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Renata Rocha TVE: Matizes para uma nova cultura Políticas culturais e televisão pública Universidade Federal da Bahia 2009

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  • Renata Rocha

    TVE: Matizes para uma novacultura

    Polticas culturais e televiso pblica

    Universidade Federal da Bahia2009

  • 2

  • ndice

    INTRODUO 17

    1 TV PBLICA: UM CONCEITO EM CONSTRUO 251.1 A Televiso Pblica: essa Desconhecida . . . . . 27

    1.1.1 Televiso Cultural . . . . . . . . . . . . 35

    2 TELEVISO E HISTRIA CULTURAL 392.1 Televiso Pblica no Mundo: Breve Histrico . . 42

    2.1.1 Televiso Pblica nas Amricas . . . . . 452.2 Televiso Pblica e Cultura no Brasil . . . . . . . 47

    2.2.1 Abertura Lenta Gradual e Segura . . . . 542.2.2 TV Pblica e Polticas Culturais do Go-

    verno Lula . . . . . . . . . . . . . . . . 582.2.3 O I Frum de TVs Pblicas e a Empresa

    Brasil de Comunicao/TV Brasil . . . . 63

    3 TV PBLICA, ESTADO E CULTURA NA BAHIA 713.1 Vazio Cultural na Bahia . . . . . . . . . . . . 723.2 Surgimento da Televiso educativa da Bahia . . . 753.3 Para Mudar a Bahia? . . . . . . . . . . . . . . . 783.4 Televiso, Cultura e Turismo . . . . . . . . . . . 87

    3.4.1 Dar Voz a Quem No Tem Voz . . . . 923.4.2 Continuidades . . . . . . . . . . . . . . 95

    3.5 Uma Nova Cultura? . . . . . . . . . . . . . . . . 99

    3

  • 4 TVE: ESPELHO DA BAHIA 1034.1 Gesto e Controle do IRDEB/ TVE-Ba . . . . . . 106

    4.1.1 Inauguraes . . . . . . . . . . . . . . . 1084.1.2 Governo da Mudana . . . . . . . . . 1114.1.3 Mdia, Cultura e Turismo . . . . . . . . . 1144.1.4 Matizes da Cultura em Curso . . . . . . . 120

    4.2 Financiamento: Receitas e Despesas no IRDEB/TVE-Ba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1234.2.1 Inauguraes . . . . . . . . . . . . . . . 1274.2.2 Governo da Mudana . . . . . . . . . 1314.2.3 Mdia, Cultura e Turismo . . . . . . . . . 1324.2.4 Matizes da Cultura em Curso . . . . . . 141

    4.3 Programao da TVE-Ba . . . . . . . . . . . . . 1454.3.1 Inauguraes . . . . . . . . . . . . . . . 1484.3.2 Governo da Mudana . . . . . . . . . 1514.3.3 Mdia, Cultura e Turismo . . . . . . . . . 1534.3.4 Matizes da Cultura em Curso . . . . . . . 165

    CONSIDERAES FINAIS 171

    REFERNCIAS 179

    APNDICE A 203

    APNDICE B 205

    APNDICE C 213

  • Dissertao apresentada ao Programa Multidisciplinar dePs-Graduao em Cultura e Sociedade, da Faculdade de

    Comunicao da Universidade Federal da Bahia na linha depesquisa Cultura e Desenvolvimento, como requisito para

    obteno do grau de mestre em Cultura e Sociedade, no ano de2009.

    Orientadora: Profa Dra Linda Rubim

  • minha av, Braslia Trindade,que no cheguei a conhecer neste mundo.

  • Agradecimentos

    Posso me considerar abenoada pelas pessoas que me cercam.E a todos estes sou grata por colaborarem, cada um em seu mo-mento e sua maneira, para a construo constante do que sou.Pelas contribuies neste sentido, e em especial para esta disser-tao, agradeo aos que abaixo seguem:

    A Linda Rubim, orientadora, me, madrinha e parteira domuito do que sou hoje e dos projetos j feitos, em andamentoou ainda por fazer.

    A Iraildes, minha me, por estar sempre, e ao meu pai, Jaildo,por ser quem .

    A Dnisson Padilha Filho, meu grande amor, pela companhia,pacincia e dedicao na vida que iniciamos juntos e a Ana Bea-triz, meu pequeno grande amor, pela compreenso amadurecidade minhas ausncias e impacincias.

    A Albino Rubim, pelo exemplo, conselhos, incentivo e apoio.A Lo Costa, Fernanda Pimenta e Delmira Nunes, pela vi-

    gilncia constante e braos sempre estendidos.Aos meus irmos, Emanuela, Rebeca e Jai Filho, pelas risadas

    dadas juntos; ao pequeno Ulysses, momento iluminado do per-curso. Aos meus cunhados, Sharif e Pedro Paulo. E minhafamlia adquirida, Ana Aparecida, Maria Henriqueta, Vinicius,Trcia, Artur, Vinicius e Dnisson, Mariana, Eduardo e Antnio.

    Aos meus queridos amigos, pelas ausncias presentes e pelapresena em momentos cruciais, Janira Borja, Camila Tenrio,

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    Fernanda Rodamilans, Vitor Freire, Raquel Meneses, Jamile Sa-hade, Priscila Pinto, Fernanda Argolo, Tatiana Mendona, SalimKhoury...

    Aos irmos, Ti, Iuri e Scheila, pelo furto constante da me,e pelo acolhimento e carinho espontneo.

    equipe do IRDEB, sempre prestativa e generosa no forne-cimento de informaes, saliento a boa vontade de Letcia Bar-bosa, Eduardo Nascimento, Rosngela, Genidalva Cardoso, PlaRibeiro, Josias Pires Neto, Antonio Passos, Thiago Pires e equipeda Videoteca, Raphael Moraes, Simon Souza Matos, SilvanaMoura e equipe da biblioteca. Das rodadas anteriores de entre-vistas: Paolo Marconi, Fernando Vita, Sergio Mattos e WashigtonFilho.

    A toda a equipe do Centro de Estudos Multidisciplinares emCultura (CULT), pela experincia do aprendizado constante, e es-pecialmente a Nadja Miranda, pelas dicas e contribuies paraeste trabalho.

    Maria Aparecida Ferraz pela reviso cuidadosa do texto e Nvea Rocha de Souza pela normalizao bibliogrfica.

    Aos professores do Ps-Cultura, que contriburam para de-sembaar minha vista um tanto turva: Anna Maria Jatob, Al-bino Rubim, Eneida Leal Cunha, Leonardo Boccia, Linda Rubim,Maurcio Tavares, Paulo Cesar Alves, Paulo Miguez.

    Ao professor Antnio Guerreiro, pelas grandes contribuiesem classe e por aceitar participar da banca deste projeto.

    Aos amigos, colegas e funcionrios do Ps-Cultura e, princi-palmente, a Aidil Brittes, Natlia Coimbra e Adriana Rodrigues,pelos momentos de descontrao, muitas vezes antecipados demomentos de desespero.

    A todos os alunos da disciplina Tema Especiais em TV, queme mais me ensinavam quando aprendiam.

    A Paulo Lima, Fernando Trindade, Louise Gumes (in memo-rian), Sara Rgis, Natlia Valrio, Ugo Barbosa, Hortncia Nepo-muceno, e equipe da Fundao Gregrio de Mattos, pelo extenso

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    aprendizado em to curto espao de tempo, e pela compreensodas minhas ausncias aqui justificadas.

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia(FAPESB), pela concesso de bolsa de mestrado e pelo auxlioconcedido para a finalizao desta dissertao.

    Se voc no conhece a resposta, discuta a pergunta.Clifford Geertz

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  • Resumo

    Esta dissertao tem como principal objetivo compreender aforma como a Televiso Educativa da Bahia, emissora estatal comfinalidade pblica, pertencente estrutura do Instituto de Radio-difuso Educativa da Bahia, assimila e pe em prtica as polticasculturais implantadas pelas distintas administraes do governoestadual. As discusses sobre a televiso pblica foram levan-tadas e problematizadas, bem como as trajetrias dos sistemastelevisivos com finalidade pblica no Brasil e na Bahia, em suasrelaes com as polticas para a cultura. Alm disso, com o in-tuito de investigar e compreender como se estrutura e se organizaa TVE-Ba, a pesquisa se ancorou em trs aspectos, consideradosessenciais em um servio pblico de radiodifuso: suas formasde gesto, financiamento e programao. Temporalmente, toma-se como ponto de partida a inaugurao desta emissora de TV, em09 de novembro de 1985, at dezembro de 2008.

    Palavras-chave: Cultura, televiso pblica, poltica cultural,Bahia.

    Abstract

    The main objective of this dissertation is to understand howTelevisao Educativa da Bahia (TVE-Ba), a public broadcastingtelevision station affiliated with the Instituto de Radiodifusao E-ducativa da Bahia, implements cultural policies set by differing

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    state government admnistrations. This work presents and pro-blematizes discussions about public broadcasting television. Thehistory of public broadcasting television in Brazil and in Bahiaand its relations with cultural policies is debated in this thesis aswell. The research also examines, in the context of baiano culture,the history of TVE-Ba since its inauguration in November of 1985until December of 2008, focusing on its managements, finances,and programing.

    Key-words: Culture, public television, cultural policy, Bahia.

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  • Lista de Abreviaturas

    ABCCOM Associao Brasileira de Canais ComunitriosABERT Associao Brasileira das Emissoras de Rdio eTelevisoABEPEC Associao Brasileira das Emissoras Pblicas,Educativas e CulturaisABTU Associao Brasileira de Televiso UniversitriaACM Antnio Carlos MagalhesAGECOM Assessoria Geral de Comunicao Social doGoverno do Estado da BahiaANCINAV Agncia Nacional do Cinema e do AudiovisualAncine Agncia Nacional de CinemaASTRAL Associao Brasileira de Televises e RdiosLegislativasBBC British Broadcasting CorporationBSP Bahia Singular e PluralCHESF Companhia Hidro Eltrica do So FranciscoCONDER Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano doEstado da BahiaDNFI Departamento Nacional de FiscalizaoDOCTV Programa de Fomento Produo e Teledifuso doDocumentrio BrasileiroBahiatursa Empresa de Turismo da Bahia S/ABDT Telecommunication Development BureauBFC Bahia Film Commission

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    CEC Conselho Estadual de CulturaCOFIC Comit de Fomento Industrial de CamaariCONTEL Conselho Nacional de TelecomunicaesCPPP Centro de Rdio e um Centro de Planejamento eProduo Pedaggica do Instituto de Radiodifuso Educativa daBahiaCRA Centro de Recursos AmbientaisDENTEL Departamento Nacional de TelecomunicaesDIMAS Diretoria de Artes Visuais e MultimeiosEBC Empresa Brasil de ComunicaoEBU European Broadcasting UnionEmbratel Empresa Brasileira de TelecomunicaesEMTURSA Empresa de Turismo S/AFazcultura Programa Estadual de Incentivo CulturaFENAJ Federao Nacional dos JornalistasFCEB Fundo de CulturaFCEBA Fundao Cultural do Estado da BahiaFIES Fundo de Investimento Econmico e Social da BahiaFNDC Frum Nacional pela Democratizao dasComunicaesFPC Fundao Pedro CalmonFUNCEB Fundao Cultural do Estado da BahiaFUNDART Fundao das ArtesFUNDESE Fundo de Desenvolvimento Social e EconmicoFUNTEV Fundao Roquette PintoGUTE Gerncia de Utilizao de Tecnologias Educacionais doInstituto de Radiodifuso Educativa da BahiaIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaIBOPE Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e EstatsticaINTELSAT Sistema Internacional de SatlitesIntervozes Coletivo Brasil de Comunicao SocialIPAC Instituto do Patrimnio Artstico e CulturalIPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico NacionalIRDEB Instituto de Radiodifuso Educativa da BahiaITU International Telecommunication Union

