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1 A REPARAÇÃO DE DANOS AO CONCESSIONÁRIO NA ENCAMPAÇÃO DA CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: ANÁLISE DAS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Alex Vasconcellos Prisco Artigo publicado no site Jusnavigandi em junho de 2010 Sumário: 1. Introdução: enquadramento do tema e plano de estudo. 2. A responsabilidade civil contratual objetiva da administração pública no caso de encampação da concessão. 3. Notas ao regime jurídico geral da reparação civil de danos ao concessionário na hipótese de encampação da concessão. 3.1. Visão geral da natureza e extensão das verbas indenizáveis. 3.1.2. Indenização dos bens reversíveis e não reversíveis: fundamento, abrangência e pressupostos. 4. Exceções à aplicação do princípio da restituição integral em matéria de concessões: o contrato e a lei. 4.1. As cláusulas limitativas da obrigação de indenizar da administração pública em caso de encampação da concessão: posição, função e condições de validade e eficácia. 4.1.1. Cláusula limitativa e dano moral. 4.1.2. Necessidade de estipulação de reparação em valores razoáveis e proporcionais. 4.1.3. Cláusula limitativa e forma de pagamento da indenização. 5. Referências bibliográficas. Resumo: o artigo trata da responsabilidade civil contratual da Administração Pública, limitado o estudo à hipótese de encampação da concessão de serviços públicos e seu sistema de ressarcimento de danos ao concessionário. A intenção é realizar uma análise unitária e sistemática da matéria, tentando fixar alguns parâmetros de controle da jurisdicidade das cláusulas limitativas de responsabilidade inseridas no bojo dos contratos de concessão.

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A REPARAÇÃO DE DANOS AO CONCESSIONÁRIO NA ENCAMPAÇÃO

DA CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: ANÁLISE DAS CLÁUSULAS

LIMITATIVAS DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

Alex Vasconcellos Prisco

Artigo publicado no site Jusnavigandi em junho de 2010

Sumário: 1. Introdução: enquadramento do tema e plano de estudo. 2. A

responsabilidade civil contratual objetiva da administração pública no caso de

encampação da concessão. 3. Notas ao regime jurídico geral da reparação civil de

danos ao concessionário na hipótese de encampação da concessão. 3.1. Visão

geral da natureza e extensão das verbas indenizáveis. 3.1.2. Indenização dos

bens reversíveis e não reversíveis: fundamento, abrangência e pressupostos. 4.

Exceções à aplicação do princípio da restituição integral em matéria de

concessões: o contrato e a lei. 4.1. As cláusulas limitativas da obrigação de

indenizar da administração pública em caso de encampação da concessão:

posição, função e condições de validade e eficácia. 4.1.1. Cláusula limitativa e

dano moral. 4.1.2. Necessidade de estipulação de reparação em valores razoáveis

e proporcionais. 4.1.3. Cláusula limitativa e forma de pagamento da indenização.

5. Referências bibliográficas.

Resumo: o artigo trata da responsabilidade civil contratual da Administração

Pública, limitado o estudo à hipótese de encampação da concessão de serviços

públicos e seu sistema de ressarcimento de danos ao concessionário. A intenção

é realizar uma análise unitária e sistemática da matéria, tentando fixar alguns

parâmetros de controle da jurisdicidade das cláusulas limitativas de

responsabilidade inseridas no bojo dos contratos de concessão.

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Palavras-chave: Responsabilidade civil contratual da administração pública –

Concessão de serviço público - Encampação - Reparação de danos ao

concessionário - Cláusulas limitativas da obrigação de indenizar.

1. Introdução: enquadramento do tema e plano de estudo

O presente trabalho aborda a responsabilidade civil contratual da

Administração Pública, limitado o estudo à hipótese de encampação da concessão

de serviços públicos e seu sistema de ressarcimento de danos ao concessionário.

Com efeito, conforme dispõe o art. 37, da Lei nº 8.987/95, entende-se por

encampação a “retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da

concessão, por motivo de interesse público”.

Nesse caso, considerando os vultosos prejuízos patrimoniais que advém do

rompimento prematuro do vínculo obrigacional, surge para Administração Pública

a obrigação de indenizar o concessionário da forma mais ampla possível,

mediante reparação dos danos emergentes e lucros cessantes. Como teremos a

oportunidade de ver, esse é o entendimento pacífico da doutrina.

O panorama legal, no entanto, é um pouco diverso, uma vez que a Lei

Geral de Concessões só disciplina o ressarcimento dos danos emergentes (bens

reversíveis não amortizados ou depreciados), sendo omissa quanto à indenização

referente a outras espécies de prejuízos efetivos, bem como aquilo que o

concessionário deixou de lucrar com a extinção antecipada da concessão.

Esse tratamento jurídico insuficiente dado pela lei básica de concessões,

em que praticamente só um tipo de dano encontra expressa previsão de

reparação, abriu espaço, no âmbito de uma administração pública concertada,

para que o disciplinamento da indenização por danos emergentes e lucros

cessantes se desenvolvesse pela via contratual.

Assim é que, na tentativa de amenizar os enormes gastos que a retomada

antecipada do serviço público concedido causa aos cofres públicos, o poder

concedente costuma preestabelecer nos contratos de concessão variadas

fórmulas econômico-financeiras, todas com nítido objetivo de limitar o valor da

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indenização por danos emergentes e lucros cessantes devidos ao concessionário

em caso de eventual encampação.

Dentro desse contexto, iniciaremos o trabalho enfocando o regime jurídico

da reparação civil de danos ao concessionário na hipótese de encampação da

concessão, dissertando a respeito da natureza e extensão das verbas

indenizáveis.

Num passo seguinte, procederemos à análise do dispositivo contratual de

limitação de responsabilidade pelos lucros cessantes, destacando, à luz da Teoria

Geral dos Contratos e dos imperativos juspublicísticos peculiares às contratações

administrativas, sua posição jurídica no ordenamento, função e condições de

validade e eficácia.

A intenção é realizar o estudo unitário e sistemático da matéria, tentando

fixar parâmetros claros de controle da juridicidade das cláusulas limitativas de

responsabilidade inseridas no bojo dos contratos de concessão.

