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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – João Pessoa - PB – 15 a 17/05/2014 1 Repórter Junino: projeto laboratorial de jornalismo digital na construção da memória do São João de Campina Grande em formato multimídia 1 Antonio Carlos de Souza Santos ANDRADE 2 Fernando Firmino da SILVA 3 Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB RESUMO O jornalismo digital permite, através do ambiente do ciberespaço, agregar diversos formatos midiáticos (texto, áudio, vídeo, imagens, multimídia). Além desse aspecto potencializador, outro pertinente é o de construção de memória através de hipertexto e do espaço "quase infinito" que caracteriza a internet. Com as redes a produção pode ser compartilhada de modo a ampliar os acessos a bens culturais. Neste artigo, exploramos a construção da memória do São João de Campina Grande através do projeto Repórter Junino 4 , que desde 2005, se transformou num espaço para a divulgação da festa junina de Campina Grande e numa base de dados sistematizada sobre a cultura popular em formato multimídia utilizando os recursos do jornalismo digital. O projeto se constitui num laboratório para a prática jornalística e reflexão dos alunos. PALAVRAS-CHAVE: jornalismo digital; Repórter Junino; São João; multimídia; redes sociais. JORNALISMO DIGITAL E MEMÓRIA O jornalismo digital, após 20 anos do seu surgimento, se consolida como modalidade de prática jornalística na web (MIELNICZUK; QUADROS; BARBOSA, 2006) e estabelece suas características como o de uso de recursos multimídia, navegação hipertextual, ampliação da interatividade e novas possibilidades de narrativas dinâmicas. Além desses aspectos, o jornalismo digital atual continua consistente na sua capacidade de construção de um repositório dinâmico em termos de memória 1 Trabalho apresentado no IJ 5 Rádio, TV e Internet do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 15 a 17 de maio de 2014. 2 Estudante de Jornalismo no Departamento de Comunicação Social da UEPB. Bolsita PROEX/UEPB, email: [email protected] 3 Professor orientador. Professor do Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da UEPB, email: [email protected] 4 Esse artigo faz parte da pesquisa do projeto de extensão Repórter Junino financiado pelo Proex cota 2013/2014 sob Nº 1.29.045.13/14 da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB.

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – João Pessoa - PB – 15 a 17/05/2014

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Repórter Junino: projeto laboratorial de jornalismo digital na construção

da memória do São João de Campina Grande em formato multimídia1

Antonio Carlos de Souza Santos ANDRADE2

Fernando Firmino da SILVA3

Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB

RESUMO

O jornalismo digital permite, através do ambiente do ciberespaço, agregar diversos

formatos midiáticos (texto, áudio, vídeo, imagens, multimídia). Além desse aspecto

potencializador, outro pertinente é o de construção de memória através de hipertexto e

do espaço "quase infinito" que caracteriza a internet. Com as redes a produção pode ser

compartilhada de modo a ampliar os acessos a bens culturais. Neste artigo, exploramos

a construção da memória do São João de Campina Grande através do projeto Repórter

Junino4, que desde 2005, se transformou num espaço para a divulgação da festa junina

de Campina Grande e numa base de dados sistematizada sobre a cultura popular em

formato multimídia utilizando os recursos do jornalismo digital. O projeto se constitui

num laboratório para a prática jornalística e reflexão dos alunos.

PALAVRAS-CHAVE: jornalismo digital; Repórter Junino; São João; multimídia;

redes sociais.

JORNALISMO DIGITAL E MEMÓRIA

O jornalismo digital, após 20 anos do seu surgimento, se consolida como

modalidade de prática jornalística na web (MIELNICZUK; QUADROS; BARBOSA,

2006) e estabelece suas características como o de uso de recursos multimídia,

navegação hipertextual, ampliação da interatividade e novas possibilidades de narrativas

dinâmicas. Além desses aspectos, o jornalismo digital atual continua consistente na sua

capacidade de construção de um repositório dinâmico em termos de memória

1 Trabalho apresentado no IJ 5 – Rádio, TV e Internet do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região

Nordeste realizado de 15 a 17 de maio de 2014.

2 Estudante de Jornalismo no Departamento de Comunicação Social da UEPB. Bolsita PROEX/UEPB, email:

[email protected]

3 Professor orientador. Professor do Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da UEPB, email:

[email protected]

4 Esse artigo faz parte da pesquisa do projeto de extensão Repórter Junino financiado pelo Proex cota 2013/2014 sob

Nº 1.29.045.13/14 da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB.

