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Wendell Ficher Teixeira Assis Representações da Natureza e Des-figuração dos Conflitos Socioambientais: A Publicidade dos setores Elétrico, Químico e Petroquímico entre 1982 e 2002 Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Meio Ambiente e Sociedade. Orientadora: Andréa Zhouri Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas 2005

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Page 1: Representações da Natureza e Des-figuração dos Conflitos ... · Wendell Ficher Teixeira Assis Representações da Natureza e Des-figuração dos Conflitos Socioambientais: A Publicidade

Wendell Ficher Teixeira Assis

Representações da Natureza e Des-figuração dos Conflitos Socioambientais: A Publicidade dos setores Elétrico, Químico e Petroquímico entre 1982 e 2002

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Meio Ambiente e Sociedade. Orientadora: Andréa Zhouri

Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

2005

Page 2: Representações da Natureza e Des-figuração dos Conflitos ... · Wendell Ficher Teixeira Assis Representações da Natureza e Des-figuração dos Conflitos Socioambientais: A Publicidade

Agradecimentos

Da pré-escola até aqui tive que ousar contrariar a lógica e abrir trilhas na busca por novos

conhecimentos, afinal essa possibilidade não se apresenta como factível à maioria de nossa

população. Todavia, esse trajeto acidentado me foi mais aprazível graças aos incentivos,

afagos, broncas e sacrifícios de duas importantes figuras: Geralda e Graciano, intimamente

chamados de mãe e pai. Assim, sou muito grato aos seus ensinamentos de temperança e

audácia que hão de me acompanhar até a lápide. Da mesma forma, agradeço aos meus irmãos,

Ronnie e Assis, pela amizade e companheirismo que sempre animaram nossa convivência.

Quando penso no caminho percorrido até aqui não me perco nas boas lembranças e nem nos

percalços, tampouco me esqueço dos amigos, porque essas são coordenadas bem grafadas em

minhas veias. Desse modo, agradeço aos companheiros do GESTA- Grupo de Estudos em

Temáticas Ambientais, em especial à velha guarda, Ângela, Raquel e Marcão, pela afeição

com que me receberam e pelo carinho dispensado nos ensinamentos introdutórios. À trupe do

IPCS, Tiago, Carlão, Vandeco, Sergio e Davidson, fico grato pelas muitas e etílicas

conversas, que longe de serem infrutíferas, embalaram boas idéias.

Durante o processo de escrita o silêncio que antecede o tilintar do teclado quase sempre é

angustiante, mas isso fica ainda pior se o compasso de espera é irrompido por algum outro

barulho. Nesse quesito, agradeço à benevolência do meu grande camarada Lourenço, que

além de me ceder um espaço no seu tranqüilo apartamento, teve paciência de escutar minhas

histórias dissertadas e retribuí-las com excelentes comentários.

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O afeto e amabilidade que encontrei nos braços de Jussara arrefeceram minhas incertezas e

estimularam a vontade de prosseguir. A essa moça de madeixas encaracoladas deixo aqui

meus agradecimentos pela companhia, incentivo, amores, ternura e compreensão.

Da labuta na biblioteca trouxe comigo os ensinamentos das leituras e as amizades lá

cultivadas. Agradeço a todos os funcionários que não mediram esforços em me ajudar e

auxiliar na procura por revistas perdidas.

Durante os anos de convivência com minha orientadora Andréa Zhouri, aprendi que é

possível exercitar a crítica, emocionar-se com as lutas e indignar-se com as assimetrias

sociais, sem, contudo, perder de vista o rigor metodológico e a reflexão teórica. Dessa forma,

agradeço-a pelos ensinamentos acadêmicos que, sempre embebidos em um vigoroso

comprometimento com a transformação social, nos aguçam a pensar nas sustentabilidades

dessa nova configuração.

Por fim, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -

CNPq, pela bolsa concedida à realização dessa pesquisa.

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Resumo

A presente dissertação objetiva demonstrar que a publicidade veiculada por segmentos

degradadores do meio ambiente atua em duas frentes: de um lado, compõe uma imagem

enaltecedora das empresas que exploram a natureza, e de outro, circula noções em disputa no

interior do campo ambiental. O argumento utilizado busca realçar que a apropriação

econômica da natureza é consubstanciada por significações simbólicas, que procuram

hierarquizar os olhares sob a natureza, bem como legitimar iniqüidades na distribuição do

espaço ambiental. Desse modo, intentamos através da análise de anúncios publicitários dos

setores elétrico, químico e petroquímico, veiculados nas revistas Veja e Exame entre os anos

de 1982 e 2002, evidenciar como a visão econômica dominante dentro e fora do campo

ambiental emprega as noções de desenvolvimento sustentável e responsabilidade social para

legitimar o processo de exploração da natureza. A partir de uma perspectiva que concebe a

publicidade como instrumento heurístico que auxilia na compreensão dos imaginários sociais

(BRETON & PROULX, 2002; RIAL, 1999; SOULAGES, 1996), procuraremos elucidar as

estratégias discursivas, imagens, cores e enquadramentos que se entretecem na consolidação

desse processo. Destarte, constatamos um ocultamento dos impactos sociais e ambientais e

uma racionalização da natureza como lugar da geração de riquezas.

Palavras-Chave: Desenvolvimento Sustentável

Meio Ambiente Publicidade

Indústria Química Petroquímica Setor Elétrico

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Abstract

The main of this dissertation is demonstrate that the advertising propagated by destroyers

segments of environment acts in two different ways: First, composing a positive image of the

companies, which explore nature, in the other hand it, circulates notions in dispute in the

environmental field. The argument used goes for to emphasize that the economic

appropriation of nature is affirmed by symbolic meanings which wants to hierarchize the

views of nature and legitimize inequalities in the environmental space distribution. In that

way we intend through the examination of the publicity advertisements made by the electric,

chemical and petrochemical sectors published in the Veja and Exame magazines between the

years of 1982 and 2002 show how the dominant economic view of nature use the notions of

sustainable development and social response in and outside the environmental field to

legitimize the process of nature' s exploration. Using the perspective which conceives the

publicity as an heuristic instrument that helps in the appreciation of social imaginaries

(BRETON & PROULX, 2002; RIAL, 1999; SOULAGES, 1996) we intend to elucidate the

discourse strategies, images, colors and framings which if they mix in the consolidation of

this process. Then we rea1ise an attempt to keep in dark the social and environmental impacts

and a rationalization of nature as the place for production of wea1th.

Key words: Sustainable Development, Environment, Advertising, Chemical Industry,

Petrochemical and Electric Sector

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Lista de Ilustrações Quadro 1 - Distribuição dos Anúncios por Revista e Segmento Produtivo ..............................58 Quadro 2 - Recorrências e Dissonâncias do Discurso Publicitário do Setor Elétrico 1982-2002 ..................................................................................114 Figura 1 - Anúncio publicado na revista Veja 764 de 27/04/1983, p. 123................................ 84 Figura 2 - Anúncio publicado na revista Veja ano 20, nº 37 de 14/09/88, p. 117..................... 90 Figura 3 - Anúncio publicado na revista Exame 628 de 17/01/1997, p. 81.............................. 93 Figura 4 - Anúncio publicado nas revistas Veja 1520 de 05/11/1997, p. 57

e Exame 648 de 13/11/1997, p. 39........................................................................... 97 Figura 5 - Anúncio publicado na revista Veja 1628 de 15/12/1999, p. 217............................ 103 Figura 6 - Anúncio publicado na revista Veja 1752 de 22/05/2002, p. 52...............................105 Figura 7 - Anúncio publicado nas revistas Veja 1643 de 05/04/2000, p. 26 e Exame 716 de 13/04/2000, p.83...........................................................................109 Figura 8 - Anúncio publicado na revista Veja 759 de 23/03/1983, p. 45.................................121 Figura 9 - Anúncio publicado na revista Exame Maiores e Melhores agosto de 1991, p.84..............................................................................................127 Figura 10 - Anúncio publicado na revista Veja 979 de 10/06/1987, p. 106.............................132 Figura 11 - Anúncio publicado nas revistas Exame 664 de 14/06/1998, p. 72

e Veja 1552 de 24/06/1998, p. 36........................................................................ 139 Figura 12 - Anúncio publicado na revista Exame 323 de 03/04/1985, p. 61.......................... 146 Figura 13 - Anúncio publicado na revista Exame Maiores e Melhores setembro de 1987, p. 236...................................................................................... 150 Figura 14 - Anúncio publicado na revista Veja ano 20 nº 14 de 06/04/1988, p. 12.................155 Figura 15 - Anúncio publicado na revista Exame 436 de 20/09/1989, p.67............................157 Figura 16 - Anúncio publicado na revista Exame 547 de 22/12/1993, p. 92.......................... 161 Figura 17 - Anúncio publicado na revista Veja 1749 de 01/05/2002, p. 84............................ 164 Figura 18 - Anúncio publicado na revista Veja 741 de 17/11/1982, p. 86.............................. 171

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Figura 19 - Anúncio publicado na revista Exame 286 de 05/10/1983, p.24............................174 Figura 20 - Anúncio publicado na revista Exame 309 de 05/09/1984, p. 06.......................... 177 Figura 21 - Anúncio publicado na revista Exame Maiores e Melhores

setembro de 1987, p.282........................................................................................181 Figura 22 - Anúncio publicado na revista Veja 1114 de 24/01/1990 – p. 01...........................185 Figura 23 – Anúncio publicado nas revistas Exame 742 de 17/06/2001, p.

e Veja 1721 de 10/10/2001, p.66..........................................................................186

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SUMÁRIO Introdução.................................................................................................................................. 09 Capítulo 1 - As Reinvenções do Ambiental: Apropriação Econômica, Institucionalização e Lutas Simbólicas Introdução..................................................................................................................................... 15 1.1 Preâmbulos à Constituição do Campo Ambiental.................................................................. 16 1.2 O Conceito de Campo e o Entendimento da Questão Ambiental.......................................... 22 1.3 Desenvolvimento: Realidade ou Mito Sustentável?............................................................... 28 1.4 Mais do Mesmo: A Reinvenção do Conceito de Desenvolvimento....................................... 31 1.5 A Irrestrita Fé Técnica versus a Insurgente Racionalidade Ambiental.................................. 43 Capítulo 2 - A Publicidade e os Processos de Significação do Campo Ambiental: Coordenadas para Compreensão de um Discurso Introdução..................................................................................................................................... 47 2.1 A Dubiedade da Construção Publicitária: Dimensão Econômica e Atribuição de Significados.................................................................................................................................. 48 2.2 Recortando o Objeto e Contando as Peças............................................................................. 53 2.3 Plataformas e Marcos para a Compreensão do Discurso Publicitário.................................... 59 Capítulo 3 - A Reconciliação Discursiva: Significações Impertinentes e Realidades Ofuscadas Introdução..................................................................................................................................... 74 3.1 Categorizações e Divisões Temporais: Compreendendo o Discurso..................................... 75 3.2 A Energia como Natureza do Progresso e a Incorporação do Discurso de Desenvolvimento Sustentável na Publicidade do Setor Elétrico............................................................................... 77 3.2.1 Domar a Natureza e Produzir Riquezas: A Publicidade de Hidrelétricas no Período 1982-1987............................................................................................................................................. 79 3.2.2 Descaracterização dos Impactos e Reflexos da Noção de Desenvolvimento Sustentável: A Publicidade de Hidrelétricas no Período 1987-1997.................................................................... 88

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3.2.3 Aprimoramento Técnico, Compensação e Mitigação de Impactos: O Desenvolvimento Sustentável e a Publicidade de Hidrelétricas no Período 1997- 2002........................................ 101 3.3 O Outro Lado de um mesmo Discurso: A Publicidade dos Concessionários Gera-dores e Distribui-dores............................................................................................................................ 115 Capítulo 4 - Outras Reconciliações para um mesmo Divórcio: O Discurso Publicitário das Indústrias Química e Petroquímica e o Ocultamento de uma Natureza Modificada Introdução.................................................................................................................................. 143 4.1 Do Discurso da Essencialidade à Absorção da Idéia de Desenvolvimento Sustentável: A Publicidade do Setor Petroquímico............................................................................................ 144 4.1.2 Reação aos Impactos e Absorção da Idéia de Desenvolvimento Sustentável: A Publicidade do setor Petroquímico entre 1987 e 1997................................................................................... 152 4.1.1 Produzir em Harmonia com a Natureza: O Discurso Publicitário do setor Petroquímico entre 1997 e 2002....................................................................................................................... 164 4.2 Reconhecimento dos Impactos e Reação Discursiva: A Publicidade da Indústria Química...................................................................................................................................... 168 5 - Reflexões à guisa de Conclusão................................................................................. 189 Referências Bibliográficas................................................................................................. 196

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Introdução

A chamada questão ambiental tem constituído foco de preocupações de órgãos

governamentais, setores produtivos, movimentos sociais, bem como se erigido em importante

ferramenta na orientação de políticas em âmbito nacional e internacional. A

institucionalização dessa temática tem atravessado nas últimas décadas um clima de intensa

discussão complementado pela ocorrência de importantes conferências no âmbito da

Organização das Nações Unidas. Destarte, esses eventos representam uma visão hegemônica

acerca da preservação do meio ambiente e re-velam inquietações no tocante a finitude dos

recursos naturais. Todavia, o percurso de constituição dessa arena, iniciado com a

Conferência de Estocolmo em 1972, assiste atualmente a um acirramento da idéia que

coaduna preocupação ambiental com exploração econômica capitalista. Nesse contexto, os

múltiplos significados da idéia de desenvolvimento sustentável associados a outras definições

em disputa no campo ambiental (CARNEIRO, 2005; ZHOURI, 2005) têm sido apropriados

pelos segmentos produtivos na justificação de modificações sobre o espaço social e

geográfico.

Assim sendo, o objetivo deste trabalho é demonstrar que setores produtivos degradadores e

consumidores da natureza, em virtude de uma maior visibilidade dos impactos ocasionados ao

meio ambiente e da protuberância alcançada por uma dada preocupação ambiental, passaram

a utilizar a publicidade para circular figurações de comprometimento com a preservação da

natureza. Nesse sentido, procuram construir uma imagem que enaltece a atuação dos

segmentos produtivos, ao mesmo tempo, que suaviza e minimiza a existência de impactos

ambientais e sociais decorrentes de suas atividades. Sobre esse aspecto, erige-se no

imaginário coletivo um conjunto de significações que legitimam e justificam o continuado

processo de exploração da natureza.

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A construção dos imaginários sociais tem sido uma preocupação da pesquisa sociológica

desde seus pais fundadores: Marx sublinhava a importância das ideologias e as funções que

desempenham nos conflitos de classe; Durkheim demonstrava as relações entre estruturas

sociais e representações coletivas no fortalecimento da coesão social; enquanto Weber

delineava as funções do imaginário na atribuição de sentidos que orientam os atores na

formulação e entendimento da ação social. Dessa forma, seguindo o rastro da tradição

sociológica, procuraremos elucidar as formas empregadas pelo discurso publicitário na

composição de um imaginário social que favorece a imagem ambientalizada de segmentos

produtivos altamente degrada-dores da natureza e obscurece a ocorrência de impactos

ambientais e sociais ocasionados por suas atividades.

Com esse intuito trabalharemos com o discurso publicitário de três setores produtivos que são

grandes consumidores de espaço físico e degradadores do meio ambiente: os setores elétrico,

petroquímico e químico. Sendo assim, estabelecemos para coleta dos anúncios o intervalo de

duas décadas compreendidas entre os anos de 1982 e 2002. Esse recorte incorpora peças

publicitárias veiculadas antes e depois da Conferência sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Rio em 1992. Sobre esse aspecto, consideramos a realização

das conferências como importantes demarcadores temporais, tendo em vista que constituem

catalisadores de novas atitudes e esferas de estabelecimento de diretrizes normativas ou

consultivas para o meio ambiente. Em relação ao suporte de mídia a ser utilizado, optamos

pelo uso de revistas por permitirem uma seletividade de público e um acompanhamento

sistematizado de todo período selecionado (BOONE & KURTZ, 1998). Dessa forma,

utilizamos anúncios veiculados nas revistas Veja e Exame, a primeira dedicada a um público

mais amplo e a segunda com enfoque especifico no empresariado nacional.

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O referencial teórico que adotamos concebe a publicidade como uma instância que auxilia na

compreensão dos imaginários sociais e se estabelece como um suporte para as representações

sociais (RIAL, 1998; SOULAGES, 1996). Ademais, podemos encará-la como parte integrante

das mercadorias visuais, ao mesmo tempo que resultado e conseqüência de uma rede

entrelaçada por valores econômicos, culturais, simbólicos e políticos (CANEVACCI, 2001).

Dessa maneira, a publicidade não constitui apenas uma técnica comercial, que por meio de

suas incitações procura tornar necessária a compra de bens ou serviços específicos. Ao

contrário, erige-se em um produto de ordem sociocultural (BRETON & PROULX, 2002). Em

associação com essas concepções, vislumbramos a denominada problemática ambiental a

partir do conceito bourdiano de campo e ambicionamos realçar os embates que permeiam o

estabelecimento de representações legitimas acerca da natureza (ZHOURI, 2005). De todo

modo, como a publicidade extrai sua força dos conteúdos que se entretecem no universo

social, bem como incita outras significações, procuraremos demonstrar a apropriação que esse

discurso realiza de definições em disputa no campo ambiental.

Ao considerarmos que a composição publicitária realiza uma junção entre texto e imagem,

torna-se necessário compreendermos as maneiras através das quais a imagem é utilizada como

um eficiente texto e esse como um decodificador de aspectos não explícitos. Dessa maneira,

alicerçados nos pressupostos da análise de imagem em que características como tamanho,

enquadramento, plano, contraste, nitidez, além de dados explícitos, conferem sentidos

(DUARTE, 1998), buscamos apreender as significações de natureza sugeridas ao imaginário

social. Da mesma forma, o arcabouço da análise de discurso nos municiará na compreensão

dos sentidos expressos nos anúncios, uma vez que as palavras mudam de significado em razão

das posições e formações ideológicas daqueles que as empregam (ORLANDI, 1988). Além

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disso, temos em mente que a tarefa da análise de discurso não consiste mais em destrinchar o

conjunto de signos, mas em concebê-los como práticas que formam sistematicamente os

objetos que representam (FOUCAULT, 1972).

A hipótese inicial dessa pesquisa considerava que esses setores produtivos altamente

degradadores do meio ambiente realizavam, através da publicidade, uma exaltação das

belezas e riquezas naturais, como forma de obscurecer os impactos ambientais ocasionados

e/ou silenciar uma apropriação assimétrica da natureza.Todavia, como veremos, as estratégias

empregadas com esse intuito são: o controle técnico-cientifico do meio ambiente, o progresso,

o crescimento econômico e o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, constroem-se, de um

lado, símbolos de uma adequação ambiental que associa esses segmentos a posturas

eticamente responsáveis e de respeito à natureza, e, de outro, uma legitimação das atividades

degradantes que são significadas como geradoras de riqueza e progresso.

O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro apresenta uma

configuração do debate ambiental no cenário brasileiro que antecede a institucionalização do

campo ambiental e aponta a existência de um raciocínio alicerçado no desfrute incondicional

das riquezas naturais. Além disso, descreve o processo de constituição desse campo e sinaliza

para as vantagens de uma abordagem calcada na perspectiva bourdiana. Nesse sentido,

observa a temática ambiental a partir de uma ótica que evidencia a ocorrência de disputas

sobre os usos e significados atribuídos à natureza. Ao analisar a institucionalização do campo

ambiental, discorre sobre a consolidação da noção de desenvolvimento sustentável, bem como

desenovela o conjunto de assertivas que encapsuladas nessa idéia mantêm uma imagem

quimérica de respeito ao meio ambiente. Sobre esse aspecto, demonstra a longevidade de um

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discurso que apresenta o aprimoramento e a eficiência técnica como mecanismos de

manutenção do modelo econômico e perpetuação das atividades impactantes.

O segundo capítulo delineia a relação existente entre tensões e disputas do campo ambiental e

a elaboração do discurso publicitário dos segmentos selecionados para a pesquisa. Por outro

lado, apresenta o referencial teórico que concebe a publicidade como uma instância heurística

capaz de auxiliar na compreensão dos imaginários sociais. Ademais, descreve o método de

análise e compreensão dos anúncios, os procedimentos adotados para a coleta e categorização

das peças, bem como justifica as escolhas realizadas. Por fim, sinaliza para a existência de um

léxico publicitário, que a despeito da divulgação de um dado acontecimento, atua nas

seguintes direções: ajuste de uma nova concepção de meio ambiente, obscurecimento das

lutas sociais, legitimação de novas obras, invenção de uma responsabilidade empresarial,

ocultamento dos impactos socioambientais e criação de uma idéia de progresso e

desenvolvimento atrelada aos empreendimentos. Destarte, ao articular essas dimensões o

discurso publicitário dissemina a possibilidade de um gerenciamento responsável da natureza

e sinaliza para a certeza de um futuro melhor para toda a sociedade.

O terceiro capítulo é dedicado à análise do discurso elaborado e ofertado pelo setor elétrico.

Aqui estabelecemos uma distinção heurística entre os anúncios dedicados a promover a

construção de usinas hidrelétricas e aqueles que propagandeiam a atuação das concessionárias

geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia. Não obstante, notamos em ambos uma

paulatina absorção da noção hegemônica de desenvolvimento sustentável, que obscurece e

minimiza os impactos ambientais e sociais ocasionados. Em um primeiro momento, a

natureza é significada como locus e espaço da produção capitalista de riquezas, ao que se

segue um discurso que suaviza e descaracteriza a ocorrência de impactos e posteriormente

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consagra definições hegemônicas no campo ambiental, tais como a mitigação e compensação

de impactos. Sobre esses aspectos, verificamos uma incorporação por parte do discurso

publicitário de noções em disputa no campo e percebemos a utilização das idéias de

progresso, desenvolvimento, bem-estar social e crescimento econômico na justificação e

manutenção da exploração da natureza. Além disso, notamos o emprego de um discurso que,

de um lado, invisibiliza a existência de comunidades atingidas, e de outro, não aciona a

necessidade de reorientação no consumo de energia.

O quarto e último capítulo se endereça à compreensão da publicidade do setor petroquímico e

da indústria química. Procuramos demonstrar as dissonâncias e recorrências que orientam o

discurso desse três segmentos, com destaque para a absorção mais precoce da noção de

desenvolvimento sustentável na publicidade da indústria química. Conjeturamos que isso

acontece em virtude de uma maior visibilidade dos impactos ocasionados, bem como por uma

pressão mais precoce dos movimentos sociais organizados. De todo modo, percebemos como

o discurso publicitário desses três segmentos se apropria de noções hegemônicas no campo

ambiental para justificar a continuidade das atividades de produção da indústria. Por outro

lado, reiteramos a preponderância e hegemonia do paradigma da adequação ambiental

(ZHOURI, 2004; CARNEIRO, 2005). Sendo assim, longe de promover uma exaltação das

belezas naturais brasileiras, esse discurso reafirma as possibilidades de exploração inexaurível

dos recursos naturais, desde que ocorra um gerenciamento calcado nos princípios técnico-

científicos adequados.

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Capitulo I – As Reinvenções do Ambiental: Apropriação Econômica,

Institucionalização e Lutas Simbólicas

1) Introdução

A proposta deste capítulo é desenvolver uma análise sobre as orientações da temática

ambiental capaz de salientar suas origens e rumos, bem como de realçar a emergência do

poder de agenda ligado a essas questões. O cenário apresentado nas últimas décadas nos

mostra uma nova realidade social, qual seja, o surgimento de uma dada preocupação

ecológica orientadora de ações políticas em âmbito nacional e internacional. Desse modo, ao

mesmo tempo em que têm contribuído para renovar as perspectivas do debate político,

colocando novos temas e aspirações na agenda de discussão (PÁDUA, 1987), as questões

ambientais sugerem também um maior envolvimento da sociedade nos assuntos relacionados

ao meio ambiente.

Tentando desenovelar esse emaranhado que compõe a arena ambiental, procurar-se-á oferecer

um panorama sobre a consolidação de uma certa noção de desenvolvimento sustentável que

ressalte sua importância na formulação de políticas de exploração da natureza. Para tanto,

apresentaremos uma abordagem que, balizada no conceito bourdiano de campo intenta

clarificar os embates e disputas em torno dessa definição (ZHOURI, 2001; CARNEIRO,

2003). Não obstante, buscaremos construir uma leitura crítica que acentue a dimensão

técnico-científica presente na elaboração de um ideário que aglutina crescimento econômico e

preservação ambiental. Sobre esse aspecto, será possível constatar a longevidade de um

discurso que apela ao aprimoramento técnico como forma de manter a extração capitalista de

recursos ambientais.

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Assim sendo, a idéia é traçar as coordenadas que orientam o campo ambiental para,

posteriormente, identificarmos como essas linhas se apresentam na formulação de campanhas

publicitárias de empresas que exploram atividades degradadoras do meio ambiente.

1.1 Preâmbulos à Constituição do Campo Ambiental

A institucionalização da chamada questão ambiental desencadeada no Brasil a partir do início

da década de 1980, embora tributária de uma crescente discussão no âmbito internacional

lastreada pela Conferência de Estocolmo1, não pode ser tomada como marco primordial de

uma preocupação com a finitude dos recursos naturais. A constante e desmedida exploração

de recursos empreendida pelo modelo de colonização português expôs, ainda nos primeiros

séculos de conquista, as suas marcas na paisagem brasileira (HOLANDA, 1963; MOOG,

1969; PÁDUA, 2002). As possibilidades de riqueza rápida e extrativa atrelada à imagem do

conquistador reforçaram a idéia de um desfrute incondicional dos recursos descobertos

(MOOG, 1969), ao mesmo tempo em que re-velaram as feridas de um modo de exploração

extremamente degradante.

Mesmo sendo patente a destruição representada pelo modelo de exploração português, se

desenvolve já a partir desse período um manancial de estratégias de apropriação da natureza

que obscurecem os impactos gerados. Nesse sentido, Pádua (2002) nos apresenta cinco

grandes visões que moldaram o comportamento cultural em relação à natureza: 1) A visão que

desvalorizava o meio natural e não se importava com sua destruição; 2) A visão que

1 A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo entre os dias 05 e 16 de junho de 1972, reuniu representantes de vários países, dos mais ricos aos mais pobres, visando avaliar as necessidades de desenvolvimento em concomitante respeito à natureza. A reunião marcou o início de uma série de outras conferências realizadas pela Organização das Nações Unidas para debater temas específicos levantados durante o encontro, tais como: alimentação, moradia e população. O mote principal dessa conferencia era regido

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engrandecia as belezas naturais, mas considerava que sua exuberância era um empecilho ao

pleno desenvolvimento humano; 3) A visão que louvava a pujança natural, mas considerava a

destruição um preço a pagar pelo progresso; 4) A visão que louvava retoricamente as riquezas

naturais2, ao mesmo tempo que ignorava sua destruição concreta; e 5) A visão representada

pelos primeiros críticos ambientalistas, que encaravam o meio natural por um viés que

valorizava o potencial econômico, sendo a destruição interpretada como um signo de

ignorância e falta de cuidado. Partindo dessas visões, podemos entrever que a moderna

construção social de respeito à natureza assenta-se na condição de possibilidade de uma

simetria entre os interesses da sociedade e os da natureza. Desse modo, é plausível que

identifiquemos, ainda hoje, traços dessas visões povoando o imaginário social em relação à

exploração da natureza.

Considerado sob esse aspecto, o tipo de colonização empregado no Brasil, descrito por Viana

Moog (1969), aproxima nosso imaginário à figura do bandeirante que se empenha em

descobrir e explorar recursos naturais, mantendo-se longe de uma perspectiva de

planejamento em longo prazo. Esse modelo de mentalidade desbravadora frente à natureza

constituirá uma das marcas da passagem das bandeiras pelos solos brasileiros, ao mesmo

tempo em que desencadeará uma nova percepção no trato da exploração de recursos naturais.3

Por outro lado, situado em um momento histórico posterior à exploração das bandeiras,

pela necessidade de estabelecer critérios e princípios que oferecessem a todos os povos uma inspiração para a preservação do meio ambiente. 2 Diferentemente, Holanda (1969) considera que os primeiros cronistas que relatam o universo brasileiro estão embebidos de uma visão realista calcada na experiência, havendo desse modo, pouco espaço para uma imaginação idealista e delirante, muito mais que especulações e desvarios sonhos é a experiência imediata que tende a reger a noção de mundo desses escritores e marinheiros. 3 Essa mudança de percepção é verificada por Grove (1995), que, em estudo dedicado à compreensão da crítica ambiental moderna, postula que o ritmo acelerado de exploração a que foram submetidas regiões tropicais contribuiu para potencializar a insurgência de uma percepção mais apurada da problemática ambiental. Baseado em documentação historiográfica, demonstrou que em certas regiões – como a Ilha Maurício, no Oceano Índico - a ferocidade da degradação ambiental, ocasionada pelo modo de apropriação da natureza, deu origem a um tipo de percepção, por parte de cientistas e administradores, que apontava para a insustentabilidade ambiental dos sistemas produtivos adotados.

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podemos identificar na postura encampada pelo romantismo brasileiro e por intelectuais do

século XVIII um outro fator que corrobora a formação dessa imagem utilitarista em relação à

natureza.

Como demonstra Pádua (2002), ao contrário dos países europeus, onde o romantismo

estendeu seus braços a crítica da devastação ambiental,4 aqui se limitou a uma exaltação que

glorificava as belezas naturais deitadas eternamente em berço esplendido. Diante desse fato,

coube especialmente aos intelectuais cientificistas o desempenho de uma ação mais crítica no

tratamento dessa temática. Entretanto, o ideário defendido por esse grupo não contemplava

um interesse estético e sensível em relação à natureza, ao contrário, atinha-se a uma defesa

pragmática do valor político e econômico que a exploração da natureza representava para o

desenvolvimento nacional. Nesse sentido, não se tratava de uma oposição à modernidade ou

ao progresso, idéias que são positivamente lugares-comuns desde aqueles tempos, mas de

denunciar técnicas arcaicas herdadas do período colonial que comprometiam a plena e eficaz

exploração natural.

Podemos perceber reflexos desse ideário, em um tratado intitulado “Sobre a Pesca das Baleias

e Extração do seu Azeite com Algumas Reflexões a Respeito de Nossa Pescaria”, escrito por

José Bonifácio, ainda no ano de 1790. Nesse texto encontramos uma recriminação voraz do

método de captura de baleias utilizado àquela época, no qual os baleotes eram arpoados

primeiro, de modo a facilitar a captura das baleias mãe.

4 O desconforto gerado pelo progresso desmedido que invadiu a Inglaterra durante o século XVIII, reflete-se num conflito cidade e campo ilustrado pelos romantistas. Nesse cenário a cidade é pintada como o lugar da vida depreciada pelo negrume das chaminés, signo do progresso, e o campo como o idílico símbolo da inocência natural (Thomas, 1988). Desse modo, vislumbra-se ainda que em fraco tom uma crítica ao modo de produção industrial implantado durante esse período.

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Bonifácio assevera o caráter predatório desse tipo de prática, que comprometia o

desenvolvimento das espécies, uma vez que “as baleias, por uma destas sábias leis da

economia geral da natureza, só parem de dois em dois anos um único filho, morto o qual

perecem com ele todos os seus descendentes” (SILVA, 1965, p. 35). Embora pareça à

primeira vista um manifesto contrário à pesca das baleias, o que de fato está em xeque é a

qualidade dos métodos empregados.

Desse modo, a ruína pesqueira decorreria da inabilidade dos feitores em manipular técnicas

mais eficazes na exploração do pescado. Percebe-se, a partir desse caso, a longevidade de um

discurso calcado no aprimoramento técnico e na adequação a novas práticas. Essas

prerrogativas, como tentaremos elucidar, não são difíceis de serem atualmente encontradas

quando o assunto envolve uma questão ambiental. Nesse sentido, tanto a mentalidade que se

descola da figura do bandeirante, como o racionalismo cientificista de aprimoramento técnico,

refletem o tipo de postura que a sociedade brasileira tem seguido na sua relação com o meio

natural. Ambos se encontram alinhavados pelos imperativos de “uma natureza exuberante e

praticamente virgem de um lado e, de outro, por uma reflexão política sobre como usufruí-la,

tendo em vista as projeções econômicas e geopolíticas do poder europeu em expansão”

(PÁDUA, 1987, p. 14).

Assim sendo, podemos perceber, como postula Caio Prado Junior (1971), em sua análise da

expansão e declínio da produção cafeeira, os traços comuns às muitas e desmesuradas

explorações aqui vivenciadas:

Repetia-se mais uma vez o ciclo normal das atividades produtivas do Brasil: a uma fase de intensa e rápida prosperidade, segue-se outra de estagnação e decadência. Já se vira isto (sem contar o longínquo caso do pau-brasil) na lavoura da cana-de-açúcar e do algodão no Norte, nas minas de ouro e diamante do Centro-Sul. A causa é sempre semelhante: o acelerado

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esgotamento das reservas naturais por um sistema de exploração descuidado e extensivo (PRADO JUNIOR, 1971, p.162).

Percebemos que a dependência econômica brasileira é, desde os mais remotos tempos,

vinculada à exploração de riquezas naturais. Tamanha é essa marca, que a escolha do maior

dos símbolos de uma nação (o nome) foi tributária do primeiro ciclo exploratório aqui

implementado. Desse modo, o projeto fundacional brasileiro erigido a partir de uma

exploração predatória da natureza e assentado em um raciocínio do desfrute incondicional

sintoniza-se com a idéia de que

Não cabia aqui uma sociedade autônoma, com necessidades próprias voltadas para um desenvolvimento endógeno [...]. O que devia existir era uma terra-árvore de tinta, uma terra-solos para a monocultura, uma terra-minas de ouro, um espaço natural que se identificava pelos seus elementos passíveis de exploração lucrativa (PÁDUA, 1987, p. 19).

A partir dessas reflexões, percebemos que a lógica do processo de colonização imposta ao

território brasileiro sufocou qualquer possibilidade ou alternativa às populações indígenas já

instaladas nessas terras. Cosmologias foram silenciadas e tribos inteiras dizimadas na

ganância ensandecida por riquezas. Desconsiderando-se os usos múltiplos e seculares de

solos, plantas e animais, impôs-se um modo de produção predatório que jugulava todas as

suas relações de pertencimento, restando-lhes, senão a morte, o escravizamento.

Embora essa tensão entre indígenas e colonizadores não seja comumente retratada como um

conflito ambiental, o que estava em cena era a imposição de um modelo baseado na

exploração de recursos naturais, que comprometia a sobrevivência e re-existência das

populações indígenas. Destarte, esse tipo de expropriação guarda grandes similaridades com

fatos contemporâneos, sobressaindo-se, talvez, por seu maior teor de crueldade. Ao tomarmos

o caso indígena como paradigmático e inaugurador de uma ótica perversa de apropriação dos

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recursos naturais, torna-se prudente realçar que o debate acerca de uma dada questão

ambiental se insere em uma lógica conflituosa caracterizada como uma forma social de luta

(LEMOS, 1999). Desaparece a oposição entre homem e natureza, dando lugar a um

confronto entre homens em diferentes segmentos da sociedade.

Assim, o foco das lutas pela reafirmação de legitimidades tem lugar no interior de um campo5

que, por sua vez, se particulariza como um espaço onde se manifestam relações de poder, o

que implica afirmar que sua estrutura se ergue a partir de um “quantum” diferenciado de

poder, fator esse que determina a posição dos agentes em jogo. Dessa forma, a definição do

que está em jogo na luta já faz parte da luta, e é, ao mesmo tempo, uma demarcação do campo

e uma afirmação de legitimidade. Além disso, como as relações de poder no interior do campo

possuem níveis diferenciais e reproduzem relações que lhe são externas, temos que

considerar, como Bourdieu (1983), que:

[...] não existem instâncias que legitimam as instâncias de legitimidade, as reivindicações de legitimidade tiram sua legitimidade da força relativa dos grupos cujos interesses elas exprimem: à medida que a própria definição dos critérios de julgamento e dos princípios de hierarquização estão em jogo na luta (BOURDIEU, 1983, p. 130).

Assim sendo, a lógica de apropriação da natureza, passa a ser melhor entendida quando

relacionada a idéia de campo ambiental, no qual se manifestam lutas para a imposição de

noções simbólicas e materiais relacionadas ao meio natural. Nesse sentido, a atribuição de

significados sobre a maneira como a sociedade dispõe da natureza e designa seus usos

corresponderia aqui ao cerne do embate. Apesar de ser recente a existência de um campo

5 O conceito de campo aqui empregado tem origem em Bourdieu (1989) e define-se como o locus em que se trava uma luta concorrencial entre agentes em torno de interesses específicos. O que está em jogo nessa luta é o monopólio da autoridade definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou se quisermos, o monopólio da competência compreendida enquanto capacidade de falar e agir legitimamente, isto é, de maneira autorizada e com autoridade. Ver adiante discussão nesse capítulo.

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ambiental, muitas das visões que hoje estão em disputa no seu interior podem ser vistas como

herdeiras da compreensão iluminista de uma natureza controlada pela razão (caso dos

intelectuais racionalistas brasileiros), como idealização de uma natureza prístina e intocada

(CARVALHO, 2001) e ao extremo como oriunda daquele raciocínio do desfrute

incondicional e predatório (marca presente no período das bandeiras colonizadoras). Dessa

maneira, mapearemos, na seqüência, o processo de institucionalização do campo ambiental,

ao mesmo tempo em que apresentaremos as vantagens de uma abordagem que interpela a

questão ambiental a partir do conceito de campo.

1.2 O Conceito de Campo e o Entendimento da Questão Ambiental

Ao empreendermos uma análise a partir do conceito de campo contrastamos a denominada

questão ambiental simultaneamente como um campo de forças e um campo de lutas

(CARNEIRO, 2003; ZHOURI, 2001). Nesse cenário, cada agente em disputa investe

disposições adquiridas em lutas anteriores nas estratégias condizentes com sua posição,

visando transformar ou manter os conceitos e regras vigentes. Entretanto, temos que

considerar que o campo é constituído por relações objetivas que não se reduzem às interações

e nem tampouco pode ser subsumido no conjunto de estratégias individuais (BOURDIEU,

1990). Destarte, o que está em disputa no campo são definições e categorizações que devem

ser legitimadas e consagradas.

Desta maneira, assim como o que está em pauta no campo da arte é a legitimidade dos

produtores artísticos (BOURDIEU, 1989), no campo ambiental os seus agentes

(ambientalistas, exploradores capitalistas de recursos, órgãos gestores, movimentos sociais

etc.) se digladiam para impor uma definição do que seja sustentabilidade, impacto ambiental,

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reassentamento, população atingida, área protegida e outras mais. Assim sendo, a construção

de uma análise a partir do conceito de campo nos lega a possibilidade de compreendermos os

posicionamentos assumidos pelos atores, relacionando-os ao lugar que cada um ocupa no

interior dessa estrutura, de forma que nos furtamos ao risco de percebermos apenas uma faixa

restrita desse largo horizonte social (BOURDIEU, 1974).

A problemática em torno da qual se organiza o conceito de campo ambiental pode ser

caracterizada como um processo de produção e reprodução que encara a natureza como um

bem a ser apropriado e utilizado (CARVALHO, 2001). Desta forma, a natureza é significada

em termos das relações culturais que agem na atribuição de sentidos e delineiam os graus

variados de sua relevância. Aqui podemos entrever algumas diferenciações operadas pela

culturalização da natureza que são alinhavadas pelas dicotomias: belo/feio, verde/seco,

linear/retorcido. Constatamos que essas atribuições estão presentes quando se justifica, de um

lado, a preservação da floresta amazônica e, de outro, o desmatamento e a exploração

econômica do cerrado brasileiro. O belo, verde e linear, características culturais atribuídas à

Amazônia, são contrapostas ao feio, seco e retorcido do cerrado. Sem embargo, essas

designações refletem uma certa maneira de interpelar a natureza e não traduzem a riqueza

presente em cada um desses ecossistemas.