2. A responsabilidade civil contratual da administração pública no caso de

encampação da concessão

De um modo geral – e especialmente no que se refere à concessão -,

quando uma pessoa privada é admitida a contratar com entidades ou órgãos

públicos, “a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-

se a cambiáveis imposições de interesse público1”.

Como forma de compensar ou atenuar o risco de instabilidade ínsito às

contratações administrativas, o sistema obrigacional juspublicístico fornece ao

particular uma série de “garantias econômicas2”, procurando tutelar com especial

rigor seus “interesses patrimoniais3” em face da Administração.

1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 573. 2 DALLARI, Adilson Abreu. Alterações dos Contratos Administrativos – Economicidade,

Razoabilidade e Eficiência, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 17. 3 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 573.

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É de fácil intuição que essa blindagem patrimonial não existe para

“privilegiar” diretamente o particular, mas sim para assegurar finalisticamente o

respeito aos interesses públicos visados pelo contrato. Desse modo, a presença

de uma tutela econômico-financeira da parte privada se mostra extremamente

necessária no contrato administrativo; sobretudo no de concessão, onde além da

relevância pública de seu objeto - a impor uma prestação de serviços com

qualidade e continuidade -, “o particular normalmente assume o ônus de realizar

investimentos iniciais de vulto4.”

No entanto, a proteção econômica do parceiro privado que investiu alto no

setor de serviços públicos tem outro fundamento jurídico quando se trata de

encampação. É que na hipótese de resgate antecipado da concessão não caberá

mais ao concessionário prestar qualquer serviço público, de maneira que o

amparo patrimonial não se dá para garantir o adequado adimplemento contratual.

Aqui, a tutela econômica que se estabelece em benefício do particular se relaciona

com a impossibilidade de execução do contrato por motivos absolutamente alheios

à sua vontade, em respeito puro e simples aos imemoriais princípios civilísticos5

do nemimem laedere (“não lesar ninguém”) e da vedação do enriquecimento sem

causa. Afinal de contas, nem mesmo o Poder Público (ou melhor, principalmente

ele) pode se locupletar de quem quer que seja.

A peculiaridade está em que, na encampação do serviço público, a

responsabilização civil do poder concedente em indenizar o concessionário não

pressupõe qualquer conduta culposa da Administração, já que ela age legítima e

licitamente na persecução de interesses coletivos.

Mas a licitude e legitimidade da conduta do Poder Público não importa para

fins de imputação ou responsabilização. Portanto, na seara da encampação, o

vocábulo “responsabilidade” quer dizer apenas reparação do dano, a qual terá

4 SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacintho Arruda. A Encampação na Concessão:

Procedimento e Indenização, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 42. 5 Na verdade, antes de civilísticos (ou seja, pertencentes ao ramo científico do Direito Civil), esses

são verdadeiros princípios civilizatórios de responsabilidade, cuja “idéia”, já ressaltava um saudoso jurista, “está na base de qualquer forma de vida social”. (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, p. 237).

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lugar desde que se apresentem as condições de fato e de direito que perfaçam a

álea ou risco posto a cargo da Administração (no caso, a retomada antecipada da

concessão em atendimento ao interesse Público). Ou seja, o ente estatal deve

sempre responder objetivamente pelos danos causados à pessoa privada em

razão da encampação, mesmo que o resgate prematuro do serviço se

consubstancie numa ação estatal lícita e legítima, praticada em atendimento aos

imperiosos interesses primários da coletividade. Trata-se, enfim, da

responsabilidade da Administração por atos lícitos.

3. Notas ao regime jurídico geral da reparação civil de danos ao

concessionário na hipótese de encampação da concessão

Na forma do art. 37 da Lei Geral de Concessões, retomada precocemente a

concessão por motivo de interesse público e verificada a existência de prejuízos

patrimoniais que derivem direta e imediatamente do rompimento do vínculo

obrigacional, a Administração Pública fica objetivamente responsável pela

obrigação de indenizar o concessionário.

Conforme doutrina pacífica (nacional e estrangeira), a recomposição

patrimonial do concessionário no caso de encampação deve realizar-se da forma

mais ampla possível, mediante reparação dos danos emergentes e lucros

cessantes6. (restitutio in integrum).

O panorama legal brasileiro, no entanto, é um pouco diverso, uma vez que

a nossa Lei Geral de Concessões regula de forma insuficiente o ressarcimento

dos prejuízos oriundos da encampação, sendo omissa quanto à indenização

referente à variadas espécies de danos emergentes e também no que toca aquilo

que o concessionário deixou de lucrar com a extinção antecipada da concessão.

6 Vide, por todos, JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva,

2005, p. 539.

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A problemática é a seguinte: o art. 37 diz expressamente que a reparação

dos danos na encampação se dará na forma do art. 367, o qual por sua vez só

prevê o ressarcimento dos bens reversíveis não amortizados ou depreciados

(danos emergentes). Pois bem. Se se adotar uma interpretação literal da Lei, num

primeiro momento se poderia dizer que a nossa legislação básica de concessões,

ao não ter previsto no art. 36 a indenização por outras espécies de danos efetivos

ou lucros cessantes, teria tido a intenção de que o concessionário, em caso de

encampação, fosse indenizado apenas pelo valor dos bens reversíveis não

amortizados ou depreciados, vedando a reparação de quaisquer outros tipos de

danos (silêncio eloqüente).

A verdade, no entanto, é que a prescrição normativa do art. 36 não pode

ser inteiramente aplicada à hipótese de resgate antecipado, pelo simples fato de

que este dispositivo foi elaborado para regrar o caso de extinção da concessão

pelo advento do termo contratual, situação que é praticamente antagônica ao

fenômeno da encampação.

