reprodução de livros e a necessidade de limitar os direitos do autor

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Reprodução de livros (obras intelectuais) no ambiente acadêmico. A necessária limitação dos direitos autorais para a preservação de direitos fundamentais Leonardo Gonçalves Tessler Publicado em 10/2010. Elaborado em 09/2010. Página 1 de 4» a A 0 comentários 100% gostaram1 voto ASSUNTOS: DIREITO DAS COISAS DIREITO COMERCIAL DIREITOS AUTORAIS PROPRIEDADE INTELECTUAL Numa ordem constitucional regida por valores solidários, não é mais aceitável a noção antiga de um direito autoral puramente egoístico. SUMÁRIO: 1. O CONFLITO. 2. AS HIPÓTESES DE REPRODUÇÃO NO AMBIENTE ACADÊMICO. 3. A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AUTORAL: UM DIREITO DE EXCLUSIVO. 4. A FACULDADE DE REPRODUÇÃO E A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. 5. A MITIGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE DIREITOS AUTORAIS. 6. LIMITAÇÕES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR E A APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO CONCRETO. 6.1. Os limites ao direito subjetivo do autor. 6.2. A interpretação conforme a Constituição. 6.3. A argumentação jurídica e a aplicação do direito. 7. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E A REGRA DOS 3 PASSOS. 8. CONCLUSÃO. PALAVRAS-CHAVE: Direito Autoral. Reprodução. Instituições de Ensino. Direitos Fundamentais. Regra dos 3 Passos. Interpretação Conforme a Constituição.

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Page 1: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

Reprodução de livros (obras intelectuais) no ambiente acadêmico.

A necessária limitação dos direitos autorais para a preservação de direitos fundamentais

Leonardo Gonçalves Tessler

Publicado em 10/2010. Elaborado em 09/2010.

Página 1 de 4»

a A

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ASSUNTOS:

DIREITO DAS COISAS

DIREITO COMERCIAL

DIREITOS AUTORAIS

PROPRIEDADE INTELECTUAL

Numa ordem constitucional regida por valores solidários, não é mais aceitável a noção

antiga de um direito autoral puramente egoístico.

SUMÁRIO: 1. O CONFLITO. 2. AS HIPÓTESES DE REPRODUÇÃO NO AMBIENTE

ACADÊMICO. 3. A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AUTORAL: UM DIREITO DE

EXCLUSIVO. 4. A FACULDADE DE REPRODUÇÃO E A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO

AUTOR. 5. A MITIGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR – CONSIDERAÇÕES SOBRE

A GESTÃO DE DIREITOS AUTORAIS. 6. LIMITAÇÕES AO DIREITO SUBJETIVO DO

AUTOR E A APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO CONCRETO. 6.1. Os limites ao direito

subjetivo do autor. 6.2. A interpretação conforme a Constituição. 6.3. A argumentação

jurídica e a aplicação do direito. 7. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E A REGRA DOS 3

PASSOS. 8. CONCLUSÃO.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Autoral. Reprodução. Instituições de Ensino. Direitos

Fundamentais. Regra dos 3 Passos. Interpretação Conforme a Constituição.

Page 2: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

1. O CONFLITO

Já é notório o conflito instaurado entre os estudantes que realizam reprodução de obra

intelectual no meio acadêmico e as empresas editoriais que buscam coibir tal prática ao

argumento de pirataria.

O ápice da discórdia se deu em 2005, no momento em que, após uma série de vitórias

judiciais (cíveis e criminais) dos titulares de direitos autorais, que implicou diversas buscas

e apreensões [01]

, as principais universidades do país, como USP [02]

, PUC-SP,

Universidade Mackenzie e UnB, baixaram resoluções limitando a reprodução de obras

intelectuais de seus acervos a pequenos trechos, em obediência à Lei de Direitos Autorais

(LDA) [03]

.

Toda esta controvérsia movimentou uma série de discussões entre diversos setores da

sociedade, o que gerou uma infinidade de anteprojetos que postulam reformas na LDA

para compor adequadamente os interesses em causa.

Em sua maioria, os anteprojetos apresentam reformas ao art. 46 da LDA (que versa sobre

os limites ao direito de autor) no sentido de se criar maior espaço de atuação aos usuários

das obras intelectuais.

A jurisprudência do país, no que concerne ao tema, revela que as decisões prolatadas, em

sua maioria, tendem a acolher irrestritamente a pretensão dos autores (ou melhor dizendo,

dos titulares de direitos autorais), vedando qualquer reprodução integral de obra no

ambiente acadêmico. Tais decisões, regra geral, baseiam-se na concepção de um direito

autoral com vestes de direito real sui generis e partem do pressuposto de que as

limitações aos direitos autorais são numerus clausus e estariam todas previstas no art. 46

da LDA [04]

.

O posicionamento adotado nos tribunais, contudo, demonstra que o Brasil ainda segue os

traços de uma doutrina conservadora e um tanto quanto ultrapassada no que respeita ao

direito autoral.

Em que pese haja divergências quanto à sua natureza jurídica, é certo que o direito autoral

está hoje inserido numa ordem constitucional regida por valores solidários, possuindo,

assim como todos os demais direitos subjetivos, uma função social. Isso significa dizer,

portanto, que neste novo enquadramento jurídico-social não é mais aceitável a noção

antiga de um direito autoral puramente egoístico, em que se concedia um direito subjetivo

quase que irrestrito ao autor.

Justamente por verificarmos uma equivocada interpretação dos institutos do direito autoral,

em especial nas decisões emanadas pelos tribunais, é que se pretende, com este artigo,

demonstrar que a tutela autoral não abarca apenas interesses do autor, mas também

daqueles que, de alguma forma, almejam acesso à obra intelectual como meio de

instrução educacional. E, especificamente, no que concerne às reproduções de obras no

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ambiente acadêmico, demonstrar que é possível, mesmo na ausência de dispositivo legal

expresso, garantir a proteção dos interesses científico-educacionais [05]

por meio de

limitação de direitos subjetivos, sem que isso implique concreta ofensa ao direito

patrimonial do autor.

2. AS HIPÓTESES DE REPRODUÇÃO NO AMBIENTE ACADÊMICO

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Para que se analise corretamente a questão da reprodução de obras intelectuais, é

preciso, antes de tudo, distinguir as diversas situações em que ela pode ocorrer no âmbito

acadêmico.

Ao contrário do alardeado pelos titulares de direitos autorais, nem toda reprodução integral

de obra no meio acadêmico pode ser tachada de pirataria. Aliás, diga-se, o termo

"pirataria", que em verdade não passa de uma expressão marqueteira cunhada pelas

grandes empresas do setor, nem sequer poderia ser associado às atividades estudantis,

pois os piratas, na origem de suas atividades marítimas, sempre atuaram no ramo da

concorrência desleal (afeita ao comércio, portanto), nunca sendo motivados por princípios

científico-educacionais!

Poderíamos, então, registrar quatro possibilidades de reprodução de obra intelectual no

âmbito acadêmico, as quais podem ser subdivididas em 2 grupos principais, da seguinte

forma:

a) reproduções que visam à exploração direta da obra, sem autorização do autor, em

manifesta concorrência desleal aos interesses comerciais do autor;

b) reproduções motivadas pela finalidade educacional;

b.1) reproduções de obra pelos alunos e pesquisadores por meio de máquinas fornecidas

pelas instituições de ensino;

b.2) reproduções de obra por permissionário que presta o serviço de reprodução de obra

ao corpo discente da instituição educacional;

b.3) reproduções de obra por comerciante, fora das dependências da instituição de ensino,

motivadas por interesses didático-educacionais.

