservas do Museu de Lisboa, Lisboa.

Figura 106 – Pormenor de Santo António (original), Soares Branco, 1982. Chapa de cobre, repuxada e

soldada. 3240 x 1200 cm. Reservas do Museu de Lisboa, Lisboa.

Figura 107 – Varina, Delfim Maya, 1934. Folha de cobre recortada, 33,5 x 16 x 14,5 cm. Coleção Turf

Club, Lisboa.

Figura 108 – Planificação de varina, Delfim Maya, 1934. Papel, 17,5 x 15,5 cm. Coleção particular.

[103] [104] [105]

[106] [107] [108]

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143

IV – CONCLUSÃO

Esta dissertação, cujo tema é a Reprodutibilidade e Construção na Escultura

Modernista, é composta por dois capítulos. O inicial, que abordou a reprodutibilidade,

está dividido em três subcapítulos: no primeiro, estudámos o conceito, as questões e as

perspetivas associadas à reprodutibilidade; no segundo, analisámos a presença da

reprodutibilidade no Ensino Artístico, os seus aspetos Didáticos e o seu caráter Plástico;

no terceiro, investigámos e relacionámos estudos de casos que tiraram partido da

reprodução nas suas produções artísticas. O segundo capítulo, que abordou a construção

a partir de uma perspetiva que compreende a existência de dois modos de construir, é

composto por quatro subcapítulos: no primeiro e no segundo, analisámos o primeiro

modo de construir, centrado nos materiais e significado dos objetos utilizados pelos

artistas na suas obras e, nesse sentido, começamos por observar a Collage (Papier Collé),

Assemblage e Apropriação e, em seguida, os ready-mades, Objetos Dada e Surrealistas;

no terceiro e no quarto subcapítulo, estudámos o segundo modo, focado na própria técnica

de construir e, para isso, analisámos os princípios e algumas das obras pertencentes à

vanguarda russa, aos Construtivistas, ao movimento De Stil e à Bauhaus, bem como

também observámos a construção em metal na obra de Júlio González, Pablo Picasso,

Soares Branco e Delfim Maya.

No primeiro subcapítulo, do capítulo inicial, começámos por procurar o significado

do termo reprodutibilidade, inicialmente no panorama geral e, só depois, quando

empregue no contexto artístico. Após efetuarmos a pesquisa terminológica, investigámos

aqueles que foram os primeiros processos técnicos a tirar proveito da reprodutibilidade,

utilizadas pelos artistas do Classicismo na concretização da Escultura e pelos artesãos na

execução de alguns objetos de uso quotidiano. A cunhagem, a modelação e a fundição

foram procedimentos que permitiram aos artesãos e aos artistas reproduzir moedas,

terracotas e bronzes, respetivamente. A reprodutibilidade é tão antiga quanto a própria

Escultura, uma vez que faz parte intrínseca do sistema clássico.

A fim de vermos abordadas as principais questões associadas à reprodutibilidade

técnica da obra de arte, analisámos o ensaio de Walter Benjamin, bem como outras teorias

e reflexões posteriores à sua. Exemplo disso são os escritos de Lewis Mumford, nos quais

defendeu uma dupla perspetiva: por um lado, indicou a reprodução como responsável

pela perda de originalidade da obra de arte, enquanto obra singular; por outro, ressalvou

o benefício e o auxílio que a reprodução teve na democratização da arte. A autenticidade

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da obra de arte também foi questionada na era da sua reprodutibilidade técnica e, nesse

sentido, Walter Benjamin explicou que se tratava da essência de tudo o que nela havia de

transmissível: a sua origem, a sua duração material e o seu testemunho histórico.

Reforçou, ainda, que esses aspetos não existiam nas reproduções, nelas, o aqui e agora

estava em falta, distinguindo, dessa forma, as obras originais das falsificações. O filósofo

alemão considerou que a reprodutibilidade técnica foi responsável por provocar a

destruição da aura das obras de arte, da sua função ritual e, consequentemente, o seu

valor de culto. Desse modo, percebemos que a obra adquiriu uma nova função e valor,

relacionado com a importância da sua observação.

Douglas Davis partilhou de uma perspetiva contrária à de Walter Benjamin, ao

mencionar a indistinção entre a réplica e o original, produto da sua fusão. No seu

entendimento, a conceção de aura alcançou grande flexibilidade e o próprio papel do

observador em relação à obra e ao artista alterou-se. O espectador passou a atuar em

conjunto com o criador da obra, o que contribuiu para a difusão do conceito de

originalidade e autenticidade.

Nesse sentido, interessou-nos fazer referência à produção artística de Andy Warhol,

que no âmbito do movimento pop, dos anos 60, explorou metodologias de fabrico massivo

e seriado. A sua obra revela que a aura não foi destruída pela reprodutibilidade, mas sim

aumentada, ao contrário do que tivera defendido o filósofo alemão. Ou seja, a reprodução

das obras de arte fez com que as mesmas adquirissem maior significado e autenticidade,

pois o facto de serem vistas e conhecidas por um público mais numeroso, permitiu a sua

incrementação na realidade, de um modo, que uma única obra singular não seria capaz.

A partir das teorias estudadas, foi-nos possível compreender que todas elas

analisam os mesmos conceitos e problemáticas e, embora o façam a partir de pontos de

vista diferentes, no fundo visam observar o modo como a reprodutibilidade técnica e

digital influenciou os conceitos tradicionais, associados à obra de arte. Desta forma,

percebemos que não existe uma visão mais assertiva ou que prevaleça em relação a outra,

uma vez que tudo depende do entendimento que pretendemos fazer, tendo sido o nosso

principal objetivo analisar as diversas perspetivas, sem que tivéssemos de tomar algum

partido. Esta pesquisa indicou-nos, também, que ocorreram alterações nas conceções

tradicionais, todavia isso não viabiliza apenas o prejuízo da obra de arte em função da sua

reprodução, pois graças a ela, as obras chegaram a um público mais vasto e diversificado,

e adquiriram valor expositivo, em detrimento do valor de culto reservado apenas às elites.

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No segundo subcapítulo, do primeiro capítulo, procurámos perceber e refletir sobre

a ligação que existe entre a reprodutibilidade e a prática do ensino da escultura e, para

isso, necessitámos de estudar três modelos de formação artística que tiraram proveito da

reprodução como principal metodologia pedagógica. O primeiro, remete para o ensino

praticado nos ateliês dos artistas, nos quais predominava a transmissão direta de saberes

entre o mestre e o aprendiz, sendo esse um modo de reprodução de conhecimento. O

segundo, praticado nas escolas institucionalizadas de artistas, estimulava a reprodução

de modelos pré-estabelecidos, que serviam ideias de cariz religioso-institucional. O

terceiro, e último, modelo analisado é referente ao ensino praticado nas Academias de

arte, que embora tenham ambicionado gerar um novo artista, criador e não um mero

reprodutor, através de uma formação científica (teórico-prática), acabaram por adotar

metodologias cuja finalidade principal era a mimese e a representação. Dessa forma, os

alunos reproduziam o que viam, através de modelos-vivos ou obras concebidas por

escultores conceituados, na sua maioria, reproduções das originais. Ainda que algumas

Academias tenham tentado contrariar esse tipo de ensino, direcionando o foco para a

criatividade do aluno, o que é certo, é que esse modelo, ainda hoje, continua a ser

praticado dentro de algumas instituições de formação artística.

