repÚblica de moÇambique ministÉrio da justiÇa, …

30
1 REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS E RELIGIOSOS COMISSÃO DE INQUÉRITO RESUMO DO RELATÓRIO DA COMISSÃO DE INQUÉRITO SOBRE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE RECLUSAS NO ESTABELECIMENTO ESPECIAL FEMININO DE NDLAVELA, DENUNCIADA PELO CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA-CIP Maputo, 7 de Julho de 2021

Upload: others

Post on 11-Jul-2022

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

1

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS E

RELIGIOSOS

COMISSÃO DE INQUÉRITO

RESUMO DO RELATÓRIO DA COMISSÃO DE INQUÉRITO SOBRE

EXPLORAÇÃO SEXUAL DE RECLUSAS NO ESTABELECIMENTO

ESPECIAL FEMININO DE NDLAVELA, DENUNCIADA PELO CENTRO

DE INTEGRIDADE PÚBLICA-CIP

Maputo, 7 de Julho de 2021

Page 2: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

2

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS E

RELIGIOSOS

COMISSÃO DE INQUÉRITO

PRÁTICA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE RECLUSAS NO

ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO ESPECIAL FEMININO DE

NDLAVELA

***

O presente relatório está dividido em sete Capítulos. No primeiro capítulo, introdutório,

fazemos a contextualização dos termos de referência, descrevemos a organização e

desenvolvimento da investigação quanto à missão, objectivos, composição e metodologia.

No Capítulo II apresentamos a estrutura e organização do Estabelecimento Penitenciário

Especial para Mulheres da Província de Maputo (EP-Ndlavela), sua estrutura física e a vida

diária das reclusas.

No Capítulo III fazemos a contextualização legal do fenómeno de exploração sexual e outros

actos conexos, no contexto do encarceramento feminino, analisando as normas legalmente

aplicáveis no contexto internacional e a nível nacional, bem como a repercussão da

denúncia do CIP a nível da sociedade moçambicana e internacional.

Page 3: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

3

No Capítulo IV apresentamos o trabalho da CI no âmbito da averiguação e investigação,

analisando a denúncia, os meios de provas arrolados, as diligências realizadas,

nomeadamente, as entrevistas, exame de documentos, perícia e outras.

No Capítulo V fazemos apresentação das constatações das denúncias internas, feitas pelas

reclusas e alguns agentes da Guarda Penitenciária do Estabelecimento Penitenciário

Especial para Mulheres da Província de Maputo, os factos que as compõem, fazendo

subsunção desses factos à categorização das práticas que consubstanciam quadros de

abuso sexual, exploração sexual, assédio, maus-tratos, violência física e psicológica de

reclusas e outras práticas de violações.

No Capítulo VI fazemos análise dos pormenores da investigação, das diligências efectuadas

e meios de prova produzidos, designadamente, prova documental, prova pericial e outras

vistorias.

No Capítulo VII analisamos, por fim, dentre os factos constantes da denúncia do CIP, os

apurados e não apurados, em termos de constatações, seguindo-se as conclusões finais e

recomendações.

***

Por imperativos de tempo e porque o presente relatório será objecto de entrega formal

oportunamente, não iremos entrar em detalhes relativamente ao primeiro Capítulo da

introdução; apresentaremos o resumo da denúncia do CIP, seguida dos pormenores da

investigação face à denúncia e as constatações finais sobre os factos denunciados.

Em seguida apresentamos as constatações internas feitas pela CI com relação a situação

das reclusas, face à possível exploração sexual e outras práticas violadoras dos seus

direitos, terminando com apresentação das conclusões e recomendações finais que será

feita pelo Venerando Juiz Conselheiro Jubilado, Sinai Jossefa Nhatitima, Presidente desta

Comissão de Inquérito.

***

Page 4: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

4

PORMENORES DA DENÚNCIA DO CENTRO DE

INTEGRIDADE PÚBLICA – CIP

No dia 15 de Junho de 2021, pelas 10h00, o CIP divulgou publicamente um estudo e

vídeo em que denuncia casos de guardas penitenciários do Estabelecimento

Penitenciário Especial para Mulheres da Província de Maputo que, supostamente,

obrigam reclusas a prostituírem-se.

Segundo o CIP, os guardas penitenciários procuram clientes, marcam preços e

escolhem as reclusas que, na calada da noite, ou de dia, são retiradas das celas e

entregues aos clientes.

No interior da penitenciária, segundo consta do relatório, haverá outra rede,

constituída por mulheres mais velhas, que escolhe as reclusas, preferencialmente as

recém-chegadas.

Mais se indica que, por cada reclusa entregue a um cliente, recebem pagamento em

dinheiro que varia de cerca de 3 a 30 mil meticais.

Os clientes são, segundo afirma o CIP no seu relatório, pessoas bem posicionadas na

sociedade que procuram prazer em mulheres que acreditam permaneceram muito

tempo sem manter relações sexuais.

As reclusas usadas na rede de prostituição recebem tratamento privilegiado na

Cadeia. As que se recusam aderir à rede são seviciadas e no fim a maioria acaba

cedendo.

O relatório inclui vídeos e imagens, supostamente de reclusas e guardas

penitenciários flagrados em cenas de exploração sexual, dos quais consta:

1. Dos vídeos apresentados

1.1 Vídeo Reclusa-Guida: este vídeo foi gravado no dia 02 de Abril de 2021

(10:11 minutos) na Pensão Complexo Gima-Gima Sociedade Unipessoal, Lda,

localizado nos arredores do EP-Ndlavela, onde vê-se uma mulher

identificada como sendo reclusa, em cenas de conversas sobre exploração

sexual que sofre no estabelecimento penitenciário, com um dos

Page 5: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

5

investigadores do CIP que a filma, onde afirma que está ali porque teria sido

conduzida pelos agentes da Guarda Penitenciária afectos a este

estabelecimento para fins de prática de sexo em troca de dinheiro.

1.2 Vídeo Reclusa-Marta: este vídeo foi gravado, igualmente, no dia 02 de

Abril de 2021 (45:11 minutos) na Pensão Complexo Gima-Gima Sociedade

Unipessoal, Lda, localizado nos arredores do EP-Ndlavela, onde vê-se uma

mulher identificada como sendo reclusa, em cenas de conversas sobre

exploração sexual que sofre no estabelecimento penitenciário, com um dos

investigadores do CIP que a filma, onde afirma que está ali porque teria sido

conduzida pelos agentes da Guarda Penitenciária afectos a este

estabelecimento para fins de prática de sexo em troca de dinheiro.

1.3 Vídeo Reclusa-Mariana: este vídeo foi gravado no dia 10 de Abril de

2021 (08:37 minutos) na Pensão Complexo Gima-Gima Sociedade

Unipessoal, Lda, localizado nos arredores do EP-Ndlavela, onde vê-se uma

mulher identificada como sendo reclusa, em cenas de conversas sobre a

exploração sexual que sofre no estabelecimento penitenciário, com um dos

investigadores do CIP que a filma, onde afirma que está ali porque teria sido

conduzida pelos agentes da Guarda Penitenciária afectos a este

estabelecimento para fins de prática de sexo em troca de dinheiro.