Page 4: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

A hipótese "a" é o que se poderia chamar de pirataria. Tal atividade é realizada por

verdadeiras organizações que reproduzem as obras intelectuais, sem autorização, em

grande escala, para comercializar e até mesmo distribuir os exemplares [06]

. Trata-se,

como se vê, de prática comercial – e não estudantil – a qual, além de lesar direito

patrimonial do autor, constitui concorrência desleal às empresas editoriais e deve

certamente ser coibida [07]

.

Descartada a hipótese das reproduções que visam ao comércio ilegal de exemplares,

todas as demais, por envolverem interesse público – isto é, envolvem interesses didático-

educacionais por parte dos destinatários das cópias -, devem ser analisadas caso a caso,

pois que só com a apreciação das peculiaridades fáticas é que se poderá atestar a

legitimidade das reproduções.

A hipótese "b.1", não muito freqüente no Brasil, mas bastante utilizada nos países

desenvolvidos é, a nosso ver, a melhor solução para a maioria dos problemas que

envolvem as reproduções dentro das dependências das instituições de ensino e que

motivaram a conduta drástica das universidades brasileiras de vetar as cópias integrais de

obras intelectuais em suas dependências.

Isso porque na medida em que a instituição de ensino disponibiliza as máquinas

fotocopiadoras, a reprodução realizada pelo próprio estudante se dá sem intuito de lucro e

em âmbito privado (ainda que operada em local público), para o fim único de obter o gozo

do conteúdo intelectual. Eventual ilegalidade poderia ocorrer, posteriormente, com a

comercialização do exemplar, mas isto já nada tem a ver com o ato de reprodução.

As outras três situações, além de contemplarem o gozo intelectual da obra pelo

destinatário da reprodução, implicam exploração econômica da obra por um intermediário.

Mesmo assim, há entre elas diferenças relevantes.

A hipótese "b.2", de reprodução de obra por permissionário/concessionário ou mesmo um

funcionário, constitui a gama de atividades que a instituição de ensino põe à disposição

dos alunos para fomentar o estudo e a produção científica. Por meio deste expediente

pode a entidade disponibilizar o conteúdo intelectual de seu acervo a um maior número de

indivíduos. A retribuição pecuniária que ali ocorre, em especial no caso do

permissionário/concessionário, é secundária e se justifica pela impossibilidade de

enriquecimento ilícito por parte da instituição de ensino. O labor do intermediário, portanto,

embora possa implicar o lucro, é conseqüência de uma prestação de serviço educacional

maior desenvolvida pela instituição de ensino e fica restrito ao corpo discente e ao acervo

bibliográfico ali existente. Não há dúvidas de que a finalidade científico-educacional aqui

se sobrepõe ao interesse patrimonial do autor e deve preponderar na análise do caso

concreto.

Já a hipótese "b.3" diz respeito à pura exploração comercial da obra. A regra é a de que a

reprodução integral da obra ocorra somente com a prévia autorização. Todavia, pode a

regra ser excepcionada nos casos em que se verifique um manifesto interesse científico-

Page 5: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

educacional que mereça ser resguardado. Deve o magistrado também, nas situações de

exploração econômica da obra, analisar com parcimônia a letra da lei e as peculiaridades

da lide sub judice.

Tais questões serão melhor desenvolvidas nos itens seguintes. Basta para o momento

perceber que as reproduções no ambiente acadêmico não podem ser tratadas de uma

única maneira porque há uma evidente gradação de interesses envolvidos em cada

situação. Daí que ao se apreciar a questão da reprodução da obra intelectual no âmbito

acadêmico, não se deve partir da prerrogativa da prévia autorização do autor, mas do

prisma da finalidade científico-educacional que motiva a reprodução.

3. A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AUTORAL: UM DIREITO DE EXCLUSIVO

Predomina no Brasil ainda o entendimento de que o direito autoral possuiria natureza

jurídica de um direito real sui generis.

Tal doutrina foi defendida, no início do século XX, por doutrinadores de grande vulto, como

Gama Cerqueira [08]

e Clóvis Beviláqua, que, reconhecendo a inadequação das doutrinas

daquela época, que inseriam o direito autoral como um direito de propriedade, tentaram

construir uma categoria à parte para os direitos advindos da obra intelectual, relacionando

esta não exatamente aos bens corpóreos, mas ainda sim em classificação dentro dos

direitos reais [09]

.

A noção do direito autoral como direito real é ainda reforçada atualmente pela maciça

publicidade que as empresas multinacionais americanas realizam contra a pirataria em

todos os setores da criação intelectual. Esquece-se, todavia, que o copyright anglo-saxão

parte de princípios completamente diversos do direito autoral brasileiro, não podendo este

se equiparar àquele! [10]

Doutrinas mais contemporâneas, contudo, no Brasil capitaneadas pelo professor

português José de Oliveira Ascensão, afastam-se completamente da noção do direito

autoral como direito real, pois entendem que, apesar de os direitos autorais possuírem

característica de disponibilidade, absolutividade e oponibilidade erga omnes, a sua tutela

não recairia sobre a coisa, mas sobre as atividades que se realizam sobre a coisa [11]

.

A obra, diversamente do objeto dos direitos reais, não é um bem corpóreo, passível de

apropriação, mas a expressão da criação de espírito que, para ser apreendida pelos

sentidos, encarna em um suporte – esse sim apropriável. A obra, todavia, não se confunde

com o seu suporte. Não podendo, portanto, ser apropriada, não há como a tutela jurídica

de direito real proteger o bem.

É preciso compreender que a obra intelectual, antes de ser um bem que integra a

"propriedade" do seu autor, é um bem que constitui o patrimônio cultural da sociedade.

Tem, portanto, um interesse público e não poderia sofrer o que se chama de direito

Page 6: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

exclusivo de caráter positivo, que é característica advinda do ato da apropriação [12]

, em

que o titular do direito possui a totalidade das utilizações sobre o bem.

A obra intelectual, ao nascer, vem inserida num universo de liberdades e não de direitos! E

nisso não há nada de estranho, pois como bem lembra José de Oliveira Ascensão, "a

ordem jurídica em que nos integramos é caracterizada por ser uma ordem de coisas

apropriadas; mas é caracterizada também por ser uma ordem de atividades livres, visto

que a domina o princípio da liberdade" [13]

.

O direito autoral se concretiza somente como exceção às liberdades que se realizam sobre

a obra – daí a sua natureza de monopólio: em razão da criação, o ordenamento jurídico

concede ao autor algumas atividades exclusivas sobre a obra (monopólio), as quais, em

princípio, seriam livres.

Deve ser observado, aliás, que nem toda obra possui proteção do direito autoral, mas

somente aquelas que preencham os requisitos da novidade e individualidade [14]

. Não há

sentido em conferir exclusividade ao autor se a obra não se distingue das demais

existentes e não guarda qualquer traço da personalidade do autor [15]

.

Para as obras que merecem a proteção, o ordenamento jurídico confere ao autor um

direito de exclusivo de caráter negativo (e não positivo), consubstanciado apenas no poder

de impedir que terceiros, sem sua autorização, realizem utilizações que lhe são exclusivas.