A fim de percebermos os aspetos didáticos relacionados com a reprodutibilidade

das obras de arte na transição do Classicismo para a Modernidade, isto é, o modo como a

reprodução das esculturas influenciou e contribuiu para a sua difusão na sociedade,

iniciámos por analisar de que forma a Grécia Clássica entendeu e tirou partido desse

procedimento técnico. A partir das obras que restam dessa época e de alguns escritos,

conseguimos compreender que os artistas/artesãos gregos dominavam os processos de

reprodução e que entendiam o seu uso como uma forma de homenagear os criadores das

obras de arte. Porém, durante a Idade Média, esse saber esteve esquecido e só reapareceu

com o Renascimento, período em que foram resgatadas inúmeras obras da Antiguidade

Clássica. O gosto pelo Antigo deu origem a uma fase de grande reprodução das esculturas

encontradas. Essas reproduções ganharam importância ao ponto de serem classificadas,

também elas, como obras de arte. Todavia, a partir do século XVIII, mais concretamente,

a partir do Romantismo, essa prática sofreu uma enorme desvalorização, sendo

considerada desonrosa dentro dos meios artísticos. Foi também nessa época que surgiram

os primeiros Museus, constituídos, precisamente, por reproduções pertencentes a

colecionadores particulares. Se por um lado imperava o desprezo pela reprodutibilidade

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de obras de arte, por outro, ironicamente, a sociedade enaltecia os Museus que, no fundo,

resultaram da prática desse procedimento técnico.

Nessa continuidade, visámos entender o modo como a reprodução se tornou numa

metodologia autónoma, segundo a perspetiva moderna, ao contrário do que tinha

acontecido no sistema clássico, em que se tratava de um procedimento intermédio e

impercetível, mas ao mesmo tempo excessivamente visível, tendo em conta o número

desmesurado de reproduções em bronze. Com o modernismo, a reprodução ganhou

autonomia, tornando-se num processo criativo e percetível na escultura, através das

marcas processuais que deixaram de ser escondidas para passarem a ser evidenciadas. A

partir dos bronzes e, da maioria, dos mármores conseguimos perceber o caráter plástico

da reprodutibilidade, uma vez que a realização de obras nesses materiais exigiu que os

escultores utilizassem processos de reprodução, neste caso, o de moldagem e o de

trasladação, respetivamente. Por sua vez, esses dois procedimentos carecem de um

modelo original411, modelado previamente pelo escultor, que dá origem à “obra final”.

Estudámos também as características do molde de forma perdida e do molde de tacelos,

para que se tornassem evidentes as diferenças, as vantagens e as desvantagens do seu uso

em função do modelo original que o artista pretende reproduzir.

Resta-nos concluir que a reprodutibilidade não só manifestou a sua inequívoca

presença na prática do ensino artístico, como também revelou a importância dos seus

aspetos didáticos e do seu caráter plástico. Não podemos ignorar a correlação que existe

entre estes três âmbitos, pois no fundo todos se relacionaram e desenvolveram

mutuamente. Se por um lado o ensino promovia a prática da reprodução como principal

metodologia de aprendizagem artística, fosse a partir do real (representação de modelos-

vivos), fosse através de obras realizadas por outros artistas, por outro, o gosto pelo Antigo

ia de encontro ao desejo de emular essas mesmas esculturas, que predominavam nos

ateliês e Academias. Aos aprendizes era incutida a prática da reprodução técnica de obras

de arte, dando origem a infindáveis reproduções que ainda hoje podemos observar nos

Museus e escolas de formação artística. Esta perspetiva permite-nos estabelecer ligações

entre os aspetos didáticos da reprodutibilidade e o ensino artístico, mas também com o

411 Entendemos por modelo original, a primeira obra que o artista faz, normalmente num material moldável

e efémero, que necessita de ser convertido numa matéria que lhe confira resistência e durabilidade, através

de processos técnicos, como a moldagem, transladação ou fundição. Todos esses procedimentos requerem

que o escultor tenha concebido previamente o modelo original, para que depois esse dê origem à “obra

final”.

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seu caráter plástico, uma vez que os alunos aprendiam os procedimentos técnicos

necessários para concretizarem esculturas de acordo com as conceções e materiais

tradicionais, como o bronze e o mármore. Para além disso, era preciso que dominassem

esses métodos para que conseguissem reproduzir os modelos originais.

No terceiro subcapítulo, do primeiro capítulo, pretendemos observar e analisar,

emblemáticos, estudos de casos, que confirmam a presença da reprodução nas produções

escultóricas de artistas portugueses e internacionais. Depois de alguma pesquisa,

percebemos que a reprodução pode manifestar-se nas obras de arte de três formas: a

primeira, está relacionada com a reprodução de uma determinada obra, que dá origem a

séries ou edições, dependendo do caso; a segunda, remete para a reprodução de uma obra,

de um elemento que a constitui ou de um tema, por iniciativa do próprio autor/escultor;

por fim, a terceira, é relativa à reprodução de uma obra ou de um tema, mas desta vez por

parte de outro artista, que se interessa por retomar o trabalho de outro escultor.

No que diz respeito às séries e edições, começámos por investigar as características,

as diferenças e as semelhanças entre esses dois tipos de tiragens. Ambas necessitam de

um modelo original a partir do qual se realizam as reproduções, através do processo de

moldagem ou de trasladação. No caso das séries, o número de reproduções está,

convencionalmente, limitado até oito exemplares. Esses podem ser feitos pelo próprio

artista ou por outro conhecedor dos processos de reprodução técnica, sempre sobre o

controlo do autor. Geralmente, os exemplares que compõem uma série são numerados ou

nomeados como tivemos oportunidade de observar na obra Copo de absinto, de Picasso.

Por sua vez, as edições requerem a existência de um contrato entre o artista e o editor, no

qual são acordados os direitos e deveres de ambas as partes. O processo de reprodução

fica ao encargo do editor, com pouco ou nenhum acompanhamento por parte do escultor.

Nas tiragens de edição, o número de exemplares não é tão reduzido como nas séries,

devido ao forte interesse do mercado da arte e, por isso, as reproduções são feitas em

maior número, ainda que também possam ser devidamente assinadas e numeradas, caso

seja essa a intenção do artista. No entanto, também são conhecidas ocasiões em que o

editor perdeu o controlo sobre as reproduções que foram realizadas, como aconteceu com

a escultura Flor Agreste, de Soares dos Reis e com aquela que é hoje um ícone de arte

sacra em Portugal, a Nossa Senhora do Rosário de Fátima, criada pelo santeiro José

Thedim. No contexto internacional, também conseguimos assinalar algumas obras cuja

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reprodução foi, e contínua a ser, incontrolável, como é o caso da escultura Doríforo e

Vénus de Milo, ambas pertencentes à estatuária da Antiguidade Clássica.

Em seguida, analisámos algumas das obras do pioneiro da escultura moderna,

Auguste Rodin, para que pudéssemos perceber o interesse e o modo como o artista tirou

proveito da reprodução, na forma como compôs e pensou as suas esculturas. Nesse

sentido, começámos por estudar a obra As Três Sombras, na qual Rodin utilizou, sem

qualquer preconceito, a reprodução/repetição de um determinado elemento como meio

de composição da própria escultura. Também Constantin Brancusi seguiu diretrizes

semelhantes na obra Coluna Infinita. Ainda que à primeira vista estas duas esculturas não

pareçam ter nada em comum, na verdade ambas resultam do mesmo modo de compor, ou

seja, são produto da reprodução de um mesmo elemento que se repete e dá origem à obra.