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    MEC Ministrio da EducaoMINC Ministrio da CulturaMINICOM Ministrio das ComunicaesMINFRA Ministrio da InfraestruturaNAVI Ncleo de Apoio ao VdeoPBS Public Broadcasting ServicePCB Partido Comunista BrasileiroPC do B Partido Comunista do BrasilPDS Partido Democrtico SocialPDT Partido Democrtico TrabalhistaPFL Partido da frente LiberalPMDB Partido do Movimento Democrtico BrasileiroPMN Partido da Mobilizao NacionalPOTE Plo de Teledramaturgia da BhiaPSB Partido Socialista BrasileiroPSC Partido Socialista CristoPT Partido dos TrabalhadoresPTB Partido Trabalhista BrasileiroRCA Radio Corporation of AmericaSEC Secretaria de EducaoSEC Secretaria de Educao e CulturaSEC Secretaria de Cultura do Estado da BahiaSECULT Secretaria de CulturaSEEB Secretaria da EducaoSEFAZ Secretaria da FazendaSEINFRA Secretaria de Infra-estruturaSETUR Secretaria de TurismoSBTVD Sistema Brasileiro de TV DigitalSBTVD-T Sistema Brasileiro de Televiso Digital TerrestreSCT Secretaria da Cultura e TurismoSPR Servio Pblico de RadiodifusoTCA Teatro Castro AlvesTVE-Ba Televiso Educativa da BahiaTVE-Ma Televiso Educativa do MaranhoTVE-Rio Televiso Educativa do Rio de Janeiro

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    UFBA Universidade Federal da BahiaUFPE Universidade Federal de PernambucoUNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, aCincia e CulturaUPB Unio dos Prefeitos da Bahia

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  • INTRODUO

    No Brasil, a televiso1 est presente em quase todos os lares dopas, representando a principal fonte cultural de entretenimento,diverso e informao da maioria dos brasileiros. O importantepapel desempenhado por este meio de comunicao na sociedadebrasileira contempornea nos leva, em certo sentido, a fazer umaapropriao da ideia de Benedict Anderson (2008), quando pensana literatura como formatadora de uma comunidade imaginada.Toma relevo, portanto, a necessidade de compreender a televisoem seu vis cultural.

    As relaes entre televiso e cultura j foram contempladasem estudos empreendidos por autores como Renato Ortiz (1998),Muniz Sodr (1977), Michle e Armand Mattelart (1989) etc.Tais investigaes tornam patente a necessidade da construo depolticas para a cultura no pas que contemplem, de forma efetiva,este meio de comunicao. Contudo, este tema praticamenteinexplorado no meio acadmico.2

    Por outro lado, se compreendemos a cultura como um con-junto de processos sociais de produo, circulao e consumo dasignificao na vida social (CANCLINI, 2005), necessrio se fazevocar novos paradigmas para a reflexo acerca das relaes en-tre a cultura, as identidades, a poltica e os meios de comuni-

    1 O que aqui chamamos televiso se refere, mais especificamente, tele-viso aberta, de programao no temtica, incluindo-se emissoras comerciaise pblicas, cujas nuanas sero enfatizadas a seguir.

    2 Nesse sentido, cabe destacar o artigo inaugurador Televiso e PolticasCulturais no Brasil, de Albino Rubim e Linda Rubim (2004).

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    cao. Esta perspectiva ainda mais evidenciada a partir do con-ceito contemporneo de poltica cultural. Segundo Nestor GarcaCanclini:

    Los estudios recientes tienden a incluir bajo este con-cepto al conjunto de intervenciones realizadas porel estado, las instituiciones civiles y los grupos co-munitarios organizados a fin de orientar el desarollosimblico, satisfacer las necesidades culturales de lapoblacin y obtener consenso para un tipo de or-den o de transformacin cultural. Pero esta manerade caracterizar el mbito de las polticas culturalesnecesita ser ampliada teniendo en cuenta el carc-ter transnacional de los procesos simblicos y mate-riales en la actualidad3 (CANCLINI, 2001: 65).

    O autor pondera que a formulao de uma poltica culturaldeve trabalhar democraticamente com a divergncia, reconhecen-do o distinto e elaborando as tenses a partir das diferenas. Emmeio s recentes transformaes do mercado simblico e da cul-tura cotidiana, verifica-se tambm a necessidade de se promover areorganizao cultural do poder, no bojo das relaes sociopolti-cas, de uma concepo bipolar e vertical para outra descentrada emultideterminada (CANCLINI, 2007).

    Autores como Barbalho (2005) e Rubim (2003) destacam, ain-da, a importncia da interao crtica entre as polticas culturais eas indstrias culturais abarcando-se a a cultura, o lazer, o en-tretenimento e o turismo e os meios de comunicao, compreen-didos como instrumentos essenciais de formao e informao.

    3 Os estudos recentes tendem a incluir no mbito deste conceito o conjuntode intervenes realizadas pelo Estado, as instituies civis e os grupos comu-nitrios organizados, a fim de orientar o desenvolvimento simblico, satisfazeras necessidades culturais da populao e obter consenso para um tipo de or-dem ou de transformao cultural. Esta maneira de caracterizar o mbito daspolticas culturais, porm, precisa ser ampliada, levando-se em conta o cartertransnacional dos processos simblicos e materiais na atualidade (traduo daautora).

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    Com o mesmo propsito, Jess Martn-Barbero prope que arenovao da cultura assuma o que est em jogo, hoje, nas polti-cas culturais, para alm dos questionamentos em prol da insti-tuio de polticas para a comunicao.

    Abre-se assim ao debate um novo horizonte de pro-blemas, no qual esto redefinidos os sentidos tanto dacultura quanto da poltica, e do qual a problemticada comunicao no participa apenas a ttulo temti-co e quantitativo os enormes interesses econmicosque movem as empresas de comunicao mas tam-bm qualitativo: na redefinio da cultura funda-mental a compreenso de sua natureza comunicativa.(MARTN-BARBERO, 2003: 299).

    Significa dizer que a questo cultural passa a ser inscrita, nointerior do poltico, e a comunicao, na cultura, pois a culturano pode mais ser pensada de modo independente do que acon-tece nas indstrias culturais e nos meios de comunicao. Destaforma, a televiso, este indiscutvel fato da cultura de nosso tem-po (MACHADO, 2000: 21) relaciona-se, de maneira inequvocacom as polticas culturais no pas.

    Nesse sentido, a realizao deste trabalho foi influenciada emgrande medida pelo rico contexto de propostas, projetos e aes,de mbito federal, na rea cultural, a partir da nomeao de Gil-berto Gil para o Ministrio da Cultura, em 2003. Na gesto Gil, otema da televiso passou a fazer parte dos debates sobre as polti-cas culturais no pas, representando um importante passo parao reconhecimento deste meio de comunicao como um aparatoeminentemente cultural.

    Na Bahia, por sua vez, a eleio de Jacques Wagner para go-vernador, em 2006, resultou na possibilidade de alinhamento en-tre a recm-criada Secretaria de Cultura (SECULT)4 e as polti-

    4 A criao da Secretaria de Cultura, embora desmembrada da antiga Secre-taria de Cultura e Turismo (SCT), ainda na gesto de Paulo Souto, configurava-se como uma das principais propostas na rea de cultura do atual governo.

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    cas culturais formuladas e postas em prtica em mbito federal.Em entrevista, o secretrio Mrcio Meirelles, explicitou seu es-pelhamento na experincia do MINC e apresentou uma srie depropostas para sua gesto, dentre as quais a descentralizao ea interiorizao, a modificao das leis de fomento, a integraodo governo com as universidades e a sociedade, a promoo dasConferncias Estaduais de Cultura e a construo de um SistemaEstadual de Cultura (YODA; CARVALHO, 2007).

    Dentre as polticas que influenciariam o setor televisivo, odiretor-executivo do Instituto de Radiodifuso Educativa da Bahia(IRDEB), Pla Ribeiro5 aponta para a juno de todo o setor au-diovisual (cinema, televiso e radiodifuso) em um mesmo rgo;o fomento formao de um plo de produo audiovisual no Es-tado; a reestruturao do IRDEB; a qualificao e regionalizaoda programao da Televiso Educativa da Bahia (TVE-Ba); aaquisio de contedo para a emissora; dentre outros.

    Tendo em vista o cenrio apresentado, esta dissertao pro-pe-se analisar a Televiso Educativa da Bahia, uma emissoracom finalidade pblica que faz parte da estrutura do Instituto deRadiodifuso Educativa da Bahia, de modo a compreender comoeste veculo de comunicao tem assimilado e posto em prticaas polticas culturais implantadas em diversas gestes do governoestadual. A anlise se desenvolve a partir da contextualizao daTVE-Ba no Estado desde a inaugurao, em 09 de novembrode 1985, at dezembro de 2008 observando-se, particularmente,suas formas de gesto e controle, seu financiamento e sua progra-mao. Realiza-se, assim, a sistematizao de seu funcionamentoe organizao, associada apreciao de sua trajetria.

    A opo pela Televiso Educativa da Bahia considera, inicial-mente, o seu destacado papel na sociedade baiana contempornea,enquanto importante ferramenta na formatao de artifcios derepresentao e reconhecimento.

    A imagem da televiso, mais do que qualquer outra

    5 Em entrevista concedida a esta pesquisadora, em novembro de 2008.

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    imagem animada, , portanto, tributria de um con-texto [...]. Dizer que no existem imagens de tele-viso sem contexto de produo e recepo enfatiza,tambm, a dimenso social da televiso que se encon-tra nas duas caractersticas da sua imagem: a identi-ficao e a representao. Estas no lhe so prprias,aplicam-se a todas as imagens animadas, mas assu-mem tambm aqui uma dimenso particular, uma vezque a televiso o principal instrumento de percep-o do mundo da grande maioria da populao.(WOLTON, 1996: 69).

    Se a televiso contribui de maneira efetiva para retratar e mo-dificar as representaes do mundo, a TV Educativa da Bahia,por sua finalidade pblica, prope-se, ainda, a estabelecer umasintonia entre as demandas de informao e de educao de cadacomunidade local. (O DESAFIO..., 2003: 12). Alm disso, o pa-pel desta emissora deve ter sua dimenso ampliada, j que, devido sua vinculao com o Governo do Estado, as Bahias expostasna tela dessa emissora tambm refletem as polticas culturais em-preendidas por este Governo.

    A trajetria da TVE-Ba foi desvelada atravs de incurses emoutras reas do conhecimento, buscando a construo de novosparmetros de reflexo sobre a interferncia do contexto histricoe cultural nos processos de comunicao. A opo por materiaisdistintos, confrontados a partir de aspectos diferenciados, aindaque torne a anlise mais complexa, parte do pressuposto de que:

    A debate about public service broadcasting (PSB) isin reality a debate about the philosophical, ideolo-gical and cultural underpinnings of society and aboutthe role of the State and the public sector in mee-ting the needs of individuals and society as a whole.This, rather than technological developments, may be

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    the decisive factor in determining the future of PSB6.(MOONEY, 2004).