Não há necessidade de adentrar nas questões da estrutura do direto subjetivo, mas

apenas destacar que este se consubstancia na concessão de um feixe de faculdades,

pessoais e patrimoniais, que o autor poderá exercer sobre a obra. As faculdades pessoais,

dizem respeito à pessoa do criador da obra; e as patrimoniais, à possibilidade de auferir

lucro com a obra.

A reprodução, como se pode deduzir, é uma das formas de utilização patrimonial da obra –

deve, pois, sempre ser vista pela perspectiva da exploração econômica. Impõe-se, atentar,

no entanto, que as faculdades patrimoniais que o autor possui sobre a obra não são

perpétuas – como costuma acontecer com as faculdades de direito real -, pois se

encerram após certo tempo, caindo a obra em domínio público, momento em que retorna

ao seu berço de liberdade.

Assim é que, ao se apreciar a questão da reprodução é imprescindível tal entendimento da

matéria, sob pena de se desvirtuar as finalidades da tutela autoral.

4. A FACULDADE DE REPRODUÇÃO E A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR

A reprodução, como já se disse, é uma das formas de utilização patrimonial da obra.

Todavia, dentre as utilizações patrimoniais que podem ser realizadas sobre a obra,

Page 7: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

existem aquelas que diretamente implicam a exploração econômica da obra, e aquelas

cuja exploração só ocorre de forma indireta.

A reprodução enquadra-se nesta última categoria, por se tratar de um ato preparatório [16]

de exploração econômica da obra: a efetiva exploração irá ocorrer somente após a

reprodução, com a comercialização do exemplar reproduzido. De modo que a lesão ao

direito do autor só ocorrerá se o ato de reprodução for indício de posterior exploração

econômica da obra.

Tal raciocínio, aliás, é bastante intuitivo, pois ninguém ousaria admitir que aquele que

escreve um poema em uma carta, apesar de reproduzir a obra, estaria a lesar direito de

autor [17]

.

Assim é que a análise do art. 28 e 29, I, da LDA deve ser feita com muita parcimônia. Tais

dispositivos prevêem que é exclusiva do autor a utilização, a fruição e a disposição da obra

literária, artística ou científica, devendo haver sua prévia autorização para as utilizações de

terceiros que impliquem a reprodução da obra.

É muito comum os tribunais interpretarem tais dispositivos no sentido de o autor possuir a

exclusividade de todas as utilizações sobre a obra, já que possuiria um direito de

propriedade sobre ela [18]

.

Tendo em vista, contudo, que o exclusivo que o autor possui não é um exclusivo de

caráter positivo, mas apenas de caráter negativo, resta evidente que o autor tem o poder

apenas de excluir, por meio da exigência de sua autorização, somente as reproduções da

obra que impliquem a exploração econômica da obra.

Com isso, já é possível chegar-se a duas conclusões: 1) é lícita a atividade que acima

indicamos no item "b.1", do indivíduo que realiza cópia integral para si, pois a mera

reprodução não é capaz de atingir a exclusividade do autor, e a reprodução em ambiente

privado não implica exploração econômica; 2) e é ilícita a utilização descrita no item "a",

em que se reproduz objetivando a comercialização de exemplares reproduzidos, sem que

haja a autorização do autor.

Quanto à hipótese da exploração da obra pelo comerciante fora das instituições de ensino,

só devem ser admitidas, em princípio, se o comerciante possuir autorização do autor para

realizar reprodução integral. No entanto, seria possível admitir a licitude da reprodução

integral sem autorização, se, ao se apreciar as peculiaridades do caso, for observado que

existem interesses científico-educacionais a serem protegidos.

De modo que, a partir deste momento, toda a análise que se fizer neste artigo – no que

tange aos direitos fundamentais e aos limites ao direito subjetivo do autor - será voltada à

situação das reproduções integrais por intermediário, realizadas no âmbito das instituições

de ensino, sem autorização do autor, e que motivaram as sanções administrativas das

universidades e bibliotecas em geral. Tal raciocínio poderá ser estendido aos casos dos

Page 8: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

comerciantes regulares que também exploram obras intelectuais destinadas ao universo

acadêmico.

5. A MITIGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR - CONSIDERAÇÕES SOBRE A

GESTÃO DE DIREITOS AUTORAIS

A autorização do autor é, atualmente, uma exigência em dissonância com a tutela autoral.

Diante da complexidade das relações sociais é praticamente impossível exigir que toda

utilização da obra por terceiro venha a ser autorizada pelo autor ou pelos titulares de

direitos autorais.

Na origem do direito autoral, esta era a forma mais eficiente de controle da utilização:

todos aqueles que desejassem explorar a obra deveriam vir ao autor. Hoje não só a

exigência de autorização emperra o normal desenvolvimento das obras intelectuais, como

as tecnologias disponíveis podem garantir formas muito mais eficientes da exploração da

obra sem que isso implique lesão ao direito de autor.

Primeiro, porque a visão romântica da figura do autor acabou. A parcela de contribuição do

criador intelectual num mundo dominado por grandes corporações editoriais, fonográficas

e digitais é realmente diminuta. Em sua grande maioria, a publicação e toda a divulgação

da obra ficam a cargo destas empresas, que buscam coibir as utilizações que possam

implicar perda de ganhos. De modo que toda a questão dos direitos patrimoniais não está

exatamente no desejo de proibir a utilização, mas no de garantir a sua devida

remuneração. Isso porque, em última análise, tanto o autor, quanto o titular de direitos

autorais, o que mais querem é que suas obras sejam utilizadas e consumidas – desde

que, é claro, se pague a devida remuneração!

Por trás de acusações de piratarias estudantis e ilicitudes de toda ordem o que os titulares

de direitos autorais escondem é o fato de, neste período todo de evoluções técnicas – do

mimeógrafo ao scanner -, não terem ainda conseguido encontrar uma forma adequada de

controle e de gestão das utilizações de obras no ambiente acadêmico e comercial.

Constatar esta realidade é de fundamental importância, pois o interesse público que existe

na utilização das obras intelectuais não pode se tornar refém da ineficiência da iniciativa

privada!

A solução para a controvérsia, nesta perspectiva, parece simples e clara: bastaria exigir-se

daqueles que exploram a obra intelectual no âmbito acadêmico e comercial o pagamento

de uma contribuição pecuniária adequada em razão das cópias que efetuam, e não

simplesmente impedir-se as reproduções por meio de métodos arcaicos de controle de

utilização. Assim, estariam satisfeitos o autor, o comerciante, e o acadêmico.

Page 9: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

A cobrança desta remuneração só não ocorre porque as empresas editoriais nunca se

aparelharam para isso, ao contrário das empresas fonográficas que já há muito fiscalizam

os direitos autorais junto aos estabelecimentos comerciais.

Os tribunais precisam atentar para o fato de que ao aplicarem a LDA atual e, por

conseqüência, impedirem o desenvolvimento científico-educacional, não estão a conferir o

direito a quem tem razão, mas a prejudicar manifestamente o interesse público de um

lado, por meio de legitimação das condutas inoperantes do outro.

6. LIMITAÇÕES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR E A APLICAÇÃO DO DIREITO

AO CASO CONCRETO

6.1. OS LIMITES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR

A controvérsia entre estudantes e editoras é, em essência, um problema de limites ao

direito subjetivo do autor. Ao se analisar a jurisprudência brasileira, observa-se que o

entendimento corrente sobre a matéria é o de que só seria possível afastar a regra que

exige a prévia autorização do autor nas hipóteses dos limites previstos pela LDA em seu

Capítulo IV. Há certo consenso jurisprudencial, portanto, de que o rol ali previsto seria

exaustivo e não exemplificativo [19]

.