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(PALACIOS, 2010), recuperável e retrabalhada diante do uso de bases de dados

(BARBOSA, 2007) que podem ser acionadas. No momento a relação entre jornalismo e

memória, no que tange à internet, efetua-se como um aspecto central para a preservação

da cultura e da memória social.

Nunca em tempos históricos nossa sociedade esteve tão envolvida e

ocupada em processos de produção de memória; nunca o estoque de

memória social esteve tão fácil e rapidamente disponível, e nunca

esteve o jornalismo – enquanto prática social – tão centralmente

localizado em meio a tudo isso. (PALACIOS, 2010, 37)

O projeto Repórter Junino5 enquanto laboratório de pesquisa e extensão,

apropria-se do ciberespaço com a finalidade de promover a formação e a prática do

jornalismo digital entre os alunos do curso de Comunicação Social – Jornalismo, da

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e de alunos de outras instituições que

trabalham em parceria com a iniciativa como é o caso do Bacharelado em Comunicação

Social da Universidade Federal da Paraíba, linha educomunicação. Através da produção

de reportagens multimídia e das especificidades do meio, procura-se unir as

potencialidades do jornalismo digital para a construção e a disseminação da memória da

festa junina e da cultura popular de Campina Grande e do Nordeste.

Neste sentido, discutimos e apresentamos neste artigo uma abordagem sobre o

jornalismo digital para a cobertura de eventos e, ao mesmo tempo, como uma condição

para a preservação da cultura popular e junina através da memória oriunda da produção.

Especializado em jornalismo cultural com especificidade para a cobertura do São João,

o projeto Repórter Junino se constitui em uma memória dinâmica e multimídia quanto à

valorização das manifestações culturais, dos artistas locais e da festa junina em si com

todas as suas dimensões (cultural, econômica, política, social). Partindo da concepção

de memória no jornalismo digital como um dos fatores, apresentaremos a dinâmica de

trabalho do Projeto, que envolve mais de 50 alunos e mais de 10 professores e se utiliza

de recursos da tecnologia digital para entrevistas, reportagens e registros das

manifestações.

5 Disponível em http://www.reporterjunino.com.br acesso em 14 mar. 2014

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O CONTEXTO DA CULTURA POPULAR E DO SÃO JOÃO

As festas juninas estão enquadradas dentro do contexto da cultura popular com

influência europeia com fortes raízes nordestinas com as comemorações em junho

baseadas são nos santos Santo Antônio (13), São João (24) e São Pedro (29). De acordo

com Lucena Filho (2009, p.1), as “festas juninas são festas agrárias ligadas aos ciclos

naturais que marcavam a passagem do tempo, tendo origem anterior ao cristianismo.” É

nesse contexto que situa-se Campina Grande com o seu “Maior São João do Mundo” e

que permite a formulação de inúmeras pautas jornalísticas para cobertura da diversidade

de ritmos (forró, xaxado, baião, côco), comidas típicas (canjica, milho assado e cozido,

culinária regional), atrações Expresso forrozeiro, ilhas de forró, palcos no Parque do

Povo, tablado com apresentações de quadrilhas, casamento coletivo.

O São João de Campina Grande é reconhecido pela sua tradição. Patrimônio

Cultural e Imaterial do estado da Paraíba, sentiu-se a necessidade de preservar e manter

ativa essa manifestação cultural como um valor cultural como enfatiza Pollak (1992,

p.44), principalmente para “valorizar um elemento que constitui e fortalece o

sentimento de identidade, seja ela, individual, social ou coletiva, abrindo precedentes

para que possamos atribuir à memória a condição de patrimônio”. O evento

denominado “O Maior São João do Mundo” é considerado um megaevento, que causa

rearranjos nas esferas social, política, econômica e principalmente cultural. Para

Nóbrega (2011) a política é um dos elementos que se aproveita da condição da festa

para promoção de imagens de cada um de modo a extrair popularidade a partir do

evento: “a configuração de ´grupismo´ político em Campina Grande, com significativa

influência e envolvimento do meio social, é antiga e forte, um modelo que, segundo o

perfil atual, não dá mostras que algum dia possa acabar” (NÓBREGA, 2011).