Sobre esse aspecto, podemos entender o meio ambiente como um local de lutas simbólicas em

que representações alternativas concorrem para a formulação de noções que significam a

natureza. É nesse cenário, onde posições sociais divergentes se enfrentam, que a natureza se

ergue como sujeita as atribuições de significado de cada integrante do campo. Assim, os

objetivos em relação ao meio ambiente estão vinculadas ao modo de vida de cada ator ou

segmento, constituindo-se numa manifestação social e cultural que exprime um olhar

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específico sobre a realidade material (LEMOS, 1999). Desse modo, é a luta no interior do

campo pela resignificação e reapropriação social da natureza que nos conduz a pensar o meio

ambiente como potencial para um desenvolvimento alternativo, isto é, para construir um novo

paradigma produtivo que contraste a natureza e a cultura como forças produtivas atravessadas

por relações de poder (LEFF, 2001).

A partir dessa perspectiva, notamos que o habitus6 de cada sujeito integrante do campo

ambiental modula seu posicionamento frente à apropriação da natureza, ao mesmo tempo que

nos possibilita compreender os arranjos que lhes são oferecidos e as tomadas de decisão daí

resultantes. Sendo assim, as representações dos agentes variam de acordo com suas posições

(e os interesses a ela associados) e segundo seu habitus, considerado como sistemas de

percepção e apreciação, bem como em decorrência das estruturas cognitivas adquiridas

através das experiências e visões de mundo (BOURDIEU, 1990). Destarte, a análise da

estrutura de relações objetivas dos grupos em disputa para impor uma visão sobre a natureza

conduz-nos a uma nova esfera onde as lutas travadas no interior desse campo específico se

imbricam em campos concêntricos de poder (BOURDIEU, 1974). Nesse sentido, o campo

ambiental tem sua estrutura e suas funções recobertas e determinadas pela posição que ocupa

no interior de um campo mais amplo: o de poder. Assim, para construir realmente a noção de

campo é preciso passar para além de uma primeira análise que considere o universo de

pesquisa como sendo relativamente autônomo e chegar a um ponto que conecte essas

interações a uma rede de relações objetivas que possam de forma concreta explicar os

atributos dessa luta (BOURDIEU, 1989).

6 Bourdieu (1989) define habitus como sendo um sistema de disposições inconscientes que constituem o produto da interiorização das estruturas objetivas que, de um lado, produz uma determinação do futuro objetivo e das esperanças subjetivas, e de outro, orienta práticas sociais que, por sua vez, são objetivamente ajustadas às estruturas experimentadas.

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Contrastar os embates a partir dessa perspectiva nos possibilita um refinamento de nossa

compreensão acerca das lutas travadas pela significação da natureza. Nesse âmbito, adquire

centralidade o conceito de distribuição ecológica7 que introduz na economia política do meio

ambiente a esfera dos conflitos sociais oriundos das formas de apropriação dominante da

natureza.

Dessa forma, o conceito de distribuição ecológica aponta para processos de valorização que

ultrapassam a racionalidade econômica capitalista em seus intuitos de atribuir preços e custos

ao meio ambiente, mobilizando atores sociais por interesses materiais e simbólicos (de

sobrevivência, identidade, autonomia e qualidade de vida), além das demandas estritamente

econômicas de emprego e distribuição de renda (LEFF, 2001).

Nesse sentido, partindo da premissa de “que o desenvolvimento econômico produz danos ao

meio ambiente, temos visto diversos conflitos que não são somente conflitos de interesses, são

conflitos de valores” 8 (MARTINEZ ALIER, 2001:128). Sobre esse aspecto, os conflitos de

distribuição ecológica resultam da incapacidade de se agregar à esfera produtiva os custos

ambientais e os reflexos da apropriação desigual dos recursos naturais. Essa desigualdade se

vincula em parte ao habitus dos exploradores de recursos naturais centrados em um processo

de apropriação destrutiva e de exploração antinatura, que sufoca as alternativas de

convivência com o meio ambiente. Como demonstra Leff (2001):

O capital em sua fase ecológica, está passando das formas tradicionais de apropriação primitiva e selvagem dos recursos das comunidades do terceiro

7 Esse conceito designa as assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais e temporais inerentes ao uso que os humanos fazem dos recursos e serviços ambientais comercializados ou não, isto é, a diminuição dos recursos naturais (inclusive a perda de biodiversidade) e o custo da contaminação (Martinez Alier, 2002). Mas, como veremos mais adiante, essa tentativa de mensuração não rompe como os preceitos de uma racionalidade econômica. 8 Tradução do original em espanhol de minha autoria.

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mundo, [...] a uma estratégia que legitima a apropriação econômica dos recursos naturais [...]. Esta estratégia econômica é uma operação simbólica que define biodiversidade como patrimônio comum e recodifica as comunidades do terceiro mundo como parte do capital humano do planeta (LEFF, 2001, p. 26).

Desse modo, a apropriação da natureza tem se processado numa frente econômica, cuja

formulação simbólica hierarquiza os significados atribuídos à natureza.

Aqui é importante salientar que a apropriação material da natureza que chamamos de

produção é uma decorrência de sua apropriação simbólica – “a produção então, é a prática de

uma lógica muito mais penetrante do concreto, lógica que é produzida como uma apropriação

simbólica da natureza” (SAHLINS, 1979, p. 217). A questão interposta aqui é que a teoria

econômica, como se espera um dia poder demonstrar, em vez de ser modelo fundador deve

antes ser pensada como um caso particular da teoria dos campos (BOURDIEU, 1989). Nesse

sentido, como nos apresenta Sahlins (1979):

[...] o confronto entre as lógicas cultural e material parece desigual. O processo material é factual e independente da vontade do homem. O simbólico é inventado e, portanto, flexível. Um é fixado pela natureza, o outro é arbitrário por definição. O pensamento não se pode submeter senão à soberania absoluta do mundo físico. Mas o erro está em que não há lógica material separada do interesse prático e o interesse prático do homem na produção é simbolicamente instaurado. As finalidades assim como as modalidades de produção vêm do lado cultural: os meios materiais da organização cultural assim como a organização dos meios materiais (SAHLINS, 1979, p. 228).

Visto por esse aspecto, não se trata de abolir um degrade calcado na racionalidade econômica,

mas de fundar uma nova racionalidade que abarque uma forma de pensar mais holística. Posto

isto, podemos notar as limitações do conceito de distribuição ecológica, que, ao se manter

vinculado a uma racionalidade econômica, torna-se incapaz de fomentar a criação de um novo

paradigma ambiental que realce o significado cultural atribuído à natureza. Tende a postular

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uma refuncionalização da economia e um esverdeamento do capitalismo calcados em um

discurso que apela à eficiência como forma de legitimar a exploração dos recursos naturais.

Dessa forma, impede que concebamos o conflito socioambiental como irradiador de uma nova

racionalidade produtiva e inviabiliza um tipo de racionalidade fundado na diversidade cultural

e nos potenciais ecológicos, considerados como entrelaçados entre si e ainda assim

particulares.

Adentramos em um terreno onde o conflito socioambiental se processa através da mescla de

interesses sociais e significados culturais, que são orientados pela forma como a natureza é

enxergada. Ademais, não se trata de considerar o conflito socioambiental como

especificamente ecológico, tendo em vista que as decorrências dessas lutas se manifestam em

vários outros campos da vida social (autonomia cultural, respeito à alteridade, interesses

políticos) que interferem na condução dessa questão.

Nesse sentido, a apropriação social da natureza não se esgota em um sistema prático de

exploração econômica, ao contrário, é revestida por um conglomerado de idéias que

enriquecem e dão operacionalidade aos interesses encapados no interior do campo ambiental.

Desta maneira, podemos compreender os mecanismos de apropriação da natureza como

tributários de uma ordem simbólica que atribui significado à exploração e legitima o

desenvolvimento das forças produtivas como essenciais à manutenção da vida humana. Sobre

esse aspecto, é de fundamental importância que decifremos como o conceito de

desenvolvimento tem servido de alicerce à manutenção de um modo de produção altamente

degradante.

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1.3 Desenvolvimento: Realidade ou um Mito Sustentável?

A palavra desenvolvimento esteja ou não adjetivada é sempre utilizada como solução aos

problemas de coexistência que enfrentamos. Para Tenbruck (1999), a idéia de

desenvolvimento é entendida como substitutiva ao espírito ecumênico que outrora religava os

indivíduos. Desse modo, representaria um direcionamento secular capaz de orientar

linearmente os caminhos a serem perseguidos pela humanidade. Entretanto, essa concepção

de um mundo unidirecional implica na ocorrência de alguns problemas, tendo em vista que:

Ao contrário das eras primordiais, quando apenas algumas culturas entravam em atrito em suas fronteiras geográficas, o desenvolvimento moderno através da sua presença e penetração em âmbito universal, atualmente coloca todas as culturas numa rede de inter-relacionamentos. [...] Quanto mais avançarmos com um desenvolvimento uniforme e coletivo, tanto mais terá ele que adquirir traços implícitos de uma batalha cultural global; está última batalha será mais significativa para a história futura do que o progresso perceptível no desenvolvimento que é o centro de todos os esforços (TENBRUCK, 1999, p. 218).

Desse modo, o apelo a um desenvolvimento de sentido único espelhado nas nações mais

economicamente abastadas, conduz-nos irremediavelmente a um choque entre histórias,

culturas e povos, resultando em conseqüências funestas para a vida em sociedade. Sem

embargo, ao ignorar as trajetórias experimentadas por cada cultura, bem como a inexistência

de recursos naturais que dêem substrato ao incremento das bases materiais, essa noção de

desenvolvimento nega a possibilidade de um raciocínio alicerçado na diversidade e na

complexidade de pensamentos.

Aqui chegamos a uma questão nodal, qual seja, o conceito de desenvolvimento é

consubstanciado por uma associação à dimensão econômica, que, por sua vez, atrai quase que

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magneticamente as idéias de progresso material9, acumulação financeira e crescimento

econômico. Não obstante haja essa interconexão, “nenhuma espécie viva, com efeito, à

exceção do homem, empreende esforços de desenvolvimento no sentido de crescimento

material” (CAVALCANTI, 2001, p. 159). Desse modo, o conceito de desenvolvimento é

significado pelo homem como correspondente a um acúmulo materialmente determinado.

Ademais, descaracterizam-se as experiências culturais e a diversidade dos modos de vida, em

prol de uma direção única que norteia os esforços e os passos a serem trilhados. Sob a égide

de um argumento meramente econômico, nações inteiras são listadas como inferiores na

escala evolutiva e suas particularidades avaliadas por uma démarche incapaz de medir a

complexidade dos valores que as compõem. Assim, ergue-se o pano de fundo que possibilita a

consolidação da idéia de nações subdesenvolvidas, que de outro modo, não encontraria eco no

seio de nossa sociedade.

A formulação do conceito de subdesenvolvimento, tal qual o utilizamos, tem um marcador

histórico claro: o pronunciamento de posse em 20 de janeiro de 1949, do presidente norte-

americano Harry Truman. Sem embargo, esse ato de posse representa, de um lado, o

aprimoramento da hegemonia norte-americana como centro irradiador de influência, e de

outro, a proclamação inconteste de que dois terços da população mundial são vistos, a partir

daquele instante, como inferiores na escala de evolução global. Como em um truque

inebriante e altamente lesivo as pessoas,

9 Para Sztompka (1998), abordagens desenvolvimentistas tradicionais tratam o progresso como inevitável, necessário e sujeito às leis inexoráveis da evolução ou da história. Contudo, mais recentemente teorias pós-desenvolvimentistas optam por um discurso diferente, possibilista, em que o progresso é tratado como meramente contingente, não apenas não é inevitável, como pode até não ser identificado pelos atores. Nesse sentido, a orientação teórica pós-desenvolvimentista sugere quatro novas abordagens do progresso: 1) como capacidade potencial e não como realização final, 2) como qualidade relativa, ao invés de um padrão externo, universal e absoluto, 3) como opção aberta, uma possibilidade ou oportunidade, ao contrario de uma tendência inexorável e 4) como produto ainda não pretendido ou compreendido.

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[...] em um sentido muito real, daquele momento em diante, deixaram de ser o que eram antes, em toda a sua diversidade, e foram transformados magicamente em uma imagem inversa da realidade alheia: uma imagem que os diminui e os envia para o fim da fila; uma imagem que simplesmente define sua identidade, uma identidade que é, na realidade, a de uma maioria heterogênea e diferente, nos termos de minoria homogeneizante e limitada (ESTEVA, 2000, p. 60).

O reducionismo que podemos notar nessa caracterização é fruto de uma visão que postula

emancipar a esfera econômica através da valorização do crescimento das bases materiais. O

sentido linear e unívoco, que conduz a passagem de uma categoria subdesenvolvida à

desenvolvida, representa a tônica central a ser buscada por todos e de forma irremediável.

Destarte, a junção existente entre o conceito de desenvolvimento e a noção de crescimento

econômico, contribui de forma inequívoca para desfigurar a determinação do que representa,

propriamente, a idéia de desenvolvimento. Por outro lado, é inconteste que as reservas de

recursos naturais existentes na biosfera são incapazes de lastrear um desenvolvimento

econômico referenciado nos moldes já alcançados pelas grandes potências. Nesse cenário, o

farol do desenvolvimento que norteia os navegantes da seara global começa a apresentar

algumas fissuras (SACHS, 2000). A promessa de desenvolvimento se esfarela ante a

incapacidade de sua realização, de um lado, inviabilizada pelos altos padrões de acumulação

das grandes potências, e de outro, pela inexistência de recursos naturais suficientes. Assim

sendo, podemos notar indícios que corroboram essa idéia nos apontamentos de Furtado (1974):

Temos assim a prova definitiva de que o desenvolvimento econômico – a idéia de que povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. Mas, como negar que essa idéia tem sido de grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e leva-los a aceitar enormes sacrifícios para legitimar a destruição de formas de culturas arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo? (FURTADO, 1974, p 75).

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Embora, esses apontamentos sinalizem para a derrocada de um modelo unívoco de

desenvolvimento, existe um clima que favorece a marcha triunfante da ideologia do progresso

que era e ainda é amplamente hegemônica (PÁDUA, 1997). Nesse sentido, o eminente colapso

dos recursos naturais não tem logrado revelar a incongruência existente entre exploração

capitalista do meio físico e preservação da natureza. Como bem demonstra Leff (1994):

A questão ambiental tem gerado uma ampla consciência e uma elaboração conceitual que não tem tido dificuldade de assimilar-se ao discurso político. Entretanto, o saber ambiental não tem logrado romper os obstáculos epistemológicos da teoria econômica e as barreiras institucionais constituídas pela lógica de mercado. [...] O discurso ambiental segue girando ao redor do centro econômico, como um campo de externalidades, alijado do núcleo de poder que irradia uma racionalidade economicista, produtivista e eficientista, como seus efeitos contaminantes e ecodestrutivos (LEFF, 1994:303).10

Sobre esse aspecto, é de fundamental importância que compreendamos como se dá a

introdução da idéia de desenvolvimento sustentável, bem como destrinchemos o conglomerado

de assertivas que se encontram encapsuladas em seu interior. O mote a ser evidenciado é que a

introdução dessa noção corresponde a um novo ciclo de euforia e contribui para reavivar o

ideal de crescimento econômico buscando, ainda que retoricamente, não comprometer as bases

de preservação dos recursos ambientais.

1.4 Mais do Mesmo: A Reinvenção do Conceito de Desenvolvimento

Para O’Connor (2003), estamos na presença de uma luta em escala mundial para

determinarmos como são definidos os conceitos de sustentabilidade. Partindo desse ponto, o

decurso de seu argumento contempla a existência de quatro sentidos: 1) sustentar o curso da

acumulação capitalista; 2) Proporcionar meios de vida aos povos do mundo 3) Sustentar o

10 Tradução do original em espanhol de minha autoria.

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modelo capitalista sem comprometer as formas de vida que têm sido subvertidas por relações

salariais e mercantis; e 4) Sustentabilidade ecológica. Corroborado por cada um desses

sentidos a noção de desenvolvimento sustentável vem sendo utilizada por vastos segmentos

da sociedade na justificação das mais diversas atividades. Dessa forma, ao considerarmos que

“quanto mais significados admitem, mais poderosos se tornam os símbolos”11 (SACHS, 2002,

p. 01), percebemos que essa assimilação de diretrizes multiformes tem agregado eficácia à

utilização da idéia de desenvolvimento sustentável. Ademais, o poder camaleão e

metamórfico reunido nessa noção representa um dos fatores que mais contribuem para

arregimentar-lhe força e ação discursiva.

Ao percorrermos a trajetória de consolidação da idéia de desenvolvimento sustentável,

verificamos que sua introdução é resultante de um longo processo que se iniciara durante a

Conferência de Estocolmo em 1972. Nesse mesmo ano um grupo de pesquisadores liderados

por Dennis L. Meadows publica um estudo intitulado Limites do Crescimento, no qual se

apregoa a redução drástica do crescimento global como forma de brecar os eminentes riscos

de colapso ecológico. As reflexões do Clube de Roma, como ficaram conhecidos esses

pesquisadores, apontavam para a limitação dos recursos naturais, incapacidade de sustentação

do modelo industrial e para a tese malthusiana de crescimento geométrico da população

mundial. Assim sendo, dentre as conclusões auferidas por Meadows (1972) se destacam:

1) Se as atuais tendências de crescimento da população mundial – industrialização,

poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais – continuarem imutáveis,

os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem

anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população

11 Tradução do original em espanhol de minha autoria.

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quanto da capacidade industrial.

2) É possível modificar estas tendências de crescimento e formar uma condição de

estabilidade ecológica e econômica que se possa manter até um futuro remoto. O estado de

equilíbrio global poderá ser planejado de tal modo que as necessidades materiais básicas de

cada pessoa na Terra sejam satisfeitas, e que cada pessoa tenha igual oportunidade de realizar

seu potencial humano individual.

3) Se a população do mundo decidir empenhar-se em obter esse segundo resultado, em vez

de lutar pelo primeiro, quanto mais cedo ela começar a trabalhar para alcançá-lo, maiores

serão suas possibilidades de êxito.

Ao apregoar a tese de um crescimento zero as postulações do Clube de Roma atraíram fúria e

atenção, tanto dos teóricos partidários da filosofia do crescimento, quanto dos países que

almejavam atingir o patamar de desenvolvimento das grandes potências. O discurso de

proteção ambiental defendido no relatório, mesmo tendo um tom catastrófico, acabou

repercutindo fortemente durante a conferência. De maneira geral, por parte dos paises pobres

o relatório foi encarado como um artifício, que baseado em uma retórica ecologista, tinha o

intuito de barrar-lhes o caminho já percorrido pelas grandes potências.12 A partir desse

relatório, que não representa uma discussão fragmentada, inicia-se um processo de

institucionalização da temática ambiental, ao mesmo tempo em que se lança em escala global

a preocupação com a finitude e escassez dos recursos naturais. Assim sendo, durante toda a

década de 1970 são elaboradas estratégias que visam a, de um lado, reconstruir as bases

corroídas do desenvolvimento, e, de outro, solidificar a junção entre progresso econômico e

preservação ambiental.

12 Um traço significativo da posição encampada pelos países tidos como subdesenvolvidos é a declaração proferida pelo general Costa Cavalcanti, representante do governo brasileiro na Conferência de Estocolmo, que disparou textualmente: “Um país que não alcançou o nível satisfatório mínimo para prover o essencial não está em condições de desviar recursos consideráveis para a proteção do meio ambiente”.

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Ainda em 1973, o canadense Maurice Strong13, utiliza pela primeira vez o conceito de

ecodesenvolvimento para se referir a uma concepção alternativa de desenvolvimento. Coube a

Ignacy Sachs (1976), contemporâneo desses desdobramentos, elaborar o referencial teórico

que daria substrato a essas formulações. Desse modo, foram sugeridas seis diretrizes básicas

norteadoras da nova visão de desenvolvimento: 1) satisfação das necessidades básicas, 2)

solidariedade com as gerações futuras, 3) participação das populações envolvidas, 4)

elaboração de um sistema mundial que garanta; emprego, segurança e respeito a outras

culturas, 5) preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral e 6) programas de

educação (BRUSEKE, 2001).

A utilização do conceito de ecodesenvolvimento alcançou grande repercussão no transcorrer

da década de 1980, sendo-nos possível considera-lo como uma forma embrionária daquilo que

mais tarde se consagraria sob os auspícios do desenvolvimento sustentável. Embora o

conceito de ecodesenvolvimento já contenha o cerne de uma possível conjugação entre

exploração econômica e preservação ambiental, é somente a partir da elaboração do Relatório

Nosso Futuro Comum (Brundtland) que a noção de sustentabilidade surge como estratégia

política de desenvolvimento. Considerado como locus da noção de desenvolvimento

sustentável, esse relatório é fruto das discussões e entendimentos realizados no seio da

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD/ONU)14, reunida

durante os anos 1984-1987.

13 Foi secretário da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD/ONU) e notabilizou-se por conceber a idéia do tripé entre equidade social, eficiência econômica e prudência ecológica, formulação que ficou conhecida como o triangulo dos três es (Barbieri, 1997). 14 A Comissão é um organismo independente, vinculado aos governos e ao sistema das Nações Unidas, mas não sujeito ao seu controle. As atribuições contemplam três objetivos básicos: reexaminar as questões críticas relativas a meio ambiente e desenvolvimento, formular propostas realísticas para abordá-las e propor novas formas de cooperação internacional. Dessa maneira, visa a orientar ações em direção às mudanças necessárias e a proporcionar aos governos, indivíduos, organizações voluntárias, empresas e institutos uma maior compreensão dos problemas ambientais (BRUNDTLAND & KHALID, 1991).

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Sendo resultado e ponto de confluência de um processo que se iniciara em Estocolmo, essa

comissão teve como tarefa primordial a elaboração de mecanismos que atenuassem os riscos

de eminentes desastres ecológicos15e possibilitassem a expansão do modelo de

desenvolvimento capitalista. Desse modo, a reconstrução do desenvolvimento econômico, em

um contexto de preservação ambiental, representava marca inconteste no discurso dos

formuladores desse relatório, um traço que pode ser evidenciado no trecho:

A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também as suas. O conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico (BRUNDTLAND & KHALID, 1991, p. 09).

A partir desse ponto, a noção de desenvolvimento sustentável16 é gestada como uma

alternativa reconciliadora ao abismo existente entre exploração capitalista de recursos naturais

e preservação ambiental.

15 Somente durante a realização dos trabalhos da comissão (1984-87) ocorreram seis grandes desastres ecológicos: 1) O continente africano foi assolado por uma seca que, no seu auge, atingiu 35 milhões de pessoas, matando aproximadamente um milhão, 2) Em Bhopal, na Índia, vazamento em uma fábrica de pesticidas matou duas mil pessoas, deixando outras duzentas mil cegas ou feridas, 3) Na Cidade do México, tanques de gás liquefeito explodiram, matando mil pessoas e deixando milhares de desabrigadas, 4) Em Tchernobil, a explosão de um reator nuclear espalhou radiação por toda a Europa, aumentando a incidência de câncer humano, 5) Na Suíça, durante o incêndio de um depósito, foram despejados no rio Reno produtos químicos agrícolas, solventes e mercúrio, matando milhões de peixes e ameaçando o abastecimento de água em vários países e 6) Cerca de sessenta milhões de pessoas morreram de doenças intestinais decorrentes de desnutrição e da ingestão de água imprópria para o consumo (BRUNDTLAND & KHALID, 1991). Embora, a visibilidade alcançada por esses grandes desastres desencadeie manifestações da opinião publica, esse movimento é circunstancial e isolado temporal e espacialmente. De fato, a maior agressão ao meio natural se dá a partir da prática cotidiana e não de eventos esporádicos. 16A CMMAD/ONU estabelece os principais objetivos a serem almejados pelo desenvolvimento sustentável dentre os quais se destacam: retomar o crescimento, alterar a qualidade do desenvolvimento, atender às necessidades essenciais de emprego, alimentação, energia, água e saneamento, manter um nível populacional sustentável, conservar e melhorar a base de recursos, reorientar a tecnologia e administrar o risco e incluir o meio ambiente e a economia no processo de tomada de decisões (BRUNDTLAND & KHALID, 1991:53).

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Por outro lado, essas diretrizes que propugnavam uma fé irrestrita no aprimoramento técnico,

são utilizadas como marco regulatório por parte de instâncias internacionais financiadoras de

projetos que intervêm e modificam o meio ambiente. Traços dessa estratégia de atrelar

dispêndios financeiros a compromissos ambientais, podem ser constatados quando nos

endereçamos aos programas de financiamentos concedidos ao setor elétrico brasileiro no

transcorrer dos anos oitenta. Conforme nos demonstram Arnt & Schwartzman (1992:115):

• Em 1985, o BID exigiu da Eletrobrás a elaboração do plano diretor de proteção ao

meio ambiente para financiar a recuperação do setor elétrico, o primeiro em noventa

anos de hidreletricidade no Brasil.

• Em junho de 1986, o BIRD negociou e obteve do governo federal uma isenção

especial na política de proibição de novas contratações, determinando a abertura de

189 cargos dedicados à proteção ambiental no setor elétrico.

• Em 1986, o BIRD determinou a compatibilização do Manual de Estudos e de Efeitos

Ambientais do Setor Elétrico com a legislação sobre ambiente no Brasil.

• Em dezembro de 1986, o BIRD exigiu do Ministério das Minas e Energia e da

Companhia Hidrelétrica do São Francisco um acordo com o Pólo Sindical de Itaparica

para a elaboração de um plano de reassentamento da população atingida pela barragem

de Itaparica. O empenho do Banco decidiu um acordo mínimo reivindicado há dez

anos.

• Em agosto de 1987, em diálogo com o Banco Mundial, a Eletrobrás criou o Comitê

Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico, encarregado de

gerir a política ambiental das companhias de energias do país. Foram criados também

o Comitê Consultivo de Meio Ambiente, para assessorar a presidência, e o

Departamento de Meio Ambiente da empresa.

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• Em março de 1989, o BIRD suspendeu as negociações de um segundo empréstimo de

US$ 500 milhões para a recuperação do setor elétrico, cujos fundos seriam

aproveitados para construção de usinas hidrelétricas na Amazônia.

Podemos considerar essas exigências como sendo de suma importância para elaboração da

emergente política ambiental brasileira, bem como para a consolidação da idéia de

desenvolvimento sustentável. A pressão exercida sobre os setores dedicados à exploração

ambiental resultou na implantação de medidas contentoras, além, é claro, de contribuir para

dinamizar o processo de institucionalização da esfera ambiental. Não obstante, tais arranjos se

encontravam ancorados em uma ótica técnico-científica, econômica e unilateral, disseminada

a partir da publicação do Relatório Brundtland.

Ancorado nessa estratégia que crê peremptoriamente em um gerenciamento racionalizado da

natureza, onde a eficiência técnica aparece como leitmotiv do crescimento econômico, a

noção de desenvolvimento sustentável se alça à categoria de palavra mágica e necessária ao

incremento das forças produtivas. Destarte, a realização da Conferência das Nações Unidas

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 199217, marca

definitivamente a consolidação das estratégias contidas nessa noção. Além disso, desabrocha

durante essa conferência um tipo de atitude que encampa o desenvolvimento econômico como

saída para o progresso de todas as nações.

17 A resolução da Organização das Nações Unidas que convocou essa conferência consagra amplamente as linhas mestras contidas no relatório Nosso Futuro Comum (1987). Com a presença de representantes de 178 países e cerca de 100 chefes de Estado, além de ter reunido mais de 4000 entidades não-governametais de todo o mundo, essa conferência foi considerada a maior já realizada no âmbito da ONU (BARBIERI, 1997). Enquanto em Estocolmo participaram cerca de mil jornalistas, para conferência do Rio de Janeiro foram cadastrados mais de sete mil jornalistas, fotógrafos e técnicos, representando agências de notícias, jornais e revistas de toda parte (RAMOS, 1996). A magnitude desse evento demonstra a força atribuída à temática ambiental nessas últimas décadas, bem como os interesses despertados na esfera política e na opinião publica.

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Percebe-se, assim, que existe hoje, como nos momentos anteriores (vide percepção dos

intelectuais racionalistas) uma clara tendência para disseminar uma leitura rasa do risco

ecológico, que alimenta uma concepção igualmente fraca da política ambiental (PÁDUA,

1997). Desse modo, constatamos a existência de algumas definições, nas quais os caracteres

de uma visão econômica de desenvolvimento são preponderantes e hegemônicas. Sobre esse

aspecto, Binswanger (2002) apregoa que:

O conceito de desenvolvimento sustentável deve ser visto como uma alternativa ao conceito de crescimento econômico, o qual está associado a crescimento material, quantitativo, da economia. Isso não quer dizer que, como resultado de um desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico deva ser abandonado. Admitindo-se, antes, que a natureza é a base necessária e indispensável da economia moderna, bem como das vidas das gerações presentes e futuras, desenvolvimento sustentável significa qualificar o crescimento e reconciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade de preservar o meio ambiente (BINSWANGER, 2002, p. 41).

Nesse sentido, pode-se dizer que a idéia de desenvolvimento sustentável é elaborada a partir de

uma perspectiva que visa revigorar os pilares de sustentação do progresso econômico. A

adjetivação sustentável opera como um elixir de rejuvenescimento daquele já carcomido

desenvolvimento, sem, contudo, ser capaz de sanar as discrepâncias resultantes de sua

implementação. Ademais, se a partir de uma perspectiva social o processo econômico

capitalista acarreta um conflito entre crescimento e distribuição, desde a perspectiva ambiental

aparece como uma contradição entre conservação e desenvolvimento (LEFF, 1994).

A proximidade entre desenvolvimento sustentável e crescimento é, de certa forma, um reflexo

da emancipação irreal da economia. Embora a esfera econômica corresponda a um dentre os

muitos valores que compõem nosso moderno politeísmo (WEBER, 1974), constatamos,

normalmente, uma tendência que lhe impinge a prerrogativa de determinação e subjugamento

de outros campos da vida moderna. Dessa maneira, a economia entende que o produto geral de

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uma sociedade resulta da combinação entre capital e trabalho e acaba por negligenciar toda a

base de recursos naturais que dá sustentação ao incremento das forças produtivas. Sendo a

economia guiada por essas coordenadas, deparamo-nos com um verdadeiro esvaziamento da

natureza, operado por um olhar que enxerga a pujança dos recursos, onde, de outro modo,

veríamos uma exploração tradicional mais sintonizada com os tempos e processos de

reprodução natural. Como evidencia Shiva (2000):

[...] a ideologia dominante do desenvolvimento tem como preocupação exclusiva a transformação da natureza em matérias-primas e o uso de recursos naturais para a produção de bens e para a acumulação de capital. Ela ignora os processos ecológicos que, alheios às atividades humanas sempre renovaram a natureza. Ignora também as demandas de um número imenso de pessoas cujas necessidades não estão sendo satisfeitas através dos mecanismos de mercado. A ignorância ou desprezo dessas duas economias vitais – a economia dos processos da natureza e a economia de subsistência – é a razão principal para a ameaça de destruição ecológica e à própria sobrevivência humana que o desenvolvimento traz (SHIVA, 2000, p. 312).

Assim, a idéia de um desenvolvimento sustentável calcado em uma sobre-determinação da

esfera econômica desconsidera o fato de que “a economia é ao mesmo tempo, a ciência mais

avançada matematicamente e a mais atrasada humanamente” (MORIN, 2001, p. 16). Ao se

ater à primazia da racionalidade econômica capitalista o desenvolvimento sustentável

desconsidera a existência de conflitos de poder em torno da noção de sustentabilidade e

obscurece a influência de outras importantes esferas. Sem embargo, constitui-se em uma

junção de termos eminentemente antagônicos e corresponde à figura de um perfeito oxímoro

(BARBIERI, 1997; CAVALCANTI, 2002), aproximando-se, nesse quesito, da célebre

música eternizada por Tom Zé e Elton Medeiros:

“Tô dividindo pra poder sobrar/ desperdiçando pra poder faltar/ tô te explicando pra te confundir/ tô te confundindo pra te esclarecer/ tô iluminando pra poder cegar/ tô ficando cego pra poder guiar/ devagarinho pra poder rasgar/ olho fechado pra te ver melhor/ com alegria pra poder chorar/ desesperado pra ter paciência/ carinhoso pra poder ferir/ lentamente pra não atrasar/ atrás da vida pra poder morrer/” (Zé & Medeiros, Tô, 1976).

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A tentativa de reconciliar o que na essência é irreconciliável é de fato a grande empreitada da

noção de desenvolvimento sustentável. De todo modo, essa possível reabilitação, longe de

contribuir para assimilação de princípios sustentáveis, aprofunda a crise ambiental gerada

pela exclusão da natureza, marginalização da cultura, extermínio do outro e anulação da

diferença, posturas que são consubstanciadas pela sistematicidade e homologação da ciência

(LEFF, 2003). Nesse sentido, urge questionar as diretrizes expostas na noção hegemônica de

desenvolvimento sustentável, bem como evidenciar as posições contrárias à sua utilização

como justificativa à desmesurada exploração de recursos naturais.

A contestação da retórica do desenvolvimento sustentável se erige como mecanismo eficaz na

luta pela reafirmação dos potenciais e riquezas do meio natural. Para O’Connor (2003), pode-

se constatar, em muitos casos, que as lutas ambientais e pela criação de esferas reguladoras,

têm forçado os capitais a internalizarem custos que de outro modo recairiam por completo

sobre o meio ambiente. Sobre esse aspecto, podemos notar divergências entre dois tipos de

racionalidade: uma que tende a maximizar as condições de reprodução social e outra que se

direciona a maximizar os benefícios comerciais provenientes do intercâmbio de mercadorias

(LEFF, 1994). Não obstante, o arcabouço base desse último tipo caracteriza o meio ambiente

como uma externalidade não integrante do processo de ganho de capitais. Dito de outra

forma, embora os recursos naturais sejam a base primordial do modo de produção capitalista,

sua incorporação ao sistema de geração de lucros é totalmente descaracterizada. Nessa

perspectiva, ao serem caracterizados como externalidades os problemas ambientais são vistos

como resultantes de inadequações da natureza, antes que um reflexo da incapacidade do

mercado (ACSERALD, 2001). Desse modo, torna-se possível apreender o fato de que:

As noções de desenvolvimento sustentável ou sustentado adquirem seu sentido dentro de formações discursivas organizadas por estratégias de poder,

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seja pela recodificação da natureza (dos bens e serviços ambientais) em termos econômicos e valores de mercado, seja pela valorização cultural da natureza. As noções de desenvolvimento, biodiversidade, território e autonomia, emergem para configurar estratégias que mobilizam ações sociais, que legitimam direitos, que reinventam identidades associadas a reapropriação social da natureza (LEFF, 2003, p. 21).18

Dessa maneira, percebemos que os esforços para a consolidação de um discurso hegemônico de

desenvolvimento sustentável, vinculado a uma capitalização da natureza têm alcançado grande

êxito. De todo modo, percebe-se um encrudescimento das manifestações contrárias a essas

idéias, exercidas, em parte, pelas populações alijadas dos processos de elaboração das políticas

de desenvolvimento. Sendo assim, as lutas para a manutenção de um sentido de

sustentabilidade, travadas no interior do campo ambiental, envolvem disputas pela busca e

manutenção de poder. Entretanto, torna-se prudente considerar que o poder não está

subordinado às instâncias econômicas, essa seria uma maneira negativa de concebê-lo. Ao

contrário, sua análise se prende a uma trama histórica que o engendra – uma genealogia

(FOUCAULT, 1979).19 Nesse sentido, é possível ousar propor uma insurreição que partindo

dos históricos conflitos socioambientais chegue a descredenciar as postulações mantidas através

do polifônico discurso do desenvolvimento sustentável.

Alicerçado em uma ótica econômica cujos pilares são a mitigação, compensação, conciliação e

harmonia, a noção de desenvolvimento sustentável é incapaz de contabilizar valores

incomensuráveis, tais como: equidade social, diversidade cultural, autonomia e autogestão.

Sobre esse aspecto, a proteção ambiental é considerada como um custo ao processo econômico,

que, em suma, é formulada a partir de uma idéia de sustentabilidade tributaria dos princípios de

uma racionalidade mecanicista e de curto prazo (LEFF, 2002). Assim sendo, o destaque maior é

18 Tradução do original em espanhol de minha autoria. 19 Para Foucault, a genealogia é entendida como uma forma histórica capaz de dar conta da constituição dos saberes e dos discursos, sem, necessariamente, referir-se a um sujeito, seja ele transcendente, seja perseguindo uma identidade única.

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dado a uma refuncionalização da economia, que descaracteriza a incongruência entre o

paradigma da sustentabilidade social e da exploração econômica, aglutinando ambos no projeto

de subsumir a natureza na esfera econômica. De modo que, a racionalidade econômica pode

até, com certas limitações, internalizar os princípios da sustentabilidade ecológica. Não

obstante, um compromisso latente com os ganhos de capitais a impede de incorporar os

referenciais da justiça ambiental, que, freqüentemente, têm sido alijados a objetivos de segunda

ou terceira ordem. Dessa forma, percebemos que as forças dominantes no campo ambiental têm

moldado um discurso hegemônico de sustentabilidade sintonizado aos princípios de iniqüidade

na distribuição e aproveitamento dos recursos naturais.

Ao se orientar por esses princípios, a elaboração da política do desenvolvimento sustentável

reafirma o fato de que a economia convencional não considera a base ecológica dentro de seu

arcabouço analítico. Por conseguinte, é levada à crença em um aprimoramento ilimitado da

exploração das forças produtivas (CAVALCANTI, 2002). À esteira desse receituário, os

processos ecológicos e simbólicos são reconvertidos em capital natural, humano e cultural para

serem assimilados aos programas de reprodução e expansão da ordem econômica. Isto posto,

desencadeia-se uma reestruturação da produção e um gerenciamento economicamente racional

do meio ambiente (LEFF, 2003). Sem embargo, essa gestão do meio ambiente é facilitada pela

criação de mecanismos técnico-científicos capazes de se imiscuírem no refinamento da

exploração das riquezas naturais. Sendo assim, torna-se necessário demonstrarmos as

limitações do discurso técnico e economicista, bem como salientar a necessidade de emergência

de uma nova racionalidade produtiva.

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1.5 A Irrestrita Fé Técnica versus a Insurgente Racionalidade Ambiental

Ortega y Gasset (1963) define técnica como a reforma que o homem impõe à natureza em vista

da satisfação de suas necessidades. É, pois, a técnica a reação enérgica contra a natureza ou

circunstância que leva a criar entre esta e o homem uma nova natureza posta sobre a aquela,

uma sobrenatureza. A técnica representa, assim, uma maneira de domesticação e artificialização

da natureza que, por outro lado, é condutora dos processos de extração de recursos naturais.

Nesse sentido, o processo criativo de novos objetos, novas engrenagens e novas virtualidades

da natureza é poderosamente multiplicado, graças, também, as associações cada vez mais

intimas entre ciência e técnica (SANTOS, 1997).

Inserido nesse contexto, o aprimoramento técnico pode ser visto como uma forma de

potencialização da vivência humana e ou um prolongamento da exploração do meio ambiente.