Tal compreensão sobre os limites do direito do autor, contudo, é bastante equivocada.

Basta um rápido passar de olhos nos artigos e incisos do capítulo IV para se verificar que

nem de longe a LDA contempla todas as possibilidades em que o direito subjetivo do autor

deveria ceder para se proteger interesses de terceiros. Como se pode verificar, o rol versa

quase que apenas das hipóteses de reprodução, pouco tratando das demais faculdades

patrimoniais.

Aliás, o art. 46, que trata da reprodução, é tão deficiente que aborda de maneira idêntica

as hipóteses em que a utilização seria uma limitação ao direito, e as hipóteses em que

utilizações, por não comporem o exclusivo do autor, seriam verdadeiras liberdades.

Deve-se atentar que a limitação é uma previsão normativa que, motivada por outros

interesses além dos conferidos ao titular do direito, retrai, estanca, atrofia certa faculdade a

ele garantida, permitindo que outros também a exerçam. No caso do direito autoral, é

exatamente isso o que faz, por exemplo, o inciso VII do art. 46, quando permite a

reprodução de obra intelectual como prova judicial ou administrativa.

Se terceiro, no entanto, realiza utilização da obra que não constitui uma das faculdades

exclusivas conferidas ao autor, não há que se falar em limites, mas em exercício de

liberdade, justamente por ser uma utilização fora da tutela e permitida a todos [20]

.

Page 10: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

De maneira que, afastada a hipótese do aluno que reproduz obra para si, toda a discussão

que envolva um ente intermediário que venha a auferir lucro para satisfazer o interesse

acadêmico de alguém passa por uma apreciação dos limites impostos (ou a serem

impostos) ao direito subjetivo do autor.

As limitações ao direito de autor, contudo, como já se disse, não se restringem às

hipóteses da LDA: primeiro, porque as limitações não necessitam estar previamente

previstas no texto da lei (como seria o caso das exceções, que excepcionam eventual

regra firmada); segundo, porque existe uma infinidade de situações em que se impõe a

preservação de outros interesses além do autor e que não foram previstas no texto legal.

Não se pode esquecer que o direito subjetivo do autor sofre as limitações internas naturais

da tutela autoral, mas, por estar inserido no ordenamento jurídico brasileiro, se submete

também à incidência de normas limitadoras externas, advindas de preceitos legislativos

nacionais e internacionais, se estes forem devidamente internalizados no país.

6.2. A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

Já vai longe o período em que o magistrado era um mero aplicador da norma geral ao

caso concreto, sem que em sua decisão houvesse qualquer consideração de cunho

subjetivo.

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Procedimentos para baixa de empresa no Estado de São Paulo

Após a Constituição Federal de 1988, que instaurou um Estado social baseado em

princípios solidários, o ordenamento jurídico brasileiro passou por uma drástica reforma no

que diz respeito às técnicas de decisão.

Se é verdade que o melhor seria uma LDA ajustada à realidade social, fato é que o

magistrado não pode se furtar de bem julgar o caso concreto ao argumento de que, na

falta de melhor norma, deve ser aplicado o texto legal existente, ainda que tecnicamente

inadequado à lide.

É preciso compreender que toda aplicação de norma infraconstitucional ao caso concreto

exige do magistrado uma interpretação conforme a Constituição, de modo que, se

necessário, deverá excluir possível sentido inconstitucional da norma, sob pena de aplicar

comando manifestamente contrário aos valores constitucionais do ordenamento jurídico [21]

.

Page 11: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

A interpretação conforme é técnica de controle de constitucionalidade e de preservação do

princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição [22]

, uma vez que os princípios

constitucionais são vetores de orientação para uma aplicação do Direito harmônica aos

interesses ou valores que se contraponham.

Luís Roberto Barroso bem leciona que:

"A eficácia interpretativa significa, muito singelamente, que se pode exigir do Judiciário que

as normas de hierarquia inferior sejam interpretadas de acordo com as de hierarquia

superior a que estão vinculadas. (...) A eficácia dos princípios constitucionais, nessa

acepção, consiste em orientar a interpretação das regras em geral (constitucionais e

infraconstitucionais), para que o intérprete faça a opção, dentre as possíveis exegeses

para o caso, por aquela que realiza melhor o efeito pretendido pelo princípio constitucional

pertinente". [23]

Assim é que a ausência do cotejo dos princípios constitucionais aplicáveis ao conflito entre

editoras e estudantes, pressupondo-se a inexistência de outros interesses além do

exclusivo de exploração da obra intelectual – como se o autor possuísse absoluto domínio

das utilizações sobre a obra – implica má apreciação da lide e insuficiência de efetividade

na prestação jurisdicional.

José de Oliveira Ascensão leciona que o direito subjetivo do autor não implica apenas a

concessão de poderes – a situação jurídica do direito autoral compreende um complexo de

posições positivas e negativas (poderes e deveres), e, por tal razão, o interesse do autor

pode ser restringido (por meio de limites) quando, na relação jurídica, houver interesse

público que clame maior proteção [24]

. Tal concepção é efeito direto do princípio do

solidarismo [25]

, encartado no art. 3º, I, da Constituição Federal, como objetivo fundamental

da República.

No caso das reproduções de obra em âmbito acadêmico, parece evidente que a aplicação

direta dos art. 28 e 29, I da LDA fulmina – ou prejudica em sua quase totalidade – o núcleo

existencial dos interesses científico-educacionais que justificam a funcionalidade do direito

subjetivo do autor.

Não há dúvidas de que, no conflito entre as editoras e os estudantes, há manifesta

necessidade de se resguardar as utilizações das obras que, em última análise, impliquem

o exercício de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito de acesso aos bens

culturais, o direito à educação, e o direito ao conhecimento. A interpretação da LDA

conforme a Constituição é um dos principais instrumentos que o magistrado deve se valer

para relativizar o preceito de que toda reprodução no ambiente acadêmico, seja ela com

ou sem intuito de lucro, exige a prévia autorização do autor.

Nunca é demais lembrar, com bem leciona Marçal Justen Filho, que o fundamento maior

que sustenta o chamado "interesse público" reside na dignidade da pessoa humana! [26]

Em tempos em que a sofisticação do arcabouço jurídico já admite falar-se em

Page 12: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

reconhecimento de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, relativas aos direitos

do Conhecimento [27]

, parece evidente que a formação educacional é o vetor

imprescindível para a evolução dos espíritos, a fim de que o indivíduo possa conhecer

melhor a si mesmo e compreender melhor o mundo em que vive.

6.3. A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A APLICAÇÃO DO DIREITO

É preciso observar que, ainda que a LDA não preveja explicitamente, por meio de limites

internos da tutela autoral as limitações necessárias ao direito patrimonial do autor, é

possível ao magistrado, valendo-se de argumentação jurídica embasada no princípio da

unidade hierárquico-normativa da Constituição, aplicar limitações externas ao direito

subjetivo do autor e assim assegurar o exercício de direitos fundamentais de terceiros que

utilizem a obra intelectual.