O escultor francês também tirou partido da reprodução das suas próprias esculturas, e

como exemplo disso temos as seguintes obras: Grande mão crispada com figura, A mão

de Deus, e a Máscara de Camille Claudel e mão de Pierra de Wissant. Estas foram fruto

da junção de duas esculturas ou estudos realizados por Rodin que, posteriormente, foram

apropriados com o objetivo de dar vida a um nova obra. Sobre a reprodução de temas,

interessou-nos estudar a Cabeça de Jeannette (I, II, III, IV e V), de Henri Matisse, pois

essa série de cinco esculturas revela, de forma única, o processo contínuo de investigação

formal do artista ao redor do mesmo tema. Também Brancusi dedicou parte da sua obra

a um mesmo género escultórico, a estética do bloco, como tivemos oportunidade de

analisar nas obras O Beijo.

Os artistas não só se interessaram por retomar obras e temas por si já abordados,

como manifestaram semelhante curiosidade em explorar novas respostas em relação a

obras e temas que já tinham sido trabalhados por outros. Com o intuito de exemplificar

esta nossa perspetiva, começámos por analisar a obra Coluna, de António Duarte e

relacionámo-la com o Beijo, de Brancusi. As suas parecenças formais foram o primeiro

motivo que nos despertou interesse em explorar a escultura de António Duarte, a partir

da produção artística do escultor romeno. No entanto, devemos ser conscientes das

notórias diferenças existentes entre ambas, originadas pelos distintos contextos sociais,

políticos e artísticos em que foram esculpidas. Todavia, e embora não partilhem dos

mesmos procedimentos metodológicos, consideramos que ambas têm em comum o

mesmo género escultórico, a estética do bloco. O capítulo termina com a análise de uma

outra temática, que foi transversal a várias épocas e círculos artísticos, o movimento da

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figura humana. Nesse sentido, elegemos três obras que nos permitiram observar não só a

reprodução do mesmo tema, mas também das próprias esculturas, que foram retomadas

e reinterpretadas segundo o entendimento particular de cada artista. Essas obras foram: O

Homem que Caminha, de Rodin; Formas Únicas de Continuidade no Espaço, de Umberto

Boccioni; e O Homem que Caminha, de Alberto Giacometti. Para além de estudarmos as

esculturas referidas, também tivemos interesse em encontrar ligações entre si e perceber

de que forma os diferentes escultores abordaram o espaço, o tratamento e o processo da

sua conceção.

No segundo capítulo, apresentámos e explorámos uma perspetiva que encontrou na

técnica papier collé, também designada por collage, a origem da construção. Iniciámos

por fazer uma breve análise terminológica do termo construção e, em seguida,

observámos que foi a partir da pintura, do desejo de superar as barreiras da

bidimensionalidade do quadro, que Picasso e Braque criaram as primeiras construções,

através da conjugação de variados materiais e novas técnicas. Tendo como ponto de

partida a collage, defendemos a coexistência de dois modos de pensar e conceber a

própria construção escultórica: o primeiro focou-se nas potencialidades dos materiais e

significado dos objetos empregues nas obras, enquanto o segundo centrou-se na técnica

propriamente dita de construir.

No primeiro subcapítulo, do segundo capítulo, começámos por observar a maneira

como Picasso explorou a collage, na Guitarra e o seu interesse e curiosidade sobre a

forma dos próprios materiais que encontrava no dia-a-dia. Desse modo, analisámos o

processo de Assemblage, cujas obras foram concretizadas a partir da correlação entre a

forma específica desses materiais e a composição formal que o artista pretendia realizar.

Como exemplo desse processo criativo, observámos a obra A Cabra, de Picasso e a

escultura Prolixidade do real, de João Fragoso. Se por um lado a Assemblage beneficiou

das qualidades formais dos materiais que foram utilizados ao serviço das obras, por outro,

a Apropriação tirou proveito do significado dos objetos retirados da realidade, que

passaram a ocupar o papel principal dentro das esculturas que integraram. Nas obras Copo

de absinto, de Picasso e Fernando Pessoa, de Lagoa Henriques, os artistas não só se

apropriaram dos objetos, como do significado intrínseco a eles. No caso da escultura

Cabeça de touro, de Picasso, a apropriação dos objetos é de tal modo eficaz que o

observador é conduzido pelo escultor a esquecer o seu significado original, em detrimento

da nova realidade, criada pelo artista.

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No segundo subcapítulo, do mesmo capítulo, estudámos a produção artística de

Duchamp, que embora tenha sido contemporâneo de Picasso, seguiu diretrizes muito

distintas, rumo à Anti-Art. Duchamp também se apropriou de objetos, que deram origem

aos seus ready-mades, obras prontas, que não necessitavam da “manualidade” do artista,

apenas da sua seleção e recontextualização dentro do meio artístico, através da sua

assinatura que, eventualmente, podia ser complementada por um título ou descrição.

Duchamp não sentiu necessidade de modificar os objetos, e as poucas transformações que

lhes conferiu, serviram para reforçar e acelerar a transição do objeto para obra de arte.

Este entendeu a Arte como um veículo de ideias, em que as coisas (os objetos) eram

responsáveis por dar origem às ideias e não o contrário. Desta forma, o espectador passou

a ter um papel que se igualava ao do artista, pois segundo o próprio, era tão importante

quem observava e interpretava a obra, como quem o criava. Os objetos apropriados,

presentes nos ready-mades, possuíam a capacidade de se representar a si mesmos e,

simultaneamente, algo exterior a eles, produto da observação e do imaginário do público

que os observava.

Por sua vez, analisámos os contornos do movimento Dada e apresentámos aquele

que foi considerado o primeiro objeto dadaísta, o Presente, de Man Ray. Esta obra

resultou da apropriação de um objeto utilitário que, posteriormente, foi transformado

pelo artista. Man Ray teve a intenção de preservar o significado intrínseco ao objeto

apropriado, para que dessa forma conseguisse destabilizar o espectador, ao confrontá-lo

com um objeto que mantinha a maioria das suas características, mas que ao mesmo tempo

estava desvinculado da sua realidade funcional, da sua natureza original. Também os

objetos surrealistas seguiram diretrizes semelhantes e, embora tenham surgido

diversificadas e peculiares manifestações que dificultam a definição de uma linguagem

específica do movimento surrealista, na generalidade, os artistas partilharam as mesmas

pretensões. Para isso, apropriaram-se de objetos utilitários e, em seguida, provocaram-

lhes alterações irreversíveis, que os tornavam disfuncionais e capazes de perturbar quem

os observava. Como exemplo disso, analisámos a obra Pequeno-almoço em pele, de

Meret Oppenheim e a Mão, de Cruzeiro Seixas.

No terceiro subcapítulo, do segundo capítulo, analisámos o segundo modo de

construir mencionado, centrado na técnica, que foi inicialmente desenvolvido pelos

artistas da vanguarda russa, mais precisamente por Tatlin, após ter feito uma viagem a

Paris, onde teve a oportunidade de observar algumas das collages de Picasso. Ainda que

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seja um modo de construir distinto do primeiro, entendemos que ambos tiveram a mesma

origem: a Collage. Contudo, na época, os artistas russos estavam imersos numa enorme

crise social e política, provocada pela Guerra e pela Revolução de 1917, situação que os

levou a enveredar por caminhos diferentes daqueles que eram seguidos na, então, capital

artística europeia. A vanguarda russa pretendia que a arte saísse à rua, à procura da sua

dessacralização, para que assim fizesse parte da vida da sociedade. Tatlin interessou-se

pela natureza dos materiais e defendeu que as obras deviam ser concebidas em detrimento

das suas propriedades. Já Gabo opôs-se a essa conceção e, em conjunto com o seu irmão,

redigiu o Manifesto Realista, no qual revelaram descontentamento em relação ao

Cubismo e Futurismo, acusando esses dois movimentos de terem ficado aquém do que

seria de esperar. Nesse manifesto foram apresentados os princípios da Construção, que

apelava à criação de uma nova linguagem plástica, constituída pelo ponto, linha, volume,

luz, cor, espaço e pelo conhecimento das características dos materiais. O Construtivismo,

como o designamos hoje, não tardou em chegar à Europa Ocidental, tornando-se num

movimento internacional, capaz de influenciar outros movimentos e escolas europeias,

como De Stijl e Bauhaus.