    A declarao, retirada de um informe da Assemblia Parla-mentar do Conselho Europeu, ao colocar em relevo o papel doEstado e do setor pblico em satisfazer as necessidades individu-ais e coletivas da populao, nos remete ao fato de que a discussosobre a conformao de um Sistema de Radiodifuso Pblica nopode se restringir a uma nica abordagem. Este debate diz res-peito sociedade como um todo, em seus aspectos filosficos,ideolgicos e culturais.

    A busca e seleo dos materiais e documentos utilizados paraa investigao partiu deste pressuposto. Alm de extensa biblio-grafia, foram priorizados como fontes: os relatrios de atividadesdo IRDEB de todo o perodo7, leis e decretos referentes enti-dade e a realizao de entrevistas com gestores e tcnicos quecompunham os quadros administrativos do IRDEB e da TelevisoEducativa da Bahia. Contribuem tambm como instrumentos deinformao, matrias de jornais originrias dos estudos desen-volvidos sobre a TVE Educativa da Bahia, o clipping da bibliotecado IRDEB com reportagens, matrias, artigos e entrevistas dediversos jornais e revistas ; e o acervo audiovisual da emissora,disponibilizado pela videoteca da Instituio.

    A opo por consultar uma grande variedade de fontes temcomo principal motivo a disperso e o pequeno nmero de inves-tigaes realizadas sobre a trajetria da televiso na Bahia. Issotambm ocorre com as polticas culturais no Estado, cujos estu-

    6 Um debate sobre o Servio Pblico de Radiodifuso (SPR) , na reali-dade, um debate sobre os fundamentos filosficos, ideolgicos e culturais dasociedade e sobre o papel do Estado e do setor pblico em satisfazer as neces-sidades dos indivduos e da sociedade como um todo. Isso, mais que o desen-volvimento tecnolgico, pode ser o fator decisivo na determinao do futurode um SPR (traduo da autora).

    7 exceo dos anos de 1986, 1989, 1990 e 1997, que no foram encon-trados.

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    dos se concentram em determinados perodos, enquanto outrosso parcamente contemplados.

    Na fundamentao terica, foi privilegiado um repertrio detextos de diferentes autores que vm se dedicando televisopblica, em especial acerca de seu carter cultural. Nesse sentido,cabe ressaltar a ausncia de investigaes que se proponham a de-marcar os parmetros para a classificao de uma emissora comopblica. Tal carncia foi driblada atravs da apresentao de pro-jetos, propostas e modelos de televiso pblica difundidos por or-ganismos internacionais, estudiosos e organizaes no-governa-mentais. Alm disso, foram consultados livros, teses, dissertaese monografias que abordam as polticas para a comunicao epara a cultura no pas, as relaes entre televiso e cultura e osrepertrios deste importante meio de comunicao.

    No que se refere sua estrutura, esta dissertao compostade cinco partes. No primeiro captulo TV Pblica: Um Con-ceito em Construo , buscamos a aproximao de um conceitode televiso pblica, atravs de aspectos considerados fundamen-tais para sua definio. Embora esta seja uma discusso pautadanum devir e ainda distante de se esgotar, acreditamos ser fun-damental resgat-la em um trabalho que tenha como objeto umaemissora com finalidade pblica.

    A histria cultural da televiso, em especial a TV pblica, o tema do segundo captulo, Televiso e Histria Cultural. Ali,elabora-se um percurso histrico deste modelo televisivo na Eu-ropa Ocidental, na Amrica e, finalmente, no Brasil. Tal anlisetem como principal objetivo fundamentar o estudo da TelevisoEducativa da Bahia atravs da apresentao de modelos vis--viscontextos diferenciados.

    J o terceiro captulo, TV Pblica, Estado e Cultura na Ba-hia, focaliza a trajetria da emissora em meio s polticas cul-turais implantadas pelo Estado. Este percurso tem como principalpropsito explicitar a conjuntura estadual, de forma a contribuirpara a anlise detalhada de aspectos especficos da emissora, a serrealizada no captulo seguinte.

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    Dotados, ento, do conhecimento adquirido pela reconstitu-io dos contextos socioculturais, chegamos ao quarto captulo:TVE: Espelho da Bahia. Nele, a Televiso Educativa da Bahia detalhada a partir de sua gesto, seu financiamento e sua pro-gramao. A anlise destes trs aspectos serviu para subsidiar areflexo sobre a conjuntura da TVE, em cada um dos momentosanalisados.

    Por fim, chegamos s consideraes finais que, na verdade,abrem espao para maiores questionamentos e fornecem algu-mas pistas para futuras investigaes. Ainda que no esgotem asmltiplas discusses inerentes ao problema levantado, apresen-tam um quadro articulado de situaes que elucidam a importn-cia do IRDEB e, mais especificamente, da TVE-Ba para a pro-moo e legitimao das polticas e aes culturais estatais. Apercepo de que esta emissora submetida a alteraes apenaspontuais ao longo de sua trajetria indica que as distintas gestesgovernamentais se preocuparam mais com a manuteno do con-trole sobre sua gesto, financiamento e programao do que com aconstruo de um Servio Pblico de Radiodifuso independentee democrtico.

    A anlise da Televiso Educativa da Bahia explicita, portanto,algumas articulaes necessrias compreenso do meio televi-sivo e da televiso pblica como fenmenos culturais de granderelevncia no mundo contemporneo.

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  • Captulo 1

    TV PBLICA: UMCONCEITO EMCONSTRUO

    A televiso, enquanto local privilegiado da cultura e da socieda-de contemporneas (RINCN, 2002: 19-20), atrai e estimulaum nmero significativo de olhares divergentes. Para alguns au-tores, ela funciona como um meio de democratizao e moder-nizao (WOLTON, 1996); para outros, compreendida comouma ameaa poltica e democracia (BOURDIEU, 1997), massua grande influncia na construo das noes culturais, polticase econmicas de um povo um dado inconteste.

    Tecnicamente, a televiso pode ser definida como um meio decomunicao eletrnica, com a transmisso de sons e imagens,que se classifica como um servio de radiodifuso regido por leisprprias e considerado de interesse nacional. Trata-se, portanto,de um servio pblico a ser prestado pela Unio, Estados, Dis-trito Federal e Municpios, ou concedido, mediante concorrncia, pessoa jurdica ou consrcio de empresas que tenham capaci-dade para seu desempenho (ALARCON, 2005).

    Autores como Suzy dos Santos e rico da Silveira, no artigoServio Pblico e Interesse Pblico nas Comunicaes, aten-

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    tam para a importncia do conceito de servio pblico, tradicionalem pases da Europa Ocidental que priorizaram a adoo do mo-delo de televiso pblica, como a Gr Bretanha, por exemplo. Oseu uso implica o entendimento da obrigatoriedade do Estado emgarantir o direito dos cidados comunicao, em contraponto noo de interesse pblico, ligada tradio estadunidense, quese refere s condies de cesso do espectro para a explorao deservio privado.

    A qualificao de uma dada atividade como ServioPblico remete ao plano da escolha poltica, que podeestar fixada na Constituio do pas, na lei, na ju-risprudncia e nos costumes vigentes em um dadomomento. Deflui-se, portanto, que no h um serviopblico por natureza. (GROTTI, 2003 apud SAN-TOS; SILVEIRA, 2007: 77).

    Ou seja, escolha do termo servio pblico, subentende-seuma pretenso poltica para a radiodifuso como um bem que per-tence a todos. Nesse sentido, o terico colombiano, Germn ReyBeltrn (2002: 93), traz baila o fato de que todas as televisestm um sentido pblico, como explicitado na lei colombiana,quando nos seus primeiros artigos define a televiso como sendoum servio pblico.

    A legislao brasileira, ao contrrio da colombiana, no ex-plicita a concesso do servio de radiodifuso como um serviopblico, muito embora no a caracterize como atividade de inte-resse pblico. A Constituio da Repblica Federativa do Brasilassegura aos cidados, em seu art. 5o, o acesso informao ea liberdade de expresso e comunicao (BRASIL, 1988). J oCdigo Brasileiro de Telecomunicaes define o servio de Ra-diodifuso como destinado a ser recebido direta e livrementepelo pblico em geral (BRASIL, 1962). Tais prerrogativas con-tribuem para concluir que

    ...o que existe no Brasil uma espcie de meio docaminho entre o conceito clssico de Servio Pbli-

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 27

    co tal como originrio na regulamentao britnica e o conceito mais elstico de interesse, necessidadee convenincia pblica originrio da regulamentaodos Estados Unidos. (SANTOS; SILVEIRA, 2007:79).

    De fato, no h, na Carta Magna, referncias a nenhum destesdois conceitos. Seu artigo 223 determina apenas a competncia doPoder Executivo para a outorga e a renovao de concesso, per-misso e autorizao para o servio de radiodifuso sonora e desons e imagens, observado o princpio da complementaridade en-tre os sistemas estatal, privado e pblico (BRASIL, 1988). Almdisso, passados vinte anos da promulgao da constituio, estanorma, bem como o todo o Captulo V, que trata da ComunicaoSocial, no foram regulamentados.

    Tais omisses tm como pano de fundo a resistncia ferrenhados proprietrios de emissoras comerciais ao tema da regulamen-tao da comunicao social. Inmeros levantamentos e estudosapontam o poderio do setor no pas. A capacidade de intervenoe influncia no apenas econmica e poltica, num sentido am-plo, mas tambm simblica (pela grande influncia que a TVcomercial, principal meio de informao de uma parcela imensada populao, exerce na opinio pblica do pas) e poltica, nosentido estrito, j que diversos congressistas so detentores deconcesses de TV.1

    1.1 A Televiso Pblica: essa Desconheci-da

    Ao passo que as discusses sobre a construo de um serviopblico de radiodifuso brasileiro so colocadas em pauta na-

    1 Para mais informaes nesse sentido, ver A Televiso Pblica no Brasil:Um estudo sobre estratgias de manuteno da ordem, de Fernanda Vidigal(2008)

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  • 28 Renata Rocha

    cionalmente, a partir da criao da Empresa Brasil de Comuni-cao e, mais particularmente, da TV Brasil, a televiso pblicatorna-se um objeto de estudo mais visado pela academia. Entre-tanto, apesar da existncia de uma relativa bibliografia a respeitodo tema, as abordagens geralmente partem de pressupostos quese baseiam em uma noo implcita de TV pblica, cuja siste-matizao no chega a ser especificada. Em outros momentos, soenumeradas funes ou caractersticas essenciais para que umateleviso se autodenomine pblica.

    Grande parte deste material entre artigos, matrias, manu-ais, cartas, palestras e diagnsticos elaborado a partir de even-tos, setores e movimentos sociais organizados em prol da demo-cratizao das comunicaes e da cultura (PROPOSTA..., 2007;RINCN, 2006; BRASIL, 2006, 2007d; CONFERNCIA DECOMUNICAO SOCIAL DA BAHIA, 2008; BAHIA, 2008b;UNESCO, 2008). Estes textos abordam, com frequncia, a propo-sio de um projeto de televiso pblica a partir de um vis scio-poltico.