Com efeito, o art. 36 parte do pressuposto de que, mesmo após o

transcurso do prazo de execução contratual, ainda possam existir bens reversíveis

adquiridos pelo particular que não tenham sido amortizados ou depreciados, caso

em que a lei determina que os mesmos sejam indenizados pelo Poder Público, a

fim de que se opere em seu favor a formalização da plena propriedade desses

ativos. Não há aqui, realmente, que se cogitar de qualquer indenização do

concessionário por outros bens além dos reversíveis não depreciados ou

amortizados, e muito menos por aquilo que se deixou de lucrar. Isso porque, tendo

o contrato alcançado seu termo final, em princípio o contratante particular não só

deverá ter amortizado todas as despesas investidas na exploração do serviço

público, como inclusive lucrado o que era razoavelmente esperado. Em suma,

como anota Marçal Justen Filho8: “Quando a extinção se faz pelo advento do

termo há presunção de que todos os bens foram amortizados ao longo da

7 “Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos

investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido”. 8 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 537.

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concessão (...). Se houver bens [reversíveis] cujo valor não tiver sido amortizado

ou depreciado, o poder concedente será obrigado a promover o pagamento da

indenização (...)”.

E mais. Mesmo se ao final do contrato o particular não tiver obtido o retorno

esperado para certos investimentos, nada mais além dos bens reversíveis é

devido ao concessionário após o término do prazo do contrato. Isso porque o

vínculo concessivo, a exemplo dos contratos em geral, também possui em sua

essência uma inafastável “álea ordinária ou empresarial9“. Segundo bem

observado por Alexandre Santos de Aragão10, a concessão não confere ao

particular uma proteção econômica contra todo e qualquer tipo de risco, de

maneira que as “circunstâncias previsíveis” ou mesmo as “imprevisíveis, mas de

resultados contornáveis ou de pequenos reflexos econômicos, devem ser

suportadas pelo contratado. É que o concessionário continua sendo um

empreendedor da iniciativa privada, sujeito, portanto, aos riscos da sua atividade”.

Pois bem. Situação completamente diversa é a da encampação, onde a

extinção prematura do vínculo, além de gerar perdas imediatas com os bens

reversíveis não amortizados ou depreciados, causa ao concessionário uma série

de outros danos efetivos e futuros, dentre estes últimos a frustração do lucro

expectado com a exploração do serviço público pelo prazo concedido.

Assim é que, tratando-se a “encampação” e o “advento do termo” de

hipóteses de extinção contratual substancialmente distintas e com efeitos

patrimoniais também diferentes, é claro que não pode o intérprete aplicar

automaticamente àquela o regime jurídico indenizatório destinado a esta, tal como

enuncia a letra fria do art. 37.

Procurando harmonizar o sistema torto da lei à lógica do razoável, Carlos

Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara11 asseveram que a ratio da Lei nº

9 É o que dispõe textualmente o art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.987/95, quando define que o contrato

de concessão implica a exploração direta do serviço público pelo particular “por sua conta e risco”. 10

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 640. 11

SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacintho Arruda. A Encampação na Concessão: Procedimento e Indenização, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 49.

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8.987/95, ao determinar que a reparação civil do concessionário na encampação

(art. 37) fosse realizada na forma daquela prevista para a hipótese de advento do

termo contratual (art. 36), foi a de “introduzir um conteúdo mínimo à indenização”.

Por isso, concordamos com os referidos autores quando afirmam que a

“indenização derivada da encampação há de comportar a integralidade dos danos

suportados pelo concessionário, não devendo se ater apenas ao correspondente a

investimentos em bens reversíveis que não tenham sido amortizados”, mas

também à compensação de uma gama de outros prejuízos atuais e potencias,

dentre os quais “a perda do benefício de continuação da execução do contrato

pelo prazo previsto12”.

A doutrina de Diógenes Gasparini13 também é nesse sentido: “Ainda que

dita lei não o prescreva, cabe à Administração concedente responder pelo lucro

cessante e por outros prejuízos que a extinção por interesse público causou ao

concessionário”.

Podemos então concluir com segurança que, em matéria de concessões, a

regra geral é a de que a encampação implicará a recomposição patrimonial

completa do concessionário, mediante indenização dos danos emergentes e

lucros cessantes.

Fixada essa premissa básica, nos subitens seguintes estudaremos com

mais detalhes a natureza e extensão das verbas indenizáveis no caso de

encampação da concessão.

3.1. Visão geral da natureza e extensão das verbas indenizáveis

Os prejuízos indenizáveis causados ao contratante privado por conta da

encampação do serviço público terão, em linha de princípio, natureza de dano

material ou patrimonial.

12

SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacintho Arruda. A Encampação na Concessão: Procedimento e Indenização, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 47, 48. 13

GARSPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 344.

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Dizemos em princípio, conquanto não se pode excluir de forma absoluta a

hipótese de dano à imagem da pessoa jurídica do concessionário em virtude do

resgate antecipado da concessão por interesse público.

Tudo dependerá do modo pelo qual o processo de encampação se

desenrolará no caso concreto.

Respeitado o devido processo legal inerente ao procedimento

administrativo de retomada do serviço público - que pressupõe, dentre outras

coisas14, o pagamento prévio do valor integral da indenização pecuniária devida

ao concessionário (art. 37), inimaginável cogitar-se de qualquer dano

extrapatrimonial que possa ser causado ao contratante privado.

Não seria absurdo, no entanto, idealizar uma hipótese em que o Poder

Público, desprezando a garantia legal (e constitucional) do due process of law,

acabe por exercer seu direito potestativo à encampação de forma abusiva (ato

ilícito – Código Civil, art. 187)15, acarretando dano à imagem do contratante

privado. Dou um exemplo factível (sobretudo em se tratando de América Latina): a

retomada do serviço manu militari pelo ente estatal, somada à mora prolongada do

pagamento da reparação material devida ao concessionário, seriam circunstâncias

aptas a levá-lo à ruína, num doloroso processo iniciado por protestos cambiários e

restrições cadastrais e ultimado por meio de atos coercitivos cobrança levados a

efeito pelos credores particulares do ente privado espoliado. Inegável que aí

haveria abalo mortal da imagem do concessionário perante o universo empresarial

onde atua, dano extrapatrimonial esse que teria sua causa necessária16 atrelada

ao procedimento abusivo de encampação aviado pela Administração.