O interesse pela técnica de construir também foi visível na Europa Ocidental e,

ainda que tenha expressado uma abordagem estética distinta da dos construtivistas russos,

no fundo as vanguardas europeias partilharam o mesmo modo de construir. No final da

década de 1920, o ferro e o aço tornaram-se os materiais de eleição dos artistas

vanguardistas, que deixaram para trás a herança clássica em prol de materiais industriais

e novas técnicas de os trabalhar. A crise financeira que se fazia sentir no seio artístico,

provocada pela escassez de encomenda pública, obrigou os escultores a procurar

materiais e técnicas escultóricas que lhes permitissem reduzir os gastos e a demora dos

processos clássicos. Desse modo, os escultores passaram a trabalhar diretamente no

material definitivo, através de técnicas inovadoras, que lhes possibilitavam poupar em

procedimentos intermédios.

No quarto subcapítulo, do segundo capítulo, analisámos a produção escultórica de

Júlio González, pioneiro da soldadura, que dedicou grande parte da sua obra à escultura

em ferro. O seu interesse pelo ferro e pelas novas formas de o trabalhar, levaram o escultor

catalão a operar na fábrica de automóveis Renault e também na companhia La Soudure

Autogène Française de Boulogne-sur-Seine, onde aprendeu a técnica industrial de

soldadura, que mais tarde se tornou essencial e caracterizou o seu percurso artístico.

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Como exemplo da sua perícia no manuseio dos metais e respetiva técnica de soldadura,

apresentámos a obra A Montserrat, que foi construída com pedaços de chapa de ferro,

cortados, repuxados e soldados uns aos outros. Este modo de conceber a escultura, através

da modelação do metal, que foi repuxado até alcançar a forma que o artista pretendia,

para que depois fosse soldado às restantes partes, não só revela o evidente processo

construtivo, como também alude à herança clássica, à modelação, ainda que seja numa

matéria com características muito distintas. Também o escultor português Soares Branco

seguiu diretrizes semelhantes às de González, no que diz respeito à técnica utilizada na

conceção de grande parte das suas esculturas. Dessa forma, observámos a obra Santo

António, construída em chapas de cobre que também foram recortadas, repuxadas

(batidas) e soldadas umas às outras. Ambos os escultores modelaram as suas obras no

material definitivo, sendo eles os únicos a tocar nelas. Uma das características que os

distingue está relacionada com o acabamento das obras, no caso de Soares Branco, as

marcas dos cinzéis e da soldadura são evidentes, o que nos revela que o artista não teve

qualquer intenção de ocultar o processo, mas de o assumir. Já González revelou grande

precisão técnica no tratamento das suas esculturas.

O quarto subcapítulo termina com a observação da escultura a Varina, de um outro

artista português, Delfim Maya. Também esta obra foi construída em chapa de metal, no

entanto, ao contrário de González e de Soares Branco, Delfim Maya não tirou proveito

do processo de soldadura, pois apenas recortava e dobrava o metal à procura da

espontaneidade dos movimentos e da tridimensionalidade das formas. Para isso, era

necessário que o escultor realizasse uma planificação prévia, na qual marcava as zonas

de corte, de dobragem e, só depois, transpunha esse desenho para a chapa de metal (única)

e dava início à sua construção. Ainda que cada um dos artistas referidos tenha seguido as

suas próprias diretrizes, foi-nos possível estabelecer ligações entre eles no que toca aos

procedimentos escultóricos utilizados. Com os devidos ajustes, todos eles partilharam do

mesmo modo de construir as suas obras, através da modelação (manipulação) de uma

matéria definitiva e do uso de processos técnicos inovadores.

Esta investigação permitiu-nos analisar e refletir sobre a correlação existente entre

a reprodutibilidade e construção, o modo como estes dois procedimentos técnicos da

escultura fizeram parte e contribuíram para o processo de transição do Classicismo para

o Modernismo. Nesse sentido, houve a necessidade de observar e investigar vários

estudos de casos que nos levam a concluir que Rodin foi o primeiro a tirar, realmente,

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153

partido da reprodutibilidade no processo de criação e construção das suas esculturas,

através da reprodução de obras já realizadas ou de elementos que as compunham. No

fundo, os procedimentos técnicos que utilizou para realizar as suas esculturas denunciam

não só a presença da reprodutibilidade, como de um pensamento construtivo. No caso de

Picasso, foi-nos possível analisar outra forma, não só de construir, mas também de tirar

partido da reprodutibilidade, fosse dos materiais e dos objetos apropriados, fosse de

processos auxiliares à fundição, ou ainda da reprodução de obras através de tiragens de

série. Também os ready-mades de Duchamp e os objetos Dada e surrealistas, que

tivemos oportunidade de observar, beneficiaram das possibilidades da reprodutibilidade,

não só devido à recuperação de objetos e, em alguns casos, do seu significado intrínseco,

como também em relação à reprodução dessas mesmas obras, por vontade dos artistas.

Em suma, este trabalho permitiu-nos estudar e compreender o modo como a

reprodutibilidade esteve associada à construção e vice-versa. Em simultâneo, ambos os

procedimentos, deram origem a um novo modo de pensar, conceber e percecionar as obras

de arte.

Por último, importa referir que embora a nossa investigação se tenha centrado na

escultura concebida durante o Modernismo, entre os finais do séc. XIX e meados do séc.

XX, admitimos que o assunto abordado não está esgotado, muito pelo contrário. Os

contornos que definem este trabalho de teor científico e académico, obrigaram-nos a

delimitar a abrangência da nossa pesquisa, restringindo-nos a casos pragmáticos, que

evidenciam a presença da reprodutibilidade e construção, e o seu contributo na afirmação

da escultura Modernista. Reconhecemos que seja proveitoso dar continuidade a esta

investigação, de modo a prolongá-la à análise de obras Minimalistas, acompanhando o

desenvolvimento desses dois procedimentos escultóricos no período Pós-Modernista ou

contemporâneo.

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ÍNDICE DE IMAGENS

Figura 1 – Descipção Analytica, 1810. Fig. retirada de: RODRIGUES, Ana Duarte – A

estatuária e a imaginária: entre a práxis do laboratorio e a subcontratação. In

«O virtuoso criador: Joaquim Machado de Castro 1731-1822». Lisboa :

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012, p. 76. Fig. 24.

Figura 2 – Apolo do Pireu, Artista Ático, ca. 500 a.C. Bronze, alt. 192 cm.

Archaeological Museum Piraeus, Atenas. Fig. retirada de: BATTISTI,

Mariella de – Atenas : o Museu Arqueológico Nacional. São Paulo :

Companhia Melhoramento de São Paulo, 1979, p. 103.

Figura 3 – Zeus ou Poséidon. ca. 460-450 a.n.e. Bronze, alt. 190 cm. National

Archaeological Museum, Atenas. Fig. retirada de: JANSON, H. W. – A nova

História da Arte de Janson : a tradição ocidental. 9ª ed. - Lisboa :

Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 129. Fig. 5.31.

Figura 4 – Fauno Dançante. Bronze, 77,5 cm. De Pompéia, Casa do Fauno. Museo

Archeologico Nazionale di Napoli, Nápoles. Fig. retirada de: SIMONE,

António de – Pompéia e seus museus. São Paulo : Companhia

Melhoramentos de São Paulo, Industrias de Pepel, 1980, p. 70.