É inegável que a introdução de aparatos técnicos corresponde, em alguma medida, a um

incremento das possibilidades humanas. Entretanto, a elevação desses princípios a um grau

superlativo tem ocasionado perdas significativas de biodiversidade e um subjugamento das

populações que se reproduzem por meio de um modo de produção tradicional. Para Santos

(1997), a técnica representa o vetor através do qual se concretiza uma racionalidade do espaço

natural e existe uma clara tendência em transformar o espaço geográfico em território da

racionalidade. Nesse sentido, os espaços da racionalidade funcionam como um mecanismo

regulado, onde cada peça convoca as demais a se pôr em movimento, a partir de um comando

centralizado. É essa a lógica da natureza artificializada, em sua busca de imitação e superação

da natureza natural. Sobre esse ponto, Ellul (1968) afirma de forma categórica que:

O mundo constituído progressivamente pelo acúmulo dos meios técnicos [...] é um mundo artificial, e, portanto, radicalmente diferente do mundo natural.

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Destrói, elimina ou subordina esse mundo natural, mas não lhe permite nem reconstituir-se, nem entrar em simbiose. Obedecem a imperativos e ordenamentos diferentes, a leis sem medida comum. Não é por acaso que a hidroeletricidade capta as cascatas e as leva em condutos forçados (ELLUL, 1968, p. 82).

Assim sendo, esses imperativos técnicos que imprimem um dobrar da natureza ante os ditames

de uma produção de mercado acabam por ocasionar um ritmo de exploração que, via de regra,

compromete as bases naturais de sustentação do modelo econômico vigente. Desse modo, o

grito de alerta da insustentabilidade ambiental representa um indicativo de que o

aprimoramento técnico não é condição necessária e suficiente à manutenção dos atuais padrões

de exploração econômica do meio natural. Dito de outra forma, para Morin (1981) não

experimentamos um desenvolvimento tecno-econômico até a prosperidade e o bem-estar, senão

uma atitude que tende a poluir e a degradar as fontes primeiras da vida. Nesse contexto, as

soluções apresentadas não podem ser meramente técnicas ou tecnológicas, uma vez que

implicam toda uma reconstrução de nosso projeto civilizador.

Aqui, em especial, o que está em destaque não é um posicionamento contrário ao reino da

técnica, mas, sobretudo, ao modo como se estabelece sua utilização. Assim, para além de um

repúdio a técnica, Dupuy (1980) assevera que:

Os ecologistas não são contra a técnica com um T maiúsculo, não recusam sistematicamente o que denominamos com excessiva pressa, sem espírito político, o progresso técnico.20 O que põem em causa é o projeto técnico que caracteriza a sociedade industrial. Por projeto técnico, entendo a vontade de substituir o tecido social, os laços de solidariedade que constituem a trama de uma sociedade, por uma fabricação; o projeto demente de produzir as relações dos homens com seus vizinhos e com seu mundo como se produzem

20 Sztompka (1998) enumera três origens do conceito de progresso; a primeira pode ser encontrada na Grécia antiga e contempla a idéia de perfectibilidade do mundo abrangendo aspectos políticos, sociais e culturais; a segunda encontra-se na tradição religiosa judaica e é guiada pela noção de divina providência; a terceira desencadeia-se a partir do século XIX, impregnando o senso comum e incorporando a literatura, a arte e as ciências. A partir desse ponto, a tecnologia e a ciência apresentam-se como sendo capazes de sustentar a promessa de expansão e aperfeiçoamento ilimitados da base material.

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automóveis ou canos de ferro fundido; a invasão pela racionalidade instrumental [...] (DUPUY, 1980, p. 31).

Nesse sentido, percebemos que a técnica está inserida em um determinado contexto social,

político e cultural, em que sua característica de mediação entre o natural e o social se institui a

partir de um campo de relações intersubjetivas muito aquém da propalada neutralidade

(GONÇALVES, 1989). Sobre esse aspecto, o projeto técnico é orientado pela resultante de

um embate de forças, a partir do qual, se consolidam maneiras particulares de intervenção no

meio sócio-natural. Destarte, as novas técnicas e o novo capital deixam de ser, como no

passado, exclusivamente de um domínio particular de atividade e se espalham por todo corpo

social se transformando em regedores do tempo e do modo de relação com a natureza

(SANTOS, 1998). Entretanto, essa natureza já artificializada e tecnicizada tem apontado,

sobremaneira, os limites dessa racionalidade instrumental e econômica.

Constatamos a partir dos eminentes riscos ecológicos a existência de um umbral entre os

planos de exploração mediados pela técnica e a constituição de uma racionalidade ambiental.

Embora, a natureza tenha sido convertida em objeto de domínio da ciência e da produção, ao

mesmo tempo, que foi externalizada do sistema econômico, vivenciamos hoje a insurgência

de uma história ambiental, cujas origens remontam a um histórico de resistência aos modelos

colonialistas e imperialistas. Nesse cenário, vislumbramos a existência de novas identidades

culturais em torno da defesa de uma natureza culturalmente significada e de estratégias de

aproveitamento sustentável dos recursos (LEFF, 2003). Dessa forma, a idéia de uma

racionalidade ambiental aglutina o desejo de formular mecanismos capazes de evidenciar os

diversos modos de apropriação da natureza que, atualmente, têm sido invisibilizados por um

discurso unidimensional. Desse modo, como vaticina Leff (2001);

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Esta nova racionalidade produtiva não só está sendo construída como uma proposta teórica, mas está sendo mobilizada pela emergência de novos atores sociais do ambientalismo de base, resignificando o discurso da sustentabilidade dentro dos valores e interesses que orientam um processo de reapropriação social da natureza (Leff, 2001, p. 54).

A partir desse ponto, torna-se necessário postularmos a reafirmação de uma nova racionalidade

que se funde em uma conceptualização do ambiente como um potencial produtivo

diversificado, mais que um custo ao desenvolvimento e ou um lugar de disposição de dejetos.

Assim sendo, a natureza surge resignificada agora não mais pelos padrões de exploração da

ordem capitalista, mas como tributaria de uma concepção antenada aos pressupostos da

diversidade cultural, étnica e política. Todavia, como veremos nos próximos capítulos, o

discurso publicitário promove uma reafirmação das possibilidades de exploração eficiente e

racionalizada do meio ambiente, bem como silencia a existência de modos de vida mais

harmônicos na relação como a natureza.

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Capitulo II – A Publicidade e os Processos de Significação do Campo Ambiental:

Coordenadas para Compreensão de um Discurso

2) Introdução

O objetivo deste capítulo é apresentar o arcabouço teórico que municiará a compreensão do

discurso publicitário veiculado por segmentos produtivos que modificam a natureza. Versados

nas dificuldades iniciais de penetração em um discurso, procuraremos elucidar o leque de

mecanismos capazes de nos auxiliar na análise, decomposição e recomposição dos anúncios

tomados como foco de nossa pesquisa. Desse modo, apresentaremos os procedimentos de

escolha do meio de comunicação, do suporte adequado, dos veículos de mídia, dos

anunciantes e do recorte temporal que aqui utilizamos.

Balizados em uma perspectiva que concebe a publicidade como instância de atribuição de

sentidos e composição de imaginários sociais tentaremos evidenciar de que forma o discurso

dessas empresas constrói, de um lado, uma legitimação da atividade degradante, e de outro,

oferece novos sentidos aos imaginários sociais se referenciando em noções presentes no

campo ambiental e na sociedade. Nesse sentido, a instância publicitária transcende a mera

incitação ao consumo e se constitui, através de um processo retroalimentado, em fonte de

formulação de novas visões ou reforço de antigas concepções sobre a exploração da natureza.

Por fim, buscar-se-á elucidar que o discurso assimilado na publicidade dessas empresas se

apropria de noções em disputa no campo ambiental, as reveste de novos traços (remodelando-

as ao ideário que se pretende consolidar) e em seguida as distribuí revestidas de novas

significações. A partir desse percurso, verificamos como o discurso publicitário se erige em

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uma importante ferramenta na legitimação e manutenção daquelas atividades que são

altamente degradadoras e consumidoras do meio ambiente.

2.1) A Dubiedade da Construção Publicitária: Dimensão Econômica e

Atribuição de Significados

Quando nos endereçamos à produção material a partir de uma matriz de pensamento mais

complexa (MORIN, 1999), contrastamo-la através de um olhar que revela os aspectos

culturais e as diferentes ordens que a compõem. Desta maneira, somos impelidos a ver na

exploração econômica da natureza os caracteres simbólicos ofertados pela visão dominante

dentro e fora do campo ambiental. Alicerçado nessa idéia somos persuadidos, por exemplo, de

que a construção que se processa no canteiro de obras para implantação de uma hidrelétrica

não é em grande medida diferente daquela operada pelo discurso publicitário empenhado em

erigir fortes estruturas simbólicas para legitimação de uma obra.

Nesse sentido, torna-se necessário nos referirmos à exploração do meio ambiente a partir de

um ângulo que evidencie a apropriação simbólica do espaço e da natureza, produzida pela

visão dominante no campo. A partir desse ponto, verificamos que os conteúdos apresentados

ao imaginário social21, por intermédio da publicidade, são significações do espaço e reflexos

de posições hegemônicas no campo ambiental. Desse modo, considerando que a publicidade é

o produto mais democrático, o único que é ofertado e ofertado a todos (BAUDRILLARD,

1968), debruçamo-nos sobre o discurso publicitário para compreender como se processa a

21 Quando nos referirmos ao conceito de imaginário social temos em mente as formulações de Baczko (1985), que o concebe como uma peça efetiva e eficaz do dispositivo de controle da vida coletiva e em especial do exercício da autoridade e do poder. Destarte, podemos considerar o discurso publicitário como uma das esferas que intervêm na consolidação e exercício desse poder.

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construção de sentidos colocados em cena na formulação dos universos de referência dos

indivíduos (SOULAGES, 1996).

A idéia aqui contida ambiciona realçar que a apropriação econômica da natureza é

consubstanciada por significações simbólicas que hierarquizam os olhares sobre a natureza,

ao mesmo tempo que legitimam uma exploração calcada na iniqüidade de distribuição do

espaço ambiental22. Assim, objetiva-se perscrutar os artifícios utilizados na tarefa de construir

uma significação simbólica acerca da exploração ambiental, demonstrando que “cabe a um

dos sujeitos - o pólo emissor – escolher o termo mais marcado que, de certa forma, assegurará

algum tipo de elo associativo com o imaginário do outro – o pólo receptor” (CASTRO, 2001,

p. 12). Nesse sentido, o discurso publicitário, acima de tudo fictício é, entretanto, uma

reconstituição de cenas da vida cotidiana ou social, mas cuja fonte é um acervo cultural

compartilhado, pois têm o dever de ser parte interessada na expressão de representações

(SOULAGES, 1996).

Ao observarmos por esse ângulo, entrevemos que o discurso utilizado pelos exploradores de

recursos naturais espelha uma visão subjacente à nossa sociedade, a partir da qual os impactos

ambientais podem ser minimizados através da técnica e da eficiência que, como vimos

anteriormente, são idéias articuladas a noção hegemônica de desenvolvimento sustentável23.

22 Espaço ambiental é um importante conceito na compreensão da problemática ambiental. Significa, de maneira sintética, a busca de um espaço propício à vida humana que requeira entre o mínimo para as necessidades sociais e o máximo que pode ser assimilado pela ecosfera. O cálculo do espaço ambiental é processado a partir de cinco elementos básicos: energia, água, madeira, solos e recursos não-renováveis. Utilizando-se dessa quantificação é possível determinar quanto cada país ou segmento produtivo está consumindo além do que seria aceitável. Aqui reside a fecundidade desse conceito como importante indicador de iniqüidades na distribuição do uso do meio ambiente. Há que se ter ressalvas quanto ao uso exagerado de terminações quantitativas sobre um objeto que é eminentemente qualitativo e cultural. Contudo, uma leitura mais substantiva permite-nos extrair vantagens da utilização desse conceito (PÁDUA, 1999). 23 Conforme retratado no primeiro capitulo, o discurso da sustentabilidade recorre à racionalidade econômica inserindo as políticas ambientais no âmbito de uma economia de mercado. Direciona-se a legitimar uma visão homogeneizante acerca da exploração da natureza, ao mesmo tempo que esfacela a possibilidade de divergência ante o propósito de uma sociedade sustentável (LEFF, 2001). Essa é uma visão critica frente ao conceito que, no entanto, é comumente usado para justificar uma exploração esverdeada do meio ambiente.

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Entretanto, esse recurso não é em nada uma atitude filantrópica em prol da natureza e da

propalada qualidade de vida, ao contrário, representa uma condição necessária à reprodução

da indústria em um cenário onde é cada vez mais oneroso extrair energia do meio natural

(DUPUY, 1979). Ademais, noções tais como as de eficiência e técnica são objeto de disputas

feitas circular no interior do campo ambiental e justificam, sob a tutela da visão dominante, a

exploração da natureza como passível de mitigação ou compensação. O emprego dessa

estratégia dá substrato à crença em um progresso irrestrito das forças produtivas em

consonância com a preservação do meio ambiente. Destarte, é esse o tipo de discurso que

encontramos quando analisamos a produção das peças publicitárias e vemos em realce as

visões hegemônicas no campo ambiental sendo articuladas às noções de maior apelo na

sociedade. Portanto, é sobre esse aspecto que interpelo a produção dos anúncios por

considerar que:

Compreender a gênese de um campo e apreender aquilo que faz a necessidade da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-motivado os atos dos produtores e as obras por ele produzidas e não como geralmente se julga, reduzir ou destruir (BOURDIEU, 1989, p. 69).

Sendo assim, deter-se na análise de textos e imagens publicitárias é antes uma tarefa que

requer investigar as vozes e os olhares que orientam a produção dos anúncios. Dessa maneira,

podemos compreender a publicidade como receptáculo dos discursos que circulam no interior

do campo ambiental e como reflexo do estilo impresso pelas empresas anunciantes. Como

evidencia Orlandi (1988), o uso do discurso constitui um ato social com todas as suas

implicações, conflitos, reconhecimentos, relações de poder e constituição de identidades, de

modo que a seleção que o sujeito faz entre o que diz e o que não diz é extremamente

significativa.

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Nesse sentido, o discurso publicitário se forma em um continum que extrapola o texto

propriamente dito e se conecta com outras esferas da vida social distribuindo novos sentidos,

atualizações e ocultações que influenciam a constituição dos imaginários sociais. A partir

desse ponto, a formulação de símbolos introduz novos valores, modelando comportamentos

individuais e coletivos e indicando as possibilidades de êxito (BERGER & LUCKMANN,

1966). Sobre esse aspecto, a estratégia utilizada pelos anunciantes recorre à publicidade

buscando, de um lado, harmonizar os impactos ambientais, e, de outro, consolidar uma

imagem corporativa de respeito à natureza e às comunidades24.

Em Gracioso (1995), pode-se observar a existência de cinco grandes temas que são alvos de

campanhas institucionais25: 1) valorização do consumidor; 2) respeito à natureza –

preocupação com proteção e preservação ambiental; 3) empresa cidadã – integração na

comunidade; 4) ética nos negócios e 5) empresa parceira – estímulo à participação de

empregados. Assim, a utilização de temas como os que denotam respeito à natureza e

integração na comunidade, pode ser encarada, de um lado, como resposta à crescente

preocupação ambiental, e de outro como traço da pressão exercida pelos movimentos sociais

organizados.26 Nesse sentido, “à medida que a sociedade institui padrões valorativos e

critérios de sucesso, e forma os temores e esperanças humanos, ela como que engendra o

material do qual a propaganda extrai a sua força vital” (SWEEZY, 1978, p. 210). Entretanto, é

24 Matéria da revista Veja de 17/09/1991, intitulada “Os Executivos Verdes”, destaca o papel desempenhado por publicitários em duas faces, “em seu ramo pérfido faz apenas uma maquiagem ecológica em produtos e empresas que desejam mostrar-se simpáticas às causas ambientais, já no ramo honesto ajuda a influir nos processos de produção e no conteúdo dos produtos objetivando harmonizar empresa e meio ambiente”. 25 As campanhas institucionais objetivam reforçar ou mudar a imagem pública de uma empresa. Dessa forma, não têm objetivos imediatos de promover a venda; antes, procuram aceitação e predisposição a uma idéia do anunciante. 26 Matéria de capa da revista Exame de 10/07/1991 apresenta um receituário para lidar com as questões ambientais e com as pressões decorrentes desses assuntos. Descreve, portanto, um quadro a ser implementado por empresas que atuam nesses segmentos; 1) Sempre que tomar uma decisão, qualquer que seja, leve em conta a ecologia. Jamais a deixe em segundo plano, 2) Mantenha um dialogo constante com grupos ecologistas, 3) Incentive a formação de um grupo de ambientalistas entre os funcionários. Eles poderão defender causas impossíveis, mas certamente darão boas sugestões, 4) Coloque na diretoria alguém incumbido das questões ambientais e 5) Faça tudo isso convencido de que é o caminho certo e não porque alguém o força a fazê-lo.

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comum vermos nos anúncios uma tentativa de bloqueio à realidade, estratégia que, embora,

referenciada no real se direciona a eufemizar os objetos a partir do uso sistemático de imagens

e textos promocionais.

A publicidade pode ser encarada como parte integrante das mercadorias visuais, ao mesmo

tempo que resultado e conseqüência de uma rede entrelaçada por valores econômicos,

culturais, simbólicos e políticos (CANEVACCI, 2001). Nesse sentido, admitimos a

importância da publicidade como instrumento heurístico que auxilia na compreensão dos

imaginários sociais (RIAL, 1999) e percebemos que:

Além do papel regulador que pretende desempenhar nas economias de mercado, a publicidade é reconhecida hoje em dia, unanimente, como um processo de produção plena de formas culturais e se afirma no espaço social como um dos suportes mais visíveis das representações de identidade (SOULAGES, 1996, p. 142).

Admitindo a importância desses pressupostos, realizamos uma detalhada pesquisa para coleta

de anúncios publicitários que objetivam realçar e dar concretude às inferências que propomos.

A partir dessa análise, postulamos demonstrar que a publicidade opera em uma esfera que

transcende a mera incitação ao consumo e se constitui como mecanismo de formulação dos

imaginários sociais. Sobre esse aspecto, vislumbramos que o discurso publicitário contribui,

dentre outros fatores, para: 1) criar uma aura de essencialidade ao redor de empreendimentos

degradadores do meio ambiente, 2) invisibilizar, minimizar ou suavizar os impactos

resultantes de intervenções sobre a natureza e 3) circular noções em disputa no campo

ambiental já revestidas de novos significados.

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2.2) Recortando o Objeto e Contando as Peças

Para realçarmos as dimensões e valores trabalhados pela publicidade, tanto na confecção de

uma nova noção de meio ambiente, quanto na reafirmação de elementos já consagrados no

campo ambiental e marcados na sociedade, estabelecemos para coleta empírica a escolha de

três setores produtivos: petroquímico, elétrico e químico. Como esses segmentos são

enquadrados na categoria de altamente impactantes, poluidores e modificadores do meio

ambiente, avaliamos ser possível apreender como o discurso publicitário modula a

minimização dos impactos ambientais, ao mesmo tempo, que sugestiona a possibilidade de

manutenção da atividade produtiva. Além disso, podemos considerar a venda desses produtos

como independente da elaboração de campanhas de incentivo ao consumo, um traço que

reforça o caráter de atribuição e oferta de significado, desempenhado pelo discurso

publicitário.

Em relação à escolha do recorte temporal, trabalhamos com um intervalo de vinte anos

compreendidos entre 1982 e 2002. O marco inicial corresponde a um ponto, temporalmente,

eqüidistante entre duas das principais conferências sobre meio ambiente e desenvolvimento,

se situando, portanto, a dez anos da Conferência de Estocolmo (1972) e a dez da Conferência

do Rio de Janeiro (1992). Dessa maneira, pensamos ser possível capturar os traços

prevalecentes em Estocolmo, que ecoaram na produção de anúncios dos anos oitenta, bem

como mapear as escolhas e atitudes que antecederam a realização de uma nova conferência.

Por outro lado, podemos a partir desse recorte, evidenciar as estratégias que influenciaram o

percurso de duas décadas, uma que antecede a realização da Rio Eco 92, e outra, que marca

os desdobramentos experimentados nos anos subseqüentes. Assim sendo, acatamos como

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referência temporal a realização de grandes conferências, por considerarmos esses eventos

tanto como catalisadores de novas atitudes, quanto como esferas de estabelecimento de

diretrizes normativas ou consultivas para o meio ambiente e o campo ambiental.

Definidos os segmentos privilegiados e o período referencial, passamos à etapa de

estabelecimento do meio de comunicação (audiovisual, impresso ou oral), mais indicado à

nossa pesquisa. Dada à especificidade do objeto propagandeado, que apenas recentemente tem

sido foco de anúncios audiovisuais, e a necessidade de um recorte temporal mais dilatado,

capaz de realçar as constâncias e dissonâncias na produção das campanhas, optamos pela

escolha do material impresso. Entendemos que esse material facilita a possibilidade de acesso

e permite uma idéia de conjunto proporcionada pela existência de uma série mais completa de

anúncios. Após a elaboração desses parâmetros, o segmento de revistas pareceu-nos o suporte

mais indicado, pois como pondera Sant’anna (1982), permite uma melhor reprodução e

aparência dos anúncios, possui uma vida mais longa e são lidas mais devagar, o que

possibilita textos longos e um maior número de leitores por exemplar. Ademais, atende a

seletividade de mercados e atinge públicos extremamente precisos (BOONE & KURTZ,

1998).

Ao fim e ao cabo e já escolhido o suporte revista, cabe-nos ainda determinar qual ou quais as

publicações que servirão de base para nossa pesquisa. Assim, dada a especificidade dos

segmentos produtivos selecionados, optamos por trabalhar com duas revistas: uma com foco

específico no empresariado - Revista Exame, e outra, com abrangência nacional e penetração

em várias esferas - Revista Veja (ambas, conforme veremos adiante, se constituem como

principal publicação em seu campo de abrangência). Ao escolhermos duas revistas com

públicos distintos, objetivamos perceber as diferenças existentes na elaboração do discurso

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publicitário ofertado ao público leitor amplo e segmentado. Dessa maneira, acreditamos ser

possível estabelecer quais são os traços acionados e quais os aspectos pinçados para

elaboração dos anúncios em diferentes revistas. Por outro lado, abre-se espaço para

constatarmos a existência de invariâncias ou a consolidação de padrões de execução.

Compondo nosso escopo como uma publicação especializada em economia, a revista

Exame circula em periodicidade quinzenal atingindo uma tiragem média de 186.320

exemplares27, número esse correspondente às vendas avulsas e para assinantes. O quadro de

leitores é composto em sua maioria por membros das classes A e B – 34% pertencentes à

classe A e 46% a classe B.28 Dentre as revistas especializadas em negócios e economia é

líder absoluta mantendo grande distância das demais publicações. Os principais anunciantes

são instituições financeiras, fundos de previdência privada, empresas de telefonia fixa e

móvel, consultorias, fabricantes de automóveis e empresas do ramo de informática.

Ao analisarmos as matérias veiculadas pela revista, notamos uma tendência em considerar

as informações prestadas como sendo um aporte na administração dos negócios e um

municiador nas tomadas de decisão. O material de divulgação encartado em suas edições

oferece uma imagem da publicação como produtora de algo mais que notícias, chegando à

elaboração de conhecimento. Em uma dessas peças, os profissionais que trabalham em sua

elaboração nos são apresentados como pertencentes ao primeiro time da imprensa brasileira,

para em seguida ser lançada a idéia de que: “Exame transforma notícias em conhecimento e

traz a interpretação dos fatos mais importantes e as principais tendências do mundo dos

27 Dados coletados pelo IVC - Instituto Verificador de Circulação em Agosto de 2004. Disponível em >www.ivc.org.br< . Acesso em 29 nov. 2004. 28 Dados apresentados na Pesquisa Estudos de Mídia do Instituto Marplan, em maio de 2004. Disponível em >www.ipsos.com.br<. Acesso em 14 set. 2004.

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negócios”.29 O discurso utilizado na autopromoção da revista age na tentativa de posicioná-

la como uma ferramenta valiosa para o público leitor. Nesse contexto, os atributos

apregoados dizem respeito à questões econômicas e procuram criar uma esfera de

proximidade entre o leitor e o mercado dos negócios:

A Exame transforma informação em conhecimento por meio de análises a um só tempo profundas e objetivas, detalhadas e sucintas. A Exame captura os muitos dados disponíveis no mercado, filtra-os e oferece a seus leitores apenas o que é relevante, o que faz diferença, o que agrega valor. O resultado disso é que os artigos e reportagens produzidos por Exame instrumentalizam a ação de indivíduos e companhias em todos os setores da economia; funcionam como subsidio para tomadas de decisão em todos os níveis; são ferramentas de trabalho indispensáveis tanto para o dia-a-dia quanto para o longo prazo da vida produtiva de pessoas e instituições.30

Desta forma, a revista tende a exercer o papel de decodificadora das informações

transformando-as em substrato para o posicionamento do público leitor. Ao escolhermos uma

publicação orientada para o empresariado, pressupomos que a questão ambiental se tornou um

tonificante no discurso dos segmentos produtivos e empresariais. Além disso, a escolha de

uma revista posicionada nesses meandros nos auxilia na compreensão das imagens

construídas entre pares e realça a importância atribuída às preocupações ambientais.

Com outra inserção no mercado, a revista Veja se destina a um público bem mais amplo e

atinge a marca de 4.701.000 leitores, com uma tiragem de 1.122.012 exemplares, dos quais

917.550 de assinantes.31 Considerada a terceira maior revista semanal do mundo e a maior da

América Latina é responsável por 2,8% do volume total de receitas publicitárias investida no

Brasil.32 Os principais anunciantes são: empresas de telefonia móvel e fixa, instituições

29 Material de divulgação encartado na edição 648, de 17/11/1997. 30 Informações extraídas de material publicitário encartado na edição 695, de 05/10/1999. 31 Dados coletados pelo IVC – Instituto Verificador de Circulação em maio de 2004. Disponível em >www.ivc.org.br<. Acesso em 29 nov. 2004. 32 Dados dos Estudos de Mídia do Instituto Marplan publicados em Agosto de 2004. Disponível em >www.ipsos.com.br<. Acesso em 14 set. 2004.

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financeiras, fabricantes de automóveis, fabricantes de bebidas alcoólicas e órgãos do governo

federal. O perfil dos leitores é composto por 67% das classes A e B e os outros 43% das

classes C e D.33 O material de divulgação da revista reforça a imagem de maior e mais lida

publicação brasileira denotando sua importância na formação de opiniões. Desse modo, é

apresentada como aquela que “traz os fatos mais importantes da atualidade, com qualidade e

abrangência que só a melhor revista de informação do país pode oferecer”.34 A abrangência e

o alcance territorial da revista são ressaltados como marcas incontestes de sua importância,

aspecto esse que pode ser notado em um encarte no qual se estabelece que a missão de Veja é:

Ser a maior e mais respeitada revista do país. É leitura obrigatória para quem deseja qualidade de informação. Veja traz, semanalmente, os principais fatos e notícias do Brasil e do mundo, elaborados por jornalistas altamente qualificados, para leitores que gostam de estar bem informados. Política, acontecimentos internacionais, negócios, atualidades, artes, comportamento, gente famosa, tudo está em Veja. 35

Dessa maneira, a revista propala a noção de que tudo está contido em suas páginas, se

apresentando como indispensável à orientação dos leitores. A partir dessas sumárias

descrições, podemos notar que ambas as revistas compreendem uma boa gama de leitores,

atingem um público considerável e se estabelecem como formadoras de opinião. Nesse

sentido, avaliamos que a escolha dessas duas revistas atenta para o volume e abrangência,

bem como permite captar olhares diferentes sobre a sociedade brasileira. Ademais, essa

escolha nos possibilita um contato com tipos particulares de anúncios, uma vez que a

formulação das campanhas considera a seletividade do público a ser alcançado.

33 Dados dos Estudos de Mídia do Instituto Marplan publicados em Agosto de 2004. Disponível em >www.ipsos.com.br<. Acesso em 14 set. 2004. 34 Material de divulgação encartado na edição 1692, de março 2001. 35 Encarte publicitário divulgado na edição 1628, de dezembro de 1999.

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Durante o procedimento de coleta dos anúncios foram analisadas 1.448 revistas,

compreendendo 953 números de Veja e 495 de Exame36. Ao fim, encontramos 461 anúncios

dos setores produtivos escolhidos, dos quais 102 eram repetidos (73 em Veja e 29 em Exame),

restando-nos 359 para análise. O quadro a seguir, apresenta a distribuição dos anúncios por

revista e segmento produtivo:

Quadro 1: Distribuição dos Anúncios por Revista e Segmento Produtivo

Revista Setor Elétrico Petroquímico Químico Total

Veja 103 47 81 231

Exame 63 51 14 128

A partir desse quadro visualizamos a prevalência de anúncios do setor elétrico com

divulgação expressiva em Veja alcançando, assim, um público mais vasto. A distribuição

dessas peças através dos anos é constante não se verificando nenhum momento de pico.

Diferentemente, o segmento da indústria química apresenta um volume expressivo de

veiculação durante a década de oitenta, período que marca o acontecimento de vários

desastres envolvendo empresas desse setor. Por outro lado, a publicação de anúncios de

petroquímicas também é uniforme durante todo o período com uma suave predominância

daqueles veiculados em Exame. De todo modo, os desdobramentos e implicações dessa

distribuição serão melhor apreciadas durante a análise e categorização dos anúncios, o que

faremos nos próximo capítulos. Por enquanto, nos dedicaremos a apresentar os procedimentos

que orientam a compreensão da publicidade dessas empresas cujas atividades degradam o

meio ambiente.

36 Apesar de recorrermos a vários acervos, não nos foi possível localizar todos os exemplares que compreendem o período coberto pela pesquisa. Destarte, estão ausentes setenta e dois números de Veja e vinte e cinco de Exame.

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2.3) Plataformas e Marcos para a Compreensão do Discurso Publicitário

A visão que orienta a análise dos anúncios procura compreender a junção que se faz entre o

texto publicitário e a imagem que está a ele conectado. Desse modo, consideramos que a

imagem pode funcionar como um eficiente texto e este como um decodificador que traduz os

aspectos não explícitos na imagem. Nesse sentido, é a conexão dessas duas esferas, operada

dentro de um campo simbólico de representação, que organiza e dissemina uma noção de

meio ambiente sintonizada com as marcas e posições assumidas pelos anunciantes.37

Ao interpelarmos a publicidade como tributária do uso de imagens, faz-se necessário ter em

mente que “a imagem não constitui um império autônomo e cerrado, um mundo fechado sem

comunicação com o que o rodeia” (METZ, 1973, p. 10). Destarte, empenhar-se no

desvendamento dos elementos que integram a imagem é mostrar a interação existente entre o

universo real, o contexto e a significação que se pretende construir. Ademais, torna-se

necessário realçar que;

A imagem mediática está presente desde o berço até o túmulo, ditando as intenções de produtores anônimos ou ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas econômicas e profissionais dos adolescentes, nas escolhas tipológicas (a aparência) de cada pessoa, até nos usos e costumes públicos ou privados, às vezes como informação, às vezes velando a ideologia de uma propaganda e noutras escondendo-se atrás de uma publicidade sedutora (DURAND, 1999, p. 33-34).

Nesse sentido, admitimos que uma mensagem ou imagem é composta com o intuito prático de

contar, expressar, dirigir, inspirar ou afetar (DONDIS, 1991) e consideramos, à maneira de

37 O ponto aqui ressaltado está em sintonia com os conceitos bourdianos de campo e habitus que foram pormenorizados no capítulo anterior. Sobre esse aspecto, consideramos que as representações dos agentes variam de acordo com sua posição (e os interesses a ela associados), segundo seu habitus como sistemas de apreciação e percepção, bem como em decorrência das estruturas cognitivas e avaliatorias adquiridas através das experiências e visões de mundo (BOURDIEU, 1990).

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Castoriadis (1982), que o delírio mais elaborado, bem como a fantasia mais secreta e vaga são

feitos de imagens, que lá estão apenas como representando outra coisa, portanto, possuindo

necessariamente uma função simbólica. Ao apreciarmos esses aspectos, algumas indagações

podem ser de extrema utilidade no deciframento dos caracteres que compõem o texto e a

imagem publicitária: O que os elementos conotam? Que associações trazem à mente? A que

conhecimentos culturais se atrelam? Como os elementos se relacionam? Como o texto se

relaciona com a imagem? Há pistas que podem ser extraídas da cor, do tamanho ou

enquadramento? Quais as escolhas eram possíveis? (PENN, 2003, p. 340).

Por outro lado, em nosso caso mais especifico, podemos captar as seguintes dimensões:

Quando e em que situação ocorre a publicação dos anúncios? Quais modos de apreensão e

comportamento são sugeridos? Quais os objetos são utilizados e de que maneira são

representados? Como reúne material diverso para comunicar novos valores? E, por último,

quais fatores estão ausentes do discurso? Ademais, há que se ter em mente que as peças

publicitárias são um tipo de composição peculiar, por integrarem de maneira deliberada a

convivência entre imagem e texto. A partir dessa conectividade, tornam-se possíveis as

relações: de autonomia, dependência ou interdependência.

Assim sendo, entre a imagem e o texto constatamos situações de: 1) reinteratividade -

imagens e palavras repetem sentidos, 2) complementaridade – alguns sentidos se repetem e a

relação entre esses acrescenta outros, e 3) oposição – há convivência de sentidos contrários ou

contraditórios (DUARTE, 1998). Pode-se notar ainda uma outra peculiaridade da imagem

publicitária, que se constitui através de um ângulo de inversão com o mundo: em lugar de ir

da cena ao sentido (a qualidade do evento preexiste à visão), vai do sentido à cena (coloca as

relações que motivam a visão). Desse modo, constrói e delineia as imagens em harmonia com

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os atributos e idéias que pretende apresentar ao mundo social. Além disso, cabe destacar que

“a instituição publicitária é um sistema de comunicação fundado numa exploração sistemática

e interessada da imagem que toma lugar, enquanto tal, entre os dispositivos tecnológicos da

troca econômica” (PÉNINOU, 1973, p. 63).

Atrelada a essa idéia de utilização proposital da imagem detectamos na fotografia publicitária

uma condensação de sentidos cuja compreensão deve atentar para os seguintes tópicos

apresentados por Duarte (1998):

1) O plano destaca a importância do tema em relação aos outros elementos

presentes na imagem.

2) A composição confere seqüencialidade ou direcionalidade levando o olhar a

percorrer a imagem de acordo como um certo esquema que descobre pontos

essenciais e os valoriza.

3) O enquadramento define a posição dos sujeitos em relação à margem.

4) A hierarquia de figuras perceptiva ou narrativa atribui sentidos ao fixo e

móvel ou animado e inanimado.

Ao aceitarmos essas diretrizes como parâmetros para a análise avaliamos que elementos como

tamanho, enquadramento, plano, tonalidades, contraste, nitidez, além de dados explícitos,

indumentárias, objetos e tecnologias, atribuem sentidos e significações às imagens utilizadas.

Ademais, Péninou (1973) avalia que a localização espacial dos elementos comerciais no seio

da imagem e, mais amplamente, na página, não se processa de forma indiferente, visto que os

padrões de leitura conferem valores diferentes às partes que compõem a diagramação da

página. Destarte, o tipo de composição da imagem publicitária intenta de forma dissimulada,

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obter adesão à forma de conceber a vida social representada pelo anunciante (DURAND,

1973).

Sobre esse aspecto, podemos destacar que os caracteres expostos no discurso publicitário

desses segmentos contemplam uma forma específica de apresentar e conceber a natureza. De

modo que, compreender o processo de construção da realidade, partindo da produção de

sentidos instituídos pela esfera midiática, exige articular o conjunto de interesses em disputa

no terreno social, bem como entrever as significações que são mais adequadas atribuir ao fato

em questão (CASTRO, 1997). Desse modo, o discurso publicitário distribuído por empresas

degradadoras do meio ambiente acaba por substituir a própria realidade e se estabelece com

mais força simbólica que a experiência fenomenológica. Ao se introjetar como instância

mediadora, a publicidade dessas empresas atualiza os sentidos ofertados, ao mesmo tempo

que conduz uma gama de receptores não familiarizados com a existência de impactos

ambientais a aceitarem como críveis as informações veiculadas pelos anunciantes.38 Abre-se

espaço para a existência de uma quase interação mediada (THOMPSON, 1999) patrocinada

pelos meios de comunicação e, aqui em particular, pelas peças publicitárias. Assim,

deslocados de um lugar de co-presença, os indivíduos experimentam situações revestidas de

novos significados, que por sua vez, orientam a formulação de novas visões acerca dos

38 Indicativos desse processo são evidenciados em Castro (1997), que, ao descrever a luta salarial dos trabalhadores da construção civil em Belo Horizonte no ano de 1979, aponta a existência de uma nova significação produzida pela mídia local e nacional. Nesse cenário, desaparece o sentido de reinvidicação salarial, ofuscado pelos órgãos de impressa, e apresenta-se uma nova significação na qual a greve é transformada em um evento de baderna. Outro traço desse processo pode ser percebido no relato de uma representante do corpo técnico da Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM, durante reunião do COPAM - Conselho de Política Ambiental. Ao comentar a exibição de campanhas publicitárias da Usina de Irapé, construída no vale do Jequitinhonha, expôs conversa tida com uma moradora ribeirinha, da localidade de Barra do Salinas, situada a jusante da Usina de Irapé e ameaçada pela construção de outro empreendimento. A propósito de uma propaganda televisiva que mostrava atingidos por Irapé em novas e espaçosas casas, a moradora comentou que gostaria de ser atingida, porque assim mudaria para uma casa muito melhor. A partir desse relato, podemos perceber, que ao atualizar os fatos sob um prisma específico, a publicidade acaba por apresentar um discurso que invisibiliza o real, ao mesmo tempo que apresenta uma visão maquiada e distorcida dos eventos. De fato, parecer existir algo mais, não se trata apenas de uma resignificação, mas da produção e atribuição de novos significados para os eventos.

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objetos representados. Considerando esse raciocínio, é prudente indagar se as paisagens da

mídia não se tornam, cada vez mais, as paisagens de nosso mundo (MACHADO, 1993).

A partir desse ponto emerge um outro problema: nos referimos aos processos de incremento

de informações que ofuscam uma avaliação mais detida sobre a credibilidade das fontes de

referência. Dessa maneira, passamos cada vez mais a confiar em sistemas que não

compreendemos, ou de cujo funcionamento temos apenas uma noção superficial. Essas

conseqüências da modernidade (GIDDENS, 1992) nos inserem em uma nova lógica, na qual

deixamos de deter o controle sobre os mecanismos simbólicos que nos são ofertados. Sem

embargo, esses acontecimentos provocam uma sensação de vulnerabilidade ao esvaziamento

cultural que lhes é inerente. Assim sendo, novas paisagens começam a se acumular, novas

escrituras se insinuam e outros códigos de representação nos tomam de assalto (MACHADO,

1993, p. 53). Sobre esse aspecto, podemos entender os sistemas simbólicos, em especial a

publicidade, como instrumentos de poder e legitimação da ordem vigente.

Ao avaliarmos que os meios de comunicação constituem atualmente espaços privilegiados de

construção de realidades, torna-se possível interpelar a produção publicitária tendo como base

o referencial teórico inaugurado por Foucault (1972) em sua apreciação do discurso científico.

A partir desse arcabouço, percebemos que as afirmações não se justificam por si mesmas, que

são sempre o efeito de uma construção, de que se trata de conhecer as regras e de controlar as

justificações; definir em quais condições algumas são legítimas; indicar as que, de qualquer

forma, não podem mais ser admitidas. Destarte, todas essas formas prévias de continuidade,

todas essas sínteses que não problematizamos e que deixamos valer de pleno direito são

mantidas em suspenso ou questionadas profundamente (FOUCAULT, 1972).