2. Das imagens fotográficas

2.1 Imagens fotográficas exibindo a troca de mensagens entre três supostos

guardas penitenciários (cujos nomes foram exibidos) e os pesquisadores do

CIP negociando o fornecimento de reclusas para exploração sexual (pág. 4 do

Relatório da denúncia); outras imagens mostram viaturas usadas em duas

ocasiões para o transporte das supostas reclusas da Cadeia de Ndlavela para

a Pensão (pág. 5 do Relatório da denúncia); outras imagens mostram dois

falsos casais de guardas penitenciários que se deslocaram à pensão para

serviço de reconhecimento antes da entrega das supostas reclusas (pág. 6 do

Relatório da denúncia); imagens que mostram o momento em que as

supostas reclusas desocupavam a viatura à chegada na Pensão (pág. 7 do

Page 6: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

6

Relatório da denúncia); imagens que mostram o momento em que as

supostas reclusas desocupavam a viatura à chegada na Pensão (pág. 7 do

Relatório da denúncia); imagens que mostram a viatura usada pelos

supostos guardas penitenciários para se deslocar à pensão para vigiar as

supostas reclusas (pág. 7 do Relatório da denúncia).

3. Dos nomes e contactos telefónicos

3.1 A denúncia identifica alguns nomes e contactos telefónicos de alguns agentes

da Guardas Penitenciária que, supostamente, fazem parte da referida rede de

exploração sexual no EP-Ndlavela, embora termine por concluir que

aproximadamente 90% do pessoal da Guarda Penitenciária está implicada na

rede de exploração sexual.

***

Pormenores da Investigação face à Denúncia

Para cumprir com o mandato e os objectivos fixados, a CI realizou reuniões

deliberativas e administrativas de modo a organizar a execução do seu mandato;

diligências; duas audiências ao denunciante; entrevistas, ouvindo as reclusas;

agentes da Guarda Penitenciária afectos ao EP-Ndlavela; membros do Conselho de

Direcção suspensos e da Direcção-geral do SERNAP; bem como representantes de

entidades da sociedade civil e confissões religiosas que trabalham com o

estabelecimento penitenciário.

Ao longo de seus trabalhos, a CI visitou as instalações do estabelecimento hoteleiro

visado no relatório da denúncia (“Pensão Gima-Gima”); ouviu as estruturas

administrativas, autoridades comunitárias e Tribunal Comunitário e alguns

moradores nos arredores do estabelecimento penitenciário.

Portanto, durante os dias de trabalho, a CI realizou, no total, 53 entrevistas com

reclusas, num efectivo de 96 reclusas, duas audiências com o denunciante (CIP), 10

diligências e entrevistas a cerca de 32 (16% do efectivo total afecto ao

estabelecimento) agentes da Guarda Penitenciária (além dos membros do Conselho

de Direcção que também são agentes da Guarda Penitenciária) que exercem funções

operativas no EP-Ndlavela.

Page 7: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

7

No âmbito da protecção de testemunhas, denunciantes e outros sujeitos

processuais, a CI promoveu, junto da Direcção-geral do SERNAP, a aplicação de (1)

medida de protecção e segurança a uma reclusa denunciante, que foi imediatamente

transferida para outro estabelecimento penitenciário, tendo tal facto sido

comunicado ao Ministério Público.

No âmbito do apoio psicológico, a CI promoveu assistência e acompanhamento

psicológico às reclusas internadas, visando mitigar o impacto psicológico e as

consequências causadas pela notícia veiculada pelo CIP.

Diligências efectuadas e análise dos Meios de Prova

arrolados

I. Da audição do CIP

Realizou-se no dia 24 de Junho de 2021, pelas 10 horas, a primeira audição do CIP, que

teve lugar na sala de reuniões do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e

Religiosos (MJCR). O CIP esteve representado por 4 mandatários, designadamente, os

pesquisadores/investigadores e o coordenador da investigação.

A audição tinha como finalidade completar a informação difundida pelo CIP, uma vez

que a informação se encontrava codificada e, nesse sentido, durante a audição do

denunciante foi possível a CI obter mais elementos identificativos das caras e outras

informações relativas às supostas reclusas e agentes da Guarda Penitenciária, bem

como o modus operandi da referida rede.

Não foi possível, nesta fase, obter outras informações sobre terceiras pessoas que

teriam colaborado nas investigações do CIP em virtude de, segundo relatou o

denunciante, ser necessário seu consentimento para colaborarem no processo e

prestarem informações, por ter sido feito um termo de compromisso, ainda que verbal,

de ocultação de informações e de identidade dos colaboradores, que o CIP, por uma

questão de profissionalismo não podia quebrar.

É importante referir que este aspecto dificultou, em parte, o trabalho da CI de

identificação de algumas caras constantes dos vídeos e das imagens fotográficas.

Page 8: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

8

Outras Diligências efectuadas e análise dos Meios de

Prova arrolados

Metodologia

Entre os dias 28 e 29 de Junho de 2021, foram realizadas entrevistas com reclusas no

recinto penitenciário, com objectivo de colher depoimentos na primeira pessoa, sobre os

factos que constituem objecto da denúncia do CIP (alegada prática de exploração sexual de

reclusas envolvendo agentes da guarda penitenciária, incluindo situações afins como abuso

sexual, violência sexual, física ou psicológica e maus tratos) e a vida no interior do

estabelecimento penitenciário em termos de dinâmicas de trabalho e interacções sociais,

procedimentos e normas internas.

1. O grupo que conduziu as entrevistas foi composto por alguns membros da CI, todas

mulheres, representantes da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM),

Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Associação Moçambicana de

Mulheres de Carreira Jurídica (AMMCJ) e Igreja Anglicana, acompanhados por uma

equipa de psicólogos indicados pela Associação de Psicólogos de Moçambique

(APM).

2. Em termos de metodologia, a pedido das próprias reclusas, que revelaram sentir-se

mais confortáveis com audições individuais, alegando como motivo falta de

confiança umas nas outras, além de temerem represálias posteriores, foram feitas

entrevistas individuais, tendo-se afastado por isso a hipótese de realizarem-se

entrevistas por grupos focais que a prior parecia a estratégia adequada. Por cada

sessão de entrevista foram seleccionadas, aleatoriamente, 5 reclusas de diferentes

celas, que foram entrevistadas individualmente pelos cinco entrevistadores, na

proporção de 1 entrevistador para cada reclusa.

3. Nos 2 dias foram entrevistadas 53 reclusas, de um total de 96 reclusas, o que

representa uma amostra de 55% do efectivo reclusório existente no EP-Ndlavela à

data da realização da averiguação.

4. Tendo presente a Lei nº 15/2012, de 14 de Agosto, Lei de protecção de

testemunhas, denunciantes e outros sujeitos processuais, a pedido das próprias

Page 9: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

9

reclusas, por questões de segurança e confidencialidade de dados, a identidade das

reclusas entrevistadas está oculta no presente relatório, sendo representada por

letras, a fim de garantir anonimato dos seus depoimentos.