A evolução dos conceitos da metodologia do Direito e da argumentação jurídica conferem

hoje não apenas o poder de o magistrado, diante do caso concreto, conformar as

previsões normativas a fim de melhor compor os interesses em causa, como garante ao

julgador o poder de sustentar sua decisão com base não apenas no comando concreto da

lei, mas também em princípios ou valores constitucionais.

Robert Alexy demonstra que o caráter aberto, abstrato e até mesmo ideologizado dos

princípios e direitos fundamentais não impede o magistrado de construir fundamentação

racional de sua decisão, se ancorado em um processo argumentativo que sustente e

controle a racionalidade de seus argumentos [28]

.

Significa dizer: se por um lado a decisão parte de uma base em que se ancora em valores

abstratos, o processo argumentativo que lhe segue é capaz de suficientemente controlar a

racionalidade da decisão de modo a afastar hipóteses de arbitrariedade e mero

decisionismo [29]

.

Deve ser ressaltado que, no que concerne ao direito autoral, dificilmente seria sustentável

a tese de que terceiros possuiriam algum direito subjetivo à reprodução da obra que

submetesse o autor a lhes tolerar a conduta de utilização. Esta posição de exigir prestação

ou não-prestação por meio de direitos fundamentais melhor se enquadra na relação

vertical "indivíduo / Estado" do que na relação horizontal "indivíduo / indivíduo".

Mas os direitos fundamentais não implicam só a constituição de direitos subjetivos.

Podem, neste sentido, revestirem-se de meros interesses que exijam a necessária

proteção – o que seria suficiente para que o autor se abstivesse de coibir utilização de

obra intelectual que, em tese, seria exclusiva.

Daniel Sarmento, de maneira bastante clara, ao discorrer sobre a eficácia direta dos

direitos fundamentais sobre as relações privadas assim afirma:

Page 13: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

"Parece-nos que não é possível resumir todas as hipóteses de aplicação direta dos direitos

individuais nas relação privadas à moldura, por vezes estreita, do direito subjetivo (...). Os

direitos individuais podem e devem ser utilizados como pautas exegéticas, ou, em casos

patológicos, como limites externos para a regulação jurídica emanada de fontes não

estatais do Direito (...). / Neste Particular, o operador do direito não deve ser podado na

sua criatividade, reconhecendo-lhe a possibilidade de, através dos mecanismos ou

instrumentos que a situação concreta revelar como os mais apropriados, proteger os bens

jurídicos tutelados pelas normas garantidoras dos direitos fundamentais" [30]

.

Há ainda que considerar que a norma de direito autoral que exige a autorização prévia do

autor não é, em si, inconstitucional – pois, o autor de fato possui exclusividade de

utilizações sobre a obra. Todavia, nem sempre a genérica previsão normativa acaba por

ter efetiva penetração em determinadas situações fáticas, como ocorre com as

reproduções motivadas por interesses científico-educacionais e culturais, em especial,

aquelas que se realizam nas instituições de ensino por meio de um intermediário que

venha a auferir lucro na prestação educacional.

No caso das reproduções de obras intelectuais que se realizam no âmbito acadêmico,

além da necessária interpretação conforme a Constituição – que afaste interpretações

inconstitucionais do texto legal – pode o magistrado, inclusive, ao aplicar o Direito, impor o

que Karl Larenz chama de Desenvolvimento do Direito Superador da Lei de Acordo com a

Natureza das Coisas.

Tal instituto é um instrumento que o julgador possui para, diante de um arcabouço legal

não condizente com a "natureza das coisas" que a norma jurídica visa a proteger, superar

o texto legal e prestar a tutela jurisdicional adequada ao caso concreto.

Como bem destaca Karl Larenz:

"A natureza das coisas é um critério teleológico-objetivo de interpretação, sempre que não

se possa supor que o legislador tenha querido desatendê-la (...). Onde a regulação legal

falseie de modo grosseiro a natureza das coisas, a jurisprudência corrigiu-a aqui e ali,

mediante um desenvolvimento do Direito superador da lei".

E citando Heinrich Stoll, o doutrinador alemão conclui:

"se o legislador passa por alto ou deprecia a natureza das coisas e crê poder configurar o

mundo segundo os seus desejos, em breve terá que experimentar a verdade da máxima

horaciana: naturam expellas furca tamen usque recurret [31]

" [32]

No que respeita ao direito autoral, o magistrado deve, pois, assegurar a possibilidade de

reprodução de obra intelectual sempre que esta se justifique pela finalidade científico-

educacional – em especial nos casos em que a reprodução se dá como extensão da

prestação educacional pelas instituições de ensino –, ainda que para isso necessite afastar

Page 14: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

o expresso comando legal que determina a prévia autorização do autor para a utilização

da obra por terceiro.

Tal medida, se bem observada, nada tem de radical, uma vez que a LDA, como

instrumento de efetivação da norma autoral, por meio do seu art. 46, ainda que de modo

bastante tímido, sempre teve o intuito de garantir interesses científico-educacionais.

Deve ser reconhecido, ademais, que a noção de reprodução de obras intelectuais

motivadas por finalidades científico-educacionais não se restringem aos meios analógicos,

estendendo-se também para o ambiente digital, pois que o resultado da conduta do

terceiro acaba por ser o mesmo: a constituição de um exemplar por meio da reprodução,

ainda que digital

7. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E A REGRA DOS 3 PASSOS

Fato sempre esquecido na abordagem das limitações ao direito subjetivo do autor é que o

Brasil é signatário da Convenção de Berna (primeiro tratado que disciplinou o direito

autoral no âmbito internacional), assim como dos demais tratados subseqüentes, em

especial, o TRIPS [34]

e WCT [35]

.

Em todos estes tratados, a questão das limitações ao direito de autor é regulada por meio

de um sistema de princípios gerais, que veio a ser denominado de Regra dos 3 Passos.

Tal expediente surgiu como meio de integrar os diferentes regimes jurídicos dos países

signatários em um sistema harmônico disciplinador dos direitos autorais.

Inicialmente, por meio da Conferência de Paris, em 1971, a regra dos 3 passos, ao ser

introduzida no texto original da Convenção de Berna, destinava-se apenas à faculdade de

reprodução. Atualmente, contudo, tal regra é prevista em todos os tratados de direito

autoral e se estendeu a todas as faculdades patrimoniais do autor [36]

.

O art. 9/ 1 e 9/2 da Convenção de Berna vem assim disposto:

Artigo 9

1) Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam

do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo ou sob

qualquer forma que seja.

2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das

referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a

exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do

autor. – (grifos nossos).

De acordo com a Regra dos 3 Passos, portanto, será admissível limitar o direito de

exclusivo do autor:

Page 15: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

a)quando se estiver diante de certos casos especiais;

b)quando a utilização não prejudicar a exploração normal da obra;

c)quando a utilização não causar prejuízo injustificada aos legítimos interesses do autor.

Como se pode inferir, os três passos são cláusulas abertas com conceitos indeterminados

– são, neste sentido, princípios, diretrizes de atuação.

José de Oliveira Ascensão, ao analisar a maneira como a regra dos três passos veio a ser

instituída nos tratados internacionais, destaca que houve nestes diplomas manifesto

favoritismo aos interesses do autor, o que poderia causar sérios problemas de aplicação

pelo direito interno de cada país signatário.