    Esta busca pelo que seria um modelo ideal de sistema pblicode radiodifuso, mesmo que explicitado de maneiras distintas,tambm permeia trabalhos e estudos de tericos da rea de tele-viso pblica (REDE..., 2003; LEAL FILHO, 2007; RINCN,2002; VIDIGAL, 2008). Estes autores apontam ainda para anecessidade da incorporao de polticas pblicas e regulamen-taes especficas que garantam a implantao e a sustentabili-dade desse sistema pblico de radiodifuso. J a definio doque seria esse sistema e a explicitao de suas caractersticas per-manece em segundo plano.

    Reafirma-se, portanto, a escassez de uma bibliografia que bus-que demarcar de forma precisa os parmetros para a classificaode uma emissora pblica. Com o objetivo de contribuir para estedebate, destacamos, inicialmente, que toda e qualquer emissorapossui carter pblico2:

    2 As mudanas do carter pblico na contemporaneidade, segundo o tericoJesus Martn-Barbero (2002), devem ser compreendidas a partir de trs eixos: o

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 29

    ...o novo significado do carter pblico no ape-nas aplicado s denominadas televises pblicas. Istoseria limitar novamente o conceito questo estatal[...]. A gesto de um bem pblico que a informao,a possibilidade de desenvolver modelos de televisotil, a experimentao que abre novos caminhos aosgneros e formatos, e o apoio de iniciativas de progra-mao socialmente relevante, so possibilidades paradesdobrar ainda mais o significado pblico das tele-vises comerciais. (REY BELTRN, 2002: 93).

    Isso no significa, porm, que todas as emissoras, dentre ossistemas pblico, privado3 e estatal, devam exercer os mesmospapis na sociedade. Omar Ricn, em entrevista concedida jor-nalista Ana Rita Marini, destaca, como funes fundamentais dasemissoras comerciais, o estabelecimento de referentes culturais eas agendas informativas bsicas para o dilogo social, a promoodo dilogo pblico atravs da participao social (o que dizer) eesttica (modos de dizer) na tela, bem como a satisfao da ne-cessidade de entretenimento da sociedade (RINCN, 2006: 16).

    O autor no explicita, porm, uma funo primordial das e-missoras comerciais: a econmica. Albino Rubim, no livro Co-municao e Poltica, destaca a abrangncia da comunicao noapenas no nvel superestrutural e, portanto, restrita ao planoideolgico , mas tambm no nvel infraestrutural, como impor-

    da atual reconstruo conceitual do carter pblico que deixa de se referir aoestatal, governamental, e passa a dizer respeito, nas palavras de H. Arendt, aoque comum, o mundo prprio de todos (1993 apud MARTN BARBERO,2002: 50); a reconstituio dos meios e das imagens no espao de reconheci-mento social no sentido de possibilitar, ou no, a visibilidade social; e, porltimo, as novas formas de existncia e exerccio da cidadania, que passam pelodireito de ser visto e ouvido, ou seja, o direito de existir e contar socialmente.

    3 Embora o texto constitucional faa referncia a um sistema privadode radiodifuso, optamos por, ao longo do texto, fazer maior uso do termocomercial, partindo do pressuposto de que emissoras comerciais so aquelasque possuem fins lucrativos (o que no necessariamente ocorre com todas asemissoras privadas).

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  • 30 Renata Rocha

    tante indstria de produo de bens simblicos, de carter efetiva-mente estruturante para a economia na sociedade contempornea(RUBIM, 2000).

    Significa dizer que funo econmica da TV comercial apre-senta-se como fundamental nesse debate, devido incontestvelinfluncia exercida sobre todo o processo televisivo. Num sen-tido ampliado, esta funo pode abarcar, por exemplo, o aumentoda produo, atravs da oferta de novas possibilidades de ge-rao de lucro; a formao e expanso de mercados consumi-dores; a valorizao de produtos atravs da publicidade; e, deforma mais especfica, a difuso e reforo da ideologia domi-nante, contribuindo para a hegemonia4 do modo de produocapitalista (CAPARELLI, 1982: 59).

    Entretanto, ainda que as televises privadas atendessem a to-das estas demandas, no seria possvel abranger, em sua progra-mao, a sociedade como um todo, com suas disparidades, com-plexidades e necessidades diversas. Reafirma-se, portanto, a im-portncia da manuteno de uma alternativa na qual se materializea diversidade cultural e a promoo da democracia sem deixarde seguir a lgica da diverso e do entretenimento , e para ondedeveriam convergir todas as formas de expresso direcionadas asuperar a viso comercial e a relatar aos indivduos como tornar-seum coletivo social, ou seja, a televiso pblica (RINCN, 2006:16).

    Por sua vez, a TV estatal seria, em termos gerais, o lugar ondeh maior espao para a realizao do direito dos cidados infor-mao de carter institucional e ao mesmo tempo de cumprimentodo dever do Estado em termos de comunicao institucional.

    4 Esta concepo busca abranger, em um grau mais amplo, as relaes va-riveis de poder numa determinada sociedade e a forma concreta como elasso vividas. Para tanto, Gramsci, no texto A Formao dos Intelectuais, es-tabelece dois nveis superestruturais: a sociedade civil entendida comoorganismos privados e a sociedade poltica ou o Estado. Ambos corres-pondem funo do consentimento voluntrio, ou hegemonia, exercido pelogrupo dominante, enquanto o Estado (e o governo jurdico) se ocupa da domi-nao direta, ou seja, da coero (GRAMSCI, 1978).

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 31

    (SCORSIM, 2007). A estas emissoras caberia, portanto, a vei-culao das aes e dos eventos do Estado e do governo, tendocomo principal foco o cidado.

    Tendo em vista a singular ausncia de um marco legal noBrasil que defina e diferencie os sistemas de radiodifuso, tomare-mos alguns pressupostos contidos no documento Model PublicService Broadcasting Law, aqui traduzido como Lei Modelo deServio Pblico de Radiodifuso,5 de Werner Rumphorst (2007),como ponto de partida para compreender a noo de televisopblica.

    A Lei Modelo, j em sua nota introdutria, preocupa-se emdefinir o conceito Public Service Broadcasting, aqui traduzidocomo Servio Pblico de Radiodifuso, atravs da diferenciaoentre os conceitos pblico e estatal ou governamental.

    Public service broadcasting is a unique concept. Al-though easy to understand, it is more often than notmisunderstood, sometimes profoundly and sometimeseven intentionally [...].Some languages do not evenhave a term fully corresponding to the English word"public", and the closest translation appears to con-fer the notion of state/government/official. Where thisis the case in a country which has had a tradition ofstate broadcasting, this linguistic barrier constitutesthe first obstacle to a clear understanding of the realnature of public service broadcasting (which is any-thing but "state", "government"or "official"broadcas-ting).6 (RUMPHORST, 2007: 01).

    5 Trata-se de uma verso atualizada e revisada do documento Model Pu-blic Service Broadcasting Law, elaborado em 1998 pelo ex-Diretor do Depar-tamento Legal da European Broadcasting Union, Werner Rumphorst, e pro-duzido pela International Telecommunication Union (ITU)/ Telecommunica-tion Development Bureau (BDT) e pela Organizao das Naes Unidas paraa Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO).

    6 O conceito de Servio Pblico de Radiodifuso nico. Embora fcilde compreender, constantemente mal-interpretado, s vezes, de forma pro-

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  • 32 Renata Rocha

    Ainda que exista em nossa lngua uma traduo bastante apro-ximada do termo ingls public a palavra pblico , bas-tante frequente a confuso com noes como estado, governoou oficial. Essa aproximao, e mesmo as imprecises na con-ceituao, provavelmente decorrem do fato de que grande partedas emissoras pertencentes ao campo7 pblico de radiodifusopossui carter estatal. Por outro lado, a hegemonia da TV com-ercial no Brasil tem legado s emissoras pertencentes aos outrossistemas um lugar marginal.

    Essa assertiva corroborada pelo documento Radiotelevisinde Servicio Pblico: Un Manual de Mejores Prcticas (UNES-CO, 2006). Segundo o texto, a analogia comumente estabelecidaentre os servios pblico e estatal de radiodifuso origina-se dofato de que muito poucos pases do mundo possuem um servioverdadeiramente pblico de radiodifuso. Em contrapartida, nagrande maioria deles existem sistemas estatais. Alm disso, adifuso estatal est mais orientada ao servio pblico do que aradiodifuso comercial, contribuindo ainda mais para este tipo deequvoco. No caso brasileiro, por exemplo, a grande maioria dasemissoras educativas e culturais pode ser classificada como estatalao se considerar suas formas de financiamento e controle. J aprogramao, se orienta para o suprimento das demandas de umservio pblico. Cabe, porm, ressaltar que

    funda, e mais frequentemente de forma intencional [...]. Alguns idiomas se-quer contam com uma palavra ou expresso que corresponda plenamente palavra inglesa public, e a traduo mais aproximada parece implicar a noode estado/governo/oficial. Quando este o caso, em um pas que possui umatradio de difuso estatal, a barreira lingustica constitui o primeiro obstculopara uma compreenso clara da verdadeira natureza do Servio Pblico de Ra-diodifuso (que vem a significar qualquer coisa, menos estado, governo, oudifuso oficial) (traduo da autora).

    7 A noo de campo remete a Pierre Bourdieu, responsvel por desenvolveruma teoria geral dos campos para o entendimento dos processos sociais. Anoo de campo refere-se a um espao social de relaes objetivas que permiteidentificar, nos mais diversos domnios da vida social (cultura, economia, re-ligio, artes plsticas etc.), quais os traos prprios de todos os campos e quaisos especficos de cada um deles. (MIGUEZ, 2002)

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 33

    ...mientras los sistemas de difusin bajo control es-tatal cumplen algunas actividades de servicio publi-co, su control gubernamental, ceido a modelos pre-supuestarios, carncia de independncia e imparcia-lidad en la programacin y administracin, no per-mite se les identifique RSP [Radiotelevisin de Servi-cio Pblico]. De este modo, mientras los difusoresejecutan algunas funciones de servicio pblico, nopueden definirse como verdaderas RSP porque nocumplen los requisitos de uma genuna RSP. 8 (U-NESCO, 2006: 30).

    As emissoras estatais, e mesmo privadas (excluindo-se, obvi-amente, as emissoras comerciais), podem possuir finalidade p-blica, por pertencerem ao campo pblico de radiodifuso. Nose constituem, entretanto, como verdadeiros servios pblicos deradiodifuso pela falta de independncia e pela parcialidade emsua gesto e programao.

    importante ressaltar que o termo Servio Pblico de Ra-diodifuso (SPR), posto como um nome prprio por referir-sea um servio ideal de radiodifuso. A fim de melhor caracteriz-lo, Rumphorst (2007) aponta, nos aspectos introdutrios da LeiModelo, caractersticas imprescindveis para sua existncia:

    made for the public;

    financed by the public;8 ...enquanto os sistemas de difuso sob controle estatal cumprem algumas

    atividades de servio pblico, seu controle governamental, restrito a modelosde financiamento, carncia de independncia e imparcialidade na programaoe administrao, no permite que sejam identificados como SPR [ServioPblico de Radiodifuso]. Desta forma, enquanto os difusores executam al-gumas funes de servio pblico, no podem ser definidos como verdadeirosSPR porque no cumprem os requisitos de uma genuna SPR (traduo da au-tora).

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  • 34 Renata Rocha

    controlled by the public.9

    (RUMPHORST, 2007: 01).