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Assim sendo, compreendemos que o discurso publicitário articula em seu funcionamento

atributos consagrados e pouco problematizados no seio da sociedade, de forma que

precisamos complexificar nossa capacidade de percepção para captarmos as minúcias que se

entretecem na sua constituição. Nesse contexto, o arcabouço da teoria social se apresenta

como um mecanismo que pré-estrutura o nosso olhar e sofistica nossa capacidade de

observação (OLIVEIRA, 1996), facilitando-nos constatar que:

Esse universo de produção, circulação e consumo de imagens funciona tanto por adição, quanto por redução de informações sobre um mesmo acontecimento ou produto. Pois, toda imagem carrega esse paradoxo, para quem quiser ver, de ser ao mesmo tempo eloqüente e reticente (SANT’ANNA, 1997, p. 98).

Por outro lado, como demonstram Dunn & Escalona (1967), os publicitários sempre esperam

que as ilustrações de um anúncio contribuam para aumentar a eficácia em uma ou mais das

seguintes direções: 1) comunicar rápido e eficazmente uma idéia, 2) atrair a atenção do

público desejado, 3) conectar-se aos títulos do texto e 4) ajudar a fazer o anúncio mais crível.

Assim sendo, podemos relacionar esse tipo de escolha ao conceito de cenas validadas

consagrado por Maingueneau (2002), que corresponde ao emprego de imagens já presentes

na memória coletiva como forma de facilitar a identificação e assimilação dos anúncios, seja

a título de modelos que se rejeitam ou valorizam – exemplo disso é o uso da imagem de

hidrelétricas como signo de progresso. Nesse sentido, a cena validada não se caracteriza

propriamente como um discurso, mas como um estereótipo automizado, descontextualizado e

disponível para investimento em outros textos.

Ao contrastarmos as imagens a partir desse prisma, percebemos que elas podem ofertar

sentidos e sugestionar novas acepções sobre realidade social. Entretanto, não se trata de

desvendar uma realidade que se esconde atrás de um texto ou imagem, nem de trazer à tona

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os elementos de manipulação que o texto eventualmente esconde, mas de tentar interpretar o

que o texto pretende construir (BRAGA, 2000). Nesse sentido, realçar o lugar sociológico do

produtor/emissor, bem como suas visões de mundo e o espaço que ocupa na produção

simbólica, torna-se um imperativo quando objetivamos compreender os significados que um

anúncio pretende construir e ofertar aos receptores. Ademais, essa problemática é reforçada

quando avaliamos que “as palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as

empregam e tiram seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas

nas quais essas posições se inscrevem” (ORLANDI, 1988, p. 58).

Sobre esse aspecto, o que temos na produção do discurso publicitário não é uma mera

transmissão de informações, mas de efeitos de sentido.39 Constatamos a existência de uma

apropriação social dos discursos produzida a partir da articulação entre o lingüístico, o

contexto e o imagético. Assim sendo, podemos vislumbrar nos anúncios coletados os

vestígios desse tipo de estratégia, que ao ressignificar noções do campo ambiental engendra

linhas discordantes entre o ideário representado pelo setor produtivo e aquele presente em

outros segmentos da sociedade. Sem embargo, “o discurso não é simplesmente aquilo que

traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que e pelo que se luta, o poder

do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2000, p. 10). A partir disso, percebemos que

o discurso publicitário dessas empresas que degradam a natureza age na tentativa de impor

um significado unívoco sobre o meio ambiente, restando aos segmentos afetados uma luta no

e pelo discurso que é distribuído como legítimo.

39 O conceito de efeitos de sentido tem origem em Pêcheux (1997) e afirma o fato de que a atribuição de significados não se fundamenta em um lugar específico, ao contrário, se produz nas relações dos sujeitos e dos sentidos que mutuamente se constituem perpassados por conteúdos ideológicos. Dessa maneira, a existência de variados efeitos de sentido nos conduz a pensar a relação existente entre diferentes formações discursivas e consequentemente na formulação de sentidos tornados válidos ou descartados.

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Assim sendo, Maingueneau (2002) afirma que um texto publicitário não pode ser estudado

exclusivamente como um tipo de estrutura textual, uma seqüência coerente de signos verbais,

nem como um dos elementos das estratégias de marketing. Ao contrário, deve ser visto como

uma atividade enunciativa ligada a um gênero de discurso: o lugar social do qual emerge, o

canal por onde passa (oral, escrito, visual), bem como o tipo de difusão que implica não são

dissociáveis do modo como o texto se organiza. Nesse sentido, podemos considerar, que na

confecção desse discurso,

Não são apenas as palavras e as construções, o estilo e o tom que significam. Há aí um espaço social que significa. O lugar social do falante e do ouvinte, o lugar social da produção do texto, a forma de distribuição do texto e o valor da revista como parte e mecanismo da industrial cultural, tudo isso significa (ORLANDI, 1996, p. 55).

Destarte, percebemos que a compreensão de um anúncio se dá a partir do deciframento de

características que não estão, necessariamente, presentes nos dispositivos lingüísticos ou

imagéticos que o compõem. Para Foucault (1972), a tarefa da análise de discursos consiste

em não mais destrinchar o conjunto de signos (de elementos significantes que remetem a

conteúdos ou representações), mas em concebê-los como práticas que formam,

sistematicamente, os objetos a que se referem. Desse modo, podemos entender o discurso

publicitário como um mecanismo que produz novas acepções, que, mesmo referenciadas no

imaginário coletivo, nos são apresentadas revestidas de novos significados.

Ao considerarmos essa dimensão, vemos que esse discurso, deliberadamente, constrói um

novo sentido para os objetos e situações que representa. Assim, entendemos que a utilização

por parte do discurso publicitário de noções em disputa no campo ambiental - tais como:

harmonia homem/natureza, essencialidade da produção, conciliação entre exploração e

preservação, respeito às gerações futuras, sustentabilidade, entre outras - reflete uma forma

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especifica de significar a natureza, ao mesmo tempo, que auxilia na constituição de novas

verdades descredenciadoras de outros sentidos possíveis.

Sobre esse aspecto, a análise discursiva necessita realçar o estabelecimento de correlações

entre os enunciados, possibilitando-nos demonstrar quais os sentidos estão excluídos das

formulações apresentadas ao imaginário social. Aqui nos será de muita valia a utilização do

conceito de interdiscurso (PÊCHEUX, 1997; MAINGUENEAU, 1997; ORLANDI, 1988),

que corresponde à utilização de vários outros discursos no deciframento, entendimento e

atualização do enunciado que postulamos compreender. Dessa maneira, buscamos elucidar as

correlações existentes entre as várias formações discursivas utilizadas na composição do

discurso publicitário dessas empresas que exploram o meio ambiente.

Destarte, considerando que a publicidade é um discurso de dupla localização, fala com toda a

sociedade, mas apenas uma pequena parte a produz e sustenta (ROCHA, 1985), constatamos

que o material sugerido ao imaginário social representa um dos olhares possíveis sobre a

utilização da natureza, que, de todo modo, é produzido a partir de uma matriz de pensamento

que crê na possibilidade de exploração inexaurível dos recursos naturais. Sendo assim, a

fabricação desse discurso constitui um instrumento simbólico que auxilia na conformação de

um olhar hegemônico sobre o que é meio ambiente ou impacto social e ambiental. Por outro

lado, não ignoramos a existência de diferentes visões na configuração desse imaginário.

Entretanto, como a diferença necessita da unidade e vice-versa (PÊCHEUX, 1997),

constatamos a existência de formações discursivas que significam a partir de um traço de

oposição. Nesse sentido, pode-se ponderar que noções como as de progresso e

desenvolvimento, comuns nos anúncios, atuam propositadamente como opositores e

obscurecedores do modo de vida das populações mais integradas ao meio natural. Sobre esse

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aspecto, constatamos a existência de oposições entre uma modernização tecnológica cuja

orientação é urbana e o modo de vida tradicional das populações do campo.

Abre-se espaço para compreensão dos anúncios a partir do conceito de silenciamento

(ORLANDI, 1995) que se fundamenta no pressuposto de que, como o sentido é sempre

produzido a partir de uma posição do sujeito, ao dizer, ele estará, necessariamente, não

dizendo outros sentidos possíveis, mas indesejáveis em uma dada situação discursiva. Assim,

estabelece-se um recorte entre o que é dito e o que não se deve dizer, entretanto, esse não dito

já é por si só carregado de significações que merecem ser elucidadas. Esse conflito entre o

dito e o não dito, pode ser evidenciado na elaboração discursiva dos anúncios das empresas

do setor elétrico. Nessas peças, raramente encontramos representadas as populações

ribeirinhas que são deslocadas para construção de usinas; quando muito às percebemos

através da reafirmação de um progresso que alcança a todos e os reduz aos argumentos

desenvolvimentistas. Contudo, esse silenciamento não deixa de significar uma postura que

desqualifica os valores ribeirinhos e reafirma as disparidades presentes na condução dos

processos de licenciamento ambiental40.

Ao adotarmos esse tipo de perspectiva na compreensão e análise dos anúncios somos instados

a apreciar o fato de que

A publicidade, portanto, não é apenas uma técnica comercial, que visa por meio de suas incitações mecanicistas ou sugestivas, tornar necessário para algumas pessoas, a compra de bens ou serviços específicos. Ela constitui-se

40 O licenciamento ambiental é concebido em três fases: licença prévia, licença de instalação e licença de operação. A participação formal das populações atingidas apenas acontece após a realização dos estudos de viabilidade ambiental apreciados durante a fase de licenciamento prévio. A interferência nas decisões limita-se, portanto, à participação em uma audiência publica que visa a apresentar os estudos ao conhecimento da população. Não obstante, a possibilidade de influenciar na condução do processo é extremamente restrita, haja vista que os moldes de constituição do licenciamento avaliam a realização dos empreendimentos como inexorável. Para uma abordagem mais detalhada, ver contribuições de Zhouri, Laschefski e Paiva (2005).

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em um produto de ordem sociocultural (BRETON & PROULX, 2002, p. 109).

Nesse sentido, as escolhas realizadas pelo discurso publicitário entre quadros de referência

possíveis e demais fenômenos de apagamento ou repetição representam certo olhar sobre o

real (SOULAGES, 1996). Percebemos, a partir dessa idéia, que o desaparecimento da

natureza em prol da usina (marca dos anúncios do setor elétrico), bem como a demonstração

de essencialidade da indústria petroquímica, obedecem à utilização de mecanismos que agem

na tentativa de invisibilizar a existência de impactos ambientais. Dessa forma, é possível

considerarmos as relações entre sociedade e publicidade como dialéticas e complexas: os

conteúdos do discurso publicitário podem ser analisados como reflexo parcial da sociedade

que o produz ou, ao contrário, como fonte de influência possível sobre as imagens que

circulam entre os indivíduos (BRETON & PROULX, 2002).

A partir desse ponto, pode-se avaliar o desempenho da publicidade como instância que

oferece e capta temas ancorados nas representações sociais, estratégia que é reforçada pelo

uso interessado de imagens e palavras. Nesse sentido, Rial (1998) postula que a imagem além

de adquirir centralidade na formulação dos anúncios auxilia na construção dos imaginários

sociais. Apresentadas como um instrumento fundamental à publicidade, as imagens fixas e

em movimento exprimem histórias não apenas das representações sociais, mas também da

prática de contemplar, expor e ocultar partes do mundo (SANT’ANNA, 1997). Vistas as

coisas por esse ângulo, percebemos que as imagens exercem uma violação sobre os objetos

retratados (SONTAG, 1977) e nos mostram, especialmente, uma forma de ver, um olhar

particular sobre o objeto em questão.

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Ao se valer desses pressupostos, o discurso publicitário, de um lado, naturaliza o projeto

modificador da natureza concebendo-o como inexorável, e de outro, racionaliza os impactos

socioambientais por meio de estratégias que valorizam o aprimoramento técnico e ocultam os

conflitos sociais. Através dessa prática, a publicidade consegue desvirtuar as origens dos

impactos sociais e ambientais, ao mesmo tempo que oferece a idéia de um compartilhamento

de responsabilidades entre empresas e demais segmentos41. Nesse sentido, constrói-se uma

propaganda que busca difundir uma consciência ambiental e responsabiliza a todos homens e

mulheres pelas causas da deterioração, encobrindo as estruturas de poder que as geram por

cima das consciências individuais (LEFF, 1994). Balizados nessa idéia, somos instados a

avaliar como tática do discurso publicitário o fato de que:

O sujeito comunicante deve fazer um esforço para forjar um elo simbólico, mas sempre hipotético, com os sujeitos interpretantes, recorrendo a saberes, normas, valores e universos de referências supostamente partilhados. A partir desse instante o discurso publicitário vai falar de outra coisa, além do produto e pôr em cena uma série de representações do mundo e de seus seres (SOULAGES, 1996, p. 150).

Sendo assim, notamos que a publicidade se apropria de noções em disputa no campo

ambiental e as utiliza para tecer uma nova concepção sobre as empresas que exploram o meio

ambiente. A partir dessas práticas, o discurso publicitário procura atuar em duas frentes: de

um lado, concede visibilidade aos compromissos e benesses oriundas do projeto modifica-dor

do meio ambiente, e de outro, invisibiliza a existência de impactos ambientais e sociais

gerados pela implantação e operação dos empreendimentos. Dessa forma, atua no continum

41 O emprego dessa estratégia pode ser notado em campanhas publicitárias da indústria petroquímica. O texto de um desses anúncios apregoa: “O uso apropriado e consciente da petroquímica pode fazer o mundo mais confortável e bem resolvido para o homem. No entanto, não existe meio ambiente que consiga sobreviver à irresponsabilidade das pessoas sem consciência. A maioria acaba sendo prejudicada pela ignorância de alguns. Por isso, quando você estiver utilizando um produto químico, ou produtos de origem petroquímica, procure lembrar que eles só existem para servir a você e ao seu meio ambiente. A maior arma que podemos ter é nossa própria consciência”. Desse modo, verificamos o estabelecimento de uma abordagem que incita o compartilhamento de responsabilidade e dilui a magnitude da contribuição do setor petroquímico para a deterioração da natureza.

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visibilidade-invisibilidade sempre buscando reforçar adesão às visões representadas pelos

anunciantes. Além disso, como muitas concepções de natureza se rivalizam na sociedade

brasileira e falar de uma única seria impor uma ordem falsa a um quadro por demais

fragmentado (MATTA, 1994). Podemos sinalizar que a publicidade dessas empresas

arquiteta e implementa uma visão própria de natureza que é distribuída a um vasto horizonte

social.

A estratégia utilizada recorre ao ocultamento dos espaços naturais, que, por sua vez, são

racionalizados através de um discurso tecnicista que abre passagem à exploração ambiental.

Desse modo, a publicidade consolida uma imagem de apuro técnico, respeito à natureza e a-

preço pelas comunidades criando facilidades à viabilização de novas construções e condições

para o incremento e manutenção das atividades já existentes. A partir dessa constatação,

percebemos que o objetivo imediato de um anúncio, propagandear um evento ou

empreendimento isolado, extrapola essa dimensão e contribui para a formulação de uma

imagem-quimérica (respeito às populações afetadas, harmonia natureza/exploração, impactos

reduzidos) que reveste todo o segmento produtivo. Sobre esse aspecto, Baczko (1985) afirma

que a formulação de imaginários sociais intervém ativamente na memória coletiva, para a

qual os acontecimentos contam muitas vezes menos que as representações a que dão origem.

Assim sendo, apreendemos a existência de um léxico publicitário, que, a despeito da

divulgação de um dado acontecimento, atua nas seguintes direções: ajuste de uma nova

concepção de meio ambiente, obscurecimento das lutas sociais, legitimação de novas obras,

ocultamento dos impactos socioambientais e criação de uma idéia de progresso e

desenvolvimento atrelada aos empreendimentos. Ao articular essas dimensões, o discurso

publicitário dissemina a possibilidade de um gerenciamento responsável da natureza e

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sinaliza para a certeza de um futuro melhor para sociedade. Desse modo, a natureza é

apresentada como suporte impulsionador do progresso humano e sua exploração

racionalizada é ofertada como condição necessária e suficiente para o desenvolvimento e

preservação do meio ambiente.

Percebemos que o discurso publicitário absorve essas tendências, as remodela e distribuí ao

imaginário coletivo denotando sentidos que sustentam o ritmo continuado de exploração da

natureza. Ao considerarmos que a publicidade não produz seu discurso a partir de um núcleo

vazio, mas, ao contrário, articula vários elementos presentes na trama social, torna-se

necessário elucidarmos as formas utilizadas para coadunar exploração econômica e

preservação ambiental. Por outro lado, somos instados a apreciar que essa estratégia visa a

ocultar certos traços que necessariamente requerem estar ausentes.

Atentos à idéia de que os textos e imagens publicitárias são expressões culturais mais que

criações (RIAL, 1998), constatamos uma junção entre definições hegemônicas no campo

ambiental (compensação, mitigação, consenso de interesses, compatibilidade

exploração/conservação) e apelos mais disseminados em nossa sociedade (progresso,

desenvolvimento, bem-estar-social). Essa estratégia objetiva construir um valor axiomático e

uma idéia de inexorabilidade próprios das atividades modificadoras da natureza, o que lhes

confere um caráter de inevitabilidade e ignora (propositadamente) a avaliação da real

essencialidade da operação ou construção de novos empreendimentos. Nesse sentido,

procuraremos demonstrar, no próximo capítulo, através da análise dos anúncios, como as

estratégias de elaboração de uma aceitabilidade dos impactos ambientais e a promoção de

progresso e desenvolvimento são operacionalizadas pelo discurso publicitário.

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Para tanto, propomos uma des-construção do fluxo de anúncios, mas não para fazer ressurgir

o mesmo; ao contrário, procuraremos recompô-los a partir de um olhar que observa e

reconhece caracteres à primeira vista não visíveis. Nesse sentido, considerando que o ato de

escrever caminha sempre entrecortado pelo ato de pensar (OLIVEIRA, 1996), partimos para

uma análise que caminhará orientada pelos conceitos até aqui apresentados e ainda estará

sendo composta por códigos até então não esboçados ou pensados.

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Capítulo III - A Reconciliação Discursiva: Significações Impertinentes e

Realidades Ofuscadas

Introdução

Percorridos os caminhos que nos elucidaram a problemática da noção de desenvolvimento

sustentável e desembocaram na interligação entre campo ambiental e discurso publicitário,

alcançamos o momento de demonstrar como a publicidade responde e espelha as tensões

geradas no interior desse campo. Versados na dificuldade de se traduzir imagens em palavras

e certos que incorreremos em mutilações que dilaceram em golpes de escrita aspectos

somente percebidos e não verbalizados, partimos para a tarefa de auscultar os textos, imagens,

cores, indumentárias, enquadramentos e luzes, que se entretecem na composição de uma visão

positiva acerca dos setores produtivos degradadores da natureza.

Tentaremos evidenciar que além de propagandear a operação ou construção de um

empreendimento, esse discurso marca a reafirmação de posturas hegemônicas no campo

ambiental e promove um ocultamento de outros significados de natureza. Como veremos, a

estratégia utilizada potencializa traços de um paradigma de mitigação e compensação, que

permanece encapsulado em nossa sociedade e age (des)localizando a ocorrência de impactos

sociais e ambientais. Sobre esse aspecto, constatamos que essas novas técnicas da

comunicação e da imagem tornam a relação com o outro cada vez mais abstrata (AUGÉ,

1998) e acrescentam possibilidades e sentidos outrora desconsiderados.

Dessa forma, a tarefa de análise dos anúncios estará subdividida em dois capítulos: nesse

primeiro interpretaremos os artifícios utilizados pelo discurso publicitário do setor elétrico e

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focalizaremos as diferenças e recorrências discursivas entre os anúncios de usinas

hidrelétricas e de concessionárias geradoras e distribuidoras de energia. No capítulo

subseqüente abordaremos o discurso veiculado pelo setor petroquímico e a indústria química

interrelacionando-os entre si e com o setor elétrico.

3.1 Categorizações e Divisões Temporais: Compreendendo o Discurso

Com o intuito de realçar as estratégias utilizadas pela publicidade na consolidação de uma

imagem positiva da exploração de recursos naturais, estabelecemos algumas categorizações

heurísticas. A partir dessa abordagem, buscamos compreender as disparidades existentes entre

os anúncios que articulam minimamente uma preocupação ambiental, os que impõem

mecanismos de controle sobre a natureza e os que sugerem relações institucionais com a

sociedade. Desse modo, elaboramos, em um primeiro momento, um recorte temporal que

facilita a absorção e entendimento das mudanças e regularidades discursivas que permeiam o

intervalo dessas duas décadas.

Alicerçados na análise das peças publicitárias estabelecemos três fases temporalmente

distintas e interpenetráveis:

1) Compreende o intervalo entre os anos de 1982 – 1987 e visa mapear as posturas

vigentes antes da introdução dos preceitos do desenvolvimento sustentável, bem como

clarificar o emprego de noções oriundas da Conferência de Estocolmo.

2) Compreende a década 1987-1997 e intenta por um lado, elucidar como o discurso

publicitário absorve o receituário da noção de desenvolvimento sustentável, e, por

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outro, realçar as marcas da institucionalização dessa temática, principalmente, após a

realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

3) Compreende os anos 1997-2002 e objetiva demonstrar a incorporação por parte do

discurso publicitário de uma certa visão de desenvolvimento sustentável. Todavia,

como veremos, isso ocorre a partir dos pressupostos da mitigação e compensação

ambiental e marca a desconstrução no imaginário coletivo da existência de uma

natureza modificada.

Fixados esses recortes temporais, optamos por tratar em separado os anúncios utilizados por

cada um dos setores: químico, petroquímico e elétrico, visando estabelecer as particularidades

e categorias inerentes aos respectivos discursos. De toda maneira, em uma etapa posterior

entrelaçaremos essas representações na tentativa de consolidar um olhar mais holístico acerca

da imagem de meio ambiente apresentada à sociedade.

Em relação aos anúncios veiculados nas revistas Veja e Exame, constatamos uma enorme

similaridade entre as temáticas abordadas, o que nos possibilitou um tratamento unificado das

publicações. Conjecturamos que essa indiferenciação reflete a univocidade dos discursos

utilizados pelo setor produtivo, bem como reforça a abrangência e penetração de significações

apresentadas como lugares-comuns. Ademais, consideramos a veiculação de um discurso

uníssono uma descoberta tão ou mais instigante, uma vez que isso constitui marca inconteste

da consolidação de um olhar hegemônico acerca do meio ambiente.

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Ao fim e ao cabo, visando elucidar as dissonâncias e recorrências discursivas de cada

segmento produtivo e período, indicaremos por meio da análise de alguns anúncios as

estratégias utilizadas na elaboração da publicidade veiculada. Após esse procedimento, que

propõe estabelecer as linhas gerais adotadas, analisaremos de forma mais detida uma peça que

seja paradigmática do discurso ofertado em cada época.

3.2 A Energia como Natureza do Progresso e a Incorporação do Discurso de

Desenvolvimento Sustentável na Publicidade do Setor Elétrico

A análise que empreenderemos tem início pelo setor elétrico, meramente por compor nossa

amostra com um maior número de anúncios. Ao nos debruçarmos sobre os anúncios do setor

elétrico, percebemos a necessidade de estabelecermos uma distinção entre os que promovem a

operação de usinas hidrelétricas e aqueles que se destinam a compor uma imagem positiva das

concessionárias de geração, transmissão e distribuição de energia. Desse modo, foram

elaboradas duas categorias, a saber:

• Usinas de Progresso – abrange os anúncios que postulam representações acerca da

licitação, construção ou operação dos empreendimentos. Os anúncios enquadrados

nessa categoria têm a peculiaridade de antecederem eventos episódicos como

lançamento de pedra fundamental, início das obras, fechamento de comportas,

primeira geração de energia e inauguração.

• Concessionário Gera-dor/Distribui-dor - contempla os anúncios destinados à

formulação de uma imagem corporativa e enaltecedora das empresas que exploram o

setor elétrico. Ao realizarmos essa categorização, percebemos que os anúncios são

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destinados a campos específicos de atuação e estabelecemos três subcategorias: 1)

Relações Institucionais - aglutina os anúncios direcionados à comunicação com os

consumidores e investidores, 2) Ambiente Meio – destina-se a divulgar uma

adequação ambiental das atividades desenvolvidas e 3) Eficiência Racionada –

apresenta os programas de eficiência energética implantados pelas empresas.

Estabelecidas essas duas categorias, cabe-nos esclarecer que essas distinções existem apenas

em um plano conceitual e heurístico que visa facilitar e ampliar a compreensão do objeto de

pesquisa. Em verdade, os discursos utilizados em ambas são interpenetráveis e refletem uma

mesma maneira de conceber e contrastar o meio ambiente, conforme tentaremos demonstrar.

A análise dos anúncios do setor elétrico nos revela o uso de estratégias que perpassam todo o

período da pesquisa e constituem marcas do discurso publicitário desse segmento, dentre

essas se destacam: a referencia a geração de empregos diretos e indiretos, melhorias nas

condições de vida da população, crescimento econômico, origem do desenvolvimento

nacional, indispensabilidade ao futuro das novas gerações, progresso, necessidade de

ampliação do parque energético e menção a quantidade de energia gerada e de pessoas

beneficiadas. Dessa maneira, o setor elétrico é representado como gerador de riquezas e

promotor de conforto e bem-estar para toda população.

Os anúncios que compõem a categoria Usinas de Progresso são caracterizados pelo emprego

sistemático de imagens de barragens em construção e ou em funcionamento. Essas imagens

são sempre captadas de baixo para cima, em um ângulo que dá ênfase à magnitude das obras,

ou por tomada aérea, o que denota controle sobre a paisagem e a natureza. Verificamos que

esse tipo de representação é marca identificadora do segmento e recobre praticamente todo o

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período da pesquisa. Além disso, as imagens de hidrelétricas são conectadas a uma

simbologia de progresso, crescimento econômico, qualidade de vida, empregos,

desenvolvimento e controle sobre a natureza.

Nesse sentido, constatamos uma preocupação recorrente em demonstrar que as hidrelétricas

não produzem apenas energia, mas são também responsáveis por melhorias na educação,

saúde, segurança e saneamento básico, além de garantia de um futuro melhor para a

população. Ao se orientar por essas diretrizes, o discurso publicitário apresenta ao imaginário

coletivo uma imagem das usinas como fundamentais e essenciais ao desenvolvimento

nacional e a perpetuação da vida. Embora esses traços estejam presentes nos três períodos

estabelecidos anteriormente, vislumbramos algumas particularidades que são acentuadas

apenas em determinadas fases e são essas diferenciações que procuraremos explicitar nos

tópicos seguintes.

3.2.1 Domar a Natureza e Produzir Riquezas: A Publicidade de Hidrelétricas no

Período 1982-1987

Durante o intervalo 1982-1987, que antecede a formulação da idéia de desenvolvimento

sustentável, as representações difundidas acerca das usinas hidrelétricas desconsideram a

existência de impactos sociais ou ambientais ocasionados pela construção. Todavia, notamos

a partir desses anúncios a introdução de um discurso que atribui usos e significados

primordiais à natureza e a concebe como geradora de riqueza e de engrandecimento da nação.

Destarte, podemos entrever alguns indicativos desse tipo de abordagem em um anúncio da

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Companhia Hidroelétrica do São Francisco, que ressalta as vantagens da construção da Usina

de Sobradinho42 .

A manchete principal do anúncio apregoa “Sobradinho novos horizonte para o sertanejo” ao

que se segue o seguinte texto:

O Rio São Francisco tem sido, desde os primeiros passos da nossa historia, a razão de viver de milhares de brasileiros, habitantes de suas margens. Utilizando suas vazantes para o cultivo de alimentos, capturando peixes em suas lagoas, cavalgando seu dorso macio a bordo dos gaiolas [...] Mas esse rio de cartão postal sobreviveu até a década de 40. A criação da Chesf – Companhia Hidroelétrica do São Francisco – lançou as bases para a nova civilização da energia elétrica: a da industrialização. Um tempo de grandes transformações nas vidas das pessoas e até do rio. [...] A fome de energia de origem hídrica impunha algo muito maior.

A partir da análise desse fragmento, percebemos que o discurso publicitário ressignifica o rio

como espaço da industrialização e da fome de energia hídrica, ao mesmo tempo que introduz

uma racionalidade econômica capaz de atribuir novos significados aos espaços naturais e

descaracterizar os usos tradicionais outrora praticados. O rio cartão postal, de vazantes,

pescarias e dorso macio, é simbólica e objetivamente transformado nas bases para uma

civilização industrial. Ademais, se impõe um desenvolvimento unidimensional representado

como possibilidade de novos horizontes para o povo sertanejo. Assim sendo, podemos indicar

que durante essa fase não está vigente a preocupação discursiva em compatibilizar natureza e

produção econômica, ao contrário disso, o meio ambiente é racionalizado como o lugar único

e exclusivo da geração de riquezas. Por outro lado, entrevemos indicativos daquela visão,

destacada por Pádua (2002), que reconhece a pujança das riquezas naturais, mas considera a

destruição um preço a pagar pelo progresso.

42 Anúncio publicado na revista Veja, edição 721, de 30/06/1982 – página 112.

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A ampliação do parque energético e o alargar das bases de exploração da natureza constituem

outros traços evidenciados nos anúncio dessa fase. Sobre esse aspecto, os mecanismos

identificados no primeiro capítulo, relacionados a uma atitude que desbrava e doma a

natureza, reaparecem na orientação das peças publicitárias que são veiculadas. Desse modo,

constatamos indícios dessa prática em um anúncio do Complexo Pedra do Cavalo43 que

apresenta a imagem de uma hidrelétrica em funcionamento, conectada a idéia de

aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos. A manchete do anúncio que destaca: “Na

Bahia soluções múltiplas para que tem sede de progresso” é complementada pelo texto

iniciado na porção direita da página: “Todo complexo foi programado para proporcionar,

simultaneamente, várias alternativas de exploração econômica dos recursos hídricos do Rio

Paraguaçu”.

A partir da análise desses fragmentos, entrevemos que a hidrelétrica significa o refresco que

aplaca a sede de progresso, em um cenário onde o rio representa o lugar das várias

alternativas de exploração econômica. Além disso, constatamos que a fome e a sede palavras

utilizadas para denotar sofrimento e miséria, são resignificadas pelo discurso publicitário e

transformadas em fome de recursos hídricos (anúncio de Sobradinho) e sede de progresso

(anúncio de Pedra do Cavalo). Destarte, essa estratégia agrega eficácia simbólica à

construção dos empreendimentos e consolida uma racionalização do meio ambiente, que o

faz convergir aos intuitos de uma exploração econômica. Nesse sentido, é patente a

reafirmação de um discurso que atrela a construção de usinas hidrelétricas ao progresso

econômico.

43 Publicado na revista Veja, edição 917, de 02/04/86.

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Em outro trecho do anúncio encontramos uma formulação que corrobora esses argumentos e

reforça um traço característico da publicidade produzida nessa fase, qual seja, o sobrepujar da

natureza: “Mas quando o tempo virar e a chuva cair solta sobre a Bahia, ai também Pedra do

Cavalo vai mostrar o seu valor. O velho Rio Paraguaçu, indócil na época das chuvas, agora

está domado em seu leito”.44 Assim sendo, podemos entender um tipo de mentalidade que

concebe o meio ambiente sob uma ótica que pro-clama as possibilidades de domesticação da

natureza e de desfrute das riquezas, ambas empreendidas através do uso de aparelhamentos

técnico-científicos.

Ao considerarmos que o discurso publicitário reflete o contexto social no qual foi gestado,

torna-se natural localizarmos nos anúncios as evidencias dos acontecimentos que marcaram

nosso desenrolar histórico. Durante os primeiros anos da década de 1980, o Brasil sofre, por

um lado, os impactos da segunda crise do petróleo (que forçara uma redução drástica no

consumo desse produto), e, por outro, é contagiado pelos resquícios de uma política nacional-

desenvolvimentista e de substituição de importações. Destarte, verificamos nos anúncios

dessa época uma constante menção aos barris de petróleo economizados através da geração

hidráulica, bem como um discurso que apregoa a nacionalização de equipamentos e de

técnicas de construção.

44 Essa concepção de uma natureza domada pode ser também verificada em uma reportagem da revista Veja publicada em 10/10/84, que, em entrevista ao engenheiro responsável pelas obras de Tucuruí, nos informa: “Em março de 1980, no auge de uma torrencial estação de chuvas, Silveira viu as águas do Tocantins prestes a arrastar o canteiro de obras ainda em fase de montagem. ‘Por uma questão de centímetros as águas não ultrapassaram as barragens provisórias que havíamos construído’, recorda o engenheiro. Ele pode assim constatar que para se deixar domar, a natureza sempre cobra um preço. E na selva aprendeu Silveira, o tributo é inevitavelmente mais pesado”.

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Indicativos dessa estratégia podem ser constatados em um anúncio de Furnas Centrais

Elétricas S/A, que propagandeia a entrada em operação da Usina de Itumbiara45 e apresenta a

imagem de uma hidrelétrica captada de baixo para cima.

O texto manchete disposto no alto da página afirma: “A outra força de Itumbiara: A força da

nossa gente”. Em um texto iniciado na porção inferior da página, notamos uma

complementaridade de sentidos por meio da seguinte passagem: “E o melhor é que Furnas

construiu uma usina deste tamanho com um projeto, técnica e mão-de-obra exclusivamente

brasileiros, alcançando um índice de nacionalização de 91%”. A partir desse trecho,

observamos uma exaltação das realizações nacionais, o que está amplamente sintonizado à

política de governo então em vigor. Ademais, constatamos que os anúncios dessa fase

projetam uma propaganda de governo, que vincula a construção de hidrelétrica à imagem do

Estado ou governante responsável pela execução das obras. Assim sendo, podemos notar na

parte inferior de quase todos os anúncios a logomarca das companhias geradoras,

acompanhada pelo nome do governante em exercício ou dos ministérios do governo federal

responsáveis pela obra.

Após apresentarmos os principais temas que motivaram a produção dos anúncios nessa

primeira fase, dedicaremos as próximas linhas à análise mais detida de uma peça que aglutina

as diferentes estratégias empregadas. Embora o anúncio em questão não utilize a imagem de

uma usina em funcionamento, traço característico do segmento, traz em destaque as obras de

implantação da Hidrelétrica de Samuel.

45 Publicado na revista Veja, edição 850, de 19/12/84 – página 86.

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Figura 1 - Anúncio publicado na revista Veja edição 764 de 27/04/1983, p. 123.

A parte superior da página apresenta uma seqüência de imagens onde em cinco quadros

vemos: 1) vista aérea das obras com estreitamento do rio, 2) um caminhão e uma escavadeira

retirando algum material, 3) dois caminhões e uma outra escavadeira, 4) vista aérea do

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canteiro de obras e 5) sobreposta às demais, a imagem do momento de uma explosão no leito

do rio. Assim, podemos avaliar que o quadrante da explosão adquire centralidade e mantém

conexão com as outras imagens utilizadas. Diagramada no centro da página e sobrepostas às

demais essa imagem denota o agir técnico sobre a natureza e reforça uma representação de

domínio corroborada pelas outras figuras. A partir da análise dessas imagens, podemos

constatar a apresentação de um agir técnico que age modulando e sobrepujando a natureza e a

coloca a serviço da geração de energia elétrica.

Ao apresentar a imposição de um novo curso ao rio, a imagem da explosão e das outras

interferências técnicas redimensiona a paisagem orientando-a para modificação da natureza e

extração de riquezas. Nesse sentido, as paisagens naturais são resignificadas como suporte à

produção energética, em um cenário onde as máquinas e equipamentos tecnológicos

imprimem racionalização ao espaço e encobrem a existência de uma natureza outrora não

modificada. O meio ambiente é então significado como baluarte da exploração econômica e

as paisagens e populações solapadas pela hidrelétrica não são sequer consideradas ou

mencionadas.

Articulado às imagens que representam a obra e às mudanças na paisagem, o texto manchete

do anúncio apregoa: “Um estado que cresce 20% ao ano precisa de muita energia”.

Constatamos uma complementaridade de sentidos entre as imagens e a manchete que

expressa por um lado, a necessidade de construção da obra, e por outro, justifica essa

intervenção que transforma natureza em espaço produtivo e racionalizado. Por outro lado,

notamos que a idéia de crescimento é associada magneticamente à construção da hidrelétrica,

de forma que a energia gerada representa um elixir indispensável a essa realização.

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O texto iniciado na lateral direita da página caracteriza aspectos não explícitos na imagem e

adiciona conteúdo ao título do anúncio: “Os brasileiros que acreditam em Rondônia têm um

motivo a mais para fixarem ali suas esperanças: a Hidrelétrica de Samuel já é uma realidade”.

A hidrelétrica é significada como uma das condições que propiciam o fixar de novos

moradores e o arregimentar de suas esperanças. Sobre esse aspecto, percebemos que o

discurso utilizado adiciona um conteúdo de sentimentalidade e pessoalização ao anúncio,

recorrendo ao uso de expressões atreladas à crença e esperança. Adiante no texto deparamos

com a seguinte afirmação: “Sua potência final instalada será de 216 MW, representando

confiável plataforma para o desenvolvimento do mais novo Estado Brasileiro”. Ocorre

novamente uma reiteração dos sentidos expressos na manchete e se reforça uma idéia que

aglutina hidrelétrica e desenvolvimento, na qual a construção de usinas é concebida como

condição necessária e suficiente para o desenvolvimento econômico.46

O parágrafo seguinte do anúncio informa que: “No período 1988/1993, com a substituição da

geração térmica por geração hidráulica, Samuel estará economizando divisas da ordem de

260 milhões de dólares”. Como demonstramos anteriormente, esse tipo de argumento

representa marca constante em toda publicidade de hidrelétricas dessa fase, a substituição da

matriz energética, consolidada nos primeiros anos da década de oitenta, é aqui significada

como pré-requisito para redução nas importações de petróleo. A partir desse raciocínio, a

transição para a matriz hidráulica representa um ganho de divisas imprescindível ao

equilíbrio da balança comercial brasileira. Além disso, esse discurso de economia de divisas é

46 Essa idéia pode ser notada em matéria da revista Veja, de 10/12/84 intitulada: A Energia da Floresta. O texto, que apresenta a inauguração da usina de Tucuruí, discorre informando: “As águas represadas do Rio Tocantins que começam nessa segunda-feira a deslizar pelos vertedouros da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, rompem um círculo vicioso que há décadas sufoca as chances de progresso daquele pedaço da Amazônia. Não se instalavam indústrias porque não havia energia, e não se construíam barragens porque não havia indústrias”. Dessa maneira, propala-se uma imagem onde a implantação de hidrelétricas é considerada como única condição necessária para o progresso e desenvolvimento da população.

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utilizado para legitimar um aumento nos investimentos destinados à construção de novos

empreendimentos hidrelétricos.47

O trecho final do anúncio esclarece que: “No campo social a obra garantirá milhares de

empregos, diretos e indiretos, numa região extremamente carente de energia”. A utilização

desse argumento reafirma a amplitude e o alcance social da obra, ao mesmo tempo que deixa

subtendida uma imagem que atrela a inexistência de empregos à carência de energia. Sobre

esse aspecto, a construção de hidrelétricas é representada como matriz geradora de empregos

e de oportunidades para toda a população.

A parte inferior da página é ocupada por uma foto menor onde vemos um palanque repleto de

pessoas que observam ao longe. A legenda da foto traz a seguinte informação: “Visita do

Presidente João Figueiredo às obras da Usina Hidrelétrica de Samuel em 07 de abril de

1983”. Essa estratégia é outro traço presente na publicidade desse período e marca uma

conexão íntima entre propaganda de governo e implantação de novos empreendimentos.