Longe da sua verdadeira essência, já supracitada, o São João de Campina Grande

adquiriu um caráter mercadológico e midiatizado, que serve de vitrine para artistas de

renome nacional e empresas de grande atuação no Brasil e no mundo. Programas

massivos na televisão brasileira realizam reportagens e documentários sobre o São João

como o Jornal Hoje, Caldeirão do Huck e Fantástico (Rede Globo), Pânico na TV (Rede

Bandeirantes), Programa da Tarde e Tudo é Possível (Rede Record), além de outros

veículos impressos e online, que fazem a cobertura do evento para todo o Brasil. Na

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análise desse cenário, o pesquisador Luiz Custódio da Silva6 nos oferece duas vertentes

na tentativa de explicar esse fenômeno:

De um lado, há olhares críticos observando que este novo cenário está

contribuindo para o esvaziamento das manifestações da Cultura

Popular, das festas e dos folguedos tradicionais do povo nordestino.

Para os observadores e defensores dessa corrente teórica ou dessa linha

de pensamento, as indústrias culturais estariam transformando tais

manifestações em espetáculos através dos novos espaços gerados pela

sociedade midiatizada. (SILVA, 2007)

O entrelaçamento entre cultura popular e as adaptações urbanas, transforma a

festa de São João em um evento ao mesmo tempo cultural e comercial. Diante desse

processo de mutação, os festejos juninos de Campina Grande armam-se de estratégias

que colaboram para a manutenção dos símbolos que consagraram o folguedo, mas que

hoje são ameaçados pelo viés mercadológico que a festa adquiriu. Espaços físicos

itinerantes ou permanentes, que contam a história da cultura popular nordestina e

resgatam as origens dos folguedos. Esses espaços adquirem múltiplas funções, visto que

algumas ferramentas que foram implementadas resguardam a memória da cultura local

e ao mesmo tempo impulsionam a economia, haja vista que O Maior São João do

Mundo é sinônimo de desenvolvimento turístico e econômico.

Uma das vertentes para compreensão do São João está a partir da abordagem da

folkcomunicação disseminada por Luiz Beltrão, que se preocupava com o enfoque a

partir da linguagem do povo e o significado para a cultura local das manifestações.

Pois é tempo de não continuarmos a apreciar nessas manifestações

apenas os seus aspectos artísticos, a sua finalidade diversionista, mas

procurarmos entendê-las como linguagem do povo, a expressão do seu

pensar e do seu sentir tantas e tantas vezes discordante e mesmo oposta

ao pensar e ao sentir das classes oficiais e dirigentes. Esse sentido

camuflado, que raro escapará ao próprio estudioso dos fenômenos

sociológicos, é, contudo, perfeitamente compreendido por quantos

tenham com os comunicadores aquela experiência sociocultural comum,

condição essencial a que se complete o círculo de qualquer processo

comunicativo. (BELTRÃO, 1965, P. 10).

6 O professor e pesquisador Luiz Custódio da Silva, do Departamento de Comunicação Social da Universidade

Estadual da Paraíba – UEPB, é o idealizador do evento “Os festejos juninos no contexto da Folkcomunicação e da

cultura popular” que é realizado anualmente em Campina Grande durante o São João desde 2004. O evento é uma das

principais pautas de cobertura para o Repórter Junino tendo em vista a relação da proposta do projeto com o evento e

a possibilidade de realizar entrevistas com especialistas do Brasil e do exterior que participam, além de utilizar

diversos recursos para cobertura como transmissão ao vivo, galeria de imagens e produção de vídeos.

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Trazendo a tentativa de explicação para a sociedade contemporânea e as

afetações decorrentes das incorporações e hibridismo no sentido de tornar o São João

palpável para um público mais urbano, Nóbrega (2010) define o São João de Campina

Grande como uma modelo de espetáculo que se apropria do popular e transforma em

um megaevento para se aproximar da mídia, do turismo e de um público heterogêneo.