    Esta assertiva indica, portanto, trs requisitos bsicos a seremconsiderados em um SPR: a programao (que deve ser feita parao pblico), o financiamento (que deve ser captado junto ao pbli-co) e a gesto (que deve ser controlada pelo pblico). O termopblico nestas proposies diz respeito a toda a populao,expresso que possui um significado duplo: idealmente todos oslares da rea a ser abrangida pelo servio devem estar em condi-es de receb-lo; e a programao deve se voltar para todos osgrupos e setores da sociedade e, tambm, para a sociedade comoum todo, considerando-se, obviamente, a impossibilidade de seatender a todos os pblicos, por todo o tempo.

    De acordo com a UNESCO (2006), no documento Radiotele-visin de Servicio Pblico: Un Manual de Mejores Prcticas,um verdadeiro sistema pblico deveria se caracterizar por quatroaspectos: universalidade, diversidade, independncia e diferen-ciao. Cada um desses aspectos ser descrito de forma breve aseguir.

    O primeiro deles, a universalidade, faz referncia capaci-dade de atingir todos os cidados de sua rea de alcance (seja umpas, regio ou cidade). Se, por um lado, precisa estar direcionadoao conjunto da populao, sem distines, por outro, deve desen-volver aes para que o maior nmero de indivduos ou grupospossa se utilizar desse meio para se expressar.

    J um Sistema Pblico de Radiodifuso diversificado deveratuar em pelo menos trs eixos: os gneros de programas ofere-cidos, as temticas abrangidas e as audincias determinadas. Isso

    9

    feito para o pblico

    financiado pelo pblico

    controlado pelo pblico (traduo da autora)

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 35

    no significa atingir todo o conjunto da populao ao mesmo tem-po, mas atender a todos os segmentos da populao a partir da ve-iculao da soma de uma grande variedade de programas e temti-cas.

    Outro ponto chave para a caracterizao de um SPR a inde-pendncia em relao a presses comerciais ou influncias polti-cas. Somente essa independncia pode garantir que informaes,ideias e opinies crticas circulem livremente na programao.Este um aspecto fundamental para a diferenciao entre o sis-tema pblico e o estatal, pois, a partir de regulamentaes espec-ficas, este sistema se desvincularia do governo, configurando-secomo instituio autnoma. J em comparao com o sistemacomercial, vale lembrar que, se o servio pblico financiado deforma pblica, no se justifica a veiculao de programas criadoscom fins meramente comerciais.

    Finalmente, o sistema precisa ser diferenciado, oferecendoum servio no contemplado pelos outros modelos. Os progra-mas produzidos devem possuir como foco grupos normalmentenegligenciados ou pouco representados no rdio e na televiso,alm de inovar no formato, linguagem e estticas. Um sistemapblico deve atuar apontando novos caminhos, tornando-se refe-rncia para os outros modelos.

    Desta forma, cabe afirmar que os sistemas pblicos de tele-viso justificam-se pela necessidade de promoo plural de infor-maes, valores, culturas e pontos de vista; e se distinguem dossistemas estatais pela sua autonomia administrativa, financeira eprogramtica.

    1.1.1 Televiso CulturalSob outro ponto de vista, considerando-se a profunda imbricaoentre a comunicao e a cultura, o terico Jess Martn-Barbero(2002) parte da perspectiva cultural para enumerar trs traos quepossibilitariam a distino de uma televiso pblica. De forma re-sumida, eles podem ser enumerados como: a capacidade de inter-

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  • 36 Renata Rocha

    pelar o pblico, ao incluir o consumidor como cidado (ressaltan-do-se a necessidade desta distino, sem, no entanto, cair emoposies maniquestas-; a possibilidade de se exercer o direito decidadania estendido aos diversos setores da sociedade, pois o e-xerccio das estratgias de excluso e tambm de empoderamentodo cidado passam, hoje, pela cultura; e, por fim, a recriao au-diovisual dos relatos que narram a cultura comum, bem como apluralidade das comunidades culturais que constituem um pas.

    As caractersticas apresentadas envolvem, em seu cerne, osentido e o alcance da cultura na televiso, e, mais do que isso,apontam para a ideia de uma televiso cultural, caracterizada peloautor como aquela que:

    ...no se limita transmisso da cultura produzidapor outros meios, mas a que trabalha na criao cul-tural a partir de suas prprias potencialidades ex-pressivas (...); torna expressivamente operante a es-pecialssima relao que ela tem, como meio, com aacelerada e fragmentada vida urbana. E isso atravsdo fluxo de imagens (...); abre o caminho para setornar alfabetizadora da sociedade toda nas lingua-gens, habilidades e escritas audiovisuais e informti-cas que fazem parte da complexidade cultural espec-fica de hoje... (MARTN-BARBERO, 2002: 71 a 73.grifos do autor).

    O autor aborda, como ltimo aspecto a ser considerado pelateleviso cultural, a qualidade, que significaria: conceber a com-petitividade de forma multidimensional abarcando profissiona-lismo, inovao e relevncia social da produo , articular a a-tualizao tcnica e a competncia comunicativa; possuir clarezaem sua identidade institucional e, por fim, o reconhecimento desua qualidade a partir de pesquisas qualitativas (e no apenasquantitativas) da audincia.

    Arlindo Machado, no livro A Televiso Levada a Srio, aler-ta para o perigo do uso do termo televiso de qualidade, con-

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 37

    siderando que esta expresso, alm de especificar um foco deinteresse, pode remeter interpretao da qualidade como umdesvio da norma na televiso. Vale lembrar que os estudiososdo cinema ou da literatura, por exemplo, no falam em cinema dequalidade ou literatura de qualidade, pois, o que no tivesse qua-lidade nestas formas de expresso, sequer seria considerado dignode estudo.

    Assim, tendo em vista os diferentes usos e intenes em re-lao ao termo, Geoff Mulgan (1990 apud MACHADO, 2000)enumera sete acepes da palavra qualidade, em circulao nosmeios que discutem a televiso. Dessa forma, o termo pode sereferir: (1) a um conceito tcnico, que diz respeito aos recursosexpressivos do meio, como roteiro, fotografia, interpretao, fi-gurino etc.; (2) capacidade de detectar as demandas da audinciae da sociedade; (3) a uma concepo esttica que levaria em contaa explorao inovadora dos recursos de linguagem; (4) a umaabordagem chamada ecolgica, na qual so privilegiados os as-pectos morais, pedaggicos e modelos edificantes de conduta; (5) funo poltica, a partir de seu poder de mobilizao, partici-pao e comoo nacional; (6) possibilidade de expresso deexperincias diferenciadas, valorizando as individualidades, mi-norias, em vez da integrao nacional e do estmulo ao consumo;e, por fim, em meio a tantos interesses divergentes, a qualidadepode estar na (7) diversidade, ou seja, na possibilidade de oportu-nizar o mais amplo leque de experincias diferenciadas.

    Por sua vez, a lei modelo de Rumphorst (2007), partindo dopressuposto de que certas caractersticas so universalmente vli-das, recorre Resoluo de Praga (aprovada na Conferncia Mi-nisterial de Praga, em dezembro de 1994) e a Resoluo do Par-lamento Europeu (aprovada em 1996).

    Tomando como base, principalmente, as perspectivas ecol-gica e da expresso das diversidades, no conceito de qualidade,estes documentos indicam que o Servio Pblico de Radiodifusodeve apoiar valores subjacentes s sociedades democrticas, emespecial, o respeito pelos direitos humanos, pela cultura e pelo

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  • 38 Renata Rocha

    pluralismo poltico. Deve se opor a qualquer tipo de discrimi-nao ou segregao, s foras de mercado e parcialidade nacomunicao, refletindo diferentes ideias filosficas e religiosasda sociedade, com o objetivo de reforar a compreenso mtua ea tolerncia. Um SPR tambm deve garantir que a populao emgeral tenha acesso aos eventos de interesse pblico geral.

    Desta forma, a TVE-Ba ser, a partir deste momento, de-signada como uma televiso pertencente ao campo pblico deradiodifuso, ou com finalidade pblica, com base nos pressu-postos acima elencados. Em relao sua classificao precisa,dentre os sistemas supostamente existentes no Brasil o privado,o pblico e o estatal , optamos pela sua disposio no modeloestatal, ao considerar os contextos histrico-sociais aos quais aemissora se inseriu e est inserida, bem como a conjuntura daspolticas culturais para a televiso pblica no Estado.

    Tal proposio poder ser mais bem compreendida no decursodesta dissertao, a partir da explicitao da anlise dos aspectosnorteadores deste estudo, a saber, a legislao que norteia a emis-sora, suas formas de gesto e controle, seu financiamento e suaprogramao.

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  • Captulo 2

    TELEVISO E HISTRIACULTURAL

    A introduo da perspectiva histrica nos estudos sobre os meiosmassivos de comunicao, entre eles a televiso, foi proposta, ementrevista, por Martn-Barbero (1996) pois, segundo este autor, aanlise de seu funcionamento no se restringe apenas a aspectostcnicos, como a expanso e o desenvolvimento tecnolgicos, emesmo lgica mercantil que os regula. Para Martn-Barbero,hay unos procesos mucho ms anchos a nvel de la sociedadque son los culturales y que remiten a otras dimensiones de lavida, que no tienen que ver directamente con comunicacin y sinlas cuales yo no comprendo lo que se pasa en la comunicacin.1

    (MARTN-BARBERO, 1996: 45).No se trata, portanto, de analisar a cultura que difundida e

    desenvolvida no interior dos meios de comunicao, mas de com-preender as dinmicas culturais que os englobam. Desta forma,a questo cultural, trazida para o centro do cenrio poltico e so-

    1 ...h processos muito mais amplos no nvel da sociedade que so os cul-turais e que remetem a outras dimenses da vida, que no dizem respeito dire-tamente comunicao, e sem as quais eu no compreendo o que se passa nacomunicao (traduo da autora).

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  • 40 Renata Rocha

    cial, pela escolarizao e pelos meios de comunicao, deve serabordada a partir de uma perspectiva poltica, pois:

    Uma televiso pblica/cultural como a que aqui foicaracterizada, no ser possvel sem um mnimo depolticas explcitas (...). No que se refere ao espaonacional, as polticas de comunicao no podem ho-je ser definidas apenas pelo Ministrio das Comu-nicaes, como meras polticas de tecnologias oude meios, mas devem fazer parte de polticas cul-turais. Da mesma forma, ser impossvel mudar arelao do Estado com a cultura, sem uma polticacultural integral, ou seja, sem desestatizar o carterpblico, re-situando-o no novo tecido comunicativodo carter social, mediante polticas capazes de mo-bilizar o conjunto dos atores sociais: instituies eassociaes estatais, privadas e independentes, polti-cas, acadmicas e comunitrias. (MARTN-BARBE-RO, 2002: 74-75).

    Nesta perspectiva, a televiso, e em especial a TV pblica, nopode ser pensada enquanto mero veculo de comunicao, mascomo objeto de formulao e estabelecimento de polticas pbli-cas2 especficas, de forma a garantir a diversidade, pluralidade eindependncia neste importante aparato de interveno cultural.