Como se pode verificar do texto da Convenção de Berna, as normas que dispõem sobre

os direitos exclusivos do autor seriam positivas (isto é, implementariam as faculdades ao

autor) e injuntivas (ou seja, obrigatórias). Já as limitações ao exclusivo, seriam

naturalmente negativas (restringiriam os poderes concedidos), porém facultativas (não

haveria obrigatoriedade de os Estados em adotá-las) [37]

. O fato de os textos internacionais

previrem os três passos para a validação dos limites ao direito do autor levou alguns

países a tornar injuntivos os limites dos limites: uma vez adotados os limites ao direito de

autor pelo Estado, estes não poderiam ultrapassar o âmbito do teste dos três passos.

Em face desta interpretação extremamente restritiva que se construiu acerca das

possibilidades de se limitar os limites ao direito exclusivo do autor, bem como da

constatação de que, em diversos casos, o Poder Judiciário dos países signatários vinham

aplicando a regra dos 3 passos de modo a inviabilizar situações de manifesto interesse de

terceiros usuários de obras intelectuais, o INSTITUTO MAX PLANCK DE MUNIQUE, um

dos mais prestigiados centros de propriedade intelectual do mundo, publicou a Declaração

"Uma Interpretação Equilibrada para o Teste dos Três Passos" [38]

, subscrita por Cristophe

Geiger, Reto M. Hilty e uma plêiade de doutrinadores internacionais de grande

envergadura, em que busca dar o real sentido jurídico para o sistema principiológico

encartado nos tratados internacionais, de modo a compor os interesses em causa.

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A Declaração vem redigida nos seguintes termos (com grifos nossos):

Page 16: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

1. O Teste dos Três Passos constitui um todo indivisível. Os três passos do teste devem

ser considerados conjuntamente, em uma avaliação geral e abrangente.

2. O Teste dos Três Passos não exige que as limitações e exceções sejam

interpretadas restritivamente, devendo ser interpretadas em consonância com seus

objetivos e propósitos.

3. A restrição do Teste às limitações e exceções dos direitos de exclusivo a certos casos

especiais não impede, quando possível dentro do sistema legal a que se vinculam:

(a) os legisladores de introduzirem limitações e exceções abertas, desde que seu

escopo seja razoavelmente previsível; ou

(b) os tribunais de,

- aplicar limitações e exceções enunciadas em lei mutatis mutandis a circunstâncias

factuais similares, ou

- estabelecer novas limitações ou exceções.

4. Limitações e exceções não conflitam com a exploração normal da matéria protegida, se

- forem fundadas em interesses concorrentes importantes ou

- tiverem o efeito de se contrapor a restrições não-razoáveis à concorrência, notadamente

em mercados secundários, particularmente quando compensação adequada for

assegurada, seja ou

não por meios contratuais.

5. Ao se aplicar o Teste dos Três Passos, devem-se tomar em consideração os interesses

dos titulares originários de direitos, assim como os dos titulares subseqüentes de direitos.

6. O Teste dos Três Passos deve ser interpretado de maneira a respeitar os

interesses legítimos de terceiras partes, inclusive:

- interesses derivados de direitos humanos e liberdades fundamentais;

- interesses sobre competição, notadamente em mercados secundários; e

- outros interesses públicos, sobretudo aqueles concernentes ao progresso

científico, cultural, social ou ao desenvolvimento econômico.

Deve ser reconhecido que o destinatário da implementação das regras autorais previstas

em tratados é o Poder Legislativo do Estado e não o Judiciário, a quem incumbe, por meio

da lei, conformar as relações sociais. Daí que, como ressalta José de Oliveira Ascensão,

Page 17: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

"se o legislador transpuser inadequadamente este comando entram em acção [para o

aplicador do direito] os meios gerais de tutela das regras internacionais" [39]

.

E, nesta medida, a regra dos 3 passos, como se observa, é um sistema principiológico

que, além de assegurar o direito patrimonial do autor, busca assegurar interesses

legítimos de terceiros que se utilizam da obra intelectual. É, pois, um instrumento de

auxílio ao julgador quando da aplicação da LDA.

A previsão da regra dos três passos no Brasil como limitador dos limites ao direito

subjetivo do autor não tem força injuntiva, porque o legislador brasileiro não previu

nenhuma regra nesse sentido. O Judiciário, portanto, tem amplo poder de conformar os

interesses envolvidos nos casos de reprodução ocorridas no ambiente acadêmico,

podendo, inclusive, estabelecer outras limitações ao direito do autor, além das previstas na

LDA.

A reprodução integral de obra motivada por interesses didático-científicos é facilmente

classificável nos parâmetros previstos na regra dos 3 passos.

Analisada separadamente (como poderiam ser interpretados os textos internacionais), a

reprodução integral, a nosso ver, seria enquadrável nas hipóteses em que não se atinge a

normal exploração da obra [40]

. Isso porque o fato de o acadêmico solicitar a cópia não

significa que, sendo ele proibido de o fazer, viria a adquirir a obra original. Não há aqui

relação direta entre a reprodução acadêmica e eventual abalo ao patrimônio do autor –

razão pela qual, diversamente do que alegam os titulares de direitos autorais, é incorreto

afirmar-se que haveria prejuízo ao autor e a necessidade de, por isso, coibir-se a ação

estudantil.

Por sua vez, visto em conjunto os termos da regra dos 3 passos, é facilmente perceptível

que a reprodução integral atende aos três critérios, pois sua realização - ainda que, em

última análise, seja vista como um caso especial - não emperraria a normal exploração da

obra e se justificaria, ainda que causasse prejuízo aos legítimos interesses do autor, por

haver manifesta necessidade de proteção aos direitos fundamentais envolvidos.

O professor Pedro Cordeiro, da Universidade de Lisboa, aliás, em estudo em que analisa a

possibilidade de a regra dos três passos ser aplicada tanto ao meio analógico quanto ao

digital, é categórico em afirmar a aplicação do sistema às reproduções em âmbito

acadêmico:

"Estão nesse caso limites de interesse público, excepções de carácter pedagógico e

humanitário entre outras. Assim, por exemplo, reproduções feitas por bibliotecas ou

estabelecimentos de ensino sem fins comerciais, reproduções ou comunicações realizadas

em hospitais ou em prisões, as utilizações para efeitos de processos judiciais ou

administrativos, citações para fins de crítica ou análise caiem nesta categoria de limitações

e excepções" [41]

.

Page 18: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

Nunca é demais lembrar que, nos conflitos entre tratados e norma interna

infraconstitucional, vige no Brasil o sistema monista, em que o comando internacional

prevalece sobre a lei interna [42]

. Assim, ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não

regule adequadamente a matéria dos limites ao direito autoral, não pode o Judiciário se

eximir de cotejar as normas internacionais válidas internamente.

Fica claro, portanto, que diante da existência de manifestos interesses científico-

educacionais que motivam a reprodução de obras no ambiente acadêmico, se revelam

totalmente anacrônicas as decisões que vetam a possibilidade de reprodução integral da

obra intelectual nas instituições de ensino (e, em alguns casos, no próprio âmbito

comercial) sob o argumento de preservação das faculdades patrimoniais exclusivas do

autor – como se ainda estivéssemos a viver sob os valores de um Estado puramente

liberal em que o direito subjetivo não era outra coisa se não a encarnação da liberdade

individual e egoísta de cada um.