Um importante tipo de celebração da atualidade que utiliza a religião

apenas como pano de fundo, ao cooptar o plano simbólico histórico e

identitário da cultura popular motivada por crenças cristãs e suas

derivações, mas na forma de espetáculo transversalmente culturais, de

acordo com os modelos da contemporaneidade. Situamos, então, o

formato heterogêneo do Maior São João do Mundo que procura

contemplar um pretenso caráter da autenticidade, entre significativas

representações urbanas da atualidade, numa estratégia para enaltecer as

expressões junino-nordestinas em linguagem simbólica de cenários,

luzes, cores, sons, arte e estética. (NÓBREGA, 2010, p. 47)

Com esse intuito, ao longo dos mais de 30 anos7 da festa foram criados

ambientes e cenários que transformam a cidade urbanizada em uma espécie de sítio com

as características e elementos do interior ou de épocas remotas em que alguns costumes

prevaleciam. Um desses exemplos de espaço é o “Sítio São João”, que desde 2001

recebe turistas em um espaço cenográfico que reflete uma comunidade rural do século

XIX, no espaço é possível encontrar réplicas em tamanho real da casa principal, da

igreja, casa de farinha, engenho com produção artesanal de rapadura cachaça, bodega e

tantos outros espaços que marcaram a vida no campo.

A cultura é hoje vista como algo em que se deve investir, distribuída nas

mais diversas formas, utilizada como atração para o desenvolvimento

econômico e turístico, como mola propulsora das indústrias culturais e

como fonte inesgotável para novas indústrias que dependem da

propriedade intelectual. (YÚDICE, 2004, p.11).

Nesta perspectiva, O Maior São João do Mundo adequa-se aos novos parâmetros

das festividades consideradas megaeventos. Anexando à sua galeria de símbolos,

manifestações mercadológicas, proveniente daquilo que Lucena (2005) denomina como

7 Há na cidade “O Memorial do Maior São João do Mundo”, organizado pela professora Cléa Cordeiro, que já atua

como memória visual e histórica do São João através de um acervo de matérias de jornais, fotos e material

publicitário datados desde 1983, quando aconteceu a primeira edição do evento, embaixo de uma palhoça montada no

espaço onde hoje fica o Parque do Povo. No Memorial do Maior São João Mundo o que mais chama a atenção dos

visitantes é a linha do tempo do casal de bonecos de milho, Sabugildo e Milharilda, que foram por muito tempo

utilizados na divulgação do evento, e, que na comemoração dos 30 anos da festa, ano passado, voltaram repaginados.

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folkmarketing. Criando estratégias de subsistência para a cultura nordestina não perca

sua identidade e, ao mesmo tempo, incorpore tendências sem descaracterizar sua

essência.

A COBERTURA DO SÃO JOÃO PELO REPÓRTER JUNINO

Surgido em 3 junho de 2005, o projeto Repórter Junino8 foi idealizado pelos

professores Fernando Firmino da Silva e Águeda Miranda Cabral, que sentiram a

necessidade de aplicar os conceitos teóricos da sala de aula da disciplina de novas

tecnologias através de atividades práticas que contribuíssem para a capacitação e

adequação dos estudantes do curso à realidade do mercado de trabalho e, ao mesmo

tempo, os levasse a refletir sobre a relação tecnologia e jornalismo, além de ampliar os

seus conhecimentos sobre a cultura popular.

O Repórter Junino tem gerado desde junho de 2005 um rico acervo cultural

digitalizado que se caracteriza como mais uma engrenagem formadora da memória

cultural. Constam neste acervo matérias especiais, fotos, vídeos e entrevistas que dão

forma àquele que é tido como o Maior São João do Mundo. Camargo (2002, p. 30-31)

ressalta que “o valor simbólico que atribuímos aos objetos ou artefatos é decorrente da

importância que lhes atribui à memória coletiva”. Nesta perspectiva, é um compromisso

do projeto disponibilizar esse banco de dados para pesquisadores das áreas de cultura,

comunicação e folkcomunicação, mas também para turistas e até os próprios habitantes

da região que queiram conhecer mais à fundo os folguedos populares.

A forma de armazenamento também mudou. Em um espaço que é imensurável,

é lançado a cada segundo um contingente enorme de dados, reconfigurando também a

dimensão das notícias e o seu conteúdo, que hora pode vir no modelo clássico de texto e

foto, respondendo as questões básicas do lead, hora pode vir metaforicamente como um

grande baú cheio de pavimentos gerados pela multimidialidade, com diferentes rotas de

fuga para um mesmo assunto. Palacios (2002) afirma que a web potencializa essa

característica, embora desde muito tempo a televisão tenha condições de fazer também a

8 Em 2010, a publicação “Mapeamento do Ensino do Jornalismo Digital em 2010”, realizada pelo Rumos Itaú

Cultural, reconheceu o projeto Repórter Junino como um das mais antigas iniciativas de laboratório de ensino e

práticas de jornalismo digital no Brasil. Em 2013, a Câmara Municipal de Vereadores de Campina Grande concedeu

ao Repórter Junino uma Moção de Congratulações, pela cobertura do São João de Campina Grande e pela

contribuição à cultura popular.