14

A encampação também depende, conforme acrescenta Diógenes Gasparini, de “lei que só prescreva a autorização extintiva e suas regras. Essa lei não pode tratar de outros assuntos” (GARSPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª ed. Rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 344). 15

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. 16

Assim: ALVIM. Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1955. p. 380. Diz o referido autor: “(...) é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela seja necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução”.(grifamos)

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10

Portanto, a existência de dano moral ao concessionário na encampação,

embora se afigure uma situação bastante singular, não pode ser em tese

completamente descartada.

Com relação ao momento de ocorrência, os prejuízos com a encampação

podem ser classificados em emergentes, vale dizer, aqueles que logo após o

resgate causem uma diminuição efetiva no ativo da concessionária, ou futuros,

isto é, aqueles que certamente ocorrerão, mas que, no instante imediato posterior

à verificação da retomada, ainda se consumaram17.

3.1.2. Indenização dos bens reversíveis e não reversíveis: fundamento,

abrangência e pressupostos

Durante a concessão, o concessionário fica obrigado a realizar vultosos

investimentos em coisas e pessoas, a fim de garantir a prestação adequada e

contínua do serviço público. Numa situação de normalidade, vale dizer, quando o

contrato se extingue pelo seu regular cumprimento, em princípio todos ou muitos

desses custos investidos na atividade deverão ter sido recompostos mediante a

receita obtida com a exploração do serviço pelo prazo assinalado contratualmente.

No entanto, certos ativos adquiridos pelo particular, imprescindíveis à

prestação contínua e adequada do serviço pelo Poder público, podem não ter sido

amortizados ao final do contrato, até porque normalmente se tratam de bens de

capital caríssimos. E como esse patrimônio, umbilicalmente vinculado ao serviço,

deverá se integrar ao domínio público, torna-se imperioso que o concessionário

seja indenizado total ou parcialmente pelo valor de tais bens, sob pena de

enriquecimento sem causa da Administração.

17

Relativamente aos danos futuros, Marcelo Azevedo Chamone, escorado na lição de Gustavo Tepedino, observa que “a atualidade, isto é, a contemporaneidade do dano com a responsabilização, apesar de freqüentemente ser listada como requisito da reparabilidade do dano, não se faz essencial. Não é correto, assim, excluir definitivamente o dano futuro, uma vez que também ele será indenizável „desde que, ao tempo da responsabilização, já se possam verificar os fatos que, com certeza ou com razoável probabilidade darão ensejo a prejuízos projetados no tempo’". (CHAMONE, Marcelo Azevedo. O Dano na Responsabilidade Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1.805, 10 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11365>. Acesso em: 03 dez. 2008).

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Refiro-me à categoria dos bens reversíveis, que para serem passíveis de

indenização, devem obrigatoriamente constar do edital e do contrato de

concessão, na forma dos arts. 18, X e 23, X, da Lei nº 8.987/95.

No entanto, extinta antecipadamente a concessão por interesse público,

existem grandes chances de o concessionário estar envolto no meio de um ciclo

mais robusto de investimentos, implementado por ele em razão da legítima

confiança de que o contrato chegaria ao seu termo final. E esses investimentos -

muitos deles realizados em bens irreversíveis – não mais serão possíveis de

serem amortizados, por razões imputáveis exclusivamente ao Poder Público.

Desse modo, razoável que na encampação a tutela reparatória do

concessionário deva em princípio ser ampliada, não podendo ficar limitada apenas

aos bens reversíveis não amortizados ou depreciados, compreendendo também a

indenização dos gastos realizados pelo particular em bens que, por sua própria

natureza, não se incorporarão aos serviços delegados e nem poderão ser

aplicados pelo concessionário em diferentes finalidades empresariais18.

Em outras palavras, a retomada prematura da concessão por interesse

público pode fazer com que o valor de certos investimentos aportados pelo

concessionário na exploração do serviço – sejam eles em bens reversíveis ou não

reversíveis - se consubstanciem em gasto inútil e, por conseqüência, em dano

emergente injusto, que tem sua causa direta e imediata acoplada à rescisão

unilateral do contrato pela Administração.

Com razão, portanto, Marçal Justen Filho19, ao dizer que na encampação

da concessão, “a indenização abrangerá tanto os bens reversíveis como outros,

não reversíveis, que não possam ser utilizados para outros fins empresariais”.

18

Isso implica dizer que a não reversibilidade dos bens deve ser considerada tanto em relação ao poder concedente quanto ao concessionário. Se o patrimônio adquirido pelo particular em função do serviço público lhe for reversível, o Poder Público não precisará pagar a ele qualquer indenização, cabendo ao concessionário dar ao bem o destino que melhor atenda seus interesses. Contudo, se o bem não puder reverter ao concessionário e ao concedente, posto que inútil para ambos, caberá ao ente estatal indenizar o particular pelo valor do bem irreversível, ficando o Poder Público com a propriedade desse bem e responsável em dar a esse patrimônio uma destinação útil, seja utilizando-o para outras possíveis atividades ou até mesmo promovendo a sua alienação em leilão público. 19

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 517, nota de rodapé nº 30.

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12

Cabe então a pergunta: além dos bens reversíveis – que devem estar

discriminados precisamente no edital e no contrato - quais seriam os bens não-

reversíveis inutilizados pela encampação da concessão e que, portanto, seriam

passíveis de serem reparados à custa do poder concedente?

Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara20 respondem a questão

exemplificando com o caso do concessionário que, para dar cumprimento ao

contrato, tenha assumido uma série de dívidas e financiamentos junto a bancos,

citando ainda as hipóteses de contratação e treinamento de pessoal, material de

escritório, fornecedores e propaganda.

Enfim, como é de fácil percepção, as despesas indenizáveis podem ser de

inúmeras espécies, abarcando, numa visão genérica, os investimentos

despendidos pelo concessionário em bens, serviços e pessoas.

Mas para que esses gastos sejam objeto de reparação total ou parcial,

devem estar presentes alguns pressupostos.

O primeiro deles é o de que os dispêndios realizados pelo concessionário

devem ser orientados por um critério de razoabilidade, guardando relação de

necessidade e adequação com o serviço público, que aqui deve ser visualizado

amplamente, enquanto empreendimento empresarial, e não somente em relação à

execução em si dos préstimos.