Figura 5 – Apolo Citarista, segunda metade do século I a.C. (cópia de um original da

metade do século V a.C.). Bronze. De Pompéia, Casa do Citarista. Museo

Archeologico Nazionale di Napoli, Nápoles. Fig. retirada de: SIMONE,

António de – Pompéia e seus museus. São Paulo : Companhia

Melhoramentos de São Paulo, Industrias de Pepel, 1980, p. 84.

Figura 6 – Flor Agreste, Soares dos Reis, 1881. Mármore, 50 cm. Museu Nacional Soares

dos Reis, Porto. Fig. retirada de: MUSEU NACIONAL DE SOARES DOS

REIS (MNSR) – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do

Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985,

p. 12. Fig. 7.

Figura 7, 8 e 9 – Processo de reprodução em gesso da Flor Agreste (redução) pelo Sr.

Teixeira, técnico de escultura da Escola Superior de Belas Artes do Porto.

Fig. retiradas de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante

do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R.,

1985, p. 36-37. Fig. 30.

Figura 10 – Flor Agreste. Soares dos Reis, 1878. Reprodução em gesso patinado, ca. 50

cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. retirada de: MNSR – A flor

agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares

dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 26. Fig. 5.

Figura 11 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução em gesso patinado

(pintura azul e dourado), c. 48 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto.

Fig. retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante

do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R.,

1985, p. 38. Fig. 34.

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Figura 12, 13 e 14 – Processo de reprodução em bronze, executado na Fundição Guedes

em Vila Nova de Gaia. Fig. retiradas de: MNSR – A flor agreste: Era uma

vez… Exposição itinerante do Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-

1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 39-40. Fig. 36.

Figura 15 – Flor Agreste, Soares dos Reis (reprodução do gesso original de 1878).

Bronze, ca. 50 cm. Pertence à Foto-Comercial Teófilo Rego. Fig. retirada de:

MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 40.

Fig. 38.

Figura 16 – Flor Agreste, Soares dos Reis (reprodução reduzida do gesso original de

1878). Bronze, ca. 23 cm. Coleção Particular. Fig. retirada de: MNSR – A

flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu Nacional de

Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 40. Fig. 39.

Figura 17, 18, 19, 20, 21 e 22 – Processo de reprodução em Biscuit. Fig. retiradas de:

MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 41-

43. Fig. 40.

Figura 23 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução em Biscuit, ca. 20 cm.

Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre (FPVA), Aveiro. Fig. retirada de:

MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 44.

Fig. 41.

Figura 24 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução em barro de Barcelos

(cor natural), ca. 40 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. retirada

de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do Museu

Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985, p. 45.

Fig. 42.

Figura 25 – Flor Agreste, Soares dos Reis, s/ data. Reprodução reduzida em marfinite

(pintura policroma), ca. 25 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig.

retirada de: MNSR – A flor agreste: Era uma vez… Exposição itinerante do

Museu Nacional de Soares dos Reis 1986-1987. [Porto] : M. N. S. R., 1985,

p. 45. Fig. 49.

Figura 26 – Nossa Senhora do Rosário de Fátima, José Ferreira Thedim, 1920. Madeira

policromada, 104 x 40 x 27 cm (sem coroa). Capelinha das Aparições,

Santuário de Fátima. Imagem após intervenção de conservação e restauro (de

frente). Fig. retirada de: COROADO, João de Freitas; DUARTE, Marco

Daniel – Estudo científico da Escultura de Nossa Senhora do Rosário de

Fátima. Fátima : Santuário de Fátima, 2017, p. 144. Fig. 19.

Figura 27 – Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima no interior do alpendre da

Capelinha das Aparições. Data desconhecida. Arquivo do Santuário de

Fátima – Núcleo fotográfico. Fig. retirada de: COROADO, João de Freitas;

DUARTE, Marco Daniel – Estudo científico da Escultura de Nossa

Senhora do Rosário de Fátima. Fátima : Santuário de Fátima, 2017, p. 26.

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156

Figura 28 – Coroação da Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima pelo catedral

Aloisi Masella. Alípio Vicente, 13 de maio de 1946. Arquivo do Santuário de

Fátima – Núcleo Fotográfico. Fig. retirada de: COROADO, João de Freitas;

DUARTE, Marco Daniel – Estudo científico da Escultura de Nossa

Senhora do Rosário de Fátima. Fátima : Santuário de Fátima, 2017, p. 29.

Figura 29 – Copo de Absinto (nº 1), Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto

(zona superior coberta com areia e zona inferior pintada de branco), 21 x 16,5

x 6,5 cm. Centre Georges Pompidou, Paris. Fig. retirada de: Centre Georges

Pompidou – Le verre d’absinthe [Em linha]. [Consult. 24 jun. 2017].

Disponível na

WWW:<URL:https://www.centrepompidou.fr/fr/Collections/Les-oeuvres>

Figura 30 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas

com pintura a branco e pontos a azul e vermelho), 22,5 x 12,7 x 6,4 cm. The

Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque. Fig. retirada de: Metropolitan

Museum of Art – The absinthe glass [Em linha]. [Consult. 24 jun. 2017].

Disponível na WWW:<http://www.metmuseum.org/art/collection>

Figura 31 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas

com pintura a branco e pontos a azul, vermelho e amarelo), 21,6 x 16,4 x 8,5

cm. The Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fig. retirada de: Museum of

Modern Art (MoMA) – Glass of absinthe [Em linha]. [Consult. 24 jun. 2017].

Disponível na WWW:<URL:https://www.moma.org/collection/works>

Figura 32 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas

com pintura a branco e pontos a azul e vermelho), 22,5 x 12,1 x 8,6 cm.

Philadelphia Museum of Art, Filadélfia. Fig. retirada de: Philadelphia

Museum of Art – Glass of absinthe [Em linha]. [Consult. 24 jun. 2017].

Disponível na

WWW:<URL:http://www.philamuseum.org/collections/search.html>

Figura 33 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zona

inferior pintada a vermelho), dimensões desconhecidas. Espólio de Pablo

Picasso. Fig. retirada de: SMITH, Roberta – Drinking in the beauty of

Picasso’s sculptures at MoMA [Em linha]. The New York Times: [s. l] : The

New York Times, 11 nov. 2015. [Consult. 23 jun. 2017]. Disponível na

WWW:URL:https://www.nytimes.com/2015/11/15/arts/design/drinking-in-

the-beauty-of-picassos-sculptures-at-moma.html>

Figura 34 – Copo de Absinto, Pablo Picasso, 1914. Bronze e colher de absinto (zonas

com pintura a branco e pontos a vermelho e azul), dimensões desconhecidas.

Museum Berggeruen, Berlim. Fig. retirada de: SMITH, Roberta – Drinking

in the beauty of Picasso’s sculptures at MoMA [Em linha]. The New York

Times: [s. l] : The New York Times, 11 nov. 2015. [Consult. 23 jun. 2017].

Disponível na

WWW:URL:https://www.nytimes.com/2015/11/15/arts/design/drinking-in-

the-beauty-of-picassos-sculptures-at-moma.html>

Figura 35 – As Três Sombras, Auguste Rodin, 1882-1902. Bronze (Fonderie de

Coubertin, 1988, ceras perdidas), 191,5 x 191,8 x 115 cm. Musée Rodin,

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157

Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – Les trois ombres [Em linha]. [Consult.

26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 36 – Adão, Auguste Rodin, 1880-1881. Bronze (Fonderie Rudier Alexis, caixa

de areia), 197 x 76 x 77 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée

Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – Adam [Em linha]. [Consult. 26

jun. 2017]. Disponível na WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 37 – As Três Sombra na Porta do Inferno, Auguste Rodin, 1880-1926. Bronze

(Fonderie Rudier Alexis, 1926, caixa de areia), dimensões desconhecidas.