Assim sendo, a veiculação dos anúncios é articulada em duas direções: de um lado, agrega

valor à imagem do governo, e de outro, cria uma aura de essencialidade ao entorno da

construção de hidrelétricas, atrelando-as ao desenvolvimento e progresso da população. Por

fim, ao pé da página podem ser vistas dispostas, lado a lado, as logomarcas do Ministério das

Minas e Energia, da Eletrobrás, da Eletronorte e da Construtora Norberto Odebrecht

(responsável à época por grande parte das obras de engenharia hidráulica). A partir dessa

disposição, entrevemos a existência de um imbricamento entre o segmento público e privado

47 Matéria da revista Veja de 20/05/87 apresenta os dez canteiros de obras mais caros do Brasil durante a década de oitenta. Entre esses, sete eram constituídos por empreendimentos hidrelétricos (Hidrelétrica de Itaipu, Hidrelétrica de Itaparica, Complexo de Pedra do Cavalo, Hidrelétrica de Tucuruí, Hidrelétrica de Balbina, Hidrelétrica de Salto Segredo e Hidrelétrica de Xingo) e dois por usinas nucleares (Angra II e III).

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(HOLANDA, 1963; MATTA, 1979), traço que evidencia o jogo de interesses presente no

planejamento e construção de grandes empreendimentos hidrelétricos.

A análise desses anúncios nos possibilita constatar a inexistência de qualquer menção às

comunidades atingidas e ou aos impactos sociais e ambientais ocasionados. Os

empreendimentos são apresentados como indispensáveis à realização do progresso e a

construção de hidrelétricas é per si justificada. Nesse sentido, a inexorabilidade da construção

invisibiliza a existência de populações atingidas e descarta a preocupação com impactos

ambientais e sociais. Assim, como a publicidade extrai sua força do circuito retroalimentador

que compreende por um lado, a expressão de realidades vivenciadas, e por outro, a introjeção

de novos conteúdos, podemos entrever que preocupações ambientais e sociais resultantes da

construção de hidrelétricas não integram nosso imaginário coletivo à época da produção e

veiculação desses anúncios. Além disso, a inexistência desses traços reafirma uma postura

que concebe as usinas como benesses incontestes e imprescindíveis ao crescimento da nação

brasileira.

3.2.2 Descaracterização dos Impactos e Reflexos da Noção de Desenvolvimento

Sustentável: A Publicidade de Hidrelétricas no Período 1987-1997

Diferentemente da fase anterior, o período que compreende o intervalo entre os anos 1987-

1997 marca a introdução de novas referências no discurso que promove a implantação de

usinas hidrelétricas. Embora permaneçam as balizas que reafirmam a necessidade de

construção de novas usinas, geração de empregos, ampliação do parque energético,

crescimento econômico, desenvolvimento nacional, progresso e outras tantas, o discurso

passa a incorporar os traços resultantes da institucionalização do campo ambiental, da

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introdução da idéia de desenvolvimento sustentável e da insurgência de movimentos sociais

organizados.48

As imagens de hidrelétricas em funcionamento continuam preponderantes. Entretanto,

constatamos, ainda que de forma estiolada, a veiculação de anúncios nos quais as imagens de

usinas são apresentadas dividindo espaço e conectadas a outras figuras ilustrativas, tais como:

plantações irrigadas, animais resgatados, casas construídas, populações reassentadas e outras

mais. Nesse sentido, percebemos que o padrão de representação começa a se alterar

espelhando a assimilação dos preceitos difundidos a partir da noção hegemônica de

desenvolvimento sustentável. Sobre esse aspecto, o anúncio de inauguração da Usina

Hidrelétrica de Itaparica representa um exemplo bastante ilustrativo.

48 A organização de movimentos sociais de resistência à construção de barragens se intensifica a partir do final da década de 1980. Embora as lutas tenham se iniciado por volta de 1978, quando da construção da Usina de Itaipu, a disseminação de projetos hidrelétricos nas regiões norte e nordeste, associada às experiências negativas das populações já deslocadas, promove a insurgência de pressões por melhores negociações e condições de reassentamento. Sobre esse aspecto, são emblemáticas as lutas empreendidas por populações atingidas pelas hidrelétricas de Itapararica, no nordeste, e Machadinho, no sul do Brasil. Todavia, mesmo expressando uma identidade aglutinadora de repúdio à instalação de hidrelétricas, esses movimentos possuíam traços particulares e não articulavam preocupações de âmbito nacional. Assim sendo, a organização de um movimento nacional ocorre a partir da realização do I Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais Atingidos por Barragens, realizado em Goiânia em abril de 1989. Durante esse encontro são lançadas as bases para a constituição do MAB – Movimento de Atingidos por Barragens; que se constitui durante o I Congresso Nacional de Atingidos por Barragens, ocorrido em Março de 1992. Desse modo, ao longo dos anos 1990 o MAB tem fortificado a resistência à realização de hidrelétricas, ao mesmo tempo em que confronta a relação entre necessidades políticas e organizacionais do movimento nacional e regional (VAINER, 2004).

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Figura 2 – Anúncio publicado na revista Veja ano 20, nº 37 de 14/09/88, p. 117.

Esse anúncio traz as seguintes imagens dispostas em quadros de diversos tamanhos que

preenchem os 2/3 superiores da página: 1) diversas casas que são apresentadas a partir de um

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ângulo aéreo, 2) campos plantados e irrigados, 3) patos nadando em um lago, 4) imagens em

close de casas aparentemente novas, 5) uma cobra enrolada nos braços de uma pessoa e 6)

ocupando uma porção maior e em um campo privilegiado de visão, temos a imagem de uma

usina captada do alto.

A análise desse conjunto nos possibilita entrever que a imagem da usina circundada e

conectada às ilustrações de casas construídas, plantações irrigadas e animais resgatados

representa, ainda que de forma incipiente, a idéia de compatibilidade entre exploração

econômica capitalista, preservação ambiental e respeito às comunidades. Dessa maneira, a

manchete do anúncio coroa essa possibilidade com a frase “Valeu, Itaparica!”, que é

complementada pelo seguinte texto iniciado na porção inferior da página: “Localizada na

seção inferior do médio São Francisco, entre os estados da Bahia e Pernambuco, Itaparica

também representa um dos mais completos trabalhos da Chesf na área social e de preservação

do meio ambiente”. Destarte, as estratégias utilizadas nos permitem verificar que o discurso

publicitário começa a incorporar o uso de caracteres simbólicos que anteriormente estavam

ausentes na representação de hidrelétricas. Nesse contexto, as noções de controle de impactos

ambientais e reconhecimento de populações atingidas começam a-ter visibilidade.

Podemos notar indicativos dessa estratégia discursiva no seguinte trecho: “Para controlar o

impacto ambiental que a inundação necessária à formação da barragem poderia provocar a

Chesf mobilizou mais de 120 técnicos que também se empenharam na operação de resgate e

realocação de animais”. A partir desse fragmento, constatamos que inexiste um raciocínio

calcado na mitigação ou compensação de impactos. Ao contrário, está em vigor um controle

técnico que tende a evitar a existência dos problemas que ocorreriam na inobservância desse

preceito. Conforme demonstramos no primeiro capítulo, o aprimoramento técnico aparece

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como descredenciador da ocorrência de impactos sociais e ambientais, ao mesmo tempo que

reafirma as possibilidades de controle sobre a natureza.

Com relação aos impactos sociais e populações atingidas, outro extrato desse anúncio é

bastante significativo: “E para proporcionar melhores condições de vida, trabalho e moradia

às mais de 40 mil pessoas que precisaram ser realocadas, a Chesf realizou um série de obras”.

Embora esse anúncio seja o primeiro a incorporar a existência de populações atingidas,

notamos que esse discurso de assimilação é forjado a partir de uma ótica que concebe as

hidrelétricas como provedoras de melhores condições de vida à população relocada. Nesse

cenário, o equacionamento dos impactos sobre o modo de vida das populações atingidas é

minimizado e a medida sugerida se restringe à realização de obras de engenharia. Vale

ressaltar, conforme demonstramos no primeiro capítulo, que a população afetada pela

Hidrelétrica de Itaparica somente teve garantias de relocação após a intervenção do Banco

Interamericano de Desenvolvimento, que exigiu do Ministério das Minas e Energia e da

Eletronorte o cumprimento dos programas de reassentamento (ARNT & SCHWARTZMAN,

1992).

A partir da análise dos anúncios veiculados nessa fase, compreendemos que o discurso

publicitário passa a assimilar traços da noção de desenvolvimento sustentável e a apresentar

novas justificativas à implantação das hidrelétricas. Dessa forma, as estratégias empregadas

promovem uma descaracterização dos impactos sociais e ambientais, ao mesmo tempo que

buscam adesão a um raciocínio que significa a geração de energia como contrapartida ao

conflito existente entre exploração econômica, manutenção de comunidades e preservação da

natureza.

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Esse tipo de estratégia discursiva fica evidente em um anúncio da Hidrelétrica de

Machadinho, que apresenta no centro da página a imagem área de um rio com suas curvas e

afluentes rodeados por verdejantes matas.

Figura 3 – Anúncio publicado na revista Exame edição 628 de 17/01/1997, p. 81.

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O lado superior da imagem traz a seguinte frase: “Dia 15 a Eletrosul assinou o contrato da

Usina Hidrelétrica de Machadino” que, abaixo, é complementada pelo trecho: “E quando

você souber o que isso representa, vai querer assinar embaixo”. Nessa mesma direção, o texto

iniciado na porção inferior da página qualifica o que representa a construção e informa que a

hidrelétrica vai alavancar o desenvolvimento, a economia e a geração de empregos.

Desse modo, percebemos que esse anúncio, de um lado, obscurece as eminentes mudanças no

meio ambiente através das promessas de investimentos e desenvolvimento, e de outro,

sugestiona ao receptor que as modificações realizadas na paisagem são justificadas por uma

contrapartida em geração de energia e riquezas. Embora a utilização de imagens de natureza

não represente o argumento privilegiado pela publicidade de usinas, entrevemos que essa

peça sugere a existência de um ausente significado – a imagem da usina não aparece,

contudo, é subentendida e apresentada pelo texto como substituição ao rio e as matas. Assim,

vislumbramos que as peças publicitárias de usinas veiculadas nesse intervalo se baseiam em

um discurso que sugere a descaracterização dos impactos ambientais, a minimização de suas

conseqüências e o alcance de benefícios difusos.

O uso dessa estratégia discursiva pode ser notado na elaboração de diversos anúncios, dentre

os quais destacamos dois. O primeiro, da Companhia Energética de Minas Gerais, apresenta o

lançamento da Hidrelétrica de Igarapava49 e pontua: “Esse atraente projeto de geração

utilizará, pioneiramente, no país turbinas do tipo bulbo e sua construção praticamente não

causará impacto ambiental na região”. O segundo, da Construtora Andrade Gutierrez,

promove a operação da Usina Guilman-Amorim50 e apregoa: “[...] a Guilman-Amorim

formou uma reserva de apenas um quilômetro quadrado, evitando a inundação de áreas

49 Publicado na revista Veja, edição 1223, de 21/02/1992 – página 37. 50 Publicado na revista Exame, edição 647, de 16/10/1997 – página 97.

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extensas, o que reduz o impacto ambiental e garante a sobrevivência de diversas espécies de

plantas e animais”. Em ambos os anúncios, constatamos ser evidente o emprego de

estratégias discursivas que descaracterizam e minimizam a existência de impactos

ambientais. Nesse sentido, “praticamente não causará impacto” ou “reduz o impacto

ambiental” são formulações que resignificam essas ocorrências e legitimam a construção das

hidrelétricas. Além disso, o discurso publicitário recorre à utilização de medidas técnicas e as

apresenta como condição necessária e suficiente à redução ou minimização desses impactos

ambientais.

A análise desses fragmentos possibilita-nos compreender que o discurso publicitário oferece

uma (re)apresentação dos impactos ambientais sugerindo seu controle e gerenciamento

técnico. Destarte, verificamos a incorporação de definições contidas no Relatório Brundtland,

onde se proclama a resolução de limitações tecnológicas como condição necessária para o

incremento das bases produtivas. Não obstante ocorra uma absorção discursiva das

problemáticas sociais e ambientais, essas são significadas sob um prisma que, retoricamente,

minimiza as modificações e apresenta uma contrapartida em benefícios. De todo modo, essas

estratégias podem ser evidenciadas em outro anúncio da Usina de Igarapava51 que postula:

A exemplo de Nova Ponte, a primeira hidrelétrica construída dentro das novas normas de proteção ao ambiente, Igarapava respeitará a ecologia da região. Seu reservatório terá apenas 36 quilômetros quadrados, atingindo um número muito pequeno de propriedades rurais, 112 ao todo. Serão mais de 1.000 empregos diretos, beneficiando vários municípios do Triângulo Mineiro, e o investimento total será de US$ 300 milhões.

51 Publicado nas revistas Veja, edição 1316 de 01/12/1993 e Exame, edição 546 de 08/12/1993.

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A partir do discurso elaborado nos anúncios, compreendemos que inexiste nesse período uma

preocupação em apresentar medidas que compensem ou mitiguem a ocorrência de impactos

sociais e ambientais, ao contrário, esses são abordados como passíveis de um gerenciamento

técnico que evita e descaracteriza o próprio acontecimento. Nesse sentido, a publicidade

legitima uma visão dominante no campo ambiental através de definições que: exprimem os

interesses dos grupos hegemônicos, contribui para o estabelecimento de critérios de

julgamento e hierarquiza a ocorrência de impactos. Sobre esse aspecto, oferece significações

acerca da maneira que a sociedade dispõe da natureza e caracteriza os problemas ambientais

como externalidades e inadequações do próprio meio natural.

Em outra direção, o período 1987-1997 é marcado pelo início de liberalização do mercado de

geração, transmissão e distribuição de energia, bem como pela ocorrência de crises no

abastecimento. Assim sendo, verificamos nos anúncios a consolidação de um discurso que

reafirma o compromisso do setor privado com o desenvolvimento nacional e designa os

investimentos realizados como aporte à geração de empregos e crescimento econômico. De

todo modo, os reflexos dessas formulações podem ser evidenciados nos seguintes trechos:

“Afinal, isso quer dizer que alavancar o desenvolvimento, a economia e a geração de

empregos nos setores fundamentais não precisa mais ser uma responsabilidade exclusiva do

governo”52 ou “saber que existem empresas privadas investindo na produção de energia

elétrica no Brasil é uma ótima notícia”53. Embora reafirme um discurso já utilizado pelo setor

público e consagrado no imaginário coletivo, essa estratégia visa a promover e justificar a

exploração de complexos energéticos por parte de empresas privadas ante a incapacidade de

fornecimento do Estado brasileiro.

52 Anúncio da Hidrelétrica de Machadinho publicado na revista Exame, edição 628, de 17/01/1997. 53 Anúncio da Hidrelétrica Guilman-Amorim publicado na revista Exame, edição 647, de 16/10/1997.

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Tentaremos demonstrar a articulação de todos esses elementos acima descritos nos

debruçando sobre a análise de um anúncio da Companhia Energética de Minas Gerais que

propagandeia a entrada em operação da Usina Hidrelétrica de Miranda.

Figura 4 – Anúncio publicado nas revistas Veja 1520 de 05/11/1997, p.57 e Exame 648 de 13/11/1997, p.39.

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Fiel aos padrões de representação utilizados por esse segmento, o anúncio dispõe a imagem da

hidrelétrica em funcionamento preenchendo toda metade superior da página. Captada a partir

de uma tomada aérea essa imagem mostra o espaço destinado ao barramento e uma parte do

lago. Ao observarmos o canto direito da imagem (um campo de visão privilegiado) vemos,

grafada sobre o paredão, a logomarca da empresa concessionária e o nome da usina.

Essa fórmula de apresentação reafirma as tendências utilizadas nesse período e dispõe,

soberanamente, a imagem da usina. Ademais, essa figuração vem lastreada por um conjunto

de atributos já consagrados no imaginário social e traz em sua esteira as idéias de progresso,

crescimento econômico, desenvolvimento e geração de empregos. Sobre esse aspecto,

podemos entrever que a imagem da usina em funcionamento, significada como geradora de

benefícios e controle das adversidades, constitui a representação adequada aos intuitos de

ofuscar a existência de impactos sociais e ambientais. Para Becker (1997), uma representação

eficiente diz tudo que se precisa saber para um objetivo determinado, sem desperdiçar tempo

com o que não é necessário. Admitindo como válido esse raciocínio, percebemos que durante

o intervalo 1987-1997 a representação imagética da usina alcança todos os objetivos

pretendidos e dispensa a articulação de outras figuras. Embora tenhamos apontado para a

assimilação de diferentes aspectos na elaboração dos anúncios, ressaltamos que essa tendência

constitui uma postura estiolada que não está ainda totalmente incorporada à formulação do

discurso publicitário nessa fase.

Conectada ao racionamento de energia, vivenciado nesse período, a manchete do anúncio

disposta na parte superior da página afirma: “Se dependesse de Minas Gerais, o Brasil teria

energia sobrando”. Logo abaixo da imagem lemos outra frase que complementa a anterior e

agrega novos significados: “Miranda, a nova usina da CEMIG. Mais 390 megawatts de

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potência para o nosso Estado”. Apreendemos que as palavras energia e potência são utilizadas

de forma ambígua e significam, de um lado, atributos ligados à operação da usina - energia

gerada e potência instalada, e de outro, características em sentido figurado de vitalidade e

crescimento do estado mineiro. Desse modo, a usina representa a contribuição de Minas para

que o Brasil tenha energia sobrando e aplaque a crise energética, ao mesmo tempo que

significa uma nova potência para o estado.

A metade inferior da página é dedicada a um discurso que complementa e acrescenta novos

sentidos à imagem e às manchetes do anúncio. O texto iniciado agrega significados à

manchete principal e postula: “O risco de blecautes e racionamentos ronda o país, mas a

CEMIG produz energia abundante e inaugura mais uma usina: a Hidrelétrica de Miranda”. A

partir desse fragmento, entrevemos que, por meio de um discurso que oculta a necessidade de

redirecionamentos no consumo e encobre a existência de perdas na transmissão, a crise

energética é utilizada como justificativa à construção de novos empreendimentos. Além disso,

a energia elétrica é classificada como abundante, desde que bem explorada com investimentos

em novas construções e ampliação do parque gerador.

Em outra direção, o texto se afina ao discurso ofertado durante esse período e busca uma

descaracterização ou minimização dos impactos ambientais, ao mesmo tempo em que recorre

ao raciocínio de contrapartida em geração de riquezas e desenvolvimento. Ademais,

constatamos a inexistência de menções às populações atingidas, uma vez que essas não se

estabelecem como traço recorrente e constituem ainda um eco discursivo estiolado.

Outrossim, percebemos reminiscências do discurso do desenvolvimento sustentável, embora

essa temática não esteja totalmente incorporada como prática norteadora nesse período. Assim

sendo, os indicativos dessas tendências são evidenciados em um fragmento do anúncio que

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significa a imagem da hidrelétrica e coaduna minimização de impactos e desenvolvimento

econômico:

É um investimento de 800 milhões de reais, para acrescentar 390 megawatts de potência e beneficiar quase 2 milhões de pessoas – energia suficiente para gerar empregos, atrair investimentos e promover mais um impulso de desenvolvimento em nosso Estado. Tudo isso, com o mínimo de impacto no meio ambiente, preservando a fauna e flora nativas.

Dessa maneira, a usina representa investimentos financeiros que, em um ciclo de sinecura, se

transformam em megawatts e posteriormente em benefícios para dois milhões de pessoas.54

Além disso, a hidrelétrica é caracterizada como condição necessária ao desenvolvimento do

estado e como responsável pela geração de empregos, atração de investimentos e ampliação de

benefícios. E o que é melhor, alcança todas essas benesses ocasionando mínimos impactos ao

meio ambiente e preservando fauna e flora. Nesse sentido, a imagem da usina continua

significada como ícone do progresso e se erige em um mecanismo que agrega eficácia à

construção de novos empreendimentos. Todavia, a novidade é a introdução de uma variável

ambiental que, contudo, é inserida a partir da ótica do controle sobre a natureza e da

descaracterização e minimização dos impactos sociais e ambientais causados.

Por fim, esse anúncio consolida uma imagem de enaltecimento da usina e da companhia

geradora e reafirma significações, presentes na fase anterior, que atrelam a construção de

hidrelétricas ao crescimento econômico e ao desenvolvimento. Assim sendo, o trecho

derradeiro propala: “Miranda é isto: um avanço, um salto, um impulso na determinação da

54 A passagem desse anúncio que reafirma os benefícios a dois milhões de pessoas guarda semelhanças com uma cena do filme Narradores de Javé (Brasil, 2003). Esse filme conta a história de um povoado que será inundado para construção de uma usina hidrelétrica. A cena em particular apresenta a comunidade reunida na igreja para discutir a implantação do empreendimento, nessa situação um dos personagens afirma: “dizem que a usina é o sacrifício de poucos para o benefício de muitos, os poucos somos nós, mas os muitos eu não sei quem são”. Dessa maneira, constatamos que a estratégia utilizada no anúncio invisibiliza completamente a existência desses poucos, utilizando um discurso/imagem que não contempla a existência de populações atingidas, mas apregoa a existência de melhorias para um grande número de pessoas.

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CEMIG de crescer. É Minas ganhando em modernidade e desenvolvimento”. Vale ressaltar que

logo abaixo do texto notamos as logomarcas da companhia geradora e do governo do estado.

Embora isso tenha deixado de ser marca identificadora do discurso que promove as usinas,

verificamos nos anúncios de empresas com controle estatal a existência de uma propaganda de

governo acoplada à construção de novas hidrelétricas.

A análise dos anúncios veiculados nessa segunda fase nos possibilita demonstrar que a

construção de hidrelétricas permanece sendo representada a partir da positividade e

essencialidade da produção de eletricidade. De todo modo, ocorre uma incorporação paulatina

do discurso do desenvolvimento sustentável que, contudo, reafirma essa tendência e faz

subsistir uma significação na qual a usina aparece, de um lado, como promotora de progresso e

crescimento econômico, e, de outro, como minimizadora ou obscurecedora da ocorrência de

impactos sociais e ambientais. Nesse sentido, o discurso publicitário reforça a positividade das

usinas e agrega ainda uma quimérica preocupação ambiental que tende a descaracterizar a

existência de impactos e a extrair vantagens competitivas dessa incorporação.

3.2.3 Aprimoramento Técnico, Compensação e Mitigação de Impactos: O

Desenvolvimento Sustentável e a Publicidade de Hidrelétricas no Período 1997-

2002

No percurso dessa trilha, o intervalo entre 1997-2002 representa a consolidação da idéia de

desenvolvimento sustentável como norteadora da publicidade do setor elétrico. Enquanto, o

discurso dos períodos anteriores ignora a existência de impactos ou descaracteriza sua

ocorrência, essa nova etapa apresenta um reconhecimento das modificações e estabelece os

mecanismos técnicos capazes de sanar os problemas ocasionados. A partir dessa nova fase, a

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descaracterização cede espaço à incorporação de estratégias calcadas nas possibilidades de

compensação e mitigação dos impactos sociais e ambientais. Não obstante, a inexorabilidade

dos empreendimentos continue a tonificar o discurso, esse passa a ser revestido por estratégias

que apelam ao aprimoramento técnico como forma de equacionar a produção de energia e a

preservação ambiental. Nesse sentido, ocorre uma plena assimilação discursiva de elementos

tais como: relocação de populações, conservação e resgate da fauna e flora, preservação de

espécies e preocupação com as gerações futuras.

A tônica central continua sendo a essencialidade da produção de energia atrelada às noções de

progresso e crescimento econômico. Todavia, a imagem da hidrelétrica perde centralidade e

ocorre uma plena inclusão discursiva ou mesmo a preponderância de outros elementos

figurativos. De todo modo, podemos evidenciar através de dois anúncios - o primeiro que

promove os quinze anos de operação da Hidrelétrica de Tucuruí e o segundo que veicula a

inauguração da Hidrelétrica de Cana Brava - que essa tendência discursiva congrega o uso de

novas imagens e objetiva legitimar uma continuada exploração ambiental e o deslocamento

compulsório de populações atingidas.

A primeira peça mostra as seguintes imagens: no quarto superior da página uma usina em

funcionamento captada por tomada aérea e nas extremidades da página dispostas em quadros

bem pequenos 1) uma arara num galho de árvore; 2) um mico; 3) duas crianças indígenas e 4)

artesanatos indígenas. A partir dessas imagens, verificamos que o discurso publicitário

apresenta a possibilidade de conciliação entre geração de energia, preservação ambiental e

respeito às comunidades. Do mesmo modo, a manchete reintera esses sentidos e postula:

“Hidrelétrica de Tucuruí. 15 anos de energia, desenvolvimento e respeito à vida”.

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Figura 5 – Anúncio publicado na revista Veja 1628 de 15/12/1999, p. 217.

O texto do anúncio proclama que a despeito das dúvidas geradas pela construção da usina essa

representa o advento de uma vida melhor para todos:

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Desde o inicio, a usina hidrelétrica de Tucuruí impressionava por sua grandiosidade. E pela quantidade de dúvidas que a sua construção gerava entre ambientalistas, indigenistas e a população local. Só de uma coisa todos tinham certeza: depois dela, o Brasil e a Região Norte nunca mais seriam os mesmos. De fato Tucuruí mudou para sempre a vida de todos – para melhor.

Nesse sentido, o discurso publicitário propala que os benefícios trazidos pela hidrelétrica

superam a produção de energia e abrangem a geração de empregos e o desenvolvimento local

das populações. Sobre esse aspecto, entrevemos a manutenção de características presentes na

fase anterior e a resignificação das populações atingidas através de mecanismos que acentuam

as possibilidades de melhoria nas condições de vida. Nesse contexto, o deslocamento

compulsório é tratado discursivamente como um processo normal de relocação de propriedades

e a hidrelétrica é significada como redentora da população. Para completar esse quadro de

benesses, o trecho final do anúncio assevera: “A Hidrelétrica de Tucuruí chega aos 15 anos

mostrando que conciliar produção de energia, desenvolvimento e respeito à vida só depende de

trabalho e muita dedicação”. A partir desse fragmento, compreendemos que a idéia de

conciliação que permeia o léxico do desenvolvimento sustentável é amplamente utilizada para

justificar as possibilidades de junção harmoniosa entre exploração do potencial energético,

preservação de espécies e manutenção de comunidades.

A segunda peça utiliza a mesma estratégia imagética e traz em destaque uma hidrelétrica em

funcionamento ocupando toda a porção superior da página e tendo logo abaixo em

diagramação menor os seguintes quadros: 1) outra imagem da usina em funcionamento, 2) um

filhote de mico amparado nas mãos e sendo amamentado com uma seringa, 3) plantações

irrigadas e 4) uma senhora e um senhor sorridentes e uma casa ao fundo.

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Figura 6 – Anúncio publicado na revista Veja 1752 de 22/05/2002, p. 52.

Ao considerarmos a idéia de que a imagem publicitária confere seqüencialidade e

direcionalidade ao olhar captamos um percurso que parte da imagem da hidrelétrica (em

destaque), passa pela inclusão da natureza, contempla a possibilidade de melhores cultivos e

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alcança a inclusão e satisfação das populações atingidas. Sobre esse aspecto, podemos entrever

que o discurso utilizado em ambos os anúncios se alimenta de concepções em disputa no

campo ambiental e procura reconciliar as incongruências existentes entre exploração

econômica, preservação ambiental e interesses comunitários. Essa estratégia discursiva é

evidenciada no trecho disposto na parte inferior da página: “Em tudo que a Tractebel faz existe

uma filosofia de somar benefícios para multiplicar soluções. [...] Somando energia e

responsabilidade social, ela gera infinitas soluções para o país e a comunidade local”. Desse

modo, o discurso publicitário reafirma as possibilidades de conciliação e introduz em seu

léxico o uso de medidas compensatórias ou mitigadoras (consagradas pela visão hegemônica

no campo), que procuram viabilizar uma suavização dos impactos sociais e ambientais através

do uso de aparatos técnicos. Destarte, evidenciamos indícios dessas formulações no seguinte

fragmento:

Durante a construção, a Tractebel Energia, [...] realizou um trabalho exemplar na preservação do meio ambiente da região, reassentou os agricultores em locais com infra-estrutura completa, investiu em escola e segurança publica e construiu um posto de saúde e um sistema de saneamento básico no município de Minaçu que é hoje um dos melhores do Brasil.

Dessa forma, a publicidade objetiva demonstrar que as relações entre desenvolvimento e meio

ambientes não são inexoravelmente excludentes. Assim, promove uma apropriação discursiva

de valores e noções fortemente destacadas no campo ambiental, para construir uma imagem-

ilusão de que a construção de usinas não representa um comportamento predatório. Por outro

lado, esse discurso resignifica as medidas compensatórias apresentando-as como vantagens que

advém da implantação dos empreendimentos e isso obscurece seu caráter de contrapartida aos

impactos causados.

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A partir da interpretação desses dois anúncios, percebemos que noções em disputa no campo

ambiental são resignificadas pelo discurso publicitário e justificam a construção de novas

usinas. Desse modo, a incorporação discursiva dos impactos ambientais e sociais atua em duas

frentes: de um lado agrega mais eficácia à idéia de que é possível produzir energia

compensando os impactos, e de outro, propala a noção de que é necessário fazê-lo controlando

as modificações realizadas no meio ambiente.

Ao direcionarmos nosso olhar para outro aspecto, constatamos que o discurso utilizado no

período anterior, para justificar as parcerias público/privado, retorna agora revigorado e com

maior abrangência. Nesse sentido, a consolidação de um novo modelo de geração de energia,

que permite a construção de empreendimentos totalmente arcados pela iniciativa privada,

potencializa uma retórica que atrela maior disponibilidade de energia e conseqüente

crescimento econômico à construção de novos empreendimentos patrocinados pelo setor

privado. Assim sendo, vislumbramos um reforço do discurso anterior em vários anúncios

veiculados entre 1997-2002, dentre os quais destacamos:

1) A Companhia Luz e Força Santa Cruz e seus parceiros estão gerando qualidade de vida, progresso e empregos, dando sua contribuição para o desenvolvimento brasileiro no próximo milênio.55 2) A finalização do Complexo Canoas só foi possível graças à primeira parceria da Companhia de Energia Paranapanema com a iniciativa privada – CBA – Companhia Brasileira de Alumínio. E por falar em parceria essa vai trazer desenvolvimento, progresso e investimentos em benefício de todos.56 3) Com a Hidrelétrica de Cana Brava, o Brasil passa a contar com mais uma importante fonte de energia para continuar crescendo. E a Tractebel reforça a sua posição de maior geradora privada de energia elétrica do país.57

55 Anúncio da Hidrelétrica Paranapanema veiculado na revista Veja 1594, de 21/04/1999 – página 136. 56 Anúncio do Complexo Canoas veiculado na revista Veja 1606, de 14/07/1999 – página 55. 57 Anúncio Hidrelétrica de Cana Brava veiculado na revista Veja 1752, de 22/05/2002 – página 52.

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Esses fragmentos nos possibilitam compreender que a geração de energia, sempre significada

como indispensável ao crescimento nacional, é agora representada como prerrogativa e

compromisso da iniciativa privada para com o crescimento econômico, o progresso e a

qualidade de vida da população. Dessa maneira, o discurso publicitário busca adesão a um

modelo gerido pelo setor privado, ao mesmo tempo, que obscurece a mercantilização de uma

área economicamente estratégica.58

Ao assimilar os preceitos do desenvolvimento sustentável, o discurso publicitário veiculado

nessa fase apresenta uma possibilidade de reestruturação da produção de energia mediante um

gerenciamento economicamente racional do meio ambiente, ao mesmo tempo em que

consolida os postulados hegemônicos no campo ambiental e na sociedade como um todo.

Dessa forma, após mapearmos as características preponderantes nesse último intervalo,

tentaremos demonstrar através de um anúncio da Companhia Energética de Minas Gerais, que

apresenta a Hidrelétrica de Nova Ponte, como o discurso do desenvolvimento sustentável foi,

paulatinamente, sendo incorporado pela publicidade desse segmento.

58 A privatização do setor elétrico teve inicio em 1995 com a promulgação da lei 8.987, que exigia a realização de licitações para todas as concessões do Estado. Todavia, a implementação do projeto e o estabelecimento das regras se deram após a contratação de estudos por parte da Eletrobrás. A empresa americana Coopers & Librand, responsável pela elaboração dos estudos, apresentou seu relatório final em meados de 1997 e as principais modificações sugeridas foram: 1) a criação de um mercado atacadista de energia; 2) o estabelecimento de contratos iniciais para criar uma fase de transição para o mercado competitivo de energia; 3) o desmembramento dos ativos de transmissão e a criação de um Operador Independente do Sistema e 4) organização das atividades financeiras. Assim sendo, o passo seguinte para a privatização foi a promulgação da lei 9.648 de maio de 1998, que incorporou as recomendações contidas no relatório da Coopers & Librand. A partir dessa aprovação, o Mercado Atacadista de Energia é formalmente criado visando a estabelecer o preço médio da energia negociada por contratos bilaterais. Por outro lado, a coordenação do sistema de despacho é atribuída a uma entidade denominada Operador Nacional do Sistema (FERREIRA, 2000). Embora essa formulação legal tenha sido importante para reger o novo sistema, a privatização de distribuidoras de energia já tinha sido iniciada no principio de 1996, quando o governo federal leiloou a Escelsa e a Ligth. Ademais, os estados puderam privatizar empresas de distribuição de energia antes da completa reestruturação do setor, uma vez que seus contratos incluíam cláusulas para reajuste de tarifas e eliminavam incertezas para os investidores.

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Figura 7 – Anúncio publicado nas revistas Veja 1643 de 05/04/2000, p. 26 e Exame 716 de 13/04/2000, p.83.

O anúncio preenche duas páginas e traz a imagem de um sapo verde, captada em close sobre

um tronco da mesma cor e posicionado de frente para o receptor. A utilização dessa imagem

marca o ápice da minimização de espaços destinados às figurações da hidrelétrica e reafirma a

consolidação de um discurso que apregoa a possibilidade de conciliação entre natureza e

exploração econômica. Ao avaliarmos que a imagem publicitária é produzida a partir de um

ângulo de inversão com o mundo (vai do sentido à produção da cena), entrevemos que a figura

do sapo vem revestida de um conglomerado de significações que orientam nosso imaginário

social, quais sejam, a associação ao intruso, intrometido e indesejado. Destarte, baseados em

um raciocínio de permutação vemos um sapo e não um cachorro, onça, cavalo ou cobra,

animais que como sabemos acionam e denotam outros significados.

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Logo abaixo da imagem temos a manchete do anúncio que complementa e significa

informações, implicitamente, apresentadas pela figura do sapo. Esse texto traz os seguintes

dizeres em letras grandes e ocupando os dois lados da página: “Ninguém Ficou de Fora”. O

emprego dessa frase marca a inversão de um dito popular muito presente em nossa sociedade:

“sapo de fora não ronca”, e atribui, subliminarmente, à natureza uma caracterização de

externalidade, ao mesmo tempo que evoca as noções de assimilação (ninguém de fora) para

significar a possibilidade de conciliação entre a construção da usina e a preservação da

natureza.

Essa estratégia fica mais evidente quando consideramos o subtítulo do anúncio: “Hidrelétrica

de Nova Ponte e Reserva de Galheiro. Agora com ISO 14001”. Aqui, em particular, a

construção da usina é contrabalançada pela implantação de uma reserva natural, o que reforça a

visão hegemônica no campo ambiental e solidifica os pressupostos da compensação e

mitigação de impactos. Por outro lado, esse anúncio marca a primeira referência às

certificações ambientais e consolida as possibilidades de um gerenciamento tecnicamente

viável da natureza. Nesse sentido, constatamos uma reconciliação discursiva entre preservação

ambiental e exploração econômica, engendrada objetivamente pelo recurso a técnica e

simbolicamente pelo uso que a publicidade faz dessas certificações.

O texto iniciado do lado esquerdo inferior da página reitera e complementa os significados

contidos na imagem e na manchete do anúncio: “Toda natureza pode participar dessa festa até

sapo de fora. A Usina de Nova Ponte é a primeira de grande porte do país e uma das primeiras

do mundo a receber o certificado ISO 14001”. A partir desse fragmento, podemos conjeturar

que o discurso publicitário age na tentativa de incorporar discursivamente todas as dimensões

afetadas pela implantação do empreendimento. Desse modo, utiliza a imagem do sapo

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coadunada ao texto para denotar a inserção de áreas, animais ou populações, que mesmo não

impactadas de forma direta pelo empreendimento são objeto de preocupações por parte da

concessionária. Além disso, constatamos que a publicidade recorre aos atributos da certificação

ambiental para: representar a premência (retórica) dada à natureza, realçar as possibilidades

apresentadas pelo aprimoramento técnico e consolidar a noção de desenvolvimento sustentável

como guia discursivo.

De todo modo, as evidências dessa assimilação podem ser constatadas no seguinte trecho:

“Nova Ponte foi a primeira usina do Brasil construída para atender a todas as exigências

governamentais referentes ao meio ambiente”. Assim, esse fragmento apresenta, de um lado,

uma adequação às normas legais, e, de outro, um adicionamento simbólico à realização dos

empreendimentos. Sobre esse aspecto, a substituição da imagem da hidrelétrica por uma

figuração de natureza, reforça a importância e a centralidade adquirida pela questão ambiental

nessa fase. Contudo, isso ainda ocorre dentro de uma perspectiva retórica, que expõe a natureza

como externalidade passível de adequação e não como característica fundante de viabilidade

do projeto.

Nesse sentido, os reflexos do discurso de mitigação e compensação que representam a visão

hegemônica no campo ambiental, são evidenciados no texto que abre a segunda página do

anúncio: “Reserva Natural de Galheiro, implantada às margens do reservatório para preservar

espécies da fauna e da flora, ameaçadas de extinção, também vai receber o certificado”. Aqui a

execução de uma medida compensatória (exigência do processo de licenciamento) é

apresentada como compromisso para preservação do meio ambiente, em um cenário onde a

reserva é significada como vantagem oriunda da construção da usina. Dessa forma,

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observamos uma estratégia discursiva que resignifica essa medida e a transforma em benesse

advinda da implantação da obra.

O texto que finaliza o anúncio acentua essas possibilidades de gerenciamento do meio

ambiente e postula: “ISO 14001. Uma conquista que a CEMIG faz questão de comemorar com

a natureza e com toda a equipe de Nova Ponte, que teve uma participação fundamental neste

momento histórico da empresa”. Ao contrário dos períodos anteriores, quando as modificações

no meio ambiente eram invisibilizadas, nessa fase a incorporação da natureza se faz presente e

consolida, ainda que de maneira discursiva e dentro de uma ótica da mitigação, a importância

atribuída à temática ambiental. Sobre esse aspecto, o anúncio de Nova Ponte é paradigmático

por apresentar, de um lado, os atributos inerentes à hidrelétrica, e, de outro, as compensações

advindas da implantação da obra. Destarte, essa estratégia reforça a aceitação da matriz

hidráulica e agrega eficácia simbólica à construção de hidrelétricas, tendo em vista que

incorpora retoricamente essa nova dimensão às demais vantagens já associadas aos

empreendimentos de geração de eletricidade (crescimento econômico, progresso e

desenvolvimento).