Da análise dos vídeos, fotos e outros documentos relativos aos

procedimentos penitenciários, de modo a identificar as caras das

supostas reclusas e agentes da Guarda Penitenciária apresentados pelo

denunciante, resultaram as seguintes constatações:

1. Livro de Movimento de Saídas e Entradas de Reclusas e outro

pessoal interno e externo:

1.1 A CI constatou que é neste livro onde são registados todos os movimentos

internos e externos de reclusas, incluindo as saídas do recinto (zona das celas e

dos pavilhões) para a zona administrativa, onde participam das actividades

diárias de limpeza, entre outras e as idas aos tribunais e hospitais. Do exame

feito aos livros nos períodos referidos na denúncia, designadamente, 16/12/20

(Quarta-feira), 02/04/21 (Sexta-feira) e 10/04/21 (Sábado) não consta

qualquer registo de saídas para o exterior do estabelecimento penitenciário,

apenas constam registos de movimentos internos.

1.2 Da análise do Livro de Movimento Interno de Reclusas do ano 2019, a CI

constatou preenchimento deficitário dos horários de saída e retorno ao recinto

penitenciário, sendo certo que em alguns campos de regresso não foi preenchida

a hora de regresso, o destino e a situação da reclusa. Com os dados disponíveis

neste Livro não foi possível identificar se nas datas referidas na denúncia teria

havido saídas de reclusas para o exterior do estabelecimento para prática de

actos de exploração sexual.

1.3 A CI examinou o Livro de Movimento de Protocolo de Solturas para aferir das

solturas levadas a cabo durante o ano de 2021 e verificou que a última soltura

teve lugar no dia 21 de Junho de 2021, seis dias depois de divulgada a denúncia

do CIP. Perante este facto, a CI solicitou o Processo da Reclusa em causa para

Page 10: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

10

exame da cópia do mandado de soltura, bem como a foto perfil colorida,

constante do processo, e comparou-a com as fotos que constam da denúncia,

assim como com as caras que aparecem nos vídeos, não se tendo vislumbrado

nenhuma semelhança com as mulheres que aparecem nos vídeos e nas fotos

veiculadas pelo denunciante.

1.4 A CI analisou o Livro de Movimento Externo de Reclusas (2016 a 2021),

tendo constatado que nas datas constantes da denúncia foram registadas saídas

de reclusas para fora do recinto penitenciário e não para o exterior do

estabelecimento penitenciário. As saídas para fora do recinto referem-se às

saídas do Pavilhão para a área administrativa. Ademais, constatou que

frequentemente o campo de saída não foi preenchido e o de regresso não foi

preenchido. Constatou casos em que não houve preenchimentos nos campos

referentes ao número de processo, ao crime cometido, à saída e regresso das

reclusas, ao oficial de permanência que autorizou a saída e à situação da reclusa,

além de outras observações (Anexos D1 e D2). Este dado e omissões dificultaram

aquilatar com propriedade outros elementos que pudessem aprofundar e

esclarecer dados da denúncia.

1.5 Relativamente ao Livro de Registo de Transferências de Reclusas, a CI

constatou que este não existe no estabelecimento penitenciário, sendo as

transferências normalmente registadas em folhas juntas num determinado

ficheiro administrativo. De referir que a CI examinou tais ficheiros e não se

vislumbrou nenhuma cara das que constam dos vídeos e das fotos veiculados

pelo denunciante.

1.6 Relativamente ao Livro de movimento de viaturas no Portão, a CI examinou o

mesmo de modo a aferir do registo das matrículas das viaturas de marca Toyota

Passo, cor cinzenta, matrícula XXX; Nissan TIDA, dourado, matrícula KKK; Range

Rover, verde, matrícula PPP; NISSAN, cor cinzenta, matrícula AAA; Toyota

Funcargo, cizento, matrícula DDD; Toyota Runex, matrícula NNN; tendo

constatado que nenhumas delas, arroladas no relatório da denúncia, se

encontram registadas neste livro. Quanto a este aspecto de registo de viaturas,

importa referir que a CI foi constituída com poderes limitados para fazer

Page 11: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

11

averiguação preliminar da possibilidade de os factos constantes da denúncia do

CIP terem ocorrido. Neste sentido, não estando em sede de investigação criminal

e, consequentemente, faltarem à Comissão garantias e poderes próprios de

autoridade judiciária, não foi possível realizar diligências junto das

conservatórias de registo automóvel que pudessem ajudar a decifrar o nome dos

proprietários das referidas viaturas, se de agentes da Guarda Penitenciária ou

outrem, diligências que, indubitavelmente, poderão ser aprofundadas e

completadas durante a investigação criminal que corre junto do Ministério

Público.

1.7 Da análise do Livro de Consultas Externas (2020 a 2021), Livro nº 08 e Livro

nº 09, a CI constatou que o mesmo está devidamente preenchido. Nas datas

constantes da denúncia estão registadas marcações de consultas de algumas

reclusas ao Posto de Saúde. As consultas e tratamentos simples acontecem no

Posto de Saúde adstrito aos cuidados sanitários existente no interior do

estabelecimento penitenciário. As consultas e tratamentos complexos realizam-

se no exterior do estabelecimento penitenciário, numa unidade sanitária, regra

geral Posto de Saúde de Ndlavela, quando a agente de saúde entender que a

consulta ou tratamento de que necessita a reclusa deve ser garantido, por

incapacidade interna (falta de determinado equipamento ou pessoal

especializado) fora do estabelecimento penitenciário.

1.8 Da análise dos Processos individuais de Reclusas que contêm informações

das fichas individuais, com fotos a cores, a CI constatou que no EP-Ndlavela

existem 96 processos de reclusas, sendo 6 em situação de prisão preventiva e 90

condenadas. Do exame feito, a CI constatou que das imagens dos vídeo 1 e 2 da

denúncia do CIP, nos quais aparecem supostas reclusas de nome Guida e Maria,

nenhum dos Processos de Reclusas contém os rostos e nomes referidos na

denúncia. Ademais, as imagens exibidas no vídeo do CIP mostram mulheres com

corte de cabelo “punk”, o que contraria as normas do Regulamento interno dos

estabelecimentos penitenciários. As mesmas fichas foram exibidas aos

investigadores da entidade denunciante, aquando da segunda audição com do

CIP, realizada no EP-Ndlavela, na qual foram chamados a verificar e ajudar a CI a

Page 12: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

12

indicar qual das reclusas esteve com os investigadores durante o estudo. Nem a

CI e nem o CIP conseguiram identificar as mulheres constantes dos vídeos que

acompanham a denúncia.

CONCLUSÕES:

Do exame da documentação em uso no estabelecimento penitenciário a CI,

após análise, não logrou identificar as mulheres constantes dos vídeos e das

imagens veiculadas pelo denunciante, em seu relatório; não foram

identificadas as viaturas constantes das fotos e nem seus proprietários.

Análise das listas com informação dos agentes da

Guarda Penitenciária (supostamente envolvidos na rede

de exploração sexual, adicionalmente fornecidas pelo

CIP)

De acordo com o relatório do denunciante alguns nomes de guardas penitenciários foram

citados durante a investigação jornalística, nomeadamente, Chefe Graciete; Chefe Márcia;

Chefe Alzira (da Machamba); Comandante July; Oficiais e Adjuntos de Oficiais de

Permanência; O grande Stefano/Steven, de carro Vitz Cizento; Chefe Berta e Chefe Balbina.