Ressalte-se, por fim, que a necessidade de resguardo dos interesses científico-

educacionais é um princípio que deve permear o agir não apenas dos tribunais, mas

também de todas as instituições de ensino, as quais, diante de sua autonomia didático-

científica, não deveriam ceder às pressões sociais (e econômicas), mas sustentar, ao mais

que pudessem, os instrumentos do desenvolvimento educacional do país.

8. CONCLUSÃO

I - Este artigo clama por uma análise equilibrada da relação que envolve o interesse

público e os interesses dos titulares de direitos autorais nas práticas de reprodução de

obras intelectuais no ambiente acadêmico.

II – A correta compreensão do objeto da tutela autoral leva-nos à compreensão do direito

autoral como um direito de exclusivo ou de monopólio e não de um direito real sui generis,

como ainda predomina no Brasil.

III – Isso implica a noção de que a proteção jurídica recai sobre as atividades que se

realiza sobre a obra e não sobre ela mesma.

IV – A reprodução de obra intelectual em ambiente acadêmico não pode mais ser vista

apenas sobre a ótica do direito subjetivo do autor, mas também sob a perspectiva da

realização de direitos fundamentais de terceiros interessados.

V – Em se tratando de reprodução de obra intelectual em ambiente acadêmico – em

especial aquelas que se desenvolvem como extensão da prestação educacional das

instituições de ensino - ao juiz cabe a interpretação dos dispositivos legais conforme a

Constituição, sem perder de vista a natureza do objeto da tutela autoral, sob pena de se

fulminar o núcleo existencial de outros interesses em causa, quais sejam, dentre outros, o

direito ao conhecimento e o direito de acesso aos bens culturais.

Page 19: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

VI – Além dos instrumentos interpretativos que o magistrado possui para a aplicação do

Direito, não se deve esquecer que a limitação do direito subjetivo do autor – e afastamento

do texto de lei para a preservação de direitos fundamentais e interesses juridicamente

protegidos nas relações autorais - é medida cogente advinda de norma internacional

devidamente internalizada no direito brasileiro.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY. Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

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PROPRIEDADE INTELECTUAL - ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PE. BRUNO JORGE

HAMMES. Curitiba: Juruá, 2006.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Vol. 1. Brasília: Senado Federal | Conselho

Editorial, 2003.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2009.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009.

CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Revista

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CORDEIRO, Pedro. Limitações e excepções sob a "regra dos três passos" e nas

legislações nacionais - diferenças entre o meio analógico e digital. In: DIREITO DA

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. Vol. III. Coimbra, 2002.

GRAU, Eros Roberto. Prefácio. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.); NETO

MARQUES, Agostinho Ramalho et al. (participantes). CANOTILHO E A CONSTITUIÇÃO

DIRIGENTE. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

JUSTEN FILHO, Marçal. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 1989.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2ª Ed. Rio de Janeiro:

Lúmen Juris. 2006

Page 20: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A PARTE GERAL DO NOVO CÓDIGO CIVIL: ESTUDOS

NA PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL. 2ª ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

Notas

1. A Gazeta Mercantil, de 04.05.2009, informa que a cópia não autorizada estaria

causando prejuízo de mais de 400 milhões de reais às editoras. Em seu site

(www.abdr.com.br), a ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos)

acumula notícias do sucesso de suas ações judiciais de busca e apreensão de

obras que seriam fruto do que chama "pirataria universitária". Como reação à

investida da ABDR, informa o Jornal Folha de S. Paulo de 22.02.2006, que

estudantes criaram o movimento "copiar livro é direito", cujo intuito é garantir o

acesso à informação e à instrução educacional (www.culturalivre.org.br).

2. A Resolução USP nº 5213/2005, por exemplo, garante reprodução integral apenas

das obras esgotadas sem publicação há 10 anos; das estrangeiras indisponíveis

no mercado nacional; de domínio público; e das que possuam autorização

expressa do autor (art. 3º).

3. O fenômeno se alastra, inclusive, para as bibliotecas de órgãos públicos, cujos

próprios funcionários operam as máquinas de reprodução.

4. Poucas são as decisões de segunda instância relacionadas especificamente à

questão da reprodução de obras intelectuais no ambiente acadêmico. Mas a

concepção do direito autoral como um direito real ainda é majoritária, em que pese

já exista decisões do STJ que afastem a possibilidade de utilização de interditos

proibitórios para os direitos autorais. Neste sentido: "Não cabe a utilização dos

interditos possessórios para a defesa dos direitos autorais" (REsp 89.171/MS, Rel.

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 09/09/1996, DJ

08/09/1997 p. 42.508). O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por

exemplo, possui decisão atual – e, diga-se, data venia, de todo despropositada -

em que se admitiu a cobrança de direitos autorais em festa de carnaval pública e

gratuita promovida pela Prefeitura, ao argumento de que o evento estava sendo

realizado em ambiente público: "A utilização de obras musicais em espetáculos

carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a cobrança de

direitos autorais à luz da novel Lei n. 9.610/98, que não mais está condicionada à

aferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor. O período anterior à

mencionada data não possibilita a cobrança de direitos autorais envolvendo

eventos públicos e gratuitos. Apelo do autor provido em parte" (AP. Civ

3822054800.Rel. Des. Nathan Zelinschi de Arruda. Orig. Comarca de São Paulo.

7ª Cam. Dto. Privado. Julg. 12.11.2008)

5. Optou-se pelo termo "científico-educacional" como forma de atentar para o fato de

que, além dos interesses de instrução educacional do estudante, estão em causa

também a gama de atividades relativas à pesquisa e à aplicação científica do

conhecimento disponível.

6. Mais comumente ligadas às atividades de reprodução de cd’s e dvd’s.

Page 21: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

7. É o caso, por exemplo do comércio do "Livro do Professor", exemplar de livro

didático que, por conter respostas e ser destinado ao professor que leciona a

matéria, tem sua venda expressamente proibida.

8. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de propriedade industrial. p. 121.

9. Clóvis Beviláqua era influenciado pela doutrina de Piola Caseli, para quem o direito

autoral seria um direito de propriedade com estrutura pessoal e patrimonial. Ao

realizar o anteprojeto do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, embora tenha

inserido o direito autoral no capítulo dos direitos reais, assim se justificou:

"Abstendo-se de dar à creação juridica a denominação de propriedade, claramente

deixa ver que a distingue do dominio; collocando-a entre os direitos reaes, quiz

indicar que, por algum modo, havia similaridade entre essas manifestações

jurídicas e o direito autoral. É um direito sui generis, que, ou entraria na Parte

Geral, ou havia de ser intercalado no livro dedicado ao direito das coisas; que aqui

são tomados numa accepção mais estensa do que se dissesse: - coisas

corpóeas".BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. p. 273.

10. O copyright anglo-saxão é o direito da cópia. É somente um direito patrimonial de

exploração da obra (hoje contemplando outras utilizações além da reprodução),

em que todos os direitos sobre a obra compõem o patrimônio do autor e são eles

disponíveis. Tal concepção deriva dos valores pragmáticos da cultura anglo-saxã,

que se opõem às matrizes teóricas romano-germânicas que originaram o direito

brasileiro.

11. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 610

12. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 615.

13. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 615.