Musée Rodin, Paris. Fig. de Patrícia Gonçalves, 2013.

Figura 38 – As Três Sombras, Auguste Rodin, 1928. Bronze (Fonderie Rudier Alexis,

1928, caixa de areia), 97 x 91,3 x 54,3 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. de

Patrícia Gonçalves, 2013.

Figura 39 – Coluna Infinita, Constantin Brancusi, 1937-1938. Latão fundido

(inicialmente metalizado em tom dourado), alt. 29,35 m. Tîrgu Jiu, Roménia.

Fig. retirada de: RUHRBERG, Karl – Arte no século XX. Köln : Taschen,

2005. Vol. 2, p. 427.

Figura 40 – Protótipo da Coluna, Constantin Brancusi, 1920. Madeira, alt. ca. 2,52 m.

Imagem de Constantin Brancusi a instalar a coluna em Voulangis. Fig.

retirada de: CABANNE, Pierre – Brancusi. Paris : Terrail, 2006, p. 139.

Figura 41 – Porta do Inferno, Auguste Rodin, 1880-1926. Bonze (Fonderie Alexis

Rudier, modelo finalizado em 1917, caixa de areia), 635 x 400 x 85 cm.

Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – La porte de l’enfer [Em

linha]. [Consult. 26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections. musee-rodin.fr/>

Figura 42 – Estudo Porta do Inferno (1), Auguste Rodin, 1880. Cera, 23,3 x 15,5 x 2 cm.

Musée Rodin. Fig. retirada de: Musée Rodin – La porte de l’enfer, première

maquette [Em linha]. [Consult. 26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 43 – Estudo Porta do Inferno (2), Auguste Rodin, 1881. Gesso, 111,5 x 75 x 30

cm. Musée Rodin. Fig. retirada de: Musée Rodin – La porte de l’enfer,

troisième maquette [Em linha]. [Consult. 26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 44 – Portas do Paraíso, Lorenzo Ghiberti, 1425-1452. Bronze dourado, alt. 4,57

m. Réplica das portas da fachada oriental do Batistério de San Giovanni,

Florença. Fig. retirada de: JANSON, H. W. – A nova História da Arte de

Janson : a tradição ocidental. 9ª ed. - Lisboa : Fundação Calouste

Gulbenkian, 2010, p. 539. Fig. 15.22.

Figura 45 – Grande Mão Crispada com Figura Implorante, Auguste Rodin, 1890. Gesso,

44,9 x 33,5 x 27,5 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin –

Grande main crispée avec figure implorante [Em linha]. [Consult. 26 jun.

2017]. Disponível na WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

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Figura 46 – Grande Mão Crispada com Figura Implorante, Auguste Rodin, 1969.

Bronze (Fonderie Godard Emile, modelo de 1906, caixa de areia), 44,5 x 33

x 27 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – Grande main

crispée avec figure implorante [Em linha]. [Consult. 26 jun. 2017].

Disponível na WWW:<URL: http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 47 – Centáurea, Auguste Rodin, 1901-1904. Mármore (Victor Peter), 71 x 104 x

31 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – Centauresse [Em

linha]. [Consult. 26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 48 – Estudo de mão para o grupo escultórico Burgueses de Calais, Auguste

Rodin, [1900]. Gesso, 46,2 x 27,8 x 18 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada

de: Musée Rodin – Grande main gauche crispée [Em linha]. [Consult. 26 jun.

2017]. Disponível na WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 49 – Mão de Deus, Auguste Rodin, 1989. Gesso, 36,5 x 33,3 x 23,2 cm. Musée

Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – La main de dieu [Em linha].

[Consult. 26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 50 – Mão de Deus, Auguste Rodin, 1916-1918. Mármore (Séraphin Soudbinine,

modelo de 1898-1902) 78 x 54 x 94 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de:

Musée Rodin – La main de dieu [Em linha]. [Consult. 26 jun. 2017].

Disponível na WWW:<URL: http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 51 – Máscara de Camille Claudel e Mão Esquerda de Pierra de Wissant, Auguste

Rodin, [1895]. Gesso, 32,1 x 26,5 x 27,7 cm. Musée Rodin, Paris. Fig.

retirada de: Musée Rodin – Masque de Camille Claudel et main gauche de

Pierre de Wissant [Em linha]. [Consult. 26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 52 – Cabeça de Camille Claudel com boina, Auguste Rodin, [1884]. Terracota,

25,7 x 15 x 17,7 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin –

Tête de Camille Claudel coiffée d’un connet [Em linha]. [Consult. 26 jun.

2017]. Disponível na WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 53 – Máscara de Camille Claudel, Auguste Rodin, 1884. Gesso, 23 x 16,5 x 17

cm. Musée Rodin. Fig. retirada de: Musée Rodin – Masque de Camille

Claudel [Em linha]. [Consult. 26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 54 – Jeannette I, Henri Matisse, 1910. Bronze, 33 x 22,8 x 25,5 cm. MoMA, Nova

Iorque. Fig. retirada de: MoMA – Jeannette (I) [Em linha]. [Consult. 26 jun.

2017]. Disponível na

WWW:<URL: https://www.moma.org/collection/works>

Figura 55 – Jeannette II, Henri Matisse, 1910. Bronze, 26,2 x 21 x 24,5 cm. MoMA,

Nova Iorque. Fig. retirada de: MoMA – Jeannette (II) [Em linha]. [Consult.

26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL: https://www.moma.org/collection/works>

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Figura 56 – Jeannette III, Henri Matisse, 1911. Bronze, 60,3 x 25 x 28 cm. MoMA, Nova

Iorque. Fig. retirada de: MoMA – Jeannette (III) [Em linha]. [Consult. 26 jun.

2017]. Disponível na

WWW:<URL: https://www.moma.org/collection/works>

Figura 57 – Jeannette IV, Henri Matisse, 1911. Bronze, 61,3 x 27,4 x 28,7 cm. MoMA,

Nova Iorque. Fig. retirada de: MoMA – Jeannette (IV) [Em linha]. [Consult.

26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL: https://www.moma.org/collection/works>

Figura 58 – Jeannette V, Henri Matisse, 1916. Bronze, 58,1 x 21,3 x 27,1 cm. MoMA,

Nova Iorque. Fig. retirada de: MoMA – Jeannette (IV) [Em linha]. [Consult.

26 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL: https://www.moma.org/collection/works>

Figura 59 – Beijo, Constantin Brancusi, 1907. Pedra calcária, 28 x 26 x 21,5 cm.

Hamburger Kansthalle, Hamburgo. Fig. retirada de: Hamburger Kansthalle –

Der kuss [Em linha]. [Consult. 28 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.hamburger-kunsthalle.de/en/about-collection>

Figura 60 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1908-1909. Gesso, 28 x 26,1 x 21,8 cm.

Coleção privada. Fig. retirada de: CABANNE, Pierre – Brancusi. Paris :

Terrail, 2006, p. 55.

Figura 61 – O Beijo-Medalha, Constantin Brancusi, [1909]. Sais de prata, dimensões

desconhecidas. Fotografia de Constantin Brancusi, Centre Georges

Pompidou, Paris. Fig. retirada de: CABANNE, Pierre – Brancusi. Paris :

Terrail, 2006, p. 50.

Figura 62 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1909. Pedra, 28 x 26 x 21,5 cm. Cemitério de

Montparnasse, Paris. Fig. retirada de: CABANNE, Pierre – Brancusi. Paris :

Terrail, 2006, p. 52.

Figura 63 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1916. Pedra calcária, 58,4 x 33,7 x 25,4 cm.