Das diligências levadas a cabo pela CI, designadamente, o exame do sistema de gestão dos

recursos humanos junto do DRH – Departamento dos Recursos Humanos, da revista e

contagem física do efectivo da Guarda Penitenciária e do confronto dos referidos nomes e

contactos telefónicos com todo efectivo, não foi possível constatar e confirmar alguns

nomes avançados no relatório da denúncia, portanto, inexistem no interior do EP-Ndlavela.

Destas diligências resultaram as seguintes constatações:

1. Chefe Graciete: É quadro do EP e ocupa a posição de Chefe do Regime Comum,

da Ordem Interna.

Page 13: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

13

2. Chefe Márcia Ernesto Cherindza: É quadro do EP-Ndlavela, exercendo o

cargo de Chefe da Repartição de Inteligência Penitenciária (RIP). Ouvida em

entrevista, nega estar envolvida em alguma rede de tráfico de reclusas para

exploração sexual, embora reconheça alguns casos de agentes da Guarda

Penitenciária que se envolveram com algumas reclusas, alguns dos quais foram alvo

de processos disciplinares conforme legislação interna e outros que ficaram-se pela

impunidade.

3. Chefe Alzira (da Machamba): É quadro do EP-Ndlavela desde 1999, estando

afecta na Repartição de Actividades Económicas, nega seu envolvimento na suposta

rede de exploração sexual de reclusas.

4. Comandante July: Não foi possível identificar o/a visado/a visto que ninguém

o/a no EP-Ndlavela conhece alguém com este nome que consta da denúncia.

5. Oficiais, Adjuntos de Oficiais e agentes de permanência: O EP-

Ndlavela tem um efectivo total de cerca de 243 (67 homens e 174 mulheres) agentes

da Guarda Penitenciária. A CI ouviu cerca de 32 agentes da Guarda Penitenciária

(entre membros de Direcção e agentes operativos), o equivalente a cerca de 13 % do

efectivo total, tendo todos negado qualquer seu envolvimento na suposta rede de

exploração sexual, concomitantemente, a CI investigou os seus contactos telefónicos

tendo, dessa investigação, resultado apenas alguma verosimilhança no contacto do

Guarda Pedro Maria Macamo que, após ter sido contactado através do número de

celular extraído do relatório da denúncia, em anonimato, por um membro da CI,

confirmou a esta identidade e a qualidade de Guarda Penitenciário do SERNAP.

Entretanto, dias depois, confrontado com este facto, aquando da audição posterior

em sede de entrevista com a CI, o mesmo negou que tenha um contacto telefónico

com o número que lhe fora exibido (821414867), o mesmo que havia atendido e no

qual havia confirmado trata-se de Pedro Maria Macamo.

6. O grande Stefano/Stiven, de carro Vitz Cizento: Não foi possível

identificar esta pessoa, pois ninguém no EP-Ndlavela conhece alguém com este

nome, sequer alguém que tenha uma viatura com estas características referidas no

relatório da denúncia.

Page 14: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

14

7. Chefe Berta Rotafino Fainde: É Chefe de Departamento de Operações

Penitenciárias e por inerência comandante da força, tem a patente de Inspector-

Chefe da Guarda Penitenciária. Ouvida em sede de entrevista, nega redondamente

estar envolvida em alguma rede de tráfico de reclusas para exploração sexual,

embora tenha aceitado que no exercício da sua profissão e, dada a posição que

ocupa, normalmente conflituante, quer seja com colegas de trabalho, quer seja com

reclusas, seu nome possa estar a ser associado a este escândalo como forma de

retaliação, pelos seus inimigos, como referiu.

8. Chefe Balbina: Não foi possível identificar esta pessoa, pois ninguém no EP-

Ndlavela conhece alguém com este nome que consta do relatório da denúncia.

9. Pedro Maria Macamo: É quadro do EP-Ndlavela, exercendo a função de

Adjunto de Oficial de Permanência, afecto no Departamento de Operações

Penitenciárias. Embora negue o seu envolvimento, no dia 21 de Junho de 2021, por

volta das 12h30, após ter sido contactado, em anonimato por um membro da CI,

confirmou tratar-se de Pedro Maria Macamo do SERNAP. Confrontado com este

facto, aquando da sua audição, o mesmo negou, redundantemente, que tenha um

contacto com os números que lhe foram exibidos (821414867), inclusive que tenha

sido ele quem atendeu a chamada e confirmado a identidade na chamada

anteriormente referida. Importa referir que este agente foi recentemente

transferido para este estabelecimento penitenciário, segundo consta dos

documentos administrativos apensos ao seu processo individual, o que significa que

à data dos factos arrolados na denúncia o mesmo não se encontrava afecto ao EP-

Ndlavela.

10. Sitoe: Do exame feito à relação do efectivo da Guarda Penitenciária do EP-Ndlavela

verificou-se que existem dois (2) agentes que ostentam o mesmo apelido,

nomeadamente, Adilson Elmone Sitoe e Délcio Fernando Sitoe. Confrontados com os

factos constantes da denúncia, nomeadamente as fotos da página 4 (troca de

mensagens a negociar as referidas “pombinhas”), nada se conclui, pois ambos

negaram categoricamente que são as pessoas que parecem nas tais imagens,

negando igualmente que tenham participado de alguma rede de exploração sexual

Page 15: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

15

de reclusas e, inclusive, não reconhecem os números de contacto telefónico exibidos

que constam do relatório da denúncia, como sendo seus.

11. Abílio: Do exame feito à relação do efectivo da Guarda Penitenciária do EP-

Ndlavela verificou-se que existe apenas um (1) agente que ostenta o nome

coincidente, o de Abílio Gaspar Nhachengo. Confrontado com os factos constantes da

denúncia, nomeadamente as fotos da página 4 (troca de mensagens a negociar as

referidas “pombinhas”), nada se conclui, pois este nega categoricamente ter

participado de alguma rede de exploração sexual e, inclusive, não reconhece os

números de contacto telefónico exibidos e nem sequer as imagens das fotografias

exibidas.

CONCLUSÕES:

Do confronto dos dados nominais, imagens fotográficas e contactos

telefónicos constantes da denúncia com nomes, imagens e contactos reais dos

supostos visados, não se constatou serem os referidos agentes os mesmos

identificados na denúncia do CIP.

Da Prova Pericial e Vistoria

A prova pericial resumiu-se na apreciação dos factos que constam da denúncia do Centro

de Integridade Pública (CIP), que incidiu em revista (análise facial minuciosa) e contagem

física do efectivo das reclusas internadas; revista (análise facial minuciosa) e contagem

física de agentes da Guarda Penitenciária arrolados na denúncia e que fizeram parte dos

turnos de serviço nas datas visadas no relatório da denúncia; vistoria às celas, oficinas de

trabalhado e instalações do EP-Ndlavela; visita ao Estabelecimento hoteleiro “Gima-Gima”,

bem como análise de imagens captadas pelo sistema de videovigilância instalado neste

estabelecimento; visando o esclarecimento da verdade material. Com efeito, a CI levou a

cabo as seguintes diligências:

Page 16: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

16

1. Revista (análise facial de todas as reclusas internadas) e

Contagem física do efectivo de reclusório: Face à denúncia

apresentada pelo CIP a CI, além da análise da documentação, portanto,

dos processos de reclusas e fichas, procedeu a contagem física do efectivo

de reclusas para verificar as respectivas caras e confrontá-las com as

fotos e vídeos da denúncia, tendo-se deslocado, para o efeito, aos dois

Pavilhões (P1 e P2) que albergam as reclusas. No recinto, o Presidente da

CI solicitou que as reclusas fossem enfileiradas, obedecendo o protocolo

sanitário no âmbito da prevenção da COVID-19, de modo que fossem

examinadas as caras e comparadas com os rostos e fisionomia das

mulheres que constam dos vídeos e fotos da denúncia. Desta análise

comparada não se constatou qualquer reclusa com as características das

visadas nos vídeos.