    Em que pesem estas consideraes, os debates sobre as polti-cas culturais para o audiovisual no Brasil tm como principal ca-racterstica o silenciamento quanto ao tema da televiso. Isso sedeve a uma conjuno de aspectos: o preconceito cultural da in-telectualidade e das elites que, por um lado, qualificam o cinema

    2 importante ressaltar que o Estado, apesar de no se configurar comoa nica possibilidade de promoo das polticas culturais, possui um papel deextrema relevncia neste processo, devido sua capacidade de regulamentar,fiscalizar e contribuir para a solidez e permanncia das intervenes, sendocapaz de garantir, com maior nfase, a diversidade e a pluralidade no cumpri-mento das demandas culturais.

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 41

    como manifestao artstica e, por outro, desconsideram o papelcultural da TV3; a rotulao deste meio de comunicao comomero aparelho ideolgico ou simples vetor de mercantilizao dacultura; e a desateno quanto importncia da mdia no mundocontemporneo, dentre outros. Alm disso, refletindo o mesmotema sob outra perspectiva, h que se considerar o forte poder depresso exercido pelos proprietrios das grandes emissoras e suasintervenes em debates e decises que venham de encontro aosseus interesses.

    Mesmo sem fazer referncia a todas as questes aqui enume-radas, Albino e Linda Rubim, no texto Televiso e polticas cul-turais no Brasil, advertem que as atitudes de resistncia tele-viso muitas vezes inviabilizaram sua figurao como tema fun-damental para as polticas culturais no Brasil. Os autores pon-deram, ainda, que:

    Cabe superar tais atitudes, sem, no entanto, desco-nhecer que suas crticas tambm devem ser consi-deradas, pois recuperam, ainda que de maneira uni-lateral, aspectos e dimenses da televiso que exigemtratamento, tal como a potente subsuno da televisoa uma lgica capitalista e global. (RUBIM, A.; RU-BIM, L., 2004: 19).

    Deste modo, imperativo compreender este importante meiode comunicao em sua totalidade, sem maniquesmos, e a par-tir de sua trajetria e contexto, suas lgicas particulares, suas es-tticas, simbologias etc. Apoiados neste propsito, buscaremosdiscorrer, ainda que de maneira breve, sobre a formao e expan-so da televiso no mundo, para, s ento, traarmos um brevepanorama sobre as polticas culturais para o audiovisual, em espe-cial no que diz respeito ao campo pblico da televiso, em mbitofederal.

    3 Cabe ressaltar que este trabalho no tem como objetivo questionar o papelartstico do cinema, mas simplesmente constatar sua priorizao nos debatesem relao ao audiovisual no pas.

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  • 42 Renata Rocha

    2.1 Televiso Pblica no Mundo: BreveHistrico

    Na Europa Ocidental, a maioria dos sistemas de televiso nasceue se configurou nos anos 40 e 50 seguindo o modelo de serviopblico, mas diretamente dependente do Estado e de carter mo-nopolista. Tal conformao, segundo o terico Enrique Busta-mante, ocorreu porque

    La gestin de un recurso escaso como eran as fre-cuencias hertzianas, la conciencia sobre la importan-cia poltico-cultural de la radiotelevisin, o el con-senso sobre la necesidad de preservar a ese aparatode la presin comercial fueron frecuentemente lasprincipleis razones alegadas, cuando no simplementela inexistencia de grupos privados fuertes interesa-dos en el sector.4 (BUSTAMANTE, 2004: 31).

    Para alm destas questes, frequentemente elencadas em es-tudos sobre o tema, o autor aponta causas profundas que con-triburam para a opo pela televiso pblica no contexto europeudo ps-guerra. A primeira, denominada econmica, seria anecessidade por parte do Estado de garantir as condies geraispara a reproduo do capital. J a segunda causa que o autorclassifica como poltica, embora tambm possua caractersticaseminentemente culturais , diz respeito necessidade de resta-belecer o sistema poltico debilitado e a soberania nacional. Emambos os casos, uma TV centralizada e controlada pelo governofuncionaria como importante ferramenta, seja para impulsionar o

    4 A gesto de um recurso escasso como eram as frequncias hertzianas, aconscincia sobre a importncia poltico-cultural da radioteleviso, ou o con-senso sobre a necessidade de preservar esse aparato da presso comercial foramfrequentemente as principais razes alegadas, quando no simplesmente a i-nexistncia de grupos privados fortes interessados no setor (traduo da au-tora).

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    avano do marketing fordista, atravs da ampliao das possi-bilidades publicitrias e da conformao de um mercado consu-midor, seja para promover a restaurao do consenso acerca deuma pretendida identidade nacional.5

    Dessa forma, constituiu-se nestes pases um modelo espec-fico de televiso estatal de servio pblico que se caracterizou pe-los objetivos pedaggicos de oferta de programas, sob uma pers-pectiva paternalista da alta cultura; pela relativa, embora pro-gressiva, autonomia da gesto em relao ao governo; e pela pre-dominncia do financiamento atravs de taxas e impostos.

    Durante vrias dcadas, este modelo se manteve inclume emseus traos essenciais, apesar das constantes transformaes tec-nolgicas e dos acontecimentos sociais, culturais, polticos e eco-nmicos. Fator que certamente contribuiu para detonar a criseque o sistema pblico de radiodifuso europeu vem atravessando,desde a dcada de setenta, e, posteriormente, para a posta em mar-cha do processo de desregulao, ou re-regulao,6 nestes pases.

    Os principais sinais desta crise seriam: a criao dos segundoscanais, o que significava o reconhecimento de uma pluralidadede gostos e ao mesmo tempo a importncia de se exercer umafuno cultural mais estrita; o surgimento dos canais regionais(ou terceiros canais), que demonstraram a necessidade de fugirao centralismo exacerbado; e a introduo progressiva de publi-cidade nas emissoras, indicando uma saturao do financiamentovia impostos.

    Pero la autntica crisis llegar de la mano de la ins-tauracin generalizada por la desregulacin de sis-

    5 Com exceo da Alemanha. Neste pas, por imposio dos aliados quetemiam a reconstituio do esprito nacional alemo o sistema televisivo foimontado de forma descentralizada e federalizada. (BUSTAMANTE, 2004)

    6 Bustamante (2004) pondera o uso do termo desregulao, que, emboramais frequente, no condiz com o processo apontado que, ao contrrio de sig-nificar uma eliminao das leis que regem a televiso nestes pases, muitasvezes resultou numa proliferao de legislaes especficas sobre o audiovi-sual.

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    temas mixtos ou duales, denominaciones pura-mente jurdicas que slo indican la coexistncia entredos tipos de titularidad y de objetivos, pero ocultanla diversidad de situaciones y de equlibrios que segeneran entre ellas.7 (BUSTAMANTE, 2004: 36).

    Em outras palavras, os sistemas de radiodifuso dos diferentespases da Europa Ocidental iniciam um processo de abertura iniciativa privada. No entanto, em maior ou menor medida, essaabertura do sistema anteriormente caracterizado pelo monoplioestatal deu-se em paralelo a uma srie de regulamentaes erestries.

    Dentre os sistemas pblicos europeus, a British Broadcas-ting Corporation (BBC), emerge como modelo exemplar. Criadaem 1922, como uma corporao comercial, a BBC surge com oobjetivo de organizar a emergente demanda pela explorao doservio radiofnico. Quatro anos depois, a empresa tornou-seum monoplio pblico, a fim de operar de acordo com os inte-resses nacionais (CRAWFORD COMITTEE, 1925 apud LEALFILHO, 1997: 66). Em 1954, foi criado o primeiro canal inde-pendente de televiso. Embora a comercializao de publicidadefosse restrita emissora privada, a disputa pela audincia era acir-rada. Apenas na dcada de 80, foi permitida uma concorrnciaampliada na Gr-Bretanha, que se caracteriza por uma regulamen-tao ostensiva de seu funcionamento.

    O fim dos monoplios estatais e o surgimento de um sistemamisto pblico/privado trouxeram uma srie de problemas ain-da sem resoluo para os pases da Europa Ocidental. Para almdos aspectos regulatrios, no h uma perspectiva de atuaocomplementar entre eles. Enquanto os canais privados lutam pela

    7 Porm, a autntica crise chegar a partir da instaurao generalizada peladesregulao de sistemas mistos ou duais, denominaes puramente jurdi-cas que s indicam a coexistncia entre dois tipos de titularidade e de objetivos,mas ocultam a diversidade de situaes e de equilbrios que so gerados entreelas (traduo da autora).

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    conquista e manuteno da audincia, por vezes em condies de-siguais de fora,8 os canais pblicos enfrentam a diminuio dasverbas estatais, o surgimento de uma onerosa concorrncia comemissoras privadas, a multiplicao de opes de consumo cul-tural etc.

    2.1.1 Televiso Pblica nas AmricasO modelo estadunidense, por sua vez, baseou-se, desde o seusurgimento, no sistema comercial, com grandes empresas no co-mando das emissoras de televiso. Os rumos tomados pela TV e oacesso a este meio foram obviamente influenciados por este con-texto. Contrapondo o estabelecimento deste modelo ao sistemaeuropeu, Manuel Palacio detalha:

    En los modelos de televisin de iniciativa privada, elservicio televisivo se cre a partir de unas estacionesurbanas que consolidaban un mercado publicitriolocal y que luego, cuando las condiciones econmi-cas lo posibilitaban, ampliaban su cobertura inter-conectando otras emisoras componiendo entre ellasuna red televisiva. En los modelos pblicos europeos,al margen de la rentabilidad econmica, la red secre bien a partir de una nica emisora que fu co-nectando con otras posteriormente estabelecidas enotros lugares tal como sucedi en Gran Bretaa oFrancia, o bien a partir de la aparicin casi coetneade dos o ms estaciones que inmediatamente intentan

    8 No caso espanhol, por exemplo, a Televisin Espaola, e os canais re-gionais surgidos posteriormente, contam com uma dotao oramentria es-tatal significativa, alm dos recursos oriundos de publicidade. Tambm pesa aseu favor o fato de que at a dcada de oitenta, a emissora nacional era a nicaopo televisiva do pas. Para maiores informaes, ver: Televiso e Cultura:Anlise da Trajetria de Duas TVs Pblicas, de Renata Rocha (2006).

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    enlazarse como pas en Alemania o Itlia.9 (PALA-CIO, 2001: 34).

    A forma como ambos os sistemas se estruturam serve tam-bm para exemplificar uma diferena crucial entre eles. Enquantona Europa Ocidental a filosofia de funcionamento dos sistemastelevisivos tinha como princpio as aes do governo, no sistemaestadunidense, a natureza do broadcasting, ou seja, da televisoem cadeia, era decidida pelas foras do mercado.

    E com base na experincia e estrutura empresarial radiofni-ca que o oligoplio de trs cadeias de TV se constituiu nos Esta-dos Unidos, com financiamento exclusivamente comercial. Noentanto, os organismos estatais desempenharam um papel deci-sivo na separao das funes e monoplios, na proteo de oli-goplios frente aos concorrentes e na gerao de regras para aproduo e programao.

    En definitivo, el sistema de televisin norteamericanode televisin debe ser visto como el producto in-tegrado de una cordinacin oligopolstica entre lasmayores companhas y el gobierno (STREETER,1983), sin que la televisin pblica o PBS jugaranunca un rol destacado en el comportamiento de esesistema. Pero la televisin norteamericana lleg aser tambin un paradigma de la aplicacin de las re-glas del mercado y de la televisin concebida comobusiness.10 (BUSTAMANTE, 2004: 32).

