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Centenário da República Portuguesa A I República Portuguesa (1910- 1926): um balanço contraditório Manuel Loff Faculdade de Letras da Universidade do Porto Instituto de História Contemporânea (FCSH/UNL)

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Centenário da República Portuguesa

A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório

Manuel Loff

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

F

Instituto de História Contemporânea (FCSH/UNL)

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A I República Portuguesa (1910­1926):um balanço contraditório

A República na História Contemporânea portuguesa:A República e o republicanismo estão na génese da modernização 

política portuguesa e, portanto, da democracia.A República Portuguesa é, depois da francesa (1870), o segundo 

regime republicano definitivamente instaurado num Estado grande ou médio europeu, antes ainda das duas guerras mundiais que conduziram ao derrube da maioria dos regimes monárquicos na Europa.

Apesar dos graves problemas estruturais que condicionaram o desenvolvimento socioeconómico português ao longo do século XX, Portugal revelou há 100 anos uma significativa modernidade política.

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A I República Portuguesa (1910­1926):um balanço contraditório

A República na História Contemporânea portuguesa:1. Impacto da mudança política nos planos económico e social2. As condicionantes de um reformismo jacobino: mudar sem 

assegurar apoio popular3. A ruptura com o modelo cultural e simbólico da sociedade 

tradicional pré­contemporânea: separação entre a Igreja e o Estado, a laicização da esfera pública, escola como instrumento central da construção da cidadania e da cultura.

4. Evolução do sistema liberal na direcção da democracia provoca a crise do próprio sistema liberal – República portuguesa insere­se em plena primeira grande crise do sistema liberal (1914­45).

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório

1. Impacto da mudança política nos planos económico e social

C

Crise do modelo de desenvolvimento económico oitocentista: industrialização incipiente, dependência comercial e financeira do exterior, uma economia da importação → uma percepção (obsessiva?) do atraso exonómico, tecnológico e cultural, uma leitura pessimista do futuro do país por parte das elites portuguesas.

19100

10

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30

40

50

60

7066

22

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AgriculturaIndústriaServiços

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório1. Impacto da mudança política nos planos económico e social

Projecto republicano:Uma reforma da economia vocacionada para a modernização das estruturas de

propriedade agrária (desmantelamento da grande propriedade), de produção (introdução de relações capitalistas no campo) e para a auto-sustentação do mercado nacional.

MAS

Intervenção voluntária na I Guerra Mundial dissolve todas as condições para o reformismo socioeconómico: inflação, despesa pública, confronto com o movimento operário.

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População portuguesa (1854­1930)(em milhares)

FONTES: Recenseamentos Gerais da População

1854 1864 1878 1890 1900 1911 1920 19300

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

34993830

4160

46605040

5586 5668

6335

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Emigração portuguesa (1855­1924) (milhares/ano)

FONTES: F.M. COSTA, «A sociedade: regeneração na continuidade», in vol. II, p.191, e P. GUINOTE, «A sociedade: da agitação ao desencanto», vol. III, p. 183,  in A. Reis (coord.), Portugal Contemporâneo, S.l.: Pubs. Alfa, 1990.

1855 1865 1875 1885 1895 1905 1911 1919 19240

10

20

30

40

50

60

70

11,6

4,2

15,4 15

44,7

33,2

59,7

36,9

29,7

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório2. As condicionantes de um reformismo jacobino: mudar sem assegurar apoio popular

• Um sistema político democrático representativo: alargamento do direito de sufrágio; ponderação da possibilidade de direitos políticos para as mulheres.

• Uma escola universalizada que formasse os cidadãos da República. Uma reforma da economia vocacionada para a modernização das estruturas de propriedade agrária e de produção e a auto-sustentação do mercado nacional.

• A separação entre o Estado da Igreja e a reforma do direito familiar.

• Um desenvolvimento colonial catalisador da independência económica.

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório2. As condicionantes de um reformismo jacobino

Sistema político parlamentarista, hegemonizado pela esquerda republicana (Democráticos, de Afonso Costa) produz governos instáveis, em reacção às tentações autoritárias da fase final do regime monárquico.

Exasperação das direitas (republicana, monárquica, católica) → acesso das direitas ao poder faz-se quase só pela via do golpe militar: Movimento das Espadas, Pimenta de Castro (1915); República Nova de Sidónio Pais (1917-18).

Contestação monárquica ao novo regime faz-se pela via armada: incursões armadas monárquicas em território transmontano dos exilados em território espanhol (1911-13); Monarquia do Norte (Jan.-Fev. 1919).

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório2. As condicionantes de um reformismo jacobino

Um modelo jacobino de Estado, a Revolução a partir de cima, a República por telégrafo → crença progressista na capacidade/inevitabilidade de um Estado reformista que transforma a sociedade.

Concepção iluminista da cidadania política → sufrágio restringido aos homens alfabetizados: «Quero fazer eleições com votos conscientes, não com analfabetos. (...) Indivíduos que não sabem os confins da sua paróquia, que não têm ideias nítidas e exactas sobre coisa nenhuma, nem de nenhuma pessoa, não devem ir à urna, para não se dizer que foi com carneiros que confirmámos a República» (Afonso Costa, debate parlamentar sobre reforma eleitoral, 1913) → República inscreve-se em 150 anos de paradigma hegemónico de elitismo político no Portugal contemporâneo.