2. Revista (análise facial dos agentes da Guarda Penitenciária

visados no relatório e na escala de serviço dos dias visados

no relatório) e Contagem física e análise dos processos

individuais do efectivo do corpo da Guarda Penitenciária

do EP-Ndlavela: Face à denúncia apresentada pelo CIP, a CI analisou

os 243 processos individuais de todo efectivo de agentes da Guarda

Penitenciária, incluindo, sobretudo, os visados no relatório e na escala de

serviço dos dias visados no relatório, comparando as fotografias

constantes dos processos com as fotografias e imagens constantes da

denúncia. Desta análise, não se logrou identificar as caras constantes do

relatório do CIP.

3. Visita ao Estabelecimento hoteleiro “Gima-Gima”: No dia 28

de Junho de 2021, a CI efectuou uma visita surpresa ao estabelecimento

hoteleiro “Gima-Gima”, localizado há 300 metros do Estabelecimento

Penitenciário Especial Feminino de Ndlavela.

Page 17: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

17

3.1 Da visita e entrevistas efectuadas ao local, constatou-se que “Gima-

Gima” é uma propriedade privada, composta por 2 pisos,

comportando 16 quartos; o mesmo funciona há sensivelmente 2

(dois) anos, conta um efectivo de 10 trabalhadores, 3 dos quais

afectos na recepção e restantes 7 nos serviços de apoio.

3.2 O estabelecimento tem um sistema de videovigilância instalado, mas

não foi possível ter acesso às imagens devido ao sistema de

reprogramação automática do equipamento, que apaga as imagens

periodicamente, tendo apagado automaticamente todos os registos

das datas visadas na denúncia. De qualquer forma, o proprietário

disponibilizou imagens e vídeos reportando datas à partir de 12 de

Junho de 2021, que não têm relevância, na medida em que são

ulteriores à investigação do CIP.

CONCLUSÕES:

Das revistas faciais, contagem física do efectivo de reclusas, análise

comparada dos processos individuais de agentes da Guarda Penitenciária e

vistoria levadas a cabo, a CI concluiu não se reunirem elementos bastantes

que liguem as imagens constantes da denúncia às reclusas e aos agentes da

Guarda Penitenciária identificados pelo CIP. No que tange à vistoria ao

Estabelecimento hoteleiro “Gima-Gima”, não foi possível concluir que as

imagens de supostos agentes da Guarda Penitenciária e reclusas identificados

no relatório da denúncia sejam, de facto, de agentes da Guarda Penitenciária e

reclusas do EP-Ndlavela, uma vez que os intervenientes abordados, embora

tenham confirmado que as viaturas e as pessoas ilustradas nas imagens

estiveram no Estabelecimento, não os conseguiram reconhecer como sendo

reclusas ou agentes da Guarda Penitenciária porque não conhecem quaisquer

pessoas nesta condição.

Page 18: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

18

CONCLUSÕES FINAIS QUANTO À DENÚNCIA DO CIP

1. Da análise dos vídeos, fotos e outros documentos relativos aos

procedimentos penitenciários, visando o reconhecimento e identificação das

caras das supostas reclusas e agentes da Guarda Penitenciária apresentados

pelo denunciante, não se logrou concluir que as mulheres e os homens

arrolados na denúncia são reclusas ou agentes da Guarda Penitenciária

afectos ao EP-Ndlavela.

2. Do exame dos livros em uso no EP-Ndlavela a CI não logrou identificar as

mulheres constantes dos vídeos e das imagens veiculadas pelo denunciante,

em seu relatório. Outrossim, não foi possível identificar as viaturas

constantes das fotos e nem os respectivos e legítimos proprietários.

3. Do confronto dos dados nominais e contactos telefónicos constantes da

denúncia com os visados, não se constatou serem os referidos agentes os

mesmos identificados na denúncia do CIP.

4. Da revista facial e contagem física do efectivo de reclusas; da análise

comparada de processos individuais de agentes da Guarda Penitenciária e da

vistoria levadas a cabo, a CI conclui não se reunirem elementos bastantes que

vinculem as imagens constantes da denúncia às reclusas e aos agentes da

Guarda Penitenciária identificados pelo CIP. Relativamente à vistoria ao

Estabelecimento hoteleiro “Gima-Gima”, não foi possível concluir que as

imagens de supostos agentes da Guarda Penitenciária e reclusas

identificados no relatório da denúncia sejam, de facto, de agentes da Guarda

Penitenciária e reclusas do EP-Ndlavela, uma vez que os intervenientes

abordados, embora tenham confirmado que as viaturas e as pessoas

ilustradas nas imagens estiveram no Estabelecimento, não os conseguiram

reconhecer como sendo reclusas ou agentes da Guarda Penitenciária porque

não conhecem quaisquer pessoas nesta condição.

***

Page 19: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

19

Das Constatações Internas (Denúncias no EP-Ndlavela)

Durante os dias de trabalho, a CI realizou 53 entrevistas às reclusas, num efectivo

reclusório total de 96 reclusas. Nas entrevistas, as reclusas, em geral, relataram histórias

que sugerem deficiências sistémicas no funcionamento do estabelecimento penitenciário,

comportamentos e procedimentos susceptíveis de terem facilitado actos de exploração

sexual, má conduta sexual de alguns agentes da Guarda Penitenciária, que terão se

ramificado em violência, abuso sexual e assédio praticados contra algumas reclusas, por

alguns agentes da Guarda Penitenciária e por terceiros (homens estranhos ao EP-Ndlavela)

com conivência de pessoas importantes que exercem funções operativas, que culminaram

em gravidezes, partos, abortos naturais e/ou provocados, agressões, tratamento cruel e

desumano, violência física e psicológica contra reclusas, incluindo suspeitas de impunidade

de alguns agentes da Guarda Penitenciária, conforme se descreve nos pontos seguintes:

Das entrevistas com reclusas

1. Foram exibidas às reclusas entrevistadas fotos das supostas reclusas constantes do

relatório e vídeos da denúncia, tendo sido questionadas se reconheciam as pessoas

nelas constantes, sendo que nenhuma reclusa conseguiu identificar e reconhecer

nenhuma das caras exibidas.

2. Para além destas diligências, a CI questionou se às reclusas entrevistadas se teriam

tido conhecimento ou teriam sido vítimas de actos de exploração sexual praticados

por agentes da Guarda Penitenciária contra reclusas no interior do EP-Ndlavela,

sendo que mais de 35% responderam desconhecer que estas práticas tenham

ocorrido fora do estabelecimento penitenciário. Outrossim, em igual percentagem,

as reclusas entrevistadas não reconheceram haver ocorrência de práticas de

retirada de reclusas na calada da noite ou de dia, assim como não reconheceram as

mulheres constantes dos vídeos e das fotos apresentadas pelo denunciante como

pertencendo a reclusas internadas no EP-Ndlavela.