O conceito de “necessidade” também não quer dizer apenas o investimento

realizado pelo particular em bens (reversíveis ou não) imposto pela lei, contrato e

atos administrativos normativos; engloba ainda os aportes que tenham sido

realizados por conveniência e oportunidade do contratante privado, com vistas à

melhor desempenhar a exploração do serviço público delegado.

Isso quer dizer que certas despesas não obrigatórias à luz do marco

regulatório da concessão, porém direta ou indiretamente úteis ou incrementadoras

dos préstimos (adequação), também serão possíveis de ser ressarcidas ao

particular pela Administração. Para tanto, não basta somente que os bens,

20

SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacintho Arruda. A Encampação na Concessão: Procedimento e Indenização, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 48.

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pessoas e serviços contratados pelo particular tenham sido inutilizados por conta

da retomada antecipada da concessão (nexo de causalidade). Além disso, é

preciso que o investimento realizado pelo concessionário possua um motivo ou

justificativa razoável, no sentido de que o esforço financeiro, no caso concreto,

tenha sido recomendável ou mesmo imperativo ao bom desempenho global da

atividade delegada.

O dispêndio efetuado pelo concessionário em propaganda seria um bom

exemplo de gasto razoável, pois apesar da sua facultatividade, ele se mostra

perfeitamente recomendável; não só quando favorece a marca ou imagem do

próprio delegatário, mas sobretudo quando o conteúdo da mensagem veiculada

intenta o esclarecimento e educação do usuário em relação ao serviço público,

caso em que se revestirá de inegável e imperiosa utilidade pública. Justo,

portanto, que a despesa com publicidade, num e noutro caso, seja

proporcionalmente indenizada em virtude da extinção antecipada do ajuste.

Outro pressuposto da obrigação de indenizar na encampação refere-se à

demonstração, pelo concessionário, do valor gasto nas despesas total ou

parcialmente inutilizadas, o que deverá ser apurado no respectivo processo

administrativo que antecede ao resgate efetivo da concessão.

Vejamos agora a reparação dos danos futuros que podem ser causados ao

concessionário em decorrência da encampação.

Como exemplos de danos futuros ou potenciais, isto é, aqueles que ao

tempo do fato imputável (rectius: encampação), já possam ser antevistos “com

certeza ou com razoável probabilidade”, podemos arrolar os custos de

desmobilização da atividade, tais como os pagamentos de multas rescisórias de

contratos civis e trabalhistas celebrados pelo concessionário com terceiros, em

função da legítima expectativa de que a concessão não iria malograr

prematuramente. Esses gastos de desmobilização não se limitam àqueles

necessários à extinção dos vínculos acessórios que eventualmente tenham sido

firmados pelo particular em prol do empreendimento; englobam, também, as

despesas envidadas pelo concessionário que se mostrarão imprescindíveis à

novas contratações, visando o retorno das coisas ao estado em que se achavam

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antes da ruptura antecipada da concessão (ex.: dispêndios com desmonte e

transporte de estruturas e equipamentos não-reversíveis alocados em função do

serviço público concedido, demolição de construções, etc.).

Ainda na seara dos danos futuros indenizáveis, podemos incluir os lucros

cessantes, que representam verba compensatória devida ao concessionário pela

frustração dos ganhos que seriam razoavelmente auferidos por ele se o contrato

tivesse alcançado seu termo final.

Conforme explicam Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara21, o

cálculo do valor devido a título de lucros cessantes é estimativo, dependendo “da

projeção para o futuro da expectativa frustrada de lucro”, sendo “necessário

comprovar a lucratividade atual do empreendimento e projetá-la pelo período” que

faltaria para o término do prazo contratual.

Os valores relativos aos prejuízos potenciais deverão ser equitativamente

arbitrados no bojo do competente processo administrativo de encampação e

obrigatoriamente adiantados pela Administração ao concessionário antes da

retomada fática da atividade delegada.

4. Exceções à aplicação do princípio da restituição integral em matéria de

concessões: o contrato e a lei

Conforme ressaltado anteriormente, a regra geral em matéria de

concessões é a de que a encampação implicará a recomposição patrimonial

completa do concessionário, mediante indenização dos danos efetivos e futuros.

No entanto, convém advertir que o princípio da restitutio in ntegrum não é

de modo algum absoluto; principalmente no regime jurídico da Lei Geral de

Concessões, onde, ao revés, esse postulado se mostra bastante flexível, podendo

21

SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacintho Arruda. A Encampação na Concessão: Procedimento e Indenização, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 51.

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ser amplamente moldado pela autonomia da vontade das partes contratantes, de

acordo com o disposto no art. 23, inciso XI22.

Dentro desse largo espaço de atuação deixado pela lei de regência, mostra-

se perfeitamente possível (e até desejável) que os contratantes engendrem

variados mecanismos de “compartilhamento de riscos23”, a fim a melhor atender

às especificidades do serviço público objeto do contrato de concessão.

Nessa ordem de idéias, tem-se que, a priori, concedente e concessionário

podem válida e eficazmente estabelecer cláusulas contratuais24 que limitem mais

ou menos o valor das indenizações pertinentes à encampação.

Além disso, existem leis setoriais específicas que, em tema de concessão,

impõem limitações à reparação civil do concessionário em caso de encampação.

É o caso, por exemplo, da Lei nº 9.427/96, que disciplina o regime das

concessões de serviços públicos de energia elétrica, cujo art. 19 admite a

indenização do concessionário pelos danos efetivos que emergem da extinção do

contrato, excluindo expressamente a reparação a título de lucros cessantes25.

Indo mais além, a Lei nº 9.478/97, que trata das atividades petrolíferas,

afasta textualmente, no seu art. 28, § 1º26, “qualquer direito” de indenização do

concessionário em caso de extinção da concessão (aí abrangida a encampação),

inclusive quanto aos bens reversíveis, “os quais passarão à propriedade da União

e à Administração da ANP”.