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combinação entre texto, imagem e som. Explorar essas potencialidades é um dos vetores

do projeto.

Figura 1 – Alunos do Projeto entrevistando o idealizador do Sítio São João. Fonte: acervo

O projeto nasceu com o escopo de combinar a cultura pulsante, cheia de atores

sociais e simbologias, práticas típicas da região e o processo constante de readaptação

pelo qual a festividade perpassa, com as inovadoras maneiras de produção, distribuição

e circulação de informações (figura 1). Esse hibridismo fez emergir a iniciativa visando

a formação cultural, técnica, ética e comunicacional de centenas de estudantes de

comunicação do curso de Jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba e

Universidades Parceiras. Durante esses dez anos, mais de 900 alunos já participaram do

projeto. Durante esses dez anos, o projeto tem firmado parcerias com outras instituições

de ensino superior, como as Faculdades Integradas de Patos (FIP-Patos -PB), Centro de

Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI, Campina Grande - PB), Universidade

Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, Universidade Estadual do Rio Grande

do Norte (UERN), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Universidade

Federal da Bahia (UFBA), na Bahia e Universidade Federal do Ceará (UFC), do curso

de Jornalismo do campus Cariri.

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Com o aumento do número de alunos interessados em participar do projeto e a

crescente dimensão tomada pelo mesmo, foi preciso uma adaptação, a cada começo de

ano letivo faz-se necessário a realização de um processo seletivo para a escolha dos

estudantes que integrarão a equipe de cada ano. Em 2014, mais de 120 se candidataram

para ocupar as 50 vagas oferecidas anualmente no Projeto (fora os alunos das

universidades parcerias que agregam outras dezenas de alunos) para estagiar durante os

30 dias do São João nas duas redações que abrigam a equipe: uma na Vila da Imprensa,

cedida pela parceria com a Prefeitura Municipal de Campina Grande, e outra no

Laboratório Multimídia do Projeto Rede Viva do Departamento de Comunicação.

Só após esse processo de seleção a equipe de 50 estudantes pode ser dividida

entre os cargos de repórter, editor, fotógrafo e cinegrafista. O próximo passo é capacitar

os alunos para a prática jornalística e desenvolver suas habilidades. Nesta perspectiva,

são programados treinamentos de produção de texto para web, construção de

reportagem multimídia, edição de áudio e vídeo, técnicas de reportagem e entrevista,

além de domínios específicos em relação ao Gerenciador de Conteúdo do site e de

aplicações digitais (figura 2).

Figura 2 – treinamento da equipe de alunos para a cobertura do São João. Fonte: acervo

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A sustentação do projeto está centrada em três eixos de atuação: a) Promoção da

qualificação jornalística de estudantes de jornalismo da UEPB para cobertura dos

festejos juninos e da cultura popular através de recursos do jornalismo digital

(multimidialidade, hipertexto, transmissão ao vivo); b) Divulgação e construção da

memória da cultura junina local através de diferentes formatos (áudio, fotos, vídeos,

textos), apresentando uma base de dados desde 2005 contendo entrevistas com artistas,

reportagens especiais, notícias, fotografias e vídeos que, no conjunto, sistematizam a

história da festa junina em Campina Grande no período (2005 a 2013); c) Espaço para

turistas, pesquisadores, estudantes e população em geral acompanharem ou recuperarem

as informações sobre o São João em um portal de jornalismo especializado em cultura.

A interação com os internautas acontece não apenas pelo site

www.reporterjunino.com.br, o projeto também interage com o público por meio das

redes sociais (Facebook, Twitter, Youtube), estuda-se ainda a possibilidade de criação

de um aplicativo para dispositivo móvel. Essa estratégia amplia o alcance do projeto na

divulgação original da cultura.