    9 Nos modelos de televiso de iniciativa privada, o servio televisivo criou-se a partir de estaes urbanas que consolidavam um mercado publicitrio lo-cal e que logo, quando as condies econmicas permitiram, ampliaram suacobertura, interconectando-se a outras emissoras e compondo uma rede tele-visiva entre elas. Nos modelos pblicos europeus, margem da rentabili-dade econmica, a rede criou-se a partir de uma nica emissora que foi seconectando a outras, posteriormente estabelecidas em outros lugares, comoaconteceu na Gr-Bretanha ou Frana, ou ento, a partir do aparecimento quasesimultneo de duas ou mais estaes que imediatamente tentaram se interligar,como aconteceu na Alemanha ou Itlia (traduo da autora).

    10 Em definitivo, o sistema de televiso norte-americano deve ser visto como

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    Nos Estados Unidos, o sistema de televiso pblica, capi-taneado pela Public Broadcasting Service (PBS) organizaoque rene trezentos e cinquenta emissoras locais e nacionais ,no se apresenta como uma forma de compensao ao sistemacomercial, devido a aspectos como sua audincia marginal; suafilosofia mista, entre o localismo e a educao, demonstrando umaconfuso conceitual de objetivos; sua organizao fragmentada; ea escassez e disperso de seu financiamento (MYATT, 2003 apudO DESAFIO..., 2003).

    J na Amrica Latina, a dinmica comercial e privada avanourapidamente e se generalizou j nos anos 1950 e 1960. As emis-soras pblicas adotaram, com frequncia, um esquema arbitrrio,sem consenso social nem modelo de servio pblico. Como ex-cees a esta regra, podem ser citadas a estrutura originria dateleviso no Chile, inicialmente confiada s universidades, e ateleviso pblica colombiana, com seu sistema de aluguel de fai-xas horrias a programadoras privadas.

    Em que pesem estes exemplos, na maioria dos casos, o mo-mento de comercializao da televiso foi avassalador e absorveuas iniciativas pblicas ou no lucrativas, instaurando uma quasecompleta hegemonia privada que s se romper em algum pasmuito pontualmente. E o Brasil no fugiu a esta regra, conformeveremos a seguir.

    2.2 Televiso Pblica e Cultura no BrasilCabe explicitar, inicialmente, que a contextualizao da trajetriadas emissoras de televiso de carter pblico no pas foi elabo-rada sob a tica cultural, tomando por aspecto norteador as polti-

    o produto integrado de uma coordenao oligopolstica entre as maiores em-presas e o governo (STREETER, 1983), sem que a televiso pblica, ou PBS,desempenhasse um papel destacado no comportamento desse sistema. Porm,a televiso norte-americana chegou tambm a ser um paradigma da aplicaodas regras do mercado e da televiso concebida como business (traduo daautora).

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    cas pblicas para a cultura voltadas para o setor audiovisual. Estepercurso apropriando-nos das palavras do professor Albino Ru-bim, quando se refere s polticas para a cultura no Brasil secaracteriza por grandes desafios, resultado de tristes tradies,que podem ser emblematicamente sintetizadas em trs palavras:ausncia, autoritarismo e instabilidade. (RUBIM, 2008: 185).

    Essas tradies tambm permeiam o contexto de desenvol-vimento da televiso aberta no pas. Em seus primeiros anos, aausncia de polticas especficas para este tipo de veiculao podeser considerada a caracterstica mais marcante. Um exemplo ainstalao da televiso no pas pela iniciativa privada, seguindoo modelo estadunidense de radiodifuso. A iniciativa se deu nopor determinao de um projeto governamental especfico, maspelo pioneirismo e improvisao do empresrio brasileiro AssisChateaubriand que, ainda na dcada de 40, comprou uma emis-sora da Radio Corporation of America (RCA) nos Estados Unidos(ROCHA, R., 2004).

    Assim, em 18 de setembro de 1950, foi inaugurada, na cidadede So Paulo, a primeira TV da Amrica Latina, a PRF-3, TVTupi-Difusora, embora sua implantao tenha sido consideradaprematura por uma pesquisa encomendada aos estadunidenses.Pertencente ao grupo dos Dirios e Emissoras Associados,11 a em-presa iniciou suas atividades de maneira precria e improvisadacom quadro profissional oriundo, em sua maioria, do rdio (SI-MES; COSTA; KEHL, 1986).

    No ano seguinte, em 20 de janeiro de 1951, foi inaugurada aTV Tupi Rio, segunda emissora dos Dirios Associados. A pro-gramao era produzida localmente e ao vivo. Ao final da d-cada de 1950, j existiam outras oito empresas de televiso emfuncionamento inclusive com iniciativas de outros grupos con-cessionrios (MATTOS, 2000). Nos primeiros anos, portanto, e-

    11 J nesta poca, os Dirios e Emissoras Associados, sob a tutela deChateaubriand, compunham uma vasta rede de empresas jornalsticas que in-cluam jornais impressos, emissoras de rdio e a paradigmtica revista semanalO Cruzeiro (SIMES; COSTA; KEHL, 1986).

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    xistiam somente emissoras operadas por empresas privadas e deprogramao comercial.12

    Em 27 de agosto de 1962, mais de uma dcada depois da i-naugurao da primeira emissora, foi aprovada no congresso na-cional a Lei no. 4.117, que criou o Cdigo Brasileiro de Teleco-municaes. O novo Cdigo passou a regular todas as atividadesvoltadas para a transmisso ou recepo de smbolos, caracteres,imagens, sons ou dados de qualquer natureza; por fio, rdio, ele-tricidade, meios ticos ou outro processo (JAMBEIRO, 2000).

    Embora a poltica do nacionalismo desenvolvimentista tenhase originado no governo de Juscelino Kubitschek, foi com a ins-taurao do regime militar, aps o golpe de 1964, que a televisopassou a refletir a ideia bastante disseminada pelas teorias desen-volvimentistas da funo estratgica desempenhada pelos meiosde comunicao na divulgao do Estado e das tentativas de mo-dernizao da sociedade. Retomamos, portanto, a tradio doautoritarismo nas polticas culturais brasileiras (RUBIM, 2008).

    Inovaes tecnolgicas patrocinadas pelo governo militar con-triburam para a expanso do sistema de redes: em 1965, ano emque o Brasil se associou ao Sistema Internacional de Satlites(Intelsat), foi criada a Empresa Brasileira de Telecomunicaes(Embratel). Configurou-se, ento, a existncia de uma polticacultural extremamente autoritria e efetiva, centrada em dois as-pectos principais: a concretizao da Doutrina de Segurana Na-cional e o controle dos contedos transmitidos pelos veculos decomunicao (RUBIM, A.; RUBIM, L., 2004).

    No ano de 1967, a emisso do Decreto-lei 236 tornou o Cdi-go Brasileiro das Telecomunicaes mais autoritrio e centrali-zador, impedindo a divulgao de opinies contrrias ao governoditatorial e restringido a propriedade dos meios de comunicao.O documento configurou tambm o Ministrio das Comunicaes(MINICOM), que passou a desempenhar as funes antes atribu-

    12 A primeira televiso educativa brasileira foi a TV Universitria de Per-nambuco, inaugurada apenas no ano de 1967 (FRADKIN,2003, apud O DE-SAFIO..., 2003).

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    das ao Conselho Nacional de Telecomunicaes (CONTEL), que,como rgo colegiado, possua natureza mais democrtica.

    Este mesmo decreto criou o sistema educativo, estabelecendoem seu artigo 13 que as televises e rdios educativas no tmcarter comercial, sendo vedada a transmisso de qualquer pro-paganda, direta ou indiretamente. Alm disso, a televiso e-ducativa se destinar divulgao de programas educacionais,mediante a transmisso de aulas, conferncias, palestras e de-bates. (BRASIL, 1967a).

    A ausncia de mecanismos que regulamentem a programaotem impulsionado as emissoras educativas a descumprirem suma-riamente a norma jurdica, tendo em vista seu progressivo dire-cionamento a uma programao cultural. Alm disso, a lei res-tringe brutalmente as possibilidades de ao, tanto em seus aspec-tos formais quanto de contedo, destas TVs, que se configuramcomo principais representantes do campo pblico de radiodifusodo pas (BOLAO, 2007).

    Esse dispositivo legal vem beneficiando as emissoras comer-ciais com a diminuio da concorrncia na disputa por anuncian-tes, atravs da imposio, ao sistema pblico, de limitaes deordem econmica, fazendo-as depender basicamente dos recursosoramentrios destinados pelos governos estaduais tolhendo suaautonomia financeira e colocando-as na esfera de ao da polticalocal. (BOLAO; BRITTOS, 2008: 06).

    O artigo de nmero 13 do decreto 236, por exemplo, contribuipara reforar o predomnio do carter comercial na indstria tele-visiva, ao definir que as TVs educativas no poderiam aceitar pu-blicidade direta ou indireta, patrocnios, e que somente os gover-nos federal, estadual e municipal, universidades e fundaes dedireito pblico poderiam operar TVs educativas.

    As intricadas relaes entre o governo central e as empresasprivadas de comunicao tambm contriburam para o estabele-cimento das emissoras comerciais como representantes da polticade execuo do projeto de integrao nacional que comeavaa tomar corpo. O sudeste torna-se o plo irradiador das mani-

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    festaes culturais, inclusive atraindo artistas de outros estados.Neste sentido, a iniciativa estatal impulsionou a criao de ummercado nacional para as telecomunicaes, beneficiando apenaspoucas empresas, com destaque para a Rede Globo (BOLAO;ORTIZ, 1988, 1998).

    Em 1968, a rede nacional de microondas da Embratel e o sis-tema de transmisso via satlite so postos em prtica. Por outrolado, a instituio do crdito ao consumidor facilita a compra deaparelhos televisivos. uma poca caracterizada pelo amplo usode programas estrangeiros nas emissoras comerciais, por motivostanto econmicos quanto polticos, j que os enlatados custammuito menos do que produzir um programa local e no trazemproblemas com a censura (MATTOS, 2000).

    No Brasil, a histria das emissoras pertencentes ao campopblico de radiodifuso confunde-se com a histria das TVs e-ducativas. Contribuem para o fato as lacunas, omisses e incon-gruncias de nossa legislao. Alexandre Fradkin, no blog Le-gislao da Radiodifuso Educativa, afirma que no Brasil sob oaspecto estritamente legal, s existem dois tipos de emissoras deteleviso: a comercial e a educativa. Qualquer outra denominaoque esteja sendo utilizada no possui respaldo legal. (FRADKIN,2007). Isso porque, ainda segundo o autor, televiso educativa o nico termo que consta de todos os instrumentos legais queregem a matria no pas.

    A primeira televiso com finalidade educativa do Brasil foiinaugurada em 1968. Trata-se da TV Universitria de Pernam-buco, vinculada Universidade Federal do mesmo Estado (CA-PARELLI, 1982). Um ano depois, era inaugurada a TV Cultura,13

    sob a tutela da Fundao Padre Anchieta e excepcionalmente sub-metida a um regime de direito privado. Sua proposta, segundo o

    13 A emissora pertencia originalmente aos Dirios e Emissoras Associados,grupo pertencente ao empresrio Assis Chateaubriand. Aps sofrer um in-cndio que destruiu todas as suas instalaes, foi vendida numa operao quesuscitou intensa polmica, em 1967, ao Estado de So Paulo. (LEAL FILHO,1988)

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    professor Laurindo Leal Filho, no livro Atrs das Cmeras, eraambgua: contemplar a necessidade de produzir programas deescolarizao para as classes subalternas da sociedade, ao ladode um projeto cultural nitidamente voltado para as elites. (LEALFILHO,1988: 27).