Ao analisarmos os anúncios veiculados no intervalo dessas duas décadas, captamos uma

reorientação no discurso que promove a construção ou operação das hidrelétricas. Dessa

maneira, as estratégias discursivas empregadas na primeira fase, onde vigorava uma

significação da natureza como locus da geração de riquezas, são incorporadas paulatinamente

de reflexos da noção hegemônica de desenvolvimento sustentável. Ademais, uma observância

retórica dos impactos ambientais e sociais trilha esse mesmo caminho passando por dois

estágios: o primeiro da descaracterização e minimização e o segundo da mitigação e

compensação. De todo modo, percebemos que essa assimilação discursiva intenta manter um

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modelo de exploração continuado da natureza, ao mesmo tempo que justifica a realização dos

empreendimentos em um contexto de luta dos movimentos sociais por respeito às comunidades

e ao meio ambiente.

Desse modo, procuramos sintetizar e espelhar no quadro a seguir um esboço das estratégias

discursivas utilizadas pela publicidade de hidrelétricas no transcorrer de cada uma das fases

analisadas.

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Quadro 2: Recorrências e Dissonâncias do Discurso Publicitário do Setor Elétrico 1982-2002

Períodos Imagens Utilizadas Significações do

Espaço

Impactos Sociais e

Ambientais

Populações

Atingidas

Recorrente

1982-

1987

Obras e Hidrelétricas em

Funcionamento

Geração de

Riquezas

Não Mencionados Não

Mencionadas

Progresso, Crescimento

Econômico e

Desenvolvimento

1987-

1997

Hidrelétricas em Funcionamento Geração de

Riquezas e

Preservação

Descaracterizados e

Minimizados

Parcialmente

Incorporadas

Progresso, Crescimento

Econômico e

Desenvolvimento

1997-

2002

Hidrelétricas em Funcionamento,

Pessoas Sorrindo, Moradias, Fauna e

Flora Preservadas e Plantações

Irrigadas

Preservação e

Geração de

Riquezas

Compensados e

Mitigados

Assimiladas e

Realocadas

Progresso, Crescimento

Econômico, Preservação e

Desenvolvimento

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A partir desse quadro, é possível visualizarmos as alternâncias e recorrências discursivas que

orientaram a produção do discurso publicitário das usinas hidrelétricas durante o intervalo

dessas duas décadas. Concluída essa tarefa, passaremos na seção seguinte a analisar as

formulações utilizadas pela publicidade na elaboração de uma imagem enaltecedora dos

concessionários gera-dores e distribui-dores.

3.3 O Outro Lado de um mesmo Discurso: A Publicidade dos Concessionários

Gera-dores e Distribuí-dores

O discurso utilizado pelas concessionárias de energia reitera os sentidos difundidos na

promoção das usinas e traz novos elementos para a discussão. Diferentemente da categoria

anterior, as peças destinadas à promoção dos concessionários são mais regulares e produzidas

em formato de campanhas. Contudo, encontramos anúncios destinados ao realce de

acontecimentos episódicos como: aniversário de fundação das companhias, alcance de metas

no atendimento, mudança de nome, recebimento de algum prêmio, lançamento de ações no

mercado e racionamento de energia. Dentre as peças dessa categoria inexiste uma imagem ou

texto paradigmático que perpasse todos os períodos marcados pela pesquisa ou mesmo uma

similaridade entre aqueles utilizados nas diferentes subcategorias.59 Sendo assim,

apresentaremos as linhas centrais que balizam esse discurso em cada subcategoria para em

seguida apontarmos, a partir da análise de algumas peças, as características particulares das

distintas fases já estabelecidas.

59 Em virtude da dificuldade de se estabelecer uma peça paradigmática de cada período ou subcategoria, deixaremos de promover, conforme realizado na seção anterior, a análise mais detida de um anúncio considerado emblemático.

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Os anúncios classificados dentro da subcategoria Relações Institucionais são destinados a

construir uma aceitação da companhia junto aos consumidores e investidores. Para tanto,

recorrem, de um lado, à exaltação das benesses advindas da ampliação no atendimento, e, de

outro, ao aumento nos lucros com a geração, transmissão e distribuição de energia. Embora

exista durante o intervalo dessas duas décadas um nexo discursivo que interliga a produção

desses anúncios (promoção de conforto, bem-estar social, progresso, lazer, segurança,

eficiência, abundância da matriz hidráulica, lucro e outros mais), constatamos a existência de

estratégias próprias a cada um dos períodos.

Já os anúncios da subcategoria Ambiente Meio procuram demonstrar que existe

compatibilidade entre as atividades das concessionárias e a preservação da natureza. Para

tanto, assimilam as noções de desenvolvimento sustentável e de responsabilidade social como

norteadores do discurso publicitário ofertado à população. Ao contrario das peças

classificadas nas subcategorias Relações Institucionais e Eficiência Racionada, que recorrem

ao uso de diversas imagens, essas de Ambiente Meio utilizam sempre paisagens naturais:

florestas, bichos, pôres-do-sol, rios e cachoeiras. Além disso, constatamos que a produção

desses anúncios representa uma novidade no discurso publicitário do setor elétrico e sua

veiculação se concentra na fase 1997-2002. Não obstante, como tentaremos demonstrar, isso

reflete a incorporação retórica do meio ambiente no rol de mecanismos que orientam a

geração, transmissão e distribuição de energia.

Assim sendo, as estratégias utilizadas nos anúncios realçam a necessidade de preservação

ambiental e acentuam o fato de que a operação das usinas é possível somente em um cenário

de respeito à natureza. Nesse contexto, a fé na racionalidade técnica e no conhecimento

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cientifico é utilizada como uma das argumentações discursivas que minimizam a ocorrência

de impactos ambientais e justificam a construção de novos empreendimentos.

Em relação à subcategoria Eficiência Racionada, o fato primordial é a quase inexistência de

anúncios direcionados a esclarecer e orientar a população sobre o uso eficiente e racionalizado

da eletricidade. Nessa subcategoria os números são emblemáticos: das 166 peças que

promovem as atividades do setor elétrico, apenas oito mencionam a necessidade de uma

utilização econômica e eficiente da energia, sendo que cinco dessas são veiculadas durante

períodos de crise energética. Destarte, a conservação e o uso racional da eletricidade não

constituem uma preocupação para o setor elétrico, que direciona seus esforços para a

ampliação do parque gerador e para a construção de novas hidrelétricas.

Estabelecido esse esboço mais geral, fica evidente que a produção dos anúncios nessas três

subcategorias não é nada homogênea. Desse modo, cabe-nos ainda esclarecer as estratégias

discursivas utilizadas por cada subcategoria nos diferentes intervalos propostos.

Durante o período 1982-1987 os anúncios da subcategoria Relações Institucionais são

compostos visando a estabelecer uma maior adesão à transição na matriz energética. Nesse

contexto, é recorrente a apresentação da eletricidade como a mais segura, prática e disponível

das alternativas energéticas, ao mesmo tempo, que condição básica para a movimentação da

economia e o incremento da produção. A imagem da eletricidade é construída a partir de um

discurso que a transforma em produto capaz de melhorar as condições de desenvolvimento,

conforto, bem-estar e progresso da população. Dessa maneira, a publicidade veiculada recorre

ao uso de imagens que metaforizam a transformação da energia em produto, apresentando-a

embalada ou engarrafada como que pronta para distribuição aos consumidores. Por outro

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lado, esse discurso que visa consolidar a transição da matriz energética, está umbilicalmente

vinculado à segunda crise do petróleo. Conforme demonstramos na seção anterior, a geração

hidráulica foi significada como alternativa energética mais oportuna ante a eminente

diminuição no fornecimento de petróleo.

Essa estratégia de reforço à transição na matriz energética e de negativa ao uso de

combustíveis fósseis é reiterada em um anúncio da CESP60, que traz em letras grandes a

seguinte inscrição: “Tome esta decisão, mude para a eletrotermia”. O uso de imagens é

descartado e se investe em um texto que complementa os sentidos da manchete, qualifica as

vantagens da transição e explica os processos de produção dessa nova energia: “A

eletrotermia é o uso da eletricidade para a produção de calor nos processos industriais. Por ser

uma fonte prática, segura e disponível, a hidreletricidade é a mais inteligente e econômica

alternativa nacional para os combustíveis importados”. Assim, constatamos que a maioria dos

anúncios desse período concede visibilidade à substituição do petróleo através das mais

variadas estratégias discursivas: qualificação da eletricidade como econômica e inteligente,

perda de divisas por consumo de combustíveis, abundância da nova matriz energética e

desequilíbrio na balança comercial.

Em uma direção complementar, a criação e incremento do parque energético são apresentados

como imprescindíveis ao desenvolvimento, ao progresso, ao crescimento econômico e à

fabricação de bens que melhoram a qualidade de vida e o conforto da população. Sobre esse

aspecto, um anúncio de Furnas Centrais Elétricas61 é emblemático na consolidação de uma

idéia que vincula o crescimento da indústria tão somente ao aumento da geração hidráulica:

60 Publicado na revista Veja 718, de 09/06/1982 – página 112. 61 Publicado na revista Exame 252 de 02/06/1982 – página 79.

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Televisão, rádio, ar condicionado, automóvel, geladeira, fogão, maquina de lavar tudo isso melhora a qualidade de vida e o conforto. Mas como fabricar televisão, rádio, ar condicionado, automóvel, geladeira, fogão e máquina de lavar, se o Brasil não possuía um parque de geração elétrica de grande porte para produzir energia, para gerar fábricas, para gerar empregos, para gerar desenvolvimento, para gerar bem-estar.

A análise desse fragmento nos permite constatar que a eletricidade é significada como condição

para o exercício de uma vida melhor e propicia a geração de empregos, desenvolvimento

econômico e bem-estar social. Destarte, a utilização dessa estratégia agrega eficácia à

realização de novas usinas ao apresentar a geração de eletricidade como condição necessária

para o exercício de uma vida melhor. Por outro lado, obscurece o fato de que essa geração não

pode ser tomada como indicativo de melhores níveis de vida, ao mesmo tempo que deixa de

mencionar o destino de grande parte dessa energia - o atendimento de grandes consumidores

conectados ao beneficiamento de produtos endereçados ao mercado externo.

A propósito, o discurso de ampliação do número de consumidores atendidos e ou áreas

energizadas constitui marca identificadora da publicidade veiculada nessa subcategoria e

período. A eletricidade é apresentada como fator de integração nacional insubstituível e

propiciadora do desenvolvimento social e do progresso econômico. Dessa maneira, a ampliação

no atendimento e a garantia de aumento na produção são, discursivamente, potencializadas

buscando, de um lado, consolidar um incremento nas bases de geração hidráulica, e, de outro,

tonificar a energia como essencial à vida.

Essa “energia que faz o progresso chegar e o homem crescer” 62 é representada pelo discurso

publicitário como alternativa para uma vida melhor. Além disso, o uso da eletricidade é

significado como raiz de uma profunda transformação nas atividades produtivas e na vida

cotidiana da população. Sobre esse ponto em especial, um anúncio da Eletronorte é

62 Frase utilizada como manchete de um anúncio da Chesf publicado na revista Veja 758, de 18/03/1983 – página 105.

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paradigmático na apresentação da eletricidade como riqueza e instrumento de transformação do

solo brasileiro em mercadorias com maior valor agregado e destinadas ao mercado externo.

Essa peça apresenta, disposta nos 2/3 superiores da página, uma imagem captada do alto, que

mostra um campo de futebol montado dentro de um grande círculo, onde crianças estão

jogando e são observadas por vários adultos.

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Figura 8 – Anúncio publicado na revista Veja 759 de 23/03/1983, p. 45.

O texto manchete complementa, ambiguamente, os sentidos expressos na imagem: “No campo

da energia a vitória é do Brasil”. A análise desse conjunto nos possibilita compreender que a

publicidade resignifica um fato já marcado no imaginário social (futebol paixão nacional)

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apresentando-o em consonância com os propósitos do anunciante. Assim, promove um ângulo

de inversão com o mundo e faz o sentido explorado anteceder e orientar a construção da

imagem. Sobre esse aspecto, o texto iniciado na porção inferior da página qualifica essa

inversão e esclarece caracteres não identificáveis na imagem: “Este campo de futebol foi

instalado no interior de um Estator de 16 metros de diâmetro, o maior do Brasil. Foi o primeiro,

de uma série de 24 iguais, a ser montado na Usina Hidrelétrica de Tucuruí [...]”. Ademais, o

texto constrói uma teia de significações que apresenta a usina como impulsionadora do

crescimento econômico realizado através da transformação das riquezas naturais em produtos

industriais:

Do outro lado, vale salientar que o funcionamento de Tucuruí viabiliza os grandes projetos metalúrgicos da região e gera milhares de empregos numa área extremamente carente de empregos. Além disso, é instrumento para a transformação das riquezas do solo brasileiro em produtos de grande aceitação internacional, contribuindo para o equilíbrio da balança comercial.

Aqui constatamos uma interface entre os anúncios da subcategoria Relações Institucionais e

aqueles das Usinas de Progresso, uma vez que ambos acionam um discurso que apregoa a

geração de riquezas e empregos como inerentes à implantação dos empreendimentos. Desse

modo, a eletricidade é significada como um mecanismo de transformação das riquezas

naturais em produtos de maior aceitação no mercado internacional.63 Destarte, entrevemos

uma relação com o projeto fundacional brasileiro erigido a partir de uma exploração

desmedida das riquezas naturais e espelhado nos interesses do capital externo. Como

demonstra Pádua (2002), não cabia aqui uma sociedade autônoma baseada em um

desenvolvimento endógeno, o que de fato existia (ainda perdura) era uma continua

63 Esse discurso da transformação de riquezas e economia de divisas é acentuado em outro anúncio da Eletronorte que, no alto da página, dispõe a manchete: “Eletronorte dez anos transformando água em petróleo”. Nessa peça, o lado direito da página é preenchido pelo desenho de três gotas de água que são dispostas como se caíssem e uma delas ao se aproximar da logomarca da empresa fica enegrecida como petróleo. O texto iniciado na porção esquerda da página informa que, sem mágicas ou milagres. a empresa vem transformando a força dos rios amazônicos em energia elétrica para o desenvolvimento e a economia de divisas.

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identificação de potencias naturais passíveis de uma exploração econômica orientada pelos

interesses geopolíticos externos.

A partir da análise dos anúncios, compreendemos que o discurso da transformação dos solos e

dos rios em produtos a serem negociados no mercado, está desconectado de uma valorização,

ainda que quimérica, da preservação ambiental. Em outra direção, esse raciocínio é

corroborado pela inexistência no intervalo 1982-1987 de anúncios classificados na subcategoria

Ambiente Meio, o que denota a pouca importância atribuída pelo setor elétrico a essa temática.

Durante essa primeira fase a natureza é apresentada pelas concessionárias como uma riqueza a

ser apropriada, desbravada e transformada em ganhos monetários. Assim sendo, notamos que a

noção de compatibilidade entre exploração econômica e preservação ambiental não integra

ainda o léxico publicitário do setor elétrico, uma vez que o meio ambiente é visto a partir de

uma ótica que enxerga o aproveitamento econômico como prioridade.

Do mesmo modo, na subcategoria Eficiência Racionada temos a completa ausência de anúncios

entre os anos 1982-1987. Embora a tendência reinante nessa fase contemple a ampliação do

parque gerador e a universalização do atendimento à população, essas políticas não são

alinhavadas à criação e divulgação de programas de uso racionado e eficiente da energia.

Destarte, esse traço denota a ausência de um planejamento sistemático na condução do setor

elétrico, bem como a inexpressiva importância atribuída à necessidade de uso econômico e

sustentável da eletricidade. Sobre esse aspecto, percebemos a partir da análise dos anúncios que

o mais importante nessa fase é consolidar uma imagem da eletricidade como bem abundante e

disponível, ao mesmo tempo que se descarta uma preocupação com o uso eficiente desse

produto.

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Alicerçados nas análises anteriores compreendemos que o discurso publicitário das

concessionárias, no intervalo 1982-1987, se restringe à subcategoria Relações Institucionais e é

direcionado aos seguintes propósitos: 1) acentuar a universalização do atendimento à

população, 2) significar a eletricidade como bem público acessível, 3) transformar a energia em

produto que garante conforto e bem-estar, 4) potencializar a eletricidade como fator de

integração nacional e 5) apresentá-la como alternativa abundante ao escasso petróleo. Nesse

sentido, verificamos o erigir de significações discursivas que permanecem, ainda hoje,

orientando nosso imaginário coletivo em relação a essa temática. Sobre esse aspecto, o trecho

de um anúncio da CESP64 é bastante emblemático:

A eletricidade é um produto de utilidade pública que para a Cesp tem um significado todo especial. Ela considera esse produto mais que um simples fator de conforto. A eletricidade é a mais prática, segura e disponível das alternativas energéticas. Ela permite o aumento da produtividade agrícola. É a melhor alternativa para o petróleo consumido na indústria. E mais importante, é insubstituível como fator de desenvolvimento social.

Durante o período 1987-1997 essas significações são constantemente acionadas, porém, se

encontram agora revestidas pelos pressupostos da eficiência, essencialidade e qualidade no

atendimento aos consumidores. A eletricidade já está nessa fase quase que totalmente

incorporada à vida cotidiana e ao imaginário social de grande maioria da população brasileira.

Assim sendo, os investimentos na modernização de equipamento e na eficiência se constituem

como marcas centrais no discurso publicitário da subcategoria Relações Institucionais. Por

outro lado, esse intervalo é marcado por pressões que visam à implantação de um novo modelo

para o setor elétrico, caracterizado pela abertura do mercado à iniciativa privada e pela

privatização de empresas estatais. Dessa forma, as tentativas de privatização ocorridas

principalmente durante os anos 1990, desencadearam uma reação discursiva que reafirma a

64 Publicado na revista Veja 725 de 28/07/1982 – página 114.

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modernização e a eficiência como contra-argumentos à retirada do comando estatal dessa área

considerada primordial.

Podemos notar indicativos desse processo em anúncio da CPFL – Companhia Paulista de Força

e Luz65 que corrobora esses sentidos e apresenta, disposta no alto da página, a manchete:

“Quem trabalha com energia tem todos os motivos do mundo para ser eficiente”. O discurso da

eficiência é acionado por um texto longo que preenche toda a página e descarta o uso de

imagens ilustrativas. Não obstante, temos agora uma apresentação da eletricidade como bem

essencial à vida, devendo, portanto, ser tratado com eficiência. Destarte, os indicativos dessa

estratégia podem ser notados no texto que abre o anúncio: “Energia elétrica é gênero de

primeira necessidade para a comunidade e para todos os setores produtivos. Por isso, uma

empresa que distribui energia tem que ser absolutamente eficiente em todos os serviços que

presta”.

O texto empregado no anúncio constrói uma imagem da companhia atrelada à eficiência e ao

continuado processo de melhoramento dos serviços prestados, ao mesmo tempo que assevera a

necessidade de se continuar investindo na modernização e na qualidade dos serviços oferecidos

à população:

O fato de ser a melhor é um desafio que leva a CPFL a pensar e repensar seu papel todos os dias. E a planejar todos os seus passos futuros, com um amplo projeto, já em implantação e que passa, principalmente, por uma política de modernização da gestão empresarial. Esse modelo gerencial [...] significa não apenas obter uma excelente performance setorial, mas, principalmente, poder oferecer um serviço da mais alta qualidade, de acordo com as metas globais do Governo do Estado de São Paulo.

A partir desse anúncio, percebemos que o discurso anterior, que buscava aderência à transição

na matriz energética, cumpriu seus propósitos consolidando uma ampla utilização da

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eletricidade. De todo modo, nessa nova fase vislumbramos uma estratégia que pontua a

necessidade de aprimoramento nos serviços e reafirma a eficiência e qualidade no atendimento

como prerrogativas das estatais. Assim, o discurso da eficiência é destinado a brecar ou

minimizar as ameaças de privatização vigentes nesse período, enquanto que a melhora no

atendimento fortalece e consolida o imperativo da ampliação no uso da energia de origem

hidráulica. Diferentemente do período anterior, quando encontramos uma série de temas

orientando o discurso publicitário das concessionárias de energia, o intervalo 1987-1997 é

marcado por uma estratégia uníssona que ressalta a eficiência e a modernização como marcas

promotoras. Assim sendo, um anúncio da Eletropaulo corrobora essas estratégias discursivas e

acentua a onipresença da eletricidade em todos os campos da vida cotidiana.

Essa peça apresenta imagens enfileiradas e dispostas em nove pequenos quadros que ocupam

os ¾ superiores da página. Acima de cada imagem notamos a inscrição “eletricidade é”

conectada à figura em evidência em cada quadro. A seqüência de imagens dispostas lado a lado

mostra as seguintes figuras: 1) uma grande antena parabólica (dessas que transmitem sinais via

satélite) complementada pela frase: “Eletricidade é Notícia”; 2) uma família (pai, mãe e dois

filhos) sentada ao sofá, assistindo sorridente à televisão – a frase: “Eletricidade é Emoção”; 3) a

sala de cirurgia de um hospital retratada no momento em que uma equipe médica realiza uma

intervenção – a frase: “Eletricidade é Vida”; 4) a linha de montagem de uma fábrica de

automóveis em que vemos a carroceria de um carro sobre suportes – a frase: “Eletricidade é

Progresso”; 5) uma bailarina executando um rodopio – a frase: “Eletricidade é Arte”; 6) a vista

parcial de um parque de diversões, em destaque brinquedos iluminados e funcionando - a frase:

“Eletricidade é Lazer”; 7) computadores ligados e um homem sentado ao fundo, trabalhando –

a frase: “Eletricidade é Tecnologia”; 8) o rosto sorridente de uma mulher que lava a cabeça

65 Publicado na revista Exame Maiores e Melhores, agosto de 1996 – página 110.

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durante o banho – a frase: “Eletricidade é Higiene” e 9) a rua de uma grande cidade toda

iluminada e com um semáforo funcionando – a frase: “Eletricidade é Segurança”.

Figura 9 – Anúncio publicado na revista Exame Maiores e Melhores de Agosto/1991, p. 84.

A análise dessas diferentes imagens nos autoriza postular que o discurso publicitário constrói

uma essencialidade em torno da eletricidade, ao mesmo tempo, que nos apresenta os campos da

vida que podem ser diretamente afetados pela sua ausência. As possibilidades de ocorrência

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dos fatos e sentimentos retratados nas imagens: notícia, emoção, vida, progresso, arte, lazer,

tecnologia, higiene e segurança são intrinsecamente vinculadas à geração e distribuição de

energia elétrica. Destarte, a eletricidade é significada e identificada como condição

indispensável à realização de cada um desses eventos: não há geração de notícias, famílias

felizes, diversão no parque, segurança na cidade e tampouco existe progresso, lazer, arte e vida

sem a produção de eletricidade.

Não obstante, ao atentarmos para as peculiaridades apresentadas em cada uma das imagens

compreendemos a preponderância de certas escolhas discursivas. O progresso é a produção de

automóveis; a emoção, a televisão ligada; a vida, os avanços da medicina; a segurança, uma

cidade bem iluminada; a higiene, um banho quente; o lazer, um parque de diversões e assim

por diante. Sobre esse aspecto, conecta-se à imagem da eletricidade uma significação do que é

progresso, emoção, vida, lazer, segurança e higiene, onde todas essas realizações estão

condicionadas à existência de energia elétrica e conseqüentemente à construção de novos

empreendimentos para geração, transmissão e distribuição. Desse modo, o texto manchete

disposto logo abaixo das imagens corrobora essa idéia, se conecta às figuras e apresenta a

concessionária como sinônimo de cada uma das possibilidades descritas: “Eletricidade é

Eletropaulo”.

Em outra frente, o texto iniciado na porção inferior da página e abaixo da manchete reafirma o

alcance da distribuição e ampliação do atendimento (um traço já evidente no discurso da fase

anterior): “A Eletropaulo é a maior distribuidora de energia elétrica da América Latina. Ela

atende 20 milhões de consumidores, através de 5 milhões de ligações”. Contudo, essa

ampliação no atendimento é agora conectada ao discurso da modernização e da melhora na

qualidade dos serviços prestados e isso pode ser comprovado no trecho:

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E continua crescendo: a cada triênio são instaladas aproximadamente 500 mil ligações. Para a Eletropaulo ser maior é importante. Mas ser melhor é ainda mais. Por isso, ela está sempre investindo na modernização de seus equipamentos e no desenvolvimento de seus profissionais.

De todo modo, verificamos que esse discurso da eficiência, modernização e aprimoramento se

restringe à melhoria nos equipamentos de produção e potencializa as necessidades de se gerar

mais energia, atender mais clientes e minimizar as possíveis interrupções de fornecimento. Por

outro lado, as mudanças na esfera do consumo aqui enquadradas na subcategoria Eficiência

Racionada, são foco de uma única peça no transcorrer de toda essa década. Esse anúncio que

apresenta o lançamento pela Eletrobrás do Programa Nacional de Conservação de Energia –

PROCEL, constitui eco isolado de uma preocupação com o uso racional e eficiente da energia

elétrica.

Disposto em duas páginas, traz, na da esquerda, a imagem de um prédio com todas as luzes

acessas e a inscrição “Quem Pensa não Desperdiça” grafada no centro da figura. O texto

iniciado na página da direita complementa a imagem e a manchete do anúncio, ao mesmo

tempo em que convida a população a participar do programa: “O Procel e a Eletrobrás

convidam você a pensar. E a pensar de forma avançada sobre um tema fundamental: a

conservação de energia”.

O texto prossegue listando as vantagens da conservação de energia e associa esse

comportamento a uma atitude de consciência já incorporada pelas populações dos paises

considerados desenvolvidos. Dessa maneira, conclama a população brasileira a aderir ao

programa e a evitar os desperdícios, tendo em vista que essa atitude não significa abrir mão do

conforto ou da produção de riquezas, mas utilizar corretamente essa energia fundamental.

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Sobre esse aspecto, o anúncio traduz, corretamente, os imperativos de um uso eficiente e

racionado da eletricidade:

A conservação aumenta no tempo a disponibilidade de energia elétrica, reduzindo a necessidade de recursos para construção e operação de usinas e linhas de transmissão. Em decorrência, a conservação de energia ajuda também a conservar a natureza. Já está na hora de você saber usar bem a energia e a passar essa idéia para frente.

Todavia, embora a utilização eficiente da eletricidade represente ganhos para a sociedade,

constatamos que os investimentos em campanhas educativas não compõem o universo de

preocupação das concessionárias de energia. Nesse sentido, o discurso publicitário do setor

elétrico não integra em seu léxico a necessidade de incentivar o uso eficiente e racionalizado da

eletricidade, uma vez que a redução no consumo representa um decréscimo no volume de

receita e de lucro das concessionárias. Além disso, percebemos que a utilização racionada

permanece obscurecida ante uma estratégia que visa um incremento no parque gerador e uma

conseqüente ampliação no número de usinas hidrelétricas.

Em outra esfera, o intervalo 1987-1997 marca a veiculação dos primeiros anúncios das

concessionárias que concebem e se apropriam da natureza não somente como geradora de

riquezas, mas também como fonte de vida. Não obstante, esse discurso é estiolado e se

restringe à veiculação de dois anúncios que incorporam apenas retoricamente os traços de uma

preocupação ambiental66. Essas peças classificadas na subcategoria Ambiente Meio estão

circunscritas a empreendimentos executados na região amazônica, onde a ocorrência de

impactos ambientais resultantes da implantação de hidrelétricas atinge primeiro maior

66 Os anúncios são da Eletronorte e foram publicados nas Revistas Veja e Exame, em junho de 1987 e 1988, por ocasião da semana do meio ambiente. O caráter atípico dessas publicações pode ser evidenciado no fato de que o próximo anúncio do setor elétrico a abordar essa temática somente aparecerá no ano de 1998.

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visibilidade, sendo alvo de críticas e pressões por parte de movimentos sociais e

ambientalistas.67

O anúncio selecionado traz na porção central da página a imagem de uma árvore grande

cercada por outras vegetações. Acima dessa imagem lemos a manchete: “Sem Natureza não há

Energia”, que abaixo é complementada pela frase: “Sem Energia não há Vida”. A partir desses

fragmentos, contatamos o uso ambíguo da palavra energia que, de um lado, representa à

eletricidade produzida pela concessionária, e de outro, a energia dos organismos vivos

imprescindível à sobrevivência. Desse modo, ocorre que a natureza é significada como

condição para geração de energia e essa, por sua vez, constitui pré-requisito para a manutenção

da vida. Entretanto, quando consideramos que energia significa também a geração hidráulica,

percebemos que o anúncio apregoa a inexistência de vida sem a produção de energia elétrica.

67 Reflexos dessas pressões podem ser evidenciados, conforme demonstrado no primeiro capítulo, através da suspensão das negociações e empréstimos de US$ 500 milhões que o BID forneceria ao governo brasileiro para investimento na construção de novas usinas na região amazônica.

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Figura 10 – Anúncio publicado na revista Veja 979 de 10/06/1987, p. 106.

O discurso acionado por esse anúncio traz em relevo as orientações contidas no Relatório

Brundtland e busca equacionar produção econômica e preservação ambiental. Sobre esse

aspecto, o texto iniciado na porção superior esquerda da página acrescenta novos significados à

imagem e as manchetes:

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O trabalho da Eletronorte na construção de hidrelétricas é conciliar as duas coisas. Assim produzimos energia para a vida do homem, criando um novo ecossistema em volta das hidrelétricas. É assim que a Eletronorte transforma água em energia, sem transformar o meio ambiente num lugar sem vida. Energia é vida e ninguém, hoje, vive sem ela. Mas, também, ninguém vive sem a natureza. Quando pensamos uma hidrelétrica, pensamos no homem e no ambiente por inteiro.

Assim, a estratégia discursiva inaugurada com esse anúncio apregoa as possibilidades de

harmonização entre produção capitalista de riquezas e preservação do meio ambiente.

Enquanto nos períodos anteriores a tônica central era a transformação dos rios e solos em

riquezas comercializáveis, agora se instaura uma nova orientação que objetiva manter a

exploração conciliando-a com uma aparente preocupação ambiental. Dessa maneira, o discurso

publicitário constrói, ainda que de forma incipiente, uma nova imagem sobre as atividades do

setor elétrico, agora articulada a uma preocupação com a finitude dos recursos naturais. Nesse

contexto, concebe-se a natureza como condição indispensável à geração de energia elétrica, ao

mesmo tempo que se apresenta o compromisso da empresa em manter suas atividades em

harmonia com o meio ambiente.

Constatamos nesse anúncio o uso de expressões como, “conciliar as duas coisas”, “pensar o

ambiente por inteiro”, “ninguém vive sem a natureza”, e outras mais, que representam a

assimilação discursiva da natureza e instauram o advento de uma inovação nas relações entre

geração de energia e preservação da natureza. Todavia, essa incorporação se mantém em nível

retórico e o discurso publicitário é utilizado na legitimação de novas construções e na

continuidade das atividades do setor. A despeito da existência de impactos sociais e ambientais,

a publicidade, conforme demonstramos no capítulo anterior, se instaura como mecanismo de

substituição da realidade, uma vez que grande parte da população não experimenta

empiricamente os impactos da construção de uma hidrelétrica e toma como críveis as

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informações veiculadas nos anúncios. Podemos notar implicações desse fato no trecho do

anúncio que propala os empreendimentos realizados pela concessionária e os alinha às idéias de

conciliação e harmonia com a natureza:

Foi assim em Tucuruí, está sendo assim em Balbina. E assim será com Samuel e Ji-Paraná em Rondônia; Manso, no Mato Grosso; Porteira, no Pará e todas as outras hidrelétricas em estudos na Eletronorte. Todas as construções de usina pela Eletronorte terão programas de educação ambiental de profundo alcance, sempre priorizando o homem e o meio ambiente.

Além disso, constatamos nesse fragmento a inclusão no discurso publicitário de medidas

compensatórias à realização das obras. Embora a construção de hidrelétricas permaneça como

inquestionável e inexorável, ocorre a introdução de medidas que, do ponto de vista dominante

no campo ambiental, minimizam os impactos e representam vantagens do projeto. É o caso dos

programas de educação ambiental discursivamente indicados como priorização do homem e do

meio ambiente. Nesse sentido, existe uma mudança objetiva operada pela incorporação de

medidas compensatórias, que é seguida por uma significação simbólica na qual essas

mitigações são apregoadas como compromisso da empresa para com a preservação da natureza.

De todo modo, esse anúncio reafirma nos trechos subseqüentes a importância do meio

ambiente na condução das atividades da concessionária e entrevemos o aflorar de uma nova

postura, na qual a proteção do meio ambiente se erige como novo pilar de sustentação. Assim

sendo, o trecho que finaliza o anúncio coroa essa transição:

Proteger o meio ambiente está no nosso dia-a-dia num trabalho que nos toca tão de perto quanto os megawatts que geramos. Afinal, não é por acaso que, entre as novas prioridades sociais, a proteção do meio ambiente, se inclui com relevância no reciclar da trajetória presente e futura da Eletronorte. Que, também com as ações do passado, constrói, hoje, as hidrelétricas de amanhã.

De fato, não é mera coincidência que o primeiro anúncio do setor elétrico dedicado

exclusivamente à temática ambiental seja de uma concessionária cujas atividades se

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concentram na região amazônica. A visibilidade dos impactos sobre a floresta, associada às

pressões exercidas pelos movimentos sociais e ambientalistas, demanda ainda nos anos 1980

uma rápida ofensiva por parte dessa concessionária. A incorporação da proteção ambiental

dentre as prioridades sociais não pode ser vista como uma atitude gratuita e filantrópica; ao

contrário disso, espelha as pressões sofridas pela empresa durante toda essa década. Todavia,

vislumbramos nesses anúncios, mesmo que de forma fragmentada, a emergência de uma

assimilação discursiva dos impactos ambientais, ao mesmo tempo que percebemos o emprego

de definições caras à visão hegemônica no campo ambiental. Nesse sentido, a frase disposta em

letras grandes na parte inferior da página é emblemática: “A Eletronorte pensa no meio

ambiente por inteiro”. Como veremos, durante o intervalo 1997-2002 a veiculação de anúncios

com essa abordagem se torna muito mais freqüente consolidando uma plena incorporação da

temática ambiental no discurso do setor elétrico.

Os anúncios da subcategoria Relações Institucionais do período 1997-2002 são novamente

marcados pelo discurso da modernização e eficiência. Entretanto, esse discurso é agora

utilizado para justificar a atuação de empresas que iniciam suas atividades após as privatizações

ocorridas no setor elétrico. A entrada em operação dessas novas empresas é apresentada pelo

discurso publicitário como uma possibilidade para a redução de preços, aumento de

produtividade e abatimento de custos. Nesse sentido, a melhoria nos índices de fornecimento e

satisfação dos consumidores é apontada como resultado do processo de privatização, que por

sua vez é apresentado como correspondente a mais eletricidade nas casas, ruas, hospitais, lojas,

industrias e escolas.

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Indicativos dessa estratégia são percebidos em um anúncio da Escelsa – Espírito Santo Centrais

Elétricas S/A68, que traz a seguinte manchete disposta no alto da página: “A privatização trouxe

energia positiva para o Espírito Santo”. O texto iniciado logo abaixo discorre informando que a

privatização possibilitou resultados nunca alcançados e melhorias nos padrões de investimento

e qualidade de atendimento. Sobre esse aspecto, conjeturamos que o discurso anterior, que

objetivava formular para as estatais uma imagem de empresa eficiente e moderna, não logrou

sucesso na tentativa de brecar o andamento das privatizações. Todavia, como fica evidente

nesse anúncio, o uso dessa estratégia discursiva que propala a eficiência e ampliação no

atendimento é mantido como diretriz básica pelas empresas que assumem a gestão e controle

do setor elétrico.

O racionamento de energia vivenciado durante essa fase também municia o discurso

publicitário da subcategoria Relações Institucionais. Não obstante, a estratégia utilizada

apresenta a construção de novos empreendimentos e a conseqüente ampliação na capacidade de

geração como resposta à crise. Nesse sentido, inexiste por parte das concessionárias uma

preocupação em promover campanhas que incentivem o uso eficiente da eletricidade.

68 Publicado na revista Veja 1534, de 18/02/1998 – página 33.

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Como verificamos, todos os anúncios enquadrados na subcategoria Eficiência Racionada são

custeados pela Eletrobrás ou Ministério das Minas e Energia. Assim, durante o período 1997-

2002, coletamos sete peças classificadas nessa categoria, sendo que cinco foram veiculadas nos

anos 2001/2002 (coincidentes com o racionamento de energia) e duas apresentavam os

ganhadores do Selo Procel69 nos anos de 1999 e 2000. Esses anúncios veiculados no decorrer

da crise de energia eram destinados a publicizar as regras e punições que norteavam a política

de racionamento. Dessa forma, não podem ser considerados como uma iniciativa permanente

de estímulo ao uso racionado da eletricidade.

Sobre esse aspecto, notamos que impera, como nas fases anteriores, a inexistência de uma

política de redução de consumo e uso eficiente da energia elétrica. Embora tenhamos

atravessado um longo período de crise no abastecimento, isso não foi traduzido em

investimentos por parte das concessionárias em campanhas de redução de consumo e ou de uso

racionalizado. Esse tipo de abordagem continua não representando uma temática importante no

discurso do setor elétrico e atêm pouca ou nenhuma visibilidade. A partir do volume

inexpressivo desses anúncios, constatamos que se perpetua a ausência de campanhas

sistemáticas. De fato, vivenciamos uma lógica onde a eficiência é racionada e a expansão do

parque gerador e o aumento da produção de energia são conclamados. Nesse sentido, o

discurso publicitário do setor elétrico é orientado para legitimar o modelo de geração vigente e

descaracterizar a importância da utilização eficiente da eletricidade.

No tocante à subcategoria Ambiente Meio, encontramos oito peças veiculadas no período

1997-2002. Após um hiato de publicações que compreende o intervalo 1988-1998, temos uma

retomada no setor elétrico de anúncios dedicados à abordagem de aspectos relacionados à

69 Esse selo é concedido pela Eletrobrás a fabricantes de eletrodomésticos e eletroeletrônicos que se destacam na concepção de aparelhos que consomem menor quantidade de energia elétrica.

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proteção e preocupação ambiental. Enquanto que nos períodos anteriores esse discurso era

inexistente ou estiolado, agora ocorre com freqüência e incorpora noções encapsuladas na idéia

de desenvolvimento sustentável: preservação da natureza, harmonia geração de energia e

respeito ao meio ambiente, conciliação entre exploração de recursos e preservação da natureza,

mitigação e compensação de impactos e uso de aparatos técnicos no controle das intervenções.

Contudo, isso ocorre dentro de uma lógica que privilegia as atividades de geração de energia e

assimila a preocupação ambiental apenas de forma discursiva e como vantagem competitiva na

justificação dos empreendimentos.

Ao consideramos que a publicidade extrai sua força das manifestações que são engendradas

pela sociedade, ao mesmo tempo que produz novas significações acerca dos objetos

representados, constatamos que a percepção no imaginário social de que a construção de

hidrelétricas gera impactos ambientais é uma novidade que se consolida no intervalo 1997-

2002. Sobre esse aspecto, a publicação de anúncios que articulam a noção de desenvolvimento

sustentável é indicativa desse processo e marca uma reorientação na postura do setor elétrico.

Não obstante, essa incorporação discursiva resulta de maiores pressões dos movimentos

sociais, ambientalistas e da sociedade como um todo. Assim sendo, um anúncio da CESP pode

ser visto como ilustrativo do discurso publicitário produzido durante essa fase.

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Figura 11 – Anúncio publicado nas revistas Exame 664 de 14/06/1998, p. 72 e Veja 1552 de 24/06/1998, p. 36.