Em campo, as atividades realizadas durante os 30 dias de festividade vão desde a

produção de notícias, reportagens multimídia, gravação de programas radiofônicos para

distribuição em podcasts na webrádio junina (o projeto Gente Nossa, coordenado pela

professora Goretti Sampaio, está agregado à plataforma do Projeto Repórter Junino com

a produção de programas radiofônicos com artistas e produção de boletins jornalísticos

durante o São João de Campina Grande de forma a compor a memória em formato de

áudio), além da produção de programas para a webtv junina. Professores do

Departamento de Comunicação, da Universidade Estadual da Paraíba, acompanham e

orientam os alunos nas rotinas diárias de produção e edição, transformando essa

iniciativa em um verdadeiro laboratório de jornalismo digital.

O gerenciamento de dados do site ocorre através do sistema Joomla, essa

ferramenta além de possuir maior liberdade de uso, possui software livre, o que dá mais

liberdade de alteração na sua matriz.

Além de qualidade em potência para acompanhar o ritmo de produção

que o projeto exige, esse gerenciador foi capaz de suportar todas as

funcionalidades propostas para o projeto. O Joomla é um Sistema

Gerenciador de Conteúdo (CMS – Content Management System)9 de

código aberto, que qualquer pessoa pode baixar na Internet sem custo.

Por suas comunidades de desenvolvedores estarem em alta muitas

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empresas o adotam como software de gerenciamento de sistemas na

internet. Essa característica do Joomla proporcionou a personalização

adequada para o perfil do site. (LEITE; SILVA, 2011, p. 6-7)

Em pesquisa realizada no ano de 2012, com ex-participantes do projeto, o

Repórter Junino coletou resultados que só reiteram a importância do projeto em oferecer

a oportunidade de práticas laboratoriais para os alunos terem o primeiro contato com a

prática jornalística em situações reais e no mesmo ritmo de trabalho profissional,

através de reportagens no Parque do Povo durante o São João de Campina Grande. A

inserção dos alunos nos meios de comunicação de massa e meios digitais está

delimitada da seguinte forma: De 50 respostas obtidas na pesquisa, 26% estão atuando

em televisão, 30% em assessoria de imprensa, 16% em internet. A avaliação que os

participantes fazem do projeto é positiva, para 84% a avaliação é excelente ou muito

boa.

Portanto, o trabalho com jornalismo digital torna-se uma perspectiva de

disseminação do conteúdo visando um bem social e cultural com a divulgação da

cultura regional. Logo, a infraestrutura da rede telemática e os recursos do jornalismo

digital propiciam as possibilidades necessárias.

Apesar da discussão sobre a “flexibilização” das hierarquias no

processo de produção de notícias, é importante constatar que os

procedimentos de produção e distribuição noticiosa, no ambiente das

redes telemáticas, não pertencem mais só às empresas de comunicação e

aos profissionais de Jornalismo. As notícias na mídia digital conectada,

transformam-se num bem social. (SCHWINGEL, 2010, p. 120-121)

Resguardados por essa afirmação, podemos dizer que o material jornalístico

produzido pelo Repórter Junino nestas nove edições do projeto, contribui para a

construção da memória cultural campinense, pelas estratégias de compartilhamento

desse material. Através das redes sociais, o conteúdo jornalístico vale-se de inovações

para alcançar uma certa autonomia de circulação. O jornalismo digital não se prende a

uma periodicidade, ele cumpre o seu papel segundo a ocorrência dos fatos que merecem

ser noticiados. O jornalismo digital favorece as narrativas construídas no projeto pela

sua capacidade de convergência e de flexibilidade através do processo de digitalização.

Moherdaui (2007) lista como características fundamentais do jornalismo digital

“conteúdo dinâmico, atualização constante, memória, interatividade, hipertextualidade,

multimidialidade, personalização e imersão”. Diante desses conceitos, o Repórter

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Junino enquanto laboratório de jornalismo digital, esforça-se ao máximo para cumprir

com sucesso as diretrizes que norteiam essa modalidade jornalística.

Estrategicamente posicionado na Vila da Imprensa (espaço criado pela prefeitura

para alocar os principais veículos de comunicação do estado), o Repórter Junino divide

espaço com diversos representantes da imprensa paraibana, desde afiliadas de grandes

redes de comunicação, entre eles jornais impressos, televisões, rádios e portais on-line,

até representantes dos governos municipal e estadual. Em sua cabine o projeto conta

com gravadores, câmeras digitais e computadores com acesso à internet. A equipe por

sua vez, conta com camisetas e crachás de identificação, visto que em muitos espaços o

acesso da imprensa só é liberado após a comprovação por meio destas ferramentas.