    Neste perodo, os projetos de televiso educativa caracteriza-vam-se pelo entendimento dos meios de comunicao como im-portantes ferramentas para a expanso educacional, atingindo aspopulaes excludas dos circuitos oficiais. Seu surgimento nopas foi impulsionado pela presso de agncias e organismos in-ternacionais, liderados pela UNESCO, que defendiam o uso daTV para suprir as carncias educacionais dos pases em desen-volvimento. Outro importante fator era a necessidade de for-mao de mo-de-obra especializada, diante de um acelerado pro-cesso de industrializao, promovido pelo regime militar (JAM-BEIRO, 2008).

    No havia, entretanto, qualquer poltica pblica educacionalclaramente definida para as emissoras educativas. Estas eram,em sua maioria, constitudas por motivos polticos ou iniciati-vas individuais descompromissadas e acabaram por se vincularao governo estadual ou federal (FRADKIN, 2003 apud O DE-SAFIO..., 2003). Seguiram, inicialmente, a matriz de progra-mao educacional-formal, com base em programas didticosvoltados para o ensino e nos telecursos, com o propsito de substi-tuir a sala de aula. O sistema, entretanto, recebeu muitas crticas.Para o professor Othon Jambeiro,

    A despeito do suporte legal, a chamada TV educativabrasileira viveu sempre desacreditada e fortementecriticada por ineficincia. Chegou-se a dizer que,com os recursos que gastou durante sua existncia,teria sido mais barato e provavelmente mais eficientepagar um professor particular para cada um dos seusalunos, ou mand-los estudar nas melhores escolasprivadas do pas. (JAMBEIRO, 2008: 98).

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    Ainda que verdadeira, esta assertiva que toma como baseos custos, no ano de 1969, da TV Universitria de Pernambucoe da TV Cultura de So Paulo (CAPARELLI, 1982) no podeser estendida a todas as emissoras educativas do pas, diante dasmuitas e diversificadas experincias ao longo dos anos.

    necessrio reconhecer, porm, que o abandono da matrizeducacional-formal de programao teve como um dos principaisfatores os altos custos de manuteno, aliados a questes como:as dificuldades de gerenciamento de uma programao voltada aum pblico segmentado em um canal aberto; as incongrunciasentre a linguagem televisiva, eminentemente emocional, e a lin-guagem reflexiva inerente abstrao escolar; a ausncia de inte-grao entre o formato audiovisual e a realidade do telealuno (queno possua sua disposio professores treinados, videotecas,materiais didticos especficos etc.); e, por ltimo, o surgimentode novas tecnologias, que ampliaram as possibilidades educativas(FUENZALIDA FERNNDEZ, 2002).

    A proposta pedaggica fundamentada nos telecursos evoluiupara a teleducao, ou educao distncia, trazendo uma com-preenso mais complexa das possibilidades de utilizao da TV,atravs de formatos e suportes miditicos variados (circuito fe-chado de TV, canais via satlite, DVDs, internet etc.). Tambmsurgiram diversas organizaes especializadas em educao dis-tncia, separando sua atividade e gesto das emissoras abertas deteleviso.14

    Cabe ressaltar, ainda, que as emissoras educativas, ainda quepermaneam com esta denominao, nunca seguiram risca o queestabelecia o Art. 13 do Decreto-Lei 236, acerca das restries emsua programao. Alm disso, estas emissoras passaram a adotar,de forma gradativa, uma matriz de programao mais flexvel e

    14 Embora os telecursos continuem sendo transmitidos em emissoras bra-sileiras, sejam elas educativas ou comerciais, os horrios dedicados a este tipode programa so marginais. Alm disso, a televiso aberta pode ser consi-derada, hoje, como mais um dos variados suportes existentes para a aplicaodesta metodologia de ensino.

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    destacadamente cultural. O direcionamento das emissoras educa-tivas brasileiras rumo a essa matriz de programao, e, portanto,a uma proposta de TV pblica/cultural, encontra respaldo em im-portantes estudiosos do tema, como Martn-Barbero (2002), ReyBeltran (2002), Rincn (2006) etc.

    2.2.1 Abertura Lenta Gradual e SeguraNos primeiros anos da dcada de 1980, o Brasil aponta para o fimda ditadura militar com a promoo de uma abertura democrticagradual, a anistia dos refugiados e presos polticos, o retorno dosexilados, a campanha pelas eleies diretas para presidente e amaterializao de uma nova constituio para o pas.

    O governo Jos Sarney tendo frente do Ministrio dasComunicaes o poltico baiano Antonio Carlos Magalhes ,foi marcado pela utilizao ostensiva das concesses de televisocomo moeda de troca poltica, principalmente em negociaesligadas ao processo de promulgao da nova Constituio. En-tre os anos de 1985 e 1988, Sarney outorgou 1028 concesses oupermisses de rdio e televiso. Deste total, 60% foram distribu-das durante o perodo crtico de disputas na Constituinte (DEMO-CON..., 2006: 22).

    Durante a assembleia constituinte, os debates sobre os dis-positivos que regulamentariam a TV ficaram bastante polarizadosentre entidades ligadas aos trabalhadores da rea de comunicao,conduzidos pela Federao Nacional dos Jornalistas (FENAJ) tendo como principais bandeiras a criao de um Conselho Na-cional de Comunicao para regular o rdio e a TV e a restrioda explorao de canais de rdio e televiso a organizaes semfins lucrativos e empresrios do setor, liderados, principalmente,pela Associao Brasileira das Emissoras de Rdio e Televiso(ABERT), que defendiam a permanncia do controle da radio-difuso pelo poder executivo, alm da explorao destes serviospela iniciativa privada (DEMOCON..., 2006: 22).

    O texto final do Captulo da Comunicao Social da Consti-

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    tuio de 1988 caracterizou-se por aes como a transformaoda proposta de Conselho Nacional de Comunicao em Conselhode Comunicao Social, um rgo consultivo do Congresso; aextenso da competncia da aprovao de concesses ao poderlegislativo, alm do executivo; a dependncia de, no mnimo, doisquintos dos deputados e senadores para reprovar a renovao deuma concesso; o estabelecimento de prazos para permisses econcesses na televiso, quinze anos e no rdio, dez , dentreoutras.

    Em que pesem os avanos trazidos pela constituio, o pro-fessor Othon Jambeiro pondera que

    ...a televiso, considerada uma das armas mais pode-rosas para a consolidao do regime militar, conti-nuou constituindo um aparato fundamental para aperpetuao das elites poltica e econmica do novoregime. A permanncia dos princpios bsicos da le-gislao, estabelecidos durante a ditadura, deve-se se-guramente ao fato da TV ser um instrumento de poderque o governo civil no quis perder. (JAMBEIRO,2000: 81).

    Ou seja, a maioria dos dispositivos criados pela Constituintepermanece at hoje aguardando regulamentao para sua efetivaimplantao. o caso das determinaes que tratam da regiona-lizao de programas; da proibio aos monoplios e oligoplios;dos direitos dos telespectadores em relao aos servios presta-dos pela emissora; e do art. 223, que cria trs modos, comple-mentares entre si, de explorao dos servios de televiso, o pri-vado, o estatal e o pblico. Estas omisses nos remetem terceiratradio, apontada por Rubim, das polticas culturais no Brasil(2008): a instabilidade.

    Durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Car-doso, so quase inexistentes as relaes mantidas entre televisoe polticas pblicas para a cultura. Um dos traos marcantes do

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    perodo foi exatamente a quase substituio do Estado pelo mer-cado, como agente das polticas culturais vigentes, muito bemrepresentada pelo livreto Cultura um bom negcio, distribudopelo Ministrio da Cultura, na poca capitaneado por FranciscoWeffort (RUBIM, A.; RUBIM. L., 2004).

    Em relao s polticas culturais para o audiovisual, destacam-se: a promulgao da lei 8.977, de 1995, conhecida com lei docabo, a criao de um canal de televiso por assinatura, o canalCultura e Arte e o esforo para uma retomada na produo docinema brasileiro.

    Neste caso, alm de dar continuidade e consolidar aLei do Audiovisual, o governo FHC criou a AgnciaNacional de Cinema Ancine, em uma clara demons-trao que pretendia encarar a questo do cinema deuma perspectiva de mercado, como indstria cultural.Mas a separao entre cinema e audiovisual, inclu-sive a televiso, foi mantida. (RUBIM. A; RUBIM.L., 2004).

    A iniciativa obteve relativo xito quanto ao cinema, mas se-guiu considerando o setor audiovisual de forma desintegrada, ig-norando outros meios e linguagens.

    J a Lei 8.977, conhecida como Lei do Cabo, contribuiu so-bremaneira para o campo pblico de radiodifuso, ao possibi-litar a existncia das emissoras legislativas, universitrias e co-munitrias. Trata-se de um passo importante rumo ampliaodas ofertas televisivas, ainda que restrito parcela minoritria dapopulao que tem acesso a esse tipo de servio. Vale lembrarainda que parte dessas emissoras conseguiu romper as amarras docabo, passando a transmitir sinais tambm para antenas parabli-cas (LEAL FILHO, 2007).

    Outros dispositivos legais contriburam, ainda, para a flexibi-lizao da questo da publicidade nas emissoras do campo pbli-co no Brasil. Este o caso da lei 9.637, de 15 de maio de 1998 que dispe sobre a qualificao de entidades como organizaes

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  • TVE: Matizes para uma nova cultura 57

    sociais, a criao do Programa Nacional de Publicizao, a ex-tino dos rgos e entidades que menciona e a absoro de suasatividades por organizaes sociais, e d outras providncias ecujo artigo 19 determina que:

    as entidades que absorverem atividades de rdio eteleviso educativa podero receber recursos e vei-cular publicidade institucional de entidades de direitopblico ou privado, a ttulo de apoio cultural, admi-tindo-se o patrocnio de programas, eventos e pro-jetos, vedada a veiculao remunerada de annciose outras prticas que configurem comercializao deintervalos. (BRASIL, 1998b).

    Essa norma, sem dvida, abre um importante precedente paraa incluso do apoio cultural como fonte de recurso das rdios eTVs pertencentes ao campo pblico. No entanto, o texto restringea utilizao deste expediente s organizaes sociais que operamemissoras educativas de televiso.

    Apesar dos avanos obtidos durante o governo de FernandoHenrique Cardoso, acima citados, a gesto pblica, naquele pero-do, manteve a televiso restrita ao mbito do Ministrio das Co-municaes de um ponto de vista eminentemente tcnico , demodo que:

    as reas de Educao e Cultura pouco tiveram a dizera respeito, exceto no campo de suas emissoras es-pecficas, de escassa audincia. Assim, quanto aocontedo da programao e em especial quanto aoseu compromisso com valores democrticos, o poderpblico pouco tem efetuado, ficando as poucas ini-ciativas positivas e as muitas duvidosas ao exclusivoarbtrio das emissoras. (JANINE, 2001: 01).

    Em suma, a ausncia de uma poltica pblica efetiva implicana instituio de uma poltica comunicacional e, portanto, cul-tural regida apenas pelos interesses do mercado. Ainda que no

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  • 58 Renata Roch