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Eleitores inscritos (%)/População totalFONTES: M.C. PROENÇA, A. P. MANIQUE, «Da reconciliação à queda da Monarquia», in A. Reis (coord.), Portugal Contemporâneo, vol. II, S.l.: Pubs. Alfa,

1990, p.28, e A.H.O. MARQUES (coord.), Portugal. Da Monarquia para a República, «Portugal. Da Monarquia para a República», in J. SERRÃO, A.H.O. MARQUES (dirs.), Nova História de Portugal, vol. XI. Lisboa: Editorial Presença, p. 422.

1864 1878 1890 1901 1910 1911 1913 1918 19250

5

10

15

20

25

10,6

19,420,4

11,9 11,6

14,1

6,7

17,7

11,3

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório3. A ruptura com o modelo cultural e simbólico da sociedade tradicional pré­contemporânea

Reformismo jacobino:

* Conflito aberto com a Igreja (separação Estado/Igreja, interdição das ordens religiosas e do ensino religioso, perseguição do clero) em 1910-17 – mas reaproximação ao mundo católico (reatamento relações diplomáticas com a Santa Sé, liberalização do culto) durante o Sidonismo, e prosseguida na restauração da legalidade republicana (1919-26).

* Reformismo educativo: ampliação da gratuitidade escolar (8 anos desde 1911, abarcando o novo ciclo Superior do Ensino Primário), Escolas Móveis, criação das universidades de Lisboa e Porto, fim do monopólio de Coimbra), nova rede de escolas normais de formação de professores primários - mas projectos de ampliação da escolaridade obrigatória (de 5 para 8 a 10 anos), aumento da rede escolar, alfabetização generalizada confronta-se rapidamente com a falta de meios financeiros e condições políticas para a sua aplicação.

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório4. Evolução do sistema liberal na direcção da democracia provoca a crise do próprio sistema liberal

Intervenção na Grande Guerra (1916-18) provoca: inflação, despesa pública descontrolada;

55 mil soldados enviados para a Flandres (Corpo Expedicionário Português), 45 mil para Angola e Moçambique; 35 mil mortos e feridos; inflacionamento das forças armadas;

quatro greves gerais em 1917-18, contra Afonso Costa e Sidónio Pais;

exasperação social assegura popularidade às aparições de Fátima (Maio-Outubro de 1917) ⃪→ remobilização católica aproveitada politicamente contra a República.

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório4. Evolução do sistema liberal na direcção da democracia provoca a crise do próprio sistema liberal

Emergência do populismo: golpe de Estado de Sidónio Pais → República Nova (1917-18): presidencialismo carismático, eleição plebiscitária do PR por sufrágio universal masculino, populismo social, atracção da direita monárquica e católica, ambiguidade com e repressão do movimento operário → uma experiência proto-fascista.

Sucessão de pronunciamentos militares e violência política: Monarquia do Norte = Traulitânia, (Janeiro-Fevereiro 1919) 1921, 1923, 1925..., 28 de Maio de 1926.

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório4. Evolução do sistema liberal na direcção da democracia provoca a crise do próprio sistema liberal

1919-26: República Velha e crise final do sistema liberal: as direitas viram-se para o autoritarismo e apelam ao golpe militar:

(i) reforço do movimento sindical (CGT, 1919) força a nova legislação social – mas esta não o satisfaz;

(ii) articulação política dos patrões - Confederação Patronal (1919), União dos Interesses Económicos (1925), Alfredo da Silva - contra a nova legislação social e fiscal;

(iii) exemplos autoritários italiano (Mussolini, 1922) e espanhol (Primo de Rivera, 1923) criam precedente sedutor para as direitas;

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório4. Evolução do sistema liberal na direcção da democracia provoca a crise do próprio sistema liberal

1919-26: República Velha e crise final do sistema liberal: as direitas viram-se para o autoritarismo e apelam ao golpe militar:

(iv) convergência da direita republicana: P. Republicano Liberal (1921-23), P. Nacionalista Republicano (1923);

(v) monarquismo fascizado: Integralismo Lusitano (1914-38: A.Sardinha, A. Pimenta, Pequito Rebelo), Liga Nacional (1915-1918), Cruzada Nun'Álvares (1918-38; Filomeno da Câmara), Nacionalismo Lusitano (1923-24)

(vi) papel aglutinador do catolicismo político (Salazar), que partilha nacionalismo integral maurrasiano e corporativismo com o IL mas propõe pragmatismo quanto à questão do regime.

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A I República Portuguesa (1910­1926): um balanço contraditório Concepção ampla e complexa de

República e consenso mínimo fundado sobre valores republicanos essenciais como a Liberdade, a Igualdade e o Estado representativo, serviu para juntar movimentos sociopolíticos que se opuseram à Monarquia nas suas duas últimas décadas de vigência (1890-1910), aqueles que resistiram às tentativas de restauração monárquica ou de golpe militar autoritário durante a vigência da I República (1910-26), e também aqueles que resistiram à ditadura salazarista (1926-74) e que, finalmente, se reviram na Revolução Democrática do 25 de Abril de 1974.