Apesar de o projeto contar com duas redações fixas (uma no Parque do Povo e outra no

Laboratório Multimídia do Projeto Rede Viva, do Departamento de Comunicação da

UEPB), desde 2011 o projeto adotou a modalidade “redação em nuvem”, que deriva do

conceito computação em nuvem (MOREIRA, 2010), e que consiste na produção de

conteúdo em rede integrada, a partir das interconexões dispostas na Web.

Essa modalidade permite a produção, edição e compartilhamento de matérias

entre repórteres e editores do projeto Repórter Junino. Através da plataforma Google

Docs, o processo de construção da notícia se dá de forma integrada e em tempo real,

podendo-se visualizar quem está alterando o documento e o que foi modificado, além de

armazenar todo o histórico de revisões. Usando os termos “matéria para editar” ou

“matéria finalizada” o fluxo de notícias que vão para o site é gerenciado pelos editores,

que de acordo com suas disponibilidades fazem o upload das matérias para o site, em

dias de grande movimentação é possível contabilizar uma média de 10 a 20 matérias por

noite (LEITE; SILVA, 2011, p. 7).

Esse modelo de produção permite não apenas a integração da equipe na

construção da notícia, mas também um caráter mais pedagógico de como se deve

escrever para a Web, ao passo que a estética desse formato de notícia demanda certas

especificidades. A partir da descentralização que a “redação em nuvem” proporciona, o

processo de edição da notícia pode se dar desde dispositivos móveis até computadores

que estejam conectados à internet, podendo este se dar dos lugares mais remotos.

Nos treinamentos oferecidos pelo projeto os alunos ficam aptos a operar o

sistema de “redação em nuvem”, além de aprimorarem as técnicas de apuração,

construção de pautas, realização de entrevistas, captação de imagens, edição de texto e

produção de material radiofônico para podcast. Aproximando-se das rotinas diárias de

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produção jornalística pelo cumprimento de horários e pela experiência vivida no

processo de apuração da notícia. Os alunos que não podem estar presente nas redações

do projeto podem compartilhar material de onde estiverem e assim contribuir para a

construção da memória dos festejos juninos, é assim que acontece com estudantes de

outros estados como já foram mencionados anteriormente.

O Repórter Junino adequando-se às novas práticas jornalísticas, promove a

capacitação de centenas de estudantes do curso de Comunicação Social – Jornalismo da

UEPB, contribuindo para um mercado que supra a demanda da população neste

constante processo de mutação sociocultural, visto que o consumo de notícias está cada

vez mais personalizado, o projeto enquanto um site de notícias especializadas cumpre o

seu papel de informar e contribuir para o engrandecimento da cultura nordestina.

CONCLUSÕES

Esse trabalho discutiu o jornalismo digital enquanto contribuição para a

construção da memória cultural da festa de São João no Nordeste, mais especificamente

em Campina Grande, enfocando a experiência multimídia do projeto Repórter Junino.

Ao mesmo tempo, a abordagem demonstra a importância da iniciativa para a formação

dos alunos de comunicação social e a prática jornalística especializada.

Compreendemos que a produção multimídia do projeto se constitui em um

acervo de 10 anos de atividades que fomenta o desenvolvimento regional através do

olhar da cultura além de oferecer visibilidade para os artistas locais e as manifestações

mais genuínas, negligenciadas, em boa parte, pelos meios de comunicação de massa

locais. Através do jornalismo digital, os estudantes envolvidos no projeto passam a ter

domínio de ferramentas e processos de produção que facilitam a circulação das notícias

sobre essas manifestações em sua dimensão mais cultural, de modo que se desenvolve

também uma reflexão crítica sobre a festa.

A memória, na sua condição imaterial do digital, é um resultado fundamental de

permanência e de preservação da cultura nordestina. Sendo assim, a contribuição desse

artigo está em apontar esses desdobramentos e as possibilidades de construção de

memória da cultura. Portanto, a apropriação da tecnologia digital no jornalismo permite

perspectiva de um jornalismo cultural ou um jornalismo digital centrado no ensino-

aprendizagem que valorize a cultura local e amplie a captação, produção e circulação de

conteúdos com intenção de valorização e preservação das identidades regionais.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – João Pessoa - PB – 15 a 17/05/2014

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