3. Porém, a maior parte das reclusas entrevistadas, em média 55%, reconhecem e

aceitam existir práticas de actos de relacionamentos sexuais envolvendo agentes da

Page 20: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

20

Guarda Penitenciária e outros homens estranhos ao EP, mas que acontecem no

interior do EP-Ndlavela, conforme se descreve em alguns trechos dos relatos das

reclusas constantes do relatório final:

4. Parte significativa das reclusas entrevistadas, em média 15%, alegaram que em

algumas ocasiões, agentes da Guarda Penitenciária e homens estranhos ao EP-

Ndlavela, com conivência de alguns, ou algumas Chefes deste estabelecimento,

mantinham e facilitavam a prática de actos sexuais com as reclusas, conforme

disseram algumas entrevistadas:

“O que acontecia aqui, são essas filhas da/o Chefe A1 que se envolviam

com os homens que entravam aqui, que eram metidos pela/o Chefe A1.

Elas se encontravam com eles na costura grande, tinha um colchão lá e

fogão que usavam para cozinhar. Saiam de manhã e só voltavam na

hora do fecho. Como nós estamos deste lado, não víamos o que acontecia

do outro lado, até podiam sair sem nós vermos. Nós só conseguimos ver

a costura grande porque do nosso recinto é possível ver os movimentos.

As filhas do/a Chefe A1 eram as únicas que não eram proibidas de sair

do recinto, saiam quando queriam, podiam andar esta cadeia toda sem

ninguém lhes ralhar ou proibir…”.“…Havia uma menina que era

convidada todos os dias pelo/a Chefe A1… mas essa saiu no dia

21.06.2021…”.

5. Mais relatos contam:

“A Chefe “A2” [reclusa-chefe do recinto] escolhia algumas meninas de

sua preferência aos fins-de-semana e feriados, para a sala de costura

grande, onde vinham homens de fora do estabelecimento em 3 carros

para participarem em festas que aconteciam no interior do EP e lá

aconteciam as coisas …”.

6. Outras reclusas relataram que as visitas aconteciam nos fins-de-semana e/ou

feriados, normalmente interditos a visitas de fora, tendo afirmado:

“…Todos os fins-de-semana e feriados vinham pessoas, traziam bebidas,

carnes e faziam bray. Quando chegava a hora dos “apetites” elas já

saiam da cela preparadas. Os homens davam dinheiro à Chefe A1…”.

Page 21: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

21

7. Outras referiram haver alguns excessos na denúncia do CIP, porque as coisas

aconteciam no interior do EP-Ndlavela e não no exterior como alega a denúncia:

“Eu penso que há alguns excessos na investigação do CIP, porque as

coisas não aconteciam assim como eles disseram, porque tudo acontecia

aqui dentro do recinto, se chegavam a sair fora do estabelecimento,

então era muito sigiloso…” Outras relataram, ainda, o seguinte: “…É

difícil dizer se saiam ou não [para suposta prática de exploração

sexual], porque víamos a sair, e era normal saírem às 8 e voltarem às

16, até podia acontecer, mas a pessoa nunca vai dizer o que aconteceu…

Às vezes alguém ficava doente ou fingia que estava doente ou aquilo era

combinado, de repente era chamada e saía e só voltava muito tarde, se

calhar ia para essas coisas ou até não, mas não podemos saber, mas que

tem saídas constantes tanto de dia [quanto de noite] isso é verdade”.

8. No que respeita à prática de actos sexuais e outros actos de violência, maus-tratos,

gravidezes das reclusas, partos e abortos provocados ou naturais, no interior do EP-

Ndlavela praticados por agentes da Guarda Penitenciaria, a maior parte das reclusas

entrevistas, em média 33%, relataram que algumas reclusas se envolveram ou se

envolvem com agentes da Guarda Penitenciária, fazendo-o como forma de obter

certos privilégios de sobrevivência, como alimentação diferenciada, produtos de

higiene e diversificados mas, sobretudo, para evitar punição e tratamento cruel e

desumano, conforme demonstramos nos trechos das conversas mantidas com as

reclusas que constam com mais detalhes do relatório final:

“…Sou nova aqui, não vivenciei nada, mas ouço comentário que há

algumas colegas que se envolvem com os próprios guardas...”.1 “…Nós

ouvimos também que aqui há reclusas que ficam grávidas, por exemplo

a colega PC da cela 3 ficou grávida e abortou com ajuda destas chefes

daqui…”.2 “Em 2015 esteve cá uma reclusa chamada M1, que

engravidou de um agente penitenciário cujo nome não conheço…”.3

1 Reclusa H (Cela 3) 2 Reclusa P (Cela 5)

3 Reclusa AD (Cela 3)

Page 22: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

22

9. A maioria das reclusas entrevistadas confirmou ter havido casos de reclusas cujos

rastreios de gravidezes feitos à entrada deram negativo, mas que passado meses ou

anos engravidaram de agentes da Guarda Penitenciária. Este facto foi confirmado

por agentes da Guarda Penitenciário entrevistados, assim como membros da

Direcção do EP-Ndlavela, que afirmaram ter havido pelo menos 5 casos conhecidos

de envilvimento sexual entre agentes da Guarda Penitenciária e reclusas que

culminaram na instauração de processos disciplinares, dos quais 2 deram em

expulsão, outros em demissões e transferências, outros que depois de instaurados

não deram em nada e, outros ainda, que nem sequer foram iniciados.

DO RELATÓRIO PSICOLÓGICO

A informação descrita no presente relatório, que irá anexo ao relatório final, é produto das

mais de 40 sessões de entrevistas clínicas com as reclusas que cumprem as suas penas

naquele estabelecimento [Estabelecimento Penitenciário Especial Feminino de Ndlavela],

realizadas por uma equipa de psicólogos designados pela APM. Os dados obtidos são

produtos de cruzamentos de técnicas de entrevistas psicológicas, observação do contexto

social do estabelecimento (olhando para as dinâmicas das reclusas naquele

estabelecimento, suas interacções com os agentes da guarda penitenciária, e actividades

psico-educativas), incluindo cartas (evidências escritas pelas reclusas) que foram

entregues aos psicólogos durante as sessões de escuta. São seguintes as constatações:

1. Todos os eventos observados durante a intervenção dos psicólogos são na sua

plenitude caracterizados por provocar episódios agudos de Stress e evoluir para

Perturbação Pós-traumática de Stress (PTSD). No cômputo geral, os eventos são

categorizados e classificados em formas de abuso sexual no sistema penitenciário

que se configuram como autêntica violação dos direitos humanos das reclusas por

até de quem deva garantir a regeneração das mesmas (os agentes penitenciários) no

cumprimento do seu dever enquanto funcionários públicos, assumindo que a

garantia da protecção e segurança das reclusas são responsabilidade do Estado.

Page 23: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

23

2. O abuso sexual na prisão aconteceu de várias formas; as vítimas relatam que os

abusos sexuais foram protagonizados por agentes penitenciários e outros homens

externos ao sistema penitenciário.