Centrado na página e ocupando-a quase que completamente temos a imagem de uma tomada de

energia, que circunscreve uma paisagem composta por rios e florestas. A imagem da tomada é

apresentada sobreposta à paisagem natural e denota uma apropriação da natureza e a sua

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transformação em quilowatts. Entretanto, ao contrário dos períodos anteriores, onde a produção

de energia era per si uma justificativa para modificações no meio ambiente, agora

vislumbramos um discurso atento à harmonização e a conivência entre geração de eletricidade

e preservação da natureza. Nesse sentido, a manchete no alto da página é representativa dessa

nova postura: “Faz parte da política da CESP respeitar o meio para atingir o fim”. O respeito ao

meio ambiente aparece como condição necessária e indispensável à manutenção desse modelo

de geração de energia elétrica. Não obstante, percebemos que a natureza propriamente dita e as

imagens apresentadas sobre essa natureza, são resignificadas em consonância com as atividades

exercidas pelo setor elétrico. Sobre esse aspecto, a parábola a seguir ilustra bem as posturas e

visões encampadas pelo discurso publicitário:

Diante de um grande rio um certo grupo indígena dirá: quanto peixe! Alguns lavradores dirão: quanta terra fértil de várzea! ; os engenheiros e planejadores do Setor Elétrico exclamarão: quanta energia elétrica! . A parábola permite entender que o que está em jogo são visões qualitativamente diversas, que diferentes grupos sociais constroem acerca do próprio sentido e significado da relação entre sociedade e natureza (VAINER & ARAÚJO, 1990, p. 76).

Como o discurso publicitário é uma expressão da esfera hegemônica no interior do campo

ambiental, espera-se que apresente concepções acerca da natureza que a convertam em recursos

a serem apropriados. Todavia, a partir do intervalo 1997-2002, essa operação passa a ser

consubstanciada por um discurso que acentua a importância da preservação, ao mesmo tempo

que sugestiona um comprometimento do setor elétrico com essa nova realidade. Destarte, as

noções de progresso, desenvolvimento e crescimento econômico, outrora soberanas, são agora

alinhavadas ao discurso do desenvolvimento sustentável, que adorna as atividades dos

concessionários de maior eficácia simbólica. Ao compatibilizar, ainda que retoricamente, a

produção de energia e a conservação do meio ambiente, o discurso publicitário forja uma nova

imagem sobre o modelo de atuação do setor elétrico. Assim sendo, as inscrições dispostas na

porção central esquerda da página: “Preservação da Fauna e da Flora, Criação de Alevinos,

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Remanejamento de População” corroboram essa estratégia e reiteram os sentidos expressos na

manchete do anúncio.

Disposta na porção central direita da página temos a imagem de um troféu e, abaixo, a frase:

“Premio Super Top de Ecologia – ADVB”. A partir da introdução de temáticas ambientais no

discurso publicitário das empresas do setor elétrico, verificamos o uso de prêmios e

certificações como signos de uma adequação ambiental das atividades exercidas. A despeito

dessa estratégia, a tônica central nessa fase é a articulação de um discurso que apregoa a junção

e compatibilidade entre geração de energia e respeito à natureza e isso pode ser evidenciado no

texto disposto logo abaixo do troféu: “A CESP planta mudas, conserva espécies, cria alevinos,

faz reassentamento urbano, rural e de pescadores. A CESP respeita o meio ambiente para

cumprir a sua missão: gerar energia proporcionando melhor qualidade de vida”. Dessa forma,

as noções de conciliação e compatibilidade, representadas pela conservação de espécies, plantio

de mudas, reassentamentos e criação de alevinos, são utilizadas como condição para atividade

de geração de energia.

A partir dos anúncios classificados na subcategoria Ambiente Meio, percebemos que enquanto

as outras peças significam a construção de hidrelétricas pela ausência de natureza e

invisibilidade da ocorrência de impactos, aqui existe uma resignificação da natureza como

compatível com os empreendimentos. Desse modo, transitamos da ausência de natureza e de

impactos ambientais, para um universo de harmonia discursiva entre meio ambiente e produção

de eletricidade. Nesse cenário, a publicidade se afirma como uma das frentes econômicas que

forja os significados de natureza e estabelece um imaginário simbólico legitima-dor da

exploração.

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A analise do discurso publicitário do setor elétrico nos possibilita captar a utilização de

definições em disputa no campo ambiental, bem como o percurso de assimilação da idéia de

desenvolvimento sustentável. O postulado da harmonia entre produção de energia e

preservação da natureza é conectado e justificado pelos princípios da mitigação e

compensação de impactos. De todo modo, a análise do discurso publicitário veiculado nessas

duas décadas permite-nos compreender como as significações encapsuladas na noção de

desenvolvimento sustentável, notadamente, têm sido absorvidas como norteadoras da

exploração do meio ambiente. Em um contexto de pressão dos movimentos sociais e das

organizações ambientalistas, essas formulações discursivas penetram no imaginário social e

agem fortificando a atuação das empresas concessionárias de energia elétrica. Assim sendo,

mapearemos no próximo capítulo como ocorre essa incorporação discursiva em dois outros

segmentos produtivos: a industria química e petroquímica.70

70 O setor químico se caracteriza por reunir um diversificado conjunto de empresas que vão desde aquelas ligadas a produtos químicos básicos, como soda cáustica, ácido sulfúrico e eteno, até perfumes e cosméticos, passando por fertilizantes, pesticidas e plásticos. Por outro lado, a indústria petroquímica pode ser classificada como a cadeia produtiva que se estrutura em torno da utilização de derivados do petróleo, principalmente a nafta petroquímica, da qual se produzem substâncias como o eteno, o propeno e os hidrocarbonetos aromáticos (NAKANO, 2003).

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Capítulo IV – Outras Reconciliações para um mesmo Divórcio: O Discurso

Publicitário das Indústrias Química e Petroquímica e o Ocultamento de uma

Natureza Modificada

Introdução

Esse capítulo analisará os anúncios veiculados pelas indústrias química e petroquímica,

objetivando compreender de forma mais holística o discurso publicitário utilizado na

consolidação de uma imagem positiva acerca da exploração ambiental. A proposta é

interrelacionar as estratégias utilizadas por esses segmentos com aquelas do setor elétrico e a

partir disso traçar as recorrências e dissonâncias que orientam a conformação da idéia de uma

natureza não modificada e em harmonia com a atividade produtiva.

Os marcos temporais estabelecidos para a análise da publicidade do setor elétrico serão aqui

retomados. Todavia, sua utilização estará restrita ao discurso veiculado pelo setor

petroquímico, uma vez que as estratégias empregadas pela indústria química não permitem

esse tipo de categorização. Diferentemente do setor elétrico que utiliza anúncios isolados e

esporádicos, o discurso publicitário da indústria química e petroquímica opera com

campanhas continuadas. Assim sendo, como assinala Durand (1973), podemos considerá-los

como um discurso, sem dúvida intermitente e desdobrado, que, no entanto, é dotado de grande

coerência e conduz uma mensagem global sobreposta ao dizer interno de cada anúncio

isolado.

Desse modo, apresentaremos as linhas gerais que perpassam a produção publicitária do setor

petroquímico para em seguida focalizarmos as particularidades reinantes em cada uma das

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fases estabelecidas. Em relação aos anúncios da indústria química optamos por uma análise de

conjunto por ter esse discurso poucas oscilações no transcorrer dessas duas décadas.

4.1 Do Discurso da Essencialidade à Absorção da Idéia de Desenvolvimento

Sustentável: A Publicidade do Setor Petroquímico

A estratégia discursiva utilizada pela publicidade do setor petroquímico pode ser dividida em

duas fases: a primeira apresenta-o como essencial à vida e onipresente em todos os momentos

do cotidiano e a segunda conota sua harmonia com a preservação do meio ambiente. As

imagens que compõem esse discurso mostram em evidência os complexos produtivos, bem

como os produtos fabricados com matérias-primas de base petroquímica. Contudo, à maneira

do setor elétrico, ocorre uma paulatina perda de espaço desse tipo de representação e uma

incorporação de figurações que exploram o uso de paisagens naturais.

O volume de produção e de exportações e sua contribuição para a economia nacional se

estabelecem como referência durante os primeiros anos analisados. Entretanto, ao contrário do

setor elétrico, são menos freqüentes as vinculações discursivas entre progresso, crescimento

econômico, geração de empregos, desenvolvimento e a atuação do segmento petroquímico.71

Por outro lado, os investimentos em tecnologias mais avançadas são significados como uma

possibilidade de democratização do consumo e como um mecanismo que torna a vida mais

confortável e prazerosa.

Durante a fase 1982-1987 o discurso publicitário do setor petroquímico apresenta esse

segmento como instrumento para a produção de diversas utilidades tidas como essenciais à

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vida em sociedade. A despeito da pouca visibilidade concedida às matérias-primas fornecidas

pela petroquímica, o discurso procura assinalar que essas são a base para fabricação de

produtos obrigatórios e imprescindíveis. Com o intuito de demonstrar as possíveis aplicações

da petroquímica os anúncios apresentam imagens de produtos fabricados a partir de insumos

gerados por essa indústria.

Sobre esse aspecto, um anúncio da Polialden Petroquímica S/A apresenta, preenchendo toda

a página, e dispostas em oito quadros, as seguintes imagens: 1) engradados de cerveja e

refrigerante, 2) uma jarra e potes plásticos, 3) um balde e tubos de PVC, 4) embalagens

plásticas de fertilizantes agrícolas, 5) rolos plásticos e sacolas de supermercado, 6) sacos de

linhagem com hortifrutigranjeiros, 7) brinquedos de plástico: carinho, velotrol e pinos de

boliche e 8) frascos plásticos para produtos de limpeza.

71 Essa vinculação é utilizada apenas no discurso produzido por empresas que têm controle estatal. Como se verá adiante, a iniciativa privada explora outros atributos na formulação dos anúncios.

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Figura 12 – Anúncio publicado na revista Exame 323 de 03/04/1985, p. 61.

A partir dessas figurações, o anúncio apresenta os diversos produtos cujo processo de

fabricação emprega matérias-primas advindas da indústria petroquímica, ao mesmo tempo

que compõe uma noção de essencialidade em torno da atuação desse segmento. Ademais, as

variadas formas de aplicação e a onipresença da petroquímica são alinhavadas pela manchete

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do anúncio disposta na porção inferior da página: “De uma forma ou de outra, a Polialden está

sempre com você”. Do mesmo modo, o texto iniciado na porção direita inferior da página

significa atributos não expressos pelas imagens e complementa a manchete do anúncio:

Onde quer que você esteja dê uma olhada a sua volta. Você vai ver que por perto sempre existe algum produto feito com as resinas Novatec da Polialden. Garrafeiras, brinquedos, sacolas de compras, frascos de xampu, utilidades domésticas. Uma infinidade de produtos que fazem parte da sua vida e você nem imaginava que eram feitos com as resinas Novatec.

Aqui a produção petroquímica é significada como essencial, obrigatória e onipresente e se

verifica a inexistência de qualquer menção ao reaproveitamento de produtos, ocorrência de

impactos sociais e ambientais ou conciliação entre produção e preservação da natureza.

Durante essa fase, o intuito primordial é gestar para o setor petroquímico uma imagem de

onipresença e essencialidade, que garanta a continuidade das atividades e obscureça os

possíveis impactos causados ao meio ambiente. Assim, em um contexto de pouca pressão da

sociedade sobre a atuação da indústria petroquímica, o recurso à essencialidade e a

onipresença dos produtos se erige como estratégia justificadora das atividades. A esse

respeito, fragmentos apresentados a seguir são elucidativos:

1) Da roupa ao telefone, do pneu aos fertilizantes, dos utensílios domésticos aos componentes de computadores, enfim, muitas coisas que você usa e outras que você nem imagina têm o dedo da Petrobrás. É a Petrobrás na Petroquímica.72 2) Olhe a sua volta: borracha para pneu, artefatos industriais, detergentes, tintas, vernizes, fertilizantes, plásticos, automóveis, eletrodomésticos [...]. Tudo isso e muitos outros, produtos essenciais à vida moderna, utilizam a produção petroquímica como matéria-prima.73 3) Em praticamente tudo tem um pouco de Petroquímica União. Ela está em sua caneta, sua roupa, seu perfume, remédio, eletrodoméstico, carro, enfim,

72 Publicado na revista Veja 934, de 30/07/1986 – página 18. 73 Publicado na revista Exame edição especial Maiores e Melhores, de 17/09/1986 – página 236.

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está ao seu lado o tempo todo. Onde quer que você esteja, você nunca está sozinho.74

Em consonância com essa estratégia, a produção petroquímica é representada como pré-

requisito para a economia de divisas, uma vez que possibilita através dos mecanismos de

substituição de importações uma redução dos gastos no exterior. Enquanto no setor elétrico

esse argumento é utilizado para justificar a construção de novas hidrelétricas e a conseqüente

substituição do petróleo, aqui reaparece para significar a atuação da petroquímica como

fornecedora de insumos básicos que evitam os investimentos em importações. Destarte,

percebemos que o argumento da economia de divisas representa uma recorrência discursiva

que perpassa os dois segmentos: de um lado, apresenta as vantagens da economia de petróleo

em virtude da geração hidráulica de energia, e de outro, conclama o aumento do consumo

desse insumo através da produção de matérias-primas que permitem evitar as importações.

Nesse sentido, constatamos que o aumento ou diminuição no consumo de derivados de

petróleo é utilizado pelo discurso publicitário para resignificar a atuação desses dois

segmentos produtivos.

Enquanto o discurso publicitário do setor elétrico utiliza a ampliação do atendimento como

estratégia para legitimar sua atuação, na indústria petroquímica nos deparamos com um

argumento muito similar: o da democratização do consumo. Nesse cenário, a petroquímica é

apresentada como: “Uma indústria brasileira que ano após ano vem se destacando

internacionalmente na pesquisa e na utilização mais nobre do petróleo ou do gás natural,

transformando-os em bens de consumo duráveis e a preços acessíveis”.75 A partir desse

trecho, constatamos que a produção petroquímica é significada como um mecanismo de

redução de preços e de acessibilidade aos produtos, o que contribui para adicionar mais

74 Publicado na revista Exame 323, de 03/04/1985 – página 63.

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eficácia simbólica às atividades desempenhadas por esse segmento. Desse modo, verificamos

a existência de regularidades discursivas que justificam o modo de produção dos setores

elétrico e petroquímico, uma vez que ambos recorrem aos argumentos da economia de divisas

e da acessibilidade aos produtos como estratégia norteadora.

Diferentemente do setor elétrico, onde nesse período não há uma incorporação discursiva dos

impactos ambientais e sociais, a indústria petroquímica contempla, ainda que de forma

fragmentada, a presença de um discurso que articula uma preocupação retórica com a

preservação da natureza. Embora não represente uma estratégia consolidada, entrevemos uma

transição que abandona as imagens de complexos produtores e passa a incorporar as

paisagens naturais como ilustração de um comportamento ambientalmente responsável. Além

disso, os textos que se conectam a essas imagens descaracterizam a existência de impactos

ambientais e reafirmam a onipresença e essencialidade dos produtos petroquímicos. A partir

desses aspectos, percebemos que no setor petroquímico ocorre ainda no intervalo 1982-1987

a assimilação do meio ambiente como vantagem competitiva e como estratégia discursiva de

justificação das atividades modificadoras da natureza.

75 Fragmento de um anúncio da Petrobrás Petroquímica S/A publicado na revista Veja, edição 934, de 30/07/1986 – página 18.

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Indicativos dessa incipiente mudança discursiva podem ser notados em um anúncio veiculado

pela Oxiteno S/A. Essa peça traz diagramada no centro e ocupado 1/3 da página a imagem de

uma árvore solitária em um campo de vegetação rasteira.

Figura 13 – Anúncio publicado na revista Exame Maiores e Melhores, setembro de 1987, p. 236.

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Acima da imagem temos em letras grandes a inscrição: “Patrimônio Líquido” e abaixo se

inicia um texto que promove a atuação da empresa. A análise desse conjunto nos autoriza

conceber a natureza como lugar da geração de riquezas, tendo em vista que a árvore é

associada à denominação contábil de patrimônio liquido. Do mesmo modo que no setor

elétrico, temos aqui um discurso que caracteriza a natureza como espaço racionalizado para a

produção de riquezas. Não obstante, a novidade é que na indústria petroquímica ocorre ainda

nesse período uma associação entre produção de mercadorias e valorização do meio

ambiente. Distante de uma exaltação laudatória das belezas naturais brasileiras, esse discurso

promove a utilização da natureza no processo de produção de mercadorias e articula esse

postulado a uma preocupação com a qualidade de vida da população. Apesar de não conter

traços incisivos do tom reconciliador presente no Relatório Brundtland, esse anúncio

apresenta retoricamente a importância atribuída ao meio ambiente na condução dos processos

produtivos:

Respire fundo. Você acaba de utilizar uma das matérias-primas que compõem os produtos fabricados pela Oxiteno: o oxigênio. Pode parecer estranho, quando se trata de uma indústria petroquímica. Mas é o mesmo ar que você respira que a Oxiteno utiliza na fabricação de produtos indispensáveis ao abastecimento da indústria nacional [...]. Utilizando uma matéria-prima tão vital, a Oxiteno não poderia deixar de se preocupar com a qualidade de vida.

A partir desse fragmento, vislumbramos um discurso que significa a natureza como: suporte a

produção de matérias-primas, condição indispensável à continuidade das atividades do setor e

essencial para a qualidade de vida da população. O texto prossegue apresentando as

estratégias marcantes nesse período, economia de divisas, essencialidade da produção e

onipresença da petroquímica, para em seguida formular o argumento que indica a inexistência

de impactos ambientais: “Tudo sem fazer o menor ruído e sem ferir o meio ambiente. Afinal,

como toda boa empresa, a Oxiteno sabe como é importante a preservação do patrimônio

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líquido. Principalmente quando depende dele a vida saudável de milhões de brasileiros”.

Como se pode verificar, esse discurso não abarca ainda uma conciliação harmoniosa entre

produção econômica e preservação da natureza, ao contrario, estabelece uma argumentação

que pontua a não ocorrência de impactos sociais ou ambientais.

4.1.2 Reação aos Impactos e Absorção da Idéia de Desenvolvimento

Sustentável: A Publicidade do setor Petroquímico entre 1987 e 1997

O discurso publicitário do setor petroquímico compreenderá no período 1987-1997 dois

momentos: um que reafirma a negativa da existência de impactos ambientais e outro que

consolida uma convivência harmoniosa entre produção industrial e meio ambiente. Além

disso, constatamos uma mudança de foco e a transição para uma estratégia que admite a

existência de impactos sociais e ambientais, porém apresenta as medidas capazes de

minimizar essas ocorrências. Em outra direção, as noções de essencialidade, onipresença e

democratização do consumo continuam a municiar a publicidade desse segmento, contudo,

vão aos poucos perdendo espaço para o discurso do desenvolvimento sustentável. Da mesma

forma, as imagens de complexos produtores são gradativamente substituídas por paisagens

naturais tais como: animais, florestas, montanhas, praias, rios, pôr-do-sol, lagoas e outras

mais.

Podemos considerar as pressões exercidas pelos movimentos sociais e organizações

ambientalistas como uma das razões que desencadearam essa incorporação da temática

ambiental no discurso do setor petroquímico.76 Sem embargo, essa assimilação atravessa um

76 Indicativos dessas pressões podem ser notados na Resolução CONAMA 001/1986, que vincula o licenciamento ambiental de atividades petroquímicas, tais como instalação de oleodutos, extração de

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momento de reação discursiva que nega a ocorrência de impactos ambientais e procura

desvincular a imagem da petroquímica dos danos causados à natureza. Assim sendo, dois

anúncios de uma campanha veiculada pela Oxiteno S/A são ilustrativos desse tipo de

estratégia mais ofensiva.

O primeiro77 descarta o uso de imagens e apresenta o seguinte texto, em letras grandes e

preenchendo toda a página: “Por que será que a grande maioria das pessoas acredita que toda

mulher bonita é burra, todo espanhol é briguento, todo corintiano é sofredor, todo pescador é

mentiroso e que toda violência contra o meio ambiente é causada pela indústria

petroquímica?” Ao se apropriar de características presentes em nosso imaginário social, esse

anúncio incita o questionamento e a reflexão sobre a validade desses postulados, ao mesmo

tempo que reage contra o argumento que vincula a atuação da petroquímica à violência contra

a natureza.

Dessa forma, a preservação da natureza é incorporada ao discurso publicitário como negativa

da relação de causa e efeito entre indústria petroquímica e impactos ambientais (imagem que

começava a ser gestada no imaginário coletivo brasileiro a partir dessa época). Além disso,

podemos captar nesse anúncio a aceitação, subliminar, de que a atividade petroquímica

ocasiona impactos ambientais, porém não é isoladamente responsável por toda a violência

contra a natureza. Todavia, o caráter essencial desse segmento continua sendo tonificado no

slogan disposto ao pé da página: “O maior risco não é viver com a química. É viver sem ela”.

Esse tom reativo presente na publicidade do final da década de 1980 é ainda mais evidente na

segunda peça dessa campanha. O anúncio traz, ocupando a metade superior da página, a

combustíveis fósseis e construção de complexo ou unidades produtivas, à realização de Estudos de Impacto Ambiental e conseqüente Relatório de Impacto Ambiental.

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imagem de três chimpanzés que estão em um cenário similar ao picadeiro de um circo. O

primeiro chimpanzé está com as mãos sobre os olhos, o segundo tampa as orelhas com as

mãos e o terceiro está com uma mão sobre a boca. A manchete disposta logo abaixo agrega

novos significados e decodifica essas imagens: “Estas são as suas reações diante da Indústria

Petroquímica? Então pelo menos pense”.

O conjunto texto e imagem sugere uma nova significação que apresenta o desconhecimento

da petroquímica como uma atitude irracional. Desse modo, opta-se pela escolha do

chimpanzé, um animal irracional que, entretanto, é tido no imaginário social como um

antecessor do homem na escala evolutiva. Ademais, essa simbiose texto/imagem é utilizada

para reforçar a idéia de que se acaso o receptor, como representado pelo chimpanzé, não

quiser ver, ouvir ou falar da petroquímica é necessário que utilize uma capacidade distintiva

do homem e como sugere a manchete: pelo menos pense sobre sua importância.

77 Publicado na revista Veja ano 20 número 12 de 23/03/1988 – página 12.

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Figura 14 – Anúncio publicado na revista Veja ano 20, nº 14 de 06/04/1988, p. 12.

A metade inferior da página é preenchida por um texto onde se reforça a idéia de que a

ausência de informações contribui para a formulação de uma visão equivocada acerca da

indústria petroquímica. Sobre esse aspecto, é nítido nesse anúncio o erigir de um discurso

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reativo que contesta a relação: produção petroquímica = impactos ao meio ambiente. De todo

modo, isso pode ser clarificado no seguinte fragmento do texto:

Como outras ciências, a petroquímica é alvo de criticas sem fundamento. Ao menor sinal de um dano qualquer causado contra o homem ou o meio ambiente, a petroquímica é também responsabilizada. A verdade dos fatos nem sempre é aquela que se ouve dizer. [...] Ninguém deve esquecer que um homem com uma serra nas mãos pode ser ainda mais ofensivo à natureza.

Esse trecho constrói uma significação que procura invisibilizar a existência de impactos

sociais e ambientais relacionados à atuação da indústria petroquímica. Para tanto, utiliza duas

estratégias: de um lado apresenta a idéia de que por ausência de informação as pessoas têm

responsabilizado esse segmento por danos não causados, e de outro, compara esses possíveis

impactos com a derruba de árvores, uma violência contra a natureza que sempre absorve

muita atenção da opinião pública. Nesse sentido, o discurso publicitário reage às pressões

exercidas pela sociedade organizada, obscurece os impactos ocasionados e apresenta a

petroquímica como uma indústria essencial para a perpetuação da vida. Quanto a isso, o

trecho que finaliza o anúncio é elucidativo ao afirmar que o segmento:

Tem ajudado a garantir o conforto na sua casa, a alimentação do mundo e também a preservação dos animais e do meio ambiente. Esse papel que é muito mais importante para a Oxiteno do que plantar meia dúzia de árvores e depois sair dizendo por aí que construiu um bosque.

Essa postura de ataque contra as pressões exercidas por movimentos sociais e ambientalistas é

completamente diluída no transcorrer desse período e cede lugar a uma estratégia que

consolida os pressupostos do discurso do desenvolvimento sustentável. Todavia, essa

mudança não é repentina, ao contrário, contempla uma gradativa absorção da natureza como

vantagem competitiva na condução das atividades do setor petroquímico. Sendo assim, os

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traços dessa alteração discursiva podem ser evidenciados em vários anúncios dentre os quais

destacamos dois: um da Petrobrás e outro da Politeno S/A.

Figura 15 - Anúncio publicado na revista Exame 436 de 20/09/1989, p. 67.

O anúncio da Petrobrás apresenta, preenchendo ¾ da página, a imagem de uma tartaruga

marinha. Acima da imagem, no alto da página, temos a manchete: “Você só vai saber o que a

Petrobrás faz pela Ecologia daqui uns 200 anos”. Do ponto de vista imagético, fica evidente

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nesse anúncio o abandono das figurações de complexos produtores e a transição para o uso de

paisagens naturais. Entretanto, a utilização desse novo tipo de imagem acontece dentro de

uma lógica de justificação da atividade produtiva, onde a natureza convive com a exploração

econômica. Além disso, a atividade econômica é representada como propiciadora de

programas de preservação do meio ambiente, o que fica evidente no texto iniciado na porção

inferior da página:

Quando essa tartaruga marinha chegar a sua idade adulta, certamente ela vai ter uma família muito grande. Todas nascidas do projeto TAMAR - Tartarugas Marinhas: um projeto criado pelo IBDF, que desde 1983 conta com o apoio da Petrobrás para preservação de varias espécies de tartarugas na costa brasileira.

Nesse sentido, o discurso publicitário promove a transformação de uma atividade

potencialmente impactante em condição para a preservação da natureza, ao mesmo tempo que

associa a imagem da empresa a um comportamento de preocupação e responsabilidade para

com o meio ambiente. De todo modo, essa transição que integra a natureza como artefato

propiciador da atividade econômica, pode ser evidenciada no trecho que encerra o anúncio:

“É assim que a Petrobrás vê o progresso: com preservação do meio ambiente e respeito à

ecologia. Petrobrás explorando riquezas e cuidando para que a natureza fique mais rica”.

Destarte, a utilização desse discurso que sinaliza para uma conciliação entre exploração de

riquezas e preservação da natureza, cria uma nova acepção acerca das atividades exercidas

pela indústria petroquímica.

Diferentemente da propaganda do setor elétrico onde essas idéias são articuladas somente a

partir do ano 2000, na indústria petroquímica ocorre uma rápida apropriação das formulações

que integram o Relatório Brundtland (reconciliação entre progresso econômico e manutenção

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da natureza) e existe já no inicio da década de 1990 a incorporação desses postulados como

norteadores da produção publicitária.

Sobre esse aspecto, o anúncio da Politeno S/A78 que apresenta a imagem de uma bola de

cristal ocupando quase toda a página e dispõe, no alto, a manchete “A Politeno está prevendo

o Futuro” pode evidenciar como a incorporação discursiva da temática ambiental é aqui

muito mais breve, se comparada ao setor elétrico.79 A bola de cristal conectada a essa

manchete significa a possibilidade de previsão e representa a incorporação de uma

mentalidade que apenas fará sentido no futuro. Assim, as idéias de previsibilidade, de um

futuro melhor e do advento de um novo comportamento em relação à natureza são

alinhavadas pelo texto iniciado na porção inferior da página: “Até o final desta década, três

princípios vão continuar regendo o trabalho da Politeno: tecnologia, qualidade e preservação

ambiental”.

Desse modo, o anúncio apresenta o argumento de que no futuro a proteção ambiental será

uma exigência obrigatória e destaca as produções e os avanços tecnológicos já realizados pela

petroquímica. O trecho, que finaliza o anúncio após descrever a fabricação de novos produtos

orientados por esses pressupostos, afirma: “E totalmente recicláveis, característica essencial à

preservação do meio ambiente. Com toda essa realidade presente, não é preciso ter poderes

especiais para prever o futuro: no futuro dos termoplásticos, está escrito o nome Politeno”.

78 Publicado na revista Exame edição Maiores e Melhores – Agosto/1992 – página 86. 79 Outro exemplo dessa brevidade é um anúncio da Petrobrás e da CVRD que foi veiculado na revista Veja, edição 1083, de 14/06/1989, e propagandeia o III Prêmio Nacional de Ecologia. Essa peça traz a imagem de um bebê engatinhando, tendo o rosto coberto por uma mascará de proteção contra gases. O texto acoplado a essa figura afirma: “A defesa da ecologia está engatinhando em nosso país. Mas é preciso pensar no futuro”. A partir desse conjunto, notamos uma preocupação discursiva com o futuro das novas gerações e a incorporação de argumentos corroborados pelo Relatório Brundtland. Nesse sentido, as idéias de prever o futuro e antecipar a preocupação ambiental (anúncio Politeno) e/ou pensar no futuro e não comprometer o desenvolvimento das gerações vindouras (anúncio CVRD e Petrobrás) representam os indicativos dessa assimilação discursiva da temática ambiental na publicidade da indústria petroquímica e isso nos possibilita constatar, que comparada ao setor elétrico essa incorporação foi bem mais precoce.

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O passo seguinte no discurso publicitário do setor petroquímico é a incorporação da idéia de

desenvolvimento sustentável na formulação dos significados distribuídos ao imaginário

social. As possibilidades de conciliações entre produção petroquímica e proteção da natureza,

representam a tônica que orienta a publicidade veiculada por esse segmento, a partir do início

da década de 1990. Assim, constatamos que a indústria petroquímica incorpora o discurso do

desenvolvimento sustentável na formulação de sua publicidade quase uma década antes do

setor elétrico. Ademais, podemos entrever que a percepção de impactos ambientais

relacionados às atividades petroquímicas foi bem anterior se comparada com aqueles

ocasionados pela construção de hidrelétricas.

Dessa maneira, a plena incorporação da noção hegemônica de desenvolvimento sustentável

pode ser encontrada em um anúncio da Copesul – Companhia Petroquímica do Sul, veiculado

no ano de 1993. Disposto em duas páginas, o anúncio apresenta à esquerda a imagem de um

filhote de pássaro que está de pé no ninho. Articulada a essa imagem e significando aspectos

que não estão explícitos, visualizamos, no alto da página, a manchete: “A Copesul comunica

o nascimento de uma nova espécie de empresa”.

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Figura 16 – Anúncio publicado na revista Exame 547 de 22/12/1993, p. 92.

O texto iniciado na página da direita reitera e complementa os sentidos expressos por esse

conjunto e esclarece que essa nova espécie de empresa é constituída por corporações que

integram suas atividades ao meio ambiente. Destarte, percebemos o uso de um discurso que

valoriza a natureza como esfera importante na condução das atividades da indústria

petroquímica. Não obstante, essas formulações são construídas a partir de denominações que

refletem visões dominantes no campo ambiental e reafirmam a conciliação e o aprimoramento

técnico como instrumentos capazes de sanar os problemas ocasionados. Nesse sentido, o texto

diagramado na página da direita apresenta o volume de produção e a geração de impostos,

para em seguida interrelacioná-los com os dispêndios em proteção ambiental: “A geração de

riquezas e o desenvolvimento tecnológico estão avançando a olhos vistos e o mesmo está

acontecendo com os investimentos em cuidados com a natureza”. A partir desse fragmento,

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verificamos uma integração discursiva da natureza que, todavia, ocorre por uma contrapartida

em investimentos financeiros, e não pela absorção de uma mentalidade que interrogue os

modos de produção utilizados pela companhia.

O uso de paisagens naturais é reforçado na página da direita, que apresenta a imagem de uma

lagoa cercada por uma vegetação preservada e tendo ao fundo a chaminé de uma fábrica. Sem

embargo, a utilização dessa paisagem é consubstanciada por uma perspectiva que se apropria

do meio ambiente e o apresenta em consonância com os interesses encampados pela atividade

produtiva. Sobre esse aspecto, as figuras do pássaro no ninho representando o nascimento de

uma nova espécie de empresa, bem como da lagoa e da vegetação em harmonia com a

fábrica, constituem indicativos desse tipo de abordagem. Além disso, a idéia de harmonia e

conciliação sugerida pela segunda imagem é reiterada no texto:

Bem ao lado da fábrica a empresa criou o parque Copesul de Proteção Ambiental com 68 hectares e mais de 1.300 espécies de animais e plantas, que você está convidado a visitar. A criação dessa área não aconteceu por exigência legal. Ela é uma iniciativa da própria Copesul, que acredita no desenvolvimento sustentado e assim consegue ser, cada vez mais, uma nova espécie de empresa.

A partir da análise desse anúncio, percebemos que o discurso publicitário da indústria

petroquímica já está durante a fase 1987-1997, totalmente orientado pelas definições de

harmonia e conciliação entre atividade produtiva e preservação da natureza. Como a

publicidade representa um olhar especifico sobre a natureza e se concatena às visões

dominantes no campo ambiental, entrevemos que, ao absorver essas tensões e disputas, ela

contribui para definir os significados legítimos de sustentabilidade. Nesse sentido, o discurso

publicitário opera uma transformação da imagem do mundo em uma visão de mundo, ao

mesmo tempo que legitima e reforça a aceitação de que o desenvolvimento da atividade

produtiva está em perfeita harmonia com a manutenção da natureza. A assimilação por parte

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do setor petroquímico de noções em disputa no campo ambiental, ocorrida no inicio dos anos

1990, reflete uma reação discursiva contrária à percepção na sociedade de que essa atividade

ocasiona impactos ambientais. Ademais, essas formulações são condizentes com os

posicionamentos da esfera dominante e municiam a indústria petroquímica no ocultamento

dos impactos ambientais e no apagamento de outros sentidos e ou outras sustentabilidades

possíveis (pescadores, comunidades ribeirinhas, catadores de caranguejos e outros).

4.1.2 Produzir em Harmonia com a Natureza: O Discurso do setor Petroquímico

entre 1997e 2002

Durante a fase que compreende o intervalo 1997-2002 ocorre um acirramento desse tipo de

estratégia e as noções de harmonia e conciliação se mantêm na orientação do discurso

distribuído à sociedade. A novidade nesse período é a introdução de um discurso que

apresenta os investimentos em projetos sociais e patrocínios culturais como contrapartida aos

impactos. Por outro lado, nessa fase as noções de essencialidade, onipresença e

democratização do consumo são completamente substituídas pelos atributos consagrados pela

noção de desenvolvimento sustentável. Assim sendo, como os anúncios refletem uma

continuidade discursiva e não apresentam grandes transformações em relação à fase anterior,

optamos pela análise de uma única peça que visa a ilustrar a manutenção dessa estratégia e

ressaltar a introdução de algumas inovações. Esse anúncio da Shell traz a imagem de um

homem captada em close e preenchendo ¾ da página.

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Figura 17 – Anúncio publicado na revista Veja 1749 de 01/05/2002, p. 84.

Em conexão com a imagem temos a manchete: “Para preservar o mar e quem depende dele, a

Shell foi ouvir algumas histórias de pescador”. Referenciados nesse conjunto captamos uma

complementaridade de sentidos, onde a manchete categoriza e agrega informações à imagem

e aponta para um comportamento que sugere uma sintonia entre produção petroquímica, meio

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ambiente e comunidade local. Desse modo, o homem da foto é caracterizado como pescador,

ao mesmo tempo que é denotada a preocupação da empresa em ouvir as histórias dos que

convivem e dependem da natureza. Assim, captamos uma novidade discursiva que atenta para

inserção da comunidade local nos processos de exploração e decisão das indústrias

petroquímicas.

A inserção da comunidade local representa uma novidade no discurso da indústria

petroquímica, que pode ser evidenciada no texto disposto na porção inferior da página: “O

desenvolvimento sustentável sempre fez parte das ações da Shell. Por isso a Divisão de

Exploração e Produção antes de implantar qualquer projeto, consulta agentes como governo,

parceiros, ONGs e comunidades locais para saber suas opiniões e trocar idéias”. Esse

fragmento reafirma o comprometimento com os pressupostos do desenvolvimento sustentável

e sugere uma preocupação com a preservação da natureza. Além disso, o discurso é

complementado pelas noções de parcerias e consulta às comunidades e governos, o que

exprime uma inserção e integração da empresa na sociedade. Dessa maneira, as noções de

parceria e de consulta à população representam mais uma assertiva encapsulada no interior do

campo ambiental e objetiva fazer transparecer as possibilidades de integração

empresa/comunidade.

Os conflitos existentes entre populações em áreas de exploração de recursos naturais e

corporações que extraem essas riquezas são caracterizados pelo anúncio como passíveis de

uma solução conciliada: “Dialogar significa envolver esses agentes nas ações da Companhia.

Isso é o que vem acontecendo nas atividades de exploração nos blocos onde a Shell vem

operando”. Todavia, essa conciliação é alicerçada em uma fé irrestrita no diálogo, significado

aqui como satisfatório para dirimir embates entre interesses conflitantes. Ademais, não são

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somente interesses em conflito, mas, sobretudo, valores e visões de mundo em constante

digladio, de um lado, as corporações com uma racionalidade econômica pautada pelo lucro, e,

de outro, as comunidades locais orientadas por uma racionalidade da manutenção que

objetiva sua reprodução social. De todo modo, como a maioria das pessoas não experiencia

fenomenologicamente essa relação entre lógicas conflitantes, esse discurso consegue fazer

crer que as empresas estão em perfeita harmonia com a natureza e com as comunidades

locais.

Destarte, o texto iniciado do lado direito da página corrobora esses sentidos ao afirmar que:

“O primeiro passo é a identificação das expectativas. Depois vem o diálogo propriamente dito

e a implementação das ações. Assim nasceu uma iniciativa que representa o inicio de uma

maior interação entre exploração de petróleo e a atividade de pesca”. Enquanto no discurso do

setor elétrico a construção de hidrelétricas propicia melhores condições de vida para a

população relocada, na indústria petroquímica, onde os deslocamentos compulsórios são

menos freqüentes, essas atividades estão em perfeita interação com os anseios das

comunidades do entorno. Não obstante, em ambos os casos, a inserção dessas comunidades é

utilizada para justificar a implantação dos empreendimentos e denotar uma preocupação com

o benefício e a manutenção dos moradores. Nesse sentido, a conciliação entre atividade

produtiva e preservação da natureza é estendida às comunidades, o que representa uma

reafirmação das noções dominantes no campo ambiental calcadas no tripé harmônico:

homem, natureza e produção. A esse respeito, notamos uma absorção por parte do discurso

publicitário de noções hegemônicas no campo ambiental e seu emprego na justificação de

atividades potencialmente impactantes.

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Por outro lado, o atributo de verdade que a publicidade ambiciona manifestar pode ser

constatado no trecho que finaliza o anúncio: “Esse diálogo vem mostrando cada vez mais sua

eficiência e por isso já vem servindo de referência para outras empresas. E pode ter certeza,

isso não é história de pescador”. Esse fragmento conecta-se à imagem e a manchete do

anúncio e apresenta o comportamento da empresa como verdade diferenciando-a da acepção

presente no imaginário coletivo de que histórias de pescador são sempre mentirosas e

inventadas.

Os anúncios veiculados pelo setor petroquímico no intervalo dessas duas décadas nos

permitem constatar a existência de uma transição discursiva. Da essencialidade dos produtos

como justificativa aos possíveis impactos, passamos à assimilação da noção de

desenvolvimento sustentável e à pressuposta harmonia entre natureza, comunidades e

produção. Ao contrário do setor elétrico, onde a importância atribuída à temática ambiental é

mais tardia, no discurso da indústria petroquímica isso ocorre, mesmo que de forma estiolada,

ainda na primeira fase. Além disso, a absorção da idéia de desenvolvimento sustentável e a

utilização de noções hegemônicas no campo ambiental já integram o discurso da

petroquímica desde o início dos anos 1990, enquanto que no setor elétrico isso somente

ocorrerá no principio da década seguinte. Conjeturamos que a visibilidade e percepção dos

impactos ocasionados pela petroquímica associadas à adequação às novas exigências de

mercado demandaram uma reação mais breve, o que pode ser evidenciado a partir da análise

dos anúncios da fase ofensiva, onde existe um questionamento da relação petroquímica =

impacto ambiental.