14. No caso do acórdão da Ap. Civ. 159.742-4/6-00 (Editora Atlas S/A x Sucopi

Serviço Universitário de Cópias S/C Ltda. Publ. 11.02.2009. Rel. Des. Gilberto de

Souza Moreira TJ/SP) foi garantido o direito autoral à editora, em que pese o

conteúdo do livro fosse mera lei seca. A LDA, de fato, confere direitos autorais

aquele que realiza coletâneas ou compilações (art. 7º, XIII, LDA). A compilação,

por ser extremamente criativa, ganha status de obra. Mas a proteção é justamente

da forma criativa de reunião de conteúdo, e não do conteúdo em si. São exemplos:

100 Melhores Poesias Brasileiras, Contos Consagrados de Machado de Assis, etc.

Na lide, era de rigor apreciar o grau de criatividade da compilação, organização ou

sistematização da lei seca, não bastando verificar-se o simples emprego de uma

metodologia de disposição da matéria! De qualquer modo, é certo que o conteúdo

da compilação não confere direitos autorais ao compilador (neste caso, art. 8º, IV,

LDA). Aquele que reúne informações em base de dados, por exemplo, não se

apodera do conteúdo organizado – do contrário, se chegaria ao cúmulo de impedir

um jornal de publicar notícia só porque outro a formatou e a disponibilizou primeiro!

15. Conforme, mais pormenorizadamente, ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito

Autoral. p. 62.

16. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral, p. 165.

17. Em sentido contrário, vale citar a decisão do acórdão do Agravo de Instrumento nº

238.322-4/5-00 TJ/SP (publ. 21.05.2006), em que o Des. Rel. Flávio Pinheiro,

Page 22: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

entende ser suficiente para a caracterização da ilegalidade a mera realização do

ato de reprodução: "Se a reprodução por reprografia de obras intelectuais constitui

violação a direitos autorais, é óbvio que, quem se utiliza dessa prática ilícita, não

pode se queixar da ordem judicial que objetiva reprimi-la".

18. Somente por esta imprecisão do art. 28 justificaria a afirmação do referido acórdão

paulista em que o magistrado afirma que a LDA não mais levaria em consideração

o aspecto lucrativo da utilização da obra intelectual. Esta interpretação, contudo, é

equivocada, data venia.

19. Capítulo IV - Das Limitações aos Direitos Autorais

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I - a reprodução:

a)na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em

diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da

publicação de onde foram transcritos;

b)em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de

qualquer natureza;

c)de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob

encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não

havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;

d)de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes

visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o

sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses

destinatários;

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do

copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação,

de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na

medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da

obra;

IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas

se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e

expressa de quem as ministrou;

V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e

transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente

Page 23: Reprodução de Livros e a Necessidade de Limitar Os Direitos Do Autor

para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem

os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso

familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino,

não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova

judiciária ou administrativa;

VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras

preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes

plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra

nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause

um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras

reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.

Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser

representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e

procedimentos audiovisuais.

20. Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral.p.248/249.

21. E aqui deve ser reforçado o aspecto de que a interpretação da Constituição é algo

que sempre se renova, pois como afirma o Ministro Eros Grau "Podemos dizer que

em verdade não existe a Constituição, do Brasil, de 1988. Pois o que realmente

hoje existe, aqui e agora, é a Constituição do Brasil, tal como hoje, aqui e agora

está sendo interpretada/aplicada". GRAU, Eros Roberto. In: Canotilho e a

Constituição Dirigente. p.13".

22. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. p. 373.

23. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. p. 373.

24. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor e as

limitações legais. p.85.

25. É já bem difundido no Brasil o pensamento de Luigi Perlingieri sobre a função

social existente em todo direito subjetivo e, por conseqüência, toda situação e

relação jurídica na dinâmica social. (Cf. PERLINGEIRI, Pietro. Perfis de direito civil.

p. 105 e ss).Gustavo Tepedino em pertinente artigo, discorre que "Em que pese,

pois, a extraordinária importância das construções doutrinarias que engendraram

os direitos de personalidade, a proteção constitucional da pessoa humana supera

a setorização da tutela jurídica (a partir da distinção entre direitos humanos, no

âmbito do direito público e direitos de personalidade na órbita do direito privado)

bem como a tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse

incidir o ordenamento". TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica

legislativa na parte geral do código civil de 2002. p.XXIV.

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26. JUSTEN Filho, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 46/47.

27. Paulo Bonavides assim leciona: "são direitos de quarta geração o direito á

democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a

concretização da sociedade aberta ao futuro, e sua dimensão de máxima

universalidade. (...). / A democracia positivada enquanto direito da quarta geração

há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças

aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável, graças à

informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser

também uma democracia isenta já das contaminações da mídia

manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e

unitarista, familiar aos monopólios do poder – gn. BONAVIDES, Paulo. Curso

de Direito Constitucional. p. 571.

28. ALEXY. Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008,

p.559/560

29. Nesse sentido, afirma Robert Alexy: "a abertura do sistema jurídico, provocada

pelos direitos fundamentais, é inevitável. Mas ela é uma abertura qualificada. Ela

diz respeito não a uma abertura no sentido de arbitrariedade ou de mero

decisionismo. A base aqui apresentada fornece argumentação no âmbito dos

direitos fundamentais uma certa estabilidade e, por meio de regras e formas de

argumentação prática geral e da argumentação jurídica, a argumentação no âmbito

dos direitos fundamentais que ocorre sobre essa base é racionalmente

estruturada".ALEXY. Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p.573/574.

30. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. p. 257

31. Em tradução livre, "a natureza (ou o estado natural), ainda que rechaçado pela

força, sempre retorna".

32. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. p. 509.

33. Devendo ser ressaltado aqui que todas as demais circunstâncias de eventual

difusão da obra por meio de redes digitais já nada têm a ver com a reprodução das

obras, mas sim com outra faculdade patrimonial exclusiva do autor que é a

faculdade de colocar a obra à disposição (art.14, WPPT) ou, por outros, da

comunicação ao púbico.

34. TRIPS - Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – Acordo sobre

Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual, assinado em 28.10.

35. WCT - World Intellectual Property Organization Copyright Treaty – Tratado de

Direitos Autorais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, de

28.10.2006.

36. Cf. CORDEIRO, Pedro. Limitações e excepções sob a "regra dos três passos" e

nas legislações nacionais - diferenças entre o meio analógico e digital. p. 212.

37. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor e as

limitações legais. p.100/101

38. Disponível em:

http://www.ip.mpg.de/shared/data/pdf/declaration_three_step_test_final_portugues

e.pdf

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39. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor e as

limitações legais. p.97.

40. José de Oliveira Ascensão corretamente afirma que a classificação como "casos

especiais" só poderia ocorrer por exclusão, quando não satisfeitos um dos dois

outros critérios. Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor

e as limitações legais. p. 98.

41. Cf. CORDEIRO, Pedro. Limitações e excepções sob a "regra dos três passos" e

nas legislações nacionais - diferenças entre o meio analógico e digital. p. 217.

42. Luís Roberto Barroso bem leciona que "no que diz respeito ao conflito entre

tratado internacional e norma interna infraconstitucional, a doutrina de direito

internacional, como assinalamos pouco arás, é amplamente majoritária no

sentido do monismo jurídico, com primazia para o direito internacional. Por

tal postulado, o tratado prevalece sobre o direito interno, de forma a alterar a

lei anterior, mas não pode ser alterado por lei superveniente". BARROSO,

Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. p. 17/18.

Leia mais: http://jus.com.br/artigos/17542/reproducao-de-livros-obras-intelectuais-no-

ambiente-academico/4#ixzz2qxcCRs7Q