3. Em alguns casos, os abusos não envolviam penetração, independentemente do

género do agressor e do estado de saúde da vítima. Abusos sexuais aconteceram

entre agressores e vítimas do sexo masculino (agentes penitenciários e clientes) e

feminino (reclusas da Cadeia de Ndlavela).

4. Em muitos casos, eram os próprios agentes penitenciários que cometeram o abuso

sexual ou facilitaram estupros para determinados reclusos.

5. Em outros casos, funcionários exigiram sexo em troca de comida, drogas ou

promessas de tratamento diferenciado.

6. Alguns agentes penitenciários entram em o que poderia parecer relações

consensuais mútuas com presas.

7. Em outros casos, os agentes usam o seu poder para impor os seus interesses,

“apetites e fetiches” sexuais às reclusas, sendo que esses “apetites e fetiches”

sexuais, quando não se materializavam, resultavam em represálias contra as

reclusas, caracterizadas por restrição de liberdades, punições severas e desumanas,

incluindo humilhações nas formaturas [paradas]. Esse facto, fez com que se criasse

um novo código prisional naquele estabelecimento, aonde o mesmo vai

categorizando as reclusas em função dos grupos que pertencem.

8. A maioria das reclusas engravidou (mais de uma vez) e foram forçadas a praticar

aborto, recorrendo aos serviços hospitalares das enfermeiras afectas no EP-

Ndlavela. Embora haja acompanhamento psicológico e tratamento médico, que

inclui cuidados pós-estupro para evitar a transmissão de algumas doenças

sexualmente transmissíveis, o que pode ser muito útil, esta ajuda não está à

disposição da comunidade reclusa do EP-Ndlavela.

***

Page 24: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

24

DAS CONCLUSÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

1. Das Conclusões

A execução de penas e medidas de segurança dos que se encontram em regime de detenção

ou prisão preventiva, realiza-se em absoluto respeito pela dignidade da pessoa humana,

[em particular das reclusas] assente nos princípios fundamentais consagrados na

Constituição da República de Moçambique, nos instrumentos de Direito Internacional e nas

demais leis.4

Na justificativa apresentada pelo CIP lê-se:

“Guardas prisionais forçam mulheres reclusas a sair da cadeia para se

prostituírem. Por cada reclusa entregue a um cliente recebem pagamento em

dinheiro que varia de cerca de 3 até 30 mil meticais. Os clientes são,

geralmente, pessoas bem posicionadas na sociedade que procuram prazer em

mulheres que acreditam terem permaneceram muito tempo sem manter

relações sexuais. As reclusas usadas na rede de prostituição recebem

tratamento privilegiado na cadeia. As que se recusam a aderir à rede são

seviciadas e no fim a maioria acaba cedendo.”5

Segundo consta da denúncia do CIP, o escândalo acontece há anos e para fundamentar as

suas alegações, narra como a suposta rede actua e apresenta vídeos e imagens de reclusas e

guardas penitenciários, supostamente flagrados em cenas de exploração sexual.

Abordar a problemática da exploração sexual, especificamente, envolvendo mulheres e

jovens encarceradas, pode ser especialmente difícil, pois essas interacções são específicas

do submundo institucional penitenciário em qualquer parte do mundo. O dano causado por

4 ARTIGO 5 (Princípio da dignidade humana) do CEP

5 Lê-se no Relatório de investigação jornalística: Exploração Sexual de Reclusas na Cadeia Feminina de Ndlavela,

intitulada “ saio duas a três vezes por semana…só descanso quando estou menstruada”, publicada na Revista CIP, Edição N.º 1, 2021-Junho. Disponível em https://www.cipmoz.org/wp-content/uploads/2021/06/Explorac%CC%A7a%CC%83o-Sexual.pdf

Page 25: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

25

comportamentos sexualmente exploradores pode ser abordado e tratado por meio da

consciencialização, educação, prevenção e programas de tratamento sexual às reclusas,

elaborados especialmente para ajudar mulheres que sobrevivem à situações de vitimização

sexual em circunstâncias únicas no meio penitenciário.

O desequilíbrio de poder entre reclusas e agentes da Guarda Penitenciária é resultado da

total dependência destas aos agentes penitenciários, no que se refere à capacidade de reter

privilégios que permitam a sua sobrevivência, dependência essa que se manifesta na força

física directa e abusos indirectos a que podem ser sujeitas as mulheres e jovens em

condição de reclusão. Porque as mulheres reclusas são, em grande parte, invisíveis aos

olhos do público, pouco é feito quando a pena de reclusão é combinada com a de violações

e agressões sexuais, que a CI acaba de relatar.

As mulheres são frequentemente coagidas a fornecer sexo em troca de "favores", como

alimentos extras ou produtos de higiene pessoal, ou para evitar punições. Além disso, há

poucos cuidados médicos ou psicológicos disponíveis para as reclusas.

Embora o abuso e a exploração sexual de reclusas, no mundo em geral, sejam tão antigos

quanto as próprias penitenciárias, a denúncia do CIP, independentemente de distorções,

lacunas e insuficiências que contém, tem o mérito de despertar um debate mais profundo

sobre como é a vida diária das mulheres internadas nos nossos estabelecimentos

penitenciários pois que, a existência do fenómeno da exploração sexual exige, para o seu

combate e prevenção, um compromisso firme das autoridades públicas e de toda a

sociedade.

Embora a nossa legislação ainda não puna como crime, especificamente, a prática de actos

sexuais entre agentes da Guarda Penitenciária e as reclusas ou reclusos, apenas como

violação de deveres deontológicos, a ocorrência destes actos no EP-Ndlavela parece ser

prevalecente e, poucos agentes da Guarda Penitenciária que praticam ou praticou actos

sexuais com reclusas, são detidos e responsabilizados. Entretanto, a CI constatou que dos 5

casos reportados aos visados foram instaurados processos disciplinares que culminaram

com demissões, transferências e outros que, depois de instaurados não deram em nada e,

outros ainda, que nem sequer foram iniciados.

Page 26: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

26

Os resultados desta investigação e do relatório que ora se apresenta publicamente, podem

não capturar toda a extensão do problema, impondo-se, por conseguinte, e,

indubitavelmente, a necessidade de se continuar a averiguar, com profundidade e urgência,

a situação real das reclusas do EP-Ndlavela e, concomitantemente, de outras penitenciárias

a nível do país, de modo a aferir da real situação no que tange à protecção dos direitos

humanos no geral e, em particular, das mulheres e jovens reclusas em Moçambique, bem

como em caso de se confirmar, mobilizar o Governo e a sociedade em todas as esferas para

a construção de redes de protecção a todas as mulheres e jovens reclusas.

2. Das Recomendações

Independentemente dos resultados que ora se apresentam, a CI recomenda, vivamente, que

o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, e outras instituições do

Sector de Administração de Justiça, e a Sociedade Civil no geral, continue este importante

trabalho de mapeamento, prevenção e monitoria de casos de exploração sexual, e outras

problemáticas potenciadoras de violação de direitos das mulheres e jovens internadas nos

nossos estabelecimentos penitenciários, e que o Estado Moçambicano, através do Governo

e parceiros de cooperação para o desenvolvimento, disponibilize apoio material, técnico e

financeiro necessário para o efeito.