Philadelfia Museum of Art, Filadélfia. Fig. retirada de: Philadelfia Museum

– The kiss [Em linha]. [Consult. 28 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.philamuseum.org/ collections/search.html>

Figura 64 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1920. Pedra calcária, 41 x 27 x 25 cm. Centre

Georges Pompidou, Paris. Fig. retirada de: Centre Georges Pompidou –

Ebauche du baiser [Em linha]. [Consult. 28 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:https://www.centre pompidou.fr/fr/Collections/Les-oeuvres >

Figura 65 – O Beijo, Constantin Brancusi, 1923-1925. Pedra calcária, 36,5 x 25,5 x 24

cm. Centre Georges Pompidou, Paris. Fig. retirada de: CABANNE, Pierre –

Brancusi. Paris : Terrail, 2006, p. 54.

Figura 66 – Porta do beijo, Constantin Brancusi, 1937. Pedra, 5 x 6 x 1,5 m. Tîrgu Jiu,

Roménia. Fig. retirada de: TUCKER, William – A linguagem da escultura.

São Paulo : Cosac & Naify, 1999, p. 13.

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160

Figura 67 – O Beijo, Constantin Brancusi, [1940]. Pedra calcária amarela, 71,8 x 34,5 x

25,5 cm. Centre Georges Pompidou, Paris. Fig. retirada de: CABANNE,

Pierre – Brancusi. Paris : Terrail, 2006, p. 49.

Figura 68 – Terminal Fronteira, Constantin Brancusi, 1945. Pedra calcária, 184,5 x 41

x 30,8 cm. Centre Georges Pompidou, Paris. Fig. retirada de: CABANNE,

Pierre – Brancusi. Paris : Terrail, 2006, p. 214.

Figura 69 – Coluna, António Duarte, 1954. Mármore ruivina, 186 x 49 x 44 cm. Atelier-

Museu António Duarte (AMAD), Caldas da Rainha. Fig. cedida pelo AMAD.

Figura 70 – Modelo da Coluna, António Duarte, 1954. Gesso (maqueta) 65 x 15 x 10

cm. Atelier-Museu António Duarte (AMAD), Caldas da Rainha. Fig. cedida

pelo AMAD.

Figura 71 – Homem que Caminha, Auguste Rodin, 1913. Bronze (Fonderie Alexis

Rudier, modelo de 1907, caixa de areia), 213,5 x 71,7 x 156,5 cm. Musée

Rodin, Paris. Fig. de Patrícia Gonçalves, 2013.

Figura 72 – S. João Baptista, Auguste Rodin, 1880. Bronze, 203 x 71,7 x 119,5 cm.

Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – Saint Jean-Baptiste [Em

linha]. [Consult. 29 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://collections.musee-rodin.fr/>

Figura 73 – Estudo do Torso, Auguste Rodin, 1878-1887. Gesso original, 53 x 27 x 18,5

cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: Musée Rodin – L’homme qui

marche, étude du torse [Em linha]. [Consult. 29 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http:// collections.musee-rodin.fr/>

Figura 74 – Formas Únicas de Continuidade no Espaço, Umberto Boccioni, 1913. Gesso

original, 111,2 x 88,5 x 40 cm. Museu de Arte Contemporânea, Universidade

de São Paulo (MAC USP). Fig. retirada de: MAC USP – Homem que

caminha [Em linha]. [Consult. 29 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL: http://www.mac.usp.br/mac/>

Figura 75 – Formas Únicas de Continuidade no Espaço, Umberto Boccioni, 1931

(fundida a partir do modelo de 1913). Bronze, 111,4 x 88,6 x 40 cm. The

Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fig. retirada de: JANSON, H. W. – A

nova História da Arte de Janson : a tradição ocidental. 9ª ed. - Lisboa :

Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 993. Fig. 27.23.

Figura 76 – Homem que caminha I, Alberto Giacometti, 1960. Bronze (pintado), 182,25

x 25,67 x 96, 52 cm. Fondation Alberto et Annette Giacometti, Paris. Fig.

retirada de: Fondation Alberto et Annette Giacometti – Walking man I [Em

linha]. [Consult. 29 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.fondation-giacometti.fr/en/art/ 9/collection/>

Figura 77 – Guitarra, Pablo Picasso, 1912. Cartão, lona, cordas, pintura a óleo e lápis

(collage), 33 x 17 x 7 cm. Musée Picasso, Paris. Fig. retirada de: MoMA –

Guitar [Em linha]. [Consult. 30 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:https://www.moma.org/ collection/works>

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161

Figura 78 – Guitarra, Pablo Picasso, 1914. Folha de metal ferroso e arame, 77,5 x 35 x

19,3 cm. Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fig. retirada de: MoMA –

Guitar [Em linha]. [Consult. 30 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:https://www.moma.org/ collection/works>

Figura 79 – Guitarra, Pablo Picasso, 1912. Cartão, lona, cordas, pintura a óleo e lápis

(collage), 33 x 17 x 7 cm. Musée Picasso, Paris. Fig. retirada de: Musée

Picasso (Paris) – Guitare [Em linha]. [Consult. 30 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.museepicassoparis.fr/en-ligne/>

Figura 80 – Guitarra, Pablo Picasso, 1912. Cartão, lona, cordas, pintura a óleo e lápis

(collage), 21 x 14 x 7,5 cm. Musée Picasso, Paris. Fig. retirada de: Musée

Picasso (Paris) – Guitare [Em linha]. [Consult. 30 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.museepicassoparis.fr/en-ligne/>

Figura 81 – Cabra, Pablo Picasso, 1950. Bronze (assemblage: folha de palmeira, vasos

cerâmicos, cesta de vime, madeira, metal, cartão e gesso. Fonderie Valsuani),

120,5 x 72 x 144 cm. Musée Picasso, Paris. Fig. retirada de: SPIES, Werner

– Esculturas de Picasso : obra completa. Barcelona : Gustavo Gili, 1971,

p. 206. Fig. 409.

Figura 82 – Processo de realização da obra Cabra. Fig. retirada de: SPIES, Werner –

Esculturas de Picasso : obra completa. Barcelona : Gustavo Gili, 1971, p.

14.

Figura 83 – Cabra, Pablo Picasso, 1950. Cesta de vime, vasos cerâmicos, folha de

palmeira, madeira, metal, cartão e gesso (Assemblage), 120,5 x 72 x 144 cm.

Musée Picasso, Paris. Fig. retirada de: Musée Picasso (Paris) – La chèvre [Em

linha]. [Consult. 30 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.museepicassoparis.fr/en-ligne/>

Figura 84 – Prolixidade do Real, João Fragoso, déc. 60, aprox. 63. Madeira, objetos e

cordas, 217 x 156 x 42 cm. Atelier-Museu João Fragoso, Caldas da Rainha.

Fig. retirada de: Escola Superior de Belas de Lisboa – Escultura e tempo de

João Fragoso. Lisboa : E.S.B.A, 1985, s/ p. Fig. 137.

Figura 85 – Figura, Pablo Picasso, 1935. Concha de cozinha, encinhos, madeira e cordas,

112 x 61,5 x 29,8 cm. Musée Picasso, Paris. Fig. retirada de: Musée Picasso

(Paris) – Figure [Em linha]. [Consult. 30 jun. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.musee picassoparis.fr/en-ligne/>

Figura 86 – Cabeça Touro, Pablo Picasso, 1943. Selim e guiador de bicicleta, 42 x 41 x

15 cm. Musée Picasso, Paris. Fig. retirada de: RUHRBERG, Karl – Arte no

século XX. Köln : Taschen, 2005. Vol. 2, p. 479.