Assim sendo, estabelecidas as características que nortearam o discurso publicitário do setor

petroquímico, enfatizaremos na seção seguinte a análise da publicidade da indústria química e

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suas interconexões com os setores elétrico e petroquímico. Desse modo, intentamos alcançar

um panorama das significações que o discurso publicitário constrói acerca dos segmentos

produtivos e da natureza, em sua tentativa de justificar a operação dos empreendimentos e

ocultar as modificações no meio ambiente.

4.2 Reconhecimento dos Impactos e Reação Discursiva: A Publicidade da

Indústria Química

O discurso publicitário da indústria química atenta, desde o inicio do período analisado, para

a importância de articular uma preocupação, ainda que retórica, com a preservação da

natureza. Nesse sentido, a percepção mais imediata dos impactos ambientais relacionados às

atividades desse segmento, principalmente poluição atmosférica e contaminação de rios e

solos, pode ser apontada como uma das razões que ocasionaram uma rápida reação discursiva

da indústria química.80 Assim sendo, podemos indicar que a ausência de tratamento dos

efluentes, contaminação dos cursos de água, produção de lixo tóxico, bem como o registro de

altos índices de poluição atmosférica, contribuíram para que a opinião pública formulasse

uma imagem negativa do setor químico e a vinculasse a destruição e degradação do meio

ambiente.

80 A associação entre poluição e indústria química era imediata durante os anos 1980. Exemplo disso é que a cidade de Cubatão/SP, onde existia um grande número de empresas desse setor, foi considerada durante essa época como a capital mundial da poluição. A revista Exame de julho de 1991 traz um histórico dos grandes acidentes ocorridos: 1) Em 1984, um vazamento de 700.000 litros de gasolina de dutos da Petrobrás matou noventa pessoas e feriu outros duzentos moradores da vila de Socó, em Cubatão, 2) Em 1985, uma nuvem de gás amônia provocou a evacuação da favela Vila Paris, e 3) Um estudo da Universidade de São Paulo constatou que entre os anos 1982-85 quase 9.000 crianças nasceram sem cérebro em Cubatão, vítimas dos autos índices de poluição atmosférica.

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Entretanto, a despeito dessa abordagem que concebe a importância da conservação do meio

ambiente, o discurso da indústria química pode ser subdividido em três partes que

contemplam diferentes estratégias:

1) Uso de um tom catastrófico que apresenta a indústria química como solução à

degradação ambiental e desvincula esse segmento da geração de impactos.

2) Estabelecimento de vínculos entre a ocorrência de impactos ambientais e às atividades

da indústria química, tendo o aprimoramento técnico como saída.

3) Apresentação da possibilidade de convivência harmoniosa entre produção química e

manutenção da natureza.

Dessa maneira, podemos notar que a primeira estratégia espelha os indicativos catastróficos

do Clube de Roma, enquanto que as duas restantes assimilam os preceitos do Relatório

Brundtland e do desenvolvimento sustentável. Embora contemple essa subdivisão, o discurso

veiculado é bastante uniforme e abarca os seguintes argumentos: controle da poluição

atmosférica, tratamento de efluentes, harmonia produção química e preservação da natureza,

convivência entre natureza e ciência, aprimoramento técnico da produção e investimentos em

proteção ambiental. Ademais, realça a importância do segmento para a manutenção da vida

em sociedade e destaca sua aplicação nas seguintes esferas: garantia da alimentação através

do controle de pragas na agricultura, melhores condições de saúde propiciadas pela fabricação

de medicamentos e produção de vestuário por meio de fios sintéticos. No tocante à escolha de

imagens, percebemos o uso de crianças, convívio entre pais e filhos e paisagens naturais (rios,

lagos, florestas, pássaros, montanhas, lavouras, mares, peixes).

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Diferentemente do setor elétrico e petroquímico onde ocorre uma apresentação das

hidrelétricas e dos complexos produtores, aqui verificamos a completa ausência desse tipo de

estratégia e a opção por imagens que não evocam qualquer associação com as atividades

desenvolvidas pela indústria química. Nesse sentido, podemos conjeturar que o discurso

publicitário dos setores elétrico e petroquímico utiliza essas figurações por inexistir durante

um período a vinculação entre impactos ambientais e a execução de suas atividades

produtivas. Todavia, como na indústria química a percepção dos impactos é mais imediata,

torna-se necessário o uso de imagens que ocultem as modificações na natureza e apresentem

uma outra realidade ao receptor.

Como sugerido anteriormente, durante os primeiros anos do intervalo analisado o discurso

publicitário da indústria química oculta a ocorrência de impactos sociais e ambientais e possui

traços que remetem às discussões contidas no Relatório Meadows ou Limites do Crescimento.

Desse modo, um anúncio da Hoechst Química S/A apresenta, ocupando a metade superior da

página, a imagem de três crianças vestidas de branco e sentadas debaixo de um guarda-chuva,

em um ambiente onde não está chovendo. O uso de imagens de crianças procura denotar uma

preocupação do setor com a sobrevivência das gerações futuras em um contexto de eminente

degradação do meio ambiente.

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Figura 18 – Anúncio publicado na revista Veja 741 de 17/11/1982, p. 86.

Em sintonia com esses pressupostos a manchete disposta logo abaixo da figura indaga: “Qual

será a qualidade de vida das nossas crianças no ano 2000?”. A partir desse conjunto,

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sugestiona-se a idéia de que a manutenção dos padrões de exploração da natureza pode

ocasionar uma alteração na qualidade de vida dos povos, nesse contexto será necessário se

proteger não apenas da chuva, mas, sobretudo, de outras intempéries mais severas. Não

obstante, esse alarde fica mais evidente no texto iniciado na metade inferior da página:

As nossas crianças têm toda a vida pela frente, e, no ano 2000, estarão vivendo seus melhores anos. Mas serão realmente seus melhores anos? Será que elas terão alimentos o suficiente, quando a terra for povoada por 6 bilhões de pessoas? Que precisarão ter medo das doenças que ainda não sabemos curar? Que só conhecerão árvores verdejantes e rios limpos através de livros?

Esse fragmento qualifica a imagem e complementa a manchete, ao mesmo tempo que absorve

discussões presentes no Relatório Meadows: crescimento geométrico da população e

conseqüente insuficiência de alimentos, limitação dos recursos naturais com aumento da

poluição e contaminação do meio ambiente. Do mesmo modo, aponta para um futuro sombrio

caso se mantenham os níveis de exploração do meio ambiente, destacando a incerteza em

relação ao porvir e o comprometimento das gerações futuras. Todavia, em contraposição a

isso, apresenta as medidas adotadas pela indústria química no sentido de impedir a ocorrência

desse cenário e possibilitar uma vida mais tranqüila e adequada:

Todos nós somos responsáveis para que a vida das nossas crianças, no mundo de amanhã, ainda seja digna de ser vivida. Pesquisadores da Hoechst trabalham em todas as partes do mundo sobre os grandes problemas do nosso tempo. Eles procuram medicamentos mais eficazes, desenvolvem produtos e métodos para aumentar a produção de alimentos, pesquisam novas fontes de energia, ajudam a proteger o meio ambiente.

Sobre esse aspecto, verificamos uma relação de oposição com o restante do texto e o uso de

argumentos espelhados nas premissas de uma modificação no modelo de crescimento e na

conseqüente incorporação de balizadores ecológicos. Assim, o discurso da indústria química

sugere essa mudança de rota como condição para as novas gerações satisfazerem suas

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necessidades básicas e exercerem seu potencial humano (ambas assertivas que integram os

postulados do relatório Limites do Crescimento). Por outro lado, concebe-se o aprimoramento

técnico e os investimentos em pesquisa como necessários para a realização desses objetivos.

Ao contrário do setor elétrico e petroquímico, cuja publicidade não incorpora essas discussões

do Relatório Meadows, na indústria química verificamos sua absorção em virtude da

necessidade de uma ofensiva mais imediata contra a imagem de malfeitores do meio

ambiente. Porém, como se pode notar, isso ocorre a partir de um discurso que (re)apresenta o

segmento como imprescindível à existência humana. Além disso, esse anúncio exprime uma

lógica que associa a indústria química ao benefício da humanidade, o que pode ser

evidenciado no slogan disposto na porção direita da página: “Hoechst, química a serviço da

vida”.

A existência de modificações na natureza está subjacente ao discurso, entretanto, não é

vinculada às atividades do setor. A publicidade desse primeiro momento tem como estratégia

primordial desvincular a imagem dessas indústrias dos danos causados à natureza, tais como:

contaminação de rios e solos, poluição atmosférica e produção de rejeitos tóxicos. Sem

embargo, em um segundo momento o discurso publicitário passa a conceber os impactos

como oriundos da operação da indústria química e a apresentar o aprimoramento técnico e os

investimentos em proteção ambiental como condições para a continuidade das atividades.

Nesse sentido, dois anúncios são elucidativos da insurgência dessa nova abordagem: um da

Hoechst Química S/A e outro da Carbocloro S/A. O primeiro traz, preenchendo a metade

superior da página, a imagem de três crianças observando um peixe que está dentro de um

aquário.

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Figura 19 – Anúncio publicado na revista Exame 286 de 05/10/1983, p. 24.

Abaixo dessa imagem e como transição para o texto diagramado na metade inferior da página

temos a manchete: “Sem água limpa os quatro não podem viver”. O uso da imagem de

crianças reitera o fato de que a contaminação das águas pode comprometer o desenrolar

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normal da vida e impedir que elas alcancem a fase adulta. Assim, o texto iniciado na porção

inferior da página significa a imagem e complementa a manchete, ao mesmo tempo que

apresenta a água como imprescindível à sobrevivência das espécies e descreve a

contaminação como associada às atividades do setor químico:

A poluição de rios e lagos hoje é uma realidade, infelizmente. E todos nós temos uma parcela de culpa. Sabemos que uma economia eficaz é fundamental para garantir uma vida com um bom padrão de qualidade. Entretanto, a água pura é vital para nossa sobrevivência, tanto agora como no futuro. Os pesquisadores da Hoechst trabalham para melhorar o meio ambiente. Sempre com o objetivo de que nossos filhos não paguem um preço demasiadamente alto pelas conquistas do progresso.

Embora exista uma aceitação de que a indústria química ocasiona impactos ao meio ambiente,

isso ocorre a partir de um discurso que acentua o compartilhamento de responsabilidades e

enquadra homens e mulheres como colaboradores dessa deterioração. Assim sendo, se

encobre uma dessemelhança entre os volumes de contribuição e a conseqüente variação nos

níveis de responsabilidade, além, é claro, de se promover uma imagem-ilusão de que a

indústria química está afinada à importância da natureza, bem como preocupada com o futuro

da humanidade. Dessa forma, o setor químico é significado como condição para preservação

do meio ambiente e como garantia de um futuro melhor para as novas gerações.

De todo modo, o erigir dessa representação que concebe os impactos ambientais como

oriundos do setor químico é acompanhado pela sugestão de medidas de aprimoramento

técnico que objetivam evitar a ocorrência dos danos. Desse modo, o discurso publicitário

assimila a concordância com o fato de que as atividades da indústria química ocasionam

impactos ao meio ambiente, ao mesmo tempo que sugestiona uma adequação que permite a

continuidade das operações sem prejuízos à natureza:

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A Hoechst pesquisa meios de produção que não prejudiquem o meio ambiente. Projeta biorreatores de grande envergadura, que procedem à limpeza de águas residuais. Dos subprodutos inevitáveis são retiradas valiosas matérias-primas que, recicladas, podem voltar ao processo de produção. E mais: nossos técnicos, com amplos conhecimentos de tratamento de efluentes, prestam assessoria a institutos e órgãos especializados na proteção ao meio ambiente. Tudo para assegurar às crianças um futuro promissor.

Podemos notar que o aprimoramento técnico é descrito como condição para uma melhoria

nos processos produtivos e como necessário à qualidade de vida da população. O tratamento

de efluentes, a utilização de filtros contra poluição, a limpeza de águas e a reciclagem de

rejeitos constituem marcas discursivas que norteiam a formulação da publicidade da indústria

química durante todo o período analisado.

Exemplo disso é o anúncio da Carbocloro S/A que apresenta os investimentos em proteção

ambiental como indicativos de uma mudança de atitude e garantia da convivência entre

natureza e produção química.

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Figura 20- Anúncio publicado na revista Exame 309 de 05/09/1984, p. 06.

Essa peça traz a imagem de um beija-flor ocupando a porção superior da página, tendo abaixo

a manchete “Se todos fossem iguais a você”, e acima, no canto esquerdo, a legenda: “Foto

realizada nos jardins da Carbocloro em Cubatão, no dia 24 de maio de 1984, às 11:18h.” Esse

conjunto nos possibilita entrever a existência de uma simbiose entre o setor químico e a

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proteção da natureza, ao mesmo tempo que se qualifica uma diferenciação do anunciante no

tratamento dessa questão. Além disso, a manchete do anúncio (que se apropria de uma canção

presente no imaginário coletivo) pode ser relacionada a uma exaltação do beija-flor e a uma

singularização do comportamento ambientalmente responsável da empresa.

Embora reconheça subliminarmente que a atuação da indústria química ocasiona impactos

ambientais, esse anúncio sugere uma alteração de foco e o enquadramento em uma nova

ordem, na qual impera a harmonia entre natureza e produção. Sobre esse aspecto, o texto

iniciado na porção inferior da página qualifica essa mudança e apregoa os investimentos em

aprimoramento técnico e em equipamentos de proteção ao meio ambiente:

O que você faria com 10 milhões de dólares, se fosse um industrial do setor químico? É claro que você faria o mesmo que a Carbocloro fez: implantaria o mais sofisticado sistema de proteção ao meio ambiente. Tão avançado que supera os mais rígidos padrões de controle dos níveis de poluição exigidos peça legislação nacional e internacional. A Carbocloro tem consciência de que você também tem consciência. E também está comprometido com sua comunidade e com a sociedade como um todo.

A partir da análise desse trecho, compreendemos que o discurso publicitário se vale da

menção aos dispêndios financeiros para indicar a precedência dos gastos com proteção

ambiental sobre o incremento da produção. Desse modo, percebemos o uso de um discurso

que expõe o aprimoramento técnico como necessário à adequação da indústria química e

como condição para o exercício das atividades. Assim sendo, em um cenário onde a

preservação da natureza se ergue como valor, os investimentos financeiros e o aprimoramento

técnico representam os mecanismos que afiançam o comprometimento da indústria com a

proteção do meio ambiente. Não obstante, a absorção desse discurso marca, de um lado, o

reconhecimento de que essas atividades ocasionam danos à natureza, e, de outro, a

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manutenção dos níveis de produção, em virtude da possibilidade de adequação a um novo

comportamento.

Esses dois anúncios apresentam o aprimoramento técnico e o uso de equipamentos de proteção

como resposta às pressões exercidas contra o setor químico, bem como destacam o advento de

um novo tipo de relação com a natureza. Entretanto, mantém-se um discurso que visa a

perpetuar o modelo de exploração capitalista do meio ambiente e suavizar a existência de

impactos ambientais e sociais. A novidade é que o tom catastrófico da fase inicial, que

significava a indústria química como solução, cede lugar ao gerenciamento racional e técnico

dos impactos. Sem embargo, inexistem ainda menções explícitas à possibilidade de harmonia

entre produção química e manutenção da natureza, o que ocorre nos anúncios veiculados a

partir de 1987, quando temos a incorporação dos preceitos do Relatório Brundtland associada à

consagração discursiva do aprimoramento técnico.

Nesse novo cenário, o emprego de equipamentos de proteção ambiental passa a representar a

possibilidade de convivência harmônica entre indústrias químicas e preservação da natureza.

Como podemos notar nos anúncios a seguir, o discurso publicitário se vale das noções de

conciliação, compatibilidade, harmonia, associação, convivência e outras mais, para justificar a

manutenção dos níveis de produção:

1) Progresso e natureza parecem incompatíveis? Pois é isso que a Hoechst do Brasil vem fazendo [...] ela sentiu que alguém precisava tomar a dianteira e dar um passo decisivo no sentido de associar a proteção ambiental ao avanço da economia.81 2) A preocupação da Carbocloro com o meio ambiente é natural numa indústria que produz cloro, soda e derivados [...]. Porque, onde existe

81 Anúncio da Hoechst Química S/A, publicado na revista Veja 977, de 27/05/1987 – página 01.

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segurança e respeito ao meio ambiente, é possível existir a perfeita convivência entre a química e a natureza.82 3) [...] Por outro lado, a questão do meio ambiente é uma das prioridades da Akzo. Além de todos os cuidados que são tomados em cada unidade, a Akzo está sempre pesquisando em busca de soluções que compatibilizem produção e ecologia. 83

Com base nesses fragmentos, e tendo em vista que são essas as estratégias discursivas

utilizadas pela industria química no final dos anos 1980 e início de 1990, podemos conjeturar

que, diferentemente do setor elétrico e petroquímico, existe aqui uma assimilação instantânea

das terminologias e definições que estão presentes no Relatório Brundtland. Nesse sentido, o

discurso publicitário do setor químico, dada a necessidade de formular uma imagem de

adequação ambiental capaz de minar a percepção coletiva de segmento poluidor e impactante,

incorpora de imediato as noções de compatibilidade e harmonia. Todavia, isso é utilizado

(como nos outros segmentos) para obscurecer os possíveis impactos e criar uma imagem de

setor ambientalmente responsável e preocupado com as futuras gerações.

O discurso da garantia das necessidades do presente sem o comprometimento das gerações

futuras constitui uma das preocupações centrais do Relatório Brundtland e visa reconciliar o

abismo existente entre degradação ambiental e produção econômica. Podemos notar

indicativos dessa preocupação e a assimilação discursiva desse preceito em um anúncio da

Salgema Indústrias Químicas S/A. Essa peça dispõe, ocupando a metade superior da página, o

desenho de um beija-flor no exato momento em que suga o néctar de uma flor.

82 Anúncio da Carbocloro S/A, publicado na revista Exame ano 20, número 23, de 16/11/1988 – página 09. 83 Anúncio da Akzo Indústrias Químicas, publicado na revista Exame 493, de 27/11/1991 – página 01.

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Figura 21 – Anúncio publicado na revista Exame Maiores e Melhores, setembro de 1987, p. 282.

O fundo da figura é constituído por contornos de chaminés similares as de um complexo

produtivo da indústria química ou petroquímica. Assim, a análise dessas imagens sobrepostas

nos possibilita vislumbrar a idéia de uma justaposição entre natureza e produção. Sobre esse

aspecto, o anúncio demarca as possibilidades de conciliação que norteiam os postulados do

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Relatório Brundtland. Por outro lado, a escolha do desenho está sintonizada com a manchete

do anúncio que indaga: “Vovô, o que é um beija-flor?”. Dessa maneira, denota-se o fato de que

no futuro as crianças somente conhecerão beija-flores através de desenhos, uma vez que

fotografá-los será uma tarefa bem difícil. Essa composição manchete/imagem não suscita

novas inferências; contudo, o texto iniciado na porção inferior da página qualifica a manchete

e instala uma conexão com o desenho:

Preservar a natureza é, acima de tudo, olhar para o amanhã. É oferecer às futuras gerações um patrimônio insuperável. É garantir a manutenção da própria vida. A consciência dessa realidade está presente em todas as ações que a Salgema Industrias Químicas S/A vem desenvolvendo no Estado de Alagoas.

Compreendemos que os argumentos utilizados nesse anúncio espelham traços do Relatório

Brundtland em duas direções: de um lado, o desenho do beija-flor tendo ao fundo os

contornos de um complexo industrial sugere a existência de compatibilidade entre produção

química e manutenção da natureza, e, de outro, o texto destaca a preservação do meio

ambiente como forma de garantir a sobrevivência das gerações futuras. Dessa maneira,

verificamos que o discurso publicitário da indústria química passa a fundamentar sua atuação

a partir da noção de consenso e harmonia com a natureza. Como a retórica da preocupação

ambiental outrora representada pela adoção de medidas técnicas ainda mantinha o abismo

entre produção e preservação, o discurso passa a reiterar essa possibilidade de controle e a

associá-la com uma perfeita convivência entre progresso e meio ambiente. Desta forma,

notamos a inserção no discurso publicitário de medidas compensatórias, que objetivam

difundir uma adequação ambiental da indústria química, bem como uma provável

convivência com a natureza:

Numa área de 1 milhão e meio de metros quadrados em torno do complexo industrial, a Salgema está implantando um Cinturão Verde com 5 mil

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árvores que vão promover a recomposição paisagística da Restinga do Pontal, em Maceió. Criou uma área especialmente dedicada às atividades de meio ambiente e ainda vem adotando novas tecnologias capazes de oferecer elevado grau de segurança operacional.

O exame desse fragmento nos possibilita identificar a utilização de definições hegemônicas

no interior do campo ambiental tais como: mitigação de impactos, compensação ambiental,

aprimoramento técnico, compatibilidade produção e conservação e continuidade da

exploração. Nesse sentido, compreendemos que o discurso da indústria química absorve essas

terminologias em disputa no campo e as emprega como justificativa para a manutenção de um

modelo produtivo altamente degradante. Além disso, é possível observar que, quando

comparamos o discurso do setor elétrico e petroquímico com o da indústria química,

verificamos que esse último realiza uma incorporação bem mais precoce dessas noções

hegemônicas no campo. Enquanto no discurso do setor elétrico e petroquímico a incorporação

completa dos preceitos do Relatório Brundtland ocorre respectivamente em 2000 e 1993, na

indústria química já notamos em 1987 a utilização maciça desses argumentos. Exemplo claro

disso é esse anúncio da Salgema Química, que descreve ao final a realização de um concurso

de redação e reafirma esses preceitos:

Os esforços que a Salgema vem desenvolvendo na área de proteção ambiental serviram de tema para um concurso de redação [...]. A redação vitoriosa [...] prega a harmonia que deve existir entre o progresso e o meio ambiente de modo que ‘não nos envergonhemos dos nossos netos quando eles perguntarem, por exemplo: Vovô, o que é um beija-flor?’ A Salgema está semeando hoje milhares de beija-flores.

A harmonia e conciliação entre produção química e preservação do meio ambiente passa a

nortear todo o discurso publicitário do setor químico e se edifica como pilar central da

publicidade veiculada a partir de 1987. A idéia de desenvolvimento sustentável, hegemônica

no campo ambiental, que congrega as noções de mitigação de impactos, respeito às gerações

futuras, equilíbrio produção e preservação, diálogo com as comunidades, adequação técnica da

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produção e outras, passa a vigorar como oculta-dor dos impactos ambientais e sociais gerados

pela indústria química. Assim sendo, a possibilidade de convivência harmônica com a natureza

invisibiliza e recobre as modificações ocorridas na paisagem e nas relações sociais, bem como

justifica a manutenção e continuidade das atividades do setor químico. De todo modo, a

perpetuação dessa estratégia pode ser evidenciada em dois anúncios um da Hoechst e outro da

Basf, veiculados respectivamente nos anos de 1990 e 2001. Embora mais de uma década

separe a primeira da segunda publicação, podemos perceber a continuidade de um discurso que

estabelece uma consonância entre produção química e preservação da natureza.

O primeiro anúncio disposto em duas páginas apresenta a imagem de um peixe dentro da água,

ocupando ¾ das páginas. Acima temos a manchete: “O que vale mais? O ouro ou o dourado?”.

Essa frase qualifica o peixe e nos incita duas questões: o que vale mais, a exploração do ouro

ou a preservação do peixe? Ao explorar o ouro comprometemos a sobrevivência e manutenção

dessa espécie? O texto iniciado na porção inferior da página complementa o conjunto

imagem/manchete e desfaz essa incongruência, ao afirmar que: “O equilíbrio vale mais do que

tudo. Consumir e ao mesmo tempo preservar essa é a grande preocupação do homem. A

resposta para isso está na pesquisa”.

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Figura 22 – Anúncio publicado na revista Veja 1114 de 24/01/1990, p. 01.

A análise dessa composição nos permite vislumbrar uma perfeita convivência entre exploração

do ouro e preservação dos peixes, ao mesmo tempo que revela diretrizes hegemônicas da

noção de desenvolvimento sustentável: equilíbrio consumo e preservação, mediação técnica e

preocupação com a natureza.

Esse mesmo argumento está subjacente no anúncio da Basf. Disposto em duas páginas,

apresenta no centro de ambas a imagem de um senhor e um rapaz jovem segurando a muda de

uma planta. Acima dessa imagem temos a manchete: “Basf: A química da vida é mais do que

boas colheitas”.

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Figura 23 – Anúncio publicado nas revistas Exame 742 de 17/06/2001, p. 39 e Veja 1721 de 10/10/2001, p. 66.

A partir dessa junção, nos é possível entrever o uso de significações dúbias: de um lado, a

química possibilita o desenrolar da vida, e, de outro, a produção propriamente dita da indústria.

Além disso, sugestiona-se a idéia de que a aplicação da química representa mais que boas

colheitas, sendo o perpetuar das gerações e a possibilidade de harmonia do homem com o meio

ambiente. Sobre esse aspecto, o texto iniciado na porção direita da página é emblemático:

“Quando as coisas na vida se tornam mais bonitas, mais verdes, mais deliciosas, preste

atenção: há produtos para a agricultura BASF por perto. Eles são desenvolvidos de elementos

encontrados na própria natureza”. Assim, constatamos, nesse trecho, como evidenciado no

anúncio anterior, os traços de um equilíbrio harmônico entre produção e ou aplicação de

agrotóxicos e preservação da natureza.

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Em ambas as peças a harmonia natureza/produção é possibilitada pelo apuro técnico. A frase

do primeiro anúncio “a resposta para isso está na pesquisa” e do segundo “eles são

desenvolvidos de produtos encontrados na própria natureza”, denotam a apropriação que o

discurso publicitário realiza dos preceitos técnicos hegemônicos no interior do campo

ambiental. Destarte, o controle dos impactos e o equilíbrio com a natureza são respostas às

limitações de ordem técnica, que outrora eram identificadas como barreiras à exploração da

biosfera e conseqüentemente ao crescimento econômico. Como estabelece a clássica definição,

o desenvolvimento sustentável não possui limites absolutos, mas limitações impostas pelo

estágio atual da tecnologia e da organização social, mas tanto a tecnologia quanto a

organização social podem ser geridas e aprimoradas (BRUNDTLAND & KHALID, 1991).

Assim sendo, ao apresentar o equacionamento dessas limitações através do apuro tecnológico,

o discurso publicitário se vale de noções hegemônicas no campo ambiental, para obscurecer a

ocorrência de modificações na natureza e legitimar a continuidade das atividades da indústria

química. Além disso, o avanço tecnológico possibilita, no primeiro anúncio “extrair e

beneficiar o minério de ouro em escala industrial sem extrair a vida das águas [...]” e, no

segundo, “para agricultura [...] significa novos negócios, melhores produtos e maior

rentabilidade. Para o consumidor alimentos mais saudáveis. Para a natureza proteção e

segurança”. Dessa maneira, elabora-se uma imagem da indústria química que alia

desenvolvimento tecnológico ao respeito à natureza e combina a realização dos negócios com

os interesses da comunidade.

Esse discurso da perfeita convivência presente em ambos os anúncios permite-nos constatar

que a assimilação da idéia hegemônica de desenvolvimento sustentável se estabelece, a partir

de 1987, como norteador da publicidade da indústria química. A paulatina absorção verificada

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nos setores elétrico e petroquímico é substituída aqui pela incorporação quase imediata desses

preceitos. Não obstante, isso ocorre como resposta à percepção coletiva de que a indústria

química constitui um segmento produtivo altamente impactante, um traço que é agudizado por

anos de poluição atmosférica, contaminação de rios e lagos, produção de lixo tóxico e outras

mazelas. De todo modo, o discurso publicitário desses três segmentos reforça a racionalidade

tecno-científica como saída à ocorrência de impactos ambientais e sociais e como manutenção

do modelo de produção. Além disso, reifica noções hegemônicas no campo ambiental

empregando-as na justificação de atividades degradadoras da natureza. Nesse sentido, a

publicidade não só constrói uma imagem de adequação para esses segmentos, como possibilita

uma melhor aceitação dos impactos ocasionados e reforça o discurso hegemônico no campo

ambiental.

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5) Reflexões à guisa de Conclusão

A partir dos embates que integram o campo ambiental reunimos algumas das definições

utilizadas pelo discurso publicitário na composição de uma imagem positiva das empresas

degradadoras do meio ambiente. Percebemos que a construção de um imaginário social acerca

da atuação desses setores atrela-se a uma economia de mercado e reafirma as possibilidades de

um controle técnico da natureza. Assim, o processo de institucionalização da temática

ambiental representa a consolidação dos imperativos (outrora defendidos pelos intelectuais

racionalistas) da eficiência como gestora do modelo de exploração vigente. Verificamos que o

discurso publicitário dos três segmentos pesquisados apregoa a permanência de um desfrute dos

recursos naturais. Contudo, isso passa a ser mediado por uma visão que incorpora retoricamente

a importância de uma certa concepção de natureza, bem como apresenta os mecanismos

capazes de manter a exploração do espaço natural.

Nesse contexto, constrói-se um ambiente passível de modificações e se desconsidera a

existência de outros usos e atribuições sobre os territórios. Da mesma forma, arquiteta-se uma

idéia de desenvolvimento na qual o significado de natureza é remodelado e resignificado.

Sendo assim, a publicidade representa um dos indicativos de que a questão ambiental tem

logrado atingir consciências e alcançado uma importância política. Sem embargo, permanece

distante dos meandros que determinam os rumos da economia e acaba incorporada

unicamente como indício de uma adequação dos setores produtivos. A natureza permanece

sendo o espaço da geração de riquezas, porém a doxa do campo ambiental passa a realizar

uma ambientalização dos empreendimentos degradadores tornando-os compatíveis com o

meio ambiente.

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A partir da interpretação dos anúncios, compreendemos que a célebre frase atribuída a

Maquiavel governar é fazer crer, pode ser adaptada e assumir a forma do preservar é fazer

crer. 84 Dessa maneira, constatamos que o discurso publicitário formula artifícios simbólicos

capazes de se imiscuírem na criação de uma imagem-ilusão que vincula exploração do meio

ambiente ao comprometimento dos segmentos produtivos com a preservação da natureza.

Nesse cenário, o espaço natural é significado como locus da atividade produtiva por

intermédio de um discurso que oculta seu esgotamento e realça as possibilidades de

progresso, desenvolvimento e crescimento econômico. A idéia do desfrute incondicional,

outrora vigente, transmuta-se e dá origem a um processo de exploração da natureza calcado

nas premissas do tecnicamente viável. Não obstante, a novidade é que esse procedimento se

encontra revestido por modernos mecanismos simbólicos que dão legitimidade à exploração

capitalista da natureza e mantêm os mesmos ou até maiores níveis de degradação ambiental.

84 Artigo do então presidente da Du Pont (multinacional da indústria química) para o Brasil e América do Sul, publicado na revista Exame em 21/07/1993, incorpora essa tendência e apregoa: “Não importa se acreditamos que operamos com uma performance razoável, o que importa é se a opinião publica nos percebe como seguros quando o assunto é meio ambiente. O nosso desafio é incorporar a ética ambientalista. Devemos enxergar a natureza como algo maior do que somente uma fonte de suprimentos de matérias-primas ou um local de depósito de rejeitos. As indústrias devem investir na redução do impacto ambiental de suas operações e na correção dos problemas que possam existir. Ampliando a capacidade de produção sem impactar o meio ambiente e reciclando quando possível, a indústria estará aumentando suas oportunidades de mercado”. A partir desse trecho, percebemos que, apesar de uma tentativa de valorização da temática ambiental, mantêm-se os arraigados pressupostos de uma racionalidade econômica que busca uma melhor percepção na opinião pública.

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O intuito primordial dos anúncios é demonstrar que as relações entre progresso econômico e

meio ambiente não são inexoravelmente excludentes. Para tanto, incorporam a dimensão

ambiental apenas como vantagem competitiva e enfatizam uma noção de oportunidade

empresarial atrelada aos pressupostos da racionalidade econômica. Sendo assim, promovem

uma apropriação discursiva de valores e conceitos fortemente destacados no campo

ambiental, objetivando construir uma imagem-quimérica de que as empresas abandonaram

um comportamento predatório e aderiram à causa preservacionista e ambientalista.

Ao se orientar por essas formulações, o discurso publicitário obscurece a existência de custos

ambientais, ao mesmo tempo que legitima uma apropriação desigual dos recursos

disponíveis. Além disso, possibilita a solvência da contradição existente entre

desenvolvimento econômico e conservação da natureza, ao empregar um aparato discursivo

que, de um lado, artificializa e tecnifica o meio ambiente, e, de outro, circula um ideário que

perpetua e legitima o ritmo de exploração. Por outro lado, torna-se evidente que essas

reconciliações somente são factíveis por serem patrocinadas por um olhar hegemônico que

obscurece a existência de outras esferas valorativas e de outros olhares possíveis.

Constatamos que os anúncios circulam visões acerca da natureza que invisibilizam a

existência de impactos sociais e ambientais, bem como obscurecem as modificações na

paisagem. Assim, ao afirmar os preceitos hegemônicos no campo ambiental, a publicidade

opera um silenciamento dos modos de vida comprometidos pela instalação dos

empreendimentos e forja sistematicamente as representações distribuídas ao imaginário

social, que por sua vez auxiliam na composição dos olhares através do quais os indivíduos

contrastam a implantação de uma hidrelétrica ou de um complexo petroquímico. Desse modo,

apreendemos que a existência de posições em disputa no campo ambiental se reflete na

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formulação da publicidade distribuída ao imaginário coletivo. Não obstante, como o discurso

é patrocinado por uma visão dominante, é natural que reafirme e busque adesão às suas

posições. Assim sendo, o discurso publicitário se apropria da temática ambiental e a

apresenta revestida de novos significados que mantêm o modus operandi da produção e do

consumo.

Os anúncios procuram re-velar à opinião publica que a exploração capitalista das riquezas

naturais, outrora refém das deficiências técnicas, está agora em perfeita harmonia com o meio

ambiente. Para tanto, o discurso publicitário se apropria de noções em disputa no campo

ambiental, consagra os pressuposto de uma racionalidade econômico-instrumental e apaga

outros modos de vida e outras representações acerca da natureza. Dessa forma, contribui para

o estabelecimento de critérios sobre o que é sustentabilidade, impacto ambiental, populações

atingidas e outros, ao mesmo tempo que recodifica a natureza em termos econômicos e em

valores de mercado.

Sendo assim, a publicidade mina a incongruência reinante entre o paradigma da

sustentabilidade social e o da exploração ambiental, recorrendo à construção de estratégias

que subsumem a natureza na esfera econômica. Sobre esse aspecto, percebemos nos anúncios

uma refuncionalização da economia e uma reconversão dos processos simbólicos e ecológicos

em capital cultural e natural. Destarte, verificamos que as noções de progresso, crescimento

econômico, bem-estar social e desenvolvimento têm sido utilizadas pela publicidade para

mobilizar os povos periféricos a aceitarem enormes sacrifícios, bem como para legitimar a

destruição do meio ambiente.

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Nesse contexto, as imagens de hidrelétricas utilizadas nos anúncios expressam mais que uma

complexa obra de engenharia e significam o progresso, o crescimento e o desenvolvimento

econômico que encobrem a ocorrência de impactos sociais e ambientais e ocultam os dizeres

e modos ribeirinhos. Longe de manifestar uma preocupação com a ocorrência de impactos

ambientais e modificações nas relações sociais, esse discurso se apropria da temática

ambiental procurando manter os padrões capitalistas de exploração econômica. Dessa

maneira, verificamos a perpetuação de um discurso que crê na possibilidade de um

gerenciamento e uma exploração racional e inexaurível do meio ambiente.

O processo de institucionalização do campo ambiental pode ser identificado no discurso

publicitário dos três setores analisados. Todavia, notamos que essa apropriação não ocorre de

forma uniforme e que existe uma diferenciação temporal. Enquanto a publicidade da indústria

química absorve preceitos do Relatório Limites do Crescimento e se apresenta como solução à

degradação ambiental ainda no inicio da década de 1980, o discurso publicitário dos setores

petroquímico e elétrico apregoa um desfrute das riquezas naturais e a transformação do lugar

geográfico em espaço racionalizado para a produção de mercadorias. De todo modo, mesmo

entre o setor elétrico e petroquímico existem diferenciações: enquanto o primeiro incorpora

traços de uma preocupação ambiental somente a partir do ano 2000, o segundo articula essa

estratégia nos anúncios veiculados no início dos anos 1990. Embora essa assimilação da

temática ambiental possua temporalidades distintas, constatamos que o discurso publicitário

dos três segmentos utiliza definições hegemônicas no campo ambiental, bem como se vale da

noção de desenvolvimento sustentável para justificar a continuidade das atividades de

exploração capitalista.

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Dessa maneira, apuramos que os preceitos do Relatório Brundtland posteriormente consagrados

sobre os auspícios do desenvolvimento sustentável (compatibilidade exploração e preservação,

harmonia com a natureza, preocupação com as gerações futuras, aprimoramento técnico,

compensação e mitigação de impactos e manutenção do desenvolvimento capitalista) são

absorvidos pela publicidade e utilizados na justificação e legitimação das atividades

degradadoras do meio ambiente. A diferença é que a percepção mais imediata, por parte da

sociedade, dos impactos gerados pela indústria química demanda uma reação discursiva mais

precoce. Ao passo que a aura de essencialidade, progresso, crescimento econômico, bem-estar

social e conforto contribuem para ocultar durante um tempo a ocorrência de impactos sociais e

ambientais relacionados aos setores elétrico e petroquímico. Além disso, a visibilidade da

degradação da indústria química (poluição atmosférica, contaminação de rios e lagos, produção

de lixo tóxico e outras) alcança maior apelo na opinião pública se comparada à inundação de

terras para a construção de hidrelétricas e ou a instalação de complexos petroquímicos.

De todo modo, mapeamos nos anúncios dos três segmentos o seguinte percurso: identificação

do espaço natural como passível de exploração econômica, minimização e descaracterização

da ocorrência de impactos ambientais e por fim absorção de imperativos da idéia de

desenvolvimento sustentável. Ao se introjetar como instância mediadora, a publicidade

constrói os sentidos ofertados ao imaginário coletivo, ao mesmo tempo que conduz uma gama

de receptores não familiarizados com a existência de impactos sociais e ambientais a

aceitarem como críveis as informações veiculadas pelos anunciantes. Como uma enorme

parcela da população não experimenta fenomenologicamente esses impactos, o discurso

publicitário se erige em importante ferramenta capaz de ocultar as modificações, minimizar as

intervenções e disseminar uma imagem de essencialidade e progresso atrelada às atividades

desses setores produtivos.

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Assim sendo, ao nos debruçarmos sobre o discurso publicitário dessas empresas, notamos que

a apropriação da natureza não se esgota em um sistema prático de exploração econômica. Ao

contrário, é revestida por um conglomerado de idéias que enriquecem e dão significados aos

interesses encapados no interior do campo ambiental. Dessa maneira, podemos compreender

os mecanismos de apropriação da natureza como tributários de uma ordem simbólica, que

atribui significado à exploração econômica e legitima o desenvolvimento das forças

produtivas como essenciais à manutenção da vida humana. Nesse contexto, os anúncios

compõem uma importante estratégia, tendo em vista que caracterizam os impactos ambientais

como externalidades geridas por um aprimoramento técnico-cientifico e descaracterizam as

modificações ocorridas na paisagem.

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