Assim sendo, podemos concluir este tópico estabelecendo a seguinte

premissa: salvo as exceções expressas constantes da lei e do contrato, a regra

geral em matéria de concessões é a de que a encampação implicará a

22

“Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: XI - aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso”; 23

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 647. 24

Analisaremos essas cláusulas com mais detalhes no item seguinte. 25

“Art. 19: Na hipótese de encampação da concessão, a indenização devida ao concessionário, conforme previsto no art. 36 da Lei n

o 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, compreenderá as perdas

decorrentes da extinção do contrato, excluídos os lucros cessantes.” (grifo nosso) 26

“§ 1° A devolução de áreas, assim como a reversão de bens, não implicará ônus de qualquer natureza para a União ou para a ANP, nem conferirá ao concessionário qualquer direito de indenização pelos serviços, poços, imóveis e bens reversíveis, os quais passarão à propriedade da União e à administração da ANP, na forma prevista no inciso VI do art. 43”.(grifo nosso)

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recomposição patrimonial completa do concessionário, mediante indenização dos

danos emergentes e lucros cessantes.

4.1. As cláusulas limitativas da obrigação de indenizar da Administração

Pública em caso de encampação da concessão: posição, função e condições

de validade e eficácia

Muito comuns nos contratos civis em geral, as cláusulas limitativas da

obrigação de indenizar são, segundo definição de José de Aguiar Dias27,

“estipulações pelas quais se determina antecipadamente a soma que o devedor

pagará a título de perdas e danos, no caso de ser declarado responsável”.

Como é de fácil percepção, a cláusula limitativa se assemelha28 à clássica

cláusula penal compensatória, havendo alguns elementos essenciais comuns a

ambas. O principal aspecto que aproxima esses dispositivos um do outro é a

identidade de fim, servindo eles como um mecanismo de pré-estipulação de

danos, em que os prejuízos efetivos e futuros causados à vítima do fato danoso

não são levados em conta.

Porém, como bem observado por José de Aguiar Dias29, “a cláusula

limitativa muitas vezes resulta em burla para o credor. Dificilmente se dá o caso de

ser o dano real ao equivalente à reparação prefixada: o mais freqüente é

representar esta última um simulacro de perdas e danos”.

Essa circunstância, no entanto, conforme assevera o referido autor, não

retira a utilidade do dispositivo contratual de limitação, que reside justamente no

27

DIAS, José de Aguiar. Cláusula de Não-Indenizar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 125. 28

Poderíamos dizer, no entanto, que a diferença básica entre a cláusula limitativa, na encampação, e a penal compensatória, no âmbito dos contratos em geral, seria a de que naquela, diferentemente desta, é completamente ausente a função de pena. A razão é simples: o ente estatal que retoma para si a concessão em atendimento ao imperioso interesse público não pode ser punido. Ao contrário: deve ser louvado. Todavia, a responsabilização do Poder Público, no caso, advém da submissão do Estado aos princípios jusmoralistas do nemimem laedere e da vedação ao enriquecimento sem causa, revestindo-se o dispositivo limitador, na encampação, de finalidade verdadeiramente reparatória. 29

DIAS, José de Aguiar. Cláusula de Não-Indenizar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 128.

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“afastamento da incerteza sobre o quantum da reparação (...)”, “evitando a

sobrecarga das indenizações amplas30”.

O credor, portanto, ao ajustar a cláusula, conscientemente não intenta o

ressarcimento integral dos danos. Prefere predefinir desde logo um valor, ainda

que menor, para amenizar os prejuízos oriundos do fato imputável. É uma forma

conveniente e segura de se preestimar o dano, evitando a perda de tempo e

dinheiro com um longo e custoso processo de comprovação da real extensão do

prejuízo.

Em tema de encampação da concessão, essas as cláusulas limitativas

assumem especial relevo, uma vez que proporcionam racionalidade econômica e

segurança jurídica aos participantes do vínculo concessivo. Vejamos.

Em primeiro lugar, porque a interrupção prematura da exploração do

serviço público, sendo ele um setor intensivo em capital, normalmente resulta em

vultosas indenizações, cujo pagamento impacta severamente os cofres públicos e,

por conseqüência e em última análise, o bolso já combalido dos contribuintes e

usuários.

No entanto, a prefixação em contrato de uma fórmula ou quantia

compensatória revela-se bem menos nociva à saúde financeira do erário,

assegurando, com boa dose economicidade, a solvabilidade do Poder Público

perante o concessionário.

Além disso, aquilatar a real extensão e quantificação da integralidade dos

danos oriundos da extinção antecipada de uma concessão pode se

consubstanciar em tarefa hercúlea, quiçá impossível de ser executada com total

precisão. Tantas e variadas podem ser as incertezas quanto à natureza e

abrangência dos prejuízos decorrentes da encampação, que naturalmente a

apuração desses danos dará azo a um longo e complexo contencioso

administrativo, situação que o espírito prático do empreendedor e a exigência de

transparência e agilidade imposta à Administração consideram extremamente

negativa.

30

DIAS, José de Aguiar. Cláusula de Não-Indenizar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 128.

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Esse quadro, contudo, pode ser evitado ou ao menos bastante atenuado,

mediante prévia estipulação contratual de um valor ou fórmula indenizatória

objetiva.

Relativamente às condições de validade e eficácia, as cláusulas limitativas

seguem o regime geral dos negócios jurídicos (Código Civil, art. 104 e seguintes)

e o disciplinamento previsto em leis específicas.

No entanto, alguns pontos a respeito desse assunto merecem especial

destaque. Vamos estudá-los abaixo.

4.1.1. Cláusula limitativa e dano moral

A questão que se coloca é se na extinção antecipada da concessão por

interesse público, a compensação contratualmente predeterminada para certos

tipos prejuízos teria o condão de suprimir eventual direito do concessionário à

reparação por dano moral decorrente do exercício abusivo do direito de resgate

por parte do poder concedente.

Entendemos que não. A encampação da concessão realizada com grave

malferimento das garantias do devido processo legal e ao arrepio dos direitos de

crédito do concessionário (mora), em sendo circunstâncias aptas a gerar violação

à sua imagem perante o meio empresarial em que atua, não pode ser total ou

parcialmente afetada pela indenização prefixada em cláusula contratual para

determinados prejuízos.