Figura 87 – Fernando Pessoa, Lagoa Henriques, 1988. Bronze, alt. 145 cm. Café

Brasileira do Chiado, Lisboa. Fig. de Patrícia Gonçalves, 2017.

Figura 88 – Estudo Fernando Pessoa, Lagoa Henriques, s/ data. Caneta, tinta e café sobre

toalha de papel, 13,7 x 9,5 cm. Espólio Lagoa Henriques, Lisboa. Fig. retirada

de: GAMITO, Maria João – Lagoa Henriques : eu e a minha casa. Lisboa :

Documenta, 2016, p. 149.

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162

Figura 89 – Esboceto Fernando Pessoa, Lagoa Henriques, s/ data. Bronze, 38 x 18,5 x

22 cm. Espólio Lagoa Henriques, Lisboa. (Fototografia: Maria João Gamito).

Fig. retirada de: GAMITO, Maria João – Lagoa Henriques : eu e a minha

casa. Lisboa : Documenta, 2016, p. 149.

Figura 90 – Porta-garrafas, Marcel Duchamp, 1964 (réplica do original de 1914). Ferro

galvanizado, alt. 64 x diâm. 42 cm. Centre Georges Pompidou, Paris. Fig.

retirada de: Centre Georges Pompidou – Porte-boutelles [Em linha]. [Consult.

3 jul. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:https://www.centrepompidou.fr/fr/Collections/Les-oeuvres>

Figura 91 – Roda de Bicicleta, Marcel Duchamp, 1964 (réplica do original de 1913).

Roda de bicicleta e banco, alt. 132 x diâm. 64,8 cm. Coleção Arturo Schwarz,

Milão. Fig. retirada de: RUHRBERG, Karl – Arte no século XX. Köln :

Taschen, 2005. Vol. 2, p. 457.

Figura 92 – Fonte, Marcel Duchamp, 1964 (réplica do original de 1917). Urinol de

porcelana, 61 x 48 x 36 cm. Galleria Schwarz, Milão. Fig. retirada de:

RUHRBERG, Karl – Arte no século XX. Köln : Taschen, 2005. Vol. 2, p.

459.

Figura 93 – Presente, Man Ray, 1958 (réplica do original 1921). Ferro de engomar e

pregos, 15,3 x 9 x 11,4 cm. Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fig.

retirada de: MoMA – Gift [Em linha]. [Consult. 3 jul. 2017]. Disponível na

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Figura 94 – Presente, Man Ray, 1972 (réplica do original 1921). Ferro de engomar e

pregos, 17,8 x 9,4 x 12,6 cm. Tate Modern, Londres. Fig. retirada de: Tate

Modern – Cadeau [Em linha]. [Consult. 3 jul. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.tate.org.uk/ art>

Figura 95 – Presente, Man Ray, 1963 (réplica do original 1921). Ferro de engomar e

pregos, 15,9 x 9,2 x 11,4 cm. Philadelphia Museum of Art, Filadélfia. Fig.

retirada de: Philadelphia Museum of Art – Cadeau [Em linha]. [Consult. 3 jul.

2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.philamuseum.org/collections/ search.html

Figura 96 – Pequeno-Almoço em Pele, Meret Oppenheim, 1936. Chávena, pires, colher

e pele, alt. 7,3 x diâm. 23,7 cm. Museum of Modern Art, Nova Iorque.

(Fotografia: Man Ray). Fig. retirada de: SCHELBERT, Catherine – Meret

Oppenheim. Zurich : Parkett Publichers, 1989, p. 38.

Figura 97 – Mão, Cruzeiro Seixas, 1980. Luva de cabedal, aparos e vidro, 81 x 81 x 11

cm. Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa. Fig. retirada de: Museu Calouste

Gulbenkian – Mão [Em linha]. [Consult. 3 jul. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:https:// gulbenkian.pt/museu>

Figura 98 – Contra-relevo, Vladimir Tatlin, 1914-1915. Metal, madeira e arame, 118 x

71 cm. Museu do Estado Russo, Sampetersburgo. Fig. retirada de:

RUHRBERG, Karl – Arte no século XX. Köln : Taschen, 2005. Vol. 2, p.

447.

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163

Figura 99 – Relevo de Canto Complexo, Vladimir Tatlin, 1915 (reconstruído em 1979).

Ferro, zinco e alumínio, 78,8 x 152,4 x 76,2 cm. Annely Juda Fine Art,

Londres. Fig. retirada de: RUHRBERG, Karl – Arte no século XX. Köln :

Taschen, 2005. Vol. 2, p. 447.

Figura 100 – Cabeça de mulher, Naum Gabo, 1917-1920. Celuloide e metal, 62,2 x 48,9

x 35,4 cm. The Museum of Modern Arte, Nova Iorque. Fig. retirada de:

MoMA – Head of woman [Em linha]. [Consult. 3 jul. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:https:// www.moma.org/collection/works>

Figura 101 – Cabeça nº2, Naum Gabo, 1964 (versão ampliada do original de 1916). Aço,

67 x 124 x 124,3 cm. Tate Modern, Londres. Fig. retirada de: Tate Modern –

Head No. 2 [Em linha]. [Consult. 3 jul. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http:// www.tate.org.uk/art>

Figura 102 – Modulador de Espaço-Luz, László Moholy-Nagy, 1930 (réplica de 1970).

Metal, plástico, motor eléctrico, 151 x 70 x 70 cm. Busch-Reisinger Museum,

Cambridge. Fig. retirada de: Busch-Reisinger Museum – Light prop for na

electric stage [Em linha]. [Consult. 3 jul. 2017]. Disponível na

WWW:<URL:http://www.harvardart museums.org/collections>

Figura 103 – A Montserrat, Júlio González, 1935. Chapa de ferro, soldado e forjado,

madeira, 163 x 59 x 42,5 cm. Stedelijk Museum Amsterdan, Amesterdão. Fig.

retirada de: Stedelijk Museum Amsterdan – La montserrat [Em linha].

[Consult. 3 jul. 2017]. Disponível na

WWW:URL:http://www.stedelijk.nl/en/collection/collection-online>

Figura 104 – Mulher no Jardim, Pablo Picasso, 1930. Ferro, soldado e pintado de branco,

206 x 117 x 85 cm. Paris, Musée Picasso. Fig. retirada de: Musée Picasso

(Paris) – La femme au jardin [Em linha]. [Consult. 3 jul. 2017]. Disponível

na WWW:<URL:http:// www.museepicassoparis.fr/en-ligne/>

Figura 105 – Santo António, Soares Branco, 1982. Chapa de cobre, repuxada e soldada.

3240 x 1200 cm. Reservas do Museu de Lisboa, Lisboa. Fig. de Patrícia

Gonçalves, 2017.

Figura 106 – Pormenor de Santo António, Soares Branco, 1982. Chapa de cobre,

repuxada e soldada. 3240 x 1200 cm. Reservas do Museu de Lisboa, Lisboa.

Fig. de Patrícia Gonçalves, 2017.

Figura 107 – Varina, Delfim Maya, 1934. Folha de cobre recortada, 33,5 x 16 x 14,5 cm.

Coleção Turf Club, Lisboa. Fig. retirada de: Museu Municipal de Vila Franca

de Xira – Delfim Maya : escultor em movimento : o ribatejo na obra de Delfim

Maya. Vila Franca de Xira : Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 2017,

p. 6. Fig. 18.

Figura 108 – Planificação de varina, Delfim Maya, 1934. Papel, 17,5 x 15,5 cm. Coleção

particular. Fig. retirada de: Museu Municipal de Vila Franca de Xira – Delfim

Maya : escultor em movimento : o ribatejo na obra de Delfim Maya. Vila

Franca de Xira : Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 2017, p. 6. Fig.

17.

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