A exploração sexual e outras formas de abuso sexual cometidos contra reclusas por alguns

agentes da Guarda Penitenciária constituem actos de tortura ou tratamento cruel,

desumano ou degradante. A CI recomenda ao Ministério da Justiça, Assuntos

Constitucionais e Religiosos, ao Judiciário, ao Legislativo e à Sociedade Civil a tomarem,

entre outras, as seguintes medidas para proteger as reclusas contra a exploração e abuso

sexual:

Ao nível do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos:

1. No que tange aos direitos e garantias das reclusas:

a) Responsabilizar disciplinarmente as pessoas envolvidas, instaurando processos

disciplinares contra todos aqueles que haja provado praticarem, ou terem praticado

Page 27: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

27

quaisquer actos que atentem contra os direitos humanos das pessoas reclusas,

incluindo práticas de exploração e abuso sexual;

b) Estabelecer que as reclusas devem ser supervisionadas apenas por agentes da

guarda penitenciária de sexo feminino, de acordo com as regras mínimas

recomendadas no âmbito da promoção e protecção de direitos humanos da pessoa

presa;

c) Proibir, explicitamente, todas as formas de abuso sexual, incluindo não apenas

agressão física, mas todo contacto sexual entre agentes da Guarda Penitenciária e as

reclusas;

d) Garantir que todas as reclusas devem ser informadas e sensibilizadas sobre seu

direito de não serem abusadas sexualmente e o direito de reclamar em caso de

abuso;

e) Garantir que todas as denúncias de abuso sexual sejam investigadas de forma

independente, rápida e completa, de acordo com as melhores práticas para a

investigação de violência sexual, incluindo acções de seguimento dos casos

denunciado;

f) Estabelecer normas que assegurem que as denúncias apresentadas pelas reclusas

sejam feitas nas melhores condições de segurança, sigilo e protecção;

g) Fornecer atenção e reparação adequadas às vítimas de abuso sexual, através da

constituição de um grupo técnico de acompanhamento psicológico das reclusas

potenciais vítimas de exploração sexual, abusos sexuais e maus tratos internadas no

Estabelecimento Penitenciário Especial Feminino de Ndlavela;

h) Garantir a protecção de reclusas e agentes da Guarda Penitenciária que

denunciaram ou venham a denunciar casos de abusos de diversa natureza,

protegendo-os/as de possíveis retaliações;

i) Promover um inquérito a nível nacional, nos estabelecimentos penitenciários de

potencial risco, responsabilizando disciplinar e criminalmente os implicados, se for

caso disso.

Page 28: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

28

1.1. Da Reforma Legal e dos Procedimentos Penitenciários:

a) Propor ao Governo a reforma da legislação que criminaliza as relações sexuais

entre agentes da Guarda Penitenciária e reclusas;

b) Estabelecer um sistema de reclamação eficaz para que as reclusas possam

denunciar casos de exploração sexual, violação sexual, assédio sexual e outros

tipos de maus-tratos e violação dos direitos das reclusas, devendo as

investigações ser conduzidas de forma independente e imparcial;

c) Mobilizar parcerias e apoio institucional para a domesticação e implementação,

nos estabelecimentos penitenciários femininos, de uma série de regras e

recomendações regionais e internacionais em matérias de promoção e protecção

dos direitos das pessoas presas, com especial foco nas mulheres, jovens e

crianças;

d) Desenvolver um estudo socio-criminológico sobre reclusas, para mapear

situações de vulnerabilidade e ameaças de risco de exploração sexual, abuso

sexual, maus tratos, reincidência e multi-reincidência;

e) Desenvolver ou aprimorar programas de reabilitação e reintegração/reinserção

social, visando a mitigação de fenómenos de vitimização e reincidência no

sistema penitenciário;

f) Actualizar a legislação do sistema penitenciário, conformando-a com protocolos

e tratados internacionais atinentes à área penitenciária ratificados pelo país ou

recomendados, sobretudo no que tange à regulamentação de visitas íntimas.

2. Ao nível do Judiciário:

a) Garantir que todas as denúncias constantes do presente relatório sejam

investigadas e em caso de se confirmarem os factos da denúncia ou outros conexos,

responsabilizar criminalmente todos os implicados;

b) Estimular a humanização das penas nos casos de mulheres e jovens e massificar a

aplicação de penas e medidas alternativas à pena de prisão, bem como medidas de

carácter socioeducativas, especialmente para mulheres, jovens e raparigas lactantes;

Page 29: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

29

c) Garantir a protecção das fontes, especialmente de testemunhas, denunciantes e

outros sujeitos que colaboraram no processo de averiguação e outros que vierem a

colaborar em outras investigações.

3. Ao nível do SERNAP:

a) Criar condições para que no Estabelecimento Penitenciário Especial de Feminino de

Ndlavela, em particular, trabalhem só mulheres, inclusive nas áreas operativas e de

segurança;

b) Promover acções de consciencialização e educação permanente dos agentes da

Guarda Penitenciária sobre seus deveres e direitos dos reclusos;

c) Criar condições para a produção e distribuição de panfletos e cartilhas sobre os

direitos e deveres das reclusas e dos reclusos, bem como de agentes da Guarda

Penitenciária;

d) Desenvolver e implementar manuais de procedimentos operacionais que atendam

às características dos estabelecimentos especiais para mulheres e jovens,

observando padrões internacionais mínimos para o tratamento de reclusos;

e) Reforçar a segurança dos estabelecimentos penitenciários no que tange ao registo

do movimento de pessoas, bens e viaturas, instalando sistema de videovigilância nos

portões de acesso ao estabelecimento penitenciário e nas principais zonas de acesso

ao recinto reclusório;

f) Aprimorar os mecanismos de responsabilização disciplinar dos funcionários e

agentes da Guarda Penitenciária;

g) Pensar na possibilidade de as futuras nomeações para cargos de Direcção e Chefia

do SERNAP obedecerem, além de critérios de confiança, outros critérios objectivos

de mérito e competência, aferidos por via de processos de selecção, tendo em conta

as especificidades da natureza dos serviços penitenciários;

h) Rever os planos curriculares de formação inicial de guardas penitenciários,

introduzindo nestes, módulos que abordem matérias específicas em função das

características e especificidades dos estabelecimentos especiais para mulheres e

jovens. Ao nível da formação contínua (pessoal em exercício), capacitar, através de

Page 30: REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, …

30

cursos de actualização e de especialização, os funcionários e agentes da Guarda

Penitenciária em matérias específicas tendo em atenção as especificidades dos

estabelecimentos penitenciários especiais;

i) Proporcionar acompanhamento psicológico às reclusas por profissionais

especializados e garantir uma escuta profissional como medida de garantir a

manutenção da saúde mental das reclusas;

j) Proporcionar acompanhamento médico para os casos de reclusas vivendo com HIV-

SIDA e rastreio de despiste de doenças sexualmente transmissíveis.

4. Ao nível da sociedade civil:

Melhorar as formas de articulação e de comunicação entre as instituições e entidades da

sociedade civil e outras externas que colaboram com os estabelecimentos penitenciários

femininos na prossecução de actividades de reabilitação e reinserção social, no sentido de

identificarem e denunciarem potenciais casos de exploração sexual, abuso sexual e maus

tratos praticados contra reclusas e dar o devido encaminhamento.