Qualquer interpretação em sentido oposto seria inadmissível num Estado

de Direito, o qual deve ser o principal defensor da ordem pública, respeitando os

direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Logo, não pode o ente estatal,

sobretudo ele, se exonerar das conseqüências danosas oriundas da gravíssima

violação que representa a inobservância de princípios básicos inscritos na ordem

constitucional e legal.

Daí porque a obrigação do poder concedente em responder pelos danos

morais causados ao particular é de rigor na encampação, valendo destacar, nesse

passo, a função punitivo-pedagógica inerente à indenização extrapatrimonial, que

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deve ser arbitrada em patamar alto, de modo a punir exemplarmente o ente estatal

infrator e assim inibir-lhe a prática de novas condutas prejudiciais da mesma

espécie.

Portanto, as limitações de prejuízos específicos inseridas em dispositivo

contratual não representam empecilho à eventual reparação de dano moral ao

concessionário, mesmo que haja sido expressamente prevista cláusula

exonerativa nesse sentido, a qual seria absolutamente nula por infringência à

ordem pública e pela ilicitude de seu objeto.

4.1.2. Necessidade de estipulação de reparação em valores razoáveis e

proporcionais

Com efeito, para que o dispositivo limitativo da obrigação de indenizar

possa ser eficazmente aplicado, a soma nela estipulada não pode resultar em

verdadeira lesão ao concessionário.

Como escrevem Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara31, a

cláusula que preveja indenização nos casos de encampação deve corresponder a

um valor “justo”, “necessário e suficiente (...) para compensar o risco de o

concessionário ter o contrato extinto antes do prazo por motivo de interesse

público”.

Portanto, para apreciar corretamente o quantum fixado na cláusula, é

preciso rejeitar a irrisão, a fim de que não haja locupletamento do Poder Público

em detrimento do particular.

Mas isso não autoriza, por óbvio, exigir-se estrita equivalência entre o valor

prefixado à guisa de compensação e os danos reais sofridos pelo concessionário.

Conforme dissemos linhas atrás, o que as partes intentam ao estabelecer a

cláusula limitativa não é a reparação integral dos danos, mas sim uma

compensação capaz de atenuar os riscos derivados da encampação da

31

SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacintho Arruda. A Encampação na Concessão: Procedimento e Indenização, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 50.

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concessão, o que se faz por meio do arbitramento de uma indenização que guarde

uma proporção minimamente razoável com o vulto dos prejuízos sofridos pelo

empreendedor privado.

Assim, seria totalmente fora de propósito formular conceitos de

razoabilidade e proporcionalidade nos quais a cláusula limitativa só teria eficácia

caso o dano fosse inferior à limitação indenizatória convencionada, afastando-a

automaticamente quando os prejuízos se mostrassem maiores32. Tal

entendimento anularia a mais importante função da disposição, que é justamente

a de evitar discussões acerca das incertezas e dificuldades ínsitas à cabal

comprovação da extensão e quantificação dos prejuízos, evitando ainda a

sobrecarga das indenizações amplas do Direito Comum.

Qual seria, no entanto, em termos objetivos, o padrão minimamente

aceitável de razoabilidade e proporcionalidade das cláusulas limitativas em tema

de encampação de concessões em geral?

Acreditamos que a resposta para essa pergunta passa necessariamente

pela análise de três espécies de indenização.

A primeira delas refere-se à reparação pelos bens reversíveis não

amortizados ou depreciados. Conforme se extrai da norma imperativa do art. 36

da lei básica de concessões, essa indenização representa uma garantia

patrimonial mínima do concessionário, de maneira que não pode ser afastada pela

autonomia da vontade das partes contratantes, mas somente por meio de lei33.

32

O que não obsta que eventualmente as partes convencionem, além da indenização prefixada, a possibilidade de reparação suplementar, valendo a compensação tarifada como valor mínimo, competindo ao concessionário provar o prejuízo excedente (aplicação analógica do art. 416, parágrafo único, do Código Civil). 33

É claro que essa lei não poderá ser aquela que dispõe sobre a própria encampação do serviço público. O ato legislativo que autoriza o resgate da concessão não pode em nenhuma hipótese restringir a indenização anteriormente fixada em contrato, seja ela referente a bens reversíveis não amortizados, bens não reversíveis, lucros cessantes ou custos de desmobilização. Assim é porque o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República, determina expressamente que a “lei não prejudicará o ato jurídico perfeito”. Além disso, a lei autorizativa da encampação também não pode interferir na forma de pagamento da indenização que, de acordo com a regra cogente do art. 37 da Lei de Concessões, sempre deverá ser paga ao concessionário previamente à retomada do serviço, de uma só vez e em dinheiro. A jurisprudência já se manifestou nesse sentido. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, apreciando a polêmica encampação da concessão de rodovias promovida pelo Estado do Paraná nos idos de 2003, pontificou que “qualquer expressão posta nas aludidas leis autorizadoras que impliquem na subversão da necessidade de se realizar o efetivo pagamento prévio das indenizações, estas calculadas nos estritos termos da Lei e dos contratos

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A segunda é relativa à indenização pelos bens não reversíveis, assim

considerados aqueles que, por sua própria natureza, não serão passíveis de se

incorporar aos serviços delegados e nem poderão ser aplicados pelo

concessionário em diferentes finalidades empresariais.

A terceira, por fim, englobaria a classe dos danos futuros, aí incluídos os

custos de desmobilização e os lucros cessantes.

Essas duas últimas categorias de indenizações - correspondentes aos bens

não reversíveis e aos danos futuros - podem ser limitadas total ou parcialmente

mediante convenção das partes34, mas desde que supressão ou limitação conste

expressamente do contrato. Ou seja, não basta que o ajuste, repetindo inutilmente

os termos do art. 37 da Lei nº 8.987/95, somente predisponha que para o caso de

encampação da concessão será devida ao particular “indenização referente às

parcelas de investimentos vinculados a bens reversíveis não amortizados ou

depreciados”. Em atenção aos postulados da transparência e lealdade contratuais

- corolários lógicos do princípio maior da boa-fé objetiva35 (Código Civil, arts. 113 e

422) -, é preciso que exista disposição expressa em que resulte inequívoca a

intenção dos contratantes de excluir ou limitar as demais verbas indenizáveis na

hipótese de extinção antecipada. A ausência de convenção textual nesse sentido,

salvo prova em sentido contrário, tem de ser interpretada como simples omissão

contratual, devendo o poder concedente indenizar amplamente o concessionário,

o que inclui não só a reparação dos bens reversíveis já prevista na lei e no

contrato, mas também indenizações relativas aos bens não reversíveis, custos de

de concessão, não podem ser tidas como válidas.” (Agravo de Instrumento nº 2003.04.01.054268-2 / PR, 3ª Turma, relator: Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, publicado no DJU de 30.06.2004). Por outro lado, nada obsta que a lei específica da encampação - antevendo eventuais deficiências e insuficiências no sistema contratual de reparação e no intuito de evitar maiores controvérsias e delongas - amplie a indenização devida ao particular em função da extinção antecipada da concessão. 34

Ou, como já se disse, por leis setoriais específicas. 35

Confira-se uma elucidativa passagem extraída de um recente precedente do STJ em matéria de boa-fé objetiva na seara das contratações administravas: “Na contemporaneidade, os valores e princípios constitucionais relacionados à igualdade substancial, justiça social e solidariedade, fundamentam mudanças de paradigmas antigos em matéria de contrato, inclusive no campo do contrato administrativo que, desse modo, sem perder suas características e atributos do período anterior, passa a ser informado pela noção de boa-fé objetiva, transparência e razoabilidade no campo pré-contratual, durante o contrato e pós-contratual.” (REsp. nº 914.087 / RJ. Relator: Ministro José Delgado, 1º Turma, julgado em 04.10.2007, DJ de 29.10.2007, p. 190).

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desmobilização e lucros cessantes, conforme apurado em procedimento

administrativo.

Pois bem. Se é certo que a plena eficácia do dispositivo limitativo depende

da ausência de lesão substancial ao concessionário, não menos verdadeiro é que

a cláusula de responsabilidade não pode redundar em valores excessivos,

enriquecendo indevidamente o particular em detrimento do Poder Público.

O limite máximo - diríamos até lógico – é o de que a soma indenizatória

ajustada não pode ultrapassar o valor da “obrigação principal”, qual seja, a quantia

real e efetiva dos prejuízos oriundos do resgate concessório36.

Dentro desse espaço de variação de valores, avulta a necessidade de se

realizar o controle37 in concreto da razoabilidade e proporcionalidade das

cláusulas limitativas, a exigir a recondução de montantes manifestamente

exagerados para patamares compatíveis com a natureza e a finalidade do negócio

específico.

Daí porque a cláusula compensatória não é e nem poderia se pretender

imutável e inarredável, sobretudo quando a exageração se mostrar presente. O

valor da convenção, assim, pode e deve ser revisto para menos (pela própria

Administração Pública ou pelo Poder Judiciário), limitando assim a eficácia da

cláusula compensatória.

4.1.3. Cláusula limitativa e forma de pagamento da indenização

No sistema da legislação básica concessões, não há espaço para que as

partes convencionem a respeito do modo de pagamento da indenização devida

para o caso de resgate: a reparação deve ser obrigatoriamente recebida pelo

36

Aplicação analógica da regra do art. 412, do Código Civil: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”. 37

Controle esse que deve ser exercido em todas as fases do processo obrigacional de cunho administrativo, pelos órgãos e entidades estatais direta ou indiretamente envolvidos na contratação e que tenham competência para tal, o que obviamente não afasta o controle social sobre a economia do contrato.

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concessionário previamente à retomada do serviço, de uma só vez e em

dinheiro38.

Existem relevantes razões de ordem pública para que assim seja. Com

efeito, a lei geral de concessões, visando atrair os altos investimentos privados

necessários à exploração dos serviços públicos, quis garantir ao concessionário o

direito de receber previamente o valor integral da indenização devida para o caso

de encampação da concessão (art. 37), provendo assim indispensável segurança

jurídica ao empreendimento.

Além disso, segundo anotam Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda

Câmara39, a exigência de prévio pagamento integral representa um “instrumento

de busca do equilíbrio fiscal”, inviabilizando a abertura de passivo diferido contra o

Poder Público.

E mais. Diríamos nós que a indenização prévia e integral constitui mesmo

medida de sobrevivência do concessionário. Isso porque se o desalijo da atividade

ocorresse antes do pagamento da indenização, as perdas de receita daí

decorrentes certamente causariam ao delegatário enorme colapso financeiro,

levando-o em instantes à bancarrota, prejuízo que também se estenderia a todos

aqueles gravitam em torno da unidade produtiva, tais como empregados,

fornecedores, fisco, etc.

Impositivo, portanto, que o resgate efetivo da concessão pelo concedente

só seja realizado após o pagamento integral da reparação pecuniária devida à

pessoa privada, já que são esses os interesses públicos perseguidos pela lei. Por

isso, não é lícito ao poder concedente, invocando pretenso interesse público,

alterar por qualquer meio a forma de pagamento prevista cogentemente pela lei de

regência, sendo-lhe vedado diferir o adimplemento da reparação no tempo ou

oferecer prestação em títulos ou bens móveis ou imóveis.

Ou seja: nos termos do art. 37, da Lei nº 8.987/95, é terminantemente

vedada a estipulação de dispositivo compensatório que preveja qualquer tipo de

38

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 539. 39

SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacintho Arruda. A Encampação na Concessão: Procedimento e Indenização, in Direito Administrativo Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 45.

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parcelamento do valor da indenização ou contraprestação que não seja em

dinheiro.

A cláusula contratual que assim disponha deverá ser declarada nula por

fraudar lei imperativa (Código Civil, art. 166, VI).

5. Referências bibliográficas

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edição. São Paulo: Saraiva, 1955.

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DALLARI, Adilson Abreu. Alterações dos Contratos Administrativos –

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Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco

Sobrinho. / Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.) Belo Horizonte: Fórum, 2004.